Globalização e ensino de LE

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PUBLICADO NA ADCONTAR GLOBALIZAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: O novo futuro do espanhol no Brasil em tempos de Mercosul Nélia de Almeida Martins* Tenho 25 anos de sonho e de sangue e de América do Sul Mas por força de meu destino, um tango argentino Me cai bem melhor que um blues. A Palo Seco - Belchior RESUMO A globalização é a forma mais recente de um mesmo processo de evolução das relações econômicas. A transformação do local no global se faz mais imediata com o desenvolvimento da tecnologia. São as inovações tecnológicas que forçam um novo olhar para a educação e para o ensino de uma língua estrangeira em particular. Nesse processo, o inglês se mantém imbatível, mas o espanhol cresce como nunca, afetando inclusive os olhares entre Brasil e vizinhos na América Latina, tradicionalmente isolados um dos outros. Apesar de presente nos currículos escolares entre 1942 e 1960, foi nos últimos 10 anos que o Brasil teve que aprender a falar espanhol – e fluentemente – para se lançar ao futuro. PALAVRAS-CHAVE: América Latina - espanhol - globalização – língua estrangeira - MERCOSUL RESUMEN La globalización es la forma más actual del proceso de evolución de las relaciones económicas. La transformación de lo local en global es más inmediata con el desarrollo de la tecnología. Son esas novedades que hacen con que un país mire con otros ojos hacia la educación y enseñanza de una lengua extranjera. El inglés, presente hace 150 años en los currículos de las escuelas sigue muy importante pero el español crece como nunca, afectando las políticas

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PUBLICADO NA ADCONTAR

GLOBALIZAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: O novo futuro

do espanhol no Brasil em tempos de Mercosul

Nélia de Almeida Martins*

Tenho 25 anos de sonho e de sangue e de América do SulMas por força de meu destino, um tango argentino

Me cai bem melhor que um blues.

A Palo Seco - Belchior RESUMO

A globalização é a forma mais recente de um mesmoprocesso de evolução das relações econômicas. Atransformação do local no global se faz mais imediata com odesenvolvimento da tecnologia. São as inovaçõestecnológicas que forçam um novo olhar para a educação epara o ensino de uma língua estrangeira em particular.Nesse processo, o inglês se mantém imbatível, mas oespanhol cresce como nunca, afetando inclusive os olharesentre Brasil e vizinhos na América Latina, tradicionalmenteisolados um dos outros.

Apesar de presente nos currículos escolares entre 1942e 1960, foi nos últimos 10 anos que o Brasil teve queaprender a falar espanhol – e fluentemente – para se lançarao futuro.

PALAVRAS-CHAVE: América Latina - espanhol - globalização –língua estrangeira - MERCOSUL

RESUMENLa globalización es la forma más actual del proceso de

evolución de las relaciones económicas. La transformaciónde lo local en global es más inmediata con el desarrollo dela tecnología. Son esas novedades que hacen con que un paísmire con otros ojos hacia la educación y enseñanza de unalengua extranjera. El inglés, presente hace 150 años en loscurrículos de las escuelas sigue muy importante pero elespañol crece como nunca, afectando las políticas

lingüísticas del único territorio luso hablante de AméricaLatina: Brasil. El alza del español, imparable, cambia lasrelaciones entre países tradicionalmente alejados.

Aunque presente entre 1942 y 1960 en las escuelassecundarias, fue en los últimos 10 años que Brasil tuve queaprender – de manera rápida y con fluidez – la lenguaespañola, sino se quedaría sin oportunidades de futuro.

PALABRAS-LLAVE: América Latina - español – globalización –lengua extranjera - MERCOSUR

INTRODUÇÃO

É quase impossível falar hoje em ensino de língua

estrangeira (LE) sem lembrarmos do movimento que provocou a

busca pelo conhecimento de uma LE: a globalização.

Tida como uma coisa nova, a globalização nada mais é

do que a forma mais recente de um processo pelo qual passa

o mundo desde o imperialismo; é um produto histórico de uma

série de evoluções que se caracterizam por um movimento de

longa duração. Se voltarmos um pouco mais na História, é

provável encontrarmos em todas as sociedades medianamente

desenvolvidas, tentativas de transformar o local em global:

Alexandre, os romanos - que expandiram seus domínios até a

Finis Terrae -, e os habitantes dela, portugueses e espanhóis,

globalizaram o mundo no século XV sob seus domínios. Na

América Pré-Colombiana, incas e astecas também formaram

grandes impérios que transformaram seus originários locais

em grandes extensões territoriais através de conselhos e

tratados.

A evolução entre Imperialismo e globalização, segundo

Akkari (2002) teve como elemento catalisador a “vontade de

certo número de países e de grupos sociais de dominar e

explorar outros países e grupos sociais.” Ao longo da

História, houve o encadeamento originado pelo imperialismo,

passando pelo colonialismo e neocolonislismo até a chegada

da modernização e neoliberalismo. O mais recente elo dessa

corrente é a globalização, que tem modos de dominação mais

ambiciosos por contar com uma ferramenta nunca antes tão

desenvolvida: as inovações tecnológicas. Os meios de

comunicação, atrelados ao desenvolvimento tecnológico,

diminuem as distancias e aproximam povos e países do mundo,

acentuando as diversidades, as diferenças, os conflitos e

mostram, on-line, quão complexas podem ser as realidades.

Para esses novos tempos, Europa, América do Norte e

Japão, “uma tríade de pujança” (op.cit) inauguraram o

pensamento de que é pela educação que as instituições se

tornam compatíveis para melhor enfrentar o local

globalizado.

Weinberg (2005) em reportagem da revista Veja analisa a

trajetória da Coréia entre 1960 até 2005, comparando-a ao

Brasil em igual período. Naquela época, a taxa de

analfabetismo da Coréia e Brasil era similar: 33% e 39%,

respectivamente, em que pese o número populacional de

ambos. Hoje a Coréia apresenta 2% de analfabetos e o Brasil

se mantém na casa dos 13%, estacionado no “patamar de

paises bem mais pobres, como a Indonésia.” Com isso, os 7%

dos jovens coreanos que estavam na universidade em 1960,

hoje somam 82%. O Brasil, que nem apresentava dados

concretos em 1960, mantém apenas 18% de sua população jovem

nas universidades. A Coréia em 45 anos erradicou o

analfabetismo permitindo que sua população jovem

ingressasse em cursos superiores e o Brasil, nesse mesmo

período, apresenta “um dos piores desempenhos da América

Latina”. O que distanciou tanto esses dois países que em

1960 tinham estatísticas similares? A educação. “A Coréia

apostou no investimento ininterrupto e maciço na educação –

nós não.” (op.cit) A globalização, no entanto, não

transforma as regras das relações políticas, econômicas e

culturais; apenas reflete os interesses e as ideologias dos

países mais poderosos do sistema internacional e, por

aproximar idéias tão diferentes e díspares, alertou para os

investimentos em educação, como fez a Coréia.

A globalização provocou uma redução relativa da

importância dos Estados Nacionais em diversas partes do

mundo: a criação de novos blocos regionais implicou a

necessidade de certa perda de soberania fazendo com que os

governos pensem em programas transnacionais. O e-learning,

produto do avanço da tecnologia, não é ficção cientifica:

um estudante em Belém, se devidamente equipado de aparatos

tecnológicos competentes, pode ter aulas através do

computador com um professor no Rio de Janeiro, São Paulo ou

Espanha. A instantaneidade da internet alterou inclusive o

processo de ensino; a aprendizagem tradicional sofreu

alterações significativas, pois os alunos que tivessem

meios materiais disponíveis poderiam acessar informações

“quentinhas” e questionar seus professores a qualquer

momento, por mais que esses também fossem portadores dessas

mesmas informações trazendo-as para a sala de aula como se

fosse novidade. A educação virtual, também produto de

fatores sócio-educativos e tecnológicos, cria esse novo

paradigma de trabalho acadêmico. A comunicação mediante o

computador facilita a nova pratica pedagógica diminuindo as

restrições espaciais, temporais e organizacionais. As Novas

Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) mais do que

outro fator, provocou “uma verdadeira metamorfose na nossa

maneira de trabalhar e viver.” (Boaventura, 1999).

Telefones celulares mais inteligentes a cada três semanas,

DVD e, sobretudo, o espaço cibernético, sempre vez mais

onipresente, permitem o livre transito das informações em

diversas línguas, sem problemas de fuso horário e a custo

reduzidíssimo. A educação, e o ensino das línguas

estrangeiras, por esse motivo, devem fomentar nos alunos o

conhecimento crítico, dar-lhes consciência da

interdependência que lhes permita acrescentar

conhecimentos, atitudes e habilidades novas para o

tratamento de diversas questões, inclusive para que

compreendam sua própria identidade para poder compreender e

apreciar a cultura dos outros. É pensar localmente e agir

globalmente: “conhecer a si próprio não só é indispensável

para se ter a capacidade de abertura para compreender

outras culturas, mas uma condição de sobrevivência.”

(op.cit)

I – OS ACORDOS DA AMÉRICA LATINA

A história da integração e cooperação da América

Latina teve inicio na segunda metade do século XX. Em

parceria com os vizinhos, o Brasil fez alguns acordos, mas

muitos não deram os resultados esperados. O processo de

integração da América Latina passaria, então, por pelo

menos três fases (Poletto, 2000): as idéias de Simon

Bolívar, a implantação de projetos de integração regional e

de projetos de integração sub-regional.

A idéia de uma união latina é bem antiga, nascida

durante os movimentos de independência política dos paises

do Novo Continente, tendo sido Simon Bolívar o primeiro

grande mentor. Ele formulou uma proposta de unidade

regional ambiciosa, com projetos para a formação de uma

Federação de Repúblicas, um sistema comum de defesa e uma

união econômica. Apesar de suas propostas não haverem

vingado, suas idéias se mantiveram como uma bandeira em

defesa dos genuínos valores latino-americanos em face dos

externos. A pressão negativa era em parte por causa das

idéias do pan-americanismo propostas pelas Conferencias

Internacionais Americanas, promovidas pelos Estados Unidos

em 1889-1890. A OEA, numa tentativa de fazer frente ao

“poder desmesurado” (op.cit) dos Estados Unidos cria,

então, a CECLA - Comissão Especial de Coordenação Latino-

Americana. O conceito de integração econômica regional só

surgiria nos primeiros anos do século XX, com a fundação da

Cepal.

Em 1948 é fundada a CEPAL – Comissão Econômica para a

América Latina e Caribe. Reivindicada pelos latino-

americanos, sofreu resistência dos Estados Unidos que “não

concordava com a criação de um organismo na região que

possivelmente pudesse escapar de seu controle.” (op.cit) A

própria ONU decidiu que ela teria uma existência de três

anos, pois havia sido criada apenas para assegurar a

implantação de programas de desenvolvimento na região

latino-americana, em sintonia com a Carta Constitutiva da

ONU, de 1945. Apesar de ter se tornado uma verdadeira

escola de pensadores, pois congregou e formou grande parte

dos cientistas sociais da América Latina, a Cepal

questionava tão somente as condições econômicas e sociais

(precárias) das regiões inseridas na América Latina.

A segunda fase do movimento de integração foi marcada

pela criação da ALALC – Associação Latino-Americana de

Livre Comércio, em 1960, mas originada em 1950 com a

constituição do Pacto Andino e da CARICOM - Comunidade

Caribenha. A criação da Alalc foi subscrita, num primeiro

momento, pelo Brasil, Argentina, Chile, México, Peru,

Paraguai e Uruguai. A Colômbia e o Equador entraram em

1961, a Venezuela em 1966 e a Bolívia em 1967. Em 1969,

pelo Protocolo de Caracas, o mercado comum entraria em

vigor em 31 de dezembro de 1980.

Em 1961 a carta de Punta del Este criou a Aliança para

o Progresso dentro da estrutura da operação Pan-americana,

cujos propósitos integracionistas receberam o aval do

governo norte-americano e uma grande ajuda financeira para

sua concretização. A Alalc, entretanto, bem cedo deu sinais

de inoperância. O grande problema, além da baixa

comunicação entre os paises latino-americanos, é que não

havia diversidade nos bens comercializados, pois as

economias regionais se baseavam sempre na exploração do

mesmo produto. As boas intenções contidas no programa

Aliança para o Progresso tampouco apresentavam resultados.

Depois de tantas tentativas frustradas foi somente a

partir de 1980 que o regionalismo renasce na América Latina

e nova tentativa é feita, com a criação da ALADI –

Associação Latino-Americana de Integração. A “Integração”

do nome é em parte em decorrência do retorno da democracia

em todos os países que estavam sob governos autoritários.

Além de ser um fato inédito em todo o continente latino-

americano, a democratização trouxe o despertar de uma nova

articulação política e um novo espírito de solidariedade

regional. Com perspectivas mais realistas, o acordo teve

mais sucesso que os anteriores. O objetivo era obter uma

identidade mais flexível e dinâmica, permitindo a formação

de acordos bilaterais entre os paises membros, bem como

respeitar e reconhecer as diferenças entre eles, para que

cada um alcançasse as metas conforme seu respectivo estágio

de desenvolvimento econômico.

Em meio a essa atmosfera politicamente favorável pelo

espaço aberto pela Aladi, se estabelece um diálogo de

cooperação entre Brasil e Argentina, que vai evoluir no

futuro projeto de um mercado comum, quando recebe a adesão

do Paraguai e Uruguai. Na orientação de seus propósitos

iniciais, no entanto, o novo processo iniciado pelo Brasil

e Argentina é eminentemente político e assim é o texto dos

documentos assinados por ocasião da Declaração de Iguaçu

(1985), da Ata de Amizade Brasil-Argentina (1985) e Tratado

de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (1988). O

movimento integracionista da América Latina iniciado nessa

mesma década de 1980, depois da insatisfação generalizada

com os resultados da Alalc, deveria trazer uma proposta

para um mercado comum regional ao final de 12 anos (ou

seja, começaria a vigorar em 1983).

A abertura política ocorrida na década de 1980 faz

dela como a de um “aprendizado doloroso”, pois marca a

passagem da América Latina por grandes e graves

dificuldades econômicas e financeiras de tal monte que

muitos observadores a classificaram como “a década

perdida.” O aprendizado doloroso, no entanto, serviu para

fazer com que a América Latina avançasse na percepção de

sua realidade, se conhecesse melhor e manifestasse maior

sensibilidade diante das condições sociais precárias em que

estava sua gente. Através de seu aprendizado, a América

Latina também percebeu que estava isolada do resto do mundo

e que deveria intensificar a solidariedade interna para

poder enfrentar e superar suas dificuldades externas. Desta

forma, foram desenvolvidas estratégias para uma articulação

política regional através de reuniões, conferencias e

planos de ação conjuntos cuja finalidade era aprofundar as

relações intralatino-americanas e criar mecanismos de

afirmação externa. Os eventos mais importantes foram: a

Reunião de Lima (1982), a formação do Grupo de Contadora

(1983), depois transformado em Grupo do Rio em 1986, a

Declaração do Plano de Ação de Quito (1984), as Reuniões de

Cartagena (1984), Montevidéu (1985), Acapulco (1987), Punta

del Este (1988) e Ica (1989), a reunião chamada de Cumbre

de Presidentes latino-americanos, na qual os “mandatarios

americanos declararon su aspiración de vivir en un mundo

progresivamente abierto, con menos rigidez ideológica y más

independiente, en el que se pueda dar la democratización

del sistema internacional.” (Rivas, 2004)

O Brasil participou de quase todos os tratados

efetuados na América Latina e também sofreu com o fracasso

deles, devido a pelo menos quatro razões (Seabra e

Formaggi, 2004): a política nacional protecionista e

incompatibilidade com o principio de liberalização

comercial; a predominância de governos não democráticos que

enfatizavam a rivalidade e problemas fronteiriços com

paises vizinhos; problemas sérios com a economia,

principalmente pelas crises de pagamento e inflação elevada

e a proibição, por parte dos Estados Unidos, de formação de

acordos regionais.

Lamentavelmente nenhum dos acordos assinados na

América Latina se preocupou com o uso, ensino e

aprendizagem das línguas faladas nos seus países membros.

Nem o MERCOSUL. A diferença, no entanto, entre este e os

outros é que o Capitulo VIII do Protocolo de Ouro Preto

trata dos idiomas em que serão comunicados os documentos,

fazendo com que o Brasil percebesse que deveria preparar

gente para poder manusear esses documentos. No artigo 46 do

Protocolo se lê: Los idiomas oficiales del MERCOSUR son el español y el

portugués. La versión oficial de los documentos de trabajo será la del idioma

del país sede de cada reunión.

Em 1989 é criado o NAFTA e os Estados Unidos,

convertido ao Novo Regionalismo, se unem a países menores

economicamente, como o Canadá e México. Em 26 de marco de

1991 Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinam o

Tratado de Assunção, que preve a formação do MERCOSUL –

Mercado Comum do Sul a partir de janeiro de 1995. Os

objetivos do acordo não tratam somente da união aduaneira,

mas também da implementação de programas em áreas alem do

comercio, como arranjos cooperativos monetários e

educacionais, posteriormente.

a) O MERCOSUL

O MERCOSUL veio dar um aspecto diferente à sociedade

brasileira principalmente quando se questiona a importância

e o domínio das línguas dos paises que o compõem. O que se

torna globalizado tem também alteradas suas relações de

referências e práticas culturais. Para fechar contratos e

exportar, empresas e empresários devem ser capazes de

estabelecer uma situação comunicativa eficaz com o

interlocutor, tomando por base o uso efetivo da língua,

privilegiando a intertextualidade de um texto motivador – e

recorrendo a conhecimentos já interiorizados, tanto pelo

locutor quanto pelo interlocutor. A realização de um

negócio requer não somente o conhecimento prévio sobre a

área a ser negociada, mas a língua em que se efetua e,

sendo este um negocio internacional, os interlocutores

devem levar em conta as alterações das relações culturais

para que haja sentido em cada situação comunicativa. Para

entender a complexidade cultural dentro das questões

trazidas pela globalização, pelos acordos internacionais

tão freqüentes, é preciso o domínio de pelo menos duas

línguas: a materna e uma estrangeira. No caso, a

estrangeira na qual se realiza o negocio.

O MERCOSUL nasceu baseado nos ideais do PICE -

Programa de Integração e Cooperação Econômica de 1985. O

nome deveria ser “Mercado Comum del Cono Sur” o que

restringiria, geograficamente, as perspectivas já presentes

de ampliação. Assim, em 26 de março de 1991 o acordo é

firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai como

“Mercado Comum do Sul” o que não impediria a entrada de

outros países sul-americanos. Em 1996 o Protocolo de Outro

Preto deu personalidade jurídica ao MERCOSUL.

Em outubro e dezembro de 1996 Chile e Bolívia,

respectivamente, celebraram acordo de adesão ao MERCOSUL.

Fora as repercussões políticas e comerciais de ordem

regional, a adesão do Chile ao MERCOSUL amplia as

fronteiras do comercio para ambas as partes: os países do

Cone Sul passariam a contar com um corredor que lhes

permitisse acessar o Oceano Pacífico, como o Chile poderia,

finalmente, contar com maiores facilidades para atingir o

Oceano Atlântico.

Depois de 14 anos de criação, o MERCOSUL se encontra

em pleno processo de reformulação devido principalmente não

só à efetivação de antigos tratados (CAN, CARICOM), mas

como à criação de novos projetos de associações americanas

como a ALCSA – Associação de Livre Comercio Sul-Americana,

ASC – Aliança Social Continental e ALCA – Área de Livre

Comércio das Américas.

II – O NOVO FUTURO DO ESPANHOL COM O MERCOSUL

Há muito tempo o inglês se tornou a principal

ferramenta dos negócios internacionais e por isso presente

nas políticas educacionais adotadas no Brasil desde a

Reforma de 1855. O problema é que o século XX, mais

precisamente a ultima década, trouxe uma novidade para a

sociedade e em especial para os negócios do Brasil: saber

inglês não basta. A globalização trouxe o

interculturalismo, que anula diferenças, impõe a cultura do

mais forte; sendo assim, as políticas educacionais não

podem apenas incentivar o ensino do inglês, como vem

fazendo há 150 anos, pois o brasileiro está exposto agora,

como nunca esteve antes, às culturas hispano-americanas

estreitadas pelo MERCOSUL. Não basta saber uma só língua,

ainda que as leis garantam essa LE desde o Ensino

Fundamental e duas, conforme a disponibilidade da escola,

no Ensino Médio; é preciso saber usá-la em situações

concretas de trabalho.

Então, para as novas relações internacionais,

fomentadas pelo Novo Regionalismo, é preciso repensar o

ensino de LE e a questão educacional em que elas se

apresentam. O interculturalismo, entendido como o momento

em que duas ou mais culturas se interagem, envolve

atitudes, comportamentos, costumes, além de evidenciar

contrastes e diferenças, que vão se tornar os pontos

indiciais sérios e relevantes para o desenvolvimento humano

e para as relações de cortesia entre os países. Investir na

valorização da bagagem cultural e pessoal dos falantes é

preservar as identidades e diferenças, não fazendo com que

se anulem frente á imposição inquestionável do mais forte.

Se a cultura é caracterizada como “a totalidade dos

padrões comportamentais transmitidos socialmente: artes,

crenças, instituições e todos os outros produtos do

trabalho humano e pensamento característicos de uma

comunidade ou população” (Bastos, 2003), então ao conhecer

uma LE o aprendiz brasileiro deve estar preparado para

apreciar também a lógica e o significado que ela tem para o

falante estrangeiro, como o são todos os hispano-

americanos. Esse conhecimento da cultura do outro levará o

aluno a criar uma “moldura de referencia” para o povo que a

criou. Por seus aspectos verbais e não verbais, os membros

de uma comunidade lingüística expressam e criam

experiências através da linguagem falada, escrita ou

visual. “A língua simboliza a realidade cultural: os

interlocutores se identificam por meio do uso da língua que

é considerada o símbolo da identidade cultural” (op. Cit)

O código lingüístico de um povo reflete sua maneira de

pensar e o contexto em que está inserido este código

complementa os significados. Quando se aprende uma LE, e

isso deve ser sempre para fins comunicativos, conhecer

apenas o léxico e a gramática dissociada de seu uso

situacional adequado não vai levar o aprendiz a entendê-la

em seus aspectos mais práticos: o que dizer, como dizer,

quando dizer e a quem dizer aquelas palavras soltas,

aprendidas fora de seu contexto específico e situacional:Entendemos, portanto, não ser suficienteaprendermos somente o significado isolado daspalavras numa outra língua. Sendo assim, paraconstruirmos o significado e a interpretação dosconhecimentos, temos necessidade de entender ocontexto ideológico-cultural e situacional paracompreendermos o conjunto de idéias que regemprincípios, moral, costumes e a maneira de ohomem (inglês ou espanhol) se comunicar consigo

mesmo, com outros homens e com o mundo. (BASTOS,2004)

Para que a compreensão de todos os aspectos envolvidos

numa negociação internacional seja então efetuada, é

preciso atentar para a identidade cultural dos grupos, que

podem ser percebidas por aprendizes de LE de maneira

estereotipada, pois, segundo Bastos (op. Cit) o que é

percebido pelo aprendiz sobre a cultura e a língua de um

estrangeiro “é o que fomos condicionados pela nossa própria

cultura a ver e dos modelos estereotipados construídos ao

nosso redor de antemão.”

A conexão entre língua e identidade cultural recebe

atenção no mundo todo em virtude do fato de que a língua

está intimamente relacionada ao modo de pensar das pessoas

e isso as faz ver como se comportam e influenciam o

comportamento dos outros. Com a globalização, as relações

lingüísticas e culturais das comunidades urbanas modernas

em contato com outras, através das fronteiras políticas

abertas, obrigam o conhecimento de várias línguas porque as

fronteiras da identidade cultural são ampliadas e

modificadas diariamente.

As pessoas que integram comunidades que já fazem parte

da “era da informação” - geralmente integrantes de

sociedades de tradição intelectual e industrial, urbanas e

cosmopolitas -, têm acesso ao instantâneo e às redes de

informação via internet, aliadas que estão ao privilegio de

viagens nacionais e internacionais. Esse, geralmente é o

perfil desejado pelas empresas economicamente competitivas,

no mundo e no Brasil.

Silva (2004) mostra que as empresas exportadoras

brasileiras, responsáveis por 95 bilhões de dólares,

“recorde histórico” na economia, exigem muito mais que um

diploma universitário. Essas empresas, competitivas no

mercado externo, são muito mais seletivas do que eram e as

vagas só serão preenchidas por candidatos que apresentarem

conhecimento muito acima do que suas funções possam exigir.

Para a autora, quem fez um MBA – Master in Bussiness

Administration, um curso de pós-graduação “puxadíssimo que

pode custar, no Brasil, cerca de 12 000 dólares por ano – e

acha que tem uma vaga garantida como gerente pode estar

redondamente enganado.” Mesmo com todo esse custo, MBA

virou apenas um pré-requisito na maior parte das companhias

lideres em seus segmentos.

Um curso básico para o administrador, para o

exportador e cuja sigla não foi traduzida, pressupõe

imediatamente que o inglês (fluente) nem é mais o

diferencial; é exigência de mercado.

Para coleta de seus dados, Silva (op.cit) ouviu 30 das

48 maiores companhias exportadoras do país para saber qual

o perfil do profissional que teria êxito em contato com o

mundo globalizado (as 30 empresas entrevistadas exportaram

34 bilhões de dólares entre janeiro e outubro de 2004).

Todas concordaram que a boa formação acadêmica não era

“suficiente para garantir uma colocação profissional na

área de comércio exterior e nos outros departamentos que se

envolvem com a exportação (jurídico, de logística,

finanças, planejamento e estoques)” Metade delas exige que

seus funcionários falem o espanhol fluentemente. A

exigência do espanhol por essas empresas que exportam

bilhões de dólares é resultado do MERCOSUL, que abriu

oportunidades muito grandes para empresas brasileiras, não

só para negócios com a América Latina, mas também com a

Espanha e União Européia.

Durante muitos anos a Espanha esteve sob domínio de

governos autoritários, mas a partir da década de 1980

começou a se estruturar para poder ingressar na Comunidade

Européia, e depois, na União Européia. Uma das ações

iniciadas pela Espanha foi fazer investimentos nos países

hispano-americanos, com estimados 54,6 bilhões de dólares

investidos na América Latina, 16,3% deles deixados no

Brasil. Com a volta da democracia ao Brasil nessa mesma

década e principalmente com os novos rumos econômicos

tomados a partir de 1994, com a venda de muitas empresas

públicas por Fernando Henrique Cardoso, um dois países que

mais comprou empresas brasileiras foi a Espanha. Isso fez

com que também ela se interessasse em investir em outros

setores, como a propagação de sua língua através da

Consejería de Educación da Embaixada da Espanha no Brasil.

a) O Espanhol no Brasil

A língua espanhola esteve presente no currículo

obrigatório das escolas secundárias entre 1942 e 1960,

tendo sido retirada não só pela falta de professores

(pouquíssimas universidades públicas e privadas tinham no

curso de Letras a habilitação em Espanhol) e material

didático (existiam apenas dois livros: “A Gramática de

Língua Espanhola para uso dos brasileiros”, de Antenor

Nascentes e “Manual de español: gramáticas y ejercicios de

aplicación; lecturas; correspondência; vocabulário;

antologia poética”, de autoria de Idel Becker, ambos

publicados nos anos de 1930), mas principalmente pelo

privilégio alcançado pelo inglês depois das várias reformas

sofridas pelo ensino secundário brasileiro após 1961. Ambos

tratavam o espanhol como “língua fácil” e que se

contrastada suas palavras com as do português, seu

aprendizado se daria sem nenhuma dificuldade. Essa idéia,

errônea, fez com que o brasileiro em geral pensasse que não

precisaria aprender espanhol pelo simples fato de ser

brasileiro. O livro de Idel Becker é publicado até hoje.

A partir da segunda metade da década de 1980 o

espanhol voltou qual “fênix das cinzas” (Camargo, 2003),

antes mesmo da criação do MERCOSUL. E ressurgiu com um

apetite voraz, com fortes tendências a se tornar a segunda

língua mundial em poucos anos, por ser falada por 400

milhões de pessoas nos 21 países do mundo em que é língua

materna. Incentivos da Espanha pela divulgação da língua na

Europa e na América Latina, fazem do espanhol a nova

ferramenta para solução de problemas econômico-

administrativos no Brasil, que hispânico em sua

ancestralidade (não só a Lusitânia era parte integrante do

império Romano na península Ibérica, como Portugal

pertenceu durante 60 anos à Coroa espanhola), por motivos

puramente políticos, esteve de costas para seus vizinhos

nos últimos 500 anos.

Com a democratização da América Latina na década de

1980, Brasil e seus vizinhos puderam participar de

processos de integração ao mesmo tempo em que as

universidades que mantinham cursos de Letras com

habilitação em espanhol (USP, UFRJ, PUC-RS) começaram a

reunir seus professores em associações. A abertura política

também permitiu a discussão das políticas lingüísticas

quanto ao plurilingüismo nas escolas. E o movimento não foi

só com professores de espanhol: os professores de francês

também questionavam a volta da língua aos currículos, que,

devido às varias reformas educacionais brasileiras, só

davam oportunidades ao ensino do inglês. O mais

interessante é que essas manifestações fizeram com que os

professores de História e Geografia também buscassem pontos

comuns entre seus conteúdos escolares não só no Brasil, mas

principalmente com o que aprendiam os estudantes do

MERCOSUL como um todo. O documento se chamou “Para uma

História e Geografia da Integração Regional” e foi aprovado

em Brasília em 2 de junho de 1995, como “marco na

aproximação dos quatro povos.” (Saraiva, 1995)

Assim, quando em 1987 foram criados os primeiros

centros de ensino de línguas estrangeiras no estado de São

Paulo para alunos da rede pública, as regiões sudeste e sul

começaram a pressionar o retorno do ensino de espanhol nas

escolas. A realização dos acordos políticos e econômicos

deixou grandes influencias para as futuras decisões na

região sudeste, a financeiramente mais sustentável, e São

Paulo rapidamente assumiu a “luta” sediando o Instituto

Cervantes, órgão espanhol por excelência para a difusão da

língua castelhana. O movimento de professores e

instituições dedicados ao ensino da língua espanhola

cresceu com a assinatura do MERCOSUL, fazendo com que o

então presidente Itamar Franco remetesse ao Poder

Legislativo o Projeto de Lei 4.004/93 para o ensino

obrigatório do espanhol nas escolas brasileiras. O projeto

criou muitas polêmicas, apesar de já ter sido aprovado pelo

Senado e a razão é democrática: se as leis da educação

defendem o plurilingüismo (são duas as LE para o Ensino

Médio) - ainda que só exista uma há 150 anos, o inglês -

como obrigar o ensino do espanhol?

São os rumos do planeta, entretanto, que traçam o

retorno do espanhol: ele chega célere e avesso às questões

puramente burocráticas. O MERCOSUL impõe o espanhol no

Brasil por questões de sobrevivência e o passado, que

desculpava o portunhol, permitindo o aprendizado capenga da

língua, cada vez fica mais distante pela exigência das

exportadoras, dos empresários competitivos e pela vontade

de fazer o diferencial no mercado. No momento em que mais e

maiores grupos econômicos se formam, o Brasil,

obrigatoriamente teve que engajar-se no aprendizado

consciente do espanhol em apenas 10 anos ou perderia

excelentes oportunidades de negócios com a América e

Europa.

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