Estranhas Entranhas. Psicanálise e Depressão na Gravidez

139

Transcript of Estranhas Entranhas. Psicanálise e Depressão na Gravidez

Estranhas Entranhas. Psicanálise e Depressão na Gravidez

Marcia Zucchi

2000

ii

ZUCCHI, Marcia Aparecida “Estranhas Entranhas. Psicanálise e Depressão na Gravidez.” 1. Psicanálise. 2. Feminino. 3. Gestação 4. Maternidade. 5.

Depressão. 6. Transtornos afetivos na gravidez.

iii

À Rita Leucci Zucchi, minha mãe,

pelo amor da vida inteira

1

Indice 1. Psicanálise e Depressão na Gravidez.

Apresentação................................................................................................................2

2. As bordas do caminho. Considerações preliminares.........................................................................................16 Porque uma descrição metapsicológica.......................................................................21 Método da pesquisa.....................................................................................................24

3. Sobre um dos nomes da tristeza... A depressão no campo dos saberes.............................................................................27 Alguns aspectos epistemológicos da conceptualização da depressão.........................28 A organização dos saberes sobre o mental em sistemas classificatórios: implicações clínicas.........................................................................................................................32 Os estudos sobre a depressão na gravidez...................................................................35 Depressão como experiência afetiva...........................................................................38

4. A Metapsicologia da maternidade.

Proposições freudianas acerca da sexualidade feminina e da maternidade.................42 O complexo de Édipo feminino em Freud..................................................................45 O estatuto do objeto filho...........................................................................................53

5. À procura da especificidade feminina. O debate de 20 e a produção de Helene Deutsch........................................................59 As divergências com relação a Freud.........................................................................63 O apoio da função reprodutiva para organização da sexualidade feminina................64 O afeto deprimido na gravidez....................................................................................68 Um narcisismo feminino.............................................................................................70

6. A metapsicologia da melancolia como modelo de compreensão do afeto

deprimido. A teoria de Freud........................................................................................................76 Amor e Melancolia: os domínios do objeto...............................................................82 Uma concepção metapsicológica da depressão.........................................................87

Algumas articulações com a depressão na gravidez..................................................91 A dor psíquica, um trabalho de objeto.......................................................................94 7. Estranhas Entranhas.

Um corpo estranho...................................................................................................102 Estranhos afetos........................................................................................................108 Estranhar, uma prática feminina...............................................................................113

8. Considerações finais...........................................................................................119 9. Bibliografia.........................................................................................................123

2

Psicanálise e Depressão na Gravidez

Mulher, como te chamas? – Não sei. Quando nasceste, tua origem? – Não sei. Por que cavaste um buraco na terra? – Não sei. Há quanto tempo estas aqui escondida? – Não sei. Por que mordeste o meu anular? - Não sei. Sabes, não te faremos mal nenhum. – Não sei. De que lado estás? – Não sei. É tempo de guerra, tens de escolher. – Não sei. Existe ainda a tua aldeia? – Não sei. E estas crianças, são tuas? – Sim. Wislawa Szymborka1

1 SZYMBORKA , “Vietnã”, publicado no Jornal do Brasil de 4 de outubro de 1996. A autora recebeu o Prêmio Nobel da Literatura em 1996.

3

Apresentação

Ao enunciar o tema deste livro – a depressão na gravidez – tanto no

ambiente acadêmico como fora dele a reação foi sempre de embaraço, como se aos

meus interlocutores tal tema desconcertasse. Importante ressaltar que esta reação

foi muito acentuada nas mulheres. Inicialmente reagiam manifestando um misto de

espanto e curiosidade, para em seguida demonstrarem uma “familiaridade aliviada”.

Este alívio parecia se dever à possibilidade de delineamento ou contorno de uma

experiência vivida, ainda que tal nomeação carecesse de precisão. Chamar de

depressão o entristecimento que ronda a gravidez, embora soasse estranho, seria

melhor do que o silêncio que, em geral, permeia esta experiência. Concluí que a

ligação entre depressão e gravidez despertava, então, algo simultaneamente familiar

e estranho - Unheimlich2 - a associação dos termos sendo possivel, mas não

perfeitamente cabível

Cabe perguntar se tal estranheza se explicaria exclusivamente pela

pressão cultural em direção a uma “felicidade na maternidade” como único modo

possível da mulher viver a gravidez quando desejada. Modo esse que impediria não

só a expressão, mas o próprio reconhecimento de qualquer sentimento oposto.

Tomei esta hipótese como um fato pois, ainda que não universalizável, é um dado

constatável ao nível do senso comum. Uma pesquisa com maior grau de

detalhamento quanto a esta questão seria pertinente ao campo sociológico, fugindo

ao âmbito deste livro. Além disso, não seria coerente com as suposições

psicanalíticas atribuir-se valor de determinação exclusiva a um fator externo à

subjetividade.

Permanece, então, a questão: quais seriam os fatores subjetivos

determinantes desse estranhamento vivenciado, muitas vezes, com o afeto da

tristeza, podendo chegar até a depressão? Na perspectiva das mulheres que

engravidam desejando estas gravidezes, a estranheza estaria relacionada ao filho

ou às proprias mulheres? Se a estas últimas, qual o eixo ou o núcleo da estranheza,

a “identidade materna” ou a “identidade feminina”? A identificação ao papel materno

é uma via “normal” do feminino ou sua construção exige algum trabalho específico

2 Das Unheimliche, termo alemão utilizado por Freud no título de sua obra de 1919, referente à experiência de estranhamento, onde algo aparece simultanêamente como íntimo e profundamente estranho, por efeito de recalque.

4

do aparelho psíquico? Qual o estatuto do objeto filho, durante a gravidez? Como

este é incluído, assimilado, “incorporado”, no eu da gestante?

O encaminhamento de possíveis respostas a estas questões requer que

se contextualize, de modo metapsicológico, tanto a maternidade – corolário psíquico

da gestação desejada -, quanto a depressão – nomeação sob a qual reuniu-se um

conjunto de experiências subjetivas perpassadas pela tristeza.

A maternidade tem um aspecto enigmático que ora a tem feito participar

do sacro, ora a torna objeto de atenção científica, além de ser constantemente

abordada pelas linguagens artísticas. Seja no âmbito do relato jornalístico, na

poesia, na construção mítica, ou na ciência, a experiência humana da procriação,

especialmente a vertente da relação entre a mulher e seu filho, é sempre descrita

como um precipitado extremo de paixões. Alguns exemplos permitem que se o

constate. O exemplo em epígrafe é um deles. Vivendo uma situação limite, a

guerra, a mulher em questão perdeu todas suas referências identitárias. Sabe,

apenas, de sua condição de mãe. Sabe, somente, que aqueles são seus filhos.

Nada mais. Este é o único saber que a referencia. Há um apontamento, pela autora

do poema, no sentido da perenidade e força deste vínculo, enquanto ancoradouro

subjetivo para mulher.

Roberto Pompeu de Toledo, num Ensaio escrito à revista Veja de 5 de

agosto de 98, apresenta a confrontação de duas situações extremas, vividas por

mulheres, onde, em cada uma delas, o leitor é tomado por uma fina e aguda

sensação de divisão entre o espanto e a amarga ternura. Compara as histórias de

Christine Malèvre e Roberta Magnani, apresentadas pela imprensa em 98: a

primeira, autora de uma série de assassinatos a idosos em estado terminal; a

segunda, uma mulher que após conseguir realizar o sonho de uma gravidez se

descobre com câncer e abre mão do tratamento e da vida para que a criança nasça.

Histórias passadas em contextos culturais bastante diferentes, uma numa região

próxima a Paris, a outra no norte da Itália. Uma, a história de uma enfermeira, a

outra, a de uma funcionária pública. Ambas guardando uma relação de profunda

intimidade com o extremo, com o limite, com a lei, mas também com um além dela.

Ambas protagonizadas por mulheres.

O estilo do autor, elegante, sensível, contribui muito para evocar os

sentimentos descritos acima. Há, porém, algo que ultrapassa as questões estilísticas

5

e parece advir das realidades descritas. Não que sejam mártires ou heroínas, muito

ao contrário, as condutas dessas mulheres não deixam de ter um aspecto

“reacionário”, como lembra o autor, pois decidem, de modo solitário, sobre a vida e a

morte de outrem, caracterizando um arbítrio, se não um certo “delírio” onipotente.

Há, porém, algo de semelhante entre essas duas situações, talvez a pungência que

evocam, a coragem que implicam, certamente o caráter afetivamente extremo que

portam.

As duas histórias têm a ver com sofrimento físico e morte. Uma delas tem a ver com nascimento. Na soma, cobrem os dois extremos da vida, o nascimento e a morte. Não é por acaso que são protagonizadas por mulheres.(...)Roberta e Christine têm em comum, no entanto, algo de nobremente arquetípico. Suas histórias são histórias de mulheres em estado visceral, colocadas num extremo, muito delas, de paixão e compaixão. São histórias de mulheres. (TOLEDO, 1998: 162).

As produções acadêmicas de diferentes áreas retratam, também, a

pluralidade de aspectos que envolve a mulher e a maternidade.

Num estudo relativo a representações mitológicas da maternidade,

CHEVALIER e GHEERBRANT, apontam como as grandes deusas mãe, foram

também deusas da fertilidade, simbolizando, entretanto, a ambivalência entre a vida

e a morte: para os gregos, Gaia, Réia, Hera, Deméter, dentre outras; entre os

egípcios e nas religiões helenísticas, Ísis; para os assírios-babilônicos, Istar; Astart

para os fenícios e Kali entre os hindus (1988: 580). Os autores discutem as várias

vertentes da figura simbólica da mãe tanto no cristianismo, como nas religiões

célticas, e em algumas religiões orientais. No caso do cristianismo, por exemplo,

afirmam que a simultaneidade da condição da Virgem Maria de mãe e filha de Deus,

atesta sua dupla vinculação, humana e divina. Além disso, o dogma em torno da

virgindade de Maria reveste sua maternidade com um duplo contorno: factual

(histórico) e simbólico. Já nas artes e religiões indianas as deusas são estritamente

símbolos, porém, também, com aspectos ambivalentes como no caso de Kali com

sua aparência hedionda, considerada a Mãe Divina e representando, de modo

concomitante, a criação, a manutenção e a destruição. Ainda nas religiões célticas a

mulher desempenha simultaneamente o papel de “mensageira Outro Mundo”, e de

“divindade guerreira” (1988: 581).

6

Em diferentes expressões simbólicas, especialmente naquelas oriundas

das culturas antigas, há uma associação entre a Mãe, a Terra e a Água, claramente

vinculada aos enigmas em torno das origens e dos destinos, seja do homem, seja do

cosmo. Na modernidade, no entanto, as associações da identidade feminina aos

fenômenos “naturais”, especialmente às ocorrências do corpo como a reprodução,

têm sido duramente criticada pelos estudiosos das questões de gênero3, dado o

caráter de exclusão da subjetividade da mulher que uma concepção essencialista da

maternidade pode sugerir.

É sabido que o sentimento da maternidade é construído na história da

cultura ocidental (BADINTER, 1981). Mesmo sendo a “chave do estatus feminino em

cada época histórica, a maternidade não é um fato biológico inalterável cuja

consideração possa isolar-se das transformações sociais.” (IRIARTE, 1996: 77)4. Os

significados sociais que a gravidez e a maternidade podem assumir, diferem no

tempo e espaço, caracterizando, assim, uma especificidade cultural. Mesmo o corpo,

em sua complexidade biológica e subjetiva - mediatizada pela linguagem -, participa

de uma realidade historicizável. As manifestações humanas nas diferentes

expressões semióticas atestam a diversidade das concepções de corpo na história

da humanidade.

Num interessante estudo antropológico acerca do papel e do valor da

maternidade na democracia da Grécia antiga, IRIARTE (1996) busca demonstrar,

através das personagens das tragédias gregas, o papel que a maternidade ocupa

na sustentação da organização social patrilinear. De algumas das tragédias, a

autora deduz um desejo masculino de apropriação das funções reprodutivas

femininas e apoia aí sua tese de que o enaltecimento da reprodução não

corresponde à valorização da mulher como cidadã. Em suas próprias palavras:

Do ponto de vista do estatus feminino, a relevância que, em nome da paternidade, o discurso político dá à função reprodutora, constitui uma faca de dois gumes, pois se a intervenção da mulher – concretamente, da mulher-mãe – se reconhece explicitamente como imprescindível para definir a

3 Esta não é uma posição hegemônica. Sobre isto ver, por exemplo, Camille PAGLIA (1992) em Personas Sexuais. Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson. 3 Tradução da autora.

7

empresa política, este reconhecimento implicará um maior controle da esposa legítima. (IRIARTE, 1996: 78)5

A autora demonstra que embora a maternidade fosse revestida de caráter

cívico pois gerava cidadãos para pólis, embora lhe fosse atribuído um estatuto

heróico tanto pelos sofrimentos implicados no parto (as dores, o risco de morte),

como pela entrega dos filhos à cidade e à guerra (em Esparta, por exemplo, a

maternidade era equivalente à experiência bélica), estas representações tão

valorativas da maternidade não garantiam o direito civil das mulheres em relação a

seus filhos. Este anseio feminino era vivido como ameaçador à ordem social e

política na democracia patriarcal da Grécia antiga. Poder-se-ia considerar que frente

à potência natural da mulher, expressa em sua capacidade geradora, a organização

social (patrilinear) frespondia retirando-lhe o poder no campo da cidadania.

Uma outra autora, Silvia FINZI (1996), em seu artigo sobre os mitos de

origem e suas relações com a construção da identidade feminina, aponta que o

caráter enigmático de potência geradora é ponto de enlace dos grandes saberes da

antigüidade. Segundo Finzi, estas produções discursivas se orientam no sentido de

desvendar e exorcizar poder tão ameaçador. Sem consegui-lo, porém, “como

demonstra a persistência de um imaginário monstruoso acerca do corpo e das

funções femininas e a reiteração de uma interrogação insistente”6 ( FINZI, 1996:

129). A autora supõe a existência de figuras primordiais que participam tanto do

imaginário da cultura como do imaginário individual. A mãe arcaica seria uma delas.

Imagem pré-edípica, fantasma de origem que é suposto preceder a experiência

individual e humana. Suas representações permanecem enigmáticas tanto nas

expressões individuais como culturais por remeter a algo que escapa à possibilidade

de transmissão pela linguagem, a linearidade do tempo das narrativas impedindo

que se as circunscreva.

Partindo da constatação freudiana de que as imagens gozam de

privilégios em relação às palavras quanto à censura, Finzi considera que a

estatuária pode bem representar a força desta figura da mãe arcaica. Analisa, então,

as Matres Matutae, um conjunto de estátuas encontradas em Santa María Capua

5 Tradução da autora. 6 Tradução da autora.

8

Vetere, região que foi ponto de ligação entre a antiga Etrúria e a Magna Grécia. Tais

estátuas, provavelmente construídas entre os séculos VII e IIa.c., representam a

maternidade em seus vários aspectos. As mais antigas apresentam uma imponência

fria e distante, aparentando algo de imemorial, atemporal: suas vestimentas são

apenas esboçadas, o material é aspero, faltam expressões no rosto e gestos; os

filhos são pequenos e numerosos, também só esboçados. A autora, bem como os

arqueólogos que a elas se dedicam, as descrevem como tendendo ao inorgânico,

contendo vida mas sem estarem vivas. Estão esculpidas como se estivessem num

trono real, e o trono se confunde com seus corpos. Nas palavras da autora,

“nenhuma mulher se identifica a elas porque representam a alteridade nelas

mesmas, o radicalmente outro.”7 (FINZI, 1996:142). Arqueólogos consideram que

estas figuras representam as grandes deusas da fecundidade, amalgamando em si

o corpo e a terra, a vida e a morte. Por outro lado, as estátuas construídas mais

recentemente parecem se humanizar. São menores e apresentam gestos e

expressões plenos de relação e afetividade, como na amamentação. A mulher

moderna já encontra elementos de identificação com estas imagens. A autora

ressalta, porém, que estas últimas perdem um pouco de seu caráter enigmático, em

relação às anteriores.

O conjunto destas estátuas parece visar um complexo de representações

da maternidade, indicando desde o aspecto impessoal e atemporal desta, enquanto

origem de vida, até sua expressão singularizada na relação entre uma mãe e seu

filho. Segundo Finzi, a importância da análise da maternidade representada nos

mitos, é destacar a questão da origem como vinculada à alteridade.

A maioria dos estudos atuais, que enfatizam o caráter histórico da

maternidade e sua procedência como resultado de operações simbólicas, visa

desconstruir ideais identitários da mulher apoiados na ilusão de uma singularidade

sustentada pela experiência da maternidade. Na fuga de uma naturalização

opressiva da maternidade e do feminino, corre-se, às vezes, o risco da

ideologização do caráter cultural de ambas.

7 Tradução da autora.

9

A posição que se pretende manter neste livro é a de sustentar a tensão

entre os aspectos biológicos e subjetivos da maternidade. Na apresentação que faz

a Figuras de mãe, coletânea de textos antropológicos, sociológicos e psicanalíticos

referentes à maternidade, Silvia TUBERT descreve a concepção de maternidade

sob a qual é construída aquela coletânea e que se aproxima bastante da que se

quer como fundamento deste livro:

(...) se é reducionista subsumir a feminilidade à categoria da maternidade, também existe a possibilidade da redução oposta, que supõe a separação simples e irredutível de ambas as categorias. O feminino e o maternal mantêm relações lógicas complexas: nem coincidem totalmente nem são completamente dissociáveis.

Se a maternidade não se reduz à transmissão de um patrimonio genético senão que se situa no plano da transmissão simbólica da cultura, tampouco se pode negar que o processo biológico da gestação se realiza segundo uma ordem que escapa à vontade da mulher em cujo corpo tem lugar.

Se falamos de uma maternidade assumida pela mulher como sujeito desejante, não podemos ignorar que a gestação requer a aceitação de uma posição de passividade frente ao desenvolvimento embrionário e fetal. O exercício da maternidade supõe a articulação do corpo na cultura. A autonomia do sujeito feminino se acha limitada em sua singularidade quando seu corpo passa a ser lugar de origem de outro ser humano; o domínio sobre o próprio corpo – a maternidade voluntariamente escolhida -, se acha por sua vez limitado por ter sido aquele construído como corpo significante pelas práticas e discursos dominantes na sociedade, através da linguagem e dos vínculos sociais.” 8(1996: 11)

considera-se que as pressões modeladoras da maternidade, tanto

biológicas quanto culturais, sofrerão as marcas distintivas do desejo inconsciente, as

quais vão caracterizar a particularidade das experiências subjetivas de cada mulher.

Pretende-se, no entanto, manter no horizonte um fio de indecidibilidade, onde essas

realidades se tocam.

Camille PAGLIA (1992) num belíssimo ensaio denominado Sexo e

Violência ou Natureza e Arte, analisa, dentre outras coisas, o extremo

desenvolvimento da cultura ocidental, o qual considera o resultado da relação

8 Tradução da autora.

10

agonística entre o masculino e o feminino, e, ali, ao referir-se à relação da mulher

com seu corpo afirma:

O corpo feminino é uma máquima ctônica, indiferente ao espírito que o habita. (...) O corpo da mulher é um mar sobre o qual atua o movimento lunar das ondas. Indolentes e adormecidos, seus tecidos adiposos encharcam-se de água, e depois se enxugam de repente na maré alta hormonal. O edema é nossa recaída de mamífero no vegetal. A gravidez demonstra o caráter determinista da sexualidade da mulher. Toda mulher grávida tem o corpo e o ego tomados por uma força ctônica além de seu controle. (1992: 21-22)

Alguns reparos são cabíveis nesta concepção: a máquina ctônica9 sofre

sim e também provoca efeitos no espírito que a habita, não lhe sendo, portanto,

indiferente. Entretanto, na concepção do feminino que a autora apresenta, a

valorização da mulher na cultura não se faz às expensas de sua natureza ctônica,

mas numa dialética muito mais complexa entre masculino e feminino cujo resultado

é “a distorção da realidade”, distorção esta promovida pela ótica feminina dos fatos.

A realidade “deve ser distorcida; quer dizer, corrigida pela imaginação”, segundo

PAGLIA (1992: 23). Tal concepção se aproxima da concepção psicanalítica do

feminino que norteia este trabalho. A gravidez, parece ser um ponto de especial

exemplificação deste entrincamento, na subjetividade da gestante, entre o ctônico e

o cultural.

O objeto cuja pesquisa resultou neste livro é a ocorrência de afeto

deprimido em relação à gravidez, que por rigor conceitual e metodológico será

abordado dentro dos limites do campo psicanálitico. A posição aqui adotada está

em consonância com a concepção de que os efeitos subjetivos da gravidez se

inscrevem no trajeto entre os valores imaginários e simbólicos que o filho pode

assumir para a mulher. Acredita-se, no entanto, que o real do corpo,

especificamente na gestação, seja um forte propulsor de trabalho psíquico em

relação à reconfiguração narcísica que a passagem à condição de mãe exige da

mulher, especialmente considerando-se que pode estar em jogo, alí, um possível

9 O têrmo ctônico é relativo às entranhas da terra . (PAGLIA,1992:17)

11

gozo feminino na maternidade, gozo este que pode ser experimentado como

“estranho”.10

Em seu conjunto, este livro se constitui do modo como se descreverá a

seguir.

O 2º capítulo trata de questões metodológicas gerais envolvidas no

trabalho de pesquisa, especialmente psicanalítica.

Discute-se o reducionismo necessário a toda abordagem teórica,

especialmente em se tratando de objetos complexos como é o caso da depressão

na gravidez. Neste segundo capítulo discute-se tanto os esforços de Freud para

manter sua obra no campo da cientificidade, quanto os limites deste

empreendimento.

A produção de testemunhas fidedignas que atestem a veracidade da

realidade abordada – as manifestações do inconsciente – não se dá, na psicanálise,

de um modo que satisfaça os critérios de cientificidade. Entretanto, sua produção

conceitual, organizada num corpo metapsicológico, é o instrumento de abordagem

do real, que se dá no exercício clínico. Tal instrumento , quando renovado

criticamente, permite uma maior eficácia da psicanálise frente às novas realidade

clínicas. Além disso, por maiores que sejam as diferenças entre as escolas

psicanalíticas, a metapsicologia enquanto organização conceitual própria da(s)

psicanálise(s), mantém a possibilidade de distinção entre este campo de saber e os

outros, possibilitando sua participação nas produções transdisciplinares.

Através da revisão da literatura psicanalítica em torno dos diferentes

temas que envolvem o objeto em pauta, busca-se descrever a depressão na

gravidez em termos metapsicológicos, isto é: em termos de operações subjetivas, ou

níveis de trabalho do aparelho psíquico, implicados no quadro clínico em questão.

A partir de uma questão proveniente da clínica – como uma gravidez

desejada pode ser vivida com afetos depressivos? – analisa- se, no 3º capítulo, a

10 Imaginário, Real e Simbólico, são categorias destacadas por Lacan quanto à estruturação do aparato psíquico. Tais categorias definem os planos de operação da subjetividade e seus limites, representados por outra categoria,

12

propriedade do têrmo depressão para descrição deste evento clínico. Com este fim,

avalia-se seu uso em alguns contextos teóricos subdivididos em duas grandes áreas

de abordagem dos fenômenos mentais: as que tem como eixo uma concepção

orgânica do mental e as que centralizam suas conceituações no aspecto simbólico

do aparato mental. Embora esta classificação possa correr o risco da imprecisão

dada sua generalidade, ela parece útil para destacar algumas questões

epistemológicas que envolvem o problema da depressão do ponto de vista

conceitual, conforme o contexto de uso. Neste capítulo levanta-se, ainda, as

principais diferenças entre os estudos epidemiológicos e os psicanalíticos quanto a

depressão na gravidez.

Passa-se, então, especificamente, ao campo psicanalítico. O 4º capítulo

trata da metapsicologia da maternidade. Busca-se, ali, apresentar como a

maternidade se localiza no contexto teórico freudiano. Percorre-se os

desenvolvimentos da teoria de Freud quanto à femininilidade, enfocando as

particularidades do complexo de Édipo feminino, em especial as retificações

posteriores a 1920. Destaca-se o fato da maternidade inscrever-se, na teoria

freudiana, no plano da identidade sexual, isto é, do “tornar-se mulher”, orientada

pela lógica fálica. Procura-se salientar, também, os estatutos que assume o filho

enquanto objeto relativo à subjetividade da mãe.

Como a teoria freudiana da sexualidade psíquica se construiu numa certa

ênfase de sua modalidade masculina, um efeito imediato, no campo teórico então

nascente, foi a busca da especificidade da sexualidade feminina. A década de 20

caracterizou-se pela profusão de produções sobre este tema. No 5o capítulo, toma-

se as proposições de Helene Deutsch, autora deste período, que se dedicou

intensamente ao estudo da sexualidade feminina. Outros autores como Karen

Horney, Jones, Brunswick, Lampl de Groot, por exemplo, envolveram-se também

com esta temática. Porém, a inclusão de Deutsch nesta pesquisa se deve à ênfase

que a autora dá a aspectos como o narcisismo e a maternidade na subjetividade

feminina. Além disso, a revisão bibliográfica preliminar nos levou a esta autora como

primeira referência à depressão na gravidez interpretada psicanaliticamente. Foi em

a de Gozo. O valor de operadores destes conceitos no escopo deste trabalho se escalrecerá em capítulos

13

sua obra que se encontrou um aprofundamento de algumas indicações freudianas

quanto ao lugar de ideal de eu que o filho pode ocupar para subjetividade da mãe.

No 6º capítulo discute-se a teoria metapsicológica de Freud, sobre a

melancolia, buscando-se extrair dela os elementos conceituais para compreensão

do afeto deprimido na gravidez. Parte-se do Rascunho G de 1895, passa-se por Luto

e Melancolia de 1915, indo até Inibição, Sintoma e Ansiedade [Angústia] de 1926,

destacando-se as permanências e transformações da teoria freudiana sobre o tema.

Alguns aspectos da teoria da melancolia são ressaltados, o primeiro deles é a

questão da chamada “identificação narcísica ao objeto perdido”, onde se busca

compreender como a relação entre o eu e o objeto pode ser de ordem a inibir a

diversidade dos comparecimentos simbólicos.

O segundo aspecto ressaltado é a dinâmica dos ideais como origem de

estados melancólicos e depressivos. Parte-se da teorização sobre a melancolia,

proposta por M.C. Lambotte, autora de orientação lacaniana, onde se destacam as

proposições quanto ao estádio do espelho na abordagem da melancolia. A autora

extrai destas proposições uma particularidade no caso dos melancólicos, a

identificação do sujeito ao objeto, porém na sua vertente de resto, ficando o ideal de

eu deslocado para os objetos. A ausência de um investimento materno desejante

sobre a imagem do filho, responderia por esta identificação.

A partir destes elementos teóricos busca-se estabelecer algumas

relações com o que ocorre entre a gestante e seu bebê, retomando a indicação de

Deutsch quanto ao filho ocupar o lugar de ideal de eu da mãe.

Neste ponto da pesquisa, a questão do objeto toma um valor pregnante.

Considerando-se a precisão conceitual que Lacan oferece à questão do objeto,

apresenta-se alguns tópicos de suas proposições.

Passa-se, então para ao terceiro aspecto ressaltado, o problema da dor

psíquica envolvida nos processos de luto, patológico ou não. A questão

metapsicológica da dor intrigou Freud durante todo seu trabalho com as diferentes

formas de luto. A revisão bibliográfica, mais uma vez conduziu a um autor que

dedica um trabalho exclusivo a esta problemática, J.D.Nasio, cuja produção também

subsequentes.

14

é de orientação lacaniana. Nasio tratará da dor como objeto pulsional, não só na

perspectiva de um masoquismo perverso, mas, especialmente, como indicador de

uma quebra fantasística que deixa o eu convulsionado pela desorientação pulsional,

indicador esse que se situa no limite entre o corpo e o psiquismo.

Finalizando, no 7º capítulo, parte-se especialmente da experiência

corporal da gestação para desenvolver o sentido de “estranho” que o filho pode

assumir para subjetividade materna. Toma-se as relações estabelecidas por Freud

na segunda tópica entre ego e corpo para dali deduzir a faceta de estranheza que o

filho como objeto pode assumir para o eu materno.

O estranhamento é tratado em consonância com a abordagem freudiana

do tema, apresentada em seu artigo de 1919, O Estranho. Quanto à questão do

objeto, ela é aqui tratada conforme as proposições freudianas do Projeto...,

especialmente no que se refere às diferentes formas de trabalho que o objeto

promove no aparelho psíquico para seu reconhecimento (juízos). Aproxima-se,

então, este trabalho àquele exigido à subjetividade materna para o reconhecimento

do filho enquanto objeto simultaneamento idêntico e estranho ao eu materno.

Propõe-se ao final que o “estranhamento” seria uma prática peculiar ao

feminino. A concepção de feminino formulada por Lacan parece oferecer elementos

para essa proposição uma vez que ela contempla o ultrapassamento da lógica e do

gozo fálicos. A dor que algumas experiências de estranhamento podem provocar

estaria ligada à pressão por inscrição desse gozo na ordem fálica, ou no campo do

sentido.

No 8º capítulo é apresentado um breve mapeamento do caminho

percorrido, ressaltando-se tanto os pontos de corte, como os aspectos de ligação

que definem o território abordado por esta pesquisa.

15

As bordas do caminho

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia. Carlos Drummond de Andrade1

1C. D. ANDRADE, (1984: 41-42). “Verdade”. In: Corpo.

16

Considerações preliminares

A explicitação dos referenciais norteadores de qualquer pesquisa

demarcam a posição do pesquisador no tocante às possibilidades de produção do

conhecimento ou de abordagem do real. Isto implica não só o recorte do objeto,

como a forma escolhida para essa abordagem (método em sua vertente de técnica)

e, ainda, a finalidade deste conhecimento ou produção. Se, de um lado, uma

determinada concepção de conhecimento ou de ciência engendra concepções

específicas de objeto, certos objetos empurram o pesquisador à utilização de eixos

de compreensão diversos. De qualquer modo, sejam quais forem os referenciais

adotados, sempre se procederá a uma forma de redução2 ( ATLAN, 1991). Este é o

caso na presente pesquisa. Falar em depressão na gravidez é falar de um objeto

híbrido3 (LATOUR, 1994), impreciso em seus contornos e paralelamente complexo

em suas articulações. Conforme indica MORIN:

Pode dizer-se que o que é complexo releva de uma parte do mundo empírico, da incerteza, da incapacidade de estar seguro de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem absoluta. Releva de outra parte algo de lógico, quer dizer da incapacidade de evitar contradições...a complexidade é diferente da completude. Julga-se muitas vezes que os defensores da complexidade pretendem ter visões completas das coisas. Por que o pensariam eles? Porque é verdade que pensamos que não se pode isolar os objetos uns dos outros. No limite tudo é solidário. Se tendes o sentido da complexidade tendes o sentido da solidariedade. Além disso, tendes o sentido do caráter multidimensional de qualquer realidade. (1991: 82-83).

Em se tratando de um estudo acerca de processos subjetivos, mesmo

que se os compreenda como efeitos complexos das articulações entre linguagem,

2 Atlan se refere ao valor pragmático do reducionismo, de circunscrever o domínio de legitimidade da ciência, indicando os limites do procedimento científico, ”o qual só pode progredir obrigando-se a ser reducionista, ‘jogando o jogo’ reducionista, porém, ‘crer nele’ certamente testemunharia uma grande ingenuidade” (ATLAN, op. cit. : 83). 3Híbrido esta sendo utilizado aqui, no sentido atribuído por Latour: relativo simultaneamente à natureza e à cultura.

17

biologia e relações sociais, será necessária alguma sorte de redução que permita

abordá-los. Nesta pesquisa tal redução se fez a partir do referencial psicanalítico.

As origens da psicanálise estão assentadas no empirismo. O projeto

freudiano de construção de uma psicologia profunda foi marcado, durante toda sua

produção, pelo anseio de incluí-lo no campo das ciências. É interessante notar como

as marcas do método de John Stuart Mill , filósofo da ciência empírica do século

XIX, aparecem nos trabalhos psicanalíticos iniciais de Freud (este último foi,

inclusive, tradutor das obras daquele, para língua alemã), onde busca respeitar as

principais regras de uma produção empírica, os métodos da “concordância”, da

“diferença”, “da variação concomitante” e dos “resíduos”, propostos por Mill,

conforme descrito por CASTIEL (1996) num capítulo de sua obra Moléculas,

Molestias e Metáforas... denominado “Freud e Mill: a histeria e a empiria”.

Pode-se considerar ainda a adesão freudiana ao empirismo em função da

prevalência dada à clínica como fundamento epistemológico da teoria. Em um de

seus últimos trabalhos – Esboço de Psicanálise -, escrito em 1938, FREUD afirma

num curto prefácio:

Os ensinamentos da psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e experiências, somente alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em outras pessoas acha-se em posição de chegar a um julgamento próprio sobre ela. (1975: 168).

Todavia, a concepção freudiana de ciência foi bem além do positivismo.

Num dos principais textos metapsicológicos, Os instintos e suas vicissitudes,

tratando da importância do conceito de pulsão para organização do aparato teórico

da psicanálise, Freud (1974c) dá absoluta prioridade à formulação do conceito como

instrumento de abordagem do real, e portanto, como base da construção teórica

(BOURGUIGNON, 1991). Em suas próprias palavras:

O verdadeiro início da atividade científica consiste antes na descrição dos fenômenos, passando então a seu agrupamento, sua classificação e sua correlação. Mesmo na fase de descrição não é possível evitar que se apliquem certas idéias abstratas ao material manipulado (...) Tais idéias - que depois se tornarão os conceitos básicos da ciência- são ainda mais indispensáveis à medida que o material se torna mais elaborado. Devem, de início, possuir necessáriamente certo grau de indefinição; (...) Enquanto permanecem nessa

18

condição, chegamos a uma compreensão acerca de seu significado por meio de repetidas referências ao material de observação do qual parecem ter provindo, mas ao qual de fato foram impostas. Assim, rigorosamente falando, elas são da natureza das convenções – embora tudo dependa de não serem arbitrariamente escolhidas mas determinadas por terem relações significativas com o material empírico, relações que parecemos sentir antes de podermos reconhecê-las e determiná-las claramente. (1974c: 137).

Este texto parece evidenciar a relação dinâmica entre observação e

conceituação, que permeia toda obra freudiana. A construção do saber psicanalítico

se faz num processo dialético entre a clínica (que não é, exatamente, fonte de

observação empírica no sentido sensorial , porém é empírica no sentido de

experienciada) e a teorização, cuja finalidade é sempre o retorno à clínica, e assim

sucessivamente... Conforme indica FREUD em seu artigo de 1926, A questão da

Análise Leiga:

Na psicanálise tem existido desde o início um laço inseparável entre cura e pesquisa. O conhecimento trouxe êxito terapêutico. Era impossível tratar um paciente sem aprender algo de novo; foi impossível conseguir nova percepção sem perceber seus resultados benéficos. Nosso método analítico é o único em que essa preciosa conjunção é assegurada. (1976m,: 291).

L. CHERTOK, e I. STENGERS (1990), conjugando suas respectivas

experiências de psicanalista e epistemóloga, realizaram um interessante estudo

acerca do projeto freudiano de cientificidade. Acompanham as origens da

psicanálise na hipnose, e o processo de sua construção como campo de saber em

relação às ciências modernas, a partir do abandono da técnica sugestiva pela da

associação livre e pelo processo elaborativo. Aí demonstram o meticuloso trabalho

de Freud para garantir condições de produção de um testemunho fidedigno que

pudesse fazer da psicanálise uma ciência de pleno direito. Comparam, então, a

evolução da psicanálise à da química, comparação indicada pelo próprio FREUD em

Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica (1976 a), onde apontam a passagem

realizada por Lavoisier estabelecendo o estatuto da química como técnica

experimental ou ciência operatória (em oposição a seus antecessores que lhe

reservariam o estatuto de arte da experiência). A proposição de criação dos fatos

químicos e dos protocolos de abordagem destes, visava garantir seu

19

reconhecimento e sua reprodutibilidade por qualquer um que dispusesse destes

instrumentos.

Chertok e Stengers julgam que, de modo semelhante, Freud buscou

estabelecer a psicanálise como um campo de produção científica ao substituir a

hipnose pelo trabalho de elaboração. A cena analítica viria a se transformar numa

espécie de laboratório onde o objeto de experimentação seria a neurose de

transferência.

Tal como o químico do século XIX “criava seu objeto”, em vez de tomá-lo no mundo natural, não mais estudando as matérias-primas não purificadas que o artesão transformava, o analista “[instaurava] um estado que tem todos os aspectos de uma doença artificial”. E essa doença, na medida em que tinha por arena única o “campo circunscrito” da cena analítica, tornava-se acessível a suas intervenções .(CHERTOK e STENGERS, 1990: 76).

Os autores concluem que o objetivo freudiano de fazer da psicanálise

uma técnica científica de abordagem do inconsciente onde a verdade e a sugestão

fossem claramente distingüíveis, não se produziu. Afirmam que os textos finais da

obra de Freud atestam o “fracasso da experiência” de produzir testemunhas

fidedignas pela cura dos pacientes através da clínica psicanalítica (única a lhes

permitir um verdadeiro acesso a sua verdade em oposição às técnicas sugestivas).

Impossibilidade que se revelou freqüente em função das resistências e da

compulsão à repetição, que impediam os sujeitos de reconhecer e aceitar sua

verdade inconsciente. Consideram, entretanto, que a posição freudiana frente a este

“fracasso” foi de valorizar a teoria (o conceito) por esta ser capaz de explicar os

fracassos da técnica. Os referidos autores pretendem destacar a insistência do

passo freudiano na busca do caráter científico da experiência analítica. Cabe

ressaltar que a posição destes autores não é de elogio ao cientificismo, ao contrário,

pretendem assinalar como o desprezo dos “testemunhos falsos” (como os

produzidos pela hipnose, por exemplo) pode ser empobrecedor do processo de

conhecimento. Assinalam que tais testemunhos e fracassos experimentais deveriam,

na perplexidade que evocam, convocar os cientistas a uma prática da

transdisciplinariedade.

20

Ainda em outro trabalho, Quem Tem Medo da Ciência..., STENGERS

(1990), referindo-se à esta mesma temática, afirma que o que se põe aos

psicanalistas como questão é “quais são as práticas a serem produzidas, inventadas

para trabalhar juntos e transformar um fenômeno em ator de discussão, sem o ideal

judiciário da testemunha fidedigna que concluirá a controvérsia, que dirá quem tem

razão e quem está errado.”(1990: 139). Indica, ainda, que o fato dos psicanalistas

lidarem com “seres que estão interessados na produção de saber operado a seu

sujeito”(1990: 140), aponta para necessidade de se ultrapassar a diferença entre

fato e artefato4, uma vez que é inevitável (e não totalmente controlável) a

participação do analista na produção dos efeitos da análise. Na neurose de

transferência, a natureza do fato clínico é a de um artefato enquanto criação de uma

certa realidade - a que implica analista e analisando -, realidade esta que mantêm

estreitas relações com os fatos ou realidades psíquicas do sujeito em análise.

STENGERS reafirma sua posição epistemológica de que fazer ciência é

um processo coletivo, e parece indicar como caminho para a psicanálise a

ampliação do trabalho conjunto entre escolas e entre campos de saber, “produzindo

intrigas cada vez mais sutis (...) e ficções cada vez mais pertinentes, cada vez mais

exigentes quanto aos múltiplos sentidos de seu conhecimento ‘patético’”(1990 : 141).

É na perspectiva proposta por Stengers que este trabalho foi concebido.

Buscar descrever um dado clínico – o surgimento de afetos de tristeza relacionados

à gravidez – em diferentes perspectivas da teoria psicanalítica, parece ser um modo

não só de ampliar as possibilidades de compreensão deste dado, como, também, de

experimentar-se os limites do aparato conceitual.

Considera-se, em princípio, que as realidades humanas, individuais e

sociais, só são compreendidas e/ou explicadas através de recortes teóricos de

alcance específico e limitado, abarcando diferentes graus de complexidade do real,

sem que haja diferença de valor entre eles. A pertinência das construções teóricas

pode ser verificada na coerência interna de suas premissas e categorias - na lógica

de sua racionalidade5 -, no “interesse”6 que geram entre os pares, bem como na

eficácia da praxis7 que produz.

4 O artefato é considerado um testemunho extorquido pelo experimentador, portanto cientificamente inválido. 5 Racionalidade é, segundo MORIN, “o estabelecimento de uma adequação entre uma coerência lógica (descrita, explicativa) e uma realidade empírica.”(1990: 121).

21

Porque uma descrição metapsicológica.

A razão de estabelecer-se que o produto desta pesquisa deveria incluir-se

no campo da metapsicologia, se deve ao fato de considerar-se que esta define o

campo onde se organizam os conceitos e as experiências relativas à psicanálise.

A idéia de que o que Freud produzia era uma metapsicologia (têrmo

formulado por equivalência a metafísica), está ligada ao campo onde emergem suas

pesquisas. Voltado para sintomas mentais de origem enigmática, é além da

consciência que Freud vai buscar a razão destes. Em sua correspondência a Fliess

(1977) , são vários os momentos em que se questiona, através de seu interlocutor,

quanto à propriedade deste termo (metapsicologia) para suas construções teóricas.

No período em torno de 1914/15, Freud realiza um trabalho de sistematização de

suas proposição referentes ao aparelho psíquico, o qual nomeia explicitamente

Metapsicologia. Embora declare compor-se de um conjunto de 12 textos, parece ter

escrito somente 5: Os instintos [pulsões] e suas vicissitudes, Repressão [recalque],

O inconsciente, Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos e Luto e

Melancolia. Entretanto, há um certo consenso no campo quanto à pertinência da

inclusão de outros textos neste conjunto, tais como O Projeto para uma psicologia

científica, Capítulo 7 da Interpretação dos Sonhos, Formulações sobre os dois

princípios do funcionamento mental, O Narcisismo. Uma introdução e O Ego e O Id.

Como se pode perceber, são considerados metapsicológicos os trabalhos de

organização conceitual.

Em 1915, quando escreve sua Metapsicologia, Freud adverte aos seus

leitores que as descrições metapsicológicas devem envolver três modos de

descrição dos fenômenos. Uma descrição dinâmica explicando os conflitos

subjacentes a eles, uma descrição econômica apresentando as vicissitudes das

forças ou quantidades de excitações que respondem pela formação de tal fenômeno

e, finalmente, uma descrição topográfica, isto é, a localização das estruturas

psíquicas envolvidas na produção do fenômeno em questão.

6 Uma das hipóteses desenvolvidas por STENGERS (1992) em La Volonté de Faire Science. À propos de la Psychanalyse, é de que o “interesse” que desperta uma proposição científica é condição para que ela possa ser considerada “ verdadeira”, no sentido de organizar forças e meios de prova em torno desta proposição. 7 O termo praxis é utilizado aqui, no sentido dado por Marx, de união entre teoria e prática. A praxis humana constituindo o fundamento de toda possível teorização ( FERRATER-MORA, 1986: 2661).

22

Não será descabido dar uma denominação especial a essa maneira global de considerar nosso tema, pois ela é a consumação [vollendung] da pesquisa psicanalítica. Proponho que, quando tivermos conseguido descrever um processo psíquico em seus aspectos dinâmico, topográfico e econômico, passemos a nos referir a isso como uma apresentação metapsicológica. (FREUD, 1974e: 208).8

O termo ao qual se referiu Freud em 1915, para designar o que a

descrição nestes tres níveis produz foi – vollendung – “acabamento”. A descrição

metapsicológica produziria, então, o acabamento, a conclusão conceitual explicativa

sobre um fenômeno psíquico assim abordado. Entretanto, a teorização psicanalítica

quando referida à prática clínica, se mostra freqüentemente arredia a estes

acabamentos. Não só pelas dificuldades de reprodução experimental dos

fenômenos inconscientes, nem também pela extrema implicação do observador nos

fenômenos observados, mas pela própria riqueza e variabilidade das produções do

inconsciente.

Parece claro que o projeto de organização do campo teórico da

psicanálise nos termos de uma metapsicologia responde, dentre outras coisas, aos

anseios freudianos de cientificidade. Conforme esclarece LE GAUFEY:

Em sua preocupação de tornar a psicanálise reconhecida como ciência, Freud por vezes promoveu o ideal de uma apresentação conceitual “completa” da psicanálise; e só seu respeito pelas imposições inerentes ao objeto de sua démarche o afastou constantemente deste ideal.(...) O projeto metapsicológico talvez seja o melhor atestado desta tensão presente na obra de Freud entre um acabamento conceitual, que permitiria à psicanálise alcançar um certo Olimpo da cientificidade, e um inacabamento conceitual que é prova de um traço fundamental de seu objeto, traço que nenhum conceito particular consegue subsumir e que no entanto seria fatal ignorar.(1996: 340).

A tensão entre o fechamento e a abertura do campo conceitual

psicanalítico é o que parece caracteriza-lo. É nesse intervalo que a metapsicologia -

essa “bruxa” como a caracterizou Freud em Análise Terminável e Interminável (1975

8 Importante salientar que ao nomear-se alguns capítulos subseqüentes com o termo “metapsicologia” (metapsicologia da maternidade ou metapsicologia da melancolia), foi mantido o caráter descritivo apontado por Freud nesta citação.

23

a) -, pode fazer “surgir” respostas especulativas aos limites da clínica, empurrando-a,

certamente, adiante.

Daniel WIDLÖCHER (1994) num artigo denominado Metapsicologia e

Auto-Análise, apresenta três concepções da metapsicologia. Na primeira, o quadro

teórico é compreendido como o organizador dos dados clínicos, permitindo a

descrição mais precisa possível dos processos que ali ocorrem. Na segunda

concepção a metapsicologia é um meio de explicar a vida mental. No primeiro caso

propõe-se uma nova leitura dos fenômenos do mundo a partir do inconsciente; no

segundo, trata-se de articular a concepção do inconsciente às outras concepções de

aparelho psíquico (as neurobiológicas, por exemplo). Segundo o autor, estas

concepções não se opõem. As divergências que produzem só aparecem quando

articuladas a outros aparatos conceituais de explicação da vida mental. O autor

ressalta que a metapsicologia possibilita uma interdisciplinariedade. Ressalva,

porém, os riscos de um reducionismo descaracterizante quando as assimilações são

feitas de modo simplificador. Entretanto, “explicar o inconsciente” ou “explicar pelo

inconsciente” são ambas posições encontradas em Freud.

Widlöcher apresenta, ainda, uma terceira concepção de metapsicologia.

Partindo da articulação feita por Didier Anzieu quanto à relação entre a auto-análise

de Freud e sua construção metapsicológica, o autor propõe que, assim como a

análise de seus próprios sonhos teria fornecido a Freud o complexo teórico básico

da psicanálise, assim também cada análise fornece uma teoria da vida mental do

analisante, a qual se constrói na transferência. Toda análise constitui-se, então,

numa construção metapsicológica.

SOUZA (1998), num artigo no qual discute uma certa tendência atual das

produções psicanalíticas em direção a questões sociais, aponta o empobrecimento

do campo conceitual psicanálitico provocado pelo deslocamento do olhar da

psicopatologia dos sujeitos para psicopatologia do social. Através da análise de

alguns textos freudianos, mostra a especificidade do modo pelo qual Freud aborda a

vinculação entre subjetividade e cultura com sua metapsicologia. Na obra freudiana

não ocorre o deslocamento descrito acima, o que se observa é um movimento

recursivo entre as dimensões sociais e individuais de produção de subjetivação, “as

condições contemporâneas de subjetivação desempenham um papel etiológico

24

importante mas não absolutamente decisivo no espectro psicopatológico do qual o

psicanalista se ocupa.”(1998:86). O autor propõe, então, que a metapsicologia possa

exercer um papel moderador na avaliação dos psicanalistas quanto à incidência de

suas práticas na cultura. A “renovação criativa dos conceitos metapsicológicos” é o

que poderia oferecer aos psicanalistas saídas para os impasses que a clínica

apresenta, sejam eles movidos por transformações sociais ou não.

Método da pesquisa

O objeto desta pesquisa – o afeto deprimido durante a gravidez – foi

resultado de questões sucitadas pela clínica. Embora esta não seja uma pesquisa

de campo, parece importante salientar que as elaborações conceituais aqui

estabelecidas sofreram o balizamento desta experiência clínica.

O objetivo geral da presente pesquisa foi buscar elementos teóricos que

permitissem a compreensão da ocorrência de afetos deprimidos durante a gravidez,

a partir das teorias psicanalíticas.

Para que tal objetivo fosse atingido procedeu-se uma pesquisa básica de

revisão da literatura psicanalítica. Tal revisão se processou através de fontes

primárias - a obra freudiana - e secundárias, ou seja: artigos e livros de línguas

inglesa, francesa, espanhola e portuguesa. O material foi coletado em bibliotecas e

através de sistema eletrônico de pesquisa (ex.: sistema Medline). A pesquisa deste

material foi feita em torno de 3 núcleos temáticos9 (Complexo de Édipo/Castração;

Gravidez/Maternidade/Feminino e Depressão/Melancolia). Estes temas não se

encontram isolados na teoria, porém foram destacados diferentemente nos vários

períodos e pelas diversas escolas psicanalíticas. Foi necessário, então, que se

buscasse suas principais conceptualizações em Freud, bem como algumas

reformulações teóricas, propostas por autores que tenham contribuído para a

teorização destas temáticas.

Alguns outros temas surgiram como contingências dos caminhos

percorridos na pesquisa. O estudo do feminino e da maternidade conduziu aos

25

diferentes estatutos que o filho ocupa enquanto objeto na subjetividade da mãe. A

pesquisa em torno da depressão conduziu à questão da formação do eu e seus

ideais. O anseio de encontrar uma explicação para os afetos deprimidos durante a

gravidez que não se restringisse a efeitos de uma estrutura neurótica ou psicótica,

levou à análise do fenômeno do estranhamento, o qual se tornou, por fim, a linha de

costura do tecido deste livro.

9 Tema é aqui compreendido no sentido descrito por Bardin como “a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura.” (BARDIN apud MINAYO, 1992: 208)

26

Sobre um dos nomes da tristeza

“Quando me dei conta de que fora vencido pela doença, senti a necessidade de, entre outras coisas, registrar um protesto contra a palavra “depressão”. (...) “Melancolia” pode ainda ser adequada e evocativa para definir as formas mais graves da doença, mas foi destronada por uma palavra de conotações mais brandas, sem ar professoral, usada indiferentemente para descrever uma economia em declínio ou uma vala na estrada, uma palavra realmente sem cor considerando uma doença dessa importância. Talvez o cientista a quem geralmente é atribuida essa denominação, nos tempos modernos(...) – o psiquiatra nascido na Suiça, Adolf Meyer – não tivesse um ouvido capaz de captar os rítmos mais sensíveis da língua inglesa e por isso não percebeu que estava perpetrando um desastre semântico quando propôs a palavra “depressão” para descrever uma doença tão terrível. Seja como for, por mais de setenta e cinco anos a palavra tem deslizado inocuamente através da língua como uma lesma, deixando poucos sinais indicadores da sua malevolência e impedindo, devido à sua extrema insipidez, o conhecimento generalizado da terrível intensidade da doença quando não é controlada”.

William Styron1

1 STYRON (1990: 43-44). Perto das Trevas

27

A depressão no campo dos saberes.

O quadro clínico que deu origem a esta pesquisa emergiu da clínica

psicanalítica. Em alguns casos, mulheres que durante suas análises expressavam

intenso desejo de engravidar, ao realizarem esse projeto foram acometidas de um

estado de tristeza, com alterações de sono e apetite, num período que abrangia os

primeiros meses da gestação. Tal quadro pode ser aproximado àquele classificado

pela psiquiatria moderna como episódio depressivo ( D.S.M. IV) (AMERICAN

PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1995). O motivo deste estado de tristeza ou dor

psíquica que se está qualificando como depressão na gravidez não parecia ser o

bebê – este continuava sendo extremamente desejado, nos casos observados -

mas algo relativo à própria subjetividade daquelas mulheres em vias de se tornarem

mães. Cabe ressaltar que as mulheres em questão eram primíparas e não tinham

diagnóstico de psicose. Chamar-se-á inicialmente este estado afetivo de depressão

por esta semelhança descritiva. Pretende-se, no entanto, discutir, ao longo do

trabalho, a adequação (ou não) da utilização desta nomenclatura.

Embora se reconheça a existência de imensa literatura relativa à

depressão como quadro psiquiátrico, bem como a profusão de obras referentes à

melancolia como estrutura clínica, o que se busca, aqui, é poder recortar a

experiência do afeto deprimido durante a gravidez não como efeito de uma estrutura

subjetiva melancólica ou deprimida, mas como efeito do processo de subjetivação

feminino em relação à maternidade.

Uma primeira questão relativa à propriedade do uso do termo depressão

para qualificar uma ocorrência clínica deste tipo diz respeito a seu caráter

diagnóstico e à pertinência de seu uso na clínica psicanalítica. O termo depressão

aparece nas produções psicanalíticas desde seu início, sem que tenha o estatuto de

um conceito teórico da psicanálise. Nas vezes em que Freud se utiliza deste termo,

o faz com o caráter que lhe atribui a psiquiatria da época. Todavia, mesmo na

psiquiatria, a definição do que seja a depressão e sua posição no campo da

patologia tem sido trabalhosa e permanentemente alterada.

Seja como entidade nosográfica, seja como experiência fenomenológica,

a depressão adquire interesse nesta pesquisa, tanto por seu “poder definidor” ou

“poder explicativo” junto ao senso comum (o têrmo depressão é utilizado de forma a

28

representar quase toda sorte de estados de “dor psíquica”), como pela freqüência

com que tem sido associada aos mais diversos quadros clínicos, complexificando

suas explicações etiológicas, bem como sua terapêutica.

Sabe-se que os fenômenos depressivos são objeto de diferentes áreas do

saber cujos contornos são, por vezes, muito pouco definidos: as psicologias, as

psiquiatrias, as psicanálises, as ciências sociais, além da genética, da neurologia e

outras... (nenhuma delas hegêmonica no domínio do saber sobre o mental ou

psíquico - este objeto pouco preciso, complexo ou pluriobjeto). Nesse sentido, são

inevitáveis as intersecções e interfaces (ex.: psiquiatria psicanalítica,

psiconeuroimunologia, psicobiologia, neuropsiquiatria, etc...) onde os conceitos se

organizam em sintaxes que se diferenciam tanto das fontes originais (uma psicologia

ou uma psiquiatria específicas), quanto das possíveis combinações de saberes.

Além da abundância de literatura científica, nas mais diversas tendências,

acerca do tema depressão, há, também, uma profusa literatura não científica sobre

este tema. Ele é presença freqüente na imprensa escrita, falada ou televisiva,

comparece nos discursos dos representantes de qualquer classe social (pelo menos

nos países cuja cultura é ocidentalizada), é apresentado, inclusive, em home pages

de redes computacionais. Na última década, a circulação das informações científicas

tem se dado de forma ampla, independente da qualidade destas ou do quanto de

incerteza escamoteiam..., e o senso comum vem se construindo sobre esta forte

influência da divulgação dos saberes científicos (GRANGER, 1993: 16-19).

Alguns aspectos epistemológicos da conceptualização da Depressão

Tratar de aspectos epistemológicos é, antes de mais nada, tratar da

lógica sob a qual um conhecimento se processa. Se o conhecimento só se faz por

mediação, a razão é o mediador que caracteriza o conhecimento científico. MORIN

descreve a razão como:

(...) um método de conhecimento baseado no cálculo e na lógica (na origem, ratio quer dizer cálculo), empregado para resolver problemas postos ao espírito, em função dos dados que caracterizam uma situação ou um

29

fenômeno. A racionalidade é o estabelecimento de uma adequação entre uma coerência lógica (descrita, explicativa) e uma realidade empírica. ( 1990: 121).

Compreender os périplos da noção de depressão implica reconhecer a

racionalidade do uso deste conceito em diferentes contextos teóricos.

O estudo da depressão coloca o pesquisador - clínico ou teórico - em

confronto com problemas epistemológicos como o da multiplicidade de definições de

depressão conforme os referenciais teóricos utilizados. A escolha de tais referenciais

tem implicações tanto no campo teórico como prático.

Do ponto de vista epistemológico é importante se ressaltar a diferença de

recorte do objeto mente ou psiquismo, sede da depressão. Conceber a depressão

como ocorrência de um aparelho psíquico forjado no embate entre moções

pulsionais e as pressões culturais, é completamente diferente, por exemplo, de

compreendê-la como efeito de processos bioquímicos num aparato neuronal. Para

as neurociências o mental se circunscreve nos processos de cognição e nas

estruturas cerebrais (ex.: circuitos neuronais, bioquímica cerebral) (ANDREASEN,

1997: 1586) enquanto nos saberes psicodinâmicos a ênfase do mental está na

subjetividade, portanto, na organização particular, simbólica, do que quer que seja o

mental (neurônios, gens, relações sociais ou traços de linguagem). Nesse sentido, a

categoria ou conceito depressão, sofre os efeitos lógicos de estar vinculada a uma

ou outra concepção do mental. Não seria necessário demonstrar, portanto, as

enormes diferenças na clínica da depressão conforme o modelo teórico que se

utilize.

Se é possível relacionar o mental orgânico, com o mental simbólico, como

pretendem, especialmente, os pesquisadores das neurociências (ANDREASEN, op.

cit.,1586), é necessário que antes se considere os ganhos e as perdas que tal

junção pode trazer. Essas relações só se fazem através de reduções, que, por

vezes, custam a perda do objeto em si (SAMAJA, 1992: 15). Por outro lado, a

finalidade pode justificar esta tentativa. A clínica do mental (e suas dificuldades...) é,

sem dúvida, um forte estimulante para criação destas interfaces. Porém, aqui

também (clínica do mental), há diferenças marcantes: umas caminhando no sentido

da eliminação ou controle dos sintomas e transtornos; outras, considerando os

sintomas como discursos subjetivos cuja decisão sobre seu destino (eliminação ou

não) não é devida, nem possível para o profissional que conduz a clínica.

30

Parece importante destacar-se a mudança de perspectiva de um

fenômeno (a depressão, no caso) quando vinculado a um ou outro desses objetivos,

de modo que se possa decidir sobre a propriedade de seu uso no contexto clínico

abordado por esta pesquisa. Tais objetivos, ou sentidos da intervenção clínica, têm

sua determinação (ao menos em parte...) no privilégio à vertente subjetivante ou

objetivante da produção de conhecimento. O objetivismo poderia ser sintetizado

como uma visão do mundo constituído de objetos com características e

propriedades independentes dos seres que com eles se relacionam, possibilitando,

assim, seu conhecimento verdadeiro, através de métodos e linguagem claros e

objetivos como pretendem ser o método e a linguagem científicos. Já o subjetivismo

compreende o conhecimento dos objetos do mundo através das relações entre os

seres e os objetos, enfatizando todas as formas de manifestação subjetiva.(LAKOFF

& JOHNSON, 1980).

Outra questão epistemológica relevante na análise de um conceito é a

dificuldade em se rastrear as semelhanças ou linhas de continuidade internas a um

saber, ou entre saberes diversos, no que tange ao uso desse conceito, em função

das mudanças de estatuto que este sofre no seu contexto de uso. A depressão, por

exemplo, tem sido tratada ora de modo substantivo ora adjetivo. Conforme descreve

PALMEIRA, em sua tese de mestrado acerca das relações entre psiquê e cancer:

(...) em alguns casos a “depressão” é entendida como algo que o sujeito sofre, em outros é interpretada como algo inerente à própria natureza do sujeito. (1994: 47) .

Uma tentativa de neutralização deste problema tem sido feita pela

epidemiologia psiquiátrica com seus sistemas de classificação, nos quais estados

como os de depressão seriam sempre adjetivos, resultado de um somatório de

sinais.

Na perspectiva mais estritamente neurobiológica, a depressão é

associada a fatores tais como alterações de processos cerebrais adaptativos

(ANDREASEN, 1997:1588), ou intercorrências nos sistemas de transmissão

noradrenérgicos do sistema nervoso central (s.n.c.); ou processo de recaptação da

serotonina ao nível sináptico do referido sistema (s.n.c.); ou ainda deficiência de

31

dopamina no sistema nigroestriatal ( SIMÕES et alii, 1996: 4-5). Outra vertente da

pesquisa biomédica associa a depressão a fatores hormonais, como o estrogênio,

por sua “ação direta e indireta sobre os neurônios do s.n.c.” (SIMÕES et alii, op.

cit.:5), condição considerada como uma das prováveis responsáveis pela freqüência

de depressão, duas vezes maior, nas mulheres do que nos homens.(PAYKEL,

1991). Fica evidenciado, aqui, que a depressão, independente da hipótese que a

explique, é compreendida como um fenômeno adjetivo, resultante de processos

neurobiológicos ou genéticos. Os modelos de produção de conhecimento acerca da

depressão, nestas áreas, são objetivos. Seja o que for, a depressão é suposta

exterior àquele que a pesquisa.

A depressão como experiência vivida - subjetiva - é tratada pelos

saberes psicodinâmicos (incluindo aqui os culturais). Seria temerário, entretanto,

conceber qualquer universalidade nas formas de pensar a depressão, pelas diversas

correntes de saber que têm as experiências psíquicas como seus objetos.

Para os saberes teóricos que descrevem a subjetividade e suas

manifestações (as psicanálises, as antropologias etc..) a depressão também tende a

ser vista de modo adjetivo, como resultante de processos - agora não mais

biológicos - mas psíquicos ou sociais. A pretensão do conhecimento objetivo acerca

dessa experiência é, no entanto, abandonada e substituida por uma racionalidade

que supõe encontrar a verdade do fenômeno depressivo intrinsecamente delineada

no contexto particular , subjetivo, de sua manifestação.

Referindo-se às diferenças de racionalidade do saber científico e do

saber filosófico (não positivista), ATLAN faz afirmações que podem ser úteis para

esclarecer a racionalidade dos saberes psicodiâmicos:

Assim, contrariamente ao ideal das filosofias neopositivistas, que procuravam imitar a física e a sua forma lógico-mátemática, o papel da filosofia seria falar daquilo que não pode ser formalizado, utilizar uma linguagem natural, com as suas metáforas, as suas analogias e a indefinição que as acompanha, sem, por isso, renunciar a continuar racional; e para tal, distinguir as boas das más analogias, as metáforas enriquecedoras das metáforas enganadoras, o pouco vago, que oculta o que deveria ser dito, do demasiado vago, potencial de criação. (1991: 101).

32

A organização dos saberes sobre o mental em sistemas classificatórios:

algumas implicações clínicas.

Conforme apresentado no prefácio à edição brasileira da Classificação

Internacional de Doenças - descrições clínicas e diretrizes diagnósticas - da

Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) CID 10 (1993: XI), o esforço sistemático de

classificação dos transtornos mentais, orientado por esta entidade, data da década

de 60 e vem se ampliando e se especificando desde então.

Esta última versão de 1992, junto com o Diagnostic and Statistical

Manual of Mental Disorders (DSM IV -AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,

1994), representam os resultados mais recentes desta tendência taxônomica que

vem buscando instrumentos que permitam a comunicação entre os diferentes

profissionais envolvidos na clínica, na pesquisa e na educação em saúde mental.

Estas classificações se caracterizam pela descrição de sinais e

sintomas, com um declarado abandono da noção de doença mental e a opção pelos

conceitos de episódios e transtornos . Este último é definido como “um conjunto de

sintomas ou comportamentos, clinicamente reconhecível, associado, na maioria dos

casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.” (O.M.S. - CID10, 1993:5).

Outros dois eixos utilizados nas classificações são: a distribuição dos sinais e

sintomas no tempo (episódica ou recorrente) e sua intensidade (grave, moderada ou

leve).

Esta opção pelo modelo sindrômico em detrimento do modelo

nosológico se dá, especialmente, em função da ausência de certezas quanto à

etiopatogenia dos transtornos mentais, e/ou, da complexidade que envolve a

causalidade do psíquico. O objetivo apresentado para estas categorizações é:

“melhorar o diagnóstico e a classificação dos transtornos mentais”, facilitando a

clínica, a pesquisa e a comunicação entre profissionais da área de saúde mental (

O.M.S. op.cit.: XI ). Por outro lado, dependendo da finalidade que se atribua a um

diagnóstico, este esforço classificatório será de maior ou menor valia.

ZARIFIAN define um diagnóstico como um instrumento que “permite

comunicar acerca de um doente, (...) permite comparar grupos de pacientes entre si,

(...), [não sendo necessário na clínica, entretanto] pois a abordagem é

essencialmente intuitiva.” (1989: 45-47). Nesta mesma linha LAJEUNESSE afirma

33

que: “o interesse de um diagnóstico fiel e válido é condensar uma informação com

virtude prognóstica e, por conseguinte, condicionar a orientação terapêutica” (1989:

72). Segundo este autor, tal “fidelidade” se obtém às custas da retirada das

sintomatologias puramente subjetivas, quando da descrição das categorias.

Procedimento que, segundo o próprio autor, não garante a objetividade e, ainda,

acirra a dicotomia entre os praticantes da clínica do mental (subjetivistas e

objetivistas).

O abandono da posição nosográfica, nos dois sistemas classificatórios

citados acima, se deve, também, a uma opção pela não utilização de qualquer

referencial teórico específico, no bojo, ainda, de um projeto de objetividade de tais

classificações. Se por um lado esta postura “suprateórica” gera a clareza dos

sintomas descritos, por outro os multiplica de forma progressiva, dificultando sua

utílização clínica como instrumento de projeto terapêutico (o capítulo dos transtornos

mentais do CID 9 tinha 30 categorias, a atual versão - CID 10 - tem 100).

Quanto à categoria depressão, os organizadores da CID. 10 advertem que a

atual versão ainda é fonte de muita discordância entre psiquiatras. Supõem,

entretanto, que tais discordâncias serão dirimidas com “medidas fisiológicas e

bioquímicas, ao invés (...) de descrições clínicas de emoções e comportamentos.”

(O.M.S., op.cit.: 13).

Uma perspectiva nosológica implica modelos teóricos de interpretação

dos eventos. A “costura” dos dados parece fundamental na própria caracterização

dos fenômenos. Esta ausência de organização teórica dos sintomas leva, por vezes,

a situações bizarras, onde qualquer sujeito pode ser incluído sob certos

diagnósticos. O transtorno depressivo é um caso exemplar deste tipo. Na

classificação do DSM IV, a depressão é classificada como um transtorno afetivo do

humor envolvendo episódios depressivos, em um período mínimo de duas semanas

e mais, pelo menos quatro dos seguintes sintomas: queixas de tristeza,

desesperança, perda de prazer generalizada, perda de apetite, perturbações do

sono, alterações psicomotoras, diminuição de energia, sentimentos de desvalia ou

culpa e pensamentos suicidas (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994).

Seria quase impossível encontrar um adulto ocidental que não se enquadrasse

nestes critérios, especialmente aqueles que vivem nos grandes centros urbanos...

34

Em relação aos critérios fisiopatológicos, bioquímicos ou genéticos

como fontes de especificação diagnóstica, é preciso que se destaque a subversão

que tal caminho pode criar na compreensão (e consequente abordagem) dos

fenômenos mentais. Sobre isso ZARIFIAN afirma:

Os psicotrópicos tiveram papel importante, e não inocente, na evolução dos conceitos diagnósticos. Responsável por isso é sobretudo o marketing farmacêutico. (...) Se bem que os psicotrópicos não sejam senão tratamentos sintomáticos e não específicos de uma afecção mental, o cenário está armado. As classificações de psicotrópicos reforçam a situação. Há antipsicóticos, antidepressivos e ansiolíticos: então há psicoses, depressões e ansiedade. ( op.cit: 49-50).

Poder-se-ia objetar que as versões atuais dos sistemas classificadores

minimizam este problema abrindo mão das grandes categorias nosográficas.

Todavia, a intenção de objetivação através de critérios estritamente biológicos

permanece, como foi mostrado alguns parágrafos acima. Conta-se, atualmente,

com instrumentos poderosos para esses fins: além da fidedignidade da bioquímica ,

desfruta-se agora da precisão e do rigor das imagens (tomografia de emissão de

pósitrons, por exemplo...). Mais ainda, corre-se o risco de identificar fenômenos de

uma esfera (os afetos deprimidos, por exemplo), com achados de outra esfera (as

possíveis alterações de imagens tomográficas quando de estados afetivos

deprimidos), incorrendo em inevitável engano e confusão, com evidentes

conseqüências clínicas.

Outra fonte de dificuldades no estabelecimento e uso clínico de um

sistema classificador são as diferenças culturais. Estas são reconhecidas, nos dois

sistemas a que estamos nos referindo (DSM.IV e CID.10), porém, dada a

dificuldade em transformá-las em variáveis indicáveis objetivamente , elas não são

consideradas. Mais uma vez isso não ocorre sem prejuízo clínico. A esse respeito

LUTZ afirma:

Argumentarei, entretanto, que a distinção entre o o quê e o como da experiência depressiva (...) somente faz sentido no contexto cultural Euro-Americano dentro do qual foi desenvolvido(...) O que é mais notável na visão ocidental da depressão é a afirmação implícita do carater de oposição à alegria, ou pelo menos aos afetos positivos, em relação a um

35

estado normal. (...) O que é particularmente desviante nos deprimidos é sua desistência em buscar a felicidade ou o amor de si, considerados objetivos básicos e normais das pessoas. Estas metas aparentemente naturais são, de fato, moldadas culturalmente, em contraste com outras possiveis definições de normalidade nas quais, por exemplo, a ênfase pode ser posta no cuidado de crianças ou parentes, ou em vivenciar emoções de caráter moral, corretas porém não prazeirosas... ( 1985: 63-70).

Parece então que esta objetivação das classificações diagnósticas, se

traz vantagens tais como a abertura de espaço para a consideração de

configurações complexas, no interior de sistemas dinâmicos (BASTOS et al., 1994:

108), traz também alguns riscos clínicos como o de se confundir “os signos

recolhidos com a realidade da doença” (CLAVREUL, 1983:202). O fato dos sistemas

classificadores terem abandonado a concepção de doença, não significa que as

pessoas (o senso comum) a tenham abandonado também, muito pelo contrário...

Prova disso são os serviços clínicos, cada dia mais lotados de autodenominados

“doentes do pânico” ou “deprimidos”...

BENETI (1997), em seu artigo DSM-IV: El “McDonald’s de la Psiquiatría”,

faz notar o risco de inversão clínica quando à singularidade do paciente é

sobreposta a universalidade do sistema diagnóstico. Parece possível supor que o

caráter de saber universalizador dos sistemas diagnósticos pode oferecer ao senso

comum o frágil conforto (no caso das afecções subjetivas) da pertinência a um

grupo, onde o diagnóstico (depressão, no caso) sutura, parcialmente, a pressão

pela busca das razões individuais do sofrimento.

Os estudos sobre Depressão na Gravidez

Numa revisão preliminar da literatura médica sobre o tema, foram

encontrados estudos conjuntos nas áreas de obstetrícia, psiquiatria e psicologia

demonstrando a ocorrência de estados depressivos durante a gravidez normal

(SÉGUIN et alli, 1995; KONIAK-GRIFIN et alli 1996; KITAMURA et alli, 1996). Tais

estudos poderiam ser subdivididos em dois grandes grupos:

• aqueles que pesquisam os fatores de risco para depressão na

gravidez.

36

• os que buscam associar a depressão como fator de risco para certos

desfechos obstétricos, tais como a prematuridade, o baixo peso ao

nascer, a irritabilidade do bebê (ZUCKERMAN et alii, 1990) ou mesmo

a mortalidade neonatal (BUSTAN et al, 1994).

Nestes trabalhos, a depressão é quase sempre ligada a situações como

estresse, falta de suporte social, baixa renda, enfim, fatores denominados

psicossociais. Em relação aos fatores de risco mais freqüentemente associados à

depressão na gravidez, encontram-se as dificuldades econômicas e a falta de

parceiro ou de suporte familiar e social (MILLÁN, et alii, 1990; JADRESIC, et alii,

1993; HOBFOLL, et alii 1995; SÉGUIN, et alii, 1995). Nesse sentido, a prevalência

da depressão na gravidez é maior em grupos de mulheres de baixa renda, negras,

com baixos níveis de escolaridade (ZUCKERMAN, et alii, 1989; SÉGUIN, et alii,

1995; ORR et al, 1995; COPPER, et al 1996). A depressão é ai descrita,

predominantemente, como vinculada a condições de desequilíbrio ou desadaptação

social. Estes estudos não tecem considerações sobre a dinâmica psíquica

subjacente à depressão na gravidez.

No campo psicanalítico a consideração de qualquer fenômeno sofre os

efeitos de “refração” da existência de diferentes escolas. A teoria psicanalítica não é

unívoca, seu desenvolvimento tem se dado a partir do privilégio ou da ênfase de

aspectos diferentes da teorização freudiana, estes ora mais, ora menos evidentes,

na obra do fundador da psicanálise.

Os artigos de orientação psicanalítica tendem a abordar estados

depressivos em gestantes na perspectiva da reorganização psíquica imposta à

mulher pelo estado gestacional (BIBRING et al, 1976; WELDON, 1991). Não foram

encontrados, porém, trabalhos específicos acerca da depressão na gravidez , na

literatura psicanalítica. Alguns fatores parecem poder explicar tal ausência. Em

primeiro lugar, o fato da depressão não ser uma entidade nosográfica, nem mesmo

um conceito, do campo psicanalítico. O transporte deste termo da psiquiatria para

psicanálise se fez através dos psicanalistas com formação psiquiátrica dita clássica,

a qual se baseava na “observação cuidadosa”, no “dialógo sustentado e atento com

o doente” (MILLAS, 1997: 96), onde as entidades clínicas eram descritas de modo

37

minucioso e criterioso a partir da referência à psicopatologia fenomenológica

(BENETI, 1997).

É o estudo do quadro clínico da melancolia, realizado por Freud em

diferentes momentos de sua obra, que serve à psicanálise como modelo para

compreensão dos afetos deprimidos. A melancolia também é uma entidade

nosográfica da psiquiatria (distinta da depressão), ora considerada uma afecção

mental em si, ora associada à psicose (especialmente à psicose maníaco-

depressiva, atualmente denominada transtorno bipolar). Freud, porém, aborda o

problema da melancolia buscando descrevê-la nos termos de suas teorias,

conforme se exporá mais adiante.

Outra razão para a falta de trabalhos psicanalíticos específicos quanto a

depressão na gravidez parece ser o fato de os trabalhos sobre a maternidade

estarem predominantemente centrados em duas grandes temáticas: a frigidez e a

infertilidade. A depressão é estudada , alí, numa relação mais específica a estes

fenômenos.

Na primeira metade do século a discussão em tôrno da infertilidade já se

centrava nos aspectos da psicologia feminina. A inexistência, naquele momento, de

técnicas de reprodução sofisticadas, permitiu o avanço das pesquisas em torno dos

chamados fatores psicogênicos. Se para a medicina tais fatores, embora com

aspecto de caixa preta, serviam de escoadouro para o não-sabido emanado da

clínica, para a psicanálise, era a possibilidade de expandir seus construtos

explicativos. As discussões sobre esta questão se fizeram em torno do

desenvolvimento da sexualidade feminina no complexo de Édipo. De modo geral, as

teses falavam de um infantilismo quanto à sexualidade psíquica. Quer fosse por

inveja do pênis como propôs Freud, ou por temor de um submetimento masoquista à

mãe, como teorizou Deutsch, ou por ansiedade paranóide em relação às partes más

deste objeto mãe, como observou Klein, os conflitos eram, geralmente, referidos à

dificuldade de identificação com a mãe. As angústias e depressões eram abordadas

na perspectiva das dificuldades em tornar-se mulher.

Como a maternidade foi tratada por Freud no contexto da organização

sexual feminina e considerada seu alvo evolutivo, alguns estudiosos das questões

de gênero, deduziram, por parte da psicanálise, uma proposição normativa, redutora

da mulher à condição de mãe. Quanto a isso cabe lembrar que a questão central

sobre a qual Freud se debruçou foi a sexualidade no seu duplo intrincamento, o

38

indivíduo e a espécie, sendo a reprodução e a maternidade indissociáveis nesse

plano de pesquisa.

Na última década, a ênfase dos trabalhos psicanalíticos relativos à

gravidez recai sobre as práticas de inseminação artificial. A tendência desta

discussão se faz em torno do desconhecimento da vertente inconsciente do desejo

destas mulheres cuja infertilidade tem causa desconhecida ou “psicogênica”, e que

se submetem às técnicas de reprodução assistida. A suposição subjacente a estes

trabalhos é de que as práticas médicas sustentam, por vezes, este

desconhecimento, no atendimento da demanda de uma gestação. Se o filho é

esperado no lugar de metáfora do que é ser mulher, a resposta a esta demanda

representará a negação da castração2 e a valorização de idealizações imaginárias

quanto ao papel da maternidade na identificação da mulher ao feminino. Tais

trabalhos buscam evidenciar, ainda, que a falta de um significante que especifique a

mulher no campo das diferenças sexuais psíquicas, diz respeito à pluralidade das

suas possibilidades representativas e não a qualquer sorte de carência real, que

possa ser resolvida pelo imaginário biológico. Nestes trabalhos o afeto deprimido é

abordado, então, em relação ao fracasso que estas gravidezes assistidas podem

representar quanto ao sentido plurívoco do desejo das mulheres em questão.

(CHATEL, 1995; TUBERT, 1996).

Depressão como experiência afetiva

A versão dicionarizada do vocábulo depressão - “ato de deprimir-se;

abaixamento de nível resultante de pressão ou de peso; baixa de terreno;

diminuição, redução; (...); psiq: distúrurbio mental caracterizado por adinamia,

desânimo, sensação de cansaço(...); fig: abatimento moral ou físico, letargia.”

(HOLLANDA, 1966: versão eletrônica) - parece evidenciar uma relação analógica

entre os movimentos mecânicos de pressão com efeito de diminuição ou redução

numa quantidade qualquer, e o que se observa nas descrições semiológicas dos

quadros ditos depressivos. Sustentando esta relação analógica buscar-se-á

2 O têrmo Castração está sendo utilizado aqui numa das acepção propostas por Lacan, como condição estrutural da subjetividade, como ausência de um significante que possa circunscrever, em termos de saber, toda a verdade referente ao sujeito e a seu desejo.

39

evidenciar que tipo de pressão e sob que aspectos da subjetividade da mulher

grávida, poderá resultar num rebaixamento de sua alegria.

Como já sublinhado no início deste capítulo, esta pesquisa da depressão

associada à gravidez não pretende enfocar um quadro nosográfico, mas uma

manifestação subjetiva passível de ocorrer em mulheres de variadas estruturas

psíquicas. Parece, entretanto, que o tratamento metapsicológico que se pretende

dar à questão pode autorizar sua extensão à clínica psicanalítica de quadros de

depressão na gravidez vínculados a estruturas melancólicas ou depressivas. Porém,

a ocorrência de um período depressivo durante a gravidez não indica,

necessariamente, uma estrutura subjetiva melancólica3: É possível a presença de

afeto deprimido na gravidez de mulheres sem uma história pregressa deste tipo de

episódios.

Poder-se-ia objetar que a utilização do termo depressão está aqui, então,

sustentada apenas no afeto da tristeza, o que não caracterizaria uma depressão ou

um quadro melancólico. A intenção de manter tal termo, todavia, se deve à

associação entre a tristeza e um sentimento de perda inefável, ocorrida ou por

ocorrer, desvinculada de qualquer perda objetiva, relatada nos casos que serviram

de fonte para esta pesquisa. A semelhança com as situações de melancolia - e de

luto, por decorrência - onde o afeto triste e a inibição generalizada dão o aspecto

depressivo aos sujeitos por eles acometidos, determinou a manutenção do termo.

A depressão será aqui considerada como uma ocorrência relativa ao

campo do afeto, gerada na passagem da condição subjetiva de mulher à condição

de mãe. Buscar-se-á discutir em capítulos subseqüentes a relação entre a angústia

a estranheza e o sentimento de depressão, na experiência da gravidez desejada .

Parece necessário ressaltar que, se toda angústia se refere à fundação

do sujeito como desejante, então, as diferentes experiências que remetem o sujeito

3 A referência a uma estrutura melancólica visa estabelecer diferença entre uma posição subjetiva transitória e outra prevalente. A idéia de que a melancolia poderia ser uma estrutura específica, independente das neuroses, das psicoses e das perversões, permeia atualmente a obra de alguns psicanalistas. Embora nesta pesquisa não tenha sido encontrada referência explícita a essa posição, alguns indícios apontam nessa direção. Na obra de Marie-Claude LAMBOTTE (1997), por exemplo, a opção é por um discurso melancólico. Entretanto, tratando-se de autora com orientação lacaniana, sua referência ao discurso a aproxima da concepção de estrutura uma vez que para LACAN (1992) a noção de discurso diz respeito a posições estáveis na linguagem. De modo semelhante, o trabalho de PINHEIRO (1998) O estatuto do objeto na melancolia, embora não explicite a proposição de uma estrutura melancólica, refere-se a uma metapsicologia específica da melancolia, envolvendo um modo particular de vinculação da subjetividade ao objeto, que seria menos de desejo e mais de mimese identificatória.

40

a esta fundação são de extremo interesse na clínica psicanalítica. Supõe-se que a

gravidez seja uma delas.

41

A metapsicologia da maternidade

“De acordo com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher - seria esta uma tarefa dificil de cumprir -, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual.”

Sigmund Freud1

1 S. FREUD (1976n). A FEMINILIDADE .p. 144

42

Proposições freudianas acerca da sexualidade feminina e da maternidade

Estudar a gravidez através da psicanálise implica fazê-lo mediante o

recorte específico com que esta compreende o vivido humano, como experiências

cuja realidade é centralmente psíquica, essencialmente simbólica. As duas áreas da

psicanálise às quais a gestação se liga de modo mais imediato são a sexualidade

feminina e a maternidade. No propósito de teorizar a sexualidade, por concebê-la

como constitutiva da subjetividade humana, Freud descreve sua organização,

porém, com maior ênfase na vertente masculina. Esbarra, entretanto, no

desenvolvimento da sexualidade psíquica nas mulheres. O feminino entra na

psicanálise desde os primórdios, como campo de enigmas, equívocos e muita

fecundidade teórica.

Quanto à gestação, seu principal tratamento no campo, tem se dado

através da perspectiva da maternidade. Esta, por sua vez, tem sido abordada,

especialmente, sob dois prismas: como manifestação do desejo inconsciente de um

sujeito mulher ou como função relativa à constituição simbólica da subjetividade (do

filho). Nesta última visada a função materna comparece no conjunto de operações

psíquicas que respondem, de modo mítico, pela origem do sujeito. Esta foi a

vertente sob a qual Freud abordou preferencialmente a questão da maternidade.

O conjunto de operações que respondem pela sexuação psiquica é,

segundo FREUD (1970), o Complexo de Édipo, processo que resulta no

engajamento do sujeito na ordem social através de sua identificação a uma posição

sexual, que lhe possibilita a participação na partilha dos objetos sexuais. É através

do complexo de Édipo que o sujeito se reconhece (como homem ou mulher) e pode

fazer vínculos de natureza sexual e social. Os fundamentos sobre os quais Freud

constrói a teoria edípica são: a bissexualidade constitucional, a falta de um

demarcador psíquico quanto à diferença sexual, e a necessidade de orientação do

sujeito na ordem transgeracional .

A idéia de uma lógica edípica subjacente aos processos subjetivos

remonta aos primeiros trabalhos psicanalíticos de FREUD (1974a), produzidos entre

1895 e 97. A teoria da sedução, de valor etiológico na estruturação das neuroses, já

indicava que os adultos que faziam parte da cena relatada pelos pacientes, cenas de

excitação sexual na infância, eram, freqüentemente, os próprios pais. A teoria da

sedução é depois substituída pela teoria da fantasia, no entanto, o conteúdo sexual

43

envolvendo os pais ou seus representantes permanece. Freud passa,

progressivamente, a atribuir valor determinante ao complexo de Édipo, não só na

estruturação das neuroses, mas na estruturação psíquica mesma (FREUD, 1976g).

A formalização da teoria edipiana da subjetivação não se desenvolveu de

forma linear no que diz respeito aos homens e às mulheres. Embora a primazia do

falo na orientação do desenvolvimento psíquico da sexualidade estivesse assentada

na teoria desde 1905 nos Três Ensaios Sobre a Sexualidade (FREUD: 1972a), os

efeitos diversos desta primazia só foram teorizados nos artigos posteriores a 19202.

Importante ressaltar que um dos reflexos da bissexualidade original (tese que dá

fundamento à teoria do Édipo) é a presença universal, com forças individualmente

variáveis, de um complexo de Édipo completo - em sua forma direta ou positiva, e

em sua forma invertida ou homossexual - em todos os indivíduos.

O que está em questão no Complexo de Édipo é um jogo de

investimentos e desinvestimentos libidinais, entre a criança e um dos pais (ou seu

representante), acompanhado de identificações ao outro elemento do par parental.

O resultado é a identificação a uma posição sexual (feminina ou masculina), que

possibilita a participação do sujeito nas trocas sociais, as quais são mediadas pela

posição sexual que caracteriza o modo de abordagem dos objetos. Essa trama se

dá em torno da ausência e presença do pênis como representante do falo3. Num

jogo dialético entre ser e ter o falo e seus correlatos (ter e perder, não ter e receber),

constrói-se a posição sexual subjetiva bem como o ingresso na ordem social. O falo

tem função de indicador de haver diferença sexual. A presença do pênis nos

meninos em associação a sua ausência nas meninas (e somente nesta estrita

associação) conduz a criança a produzir hipóteses acêrca de seu próprio sexo, bem

como do sexo oposto, uma vez que não há reconhecimento psíquico imediato, inato,

da diferença sexual. A diferença corporal (ter pênis - não ter pênis) é um indicador

imaginário da diferença simbólica que se constroi em torno do falo (fálico –

2 Especialmente nos artigos A Organização Genital Infantil de 1923 (FREUD, 1976g), A Dissolução do

Complexo de Édipo de 1924 (FREUD, 1976h), Algumas Consequências Psíquicas Da Diferença Anatômica Entre os Sexos de 1925 (FREUD, 1976i) e nos trabalhos dedicados à sexualidade feminina Sexualidade Feminina FREUD (1974f) e a ConferênciaXXXIII Feminilidade (FREUD,1976n). 3 Em psicanálise o falo é o elemento simbólico por excelência. Seu uso esta ligado à função simbólica desempenhada pelo pênis na dialética intra e inter-subjetiva. Estão referidas ao falo todas as significações subjetivas. (LAPLANCHE & PONTALIS: 1986). LACAN (1993A), em sua repostulação do inconsciente freudiano enquanto estruturado como linguagem, atribuiu ao falo valor de significante fundador do espaço

44

castrado). A oposição presença / ausência marca uma diferença que faz trabalhar a

linguagem, daí o valor simbólico do falo.

A castração é o operador em torno do qual se desenvolve o complexo de

Édipo. A lógica subjacente ao complexo de castração é a da ameaça de perda de

algo valioso – o falo – como norteador das escolhas possíveis para o sujeito.

FREUD (1972b) descreve este complexo pela primeira vez em 1908 quando do

estudo do pequeno Hans. O temor da castração passa a ser descrito nos trabalhos

psicanalíticos como relacionado, de modo especial, à clínica das neuroses. Depois

de 1920, com o aparecimento do texto freudiano A organização genital infantil (Uma

interpolação na Teoria da Sexualidade) (FREUD, 1976g) a castração passa a ser

considerada a lógica prínceps sob a qual é abordada a diferença sexual e suas

conseqüências: o posicionamento sexual psíquico e as escolhas identificatórias e

objetais. Como explicitado por LAPLANCHE & PONTALIS:

É que o papel que a psicanálise atribui ao complexo de castração não se compreende sem ser relacionado com a tese fundamental – constante e progressivamente afirmada por Freud – do caráter núclear e estruturante do Édipo. (...) O complexo de castração deve ser referido à ordem cultural em que o direito a um determinado uso é sempre correlativo de uma interdição. (1986: 114-115)

Nesta teorização onde a consideração dos genitais femininos se dá a

partir do pênis, a mulher está na condição de desprovida ou provida de forma falha

(clitóris como um pênis pouco desenvolvido ou amputado). FREUD reconhece que o

clitoris é a zona de atividade sexual genital para menina, porém sua comparação

com o pênis dos meninos estabelece uma lógica de inferioridade ou falta, do lado

das mulheres:

Entre as zonas erógenas que formam parte do corpo da criança há uma que certamente não desempenha o primeiro papel e que não pode ser o veículo dos impulsos sexuais ulteriores mas que é destinada a grandes coisas no futuro. Tanto nos meninos quanto nas meninas ela é posta em conexão com a micção (na glande e clitóris)(...) (1972a: 192).

A suposição de que todos os seres humanos têm a mesma forma (masculina) de órgão genital é a primeira das muitas teorias sexuais notáveis e momentosas das crianças. Pouco adianta a uma criança que a ciência da biologia

subjetivo, significante este que, na interrelação aos outros significantes do campo da linguagem, promove sentido à subjetividade.

45

justifique seu preconceito e tenha sido obrigada a reconhecer o clítóris como um verdadeiro substituto do pênis. ( 1972a: 201).

Esta noção de falta relacionada à sexualidade das mulheres será

retomada, mais tarde, por Lacan, que lhe atribuirá um estatuto de fonte do

ultrapassamento do gozo fálico.

O Complexo de Édipo Feminino em Freud

A teorização de Freud sobre o Édipo feminino se inicia pela postulação de

sua equivalência ao masculino, em conseqüência da predominância dada por ele à

lógica fálica no estabelecimento e desenvolvimento da sexualidade psíquica. Até a

década de 20 Freud postula uma simetria entre o Édipo masculino e o feminino. Ao

modo especular, as relações edípicas entre o menino e seus pais se oporiam às da

menina. Ao amor devotado à mãe pelo menino, corresponderia o amor ao pai

destinado pela menina. À rivalidade do menino ao pai, ocorreria, de modo análogo, a

rivalidade da menina à mãe. Toda esta tese será modificada depois de 1925, como

descreveremos mais adiante. Freud4 reconheceu, porém, várias vezes, que o seu

conhecimento acerca do desenvolvimento da sexualidade das mulheres era

precário.

No trabalho de 1923 a Organização genital Infantil (Uma interpolação na

Teoria da Sexualidade) FREUD reafirma pontos como a primazia fálica na

organização genital das criança e a renegação inicial da diferença sexual constatada

na observação clínica dos meninos. Introduz, entretanto, um aspecto importante

para o conjunto da teoria e de especial interesse em relação a este trabalho: a

associação entre a maternidade e a percepção das mulheres como castradas:

Não se deve supor, contudo que a criança efetua rápida e prontamente uma generalização de sua observação de que algumas mulheres não tem pênis. (...) Mulheres a quem ela respeita, como sua mãe, retêm o pênis por longo tempo. Para ela, ser mulher ainda não é sinônimo de não ter pênis. Mais tarde, quando a criança retoma o problema da origem e nascimento dos bebês e adivinha que apenas as mulheres podem dar-lhes nascimento, somente então também a mãe perde seu pênis. E juntamente, são construídas teorias

4 Sobre isso ver Introdução do Editor Inglês, J. Strachey ao artigo de FREUD (1976i) Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica entre os Sexos.

46

bastante complicadas para explicar a troca do pênis por um bebê. Em tudo isso, os órgãos genitais femininos jamais parecem ser descobertos. (1976g: 183-184 ).

Em 1924 FREUD escreve A Dissolução do Complexo de Édipo, onde

discute especialmente a função da ameaça de castração na dissolução do Édipo e a

permanência de seus traços através da estrutura superegóica. Se o

desenvolvimento suposto normal ou ideal do complexo de Édipo seria que as

primeiras escolhas ou investimentos libidinais sucumbissem ao recalcamento, a

pressão para este recalcamento, no entanto, parecia advir de fontes diferentes

conforme o sexo anatômico da criança. Para os meninos a ameaça de castração por

parte do pai seria o principal propulsor do recalcamento do amor pela mãe, restando

no inconsciente as marcas deste jogo entre desejo incestuoso e ameaça de

castração na forma de núcleo do superego. Para menina tal hipótese seria

inadmissível. Freud chega a propor um alongamento indefinido na situação edípica

da mulher, uma fragilidade no recalcamento de seu amor pelo pai, provocado por

seu anseio de obtenção de um pênis, o qual lhe seria doado por aquele, seja na

forma de pênis seja na forma de seu substituto, um filho. A ausência de um temor e

a prevalência de uma inveja responderiam por certa fragilidade do superego

feminino.

Estando assim excluído, na menina, o temor da castração, cai também um motivo poderoso para o estabelecimento de um superego e para a interrupção da organização genital infantil. (FREUD,1976h: 223).

No caso das meninas, ressalta que a castração (não como ameaça mas

como constatação) ocorre numa fase inicial do desenvolvimento libidinal. Em função

da inserção da menina na lógica fálica esta continuará, entretanto, aspirando ao

desenvolvimento de um pênis ou de algo que se equacione a ele simbolicamente,

um filho especialmente. O abandono (quando há) do projeto edípico e o término da

organização genital infantil aconteceriam graças a sua não realização, ou seja, por

desistência. A formação do superego ocorreria através da ameaça de perda do

amor de um dos pais. Nesse sentido a simetria entre os Édipos masculino e feminino

já não se sustentava.

47

Na década de 20 a pesquisa psicanalítica na área da sexualidade

feminina produziu trabalhos de peso como os de Abraham, Helene Deutsh, Karen

Horney, Jeanne Lampl de Groot, Ernest Jones e Melanie Klein, dentre outros,

estudos que parecem ter exigido um reposicionamento de Freud quanto à teorização

sobre o feminino. Freud começa a responder a esta exigência especialmente em

seu trabalho de 1925 Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica

Entre os Sexos (1976i). Neste artigo estão apresentados, de modo sintético, os

principais pontos de suas reformulações teóricas sobre o tema, os quais serão

desenvolvidos em dois trabalhos na década de 30 - Sexualidade Feminina

(FREUD,1974f) e Conferência XXXIII (FREUD,1976n). Importa ressaltar que tais

reformulações respondem mais a uma exigência de coerência teórica da própria

produção freudiana do que a uma adaptabilidade de Freud aos dados trazidos por

estes pesquisadores, o que pode se observar no último capítulo do artigo sobre a

Sexualidade Feminina, no qual Freud se dedica a rebater as proposições de cada

um dos autores citados acima. Essas críticas já vinham se esboçando desde o artigo

de 1925. Em suas próprias palavras: “(...) existe muita coisa que toca de perto

naquilo que escrevi, nada contudo, que coincida com ele completamente (...)” (

FREUD, 1974f: 320).

As principais reformulações que as pesquisas sobre a sexualidade

feminina trouxeram à teoria freudiana dizem respeito a dois aspectos: à intensa

ligação da menina à mãe nas fases iniciais de sua organização libidinal, exigindo

assim uma troca de objeto (da mãe pelo pai) para que o complexo edípico se instale,

e à mudança da zona genital (do clitóris para vagina). A nuclearidade do complexo

de Édipo e da angústia de castração são mantidas por Freud acrescentando-se um

período pré-edípico, onde meninas e meninos teriam o mesmo objeto de

investimento libidinal, a mãe. Este é, portanto, um ponto não de simetria mas de

semelhança entre os Édipos masculino e feminino. Outra questão que se esclarece

no texto de 1925 é a diferença da função da castração no desenvolvimento dos

vínculos edípicos em meninas e meninos. Para as primeiras, a constatação da

castração inaugura o complexo de Édipo, para os segundos, ela o encerra.

Um ponto fundamental para Freud desde o início de sua teorização é a

idéia da necessidade de uma operação de deslocamento da fonte de excitação, do

clítoris para a vagina, para que esta possa ser tomada como fonte de prazer (e

48

melhor servir à reprodução ). A ênfase da sexualidade genital infantil feminina é toda

no clitóris em equiparação ao pênis, o que sustenta a primazia fálica na organização

psíquica da sexualidade. Nesta vertente fálica, a menina não é, em princípio, mas

pode vir a se tornar mulher. A este ponto se oporão autores como Ernest Jones e

Karen Horney por suporem um conhecimento precoce da vagina (no sentido de

experiência psíquica) por parte das meninas.

Quanto ao desejo de um filho pela mulher, na perspectiva freudiana, ele é

um desejo essencialmente fálico. A maternidade é compreendida no espectro do

desenvolvimento da sexualidade fálica. Freud toma como ponto de partida a

masturbação clitoridiana infantil e seu correspondente psíquico – as fantasias – que,

senão nos seus primordios, mas desde muito cedo, se orientam para os pais.

Considera que a interrupção desta atividade (a masturbação) e o recalcamento das

representações a ela ligadas promovem o sentimento de humilhação da menina na

comparação das possibilidades de atividade da vagina em relação ao pênis. As

chances de um exercício erótico ativo ou masculino são então percebidas pelas

meninas como menores em comparação com os meninos. O desejo de um filho

entra no campo psíquico da menina como uma espécie de desejo de reparação

desta humilhação ou inferioridade, no universo fálico:

Não posso explicar a oposição que por esse modo é levantada pelas meninas à masturbação fálica, exceto supondo existir algum fator concorrente que faça a menina voltar-se violentamente contra essa atividade prazerosa. Esse fator está bem à mão. Não pode ser outra coisa senão seu sentimento narcísico de humilhação ligado à inveja do pênis, o lembrete de que afinal de contas , esse é um ponto no qual ela não pode competir com os meninos e assim seria melhor para ela abandonar a idéia de fazê-lo. (...)

(...) Agora, a libido da menina desliza para uma nova posição ao longo da linha – não há outra maneira de exprimi-lo – da equação ‘pênis-criança’. Ela abandona seu desejo de um pênis e coloca em seu lugar o desejo de um filho; com esse fim em vista toma o pai como objeto de amor. A mãe se torna o objeto de seu ciúme. A menina transformou-se em uma pequena mulher. (1976g: 317-318)

No artigo de 1931 Sexualidade Feminina FREUD (1974f) teoriza três

modos através dos quais as meninas lidariam com a constatação da diferença

sexual. Um primeiro modo seria através do abandono de toda atividade sexual caso

49

o sentimento de inferioridade fálica fosse percebida como irreparável. Um segundo

modo seria pela intensificação da masculinidade que poderia configurar-se

duplamente: na manutenção da suposição de posse de um órgão fálico (por

negação da castração), podendo levar a um vínculo objetal de caráter homossexual;

ou na expectativa de recebimento deste órgão. O terceiro modo de administração da

castração pela menina se daria pelo ingresso no complexo de Édipo, via através da

qual atingiria “a atitude feminina normal final” (FREUD, 1974f: 264). Neste artigo o

desejo de um filho aparece como efeito dos dois modos que não o do abandono da

sexualidade: é um projeto de obtenção fálica (portanto, masculino), no âmbito do

complexo de Édipo (pênis-filho recebido do pai). Esta retificação teórica, em relação

ao texto de 1925, parece indicar uma sorte de contradição: desejar um filho seria,

afinal, para mulher, um projeto masculino ou um projeto da feminilidade? Sob este

aspecto afirma LAPLANCHE:

São essas soluções contraditórias para responder à constatação de uma certa disparidade dos órgãos genitais que foram agrupadas sob o têrmo inveja do pênis, termo cujo caráter equívoco, multívoco (que deve ser conservado), tem sido freqüentemente sublinhado: tanto é a inveja de ter um pênis no lugar pubiano quanto o desejo de receber um no coito, por exemplo, ou ainda a vontade de arrancá-lo do outro, ou a vontade de recebê-lo ou de produzir um substituto dele, por exemplo, sob a forma do filho. Esse equívoco do têrmo “inveja do pênis” significa justamente essa coexistência possível, na menina, daquelas soluções contraditórias que Freud, por mais de uma vez, enumera quando fala das soluções do complexo de castração feminino. (1988: 79)

Ainda no artigo sobre Sexualidade Feminina Freud discute longamente as

transformações profundas no caráter da vinculação da menina à mãe, durante a

organização de sua sexualidade infantil. Estes processos são de interesse para a

presente pesquisa, especialmente no que se refere às vicissitudes da imagem

materna enquanto objeto de investimento libidinal, em função do papel que a

imagem de mãe assume como elemento de identificação para menina.

As transformações da imagem materna, para as meninas, poderiam ser

sintetizadas da seguinte maneira: inicialmente a mãe é o objeto de todo investimento

libidinal, trata-se de uma mãe fálica (não castrada) cujo falo, no caso, é a própria

menina. A criança vive os cuidados maternos como estímulos sexuais, o que dá à

mãe o papel de sedutora, e esta passa a ocupar o lugar de objeto das fantasias

50

sexuais da filha. Sendo em geral a própria mãe que limita a prática masturbatória da

criança, ela (a mãe) acabará por assumir um valor contraditório: simultaneamente

sedutora e proibidora. A constatação da diferença sexual acrescenta uma outra

característica negativa à representação da mãe para menina: teria sido ela - mãe -

a responsável pela ausência de seu pênis e, portanto, por sua inferioridade.

Freud enumera ainda os sentimentos de insuficiência do amor materno

ligados a fantasias de ter sido pouco aleitada; ou de ter tido que se submeter à

repartição do amor materno com outros além de si (irmãos em geral). Enfatiza, no

entanto, que o deslocamento objetal da mãe para o pai se deve, especialmente, à

natureza ambivalente das ligações libidinais. O menino pode manter sua ligação

afetuosa à mãe dedicando os sentimentos de rivalidade ao pai, e, assim,

desenvolver sua masculinidade nos parâmetros do complexo de Édipo. Já a menina

não ingressará no percurso tortuoso da identificação à feminilidade caso não

abandone a mãe como objeto, o que só se dará se prevalecer, em relação à mãe, a

vertente rivalitária de seu amor infantil. Este é, segundo Freud, o caminho para que

a menina possa se tornar mulher e, possivelmente, mãe; para que cumpra então a

anatomia seu destino...

Observa-se na clínica psicanalítica um reavivamento deste conjunto

fantasístico durante a gravidez .

Outra vertente importante na discussão acerca do feminino é a oposição

atividade/passividade que surge já nos trabalhos iniciais de Freud sobre o

desenvolvimento sexual fazendo série, posteriormente, com as oposições fálico /

castrado e masculino / feminino, respectivamente. Essa oposição foi Introduzida por

FREUD (1972a) no artigo Os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, é,

porém, na conferência de 1933 – Feminilidade – (FREUD, 1976n) que se encontra

a síntese de seus pontos de vista sobre esta questão. Não é a passividade em si

que caracteriza o feminino, mas a busca de um fim passivo, cuja obtenção exige, por

vezes, muita atividade. Freud atribui esta tendência feminina a uma extensão do

modelo sexual à vida da mulher de modo geral, sem desprezar, no entanto, a

variabilidade individual do poder modelador da sexualidade, nem a influência do

meio. Freud estabelece uma seqüência lógica entre passividade –› ambivalência –›

masoquismo. A bissexualidade original se molda, na mulher, ao predomínio da

passividade, tanto por contingências biológicas (anatômicas) como sociais. O fim

51

passivo é o alvo genital da sexualidade feminina. Para atingi-lo, no entanto, deverá

abdicar (ou sublimar) o fim ativo de suas moções pulsionais, o que se faz às custas

de suas tendências agressivas. Freud demonstra nesta conferência como a

supressão da agressividade, que se institui no desenvolvimento da organização

libidinal feminina, para que a passagem da menina fálica à mulher receptora do falo

possa ocorrer, é reforçada socialmente, o que vem a favorecer “o desenvolvimento

de poderosos impulsos masoquistas (...)” (FREUD, 1976n:144). Tais impulsos

investem de um caráter erótico as tendências destrutivas voltadas contra o próprio

eu da mulher, de modo que a sexualidade feminina assume um viés masoquista.

Nesta vertente se desenvolveram as pesquisas de psicanalistas de peso como

Helene Deutsch, Karen Horney e Melanie Klein.

Retomando o artigo de FREUD (1976n) de 1933, vê-se ressaltar com

especial atenção o fato de que, no caso específico da experiência edípica nas

mulheres, tudo que vem a se passar quanto ao investimento libidinal em relação ao

pai, já foi vivido inicialmente em relação a mãe. Sendo assim, também para as

meninas as fantasias primordiais de sedução são relacionadas à mãe e é também

em relação a ela que se organiza inicialmente, o desejo de um filho.

Referindo-se à fase adulta da mulher, Freud afirma, na Conferência em

questão, que a escolha objetal desta é marcada pela inveja do pênis, importando

assim uma maior demanda narcísica, em função de sua suposta inferioridade ou

deficiência quanto ao falo. Isto faz a mulher mais dependente do amor e dos dons do

homem (pênis e filho, por exemplo), na busca de reparação narcísica. O objeto de

seu amor é aquele que puder amá-la com ou por sua falta.

(...)Assim, atribuimos à feminilidade maior quantidade de narcisísmo, que também afeta a escolha objetal da mulher, de modo que, para ela, ser amada é uma necessidade mais forte que amar. A inveja do pênis tem em parte, como efeito, também a vaidade física das mulheres, de vez que elas não podem fugir à necessidade de valorizar seus encantos, do modo mais evidente, como uma tardia compensação por sua inferioridade sexual original.

(...) Onde a escolha (objetal) pode mostrar-se livremente, ela se faz, freqüentemente, em conformidade com o ideal narcisista do homem que a menina quisera tornar-se. (FREUD, 1976n: 162).

52

Nestas duas citações vê-se Freud tratar o narcisismo feminino na

perspectiva do complexo de Édipo. A idealização do masculino como objeto de

identificação, situando-se no plano do complexo de Édipo, parece, nas mulheres,

dever ser pensada como segunda em relação a um primeiro plano identificatório.

Assim, uma escolha objetal que se mostra livremente também pode revelar-se em

conformidade com o ideal narcisista do (a) filho (a) amado (a) que se foi, ou gostaria

de ter sido um dia. Estes são os modos narcísicos de escolha de objetos, descritos

por FREUD em 1914 (1974b), escolhas de caráter pré-edípico, portanto.

No final desta conferência Freud discute alguns possíveis problemas na

relação conjugal das mulheres e atribui-lhes como causa uma possível regressão

libidinal a estágios pré-edípicos marcados pela ambivalência, onde o marido ou

companheiro é tomado num deslocamento da imagem da mãe. Freud ressalta,

ainda, a possibilidade de, frente ao nascimento de um filho, a mulher reviver sua

identificação à mãe “contra a qual ela vinha batalhando até a época do casamento

(...)” e assim, reproduzir o “casamento infeliz dos pais”. (FREUD, 1976n: 163). Esta

afirmação parece revelar o caráter problemático de uma identificação à posição

feminina final. Se no caso do menino a “normalidade” de sua identidade sexual está

na identificação ao pai e ao abandono da mãe como objeto de desejo, em favor de

todas as outras mulheres, no caso das meninas há também a interdição quanto ao

objeto (o pai), mas a fonte de identificação (a mãe) é destituída de poder por sua

posição de castrada quanto ao falo. Outra dificuldade, ainda, é que este processo de

identificação da menina à mãe não se faz senão sobre um fundo de ressentimento

de um amor primário fracassado.

Parece importante destacar, na conclusão deste capítulo, o quanto a

mítica edipiana - vertente sob a qual Freud supõe o reconhecimento psíquico do

sujeito quanto à diferença entre os sexos - se apóia na anatomia. Se, por um lado,

esta é uma fonte de equívocos, por outro, ela mantém no campo psicanalítico uma

exigência à constante redefinição do papel do corpo na subjetividade. É impossível

que se despreze o lugar de operador que a imagem do corpo assume na

organização da sexualidade psíquica, independente de se considerar ou não a

pulsão como um conceito relativo a algo que participa do campo biológico. O peso

da anatomia parece central na constituição da sexualidade em sua face simbólica. É

importante, porém, que se ressalte o apontamento freudiano de que a anatomia esta

53

implicada no destino da sexualidade psíquica. É nesse sentido que se faz

necessária a distinção entre mulher e feminino; a primeira, restrita à anatomia, o

segundo relativo ao que se pode fantasiar ou simbolizar quanto aquilo que a

anatomia oferece de possibilidades de gozo para uma mulher. Ainda assim, porém,

o peso relativo da anatomia nos fundamentos da organização sexual psíquica,

parece ser fonte de muitas divergências no campo psicanalítico.

O estatuto do objeto filho

Para que se possa compreender as implicações do filho na subjetividade

materna é necessário que se qualifique seu estatuto de objeto. É preciso, no

entanto, explicitar as várias vertentes em que a noção de objeto comparece na teoria

freudiana.

LAPLANCHE & PONTALIS (1986) destacam três formas sob as quais a

noção de objeto aparece na teoria freudiana, sendo duas delas próprias ao campo

da psicanálise, e a terceira proveniente da intersecção entre os campos

psicanalítico, filosófico e biológico. Na primeira acepção o objeto é correlativo da

pulsão, instrumento do qual esta se utiliza para atingir sua finalidade, a satisfação.

Uma segunda postulação diz respeito ao amor, onde o objeto é visado numa

pretensa meta de totalização do eu, este mesmo o protótipo do objeto. Segundo os

autores a noção de objeto comparece ainda, numa perspectiva mais próxima à

concepção filosófica de objeto do conhecimento, associada a uma perspectiva

psicofisiológica de objeto da percepção.

Autores vinculados às concepções lacanianas da psicanálise, todavia,

buscam demarcar fortemente a não pertença ao campo psicanalítico desta terceira

vertente. Nesta linha uma autora como RABINOVICH (1988) subdivide, também em

três, as formas de comparecimento da noção de objeto na obra freudiana,

privilegiando os surgimentos daquela noção que sustentam a construção lacaniana

de objeto a. Apresenta como primeira teoria do objeto a da Interpretação dos

Sonhos onde esta noção é vinculada à de desejo, o objeto sendo

fundamentalmente perdido e reconstruído alucinatóriamente como percepção

interna. É o objeto em jogo no processo primário. Um segundo surgimento do objeto

se faz em torno da noção de pulsão: aqui o objeto é essencialmente parcial. A

54

relação entre estas duas acepções de objeto pode ser resumida nas palavras da

própria autora: “O objeto perdido do desejo é, (...), condição de produção do objeto

pulsional na obra freudiana; este último adquire traços que lhe são próprios e que

são inseparáveis do autoerotismo e da inclusão do corpo.” (op. cit p. 6). A terceira

dimensão do objeto é a do amor. A autora sublinha porém, a noção do objeto falo,

tardia na obra freudiana, e com Lacan ressalta uma possível excentricidade deste,

como redefinidor das outras séries do objeto.

Retomando a questão do estatuto do filho como objeto na obra de Freud,

todo desenvolvimento teórico demonstrado no ítem anterior indica que ele é fálico.

Poder-se-ia argumentar que tal viés se deve ao fato das maiores referências à

maternidade terem sido feitas no contexto do complexo de Édipo e à lógica fálica.

Importante lembrar que Freud também tratou do filho como objeto na vertente

narcísica. No texto Sobre o Narcisismo. Uma Introdução FREUD (1974b) trata da

relação entre a libido do eu e a libido objetal, comparando-a com o fluxo entre vasos

comunicantes, o que dá elementos para que se pense o duplo estatuto do objeto-

filho. Sendo investido simultânemente pela libido narcísica e pela libido objetal, o

filho pode ser tomado como mesmo e como outro pelo eu materno.

Cabe que se tome aqui o texto de 1914 para se acompanhar o

desenvolvimento que faz Freud quanto à vida erótica dos seres humanos como

prova em favor da existência de um narcisismo primário. Nesta parte de seu artigo

descreve o apoio das pulsões sexuais nas de autoconservação no início da vida

erótica. A obtenção da satisfação erótica se viabilizando através dos mesmos

objetos que garantem a sobrevivência (a mãe ou seus substitutos). Em seguida fala

da descoberta clínica de sujeitos cuja escolha objetal tem como modelo o próprio eu.

Presume, então, em todos os seres humanos, uma dupla condição do objeto em sua

origem:

Dizemos que um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais – ele próprio e a mulher que cuida dele – e ao fazê-lo estamos postulando a existência de um narcisismo primário em todos, o qual, em alguns casos, pode manifestar-se de forma dominante em sua escolha objetal. (FREUD, 1974b: 104-105).

O modelo do objeto é simultaneamente aquele que provê satisfação e o

que é satisfeito. Sendo o objeto o elemento em torno do qual se orienta a pulsão,

55

esta é outra forma de abordar-se a reversibilidade pulsional. Reversão que implica

não só os dois polos sujeito e objeto, mas também o conteúdo pulsional. FREUD

(1974c) em seu artigo metapsicológico sobre as Pulsões descreve como única forma

de reversão do conteúdo pulsional a reversão do amor em ódio. Tal possibilidade

explicaria, então, o surgimento de afetos derivados do ódio no seio de relações

narcísicas conforme demonstrou LACAN em seus artigos O Estádio do

Espelho...(1995c) e A Agressividade em Psicanálise (1995d), os quais serão

abordados em capítulo subsequente.

No trabalho sobre o narcisismo, Freud constrói os argumentos para

postulação de um narcisismo primário como modo de organização libidinal prévio

aos investimentos objetais, a fim de justificar as observações clínicas que indicam o

retorno da libido para o eu em circunstâncias como as do sono, da doença orgânica,

da esquizofrenia e outras. Nesta via o feminino lhe serve de sustentação. Faz uma

diferenciação entre os modos de escolha de objeto típicos da masculinidade e da

feminilidade. Embora reconheça não poder universalizá-los, atribui ao masculino o

amor objetal completo, com seu traço de supervalorização sexual, originado da total

transferência do amor de si (narcisismo) em favor do amor do objeto. Ao tratar do

tipo feminino o texto se complexifica pois o autor trabalha em dois níveis: no âmbito

estritamente psíquico (o feminino em oposição ao masculino), e no plano biológico

(mulheres em oposição aos homens). Distingue o tipo de escolha feminino pela

transferência sempre parcial da libido aos objetos em função da manutenção de um

certo grau de narcisismo. Afirma que este tipo é o mais frequente e o mais

verdadeiro. Para explicá-lo, se utiliza do desenvolvimento da sexualidade nas

mulheres. Atribui a estas uma intensificação do narcisismo na adolescência graças

ao amadurecimento dos órgãos sexuais, o qual lhes propicia um certo

“autocontentamento”, desfavorável a uma escolha objetal completa. “Sua

necessidade não se acha na direção de amar mas de serem amadas(...)” (FREUD,

1974b: 105). Compara o fascínio exercido pelas mulheres (especialmente as mais

belas), ao das crianças, dos grandes animais carnívoros, dos grandes criminosos e

dos humoristas, em suas aparências de autosuficiência e/ou independência em

relação aos objetos. Atribui o poder de encantamento destes objetos à sua

capacidade de afastar qualquer coisa que possa interferir em sua integridade

narcísica.

56

Freud conclui apresentando duas situações onde as mulheres amam de

modo objetal completo: “na criança que geram em seu próprio corpo” ou na

manutenção do “anseio por um ideal masculino” (FREUD, 1974b:106). Tais

afirmações parecem se esclarecer na seqüência do artigo quando Freud descreve

os caminhos pelos quais se escolhe um objeto - através de si mesmo enquanto

objeto amado e amável, ou através do outro enquanto objeto amador -, e os modos

pelos quais se pode amá-lo – como amor de si (narcísico) ou como amor para outro

(anaclítico). Parece possível que se conclua que Freud considera masculino o amar

extensivo (anaclítico) que se dirige para alteridade, e feminino o amar intensivo

(narcísico) dirigido à ampliação do próprio eu. Ainda assim, tais afirmações se

prestam a equívocos. O amar narcísico pode ser entendido como amar a si mesmo

através do objeto mas, também, amar o objeto como ao próprio eu. Esta última

formulação coincide, no entanto, com a do amor objetal. Ao considerar o narcisismo

como modo de organização libidinal, Freud atribui um valor genético, de

fundamento, ao amor de si em relação ao amar os objetos. Assim a distinção entre

o amar a si através dos objetos e o amar aos objetos através de si, não diz respeito

à distinção entre os modos masculino e feminino de amar, mas ao modo neurótico

ou não de fazê-lo. A experiência pulsional completa envolve os dois polos de

satisfação, enquanto a neurose implica na fixidez da reversibilidade, mantendo-se

sob recalcamento um dos polos.

Freud finaliza a segunda sessão de seu artigo dedicando-se a explicar o

amor dos pais aos filhos, na perspectiva narcísica. Supõe que o fundamento da

supervalorização afetiva freqüentemente envolvida neste tipo de relação se deve à

revivescência do narcisismo dos pais. Afirma tratar-se de um amor objetal completo,

transformado a partir do amor narcísico dos pais. O amor ao objeto filho sendo

sempre uma expansão do amor dos pais a si mesmos.

Na terceira sessão do artigo Freud descreve a formação do ideal do eu

como derivada do narcisismo prímario, compondo-se dos traços de si enquanto

objeto amado. Construção que se dá pelas atribuições que o amor do objeto faz

sobre o eu infantil e que são por ele percebidas enquanto atribuições de valor.

Se o filho desejado é sempre investido pela libido narcísica dos pais, em

tese sua presença, durante a gestação normal, deveria representar um incremento

do amor próprio daqueles. A observação clínica demonstra, no entanto, que isto nem

sempre ocorre. A tristeza, o desânimo, afetos próximos aos da melancolia ocorrem

57

com certa freqüência em periodos iniciais da gravidez. Como explicar, na

perspectiva narcísica, a ocorrência desses estados afetivos? É o que se pretende

desenvolver a seguir.

58

À procura da especificidade feminina

“(...) É precisamente na avançada sociedade ocidental, que tenta melhorar ou ultrapassar a natureza, e que erige o individualismo e a realização pessoal como modelos, que a crua realidade da condição feminina emerge com dolorosa clareza. Quanto mais a mulher corre em busca de identidade e autonomia pessoais, quanto mais desenvolve sua imaginação mais feroz será a luta com a natureza – quer dizer, com as obstinadas leis físicas de seu próprio corpo.”

Camille Paglia.1

1C. PAGLIA (1992) “Sexo e Violência ou Natureza e Arte”. In: Personas Sexuais. Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson.

59

O debate de 1920 e a produção de Helene Deutsch

Nas décadas de 20 e 30 travaram-se intensos debates no campo

psicanalítico referentes à teoria do estabelecimento das vias de construção da

sexualidade nas mulheres. Autores como Karen Horney, Ernest Jones e Helene

Deutsch, dentre outros, pareciam supor a necessidade de se produzir uma

conceitualização da sexualidade psíquica das mulheres centralizada em sua

especificidade anatômica. A teoria psicanalítica da organização da sexualidade

psíquica infantil, construída em tôrno da genital, parecia dar o lugar de modelo à

sexualidade masculina. Os debates se faziam não só quanto ao papel da anatomia,

mas quanto ao que seria a particularidade, tanto do percurso, quanto do resultado

final, fazendo diferir a sexualidade feminina da masculina. Discussões sobre o papel

da vagina, do complexo de castração e do masoquismo, na constituição da

sexualidade psíquica, formavam o núcleo de tais debates. Cabe ressaltar que estes

debates se estenderam no campo desde então. Ainda em 1960, em Amsterdam,

realizou-se um colóquio internacional de Psicanálise sobre o tema da Sexualidade

Feminina, no qual LACAN apresenta uma compilação dos problemas teóricos

relativos ao feminino organizados em tôrno da seguinte questão: “quais são as vias

da libido outorgadas à mulher pelos faneros anatômicos de diferenciação sexual dos

organismos superiores?” 2 ( 1993b: 704). Isto demonstra que os problemas relativos

ao papel da anatomia na subjetividade ainda eram bastante candentes naquele

momento da produção psicanalítica.

No caso do tema abordado por este livro - os afetos deprimidos na

gravidez - o peso do cenário biológico é bastante relevante. A gravidez é um

processo biológico restrito (ao menos por enquanto...) ao corpo das mulheres. Este

tipo de ocorrência ou mesmo de possibilidade responde por especificidades da

organização libidinal nas mulheres? De que modo? Foi com este tipo de questão

que se abordou a literatura psicanalítica pesquisada. Tomou-se como ponto de

partida os autores que debateram diretamente com Freud a questão do feminino.

Destes destacou-se o trabalho de Helene Deutsch uma vez que esta autora revela

uma preocupação em teorizar as relações entre a função reprodutiva na mulher e a

feminilidade. Sem dúvida, outros autores que trabalharam o feminino abordaram

60

direta ou indiretamente a reprodução e a maternidade. O recurso a esta autora, se

deve, especificamente, ao especial destaque que ela dá ao narcisismo na

organização psíquica da mulher. Além disso, foi na teorização de Deutsch que

encontrou-se a primeira referência à depressão na gravidez interpretada

psicanaliticamente.

Atualmente, os psicanalistas interessados nas experiências da

maternidade e seus correlatos, têm retomado, com freqüência, as produções e os

debates do início desta polêmica em tôrno do feminino, isto é os artigos das décadas

de 20/30. Uma delas é AMARAL (1996) que em sua tese de mestrado descreve e

analisa algumas produções desse período. Em relação a Helene Deutsch, apresenta

uma análise aguda e extremamente pertinente sobre seu trabalho, salientando a

correção da constatação daquela autora quanto ao campo onde poder-se-ia buscar

uma especificidade do feminino - o do gozo. Este último é tomado na concepção que

propõe LACAN, ou seja, como modo particular de experiência do limite da

subjetividade na linguagem, limite do saber (1992). Ressalva, porém, que a

teorização de Deutsch se faz numa direção essencialista, buscando simetrizar a

sexualidade entre homens e mulheres e critica a postulação de uma finalidade ou

sentido (a reprodução) no desenvolvimento da organização sexual psíquica. Amaral

pretende demonstrar a disparidade da teorização de Deutsch em relação a de

Freud. A posição adotada neste livro é a de que talvez não se trate exatamente de

disparidades, mas de conseqüências lógicas de um tipo de leitura da obra freudiana

onde o apoio do psíquico no biológico não é apenas metafórico mas real, suas

relações não sendo necessariamente de causalidade, mas submetidas a ordens

complexas de interações recursivas, onde se operam, simultaneamente, a

“subjetivação do corpo” e a “corporificação da subjetividade” (PRADO Jr., 1998).

Os artigos de Deutsch aqui trabalhados são aqueles coletados por Marie-

Christine HAMON (1994) e publicados num conjunto de textos psicanalíticos acerca

do feminino denominado Féminité Mascarade, além do livro da própria Helene

DEUTSCH (1952), La Psicologia de la Mujer; bem como nas produções de alguns

comentadores dos trabalhos desta autora: Paul ROAZEN (1978), Olga SALAS

(1990) e Nympha AMARAL (1996).

2 Tradução da autora.

61

Helene Deutsch tem um importante papel na elaboração teórica da

psicanálise por ter participado do grupo que partilhou com Freud essa construção.

Sua contribuição se deu, especialmente, no campo da psicologia feminina. Apesar

de algumas contestações de Freud quanto às posições desta autora, ele respeitava

sua produção a ponto de atribuir a ela e a R. Brunswick a descoberta da fase pré-

edípica de ligação da menina à mãe (ROAZEN, 1978). O trabalho de H. Deutsch,

entre outros, leva Freud a reorganizar sua teoria edípica, abrindo mão da hipótese

da simetria entre o desenvolvimento libidinal masculino e feminino, alteração que

aparece em seu artigo Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica

entre os Sexos ( FREUD, 1976i).

Para Deutsch a peculiaridade do desenvolvimento libidinal das mulheres,

seu caminho de acesso à posição feminina, seria o da passividade e do

masoquismo. Segundo esta autora a vida sexual das mulheres se caracteriza por

sofrer inibições não só de caráter social (estas inibições seriam secundárias) mas,

também, constitucional. Tais inibições são defesas do ego frente aos conflitos entre

as tendências sexuais e as de autoconservação. Através de um aumento do

investimento narcísico o eu feminino se defende do masoquismo característico de

suas tendências sexuais. Deutsch questiona, inclusive, a tese freudiana de que o

narcisismo da mulher seja mais forte do que o do homem como produto da inveja do

pênis :

Ainda que esta explicação contribua num certo grau para nossa compreensão do narcisismo feminino, não julgamos que seja completa nem que constitua o fator essencial que se deva levar em conta.(...) Como as tendências sexuais da mulher se dirigem a objetivos perigosos para seu ego, este se defende e fortifica sua segurança interna intensificando seu amor a si mesmo, que se manifesta, então, como ‘narcisismo’. ( DEUTSCH, 1952: 177).3

O resultado desta inibição constitucional é um aumento da “atividade

voltada para dentro” expressão que a autora prefere para descrever a passividade

feminina. Deutsch estabelece uma analogia entre esta atividade dirigida para dentro

nas mulheres e a atividade voltada para fora nos homens, ou seja, faz um

paralelismo entre masoquismo nas mulheres e agressividade nos homens. A autora

3 Tradução da autora.

62

não se utiliza do termo sadismo no equivalente masculino. Há uma clara

preocupação em desvincular o masoquismo feminino da perversão4. Masoquismo

parece ser utilizado no sentido de predominantemente receptivo em oposição à

masculinidade cuja característica seria a tendência intrusiva. Este tipo de movimento

libidinal explica, segundo a autora, uma maior tendência à sublimação do erotismo,

nas mulheres.

Partindo do jogo entre as tendências masoquistas e narcísicas, a autora

define três tipos femininos eróticos. Essa tipologia se estabelece apoiada ainda num

terceiro elemento – os precussores emocionais das funções reprodutivas da mulher -

ou seja, sua disponibilidade psíquica para maternidade. Deutsch supõe, portanto,

um papel central à maternidade (realizada ou fantasiada) na organização psíquica

do feminino. Quanto aos três tipos femininos eróticos poder-se-ia sintetizá-los

através das nuances no equilíbrio entre as tendências narcísicas e masoquistas. No

primeiro haveria um leve aumento nos traços de satisfação masoquista, enquanto no

segundo a inclinação seria para o incremento do narcisismo. O terceiro tipo difere

dos dois primeiros pela presença de um forte masoquismo moral. Importante

ressaltar que esta tipologia não propõe designações nosográficas mas refere-se a

“tipos normais”. Quanto à disponibilidade para maternidade, esta interfere na

eleição dos objetos de amor por parte das mulheres, ou seja suas escolhas eróticas

se fazem com vistas à atualização de suas tendências à maternidade.

Para auxiliar na sustentação de suas hipóteses, a autora se utiliza de

estudos na área da fisiologia sexual animal, comparando-as com a humana. Mostra

que entre algumas espécies animais a fêmea só está submetida ou receptiva no ato

do coito e na fecundação, todo o ciclo reprodutivo nestas espécies se deslanchando

a partir da fêmea. No caso dos humanos, há uma total independência entre a

sexualidade do homem e a da mulher, podendo aquele submeter por sua força a

esta última. Deutsch atribui esta diferença à passagem ao bipedalismo do homo

erectus que permitiu ao homem, dadas as diferenças de compleição física, dominar

a mulher para o sexo, estabelendo-se este modo de aproximação sexual como

modelo humano, o qual se reatualiza nas fantasias de estupro femininas. Tais

4 “Para tranquilizar o leitor anteciparemos nossa exposição do masoquismo feminino assinalando que carece da crueldade, impulsos destrutivos, sofrimento e dor, com que se manifesta o masoquismo nas perverssões” (DEUTSCH, 1952: 180). Tradução da autora.

63

fantasias associam a violência e a força masculina com o cuidado e a proteção que

a mulher deseja.

As divergências com relação a Freud

No que tange aos pontos de divergência teórica em relação a Freud, o

mais importante parece ser o papel equivalente que Deutsch atribui à vagina em

relação ao pênis na organização da sexualidade, estabelecendo então uma

equipotência fálica entre ambos. A questão da diferença psíquica entre os sexos,

que em Freud se estrutura em tôrno da diferença anatômica, parece se deslocar na

teoria de Deutsch para uma distinção no tempo e nos meios pelos quais se obtem a

integração e conseqüente satisfação da pulsão sexual.

Para Deutsch a inveja do pênis, não se constitui como característica

central ou o móvel da organização sexual feminina. A percepção da diferença

anatômica não tem valor de fundação da diferença no campo psíquico. Para esta

autora, é o estabelecimento de um caráter funcional aos órgãos sexuais que fornece

à criança os indícios da diferença sexual. É quanto a este caráter funcional que as

meninas sofreriam o trauma genital. Este se refere à dupla carência funcional –

ativa e passiva – quanto aos órgãos sexuais. O clitóris, um pênis em menor

dimensão, é insuficiente para penetração, para satisfação de impulsos

ativos/agressivos. A vagina – órgão funcionalmente passivo – leva muito tempo para

ser percebida pela menina, uma vez que depende do pênis, no coito, para sua

percepção.

Vemo-nos obrigados a supor que esta verdadeira incapacidade do órgão para satisfazer as moções pulsionais, ativas e agressivas, deve ter conseqüências importantes. Em primeiro lugar – em oposição à conduta do menino – essas pulsões que necessitam um órgão ativo ficam suspensas. Portanto, a insuficiência do órgão pode ser considerada como uma causa biológica e fisiológica das diferenças sexuais psíquicas. (...) O lugar do órgão ativo é ocupado por outro passivo-receptivo, a vagina. Este processo se produzirá mais tarde, e o mais notável é que entre esse giro em direção à passividade e a completa eficácia do órgão corresponde um grande espaço de tempo, durante o qual a menina pequena não tem este órgão a sua disposição. (...) Estes dois

64

acontecimentos associados produzem o trauma genital 5. (DEUTSCH, 1952: 212-213)

Deutsch se distingue de outras autoras contemporâneas suas, como

Karen Horney e Josine Mueller, por exemplo, que supunham a percepção precoce

da vagina com representações psíquicas a ela correspondentes. Os destinos dados

a estas percepções respondendo pelo poder do complexo masculino na menina.

Para H. Deutsch esta percepção é tardia:

O despertar da vagina para um funcionamento sexual completo depende totalmente da atividade do homem, e a ausência de atividade vaginal espontânea constitui a base fisiológica da passividade feminina. (DEUTSCH, 1952: 216).6

O apoio da função reprodutiva para organização da sexualidade feminina.

Em seu artigo La psychologie de la femme en rapport avec ses fonctions

de reproduction (DEUTSCH, 1994) a autora busca explicar como a procriação está

relacionada a processos de reavaliação funcional e revaloração que a mulher tem

que operar em relação a seus órgãos genitais. Este artigo se desenvolve no sentido

de demonstrar que a vagina assume progressivamente sua função de recepção do

pênis, no coito, e que este processo se faz orientado pelo desenvolvimento da

organização libidinal. A autora supõe uma equivalência na economia libidinal entre

boca e vagina, assim como entre mamilo e pênis. A boca se erogeneiza inicialmente

de modo passivo–receptivo, através do mamilo; assim como, posteriormente, em

equivalência regressiva, o pênis erogeinizará a vagina.

Deutsch parte das concepções de FREUD (1972a) e ABRAHAM (1970)

quanto às fases ou modos de organização da libido. Supõe que estas não se

passam de modo linear mas cumulativo, amalgamando elementos de etapas

anteriores. Além disso, presume uma organização que se dá não só de modo

progressivo mas, também, regressivamente. Um ponto fundamental de sua

construção teórica é a concepção de que a sexualidade feminina se dirige, em seu

5 Tradução da autora.

65

desenvolvimento, para procriação. Isto exige um investimento narcísico da vagina,

para que esta tome sua função tanto no processo reprodutivo como na economia do

prazer.

Para quem alcançou a posição feminina, a tarefa última não é a satisfação do desejo infantil do pênis no ato sexual, mas uma verdadeira descoberta da vagina como órgão de prazer – por uma troca do pênis diante da posse real e equivalente da vagina. Este órgão novamente descoberto deverá se tornar para mulher – como o pênis para o homem, segundo Ferenczi, ‘uma miniatura do eu inteiro’, ‘um duplo do eu’ (DEUTSCH, 1994: 78).7

Para a autora, a libido que investe a vagina advém de duas fontes: do

corpo em geral com suas zonas erógenas e do clitóris. Em ambos os casos é

através do contato com o pênis que estes investimentos se deslocam para a vagina.

A libido proveniente do corpo como um todo responde pelo papel passivo da vagina

na medida em que herda o caráter receptivo da boca em seu modo de relação

primária com o mamilo. Segundo a autora, nas fases iniciais do desenvolvimento

libidinal o “inconsciente estabelece uma equivalência entre o pênis paterno como

órgão de sucção, e o seio materno.” (DEUTSCH, 1994: 79). Já a libido proveniente

do clitóris é responsável pelo caráter masculino também atribuível à vagina. A

atividade orgástica é suposta equivalente à uma ejaculação masculina “atenuada”.

Importante salientar que a teorização de Helene Deutsch se ancora,

também, nas teorias de FERENCZI (1990), especialmente no que se refere ao papel

teleológico do coito na organização psíquica. Para esse autor não só a sexualidade

se desenvolve no sentido da genitalidade, como isto responde por uma melhor

adaptação do organismo ao meio, uma vez que a prevalência de um erotismo

disperso por todo o corpo interferiria na funcionalidade dos órgãos e, portanto, nas

condições de sobrevivência deste organismo. O coito representa o ponto terminal de

uma organização sexual que se dá de modo pangenético, reproduzindo o processo

inteiro em cada etapa de sua organização. O autor supõe um tríplice processo de

identificação: entre o organismo total (que se representa no ego) e o órgão genital,

entre o ego e o parceiro sexual, e entre o ego e a secreção genital. O alvo final da

6 Tradução da autora. 7 Tradução da autora.

66

evolução da sexualidade sendo um “regressar ao corpo materno” situação primária

de bem estar, onde ainda não teria havido a ruptura dolorosa entre o ego e o meio

ambiente. (FERENCZI, 1990: 24).

Se considerarmos o processo genital sob esse ângulo que eu qualificaria de ‘bioanalítico’, estaremos em condições de compreender, enfim, por que o desejo edipiano, o desejo de coito com a mãe, é reencontrado com essa regularidade quase enfadonha por sua monotonia como tendência nuclear na análise dos homens neuróticos. O desejo edipiano é a expressão psíquica de uma tendência biológica muito mais geral que impele os seres vivos ao retorno ao estado de repouso de que desfrutavam antes do nascimento. (FERENCZI, 1990: 24-25).

Nas concepções de autores como Ferenczi, Abraham e Deutsch, a

organização sexual psíquica parece não só se apoiar, mas ser determinada pela

organização genital. Nesse sentido, a obra teórica de Deutsch busca a

especificidade da sexualidade da mulher, desvinculando-a de uma posição de

sombra da sexualidade do homem e, considerando a anatomia e a fisiologia

feminina como centro e alvo da organização sexual psíquica da mulher. Esta

reconsideração do papel da anatomia não a afasta, no entanto, de uma concepção

da primazia fálica na organização da subjetividade. A autora relativiza, porém, o

papel fálico do pênis, neste processo. Por outro lado, esbarra às vezes, no próprio

excesso de ênfase na anatomia, o que a faz tratar fatores constitucionais e

anatômicos como empecilhos a um pleno acesso à feminilidade. Por preservar a

exclusividade da lógica fálica como o modo de funcionamento da sexualidade no

campo psíquico, sem, no entanto, abrir mão de uma via de sexualização específica

da mulher, a autora faz equivaler a vagina ao pênis, restando a bissexualidade e o

clitóris como obstáculos à plena feminilidade:

Se não houvesse para mulher esta funesta disposição à bissexualidade e o clitóris com suas tendências masculinas, como seria simples e evidente para ela a via em direção a uma mestria harmoniosa de sua existência! 8 (DEUTSCH, 1994: 95).

Afirmações como estas demonstram o grande esforço da autora em

buscar a especificidade da sexualidade feminina, embora num claro hibridismo entre

67

o estabelecimento de uma lógica de regência inconsciente própria ao feminino e, a

descrição de uma psicologia da mulher, condições que se apoiam sem serem

idênticas.

Prosseguindo na análise do artigo de 1924, encontra-se um relevo

quanto ao papel da gravidez no processo de organização da sexualidade psíquica

da mulher, bem como uma abordagem do problema da depressão na gravidez. A

gravidez e o parto se inscrevem no conjunto da organização libidinal, a qual se

desenvolve rumo a genitalidade. Ambos constituem-se como prolongamentos do ato

sexual, mais especificamente do coito, o qual representa o restabelecimento de uma

forma primária de relação aos objetos: a incorporação oral. A culminância desse

processo no parto corresponde a um retorno a uma situação sem ambivalência,

onde as fronteiras entre sujeito e objeto se apagam. Esta proposição parece se

articular à tese freudiana de que todo desenvolvimento do ego, para além do

narcisismo, visa sempre o retorno a este estado original (FREUD, 1974b: 117).

Na perspectiva do coito como um processo de incorporação, a vagina

passa de continente do pênis a continente do filho. A função reprodutiva que no

caso do homem é alcançada diretamente no ato sexual com a ejaculação e a

satisfação orgástica, na mulher, sofreria um desdobramento: a primeira fase, o

orgasmo; a segunda, a gravidez e o parto. O parto seria a conclusão de uma

experiência, tanto biológica quanto psíquica, que se inicia no coito. O orgasmo para

mulher já encerraria, em si, elementos da satisfação completa só obtenível no parto.

A autora fala do orgasmo feminino como um parto não ocorrido, um “missed labour”.

(DEUTSCH, 1994:85)

Ao centrar na incorporação, fora da ambivalência, a equivalência entre o

mamar e o coito-parto, Deutsch parece estar fazendo equivaler o filho (sua

representação) enquanto resultado do coito, a uma primeira organização erógena do

eu que se pré-figura na fase oral primitiva da organização libidinal. A gestação

parece repetir a organização do eu.

8 Tradução da autora.

68

O afeto deprimido na gravidez

Quanto à depressão na gravidez, a autora a explica partindo da

proposição freudiana acerca da pulsão de morte, identificando esta última com a

destrutividade. Seguindo a proposição de FREUD, em O Ego e o Id (1976e), de que

a pulsão de morte se manifesta quando as pulsões sexuais estão satisfeitas,

Deutsch afirma que a gravidez e o parto poderiam despertar os temores da

manifestação destas pulsões destrutivas, por representarem o cume da satisfação

erótica para mulher. Dada a analogia entre a organização fálica da sexualidade na

mulher e no homem, para ambos a descarga da tensão genital significa o ápice da

satisfação sexual, e a abertura, portanto, para a manifestação da pulsão de morte. A

depressão na gravidez seria, assim, um efeito das moções pulsionais destrutivas.

Tal afirmação parece se esclarecer na análise teórica que a autora faz das relações

entre o eu materno e o objeto libidinal bebê, as quais serão descritas no contexto da

gravidez.

A autora descreve uma complexa economia libidinal entre o coito e o

parto, que se manifesta no trato com o objeto pênis-criança, o qual é incorporado no

ato do coito sendo também introjetado psiquicamente, passando a ser parte

constitutiva do eu. As relações entre o eu e este objeto (pênis-bebê) se passam em

dois níveis: de um lado o objeto é tomado como parte integrante do próprio eu,

portanto, numa relação narcísica, de outro, como objeto derivado das series

identificatórias. Aqui, então, como outro em relação ao eu materno.

Deutsch aborda, ainda, a economia dos afetos na gravidez referindo-se à

ambivalência amor-ódio. Segundo esta autora, a regressão libidinal a estágios

precoces de organização tais como a fase oral tardia e a fase anal sádica, marcados

pela ambivalência, responderiam pela duplicidade de afetos com os quais as

representações do bebê são investidas quando de sua incorporação e introjeção

simultaneamente como objeto interno e externo ao eu. Para Deutsch, a hiperemese,

assim como as contrações uterinas durante a gravidez, são expressões destes

modos respectivos de trato com o objeto. A autora afirma que em ambos os casos é

de uma libido narcísica que se trata, investindo o bebê enquanto parte do corpo

próprio da mãe, porém parte a ser dela destacada. Este processo se apoia na

equivalência simbólica entre fezes-bebê. A manutenção do feto na gestação, bem

69

como a separação do bebê em relação ao corpo real e simbólico da mãe, se apoiam

sobre esta equivalência.

No texto, Helene Deutsch esclarece que a libido que aflui ao eu, atraída

pela introjeção do objeto bebê, reatualiza um investimento desta mesma ordem,

correspondente à identificação paterna. Neste sentido, o bebê ocupa para a mãe o

lugar de Ideal do Eu, tornando-se assim o eixo de seus processos sublimatórios. Por

outro lado, tal identificação desliza, por vezes, para vertente superegóica, podendo

se tornar fonte de conflito com o eu. A autora define dois tipos de mulheres

conforme suas reações à gravidez: umas que adoecem, se deprimem e se enfeiam

à medida que o bebê se desenvolve; outras que parecem estar no apogeu de suas

capacidades físicas e psíquicas durante a gestação. Em relação às primeiras, em

cujo grupo supõe poder encontrar experiências de melancolia na gravidez, afirma:

No primeiro caso, o narcisismo da mulher sofreu em benefício da criança. De um lado o superego se apropriou do eu; de outro lado a criança, enquanto objeto de amor, atraiu para si uma tal quantidade de libido que o eu se tornou empobrecido.9 (DEUTSCH, 1994: 91)

Vê-se, então, que o tratamento dado pela autora a esta tipologia, e,

conseqüentemente à melancolia na gravidez, é de ordem metapsicológica. Envolve

um aspecto dinâmico e topográfico - o conflito entre instâncias psíquicas – além de

um econômico, referente ao deslocamento da libido entre o eu e o objeto. A ênfase

no caráter opressivo do Ideal do Eu corresponde, ainda, ao enfoque dado por Freud

à questão da melancolia em Luto e Melancolia ( 1974d)

Deutsch termina este artigo ampliando a demonstração da analogia entre

o fim sexual masculino (a descarga sexual), e o feminino (o parto). Ainda ancorada

na analogia fantasmática entre a atividade do pênis e do seio, a autora propõe que

na lactação se realiza para mulher, pela segunda vez, uma identificação ao papel

fálico masculino. No coito o pênis assumiu o papel do mamilo, erotizando a vagina;

na lactação o mamilo se faz pênis erotizando a boca do bebê...Se não se toma

exclusivamente os aspectos anatômicos desta descrição, ela se configura numa

clara indicação de que, para esta autora, o desenvolvimento da sexualidade psíquica

feminina tem como fim não só a transmissão genética mas, especialmente, a

9 Tradução da autora

70

transmissão da potência erógena. Dito de outro modo: o objetivo da sexualidade

feminina é não só a transmissão da vida, mas da vida desejante.

Um narcisismo feminino

Buscou-se mostrar, até o momento, como Helene Deutsch privilegia o

narcisismo no delineamento da sexualidade feminina. Cabe ressaltar o modo

específico com que a autora trata esta organização libidinal nas mulheres. Em seu

artigo Erotismo: A Mulher Feminina (DEUTSCH, 1952) parte das concepções

freudianas, especialmente as desenvolvidas no artigo de 1914 (1974b),

desenvolvendo-as de modo bastante particular. Atribui ao narcisismo um papel

central na organização da sexualidade psíquica feminina: seu papel seria o de fiel da

balança entre a feminilidade normal e a neurótica e sua função seria exercer uma

certa regulação em relação às moções pulsionais passivo-masoquistas que

predominariam nas mulheres. Considera o aumento do narcisismo como efeito da

luta das pulsões de autoconservação em relação às sexuais, uma vez que os

objetivos sexuais femininos tenderiam a pôr o eu em perigo. A autora faz uma crítica

à afirmação freudiana de que uma mulher feminina não ama mas se deixa amar.

Afirma que o amor feminino é naturalmente passivo-narcisista. “Se este amor não é

patologicamente deformado, pode comparar-se a um fogo que irradia calor.”

(DEUTSCH, 1952: 179).

Como já foi dito acima, a autora compreende a estutura psíquica feminina

como se organizando em torno da tensão entre a sexualidade passivo-masoquista e

o narcisismo erótico mas também autoconservador. Um terceiro elemento que define

a estrutura feminina é a disponibilidade para maternidade. “A eleição pela mulher

dos objetos amados está, de certo modo, determinada por seus laços emotivos

passados, e por sua capacidade psicológica para a maternidade.” (DEUTSCH,

1952:180)

Como compreender esta disponibilidade à que a autora se refere? Não

parece tratar-se de uma mera descrição fenomenológica relativa à psicologia da

mulher, uma vez que tal disposição é de caráter estruturante. Deutsch relaciona esta

disponibilidade para a maternidade aos laços amorosos femininos. O vínculo com o

objeto de amor se faz numa dupla determinação: em relação a um modelo paterno e

71

a um um modelo filial – o objeto é recolhido ora na serie do pai idealizado e

hiperestimado, ora na série do filho promissor “que necessita que a mulher a ele se

identifique para aumentar sua confiança em si mesmo.” (DEUTSCH, 1952: 187). O

elemento comum é o vínculo através da identificação, seja a uma forma realizada

(paterna) ou por realizar-se (filial).

Um aspecto da teoria do feminino de Deutsch que parece importante

salientar é o que ela considera um traço comum às mulheres: sua facilidade para

identificar-se a seus objetos de amor. Traço indicativo de riqueza interna. Importante

lembrar que FREUD (1976d) em seu artigo de 1921 Psicologia de Grupo e Análise

do Ego trata a identificação como a expressão do modo mais primitivo de laço

emocional. Primitivo, neste caso, não parece ter um caráter valorativo, mas referir-

se ao estatuto inicial , básico, da identificação como modo de relação do eu ao

objeto.

Em O Ego e o Id de 1923, no capítulo dedicado a formação de superego

e suas relações com o ego (eu) Freud trata tanto das identificações primárias,

anteriores a qualquer relação objetal, como da identificação ao objeto que já foi

investido anteriormente pela libido. Descreve este último movimento como o

principal processo na formação do ego (eu). Ainda buscando especificar as relações

entre investimento objetal e identificação Freud afirma:

(...) De qualquer maneira, o processo [de identificação pós abandono do objeto] especialmente nas fases primitivas de desenvolvimento, é muito freqüente, e torna possível supor que o caráter do ego é um precipitado de catexias objetais abandonadas e que ele contém a história dessas escolhas de objeto. Naturalmente, deve-se admitir, desde o início, que existem diversos graus de capacidade de resistência, os quais decidem até que ponto, o caráter de uma pessoa [seu ego] desvia ou aceita as influências da história de suas escolhas objetais eróticas. Em mulheres que tiveram muitas experiências amorosas, não parece haver dificuldade em encontrar vestígios de suas catexias de objeto nos traços de seu caráter. (FREUD, 1976e: 43-44).

Freud não especifíca neste trecho a natureza dessa capacidade de

resistência a qual parece responder por uma maior ou menor fixidez do eu. Pode-se

supor uma referência ao que vem a desenvolver a seguir: o supereu. Chama

atenção porém, a introdução do exemplo das mulheres e suas relações amorosas

72

num contexto onde descrevia a formação do aparelho psíquico. Em se considerando

que num texto de Freud, uma afirmação não seja nunca desprovida de importância,

pode-se supor que o exemplo clínico indica uma particularidade da organização

egóica nas mulheres. Cabe lembrar que Freud sempre considerou lábil o superego

feminino em função da particular relação das mulheres com o complexo de

castração. Seguindo imediatamente o trecho descrito acima, Freud se refere à

possibilidade de vigor simultâneo tanto da identificação quanto do investimento

objetal em relação a um mesmo objeto. Julga que esta concomitância pode, por

vezes, responder pela manutenção da relação objetal (este ponto será retomado em

capítulo subsequente). Estes parecem ser os pontos de sustentação para

concepção de Deutsch quanto ao predominio das identificações amorosas nas

mulheres e seu papel “enriquecedor” da subjetividade.10

Retornando a H.Deutsch, parece necessário que se esclareça qual a

natureza do vínculo ao filho durante a gravidez, uma vez que esta autora supõe a

regressão libidinal da gestante a estágios primários de organização libidinal,

estágios pré-ambivalentes. A ênfase dada a corrente afetiva de ligação das

mulheres a seus objetos, permite que se levante a questão de se o vínculo com o

objeto é sempre de natureza sexual, seu caráter terno sendo resultado de

sublimação ou dessexualização, como propunha Freud, ou se existiria uma corrente

terna, desvinculada da sexual e de natureza própria, provavelmente derivada de

pulsões de autoconservação como viriam a propor BALINT (1986 e 1993), com sua

teorização do amor primário, e BOWLBY (1990), com sua teoria do apego, como

formas de relação objetal primárias. O fato de a autora em questão referir-se a este

investimento como libidinal parece definir seu caráter sexual. A concepção de

Helene Deutsch parece apontar no sentido de uma corrente única sexual,

modalizada em masculino e feminino, esta última modalidade se distinguindo da

corrente masculina pelo predomínio do objetivo passivo e do modo de satisfação

10 CORRÊA (1995) em seu artigo Um disparador e suas consequências psíquicas, buscando uma correlação entre o conceito de desmetido de Ferenczi e o conceito de hemorragia psíquica de Freud, analisa a questão das identificações nas mulheres, em relação à economia libidinal, tal como apresentadas nos textos freudianos. Afirma que a plurivocidade do precipitado de identificações das mulheres – os traços de seus muitos amores – é o que lhes confere ganho psíquico. Este ultimo é entendido como a ampliação e complexificação das vias de resposta (descarga) do aparelho psíquico, em oposição à passividade [ou a maior fixidez] das organizações psíquicas estabelecidas em conformidade com identificações impostas, ou escassas, que dificultariam o empreendimento das ações específicas.

73

narcísica. A diferença entre masculino e feminino se centraria, assim, não na

natureza do vínculo, mas no modo de acesso ao objeto.

No que se refere, então, ao objeto filho, o texto de 24 parece descrever os

tempos e o modo de constituição deste objeto, através de um modelo de dinâmica

libidinal própria à gravidez, enfatizando os aspectos clínicos da transformação da

representação do filho, de objeto narcísico (objeto de amor de si), para objeto de

amor... A construção desse objeto, repetiria a história de construção da subjetividade

materna.

Em relação às alterações afetivas durante a gravidez, Helene DEUTSCH

fala de “tendências hostis se manifestando igualmente nas modificações

passageiras de caráter, tipicamente anais, na mulher grávida” (1994, p.88). Atribui-

as ao reavivamento da equivalência fezes- bebê e considera tais sentimentos de

desgosto como deslocamentos para alimentos, pessoas ou situações, dos desejos

expulsivos (anais) em relação ao bebê. Ressalta, porém, que tais atitudes hostis

tendem a se modificar em torno do quinto mês de gestação “com os primeiros

movimentos do bebê” . A autora supõe uma dupla vetorialidade na mudança que

então se passa: de um lado o amadurecimento do investimento libidinal por parte da

mãe tende a uma representação do filho como objeto separado; por outro, o

desenvolvimento da criança para uma certa autonomia pressiona na direção do

amadurecimento descrito acima. Numa interpretação kleiniana poder-se-ia

considerar que a movimentação do feto pode servir como signo da integridade do

objeto, portanto, da integridade dos conteúdos internos da gestante, que não teriam

sido, então, alvo da retaliação por parte de sua própria mãe, em face dos desejos

agressivos da gestante para com ela. Essa integração da imagem do objeto permite

sua separação em relação ao eu materno, sem conseqüências destrutivas para este

último (KLEIN, 1996).

Deutsch discute, também, como o narcisismo, que tem função de

proteger o ego da mulher de suas tendências masoquistas em relação a seus

parceiros, freqüentemente fracassa em sua função defensiva quando da relação da

mulher ao filho. Paradoxalmente, a maternidade que, numa ótica estritamente fálica,

poderia representar a realização de uma posição narcísica para mulher, numa

perspectiva como a apresentada por Deutsch representa também seu fracasso. A

74

posse do filho, mesmo que se a considere em sua vertente fálica, elimina a ferida

narcísica anterior, relativa ao falo, liberando a libido para outros investimentos

amorosos, especialmente no próprio filho. Isto, por sua vez, submete a mulher às

suas tendências passivo-masoquistas, agora em relação ao filho. A tendência às

posições masoquistas nas relações entre mães e filhos é um dado observado na

clínica psicanalítica. A autora afirma que a escolha de não ter filhos em mulheres

com traços fortemente femininos e maternais pode representar, neste sentido, uma

tentativa de salvaguarda do eu .

É necessário que se ressalte que a posição da autora quanto à

maternidade não caracteriza uma normativização. A disposição para maternidade é

uma tendência, simbólica, apoiada na disposição biológica da espécie. Nas palavras

da própria autora, maternidade designa a “(...)capacidade para subordinar seus

interesses individuais aos da espécie. A espécie está representada pelo filho, mas a

atitude maternal pode ser dirigida a outras pessoas ou coisas.” (DEUTSCH, 1952:

190). Fica assim evidente o intrincamento ou apoio do destino pulsional às

necessidades biológicas não só do indivíduo mas também da espécie. Apoio que a

autora parece sustentar com toda conseqüência ao considerar, na reprodução e na

sexuação psíquica, a função de transmissão da eroticidade, conforme já afirmado

anteriormente.

75

A metapsicologia da melancolia como modelo de

compreensão do afeto deprimido na gravidez.

“Como as partes diferem e as funções variam, a melancolia, conforme a parte que ocupa ou atravessa, engendra paixões diversas: no coração, um estremecimento, no estômago, uma fome devoradora, no cérebro, as ilusões enganadoras, e nos outros órgãos, os problemas correspondentes às suas funções.”1

Timothy Bright2.

1 Tradução da autora 2T. BRIGHT (1996: 129) Traité de la Mélancolie de 1586.

76

A teoria de Freud

Em diferentes momentos da produção psicanalítica de Freud, pode-se

constatar seu interesse pela melancolia. Em sua correspondência a Fliess, o

Rascunho G testemunha sua atenção à descrição dos processos psíquicos

subjacentes a este quadro clínico (FREUD, 1977). Sua data provável é 7 de janeiro

de 1895. Nesse momento, a abordagem teórica da melancolia se faz em torno da

dinâmica da libido, como luto pela perda da libido. Em 1917 Freud aborda

novamente este tema em Luto e Melancolia (FREUD, 1974d), artigo escrito em

1914, provavelmente na esteira do artigo sobre o Narcisismo, como indica seu editor

inglês. Nele, a melancolia é abordada em sua forma clínica associada à mania.

Freud mantém a comparação dos processos melancólicos àqueles envolvidos no

luto, ressaltando, agora, porém, a regressão libidinal ao narcisismo. Em 1924, em

seu Neurose e Psicose (FREUD, 1976f), dá à melancolia o estatuto de neurose

narcísica, distinguindo-a tanto das neuroses de transferência como das psicoses.

Supõe, então, uma organização metapsicológica específica a estas afecções,

baseada em sua nova teoria do aparelho psíquico. Neste artigo sua ênfase recairá

no conflito entre o ego e o superego.

No período de escrita do Rascunho G, Freud se encontrava em pleno

processo de pesquisa das relações entre as funções somáticas e as psicológicas,

que resultaria no Projeto para uma Psicologia Científica (FREUD 1977), trabalho

parcialmente abandonado pelo autor, em favor da construção de um conjunto teórico

de caráter metapsicológico. O rascunho sobre a melancolia se inseria naquela linha

de pesquisa. Nele, Freud parte da relação entre a melancolia e estados somáticos

(como a anestesia sexual, a neurastenia provocada por masturbação e coito

interrompido, as manifestações somáticas da ansiedade intensa) e verifica que a

semelhança entre estes quadros clínicos se deve a uma diminuição no nível da

excitação somática que investe as representações de objeto.

Para analisar estas diferentes apresentações da melancolia, Freud parte

de dois eixos: o movimento da libido e o afeto que lhe corresponde. Afirma que em

qualquer estado melancólico o que se observa é uma perda no âmbito da libido, e

77

um afeto semelhante ao luto. Descreve o mecanismo psíquico subjacente à

melancolia do seguinte modo:

Podemos imaginar que se o ps. G [grupo sexual psíquico] se defronta com uma grande perda da quantidade de sua excitação, pode acontecer uma retração para dentro (por assim dizer) na esfera psíquica, que produz um efeito de sucção sobre as quantidades de excitação contíguas. Os neurônios associados são obrigados a desfazer-se de sua excitação, o que produz sofrimento. Desfazer-se associações sempre é doloroso. Com isso, instala-se um empobrecimento da excitação (no seu depósito livre) – uma hemorragia interna, por assim dizer – que se manifesta nos outros instintos e funções. Essa retração para dentro atua de forma inibidora, como uma ferida, num modo análogo ao da dor. (FREUD, 1977: 281-282).

Esta descrição da melancolia é prevalentemente econômica. A falha ou

perda se passa no campo pulsional, o efeito é uma inibição dos investimentos

libidinais e sofrimento psíquico (dor).

Em Luto e Melancolia esta tese inicial guarda sua pertinência, entretanto,

a questão do objeto assume relevância. Neste artigo a ênfase recairá nos vínculos

com o objeto. Daí a importância da distinção entre a perda do objeto real (no luto) e

a perda do objeto ideal (na melancolia). Também será necessário distinguir o vínculo

objetal de uma identificação, pelo tratamento diverso que é dado ao objeto nas duas

situações.

Freud reafirma a propriedade da analogia entre estes dois estados

psicológicos - luto e melancolia - por ambos envolverem uma perda, cujo resultado é

um conjunto de traços mentais, muito semelhantes:

(...) um desânimo profundamente penoso, a cessação do interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição do sentimento de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. (FREUD, 1974d: 276).

A ausência de perturbação da auto-estima e suas conseqüências, nos

processos de luto, serve de chave para compreeensão de importantes diferenças

metapsicológicas quanto aos dois processos. Freud examina em que consiste o

trabalho do luto e em seguida tenta compará-lo aos estados melancólicos. Afirma

que a constatação da ausência do objeto leva o eu a um período alucinatório da

78

presença daquele, visando à manutenção do vínculo, antes prazeiroso. O

desinvestimento da representação de tal objeto exige que o desligamento da libido

se realize em relação a cada lembrança ou expectativa relacionada a ele (trabalho

do luto). A conformação à realidade tende a impor-se, no caso do luto, e a conclusão

deste trabalho torna o eu novamente livre e desinibido.

Na melancolia, todavia, a natureza da perda é diferente – é no campo do

ideal – e ocorre fora do plano da consciência. O sujeito melancólico não sabe o que

perdeu, o que torna o trabalho de desligamento libidinal, por parte do eu, mais difícil

e enigmático. Além disso, o complexo melancólico, em seu caráter inconsciente, “se

comporta como uma ferida aberta, atraindo a si as energias catexiais (...)

provenientes de todas as direções, e esvaziando o ego até este ficar totalmente

empobrecido” (FREUD, 1974d: 286). Essa concepção de um furo ou de uma ferida

na organização do eu, que absorve todo movimento libidinal do sujeito melancólico,

responde, também, por sua dificuldade em refazer novos investimentos.

Avaliando a questão da auto-estima na melancolia, Freud conclui que os

ataques a si, tão impróprios à natureza narcísica do eu, são, na verdade, ataques ao

objeto deslocado para o eu. Tal deslocamento ocorre, em função de duas pré-

condições: uma forte fixação mas uma fraca catexia objetal. Estas condições são,

aparentemente, contraditórias. Entretanto, baseado numa constatação de Otto Rank,

FREUD afirma:

(...) essa contradição parece implicar que a escolha objetal é efetuada numa base narcisista, de modo que a catexia objetal, ao se defrontar com obstáculos, pode retroceder para o narcisismo. A identificação narcisista com o objeto se torna, então, um substituto da catexia erótica,(...) Essa substituição da identificação pelo amor objetal constitui importante mecanismo nas afecções narcisistas (...) Ele representa, naturalmente, uma regressão de um tipo de escolha objetal para o narcisismo original. (1974d: 282)

Forte fixação e fraco investimento do objeto seriam característicos, então,

do modo de vínculo narcísico. Ao especificar a diferença entre a identificação

histérica e a narcísica, Freud afirma que na primeira o investimento libidinal ao

objeto é mantido, enquanto, na segunda, é abandonado. Situa ambas no contexto

da formação dos sintomas, atribuindo à identificação narcísica um papel mais

primitivo. Reafirma, todavia, que as identificações expressam a existência de algo

em comum entre o eu e o objeto, “que pode significar amor” (FREUD, 1974d: 283).

79

Assim, não basta o recurso ao vínculo narcísico para compreender a melancolia. A

explicação de seu caráter auto-acusatório e auto-culpabilizador deve vir de outra

fonte. É na própria natureza dos vínculos entre o eu o o objeto que Freud vai buscá-

la, recorrendo ao caráter ambivalente dos vínculos objetais nas fases iniciais da

organização libidinal.

Freud conclui que a melancolia toma emprestado alguns de seus traços,

ao luto; e os outros, à regressão libidinal ao narcisismo. Devido aos processos

regressivo, e à ambivalência, o vínculo amoroso se transforma em agressão,

atacando o eu do melancólico, agora identificado ao objeto. A catexia libidinal,

nestes casos, sofre dupla vicissitude: parte dela regride para o narcisismo e outra

parte se transforma em sadismo devido à ambivalência. Daí a possibilidade do

suicídio, como agressão ao eu tomado pelo objeto. Do ponto de vista

metapsicológico, a melancolia se processa como efeito de uma regressão libidinal

ao narcisismo, devida a alguma sorte de ataque ao eu (perda), onde a ambivalência

afetiva (inconsciente) revela sua face de sadismo na forma de agressões ao eu

identificado ao objeto.

Uma afirmação de Freud, entretanto, coloca de modo muito condensado

questões de bastante relevância. Discutindo a dinâmica do trabalho psíquico na

melancolia, constata a rigidez do eu atribuindo-a à afluência da libido para as

representações ligadas ao conflito melancólico e explica a dificuldade em dormir,

observada nestes pacientes, como devida a esta fixidez da catexia libidinal no

complexo conflitivo.

O que provavelmente é um fator somático, fator este que não pode ser explicado psicologicamente, torna-se visível na melhoria regular da condição, que se verifica por volta do anoitecer. Essas considerações nos levam a perguntar se uma perda no ego, independente do objeto3 - um golpe puramente narcisista contra o ego -, não bastará para produzir o quadro de melancolia, e se um empobrecimento da libido do ego, diretamente por causa de toxinas, não será capaz de produzir certas formas de doença. (FREUD, 1974d: 286).

Embora Freud esteja se referindo a processos somáticos – tóxicos –

afetando a estrutura egóica, parece pertinente que se deduza que outros processos,

que não a regressão libidinal da relação objetal para relação narcísica, podem

80

também ser responsáveis pelo aparecimento de estados melancólicos. Conforme

indicado na citação acima, a perda no ego pode se referir a algo que o afete em sua

organização básica, nuclear. Se o narcisismo primário é o recobrimento pela libido

de um conjunto de traços identificatórios primitivos, formador do eu, poder-se-ia

pensar no efeito doloroso provocado por tudo que afete o arranjo original destes

traços. Retomando o rascunho G, conforme citado acima, o desinvestimento de

traços é sempre doloroso.

Esta afirmação, aparentemente isolada no texto, parece indicar que, do

ponto de vista etiológico ou, no que se refere à disposição para a afecção, o peso

relativo da estrutura do eu, de sua flexibilidade para suportar o “golpe narcísico”, na

produção dos sintomas, está em conexão estreita com a dinâmica pulsional e o

conseqüente trato (vínculo) com o objeto. Esta posição será claramente indicada

em 1924 no artigo Neurose e Psicose (1976f).

Baseando-se nesta afirmação acima, parece possível supor que a

presença do feto no corpo da mulher pode representar uma perda no eu. A perda

do estatuto narcísico de filha, e/ou mulher, reorientado no sentido do tornar-se mãe,

poderia responder pela presença de afetos melancólicos durante a gravidez. Em

algumas mulheres, ou mesmo em alguns períodos da gravidez, a atenção do

parceiro ou do entorno em geral, voltada de modo prevalente para a gestação, pode

representar uma perda no plano narcísico. O ser amada através do filho implica,

num certo nível, a perda do ser amada por seu próprio eu. É freqüente escutar-se a

queixa por parte das gestantes quanto ao excesso de atenção ao “corpo gestante” e

perda de atenção ao “corpo erógeno” da mulher grávida, especialmente por parte do

parceiro.

Retornando aos textos freudianos, observa-se que, em 1923, quando

publica O Ego e o Id, formalizando sua nova tópica do aparelho psíquico, a

explicação da dinâmica subjacente à melancolia será centrada nas relações entre o

ego e o superego. A supremacia da instância crítica fica evidente tanto na

melancolia quanto na neurose obsessiva. Na neurose obsessiva, no entanto, o

objeto ao qual se destina o sadismo superegóico é um objeto ao qual o eu se

3 Grifo da autora.

81

vincula, um objeto externo ao eu. Já na melancolia, o fato do objeto ter sido incluido

no eu, faz com que seja a este último (ao eu) que se dirijam os ataques,

aumentando os riscos de autodestruição. O maior risco de suicídio na melancolia se

deve justo a esta identificação. A neurose obsessiva estaria mais protegida pela

manutenção do vínculo agressivo com um objeto exterior ao eu. “Podemos perceber

que o que garante a segurança do ego é o fato de o objeto ter sido retido.” [retido

como objeto, portanto, separado do eu]. ( FREUD, 1976e: 70).

Importa ressaltar que, nesta segunda tópica, as forças pulsionais são

supostas duais, podendo se fusionar e desfusionar. Ao eu cabe administrar a

satisfação dessas tendências pulsionais opostas, em relação às exigências da

realidade, e àquelas oriundas das instâncias ideais. Em relação à melancolia a

perspectiva proposta em O Ego e o Id é a de que através do processo de regressão

libidinal, provocado por frustração, ocorre um desintrincamento pulsional onde o

superego passa a mobilizar as moções destrutivas e as dirige contra o ego.

Conforme indica Freud, o superego surge ao final do complexo de Édipo, por

identificação aos modelos parentais, processo que implica na dessexualização das

relações a estes objetos de amor. Entretanto, a dessexualização implica na

desfusão pulsional. “Essa desfusão seria a fonte do caráter geral de severidade e

crueldade apresentado pelo ideal - o seu ditatorial ‘farás’” (FREUD, 1976e: 71).

No artigo de 1924, Neurose e Psicose, Freud qualifica a melancolia como

uma neurose narcísica. Num esforço de aperfeiçoamento do poder de descrição

clínica de seu novo esquema do aparelho psíquico, propõe como diferencial

nosográfico as fontes de conflito do ego. Assim, “As neuroses de transferência

correspondem a um conflito entre o ego e o id; as neuroses narcísicas, a um conflito

entre o ego e o superego, e as psicoses, a um conflito entre o ego e o mundo

externo.” (FREUD, 1976f: 192). Termina este pequeno artigo questionando-se sobre

as circunstâncias em que o ego pode enfrentar estes conflitos sem “cair enfermo”, e

conclui que os determinantes serão o fator econômico (magnitude das moções

pulsionais envolvidas) e a plasticidade do ego em deformar-se, ou mesmo clivar-se,

evitando, assim, seu colapso.

82

Amor e Melancolia: os domínios do objeto

Seguindo as proposições freudianas quanto à melancolia, visando

relacioná-las com o objeto desta pesquisa, acompanhar-se-á as relações entre o

estar amando e o estar melancólico.

Freud toma o amor intenso e o suicídio melancólico como exemplos de

situações onde o eu é dominado pelo objeto. Cabe notar que afeto deprimido e

gravidez desejada parecem relacionar-se com estes dois pólos. Uma gravidez

ensejada a partir do desejo de um filho envolve um enorme investimento amoroso

quanto às representações deste objeto. Nesse sentido, a dimensão do filho como

objeto de amor pode ser de ordem tal que sua sombra venha a se abater sobre o eu

total da mulher, inibindo seus outros investimentos afetivos ou manifestações

simbólicas.

O que parece importante destacar são as identificações constitutivas do

ser mãe, relativas ao narcisismo e ao eu feminino, e relacioná-las ao desejo da

mulher que espera um filho. Dito de outro modo: qual a relação entre a constituição

narcísica da mulher na posição de mãe e o filho como objeto? Como essa relação

pode afetar o sujeito mulher ou quando o amor pelo filho gestado pode ser inibidor

das produções subjetivas da mulher?

A temática das identificações interessa aqui por sua participação tanto na

teoria freudiana da melancolia - modelo que se está utilizando para compreensão do

afeto deprimido -, como por sua inclusão freqüente nas abordagens psicanalíticas

da maternidade. Partindo-se da teoria freudiana, a identificação ao papel maternal é

suposta ocorrer como resultado da experiência edipiana, por identificação à mãe. O

desejo é, inicialmente, de dar um filho à mãe e, posteriormente, de ter um filho do

pai. Mas é identificada ao lugar da mãe que a mulher poderá gerar filhos. A literatura

descreve, também, a necessidade de identificação da mulher ao filho, na

maternidade4. Esta identificação parece referir-se ao reconhecimento dos limites

4 Exemplos desta concepção de que a mulher grávida se identifica ao feto podem ser encontrados em DEUTSCH : “A ’regressão maternal’ definitiva é alcançada durante a gravidez pela identificação com o bebê.” (1994: 92) ; LANGER: “A mulher grávida se identifica com o feto, revivendo assim sua própria vida intrauterina” (1964:182); WINNICOTT: “Existe comunicação, ou não, [entre mãe e bebê] dependendo do fato de a mãe ser ou não capaz de se identificar com o bebê (...). Isto leva a um estudo das transformações que ocorrem com a mãe (ou pai) no que diz respeito à gravidez e à paternidade.(...) Nesta situação a mãe é tanto o bebê quanto ela própria (...).” (1996: 95); BALINT: “Libidinalmente, a mãe é receptora e doadora na mesma extensão que seu

83

quanto aos referenciais (tanto imaginários como simbólicos) nos quais se inscreve a

subjetividade. A fragilidade maturacional dos primórdios da vida humana,

fundamento sobre o qual se estrutura a subjetividade desejante, parece ser

reatualizada na gestação e nas relações iniciais da mãe com o filho recém-nascido.

Retomar-se-á, então, a temática das identificações na teoria psicanalítica

de modo que se possa examinar as semelhanças entre sua ocorrência na gravidez e

nos processos melancólicos e de luto.

O conceito de identificação vai se especializando progressivamente na

obra de Freud, até assumir valor central na constituição do aparelho psíquico. Essa

centralidade é correlativa ao papel essencial atribuído ao complexo de Édipo com

seu corolário de identificações e escolhas objetais. Na segunda tópica, as

identificações respondem pela formação das subestruturas psíquicas, a partir do id.

A identificação narcísica, apresentada sob esta denominação em Luto e Melancolia,

já fora postulada em Totem e Tabu como um modo primário de relação ao objeto

definido por sua introdução ou incorporação no eu. Este primeiro tipo de laço ao

objeto se associa ao modo mais elementar de experiência pulsional, a constituição

oral do objeto.

Com a teorização do narcisismo e a divisão pulsional em pulsões sexuais

e pulsões do eu, a identificação narcísica se torna correlata aos investimentos do eu.

A escolha objetal narcísica se faz sob um modelo identificatório, em conformidade

com o que se é, o que se foi, o que se gostaria de ser ou alguém que foi uma vez

parte sua (FREUD,1974b: 107). Na segunda tópica, especialmente com a teorização

da dissolução do complexo de Édipo e, da construção do supereu como seu

herdeiro, a idéia de especialização do aparelho a partir do id dá muito relevo às

identificações como traços das relações primitivas. Neste momento da obra de

Freud, a identificação narcísica ou incorporativa, considerada anterior às relações

objetais e tida como uma relação maciça ao objeto, será denominada identificação

primária.

Em síntese, parece possível supor que o processo de identificação

primária ou narcísica diz respeito a alguma sorte de alteração (ou formação) do eu

total, mediante a relação ou intervenção de um objeto também total, isto é, sem

discrimanação exata de seus traços ou atributos. Daí a possibilidade de situar-se

filho; ela experencia seu filho como uma parte de seu próprio corpo e ainda como algo estranho e hostil, do

84

este modo de identificação tanto numa primeira constituição do eu onde as

distinções se fazem por critério incorporativo (o que é prazeroso é eu, o deprazeroso

é não-eu), quanto nos processos relacionados à melancolia. Nesta última, a

vinculação do eu ao objeto é de tal ordem que o sujeito não reconhece o que perdeu

nele (nos atributos do objeto), não podendo, assim, fazer seu luto. O luto do objeto

implica no reconhecimento destes atributos, no reinvestimento do vínculo em cada

um deles para a posterior retirada da libido. Na melancolia o luto não se faz porque o

objeto indiscriminado resta incorporado ao eu. Nem na identificação primária, nem

na melancolia há relação objetal em sentido estrito.

No caso da identificação da mulher ao papel materno não se trata de uma

identificação primária mas de uma identificação oriunda do complexo de Édipo, onde

o objeto filho poderá se inscrever na série dos objetos fálicos, o que já o vincula,

também, ao narcisismo da mãe, porém não como único objeto possível, uma vez

que, por definição, os objetos fálicos são sempre substituições de um hipotético

objeto primeiro. Que relações entre o eu materno e o objeto fálico filho poderiam

responder, então, pela inibição dos investimentos libidinais maternos com o

conseqüente estado de tristeza?

Retomar-se-á a discussão sobre o amor e a melancolia, em parêntese,

visando encontrar um encaminhamento de resposta a essa questão.

Amor e Melancolia parecem ser situações extremas que permitem

demonstrar o caráter plástico do eu, sua capacidade de sofrer alterações nas lides

com o objeto. Na perspectiva da relação do eu ao objeto, suicídio melancólico e

fascinação amorosa aparentemente se identificam, porém é necessário esclarecer a

que se devem suas diferenças. Seu ponto em comum é o domínio que o objeto

exerce sobre o eu, a identificação ao objeto. Todavia, esta não pode responder

sozinha pela alteração no eu que o coloca em risco, como no caso do suicídio

melancólico. Parece que no suicídio melancólico há um significativo aporte de ódio

dirigido ao objeto, que não se observa na fascinação amorosa.

Outro problema é que também na paixão amorosa a identificação

narcísica ao objeto seguida da fragilização do eu ocorre somente em algumas

situações específicas. Outros efeitos podem também ser observados: o incremento

mesmo modo que a criança em relação ao corpo da mãe.” (1986: 100). As traduções são da autora.

85

da auto-estima, o aumento dos cuidados dedicados não só à própria imagem, mas à

vida subjetiva num sentido amplo. Como explicar essa diferença no interior da

experiência amorosa? Trata-se de algum gradiente de investimento libidinal que vai

regressivamente do amor como investimento objetal ao amor como fascínio

narcísico? Qualquer experiência amorosa pode, então, se inscrever e deslizar por

qualquer ponto desta série? Ou, ao contrário, o amor enquanto investimento objetal

seria uma experiência envolvendo aspectos metapsicológicos diferentes daqueles

presentes na fascinação amorosa? Na obra freudiana parece possível encontrar

apoio para ambas as posições. A introdução na teoria de modalidades ou

subestruturas do eu – os ideais – indicam que na tópica de 1920 há uma opção

pela segunda hipótese.

No capítulo VIII de Psicologia de Grupo e a Análise do Ego (1976d), artigo

de 1921, Freud trabalha as questões do direcionamento da libido aos objetos e suas

conseqüências para o eu na fascinação amorosa. Neste caso, está buscando

explicar o submetimento apaixonado dos indivíduos ao poder hipnótico dos líderes.

Trata deste efeito hipnótico como equivalente do vínculo amoroso, ressaltando na

experiência amorosa a idealização dos atributos do objeto em conformidade com o

narcisismo. Freud encaminha sua argumentação no sentido de mostrar que é esta

idealização que revela um processo subjacente de subsunção do eu ao objeto.

Neste ponto, faz uma diferenciação entre a identificação ao objeto e este outro

processo amoroso que leva à servidão do eu, a idealização. Afirma que na

identificação o “(...) o ego enriqueceu-se com as propriedades do objeto (...)”, na

idealização fascinante “(...) empobreceu-se, entregou-se ao objeto, substituiu o seu

constituinte mais importante [o ideal do eu] pelo objeto.” (1974b: 111). Mas a

identificação é um processo que se refere ao eu, enquanto a idealização é um

processo referido ao objeto, como salienta Freud. O próprio autor se mostra

insatisfeito com a distinção econômica entre estes dois processos, apresentada

nestes termos. Opta, então, por uma distinção dinâmica, diferenciando o vínculo

entre o eu e o objeto em cada uma delas:

No caso da identificação, o objeto foi perdido ou abandonado; assim ele é novamente erigido dentro do ego e este efetua uma alteração parcial em si próprio, segundo o modelo do objeto perdido. No outro caso [idealização], o objeto

86

é mantido e dá-se uma hipercatexia dele pelo ego e às expensas do ego.5 (FREUD, 1976d: 144).

É na idealização, portanto, que se dá o esvaziamento da libido narcísica.

Estas conclusões parecem contradizer as proposições teóricas sobre a melancolia.

Lá, é justamente à identificação narcísica posterior à perda do objeto que se

atribuem as inibições de investimento do eu. Por outro lado, naquele texto Freud já

afirma o caráter ideal da perda na melancolia, indicando um processo de idealização

dos atributos do objeto. Este parece um apontamento quanto à ligação íntima entre

esses dois processos (identificação narcísica e idealização).

No artigo sobre a Psicologia de Grupo citado acima, FREUD se

questiona se seria “inteiramente certo que a identificação pressupõe que a catexia

de objeto tenha sido abandonada” conjeturando sobre a possibilidade de “haver

identificação enquanto o objeto é mantido.“(1976d: 144). Em O Ego e o Id (1976e)

esta possibilidade é tomada como certa. O tema das identificações é retomado no

contexto de elaboração das origens do ideal do eu. Ali, além de atribuir às

identificações o papel de formadoras do “caráter” do eu, enquanto fonte de traços

dos vínculos objetais precoces, é destacado seu papel na administração das

moções pulsionais. Ao identificar-se ao objeto o eu se oferece como objeto para

satisfação das exigências das pulsões.

Freud enfatiza que a identificação narcísica com o objeto implica uma

alteração na qualidade do vínculo, dada a alteração do objetivo pulsional. Dito de

outro modo, a identificação implica numa dessexualização. Faz ainda uma diferença

entre os possíveis desfechos das identificações, mostrando que nem sempre elas

implicam a introdução do objeto abandonado no eu. Alega, porém, que no caso das

mulheres esta alteração do eu é bem mais freqüente. O que parece uma indicação

no sentido da particular plasticidade do eu feminino. Esta plasticidade seria devida

ao modo especial com que a castração afeta as mulheres. Dada a ausência do falo

imaginário no corpo, o eu da mulher é que assumiria, então, este lugar fálico: daí a

ameaça de castração configurar-se como ameaça da retirada do amor por parte do

objeto.

5 Grifo da autora.

87

Essa discussão sobre o papel patógeno da identificação narcísica parece

relevante no caso dos afetos na gestação pois este tipo de identificação se impõe

em qualquer gravidez desejada. Parece evidente que o amor da mulher dirigido ao

filho enquanto objeto necessariamente deixa traços no eu materno. Essa

identificação é, porém, secundária ao investimento do filho no lugar de objeto

separado do eu. Por outro lado, a inflexibilidade dos ideais que orientam as

identificações secundárias pode responder pela rigidez do lugar que ocupará o filho

como objeto em relação ao eu materno, conforme pretende-se demonstrar a seguir.

Uma concepção metapsicológica da depressão.

Utilizar-se-á as indicações de Marie-Claude LAMBOTTE (1997)

apresentadas em O Discurso Melancólico, por tratar-se de uma obra vigorosa de

análise fenomenológica e metapsicológica da melancolia. Esta autora propõe como

hipóteses metapsicológicas da melancolia a “ausência ou enorme fragilidade da

imagem especular, devida ao desfalecimento primeiro da imago materna.”

(1997:197). Baseada nas formulações lacanianas do Estádio do Espelho como

organizador da função do eu, considera que a melancolia se constrói nos “avatares

da formação do eu e de seus modelos “(op. cit, 201)6.

A imagem especular, antecipadora de uma totalidade identificatória do eu,

foi pensada por Lacan como campo - espaço - onde a origem simbólica do sujeito

vem a operar. Com a proposição do estádio do espelho, LACAN (1955c ) apresenta

as linhas que confluem para formação original do eu. A prematuridade do bebê

humano a qual engendra uma especial dependência do semelhante que lhe prove

cuidados (em geral a mãe). Este semelhante com seus desejos particulares

interpreta os movimentos da criança7 como portadores de sentido. E a linguagem

6 Lambotte supõe a origem da melancolia na fase pré-especular, na operação de destacamento de uma metáfora referenciadora do sujeito no simbólico, a qual orienta, também, a formação da imagem especular. A autora distingüe, todavia, a melancolia das psicoses. O que se operaria na entrada do sujeito no simbólico não seria uma foraclusão do significante paterno, mas uma identificação ao objeto enquanto resto de operação simbólica. O sujeito melancólico reconheceria a castração, sem ter, porém, os instrumentos ilusórios, fantasísticos, para lhe fazer face. 7 Lacan se utiliza da palavra infans para designar a criança antes de seu acesso a linguagem. 8 Tradução da autora.

88

onde esta interpretação se inscreve como enigmática. É, portanto, na relação da

criança ao enigma do desejo deste outro que a compreende segundo seus próprio

desejos, que se desencadeia o desejo inconsciente daquela (criança). Esta dinâmica

implica a anterioridade (apenas lógica) de uma identificação ao outro como

semelhante, que possibilita à criança a formação de uma imagem, uma silhueta de

um si mesmo - um eu ideal - em torno da qual as questões do ser e do desejo vão

se dar. Trata-se da mesma identificação à qual Freud referiu-se como anterior à

relação objetal. Nos termos lacanianos o que se passa então é a “(...)transformação

produzida no sujeito quando assume uma imagem”, cuja assunção indica uma

“matriz simbólica em que o eu se precipita de forma primordial (...) essa forma é

mais constituinte do que constituída; (...) simboliza a permanência mental do eu, ao

mesmo tempo que prefigura sua destinação alienante; (...)”8 ( 1995c: 87-88 ).

Lacan lembra, ainda, que esta captura pela imagem, nos moldes como se

dá no sujeito humano, é indicativa da insuficiência da realidade orgânica como fonte

da subjetividade. O processo de subjetivação do humano depende do

estabelecimento de uma dialética a qual, a partir deste eu formal, liga a criança aos

outros semelhantes, através do desejo destes últimos expressos no conjunto da

linguagem. Lacan sublinha o corte destacado por Freud quanto à natureza do desejo

humano que subverte a ordem das necessidades. Toda construção da imagem

subjetiva se fará mediada por significantes. A linguagem explode a necessidade em

planos diversos - imaginário, simbólico e real – nodulados entre si, porém

dissimétricos. As faces do objeto vão se alterar, então, conforme o plano de

articulação subjetiva em que estejam envolvidas. No estádio do espelho a

configuração prevalente do objeto é a imaginária onde, ao assumir uma imagem, a

criança se reconhece como aquilo que falta ao outro, se institui como objeto de amor

do outro. A saída desta relação especular faz-se pela identificação da criança a um

traço (significante) do desejo do outro expresso em suas demandas. Esse traço –

suposto objeto ideal do outro – formará o ideal de eu da criança. O objeto é agora,

porém, um objeto que se circunscreve na linguagem.

Na concepção acima descrita, o narcisismo primário seria a forma de

designar a dinâmica libidinal deste momento, onde o outro - com sua imagem e sua

89

linguagem - tem poder alienador do eu, sendo, portanto, fonte da imagem e do

desejo da criança, conseqüentemente, alvo de sua agressividade. Segundo Lacan, a

agressividade é uma tendência correlativa às identificações narcísicas,

determinantes da estrutura formal do eu e dos objetos. Nas palavras do autor:

Essa forma se cristalizará em efeito na tensão conflitual interna ao sujeito, que determina o despertar de seu desejo pelo objeto de desejo do outro: aqui, o concurso primordial se precipita em competência agressiva, e dela nasce a tríade do próximo, do eu e do objeto (...)9. (1995d: 106).

Ou ainda,

Na origem, antes da linguagem, o desejo só existe no plano da relação imaginária do estado especular, projetado, alienado no outro. A tensão que ele provoca é, então, desprovida de saída. Quer dizer, não tem outra saída (...) senão a destruição do outro. (1986: 197-198).

Desta teoria de Lacan, onde a agressividade é concebida como

correlativa da tensão entre a estrutura narcísica e a subjetividade em seu caráter

simbólico, é possível destacar-se uma série de inferências clínicas, especialmente

aquelas relativas aos ideais, como é o caso da melancolia e da depressão.

Assim, Lambotte propõe que a ausência de um olhar materno que

destaque a imagem da criança como um objeto potentemente prazeroso para as

relações com o Outro, é a condição da melancolia. Um olhar materno que

transpassa a criança, perdendo-se num horizonte sem limites, não pode oferecer a

necessária moldura para constituição de uma fantasia que dê contorno, ainda que

ficcional, à subjetividade desta. Completando, então, sua hipótese metapsicológica a

autora propõe que:

(...) à falta de uma imagem especular suficientemente investida, o melancólico se esforçaria em atenuar esta falha de ilusão ou de imaginário – e, por isso mesmo, de desejo – negando vigorosamente tudo o que se assemelharia a logro e mentira frente a uma verdade encontrada muito cedo: a da irredutível ficção que define o sujeito. (op. cit, 207).

9 Tradução da autora.

90

É na relação do melancólico aos objetos que se verá a força de um ideal

esmagador, desqualificando qualquer destas relações como passíveis de sustentar

sua imagem ideal, que não se pretende imaginária.

Seguindo Lacan, Lambotte se apóia na teoria kleiniana da constituição do

supereu. A origem deste, ligada à incorporação de objetos bons e maus, em

conformidade com a imago materna, exigirá da criança (de seu eu) a constante

vigilância para proteger os bons dos maus objetos, com os conseqüentes

sentimentos de angústia e culpa. A autora toma desta construção a idéia de um

supereu materno arcaico que se interporia entre a criança e o espelho e afirma:

(...) a imagem de um modelo cujo grau de idealidade impede todo comprometimento com o mundo exterior, engendrando um sentimento de inferioridade e impotência que imediatamente faz deslanchar um processo de inibição. (...) mais que da perda do objeto, o sujeito melancólico sofreria de uma identificação originária que, através da indiferença ou do fechamento da posição materna, retornaria a um supereu ancestral cuja transmissão na expressão da falta teria como conseqüência invalidar a priori todas as relações humanas. (op.cit, 211).

Em síntese, é a constituição de um eu-ideal que não pode se dar, uma

vez que o que o sujeito melancólico introjetou não foi um traço, um significante que

o refere à ordem simbólica, mas um ideal formal, que reduz inteiramente suas

possibilidade de identificação com alguma imagem ideal de si como objeto para o

Outro. Lambotte hipotetiza, então, que a ausência desta imagem impele o sujeito a

deslocar o Ideal do Eu para os objetos exteriores. Recobre-os com os traços de ideal

visando regressivamente incorporá-los, em busca da reconstrução protética (a qual

não se efetiva) de sua própria imagem.

Parece importante salientar que esta autora também distingue a

melancolia da depressão. O que do lado da melancolia seria o olhar vazio da mãe,

seu discurso desafetivizado, na depressão corresponderia a um olhar de ódio, e a

um discurso pontuado de queixas. Assim, a melancolia parece associada à ausência

de um Ideal de Eu, ou à sua presença formal, arcaica, não metaforizável, ao passo

que a depressão parece ancorada na presença deste Ideal enquanto traço do

sadismo do Outro.

91

Algumas articulações com a depressão na gravidez.

Como já apresentado em capítulo anterior (À procura da especificidade

feminina) crê-se possível articular a depressão na gravidez à dinâmica dos ideais,

em especial à imagem de um Ideal Materno.

A depressão na gravidez pode estar referida, então, não necessariamente

à ausência ou fragilidade de uma imagem de sí (eu ideal) constituída pelo olhar

materno10, mas à rigidez ou fixidez do ideal do eu.

O ideal do eu responde pelo estabelecimento da via desejante

preferencial do sujeito. Compõe-se do conjunto dos significantes que, ao fixar

imaginariamente o desejo numa certa via libidinal, pacifica a rivalidade dirigida ao

outro. A função da identificação edipiana é apaziguar essa agressividade

deslocando a sexualidade (o desejo) para outros objetos que não aquele apontado

pelo desejo do Outro. E esse deslocamento se faz orientado na via do ideal do eu.

Assim, ao referir-se a depressão na gravidez à rigidez do ideal do eu

materno, o filho é tomado como falo e representa a recomposição da imagem

narcísica da mulher enquanto objeto de amor. O traço do objeto ideal do desejo do

outro – o ideal do eu – é deslocado para o filho. A prevalência é da relação

imaginária à maternidade. É nesse sentido que se poderia falar de identificação

narcísica ao filho.

Parece possível supor, nestes casos, não necessariamente a presença de

um supereu arcaico ou sádico, mas de um ideal de eu inflexível. Ao invés da

ausência de imaginário que caracteriza as estruturas melancólicas, poder-se-ia falar

de um excesso imaginário, próprio às neuroses, relacionado ao papel materno da

mulher. Assim, no momento em que o desejo se apresenta organizado em torno da

demanda de um filho, a pregnância imaginaria do papel fálico desse filho para

mulher leva à idealização deste objeto, tendo como efeito a identificação do eu

materno ao objeto filho. Como já apontava Helene Deutsch far-se-ia, assim, um

deslocamento do ideal do eu para o filho.

Se o ideal do eu for aqui entendido como traço do desejo do Outro, com

valor de significante que orienta a construção de uma imagem ideal do sujeito, ter-

10 Não se pretende excluir a existência de casos de depressão na gravidez oriundos da estrutura melancólica ou depressiva da mulher. Pretende-se, ao contrário, limitar o alcance destas proposições aos episódios depressivos ocorridos estritamente em referência à maternidade, cuja ocorrência é possível a qualquer mulher.

92

se-ia uma imagem pouco flexível deste sujeito mulher, onde o ser mãe equivaleria à

possibilidade de ter o falo através do filho.

Na ocorrência da gravidez real, porém, esta imagem ideal tende a sofrer

abalos, ou mesmo a perder-se, uma vez que a realidade do filho no ventre, dado o

complexo de sensações que provoca, pode fazer bascular o objeto fálico de sua

vertente imaginária, revelando a castração por sua presença real e excedente no

que diz respeito ao conjunto de sentidos modulados pelo complexo edípico. Isto

não se daria, no entanto, sem forte carga afetiva. Um filho que participa da fantasia

da mulher no lugar do objeto fálico, ocupa o lugar do objeto de gozo – fetiche -,

objeto de sutura da castração materna, conseqüentemente, fonte de horror para a

mulher neurótica. A presença de um objeto em posição de satisfação do desejo

incestuoso causa horror, sendo o incesto aqui entendido como a liquidação –

impossível – do desejo. No plano da narrativa edipiana, seria o desejo de dar o falo

à mãe, extingüindo assim, no Outro, a castração e o desejo.

AMARAL (1996) ao analisar, em sua dissertação de mestrado, algumas

conseqüências clínicas da maternidade para subjetividade feminina, descreve com

clareza como o filho tomado enquanto objeto de preenchimento fálico pode produzir

horror:

(...) é como horror, como insuportável, que a emergência da possibilidade da relação incestuosa com o pai é vivida. Isto se traduz, no laço com o bebê, através da súbita aparição da fragilidade da criança. O corpo do bebê, objetificado, aparece em sua dimensão carnal, deserotizada, como passível de ser usado, abusado, destruído. Aí emergem as idéias rejeitadas com repulsa, de que ‘eu poderia esmagá-lo com as minhas próprias mãos’. Isso que escapou ao recalque e surgiu para o sujeito como possibilidade, não podendo ser novamente banido de seu campo de saber, horroriza e apavora. (1996: 109)

De outro lado, há a vertente em que a mãe se toma, em fantasia, como

objeto de satisfação para o Outro, representado pelo filho. Mais uma faceta possível,

no plano fantasístico, do deslocamento do ideal do eu para o filho. Esta também

pode ser uma fonte de afetos depressivos na gestação. Sua manifestação clínica é

93

permeada pela angústia que, aqui, indica a presença de um objeto (a imagem da

própria mulher) em posição de garantir o gozo do Outro (representado pelo filho).

Lacan articula o que escapa do jogo especular, o que não se reflete na

imagem narcísica, como objeto a, causa do desejo do sujeito, que buscará

preencher, através da linguagem, essa falta em sua imagem. É como busca de um

objeto, o falo, que o desejo se instala para o sujeito. O falo, no entanto, é um

significante inscritível na linguagem. Quando aspectos do objeto não representáveis

na linguagem aparecem, o que se tem é angústia.

Ao colocar o filho no lugar de seu ideal de eu, a mulher o toma como

Outro, e a si como objeto de gozo daquele. Mais uma vez utilizar-se a a descrição

feita por AMARAL (1996) quanto à este quadro:

Ela [a mulher], que demandara ter um filho para suturar a falta que reconhecia em si, vê-se, ela própria, demandada por aquilo que ambicionara ter(...) Este filho é agora tomado como pólo de todas as demandas irrecusáveis a que o sujeito–mulher deve responder. Isto se apresenta na clínica como uma perda-de-si irreversível, irreparável.11 Algo exige sem nomear o que quer. É a reinstauração massiva deste Che vuoi? Insaciável que remete à perspectiva de extinção, esgotamento, desaparecimento do sujeito-mulher. (1996:111).

Sublinhou-se os sentimentos de perda irreparável e irreversível de si,

pois parecem corresponder ao que Freud designou quanto a melancolia através da

formulação de que a sombra do objeto recai sobre o eu. Essa descrição

corresponde, também, àquela feita por Helene Deutsch quanto às mulheres que

adoecem e/ou tornam-se feias na gravidez, pelo efeito superegóico que a imagem

do filho exerce sobre elas. Outra manifestação desta tomada de si mesmas como

objetos de gozo do filho, por parte de algumas mulheres, pode ser observada na

rigidez com que são consideradas as tarefas de cuidado do bebê, transformadas

assim em árduas batalhas. Em relação à amamentação, por exemplo, é freqüente

escutar-se ditos referentes a um sentimento de aprisionamento, de opressão que a

função de aleitamento promoveria. Parece possível que tais afirmações se

inscrevam na cadeia das idealizações das funções maternais, o que as enrijece,

tornando-as pouco metaforizáveis.

11 Grifo da autora

94

A queda, então, deste ideal imaginário da posição materna, exigiria da

mulher um forte trabalho de luto, o qual poderia manifestar-se pela dor e até por

certa inibição característica deste trabalho elaborativo, tomando o quadro o aspecto

deprimido.

Fica evidenciado que o filho para mãe, nesta formulação, se inscreve na

vertente que vai do narcisísmo ao objeto fálico, até sua queda ou revelação como

alteridade. Esta queda, ou perda imaginária - seja do filho como falo, seja da mãe

como falo do filho - levaria, na melhor das hipóteses, ao luto, o qual permitiria à

mulher reinvestir seu papel de mãe, fora dos cânones de qualquer ideal, mas no

amor de objeto a esse outro sujeito, estranho, porém seu filho. Esta tomada do filho

como unheimliche - estranho – talvez represente a concepção do filho na

perspectiva feminina tal como apresentada por Lacan – fálica mas não-toda. É o que

se pretende desenvolver no próximo capítulo.

A dor psíquica, um trabalho de objeto.

A presença de dor psíquica nos casos de melancolia, de depressão ou no

de luto, conduziu esta pesquisa a uma breve abordagem deste tópico,

especialmente pelo que ele pode revelar da relação do sujeito ao objeto.

A questão da dor interessa a Freud desde suas primeiras elaborações

como se pode observar em sua correspondência a Fliess. Nas abordagens que faz

da melancolia e do luto, deixa sempre sublinhada a necessidade de compreensão

metapsicológica dos processos de dor como condição para o entendimento mais

amplo daqueles fenômenos. A concepção da dor apresentada no Projeto vai

percorrer toda sua obra, “(...)a dor consiste na irrupção de grandes Qs [quantidades

de energia] em psi”. (FREUD, 1977: 408-409). A idéia subjacente é de que o

ultrapassamento de certos limites, estabelecidos pelas experiências precoces de

desprazer, são percebidas como dor. Desde trabalhos como o Rascunho G de 1895,

até o Adendo C de Inibição Sintoma e Angustia de 1926, passando por Luto e

Melancolia de 17, mesmo com as modificações de suas concepções quanto à tópica

do aparelho psíquico, e com a complexificação da dinâmica de funcionamento deste

aparelho, o processo econômico básico relativo à dor permanece entendido como

95

ultrapassagem de limites, acarretando um excesso de carga libidinal diante da

impossibilidade de inscrever como representações certos aportes do real,

incompatíveis com o funcionamento homeostático do aparelho psíquico.

No trabalho de 26, Inibição Sintoma e Angústia, em seu Adendo C,

FREUD (1976l) traz importantes distinções quanto às relações entre a dor, a

angústia e o luto. A questão que orienta sua reflexão diz respeito às condições em

que a perda de objeto produz angústia e às condições em que produz dor (neste

momento a dor é correlativa ao luto). Todo desenvolvimento é feito no sentido de

mostrar que não se encontrará diretamente na perda do objeto a explicação nem de

um, nem de outro. A dor é uma reação à perda do objeto, enquanto a angústia é

uma reação ao perigo da perda. Freud compara os processos implicados na dor

física, onde é suposta uma hipercatexia das representações egóicas da parte doente

do corpo, com a dor psíquica. Reafirma que as condições econômicas de ambas são

as mesmas. No entanto, no que diz respeito ao campo psíquico, separa dor e

angústia, referindo esta última ao investimento narcísico, e a dor à relação com o

objeto.

Uma representação de objeto que esteja altamente catexizada pela necessidade instintual [pulsional] desempenha o mesmo papel que uma parte do corpo catexizado por um aumento de estímulo. A natureza contínua do processo catexial e a impossibilidade de inibi-lo produzem o mesmo estado de desamparo mental. Se o sentimento de desprazer que então surge tem o caráter específico de dor (um caráter que não pode ser descrito mais exatamente), em vez de manifestar-se na forma reativa de ansiedade [angustia], plausivelmente podemos atribuir isso a um fator do qual ainda não fizemos suficientemente uso em nossas explicações – o alto nível de catexia e ‘ligação’ que predomina enquanto ocorrem esses processos que conduzem a um sentimento de desprazer. (FREUD, 1976l: 197).

No rascunho G, entretanto, Freud apresentara uma perspectiva da dor

como relacionada ao desligamento associativo ou ao desinvestimento libidinal que

aparentemente se opõe a esta última definição da dor como continuidade da catexia,

ligação com alto nível de investimento, caracterizando um certo modo de fixação. A

contradição é só aparente se se entender que o alto nível de catexia de uma

representação implica o redirecionamento de todos os investimentos laterais para

essa representação em foco. Esta concepção parece mesmo sustentável como

96

explicação da dor, pois pode-se observá-la também em situações de investimento

amoroso sem perda de objeto. Expressões do senso comum como “amo tanto que

chega a doer” parecem corroborar esta hipótese.

Discutir-se-á, a seguir, o tratamento dado por Lacan ao Adendo C,

quando o aborda em seu seminário sobre a Angústia (1996). A partir desta leitura

lacaniana examinar-se-á algumas proposições teóricas trazidas por Nazio quanto a

este mesmo adendo freudiano referente à angústia, à dor e ao luto.

No seminário proferido durante os anos de 62 e 63, ao buscar rigorizar o

conceito de objeto a, LACAN (1996) trabalha, em vários momentos, com a teoria

freudiana do luto, destacando da noção de perda de objeto os diferentes estatutos

do objeto na teoria psicanalítica. Parece necessário, aqui, que se retome alguns

aspectos do conceito de objeto tal como propostos na teoria de Lacan. Este é

abordado numa tripla dimensão: enquanto objeto imaginário do estádio do espelho,

gestalt antecipatória de uma imagem de si, de um eu; como objeto simbólico, objeto

perdido da teoria freudiana, sobre cuja ausência se constrói, via linguagem, o desejo

inconsciente; e como objeto a, resto da operação simbólica, real inassimilável às

outras duas posições, porém condição lógica dos dois outros modos de

comparecimento do objeto. A ênfase dada por Lacan à estrutura linguageira do

inconsciente e do desejo se ancora na separação radical entre o objeto da

necessidade e o objeto do desejo. Separação que este autor destaca na obra de

Freud com o conceito de Das Ding forjado no Projeto (FREUD, 1977).

A proposição mais inovadora, no entanto, foi o conceito de objeto a. Sua

concepção se liga à operação de constituição subjetiva na linguagem. Ao

estabelecer a linguagem como campo de surgimento subjetivo será necessário forjar

alguma materialidade à causa ou razão desta subjetividade. Lacan constrói este

conceito para representar o resto, o vazio, o por-vir, a falta de uma última palavra

quanto à razão subjetiva, funcionando simultaneamente como seu limite e causa.

Além das acepções de vazio e resto, o objeto a é destacável no movimento

pulsional, como miríade de objeto, “estilhaços” de objeto aos quais não se reduz.

Nesta vertente, descreve-se como partes destes estilhaços os primeiros objetos

(parciais) delineados no jogo de demandas entre a criança e mãe, através dos

corpos de ambas (BAUDRY, 1996).

97

No seminário de 62-63, então, Lacan teorizará a angústia como ligada à

esse objeto – o objeto a –, sua presença indicando a separação entre o movimento

do desejo e a possibilidade de gozo. Se a angústia é sempre de castração como

constatou Freud em Inibição Sintoma e Ansiedade [Angústia], e se esta é estrutural

na fundação da subjetividade, a presença do objeto a indica, simultanemante, a

vinculação do desejo do sujeito às demandas do Outro inscritas na linguagem, e a

impossibilidade de satisfazê-las todas, resultando na impossibilidade de chegar à

razão última da própria subjetividade.

No plano da constituição subjetiva, a imagem narcísica do sujeito, suporte

de uma estrutura gramatical mínima – a fantasia – liga o desejo do sujeito ao Outro,

é uma primeira configuração de si como objeto. Esta imagem afasta a angústia

proveniente do desordenamento pulsional original, orientando-o em relação a uma

demanda proveniente do Outro. Como tal imagem não responde pela totalidade da

subjetividade, o que dela resta não simbolizável permanece como objeto a, causa de

desejo para o sujeito. 12

Ainda neste seminário Lacan retoma o Adendo C utilizando-se da

distinção entre as noções de objeto narcísico e objeto a, para estabelecer a

diferença entre o trabalho do luto e a melancolia. Segundo ele, o árduo trabalho do

luto sobre cada traço do vínculo com o objeto perdido reflete a busca de restauração

do vínculo fundamental entre sujeito e objeto, ou seja, a reconstituição da relação

entre a imagem de si como objeto e a falta estrutural a partir da qual o desejo se

organiza. Em suas próprias palavras:

O problema do luto é o da manutenção dos vínculos por onde o desejo esta suspenso, não do objeto a (...) senão de i(a), pelo qual todo amor, enquanto este termo implica a dimensão idealizada que expressei, está estruturado narcisicamente. (1996: sessão de 3/7/63).

12 No seminário R.S.I., LACAN (1990) descreve a angústia como provocada pela invasão de real no imaginário. Essa retificação da teorização sobre a angústia postulada em R.S.I. é devida a ampliação das articulações teóricas de Lacan relativas ao conceito de objeto a . Enquanto no seminário A Angústia a ênfase se dá sobre a vertente do objeto como resto da operação simbólica, índice, portanto, da castração, em R.S.I. a tônica recai sobre seu papel de nodulador dos registros simbólico, imaginário e real, com os quais opera o psiquismo humano. Esta pesquisa centra-se nas proposições teóricas apresentadas no seminário 10 (A Angústia) tanto em função da ênfase que traz quanto a posição do objeto relativamente à castração, como pelo tratamento que Lacan dá, alí, ao objeto no trabalho do luto e na melancolia.

98

Já na melancolia, Lacan aponta tratar-se de um ataque à própria

imagem visando, porém, o objeto mas enquanto objeto a. A perda a que se refere o

melancólico é a perda fundamental da subjetividade. O melancólico parece

capturado no logro que representa a imagem narcísica. Atacando a própria imagem

visa atacar a inconsistência (ou perda) fundamental do objeto do desejo.

Juan David NASIO (1997), em seu trabalho denominado O Livro da Dor e

do Amor, ao discutir o problema da dor psíquica debate as formulações de Freud em

Luto e Melancolia, à luz das observações trazidas pelo Adendo C, e pelas

formulações lacanianas conforme apontadas acima.

O autor faz, inicialmente, uma distinção entre sofrimento e dor, e opta por

esta última como um fenômeno de maior precisão para o debate metapsicológico.

Considera a dor como afeto limite, indicador, para consciência, de uma tensão

pulsional que ultrapassou os níveis de prazer-desprazer que garantiam a

homeostase no funcionamento do aparato psíquico. A dor seria a expressão de uma

percepção endopsíquica. Seguindo as indicações freudianas, Nasio propõe uma

leitura onde a dor mais do que referida à perda, se relaciona ao trabalho de luto.

Constata com Freud que o que provoca a dor é o intenso direcionamento da libido

para os traços representativos do objeto, etapa prévia ao desligamento libidinal

destes. Nas palavras do próprio autor, “A dor não é pois dor de perder, mas de

apertar fortemente demais os laços com a representação do outro ausente.” (op. cit

p.166). Por seu caráter de elemento de passagem entre um investimento objetal a

ser desfeito e outro por vir, a dor recebe no trabalho de Nasio o estatuto de objeto

pulsional.

Esta proposição teórica parece útil para que se compreenda a dor na

gestação como um afeto indicativo da mudança na qualidade do vínculo da

subjetividade da mãe em relação ao filho como objeto, conforme se buscará discutir

adiante.

Quanto aos objetos que podem provocar dor quando de seu

desaparecimento, Nasio os qualifica como aqueles cuja presença “nos assegura a

indispensável insatisfação” (op.cit, p.36), designação do objeto a teorizado por

Lacan. A ameaça de sua perda é fonte de angústia, enquanto a efetivação de sua

99

perda provoca dor. Segundo Nasio, os objetos cuja perda parece insubstituível são

aqueles cujos traços se identificam aos de um outro primitivo, suporte da alteridade,

através do qual o sujeito se constituiu como efeito suposto de seu desejo (do Outro).

Ainda segundo Nasio, apoiado na teoria lacaniana da fantasia, o objeto cuja perda

causa dor é aquele que sustenta a fantasia, o Outro a quem o sujeito falta. Em suas

próprias palavras:

“O que se perde com a morte do ente querido é, primeiro, a imagem de mim mesmo que ele me permitia amar. O que perdi, antes de tudo, é o amor a mim mesmo, que o outro tornava possível. Isso significa que o que se perde é o eu ideal, ou mais exatamente o meu eu ideal ligado à pessoa que acaba de desaparecer. (...) Ele não era meu eu ideal, mas o suporte real desse eu.” ( opus cit, p. 163).

Para Nasio, a identificação ao objeto perdido seria o terceiro passo do

trabalho do luto. O autor tende a não tratar a identificação narcísica ao objeto como

um processo patológico em si. Considera que somente quando esta identificação “se

dissemina pelo conjunto do eu e se cristaliza sob a forma de uma identificação

congelada com a imagem do objeto perdido” (op.cit, p.168) o resultado será um luto

patológico. 13

Seguindo estas indicações de Nasio, poder-se-ia supor que, na gravidez

desejada, a dor esteja relacionada ou à queda do filho enquanto objeto fálico, ou à

queda da mãe enquanto objeto fálico para o filho. Este ponto será desenvolvido no

próximo capítulo.

O recurso à teoria lacaniana relativa aos diferentes estatutos do objeto

parece necessário à clarificação da relação da subjetividade materna ao filho como

objeto. Em seu Seminário 20, Lacan parece privilegiar a vertente de objeto a do filho

13 Cabe sublinhar que Nasio trata o luto patológico como característico da melancolia em oposição

ao luto normal. Não diferencia o luto patológico como cartacterístico da neurose obsessiva, em oposição a melancolia , separação que corresponderia melhor ao texto freudiano.

LAPLANCHE, trabalhando também sobre o luto e a melancolia em seu seminário a Angústia, afirma: “Esquematicamente, tem-se no luto: perda de objeto; no luto patológico: perda de objeto mais ambivalência, mas sem identificação com o objeto perdido; na melancolia, os três elementos: perda de objeto, identificação e ambivalência.” (1987: 308). Embora correspondendo efetivamente à distinção teórica estabelecida por Freud, clinicamente é possível observar-se a identificação ao objeto perdido, também no luto.

100

para a mãe. Afirma: “Para esse gozo que ela [a mulher] é, não-toda, quer dizer, que

a faz em algum lugar ausente de si mesma, ausente enquanto sujeito, ela

encontrará como rolha esse ‘a’ que será seu filho” (LACAN, 1985: 49). Apesar de

um certo mal gosto na metáfora utilizada – “rolha” - Lacan parece designar ao filho o

lugar do objeto que pode responder pelo recentramento da mulher no campo do

gozo fálico. Como objeto a o filho é, porém, simultaneamente causa de desejo da

mulher e resto não simbolizado de seu desejo. Nesta última vertente o filho pode

remete-la para além do gozo fálico.

Se se tomar, no entanto, a vertente imaginária do filho como objeto fálico,

seu papel será de garantir a unidade narcísica, a imagem fálica da mulher. Poder-

se-ia dizer que a imagem narcísica da mulher enquanto mãe se constrói tanto em

referência aos traços de identificação à sua mãe como em referência ao filho. A não

aceitação da castração materna e/ou a permanência de uma relação rivalitária à

própria mãe, pode levar a uma intensificação da relação imaginária ao filho como

fonte de traços narcísicos para mulher. Esta última pode cristalizar-se em afirmações

tais como, “eu, como mãe, sou o que falta a este filho”. Proposição extremamente

perigosa, mas presente no imaginário feminino. A não relativização desta imagem

pode responder pela dor de muitas mulheres grávidas quando se sentem como não

estando “à altura” de ocupar este lugar materno.

101

Estranhas Entranhas

O terceiro anjo brotou entre meus galhos meu corpo feito árvore, madeira de barco. Anjo esperado, logo um homem, dramaticamente um homem, mas meu filho. Meu corpo foi barco, meu sangue foi pasto, mas teu olho que me encara busca a vida. Não tenho respostas: tenho, como tu, homem menino, todas as perguntas, e a estranheza de ser porto de repouso, e ponto de partida. Lya Luft1.

1L. LUFT (1984: 103) Mulher no Palco.

102

Um corpo estranho

A condição de desconhecido do objeto real filho e sua gestação na

intimidade do corpo da mulher, podem ser fonte de estranhamento e angústia. A

evocação da idéia de um corpo estranho não parece distante daquilo que as

mulheres experimentam em alguns momentos da gravidez. É na série do

estranhamento despertado pela presença do filho como objeto, realidade corporal

estranha, porém entranhada no corpo e no eu materno, que se pretende tratar, aqui,

dos afetos depressivos durante a gestação, portanto, como o estranho/familiar -

unheimliche – freudiano.

Interessante notar que mesmo no campo da imunologia o feto enquanto

corpo estranho em relação ao corpo materno se reveste de uma estranheza

peculiar, desafiando as regras usuais de reatividade imunológica. Como afirmam

VAZ e FARIA, “Cerca de 25% das mulheres primigravídicas desenvolvem

anticorpos IgG dirigidos a epitopos do HLA fetal. Estes anticorpos, em presença de

complemento, podem lisar celulas fetais in vitro, mas não são citotóxicos in vivo”

(1993: 199). Embora reconhecendo a impropriedade metodológica de articular-se

hipóteses de um campo teórico sobre outro, é quase inevitável supor-se que o

sistema orgânico vivo da mãe pode “reconhecer” de algum modo este corpo

estranho filho, inibindo a reação a ele. O que corrobora a idéia do filho gestado como

um estranho/familiar.

Na psicanálise, campo de eleição preferencial deste livro, as questões

relativas ao corpo exigem alguns estabelecimentos prévios. Qual o corpo que a

psicanálise aborda? -O corpo erógeno, pulsional, circunscrito pela linguagem. O que

significa um corpo desenhado por experiências de prazer/desprazer recobertas de

sentidos e significações oriundas inicialmente do meio e, posteriormente, tomadas

como referenciadoras da particularidade subjetiva.

A presença do filho no corpo da mulher grávida, exige sua presença na

subjetividade2. Nada que é do corpo acede, porém, ao psiquismo sem mediação da

2 Segundo LERENA (1997), pesquisas no campo da genética têm demonstrado que somente 25% das fecundações em humanos resultam em gravidezes. Em tôrno de 75% são abortadas espontaneamente, antes mesmo da nidação, portanto, sem que sejam claramente percebidas pelas mulheres. As causas destes abortos precoces são muito variadas e de difícil pesquisa. Contudo, algumas hipóteses podem ser levantadas mesmo no

103

linguagem. A construção simbólica do filho como objeto de desejo da mulher se

inicia muito antes da concepção daquele, e embora a extensão desta construção

possa perdurar ao longo da existência de ambos (mãe e filho), uma primeira fase

desta construção parece só se concluir com o nascimento, quando a mãe pode

defrontar-se com um sujeito real, invariavelmente diferente daquele imaginarizado

antes e/ou durante a gravidez, processo que culmina (ou não...) numa adoção

verdadeira deste pequeno outro como objeto de amor.

Durante a gestação, porém, é na condição de mesmo e de outro que o

filho se situa no corpo materno, simultaneamente, familiar e estranho. Embora esteja

se desenvolvendo no corpo da mãe, é ali, também, um alheio, estrangeiro, um

alienante do corpo materno. As acepções do verbo alienar, na lingua portuguesa,

parecem oferecer uma boa visão do estatuto do corpo da mulher quando em

gestação de um filho. Segundo FERREIRA alienar significa “1.Transferir para outrem

o domínio de; tornar alheio; alhear(...) 2. Desviar; afastar(...) 3. Indispor;

malquistar(...) 4. Alucinar; perturbar(...) 5. Desviar; apartar (...) 6. Enlouquecer;

endoidecer; alhear-se.” (1975: 69-70). O corpo da mulher durante a gravidez se

torna, ao menos parcialmente, um corpo cedido a outrem, e, por vezes,

enlouquecido por esse outro.

Algumas metáforas usadas no campo da saúde incidem negativamente

sobre este sentimento de estranheza promovendo um aspecto ameaçador da

experiência de gestação. Na tentativa de salientar a necessidade de alguns

cuidados especiais com a saúde do organismo da gestante é ressaltado o caráter

relativamente compulsório com que o feto, para seu desenvolvimento, se utiliza das

“reservas” maternas ( hormônios, vitaminas etc...). A ênfase na atenção da mulher

às suas próprias necessidades orgânicas é feita, por vezes, aprofundando o

sentimento de que o bebê (o feto) estaria “retirando”, “roubando”, “utilizando-se

egoisticamente” do corpo da mãe.

É necessário sublinhar, no entanto, que no psiquismo o corpo próprio só

se apresenta como imagem e como exigência de trabalho ou pulsão. Assim sendo, o

campo das produções teóricas sobre o psiquismo. Parece necessária uma sorte de percepção endopsíquica e um imediato investimento narcísico neste “corpo estranho” - o embrião – para que possa ser tomado, pelo eu materno, como “corpo próprio”.

104

corpo real já é fonte de estranhamento independente da presença desse outro corpo

– o do filho – cuja presença implica em mais estranhamento.

O fato de, na gestação, a mulher ver-se alheada parcialmente de seu

corpo, pode promover um efeito, no imaginário, semelhante ao da experiência

especular onde o sujeito se percebe apenso ao desejo do outro. Os efeitos

agressivos e rivalitários desta experiência serão mediatizados quando o desejo do

filho estiver lastreado além dele próprio e das referências narcísicas da mãe. Dito de

outro modo, ceder o corpo a um outro – o filho – pode não ser uma experiência de

perda para mulher quando este filho é um dom recebido e retribuído a um homem –

o parceiro – aquele por quem a mulher foi desejada na sua condição de semblante

de objeto causa de desejo, e amada. Algumas vezes, porém, não é como amada

que a mulher gesta um filho e, ainda assim, cede amorosamente seu corpo a ele, o

que indica que, mesmo nestas circunstâncias, esse filho foi considerado um dom do

Outro.

As relações entre o que é relativo ao corpo e suas implicações no eu,

foram tratados por Freud em vários momentos de sua obra; aqui serão destacados

seus apontamentos na segunda tópica . Em O Ego e o Id (1976e), Freud atribui ao

corpo o estatuto de objeto por excelência, através do qual o eu se funda. No campo

dos objetos perceptíveis, especialmente graças às experiências táteis, o corpo

próprio tem lugar privilegiado por oferecer ao aparelho psíquico sensações de duas

espécies: de interioridade e de exterioridade. Nesta segunda tópica freudiana, o eu,

instância psíquica mediadora da busca de satisfação das moções pulsionais e das

exigências culturais fixadas em ideais, se organiza (se forma) a partir de uma

projeção ideativa ou mental do corpo, não como corpo biológico, mas como

antecipação gestáltica de uma superfície limite entre externo e interno. A matéria

sob a qual se constrói esta superfície é tratada, no texto que ora se aborda, como

pulsão associada à linguagem. Freud discute a formação do eu à partir do id, sede

das pulsões, como “(...) aquela parte do id que foi modificada pela influência direta

do mundo externo, por intermédio do [sistema] Pcpt-Cs(...) (1976e: 39), ou seja,

como transformação da pulsão em percepção (interna), inserida no sistema de

sentido por sua participação na linguagem; conjunto de traços das primeiras

experiências de objeto; experiência de objeto enquanto reflexo da experiência de

sujeito promovida pelas pulsões. O corpo – seja como imagem, seja como fonte de

105

sensações – dá conformação ao eu. Freud afirma neste artigo que o eu é “primeiro e

acima de tudo um ego corporal “(op.cit p. 41).

No desenvolvimento do conceito de objeto algumas linhas se mantêm

vigorando desde os primeiros esboços desta noção no Projeto..., até as obras

posteriores a 1920. A dupla vertente do objeto – coisa e atributo – bem como seus

efeitos no psiquismo – exigência de trabalho e trabalho de vinculação,

respectivamente – fora esboçada em 1895 e depois retomada no capítulo IV de

Além do Princípio do Prazer, de 1920.

No Projeto..., o ego é postulado como uma organização entre neurônios

catexizados, criada pelas experiências primitivas de satisfação e dor, cuja função é

orientar as novas excitações através das facilitações e inibições. O objeto aparece,

ali, como o que se constrói entre o traço de memória (neste momento, representado

como catexia num grupo de neuronios) e a percepção, possibilitando ou não a

descarga.

Assim, tanto os traços do complexo perceptivo, como do complexo

mnêmico, passam pelo processo de juízo afim de que a descarga possa ser

autorizada. Nas palavras de FREUD:

Assim, juízo é um processo “psi” que só se torna possível graças à inibição exercida pelo ego e que é evocado pela dissemelhança entre a catexia de desejo de uma lembrança e uma catexia perceptiva que lhe seja semelhante. Daí se deduz que a coincidência entre essas duas catexias se converte num sinal biológico para pôr fim à atividade do pensamento e iniciar a descarga. Quando as duas catexias não coincidem, surge o impulso para a atividade do pensamento, que voltará a ser interrompida pela repetição da coincidência. (1977: 434).

Quanto ao complexo do objeto, seja o da memória, seja o da percepção,

sua conformação implica em partes estáveis (coisa) e partes cambiáveis (atributos).

O julgamento só sendo dirigido às segundas. Freud descreve três confrontos

possíveis entre a memória e a percepção, numa situação d0e desejo: uma primeira,

onde haveria identidade entre ambas, a segunda, onde a parte núclear

permaneceria idêntica restando o trabalho de encontrar possíveis identidades nas

partes variáveis e, finalmente, a terceira situação onde não haveria nenhuma

identidade entre os traços do objeto percebido e aqueles da satisfação primeva

106

transformados em memória. Freud destaca o maior ganho psíquico neste último

caso, por implicar em mais trabalho (maior produção de pensamentos) no sentido de

buscar vias de identidade que permitam a descarga da tensão do desejo. Parece

possível pensar-se que o filho gestado (especialmente o primeiro) se encontra para

subjetividade da mãe nesta terceira categoria, dado o caráter totalmente inusitado

desta experiência, e sua profunda implicação no corpo/eu da mulher.

No trabalho de 1920, a temática da constituição dos objetos no psiquismo

é retomada no contexto da reteorização das pulsões em pulsões de vida e pulsão de

morte. Para fundamentar a pulsão de morte, FREUD (1976c) busca expandir, aos

limites, as possibilidades de regência do psiquismo pelo princípio do prazer. Nesta

via, reafirma o psíquismo como um aparato cuja competência essencial é a da

vinculação de estímulos (externos e internos), e no qual as experiências como as

dos sonhos traumáticos, dos jogos de repetição infantis e da própria transferência,

indicam a repetição como meta, independente do princípio do prazer. Nestas

experiências se observa o limite do sistema de vinculação. A repetição - sempre

idêntica – revelando a pouca possibilidade de ligação (e, conseqüentemente, de

descarga), ou, o mínino de vinculação fazendo tela à angústia da desorientação

frente a irrepresentabilidade das forças que acossam o aparelho. No polo oposto

encontra-se a pulsão e seu “influxo de energia” inundando o aparelho e exigindo o

máximo de vinculação, em cuja ausência sobrevém, também, a angústia. Esta última

está, portanto, nos dois polos de funcionamento do aparelho psíquico. FREUD

esclarece este processo nos seguintes termos:

(...) Quanto mais alta a própria catexia quiescente do sistema, maior parece ser a sua força vinculadora; inversamente, entretanto, quanto mais baixa a catexia, menos capacidade terá para receber o influxo de energia e mais violentas serão as conseqüências de tal ruptura no escudo protetor. (1976b: 46).

Como afirma CORRÊA (1994) em seu artigo Revisão do Conceito de

Objeto em Psicanálise, as experiências como as dos sonhos traumáticos, dos jogos

de repetição infantis “abrem caminho para o estudo de formações cujo estatuto,

entre coisa e objeto, entre corpo e psiquismo, não se confunde com as formações do

inconsciente.” (1994: 23). Para que o filho possa, então, ser compreendido numa

107

perspectiva que ultrapasse a de um sintoma da mulher, a noção de objeto como

portador de um núcleo resistente à representação parece de grande valia.

LACAN (1988), em seu seminário sobre a ética da psicanálise, retoma

esta vertente do objeto – a coisa, Das Ding – e salienta sua posição de exclusão e

seu papel imantador, nuclear na constituição de todo movimento desejante pelo qual

se caracteriza o aparelho psíquico. Sendo a coisa a parte do objeto que não suscita

pensamento, sua localização é anterior à ordenação da subjetividade em torno da

busca de repetição das experiências de satisfação. Assim, sua retomada no plano

do desejo o ressitua como objeto a ser reencontrado, porém impossível. Nas

palavras de Lacan:

(...) o Ding é o elemento que é, originalmente, isolado pelo sujeito em sua experiência do Nebenmensch [semelhante] como sendo, por sua natureza, estranho, Fremde. (...)

O Ding como Fremde, estranho e podendo mesmo ser hostil num dado momento, em todo caso como o primeiro exterior, é em torno do que se orienta todo encaminhamento do sujeito. (...)

O mundo freudiano, ou seja, o da nossa experiência comporta que é esse objeto, das Ding, enquanto o Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar. (1988: 68-69).

É bem verdade que Lacan retoma esta noção apresentada no Projeto...

para com ela distinguir uma das vertentes do objeto, a de objeto causa de desejo.

Parece possível, no entanto, considerar-se que um filho ocupa, enquanto objeto da

subjetividade da mãe, um lugar de substituto privilegiado de Das Ding. O próprio

Lacan destaca este privilegio do objeto- filho para mulher, como se pode observar na

citação apresentada na página 99.

Em sua tese de doutoramento, A experiência do excesso – por uma

revisão da loucura dos artistas, CORRÊA (1998) ressalta o importante passo de

Lacan, no seminário sobre a Ética da Psicanálise, quando, analisando a noção de

das Ding, o propõe não só como núcleo irrepresentável - núcleo coeso - mas como

núcleo afetado pelo significante, tornando-se, neste sentido, causa, empuxo à

representabilidade, na linha proposta por Freud em mais Além do Princípio do

Prazer.

108

Acredita-se que o trabalho de elaboração que um filho objeto de desejo

traz à subjetividade materna encontra-se na categoria descrita acima. Todas as

construções mentais que a mãe possa fazer quanto ao filho gestado (e mesmo o

nascido) ou quanto a si como mãe serão díspares em relação às suas experiências

primárias, exigindo intensa elaboração psíquica, uma vez que a maternidade não se

constitui, exclusivamente, como uma experiência de satisfação, mas, especialmente,

como uma experiência de total reorganização subjetiva.

Além disso, não é só como alienante que o filho ocupa o corpo da mãe. É

luminosa e indescritível a alegria com a qual esta experiência pode ser vivida.

Acredita-se que isto se deva não só ao fato da mulher estar gerando um

complemento fálico - o que restringiria este afeto a um prazer narcísico - mas, ao

saber que o filho gerado pode ser tomado como outro, como diverso, e, portanto,

exigência de vida ao corpo e à subjetividade materna. O acesso a essa alegria pode

passar, no entanto, pelo susto, a dúvida, o estranhamento, que fazem bascular o

filho de sua posição fálica em relação a subjetividade materna.

Se o corpo é em princípio potência (e não força pré-direcionada), cujas

possibilidades de produção estão nele sob a forma de virtualidades e cuja

presentificação reordena (ou renova) toda a subjetividade (BORGES 1996), a

recepção destes adventos parece comocionar inevitavelmente o sujeito em questão.

E o estranhamento parece ser uma das faces desta comoção.

Resta ainda discutir-se como esse complexo objetal – o filho – pode ser

fonte de estranhamento e como isto pode produzir dor ou um afeto deprimido.

Estranhos afetos

A questão do afeto é delicada e fundamental, no campo psicanalítico. Sua

abordagem não corresponde às concepções psicológicas dos afetos, nem dos

sentimentos. Na teoria psicanalítica a análise do afeto se faz vinculada à

sexualidade. Mesmo antes de ser compreendida pela metapsicologia como

elemento pulsional, seu tratamento esteve ligado a um raciocínio econômico relativo

à sexualidade e à formação de sintomas. O afeto está mais ligado à idéia de

transformação do que de expressão. Isto pode ser observado desde as concepções

de 1895, no Projeto, onde as experiências de prazer e desprazer são concebidas

109

como delimitando a complexificação do aparelho psíquico, até as proposições de

1926, quando a angústia é concebida como afeto por excelência, “sinal” indicativo,

retroativamente, da história das construções sintomáticas e transformações

subjetivas.

O afeto foi tratado nos artigos metapsicológicos como um representante

pulsional paralelo ao representante ideativo, responsável pela transformação em

consciência da parcela quantitativa da pulsão não associada aos traços de

palavras. Na discussão que FREUD faz sobre o tema, no artigo O Inconsciente,

parece deixar clara a sua conexão com a instância da consciência. Indica, ali, que

pensar o afeto como inconsciente seria incompatível com a sua função psíquica,

qual seja, a de revelar, na consciência, a pressão pulsional. Reafirma ainda esta

posição em O Ego e o Id.

Outro aspecto importante quanto à questão do afeto é que, na

psicanálise, este esteve sempre associado à angústia. De modo sintético poder-se-

ia afirmar que em grande parte da obra de Freud a angústia esteve articulada à idéia

de transformação da libido quando represada a sua satisfação. Na segunda tópica,

porém, uma outra concepção se configura, paralelamente a esta. A angústia como

afeto fundamental - experimentada no nascimento através do sentimento de

desamparo - passa a ser o protótipo das experiências de angústia subseqüentes.

Em Inibições, Sintomas e Ansiedade [Angústia] (1976l) Freud faz uma diferença

entre angústia automática e angústia como sinal, correspondendo a primeira à

manifestação ou reação do eu diante de um afluxo pulsional intenso cujo

ordenamento pela linguagem, fornecedor de sentido no plano da consciência, fosse

difícil ou impossível. A segunda (angústia como sinal), ainda como uma reação do

eu, teria a função de deflagrar movimentos defensivos que pudessem impedir o

desenvolvimento da angústia e o conseqüente colapso das funções do eu. Como

Freud sempre insistiu que todo desenvolvimento da sexualidade e, portanto, do

desejo inconsciente, estavam ligados à angústia de castração (perda dos

representantes fálicos), a angústia do nascimento ou desamparo toma valor,

retroativamente, como experiência afetiva que se reedita na angústia de castração.

Já em LACAN a questão do afeto é tratada exclusivamente como

angústia. Em seu seminário de 62/63 A Angústia (1996), afirma que a angústia é a

experiência essencial do sujeito em relação à sua contingência na linguagem, sendo

110

também, portanto, o cerne da experiência psicanalítica. Lacan considera, neste

seminário, que a angústia é o afeto evocado quando uma imagem subjetiva (imagem

do sujeito como objeto do gozo do Outro) resiste à sua queda, frente à pressão

pulsional que insiste na exigência de novas representações. Ainda em reparo à

proposição freudiana Lacan afirma que a angústia “não é sem objeto”. O objeto da

angústia é esta imagem em queda desvelando a castração ao fundo.

Assim, parece mesmo necessário que, ao tratar-se psicanaliticamente de

um afeto, se o articule à angústia, seja de modo direto, seja nas suas vertentes de

estranhamento, luto ou dor psíquica, isto é, através das manifestações do

destacameto do objeto a.

A gestação, com suas transformações corporais observáveis e/ou

sensíveis, parece contribuir para o sentimento de estranheza. Este afeto é tomado

aqui, na perspectiva apresentada por FREUD em 1919 em seu artigo O Estranho,

como “(...) aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho,

e há muito familiar.” (1976b: 277). Na segunda parte deste artigo Freud parte das

constatações de Jentsch sobre os aspectos psicológicos do estranhamento e dá

destaque à incerteza intelectual quanto à vitalidade de um objeto como uma

condição particularmente favorável para a evocação daquele sentimento. Se o

objeto tem vida ou não, ou se um destes estados aparenta o seu oposto (algo vivo

parece morto ou o contrário), são questões que provocam estranheza. Um

parêntese parece necessário: nada mais próximo do que experenciam as gestantes

em relação à vitalidade do feto. Isto pode ser observado no aumento considerável da

demanda por ultrassonografias, por parte das gestantes, como se buscassem alí a

garantia desta vitalidade, oferecendo-lhes uma sorte de certeza intelectual afim de

minimizar, ao menos temporariamente, o estado de estranheza, de angústia, quanto

a esse objeto que portam em seus corpos.

Quanto ao artigo de Freud, este amplia ainda mais a constatação de que

a incerteza intelectual quanto à vitalidade dos objetos é fonte de estranheza e a

aproxima da vida emocional infantil quando freqüentemente se atribui vida a objetos

inanimados (brinquedos, por exemplo). Articula este processo à clivagem do eu, à

criação de um duplo imaginário, sede, seja de perfeições, seja dos defeitos do eu,

provocado pelo narcisismo primário. Aqui, novamente, um aspecto que permite

associação com a relação mãe-filho: freqüentemente o bebê é associado às

111

bonecas da infância – são bonecas com vida -,(as meninas, especialmente, são

geralmente chamadas na infância de “boneca”), prestando-se, assim, facilmente a

ocupar o lugar de duplo materno. Voltando ao artigo de Freud, este faz, alí, uma

correlação com o que virá a ser na segunda tópica o supereu. Atribui a esta

instância simultaneamente crítica e ideal a posição de sucedâneo do duplo narcísico

infantil. Após o processo de recalcamento dos atributos do eu estabelecidos num

duplo, o traço de seu retorno é, por vezes, vivido com estranheza. A repetição

involuntária de um traço infantil recalcado, desorganiza o sistema de referências

egóicas podendo provocar a sensação de desamparo e estranheza.

Constatando, porém, a não universalidade desta ocorrência (todo

estranhamento advém de material familiar que sofreu recalque, mas nem todo

recalcado retorna associado ao sentimento de estranheza), Freud busca distinguir

as fontes específicas deste sentimento. Faz, então, uma separação entre a

estranheza oriunda de um abalo na crença de algum aspecto da realidade, e aquela

originada no retorno de complexos infantis recalcados. Afirma que em ambos os

casos “a coisa toda é simplesmente uma questão de ’teste de realidade‘(...)”. No

primeiro caso, o abalo se dá no campo material dos fenômenos, ao passo que no

segundo, o questionamento é quanto a estabilidade de algo da realidade psíquica.

Quando o estranho se origina de complexos infantis, a questão da realidade material não surge; o seu lugar é tomado pela realidade psíquica. Implica numa repressão [recalque] real de algum conteúdo de pensamento e num retorno desse conteúdo reprimido [recalcado], não num cessar da crença na realidade de tal conteúdo (1976b: 309)

Parece possível supor que, no primeiro caso - o da instabilidade no

campo material - o abalo se dá em relação às crenças do sujeito: opera-se uma

alteração no campo do sentido a que o sujeito está referido, e o que se desorganiza

(parcialmente) é a orientação do sujeito no simbólico. No segundo caso, é a própria

referência subjetiva simbólica que se desestabiliza com o retorno do recalcado. O

retorno de traços identificatórios recalcados ameaça cristalizar o sujeito em certas

significações, o que é fonte de angústia. Parece possível conceber que uma face da

experiência do estranhamento, é vivida como perda – perda da mobilidade

simbólica, da multiplicidade de possibilidades de comparecimento subjetivo, daí uma

possível semelhança com os processos de melancolia e de luto. Sua outra face, o

112

estranhamento proveniente das alterações na “realidade material”, também vivido

com angústia, parece, porém, convocar ao trabalho psíquico na busca de encontrar

traços de identidade com a “realidade psíquica”.

No caso da gestação tanto a realidade material – o corpo da mulher

grávida – , como a realidade subjetiva, são fontes de estranhamento por suas

rápidas transformações. O sentimento de estranheza aparece na fala de gestantes

tanto em referência ao corpo, como à subjetividade. O corpo feminino, sede de

inúmeras transformações, torna-se presente na consciência, saindo de sua posição

de fundo, de palco, passando a protagonista. Ainda que a mulher retorne à forma

física semelhante àquela anterior a gravidez, há um discurso que aparece quase

sempre como queixa, que o corpo ”nunca mais voltou ao que era”; outras vezes são

apontadas, mesmo sem o caráter de queixas, mudanças corporais ocorridas após a

gravidez – “meu cabelo ficou mais liso” ou “mais crespo”, “meu peito diminuiu “ ou

“aumentou”, etc... Enfim, é como se fosse dito “não sou mais a mesma pessoa”, e a

ênfase não é propriamente no resultado, mas na mudança em si. PAIM (1998) em

seu estudo etnográfico Marcas no corpo: gravidez e maternidade em grupos

populares, constatou que, entre as mulheres entrevistadas para aquele estudo, as

marcas corporais deixadas pela gravidez ( estrias, cicatrizes, manchas etc...) eram

apresentadas como registros de uma ascese da mulher a um status de mulher

adulta, serviam como signos de um ideal (social, no caso) de maternidade atingido.

Acredita-se que tais sentimentos, expressos através da referência às

mudanças corporais, digam respeito a alterações no cerne do eu da mulher que,

pela gestação, deslocou um de seus eixos de orientação subjetiva: a condição de

mulher-filha, para a condição de mulher-mãe. A mudança no plano corporal parece

representar, para o conjunto do eu, o traço da gestação com suas experiências de

estranhamentos e enigmas. Uma espécie de proximidade da coisa – das Ding –

essa ausência da razão última, esse núcleo enigmático da essência humana, que a

mulher contacta com a experiência deste objeto privilegiado: o filho. Estranho porque

fálico mas não-todo em relação à subjetividade da mãe, e de materialidade também

estranha porque radicalmente outro.

Este investimento de atenção e libido sobre o corpo em transformação

significa um reinvestimento narcísico. Seja como realização de uma imagem

idealizada, seja como afastamento desta, ocorre uma quebra na estabilidade de

certos aspectos narcísicos. Embora só em algumas gestantes se possa obsevar

113

quadros de profunda desorganização mental com perda de referência subjetiva, na

maioria das gestações pode-se constatar algum período de desorientação da mulher

quanto à sua potencialidade simbólica. A presença do filho como corpo estranho

associada à pregnância dos aspectos etogramáticos que as transformações

corporais da gravidez representam, levam em maior ou menor grau, à experiência

de estranhamento, por parte da gestante. Acredita-se, ainda, que se esta

experiência não ocorre durante a gravidez, ocorrerá quando do nascimento da

criança, aparecendo, possívelmente, nos quadros de depressão pós-parto.

Estranhar, uma prática feminina.

Quando a mulher toma contato com o fato de estar grávida – mesmo nas

gravidezes muito ansiadas – ocorre, freqüentemente, um sentimento de susto

seguido da dúvida quanto ao desejo de ter um filho. A certeza antecipada quanto ao

desejo parece vacilar na iminência de sua realização, mesmo que seja

imediatamente reavida. O susto e a dúvida parecem também indicar que não é só

como falo que o bebê é esperado. De um lado, esta dúvida refletie o temor de

extinção do desejo que a posse do filho traria. Indicação de sua posição fálica

excessivamente imaginarizada. De outro, porém, a dúvida liga-se à radical alteridade

de que se reveste o filho como objeto. A radicalidade da experiência de gerar no

próprio corpo este ser de pura diferença, parece marcar-se na subjetividade feminina

através de um assustador sentimento de inexorabilidade ligado à condição materna.

Autoras como BENHAÏM (1992) e AMARAL(1996) descreveram o

sentimento de irreversibilidade da maternidade como fonte de angústia na gravidez,

do seguinte modo:

A passagem do estado de mãe ao estado de não-mãe não pode se realizar, não contém qualquer elemento natural. Quando a mãe perde seu filho, surge uma posição inalcançável, aquela do retorno impossível.O estado de mãe é irreversível. A regressão (mãe–>não-mãe) não se realiza no psiquismo. (BENHAÏM, 1992: 89).

Longe de ser um episódio biográfico pareado a

outros, porém, em uma direção bastante diversa da beatitude apontada por Freud, o advento da maternidade tem efeitos definitivos sobre a subjetividade feminina. Estes efeitos são

114

comumente relatados como sendo da ordem de um sentimento de irreversibilidade, vivido imediatamente após a chegada do primeiro filho3, denotando que algo está definitivamente modificado, sem retorno, na vida da mulher. (AMARAL, 1996: 91-92).

O sentimento de irreversibilidade da condição de mãe, parece, também,

se apoiar (não no sentido de determinação mas de suporte) nas mudanças

corporais da gestação, com seus traços permanentes, as quais correspondem a

mudanças na gramática fantasmática da mulher em vias de tornar-se mãe. As

ocorrências no plano do corpo biológico parecem deixar traços psíquicos de

irreversibilidade que se reinscrevem como traços simbólicos nas mudanças da

imagem do corpo, no sentido descrito no subcapítulo anterior. Podem também,

todavia, aparecer sob uma forma de estranhamento, ou mesmo, angústia, diante

desta vinculação quase absoluta da subjetividade da mãe à do filho.

Retomando a questão da dúvida quanto ao desejo do filho, poder-se-ia

considerá-la como inerente à própria lógica fálica que rege (parcialmente...) o

desejo, uma vez que o objeto fálico é sempre um substituto do objeto original (ou

natural) ausente. Sendo o falo um significante e não um signo, é próprio à sua

natureza a discordância, fonte dos processos metonímicos e metafóricos de

articulação do desejo, podendo a excessiva pregnância imaginária de um objeto

levar à paralisia do desejo (fonte de agressividade para o sujeito, como descreveu

Lacan).

Importa ressaltar que em toda extensão da psicanálise o filho é tido como

um objeto privilegiado do desejo da mulher. Nas obras dos mais diversos autores –

inclusive na de Lacan – o filho é tomado como o equivalente fálico natural, para a

mulher, do pênis para o homem. Por outro lado, na mítica individual prevalente na

clínica psicanalítica, a interdição do incesto bem como sua aspiração se organizam

em torno da idéia de mãe enquanto origem e objeto perdido. Como salienta LACAN

no Seminário 7:

3 Em função dos dados clínicos que orientaram a presente pesquisa, julga-se que tais sentimentos podem iniciar-se durante a gravidez.

115

(...)tudo o que se desenvolve no nível da interpsicologia criança-mãe e que expressamos mal nas categorias ditas de frustração, da gratificação e da dependência não é senão um imenso desenvolvimento da coisa materna, da mãe na medida em que ela ocupa o lugar dessa coisa, de das Ding. (1988: 86)

Lacan, todavia, redimensiona o valor do falo na economia do desejo

quando lhe atribui um estatuto de significante e, ainda, quando postula o desejo

feminino como referido ao falo mas não-todo. É nesta outra via do desejo - a do não-

todo fálico - que se quer abordar, agora, o estatuto do filho para mulher. O

estranhamento seria um indicador deste caráter do objeto filho para a subjetividade

da gestante.

Em seu Escrito de 1960 – Idéias Diretivas Para Um Congresso Sobre

Sexualidade Feminina – LACAN se pergunta “se a mediação fálica drena tudo o que

pode manifestar-se de pulsional na mulher, e principalmente, toda corrente do

instinto materno”4 (1995b: 709). Propõe como solução estabelecer-se que tudo o que

seja analisável seja sexual, mas que nem todo o sexual seria accessível à análise.

Parece afirmar que o analisável é o que está adstrito à ordem fálica, porém já aponta

o que será formalizado em 72 e 73 em L’ Etourdit e Mais. Ainda, ou seja, que a

divisão sexual apontaria para uma ordem sexual além da fálica.

Nestes seminários do início da década de setenta, Lacan retoma a

questão da divisão sexual não como complementaridade, mas como dissimetria e

suplementaridade. Se em Freud a diferença sexual só se inscrevia no inconsciente

como positividade instaurada pelo falo – o que respondeu bem à lógica subjacente

às produções masculinas -, com Lacan, ver-se-á a postulação da lógica do não-todo

fálico para as mulheres. Enquanto na vertente masculina a universalidade fálica é

sustentada por um elemento (pai primordial) que, não estando submetido a ela, faz o

limite do campo, no caso feminino, a universalidade é contraditada pela

contingência. O caráter mítico da formulação masculina é revelado por uma outra

lógica que aponta não haver nenhum falante não submetido à castração, porém,

nenhum submetendo-se a ela por inteiro.

4 Tradução da autora.

116

Sendo a realidade subjetiva regida pela lógica do significante, a

positividade da vertente masculina estaria na sua condição de sujeito representado

entre significantes, referido à possibilidade de ocupação do lugar de falo simbólico.

Dito de outro modo: face a abertura do campo da linguagem e a ausência de um

significante demarcatório da diferença sexual, a afirmação identificatória mínima do

humano só poderia se fazer na afirmação da condição de sujeito da linguagem. Na

tábua da sexuação construída por Lacan no Seminário 20, do lado do masculino é

que se encontra o sujeito cindido entre significantes e o falo simbólico. A constituição

de seu desejo dependeria, no entanto, da articulação a um objeto (a) situado

alhures. Trata-se da construção da fantasia onde o objeto é revestido de uma

expectativa de complementaridade, impossível em realidade. É no outro lado da

tábua da sexuação que se localiza este objeto - no campo do feminino - o que afirma

a mulher como sintoma do homem.

Quanto à vertente feminina da sexuação, sua referência não seria o

sujeito, mas sua causa – a ausência de um significante totalizador da linguagem –

representada no destacamento do objeto (objeto a). É dúplice, portanto, a face

feminina da sexualidade: ora objeto causa do desejo masculino (posição que a

mulher só ocupa como semblante), ora afirmação vivida, porém não dizível, de tudo

que excede a possibilidade de simbolização.

Segundo LACAN, para a mulher que “por sua essência ela não é

toda”(1985: 98), não haveria universalidade possível. Seu gozo é “para além do falo

(...) Há um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o

experimenta – isto ela sabe” (1985:100). Lacan aproxima este gozo suplementar da

mulher à experiência mística. A positividade do gozo feminino se revelaria no

endereçamento de sua realidade ou ‘identidade” para além do significante fálico,

portanto, para além do que a língua pode expressar. O feminino seria, então, da

ordem da experiência que faz empuxo ao dizer. Sobre essa questão, VILTARD

(1996), ao final de seu verbete sobre o Gozo no Dicionário Enciclopédico de

Psicanálise, se pergunta sobre onde a mulher ancoraria seu pouco de ser uma vez

que não seria como sujeito que ela encontraria sua referência feminina. Reafirma ,

então, a posição expressa por Lacan em dois seminários já avançados em sua obra

– Mais, Ainda (1985) e RSI (1990) -, onde os filhos, enquanto objetos a, são

designados como a referência por excelência da mulher no feminino.

117

Em seu livro Variáveis do Fim da Análise, SOLER (1995) analisando a

posição do filho na teoria de Lacan, se refere à carta enviada por este a Jenny

Aubry, onde afirma “é dado a uma mulher como mãe, o que não é dado a nenhum

homem, ver aparecer no real o objeto mesmo de sua existência” (LACAN, apud

SOLER, 1995: 131). A autora destaca que o filho é, na teoria de Lacan, um objeto

real, destacado do corpo da mãe, objeto cuja “ereção de vivente” só é alcançavel

pela mãe; seu ser presentificando a causa de desejo parental como impossível a

dizer. Soler sublinha uma diferença entre a mãe na teoria de Freud e na de Lacan:

A mãe freudiana é a que obtém o substituto do falo sob a espécie de criança. Nesse texto, Lacan não fala do substituto do falo, mas de uma espécie de presentificação real do mais impossível de dizer. Poderíamos então muito bem desenvolver as diferenças entre a mãe freudiana e a lacaniana; esta última distingue-se da outra, não só porque vale por seu desejo e não por seu amor, mas também porque tem a mais um acesso ao real, fato não sublinhado por Freud.” (SOLER, 1995: 131).

Assim, a maternidade para o feminino, em Lacan, parece revestir-se de

importância especial. Tomando-se sua afirmação no seminário 20 de que o homem

só se remete à divisão sexual orientado pela castração ao passo que a mulher só o

faz enquanto mãe, e que o filho como objeto a é o que vem barrar o gozo excêntico

desta última (LACAN, 1985), pode-se compreendê-la tanto na perspectiva de que é

o filho que centra a mulher no campo das possibilidades discursivas, mas, também,

como sendo ele – o filho – o limite, e assim, uma forma de “lembrança” ou

“testemunho” dessa realidade além do significante que o feminino experiencia.

Quanto ao fato de o gozo feminino não se positivar senão como

experiência, parece útil utilizar-se, aqui, a noção de experienciador apresentada por

Corrêa em sua tese de doutoramento. Ancorada na concepção lingüística de que

papeis semânticos universais se inscrevem como competência dos falantes, destaca

um, apresentado por Ray Jackendoff, que é o beneficiário ou dativo ético no qual o

indivíduo se encontra na posição de acolher um evento que a ele se dirige.

Preferindo a nomenclatura experienciador, a autora a põe em paralelo com as

noções de agente e paciente. Em suas próprias palavras: “Se o agente faz e o

paciente sofre, o experienciador acolhe, deixa que por ele passem as linhas do

acontecimento”. ( CORRÊA, 1998: 53). É nesse sentido que a particularidade da

118

experiência da gestação no corpo da mulher lhe franqueia o acesso a um gozo

especial, não-todo fálico, estranho ao universal da ordem masculina.

Se a produção de objetos no campo dos significantes – no campo da

lógica fálica – serve à produção de discurso e ao liame social, a experiência da

maternidade parece inscrever cada mulher que dela participa, no limite entre o

definível e o indefinível, entre o dizível e o indizível de si mesma e de seu gozo. É

neste aspecto que parece articulável o gozo feminino e a experiência do

estranhamento.

A dor da qual por vezes se recobre essa experiência pode ser entendida

na extensão do masoquismo erógeno compreendido como estado fundamental do

aparelho psíquico face a pressão pulsional, uma das leituras a ser depreendida do

artigo freudiano O Problema Econômico do Masoquismo (FREUD, 1976j). Ali,

Freud, tentando compreender como a dor poderia ser compatível com o princípio do

prazer, retoma a proposição que fizera nos Três Ensaios..., onde afrima que em um

grande número de processos internos a excitação sexual sobreviria como efeito do

aumento, além de certos limites, das intensidades de excitação envolvidas. Amplia,

ainda, esta argumentação, associando os processos de sadismo e masoquismo à

“parcelas” da pulsão de morte que, transformadas em agressividade e destrutividade

seriam dirigidas para fora ou mantidas associadas à libido, respectivamente.

Descreve o masoquismo, então, como uma das faces da organização pulsional onde

o sujeito aparece submetido, como objeto, do desejo de outrem (ser devorado, ser

espancado, ser copulado). O que parece fundamental, entretanto, é que Freud

admite, neste artigo, a existência de um masoquismo primário.

Se se compreender esta operação de associação da pulsão de morte à

pulsão de vida e o trabalho desta última como a vinculação ou busca de

representabilidade para pressão pulsional, parece esclarecer-se que o masoquismo

erógeno ou primário seja a condição básica da estrutura subjetiva. O modelo para

pensar como doloroso todo contato com o aspecto real (não representado) do objeto

pode ser formulado mediante a experiência do desamparo (Hilflosigkeit) provocada

pelas pulsões - “agressão dolorosa por um corpo estranho interno” ( LAPLANCHE

apud ANDRÉ, 1996: 113) – sem que a criança disponha de aparelhos mínimos de

organização fantasística para fazer face às excitações endógenas.

119

Assim, se o filho for tomado como esse objeto “estranho” que faz

“exigência de trabalho” ao psiquismo materno, pode-se considerar que sua presença

possa evocar uma forma de “dor”. A dor da convulsão subjetiva provocada por sua

presença de objeto que ultrapassa em muito ao falo.

119

Considerações Finais

“ (...) Não sei há quanto tempo (horas ou anos) Fausto e Parsifal se dedicam a retraçar os seus itinerários, tarô após tarô, sobre a tábua da taverna. Mas cada vez que se inclinam sobre as cartas sua história se lê de um outro modo, sofre correções, variantes, ressente-se dos humores da jornada e do curso dos pensamentos, oscila entre dois pólos: o tudo e o nada.(...)”

Italo Calvino1

1 I. CALVINO (1993) O Castelo dos Destinos Cruzados. P.: 123.

120

O quadro clínico “depressão na gravidez” compõe-se, sem sombra

de dúvida, de uma ampla gama de aspectos constituintes. Entretanto, abordá-

lo dentro dos limites deste livro, exigiu recortes e, com isso, implicou riscos de

imprecisões. Parece importante que se enfatize, então, algumas linhas com as

quais se esquadrinhou o problema, destacando que se reconhece a

possibilidade de tratá-lo em outras direções conceituais, dentro da própria

psicanálise.

Desde o princípio deste trabalho pareceu necessário distinguir dois

planos nos quais a depressão na gravidez se insere: um o da “psicopatologia”,

o outro o da “normalidade”. No primeiro plano, trata-se de descrevê-la sob a

ótica do conflito, da perturbação; no segundo, busca-se explicá-la como uma

ocorrência possível, esperada, inerente mesmo à sexualidade feminina. Mais

uma vez, o tempo disponível para confeção deste trabalho só permitiu que

essas diferenças fossem apontadas, tendo-se trabalhado apenas alguns

aspectos tanto d’uma quanto d’outra visada.

A perspectiva desta pesquisa é de que, se por um lado, a dor

psíquica (depressão) na gravidez é percebida como algo sintomático, portanto

episódico e circunstancial, restrita a algumas formas de organização psíquica,

por outro, parece situar-se no âmago da experiência feminina da gravidez.

Depressão na gravidez e masoquismo erógeno parecem ligados enquanto

experiências subjetivas que articulam sexo e sexualidade. Em ambas há uma

exacerbação da experiência de submetimento, tanto à pressão do desejo

inconsciente que caracteriza a sexualidade – simbólica por excelência - quanto

à pressão biológica da natureza reprodutiva do sexo.

A busca de coerência no delineamento das áreas e conceitos

psicanalíticos que poderiam auxiliar a compreensão deste quadro clínico, fez

com que a teoria de Freud fosse o eixo central em torno do qual se

problematizou a questão. Assim, a maternidade e o feminino, bem como a

melancolia e o estranhamento, formam o núcleo da abordagem desta pesquisa.

Tendo Freud discutido a questão da maternidade em relação à

organização da sexualidade psíquica, portanto, no contexto do complexo de

Édipo, suas considerações quanto à maternidade apontavam para uma

experiência adstrita ao eixo narcísico-fálico. Problematizando esta teorização,

121

tomou-se alguns trabalhos de Helene Deutsch, autora que ressaltou o caráter

especial do narcisismo nas mulheres, não como efeito da “inveja do pênis” mas

como defesa frente à tendência pulsional feminina ao submetimento

(masoquismo). Além disso, Deutsch tratou de modo especial o papel da

maternidade na sexualidade das mulheres. O centramento de sua teoria nas

questões do narcisismo na mulher ofereceu subsídios para uma primeira

abordagem psicanalítica da depressão na gravidez. A autora afirmava que o

filho poderia ocupar o lugar de ideal do eu da gestante, fonte de deslocamento

dos ideais paternos e, daí, transformar-se em superego, tiranizando, assim, o

eu da futura mãe.

Partindo destas indicações foram buscados os apontamentos de

Freud quanto à melancolia. Tendo percorrido os principais artigos onde

abordou o tema, observou-se que a clivagem do ego e a dinâmica dos ideais

eram alguns dos problemas centrais descritos como relativos à melancolia.

Importante salientar que poder-se-ia destacar outros aspectos da dinâmica

melancólica, como por exemplo o “negativismo”, para, através deles, extrair

conseqüências relativas à depressão na gravidez. No entanto, o apontamento

de H. Deutsch norteou o recorte a ser feito.

Passou-se, então, à pesquisa dos autores atuais que tratam do tema

da melancolia. Dentre estes destacou-se o trabalho de Lambotte como uma

das tentativas mais completas de abordagem metapsicológica do problema.

Seguindo as indicações desta autora, apoiadas na teoria lacaniana do

narcisismo e da relação especular ao Outro - indicações estas que apontam

para o poder mais ou menos deformante do “outro” que suporta o lugar do

espelho - extraiu-se algumas considerações relativas à depressão na gravidez.

Considerou-se que se a gravidez é desejada, nesse momento em que o corpo

se define como hospedeiro de um outro, pode surgir angústia. Esta, será, ou

não, destinada a novas produções discursivas referentes à subjetividade da

mulher, conforme a flexibilidade dos ideais narcísicos dessa gestante. Se a

representação do bebê se constrói em acordo com os traços do ideal do eu, a

flexibilidade destes traços é necessária para que o reinvestimento narcísico

secundário que a gestante necessita desenvolver, implique em incremento do

amor-próprio e da auto-estima da mulher, com a conseqüente passagem ao

pleno amor de objeto na figura do filho. A rigidez do ideal do eu materno, ao

122

contrário, não permite que a presença do feto no corpo da mulher represente

moldura estável para o ego materno. Donde a gestante não poder tomar-se na

imagem de mãe, permanecendo, quanto a essa posição, numa relação

desprovida de investimento, mas identificada narcisicamente ao feto.

Retomando o percurso realizado neste trabalho, embora estivesse

claro que os conflitos envolvendo as diferentes faces do eu não recobriam todo

o universo etiológico da depressão na gravidez, parecia necessário que se

delineasse, especialmente, a segunda vertente na qual se insere a depressão

na gravidez, isto é, no campo da “normalidade” feminina.

Partindo-se da noção de que o corpo real é fonte de estranheza para

o psiquismo, considerou-se este excedente de estranhamento que representa a

presença viva de um outro, no corpo materno. Tomou-se esta noção (estranho)

como uma experiência no limite entre os planos afetivo e intelectivo frente às

oscilações seja da realidade material, seja da psíquica (afinal, a primeira

sempre se reduz a esta última). Tomou-se, ainda, a noção de juizo proposta no

Projeto... , como o trabalho psíquico deslanchado pelo complexo do objeto.

Seguindo indicações lacanianas relativas ao feminino buscou-se, então,

articular a concepção do filho enquanto objeto-não-todo fálico, e a exigência de

reorganização, de redescrição que ele importa para subjetividade materna. Por

fim, considerou-se que a “dor” pode ser o indicador da exigência de produção

de novas inscrições no ordenamento subjetivo, que o complexo objetal filho

representa para o psiquismo da mulher grávida.

Antes de terminar parece necessário destacar que o objetivo deste

trabalho foi o de ressaltar a possibilidade de ocorrência de certas experiências

subjetivas na gravidez - aquelas revestidas de um matiz de angústia e/ou

tristeza – em qualquer mulher. Ao tentar compreender psicanaliticamente tais

experiências buscou-se encontrar instrumentos de intervenção clínica para

aqueles que de algum modo se ocupam da mulher e da gravidez.

123

BIBLIOGRAFIA

124

ABRAHAM, K., 1970. Teoria Psicanalítica da Libido. Sobre o Caráter e o

Desenvolvimento da libido. Rio de Janeiro: Imago Editora. AMARAL, N., 1996. Entre Sujeito e Objeto: De como a entrada na condição de mãe

afeta o sujeito mulher. Tese de mestrado, Rio de Janeiro: Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION., 1995. Manual Diagnóstico e Estatístico

de Transtornos Mentais. D.S.M. IV, p.: 303 a 374. Porto Alegre: Artes Médicas. ANDRADE, C. D., 1984. Corpo. Rio de Janeiro: Record. ANDRÉ, J., 1996. As Origens Femininas da Sexualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. ANDREASEN, N. C., 1997. Linking Mind and Brain in the Study of Mental Illnesses:

A Project for a Scientific Psychopathology. In: Science . 275: 1586-1593. ATLAN, H., 1991. Con Razon y Sin Ella. Intercrítica de la Ciência y del Mito.

Barcelona: Tusquets Editores . BADINTER, E., 1981. Existe el Amor Maternal? Barcelona: Paidós-Pomaire. BALINT, M., 1986. Primary Love and Psycho-Analytic Technique. New York: Da Capo Press. _________, 1993. A Falha Básica. Porto Alegre: Artes Médicas. BASTOS, F. I .P. & CASTIEL, L. D., 1994. Epidemiologia e Saúde Mental no Campo

Científico Contemporâneo: labirintos que se entrecruzam? In: Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. (Paulo Amarante org.) pp 97-111. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

BAUDRY, F., 1996. Verbete OBJETO. In: Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O

legado de Freud e Lacan. (Pierre Kaufmann org.) pp.377-380. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

BENETI, A., 1997. Dsm- IV: El “McDonald’s de la Psiquiatría”. In: La Depresión y el

Reverso de la Psiquiatría. pp.63-69. Buenos Aires: Eolia-Paidós. BENHAÏM, M., 1992. La folie des mères. J’ai tué mon enfant. Paris: Imago. BIBRING, G.L. & VALENSTEIN, A.F., 1976. Psychological Aspects of Pregnancy.

Clinical Obstetrics and Gynecology, 2 (19): 357-371. BORGES, S. N., (1996). Outras afinidades eletivas: psicanálise e o sublime. Cópia

reprográfica autorizada pela autora.

125

BOURGUIGNON, A., 1991. O Conceito de Renegação em Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

BOWLBY, J., 1990. Apego. São Paulo: Editora Livraria Martins Fontes. BRIGHT, T., 1996. Traité de la Melancolie. Grenoble: Jérôme Millon. BUSTAN, M.N. & COKER, A.L., 1994. “Maternal Attitude toward Pregnancy and the

Risk of Neonatal Death”. In: American Journal of Public Health, 84: 411-414. CALVINO, I., 1993. O Castelo dos Destinos Cruzados. São Paulo: Companhia das

Letras. CASTIEL, L. D., 1994. O Buraco e o Avestruz. A singularidade do adoecer humano.

Campinas: Papirus. _____________, 1996. Moléculas Moléstias e Metáforas. O senso dos humores.

São Paulo: Unimarco. CHATEL, M.M., 1995. Mal-Estar Na Procriação. As Mulheres e a Medicina da

Reprodução. Rio de Janeiro: Editora Campo Matêmico. CHERTOK, L. & STENGERS, I., 1990. O Coração e a Razão. A hipnose de Lavoisier

a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. CHEVALIER, J., 1988. Dicionário de Símbolos. pp; 580-582. Rio de Janeiro: José

Olympio Editora. CLAVREUL, J.,1983. A Ordem Médica. Poder e Impotência do Discurso Médico. São

Paulo: Editora Brasiliense. COPPER, R L.; GOLDENBERG, R. L.; DAS, A.; ELDER, N.; SWAIN, M.; NOEMAN,

G.; RAMSEY, R.; COTRONEO, P.; COLLINS, B. A.; JOHNSON, F.; JONES, P.; MEIER, A., 1996. “The Preterm Prediction Study: Maternal estresse is associated with spontaneous preterm birth at less than thirty-five weeks’ gestation”. In: American Journal Obstet. Gynecol.; 175: 1286-1292.

CORRÊA, M. C. Q.,1994. Revisão do Conceito de Objeto em Psicanálise. (inédito) –

Cópia Reprogáfica autorizada pela autora. ________________, 1995. Um disparador e suas consequências psíquicas.

Trabalho apresentado no 1º Congresso Brasileiro Sobre a Obra de Ferenczi. São Paulo. Cópia reprográfica. In: Boletim da Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica. Rio de Janeiro: U.F.R.J. (no prelo).

________________, 1998. A experiência do Excesso – por uma revisão da loucura

dos artistas. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Pós Graduação em Teoria Psicanalítica. Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

126

DEUTSCH, H., 1994. La Psychologie da la Femme en Rapport avec ses Fonctions de Reproduction (1924). In: Féminité Mascarade (M.-C. Hamon, org.), pp 77-95, Paris: Éditions du Seuil.

___________,1994. Le Masochisme Féminin et sá Relation à la Frigidité (1929). In:

Féminité Mascarade (M.-C. Hamon, org.), pp 215-231, Paris: Éditions du Seuil. ___________,1952. La Psicologia de la Mujer. Buenos Aires: Editora Losada. FERENCZI, S., 1990. Thalassa. Ensaio sobre a teoria da genitalidade. São Paulo:

Livraria Martins Fontes Editora. FERRATER-MORA, J., 1986. Diccionario de Filosofia. Madrid: Alianza Diccionarios. FERREIRA, A. B. H., 1975. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira. FINZI, S. V., 1996. El mito de los orígenes. De la Madre a las madres, un camino de

la identidad femenina. In: Figuras de la madre. (org. Silvia Tubert) pp: 121-153, Madrid: Ediciones Cátedra.

FREUD, S., 1977. Extratos dos Documentos Dirigidos a Fliess. Rascunho G. IN:

Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. I) pp. 275-283, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1977a. Extratos dos Documentos Dirigidos a Fliess. Projeto para uma

Psicologia Científica. IN: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. I) pp. 381-517, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1974a. A Etiologia da Histeria. In: Obras Psicológicas Completas. Edição

Standard Brasileira, (vol. III) pp.217-249, Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1972a. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. In: Obras

Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. VII) pp.129-250, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________, 1972b. Análise de uma Fobia de um Menino de Cinco Anos. In: Obras

Psicológicas Completas . Edição Standard Brasileira, (vol.X) pp.15-154, Rio de janeiro: Imago Editora.

_________,1970. Um Tipo Especial de Escolha de Objeto Feita Pelos Homens.

(Contribuições à Psicologia do Amor 1). In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XI) p.154, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1974b. Sobre o Narcisismo : Uma Introdução. In: Obras Psicológicas

Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XIV) pp.89-119, Rio de Janeiro: Imago Editora.

127

_________,1974c. Os Instintos e Suas Vicissitudes. In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XIV) pp.89-119, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1974d. Luto e Melancolia. In: Obras Psicológicas Completas. Edição

Standard Brasileira, (vol. XIV) pp.275-291, Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1974e. O Inconsciente. In: Obras Psicológicas Completas. Edição

Standard Brasileira, (vol. XIV) pp.191-245, Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1976a. Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica. In: Obras

Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XVII) pp.201-211, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1976b. O Estranho. In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard

Brasileira, (vol. XVII) pp.275-314, Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1976c. Além do Princípio do Prazer. In: Obras Psicológicas Completas.

Edição Standard Brasileira, (vol. XVII) pp.275-314, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1976d. Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In: Obras Psicológicas

Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XVIII) pp.91-179, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1976e. O Ego e o Id. In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard

Brasileira, (vol.XIX ) pp.23-76, Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1976f. Neurose e Psicose. In: Obras Psicológicas Completas. Edição

Standard Brasileira, (vol.XIX ) pp.189-193, Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1976g. A Organização Genital Infantil (Uma Interpolação na Teoria da

Sexualidade). In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XIX) pp.179-184, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1976h. A Dissolução do Complexo de Édipo. In: Obras Psicológicas

Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XIX) pp.217-224, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________, 1976i. Algumas Consequências Psíquicas da Diferença Anatômica

Entre os Sexos. In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XIX) pp. 309-320, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________, 1976j. O Problema Econômico do Masoquismo. In: Obras Psicológicas

Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XIX) pp.199-212, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1976k. Psicanálise: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard

Brasileira, (vol. XX) pp. 301-309, Rio de Janeiro: Imago Editora.

128

_________,1976l. Inibições, Sintomas e Ansiedade. In: Obras Psicológicas Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XX) pp.107-200, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1976m. A questão da Análise Leiga. In: Obras Psicológicas Completas.

Edição Standard Brasileira, (vol. XX) pp.209-293, Rio de Janeiro: Imago Editora _________,1974f. Sexualidade Feminina. In: Obras Psicológicas Completas. Edição

Standard Brasileira, (vol. XXI) pp.259-279 Rio de Janeiro: Imago Editora. _________,1976n. Conferência XXXIII Feminilidade. In: Obras Psicológicas

Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XXII) pp.139-165, Rio de Janeiro: Imago Editora.

_________,1975. Esboço de Psicanálise. In: Obras Psicológicas Completas. Edição

Standard Brasileira, (vol. XXIII) pp.168-237, Rio de Janeiro: Imago Editora _________,1975a .Análise Terminável e Interminável. In: Obras Psicológicas

Completas. Edição Standard Brasileira, (vol. XXIII) pp.247-287, Rio de Janeiro: Imago Editora

GRANGER, G.B., 1994. A Ciência e as Ciências. São Paulo: Editora Unesp. HOLLANDA, A.B., 1994. Dicionário Aurélio Eletrônico. versão 1.3. HOBFOLL,S.E.; RITTER,C.; LAVIN,J.; HULSIZER,M.R.; CAMERON,R.P., 1995.

“Depression prevalence and incidence among inner-city pregnant and post partum women”. In: Journal Consult. Clin. Psychol. 63 (3): 445-453.

IRIARTE, A.,1996. Ser madre en la cuna de la democracia o el valor de la

paternidade. In: Figuras de la Madre. (org. Silvia Tubert).pp: 73-93. Madrid: Ediciones Cátedra.

JADRESIC,E.; JARA,C.; ARAYA,R., 1993. “Depression in pregnacy and puerperium:

study of risk factors”. In: Acta Psiquiatr. Psicol. Am. Lat. 39 (1): 63-74. KITAMURA, T.; SHIMA, S.; SUGAWARA, M. & TODA, M.A. 1996. “Clinical and

psychosocial correlates of antenatal depression: a review.” Psychoterapy and Psychosomatics. 65(3): 117-123.

KLEIN, M., 1996. El Complejo de Edipo a la luz de las ansiedades tempranas. In:

Obras Completas . Amor, Culpa y Reparacion. (vol. 1 ) pp.:372-421. Buenos Aires: Paidós.

KONIAK-GRIFFIN, D.; WALKER, D.S. & TRAVERSAY, J. 1996. “Predictors of

Depression Symptoms in Pregnant Adolescents”. Journal of Perinatology. 16 (1): 69-76.

LACAN, J., 1972. L’Etourdit. Seminário não editado. Tradução de Aloizio Menezes.

129

______, 1985. O Seminário. Livro 20 Mais, Ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Editores. ______, 1986. O Seminário. Livro 1 Os Escritos Técnicos de Freud. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor. ______, 1988. . O Seminário. Livro7 A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. ______, 1990. Seminário 22. R.S.I. (inédito). Cópia reprográfica. ______,1992. O Seminário.Livro 17 O Avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor. ______,1995a. A significação do Falo. In: Escritos. pp. 665-675, Madrid: Siglo

Veintiuno ______, 1995b. Ideas Directivas Para Un Congreso Sobre La Sexualidad Femenina.

In: Escritos. pp. 704-715, Madrid: Siglo Veintiuno Editores. ______, 1995c. El estadio del espejo como formador de la función del yo tal como se

nos revela en la experiência psicoanalítica. In: Escritos. pp. 86-93. Madrid: Siglo Veintiuno Editores.

______, 1995d. La agresividad en psicoanálisis. In: Escritos. pp. 94-116. Madrid:

Siglo Veintiuno Editores. ______, 1995e. De una cuestión preliminar a todo tratamiento posible de la psicosis.

In: Escritos. pp.513-564. Madrid: Siglo Veintiuno Editores. ______, 1996. Seminário 10. A Angústia (inédito). Cópia reprográfica. LAJEUNESSE, B.S., 1989. Em torno do DSM III. In: A Querela dos Diagnósticos. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editor. LAKOFF, G. & JOHNSON, M. 1980. Metáforas de la vida cotidiana. Madrid: Cátedra. LAMBOTTE, M.-C., 1997. O Discurso Melancólico. Rio de Janeiro: Companhia de Freud. LANGER, M., 1964. Maternidad y Sexo. Buenos Aires: Paidós. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B., 1986. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo:

Livraria Martins Fontes Editora. LAPLANCHE, J., 1987. A Angústia. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. ____________, 1988. Castração Simbolizações. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora.

130

LATOUR, B., 1994. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Editora 34. LE GAUFEY, G., 1996. Verbete “Metapsicologia”.In: Dicionário Enciclopédico de

Psicanálise. O legado de Freud a Lacan. (org. Pierre Kaufmann), pp: 338-342. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

LERENA, J. C., 1997. Comunicação oral. LUFT, L., 1984. Mulher no Palco. São Paulo: Siciliano. MILLÁN, T.; YÉVENEZ, R.; GÁLVEZ, M.; BAHAMONDE, M. I., 1990. “A survey of

the depressive symptoms in pregnant women at a urban primary care consultation office”. In: Rev. Med. Chilena. 118 (11): 1230-1234.

MILLAS, D., 1997. Psiquiatría Científica y Psicoanálisis. In: La Depresión y el

Reverso de la Psiquiatría. pp.63-69. Buenos Aires: Eolia-Paidós. MINAYO, M. C. S., 1992. O Desafio do Conhecimento. Pesquisa Qualitativa em

Saúde. São Paulo-Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco. MORIN, E., 1990. Ciência com Consciência. Lisboa: Publicações Europa-América.

_________, 1991. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget.

NASIO, J. D., 1997. O Livro da Dor e do Amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993. Classificação dos Transtornos

Mentais e de Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas.

ORR, S. T. & MILLER, C. A., 1995. Maternal Depressive Symptoms and the Risk of

Poor Pregnancy Outcome. Review of the Literature and Preliminary Findings. In: Epidemiogic Reviews . (vol. 17) 1: 165-171.

PAGLIA, C., 1992. Personas Sexuais. Arte e Decadência de Nefertite a Emily

Dickson. São Paulo: Companhia das Letras. PALMEIRA, G. A. E .S., 1994. A medida da Psique: Uma apreciação das variáveis

utilizadas na investigação dos aspectos psicológicos relacionados ao câncer. Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública como requisito para obtenção do grau de Mestre em Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz.

PAYKEL, E. S., 1991. Depression in Women. British Journal of Psychiatry, 158 (suppl.10) 22-29.

PINHEIRO, T., 1998. O Estatuto do Objeto na Melancolia. In: Cultura da Ilusão.

pp.119-129. Rio de Janeiro: ContraCapa.

131

PRADO JR, B., 1998. Apresentação a obra de John R. Searle. In: O Mistério da Consciência. (John R. Searle). pp.11-20. São Paulo: Paz e Terra.

RABINOVICH, D. S., 1988. El Concepto de Objeto En La Teoria Psicoanalitica. Sus

incidencias en la dirección de la cura. Buenos Aires: Manantial. ROAZEN, P., 1978. Freud e seus Discípulos.pp. 510-529 São Paulo: Editora Cultrix. SALAS, O., 1990. A Feminilidade. Uma revisão da fase fálica. Porto Alegre: Artes Médicas. SAMAJA, J., 1992. La Combinación de Metodos: Pasos para una comprension

dialetica del trabajo interdisciplinario. Educación Med. Salud, 26(1): 1-34. SÉGUIN, L.; POTVIN, L.; LOISELLE, J., 1995, “Chronic Estresseors, Social Support,

and Depression During Pregnancy”. Obstetrics & Gynecology. 4 (vol.85): 583-589.

SIMÕES, R. D.; BARACAT, E. C.; HAIDAR, M. A.; PATRIARCA, M. T.; LIMA, G. R.,

1996. Estrogênio e Depressão. In: Compacta Ginecológica. 11: 4-6. SOLER, C., 1995. Variáveis do Fim da Análise. Campinas: Papirus. SOUZA, O., 1998. A Metapsicologia e as Opções Éticas dos Psicanalistas. In:

Cultura da Ilusão. pp.81-92. Rio de Janeiro: ContraCapa. STENGERS, I., 1990. Quem tem Medo da Ciência? Ciências e Poderes. São Paulo: Siciliano. ____________, 1992. La Volonté de Faire Science. À propos de la psychanalyse.

France: Delagrange. STYRON, W., 1990. Perto das Trevas. Rio de Janeiro: Rocco. TOLEDO, R. P., 1998. Duas Histórias de Mulheres. Revista VEJA. 5 DE AGOSTO

DE 1988. p. 162. São Paulo: Editora Abril. TUBERT, S. 1996. Mulheres Sem Sombra. Maternidade e Novas Tecnologias

Reprodutivas. Rio de Janeiro. Editora Rosa dos Tempos. _________, 1996. Apresentação. In: Figuras de la Madre.(org. Silvia Tubert) pp: 7-

37. Madrid: Ediciones Cátedra. VAZ, N. M. & FARIA, A. M. C., 1993. Guia Incompleto de Imunobiologia. Imunologia

como se o organismo importasse. Belo Horizonte: Coopmed.

132

WELLDON, E. V., 1991. Psychology and Psychopathology in Women- A Psychoanalytic Perspective. British Journal of Psychiatry, 158 (10): 85-92.

WIDLÖCHER, D., 1994. Métapsychologie et Auto-Analyse. In: Rommage à Didier

Anzieu. (org. Renè Kaes) pp: 121-127. Paris: Dunod. WINNICOTT, D. W., 1996. Os Bebês e suas Mães. São Paulo: Martins Fontes. ZARIFIAN, E. 1989. Um diagnóstico em psiquiatria: para quê? In: A Querela dos

Diagnósticos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. ZUCKERMAN, B.; AMARO, H.; BAUCHNER, H.; CABRAL, H., 1989. “Depressive

Symptoms during pregnancy: Relationship to poor health behavior”. In: American Journal Obstet. Gynecol. 160: 1107-1111.

ZUCKERMAN, B.; BAUCHNER, H.; PARKER, S.; CABRAL H., 1990. “Maternal Depressive Symptons during Pregnancy and Newborn Irritability”. In: Journal Dev. Behav. Pediatr. 11: 190-194.

Dados da Autora Marcia Zucchi é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo em 1976. É também psicanalista filiada à Escola Brasileira de Psicanálise-

Seção Rio, e Mestre em Ciências da Saúde, área de especialização saúde mental

da mulher, pelo Instituto Fernandes Figueira – FIOCRUZ. Atua na clínica

psicanalítica desde 1983. Tem artigos publicados na área e este seu livro de

estréia é resultado da pesquisa realizada para obtenção do grau de Mestre.

Considerando que os afetos depressivos podem ser freqüentes, mesmo

em gravidezes desejadas, a autora buscou, na teoria psicanalítica, os elementos

da dinâmica própria à sexualidade feminina que pudessem responder por estas

manifestação. Neste percurso são levantadas as principais formulações teóricas

de Freud e Helene Deutsch quanto à maternidade em sua relação com a

sexualidade feminina. São assinaladas, ainda, as permanências e transformações

da teoria de Freud relativas à melancolia, uma vez que este aparato conceitual é

uma das principais referências para o estudo da depressão no campo

psicanalítico. A autora recorre, também, à teorização lacaniana sobre o feminino

para, com ela, articular a experiência da passagem à condição de mãe - através

da gestação – com o estranhamento, tal como descrito por Freud. A dor psíquica é

tratada,por fim, como o efeito da “exigência de trabalho” que esse estranhamento

impõe ao aparelho psíquico da gestante.