entre o machado do curupira e gameleiras - Locus UFV

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ADAILTON DAMIÃO DOS SANTOS ENTRE O MACHADO DO CURUPIRA E GAMELEIRAS ENCANTADAS: CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, TERRITÓRIO E IDENTIDADES NA SERRA DO BRIGADEIRO, ZONA DA MATA MINEIRA (1976 a 2006) Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, para obtenção do título de Magister Scientiae Orientador: Leonardo Civale VIÇOSA MINAS GERAIS 2019

Transcript of entre o machado do curupira e gameleiras - Locus UFV

ADAILTON DAMIÃO DOS SANTOS

ENTRE O MACHADO DO CURUPIRA E GAMELEIRAS ENCANTADAS: CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, TERRITÓRIO E

IDENTIDADES NA SERRA DO BRIGADEIRO, ZONA DA MATA MINEIRA (1976 a 2006)

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, para obtenção do título de Magister Scientiae Orientador: Leonardo Civale

VIÇOSA – MINAS GERAIS 2019

Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da Universidade Federal de Viçosa- Campus Viçosa

T Santos, Adailton Damião dos, 1975- S237e 2019

Entre o machado do curupira e gameleiras encantadas: conservação da natureza, território e identidades na Serra do Brigadeiro, Zona da Mata Mineira (1976 a 2006) / Adailton Damião dos Santos. - Viçosa, MG, 2019.

229f.: il. (algumas color.); 29 cm. Inclui anexos. Orientador: Leonardo Civale. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Viçosa. Referências bibliográficas: f.196-206. 1. Florestas - Conservação - Minas Gerais. 2. Ambientalismo - Aspectos

sociais. 3. Índios Puri - Identidade étnica. 4. Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Engenharia Florestal. 5. Parque Estadual Serra do Brigadeiro (MG) - Condições rurais. I. Universidade Federal de Viçosa. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania. II. Título.

CDD 22 ed. 363.70098151

ADAILTON DAMIÃO DOS SANTOS

ENTRE O MACHADO DO CURUPIRA E GAMELEIRAS ENCANTADAS: CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, TERRITÓRIO E

IDENTIDADES NA SERRA DO BRIGADEIRO, ZONA DA MATA MINEIRA (1976 a 2006)

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, para obtenção do título de Magister Scientiae

Aprovada: 12 de dezembro de 2019.

Assentimento:

____________________________________________________

Adailton Damião dos Santos Autor

____________________________________________________

Leonardo Civale Orientador

À memória da minha mãe,

nascida no Córgo da Piúna,

crescida na Serra do Tabuleiro,

tataraneta de Índia Puri

À minha irmã – guerreira!

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu orientador Leonardo Civale, coautor dessa

dissertação e sempre generoso nas suas inúmeras contribuições. A ele devo o contato com os

conceitos da geografia, que fundamentam parte desse trabalho, além dos comentários e

observações sempre precisos e instigantes sobre os fundamentos históricos da minha “aventura”

pela Serra dos Arrepiados.

Mas, esse trabalho foi iniciado com a orientação da Professora Priscila Dorella, a

quem agradeço a sugestão dos primeiros passos para coleta de fontes e sistematização das

mesmas, um impulso inicial sempre enche os pulmões de ar e o corpo de energia. Nesse

caminho também reencontrei o Helton Nonato de Souza, amigo de longa data, e conheci a

Carolina Marotta pessoalmente, já que seus escritos eram parte das minhas leituras há alguns

anos, ambos foram fundamentais para que o trabalho, desde a qualificação, adquirisse a forma

e o conteúdo atual, gratidão a vocês por me mostrarem tantas possibilidades de caminho para o

trabalho e por me apresentarem críticas sempre tão bem fundamentadas. Ao Ely Bergo de

Carvalho, que generosamente fez parte da banca de defesa da dissertação e me apresentou

excelentes contribuições conceituais – obrigado por contribuir com essa caminhada!

Agradeço a todos aos colegas da minha turma de mestrado, pessoas vindas de todos

os lados e com formações diversas, o que fez as aulas e os debates serem muito proveitosos. De

maneira especial agradeço à Paty, que sempre auxiliou a todos nas questões burocráticas que

surgiram, com generosidade e eficiência; a Amandinha, a quem contei tantos lamentos; a Janice,

que contribui com muitos textos e sugestões, a Ana Paula, que compartilhou comigo tantas

informações e uma viagem à Costa Rica (Pura Vida!); ao Herbert, com sua fala pausada, sempre

tão solicito para oferecer seus conhecimentos cartográficos e ao Ronaldo, que alegra qualquer

ambiente tenso. Obrigado turma!

Estou grato e esperançoso com a administração atual do Parque Estadual do

Brigadeiro (PESB), que tem aberto o parque à comunidade e promovido diversas ações para

aproximar-se do “Povo da Mata”. Parabéns pela atitude, enfim, esse parque foi construído junto

à população que vive no seu entorno – é a sua história! Na sede do PESB fui prontamente

atendido pela Rose, atual administradora da Unidade de Conservação, e pelo Chico da Mata,

que muitas histórias tinha pra contar.

Mas, se o texto não está repleto de ideias sem sentido é porque a correção passou

pelos olhos atentos de duas amigas, Eloisa Barbosa e Marizabel Pacheco, que tantas vezes leram

essa dissertação, em suas várias versões. Também tive outros dois leitores a quem agradeço o

incentivo para continuar escrevendo e me aventurando pela serra, obrigado Seu Rodolfo e Carol

Gonçalves. Mas, incomodei também a Rogéria Castro, que me passou informações importantes

sobre o Turismo de Base Comunitária. À Isabela Andrade, que leu as versões iniciais deste

trabalho com o entusiasmo de amiga e o olhar crítico de geógrafa. Ao Eduardo Santos

(coordenador do Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa) e sua equipe

de trabalho, que sempre auxiliaram-me com as fontes e as memórias “ufevianas”, facilitando e

orientando a busca da documentação adequada para as hipóteses que surgiram ao longo da

pesquisa. Ao Fellipe Fazionato e ao Renan Freitas que generosamente elaboraram e reelaboram

os mapas que constam nesse trabalho. Também ao Mateus Paes que, com sua energia, olhar

artístico e competência, subiu a serra comigo mais de uma vez, sem ele as falas dos informantes

da Trilha das Dores não seriam registradas e meu “Produto Final” não teria sido construído.

Aos alunos e alunas da Escola Estadual Dom Francisco das Chagas e da Escola Municipal da

Serrania, que andaram por todos os lados trazendo informações para o Inventário Participativo

da “santa que faz chover”; ao professor e historiador Luiz Fernando, por ter motivado seus

alunos da Serrania para produzir e coletar memórias sobre a Trilha das Dores. Ao Renato Matta

(Casa da Cultura de Miradouro) e à Aída Sant´Anna (Casa da Cultura de Ervália), por terem

acreditado, incentivado e participado da elaboração do inventário. Ao Kamilo Castro e ao Ivan

Lopes por cederam seus registros visuais sobre a Serra dos Arrepiados. Ao Júlio Cézar e a

Jacqueline Salgado, que me apresentaram a Gameleira Encantada do Zé Regino, décadas atrás.

Nessa trajetória conheci ainda a obra e as lutas da minha Tsatêh Aline Rochedo

Pachamama, que incentivou-me na busca da oralidade do nosso povo Puri, dando voz aos

nossos ancestrais, com suas rochas, rios, árvores e afetos... Gratidão!

Sou grato a todos que me receberam nas suas casas e vidas, nas minhas andanças

pela serra, gente generosa e acolhedora (Criszaler, Aninha, Rosiane, Dona Justa, Alberto e

Hélia). Na mesma serra conheci pessoas de todo tipo, que fizeram-me entender quem era o

“Povo da Mata”, com suas falas e memórias: o Seu Neném Lupin, Seu Dico Simão, Dona

Justina, Seu Eugênio Belo, Dona Cacarra, Seu Ancelmo Sanfoneiro, Dona Vicenza, Dona

Nadir, Seu José Ramos, Seu Jair, Seu Zé Lindolfo, Dona Antônia, Ana Leila, Seu Antônio do

Juca, Seu Adão, Andréia Lima, Conceição Fonseca, Dona Maricota, Seu Tito, Madalena

Martins, Seu Chiquinho Martins, Seu Ladinho, Dona Joana, Seu Chiquinho Serafim e Seu Zé

Santim (In Memoriam - que agora mora aos pés da sua Árvore Encantada). Também aos

professores do Departamento de Engenharia Florestal, Wantuelfer Gonçalves e Capitão

Alfenas, que, fizeram-me, com suas falas e publicações, entender os caminhos a seguir.

Nesses três últimos anos me aproximei como nunca dos meus familiares e a eles e

elas agradeço o apoio incondicional: minha irmã Vanderléia, o Gilson, a Elisângela, a Iersa, a

Larissa, o Robson, o Adilson, o Gabriel, a Eliane, a Nathália, o Edilson, a Cássia, a Mariana e

ao Lucas e ao Daniel, que sempre me faziam pausar, depois de horas abduzido na mesa de

estudos: “Tio Dadá, vamos brincá?”. Que sorte tenho, não tive tempo pra solidão; percorri essa

estrada com muita gente!

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Curupira — Que pancada surda é essa, no meio da mata?

— É Curupira que bate no tronco, pra ver se ele resiste ao temporal. Tá avisando a árvore pra se cuidar.

(Carlos Drummond de Andrade, 1983)

Arvores mais usuais e paus de que mais se usa deles (...) Pau chamado gameleira, que também por outro nome se chama airova

(Códice Costa Matoso, 1750)

RESUMO

SANTOS, Adailton Damião dos, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, dezembro de 2019. Entre o Machado do Curupira e Gameleiras Encantadas: Conservação da Natureza, Território e Identidades na Serra do Brigadeiro, Zona da Mata Mineira (1976 a 2006). Orientador: Leonardo Civale.

As narrativas produzidas por engenheiros e técnicos florestais do Departamento de Engenharia

Florestal da Universidade Federal de Viçosa revelam os debates sobre silvicultura e

conservação da natureza no ensino, na pesquisa e na extensão daquela universidade. A trajetória

da engenharia florestal pode ser representada pela coexistência de projetos nos anos de 1960,

aparentemente antagônicos para as florestas de Minas Gerais – produzir carvão vegetal para

alimentar os fornos das siderúrgicas e conservar o que restava da Mata Atlântica no estado. As

pesquisas para produção de essências florestais exóticas, preponderantemente o eucalipto, no

entendimento científico florestal (fazedores de Florestas) daquelas décadas, solucionaria tal

dilema, mantendo o progresso como imperativo e aliado da conservação, baseando-se no

modelo conservacionista do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. No final dos

anos de 1970, a Serra do Brigadeiro vai tornar-se o alvo desse movimento dialético das ciências

florestais da UFV, passando à proposição de criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro.

Os debates de ideias dos proponentes (cientistas e ambientalistas), frente as reivindicações das

comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro, sobretudo durante a demarcação das áreas do

parque nos anos de 1990, e a implantação do seu Plano de Manejo nos anos de 2000, fortalecem

os laços comunitários da luta entre os agricultores da entorno da Unidade de Conservação, no

entendimento de que a defesa pelo direito ao uso das terras passava necessariamente pelo

reconhecimento das identidades arraigadas ao seu território. Essas identidades, em muitos

aspectos vinculadas aos povos originários Puri, continuam existindo e resistindo na Serra dos

Arrepiados com suas vozes que vêm da mata, da cura pelas plantas, das pedras, dos córregos,

dos bichos e das gameleiras encantadas. Ali, na Serra dos Arrepiados, onde a floresta não é

apenas um recurso, mas a moradia e o território dos símbolos e vivências do Povo da Mata.

Palavras-chave: Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de viçosa

(DEF/UFV). Parque Estadual Serra do Brigadeiro (PESB). Conservacionismo.

Socioambientalismo. Território Rural Serra do Brigadeiro. Territorialização. Identidade Puri.

ABSTRACT

SANTOS, Adailton Damião dos, M.Sc., Federal University of Viçosa, December, 2019. Between Curupira’s Axe and Enchanted Gameleiras Trees: Nature Conservation, Territory and Identities on Serra do Brigadeiro, Zona da Mata Mineira (1976 a 2006). Advisor: Leonardo Civale.

The narratives produced by engineers and forest technicians of the Department of Forest

Engineering at the Federal University of Viçosa reveal debates on silviculture and nature

conservation, in the teaching field, research and extension of that university. From then on, the

trajectory of forest engineering can be represented by the coexistence of projects in the 1960s,

apparently antagonistic to the forests of Minas Gerais - one producing charcoal to feed the steel

mills and the other conserving what was left of the Atlantic Forest in the state. The research for

the production of exotic forest essences, predominantly eucalyptus, in the understanding

scientific forestry of those decades, would solve this dilemma, maintaining progress as an

imperative and conservation ally, based on the conservation model of the Brazilian Institute of

Development Forestry. In the late 1970s, Serra do Brigadeiro became the target of this dialectic

movement of forest sciences at UFV, proposition the establishment of Serra do Brigadeiro State

Park. The debates of ideas of the proponents (scientists and environmentalists), from the

protests of the communities around “Serra do Brigadeiro”, especially during the demarcation

of the park areas in the 1990s and the implementation of its Management Plan in the 2000s,

strengthen the community ties of the struggle between farmers of the Conservation Unit, in the

understanding that the defence for the rights of the land usage, required the recognition of

identities rooted in their territory. These identities, in many ways linked to the populace Puri,

continue to exist and resisting at “Serra dos Arrepiados” with their voices coming from the

woods, the healing plants, the rocks, streams, animals and enchanted “gameleiras” trees. There,

in the “Serra dos Arrepiados”, where the forest is not only a resource, but the dwelling and the

territory of the symbols and experiences of a populace “Povo da Mata”.

Keywords: Department of Forest Engineering at the Federal University of Viçosa (DEF/UFV).

Serra do Brigadeiro State Park (PESB). Conservationism, Socio-environmentalism. Serra do

Brigadeiro Rural Territory. Territorialization. Puri Identity.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

- FIGURA 1 – Fotografia de Jequitibá vermelho com 7,15 m de circunferência na base e 20 m

de altura aproveitável, apresentado no Relatório do Professor Arlindo de Paula Gonçalves,

1940 ....................................................................................................................................... 53

- FIGURA 2 – Fotografia da base do tronco do jequitibá, apresentado no Relatório do Professor

Arlindo de Paula Gonçalves, 1940 ......................................................................................... 54

- FIGURA 3 – Logotipo da Campanha Integrada de Reflorestamento, 1965 ......................... 62

- FIGURA 4 – Capa da Revista Informe Agropecuário (Número dedicado ao PRODEMATA),

1981 ....................................................................................................................................... 72

- FIGURA 5 – Estrutura do Departamento de Recursos Naturais Renováveis da ESF, 1972.

................................................................................................................................................ 75

- FIGURA 6 – Área Proposta para o Parque Biológico da UFV, 1972 ................................... 78

- FIGURA 7 – Curupira Montado no Caititu, 1967 ................................................................. 80

- FIGURA 8 – Transporte de Toras da Agro Madeireira Peres, São Pedro dos Ferros (MG),

1952 ....................................................................................................................................... 90

- FIGURA 9 – Teleférico Utilizado pela Cia. Belgo Mineira para Baldeio de Madeira para

Produção de Carvão Vegetal, década de 1950 ....................................................................... 92

- FIGURA 10 – “O machadeiro, Seu Machado e Sua Residência no Seio da Mata, às Margens

do Rio Matipó”, 1940 ............................................................................................................ 93

- FIGURA 11 - O Machadeiro e o Tronco do Jequitibá, 1934................................................. 94

- FIGURA 12 – Logomarca Web da Prefeitura Municipal de Araponga ............................... 117

- FIGURA 13 – Brasão Oficial do Município de Miradouro ................................................. 128

- FIGURA 14 – Pensão Dona Eva, em Bom Jesus da Madeira no ano de 2005, Foto Frederico

Brumano, 2005 .................................................................................................................... 141

- FIGURA 15 – Pensão Dona Eva, em Bom Jesus da Madeira no ano de 2019, disponível na

web (sem crédito) ................................................................................................................ 141

- FIGURA 16 – Cartaz do 3º Terreiro Cultural, Sericita ........................................................ 146

- FIGURA 17 – A Árvore de Pau Barrigudo e Seu Amigo Ancião, foto Adailton D. S., 2019

.............................................................................................................................................. 162

- FIGURA 18 -– A Árvore de Pau Barrigudo e Seu Amigo Ancião, foto Adailton D. S., 2019

.............................................................................................................................................. 162

- FIGURA 19 – Cará de Rama e Inhame, colhidos na horta e secando ao sol, foto Adailton D.

S., 2019 ................................................................................................................................ 164

- FIGURA 20 – Gameleira Encantada da Capela de Nossa Senhora das Dores, Sítio Catinga,

Ervália, foto Adailton D. S., 2019 ........................................................................................ 167

- FIGURA 21 – Cruzeiro na Estrada da Serra do Tabuleiro, foto Adailton D. Santos, 2019

.............................................................................................................................................. 174

- FIGURA 22 -– Cruzeiro na Divisa de Propriedade Rural Com a Estrada da Serra do Tabuleiro,

foto Adailton D. S., 2019...................................................................................................... 175

- FIGURA 23 – Casa Típica da Serra das Dores (com terreiro de café na porta da sala), foto

Adailton D. S., 2019............................................................................................................. 175

- FIGURA 24 – Placa do PESB, foto Adailton D. S., 2019 ................................................... 176

- FIGURA 25 – Capela de Nossa Senhora das Dores, com Terreiro para Celebrações, foto

Adailton D. S., 2019 ............................................................................................................ 179

- FIGURA 26 – Capela de Nossa Senhora das Dores, com Terreiro para Celebrações, foto

Adailton D. S., 2019 ............................................................................................................ 179

- FIGURA 27 – Romaria das Dores de 2014, foto Ivan Lopes............................................... 180

- FIGURA 28 – Romaria das Dores de 2014, foto Ivan Lopes .............................................. 181

- FIGURA 29 – Troca de Santos (Nossa Senhora das Dores e Senhor dos Passos), foto Ivan

Lopes, 2014 ......................................................................................................................... 162

- FIGURA 30 – Roda de Conversa & Reflexão Realizada Ao Pé da Serra, Antes da Subida,

foto Mateus Paes................................................................................................................... 183

- FIGURA 31 – Renato Matta Apresentando o Corpo Original da Imagem de nossa Senhora

das Dores – Estrutura de Roca em Destaque, foto Aída Sant`Anna ..................................... 185

- FIGURA 32 – Registro Fotográfico da Entrevista Com o Sr. Antônio do Juca, comunidade

das Dores, foto Mateus Paes ................................................................................................ 187

- FIGURA 33 – Registro Fotográfico da Entrevista Com o Sr. Tito e Dona Antônia,

comunidade do Careço, foto Mateus Paes............................................................................ 188

LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS

- TABELA 1 – Parques Nacionais Criados entre 1979-1989 .................................................. 39

- TABELA 2 – Temas das Monografias do DEF (1985-2003) .............................................. 113

- TABELA 3 – Produto Interno Bruto dos Municípios do Território Rural Serra do Brigadeiro,

Ano 2000 ............................................................................................................................. 126

- QUADRO 1 – Fórmula para Cubagem Científica de Toras de Madeira ............................... 54

- GRÁFICO 1 - Plano Trienal de Produção de Mudas para a CIR. ........................................ 64

- GRÁFICO 2 - Reflorestamento por Espécies na Zona da Mata Mineira (1967-1973). ....... 64

- GRÁFICO 3 - Temas Monográficos do DEF Ligados à Conservação e Uso dos Recursos

Naturais ............................................................................................................................... 114

LISTA DE MAPAS

- MAPA 1 – Mapa de Localização dos Informantes ................................................................ 28

- MAPA 2 – Mapa de Sugestão para Criação do PESB, 1978 ................................................ 101

- MAPA 3 – Área atual do PESB e área inicial baseada na “Cota Mil” ................................. 108

- MAPA 4 – Mapa Planialtimétrico do PESB e Municípios que compõem o Território Rural da

Serra do Brigadeiro ................................................................................................................... 115

- MAPA 5 – Marcha da Frente de Povoamento da Zona da Mata Mineira (1830 – 1870) ....... 149

- MAPA 6 – Bandeiras e Descobertos Auríferos nos Sertões da Capitania do Rio de Janeiro,

Fins do Século XVII e Início do XVIII ................................................................................... 152

- MAPA 7 – Mapa de Trilha de Nossa Senhora das Dores ..................................................... 178

LISTA DE SIGLAS

ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais

ACH-UFV – Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa

ACESITA – Companhia de Aços Especiais Itabira

APA – Áreas de Proteção Ambiental

ARIE – Áreas de Relevante Interesse Ecológico

CIR – Campanha Integrada de Reflorestamento

CTA-ZM – Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata

DEF – Departamento de Engenharia Florestal (a partir de 1978)

DRNR – Departamento de Recursos Naturais Renováveis

DRP – Diagnóstico Rápido Participativo

CAF – Companhia Agro Florestal

CVRD – Companhia Vale do Rio Doce

EMATER-MG - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais

ENF – Escola Nacional de Floresta (1960-1963)

EPAMIG – Empresa de Pesquisas Agropecuárias de Minas Gerais

ESAL – Escola Superior de Agricultura de Lavras

ESAV – Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (1926-1948)

ESEC – Estação Ecológica

ESF – Escola Superior de Floresta (1964-1978)

FAFILE – Faculdade de Filosofia, ciências e Letras de Carangola

FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Food and Agriculture

Organization)

FETAEMG – Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais

FBCN – Fundação Brasileira para Conservação da Natureza

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBC – Instituto Brasileiro do Café

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IEF – Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais

IEPHA-MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MDA – Ministério de Desenvolvimento Agrário

MNRJ – Museu Nacional do Rio de Janeiro

NWF – Federação Nacional da Vida Selvagem (Nacional Wildlife Federation, USA)

PERD – Parque Estadual do Rio Doce

PESB – Parque Estadual da Serra do Brigadeiro

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento: I PND (1972-1974) e II PND (a partir de 1974)

PRODEMATA – Programa de Desenvolvimento Integrado da Zona da Mata

PRONAT – Programa de Desenvolvimento de Territórios Rurais Brasileiros

RDS – Reservas de Desenvolvimento Sustentável

RESEC – Reservas Ecológicas

RESEX – Reservas Extrativistas

RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural

SAF – Sistemas Agroflorestais

SDT – Secretaria de Desenvolvimento Territorial

SFB – Serviço Florestal Brasileiro

TSB – Território Rural da Serra do Brigadeiro

UFV – Universidade Federal de Viçosa (desde 1969)

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

UREMG – Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (1948-1969)

USAID – Agências dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (United States

Agency for International Development)

1

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO – ................................................................................................................. 20

Objetivos da Dissertação ................................................................................................ 23

Hipóteses Levantadas ..................................................................................................... 24

Fontes e Metodologia ...................................................................................................... 25

Utilitarismo e Conservação da Natureza na História do Brasil .................................. 30

CAPÍTULO 1 – AS FABULOSAS FLORESTAS ÚTEIS: SILVICULTURA E

CONSERVAÇÃO DA NATUREZA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA .. 44

1.1 – Os Fazedores de Florestas: programas e campanhas da Escola Superior de

Florestas ............................................................................................................................ 57

1.2 – Fazendo Floresta, Construindo Paisagens ............................................................. 69

1.3 – O Conservacionismo Curupira na Escola Superior de Florestas nas Décadas de

1960 e 1970 ........................................................................................................................ 73

1.4 – Reivindicando Laboratórios: as reservas florestais entram em cena .................. 81

CAPÍTULO 2 – OLHARES SOBRE A SERRA: FISCALIZAR, PLANEJAR E

TRANSFORMAR A SERRA DO BRIGADEIRO EM PARQUE .................................... 85

2.1 – Para Que a Serra Não Vire Carvão – do embargo da contravenção à sugestão do

parque .............................................................................................................................. 87

2.2 – O Parque Esbarra nas Comunidades – a questão da “Cota Mil” ....................... 98

2.3 – O Sociambientalismo e a Engenharia Florestal da UFV .................................... 109

2.4 – O Planejamento Participativo e a Voz das Comunidades no Plano de Manejo do

Parque Estadual da Serra do Brigadeiro ..................................................................... 115

CAPÍTULO 3 – A IDENTIDADE DO POVO DA MATA E AS POLÍTICAS

TERRITORIAIS NA SERRA DOS ARREPIADOS ....................................................... 122

3.1 – Caracterização do Território Rural Serra do Brigadeiro .................................. 125

3.2 – Do PESB ao Território Rural Serra do Brigadeiro ............................................ 129

3.2.1 – Promoção da Agricultura Familiar Diversificada ................................. 133

3.2.2 – Recuperação e Preservação Ambiental .................................................. 135

3.2.3 – Promoção do Turismo Rural Sustentável ............................................... 138

3.2.4 – Promoção da Agroindústria Familiar e do Artesanato ......................... 141

3.2.5 – Resgate e Valorização da Cultura ........................................................... 142

3.3 – A Serra dos Arrepiados - entre a desterritorializações e a resistência .............. 147

3.4 – A Identidade do Povo da Mata da Serra do Arrepiados ..................................... 157

CAPÍTULO 4 – A SERRA DOS ARREPIADOS E A SANTA QUE FAZ CHOVER

(PRODUTO FINAL) ......................................................................................................... 172

4.1 – Análise da Relação Entre a Santa e a Serra ......................................................... 178

4.2 – Inventário Participativo da Romaria e da Trilha das Dores .............................. 181

4.2.1 – A caminhada pela trilha e o diálogo entre as comunidades ................... 182

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 189

6 – FONTES E ARQUIVOS UTILIZADOS .................................................................... 191

- Revistas, Informativos e Boletins .......................................................................... 191

- Arquivo Central e Histórico da UFV (ACH-UFV) ............................................... 191

- Documentação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro ............................... 194

- Documentação do Território Rural Serra do Brigadeiro .................................... 194

7 – ENTREVISTAS REALIZADAS ................................................................................ 195

8 – BIBLIOGRAFIA ANALISADA ................................................................................. 196

9 – ANEXOS ....................................................................................................................... 207

Anexo I – Análise da Capa do Boletim “Reflorestamento, Programa Impacto para a

Zona da Mata de Minas Gerais” – 1972 .................................................. 207

Anexo II – Brasões dos Municípios que Compõem o Território Rural Serra do

Brigadeiro ................................................................................................. 208

Anexo III - A Trilha das Dores e a Santa que Faz Chover – livreto e Audiovisual

(Produto Final) ......................................................................................... 209

20

INTRODUÇÃO:

Buscando entender o que se pensava sobre a conservação da natureza, chegamos

primeiramente aos silvicultores, que mais tarde viriam a ser chamados engenheiros florestais,

da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Encontramos visões sobre o “sertão” e seus

habitantes, julgados “rústicos”, “indolentes”, “predadores” e “imediatistas”. Encontramos

também fórmulas, métodos e discursos para tornar esse “homem do sertão” mais ágil, produtivo

e empreendedor; com programas e campanhas educativas. Encontramos ipês, enormes troncos

de jequitibá e eucalipto, muito eucalipto! Andamos um pouco mais, “futicamos” em papéis

antigos, vimos acordos nacionais e internacionais pra fazerem as florestas serem produtivas;

vimos cientistas fazendo florestas. Vimos o Campus da UFV ficar bonito como ele é, com uma

linda lagoa e muitas matas, fruto do trabalho intelectual dos Fazedores de Florestas. Lemos

sobre intrigas e conchavos, que “roubaram’ da UREMG a Escola Nacional de Florestas. Vimos

a Escola Superior de Florestas surgir e seu currículo se organizar. Ouvimos queixas sobre os

desonestos donos de alçapões e gaiolas, que tentavam levar a fauna do campus para casa – Ah,

esses inescrupulosos e egoístas! Ouvimos o alarido na mata, quando o machado do Curupira

assustou o predador. Andamos poucas dezenas de quilômetros e vimos a Serra do Brigadeiro

virar carvão e ainda tivemos tempo para ouvir as machadadas compassadas dos machadeiros e

o barulho das roldanas do teleférico. E, quando a Polícia de Vigilância Rural chegou,

registramos o desalojo da Companhia e a mata resiliente ganhando forma outra vez. Ouvimos

atentamente a emoção do Capitão Alfenas contando como imaginou uma área de proteção

naquelas matas risilientes. Calculamos índices e projetos de centenas de monografias e

percebemos o avanço do Socioambientalismo – vimos, e como vimos, o CTA atuar. Mas

também paramos diante dos protestos e reivindicações das populações ameaçadas de expulsão

da serra e ficamos imaginando como deve ter sido trazer esse povo da serra para discutir o Plano

de Manejo do parque. Salientamos que o povo da serra foi ouvido, mas não sem se organizar.

Acompanhamos o empenho do CTA em fazer a Serra do Brigadeiro ser reconhecida como

território – e o fez. Vasculhamos a documentação para entender que território era esse, o

Território Rural da Serra do Brigadeiro, com sua gente, sua economia e sua cultura. Assistimos

apresentações do Folguedo dos Arrepiados, reivindicando a história dos povos originários Puri.

Fizemos uma longa digressão para entender que povo é esse e encontramos um povo

desterritorializado e com suas memórias silenciadas; ainda continuamos perguntando: quem é

o tal do Brigadeiro que rebatizou a Serra dos Arrepiados? Fomos buscar os sentidos da natureza

para os “índios” da serra e topamos com as falas do Povo da Mata, com seu tatu sagrado e suas

21

gameleiras encantadas. Ainda tiramos um tempinho para caminhar até a Serra das Dores e nos

assombramos com a fé daquele povo e com aquela santa que, quando vira para o outro lado da

serra, faz chover. Por fim, juntamos tudo o que vimos, ouvimos, lemos, imaginamos, e

organizamos em quatro capítulos, naquela esperança que aprendemos nas nossas andanças pela

Serra dos Arrepiados – nunca é tão longo o caminho, apenas devemos ter a perseverança em

chegar do outro lado.

No primeiro capítulo discutimos os caminhos percorridos pela silvicultura dentro

da ESAV/UREMG, com foco no ensino das ciências florestais, no fomento à produção de

madeira para a indústria siderúrgica e na construção da identidade dos cientistas florestais

responsáveis pela tarefa – os Fazedores de Florestas. Seguindo a tradição extensionista do

modelo Land Grand College1 da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa,

ensinava-se as práticas do uso das florestas aos agricultores, objetivando afastá-los da sua

“ignorância” e “espírito predador” e capacitando-os para extrair e/ou produzir de forma

científica e racional os recursos das matas. Plantar as áreas desmatadas e aproveitá-las ao

máximo com espécies de rápido crescimento também foi um modelo aplicado amplamente

neste período, assim ocorre na Campanha Integrada de Reflorestamento (CIR) e no Programa

de Desenvolvimento da Zona da Mata (PRODEMATA). Por outro lado, surgem também os

discursos e práticas para conservação da natureza dentro da Escola Superior de Florestas (ESF),

tendo sua atuação inicial dentro do campus universitário, denunciando a contravenção de

animais e a degradação ambiental nos terrenos da universidade e propondo a criação de reservas

para os estudos das ciências florestais. Visando ampliar sua atuação conservacionista, os

professores da ESF criam em 1967 o Centro Mineiro para Conservação da Natureza (CMCN),

que, baseado nos princípios da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza (FBCN) e

tendo o Machado do Curupira como símbolo, vai formular projetos conservacionistas para

Minas Gerais. Propõem-se, portanto, em meados da década de 1970, a criação do Parque

Estadual da Serra do Brigadeiro, que já era preocupação do CMCN desde a sua fundação.

1 In: RIBEIRO, Maria das Graças Martins. “Caubóis e Caipiras: os land grand colleges e a Escola Superior de Agricultura de Viçosa”. Revista História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n.19, abr. 2006. p.105-120. Segundo Denilson Azevedo, na ESAV a estrutura de ensino foi baseada nesse modelo do aprender fazendo, importado dos Estados Unidos por Peter Henry Rolfs, fundador da instituição, Assim, “(...) a escola procurava articular disciplinas do conteúdo teórico, ministradas no Edifício Principal, e prático, dadas nos laboratórios centrais, em laboratórios rurais, nos campos e estábulos”. In: AZEVEDO, Denilson Santos de. Melhoramento do Homem, do Animal e da Semente - o Projeto Político pedagógico da escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (1920-1948): organização e funcionamento. Tese (Doutorado) – pós-graduação em Educação, USP. São Paulo, 2005. p.128.

22

No segundo capítulo analisamos especificamente a atuação do Departamento de

Engenharia Florestal na idealização, criação e implantação do Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro (PESB), expondo suas teorias e práticas conservacionistas2 entre as décadas de 1970

e os anos 2000. Durante este percurso, ocorrem mudanças nos modelos de conservação da

natureza no Brasil, revelando um enfrentamento político e epistemológico entre

conservacionistas e socioambientalistas. Esses debates vão chegar até Viçosa, sobretudo com a

influência do Centro de Tecnologias Alternativas (CTA-ZM), na promoção do uso da terra e

das florestas de forma agroecológica e sustentável. Os processos participativos de criação e

implantação do PESB nos anos de 1990 são fruto destas influências que, em certa medida,

também alcançaram o Departamento de Engenharia Florestal (DEF). Para comprovar nossa

hipótese neste capítulo, de que houve um caminho de crescimento socioambientalista dentro do

DEF, compilamos os temas monográficos apresentados neste departamento entre os anos de

1985 e 2003, analisando quantitativa e qualitativamente os dados compilados em tabelas e

gráficos interpretativos.

No terceiro capítulo analisamos a Serra do Brigadeiro a partir dos projetos

territoriais da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério de

Desenvolvimento Agrário (MDA), iniciados no ano de 2003. A documentação produzida pelo

CTA-ZM para caracterização daquele espaço geográfico como território ofereceu-nos

possibilidades de análise para o entendimento das relações de poder que ali se estavam

configurando e a vinculação dessas relações de poder com o Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro (PESB) e com as comunidades do seu entorno. De forma similar ao que já ocorrera

na implantação do PESB nos anos de 1990, as discussões sobre o território, iniciadas em 2003,

mobilizaram atores sociais diversos na Serra do Brigadeiro, na defesa de uma existência

histórica, pelo uso da terra. Não nos furtamos, ainda, na busca das identidades do Povo da Mata,

resistindo à ocupação do seu território histórico (material e simbolicamente) desde finais do

século XVII, quando iniciou-se um processo contínuo de ocupação e desterritorialização do

Sertão dos Arrepiados. Essas identidades, em muitos aspectos vinculadas aos povos originários

Puri, continuam existindo e resistindo na Serra dos Arrepiados, e a elas buscamos dar vozes.

Vozes que vêm da mata, da cura pelas plantas, das pedras, dos córregos, dos bichos e das

2 Preservacionistas e conservacionistas divergem no entendimento sobre a forma de utilização das áreas protegidas. Para os primeiros, as áreas consideradas “wilderness” devem permanecer livres de qualquer ocupação humana. Os segundos, no entanto, entendem que é necessária a utilização dos recursos naturais das áreas a serem preservadas, garantindo recursos para a geração presente e para as futuras gerações. In: FRANCO, José Luiz de Andrade et DRUMMOND, José Augusto (Org.). História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p.345.

23

gameleiras encantadas. Ali, na Serra dos Arrepiados, onde a floresta não é apenas um recurso,

mas a moradia e o território dos símbolos e vivências do Povo da Mata.

No quarto capítulo descrevemos o produto final da dissertação, exigência curricular

do Programa do Mestrado Profissional “Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania”,

apresentando o livreto “A Trilha das Dores e a Santa Que Faz Chover” e o registro audiovisual

“A Santa Que Faz Chover: a Trilha e a Romaria das Dores”. O dois materiais foram

produzidos a partir do Inventário Participativo, realizado com as alunas e alunos de duas

escolas rurais dos municípios de Ervália e Miradouro (Escola Estadual Dom Francisco das

Chagas e Escola Municipal da Serrania). O objetivo central do inventário foi a coleta e a

produção de documentos (fotos, relatos, desenhos) sobre as simbologias do uso da Trilha das

Dores, para a proposição, junto aos Conselhos do Patrimônio Histórico de Ervália e Miradouro,

do seu registro como Patrimônio Cultural. O uso dessa trilha, que passa pela interior da Unidade

de Conservação Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, mantém vivas as relações de

parentesco e comércio entre o Careço e a Serra das Dores, ainda que seja visto como um ponto

de conflito entre o PESB e essas comunidades. No percurso de aproximadamente 11 Km, a

Trilha dos Dores é o território da realização da Romaria das Dores e da Troca dos Santos,

quando, nos anos de estiagem prolongada, as comunidades de um lado e outro da serra realizam

a caminhada até o alto da montanha para pedir chuva e agradecer as graças recebidas pela

intercessão de Nossa Senhora das Dores – a santa que faz chover.

Objetivos da Dissertação:

O objetivo geral do presente estudo é investigar como o Departamento de Engenharia

Florestal (DEF) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) construiu historicamente suas

práticas pedagógicas e científicas, ligadas à silvicultura e à conservação da natureza, e como

tais práticas interferiram na criação e implantação de uma UC na Serra do Brigadeiro, que vive

historicamente da produção agrícola e onde as comunidades exigiram participar dos debates

sobre a criação a intervenção sobre seu território.

Dar visibilidade à atuação da DEF no longo processo de proposta, criação e implantação

do PESB (1976-2006) nos leva ao entendimento de como se desenvolveu o movimento

conservacionista em Viçosa e sua relação com movimentos mais amplos em Minas Gerais e no

Brasil. Pretende-se entender a complexa relação entre ciência e poder, com seus movimentos

24

de avanços e recuos dentro da intricada rede da produção científica3 e as vozes que ecoaram

desta na defesa da Serra do Brigadeiro. Não descartamos, no entanto, outros agentes históricos

envolvidos no processo de conservação da biodiversidade da Serra do Brigadeiro, tais como o

Centro Mineiro para Conservação da Natureza (CMCN) e o Centro de Tecnologias Alternativas

da Zona da Mata (CTA-ZM), em uma trajetória na qual a Engenharia Florestal da UFV

desenvolve suas ações, entre as décadas de 1970 e os anos 2000, transitando entre o

conservacionismo e o Socioambientalismo.

Hipóteses Levantadas:

- As campanhas de reflorestamento das décadas de 1960 e 1970 na Universidade Rural do

Estado de Minas Gerais (UREMG) foram marcadas pela demanda da indústria siderúrgica de

Minas Gerais, atendida pela monocultura do eucalipto e pela ação dos cientistas florestais da

Escola Superior de Florestas - os Fazedores de Florestas;

- Durante o processo de implantação do PESB, houve um diálogo crescente com as

comunidades do entorno, aproximando os debates produzidos e os resultados obtidos às novas

vertentes ambientalistas surgidas nas décadas de 1980 e 1990 – o socioambientalismo;

- As pesquisas e análises de processos culturais no Departamento de Engenharia Florestal para

a intervenção nas florestas, principalmente a partir da final da década de 1990, vão dar suporte

teórico e metodológico aos pesquisadores daquele departamento, possibilitando o diálogo com

as comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro para a realização de um Planejamento

Participativo na elaboração do Plano de Manejo do PESB;

- A metodologia do planejamento participativo do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona

da Mata despertou nas comunidades do seu entorno uma identidade territorial, ligada à pequena

propriedade agrícola e à ancestralidade do povo originário do entorno da serra – o Povo da

Mata;

- As trilhas do interior do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, mesmo tendo seu uso

questionado desde a criação da Unidade de Conservação, continuaram cumprindo suas funções

social e cultural, ligando as comunidades nos dois lados da serra por meio do comércio, das

relações de parentesco e de práticas religiosas ligadas à natureza.

3 Regina Horta Duarte afirma que na complexa relação entre ciência e poder, a história deve ir além da mera atribuição de papéis de vítimas e algozes. In: DUARTE, 2010. p.163-164.

25

Fontes e Metodologia:

O Departamento de Engenharia Florestal (DEF) produziu uma variada gama de

documentos dentro do aparato acadêmico da Universidade Federal de Viçosa, dentre os quais

se destacam os relatórios anuais de atividades, as solicitações de viagens e despesas, as

prestações de contas, as comunicações internas, os avisos de recebimentos de documentação,

comunicações de orçamentos, informes, programas e relatórios de eventos, informações sobre

cursos oferecidos, programas de cursos, monografias, dissertações e teses defendidas nos seus

departamentos, dentre outros. Em todos esses documentos, alguns oficiais dentro do sistema

educacional da UFV e outros de carácter interno dentro da ESF, encontramos informações sobre

o funcionamento dos departamentos da Escola Superior de Floresta: as disciplinas lecionadas e

os programas das mesmas, a produção acadêmica dos professores, a entrada e saída de

professores visitantes, os convênios com outras instituições. Utilizaremos, portanto, a

documentação buscando traçar os caminhos acadêmicos debatidos nos informes, bem como

estabelecendo as relações entre a ESF e outras entidades, sejam elas ambientais, políticas ou

científicas. Coube-nos buscar em cada um destes documentos, elaborando uma pergunta

apropriada, o esclarecimento sobre algum ponto da pesquisa desenvolvida.

Nos relatórios produzidos anualmente pela direção das unidades acadêmicas da

UFV, por exemplo, buscamos informações referentes às ações da ESF no tocante a

conservação/preservação da natureza, avaliando os posicionamentos teóricos da escola em

relação ao tema, assim como os tipos de ações sugeridas. Já nas monografias, dissertações e

teses buscamos os temas e linhas de pesquisas desenvolvidas nos departamentos, analisando os

caminhos trilhados na defesa da natureza, seja pelo viés da conservação da natureza ou da

utilização dos recursos naturais, de forma sustentável ou não.

Um tipo de documento abundante no Arquivo Central e Histórico da Universidade

Federal de Viçosa (ACH-UFV) são as cartas expedidas e as cartas recebidas pela universidade

e seus departamentos. Com uma linguagem coloquial, por vezes emotiva, estas cartas nos

apresentam pedidos, congratulações, queixas e sugestões. Muitas delas expressam relatos

menos comprometidos com a formalidade institucional, apartando-nos questões de primeira

ordem para o entendimento do fazer cotidiano4 na universidade de Viçosa.

4 Para Michel de Certeau “O corpo deve transformar-se em escritura. Este corpo-livro, relação da vida com o que se escreve, foi do capital o substituto da imortalidade, o corpo reaparece como o instante, simultaneamente da vida e da morte: os dois no mesmo lugar” In: Certeau, Michel de. A Invenção do Cotidiano – a arte de fazer. Tradução Ephraim Ferreira Alves. 3ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. p.300-301. (grifo nosso)

26

Também utilizamos o Plano de Manejo do PESB como fonte para análise da

implantação do parque, destacando o zoneamento do mesmo (Encarte 2), as ações estratégicas

para sua conservação (Encarte 1). No caso específico do zoneamento do parque podemos

destacar as Zonas de Uso Conflitantes, nas quais há divergência entre a população do entorno

e as ações de implantação do PESB, como define o documento do plano: “Constituem-se em

espaços localizado dentro do Parque, cujos usos e finalidades, estabelecidos antes da criação

da Unidade, conflitam com os objetivos de conservação da área protegida”5.

A documentação produzida pela Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA),

pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) e pelo Centro de Tecnologias

Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) para a homologação do Território Rural da Serra do

Brigadeiro (2003), possibilitou-nos analisar as políticas públicas aplicadas sobre o território.

Assim percebemos, as ações planejadas, o alcance dessas ações e o empoderamento identitário

das comunidades do entorno da serra.

Utilizamos também entrevistas que, por meio das técnicas e métodos de análise da

História Oral nos aproximou das memórias das Comunidades da Serra do Brigadeiro, muitas

vezes parte de uma tradição não-escrita, e reivindicadora de uma identidade territorial. O que

buscamos na fala dos informantes é relacionar suas experiências pessoais às memórias coletivas

sobre a Serra do Brigadeiro, pois, “mais do que simples espaços territoriais, os povos herdaram

paisagens e ecologias”6. É, ao mesmo tempo, entender as florestas do parque e do seu entorno

na sua relação com os grupos humanos que ali habitam, analisando os “(...) espaços vividos e

apropriados pelas culturas que as utilizam ou as utilizaram em diferentes épocas”7.

Levantamos as memórias silenciadas do Povo da Mata, registrando suas falas e suas

identidades, ligadas à terra, aos animais e à árvores. Por fim, buscamos dialogar com as

comunidades dos Distritos do Careço (Ervália) e da Serra das Dores (Miradouro) para o

importância da Romaria das Dores, em uma dinâmica espacial e simbólica estabelecida entre

essas comunidade e a Trilha das Dores.

Foram realizadas trinta entrevistas semiestruturadas em dez Comunidades do

entorno da Serra do Brigadeiro8 (Mapa 1). A escolha dos entrevistados foi baseada em

5 Plano de Manejo do PESB, ENCARTE 2. p. 24. 6 AB`SADER, Aziz Nacib. Domínios da Natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo, Ateliê Editorial, 2003. p.10. 7 RUA, J. (Org.). Paisagem, espaço e sustentabilidades: uma perspectiva multidimensional da geografia. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2007. p.19. 8 No Município de Araponga (Comunidade da Fazenda Brigadeiro, Comunidade do Córrego dos Paula, Comunidade do Pico do Boné, Comunidade de Praia Danta, Comunidade da Serra das Cabeças e sede do município), no Município de Fervedouro (Comunidade de Bom Jesus da Madeira), em Miradouro (Comunidade

27

sondagens prévias realizadas nas comunidades, quando foram citados possíveis informantes,

desde pessoas envolvidas no processo de exploração de madeira para carvão para a Companhia

Belgo Mineira nos anos de 1950 e 1960, até pessoas relacionadas aos processo de criação e

implantação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e outras por serem conhecedoras das

culturas locais e reivindicadoras de identidade específica para o território da Serra. No caso

específico dos informantes sobre a Trilha das Dores, vale destacar que esses mantêm uma

relação de uso com a trilha, participando na Romaria das Dores e da Troca de Santos. Outras

três entrevistas foram realizadas, uma na sede da Unidade de Conservação, com um funcionário

do parque e outras duas em Viçosa, com professores do Departamento de Engenharia Florestal,

sendo um deles o responsável pelo embargo do desmatamento da serra em 1970, naquele

momento na função de Delegado de Vigilância Rural de Viçosa.

da Serra das Dores) e Município de Ervália (Comunidade do Careço e Comunidade da Grama). Duas das entrevistas realizadas não constam no mapa do entorno do PESB, por terem sido realizadas na cidade de Viçosa.

28

MAPA 1

29

* Para facilitar o entendimento das variantes históricas dos nomes e siglas da atual Universidade Federal de Viçosa e do atual Departamento de

Engenharia Florestal desta universidade, assim como dos programas tratados no texto, esquematizamos a linha do tempo abaixo:

30

Utilitarismo e Conservação da Natureza na História do Brasil

O historiador Keith Thomas publicou em 1983 o estudo O Homem e o Mundo

Natural, investigando as mudanças das sensibilidades do ser humano em relação ao chamado

mundo natural. Nesta obra, o autor analisa como os ingleses, entre os séculos XVI e XVIII,

submeteram a natureza, domesticando-a e utilizando-a em proveito próprio, seguindo a

descrição do Livro do Gêneses, em que ao homem é dado o protetorado da obra divina da

criação.

Segundo Thomas é somente a partir da Revolução Industrial que ocorre alguma

mudança neste paradigma, quando as cidades industrializadas passam a ser consideradas

impróprias para se viver9 e a natureza é reivindicada como o lugar de relaxamento,

contemplação e lazer: “(...) a nostalgia do morador da cidade refletia-se em seu pequeno

jardim”10. Os jardins das casas levavam o ser humano ao Éden perdido com o pecado original

e os animais e plantas passavam a ser vistos com mais simpatia, conquistando importância

emocional entre os seres humanos. Contudo, é somente com a domesticação destes seres vivos

não humanos que se origina tal simpatia; as florestas e animais não domesticados continuavam

sendo vistos como selvagens e hostis, devendo ser amansados ou eliminados11.

Neste contexto, tornava-se impensável aos reis e proprietários de terras do período

reservarem um santuário para pássaros e outros animais selvagens se não fosse para caçá-los e

comê-los posteriormente12. As florestas tampouco escapariam a esta lógica, sendo suas árvores

exaustivamente utilizadas pela construção naval, construção civil, e como fonte de energia para

a vida cotidiana e para a indústria13. O extermínio sistemático das florestas fez com que a

Inglaterra alcançasse o menor índice de área ocupada por matas da Europa no século XIX14.

Trazendo as discussões para as florestas da América portuguesa, e de forma mais

específica para as análises historiográficas da Mata Atlântica brasileira, Diogo Cabral aponta a

9 As cidades inglesas no século XVIII são descritas como lugares fétidos e de ar irrespirável, resultado da queima do carvão vegetal como combustível para as fábricas: “A fumaça escurecia o ar, sujava as roupas, acabava com as cortinas, matava flores e árvores, e corroía a estrutura dos prédios”. In: THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). Tradução de José Roberto Martins. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.291. 10 THOMAS, Op. Cit., p.16. 11 THOMAS, Op. Cit., p.229-230. 12 THOMAS, Op. Cit., p.17. 13 O uso da madeira no desenvolvimento da civilização é analisado por John Perlin em seu livro “A Forest Journey”, traduzido ao português com o título “A História das Florestas”. Nesta obra, Perlin analisa o uso das florestas desde o início da civilização Mesopotâmica, passando pelo período da Revolução Industrial, quando as florestas são exploradas à exaustão. In: PERLIN, John. A Forest Journey: the role of wood in the development of civilization. New York: Norton & Company, 1989. 14 THOMAS, Op. Cit., p.229-230.

31

importância das obras With Broadax and Firebrand (Warren Dean) e Fruitless Trees (Shawn

Miller), definindo-as como fundadoras dos parâmetros das abordagem e das hipóteses

explicativas dos processos político-econômicos de apropriação e uso dos recursos ambientais15.

Na primeira dessas obras, publicada em 1995, Warren Dean analisa o contato do

ser humano com a Mata Atlântica desde a primeira leva de invasores humanos, há

aproximadamente 13 mil anos. Em sua análise Longue Durée, Dean destaca as sucessivas

invasões humanas ocorridas na floresta tropical atlântica, que explorou seus recursos e adaptou-

a para a sobrevivência e habitação humana:

Quando sediam suas moradias na própria floresta, abrem uma clareira ampla de terra batida, larga o bastante para evitar o perigo da queda de árvores e formar uma terra de ninguém onde insetos nocivos e répteis predadores possam ser avistados e eliminados. Para viver no meio da floresta, os moradores da floresta necessariamente a derrubavam16

Em Fruitless Trees, publicada em 2000, Shawn Miller demonstra como o monopólio da

Coroa Portuguesa e as proibições de exploração das “madeiras de lei” no Brasil colonial,

mesmo nas terras particulares, acabaram por fomentar a devastação nas florestas tropicais da

Mata Atlântica brasileira17. A tese central da obra, segundo José Augusto Drummond, é que a

destruição das matas litorâneas brasileiras durante o Período Colonial relacionaram-se muito

mais com as derrubadas promovidas para abertura de campos para cultivo e para a pecuária do

que com extrações de madeira promovidas por empreendimentos madeireiros.

O efeito não-antecipado disso foi que os donos de terras, impedidos de explorar comercialmente essas madeiras, e temerosos das onerosas intervenções no caso de o rei mandar cortá-las em suas terras, preferiam passar fogo indiscriminadamente na floresta, eliminando todas as madeiras antes que as de lei fossem identificadas18

Impedidos de extraírem e comercializarem as madeiras de maior valor, os proprietários

das florestas acabaram por promover uma “devastação florestal infrutífera”19, queimando as

matas para abrir caminho para a produção de ouro, fumo, algodão, couro a açúcar. O comércio

de madeira não chegou, portanto, a alcançar uma expressão significativa em nenhuma parte do

15 CABRAL, Diogo de Carvalho. “Substantivismo Econômico e História Florestal da América Portuguesa”. In: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 24, nº 39, jan/jun 2008. p.113. 16 DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.30 17 DRUMMOND, José Augusto. “O Monopólio Real Português e a Dinâmica do Desmatamento no Brasil Colonial”. In: Diálogos, DHI/UEM, v. 5, n. 1. 2001. p. 237-244. 18 DRUMMOND, 2001, Op. Cit. p.238. 19 DRUMMOND, 2001, Op. Cit. p.238.

32

Brasil no Período Colonial, não sendo sequer um grande fornecedor para a vasta produção da

frota de navios portugueses. Certamente, “a quantidade, a qualidade e a acessibilidade

geográfica das madeiras brasileiras poderiam, de fato, ter dado origem a uma atividade

madeireira e industrial muito maior”, afirma Drummond.

A obra de Diogo Cabral analisa como o convívio do ser humano com a floresta e a

utilização dos seus recursos influenciou e mesmo direcionou a história brasileira, destacando a

importância da Mata Atlântica no processo de colonização do Brasil; uma relação de convívio

intenso do ser humano com a floresta. Para Cabral, o próprio sucesso da colonização portuguesa

no Brasil tem relação direta com a “presença da floresta”20, pois atraiu e estimulou a apropriação

do território brasileiro, fomentando contatos étnicos, destrutivos ou não, e tornando-se a via de

entrada do mercantilismo português

Quase toda imagem que forjemos na cabeça acerca do cotidiano dessa sociedade (a colonial) terá, em seu substrato mais sutil, diversos elementos materiais cuja arqueologia nos leva a um inexorável ponto de partida: a árvore (...) na “Idade da madeira” colonial, se os machados parassem de gingar, os seres humanos deixariam de habitar21

Os autores analisados acima reivindicam a historicidade das florestas22 e os aspectos da

sua utilização histórica pelos seres humanos, embora Dean enfatize que esta história seja

dramaticamente a história da sua própria devastação. Mas, se por um lado a relação entre o ser

humano no Brasil e a natureza brasileira (plantas e animais silvestres) é analisada dentro de

uma luta desigual, na qual a natureza fadou-se historicamente ao extermínio23, por outro não

faltaram vozes críticas à degradação do meio natural; há muito está em pauta a defesa do

20 CABRAL, Diogo de Carvalho. Na Presença da Floresta: Mata Atlântica e história colonial. Rio de Janeiro: Garamond, 2014. p.476. 21 CABRAL, Op. Cit., p.31. (Grifo nosso) 22 A historicidade das florestas e de outros espaços e fenômenos considerados como do “mundo natural” passou a fazer parte dos objetos de estudos da história desde a École des Annales (anos de 1930), mas foi somente a partir da década de 1960 que historiadores dos Estados Unidos, influenciados pela Escola de Berkeley, passaram a utilizar sistematicamente os objetos das ciências naturais (as matas, os rios, o clima) em suas análises historiográficas. Para estes historiadores, o meio natural adquire importância para os estudos históricos na medida em que a sua transformação pela ação e cultura humana deixa impressa uma narrativa passível de pesquisa e análise, tal como nas paisagens para a geografia cultural. Ver: MATHEWSON, Kent, SEEMANN, Jörn. “A geografia histórico-cultural da Escola de Berkeley, um precursor ao surgimento da História Ambiental”. In: Varia História, Belo Horizonte, vol. 24, nº 39: p.71-85, jan/jun 2008 23 Ao analisar a relação entre paisagem e memória, Simon Schama nos aponta, no entanto, o risco do fascínio historiográfico pela devastação, que, muitas vezes, impede os historiadores de recuperarem mitos e memórias existentes sobre a superfície, levando-os a supervalorizar a perda em detrimento do que ainda podem encontrar. In: SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. (Tradução Hildegard Feist). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.23-25.

33

patrimônio natural brasileiro, propondo-se ações e técnicas para um aproveitamento menos

predador das riquezas naturais brasileiras.

No século XIX, importantes pensadores políticos do país denunciam a degradação

ambiental brasileira, dentre eles José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), André

Rebouças (1838-1898) e Joaquim Nabuco (1849-1910). Estes associavam tal degradação ao

sistema escravista de produção, uma vez que impedia o avanço industrial do país ao mesmo

tempo em que queimava as florestas, minerava e esgotava os solos – um sopro de destruição

avançando sobre o vasto território brasileiro24. Mas a abolição da escravidão não trouxe consigo

mudanças significativas neste contexto de degradação do meio natural, permanecendo as

queimadas como forma de preparo da terra para a agricultura e a monocultura para a exportação

como lógica produtiva. A devastação da natureza foi, até mesmo, “(...) intensificada pela

abertura de novas regiões florestais e pela maior capacidade de impacto fornecida pela

tecnologia industrial”25.

Aparentemente, pontua Tereza Urban, o pensamento de José Bonifácio influenciou mais

as gerações que o sucederam do que sua própria geração26. André Rebouças, por exemplo,

publica em 1876 um artigo reivindicando a criação de parques nacionais, propondo equilibrar

a exploração dos recursos naturais do Brasil e a necessidade de proteger tais recursos para evitar

sua extinção. Neste artigo, “Parque Nacional”, Rebouças relata seu entusiasmo com a criação

do parque nas cabeceiras do Rio Yellowstone nos Estados Unidos e propõe a conservação de

duas áreas naturais brasileiras sob a forma de parque nacional: o Parque Nacional da Ilha do

Bananal e o Parque Nacional de Guaíra. O idealismo e entusiasmo de Rebouças ficou registrado

nas palavras finais do seu artigo:

Daqui há centenas de anos poderão, nossos descendentes, ir ver dous espécimens do Brazil, tal qual Deus os criou; encontrar reunidos, no Norte e no Sul, os mais belos espécimens de uma fauna variadíssima, e, principalmente, de uma flora que não tem rival no mundo!27

Nas primeiras décadas do século XX, a principal voz em defesa da natureza foi a de

Alberto Torres, que denunciava a entrega das riquezas brasileiras, nossas reservas de madeiras,

de húmus e de fertilidade à exploração estrangeira, desorganizando os trabalhadores brasileiros

24 PÁDUA, José Augusto. Um Sopro de Destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004 (2ª Edição). p.274. 25 PÁDUA, Op. Cit., p.281. 26 In: URBAN, Tereza. Saudades do Matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora UFPR, 1998. p.80. 27 Apud URBAN, 1998, p.82.

34

e fazendo das nossas populações infecções corroedoras da superfície do solo28. Alberto Torres

condenava o padrão produtivo que geria a economia do Brasil no início do século XX, baseado

numa agricultura predatória. Alertava, portanto, para a necessidade de produção de um

conhecimento científico que, partindo das variantes fitogeográficas do país, realizaria o uso

agrícola do solo, poupando as áreas ainda intocadas, produzindo de forma mais racional e

recuperando as áreas degradadas pelo modelo agrícola que se desejava superar:

O conhecimento das condições geográficas brasileiras em seu conjunto integrado – clima, solo, regime de chuvas, relevo, vegetação nativa – possibilitaria determinar o que e como a terra produziria, no sentido de poupar ao máximo as reservas vegetais intocadas, recuperar as que já haviam sido destruídas, e promover o melhor uso possível das terras já desmatadas pela agricultura extensiva29

A partir do final da década de 1920, o movimento conhecido como “Biologia Militante”,

fundamentado na trajetória de três cientistas do Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ)30,

passa a demonstrar a importância da biologia nas transformações sociais necessárias ao Brasil.

Dentre as várias ações transdisciplinares do grupo, que pretendiam levar a educação a todos os

lares do país e popularizar as bases científicas da biologia, a conservação da natureza deveria

receber atenção especial, privilegiando o cuidado com a fauna e a flora – patrimônio da nação

e encanto da paisagem31. Assim, os discursos científicos começam a aliar-se às ações políticas

no tocante à defesa da natureza e na construção da identidade nacional brasileira32. A riqueza,

a diversidade e a beleza das paisagens criavam vínculos afetivos entre os indivíduos e seu solo

natal, fazendo com que o Estado interventor “(...) garantisse o equilíbrio entre o progresso e a

manutenção do patrimônio natural”33.

28 PÁDUA, José Augusto. “Natureza e Projeto Nacional no Brasil: as origens da ecologia política do Brasil”. In: Pádua, José Augusto (Org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: IURPEJ (Coleção Pensando o Brasil 4), 1987. p.84. 29 MURARI, Luciana. Natureza e Cultura no Brasil. São Paulo: Alameda, 2009. p.274. 30 Cândido de Mello Leitão (zoólogo), Alberto José de Sampaio (botânico) e Edgar Roquete Pinto (antropólogo). 31 DUARTE, Regina Horta. A Biologia Militante: o Museu Nacional, especialização, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil – 1926-1945. Belo Horizonte: Editora UFMG; 2010. p.24. Sobre o papel educativo presente na obra de José Alberto Sampaio ver ainda: CAPANEMA, Carolina Marotta. A Natureza no Projeto de Construção de um Brasil Moderno e a Obra de Alberto José de Sampaio. Dissertação (Mestrado) – pós-graduação em História, UFMG. Belo Horizonte, 2006. 154p. (principalmente o capítulo 4: “Educar o povo para formar a nação”, p.102-129). 32 Este é um modelo herdado dos Estados Unidos do século XIX, exemplarmente no caso de Yellowstone Park (criado em 1872), em que a natureza é associada à construção da identidade nacional, adquirindo valor patrimonial e servindo de testemunho para legitimação da nação. In: DEPRAZ, Samuel. Géographie des Espaces Naturels Proteges: genèse, principes et enjeux territoriaux. Paris: Armand Colin, 2008. p.66. 33 FRANCO, José Luiz de Andrade et DRUMMOND, José Augusto (Org.). Proteção à Natureza e Identidade Nacional no Brasil, Anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ; 2009. p.55.

35

O Governo Provisório de Vargas (1930-1934) vai legitimar parte das ações dos cientistas

do Museu Nacional do Rio de Janeiro, decretando o Código de Caça e Pesca (Decreto 23.672,

de 2 de janeiro de 1934) e o Código Florestal de 1934 (Decreto 23.793, de 23 janeiro de 1934).

Embora os decretos não contemplassem integralmente o anteprojeto apresentado em 1932 pelos

cientistas do museu, criaram-se regras e limites para a exploração da fauna e da flora brasileira

e estabeleceu-se “as florestas como interesse comum de todos os brasileiros (...) colocadas sob

regime de preservação permanente, na medida em que possuíssem aspectos especiais que as

caracterizassem como verdadeiros monumentos públicos”34. Foram previstas no Código

Florestal as tipologias de florestas (Florestas Protetoras, Florestas Remanescentes, Florestas

Modelo e Florestas de Rendimento) e as categorias de preservação (Parque Nacional, Florestal

Nacional, Reserva da Proteção Biológica ou Estética)35.

A efetividade das políticas preservacionistas no Brasil, e junto com elas a criação de

parques nacionais e das outras categorias previstas no Código Florestal, foi praticamente

inexistente até o final da década de 1930. Os parques nacionais, vinculados ao Serviço Florestal

Brasileiro (SFB) 36, seguiram subordinados ao Ministério da Agricultura, cuja ação prioritária

era a ampliação da produção agrícola e florestal, fomentada no Instituto Nacional do Mate e no

Instituto Nacional do Pinho – a proteção à natureza não recebeu qualquer tratamento

especializado37. E, ainda que pareça contraditório, foi no final da década de 1930 que se criaram

os primeiros parques nacionais brasileiros, reforçando a “(...) construção da nacionalidade e

da identidade nacional brasileira”38. Os primeiros parques nacionais criados no Brasil

privilegiaram áreas próximas aos grandes centros - Parque Nacional do Itatiaia em 1937 e o

Parque Nacional da Serra dos Órgãos em 1939 - e áreas geograficamente estratégicas - Parque

Nacional de Iguaçu em 193939.

34 DUARTE, 2010, Op. Cit., p.69. 35 In: MEDEIROS, Rodrigo. “Evolução das Tipologias e Categorias de Áreas Protegidas no Brasil”. In: LIMA, Gumercindo Souza, ALMEIDA, Marcello Pinto de, RIBEIRO, Guido Assunção (Org.). Manejo e Conservação de Áreas Protegidas. Viçosa: Editora UFV, 2014. p.18 36 O SFBr foi criado em 1925 no intuito de coordenar a exploração florestal no Brasil, organizando estatísticas para direcionar as ações exploratórias racionais. 37 In: URBAN, Op. Cit. p.103. 38 DRUMMOND, José Augusto, FRANCO, José Luiz de Andrade. “História das Preocupações com o mundo Natural no Brasil: da proteção à natureza à conservação da biodiversidade”. In: DRUMMOND, J. Augusto, FRANCO, J. L. Andrade, SILVA, S. Dutra, TAVARES, G. Galvão (Org.). História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p.333. Os autores relacionam este período da história da conservação no Brasil à Geração 1920-1940. 39 DUARTE, Regina Horta et OSTOS, Natascha Stefania C. “Entre ipês e eucaliptos: comemorações do Dia da Árvore”. In: FRANCO, José Luiz de Andrade et DRUMMOND, José Augusto (Org.). História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p.229.

36

Somente em 1944, com a reorganização do Serviço Florestal do Brasil (SFB), é que os

parques nacionais, assim como os estaduais e municipais, tornam-se uma pauta específica na

“Seção de Parques Nacionais”40. Ainda assim, não eram tratados como prioridade para o SFB,

como nos foi possível observar nas publicações presentes nos “Arquivos do Serviço

Florestal”41. Entre os 82 artigos42 publicados em dezoito anos nestes arquivos, apenas 4 foram

dedicados diretamente aos parques nacionais (6% do total) e 18 artigos (21,9% do total) são

correlatos ao tema dos parques (fauna selvagem, conservação, florestas, polícia florestal,

ecologia, educação florestal). Os estudos sobre as “florestas úteis”43 (eucaliptos, pinhos,

madeiras, economia florestal) somam 22 artigos (26,8%), demonstrando que a prioridade do

SFB continuava sendo atender as demandas da economia sobre as florestas; a própria

Companhia Belgo Mineira publica artigo na penúltima edição dos arquivos, justificando sua

atuação extrativista e apresentando seu plano florestal para atender a demanda de carvão vegetal

da sua produção siderúrgica44. Neste contexto, o SFB limita-se à criação de três novos parques

nacionais: Parques Nacional Aparados da Serra (serra gaúcha), Parque Nacional do Araguaia

(norte de Goiás45) e Parque Nacional do Ubajara (norte do Ceará).

Em 1962, o Serviço Florestal Brasileiro foi extinto, passando suas funções para o

Departamento de Recursos Naturais Renováveis (DRNR). Este departamento vai dinamizar as

ações conservacionistas no Brasil e, nos seus sete anos de existência, será responsável pela

criação de oito novos parques nacionais, além da Floresta Nacional de Caxiuanã (Belém do

Pará)46. É também neste período que se articula o Código Florestal Brasileiro de 1965,

ampliando os conceitos de conservação previstos no Código Florestal de 1934. Sem embargo,

segundo Drummond e Franco, foi a criação em 1958 da Fundação Brasileira para Conservação

da Natureza (FBCN), uma sociedade civil de caráter ambientalista, que abriu caminho para que

técnicos e cientistas ligados aos órgãos e departamentos estatais pudessem atuar mais

40 In: URBAN, Op. Cit., p.103-104. 41 Estes arquivos foram publicados entre os anos de 1939 a 1957 com o objetivo de divulgar os estudos realizados pelos técnicos do SFBr e de cientistas estrangeiros convidados. Todos os seus 12 volumes encontram-se disponíveis no acervo digital da Biblioteca Nacional. 42 Os estudos sobre botânica são os que predominam, somando 34 artigos (42,5%), apresentam-se ainda 3 artigos sobre fotointerpretação e 1 artigo dedicado aos balanços dos trabalhos do SFBr. 43 Trabalharemos com esse conceito no Capítulo I da dissertação. 44 In: OSSE, Laércio. “O Plano Florestal da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira”. In: Arquivos do Serviço Florestal do Brasil (Ministério da Agricultura). Rio de Janeiro: Editora & Gráfica Guarany, 1957, Vol.11. p.223-244. 45 Atual Tocantins. 46 In: URBAN, Op. Cit., p.104.

37

efetivamente na conservação da natureza; o estabelecimento de parques nacionais e a

elaboração do projeto do Código Florestal de 1965, por exemplo, tiveram o “dedo” da FBCN47.

Em 1967, o Departamento de Recursos Naturais Renováveis deixa de existir, tendo suas

competências, como em uma “alquimia autoritária”48, transferidas para o Instituto Brasileiro de

Desenvolvimento Florestal (IBDF)49. Nos primeiros anos da sua atuação, o IBDF enfrentou

graves problemas orçamentários e de pessoal, sobretudo porque o escasso apoio político que a

conservação dos recursos naturais recebia no Brasil diluíram-se com a extinção do Conselho

Florestal. Entrincheirados no Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza, o pouco

que restara do DNRN, os conservacionistas pressionavam o governo para criação de novas áreas

protegidas50.

Certamente, a conservação à natureza no Brasil esbarraria no Plano Nacional de

Desenvolvimento (I PND e II PND), sobretudo no que concerne à Região Amazônica, alvo

prioritário dos PNDs. Dentro dos planos de desenvolvimento dos governos militares, no

entanto, não deixavam de constar retóricas conservacionistas, como se pode observar no II

PDN: “atingir o desenvolvimento sem deterioração da qualidade de vida e, em particular, sem

devastar o patrimônio nacional de recursos naturais”51. Por outro lado, Warren Dean nos

aponta que a conservação da natureza para os “generais” era uma questão de legitimação civil

da ditadura militar, associada ao nacionalismo e à segurança nacional52. Maria Tereza Pádua,

em certa medida, converge com Dean:

Por que os militares entenderam a questão da conservação? A minha conclusão é um pouco simples. Primeiro, acho que os militares respeitavam o saber técnico e queriam um terreno neutro, onde não houvesse riscos políticos (...) Em segundo lugar, acho que a criação de áreas protegidas caiu muito bem na estratégia militar: defender uma área, cercar uma área contra os inimigos, é um raciocínio militar53

Fosse ou não uma questão de legitimação da ditadura militar pela sociedade civil

brasileira, o que abriu espaço para que ambientalistas54 e funcionários estatais pudessem atuar,

47 DRUMMOND et FRANCO, 2012, Op. Cit., p.354. 48 In: URBAN, Op. Cit., p.105. 49 Além das funções do Departamento de Recursos Naturais Renováveis, o IBDF assume também as atribuições do Instituto Nacional do Pinho e do Instituto Nacional do Mate. 50 URBAN, Op. Cit., p. 106. 51 Apud ARAÚJO, Marcos Antonio Reis. Unidades de Conservação no Brasil: da república à gestão de classe mundial. Belo Horizonte: SEGRAC, 2007. p.77. 52 In: DEAN, Op. Cit., p.303. 53 Apud URBAN, Op. Cit., p.148. 54 Segundo Alceo Magnanini, “A Fundação Brasileira para Conservação da Natureza foi a primeira organização não-governamental a falar sobre conservação no Brasil e abriu caminho para outras ONGs”. Apud: URBAN, Op.

38

é no cenário internacional que os generais vão ser mais duramente forçados a instituírem

políticas de conservação da natureza. A Conferência de Estocolmo (1972) marcou a posição

brasileira frente aos temas da conservação levantados pela comunidade internacional. Alceo

Magnanini detalha como a delegação brasileira, muito afetada pelas críticas à devastação da

Amazônia, acabou tendo que assinar sem reservas a declaração oficial da conferência55.

Sob o impacto dos debates ocorridos na Conferência de Estocolmo, o governo brasileiro

vai instituir uma estrutura central para “(...) elaborar, organizar, integrar e conduzir um

verdadeiro projeto para o meio ambiente”56, nasce em 1973 a Secretaria Especial de Meio

Ambiente (SEMA). Embora a função da SEMA fosse centralizar as políticas ambientais no

país, a secretaria foi alocada no Ministério do Interior57, limitando e isolando suas ações.

Contrariando os prognósticos legais, no entanto, foi na SEMA que os conservacionistas

centraram sua atuação, por meio de manobras acordadas com o próprio IBDF. Segundo Alceo

Magnanini, presidente do IBDF, entendia-se que o instituto presidido por ele devia centrar suas

ações no desenvolvimento florestal, não havendo, portanto, mentalidade para os parques

nacionais, assim “quando Paulo (Nogueira-Neto) manifestou sua vontade de criar novas áreas

protegidas, só poderia dar todo meu apoio, porque sabia que estava começando uma coisa

nova, que tinha perspectivas”58. Não podendo criar parques nacionais, por não ser atribuição

sua, a SEMA elabora uma nova tipologia de área protegida, destinada exclusivamente às

pesquisas científicas: as Estações Ecológicas (ESEC).

O período de 1979 a 1989 foi marcado pelo que Maria Tereza Pádua define como a

“época áurea para a conservação”59, tendo sido criados dezessete parques nacionais - 50%

dos parques existentes até então:

Cit., p.129-130. O Centro Mineiro para Conservação da Natureza, criado em 1967, por exemplo, inspirou-se nas propostas da FBCN, como veremos no Item 1.3 desta da dissertação. 55 Após ter sua participação vetada na delegação brasileira, Magnanini acabou convidado pela NWF e proferiu palestra no simpósio sobre biosfera, realizado no Teatro Nacional de Estocolmo, paralelamente à conferência oficial. URBAN, Op. Cit., p.263-268. 56 MEDEIROS, Op. Cit., p.25. 57 No entendimento de Rangel Reis, Ministro do Interior, a função prioritária da SEMA devia ser o combate à poluição ambiental e não a criação de parques, função esta que cabia legalmente ao IBDF (declaração de Paulo Nogueira-Neto, Secretário Especial do Meio Ambiente - SEMA). In: URBAN, Op. Cit., p.271. 58 URBAN, Op. Cit., p.276. 59 URBAN, Op. Cit., p.320. Tereza Urban polemiza: “Foram anos de ouro e chumbo para a conservação da natureza no Brasil. De um lado, as áreas protegidas cresceram em número, extensão e organização. Do outro, a expansão da fronteira agrícola para a Amazônia abre um novo ciclo de destruição, seguindo a trilha já bem conhecida da Mata Atlântica, reduzida, a ferro e fogo, a pequenos fragmentos da área original”. Idem. p. 108.

39

Paradoxalmente, para Cynthia Roncaglio, a escolha e a valoração das áreas a serem

protegidas durante a Ditadura Militar (1964-1985) contrariavam os interesses privados e

coincidiam em tempo e espaço com as áreas de interesse e com suas frentes de expansão

econômicas. Entre os anos de 1971 e 1974, a criação de áreas protegidas centrou-se nos estados

de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, já a partir de 1979, deslocaram-se para a região

da Amazônia, polo do desenvolvimento econômico do período. Assim afirma:

(...) o posicionamento do Estado Brasileiro diante da natureza era ao mesmo tempo nacionalista e desenvolvimentista. Nacionalista porque, perante a política internacional e os seus respectivos acordos de cooperação, havia receio da invasão de interesses estrangeiros sobre as riquezas nacionais, além de grande preocupação em manter a soberania nacional sobre os recursos naturais. Desenvolvimentista porque se

TABELA 1: Parques Nacionais Criados Entre 1979-1989

Nome do Parque Nacional Estado(s) Criação

1 - Parque Nacional da Serra da Capivara Piauí 1979

2 - Parque Nacional do Pico da Neblina Amazonas 1979

3 - Parque Nacional de Pacaás Novos Rondônia 1979

4 - Parque Nacional do Cabo Orange Amapá 1980

5 - Parque Nacional do Jaú (AM, 1980) Amazonas 1980

6 - Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses Maranhão 1981

7 - Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense Matogrosso 1981

8 - Parque Nacional Marinho de Abrolhos Bahia 1983

9 - Parque Nacional da Serra do Cipó Minas Gerais 1984

10 - Parque Nacional da Chapada Diamantina Bahia 1985

11- Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS, 1986) Rio Grande do Sul 1986

12 - Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha Pernambuco 1988

13 - Parque Nacional da Chapada dos Guimarães Matogrosso 1989

14 - Parque Nacional Grande Sertão, Veredas Bahia/M. Gerais 1989

15 - Parque Nacional do Superagui Paraná 1989

16 - Parque Nacional da Serra do Divisor Acre 1989

17 - Parque Nacional do Monte Roraima Roraima 1989

40

baseava em um modelo de crescimento econômico em que a alocação dos recursos naturais – tido como ilimitados – era dada como parte essencial do desenvolvimento60

Ao mesmo tempo em que o IBDF criava os parques nacionais e a SEMA concebia outras

três categorias de proteção61, a FBCN iniciava as discussões62 sobre um modelo de integração

do funcionamento e manejo das áreas protegidas, propondo a unificação dos seus instrumentos

legais. A partir destas discussões, alcunha-se a terminologia Unidades de Conservação (UCs)

e dá-se início aos debates que mais tarde levariam à criação do Sistema Nacional de Unidades

de Conservação (SNUC). Neste cenário, e frente ao crescimento dos movimentos sociais no

campo e nas cidades nos anos de 198063, surgem novos atores na contenda sobre a criação e

manejo das UCs, os socioambientalistas. Os embates ideológicos e epistêmicos entre

conservacionistas e socioambientalistas são a tônica da criação da política nacional das UCs no

Brasil naquela década; o uso dos recursos naturais das UCs pelas populações locais norteou a

polêmica.

Se por um lado, na perspectiva conservacionista, devia-se conservar a biodiversidade com

a criação de Parques Nacionais e outras Unidades de Conservação como áreas livres da presença

devastadora humana, por outro, na perspectiva socioambientalista, defendia-se o direito ao uso

sustentável dos recursos naturais e a permanência das comunidades locais no interior das áreas

protegidas, assim como a participação efetiva destas comunidades na criação, implantação e

manejo das UCs. O embate vai gerar críticas diretas de ambos os lados ao longo das décadas de

1980 e 1990:

Aos poucos, as UCs vêm se consolidando como um importante campo de disputas envolvendo, de um lado, a concepção conservacionista da natureza que exclui o ser humano e de outro, a ideia de que não é a condição das áreas cercadas e privadas da presença humana que garante a preservação da integridade biológica; em outras palavras, uma área desabitada não se constitui como limite para o desmatamento e ainda

60 RONCAGLIO, Cynthia. O Emblema do Patrimônio Natural no Brasil: a natureza como artefato cultural. Tese (Doutorado) – pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, UFPR. Curitiba, 2007. p.110-111. 61 As Áreas de Proteção Ambiental (APA) em 1981 e as Reservas Ecológicas (RESEC) e as Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) em 1984. In: MEDEIROS, Op. Cit., p.25. 62 Essas discussões foram uma ação conjunta dos cientistas e técnicos da FBCN e do IBDF, principalmente Alceo Magnanini e Maria Tereza Pádua, que deram origem a dois planos: o “Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil” (1979) e o “Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil: II etapa” (1982). MEDEIROS, Op. Cit., p.28-29. 63 Segundo Eduardo Viola, entre 1982 e 1985 vários setores urbanos começam a dialogar com as questões ambientalistas, assim como no campo os movimentos dos trabalhadores sem-terra e os contrários às barragens. In: VIOLA, Eduardo. “O Movimento Ecológico no Brasil (1974-1986)”. In: Pádua, José augusto (Org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: IURPEJ (Coleção Pensando o Brasil 4), 1987. p.99.

41

pode apresentar limites ecológicos para plena conservação ambiental, posição defendida pelos socioambientalistas64

Assim se posiciona Eduardo Viola em 1987 sobre o modelo de atuação da Fundação

Brasileira para Conservação da Natureza (FBCN), considerado por ele como anacrônico e

elitista:

Alguns destes ativistas naturalistas e pessoas endinheiradas de orientação filantrópica reuniram-se, em 1958, na Fundação Brasileira para Conservação da Natureza, com sede no Rio de Janeiro. Esta fundação (...) faz parte da pré-história do ecologismo brasileiro, já que seus objetivos e modo de atuação foram estritamente conservacionistas, na linha das sociedades protetoras de animais surgidas em vários países no século XIX65

Para Ibsen de Gusmão Câmara, membro da FBCN desde 1967, o papel das organizações

conservacionistas não governamentais vinha sofrendo nos anos de 1980 pressões pouco

associadas a interesses realmente ecológicos, respondendo, muitas vezes e de forma prioritária,

a interesses políticos. O risco desse desvio de foco, segundo o autor, é a ausência de

fundamentação científica que algumas dessas ONGs trazem em suas reivindicações e bandeiras

de luta: “Sua ação, para tornar-se valiosa e efetiva, precisa ser calculada em conhecimentos

científicos, selecionando-se objetos legítimos e merecedores de esforços, evitando

envolvimento com atividades de outra natureza”66. Já no contexto dos anos de 1990, Ibsen de

Gusmão reafirma a pouca eficiência e a falácia dos socioambientalistas, agora expondo sua

desconfiança em relação ao uso sustentável dos recursos nas Unidades de Conservação,

O termo desenvolvimento sustentável está servindo de cobertor para abafar muita coisa errada. Acho que a conferência (Eco 92) foi muito palavrório e pouca ação. Muita propaganda, muita onda, mas nada de positivo (...) estão fazendo uso desse termo para justificar uma porção de coisa. O desenvolvimento sustentável, totalmente sustentável, é uma utopia e jamais será alcançado67

O debate entre conservacionistas e socioambientalistas vai se alongar até o ano de

2000, quando finalmente se aprova a Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)

64 TEIXEIRA, Maria do Carmo Couto. “Relações Socioambientais em Área de Preservação Ambiental”. Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, Bahia, 1 a 4 de junho de 2008. p.146. 65 VIOLA, Op. Cit., p.87-88. (Grifo nosso) 66 CÂMARA, Ibsen de Gusmão. “O Problema Ambiental e o papel das Organizações Conservacionistas Não Governamentais”. In: Boletim FBCN, Fundação Brasileira para Conservação da Natureza, Rio de Janeiro, Volume 20, 1985. p.11. 67 Fala de Ibsen de Gusmão Câmara, citado em URBAN, Op. Cit., p.332-333. (Grifo nosso)

42

e se inicia um caminho de conciliação68. Ao mesmo tempo que se previu no texto do SNUC o

uso sustentável em algumas categorias de UCs, agradando os socioambientalistas, também

legislou-se sobre as Unidades de Proteção Integral, que somente permitem o uso indireto dos

recursos naturais, aspiração dos conservacionistas. As categorias de UCs previstas na SNUC

(Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000) foram:

CAPÍTULO III

DAS CATEGORIAS DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Art. 7º As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se

em dois grupos, com características específicas:

I - Unidades de Proteção Integral;

II - Unidades de Uso Sustentável.

§ 1º O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar

a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos

naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

§ 2º O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é

compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de

parcela dos seus recursos naturais.

As Unidades de Conservação de Proteção Integral ficaram definidas, segundo o

Art.8º, incisos I a V, como sendo as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques

Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. Já como Unidades de

Conservação de Uso Sustentável, definidas no Art. 14, incisos I a VII, foram nomeadas as Áreas

de Proteção Ambiental (APA), as Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), as Florestas

Nacionais (FLONA); as Reserva Extrativistas (RESEX), as Reservas de Fauna, as Reservas de

Desenvolvimento Sustentável (RDS) e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN).

Outro aspecto constante no SNUC que atende às demandas socioambientalistas é o

reconhecimento das comunidades tradicionais, nas suas necessidades de subsistência e nos seus

saberes e cultura69. Duas das reservas de uso sustentável previstas lidam diretamente com essas

68 DRUMMOND et FRANCO, 2012. Op. Cit. p.634. 69 Brasil. Ministério do Meio Ambiente. SNUC, 2011. p.7.

43

questões: a RESEX e a RDS; a primeira fruto direto das conquistas de seringueiros acreanos de

Xapuri e Basiléia70 e a segunda ligada ao Projeto Mamirauá (AM)71.

Em fevereiro de 1989, é criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), assumindo as funções do IBDF e da SEMA. Foi neste

órgão que tramitou boa parte das discussões sobre o modelo de UCs que se desejava constituir

no Brasil. Em 2007, as funções de criação, controle, funcionamento e manejo das Unidades de

Conservação previstas no SNUC foram transferidas para o Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O processo de criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB), na Zona

da Mata Mineira, vislumbrado desde o final da década de 1970 pelos engenheiros florestais da

Universidade Federal de Viçosa, é parte das discussões sobre a criação de Unidades de

Conservação em áreas utilizadas pela agricultura familiar. Durante esse processo,

evidenciaram-se os debates sobre a desapropriação das comunidades do entorno da serra e

reformulou-se o projeto inicial, estabelecendo-se os limites da UC em diálogo com as

comunidades; somente em 1996, portanto, decreta-se a criação do PESB72. Mas, o decreto da

sua criação, dentro dos limites estabelecidos em diálogo com as comunidades, não solucionava

a questão para os moradores do entorno, restava ainda elaborar e implantar as políticas de

manejo daquela Unidade de Conservação, da qual as comunidades exigiram participação e

garantia de direito ao uso do seu território ancestral e dos recursos nele existentes.

70 Em meados da década de 1980, os seringueiros de Xapuri e Brasiléia, na Mesorregião do Vale do Acre, sofriam ataques sistemáticos dos madeireiros, que promoviam a derrubada das florestas habitadas pelos seringueiros. Essas derrubadas, conhecidas como Empates, geraram uma reação organizada, liderada por Chico Mendes. O movimento dos seringueiros ganhou notoriedade nacional e internacional, tornando-se ainda mais emblemático após a execução de Chico Mendes, em dezembro de 1988. Os fatos e a contínua luta dos “trabalhadores extrativistas” levaram à discussão e ao estabelecimento da RESEX Chico Mendes em março de 1990, mesmo antes da texto final do SNUC. In: ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. “Direitos à Floresta e Ambientalismo: seringueiros e suas lutas”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 19, nº. 55, junho/2004. p.33-53. 71 MEDEIROS, Op. Cit., p.31. Discutiremos alguns aspectos do Projeto Mamirauá e suas influências no Planejamento Participativo do PESB no Item 2.5 desta dissertação. 72 Decreto N° 38.319, de 27 de setembro de 1996.

44

CAPÍTULO 1 – As Fabulosas Florestas Úteis: silvicultura e conservação da natureza na Universidade de Federal de Viçosa

A riqueza do Brasil em madeiras é quase fabulosa não só

quanto a quantidade, mas também quanto a qualidade

das árvores úteis. No entanto essa riqueza é ainda pouco

estimada, principalmente porque os conhecimentos que

temos della são muito imperfeitos

(Relatório Annual do Departamento de Silvicultura da

ESAV, 1937, prof. Koloman Lehotsky)

45

O uso dos recursos naturais73 nas colônias portuguesas despertou, desde o século

XVI, a preocupação da Coroa Lusitana, tendo sido produzida uma extensa legislação para evitar

seu esgotamento. Essa legislação visava regulamentar sobretudo o uso da madeira e da água,

na tentativa de conter sua escassez, como ocorrera na Ilha de Madeira e para a qual se

estabeleceu, dentre outros regulamentos, ordenações e posturas, o “Regimento das Madeiras de

1562”. Este regimento impunha limites aos abates de árvores naquele domínio insular

português, sujeitando-os a licenças prévias e prevendo a recuperação das áreas por meio do

reflorestamento. O regimento limitava, ainda, o uso do fogo e o gado solto, salvaguardando as

florestas e as reservas aquíferas da ilha74.

Nas Minas Gerais do século XVIII, o controle das disputas sobre os recursos

naturais tornou-se fundamental para manter a atividade de extração do ouro em funcionamento,

tendo sido para isso criada uma expressiva legislação reguladora75. Os regulamentos referiam-

se, sobretudo, ao uso da madeira e da água que, naquele momento, eram fundamentais tanto

para as atividades da mineração, quanto para as atividade agrícolas nas regiões mineradora.

Havia, portanto, uma disputa entre mineradores e agricultores:

Os dispositivos legais tentaram ordenar as formas como os mineradores e outros habitantes da capitania lidavam com o ambiente físico e os vestígios documentais dessa legislação revelam que a concorrência pelo uso dos insumos naturais denotava também uma disputa de poder entre as diferentes atividades produtivas da capitania de Minas Gerais, principalmente entre mineradores e agricultores76

73 Segundo Philipe Descola, a separação entre cultura e natureza deu-se somente no século XVII na Europa, sendo que, somente a partir dessa separação cartesiana, o ser humano passou a entender os outros elementos do meio biótico e abiótico como recursos naturais aptos a serem explorados: “Para retomar uma fórmula muito conhecida de Descartes (...) o homem se fez então mestre e senhor da natureza. Resultou daí um extraordinário desenvolvimento das ciências e das técnicas, mas também a exploração desenfreada de uma natureza, a partir de então, de objetos sem ligação com os humanos: plantas, animais, terras, águas e rochas convertidos em meros recursos que podemos usar e dos quais podemos tirar proveito. Naquela altura, a natureza havia perdido sua alma e nada mais, nos impedia de vê-la unicamente como fonte de riqueza”. In: DESCOLA, Philippe. Outras Naturezas, Outras Culturas. Tradução Cecília Ciscato. São Paulo: Editora 34 (Coleção Fábula), 2016. p.23. (Grifo Nosso) Nesta dissertação utilizaremos o termo “recursos naturais” referindo-nos ao utilitarismo aplicado pelo ser humano no uso dos meios biótico e abiótico, embora para alguns períodos utilizados ainda não houvesse a formulação do termo e sua aplicabilidade. 74 In: VIEIRA, Alberto. Do Éden à Arca de Noé. O madeirense e o quadro natural. Madeira: Secretaria Regional do Turismo e Cultura, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1999, p.52. Apud: CAPANEMA, Carolina Marotta. A Natureza Política das Minas: mineração, sociedade e ambiente no século XVIII. Tese (Doutorado) – pós-graduação em História, UFMG. Belo Horizonte, 2013. p.172. Essa possibilidade de escassez também foi notada por Portugal em relação às florestas brasileiras, criando o “Regulamento do pau-brasil de 1605”, que definiu regras para extração dessa espécie arbórea, beneficiando o comércio da Coroa Lusitana. Idem, p.174. 75 Desta legislação destaca-se a “Provisão das águas” de 1702 e o “Aditamento ao Regimento Mineral” de 1736, proibindo a devastação nas nascentes dos córregos e evitando a escassez de água. 76 CAPANEMA, 2013, Op. Cit., 233p.

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Assim, vinculava-se as regulamentações sobre o meio físico nas colônias

portuguesas à produção de riquezas para a metrópole, dando precedência de uso às atividades

que melhor cumprissem tal função77. Nesse contexto, que levou a metrópole a legislar sobre o

uso do ambiente físico no Brasil Colônia não foi uma visão ambientalista e de conservação da

natureza, mas uma visão econômica de que, somente mantendo tal ambiente sob seu controle,

a Coroa Portuguesa seria a principal beneficiada com o seu uso e exploração. A causa da

regulamentação sobre o uso de madeira no século XVIII, por exemplo, não foi sua escassez na

área mineradora, como Carolina Marotta Capanema demonstra nos dados obtidos e analisados,

mas o fato de que a sua posse supunha distinção social e econômica78 e “(...) dispor desses

insumos muitas vezes era dispor também de poder”79.

O uso dos recursos naturais também é debatido no século XVIII por parte da

intelectualidade brasileira, sobretudo com base no ideário iluminista que marcou em muitos

aspectos a construção da identidade nacional do Brasil no século XIX. Neste contexto

intelectual80, forma-se um pensamento crítico ambiental que denuncia o mau uso dos recursos

florestais brasileiros81 e a degradação advinda deste (escassez de água, desflorestamento,

esgotamento dos solos, extinção de animais e plantas). Essas críticas eram direcionadas

sobretudo ao modelo agrícola monocultor e escravista brasileiro, derivado da utilização de

práticas tecnológicas e sociais rudimentares82. Para José Augusto Pádua, embora as críticas

ambientais façam parte de uma “tradição intelectual” que marcou os séculos XVIII e XIX no

Brasil, a adesão às ideias desses intelectuais foi minoritária, não chegando a promover políticas

públicas para enfrentar a destruição ambiental, a “economia predatória” seguiu sua marcha83.

Mas, o sopro de destruição que assolou a ferro e fogo as florestas brasileiras

(sobretudo a Mata Atlântica) nos períodos colonial e imperial também exigiu ações concretas

para mitigar a devastação e permitir a sobrevivência humana nas áreas devastadas. Neste

sentido, o caso da Floresta da Tijuca é emblemático, tendo sido reflorestada entre os anos de

77 “No caso das Minas Gerais setecentista, a exploração do ouro” In: CAPANEMA, Op. Cit., p.175. 78 CAPANEMA, Op. Cit., p.176. 79 CAPANEMA, Op. Cit., p.197. 80 Estes intelectuais eram formados na Universidade de Coimbra. Segundo Pádua, 866 brasileiros formaram-se naquela universidade entre os anos de 1722 e 1822, trazendo consigo, no regresso a diversas partes do Brasil, uma tradição ilustrada influenciada pelos pensamentos naturalistas de Domenico Vandelli. In: PÁDUA, 2004, Op. Cit. 81 Pádua cita o caso da caça às baleias no litoral brasileiro, que já reduzira drasticamente a população desses cetáceos sem, no entanto, gerar benefícios satisfatórios “(...) a quantidade pescada era pequena, mas a qualidade dos métodos empregados era tão destrutiva que o recurso estava sendo dizimado antes mesmo de ser bem aproveitado”. PÁDUA, 2004, Op. Cit., p.135. 82 PÁDUA, 2004, Op. Cit., p.10-32. 83 PÁDUA, 2004, Op. Cit., p.30.

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1861 a 1874, numa tentativa de melhoria das condições de abastecimento de água84 na Cidade

do Rio de Janeiro, então capital do Império.

A reflorestamento85 da Floresta da Tijuca foi marcado pela experiência do Major

Manuel Gomes Archer (1821-1905) na área da silvicultura, inspirado nos modelos de

excelência da Europa. Estes modelos buscavam, com base nos métodos da ciência florestal,

reflorestar áreas degradadas, selecionando as espécies mais aptas, de melhor crescimento,

racionalizando o processo de produção de uma floresta, por meio do cálculo e do máximo

aproveitamento do terreno e dos recursos disponíveis. Desta maneira, em pouco mais de uma

década de experiências e práticas silviculturais, a área foi recoberta com mais de 60 mil mudas

de espécies selecionadas, fruto de um cuidadoso planejamento de Archer e do empenho dos

escravos de propriedade governamental cedidos para a empreitada (Eleutério, Constantino,

Manuel, Mateus, Leopoldo e Maria)86.

Segundo Drummond, embora sem uma formação específica em botânica ou

silvicultura, Archer já era reconhecido especialista da flora regional, o que possibilitou-o

coordenar os trabalhos de reflorestamento da Floresta da Tijuca:

Trabalhava sistematicamente, cobrindo encostas selecionadas com certas combinações aparentemente aleatórias. No entanto é possível que tais contribuições refletissem o conhecimento de Archer sobre a distribuição e a incidência de espécies nas florestas originais da região, das quais parece ter sido profundo conhecedor87

O major Archer ressalta a importância do seu empreendimento e destaca, para tanto,

o caráter político e científico do mesmo:

(...) a necessidade de se estender a prática do reflorestamento a outros lugares, bem como a urgência de uma legislação e da criação de institutos florestais para o aprendizado científico. Obtinha-se, por esse meio, a fertilidade do solo regenerado pelas árvores, a influência sobre o clima e as chuvas e o aumento da água corrente nos mananciais88

84 A escassez de água na Cidade do Rio de Janeiro é atribuída a duas causas fundamentais: ao desmatamento das encostas da Floresta da Tijuca e à ineficiência na distribuição da água existente. Para Castro Maya, a Floresta da Tijuca “(...) não é um mata virgem nem se formou espontaneamente, pois foi toda plantada em obediência a um plano de reflorestamento que previa a total cobertura da área para preservação dos mananciais”. In: MAYA, Raymundo Ottoni de Castro. A Floresta da Tijuca. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1967. p.17. 85 O princípio do processo de reflorestamento foi marcado por desapropriações, compra de terrenos nas áreas desmatadas e resistência de muitos que ali mantinham propriedades. 86DRUMMOND, José Augusto. “O Jardim Dentro da Máquina: breve história ambiental da Floresta da Tijuca”. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.1, n.2, 1988. p.288. 87 DRUMMOND, 1988, Op. Cit. 88 HEYNEMANN, Cláudia B. Floresta da Tijuca: natureza e civilização no Rio de Janeiro – século XIX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1995. (Coleção Biblioteca Carioca, 38). p.68.

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O caso da Floresta da Tijuca marca uma tendência que poderá ser percebida em

relação à natureza no Brasil ao longo do século XX, na qual a silvicultura e a ideia de “utilidade

florestal” vai marcar a produção das pesquisas, as intervenções nas florestas e os discursos e

práticas modernizantes da agricultura. No início daquele século, o foco vai estar no estado de

São Paulo, com o protagonismo científico da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

e do engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade (1881-1941):

Navarro certamente pode ser apontado como um dos principais artífices do processo de modernização da agricultura, principalmente porque constituiu e implantou no país uma silvicultura dentro das perspectivas científicas mais avançadas para sua época89

O modelo de modernização agrícola proposto por Navarro de Andrade estava

centrado na concepção de uma silvicultura racional, na qual a utilidade das florestas é o ponto

central. A floresta útil seria, portanto, uma floresta com poucas espécies arbóreas e localizada

em um terreno que facilitasse seu corte e transporte; uma floresta homogênea e otimizada90.

Entre as décadas de 1920 e 1930 surgiram os primeiros cursos de silvicultura no

Brasil, trazendo à tona as discussões sobre a degradação das florestas e as ações científicas

necessárias para sua conservação e reflorestamento. Na ESAV o Departamento de Silvicultura

foi criado em 1927 e, a partir daí, podemos encontrar a construção de narrativas sobre as

florestas, em que os cientistas agrícolas da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de

Viçosa vão empenhar-se em formular ideias e projetos para a flora brasileira, na tentativa de

equacionar desmatamento, preservação das matas, produção agrícola e reflorestamento.

O professor de silvicultura da ESAV, J. G. Duque, em conferência proferida no

início da década de 1930, analisa os problemas florestais mineiros e propõe intervenções sobre

os solos degradados pelo desmatamento e uso desordenado dos recursos florestais:

Urge racionalizar o uso econômico da terra, adaptando-se-lhes os ramos agrícolas mais adequados (...) os solos devem ser aproveitados, mais ou menos, na seguinte ordem: lavouras nas baixadas, pastos nas beiras dos morros e florestas nos altos, nas terras estragadas e nas cabeceiras das fontes91

89 FERRARO, Mário Roberto. A Modernização da Agricultura e da Silvicultura Paulista (início do século XX). Anápolis: Universidade Federal de Goiás, 2010. (Coleção Olhares, 10). p.21. 90 FERRARO, Op. Cit., p.38. 91 “Os Problemas Florestais Mineiros” (Conferência realizada na Sociedade Mineira de Agricultura por J. G. Duque, professor de silvicultura da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais). S/D. folha 14. ACH-UFV, caixa 96.

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As fazendas que têm terrenos de altos de morro, carrascais, cabeleiras d’água e gargantas apertadas, devem utilizar estes tipos de solo para a silvicultura (...) e, quando estiverem improdutivos, devemos fazer seu reflorestamento92

Dentre as ações sugeridas pelo professor J. G. Duque, cabia uma educação

continuada dos agricultores com preleções e demonstrações, informando-os sobre os melhores

métodos para os cultivos florestais. Destaca ainda a importância de informar os agricultores

(seja na Semana do Fazendeiro ou em visitas técnicas às propriedades rurais), sobre os danos

causados pelo fogo e como evitá-los; cabia formar uma racionalidade camponesa em Minas

Gerais, onde o atraso marcava a relação entre o agricultor e sua “roça”. A formação dessa

racionalidade camponesa entre os brasileiros foi uma pretensão dos ruralistas93 que, segundo

Sônia Regina de Mendonça, propunham duas formas para alcançá-la: a repressão explícita e a

educação. Devia-se colonizar os trabalhadores nacionais do campo, fosse pelo conhecimento

ou pela violência, instalando-os em colônias agrícolas94.

As propostas educativas ruralistas mantinham a lógica fundiária já existente no

Brasil, inclusive fomentando-a em níveis educacionais hierárquicos95. Cada nível de educação

(elementar, médio ou superior) deveria atrelar-se às funções sociais exercidas pelo educando,

tais como: a de lavrador, a de administrador agrícola e a de engenheiro agrícola. A função de

engenheiro agrícola devia ser assumida pelos proprietários rurais de maiores recursos, erigindo-

se na figura do farmer96 estadunidense como paradigma e impondo, pela via educativa e

extensionista, a racionalidade produtiva no campo aos proprietários rurais. O administrador

agrícola, proprietário rural de recursos medianos, devia, por sua vez, ser preparado para

administrar as propriedades rurais e ter conhecimentos suficientes para ser escrivão das

mesmas. O lavrador devia, no entanto, receber a instrução elementar agrícola e prática para os

92Duque, J. G. “O reflorestamento”. In: Circular 50, S.3. Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Gerais. 1931. folha 39. ACH-UFV, caixa 96. 93 O Ruralismo analisado por Sônia R. de Mendonça é o movimento político agrário organizado no início do século XX, liderado pelas “frações dominadas da classe dominante agrária no Brasil”. Estes ruralistas, ligados ao Serviço Nacional de Agricultura, buscavam modelos para a modernização e superação do “atraso” da agricultura brasileira, questionando a predomínio político dos cafeicultores paulistas. In; MENDONÇA, Sônia Regina de. O Ruralismo Brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997. p.39. 94 MENDONÇA, Op. Cit., p.84-85. 95 Na Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV) forjou-se o éthos esaviano numa concepção de “verdadeira vida de campo” projetada no campus universitário, reproduzindo-se as relações sociais de forma a manter as divisões sociais do trabalho do meio rural. Projetava-se, na filosofia dos fundadores Peter Henry Rolfs e João Carlos Bello Lisbôa, um melhoramento integral do campo brasileiro (do homem, do animal e da semente), formando um aluno/agricultor disciplinado em termos sócio-políticos e produtivo em termos econômicos. In: AZEVEDO, Op. Cit., p.87, 118, 134. 96 Para Denilson Azevedo o farmer seria o proprietário rural que, provido dos conhecimentos difundidos e aplicados em agricultura, promoveria a modernização agrícola nas suas terras de forma mecanizada e produtiva. In: AZEVEDO, Op. Cit., p.134.

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trabalhos do campo, formando uma “(...) mão-de-obra potencialmente adestrável, do ponto de

vista técnico, e temporalmente imobilizada no campo, por intermédio de instituições especiais

de ensino”97.

Para Tânia Regina De Luca, analisando os artigos divulgados na Revista Brasil

desde o início do século XX, a solução encontrada para o que o atraso endêmico do Brasil fosse

superado, passava necessariamente pela higiene e pela saúde da população. A ciência

profilática, proveniente da bacteriologia, combateria a inércia do brasileiro, embalando o ideal

de revalorização higiênico-sanitário do homem brasileiro98. Assim, cita Monteiro Lobato

quando refere-se as propostas para o meio rural brasileiro, demonstrando como a ação de

monges franceses (alimentando a população, curando doenças e construindo casas higiênicas)

transformaram as terras improdutivas de Tremembé, no Vale do Paraíba Paulista:

(...) uma produção de 15 a 20 mil sacas de arroz, extraídas de uma terra que vivia a monte, por meio de músculos definitivamente classificados pela opinião geral como equivalentes a zero. O exemplo é frisante. Mostra o caminho a seguir, e mostra o erro dos nossos governos em nunca levarem em conta, para solucionar o problema do trabalho agrícola, a parte da higiene ... E mister, curando-o, valorizar o homem da terra, largado até aqui no mais criminoso abandono. Curá-lo é criar riqueza. É estabelecer os verdadeiros alicerces da nossa restauração econômica e financeira99

A descrição desses sintomas do atraso também está presente nos relatórios do

Departamento de Silvicultura da ESAV entre as décadas de 1930 e 1940. Nesses relatórios, os

chefes do departamento descrevem os desperdícios dos recursos na exploração das matas e

propõem caminhos mais racionais para o seu uso, tendo na educação da população pequenos,

dos médios e grandes proprietários rurais a sua via de alcance. Afirma-se que os “fazendeiros”

deviam ser alunos permanentes do Departamento de Silvicultura, já que a mudança na forma

de se explorar a terra e seus recursos requer uma formação continuada e a ruptura com mitos

presentes na prática desses fazendeiros: “(...) nosso objetivo tem sido destruir o velho afhorismo

que diz: Quem planta árvore não colhe. E aos poucos vamos conseguindo que os nossos

97 In: MENDONÇA, Op. Cit., p.92. 98 DE LUCA, Tânia Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (n)ação. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p.186. 99 In: LOBATO, Monteiro. Problema vital. Apud: DE LUCA, Tânia Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (n)ação. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p.214. (Grifo nosso)

51

lavradores se interessem pelos assuntos florestais”100. A exploração dos recursos, no entanto,

quando amparada na racionalidade científica, era desejável e aliada ao progresso da sociedade:

A proteção à natureza, com seus objetivos econômicos, estéticos ou sociais não significa, em absoluto, a proibição do aproveitamento dos seus recursos econômicos, como parece a muitos apressados. Pelo contrário, a produção cientifica, racionalmente encaminhada (...) constitui, até mesmo, uma lei do progresso101

Neste sentido, as práticas tradicionais do uso da floresta são questionadas,

demonstrando o distanciamento e falta de empatia dos professores do Departamento de

Silvicultura com os que utilizam os recursos da floresta para sua subsistência:

(...) combate à mentalidade esbanjadora existente entrenós, tão bem exemplificada no indiferentismo com que o caboclo abate uma árvore para colher os seus frutos ou joga por terra um magestoso jacarandá para vazar o mel de uma abelha que construiu seus favos no oco de um dos seus galhos e ainda na indolência com que aprecia e até mesmo admira a ação devastadora de um fogo ateado por mero diletantismo ou por abominável descuido102

A análise do professor de silvicultura da ESAV, citada acima, vai de encontro à

visão dos intelectuais da primeira metade do século XX acerca dos brasileiros de áreas

geográficas distantes dos centros industrializados, vistos como rústicos, ociosos, indolentes,

parasitas, intelectualmente limitados e supersticiosos103. O habitante do sertão (sertanejo,

caboclo, caipira) é analisado pelo seu constante nomadismo, nada construindo a partir

exploração das florestas, um piolho da terra104. As palavras de Monteiro Lobato em Urupês

(1957) e de Câmara Cascudo105, destacadas a seguir, descrevem a relação entre o caboclo e os

recursos naturais; uma relação imprevidente e predatória:

100 “Relatório dos Trabalhos Realisados no Departamento de Silvicultura, durante o anno de 1934, apresentado ao Snr. Director da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Geraes, pelo Prof, Cathedrático Luiz Carvalho Araújo – chefe do referido departamento” p.83. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). (Grifo Nosso) 101 “Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.02. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). 102 Idem, Ibidem. 103 Para Nísia Trindade Lima, a visão sobre os habitantes dos “sertões” varia segundo o período histórico e as influência estético literária vigentes entre os românticos, os (neo)naturalistas e os modernistas. Para os românticos, o homem sertanejo é aquele autêntico e próximo à natureza, devido a sua herança indígena, já os (neo)naturalistas e os modernistas distinguem o homem do sertão pela sua preguiça, ainda que variem no diagnóstico para tal distinção. In: LIMA, Nísia Trindade. Um Sertão Chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade nacional. Rio de Janeiro: Editora Revan, IUPERJ, 1999. p135. 104 LIMA, Op. Cit. p.136 105 CASCUDO, Câmara. A Humanidade do Jeca Tatu. 1920. Apud: LIMA, Op. Cit., p.139.

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Quando se exaure a terra, o agregado muda de sítio. No lugar fica a tapera e o sapezeiro. Um ano que passe e só atestará a sua estada ali; o mais se apaga por encanto. A terra reabsorve os frágeis materiais da choça e, como sequer uma laranjeira ele plantou, nada mais lembra a passagem por ali do Manoel Peroba, do Chico Marimbondo, do Jeca Tatu ou outros sons ignaros, de dolorosa memória para a natureza circunvizinha106 (...) Jeca nômade, desconfiado levando incêndio a uma floresta para destocar meio palmo de mato, jeca usando da prodigiosa fecundidade da terra como refúgio natural à sua indolência107

Esta visão excludente também foi a tônica da extensão rural praticada em Minas

Gerais desde a década de 1950, quando se tenta introduzir o milho híbrido e as técnicas

modernas apropriadas ao seu cultivo. Nas “roças” o que se vai encontrar é a resistência dos

agricultores em modificar suas práticas agrícolas, definidas pelos extensionistas como

primitivas e rotineiras. Tais práticas deviam, portanto, ser extirpadas da filosofia de vida

camponesa de Minas Gerais, sendo a formação das juventudes rurais o caminho para a

superação do atraso que elas supunham108.

Mas não somente as práticas isoladas de agricultores, considerados descuidados e

indolentes, foram criticadas nos relatórios apresentados à ESAV pelo Departamento de

Silvicultura, foram também questionadas as práticas utilizadas pelas serrarias109 na exploração

das matas e do seu potencial florestal. No relatório de 1940, Arlindo de Paula Gonçalves, ilustra

seu descontentamento com o aproveitamento desordenado das Matas do Rio Doce: “Pelo

sistema de exploração feito por eles (madeireiros), só tenho a dizer que, embora demore muito,

as matas vão se acabando, como tudo que é explorado e não renovado. Depois que acabarem

com as matas naturais é que eles vão cogitar do reflorestar”110.

O aproveitamento das áreas desmatadas era realizado quase que exclusivamente

para o cultivo de café e milho pelos proprietários, o que, do ponto de vista econômico, é

aprovado pelo professor Arlindo Gonçalves. O problema deste sistema é o provável

106 LOBATO, Monteiro. Urupês. 1957. Apud: LIMA, Op. Cit., p.137. 107 CASCUDO, Câmara. A Humanidade do Jeca Tatu. 1920. Apud: LIMA, Op. Cit., p.139. 108 SILVA, Claiton Márcio. “Os Outros São o Atraso: populações rurais e modernização agrícola em Minas Gerais (1950-1960)” In: SILVA, Sandro Dutra, SÁ, Dominichi Miranda, SÁ, Magali Romero. Vastos Sertões: história e natureza na ciência e na literatura. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015. p.111-124. 109 Em viagem de estudos com os alunos de Silvicultura, o Diretor Arlindo de Paula Gonçalves visitou quatro serrarias (sobre as quais traça sua análise) na cidade de Raul Soares: a Serraria Irmãos Salin, a Serraria Armando Martins, a Serraria Armando Sodré e a Serraria João Domingos. In: “Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.12. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). 110 Idem, Ibidem.

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FIGURA 1: “Jequitibá vermelho com 7,15 m de circunferência na base e 20 m de altura aproveitável”. In: Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.02. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.121

esgotamento do solo em aproximadamente 25 anos e as dificuldades, após este tempo, para se

reflorestar a área, pois o solo já poderia estar muito empobrecido, quando não completamente

erosionado, e sujeito ao ataque constante das saúvas111.

As fotografias anexadas aos relatórios das aulas práticas do Departamento de

Silvicultura demonstram a importância dos procedimentos técnicos para o aproveitamento das

florestas. Na legenda anexada à fotografia do relatório de 1940 (Figura 1) descreve-se a

derrubada às margens do Rio Matipó de um “Jequitibá vermelho com 7,15 m de circunferência

na base e 20 m de altura aproveitável”. Sobre a tora do jequitibá encontram-se seis pessoas,

demonstrando a grandiosidade descrita na legenda. Ao fundo, os alunos da disciplina de

Silvicultura observam o professor Arlindo de Paula Gonçalves, possivelmente de pé em cima

da tora, explicando as formas científicas para se explorar o majestoso tronco de jequitibá.

A fotografia descrita anteriormente dialoga com outra que foi anexada abaixo dela

no relatório pelo professor relator da viagem. Neste segundo registro fotográfico (Figura 2),

111 Idem, Ibidem. O prof. Arlindo de Paula Gonçalves realiza seus comentários para as matas do Rio Doce baseando-se em experiências anteriores com a Mata Atlântica no Rio de Janeiro, onde ficou patente para ele as diferenças do êxito do reflorestamento em áreas de sua propriedade, uma desmatada recentemente e outra em um terreno de pasto. Nesta última houve gastos excessivos para tornar o solo produtivo a para manter um homem eliminando diariamente os formigueiros.

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FIGURA 2: “O mesmo jequitibá da figura acima, mostrando o desperdício da madeira”. In: Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.02. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.121

podemos observar a base do tronco do jequitibá de onde foi retirada a tora, reafirmando sua

magnitude em contraste com as figuras humanas presentes no cenário. A legenda anexada à

fotografia (O mesmo Jequitibá da figura acima, mostrando o desperdício da madeira) completa

a visão expressada no relatório sobre a extração da madeira pelas serrarias, onde a falta de

fundamentação científica levava ao desperdício dos recursos das matas.

A visão expressa nos relatórios, presente nos registros fotográficos e nas suas

legendas, assim como nos textos escritos, demonstra as práticas pouco racionais das serrarias

visitadas que, ao botarem abaixo árvores de grande porte, acabavam subutilizando os recursos

das florestas. Esta subutilização era devida ao desconhecimento sobre o “sistema de cubagem

da madeira”112 por parte dos administradores das serrarias, um método de silvicultura

desenvolvido para calcular a cubagem perfeita das toras e maximizar o aproveitamento dos

troncos em todas as suas partes. O relator daquela viagem de estudos pelo Rio Matipó tampouco

furtou-se em apresentar os procedimentos e as fórmulas desenvolvidas para a realização da

112 O sistema de cubagem era o processo seguinte à derrubada da árvore, normalmente realizado dentro da própria mata com o objetivo de facilitar o transporte, e consistia em retirar a parte não aproveitável do tronco derrubado, transformando-o em um cubo (ver as Figuras 1 e 2).

55

QUADRO 1: Fórmula para Cubagem Científica de Toras de Madeira. In: Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940”. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.10-12

cubagem, demonstrando que a racionalidade científica era o caminho para que as florestas do

Vale do Rio Doce pudessem ser exploradas comercialmente com o aproveitamento máximo

dos seus recursos. O quadro a seguir foi formulado a partir das informações apresentadas no

relatório de 1940 do professor Arlindo de Paula Gonçalves 113:

A – Retira-se a casca e mede-se a circunferência ou, como também é chamado, o Rodo da Tora; B – Mede-se a espessura do Alburno e multiplica-se por 4; C – Mede-se o comprimento da tora dos dois lados e toma-se o menor comprimento

V – Volume da Tora L – Comprimento da Tora C – Circunferência ou Rodo da Tora n – Espessura do Alburno

As críticas às serrarias eram feitas na medida em que estas ignoravam as práticas

avançadas da época para extração e aproveitamento da madeira, o que comprometia a

conservação dos recursos florestais. Desta maneira, assim como nas ciências agrárias, as

ciências florestais ensinadas e praticadas dentro da Escola Superior de Agricultura e Veterinária

(ESAV) promoveram a atuação da figura do farmer, que deveria orientar a extração e a

produção florestal de forma moderna e racional, baseada em princípios lógicos e testados

empiricamente.

Para evitar os desperdícios de recursos e promover o equilíbrio entre o progresso e

a conservação das florestas no país, condição indissociável ao seu crescimento econômico, José

Alberto Sampaio (1881-1946), professor de Botânica do Museu Nacional, propõe o

desenvolvimento da silvicultura. A racionalidade na utilização das essências florestais

nacionais associada ao cultivo de essências exóticas de melhor rendimento do que as nacionais,

113 In: “Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.02. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.10-11.

56

devia ser assumida pelo Serviço Florestal Brasileiro (SBF), recebendo contrapartidas dos

governos municipais, estaduais e da federação, assim como de particulares interessados na

exploração das florestas:

Neste particular, ficamos em um meio termo, reconhecendo a importância da orientação technica que deve ser dada, como exemplos, pelos Poderes Publicos, e exaltando a valor do serviço florestal de particulares, como se vêm evidenciando no Brasil, crente como somos que aos particulares cabe o maior esforço a realisar para o pleno surto da silvicultura no Brasil114

Nos núcleos urbanos, as populações deviam ser conscientizadas sobre a importância

das florestas, com ações educativas em escolas, clubes e associações, formando uma população

habilidosa na produção e manutenção das florestas:

(...) ensinar cada pessoa a plantar uma árvore e a acautelar ou ajudar seu desenvolvimento, assim como comprehender, gosar e presar a utilidade inconteste de árvores e florestas, é decerto uma das formas de instrução popular mais adequada ao preparo de grande número de arboricultores hábeis115

A comemoração do Dia da Árvore, exemplo típico destas ações educativas

conscientizadoras, levava as discussões dos profissionais da silvicultura a um público mais

amplo e adquiria uma importância histórica crescente em Minas Gerais desde a sua instituição

na década de 1910. Na cidade de Belo Horizonte, planejada como uma cidade jardim, as

festividades envolviam as escolas primárias e eram organizadas por professoras e normalistas,

“compondo uma pedagogia na qual se estimulava o amor às árvores ao mesmo tempo em que

se ensinavam valores de patriotismo, respeito à família e à moral vigente”116. O dia 21 de

setembro, oficializado “Dia da Árvore” em 1925, sempre divulgou a ideia de reflorestamento

como sua base, mas foi historicamente eivado de paradoxos, indo do ipê ao eucalipto como

símbolo, as “(...) árvores surgiam como um verdadeiro monumento histórico”117. Nas décadas

de 1950 e 1960 evidencia-se ainda mais tal paradoxo, pois ocorre um surto industrial na cidade

114 SAMPAIO, Alberto José de. “O Problema Florestal no Brasil, em 1926 - Relatório apresentado ao Congresso

Internacional de Silvicultura de Roma, abril-maio, 1926”. Archivos do Museu Nacional, Rio de Janeiro: Gráfica Ypiranga, vol. 28, dez. 1926. p.134

115 SAMPAIO, Op. Cit., p.143 (Grifo nosso) 116 DUARTE, Regina Horta et OSTOS, Natascha Stefania C. “Entre ipês e eucaliptos: comemorações do Dia da Árvore”. In: FRANCO, José Luiz de Andrade et DRUMMOND, José Augusto (Org.). História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p.227. 117 DUARTE et OSTOS, Op. Cit., p.227.

57

e o aumento populacional, abrindo-se novas ruas, avenidas e bairros, pela ação do “impiedoso

machado municipal”118.

Durante os preparativos para a comemoração do Dia da Árvore de 1958 na cidade

de Viçosa, evidencia-se um aparente paradoxo119 que esta data comemorativa representava

também na história da UREMG e da Zona da Mata Mineira, quando a Agro Madeireira Peres

Ltda (empresa madeireira especialista em madeiras serradas ou em toras)120 compromete-se a

divulgar o evento com recursos próprios:

Atendendo ao apêlo de V. Sa. uma das nossas aeronaves irá atirar mensagens alusivas ao Dia da Árvore. E farei o possível para fazê-lo pessoalmente, aproveitando a oportunidade para abraça-los e participar dos festejos121

Contudo, é a abertura da primeira escola de ciências florestais do Brasil na UREMG

que vai afinar ainda mais os discursos e as práticas dos cientistas sobre a flora das matas

mineiras: o uso dos seus recursos, o replantio de árvores e a necessidade de sua preservação. A

Escola Nacional de Florestas é fundada em 1960 na Universidade Rural do Estado de Minas

Gerais.

1.1 – Os Fazedores de Florestas: programas e campanhas da Escola Superior

de Florestas

Os primeiros anos da Escola Nacional de Floresta (ENF) foram marcados por

constantes debates sobre a viabilidade da sua permanência na UREMG ou sua transferência

para outra universidade do país; cogitava-se levar a ENF para o Rio de Janeiro, São Paulo ou

para Curitiba. Este debate vai se acirrar em 1962, passando a envolver diversos interesses

políticos e científicos, assim como os órgãos financiadores do programa (O Ministério da

Agricultura e a FAO). As constantes correspondências expedidas e recebidas pela UREMG122

118 DUARTE et OSTOS, Op. Cit., p.230. 119 O fato de uma madeireira estar financiando o Dia da Árvore na cidade de Viçosa não se apresenta necessariamente como um paradoxo, pois, como já vimos na fala do professor Arlindo de Paula Gonçalves, o uso dos recursos das matas e a proteção à natureza poderiam caminhar juntos, desde que encaminhados racionalmente e com métodos científicos. (Ver nota 101). 120 No Capítulo II detalharemos a relação desta madeireira e sua filial (Companhia Agroflorestal) com a Serra do Brigadeiro nos anos de 1950 e 1960. 121 “Carta de Rubens Rezende Peres ao Diretor da Escola Superior de Agricultura de Viçosa (São Pedro dos Ferros, 13 de setembro de 1958)”. ACH-UFV, caixa 693. 122 Carta do Reitor Flamarion Ferreira ao prof. Alberto Teixeira Paes da UFMG agradecendo o apoio deste à permanência da ENF na UREMG (ACH-UFV, caixa 737); Carta do Reitor Flamarion Ferreira ao Dr. Magalhães

58

demonstram a importância dada à questão, com enfáticos relatos favoráveis ou contrários à

permanência da ENF em Minas Gerais. O Deputado Estadual Claudio Pinheiro de Lima aponta

um dos motivos relevantes para a permanência da ENF no Estado: “Parece-me ainda que Minas

em particular, seja o ponto mais necessitado de se reflorestar, tal a devastação que vem

sofrendo suas matas nos últimos tempos” 123.

Em carta enviada ao reitor Flamarion Ferreira, apresenta-se à contenda Douglas

Knudson (técnico da USAID124 que já trabalhara na UREMG), lamentando a perda deste

importante centro de estudos florestais. Segundo Knudson, o tema florestal é de importância

inquestionável em todo o país, o que não se resolve, sem embargo, com a retirada da ENF de

Viçosa. Seria relevante, pontua, a criação de outras escolas de florestas pelo país afora, inclusive

em Curitiba,

(...) Mas em Minas Gerais, o maior produtor de produtos florestais no Brasil, necessita de uma escola a treinar técnicos profissionais capazes de administrar a vasta área florestal mineira que atualmente fica (sic) e que deve expandir muito. O desaparecimento das matas, cerrados florestados e florestas é alarmante. A promessa da produtividade de plantações e florestas nativas é surpreendente para mim. Mas essa promessa, para realizar-se, requere aplicação de práticas científicas, que, em sua vez, requere o trabalho dedicado de muitos cientistas florestais, bem treinados nos princípios e práticas de produção florestal125

Dentre os argumentos apresentados para a transferência da Escola Nacional de

Floresta há ainda outro que enriquece nossa discussão: a ausência de área para estudos de campo

na região de Viçosa, devida à pouca densidade florestal da região de Viçosa e da Zona da Mata

Mineira126. Logo após a retirada da Escola Nacional de Florestas de Viçosa (1963), começa-se

Pinto, Governador de Minas Gerais, 23/04/63 (ACH-UFV, caixa 737); Nota do Diário Oficial da União criando a comissão para estudar a grave situação da ENF, 15/04/63 (ACH-UFV, caixa 737); Carta do Reitor Flamarion Ferreira ao Dr. Secretário Estadual de Agricultura Carta do Deputado Estadual Claudio Pinheiro de Lima ao Reitor da UREMG Flamarion Ferreira, (ACH-UFV, caixa 737); Carta do Deputado Estadual Altair Chagas ao Reitor Flamarion Ferreira, 01/11/63 Carta do Deputado Estadual Claudio Pinheiro de Lima ao Reitor da UREMG Flamarion Ferreira, 17/08/1963 e 01/11/63 (ACH-UFV, caixa 737). 123 “Carta do Deputado Estadual Claudio Pinheiro de Lima ao Reitor da UREMG Flamarion Ferreira, 19/08/1963”. ACH-UFV, caixa 737. 124 Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. 125 “Carta de Douglas M. Knudson ao Reitor Flamarion Ferreira – West Lafayette, Indiana, USA, march 8, 1964”. ACH-UFV, caixa 696. 126 Knudson elenca ainda os motivos práticos que tornam Minas Gerais o estado prioritário e para onde deveriam confluir as pesquisas florestais: as florestas controlam as secas e inundações de grandes cidades como Belo Horizonte; as grandes distâncias que têm que percorrer serrarias e siderúrgicas em busca de árvores para extração; a falta de matéria-prima para incipiente indústria de celulose no Estado e a falta da lenha nas proximidades das residências que dela dependem para as tarefas cotidianas “Uma velha senhora carregando na cabeça um

59

a articular internamente na UREMG a criação da Escola Superior de Floresta (ESF), destacando

a necessidade de estudos teóricos e práticos de reflorestamento como a viabilidade para tal

empreendimento. A ESF passa, portanto, a ser responsável por todas as matas internas da UFV,

podendo utilizá-las para experimentos florestais, manejando áreas com cobertura vegetal e

reflorestando áreas desmatadas e com solos degradados:

Imediatamente à criação da escola Superior de Florestas, o magnífico Reitor da Universidade Rural de Minas Gerais, Dr. Edson Potsch Magalhães assinou ato, colocando todas as áreas florestadas e por florestar da Universidade, sob a administração direta desta Escola. Aproximadamente 300ha (...). Estas áreas possibilitarão maiores oportunidades para o estudante ter um entrosamento prático, através de levantamentos, estudos biológicos e silviculturais127

Com a abertura da Escola Superior de Florestas surgem, portanto, novos atores

sociais dentro da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais - os Fazedores de Florestas –

que, responsáveis num primeiro momento pelo reflorestamento do campus universitário,

passam a implementar os estudos científicos sobre florestas, vinculados às empresas

interessadas na produção de carvão para a siderurgia, principalmente a Companhia Vale do Rio

Doce e a Companhia Belgo Mineira. Os vínculos entre esses atores sociais e os interesses

siderúrgicos ficam patentes durante toda a década de 1960 e 1970, quando tais empresas

incentivam financeiramente projetos ligados à produção de madeira dentro da Escola Superior

de Florestas128. A atuação dos Fazedores de Florestas deveria ser o motor para o

desenvolvimento técnico da produção florestal de Minas Gerais:

A incapacidade de utilizar seus recursos naturais é um grave problema por que passa o Brasil, principalmente, no Estado de Minas Gerais, e que poderá ser resolvido, pelo menos em parte, pela expansão da nossa capacidade de produção e utilização florestal, através do desenvolvimento de novas técnicas e conhecimentos129

pesadíssimo feixe de lenha por vários quilômetros – por que a lenha é tão cara e tão rara perto de casa é necessário roubar (desculpe!) de uma mata que é longe”. Idem, Ibidem. 127 RAMALHO, Roberto. Engenharia Florestal, uma profissão para servir a Amazônia, Atas do Simpósio Sôbre Biota Amazônica, Vol. 7 (Conservação da Natureza e Recursos Naturais): 1967. P245-255. 128 Em 1970 a Companhia Vale do Rio Doce investiu Cr$125.000,00 na construção do Laboratório de Propriedades Físicas e Mecânicas da Madeira e Cr$200.000,00 em máquinas para a nova serraria e carpintaria da ESF. In: Relatório Anual da escola Superior de Florestas de 1971 – Diretor Roberto da silva Ramalho. ACH-UFV, caixa 1337. p.01. 129 In: Relatório de Atividades do Ano de 1973 da Escola Superior de Floresta – Diretor Roberto da Silva Ramalho”. ACH-UFV, caixa 42. p.06.

60

Um impulso inicial para o funcionamento da Escola Superior de Florestas e para o

desenvolvimento das técnicas necessárias à produção florestal foram os convênios firmados

pela UREMG com diversas instituições (Organização das Nações Unidas para Alimentação e

Agricultura (FAO), Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

(USAID), Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Belgo Mineira, Purdue University, Museu

Nacional, Instituto Brasileiro do Café, Prefeitura Municipal de Viçosa), financiando eventos e

campanhas, comprando equipamentos, oferecendo treinamento profissional aos corpo técnico,

além da realização de programas de aperfeiçoamento para professores. A ESF foi incluída em

1965 no Projeto ETA 55, implementado pela USAID desde 1958 na UREMG, atendendo a

demanda do Reitor Flamarion Ferreira ao Embaixador Estadunidense Lincon Gordon130. Por

meio deste projeto, que visava a modernização da pesquisa agrícola no país e a inserção dos

“(...) ideais e valores da sociedade norte-americana junto à população pobre do campo

brasileiro”131, a UREMG captou recursos das Fundações Ford e Rockfeller. Também o Projeto

Purdue-UFV beneficiou o funcionamento da ESF nos seus primeiros anos, sobretudo no que

diz respeito à qualificação dos professores e à colaboração técnica oferecida pelos professores

visitantes132.

Com a criação da Escola Superior de Florestas em 1963, o Departamento de

Silvicultura deixa de estar vinculado ao curso de Agronomia, sendo transferido para a ESF133.

130 Na carta enviada pelo reitor, solicita-se a inclusão da ESF no Projeto ETA 55, demandando colaboração técnica daquele país, com a disponibilização de três professores para compor o corpo docente da escola e com a doação de “equipamentos técnicos indispensáveis” para o funcionamento da mesma. In: “Carta do Reitor Flamarion Ferreira ao Exmo. Sr. Dr. Lincon Gordon, Embaixador dos Estados Unidos da América do Norte, em 23 de maio de 1964”. ACH-UFV, caixa 696. Sobre a influência da USAID no modelo educativo e nas pesquisas da UREMG, ver também: RIBEIRO, Maria das Graças Martins. “A USAID e o ensino agronômico brasileiro: o caso da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais”. In: Bol. Mus. Para Emílio Goeldi. (Ciências Humanas), Belém, v.4, n.3, set-dez-2009. p.453-463. 131 RIBEIRO, Maria das Graças Martins. “Educação superior e cooperação internacional: o caso da UREMG (1948-1969)”. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, n. 25, p. 50-63, jan/jun. 2007. p.62. 132 Entre 1964 e 1969 havia anualmente na ESF um mínimo de dois professores visitantes prestando seus serviços, o que possibilitava, para além de completar o quadro docente da escola, a liberação dos docentes da UREMG para realização de mestrados e doutorados nas universidades conveniadas. In: “A Escola Superior de Florestas e o Convênio Purdue-UFV, Reinaldo de Jesus Araújo, Diretor da ESF, 1969”. ACH-UFV, caixa 490. Segundo Gustavo Silva Bianch, os projetos desenvolvidos pela Purdue Univercity na UREMG/UFV, direcionou as pesquisas e a produção científica nesta instituição, visando modernizar a agricultura no Estado de Minas Gerais. Ver SILVA, Gustavo Bianch. A Ciência em Rede: os vínculos entre instituições e cientistas no contexto da moderna agricultura (1958-1973). Dissertação (mestrado em Extensão Rural) – Departamento de Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, 2014. 146p. 133 Em ofício de novembro de 1964, Arlindo de Paula Gonçalves solicita a transferência do Departamento de Silvicultura da ESA para a ESF. Solicita ainda “Subordinar toda a política florestal da UREMG à direção da ESF, a quem competirá, todo e qualquer planejamento, domínio e proteção das florestas naturais e plantadas”. A solicitação é prontamente atendida pela reitoria em dezembro de 1964. In: “Transferência do Departamento de Silvicultura da ESA para a ESF, Arlindo de Paula Gonçalves – Diretor Interino da ESF”. (20/11/1964). ACH-UFV, caixa 696.

61

As ações, antes concentradas no curso de agronomia, adquirem autonomia e passam a fazer

parte de um repertório específico das ciências florestais, com seus objetos de pesquisa e seus

campos de atuação voltados especificamente para as florestas, reivindicadas como muito úteis

ao progresso do Brasil. Segundo France Gontijo Coelho, foi decisiva a participação do prof.

Arlindo de Paula Gonçalves no processo de consolidação da silvicultura dentro da ESAV e,

posteriormente, dentro da UREMG, sendo ele o primeiro pesquisador a separar

sistematicamente os conhecimentos florestais dos conhecimentos agronômicos134.

Dentro da recém-criada escola surgem vozes em defesa da natureza, principalmente

do ecossistema atlântico. Assim, profissionais iniciantes e atuantes na área florestal da

silvicultura “(...) exigiam a aplicação do código florestal, ampliação e proteção efetiva dos

parques nacionais e estaduais, aumento das exigências legais de replantio e uma quota de

replantio para espécies nativas de árvores”135. A Campanha Integrada de Reflorestamento

(CIR) foi um dos primeiros projetos assumidos pela ESF, direcionando as pesquisas da

instituição na construção da identidade do engenheiro florestal da Universidade Rural do Estado

de Minas Gerais. No período de duração da campanha, o curso de Engenharia Florestal

fundamentou suas bases teóricas e empíricas, demonstrando sua importância como ciência e

captando recursos para seu funcionamento.

A CIR foi lançada durante as comemorações do Dia da Árvore em 21 de setembro

de 1966, numa parceria da UREMG com a Prefeitura de Viçosa, o IEF e a ACAR. A sociedade

em geral é chamada a participar, demonstrando a importância local assumida pela campanha.

O evento adquiriu um caráter cívico na cidade de Viçosa, unificando as ações da universidade

e dos políticos locais, com plantio de mudas de pau-Brasil na Praça Silviano Brandão (árvore

simbólica de número 1)136, arborização da Avenida Bueno Brandão feita por autoridades e

escolares, inauguração do viveiro regional de mudas e da barragem da silvicultura, shows de

artistas da Rádio Inconfidência, números esportivos, apresentação do “Tiro de Guerra” e de

cães adestrados da Polícia Militar, entregas de medalhas de honra e posse da primeira diretoria

da Sociedade Mineira de Engenheiros Florestais137.

134 In: COELHO, France Maria Gontijo. A Produção Científico-tecnológica para a Agropecuária: da ESAV à UREMG, conteúdos e significados. Departamento de Extensão Rural (Dissertação de Mestrado), UFV, Viçosa, 1992. p.114-118. 135 DEAN, Op. Cit., p.301. 136 In: “Convite do Diretor da ESF, Arlindo de Paula Gonçalves, ao Reitor da UREMG, Edson Potsch Magalhães, para lançamento da CIR”, ofício 216/66/APG/JG (16 de setembro de 1966). ACH-UFV, caixa 968. 137 In: “Programa para Lançamento da Campanha Integrada de Reflorestamento, em Viçosa”. ACH-UFV, caixa 968.

62

FIGURA 3 – Logomarca da Campanha Integrada de Reflorestamento. In: ACH-UFV, Caixa 968

A Campanha tinha como foco de atuação a região da Zona da Mata Mineira e

demonstrava no seu lema a situação preocupante em que se encontravam as florestas desta

região, sendo o reflorestamento o caminho para que estas sobrevivessem e um exemplo que

Minas Gerais daria ao Brasil.

O Diretor da ESF descreve no Relatório Anual de 1966 as várias atividades e

intervenções realizadas pela Escola de Floresta naquele ano, destacando os municípios por onde

atuaram e os meios de comunicação nos quais foi divulgada a CIR138. Entre as atividades

tiveram: Formação de líderes para produção de mudas e reflorestamento (Viçosa, São Miguel,

Ervália, Teixeiras, Coimbra e Ubá); Encontros com prefeitos e com o Clero para

esclarecimentos e pedido de apoio à campanha (Juiz de Fora, Carangola, Fervedouro e

Caratinga); Lançamento da campanha nas cidades de Ubá, Manhuaçu, Carangola, Juiz de Fora,

com plantio do pau-brasil como árvore símbolo e grandes festividades e civismo; Anúncio da

138 In: “Relatório de Atividades do Ano de 1966 da Escola Superior de Floresta – Extensionista F. Sebastião Moreira da Silva”, (28 de dezembro de 1966). ACH-UFV, caixa 776.

63

campanha, palestras e matérias sobre temas relativos ao reflorestamento nas rádios locais e

estaduais (Rádio Montanhesa, Rádio Guarany, Rádio Inconfidência), em jornais escritos

(Jornais Estado de Minas, O Diário e Diário de Minas) e em revistas (Dirigente Rural e Seleções

Agrícolas).

A produção de mudas e sementes foi o primeiro passo para colocar em marcha a

Campanha Integrada de Reflorestamento (CIR), estando programada a construção de três

viveiros na região, um deles nos terrenos da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais

(UREMG). O Diretor da Escola Superior de Florestas (ESF) conclama, portanto, a participação

da administração da UREMG na construção do dito viveiro, reclamando um melhor espaço para

que se efetuasse tal empreendimento: “Para que possamos levar avante este programa de

atividades, necessitamos do indispensável apoio de V. Magcia, especialmente no que se refere

ao local em que se deverá ser instalado o viveiro”.139

Foi elaborado pela ESF um plano trienal de produção para o viveiro de mudas e

sementes para a CIR localizado no campus da universidade, no qual detalham-se as essências

florestais a serem cultivadas para o reflorestamento e arborização de estradas e logradouros.

Dentro da CIR estava previsto arborizar as cidades da Zona da Mata e reflorestar as áreas

desmatadas e com os solos degradados. As principais essências florestais a serem utilizadas

nesta tarefa, previstas no plano trienal (Gráfico 1), seriam o eucalipto (9 milhões de mudas), a

candeia (3,5 milhões de mudas), a alfeneira140 (650 mil mudas), outras espécies (2 milhões de

mudas) e as espécies ornamentais (300 mil mudas). Embora não sejam descritas quais são as

“outras espécies” e as “espécies ornamentais”, podemos concluir que as espécies não nativas

são as que predominam nos planos de reflorestamento: o alfeneiro (Ligustrum vulgare), e o

eucalipto (três espécies diferentes), representando 62,25% das mudas cultivadas.

Aparentemente a única espécie da Mata Atlântica a ser cultivada no viveiro da UREMG seria

a candeia141 (Eremanthus erythropappus), representando apenas 22,58% das mudas.

Os dados oferecidos pelo Instituo Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) são

semelhantes aos pretendidos pelo viveiro de mudas da UREMG, apresentando, contudo, um

139 “Carta do Diretor da ESF, Arlindo de Paula Gonçalves, ao Reitor da UREMG” 28/04/1966. ACH-UFV, caixa 968. 140 Segundo o professor Arlindo de Paula Gonçalves esta espécie arbórea era utilizada como cerca viva e para produção de cabos de ferramentas. In: “Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.33. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). 141 Segundo o Sr. Zé Santim, informante da Comunidade de Dom Viçoso em Ervália, a candeia era muito utilizada para produção de moirões para cercar as propriedades.

64

Dados: IBDF, 1974. p.36

Dados: ACH-UFV, caixa 968

percentual ainda maior do eucalipto em relação a outras espécies semeadas: araucária 0,1%,

essências nativas 1,4%, espécies não definidas (outras) 1,7% e eucalipto 96,8% (Gráfico 2).

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

1966-1967 1967-1968 1968-1969

GRÁFICO 1 - Plano Trienal de Produção de Mudas para a CIR

Candeia Alfeneiro Eucalipto (três espécies) Outras espécies Árvores ornamentais

1

4

16

64

256

1024

4096

16384

65536

262144

1048576

4194304

1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973

GRÁFICO 2 - Reflorestamento por Espécies na Zona da Mata Mineira

Araucaria angustifolia Eucalyptus spp. Nativas Outras

65

Em 1969, é assinado um convênio entre a Escola Superior de Floresta e o IEF142,

definindo contrapartidas destas duas instituições na construção de um horto florestal e na

produção de mudas voltadas para o reflorestamento regional, arborização e educação ambiental,

parte da Campanha Integrada de Reflorestamento. À ESF cabia o fornecimento do terreno

adequado e da água para o viveiro de mudas, fornecimento de utensílio e mudas para o cultivo,

assim como o adubo e os operários para sua manutenção. Ao IEF cabia o fornecimento dos

agroquímicos, a contratação de um viveirista e uma doação em dinheiro para que se mantivesse

o viveiro. A distribuição das mudas seria responsabilidade equitativa das duas instituições, as

ornamentais, no entanto, seriam de propriedade exclusiva da UREMG e utilizadas para a

arborização do campus e para comercialização, sendo o produto das vendas revertido para o

próprio viveiro.

Em 1973, Sebastião Ferreira da Silva143, professor da disciplina “Política Florestal

Brasileira”, produz um relatório analisando os impactos dos programas de reflorestamento

sobre a Zona da Mata144. O relatório faz uma defesa aberta da política desenvolvimentista do

Governo Federal, definida como revolucionária, fomentando o que define como uma “nova

mentalidade florestal” e favorecendo as plantações de árvores destinadas às industriais

madeireiras. A floresta utilitária é, portanto, vista como o ideal desta nova mentalidade,

devendo ser defendida no campo político, investigada e fomentada no meio científico, e

explorada como solução para a Zona da Mata no campo econômico:

O fato das indústrias madeireiras se ressentirem da escassez de madeira, associado a ampliação e instalação de indústrias florestais vem promovendo a atividade florestal como fonte potencial de grandes retornos e criando novas oportunidades de trabalho145

O convênio entre o Ministério do Planejamento e a UFV é citado pelo Prof.

Sebastião Ferreira da Silva, destacando a produção de pesquisas voltadas para o

desenvolvimento da Zona da Mata, que apresenta um quadro econômico incompatível com o

desenvolvimentismo do “governo revolucionário”146. Nas vinte e quatro pesquisas elencadas,

em sua grande maioria voltadas para a fomento de uma economia agrícola e florestal da região,

142 “Termo de Ajuste de Integração Florestal - convênio assinado pelo Diretor do IEF, Carlos Eugenio Thibau, e o Reitor da UFV, Edson Potsch Magalhães” 05/08/1969. ACH-UFV, caixa 968. 143 Professor de Políticas Florestais da Escola Superior de Florestas da UREMG/UFV entre 1965 e 1992. 144 SILVA, Sebastião M. F. da. Reflorestamento: programa impacto para a Zona da Mata de Minas Gerais. Conselho de Extensão (UFV), Série Atualizações, nº1, 1973. 145 Idem. p.03. 146 Idem. p.02.

66

encontramos o reflorestamento como apontamento principal e o eucalipto como o produto que

solucionaria os problemas econômicos da Zona da Mata Mineira, devendo ocupar as áreas de

declives das propriedades rurais147.

Assim, A Campanha Integrada de Reflorestamento cumpria em tese sua função,

fazendo do plantio de árvores preponderantemente exóticas e da recuperação dos solos

degradados o motor de desenvolvimento da Zona da Mata Mineira. A região começava a ser

povoada por espécies florestais exóticas, o que levou o eucalipto gradativamente a ocupar as

encostas, formando uma nova paisagem florestal. Não estamos propondo aqui a confirmação

de se realmente as encostas desmatadas e os solos degradados da Zona da Mata de Minas Gerais

foram, respectivamente, reflorestados e melhorados, nosso foco está nas formulações

acadêmicas e nos discursos dos engenheiros florestais da UFV sobre como atuar em relação a

esses problemas.

Outro programa que marcou a atuação do Departamento de Engenharia Florestal

(DEF) foi o Programa de Desenvolvimento da Zona da Mata (PRODEMATA), lançado em

1976 pela parceria entre o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a UFV, o IBDF e a EMATER-

MG. A finalidade deste programa era acelerar o desenvolvimento da Zona da Mata Mineira e

ajustar os desequilíbrios acentuados entre as regiões de Minas Gerais. Para alcançar estes

objetivos o PRODEMATA atuou em várias frentes: na eletrificação rural, na abertura e no

melhoramento de estradas, na educação e na saúde, no saneamento básico, no aproveitamento

das várzeas para a produção agrícola e na promoção do reflorestamento148.

Dentro das ações de “promoção do reflorestamento” classificavam-se os seguintes

objetivos: aproveitamento da mão-de-obra não qualificada do campo; utilização das terras

ociosas e de topografia acidentada; promoção de assistência técnica às propriedades rurais;

fornecimento de matéria prima para as indústrias de celulose (laminados, aglomerados e

móveis); proteção do solo e cursos d´água; criação de postos de trabalho para fixar o homem

rural no campo; melhoria da distribuição de renda no meio rural e criação de economias internas

nas áreas reflorestadas. O financiamento público era a via que possibilitava tal modelo de

reflorestamento, estando restrito para pessoas físicas e proprietários legais das áreas a serem

reflorestadas149.

147 Warrean Dean nos aponta que, embora o IBDF aconselhasse os proprietários rurais a reflorestarem as encostas erosionadas, estes tinham consciência de que as florestas plantadas cresciam melhor em terreno plano, onde a erosão ainda não tivesse comprometido a fertilidade do solo. In: DEAN, Op. Cit., p.330. 148Fundação Rural Mineira. Plano de Desenvolvimento Integrado da Zona da Mata. Belo Horizonte (impressão própria), 1974. 149 Calculava-se gastos financiados na ordem dos 50 bilhões de cruzeiros, divididos entre a produção de mudas, o plantio, o manejo e o corte da madeira. Idem. p. 42.

67

Durante o período de 1975 e 1977, estimava-se o plantio de 25 milhões de árvores,

reflorestando uma área de 15 mil hectares, aproveitando as condições ecológicas favoráveis a

espécies exóticas como o Pinus ssp e o Eucaliptus ssp e espécies nativas de alto valor

econômico.

Outra estratégia que percebemos para o promover o êxito do reflorestamento foi o

discurso favorável à utilização das espécies exóticas, principalmente o eucalipto. Ao analisar

as matérias sobre o PRODEMATA na Revista Informe Agropecuário150 percebemos que a

própria palavra “reflorestamento” confunde-se em vários momentos com o ato de plantar

eucalipto. Ainda que a Revista Informe Agropecuário não fosse lida pela grande parcela dos

agricultores, nela estavam contidos os discursos dos cientistas florestais e extensionistas que

iriam orientar estes agricultores em suas propriedades. Isto nos faz concluir que os discursos

levados até as propriedades rurais na Zona da Mata Mineira, buscando formar a opinião dos

agricultores, podem ser encontrados na Informe Agropecuário; um discurso transitório entre a

ciência e o campo.

Em matéria de 1986, a Informe Agropecuário ainda seguia propagandeando a

distribuição gratuita de mudas de eucalipto e o rápido crescimento das árvores em relação às

espécies nativas. Seguramente estes argumentos figuram entre as principais causas da

predominância desta espécie sobre as outras. O eucalipto tornou-se, assim, a essência florestal

mais utilizada nos replantios em áreas degradadas e a árvore símbolo do progresso agrícola que

se desejava para a Zona da Mata Mineira151.

Embora não tenha sido a Zona da Mata Mineira o cenário preferido para a

monocultura do eucalipto152, por essa região também atuaram os lobbys do agronegócio da

madeira, seguindo a lógica da qual o Estado de Minas Gerais foi o protagonista, muito

influenciada pela presença da engenharia florestal dentro da UREMG/UFV153 e pela intensa

150 A Revista Informe Agropecuário foi criada pela Empresa de Pesquisas Agropecuárias de Minas Gerais (EPAMIG) com o objetivo de analisar as estatísticas e a conjuntura da agropecuária mineira. Este caráter técnico estatístico da revista foi a sua marca até o ano 1977 (nº25), quando os principais centros de pesquisas agrícolas do estado (EPAMIG, ESAL, UFMG e UFV) passaram a integrar o Sistema Estadual de Pesquisa Agropecuária. A partir daí as análises conjunturais e estatísticas deixaram de ser o fio condutor da mesma, cedendo protagonismo aos discursos científicos voltados para os produtos do campo. 151 Revista Informe Agropecuário. Belo Horizonte, Ano 12, nº141, set. 1986. p.90. 152 No zoneamento econômico produzido pelo IBDF, a região da Mata Mineira oscilava entre uma área boa e média para a produção do eucalipto, sendo superada em muito pela região do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e Vale do Mucuri, onde grandes extensões monocultoras foram plantadas. IBDF, Op. Cit., Mapa nº8. 153 “No que diz respeito às suas instalações e aparelhamento didático e científico, torna-se digno de nota o grande desenvolvimento por que passa a ESF. Em março de 1970, será inaugurado o Laboratório de Papel e Celulose, construído (...) algumas indústrias se mostraram interessadas em manter convênios com a UFV, com vistas à utilização do equipamento deste laboratório, que permitirá a realização de todos os testes referentes a papel e celulose, principalmente no que diz respeito à porcentagem ideal de mistura de diferentes espécies, testes de

68

atividade siderúrgica praticada no Estado, “(...) no qual as atividades de reflorestamento

expandiram com maior intensidade, favorecidas pela técnica desenvolvida no cultivo de

eucaliptos e nas ciências agrárias em geral, como preparação de terreno, adubação e controle

de doenças”154.

O que não se problematiza nas matérias publicadas na Informe Agropecuário, no entanto,

é o fato de que, numa lógica invertida, propunha-se desflorestar para reflorestar. Esta mesma

lógica já vinha sendo aplicada nas propriedades de experimentação da Universidade Federal de

Viçosa desde o início da década de 1950, como descreve um relatório da Fazenda Fundão:

“Derrubada da Mata Natural: foram derrubadas aproximadamente 5ha. de mata natural, com

a finalidade de produzir lenha para a produção de tijolos e telhas, bem como de preparar

terreno para o reflorestamento com eucalipto no próximo ano” 155. Para Warren Dean, em

muitos momentos o reflorestamento foi a própria causa do desflorestamento, pois botar abaixo

a mata nativa liberava solos férteis para a floresta a ser plantada:

Os solos, de que apenas recentemente a mata fora derrubada, não estavam, entretanto, biologicamente mortos. Os micróbios, fungos e minhocas sobreviventes poderiam alimentar as mudas e protegê-las de doenças, possibilitando uma taxa de sobrevivência muito mais alta. O reflorestamento, portanto, foi paradoxalmente uma causa importante de contínuo desmatamento156

Arrancavam-se as capoeiras em formação para realizar o plantio de outras

essências, entendendo-se como um método acorde com a “nova mentalidade florestal”. Para

realizar a chamada limpeza da área157 são propostos dois métodos rápidos: o desmatamento à

lâmina e o desmatamento a corrente158. As áreas, onde antes crescia a mata secundária, ficavam

limpas e preparadas para o reflorestamento com o eucalipto e outras árvores de rápido

crescimento, gerando lucro em curto prazo; raras vezes essências vegetais nativas eram

utilizadas nesta tarefa.

resistência à dobra, tração, estouro, espessura etc.” In: Relatório Anual da escola superior de Florestas, Viçosa, UFV, 1969, p.2. ACH-UFV, caixa 490. 154 CALIXTO, Juliana Sena. Reflorestamento, Terra e Trabalho: análise da ocupação fundiária e da força de trabalho no Alto Jequitinhonha, MG. Dissertação (Mestrado) – pós-graduação em Administração (Dissertação de Mestrado), UFLA, Lavras, 2006. p.30. 155 Relatório da Fazenda Fundão, Ano Agrícola de 1951-1952. Universidade Rural de Minas Gerais (relatado por Renato Mário Del Giudice em 22/04/1953). ACH-UFV, Caixa 1106. 156 DEAN, Op. Cit., p.330. 157 Revista Informe Agropecuário, Ano 03, nº36, dezembro de 1977, p.2. 158 Revista Informe Agropecuário. Belo Horizonte, Ano 12, nº141, set. 1986. p.20-23.

69

1.2 – Fazendo Florestas, Construindo Paisagens...

A Mata Atlântica, cobertura vegetal original de boa parte da Zona da Mata de Minas

Gerais, apresenta uma biodiversidade de rara complexidade, sobretudo se comparada com

biomas do Hemisfério Norte, onde quase sempre uma dúzia ou menos de espécies vegetais

cobrem longas superfícies e abrigam espécies animais também numericamente reduzidas159.

Warren Dean, embora problematize a definição de Mata Atlântica durante o período das suas

pesquisas, define o que restou dela como indescritível e imensamente complexo:

Na Mata Atlântica, afora as coníferas do sul, as árvores do dossel não são encontradas em arvoredos puros. Em vez disso, as árvores de cada espécie se dispersaram; cada hectare não conta com mais de umas dúzias de espécimes maduros, e um certo número de outras espécies é representado por exemplares únicos160

Mas, o que os engenheiros florestais vão descrever na paisagem da região nas

décadas de 1960 e 1970 não é a abundância do Bioma Atlântico, tampouco suas matas

secundárias em processo de formação, mas a inexistência de cobertura vegetal, com todos os

problemas (sociais, econômicos e ecológicos) que advêm de tal situação. Devemos, portanto,

evitando anacronismos, analisar como estes cientistas definiam a paisagem na qual, de forma

prática, vão propor intervenções de reflorestamento.

A imagem do eucalipto como a planta reflorestadora por excelência e seus efeitos

positivos para o solo e os mananciais de águas foi a tônica dos discursos dos cientistas florestais

entre as décadas de 1960 e 1970 na sua tarefa de “fazer florestas”. Parecia não haver outra saída

para a Zona da Mata Mineira nos dois programas que analisamos, o eucalipto salvaria a

economia da região e retiraria os agricultores do seu atraso. O cultivo do eucalipto passou a ser

visto como a única forma de se reflorestar em Minas Gerais; confusão não aleatória, proveitosa

para a indústria siderúrgica e endossada pelos discursos científicos do período, dentre esses, o

discurso dos fazedores de florestas.

Nos dois programas de reflorestamento que analisamos podemos encontrar os

dados das essências cultivadas e notamos que o eucalipto chegava a atingir percentuais

superiores a 90% em relação a outras essências, tanto exóticas quanto nacionais. Ao mesmo

tempo percebemos que as ações dos profissionais das Ciências Florestais de Minas Gerais, com

sua gênese na UREMG, vão fomentar o modelo de silvicultura que já vinha sendo proposto

159 DEAN, Op. Cit. p.22-23. 160DEAN, Op. Cit., p.31.

70

desde a década de 1920, promovendo uma silvicultura definida como racional, por ser

organizada dentro de uma lógica científica e pouco centrada na grande diversidade de espécies

das florestas brasileiras. A sintonia entre os discursos e as ações dos “fazedores de florestas” e

o desenvolvimentismo propagado nos planos político e econômicos nacionais são uma marca

fundamental para o entendimento das ideias propagadas nas duas primeiras décadas de

funcionamento da Escola de Florestas na UREMG/UFV. O aproveitamento racional dos

recursos naturais e a conservação vão estar em constante diálogo no período, num movimento

dialético que respondia ao contexto em que estavam inseridos. A conservação dos recursos

naturais não deveria ser um obstáculo ao avanço da economia do Brasil, devia, antes disso, ser

uma aliada.

A superação do atraso da Zona da Mata de Minas Gerais deveria acompanhar o

crescimento da indústria siderúrgica mineira, motor da economia do Estado de Minas Gerais.

A paisagem das encostas deveria ser povoada pelas plantações de eucalipto, úteis para recuperar

o solo degradado e alavancar o progresso da região. A síntese desse processo de silvicultura

racional podemos encontrar nas três imagens que ilustram a capa do manual de reflorestamento

do Conselho de Extensão da UFV (Anexo I), na Imagem A encontramos o solo em processo de

recuperação, na Imagem B o eucalipto já povoa a área antes degradada e na Imagem C os

troncos de eucalipto se encontram preparados para serem utilizados, já embarcados em vagões

de trem e a caminho da indústria.

Na fotografia da capa da Informe Agropecuário (Figura 4), podemos encontrar a

imagem utilizada para ilustrar a ação integrada do PRODEMATA161: Nessa fotografia, a

imagem assume o lugar do acontecimento e do sentimento desolador dos cientistas florestais

diante da paisagem rural da Zona da Mata Mineira entre as décadas de 1960 e 1970, com o solo

erosionado e improdutivo162. A erosão, descrita nas páginas desta edição da revista é apontada

como fruto do manejo incorreto do solo, que seria minimizado com a cobertura florestal

propiciada pelo reflorestamento. Ilustra-se, assim, a situação catastrófica do meio rural da

região, apresentando o reflorestamento com eucalipto como a solução para os solos degradados

e para a extrema carência econômico-social na qual viviam os agricultores.

O calipe, como é conhecido popularmente na Zona da Mata Mineira, já faz parte da

paisagem da região, mesclado entre as capoeiras e os cafezais, embora não tenha a mesma boa

161 Revista Informe Agropecuário. Belo Horizonte, Ano 7, nº83, nov. 1981. 162 A fotografia ilustrativa da capa da revista retrata o que Ana Maria Mauad define como “função sígnica”, dando significado a um acontecimento e expressando um sentimento em relação ao fato significado. In: MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e História interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, n °. 2, 1996, p. 73-98. p.12.

71

fama das décadas anteriores. A má fama adquirida ao longo dos anos, no entanto, não é fruto

direto do que era proposto pelos engenheiros florestais das décadas de 1960 e 1970, como

manejo para as áreas a serem reflorestadas (o plantio nas áreas degradadas, formando uma

cobertura vegetal sobre os solos expostos e erosionados), mas sim do cultivo incorreto dessa

essência florestal. Muitos destes proprietários ainda hoje realizam o plantio em áreas

impróprias, trazendo problemas para os que dependem dos recursos naturais para sua

sobrevivência, sobretudo a água. Assim, afirma uma moradora da Serra das Cabeças, que

observa como o plantio de um eucaliptal praticamente secou a Cachoeira do Racha e o córrego

que lhe dá sequência, próximos à sua propriedade:

A minha água de mina aqui não diminuiu não, mas do rio sumiu quasi tudo (...) por conta dum calipal que eles plantô em cima lá, ô. Calipal é no terreno de Paulo, perto aqui ô... É, pra cima ali. Depois que plantô o calipal, a água secô quasi tudo (...) e ele tá beranu a cachoeira163

Atualmente, são bastante conhecidos os efeitos das monoculturas florestais,

questionando-se o suposto equilíbrio entre o desenvolvimentismo e o uso racional dos recursos

naturais164, eixo propositivo das ações reflorestadoras dos anos 60 e 70 em Minas Gerais. Para

Carlos Bacha, a política desenvolvimentista brasileira, sobretudo a partir da década de 1950,

definiu até mesmo os limites para o desmatamento, disciplinando-o para que esse não afetasse

a economia do pais165.

163 Informante 11, mulher de 65 anos. Entrevista realizada na Serra das Cabeças, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 8 de fevereiro de 2019. 164 FRANCO, José Luiz de Andrade et DRUMMOND, José Augusto. “Incompatibilidade entre o Desenvolvimentismo e o uso Racional de Recursos Naturais”. In: FRANCO et DRUMMOND, Op. Cit., p.213-220. 165 BACHA, José Caetano. “O Uso de Recursos Florestais e as Políticas Econômicas Brasileiras - uma visão histórica e parcial de um processo de desenvolvimento”. In: Estudos Econômicos, São Paulo, v. 34, n. 2, abril-junho 2004. p.403.

72

FIGURA 4 – Capa da Revista Informe Agropecuário, Ano 7, nº83, nov. 1981. (Número dedicado ao PRODEMATA)

73

1.3 - O Conservacionismo Curupira da Escola Superior de Florestas nas

Décadas de 1960 e 1970

Entre as décadas de 1960 e 1970, as ações conservacionistas não ocuparam o centro

das discussões políticas no Brasil, havia outras lutas e discussões que se configuravam como

mais urgentes no cenário nacional, dada a eminência da retomada democrática no país166. Em

muitos momentos, portanto, a conservação da natureza foi negligenciada como parte das lutas

sociais, ficando reduzida aos aparatos acadêmicos das universidades e aos órgãos ambientais

geridos pelo Estado:

Reformadores conservacionistas, difíceis de rotular politicamente mas ainda, em sua maioria, alojados na burocracia científica estatal, nesse meio tempo ocupavam uma posição precária, ignorados pelo governo e desdenhados pela oposição167

Na Universidade Federal de Viçosa foi entre estas décadas que o conservacionismo

se consolidou, tanto como parte do currículo de formação do engenheiro florestal, quanto

associado às ações e práticas voltadas internamente para as matas do campus dessa

universidade, que, como já vimos anteriormente, careceram de ações reflorestadoras da Escola

Superior de Florestas (ESF).

No relatório da Escola Superior de Florestas do ano de 1966, destaca-se a

importância da inclusão da disciplina “Conservação dos Recursos Naturais Renováveis” no

currículo do cientista florestal. A tarefa da conservação de recursos naturais, antes praticada

pelos engenheiros agrônomos, era um desafio curricular168 que devia ser assumido pela ESF

para enriquecer a formação dos engenheiros florestais. O primeiro mês da disciplina de

conservação, no entanto, não foi ministrada por nenhum professor, o que ocorre somente em

março, quando Fernando Dias Ávila-Pires169 é apresentado, juntamente com Hércio Ladeira

166 In: DEAN, Op. Cit., p.282-283. No cenário mundial, contudo, o Brasil foi a voz questionadora das propostas do Clube de Roma (1968) e da Conferência de Estocolmo (1972). As questões foram levantadas pelo embaixador João Augusto de Araújo Castro e por Josué de Castro, ambos problematizaram as proposições dos países de Primeiro Mundo para as políticas ambientais mundiais, pois consideravam que tais proposições agravariam ainda mais a pobreza nos países em desenvolvimento, condenando-os ao subdesenvolvimento e à miséria. In: SAAVEDRA, Fernando Estenssoro. História del Debate Ambiental em la Política Mundial (1945-19992): la perspectiva latinoamericana. Santiago de Chile: Lom Ediciones, 2014. p.126-132. 167 DEAN, Op. Cit., p.283. 168 A disciplina existia apenas na Escola Nacional de Florestas em Curitiba. 169 Fernando Dias de Ávila-Pires foi cedido pelo Museu Nacional para a Escola Superior de Florestas e atuou na disciplina de Conservação dos Recursos Naturais Renováveis entre março de 1966 a dezembro de 1967. No seu currículo, destacado no relatório das atividades da ESF de 1966, inclui-se um vasto repertório de pesquisas sobre taxonomia, ecologia, zoogeografia de mamíferos e conservação da natureza. In: “Relatório de Atividades do Ano de 1966 da Escola Superior de Floresta – Diretor Arlindo de Paula Gonçalves” ACH-UFV, caixa 1337. p.21-24.

74

(responsável pela parte de “Proteção contra Fogo”) 170. No mesmo ano de 1966, o Professor

Ávila-Pires destaca ainda a importância da participação de profissionais da ESF no I Simpósio

Brasileiro de Conservação da Natureza, que seria realizado em 1967 no Rio de Janeiro e no

qual seria apresentado o trabalho “Proteção à Natureza e seu Ensino no Brasil”, abordando os

problemas básicos da questão e propondo soluções.

Os componentes curriculares da disciplina conservação foram sendo

complementado nos anos seguintes, passando a chamar-se “Proteção aos Recursos Naturais

Renováveis e Paisagismo”. No ano de 1969, a disciplina apresentava a seguinte estrutura171: 1º

semestre (Unidade I - Por que proteger?) – Influência da cobertura vegetal natural sobre o

micro e o macroclima; Modificações causadas pelo homem e suas consequências; Argumentos

científicos para a proteção; Argumentos econômicos para a proteção (exploração racional dos

recursos renováveis, turismo); Argumentos estéticos do paisagismo. (Unidade II – O que

proteger?) – Conceito de equilíbrio biológico; Fatores do meio; Proteção de fauna e flora;

Causas e soluções para as espécies em vias de extinção no Brasil. (Unidade III – Como

proteger?) – O valor das investigações científicas na zoologia, na botânica e na ecologia; As

leis brasileiras de proteção à natureza; Convenção Interamericana de 1940; Parques Nacionais

e Reservas Florestais Brasileiras; Manejo da fauna e da flora silvestre; Reintrodução de espécies

extintas; Delimitação de áreas mínimas para estabelecimento de Áreas de proteção; Combate

biológico de pragas; Combate e prevenção do fogo. 2º semestre – Proteção contra o fogo,

Paisagismo.

Na estrutura da disciplina apresentada acima podemos notar a ênfase dada ao manejo dos

recursos naturais e suas variadas consequências, tanto no clima como no equilíbrio de espécies.

Para realizar a proteção dos recursos naturais busca-se, portanto, responder a três questões

básicas: o “porquê”, “o que” e “como proteger”. Em meio ás respostas apresentadas às questões,

encontram-se argumentos científicos, legais, estéticos e econômicos, que justificam a existência

de Parques Nacionais e Reservas Florestais e promovem o paisagismo e o combate às perdas

causadas pelo fogo.

Os esforços dos primeiros professores da disciplina de “Conservação dos Recursos

Naturais Renováveis” geraram frutos dentro da ESF que, em 1973, já apresenta o conteúdo

dentro de um departamento específico e com cinco áreas distintas de conhecimento172:

170 “Relatório das Atividades Durante o Ano de 1966, Professor Fernando Dias Ávila Pires - Departamento de Ecologia e Conservação, ESF”. ACH-UFV, Caixa 776. p.1. 171 “Relatório Anual de Atividades da Escola Superior de Florestas, 1969” ACH-UFV, Caixa 14. p.67-68 172 Em 1973 a Escola Superior de Florestas encontrava-se dividida em 4 departamentos: Departamento de Manejo Florestal, Departamento de Silvicultura, Departamento de Utilização e Tecnologia Florestal e Departamento de

75

FIGURA 5 – Estrutura do Departamento de Recursos Naturais Renováveis da ESF em 1973. In: Relatório de Atividades do Ano de 1973 da Escola Superior de Floresta – Diretor Roberto da Silva Ramalho”. ACH-UFV, caixa 42

Na Área 1, estavam concentrados os conteúdos de medidas, interpretação numérica de

espécies florestais e controle das mesmas. Na área 2, eram analisados os problemas ocorridos

nas florestas (fogo e patologias) e estudavam-se as soluções. Na Área 3 eram avaliados os

manejos das áreas silvestres, sua conservação e seu uso estético e recreativo. Na área 4, era

analisado o manejo dos recursos hídricos e sua relação com as florestas. A área 5, estava

dedicada à fauna (inventários, dinâmicas de população, manejos, patologias e legislação

protetiva).

Assim como nos conteúdos didáticos, as ações conservacionistas tiveram seu início

no final da década de 1960 na Universidade Federal de Viçosa (até 1969 pertencente à esfera

estadual e chamada UREMG), quando os profissionais ligados às áreas das ciências biológicas

e florestais passam a defender o patrimônio natural da região, denunciando os problemas da

fauna e flora e propondo a criação de um parque biológico no campus universitário. No ano

seguinte à criação da ESF já se solicitava maior empenho para a conservação da fauna da região

de Viçosa, sobretudo por que as áreas nas quais as espécies nativas seguiam existindo eram

cada vez mais reduzidas:

Recursos Naturais Renováveis. In: “Relatório anual da escola Superior de Florestas de 1973” ACH-UFV, Caixa 42. p.7-8.

76

Nenhuma medida de proteção efetiva da fauna está sendo posta em prática, o que muito contribui para o empobrecimento progressivo dessa fauna. As áreas reservadas são demasiado reduzidas para permitirem a existência de espécies já extintas nos arredores de Viçosa173

A degradação dos espaços naturais na região é apontada como causadora do

desequilíbrio biológico entre as espécies da fauna, fazendo desaparecer os grandes carnívoros

e aumentando o número de cachorros do mato, gatos do mato, gambás e outros pequenos

predadores174. A saúva é outra espécie da fauna que ganhou espaço ao perder seus predadores

naturais, aves insetívoras que habitavam as matas originais; seu aumento foi causado pelos

métodos da lavoura e silvicultura empregados até então175. Além do aumento de espécies

animais nativas devido à ausência de predadores, surgem outras espécies exóticas da fauna que

passam a concorrer com as nativas: “O pardal, recentemente chegado à região, tem aumentado

em número e expandido em área, ocorrendo em diversas localidades da Zona da Mata, onde

era desconhecido há dois ou três anos passados”176. Segundo apresentado no relatório descrito

anteriormente, este cenário somente poderia ser alterado com a criação de reservas de faixas da

mata nativa e com a utilização de métodos apropriados de manejo da terra nas áreas cultivadas.

A caça e pesca ilegais dentro dos terrenos da universidade são apontadas também como

causas para a ausência de espécies nativas de animais. A prática dessas atividades ficou

registrada em ofícios enviados à reitoria, nos quais solicitava-se a atuação da Polícia de

Vigilância Rural177 dentro do campus da universidade para o cumprimento efetivo da portaria

do reitor que proibia tais atividades cinegéticas. Os denunciados eram servidores e professores,

que, aproveitando-se da precária vigilância, distribuíam alçapões nas áreas próximas as matas

e capturavam pássaros nativos, chegando mesmo a guardarem as gaiolas com os animais

173 “Relatório das Atividades Durante o Ano de 1966 – Professor Fenando Dias Ávila Pires (Departamento de Ecologia e Conservação, ESF)”. ACH-UFV, Caixa 776. p.2. O professor Ávila Pires era, naquele momento, responsável pelo “Trabalhos Preliminares para Levantamento da Fauna Florestal de Viçosa”. 174 Segundo o professor Ávila Pires, esses animais são apontados pela população como os causadores de flagelos às pequenas criações domésticas. Idem, Ibidem. 175 Apesar do relatório não nos oferecer maiores dados sobre a questão, o “problema das saúvas” foi recorrente entre os pesquisadores da universidade, sobretudo nos estudos agronômicos, uma vez que eram as lavouras as principais vítimas dessas formigas cortadeiras. Um dos pesquisadores da UFV mais atuantes no combate às saúvas (Ata spp.) foi Frederico Vanetti, que mapeou os formigueiros no campus da UREMG na década de 1950, estudou a estrutura destes formigueiros e elaborou técnicas de combate químicos com brometo de metila e inseticidas clorados. Ver: VANETTI, Frederico. “Resultados Experimentais Sôbre o Controle À Formiga Saúva, Atta sexdens rubripilosa Forel, 1908, com Inseticidas Clorados”. Tese de Doutorado, Escola Superior de Agricultura, UREMG, Viçosa. 1960, 61p. 176 “Relatório das Atividades Durante o Ano de 1966, Professor Fenando Dias Ávila Pires - Departamento de Ecologia e Conservação, ESF”. ACH-UFV, Caixa 776. p.2. 177 A Delegacia de Vigilância Rural foi instalada em Viçosa em 11 de julho de 1970, uma iniciativa da ESF com o apoio da Polícia Militar e do IEF, para auxiliar na preservação do patrimônio florestal do Estado de Minas Gerais. In: “Convite ao Reitor Edson Postch Magalhães para inauguração da sede da Delegacia de Vigilância Rural – ESF (Diretor Reinaldo de Jesus Araújo)”. 06/07/1970. ACH-UFV, Caixa 868.

77

capturados nos seus locais de trabalho, nas dependências da universidade. Estas práticas são

atacadas como inescrupulosas e egoístas178, colocando em perigo o trabalho de recuperação de

espécies realizado pelas ciências biológicas e florestais:

O Departamento de Recursos Naturais Renováveis tem procurado, através de sua seção de manejo da fauna, reestabelecer a população de animais nas terras da universidade, principalmente pássaros, através da soltura de animais apreendidos pela Polícia de Vigilância Rural. A incompreensão de alguns, entretanto, ameaça o êxito da nossa missão (...) Já tivemos oportunidade de ver, em várias ocasiões, gaiolas com filhotes e temos notícias de que a caça é praticada frequentemente até por funcionários da própria universidade179

O problema para a questão do desequilíbrio da fauna, no entanto, não seria resolvido

apenas reprimindo os contraventores. Para tanto, propõe-se a criação de um parque biológico

(atual Mata da Biologia), que aumentaria a área de circulação de animais silvestres e

possibilitaria o aumento de tais espécies180. No projeto enviado à apreciação da reitoria,

definem-se as áreas a serem protegidas e projeta-se a superação da degradação ambiental na

que as mesmas se encontravam. Os espaços solicitados para a criação do parque biológico

serviriam para fornecer materiais didáticos e científicos aos estudos ecológicos, para recreação

e para a propagação de espécies nativas. Desta maneira, entendia-se que a fauna e a flora nativa

poderiam ampliar seus habitats, aumentando em quantidade e diversidade necessárias ao

equilíbrio ecológico dentro do campus universitário.

Assim os proponentes do parque definem as condições da área naquele momento (Figura

6): A área A compreende a nossa atual reserva e uma área da antiga represa de água potável. A

área B compreende uma pastagem degradada. A Área C compreende também uma pastagem

degradada, hoje atravessada pela rodovia de acesso à cidade. As duas últimas áreas servirão

para estudos ecológicos de mata secundária e darão espaço necessário para diversificação e

desenvolvimento da fauna silvestre181.

178 “Creia-me, Magnífico Reitor, empenhado em defender um patrimônio que não é só nosso, mas da humanidade, pois a natureza é um bem comum de todos nós, e não de uns poucos que a destroem e querem usar para seus fins egoístas”. In: “Ofício da Diretor do Instituto de Ciências Biológicas, Moacyr Maestri, ao Reitor da UFV, Erly Dias Brandão”, 23/02/1972. ACH-UFV, Caixa 1337. 179 “Ofício enviado pelo Chefe do Departamento de Recursos Naturais Renováveis, Oswaldo F. Valente, ao Diretor da ESF, Prof. Reinaldo de Jesus Araújo”. 23/02/1972. ACH-UFV, Caixa 1337. 180 181 “Ofício do Diretor do ICB, Moacyr Maestri, ao Reitor da Universidade Federal de Viçosa, Erly Dias Brandão”. 26/10/1972. ACH-UFV, Caixa 1337.

78

FIGURA 6 – Área Proposta para o Parque Biológico no Campus da UFV (1972) – legenda adaptada à figura (sem escala). In: “Projeto de Criação do Parque Biológico da UFV – Professor Moacyr Maestri (Diretor do ICB), em 26/10/1972”. Ofício envido ao Reitor Erly Dias Brandão. ACH-UFV, caixa 1337.

As bandeiras de luta conservacionista dos engenheiros florestais, muito vinculadas, neste

momento, aos profissionais do Centro de Ciências Biológicas, ganham ainda mais vigor após a

fundação do Centro Mineiro para a Conservação da Natureza (CMCN) em 1967. O CMCN tem

uma relação direta com a Escola Superior de Florestas, tendo inclusive sua sede provisória nas

instalações da ESF e seus presidentes sempre vinculados ao curso de engenharia florestal da

UFV.

É importante ressaltar que a atuação de técnicos e cientistas nas instituições públicas

podia confrontar com interesses mais fortes e hegemônicos dentro do aparato institucional,

tanto acadêmicos como governamentais, encontrando entraves que impediam suas pesquisas e

atuações práticas. Criou-se, portanto, “(...) uma dinâmica em que técnicos e cientistas

empregados pelos governos buscaram respaldo na sociedade civil, criando sociedades civis

atuantes”182. A relação entre a ESF (unidade acadêmica da UREMG) e a CMCN (sociedade

civil de caráter ambientalista) intensificou a atuação conservacionista dos docentes e técnicos,

182 FRANCO, José Luiz de Andrade et DRUMMOND, José Augusto (Org.). História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p.352.

4

8

1 5

6

3 7

2

Área A para recuperação das Matas

Área B para recuperação das Matas

Área C para recuperação das Matas

Avenida PH Rolfs (Reta) Lagoa da UFV 1 – Prédio Principal 2 – Antiga Sede da ESF 3 – Alojamento Velho 4 – Vila Gianetti 5 – Dep. de Biologia 6 – Dep. de Ciências Domésticas 7 – Biblioteca Central 8 – Centro de Ensino e Extensão 9 – Dep. de Extensão Rural

C

9

A B

79

que, utilizando os espaços de debate da sociedade civil, vão encontrar um terreno fértil para sua

atuação político-ambientalista na região da Zona da Mata Mineira, similar ao que já praticava

a Fundação Brasileira para Conservação da Natureza (FBCN):

As organizações não governamentais, livres das restrições que afetam as de cunho oficial, obrigadas via de regra a obedecerem diretrizes recebidas sem contestá-las ou criticá-las, agem com liberdade de ação e, como tal, podem conscientizar as comunidades, apontar erros e deficiências e, no sentido de compelir os órgãos governamentais a atender aos reclamos da sociedade nas questões ambientais. Para isso, uma de suas tarefas essenciais é esclarecer e conscientizar essa própria sociedade, para que ela possa atuar na defesa do patrimônio natural que lhe pertence183

As ações conservacionistas são reivindicadas pelo CMCN como parte do processo de

crescimento e maturidade do país. No Estatuto de Fundação da instituição, estão descritas as

bases para o seu funcionamento, sincronizadas com os princípios da FBCN e inspiradas, embora

com quase um século de atraso, nos ideais conservacionistas de André Rebouças:

(...) promover e recomendar uma ação nacional no sentido de preservar o ambiente natural, sobre todos os seus aspectos, como sejam: água, solo, fauna, flora e paisagens, incluindo a proteção e reserva de áreas que tenham valor científico, histórico ou estético, de maneira a congregar a opinião pública em tôrno de palpitante assunto (...) Identifica-se o longo processo de utilização dos recursos naturais brasileiros sem observância de estreitos conteúdo econômico, que assim se viram desfalcados de maneira séria de substâncias matérias-primas, vegetais, minerais e animais, algumas das quais se tornaram raras e outras ameaçadas de extinção184

Como símbolo da sua filosofia conservacionista, o CMCN escolheria o Curupira, por ser

o espírito que impede a ação dos inescrupulosos exploradores dos recursos das matas – uma

entidade protetora das florestas, dos animais e das plantações:

(...) habita o âmago da floresta e abriga-se nas sapopemas das grandes árvores. Seu machado, feito de casco de jaboti, nada destrói (...) engana somente os caçadores ou viajantes que agem contra os princípios da ética da natureza, seja matando animais muito jovens, fêmeas gestantes, usando armadilhas cruéis e, sobretudo, mutilando ou abatendo animais e plantas, apenas pelo prazer de destruir185

183 CÂMARA, Ibsen de Gusmão. “O Problema Ambiental e o Papel das Organizações Conservacionistas Não Governamentais”. In: Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, Vol.20, 1985. p.9. 184 “Estatuto de Fundação do Centro Mineiro para Conservação da Natureza” 21/09/1967. ACH-UFV, caixa 1337. 185 Idem, Ibidem.

80

FIGURA 7 – Curupira no Centro do Mapa de Minas Gerais, Símbolo do Centro Mineiro para Conservação da Natureza (1968). In: “Estatuto de Fundação do Centro Mineiro para Conservação da Natureza” 21/09/1967. ACH-UFV, caixa 1337.

Com os calcanhares virados para trás, o Curupira deixa marcas que confundem os

caçadores no incauto de algum animal, fazendo-os perder a pista. Realiza, ainda, verdadeira

perseguição aos que ferem os animais sem motivos ou destroem seus ninhos, batendo seu

machado nos troncos das árvores e assustando-os. O Curupira montado no caititu ficou

impresso como símbolo do conservacionismo do CMCN e da ESF (Figura 7).

Os parques como objeto de estudo começam a aparecer nos currículos da ESF no início

dos anos de 1970, vinculados ao Departamento de Recursos Naturais Renováveis. Em uma

monografia defendida neste Departamento, encontramos os elementos analisados para a

“zonificação” de uma área protegida. A monografia intitulada Breves Considerações sobre

Zonificação de Parques Nacionais186 apresenta-nos os elementos entendidos naquele momento

como necessários para a estruturação de um parque nacional e os programas que deviam ser

desenvolvidos no manejo destas áreas protegidas.

São apontadas três áreas necessárias no zoneamento de parques: a Área de Proteção

Integral, a Área de Recreação e a Área de transição. As Áreas de Proteção Integral eram

defendidas para que o ser humano não interferisse no equilíbrio ecológico do ecossistema,

186 FERREIRA, Maria das Graças Moreira. Breves Considerações sobre Zonificação de Parques Nacionais. Monografia, Escola Superior de Florestas, UFV, 1973. 22p.

81

composto por afloramentos rochosos, bosques e capoeiras, conservando espécies animais e

vegetais autóctones em vias de extinção e permitindo seu livre trânsito187. As Áreas de

Recreação eram definidas de maneira a levar o turista a sentir-se em um ambiente o mais natural

possível, já que “(...) as pessoas que se dirigem a estas áreas estão justamente procurando

escapar de um ambiente controlado”188. Uma vez que o tipo de recreação praticado em parques

visa a uma renovação espiritual, intelectual e física, devia-se concentrar as Áreas de Recreação

em locais com vários fatores atrativos, mas sempre vinculados a contemplação da autenticidade

da paisagem189 e controlando o número de visitantes para garantir a integridade do ecossistema.

As Áreas de Transição deviam localizar-se entre a parte de recreação e a parte intocável do

parque, impedindo interferências dos visitantes da primeira sobre a segunda, como fumaça e

ruídos190.

A elaboração de programas nos parques nacionais foi descrita pela autora da monografia

produzida na ESF, em 1973, como necessária para equacionar a conservação e o uso recreativo

das áreas protegidas. Assim, os programas deviam oferecer ao visitante estruturas para os

passeios e trilhas (Programas de Construção), condições naturais de habitats para a realização

de pesquisas científicas (Programas de Pesquisa), indicações para educar o visitante e auxiliá-

lo no entendimento do ecossistema (Programas de Interpretação), assim como um Programa de

Proteção, destinado à conservação de paisagens, de objetos históricos, de animais e da

vegetação191.

1.4 – Reivindicando Laboratórios Naturais: as reservas ambientais entram

em cena

Desde a década de 1960, os professores da Escola Nacional de Floresta (ENF) da UFV

reivindicavam uma área de proteção ambiental onde pudessem realizar seus trabalhos de campo

e suas pesquisas. Em abril de 1960, o reitor da UREMG solicita ao Governador de Minas

Gerais, José Francisco Bias Fortes, que o Parque Estadual do Rio Doce passe à gestão da Escola

Nacional de Floresta, apontando as vantagens que o atendimento a esta demanda ocasionaria:

187 FERREIRA, Op. Cit., p.4. 188 FERREIRA, Op. Cit., p.5. 189 Para alcançar este objetivo é proposta a realização de um inventário de fotografias que, “(...) analisadas em terceira dimensão, nos dá a realidade da paisagem e fatores como distância, posição do observador, definição espacial, luz e sequência”. FERREIRA, Op. Cit., p.5. 190 FERREIRA, Op. Cit., p.7. 191 FERREIRA, Op. Cit., 8-17.

82

A Escola de Floresta terá, naquêle parque, um amplo campo para estudos e pesquisas, englobando elementos característicos de uma das mais importantes formações florestais da zona das matas costeiras, com a vantagem de encontrá-los em parte preservado e em parte desgastados pela ação do homem, do fogo e de outros agentes predadores, o que possibilitará empreender, sem mais demoras, trabalhos que abrangerão todos os campos da sílvica e da silvicultura, passando da dendrologia, da ecologia, da fitologia, pelo reflorestamento, pela entomologia aplicada e pela explotação, para chegar à proteção e melhoria das reservas do parque, das águas, das paisagens, da fauna, possibilitando conseguir proveitos em madeiras, sementes, cascas, raízes e outros produtos diretos, além de elementos para educação através do recreio, da caça, da pesca e do ensinamento ilustrado ao vivo192

Embora não tenhamos encontrado nenhum registro resposta do Governo de Minas Gerais

à solicitação do Reitor da UREMG, podemos, conjunturalmente, deduzir que a mesma foi

negada, já que as áreas de proteção ficaram sob tutela do IEF desde a criação deste órgão em

1962. A ESF manteve, no entanto, o empenho em utilizar as áreas de proteção ambiental nos

seus planos de estudo, passando a organizar acampamentos anuais para os alunos de terceiro

ano do curso de Ciências Florestais.

Assim ocorreu em viagem ao Parque Nacional do Itatiaia, acampamento realizado entre

8 e 15 de agosto de 1966, que objetivava familiarizar os alunos com trabalhos em áreas de

florestas e com a administração de um parque nacional; uma atividade prevista no currículo da

ESF193. No projeto para o acampamento no Parque Estadual do Rio Doce em 1971, encontramos

os detalhes das atividades realizadas, demonstrando a importância em se ter uma área protegida

para realizar os estudos florestais. Assim descrevem:

- Instalação e medida das amostras permanentes de crescimento; planejamento e execução de um inventário de 100ha.; mapeamento da vegetação; cálculo sumário dos dados; - A partir dos dados obtidos anteriormente, planejar e iniciar a execução de um plano de manejo da mata natural; definição do ciclo de corte e do volume a remover; escolha e marcação das árvores a remover no primeiro corte; - Introdução aos trabalhos de silvicultura e ecologia. Levantamento e inventário da fauna da área, captura e identificação de espécimes da fauna; - Vistoria e coleta de animais capturados nas armadilhas; - Levantamento e análise de regeneração florestal; - Escolha e marcação de árvores matrizes para porta-sementes;

192 In: “Carta do Reitor da UREMG, Geraldo Machado, ao Governador de Minas Gerais, Francisco Bias Fortes”. (23 de abril de 1960). ACH-UFV, Caixa 1129. 193 “Parque Nacional do Itatiaia – Acampamento da turma de 3º ano da ESF, previsto no currículo escolar”. ACH-UFV, Caixa 776.

83

- Planejamento de exploração da área em estudo em bases racionais e econômicas; - Demarcação de estradas e início da exploração; - Planejamento e demarcação de áreas destinadas ao “camping” – (área de pousada) 194

Este programa de acampamento elaborado pela ESF demonstra a preocupação em formar

cientistas florestais que tivessem contato com as florestas em seu estado natural, onde a

interferência do homem fosse mínima e pudesse oferecer um campo de estudos com resultados

mais acertados nos seus relatórios e pesquisas.

É neste contexto que a Serra do Brigadeiro vai ser levada à discussão na Escola Superior

de Florestas, em viagens de reconhecimento e acampamentos para estudos dos seus recursos

naturais faunísticos e florísticos. Em 1966, os professores Fernando de Ávila Pires, José Gabriel

Lelis e José Lívio Cunha realizaram uma excursão às matas da Serra do Brigadeiro195. O

professor de “Recursos Naturais Renováveis” relata sondagem da área da serra para realização

de acampamento com os alunos: “Visitei a região da Serra do Brigadeiro afim de estudar a

possibilidade de fazer realizar na região um estágio de campo com os alunos da terceira série

da Escola Superior de Florestas”196.

No primeiro projeto que sugere a criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, os

professores Elmar Alfenas Couto e James Dietz apontam o uso da área como ponto de referência

para medir as alterações ambientais na Zona da Mata Mineira. Desta maneira, entendia-se que

a Escola Superior de Florestas teria uma área adequada para suas investigações científicas – um

laboratório permanente para seus estudos.

194 “Programa do Acampamento de Alunos do Terceiro Ano da Escola Superior de Florestas da Universidade Federal de Viçosa – Parque estadual do Rio Doce - 1971”. ACH-UFV, Caixa 14. O professor Ovídio Saraiva destaca no Relatório Anual daquele ano que houve captura de diversas espécies de pássaros e mamíferos para que se desse a identificação nas aulas sobre fauna silvestre. In: “Relatório Anual da escola Superior de Florestas de 1971 – Diretor Roberto da silva Ramalho”. ACH-UFV, caixa 1337. p.9-10. 195 “Relatório anual da Escola Superior de Florestas de 1966 – Diretor Arlindo de Paula Gonçalves”, 17/01/1967. ACH-UFV, Caixa 1337. p.30 196 “Relatório das Atividades Durante o Ano de 1966, Professor Fenando Dias Ávila Pires - Departamento de Ecologia e Conservação, ESF”. ACH-UFV, Caixa 776. p.3. Desde a criação da ENF (1960) a Serra do Brigadeiro vinha se tornando referência para os estudos do ecossistema da região de Viçosa, sendo área de constante visitação e estudos daquela escola. In: COUTO, Elmar Alfenas. Dietz, James M. Sugestões para a Criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Universidade Federal de Viçosa (Escola Superior de Florestas). Viçosa, 1976. 23 p.

84

********************

Desde a criação do curso de silvicultura em 1927, as florestas entram em pauta na formação

dos engenheiros agrônomos da ESAV, criando projetos para a produção florestal, para a

recuperação de áreas degradadas e para a utilização mais racional dos recursos naturais, assim

como fomentando a consciência ambiental da população, no campo e na cidade, sobre a

importância de se preservar as “fabulosas florestas” brasileiras. A partir da década de 1960,

essas pautas são assumidas pela Engenharia Florestal, por meio de programas específicos para

as florestas, desvinculados das ações do curso de agronomia. Surgem no cenário da UREMG

os “fazedores de florestas”, que vão fomentar a produção florestal e enfrentar as demandas de

madeira, carvão e celulose para movimentar a economia de Minas Gerais, em um movimento

acorde com os princípios desenvolvimentistas daquelas décadas, que entendiam as florestas

desde a sua utilidade econômica e vislumbravam os plantios de eucalipto como solução para a

produção siderúrgica mineira. Por outro lado, as ações para conservação da fauna e flora da

Zona da Mata Mineira são iniciadas dentro do campus da Universidade Federal de Viçosa e as

áreas protegidas passam a ser reivindicadas pelos cientistas florestais e pelo Centro Mineiro

para Conservação da Natureza – o machado do Curupira começa a assustar os devastadores.

Com a criação do Departamento de Conservação dos Recursos Naturais na Escola Superior de

Florestas, as áreas protegidas ganham impulso nas discussões acadêmicas e passam a fazer parte

do repertório dos “fazedores de florestas”. Faltava ainda uma reserva natural nas proximidades

de Viçosa para que a formação dos engenheiros florestais fosse mais completa e para que a

“nova mentalidade florestal” – moderna, utilitária e conservacionista - alcançasse a população

da Zona da Mata Mineira.

85

CAPÍTULO 2 – Olhares Sobre a Serra: fiscalizar, planejar e

transformar a Serra do Brigadeiro em parque

Eu fiz a primeira visita a Serra do Brigadeiro e encontrei

uma situação devastadora. Numa região de acesso

dificílimo (...) um grande contingente de trabalhadores

fazendo o corte e o baldeio daquela floresta em

condições especialíssimas para a época... Enfim, a

floresta estava sendo cortada e derrubada numa

velocidade muito grande

(Capitão Elmar Alfenas Couto)

86

Tudo indica, pelo encontrado na documentação analisada e nas memórias coletadas

em entrevistas, que a Serra do Brigadeiro entrara para as discussões da ESF após a criação da

disciplina de “Conservação dos Recursos Naturais Renováveis”, quando as excursões

realizadas para o local levaram, tanto alunos como professores, a olharem para esta serra desde

uma perspectiva conservacionista. É curioso, no entanto, que nos relatos de excursões não

encontremos nenhum registro da degradação pela qual vinha passando o ecossistema daquela

cadeia de montanhas e que analisaremos neste capítulo. O silêncio destas fontes, contudo, pode

nos indicar outro caminho de análise que não um axioma para a conservação daquele espaço.

O que se buscava nas excursões era atrair o olhar dos alunos para áreas pouco tocadas pelos

seres humanos na floresta e onde tais alunos pudessem ter um contato mais efetivo com o meio

natural197, sendo as áreas mais preservadas as escolhidas, portanto, para se montar os

acampamentos.

O que se apresenta como fator decisivo para um olhar conservacionista em relação

a Serra do Brigadeiro é a criação da Delegacia de Vigilância Rural na cidade de Viçosa, em

julho de 1970. A alocação desta delegacia foi fruto da iniciativa dos professores da Escola

Superior de Florestas (ESF), solicitada ao Instituto Estadual de Florestas para conter o

desmatamento da Serra do Brigadeiro198. Como oficial da Polícia Militar para atuar na delegacia

criada, selecionou-se por concurso público o Capitão Elmar Alfenas Couto. A função deste

delegado regional da polícia florestal era exigir a efetiva preservação do que restava das

florestas na sua área de atuação, com foco na Serra do Brigadeiro, fazendo-se cumprir o Código

Florestal199.

Desde o Código Florestal de 1934, já se legislara sobre a tipologia das florestas

existentes no Brasil, definindo-as como Florestas Protetoras, Florestas Remanescentes,

Florestas Modelo e Florestas de Rendimento200. Esta tipificação florestal inclui o conjunto de

florestas existentes no território nacional como “(...) bem de interesse comum a todos os

habitantes do paiz, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações em geral, e

especialmente este código, estabelecem”201. Em 1962, as florestas existentes na Serra do

197 Este aspecto já foi apresentado nos programas das excursões analisados anteriormente, sendo a classificação de “meio natural” utilizada entre os que produziam tais documentos e não uma mera concordância nossa em relação ao que pode pressupor tal classificação. 198 O que demonstra que, embora as áreas degradadas não fossem as utilizadas nas excursões citadas acima, a exploração daquela serra era de conhecimento e preocupação dos cientistas florestais. 199 Informante 20, homem de 63 anos. Entrevista realizada em Viçosa por Adailton Damião dos Santos em 10 de setembro de 2018. 200 Código Florestal, Decreto Presidencial nº23.793, de 23 de janeiro de 1934, Artigo 3º, letras a, b, c e d. Publicado no Diário Oficial da União – Seção 1 - 09/02/1934, página 2882. 201 Idem. Artigo 1º.

87

Brigadeiro são decretadas Florestas Protetoras202, afirmando sua importância para a

preservação dos mananciais de água da região, evitando a erosão do solo, e para a conservação

da sua beleza paisagística, asilo para as espécies raras da sua fauna e flora:

São declaradas protetoras (...) as florestas nativas, de propriedade privada, existentes na Serra do Brigadeiro, nos divisores de águas vertentes, de interêsse dos Municípios de Abre Campo, Matipó, Raul Soares, Viçosa e Carangola, no Estado de Minas Gerais203

Segundo Couto & Dietz, foi a Escola Superior de Florestas que iniciou este processo

de proteção da Serra do Brigadeiro, após observar o desmatamento causado pela extração de

madeira para produção de carvão e o crime contra a ciência florestal que ali se praticava. Os

recursos florestais, explorados irracionalmente, incluíam árvores de importante valor

econômico e praticamente extintas na Zona da Mata Mineira: cedro, canjerana, perobas, canelas

duras, vinhático, jequitibá, orelha-de-onça, ipês, liquerana e murici204.

Mesmo decretadas como florestas protetoras em 1962, o desmatamento e a

contravenção dos recursos naturais (florístico e faunístico) da Serra do Brigadeiro prosseguiram

até o início da década seguinte. Uma das causas para que se mantivesse a exploração nas matas

da Serra do Brigadeiro era a dificuldade de se controlar os inúmeros empreiteiros contratados

pelas siderúrgicas para dificultar a fiscalização e a aplicação do Código Florestal; “(...) os

empreiteiros eram numerosos e itinerantes demais para serem controlados205.

Em 1970, no entanto, as diligências da Delegacia de Vigilância Rural de Viçosa,

comandadas pelo Capitão Alfenas, chegam à Serra do Brigadeiro, embarcando as operações de

desmatamento que vinham ocorrendo de forma acelerada na região do Pico do Boné.

2.1 – Para Que a Serra Não Vire Carvão – do embargo da contravenção à

sugestão do parque

A história da siderurgia mineira na segunda metade do século XX está diretamente

associada ao desmatamento no Estado de Minas Gerais, a partir da década de 1950, na Serra do

Brigadeiro encontramos, em pequena escala, um exemplo dessa relação. Siderurgia e

202 Idem. Artigo 4º, letras a, b, e, f e g. 203 Decreto Presidencial nº 1493, de 09 de novembro de 1962. Artigo 1º. 204 COUTO, Elmar Alfenas. DIETZ, James M. Sugestões para a Criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Universidade Federal de Viçosa (Escola Superior de Florestas). Viçosa, 1976. p.3. 205 DEAN, Op. Cit., p.290.

88

desmatamentos caminham juntos no período pela opção do uso do carvão vegetal no processo

de produção de aço e ferro. Tal opção deveu-se à escusa da existência de grandes recursos

florestais no Estado, principalmente nas áreas remanescentes de Mata Atlântica206.

A Companhia Belgo Mineira foi a precursora no uso do carvão vegetal para o

processo de redução do minério de ferro, dispondo de 235.610 hectares de mata nativa para

exploração de madeira, sendo que dois terços deste total se encontravam no Vale do Rio Doce,

entre João Monlevade e Governador Valadares. Ainda assim, a empresa conseguia suprir

apenas 43% do total do carvão vegetal que consumia, o que a levou a incentivar “terceiros” a

desmatarem outras áreas de matas nativas e produzirem o carvão vegetal necessário ao seu

pleno funcionamento:

(...) esses “terceiros” eram e são pequenos e médios proprietários acuados pela expansão acelerada da pecuária, mas notadamente das propriedades das siderúrgicas e das madeireiras. Porque a sobrevivência dessas resulta da transformação de suas matas em carvão, vendido a grandes empresas a preços inferiores aos obtidos pelas siderurgias em suas terras. Essas siderúrgicas não só desmatavam suas propriedades como estimulavam terceiros a tal atividade207

Por outro lado, se explorações florestais seguiram seu curso na Serra do Brigadeiro

após sua proibição em 1962, não foi exclusivamente pelo caráter itinerante que marcou a

atuação das empreiteiras na extração da madeira para a produção de carvão. As florestas

brasileiras, em geral, as de Minas Gerais, em particular, foram marcadas pelas políticas de

desenvolvimento do governo federal desde o pós-guerra, que visavam ao crescimento

econômico acelerado208, muitas vezes associado a modelos financiados por agências

internacionais de fomento; o uso predador dos recursos florestais tornava-se um imperativo do

desenvolvimento - a Serra do Brigadeiro não escapou desta lógica.

Exemplo desse imperativo do desenvolvimento em Minas Gerais foi a construção

da Estrada da Ponte Queimada no interior do Parque Estadual do Rio Doce (PERD) na década

de 1950 e seus muitos desdobramentos nas décadas que se seguiram. A utilização dessa estrada

entre 1950 e 1970 nos expõe as contradições e ambiguidades presentes nas relações entre a

206 Segundo Marco Antônio Coelho, especialistas mineiros lograram convencer os parceiros belgas e luxemburgueses de que a produção de ferro e aço com carvão vegetal era viável, pois o carvão mineral brasileiro era de baixa qualidade e havia grandes recursos florestais no estado. In: COELHO, Marco Antônio Tavares. Rio Doce: a espantosa evolução de um rio. Belo Horizonte: Autêntica Editora; 2011. p.86-87. 207 COELHO, 2011, Op. Cit., p.88. 208 DEAN, Op. Cit., p.280.

89

sociedade e o Estado na criação de políticas ambientais e sua aplicação na área do PERD209. As

consequências da utilização da estrada durante três décadas para o equilíbrio ecossistêmico da

área protegida do parque foram diversas: poluição sonora e atmosférica, atropelamentos de

animais, aumento dos incêndios, incremento da caça aos animais silvestres, extração ilegal de

espécies vegetais e contaminação do solo210. Mas, se a estrada seguiu sendo utilizada, mesmo

com todos os problemas ocasionados à área de proteção do parque, foi porque ela respondia a

interesses mais imperativos naquelas décadas do que a conservação – o transporte de carvão

para alimentar os fornos de redução da ACESITA. Com as enchentes de 1979 e o derrumbe da

Ponte Queimada, que ligava as margens do Rio Doce, a circulação de veículos foi suspensa.

Para as associações ambientalistas, defensoras do fechamento da estrada, parecera o fim dos

problemas, deu-se, no entanto, início a uma nova contenda: o dilema agora era a legitimidade

em se reconstruir o acesso sobre o Rio Doce. Nessa nova fase do debate, mesmo com as

constantes denúncias e com as obras embargadas judicialmente, a ACESITA reconstruiu a

ponte e reativou a estrada em meados da década de 1980. Era a reafirmação da vocação

siderúrgica211 impingida à região do Vale do Rio Doce e a demonstração de força da empresa

que representava essa vocação. Imperara o desenvolvimento.

A Companhia Belgo-Mineira atuou em parcerias na Serra do Brigadeiro, cortando

a Mata Atlântica da área para produção de carvão. Um dos principais parceiros no

empreendimento foi Rubens Rezende Peres, empresário de São Pedro dos Ferros, que tinha

adquirido a área da Fazenda do Brigadeiro na década de 1950, passando a explorar as matas do

seu entorno.

Em matéria publicada na Revista da Associação Comercial, a figura de Rubens

Peres é associada à de um empreendedor exitoso no setor madeireiro e pecuário, que levara o

progresso ao município de São Pedro dos Ferros e fora responsável, segundo a revista, por uma

grande obra de aproveitamento racional das florestas, transformando a “mata virgem” em local

de trabalho e prosperidade. Estima-se em 2.500 alqueires a área que, antes coberta de matas e

improdutivas, o empresário transformara em uma próspera organização para o desenvolvimento

da vida e da economia rural mineira. O jovem Rubens Peres, na época com 26 anos, é definido

209 In: SANTOS, Elisângela Maria Barbosa. O Parque e a Estrada: uma análise acerca da conservação e desenvolvimento na história do Parque Estadual do Rio Doce (1944-1993). Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais. 2015. p.53. 210 SANTOS, Op. Cit., p.60-62. 211 SANTOS, Op. Cit., p.108-128.

90

FIGURA 8: Matéria de revista enaltecendo a obra levada a efeito pelo Grupo Agro-Madeireira Peres LTDA e destacando o empreendedorismo do Sr. Rubens Peres. In: “Revolução Agro-pecuária no Alto Rio Doce”. In: Revista do empresário - Associação Comercial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1952, Ano XVII, nº 719. p.33. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=acrjrevistas&pagfis=809

como o empresário moderno e exemplo a ser seguido, sendo grande produtor rural de milho e

café no aproveitamento das áreas desmatadas212.

O professor da Escola Superior de Agricultura da UREMG, Antônio Rezende, visita a

“Fazenda do Lajão”, pertencente aos irmãos Peres de Rezende, descrevendo-a de maneira similar ao

artigo da revista analisado. O que se destaca no relato da excursão é a grande produção cafeeira e de

milho híbrido nos férteis terrenos da fazenda, aliada às modernas instalações que se iniciavam para a

criação de gado. O relatório nos oferece ainda detalhes sobre como as matas eram substituídas pelas

lavouras e deviam ter seu ímpeto de recomposição detido, por meio de máquinas e técnicas aliadas do

progresso:

O próximo plantio será mecanizado em parte, porquanto o destocamento fica caro mesmo depois de 4 anos de abertura da mata, em vista de espécies cujo

212Matéria intitulada “Revolução Agro-pecuária no Alto Rio Doce”. In: Revista do Empresário - Associação Comercial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1952, Ano XVII, nº 719. p.33. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=acrjrevistas&pagfis=809 Última consulta 08/11/2018.

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cerne não apodrece dentro de poucos anos, ficando as raízes prêsas no solo durante muitos anos. Um trator D7 trabalhou 2 dias para arrancar um grande toco213

Com a demanda de carvão da Belgo-Mineira, a oferta de mata nativa na área

adquirida anos antes e a experiência no ramo madeireiro, Rubens Peres inicia o processo de

extração de madeira na Serra do Brigadeiro na década de 1960, abrindo a Companhia Agro

Florestal (CAF) e expandindo a atuação da sua empresa madeireira (Agro Madeireira Peres

Ltda. - Serraria Peres). Montou-se, então, uma estrutura para o corte e baldeio da madeira e para

queima e transporte do carvão impressionante para a época214, sobretudo se pensarmos que as

tarefas eram realizadas nas partes altas das serras. Assim descrevem alguns entrevistados:

Encontravam-se lá vários tratores, vários caminhões e teleférico, um sistema de teleférico para transporte da madeira215 O teleférico... Lá no Rochedo tinha (...) Era um trem que tava lá naquele arto, assim, pra ir de carro lá era difícil, tinha que fazê estrada, fazê ponte... Chegava amarrado lá no arto, fazia um desmatamento lá no arto e no cabo de aço tinha um troço, que eles tratava de cavalo, e cá na praça fincava uns tocão de ferro assim, ali ele era amarrado (...) Engatava e eles ia e ia juntando aqueles feche de pau, podia por 500 quilo, 1000, 2000 quilo. Devia tê quase 1000 metro de cumprimento o cabo216 O teleférico era uma máquina com motor de fusca, aí eles punha aqueles cabo de aço. Lá naquela virada não tinha jeito docê tirá lenha com o burro e nem com boi, aí eles punha um negôço assim marrado num toco e descia engatado, iguale um foguete217

A imagem seguinte (Figura 9), retirada do Boletim do Serviço Florestal de 1957,

ilustra a estrutura descrita acima pelos informantes. Essa estrutura fora montada pela

Companhia Agro Florestal (CAF), empreiteira da Belgo Mineira, entre o Pico do Boné e a Pedra

do Rochedo para o baldeio da lenha para o carvão. O teleférico ligava os pontos de extração da

madeira, nas parte altas da serra aos terrenos mais planos, onde essa madeira pudesse ser

transportada em lombo de burro ou em carros de boi:

213In: “Relatório de Excursão a São Pedro dos Ferros, prof. Antônio Rezende, Apresentado à Escola Superior de Agricultura em 28/05/1957”. ACH-UFV, caixa 1126. 214 Informante 21. Op. Cit. 215 Informante 21. Op. Cit. 216 Informante 14, homem de 76 anos. Entrevista realizada na Comunidade do Pico do Boné, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 20 de outubro de 2018. 217 Informante 01, homem de 75 anos. Entrevista realizada na Comunidade dos Paula, Estouro, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 8 de fevereiro de 2019.

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FIGURA 9: Teleférico utilizado pela Belgo Mineira na década de 1950. In: Arquivos do Serviço Florestal do Brasil (Ministério da Agricultura). Rio de Janeiro: Jornal do Comércio. 1957, Vol.11. p.240

As árvores eram cortadas pelo “machadeiro” 218 nas áreas de maior elevação, onde

estavam os exemplares mais altos e de maior rendimento. Seus troncos eram embarcados nos

“cavalos” e baldeados no teleférico até um local mais plano, sendo novamente cortados a

machado, no tamanho ideal para a queima nos fornos. Normalmente, os contratados para essas

funções, pelo orgulho com que falam do ofício nas entrevistas, eram homens habilidosos no

uso do machado e na extração de lenha para seu uso cotidiano; era um ofício destacado entre

os peões.

218 O ofício de machadeiro (aqui lenhador) é discutido por Martins relativizando o seu caráter ecológico pouco destrutivo. Para o autor, o poder público fechou os olhos aos lenhadores, por que aparentemente estes não ofereciam riscos aos recursos florestais. Contudo, problematiza, “Os fornos, fornalhas e fogões das pequenas cidades, alimentados a lenha, também pressionaram a exploração de madeira nativa (...) os domicílios urbanos e as indústrias tradicionais (olarias, caieiras, engenhos, laticínios, etc) devoraram grandes volumes de paus”, Chega mesmo a afirmar, analisando o consumo doméstico de lenha no Município de Pedro Leopoldo, que “Afinal, a ação desses lenhadores implicava um severo impacto sobre as áreas florestadas, fazendo-os figurar ao lado de outros agentes responsáveis por pressionar fortemente as matas: madeireiros, pecuaristas latifundiários, estradas de ferro e siderurgias” In: MARTINS, Marcos Lobato. “A Política Florestal, os Negócios da Lenha e o Desmatamento: Minas Gerais, 1980-1950”. HALAC, Belo Horizonte, Volumen 1, Numero 1, Setiembre 2011- Febrero 2012. p.53.

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FIGURA 10: “O machadeiro, seu machado e sua casa de residência no seio da mata”. In: Relatório do Departamento de Silvicultura, apresentado pelo seu diretor, Arlindo de Paula Gonçalves, em 24 de dezembro de 1940” p.02. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.122

A habilidade dos machadeiros foi descrita em 1949 por Salm de Miranda, na

derrubada das matas do Rio Doce, destacando a necessidade de precisão no corte das árvores e

a percepção do direcionamento da queda das mesmas:

Os machadeiros, com seu grande lenço atado à nuca, e o machado ao ombro, chegam junto ao tronco, olham vagarosamente para cima, procurando o lugar de onde melhor abranjam a copa, percorrem com o olhar tôda a haste; examinam o terreno em volta, a ver o lado por onde as futuras toras deverão cair e apontam com o braço a direção da queda: ─ Ela tem que cair aqui!219

Contudo, enquanto as empresas que exploravam as matas faziam fortuna com as

derrubadas, o “machadeiro continuou nômade, insatisfeito, malvisto e pobre”220. Na fotografia

seguinte (Figura 10), o machadeiro é apresentado pelo Professor Arlindo de Paula Gonçalves

em 1940221 diante da sua casa, no seio da mata, e empunhando sua ferramenta de trabalho – o

machado. Pode-se observar a rusticidade da sua residência, que eram construídas de materiais

retirados da própria mata e de fácil remoção após o fim da extração da madeira no local da sua

construção.

219 MIRANDA, Salm de. Rio Doce (impressões de uma época). Rio de Janeiro: Editora A Noite, (Biblioteca do Exército), 1949. p.59-60. 220 MIRANDA, Op. Cit., p.57. 221 Embora as fotografias 10 e 11 sejam de períodos anteriores ao que estamos analisando, as características do ofício destacado parecem não ter variado muito nas três décadas que separam as mesmas da exploração das Matas do Rochedo e do Pico do Boné, na Serra do Brigadeiro.

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FIGURA 11: Machadeiro e o Tronco de Jequitibá. In: “Relatório Annual do Departamento de Silvicultura da ESAV, 1937, prof. Koloman Lehotsky”. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.78

Na figura 11, vemos outro machadeiro, este fotografado pelo Professor Luis

Carvalho Araújo em 1934, à frente do tronco de jequitibá que cortara nas Matas do Rio Doce.

Na Fazenda Invejada, Silveira de Carvalho (Município Barão de Monte alto), os alunos do curso

de Silvicultura da ESAV foram levados para a aula prática de derrubada da mata, podendo

observar o robusto tronco de madeira (de magnitude definida na legenda anexada à fotografia:

“Tora de jequitibá rosa com 18 m. de comprimento e 1,80 m x 2,43 m de diâmetro em cruz”) e

calcular formas econômicas de transporte para o mesmo222.

222 Relatório dos Trabalhos Realisados no Departamento de Silvicultura, durante o anno de 1934, apresentado ao Snr. Director da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Geraes, pelo Prof, Cathedrático Luiz carvalho Araújo – chefe do referido departamento. ACH-UFV, caixa de Relatórios do Departamento de Silvicultura (em processo de catalogação). p.

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Após serem cortados pelos machadeiros na Pedra do Rochedo, os tocos eram

transportados em lombo de burros e mulas ou carro de boi até os fornos na Trilha do Carvão; o

carvão produzido seguia para a siderúrgica em caminhão, as estradas eram largas e cabiam um

caminhão indo e outro voltando223. No local da trilha, havia entre oito e doze fornos ao ar livre,

onde a madeira extraída era transformada em carvão para a Companhia224. Warren Dean aponta

que este método de produção de carvão ao ar livre, “os montes de lenha cobertos com capim e

terra”225, era muito criticado pelos conservacionistas, já que o uso de fornos fechados de tijolo

era muito mais eficiente e utilizados pelas usinas para produção de carvão em seus terrenos. A

itinerância da exploração das matas podia ser um fator explicativo para que as empreiteiras não

construíssem os fornos de tijolo, pois em uma mesma área mudava-se várias vezes o local do

desmatamento: “se tirava árvore até limpá aquela área lá, aí ia pra ôtro lugá e tornava tirá”226.

Este caráter itinerante das empreiteiras, além de burlar as leis protetivas das

florestas, criava vínculos trabalhistas frágeis, ou mesmo inexistentes, como nos afirmou um

morador do Córrego dos Paula e trabalhador da Companhia Agro Florestal (CAF) entre 1961 e

1969. Os “peões”, além de terem uma renda muito baixa, não recebiam nenhuma garantia

trabalhista determinada227.

Ao lado das áreas de exploração da mata, foram construídas estruturas para

receberem os trabalhadores braçais da empreiteira, os acampamentos228 que, segundo relatos,

eram muito bem estruturados e movimentavam a economia local. Para uma moradora da Região

do Estouro229, e quitandeira nos anos da exploração madeireira na serra, era uma maravilha o

que ela vendia de quitanda ali, tudo o que fazia vendia. Ela entregava toda a quitanda em um

armazém grande, que depois fornecia a mercadoria para aos empregados da CAF.

Embora as memórias da entrevistada citada anteriormente sejam de otimismo e

prosperidade em relação à economia do acampamento, dado que ela era fornecedora de

produtos para aquela lógica comercial e afirma ter ganhado a vida assim naqueles anos, o

223 O uso das palavras “trilha” e “estrada” mesclam-se nas memórias dos entrevistados, demonstrando que esta ligação entre a área do Pico do Boné e Bom Jesus da Madeira teve seu uso modificado ao longo da sua história, tendo sido a trilha que ligava dois povoados e estrada para escoamento de madeira/carvão Atualmente a trilha é um dos atrativos turísticos do PESB, ainda guardando vestígios da exploração madeireira na região – a Trilha do carvão. 224 Informante 01. Op. Cit. Referindo-se à Companhia Agro Florestal (CAF) 225 DEAN. Op. Cit. p.290 226 Informante 01. Op. Cit. 227 Informante 01. Op. Cit. 228 Segundo o Sr. Dico Simão foram construídos três acampamentos, que funcionaram em diferentes épocas, primeiro na área da Fazenda do Brigadeiro, depois no Rochedo e depois no Pico do Boné. Já os encarregados moravam na Fazenda do Brigadeiro, na primeira área explorada pela Companhia. 229 Informante 04, mulher de 75 anos. Entrevista realizada na cidade de Araponga por Adailton Damião dos Santos em 9 de fevereiro de 2019.

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mesmo não ocorre no relato dos trabalhadores que moravam no lugar. Para estes, a Companhia

obrigava o empregado a comprar no armazém, fazendo com que, na prática, se trabalhasse

quase exclusivamente para pagar as despesas dos produtos adquiridos naquele estabelecimento

comercial230.

Era a Companhia do caipira, tanto dá como tira. Tanta gente trabaiô mais de ano e num via dinheiro não (...) ali tinha o vale e contravale, o cara picava lá 100 metro de lenha (...) cê num via o dinheiro dos empreiteiro não. Cê ia comprá no aimazém, que sempre cê gastava mais que ganhava. Se cê gastasse ali e sobrasse procê 100, dinheiro de hoje, cê não tinha aquele dinheiro, ele dava procê o contravale231

O processo de corte da madeira e da transformação em carvão ainda faz parte da memória

de antigos empregados da madeireira, que relatam as relações sociais, laborais e ecossistêmicas

que se produziram na extração da mata e na produção das carvoeiras. Segundo um desses

informantes, a Companhia iniciou suas atividades na Serra do Brigadeiro por volta de 1960 e,

quando ele chegou na área para trabalhar em 1961/1962, ainda havia muita mata – “mata virgi”.

No início, não se podia cortar em volta das nascentes, em um entorno de 50m da mesma, mas,

depois de um tempo, essas matas também foram cortadas, prejudicando os inúmeros cursos de

água que havia na área232:

Pegaru cortá aquelas nascente d`água, que tinha muita nascente, né? Era nascente aqui, ali. Hoje não, hoje num tem mais (...) É, hoje num tem mais. A água que nóis bebe aqui é tudo de lá. Mas, só não tem mais, por negoço da época, negoço de cortá o mato, a água fastô um pôco233

A diminuição da água nas proximidades das áreas exploradas é consensual entre os

entrevistados, assim como o escasseamento progressivo dos animais e plantas. Nos últimos

tempos da companhia, as últimas árvores grandes que havia pela área do Pico do Boné estavam

em lugares de muito difícil acesso para que fossem cortadas, por isso seguiram de pé nas grotas

das encostas rochosas. Animais grandes como a anta e a onça são relatados pelos moradores,

dando inclusive nome aos lugares por onde circulavam (campo das Antas, Pedra da Onça), mas

foram muito perseguidos por caçadores e, com a diminuição da mata, alguns desapareceram:

230 Este relato esteve presente nas entrevistas com o Informante 01 e Informante 02, moradores do Córrego dos Paula. Entrevista realizada por Adailton Damião dos Santos em 8 de fevereiro de 2019. A própria quitandeira afirma que tinha que vender toda sua quitanda no mercado, sendo proibida de vender diretamente para o povo que morava no acampamento. 231 Informante 14. Op. Cit. 232 Um morador da Comunidade do Córrego dos Paula relata que, somente na Trilha do Carvão havia mais de cinquenta olhos d`água. 233 Informante 01. Op. Cit.

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“(...) até tem um sinhô do lado de lá ali, que ele matô a última anta. Diz ele que matô ela lá em

cima da pedra, chama campo das anta”234.

Embora os trabalhadores relatem as perdas das espécies, até mesmo a extinção de

algumas, e a diminuição dos recursos hídricos da serra, esse “mal do passado”235 é relativizado

por eles, pois a Companhia empregava todo mundo que quisesse trabalhar; qualquer um que

chegasse com uma trouxa na cabeça – não faltava trabalho. Ora, essa gestão relativizadora da

memória possibilita que ex-machadeiros e ex-carvoeiros se distanciem dos fatos narrados por

eles mesmos para aqueles anos de devastação. Para os responsáveis por fiscalizar as florestas

daquela área no mesmo período, no entanto, as perdas de espécies e a diminuição dos recursos

florestais assumem um valor absoluto em suas memórias, sendo capazes de descrever a

devastação da Serra do Brigadeiro desde a privilegiada posição de “cumpridores da lei”; as

diligências de 1970 demonstraram um cenário de flagrante desrespeito ao Código florestal:

Então nós chegamos, fizemos o embargo, fizemos a apreensão do que tinha lá de ser apreendido, que foi uma coisa fantástica, uma coisa muito volumosa. Tinha muito maquinário, muita madeira. E completamos o processo, fizemos o processo de contravenção penal e mandamos pra justiça236

O Capitão Alfenas, um dos que fizeram que se cumprisse o Código Florestal e

embargasse a devastação do Pico do Boné, ingressa como aluno do curso de Engenharia

Florestal em 1971, mantendo a vigilância da Serra do Brigadeiro agora por duas frentes:

habilitado na função de Delegado de Vigilância Rural de Viçosa e como cientista florestal em

processo de formação, aprendendo métodos, técnicas e discursos próprios de tal ciência. Essa

dupla frente de atuação permitiu-lhe, durante os quatro anos de curso, “manter o status no que

estava a Serra do Brigadeiro”237.

O embargo da exploração dos recursos florestais em 1970 fez com que, seis anos

depois, as matas no entorno da Fazenda do Brigadeiro já apresentassem a fauna e a flora nativas

em avançado processo de recomposição238, registrando-se, inclusive, a presença de onças nas

234 Informante 14. Op. Cit. 235 Ao nomear o “mal do passado”, Pollack descreve como a memória pode selecionar fatos, pontos de vista e identidades para que um indivíduo se aproxime ou se distancie de um acontecimento traumático ou condenável. In: POLLAK, Michael. ”Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n.3, 1989, p.12-15. 236 Informante 21. Op. Cit. 237 Informante 21. Op. Cit. 238 Naquele momento ocorriam concomitantemente dois processos que possibilitavam a regeneração da fauna e da flora local na Fazenda do Brigadeiro: recomposição natural (aumento dos exemplares de espécies que não tinham sido completamente eliminadas) e a irradiação adaptativa (formação de novas espécies para ocupar o nicho

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mediações. Para manter e intensificar esse processo, os professores Elmar Alfenas Couto239 e

James Dietz elaboram “Sugestões para a Criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro”,

um estudo realizado em parceria com o Centro Mineiro para Conservação da Natureza. Naquele

mesmo ano de 1976, as sugestões são apresentadas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais,

lançando a semente para que os legisladores estaduais também olhassem para aquela serra.

Assim, apela o professor Roberto da Silva Ramalho (Presidente do CMCN), prefaciando o

estudo apresentado:

Às autoridades competentes um apelo para acelerarem os trâmites legais, a fim de que estas sugestões sejam efetivadas, com o que terão, como consequência, dado uma satisfação à sociedade e, aos técnicos que trabalham indicando caminhos racionais de utilização dos recursos naturais, estímulo para continuarem com seus abnegados afazeres240

2.2 – O Parque Esbarra nas Comunidades – a questão da “Cota Mil”

A conservação de áreas naturais protegidas sob a forma de parques surge no século

XIX com a criação do Parque de Yellowstone nos Estados Unidos (1872). Tal modelo de

conservação foi pensado a partir do conceito de wilderness241, consagrando o mito do domínio

do selvagem e mantendo a natureza livre da ocupação humana. Manter o mundo natural em

seu estado primitivo era fundamental no pensamento fundador do conservacionismo do século

XIX e os parques naturais cumpriam perfeitamente o papel neste estabelecimento de ilhas, nas

quais as populações urbanas pudessem contemplar, admirar e reverenciar as belezas da

natureza242. Para Antonio Carlos Diegues e Paulo Nogara, no entanto, a ideia de pensar os

espaços como naturais e intocados é uma transposição da realidade dos países do hemisfério

norte e não é aplicável aos países tropicais:

ecológico aberto). COUTO, Elmar Alfenas. DIETZ, James M. Sugestões para a Criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Universidade Federal de Viçosa (Escola Superior de Florestas). Viçosa, 1976. p.4. 239 Meses antes, em setembro de 1975, o professor Elmar Alfenas Couto já apresentara as “Sugestões para Criação do Parque Nacional do Pantanal”, seguindo os moldes deste para a Serra do Brigadeiro, 240 COUTO & DIETZ. Op. Cit. 241 A noção de wilderness dos Estados Unidos está baseada no sistema simbólico do romantismo alemão (wildnis), no qual “La nature revêt alors plusieurs dimensions: c´est un objet esthétique et une source d`émotions, mais c`est aussi une réponse à un besoin spirituel de sens”. (A natureza tem várias dimensões: é um objeto estético e uma fonte de emoções, mas também é uma resposta à necessidade espiritual de significado). In: DEPRAZ, Samuel. Géographie des Espaces Naturels Proteges: genèse, principes et enjeux territoriaux. Paris: Armand Colin, 2008. p.46. 242 DIEGUES, Antonio Carlos S. “As Áreas Naturais Protegidas, o Turismo e as Populações Tradicionais”. In: SERRANO, Célia Maria de Toledo et BRUHNS, Heloisa Turini (Orgs.). Viagens à Natureza: turismo, cultura e ambiente. Campinas: Papirus, 1997 (Coleção Turismo). p.85-102.

99

A transferência de ideia desses espaços naturais vazios, onde não se permite a presença de moradores, entrou em conflito com a realidade dos países tropicais, cujas florestas são habitadas por populações indígenas e por outros grupos tradicionais que desenvolvem aí formas de apropriação comunal dos recursos naturais e seus espaços243

Em 1970, em vias de se comemorar o centenário da criação de Yellowstone, Alceo

Magnanini propõe um modelo similar para a criação de áreas de conservação no Brasil, dentro

do qual não cabia a intervenção humana e onde devia-se perpetuar as condições naturais e as

belezas cênicas da paisagem:

Constitui uma herança única (que, se fôr malbaratada, estará perdida para sempre) das condições naturais e primitivas da natureza não alterada pelo Homem (...) Para eles deve haver uma concentração integral de esforços de todos os poderes atuantes da Nação, objetivando perpetuar as condições naturais, as belezas cênicas, os vegetais indígenas, os animais nativos e as áreas intocadas, de interesse e valor científico244

A criação de áreas protegidas sob a forma de parque no Brasil segue esta lógica até

a década de 1980, sendo legalmente modificadas apenas no ano 2000, com a formulação do

Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Deste modo, pensou-se a criação e implantação

do PESB nos seus momentos iniciais, mas a proposta vai esbarrar nas comunidades do entorno

da área a ser protegida. Em 20 de julho de 1988, o Governador de Minas Gerais sanciona a Lei

Nº 9655/1988, autorizando a criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e definindo em

seu Artigo 2º a futura área do parque:

começa nas nascentes do Córrego Serrinha, no Município de Araponga; seguindo com o ângulo de 30º NE, a uma distância de 5.700 metros, vai até o paralelo 20º40`; seguindo por esse paralelo, à esquerda, vai até a curva de nível de 1.000 metros de altitude; seguindo por essa curva de nível, à direita, vai confrontando com o Município de Araponga e depois com o Município de Sericita, seguindo até encontrar o paralelo 20º33`, continuando no Município de Abre Campo até atingir novamente a curva de nível de 1.000 metros de altitude, nas divisas com o Município de Carangola; continuando por essa curva de nível, à direita, segue confrontando com os Municípios de Carangola, Miradouro, Muriaé, Miraí, Ervália e, novamente, Município de

243 DIEGUES, Antonio Carlos, NOGARA, Paulo José Navajas. O Nosso Lugar Virou Parque: Estudo Socioambiental do Saco de Managuá – Parati – Rio de Janeiro. São Paulo: USP (NUPAUB), 2005. 3ªed. p.163. 244 MAGNANINI, Alceo. Políticas e Diretrizes dos Parques Nacionais do Brasil. Brasília: Ministério da Agricultura (IBDF), 1970. p.5.

100

Araponga, até o Córrego Serrinha, subindo por esse até encontrar o ponto de partida

O parâmetro para a criação da área do PESB passa legalmente a ser a Cota Mil,

compreendendo um total de 32.500ha; exatamente a área total prevista nas sugestões dos

professores Couto e Dietz em 1976. O parque que se autorizava criar confrontaria com os

Municípios de Araponga, Sericita, Abre Campo, Carangola245, Miradouro, Muriaé, Miraí e

Ervália. A área legal do parque passava em muitas propriedades do entorno do PESB, onde

glebas produtivas de pequenos proprietários, inevitavelmente, seriam desapropriadas246. No

Mapa 2, evidencia-se a área autorizada para criação do parque, destacando em alguns pontos

os seus limites na cota dos 1000m.

A questão da Cota Mil vai gerar uma grande apreensão nas comunidades do

entorno, pois havia naquele momento a possibilidade real de desapropriações dos moradores

das áreas acima dos 1000m, já que estava autorizada a criação do PESB dentro daquele limite

legal. Esboçava-se, portanto, um conflito recorrente nos processos de criação de Unidades de

Conservação, principalmente nas áreas de florestas tropicais, a expulsão das comunidades

locais247. Como afirma Teixeira (2010):

A criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro como um processo de intervenção do Estado, inicialmente, representou um conflito de grandes dimensões; a preocupação técnica fez com que os moradores do entorno fossem compreendidos apenas como confrontantes do parque e não como vizinhos, parceiros, na conservação da natureza248

245 Com a emancipação do Município de Fervedouro em 1992, a área antes referente a Carangola, passa a pertencer a este último. 246 FONTES, Luiz Eduardo Ferreira... et al. Contribuições para Elaboração do Plano de Manejo Integrado e Participativo do PESB e Entorno. Viçosa: Editora UFV, 2000. p.2. 247 Mark Dowie utiliza a expressão Refugiados da Conservação para descrever o modelo de criação de parques e reservas naturais nas áreas tropicais. Tais modelos, baseados em lógicas exportadas de países do norte, onde estão localizadas a maior parte das organizações conservacionistas mundiais, muitas vezes desconsideram a existência de comunidades que vivem, física e simbolicamente, das florestas tropicais, expulsando-as das seus territórios ancestrais. In: DOWIE, Mark. Refugiados da Conservação. (Tradução de Antônio Carlos Diegues) Orion Magazine, Artigos nº 04, NUPAUB –USP, São Paulo: 2006. Disponível em: http://nupaub.fflch.usp.br/sites/nupaub.fflch.usp.br/files/color/dowie.pdf . Última Consulta 03/03/2019. 248 TEIXEIRA, Maria do Carmo Couto. “Relações Socioambientais e Educativas em Área de Preservação Ambiental”. In: Educ. foco, Juiz de Fora, v. 14, n. 2, set 2009/fev 2010, p. 146-147.

101

MAPA 2: Mapa contido nas “Sugestões para Criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro”. In: COUTO et DIETZ, 1976, p.16

102

No começo dos anos de 1990, quando ocorreram as primeiras notícias de que a

Serra do Brigadeiro seria transformada em parque, os moradores das comunidade do entorno

desconheciam ainda o significado e as consequências da implantação de uma Unidade de

Conservação. Uma moradora do Pico do Boné (Araponga) relata o enfrentamento que ela e seu

esposo tiveram com os que chegaram com as notícias das desapropriações:

Êis falava demais, ficava amolanu a gente falanu: é... daqui uns dia cêis vai laigá suas casinha, cêis vai enchê suas coisinha nas costa... êis abusava da gente. Vai pô suas coisinha nas costa e vai saí andanu. Falei: né bem assim não. Aí ele (Sr. Eugênio Belo) falô: num tem pa ninguém desapropriá eu do meu terreno não. Foi duro, bobo!249

Criaram-se, portanto, muitos mitos em torno de que tipo de intervenções seriam

feitas na serra e como essas intervenções iriam afetar as propriedades confrontantes, acirrando

os conflitos. Muitas vezes, conta-nos um informante, esses mitos eram alimentados pelos

próprios funcionários do parque que, na função de guarda-parques, intimidavam a população e

usavam de métodos coercitivos, quando, na verdade, a sua função exigia uma atuação mais

educativa: “Tem guarda-parque que vai trabalhar nos setor e qué tipo de puliça, e a pessoa

não é fazê tipo de puliça, nóis não somo puliça, nóis somo educador, né? Conversar com as

pessoas, com educação”250.

Um funcionário do PESB, que acompanhou o primeiro diretor do parque nas suas

incursões iniciais pelas comunidades e nas conversas pelas casas, relata as dificuldades

encontradas para ganhar a confiança das pessoas e os resultados dos diálogos para o

esclarecimento: “A gente conversava e eles falava: ô gente, eu pensava que parque era pra vim

negoçu de poliça, querê batê no zôto, proibi de fazê tudo”251. Em alguns casos, os moradores

partiam para a ameaça, defendendo suas terras dos representantes do PESB, definidos como os

“invasores do parque”:

Na época que nóis tava demarcando o parque, nóis tinha um guarda-parque ali perto do Sô Dico Simão, perto dos Manja ali. Ele subiu co piquete, passo lá no pasto, tinha um pasto formadim... O cara achô que

249 Informante 13, mulher de 80 anos. Entrevista realizada na comunidade do Pico do Boné, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 8 de fevereiro de 2019. 250 Informante 16, homem de 64 anos. Entrevista realizada na comunidade de Bom Jesus da Madeira, Fervedouro, por Adailton Damião dos Santos em 21 de julho de 2019. 251 Informante 16. Op. Cit.

103

a gente ia pô piquete no pasto dele, ele passô a mão numa foice e queria cortá o guarda-parque na foice252

Em um dos municípios do entorno, o informante conta um episódio de represália

sofrido por ele e o gerente do parque, seguidos e ameaçados por capangas do prefeito municipal:

O prefeito não queria que criasse o parque ... mandô dois capanga atrás da gente, aí os cavalêro passou e eu falei com o gerente ... aquês ali é capanga do prefeito. Aí, quando nóis desceu de carro pra baxo, parô o carro, aí falô com a gente assim: Cês consiguiru marcá o parque, o tal de parque que vocês queri fazê aqui (...)? Aí o gerente falô assim: não, a gente não conseguiu vê nada não, por que a fumaça tá muito baxa, a gente não conseguiu vê as montanha ... tá muito fechado o tempo, tá muito nuveado, num conseguiu não, mas a gente vai tê que volta aqui. Aí ele virô pra gente e falô: cê qué marca parque, vai marcá lá na sua terra, aqui não!253

Assim, demonstra-se que restava fazer aliados, inclusive, entre os representantes do

poder público nos municípios do entorno, nesse caso específico a desavença era com um chefe

do executivo municipal e fazendeiro local que, supondo ameaça às suas propriedades, usou de

métodos persuasivos típicos do coronelismo regional para intimidar os representantes do

parque. O conflito era pela terra, fosse para a garantia da subsistência enquanto agricultor

familiar ou fosse para manutenção do poder local dos fazendeiros, e a possibilidade de

desapropriações dos terrenos acima da Cota Mil era o ponto central desse conflito.

Ao citarmos a palavra “conflito” nas entrevistas que realizamos, todos os

informantes remetiam suas memórias imediatamente à questão da Cota Mil e da eminência de

serem desapropriados naquele momento. As palavras de um morador do Pico do Boné ilustram

bem o desconhecimento dos órgãos oficiais sobre a área que haviam autorizado transformar em

parque: “Lá em cima, lá no Governo lá em cima, né? Eles achava que aqui era um terreno,

como diz, improdutive, que era mata isolada que num morava ninguém”254. Também é

lembrada a limitação imposta pelos órgãos fiscalizadores ao uso dos recursos naturais das matas

(cipó, taquara, madeira):

A comunidade reagiu o seguinte, que eles pegô, negoço que eu tô falano com você, negoço da medida. Fez aquela marca e falô: daqui pra cima é do parque, ninguém vai mexê! Medida que veio de lá pra cá, foi o Estado mesmo que mexeu nessa coisa, né? Aí o camarada ficô mais enfreiado, já ninguém tira taquara mais, nem cipó, essas coisa... aí

252 Informante 16. Op. Cit. (Grifo Nosso) 253 Informante 16. Op. Cit. 254 Informante 14. Op. Cit.

104

começou arrumá gente aí pra podê toma conta, pra podê guardá parque255

O exposto acima pelo agricultor do entorno do PESB confirma o que aponta Lucila

Vianna sobre as políticas impositivas de criação das Unidades de Conservação no Brasil; as

populações que habitam as áreas demarcadas como UCs são invisíbilizadas diante dessas

políticas e vistas como intrusas dentro do seu próprio território. Devido a alienação participativa

das populações, as UCs, uma vez oficialmente criadas, tornam-se “parques de papel” e mantêm

o processo de degradação das áreas pretensamente protegidas:

O conjunto de unidades de conservação criadas não representa a efetiva conservação in situ, na medida em que, por exemplo, há muitas unidades de conservação decretadas e não implantadas, isto é, não foram demarcadas ou regularizadas, não há recursos destinados a elas e, muitas vezes, nem sequer um administrador. São chamadas “unidades de papel”, pois não cumprem sua função de fato256

Nos primeiros contatos com a população do entorno da Serra do Brigadeiro,

verificou-se que aproximadamente 400 famílias estavam acima da Cota Mil e seriam

diretamente afetadas pela implantação do parque257. Neste cenário de incertezas e

possibilidades de conflitos socioambientais258, entra em cena o Centro de Tecnologias

Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM)259. As propostas de atuação dessa associação,

organizada para fins não econômicos e apartidária, é o fortalecimento da agricultura familiar e

a promoção do desenvolvimento sustentável, capacitando líderes locais para atuarem de forma

autônoma junto aos órgãos públicos260.

Em 1993, ao mesmo tempo em que o Instituto Estadual de Florestas inicia o

processo para implantação do PESB, o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata

passa a informar e mobilizar as comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro e organizações

255 Informante 01. Op. Cit. 256 VIANNA, Lucila Pinsard. De Invisíveis a Protagonistas: populações tradicionais e unidades de conservação. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2008. p.184. 257GJORUP, Op. Cit., p.55. Em uma das entrevistas realizadas nas comunidade do entorno do PESB, o entrevistado informa a presença de 700 famílias acima da Cota Mil naquele momento. Embora não possamos confirmar um ou outro dado como real, ambos são bastante relevantes e a ausência do diálogo com as famílias envolvidas no litígio comprometeria a implantação da Unidade de Conservação. 258 Segundo Melissa Vivacqua e Paulo Vieira, “(...) o termo conflito socioambiental designa as relações sociais de disputa/tensão entre diferentes grupos ou atores sociais pela desapropriação e gestão do patrimônio natural e cultural. Essas situações de litígio, vigentes no níveis material e simbólico, podem ou não assumir a forma de um embate mais direto” VIVACQUA, Melissa, VIEIRA, Paulo Freire. “Conflitos socioambientais em Unidades de Conservação”. In: Revista Sociedade e Política, Florianópolis (UFSC), nº7 – Outubro de 2005. p.140. 259 O CTA-ZM foi criado no ano de 1987 por lideranças de sindicatos rurais, agricultoras e agricultores familiares e profissionais das ciências agrárias com o objetivo de resgatar e promover alternativas tecnológicas para o campo. 260 In: https://ctazm.org.br/pagina-objetivos. Última consulta em 09/08/2019.

105

ligadas aos agricultores (sindicatos rurais e Pastoral da Terra)261. O primeiro passo foi informar

as comunidades sobre o que significava uma Unidade de Conservação e qual sua importância

para conservação dos atributos naturais da Serra do Brigadeiro, além das suas consequências e

benefícios para os moradores do entorno262. Um informante, líder comunitário em Praia Danta

(Araponga) e agricultor familiar, destaca em seu relato, no entanto, que a culminância desse

processo não se deu de forma simples, tendo sido fruto do enfrentamento dos agricultores da

região com o poder público e com cientistas, estes últimos se apresentando irredutíveis em

relação a mudanças na proposta inicial de desapropriação das áreas acima da Cota Mil e sempre

frisando as perdas para a preservação da biodiversidade que isso ocasionaria. Assim, as

lideranças organizaram os confrontantes e expuseram aos deputados reunidos em audiência

pública, a contragosto de alguns participantes, as perdas que a criação do parque, nos moldes

previstos no projeto, ocasionaria para as 700 famílias que viviam acima da cota estabelecida:

Teve uma audiência com os deputados em Muriaé (em 1994), então, pra tirá bandêra tamém para os deputados de trabalho na região, né? Aí foi onde o povo conseguiu essa (...) participação na criação do parque e aí foi aprovado. Das cinco proposta, a quinta foi a nossa, passô (...) participar da criação do parque. Até então, a gente já tinha corrido atrás de informação, o IEF não dava informação, aí eles passô a dá informação pra nóis. Dá informação passô a ser obrigatório. Fizemos foi muita reunião, em todas as sede, num era só em Araponga, né? Tinha muita gente acima da Cota Mil, naquela época nóis constatamo 700 família acima da Cota Mil263

O IEF, órgão responsável para implantação do PESB, convocou reuniões entre os

representantes comunitários do entorno do PESB e as diversas associações que já haviam

iniciado o processo de esclarecimento junto as comunidades (Sindicatos dos Trabalhadores

Rurais, Departamentos de Solos, Educação e Engenharia Florestal da UFV, Departamento de

Biologia da FAFILE, CTA-ZM). Nas diversas reuniões realizadas, evidenciaram-se três

posicionamentos distintos na definição dos limites do parque, que era o ponto central das

discussões naquele momento: a manutenção integral dos 32.500ha previstas na Lei Nº

9655/1988 (a Cota Mil, portanto); os limites a serem definidos pelas áreas de remanescentes

261 FONTES, Op. Cit., p.2. 262 Segundo Miguel Barcellos Gjorup, os esclarecimentos que mais impactaram a população foi a possibilidade das desapropriações e a proibição da agricultura e da extração de recursos da floresta nos limites do parque. In: GJORUP, Guilherme Barcellos. Planejamento Participativo de uma Unidade de Conservação e do seu Entorno: o caso do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, Minas Gerais. Tese de Doutorado, Departamento de Solos. Viçosa: UFV, 1998. p.55. 263 Informante 18, homem de 63 anos. Entrevista realizada em Praia Danta, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 21 de julho de 2019.

106

florestais contínuos no alto da serra, independente destes remanescentes estarem abaixo ou

acima dos 1000m, “(...) já o IEF entendia que o parque, em alguns casos, deveria incorporar

áreas produtivas, além dos remanescentes existentes”264. Ficou acertado, no entanto, que

qualquer andamento para a questão somente poderia ocorrer após ser feito um Levantamento

Socioeconômico na Serra do Brigadeiro.

Miguel Barcellos Gjorup conclui, após finalizado o levantamento Socioeconômico

das comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro, que a referência da Cota Mil para os limites

do PESB agravaria os problemas sociais nas áreas rurais afetadas e inviabilizaria a implantação

da Unidade de Conservação:

(...) ficou claro que diversas famílias perderiam a posse da terra e sua produção, agravando o problema do êxodo rural da região. Se os agricultores fossem desapropriados, iria aumentar o sentimento de revolta em relação ao parque; consequentemente, surgiriam os mesmos problemas que ocorrem na maioria das Unidades de Conservação brasileiras265

Após várias reuniões e debates participativos, ficou decidido que os limites do

parque não seriam definidos pela Cota Mil, estabeleceu-se ainda que seriam respeitadas as áreas

produtivas; os limites seriam definidos caso a caso com os moradores confrontantes. A posição

do IEF, contudo, foi de esclarecer a esses moradores que as áreas lindeiras ao parque também

seriam fiscalizadas, proibindo o desmatamento e controlando o uso dos recursos das matas.

Alguns proprietários se propuseram ceder ou vender suas áreas nas faixas contínuas de mata,

vitória do diálogo e da valorização das comunidades266.

Através de fazê as reunião conseguimo e o parque num desapropriô ninguém, só que pôs um limite... assim mais ou meno, num desapropriô ninguém, mas quem quisesse vendê, vendia. E eles foi usando dessa maneira até que chegou o fim do embargo (...) eu divido cum parque, confrontante, meu terreno vai dessa parte aqui que você tá venu saia lá naquela parte lá pro lado daquela antena267

As demarcações para definição dos limites do parque foram feitas com cada

proprietário confrontante individualmente e as referências da divisa entre as propriedades e o

264 GJORUP, Op. Cit., p.56. 265 GJORUP, Op. Cit., p.56. A espacialidade tradicional entre os moradores das comunidades das diversas serras existentes da Serra do Brigadeiro são as sinuosidades do relevo e as marcas das rochas e rios nas paisagens, como analisaremos no Item 3.2 desta dissertação. 266 GJORUP, Op. Cit., p.58. 267 Informante 14. Op. Cit.

107

PESB foram definidas de acordo com a espacialidade da própria população da Serra do

Brigadeiro e não a partir das referências altimétricas como se legislou inicialmente: “O parque

exigiu os confrontante dá uma divisa mais ou menos, aonde que o parque fechava, as vez era

uma pedra, fechava duma pedra na ôtra... e foi indo é que todo mundo tem um limite”268.

Assim, ainda que de forma mais lenta do que em outras experiências de criação de Unidades de

Conservação, o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro teve seus limites definidos, em certa

medida, com a participação da população local. Um episódio contado pelo pesquisador

responsável pelo levantamento socioeconômico nas comunidades revela o quão complexa foi a

realização do mapeamento desses limites, para a qual havia sido composta uma comissão com

três membros, sendo um deles representante do Instituto de Geotecnologias Aplicadas:

Para esse mapeamento ficou, inicialmente, acordado que os agricultores colocariam bandeiras no limite do PESB. Estas bandeiras, em conjunto com acidentes geográficos, serviriam de referência para que fosse realizado um sobrevoo com helicóptero, com auxílio de Global Position System (GPS), seriam conhecidas as coordenadas dos pontos para, posteriormente, se proceder à confecção dos mapas. Foi marcada a época em que os agricultores colocariam as bandeiras para a realização do voo269

O relato do funcionário do parque à época da demarcação demonstra que aos poucos

as comunidade foram percebendo a importância da preservação da área, sobretudo devido as

consequências e necessidades mais imediatas, como a questão das nascentes de água:

Tem lugá que falô: não, isso aqui vai ser bão (...) vai ser bão pra protegê nossas nascente de água. Eu tenho meu mûin d`água aqui, se tem o parque ali encima, eu sei que ninguém vai roçá, que tá protegido por lei270

O Mapa 3 mostra a área dos limites definidos para o Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro (13.210ha), após o processo participativo realizado com as comunidades, e a área

prevista na lei que autorizava sua criação a partir da Cota Mil (32.500ha), demonstrando um

recuo no projeto inicial e o protagonismo adquirido pelas populações sobre seu território ao

longo do processo de implantação do PESB. O Parque Estadual da Serra do Brigadeiro é criado

em setembro de 1996 (Decreto nº 38.319) em um contexto histórico ambientalista diverso ao

268 Informante 14. Op. Cit. 269 GJORUP, Op. Cit., p.59 270 Informante 16. Op. Cit.

108

seu momento da sua primeira proposição pelos professores do Departamento de Engenharia

Florestal da UFV em 1976, vinte anos antes.

Muriaé

LEGENDA

Área de 32.500ha, prevista na autorização de criação do PESB (Lei Nº 9655, 20/07/1988)

Área de 13.210ha, prevista no decreto de criação do PESB (Lei Nº 9655, 28/09/1996)

Fervedouro

Miradouro

Ervália

Sericita Pedra Bonita

Araponga

Divino

MAPA 3 – Área legalmente autorizada para criação do PESB em 1988 sobreposta pela área definida no decreto de criação do PESB em 1996 (CTA-ZM Apud PRAÇA, p.57 - com adaptações)

109

Mas, o fator preponderante do cesse ao conflito inicial foi a não desapropriação de

nenhum morador confrontante ao PESB sem acordo preestabelecido271:

tava peganu muita área produtiva, aí quê que aconteceu, aconteceu que empurraru mais pra cima, pra num pegá área produtiva de ninguém. Portanto, o parque tá dentro de oito município e tinha só dois moradô dendele, que é a na Fazenda Brigadeiro e aqui perto da portaria, conseguiu desapropriá êis272

O mapa atual do parque é definido, segundo um dos informantes, como “todo Chei

de caracocó”, sem nenhuma área produtiva dentro dele, por que “o camarada, a pessoa leva

um tempo pra foimá um pasto, agora cê chega e bate uma linha e passa e corta o pasto dele pa

dento do parque”. E conclui: “num é justo, né?”273.

2.3 – O Sociambientalismo e a Engenharia Florestal da UFV

Neste ponto, analisaremos como as ideias socioambientalistas entraram nas

discussões acadêmicas e na produção científica do Departamento de Engenharia Florestal

(DEF), onde, até o começo da década de 1980, predominavam as ideias dos fazedores de

florestas, com a produção de florestas homogêneas de eucaliptos, associadas ao

conservacionismo curupira. Para alcançarmos esse objetivo, fizemos um levantamento

quantitativo dos temas das monografias produzidas no DEF entre os anos de 1985 e 2003274.

Nossa hipótese é que os temas das monografias acompanharam as tendências e discussões

271 Esta questão, que passa por um debate fundiário nas áreas das UCs, é um problema histórico no Brasil e vem ocorrendo desde a criação do Parque Nacional do Itatiaia em 1937, com prejuízos para a política conservacionista, para o erário e para o patrimônio público. A falta de regularização fundiária fragiliza tanto a UC, como o proprietário/morador da área não regularizada. Levando, este último, à impossibilidade de utilização dos recursos existentes na sua propriedade e, em muitos casos, à sabotagem da Unidade de Conservação pela falta de empatia com a mesma. In: Parques Nacionais Brasileiros: problemas fundiários e alternativas para a sua resolução. In: ROCHA, Leonardo G. M. da; DRUMMOND, José Augusto; GANEM, Roseli Senna. “Parques Nacionais Brasileiros: problemas fundiários e alternativas para sua resolução”. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 205-226, jun. 2010. 272 Informante 16. Op. Cit. As desapropriações citadas foram negociadas sem conflitos com os proprietários, segundo o informante. 273 Informante 16. Op. Cit. 274 A escrita da monografia de fim de curso do DEF foi o requisito para a obtenção do grau de engenheiro florestal desde a criação da Escola Nacional de Florestal em 1960. Informou-nos, no entanto, o professor Wantuelfer Gonçalves que, ao reunir as séries para produção dos resumos monográficos bienais, a monografia mais antiga arquivada no DEF datava de 1985. In: Informante 21, homem de 65 anos. Entrevista realizada na cidade de Araponga por Carolina Gonçalves em 11 de agosto de 2019. Tal lacuna documental, no entanto, não compromete nossa análise, uma vez que as discussões socioambientalistas mostram-se numericamente insignificantes em relação a outras temáticas monográficas durante os cinco primeiros anos documentados (1985-1989), alcançando alguma progressão somente na década de 1990.

110

ocorridas no Brasil a partir da década de 1980275, visando a um reconhecimento crescente dos

direitos reivindicados pelas comunidades do entorno das áreas protegidas. Em nível local, na

cidade de Viçosa, as influências do Centro de Tecnologias Alternativas (CTA-ZM)276 vão

arrefecer essas discussões e trazer as populações rurais para o centro das decisões políticas.

Na sua primeira fase de atuação, o CTA-ZM buscou sensibilizar e envolver outras

organizações e pessoas, passando a integrar o Projeto de Tecnologias Alternativas, em uma

rede nacional de intercâmbio e ajuda mútua. Assim, buscaram formar redes de atuação dentro

da estrutura acadêmica da UFV, aproximando profissionais que atuavam nas ciências agrárias

(Departamento de Solos e Engenharia Florestal, por exemplo) à sua filosofia de atuação:

Então, a gente precisa, ... tem uma demanda lá do agricultor, lá em solos, o pessoal não sabia... até porque eles não aprenderam agroecologia na universidade. Por mais que eles dissessem: ‘ah, nós somos contra’, contra mas também não tinha nada. Bom e aí? Mas, você tinha lá um professor interessante (...). Então, a gente pegava esse cara e trazia e passava a ser um aliado e ia trabalhando. (...) E foi se constituindo esta rede277

O relato de um morador de Praia Danta, no Município de Araponga, destaca o papel

desempenhado pelo CTA-ZM na aproximação entre as comunidade do entorno da Serra do

Brigadeiro e os cientistas/pesquisadores que buscavam atuar na região desde a década de 1980:

Antes não tinha relação na verdade... antes da criação do CTA e nisso eu falo, que a universidade devia de, pelo menos, valorizar e ver que CTA teve esse papel muito importante de fazê com que as pessoas tivessem a coragem de participar de conversas com pessoas dessa área científica. O povo muito falava “hum, hum”, o povo não conversava

275 Esses aspectos já foram tratadas no Item A da Introdução de forma a analisar as discussões entre conservacionistas e socioambientalistas a partir do final da década de 1970. 276 Embora façamos uma inflexão na busca de elementos locais e regionais que justifiquem as mudanças epistemológicas que ocorreram no Departamento de Engenharia Florestal, como analisaremos adiante nos temas das monografias defendidas nesse departamento, é inegável a influência de movimentos mais amplos, nacionais e internacionais que expliquem tais mudanças. Em nível nacional, por exemplo, discutia-se a implementação das políticas ambientais que foram previstas na Constituição de 1988 e a repercussão destas nas comunidades que dependiam das florestas para sua sobrevivência - o uso sustentável dos recursos - intensificou-se a defesa das comunidades tradicionais e da diversidade sociocultural em associações e institutos: “Entre os socioambientalistas, o Instituto Socioambiental, surgido em 1994, tem se destacado no mapeamento da diversidade socioambiental e da biodiversidade brasileiras. Atua principalmente na defesa dos povos indígenas, quilombolas e populações consideradas tradicionais e de seus conhecimentos relacionados com o manejo dos recursos naturais” (FRANCO et DRUMMOND, 2012, Op. Cit., p.362). Em nível internacional, a ECO-92, desde sua preparação, marcou uma mudança de postura internacional em relação a Conferência de Estocolmo (1972), quando as teorias neomalthusianas justificavam as críticas do norte desenvolvido aos países do sul em desenvolvimento. Em 1992, na Cidade do Rio de Janeiro, os países em desenvolvimento defenderam uma agenda própria, mais voltada para formas de desenvolvimentos regionais e sustentáveis. In: SAAVEDRA, Op. Cit., p.183-193. 277 Relato de membro do CTA-ZM na década de 1980. In: MAFRA, Flávia Luciana Naves. Práticas, Poder e Perspectivas em Reconstrução: um olhar sobre a trajetória da experiência agroecológica de Araponga, Minas Gerais. Tese de Doutorado, Departamento de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, UFRRJ, 2006. p.8.

111

com gente formada, não. E, a partir daí, que quando apareceram esses formado que fala maluco da universidade federal é que, procurando a gente pa conversá. Qué dizê, não foi uma coisa fácil, mas abriu as porta!278

O Centro de Tecnologias Alternativas vai buscar influenciar, portanto, a atuação de

pesquisadores da UFV, fazendo surgir nas discussões acadêmicas e nos projetos de pesquisas

ligados à universidade os temas e práticas socioambientais. As influências podem ser notadas

nas monografias desenvolvidas no Departamento de Engenharia Florestal. Os Resumos

Monográficos do DEF279, apresentados por Wantuelfer Gonçalves e Haroldo Paiva, nos

permitiu elaborar uma tabela de dados demonstrativos dos temas monográficos. Nos dois

primeiros monográficos, os dados são organizados por biênios (1985-1986 e 1987-1988), a

partir de 1989 começam a ser apresentados por triênios (1989-1991, 1992-1994, 1995-1997,

1998-2000, 2001-2003). Destacamos na Tabela 2 os nove temas que mais se apresentaram nas

monografias, sendo que os temas menos frequentes foram incluídos na categoria “Outros”.

Nas 794 monografias apresentadas entre os anos de 1985 e 2003, encontramos as

seguintes temáticas: 18% Espécies Exóticas (eucalipto, pinus e outras); 17,6% Empresas

Florestais; 15% Matas e Essências Nativas; 11% Unidades de Conservação (manejo, educação

ambiental, ecoturismo, APPs, RPPNs, DRP280, planejamento participativo e controle do uso do

fogo), 7% Pragas, Saúvas e Inseticidas; 6,5% Reflorestamento, Sementes e Mudas; 5,4%

Paisagismo e Espécies Ornamentais; 3% Agroflorestas e Agrosilviculturas e 2,6% Recursos

Hídricos, Matas Ciliares e Bacia s Hidrográficas.

Vale destacar aqui que a escolha das monografias de fim de curso para analisar as

influências dos debates socioambientalistas no DEF em detrimento às dissertações de mestrado

e às teses doutorais, deveu-se ao fator quantitativo e à circulação de ideias na etapa formativa

da graduação. Entre as 794 monografias que foram categorizadas na Tabela 2 e no Gráfico 3,

foi-nos apresentado um debate acadêmico e científico amplo em termos de temáticas, o que não

ocorreria proporcionalmente nas dissertações e teses que, via de regra, encaixam-se em linhas

de pesquisa já consolidadas e mais herméticas a debates em formação. Também, afirma o

278 Informante 18. Op. Cit. 279GONÇALVES, Wantuelfer, PAIVA, Haroldo Nogueira de. Resumos Monográficos: engenharia florestal, UFV. Viçosa: Editora UFV. (1985-1986); (1987-1988); (1989-1991); (1992-1994); (1995-1997); (1998-2000); (2001-2003). 280 Segundo CHAMBERS, 1994 Apud BARBOSA: “O Diagnóstico Rural Participativo é um conjunto de técnicas participativas e icônicas que favorece a integração de populações não ou pouco letradas no processo de criação do conhecimento e na tomada de decisões”. BARBOSA, Willer Araújo. Cultura Puri e Educação Popular no Município de Araponga, Minas Gerais: duzentos anos de solidão em defesa da vida e do meio ambiente. Tese de Doutorado. Departamento de Educação, Florianópolis: UFSC, 2005. p.104.

112

professor Wantuelfer Gonçalves, nos anos de 1980 o Departamento de Meio Ambiente281

começou a ser muito demandado para orientações de monografias, tornando-se um

departamento muito ativo desde essa época:

Até então, o pessoal não ligava muito pra meio ambiente, isso coincidiu mais ou menos quando o meio ambiente passou a ter uma procura, passou a uma preocupação maior. E aí, os alunos se preocupavam com meio ambiente, os professores acataram as questões dos alunos e começaram a desenvolver muita monografia nessa área282

Os temas relativos à conservação da natureza e uso dos recursos naturais começam

a ganhar espaço nas monografias do DEF na década de 1990 (Gráfico 3), período que coincide

com a atuação do CTA-ZM na região de Viçosa e, de forma específica, nas comunidades da

Serra do Brigadeiro. Os recursos hídricos, incluímos nesta categoria também as matas ciliares,

tiveram um tímido crescimento em meados dos anos de 1990, valendo ressaltar, contudo, que

tal crescimento foi voltado para discussões de uma realidade local da cidade de Viçosa – a

recuperação do Ribeirão São Bartolomeu. As monografias dedicadas aos impactos ambientais

e à recuperação de áreas degradadas analisaram majoritariamente os impactos da mineração,

propondo o plantio de florestas para recuperar a degradação causada pelas mineradoras. Já os

temas que relacionam os solos às florestas283, embora com um percentual pequeno entre as

monografias, reflete uma tendência central na proposição do CTA-ZM em suas intervenções

junto às comunidades rurais a partir dos anos de 1990 na Zona da Mata Mineira, como se pode

observar na tecnologia alternativa do CCCC: Calda, Composto, Curva de Nível e Cobertura

Morta284. Sem embargo, nos temas relacionados às Unidades de Conservação, foi onde

encontramos a maior variedade de propostas para o uso sustentável dos recursos naturais, passa-

se a propor a valorização dos conhecimentos das comunidades locais, a gestão compartilhada

das UCs e a elaboração de Planos de Manejo Participativos.

281 Naquele momento, o DEF estava dividido em quatro áreas: Silvicultura, Tecnologia da Madeira, Manejo Florestal e Meio Ambiente. 282 Informante 21. Op. Cit. 283 Não destacamos esse tema na TABELA 2 em coerência ao critério quantitativo que utilizamos na elaboração da mesma. No Gráfico 3, no entanto, enfatizamos o tema para que se vislumbre a visão orgânica que se inicia no DEF nos processos de recomposição florestal, fruto de parcerias com o Departamento de Solos da UFV e com o CTA-ZM. 284 In: https://ctazm.org.br/pagina-historico

113

TABELA 2 - TEMAS DAS MONOGRAFIAS TOTAL DE MONOGRAFIAS DEFENDIDAS POR BIÊNIOS E TRIÊNIOS TOTAL POR TEMA

1985-1986

1987-1988

1989-1991

1992-1994

1995-1997

1998-2000

2001-2003

TOTAL

%

Eucaliptos, Pinus e Outras Essências Exóticas 23 29 25 22 17 10 15 141 18%

Empresas Florestais (Madeira, Carvão, Celulose) 09 23 16 10 26 27 29 140 17,6%

Matas e Essências Nativas 30 24 18 20 07 10 11 120 15%

UCs (Manejo, Educação Ambiental, Ecoturismo, APPs, RPPNs, DRP, Planejamento Participativo, Uso e Controle do Fogo)

04 01 05 09 22 16 28 85 11%

Pragas, Saúvas e Inseticidas 08 06 04 10 12 07 07 54 7%

Reflorestamento, Sementes e Mudas 02 11 05 13 05 06 09 51 6,5%

Impactos Ambientais, Recuperação de Áreas Degradadas

05 04 06 08 10 02 11 46 6%

Paisagismo e Espécies Ornamentais - 02 05 04 16 08 07 42 5,4%

Agroflorestas e Agrosilviculturas 04 03 02 05 04 01 03 22 3%

Recursos Hídricos, Matas Ciliares e Bacias Hidrográficas

- 01 01 02 04 04 08 21 2,6%

Outros 06 10 13 03 11 21 08 72 7,9%

114

54

6

8

10

2

11

01 1

2

4 4

8

0 0 0 01

7

1

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28

1985-1986 1987-1988 1989-1991 1992-1994 1995-1997 1998-2000 2001-2003

GRÁFICO 3 - Temas Monográficos do DEF Ligados à Conservação e Uso dos Recursos Naturais

Impactos Ambientais

Recursos Hídricos

Solos e Florestas

Unidades de Conservação

Nas monografias sobre o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, os principais

recortes temáticos foram: a composição florística da serra, O Diagnóstico Rural Participativo

(DRP) nas comunidades do entorno do PESB, os sistemas agroflorestais e suas potencialidades

socioeconômicas, a interpretação de trilhas, o potencial turístico do PESB, a gestão

participativa, o plano de manejo sustentável e o controle do uso do fogo. Nestas monografias,

as comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro passavam a ser consideradas atores centrais

no processo de conservação da biodiversidade. Argumentamos aqui que a fixação, a

valorização, o fortalecimento e a melhoria da qualidade de vida das famílias de agricultores,

juntamente com a adequação de suas práticas aos objetivos das áreas legalmente protegidas,

são componentes imprescindíveis para o sucesso da conservação biológica285

Assim, as formas de uso e manejo tradicionais do solo e das florestas passaram a

ser utilizados no processo de implantação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e na

elaboração do seu Plano de Manejo, sendo fruto, dentre outras coisas, da relação diacrônica do

CTA-ZM com o Departamento de Engenharia Florestal, Departamento de Solos, Departamento

de Educação e o Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Federal de Viçosa. A

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Carangola (FAFILE)286 também foi artífice no

processo de criação do PESB, sobretudo nos levantamentos de espécies animais e vegetais da

285 WERTER, Martin ... et al. “Vozes da Permanência: a conservação ambiental alcançada com o sistema da agrofloresta” In: STEENBOCK, Walter (Org.) ... et al. Agrofloresta, Ecologia e Sociedade. Curitiba: Editora Kairós, 2013. p.391. 286 Atual UEMG – Carangola.

115

Serra do Brigadeiro, sendo, no entanto, reticente em relação a reformulação da área inicial do

parque para atender as demandas das comunidades do seu entorno287.

2.4 – O Planejamento Participativo e a voz das comunidades no Plano de

Manejo do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro

A participação das comunidades na criação da UC na Serra do Brigadeiro foi um

fato inédito e exitoso na história da conservação no Brasil, passando a ser utilizado como

modelo para outras experiências similares288. Uma vez demarcados os limites do PESB, com

base no uso da terra, restava ainda a elaboração das regras para sua gestão e manejo. No ano de

1997, inicia-se um processo de Diagnóstico Rural Participativo (DRP) para analisar o ponto

central do manejo e gestão dos recursos naturais da Serra do Brigadeiro: como minimizar as

pressões antrópicas e conservar a biodiversidade daquele remanescente florestal de Mata

Atlântica, sem comprometer, no entanto, a integridade e dignidade da população local?289

Os DRP foram realizados com o intuito de se entender as demandas da comunidades

e criar alternativas para sua viabilidade, evitando que o caráter restritivo e punitivo do uso dos

recursos naturais no entorno do PESB fosse mais urgente que tais demandas290:

Aqui teve muita gente do sindicato, foi através do sindicato e o CTA. O sindicato e o CTA foi as duas força que uniu e ajudô defendê (...) fazia uma reunião aqui, outra lá embaixo, pra sabê do quê que o povo vivia – o povo vivia daqui. Então dizia: não pode tirá um pau, não pode tirá uma taquara, como é que vamu arrumá... um chorava praqui, outro chorava prali, mas hoje tá todo mundo rino291

Os levantamentos realizados naquele momento subsidiaram a elaboração do Plano

de Manejo da UC, na medida em que apresentaram alternativas mais concretas e factíveis em

relação aos impactos do uso dos recursos naturais pelas comunidades rurais da Serra do

287 Um dos nossos informantes relatou o descontentamento dos professores da FAFILE em relação à mudança da área inicial proposta para o PESB. Segundo ele, foi na Audiência Pública realizada pela Assembleia Legislativa de Minas (Muriaé, 1994), onde os agricultores exigiram participar no processo de criação do parque e forçaram os Deputados a tomarem posição, que evidenciou-se tal descontentamento. 288 In: MAFRA, Op. Cit., p.7. 289 Questão formulada a partir das proposições de Verônica Bonfim na sua tese de doutorado apresentada ao DEF em 2006. In: BONFIM, Verônica Rocha. Conflitos, Participação e Lições Aprendidas no Processo de Criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB), MG. Tese de Doutorado, Departamento de Engenharia Florestal. Viçosa: UFV, 2006. p.45. 290 BONFIM, 2006, Op. Cit., p.2. 291 Informante 14. Op. Cit.

116

Brigadeiro: as demandas por taquaras, madeiras para mourões e construção, água, trilhas, etc.292

Somente a partir dos dados levantados no diagnóstico pôde-se, então, elaborar estratégias para

o uso sustentável dos recursos naturais:

Considerando a importância do trabalho produtivo para a construção das relações entre os moradores das comunidades rurais e a natureza, então a questão da sustentabilidade na produção econômica das famílias pode representar oportunidade de promover uma postura crítica a respeito do trabalho produtivo, buscando, a partir daí, estabelecer junto com os moradores, a ideia de sustentabilidade dessas relações293

As parcerias entre o CTA-ZM e os Sindicatos Rurais dos municípios do entorno,

além dos Departamentos de Solos, Engenharia Florestal e de Educação da UFV, na implantação

dos Serviços Agroflorestais (SAF) como alternativa agroecológica na região da Serra do

Brigadeiro, aglutinavam as experiências participativas das comunidades confrontantes ao

PESB. Muitas dessas experiências mantiveram os agricultores da região utilizando e

produzindo recursos naturais em parceria com a Mata Atlântica, promovendo, lenta e

gradualmente, a recuperação dos solos, das matas e aumentando sua produção,

Isto porque a agroecologia trata do agroecossistema como um todo: busca a harmonia dos ciclos dos nutrientes no sistema solo-ar-planta, dos processos energéticos e biológicos com as relações sócioeconômicas. Se preocupa com os aspectos metodológicos para a formação e consolidação do conhecimento, promovendo a articulação do conhecimento científico e saberes tradicionais294

Embora o CTA-ZM continuasse incentivando e apoiando os agricultores na

implantação dos SAF, comprovando empiricamente que não havia contradição entre o uso dos

recursos naturais e a preservação da Mata Atlântica295, havia a necessidade de que estes

agricultores se mantivessem nas discussões sobre a implantação do parque, especificamente na

elaboração do seu Plano de Manejo. O esvaziamento participativo seria um risco da perda de

292 Informante 14. Op. Cit. 293 MELLO, Cláudia de Carvalho. Educação Ambiental no Entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro – Minas Gerais. Dissertação de Mestrado, Departamento de Extensão Rural. Viçosa: UFV, 2002. p.90. 294 SOUZA, Helton Nonato. Sistematização da Experiência Participativa com Sistemas Agroflorestais: rumo à sustentabilidade da agricultura familiar na Zona da Mata Mineira. Dissertação de Mestrado. Departamento de Solos. Viçosa: UFV, 2006. p.2. Ainda nos dias atuais, notam-se os frutos plantados pelos SAFs, quando um agricultor faz uma análise de como é a sua relação com a terra: “Não tem terra ruim, tem terra mal trabaiada, que a terra é uma só e quem caba coa terra somo nóis, que a terra dá o sustento pra nóis, nóis vevi da terra, mas ela tamém tem de alimentá” (Informante 14, Op. Cit.) 295 TEIXEIRA, Maria do Carmo Couto. “Relações Socioambientais em Área de Preservação Ambiental”. Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, Bahia, 1 a 4 de junho de 2008. p.13.

117

conquistas dos anos anteriores296. Assim, propõe-se a elaboração participativa do Plano de

Manejo do PESB:

Após a criação do Parque, o próximo passo é a elaboração do Plano de Manejo de forma participativa que, assim como no processo de criação, de forma a manter vivos os anseios e expectativas da comunidade do entorno, da comunidade científica e do órgão gestor, ao mesmo tempo em que se garantisse a observância da legislação específica

Articuladas pelo CTA-ZM, diversas entidades começam a organizar a elaboração

de um simpósio para discutir-se o Plano de Manejo do PESB e elaborar uma proposta inicial.

Nas reuniões preparatórias, definiram-se três objetivos gerais para o evento: examinar a

situação do parque e seu entorno; propor diretrizes para as ações prioritárias e cronograma para

elaboração do plano de manejo e estabelecer um mecanismo participativo para elaborar e

implementar tal plano. Definiu-se que haveria participantes com as funções distintas de

delegados e observadores, estes últimos enriqueceriam o debate, mas sem direito a voto em

plenária.

Um líder comunitário morador das proximidades da Fazenda do Brigadeiro,

expressa as inquietudes que apresentou após três dias de sucessivas reuniões e atividades no

Centro de Tecnologias Alternativas (CTA-ZM) em Viçosa. Seu relato deixa claro que os

participantes do entorno da serra não se sentiam contemplados e escutados de fato e que as

atividades lúdicas de grupo, aplicadas na metodologia do CTA-ZM naquele momento, ainda

não haviam levado a uma abertura para o diálogo. Expressa ainda que a dificuldade de diálogo

notada naqueles debates, nos quais os representantes do entorno da serra, entendidos como meia

dúzia de gente, pouco ou nada falavam, impossibilitaria a implantação efetiva da Unidade de

Conservação; que levaria ele para sua comunidade? - questiona o informante:

Êis falô: mais num pode mexê no parque, aí no dia queu fiquei três dia queu tava lá (...) Tinha três dia queu tava no CTA, passei a noite que num pude durmi, quês num queria que mexesse com nada. Falei assim: gente mas cumé que pode, nóis precisa do milhu, nóis precisa do feijão. Nóis precisa da água, que a água é vida, mas nóis precisa da taquara, fazê balai, quebrá milhu, fazê penêra. Aí, cheguei lá e falei assim: oh, gente... aí oiô aquela tuima toda, três dia que tava lá fazendo aqueles trem. Eis fizeru uma teia de aranha, nóis num podia falá nada, era

296 FONTES, Op. Cit., p.3. Verônica Bonfim nos aponta que houve um período de letargia nas discussões do Plano de Manejo do PESB entre 1998 e 1999, além de um incêndio de grandes proporções causado acidentalmente por um agricultor familiar, que causou uma desconfiança ainda maior do IEF em relação ao uso dos recursos naturais da Serra do Brigadeiro.

118

só do jeito quês queria. Aí cheguei e falei: gente, cês vai me disculpá, treis dia queu tô aqui e num vô levá nada pa minha comunidade. Ocês acha que nóis num pode paiticipá, sem noizi é difiçu... sem nóis, que diz ês que era só meia dúzia de gente297

As dificuldades de comunicação entre o meio acadêmico (técnicos e pesquisadores)

e as comunidades também foram retratadas por outro informante, morador de Praia Danta que

participou dos processo de criação e implantação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro

em todas as suas etapas. Segundo ele:

Desdo início, a gente tava na discussão da criação. O que mais a gente implicou naquela época foi o parque ser criado a partir de cotas, né? Foi aí que a gente corrê atrás, com o negóçu do diagnóstico que fez aqui pra tirá bandêra de luta pro sindicato e apareceu moradores do entorno falando isso. Agora... que dentro das bandêra de luta, uma delas era melhorá o solo, chamava “Comissão Terra Forte”, que era pa melhorá o solo.... e êis falô: agora eu vô melhorá meu solo pra deixa pra bicho. Mas, por que vai melhorá pra bicho? Por que o parque vai tomá aquele trem tudo nosso. Então foi quando começamos a corrê atrás de melhores informação298

De 10 a 14 de junho de 2000, portanto, é realizado na UFV o simpósio

“Contribuições para Elaboração do Plano de Manejo Integrado e Participativo do PESB e

Entorno”. Neste simpósio participaram 129 pessoas, entre homens e mulheres de diversas

associações ambientalistas, representantes de outras UCs (com destaque para Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá), Instituto Estadual de Florestas, EMATER,

departamentos da UFV (Biologia, Educação, Florestas, Solos e Economia Doméstica),

prefeituras regionais, Polícia Florestal, grupos de agricultura alternativa, sindicatos de

trabalhadores rurais e representantes das comunidades do entorno do parque.

Os grupos de estudo do simpósio, moderados por pessoas externas ao processo,

foram cinco, contemplando tantos os fatores bióticos e abióticos, como os aspectos

socioambientais do entorno da serra e seus usos e potencialidades, além da operacionalização

e estrutura de gestão do PESB. Esses grupos foram compostos pelos membros das associações

e entidades presentes e pelos representantes de comunidades, debatendo os assuntos pertinentes

e elaborando uma relatório diário dos debates.

297 Informante 15, homem de 82 anos. Entrevista realizada na Estrada da Fazenda do Brigadeiro, Estouro, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 19 de julho de 2019. 298 Informante 18, Op. Cit.

119

Vale destacar aqui a participação da representante da Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Mamirauá (DRS-Mamirauá) relatando a experiência participativa da população da

várzea daquela UC na elaboração de seu plano de manejo. A representante expõe o processo de

criação da estação Ecológica em 1990 e os problemas trazidos às populações ribeirinhas, com

a proibição do uso dos recursos naturais, que tradicionalmente utilizavam para sua

sobrevivência. A entidade Prelazia de Tefé, ligado ao “Movimento de Preservação dos Lagos”,

realiza uma mobilização com os pescadores similar ao que o CTA-ZM realizou na Serra do

Brigadeiro, colocando-os no centro das discussões sobre o destino do seu território. Após muita

resistência em relação à participação popular, sobretudo de comerciantes predadores das

florestas e políticos que tiravam vantagens eleitorais da carência da população, cria-se a Reserva

de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Após o longo período de debate da SNUC, as RDS

são reconhecidas como uma categoria de Unidade Conservação. A participação da população

foi gradativa e, na medida que crescia, percebiam conquistas ou surgia um novo conflito. Por

fim, a elaboração do plano de manejo da RDS Mamirauá contou com a participação popular e

aprovou ações que visavam ao uso sustentável dos recursos, valorizando o conhecimento dos

protagonistas (os ribeirinhos) e definindo o papel e as obrigações dessas populações para manter

o equilíbrio ecológico no seu território. Surge, a partir daquele momento, uma categoria nova

de Unidade de Conservação.

As lições aprendidas, tanto no caso de Mamirauá, como nos relatos de biólogos,

educadores, engenheiros florestais, especialistas em solos, sindicatos rurais, associações,

entidades conservacionistas, Comunidades Eclesiais de Base, serviram para que se definissem

as regras de funcionamento do PESB.

Na Plenária Final, deliberou-se sobre todas as propostas formuladas nos grupos e

aprovou-se um relatório final, com decisões importantes para a implantação efetiva da UC, tal

como a criação do Conselho Consultivo do PESB. Este conselho deveria ser constituído com o

máximo de representatividade possível, incluindo a população do entorno. Também definiu-se

que esta população deveria participar de toda e qualquer decisão que influenciasse direta ou

indiretamente suas vidas299.

O Simpósio foi um momento de troca de experiências e de debate de ideias e ideais;

uma debate amplo, fruto do amadurecimentos das associações que já estavam em campo, em

diálogo com os agricultores300. Também foi um momento para que as comunidades do entorno

299 FONTES, Op. Cit., p.125. 300 BONFIM, Op. Cit., p.46.

120

do PESB, por meio dos seus representantes, formulassem questões em que as suas vivências e

saberes fossem incluídas na gestão e manejo do seu território, historicamente construído.

Mas, a implantação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro é um processo que

segue em curso, mesmo após a finalização do Plano de Manejo em 2006, pois, como afirma um

funcionário do parque: “a Unidade de Conservação está sempre sendo implantada”301 e é um

processo contínuo que está ligado à própria existência de qualquer Unidade de Conservação.

********************

A Serra do Brigadeiro teve seu encontro com a política desenvolvimentista dos governos de

Minas Gerais e do Brasil ainda na década de 1950, tendo sido exaustivamente explorada durante

as quase duas décadas em que a Companhia Agroflorestal, empreiteira da Companhia Belgo

Mineira, atuou na região. Nesse rincão da Zona da Mata Mineira, também notar-se-ia o

imperativo do desenvolvimento, e sua cobertura vegetal de Mata Atlântica estaria fadada a virar

carvão para alimentar os altos-fornos da siderurgia mineira. Com ela também seriam dizimados

outros seres vivos, partícipes do equilíbrio ecossistêmico da região; a onça sumiu, o tatu

desapareceu, das antas não se tem mais notícias. Como afirma um morador do Pico do Boné

(Araponga): fugiru pra ôtros lado, que êis num são bobo! E o ser humano? Este último passou

a trabalhar quase que exclusivamente para pagar o alimento comprado no armazém do

Companhia, entre um vale e um contravale. O machadeiros, sem nenhuma garantia trabalhista,

cortavam árvores e picavam toras o dia todo, enquanto o impressionante teleférico levava os

feixes de lenha de um lado para o outro da serra; oito fornos a céu aberto carbonizavam a lenha

sem cessar. Este era o cenário encontrado pela Polícia de Vigilância Rural de Viçosa ao chegar

na região do Pico do Boné pelos eidos de 1969; uma calamidade ambiental anunciada na

degradação em processo. Embargada, a Companhia foi buscar carvão em outras paragens,

deixando, por onde as hábeis mãos dos machadeiros e o teleférico não alcançaram, umas poucas

árvores majestosas de pé. Sem embargo, menos de uma década depois, a resiliente floresta

voltava a ocupar as áreas da Fazenda Brigadeiro e do Pico do Boné, despertando a curiosidade

dos professores da Escola Superior de Florestas da UFV. Propõe-se, assim, a transformação da

Serra do Brigadeiro em parque estadual. A longa trajetória, que vai da proposição do parque

301 Informante 17, homem de 56 anos. Entrevista realizada na Sede do PESB, Serra das Cabeças, Araponga, por Adailton Damião dos Santos em 20 de julho de 2019.

121

(1976) à consolidação do seu Plano de Manejo (2006), é repleta de memórias e lutas das

comunidades do entorno da serra em coexistência temporal com outras lutas no campo e nas

cidades brasileiras por direitos sociais e ambientais. No caso específico dos moradores da Serra

do Brigadeiro, a luta era pela terra e pelo uso dos recursos da mata, luta essa encampada pelos

socioambientalistas, muitos deles membros do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da

Mata, outros dos Departamentos de Engenharia Florestal, Solos e Educação da UFV. Com a

criação do parque autorizada em 1988, começariam, no início da década de 1990, as

intervenções nas comunidades para definição das áreas da Unidade de Conservação, mas os

limites definidos a partir da Cota Mil esbarrariam em mais de quatrocentas famílias. Após um

longo debate, do qual participaram cientistas, ecologistas, membros da Igreja Católica,

agricultores, educadores, o parque é criado e os agricultores são mantidos nas suas terras. Mas

estes últimos ainda se “meteram” na elaboração das regras para o manejo daquelas florestas,

opinando e participando das tomadas de decisão, pois, afinal de contas, aquele era seu território

ancestral – o território da Serra dos Arrepiados.

122

CAPÍTULO 3 – A Identidade do Povo da Mata e as Políticas

Territoriais na Serra dos Arrepiados

A primeira coisa que foi roubada nossa aqui foi a terra, robô nossos pais e robô nossas terra (...) a terra é a liberdade

(Sr. Nenén Lupin)

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade

(Jacques Le Goff)

123

A categoria “território” é utilizada fundamentalmente pela geografia, tendo sido

esse ramo científico o que promoveu os mais amplos debates conceituais em torno da mesma,

reformulando historicamente sua semântica e aplicabilidade. Ao longo do século XX, território

e espaço geográfico foram utilizados pelos geógrafos como sinônimos, “coisificando’ o

primeiro e entendendo-o como o próprio substrato espacial material (rios, matas, cadeias de

montanhas, pastos e campos de cultivo, cidades e vilas); uma porção espacial circunscrita por

fronteiras e limites302. Essa leitura sobre território, embora pareça um descuido conceitual, deve

ser historicizada, já que, dentre outras coisas, serviu ideologicamente para que fossem

formuladas as bases dos Estados-nação, com seus “discursos-argumento” baseados na

legitimidade dos territórios nacionais:

(..) tornou-se difícil descolar o emprego da palavra “território” das necessidades ideológicas específicas vinculadas à legitimação dessa fonte de poder (...) de total privilegiamento analítico-conceitual do “território pátrio”, do “território nacional”. Exercendo sua vasta soberania, geralmente, sobre vastas extensões da superfície da terra, um Estado-nação se manifesta, político-geograficamente, como um país, com seus recursos e riquezas. Exaltar esses recursos e essas riquezas, das jazidas de minério às belezas naturais, sempre fez parte do discurso legitimatório de qualquer Estado-nação, ao lado da insistência naturalizante sobre a “personalidade própria e indivisível daquele espaço303

A ruptura com essa noção “coisificante” de território é vislumbrada pelos geógrafos

a partir dos anos de 1980, na conjunção dos conceitos de espaço e poder304. Assim, postulam

que, na mesma medida em que o controle do espaço é um exercício de poder, o poder somente

pode existir se associado a um determinado espaço de atuação. Com base nessa conjunção, o

conceito de território é reformulado, passando a ser essencialmente um instrumento de exercício

de poder espacialmente definido305.

Para Antônio Robert Moraes, o uso do conceito de território pode apresentar um

“rico caminho” para as análises históricas, pois expressa combates e antagonismos entre

interesses e projetos sociais. Uma vez que a história “(...) se faz sobre e com o espaço terrestre

302 SOUZA, Marcelo Lopes de. Os Conceitos Fundamentais da Pesquisa Sócio-Espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2018. 4ª Edição. p.9. 303 SOUZA, 2018, Op. Cit., p.92. 304 Este último advindo, sobretudo, de trabalhos antropológicos e de reflexões filosóficas, que, embora não consensuais, convergem na ideia de que “o poder não é uma coisa, algo que possa ser estocado” e que o Estado não é o único a exercê-lo. In: SOUZA, 2018, Op. Cit., p.79. Marcelo Lopes de Souza cita as influências de Michel Foucault, Gilles Deleuze & Féliz Gattari, Hannah Arendt e Cornelius Castoriadis nessas reformulações no conceito de “poder”. 305 In: SOUZA, 2018, Op. Cit., p.89.

124

(...) toda formação social é também territorial, pois necessariamente se especializa”306. Assim,

postula o autor,

(...) enquanto a valorização do espaço aparece como horizonte teórico genérico da indagação, a formação territorial desenha-se como objeto empírico, o ajuste de foco naquela ótica de captar o movimento histórico (...) do ângulo epistemológico, transita-se da vaguidade da categoria espaço ao preciso conceito de território (...) Na historicidade plena dos processos singulares brota a possibilidade de indicar os agentes do processo, os sujeitos concretos da produção do espaço307

Contudo, problematiza Marcelo Lopes de Souza:

Insistir sobre o fato de que o que “define” o território é, acima de tudo, o poder, em nada justifica pensar que a abordagem ora advogada “negligencia” quer a materialidade do espaço, quer a dimensão cultural-simbólica da sociedade (...) O fato de se admitir que o território, na qualidade de uma projeção espacial de relações de poder, não deve ser confundido com o substrato não quer dizer, de jeito nenhum, que seja possível compreender e, mais ainda, investigar territórios concretos (sua origem e as causas de suas transformações ao longo do tempo) sem que o substrato espacial material do espaço social seja devidamente considerado308

Na Serra do Brigadeiro podemos notar como a materialidade do espaço interferiu

na formação territorial, tendo sido a base para os discursos em defesa do seu ecossistema desde

o final dos anos de 1970. Vale-nos aqui lembrar que, os planos iniciais para a delimitação do

Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB) tomavam como base a sua altimetria (a “Cota

Mil”) e, mesmo após esses planos terem sido reformulados, como já analisamos no capítulo

anterior, sua base continuou sendo a materialidade do espaço, dada pelos remanescentes

contínuos de floresta. Mas, a valorização da materialidade do espaço foi apenas um ponto de

partida para o Território da Serra do Brigadeiro, o que levou à territorialização desse espaço

foram os “campos de força” elaborados a partir da proposição do parque, que mobilizaram

vários atores sociais309 na luta pela continuidade do uso daquele espaço e onde as identidades

das comunidades do entorno da serra dialogaram com projetos de política territorial do Governo

Federal, a partir do ano 2003.

306 MORAES, Antônio Carlos Robert. Território e História do Brasil. São Paulo: Annablume, 2005. p.47. 307 MORAES, 2005, Op. Cit., p.45. 308 In: SOUZA, 2018, Op. Cit., p.89 e 95. 309 Utilizamos aqui “atores sociais’ na perspectiva de Claude Raffestin, entendendo que há um processo de produção do território e que esses atores são os que o produzem, partindo da realidade inicial dada, que é o espaço. In: RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. p.7.

125

3.1 – Caracterização do Território Rural Serra do Brigadeiro

O Território Rural da Serra do Brigadeiro está localizado na porção norte da Zona

da Mata de Minas Gerais e é composto pelos municípios de Araponga, Divino, Fervedouro,

Ervália, Miradouro, Muriaé, Pedra Bonita, Rosário da Limeira e Sericita. Abrange uma total de

2,944 Km², correspondendo a 8,4% da superfície da Zona da Mata mineira310.

A Serra do Brigadeiro, extremo norte da Serra da Mantiqueira, divide o Território

em duas bacias hidrográficas: a Bacia do Rio Doce (a oeste) e a Bacia do Rio Paraíba do Sul (a

leste). O mapa acima (Mapa 4), elaborado para o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural

310 CTA-ZM - (Órgão Executor). Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável (Território Rural da Serra do Brigadeiro). Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, Junho de 2004. p.71.

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126

TABELA 3: Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios do Território, Ano 2000 - Unidade R$ 1.000,00. Apud: CTA-ZM, 2004, p.12.

Sustentável (PTDRS), demonstra a altimetria dos municípios do território (variando de 180 a

2000 metros em relação ao nível do mar) e os cursos d`água presentes em cada um desses

municípios311. O mapa destaca, ainda, a rede de comunicação existente dentro do território, as

estradas e rodovias, com destaque para a Rodovia BR 116 (popularmente conhecida como Rio-

Bahia), cortando a parte leste do território, entre os municípios de Muriaé, Miradouro,

Fervedouro e Divino.

Para caracterização econômica do Território Rural da Serra do Brigadeiro, realizado

em 2004 pelo Centro de Tecnologias Alternativas (CTA-ZM), utilizou-se a base de dados do

PIB (IBGE, 2000) dos nove municípios integrantes, demonstrando a predominância do setor de

serviços (59,2%), seguido pelo setor da indústria (24%) e pelo setor da agropecuária (16,8%).

Os dados indicam também a baixa taxa de industrialização dos municípios de Araponga,

Sericita e Pedra Bonita, com mais de 40% da sua economia no setor agropecuário. Já nos

municípios de Muriaé e Miradouro, o setor industrial apresenta predominância, enquanto o setor

agrícola apresenta o menor percentual.

A cadeia de montanhas da Serra do Brigadeiro, além de ser um condicionante

geológico importante para as bacias hidrográficas que alimenta, influencia nas características

econômicas e sociais dos municípios do seu entorno, dadas pela altitude do seu relevo e pelo

relativo isolamento das populações humanas que compõem o território. A produção do “café

311 Os cursos d`água dos municípios de Araponga e Sericita são parte da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Os cursos d`água dos municípios de Divino, Fervedouro, Miradouro, Rosário da Limeira e Muriaé compõem a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Já os cursos d`água dos municípios de Ervália e Pedra Bonita são parte das duas bacias hidrográficas: Rio Paraíba do Sul e Rio Doce.

127

de montanha” é uma dessas características, como observado em entrevista por um funcionário

do PESB: “(...) produz café aqui até 1250m. de altitude; 1300m. já dá um café muito bom, mas

acontece que não produz muito, é de difícil maturação, tal”312. A logomarca utilizada pela

Prefeitura Municipal de Araponga na sua página web demonstra a importância do café de

montanha para a cidade, num diálogo entre a Serra do Brigadeiro e a produção cafeeira. Nessa

logomarca, ilustra-se um grão de café, colorido com o verde das folhagens e com o marrom

café, marcado pela silhueta da Serra do Brigadeiro ao fundo, com destaque para o Pico do Boné

(Figura 12).

A produção de café é reivindicada também como símbolo econômico nos nove

municípios que compõem o Território Rural da Serra do Brigadeiro, associada à presença da

cadeia de montanhas da Serra do Brigadeiro, ilustrando os brasões das bandeiras municipais de

todos eles (ver Anexo II). Como símbolos econômicos oficiais nos municípios do território

também estão presentes o milho e o gado, ambos presentes em quatro dos nove brasões

municipais, nos quais podemos encontrar os elementos da heráldica de domínio313, já que esta

heráldica

(...) aborda os brasões de entidades territoriais e seus atributos característicos, como os acidentes geográficos (rios, lagos, mares, montanhas, montes, promontórios, enseadas, etc.), plantas e animais típicos, a produção agrícola e industrial, além de monumentos e

312 Informante 17. Op. Cit. 313 Para Tiago José Berg, a heráldica divide-se em três ramos: Heráldica de Família, Heráldica Eclesiástica e Heráldica de Domínio. In: BERG, Tiago José. Geografia e Heráldica: lendo a representação da paisagem nos brasões de armas dos estados brasileiros. Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19, Número Especial, p. 123-133, Santa Maria (RS), 2015. Ressaltamos, no entanto, que, embora não seja nossa intenção fazer uma análise heráldica complexa dos brasões citados, o que extrapolaria nosso objeto de análise, podemos utilizar alguns de seus elementos para identificar o que se oficializou como símbolo dos municípios em questão, pertencentes ao nosso território de análise.

FIGURA 12 – Logomarca web da Prefeitura Municipal de Araponga. In: https://araponga.mg.gov.br/

128

personagens históricos que dão memória aos lugares, bem como lendas, mitos e demais associações com a toponímia, fundação ou origens314

Abaixo, temos exemplo da presença desses elementos de análise em um dos brasões

municipais, Brasão Municipal Oficial de Miradouro (Figura 13). Para o Município de

Miradouro reivindica-se oficialmente uma identidade voltada para a agropecuária, baseada na

produção de café, milho e gado e em contato com a cadeia de montanhas que circundam o

município, a Serra do Brigadeiro.

Mas, se por um lado, os municípios reivindicam uma identidade ligada aos aspectos

econômicos e ecossistêmicos locais, baseados na produção agropecuária e na presença da Serra

do Brigadeiro, oficialmente há uma escolha pelo silenciamento de outras identidades na

formação histórica desses municípios. Esse silenciamento torna-se evidente e passa a ser

sistematicamente questionado durante o Diagnóstico Rural Participativo (1993), momento em

que as comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro passam a ser ouvidas e seus anseios

passam a ser sistematizados para serem transformados em políticas públicas. Para Willer

Barbosa, essas identidades, definidas por ele como “amerindiafricanas”, foram silenciadas

314 BERG, Op. Cit., p.124.

FIGURA 13 – Brasão Oficial do Município de Miradouro. Disponível em: https://miradouro.mg.gov.br/

129

durante quase dois séculos, mas tornaram-se evidentes e ganharam vigor a partir dos anos de

1990:

a invisibilidade e o silenciamento seculares que sombreiam e delimitam a ausência produzida daquelas pessoas determinadas, daquele território específico, já não conseguem cobrir uma realidade e uma memória social que teimam em resistir à uniformidade cultural imposta pela dominação histórica colonial315

Esse momento, a princípios da década de 1990, segundo Heitor Ferreira Praça,

caracterizou-se pela ressignificação do uso do espaço pelas comunidades do entorno da serra e

pela modificação na forma como essas comunidades relacionavam-se entre si – o parque

apresentou-se como elemento de territorialização da Serra do Brigadeiro316.

3.2 – Do PESB ao Território Rural Serra do Brigadeiro

A inclusão das comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro no processo de

implantação da Unidade de Conservação, vislumbrada no Diagnóstico Rural Participativo na

década de 1990 e que teve sua culminância na elaboração do Plano de Manejo Integrado e

Participativo do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro em 2000, é entendida como um marco

na elaboração de políticas territoriais para a região. Noutras palavras, podemos dizer: das lutas

pelo parque surge uma consciência territorial naquele espaço, por que foi a partir dessas lutas

que criou-se “(...) um tecido social fortalecido, com uma identidade relacionada à Serra do

Brigadeiro, à agricultura familiar e à marcante diversidade cultural, social e econômica que

o território congrega”317. Na própria fala das comunidades, em muitos momentos, foi destacado

esse ponto de inflexão (do antes e do depois das discussões para a criação e a implantação do

parque), como percebera uma moradora e agricultora da Pedra do Racha, na Serra das Cabeças:

“Antes ninguém falava de Serra do Brigadeiro, antes aqui era a Serra das Cabeça... pra lá era

o ôtro lado da serra”318.

315 BARBOSA, Willer Araújo. Cultura Puri e Educação Popular no Município de Araponga, Minas Gerais: duzentos anos de solidão em defesa da vida e do meio ambiente. Tese de Doutorado. Departamento de Educação, Florianópolis: UFSC, 2005. p.28. 316 In: PRAÇA, Op. Cit., p.34. 317 FREITAS, Alan Ferreira de; FREITAS, Alair Ferreira de; DIAS, Marcelo Miná. “O colegiado de desenvolvimento territorial e a gestão social de políticas públicas: o caso do Território Serra do Brigadeiro, Minas Gerais” In: Rev. Adm. Pública — Rio de Janeiro 46(5), set./out. 2012, 1201-223. p.1209. 318 Informante 11. Op. Cit. Segundo Maria do Carmo Teixeira, “nem todas as pessoas das 54 comunidades ao pé das serras conhecem-na pelo nome de Serra do Brigadeiro ou Serra dos Arrepiados, que são generalizações do

130

De acordo com a perspectiva de Claude Raffestin, o espaço é transformado em

território por meio de uma ação conduzida – a territorialização; a apropriação do espaço,

projetada por uma relação de poder, leva à construção de um território. O que ocorre, portanto,

é a territorialização do espaço da Serra do Brigadeiro, dada pela criação do parque estadual,

onde foram projetadas as reconfigurações entendidas como necessárias para sua implantação,

com a participação das comunidades do entorno, juntamente com cientistas, ambientalistas e

órgãos governamentais; atores na territorialização daquele espaço:

O espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator territorializa o espaço. (...) O território nesta perspectiva é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder319

Foi a partir da acumulação da experiência comunitária na implantação do PESB que

a Serra do Brigadeiro passou a ser percebida como território, territorializando-se, unindo as

comunidades do seu entorno na valorização da sua identidade cultural e na reivindicação de

políticas públicas para seu desenvolvimento. Em 2004, portanto, o Centro de Tecnologias

Alternativas da Zona da Mata elabora o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável

(PTDRS) para o entorno da Serra do Brigadeiro:

Os atores sociais viram este momento histórico como uma oportunidade de inserir a caminhada local de debates acerca das opções para o desenvolvimento regional na construção de uma política pública inovadora320

Assim, a Serra do Brigadeiro e seu entorno (Araponga, Divino, Ervália,

Fervedouro, Miradouro, Muriaé, Pedra Bonita, Rosário da Limeira321 e Sericita) foram

homologados entre os cinco Territórios Rurais no estado de Minas Gerais322, tornando-se aptos

nome de uma delas a todo um maciço rochoso; assim, Aranhas, Alegre, Pai Inácio, Campestre, Cabeças, Saco de Bode, e outras mais, passaram a ser englobadas sob um mesmo título”. In: TEIXEIRA, 2009, Op. Cit., Nota 4, p.159. (Grifo Nosso) 319 RAFFESTIN, Op. Cit., p.143. (Grifo Nosso) 320 CTA-ZM, 2004, Op. Cit., p.2. 321 Rosário da Limeira é o único entre as nove cidades incluídas no Território Rural Serra do Brigadeiro que não tem em seus limites municipais áreas demarcadas do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB). 322 Em Minas Gerais selecionaram-se oitenta municípios, organizados em cinco territórios: Alto Jequitinhonha (21 municípios); Serra Geral (16 municípios); Mucuri (27 municípios); microrregião de Governador Valadares (17 municípios) e Serra do Brigadeiro (9 municípios).

131

a receberem financiamentos pelo Programa de Desenvolvimento de Territórios Rurais

Brasileiros (PRONAT), incorporado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Na

exposição de motivos para a escolha da Serra do Brigadeiro como área a ser financiada pelo

PRONAT encontravam-se “(...) a identidade cultural; grande concentração da agricultura

familiar nos nove municípios; grande articulação e parcerias já existentes no Território, o que

garante grande capital social; e patrimônio ambiental aglutinador”323.

O Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, que em 2003 já encontrava-se na etapa

final da elaboração do seu Plano de Manejo, seria, portanto, o elemento de coesão do território,

no qual a identidade cultural e a agricultura familiar deviam ser fomentados na articulação do

capital social já existente em seu entorno. Mas, como este rincão da Mata Atlântica, no extremo

norte da Serra da Mantiqueira, teve seu território delimitado e caracterizado pelos órgãos

responsáveis pelas políticas territoriais do Ministério de Desenvolvimento Agrário? O que

estava em jogo naquele momento em 2003, na Secretaria de Desenvolvimento Territorial do

MDA, era a própria definição de “território”, que, dentre outras coisas, balizaria o tipo de

“desenvolvimento” desejado para o meio rural brasileiro324.

A definição de território aplicada pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial

(SDT), ligada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), define os territórios para

além das suas características físicas, embora estas mereçam consideração:

TERRITÓRIO: É um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo cidades e campos, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como: ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial325

323 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.24. 324 Para Claudinei Heleno da Silva, o desenvolvimento rural, durante muito tempo pensado apenas sob uma perspectiva econômica, com base no setor primário, a partir das políticas do Ministério de Desenvolvimento Agrário, reformula tal perspectiva. O meio rural passa a ser percebido desde a sua heterogeneidade e desde a necessidade da inclusão dos grupos marginalizados nos processos de desenvolvimento do seu território. In: SILVA, Claudinei Heleno da. Conflitos Ambientais no Entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB): agricultura familiar e mineração de bauxita no município de Miradouro - MG. Dissertação (mestrado em Extensão Rural) – Departamento de Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, 2012. p.21. 325 BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Secretaria do Desenvolvimento Territorial. Marco Referências para o Desenvolvimento Rural Sustentável. Brasília: SDT/MDA, 2003. (Série Textos para Discussão - n. 4). p.34.

132

A definição do Território Rural da Serra do Brigadeiro, no contexto das discussões

territoriais e de desenvolvimento sustentável da SDT do MDA, não se atrelou, portanto, aos

critérios legais dos limites municipais, deu-se por critérios muito mais antropológicos e

históricos, considerados mais dinâmicos, estimulantes e aglutinadores - o pertencimento e a

identidade cultural:

(...) quando se vai a um território é possível perceber as referências e valores comuns das pessoas que ali vivem. Muitas coisas têm valor para as pessoas que vivem no local e não para o governo, como por exemplo, festas, tradições, etc. Há uma verdadeira sensação de casa e conforto quando se está, ou quando se fala, no local de origem das pessoas que ali vivem. Tudo isso define a identidade de um território. Esse estímulo comum que é despertado pelas pessoas que ali vivem, é a dinâmica que vai ser capaz de dar resposta ao estímulo governamental. Na maior parte das vezes, um município não define esse sentimento despertado, mas apenas a questão jurídica. Em um mesmo município pode haver mais de um território, o que dificulta a proposição de políticas públicas. Já em outros municípios, mesmo comunidades muito distantes se sentem parte de um mesmo território326

Nas “Diretrizes Gerais do Programa de Desenvolvimento Sustentável dos

Territórios Rurais” do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) a relação entre

identidade e uso do espaço é colocada como uma das bases para o desenvolvimento sustentável:

“3.1.2 - compreender o território como espaço socialmente construído, lugar de manifestação

de diversidades culturais e ambientais que expressam limites e potenciais para a promoção do

desenvolvimento rural sustentável”327. Nessa perspectiva, a relação entre identidade e território

na Serra do Brigadeiro dá-se fundamentalmente pelo pertencimento à trajetória de uso do

espaço da serra ocorrida ao longo do tempo. Tece-se, a partir daí, um elemento aglutinador que

vai possibilitar a territorialização do espaço, uma identificação com determinado grupo,

entendendo o espaço como lócus de suas práticas sociais328.

Além da presença do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, que impulsionou e

unificou as lutas das comunidades do seu entorno, outras características da Serra do Brigadeiro

foram levantadas como pontos de convergência do Território no relatório elaborado pelo Centro

de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, tais como:

326 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.26. 327 BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Secretaria do Desenvolvimento Territorial. Marco Referencial para Apoio ao Desenvolvimento de Territórios Rurais. Brasília: SDT/MDA, 2005a. (Série Documentos Institucionais n. 2). p.12. 328 LORETO, Maria das Dores Saraiva, SANTOS, Carmem Lúcia, GOMES, André Luis. “A formação e Gestão do Território Rural da Serra do Brigadeiro - MG: a percepção dos conselheiros”. In: XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária. 15 a 19 de outubro de 2012, Uberlândia. p.9.

133

- O cultivo do café de montanha, ou café de altitude, de qualidade; - A agroecologia; - A cultura (festas, religião, hábitos, crenças); - A predominância da agricultura familiar; - O solo, o clima e relevo da região; - Trabalhos de artesanato; - O potencial para o ecoturismo e o turismo rural; - A estrutura fundiária; - A criminalidade ocorrida por conflitos fundiários em uma determinada época, em especial nas comunidades do entorno do parque que são mais isoladas; - A falta de infraestrutura; - A religiosidade como aglutinadora; - A herança cultural indígena dos povos Puris; - A água de boa qualidade e medicinal329

Observados os aspectos mais conceituais de “território” e o porquê a Serra do

Brigadeiro devia ser entendida como tal, destacou-se, no Plano Territorial de Desenvolvimento

Rural Sustentável (PTDRS), o objetivo geral da criação daquele território: “desenvolvimento

rural com equidade, justiça social e equilíbrio socioambiental (...) através da implantação de

ações e projetos definidos de forma participativa e ascendente”330. Para alcançar tal objetivo

foram definidas cinco estratégias de ação: promoção da agricultura familiar diversificada;

recuperação e preservação ambiental; promoção do turismo rural sustentável; promoção da

agroindústria familiar e do artesanato; resgate e valorização da cultura. Nos subitens seguintes,

analisaremos essas cinco estratégias de ação, que foram definidas como fundamentais para a

implementação de políticas públicas no Território Rural da Serra do Brigadeiro.

3.2.1 - Promoção da Agricultura Familiar Diversificada

A promoção e diversificação da agricultura familiar foi apontada nos municípios

que compõem o Território Rural da Serra do Brigadeiro como uma das suas possibilidades de

fortalecimento econômico. A diminuição da dependência em relação ao café e ao gado tornaria

os municípios economicamente mais dinâmicos e possibilitaria outras redes produtivas e

comerciais no território. Segundo Claudinei Heleno Silva, esse eixo de ação foi importante,

329 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.27. 330 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.71.

134

pois fortaleceu a organização dos trabalhadores agrícolas, facilitando o comércio e o acesso à

terra e ao crédito agrícola331.

Várias ações visando a valorização e o fortalecimento da agricultura familiar já

vinham sendo aplicadas junto às comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro desde os anos

de 1990. Um exemplo dessas ações foi a criação da Comissão Terra Forte, composta por

agricultores, Sindicatos Rurais e técnicos332 que, dentre outras questões, identificaram o

enfraquecimento da terra como um dos problemas principais dos agroecossistemas locais333.

Nos relatos coletados, podemos notar o alcance atual das ações da Comissão Terra

Forte, numa demonstração de que o convívio das comunidades do entorno da Serra do

Brigadeiro com as técnicas agrícolas, debatidas de forma participativa durante as décadas de

1990 e 2000, ainda encontram-se presentes nas memórias e práticas do agricultores, entendendo

a saúde do solo como agente decisivo para a produção agrícola familiar, pois “não tem terra

ruim, tem terra mal trabaiada (...) por que a terra dá o sustento pra nóis, nóis vevi da terra,

mas ela também tem de alimentá, a terra precisa de alimento”334. É, portanto, evitando as

técnicas que enfraqueçam o solo, que o mesmo manter-se-á vivo e fértil:

O pessoal já viu que o fogo tamém ele queima o isteico da terra, né? Se ocê roça uma moita lá, cê junta aquilo, aquilo vira um isteico, vira adrubo. E o fogo, primêro ano cê quemô, dá muito mantimento, né? Segundo ano já cai, num dá nada mais335

O pessoal ficô tão aliado co parque, que vê levantá fumaça já tá liganu: ó tem uma fumaça, tal. Então a gente falava com eles: ó, cê faz isso, quando cê for pô fogo, cê faz um acêro baum e ocê avisa o seu vizim da direita, da esquerda, da banda do lado e avisa tamém o parque aqui cocê vai fazê uma queimadinha lá hoje. Se tivé funçonaru disponível vai um pra lá, pra ajudá vocês336

Para Maria do Carmo Teixeira Couto, o Território da Serra do Brigadeiro é o

resultado direto da interação e articulação organizativa dos atores sociais em torno do Parque

Estadual da Serra do Brigadeiro, tendo no fortalecimento da agricultura familiar a legitimidade

331 SILVA, Claudinei Heleno da. Conflitos Ambientais no Entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB): agricultura familiar e mineração de bauxita no município de Miradouro - MG. Dissertação (mestrado em Extensão Rural) – Departamento de Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, 2012. p.5. 332 Principalmente o Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa em parceria com o CTA-ZM. 333 CARVALHO, Anôr Fiorini de, et al. “Sistematização das Experiências com Sistemas Agroflorestais do CTA-ZM - Relatório final” . Viçosa: CTA-ZM, Janeiro de 2005. 334 Informante 14, Op. Cit. 335 Informante 16, Op. Cit. 336 Informante 16. Op. Cit.

135

das lutas pelo uso da terra337. A agricultura familiar, no entanto, somente alcançaria um

convívio saudável com a biodiversidade, atuando como aliada da Unidade de Conservação,

respeitando os ciclos de nutrientes das florestas e promovendo os Sistemas Agroflorestais.

3.2.2 - Recuperação e Preservação Ambiental

A recuperação e preservação ambiental é o eixo propositivo de ação sobre o

território com um intrínseca relação com a Unidade de Conservação Parque Estadual Serra do

Brigadeiro (PESB). Dentro desse eixo estava proposta a atuação junto às comunidades do

entorno do PESB, no sentido de conscientizar sua população sobre a necessidade do manejo

sustentável dos recursos hídricos e florestais (diminuição dos desmatamentos/queimadas e

recuperação dos ciclos hidrológicos) e na construção de instrumentos participativos de gestão

municipal/territorial338.

Recuperar e preservar o ecossistema atlântico da Serra do Brigadeiro passaria

necessariamente por um processo formativo das comunidades, com base na Educação

Ambiental Participativa339. Assim, as próprias comunidades poderiam perceber-se

protagonistas das ações e direcionar as mudanças na forma de uso da terra; da prática de uma

agricultura convencional para um modelo agroecológico:

Substituir a agricultura convencional, a qual gera impactos ambientais e sociais como a poluição das águas, a degradação do solo e a dependência dos fertilizantes químicos, através da construção da agroecologia340

Umas das ações específicas para alcançar os objetivos desse eixo de atuação no

território é a Prestação de Serviços Ambientais (PSA), podendo ser definida como os benefícios

que as pessoas obtêm, direta ou indiretamente, com a manutenção do ecossistema341. Estes

serviços estão classificados em quatro grupos, demonstrando o potencial dos sistemas

agroflorestais para fornecer simultaneamente um vasto conjunto de serviços ecossistêmicos em

diferentes níveis e escalas: R - Serviços de regulação (absorção de carbono; controle da

temperatura, polinização, controle biológico, controle da erosão, qualidade da água); S -

337 TEIXEIRA, Maria do Carmo Couto. “Relações Socioambientais e Educativas em Área de Preservação Ambiental”. In: Educ. foco, Juiz de Fora, v. 14, n. 2, set 2009/fev. 2010. p.150 338 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.42. 339 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.42. 340 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.43. 341 SOUZA, Helton Nonato de. Biodiversity and Key Ecosystem Service in Agroforestry Coffee System in the Brazilian Atlantic Rainforest Biome. Tese (Doutorado) - pós-graduação em Ciências Ambientais, Wageningen University. Wageningen (Holanda), 2012. p.4.

136

Serviços de Suporte (necessários para a produção de todos os outros serviços ecossistêmicos -

formação de solos, ciclagem de nutrientes, fotossíntese, recursos genéticos); P – Serviços de

Provisão (bens fornecidos pelo ecossistema - alimento humano, ração animal, madeira, fibra,

combustível); C – Serviços Culturais (benefícios não materiais - valores espirituais e religiosos,

ecoturismo, valores estéticos)342.

A implantação dos Sistemas Agroflorestais (SAF)343 foi, portanto, a maneira de

incentivar os agricultores familiares a serem provedores de múltiplos serviços ambientais,

fortalecendo “(...) processos ecológicos e interações entre espécies (fauna e flora) com impacto

positivo sobre o aspecto múltiplo do ecossistema”344. No entorno da Serra do Brigadeiro, os

SAFs objetivaram manter a produção agrícola comercial do café, utilizando-se das experiências

de consorciamento de cultivos da agricultura familiar (mel, gado, feijão, milho, arroz, cana-de-

açúcar, mandioca, frutas e hortaliças)345, com espécies arbóreas346. Fomenta-se, assim, maior

equilíbrio com a mata, melhorando a qualidade do solo, a ciclagem de nutrientes e regulando a

temperatura. Este modelo de produção agrícola, além de ser mais adequado às propostas de

preservação da natureza, marca do Território Rural da Serra do Brigadeiro, diversifica o uso do

espaço da pequena propriedade, dinamizando a agricultura familiar:

(...) é possível produzir, consorciar, com um retorno razoável e, às vezes, para quem tem uma pequena propriedade, você produz o café, produz o feijão, produz um moirão de cerca, produz uma madeira para fazer tábua, tudo no mesmo espaço. Na monocultura, tem que plantar cada um num espaço separado. É mais difícil para quem tem pequena propriedade347

Outro aspecto destacado como importante para a recuperação e preservação

ambiental no Território Rural da Serra do Brigadeiro foi a necessidade de aproximação da

população com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), demonstrando o distanciamento deste

órgão gestor estadual em relação às populações que manejam as florestas na Serra do

Brigadeiro. Esse distanciamento, no entanto, persiste na atualidade, como afirma um agricultor

342 SOUZA, 2012, Op. Cit., p.4. 343 Os SAFs foram desenvolvidos no entorno da Serra do Brigadeiro por agrônomos, engenheiros florestais e especialistas em ciências do solo, em diálogo e parceria com agricultoras e agricultores familiares. 344 SOUZA, 2012, Op. Cit., p.8. 345 FERNANDES, José Martins et al. “Etnobotânica de Leguminosae entre Agricultores Agroecológicos na Floresta Atlântica, Araponga, Minas Gerais, Brasil”. In: Rodriguésia 65(2): 539-55. 2014. p.542. 346 Neste ponto podemos notar uma mudança substancial em relação aos modelos de reflorestamento predominantes entre as décadas de 1960 e 1980, onde uma única essência florestal (quase sempre o eucalipto) deveria ocupar os solos degradados. 347 Relato de agricultor em sistema agroecológico do Município de Araponga. Apud: FERNANDES, José Martins et al. Op. Cit., p. 543.

137

familiar da comunidade de Praia Danta, no Município de Araponga, que questiona o modelo de

controle praticado pelo IEF e propõe mudanças no mesmo:

A principal coisa que o pessoal mais reclama é o seguinte: eu num posso cortá uma árvore que eu plantei, por exemplo... eu plantei, mas, se fô cortá, chega arguém e vê, eu posso ser murtado. Eu plantei essa árvore por que preciso dela pra arguma finalidade. Então, eu tenho que tê um direito, que se eu corto uma, eu posso plantá dez, vinte, cem... Acho que deveria ser isso. Inclusive eu falei com o IEF: árvore não devia ser proibida de cortá, devia obrigá a plantá. Proibir cortá? Ninguém vai vivê sem cortá árvore não, num tem jeito... Agora, devia plantá mais!348

Um ponto de convergência entre os diversos atores sociais foi a luta contra a

mineração no Território Rural da Serra do Brigadeiro, gerando esforços coletivos no sentido de

promoção da sustentabilidade e contra o desenvolvimento econômico com altos impactos

ambientais. Assim, afirma-se no Plano Safra Territorial de 2006: “forças externas acabam

contribuindo para aglutinar atores e convergir energias, como a investida recente de

Mineradoras de Bauxita sobre áreas do Território”349.

Claudinei Heleno Silva destaca o “Projeto de Mobilização de Atores sociais do

Território Rural da Serra do Brigadeiro: desenvolvimento rural sustentável X

mineração”, analisando a complexa rede mobilizada no debate sobre a mineração,

principalmente de bauxita, na Serra do Brigadeiro. Entre os anos de 2005 e 2006 foram

realizadas 10 reuniões, com a participação de 522 pessoas, entre membros dos Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais, Comissão Pastoral da Terra, Pastoral da Juventude Rural, representantes

dos poderes públicos municipais, Conselhos Comunitários, moradores do entorno da serra,

EMATER e IEF350. A mobilização foi marcada, sobretudo, pela disputa territorial entre a

mineração e a agricultura familiar, pois os projetos externos negligenciavam os “territórios já

existentes das famílias rurais da região”351. Para o autor citado anteriormente, naquele início

dos anos 2000, ocorria o mesmo que ocorrera com a criação do Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro nos anos de 1990, quando tentou-se impor uma territorialidade para o espaço da

serra, alheia às comunidades do seu entorno.

Certamente foi decisivo naquele momento, como já afirmamos antes, o capital

social acumulado na luta contra as desapropriações nos anos de debate de criação da Unidade

348 Informante 18, Op. Cit. 349 Ministério de Desenvolvimento Agrário (SPT), Plano Safra Territorial (Território Rural Serra do Brigadeiro), Brasília, abril de 2006. p.73. 350 In: SILVA, 2012, Op. Cit., p.104-105. 351 SILVA, 2012, Op. Cit., p.103.

138

de Conservação. Outra vez mobilizaram-se os atores sociais, outra vez na defesa da sua

territorialidade, mas agora a luta era contra um projeto de territorialidade econômico-industrial,

que, certamente, comprometeria seu território, material e simbolicamente352.

3.2.3 - Promoção do Turismo Rural Sustentável

Como afirma o texto do Plano Territorial para o Desenvolvimento Rural

Sustentável (PTDRS), o potencial turístico devia ser uma das marcas territoriais da Serra do

Brigadeiro, devendo “promover a qualidade de vida das comunidades sem, no entanto,

descaracterizá-las e/ou desrespeitá-las”353. A presença da Unidade de Conservação traçava um

perfil para o território que devia ser um dos focos para o seu desenvolvimento, o turismo rural

sustentável.

Mesmo antes de levantada a perspectiva do turismo rural sustentável na construção

do Território Rural da Serra do Brigadeiro, já havia trabalhos que analisavam a questão,

pontuando elementos para a análise e propondo sugestões para sua eficiência. Na análise de

Frederico Brumano Pinto, a Serra do Brigadeiro possui um grande potencial turístico, dado pela

sua boa localização e paisagem. Destaca 28 atrativos naturais e uma grande possibilidade de

roteiros para diversas práticas sustentáveis de uso desses atrativos. Tais características,

utilizadas com bom planejamento, poderiam gerar um turismo consonante com a preservação

do ecossistema e contribuir de forma positiva no desenvolvimento dos municípios do entorno

da serra354. De maneira semelhante, encontram-se no trabalho de Flávio Augusto Rolim,

análises e propostas para o crescimento do ecoturismo na área do PESB e as comunidades do

seu entorno. Para o segundo autor, no entanto, havia a necessidade de aperfeiçoamento da

infraestrutura do parque (mapeando os locais de interesse, sinalizando trilhas e produzindo

material fotográfico para divulgação da Unidade de Conservação), além de subsidiar o Plano

Diretor para o desenvolvimento do potencial turístico, no qual a preservação da diversidade

biológica fosse o mote das ações e o instrumento de promoção da sustentabilidade355.

352 In: SILVA, 2012, Op. Cit., p.103. 353 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.47. 354 In: PINTO, Frederico Queiroz Brumano. Avaliação do Potencial Turístico dos Municípios que Compõem o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Monografia (Graduação em Engenharia Florestal) – Departamento de Engenharia Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Julho de 1999. 355 In: ROLIM, Flávio Augusto. Levantamento do Potencial Turístico de uma Unidade de Conservação, o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro - PESB. Monografia (Graduação em Ciências Florestal) – Departamento de Engenharia Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Dezembro de 1999.

139

No PTDRS são traçadas oito ações para alcançar a sustentabilidade via turismo

rural na Serra do Brigadeiro. Nessas ações, destacou-se a necessidade da melhoria da

infraestrutura oferecida para o acolhimento do turista e captação de recursos para viabilizá-la,

até a promoção de eventos culturais para atrair turistas para o território. Almejava-se parcerias

entre o PESB, as Prefeituras Municipais, a EMATER-MG e o Ministério de Desenvolvimento

Agrário (MDA), por meio do qual seriam captados os recursos. Dentro das ações destaca-se o

papel das comunidades para a promoção do uso sustentável dos recursos turísticos: “os

impactos que o turismo pode causar nas comunidades se não houver uma preparação e

adequação dos municípios e comunidades para trabalhar com o turismo”356.

Nos relatos coletados, podemos notar como a atividade turística foi aos poucos

sendo adaptada às vivências e valores culturais dos moradores das comunidades do entorno da

Unidade de Conservação. Segundo uma moradora da Serra das Cabeças, no princípio, quando

começou a funcionar perto da sua casa a Pousada Serra D´água, os turistas passavam em roupas

de banho (biquíni, sunga) pelo seu “terreiro” para acederem à Cachoeira do Racha, o que

causava bastante constrangimento. Mas, após comunicar com o dono da pousada (Ronaldo

Vitarrelli), o problema acabou, os turistas passaram a usar as roupas de banho apenas no local

da cachoeira e atualmente a relação é muito respeitosa e honesta357.

Para um morador da comunidade do Pico do Boné e dono de pousada, receber os

turistas é algo que ele sempre fez, mesmo antes de começar a ganhar dinheiro com o negócio.

No princípio todo mundo questionava que ele recebia as pessoas na sua casa:

O primêro que abriu a porta pro turismo fui eu, o de mais coragem fui eu... o zôtro dizia: cê é doido, pousá gente dentro da sua casa, que ocê num conhece. Uai, o cara chega aqui, decide acampá, se um casal, se dois homi ou uma famia. Num custa, se eu tenho uma localidade, eu vou localizá ele. Ah, mas ocê num conhece, num sabe... ele tamém num me conhece não, ele tamém não me conhece, tá correnu o mesmo risco358

O informante nos define ainda o perfil dos turistas que passam pela sua pousada,

destacando que o principal motivos para a procura da área é a busca por sossego e as subidas

no Pico do Boné, que lá do alto alcança vistas até do Pico da Bandeira: “passear, visitar o Pico

do Boné, que eu acho que no parque qui, uma tradição que tem é o Pico do Boné, pela artitude...

356 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.47. 357 Informante 11, Op. Cit. 358 Informante 14, Op. Cit.

140

um qué vim praqui, ôtro qué ir pro Pico do Soare, ôtro qué ir lá para sede pra i lá no

Campestre”359. Sobre o Pico do Boné, ele afirma “aqui ele é mais procurado que benzedô!”360

Segundo um morador da comunidade de Bom Jesus da Madeira, localizada a 3km

da sede do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, o que possibilitou às comunidades que

lindam com o PESB explorarem o turismo foi o fato do parque não criar nenhuma estrutura

voltada para o turismo no seu interior. Na sede do parque apenas recebe-se os visitantes e

programam-se atividades nas matas, mas, na hora de oferecer os serviços para os turistas, as

comunidades são acionadas:

O turismo... dexô o turismo pra comunidade. Hoje lá dentro da parque cê vê, tem lá o centro de visitante, não tem uma lanchonete, não tem hospedage... por que foi um acordo que ês fizeru com a comunidade de dexá o turismo pra comunidade. Visitá o parque, quisé comê comida casêra vem aqui; quisé dormi nas pousada, vem que tem as pousada (...)361

E conclui, “por que se criô o parque e o parque tê tudo lá, com quê que a comunidade fica?

Fica assim olhano pro parque e falano assim: é, o parque chegô aqui e hoje nóis num pode

roçá mais... nóis não ganha nada com isso!”362. O turismo foi, portanto, deixado para as

comunidades como opção às atividade econômicas predatórias antes praticadas no território,

devendo ser praticado com critérios sustentáveis, tanto em respeito às características

ecossistêmicas locais, como valorizando as culturas e tradições locais.

O turismo, que já iniciara na Serra do Brigadeiro mesmo antes da criação da

Unidade de Conservação (1996) e da formulação da serra e do seu entorno como Território

Rural Sustentável (2003), na atualidade envolve diversos empreendimentos, quase sempre

tocados pela família proprietária do negócio. Nota-se, no entanto, pela variação dos preços dos

serviços entre o ano de 2005 e os dias atuais, além da melhoria na infraestrutura oferecida, que

o turismo deixou de ser apenas um complemento da renda familiar, como ocorria entre as

décadas de 1990 e 2000. A mesma pensão que oferecia hospedagem simples e alimentação pelo

preço de R$20,00 em 2005363, na atualidade cobra um valor bastante superior (R$117,00) e

oferece uma estrutura muito mais complexa (Ilustrações 14 e 15), embora mantenha as

359 Informante 14, Op. Cit. 360 Informante 14, Op. Cit. 361 Informante 16, Op. Cit. 362 Informante 16, Op. Cit. 363 In: PINTO, Frederico Queiroz Brumano. Avaliação do Ecoturismo em Três Municípios do Entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB), MG. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) – Departamento de Engenharia Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2005. p.80.

141

FIGURA 14 – Pensão Dona Eva, em Bom Jesus da Madeira no ano de 2005. In: PINTO, 2005, p.80.

FIGURA 15 – Pensão Dona Eva, em Bom Jesus da Madeira no ano de 2019. In: http://www.minasgerais.com.br/pt/apoio/fervedouro/restaurante-dona-eva

características que, como informa o proprietário, é a marca do lugar: boa comida e aconchego

familiar.

Na atualidade, existe uma rede de Turismo de Base Comunitário (TBC) sendo

desenvolvida na Serra do Brigadeiro, onde atuam cinco núcleos no entorno da serra. O “Núcleo

do Boné”, limítrofe à Unidade de Conservação, é organizado por quatro famílias e desenvolvem

ações voltadas para a hospedagem domiciliar de montanha, alimentação em pequeno

restaurante e atividades de “guiagem” pelas trilhas do Pico do Boné e por outras trilhas do

território. Esse modelo turístico busca inserir o visitante na cultura local e fomentar o consumo

de produtos da agricultura familiar, aumentando a autoestima das comunidades e promovendo

a sustentabilidade364.

3.2.4 - Promoção da Agroindústria Familiar e do Artesanato

A proposição do eixo de políticas territoriais voltadas para a agroindústria familiar

e o artesanato, assim como nos demais eixos de promoção produtiva, vincula o fortalecimento

econômico à diversificação da produção, à geração de renda e ao incentivo à produção

agroecológica no Território Rural da Serra do Brigadeiro. Como forma de fomentar os vínculos

comunitários, foram propostas ações voltadas para a sustentabilidade (autogestão, organização

e mercado solidário), buscando atender as demandas turísticas e fortalecer as identidades locais:

364 In: MORAES, Werter Valentim; Ribeiro, Guido Assunção. “Indicadores para a Identidade do Turismo de Base Comunitária no Território da Serra do Brigadeiro (MG)”. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v.6, n.1, jan/abr-2013, p.107-122.

142

Preparar as famílias para autogestão das agroindústrias familiares e da cadeia produtiva do artesanato. Organizar grupos de produção, comercialização e ensino-aprendizagem para os interessados na agroindústria familiar e no artesanato. Gerar produtos para atender o turismo e consolidar um mercado solidário valorizando o uso de matérias-primas locais365

As ações para resgatar e promover a agroindústria familiar e o artesanato no

território foram organizadas em três eixos temáticos: diagnóstico, capacitação e

mercado/comercialização. No diagnóstico buscou-se “fazer levantamento de

beneficiadores/as, receitas, artesanatos e matéria-prima local com potencial para ser usada

na Agroindústria Familiar e Artesanato”366. Na etapa de capacitação, vislumbrou-se a

realização de uma rede territorial de troca de saberes, na qual, as diversas comunidades rurais

do território pudessem, via associativismo e cooperativismo, se autocapacitarem e fomentarem

uma regularidade na produção367. A formação de mercado para a comercialização dos produtos,

terceiro eixo apresentado, somente poderia ser desenvolvido após conseguida uma regularidade

produtiva. A comercialização deveria ter como foco as feiras locais e regionais e os produtos

divulgados como “produtos típicos da Serra do Brigadeiro”368; agregando componentes

identitários do território (materiais e modo de fazer).

3.2.5 - Resgate e Valorização da Cultura

Dentre as cinco estratégias elaboradas para o desenvolvimento sustentável do

Território Rural da Serra do Brigadeiro, ressaltou-se a cultura como eixo transversal, devendo

perpassar todas as ações e ser o elemento aglutinador das mesmas369. Define-se, dessa maneira,

como ponto de partida para as ações de fomento territorial, as práticas e valores das

comunidades do seu entorno. Nessa perspectiva, seria o conhecimento e a valorização do saber

local que daria marcha ao crescimento social nesse território “(...) e, em se pensando em

desenvolvimento econômico, que se considere o envolvimento de saberes, pessoas,

365 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.63. 366 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.63. 367 Para um primeiro momento, definiu-se como prioritário, capacitar as agricultoras e agricultores que já tivessem alguma prática no beneficiamento de produtos, auxiliando-os na gestão do negócio, tanto na obtenção da matéria-prima, como na gestão do empreendimento. 368 “(...) enfatizando a participação nessas feiras e eventos levando os produtos e coisas típicas da região”. In: CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.64. 369 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.58.

143

conhecimento, técnicas novas e antigas”370. Assim formulado, desenvolvimento e

envolvimento devem ser parte de um mesmo processo, que postula como propósito, o alcance

da sustentabilidade; um equilíbrio econômico, social e ecossistêmico. A cultura seria o

elemento principal de pertencimento dos indivíduos ao grupo, tendo a Serra do Brigadeiro como

o espaço para suas práticas territoriais:

(...) a relação identidade-território assume determinado formato por meio de uma trajetória, ou seja, ocorre ao longo do tempo, onde o elemento principal é o sentimento de pertença do indivíduo ou grupo ao espaço de atuação. Desta forma o caráter de território seria tecido pelo sentimento do grupo pelo espaço onde vive, entendendo este espaço como o lócus de suas práticas371

Dentro do Plano Territorial para o Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS)

do Território Rural da Serra do Brigadeiro, a cultura foi definida como uma estratégia para

fomentar as tradições e preservá-las, promovendo um turismo gerador de renda para as

comunidade do entorno da serra372. Para tanto, foram prescritas ações específicas, incluídos três

eixos temáticos relacionados ao “Resgate Cultural”, à criação e manutenção de “Casas de

Cultura” nos municípios do território e a elaboração e divulgação de “Calendário Festivo

Territorial”.

A cultura da Serra do Brigadeiro, de acordo com o PTDRS, devia ser resgatada e

fortalecida, por meio de ações educativas373, coleta de relatos e sistematização das informações

em um “Inventário da Cultura Popular do Território”, incentivando o resgate das memórias dos

antigos374. As festas populares, com suas danças e cantos, além de incentivar os mais jovens às

práticas culturais do território e fortalecer a identidade do território, devia atrair turistas e gerar

renda. Foram incluídas nessas ações, a criação de duas “Casas de Cultura”, em Araponga e

Miradouro, devendo ser esses os espaços organizativos das ações e que, em parceria com as

prefeituras, captassem recursos e criassem projetos, priorizando “(...) a agregação de valor a

produtos da Agricultura Familiar e Artesanato, além do estímulo a tradições e manifestações

culturais”375

370 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.27. (Grifo Nosso) 371 LORETO et al, Op. Cit., p.9. 372 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.58. 373 Foi fomentada a criação de duas Escolas Família Agrícola (EFAS) no Território Rural da Serra do Brigadeiro, seguindo em funcionamento nos municípios de Ervália (Escola Família Agrícola Serra do Brigadeiro) e de Araponga (Escola Família Agrícola Puris). 374 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.58. 375 CTA-ZM, 2004. Op. Cit., p.59.

144

Para entendermos os aspectos culturais levantados como fundamento para o nosso

território de estudo, analisaremos a atuação do Centro de Pesquisa e Promoção Cultural

(CEPEC), organização fomentadora da cultura popular da Serra do Brigadeiro. Segundo Camila

Vitarelli, “o centro nasceu da vontade de se buscar um maior entendimento da história e da

cultura do município de Araponga, por meio da pesquisa e estudos da cultura indígena,

especificamente dos índios Puri, primeiros habitantes da região”376

Embora os objetivos do CEPEC, ONG criada em 2003, fosse a atuação no

município de Araponga, a organização destacou-se e assumiu um papel fundamental no resgate

da identidade cultural em todo o Território Rural da Serra do Brigadeiro, captando recursos do

Ministério de Desenvolvimento Agrário para a promoção cultural no território. Fruto das suas

pesquisas, encontra-se a publicação “Os Povos da Serra dos Arrepiados: suas festas, sua

cultura”377. Esse livro foi editado em 2006, sendo o resultado das pesquisas do CEPEC,

buscando divulgar as festas e preservar as manifestações culturais do Território da Serra do

Brigadeiro, com base “(...) na ideia de que a cultura tem importância essencial no

desenvolvimento socioeconômico”378. A cultura festiva da Serra do Brigadeiro foi elencada

desde as suas características do tempo presente, na coleta de relatos dos anciões que

rememoraram as festividades, dando suporte para o resgate das ditas tradições. Pois, assim

como afirma o artigo de abertura do livro, as festas marcam a identidade de um povo e é um

dos caminhos para entendê-lo:

Conhecer as festas de um povo é um dos caminhos para conhecer esse povo (...) Se a Serra do Brigadeiro possui vários caminhos: das águas, dos animais, dos pássaros, dos trilhos dos caboclos, trazemos aqui um convite ao leitor; percorrer os caminhos das festas do povo da Serra379

As festividades descritas estão relacionadas com as colheitas e com as práticas de

fé em lugares sagrados, vinculadas às culturas de descendência africana e dos povos

originários380 Puri. De acordo com as informações do autor, foram registradas um total de 77

376 VITARELLI, Camila Costa. A Concepção de Desenvolvimento Sustentável na Atuação de ONGs no Entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, MG. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural) – Departamento de Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2005. p.67. 377 GIOVANNINI JUNIOR, Oswaldo. Os Povos da Serra dos Arrepiados: suas festas, sua cultura. CEPEC: Araponga, 2006. 58p. 378 GIOVANNINI JUNIOR, Op. Cit., p.3. 379 GIOVANNINI JUNIOR, Op. Cit., p.5. 380 Utilizaremos “Povos Originários” em substituição a “indígenas” seguindo as formulações de Walter Porto-Gonçalves. Segundo este geógrafo, “Paradoxalmente, a expressão povos indígenas, na mesma medida em que ignora a differentia specifica desses povos, contribuiu para unificá-los não só do ponto de vista dos conquistadores/invasores, mas também como designação que, a princípio, vai servir para constituir a unidade política desses povos por si mesmos, quando começam a perceber a história comum de humilhação, opressão e

145

festas nos municípios que compõem o Território da Serra do Brigadeiro, entre folias de reis,

João do Mato, charolas, encomendações das almas, blocos de boi, dança de caboclos, escola de

samba e banda de música. Algumas dessas expressões culturais, apesar de terem sido

catalogadas em pequeno número, apenas duas em todo o território, merecem destaque, seja

como especificidade festiva do nosso território de estudo (o João do Mato) ou seja porque

tornou-se o modelo de resgate cultural realizado pelo CEPEC (a dança de caboclos).

O João do Mato refere-se à celebração do trabalho coletivo, dos mutirões da

capina381, realizado nas lavouras, antanho ligadas à produção de gêneros voltados para o

consumo interno das comunidades (milho, feijão e legumes) e atualmente concentrados na

cafeicultura. Após um dia inteiro de trabalho na lavoura do vizinho, parente ou amigo, a

bandeira (um pé de milho enfeitado com dinheiro) era levada à casa do dono da propriedade,

pagando simbolicamente pela comida e bebida e celebrando a fartura da roça382. O contrário

acontecia com quem não participava do trabalho coletivo:

Quem não participava do trabalho e largava sua roça sem a capina do final do ano, era visitado pelo Tibode: um boneco feito de roupas velhas recheadas de capim, com uma cabeça feita de cabaça e chapéu de palha. Fincavam-no, como um espantalho, na roça do preguiçoso por motivo de zombaria (...) O João do Mato é o personagem que representa a preguiça e a vitória da erva daninha contra a plantação. Ao inverso, a bandeira, com dinheiro amarrado que se troca por comida e bebida, representa a fartura celebrada em aliança com o trabalho, nesse caso, coletivo, realizado pela associação dos homens da comunidade que, vivendo as mesmas dificuldades, se encontravam para ajudar e festejar em conjunto383

A dança de caboclos, ou caboclinhos, esteve presente em muitas partes do Brasil

durante o período colonial brasileiro e era praticada simultaneamente com rituais da fé católica

nos aldeamentos jesuíticos. A estratégia de manutenção dos aspectos culturais dos povos

originários é considerada o meio de entrada dos Jesuítas na língua e cultura desses povos,

tornando mais eficaz a catequese e a aculturação: “(...) como estratégia, os missionários

exploração de sua população e a dilapidação e devastação de seus recursos naturais”. In: PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. “Entre América e Abya Yala: tensões de territorialidades”. In: Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 20, jul./dez. 2009. Editora UFPR. p.26-27. 381 Essa prática ainda mantêm-se viva entre os agricultores e agricultoras da Serra do Brigadeiro e recebe o nome de “troca de dia”, muito utilizada para realização da capina e da “panha” do café. 382 GIOVANNINI JUNIOR, Op. Cit., p.17. 383 GIOVANNINI JUNIOR, Op. Cit., p.17 e 19.

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permitiam a inserção de elementos destes povos nas apresentações, de modo que estes se

sentissem mais inseridos no festejo e se distanciassem gradualmente de suas cosmologias”384.

Na Serra do Brigadeiro, a dança de caboclos já ocorreu em Belizário (Muriaé), Pedra Bonita,

Divino e Fervedouro, o costume era dançar nas festas de São Sebastião, atualmente sua prática

é mantida apenas no município de Araponga e denomina-se “Folguedo dos Arrepiados”.

Para divulgação da resgate cultural na Serra do Brigadeiro, criou-se o Terreiro

Cultural, evento que circulou entre os municípios do território, com apresentações culturais

voltadas para a valorização da cultura popular territorial. No cartaz do 3º Terreiro Cultural do

Território Rural da Serra do Brigadeiro, realizado no município de Sericita, podemos perceber

o que se entendia como a essência cultural do território, onde um agricultor, ao soprar os grãos

de café na peneira, mantinha viva suas tradições, entre “folias”, “caboclos”, “artesanato”,

“congado”, “causos”, “contos e lendas”; numa associação direta entre a forma de se trabalhar a

terra e a produção material e cultural dos povos da Serra dos Arrepiados.

384 FREITAS, Aline Luciana de. Uma Análise da Distribuição Espacial da Dança de Caboclos “Folguedo dos Arrepiados” no Território Serra do Brigadeiro. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Departamento de Geografia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2016. 102p.34.

147

********************

As proposições do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável

(PTDRS) descritas dos subitens acima, fruto do trabalho do Centro de Tecnologias Alternativas

da Zona da Mata junto às comunidades do entorno da Serra do Brigadeiro, traçam caminhos

para as atividades econômicas no território que se estava compondo, vinculados a discussões

muito atuais para aqueles anos de 2003/2004. A Convenção da UNESCO, por exemplo,

realizada em Paris um ano após o PTDRS, destaca fundamentos para a promoção e proteção da

diversidade cultural, acordes aos que haviam proposto o CTA-ZM um ano antes:

Destacando a necessidade de incorporar a cultura como elemento estratégico das políticas de desenvolvimento (...) Convencida de que as atividades, bens e serviços culturais possuem dupla natureza, tanto econômica quanto cultural, uma vez que são portadores de identidades, valores e significados, não devendo, portanto, ser tratados como se tivessem valor meramente comercial385

Como viemos afirmando desde o início deste capítulo, a criação do Parque Estadual

da Serra do Brigadeiro, sobretudo os debates gerados a partir das comunidades do entorno da

serra, fizeram com que os moradores e moradoras dessas comunidades fossem protagonistas

dos projetos que estavam em andamento para a implantação da Unidade de Conservação,

levando ao fortalecimento da sua autoestima e culminando nas ações territoriais descritas nos

itens anteriores. Entre as estratégias de ação para o alcance dos objetivos de desenvolvimento

sustentável dentro do território que se estava gerindo, a afirmação identitária dos povos da serra

assumiu um caráter central; foi a essência da (re)territorialização da Serra dos Arrepiados.

3.3 – A Serra dos Arrepiados - entre a desterritorialização e a resistência

Desse ponto da dissertação em diante, utilizaremos a toponímia “Serra dos

Arrepiados’ para nos referirmos ao recorte espacial do estudo, que na atualidade é denominada

“Serra do Brigadeiro”. Buscaremos demonstrar o percurso histórico da Serra dos Arrepiados,

entrelaçado com os caminhos e descaminhos do ouro em Minas Gerais386 no período colonial,

385 UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Paris: UNESCO, 2005. p.1-2. Disponível em: http://www.ibermuseus.org/wp-content/uploads/2014/07/convencao-sobre-a-diversidade-das-expressoes-culturais-unesco-2005.pdf Acessado em 10/08/2019. 386 Luciane Scarato analisa a relação entre a ocupação territorial e a produção de ouro na Capitania de Minas Gerais no século XVIII, onde a abertura de caminhos era pretendida como um monopólio da administração da capitania.

148

problematizando a toponímia da serra como um dos aspectos identitários historicamente

presentes neste território. Não intencionamos buscar as “origens históricas” da serra, pois, como

afirma Jacques Le Goff, a busca de origens nos levaria à descrição do mito, mas não à escrita

da história387. Objetiva-se, isso sim, levantar o debate sobre as identidades presentes na Serra

dos Arrepiados, onde a desterritorialização dos povos originários Puri, ocorrida sobretudo ao

longo dos séculos XVIII e XIX, supostamente, levou esses povos ao extermínio físico e cultural,

apagando suas memórias históricas; a modificação dos topônimos é parte integrante das

tentativas, conscientes ou não, do apagamento dessas memórias.

O fortalecimento dessa amnésia está presente na obra de alguns autores, que

apresentam a tese da “ausência da história” até o século XIX para a região da Zona da Mata

Mineira, como afirma o geógrafo Orlando Valverde: “A Zona da Mata permaneceu como terra

sem história, uma área anecúmena até o limiar do século XIX” 388. O trabalho de Orlando

Valverde sobre a Zona da Mata Mineira foi realizado em 1958 e vincula-se ao momento político

do Brasil, influenciado pelo “nacional-desenvolvimentismo juscelinista”389, onde os estudos

regionais buscavam instrumentalizar campanhas e políticas públicas para o desenvolvimento

do país390. Esse trabalho relaciona-se com outros seis realizados pelo autor, a partir de estudos

de campo pelas diversas regiões do Brasil, entre 1956 e 1960, realizando o “(...) levantamento

dos problemas nacionais nas áreas excursionadas e o registro descritivo de suas principais

características fisionômicas e humanas”391. A “marcha do povoamento” na Zona da Mata

Mineira, descrita por Valverde no artigo citado, foi organizada temporalmente em três frentes

(1830, 1850 e 1870), demonstrando a rede de comunicações criada (ver Mapa 5) e a economia

regional oriunda de tal rede. A afirmativa de Valverde legitima a ideia de que a ocupação do

Esse monopólio, que punia qualquer abertura de “picada” não autorizada na mata, enfrentava a ousadia dos descaminhos, onde o transporte ilegal de ouro era realizado. In: SCARATO, Luciane Cristina. Caminhos e Descaminhos do Ouro nas Minas Gerais: administração, territorialidade e cotidiano (1733-1783). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. 303p. 387 LE GOFF, Jacques. Memória e História. Tradução Bernardo Leitão... [et al.]. Campinas: Ed. UNICAMP, 1990. p.9. 388 In: VALVERDE, Orlando. Estudo Regional da Zona da Mata de Minas Gerais. Revista Brasileira de Geografia. Ano XX, Nº 1, Jan-Mar 1958. p.25. Ao realizar o levantamento de aspectos da formação histórica da serra para introdução de estudos relativos à Serra do Brigadeiro, muitos pesquisadores acabam reproduzindo a visão de Orlando Valverde, confundindo a suposta ausência de documentação escrita com o que chamam de “ausência de história” (Ver VITARRELLI, Op. Cit., p.47). 389 ADAS, Sérgio. O Campo do Geógrafo: colonização e agricultura na obra de Orlando Valverde (1917-1964). Tese (Doutorado em Geografia) – Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. p.189. 390 No caso específico do “Estudo Regional da Zona da Mata de Minas Gerais”, buscou-se elaborar um panorama da região para “(...) servir de base ao planejamento da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, do Ministério da Educação e Cultura”. In: VALVERDE, Op. Cit., p.3 391 ADAS, Op. Cit., p.189.

149

território da Zona da Mata Mineira operacionalizou-se como um processo civilizatório, onde os

“agrestes” povos originários foram integrados à sociedade colonial:

Desde o momento que passou a interessar o seu desbravamento, tanto o governo - a princípio lusitano, depois brasileiro -, quanto os colonos, por iniciativa própria, facilmente venceram o homem e a natureza agrestes392

Devemos problematizar, no entanto, a facilidade apontada por Valverde na vitória

do “desbravadores” sobre os “agrestes” (homens e natureza), apresentando trabalhos e análises

mais recentes sobre a questão. Os dados apontados por Leônia Chaves de Resende e Hal

392 VALVERDE, Op. Cit., p.25. (Grifo Nosso)

MAPA 5 – Marcha do Povoamento da Zona da Mata (1830, 1850,1870). In: VALVERDE, 1958, p.27. (Mapa apresentado sem escala e/ou coordenadas pelo autor)

150

Langfur393 demonstram que os conflitos entre bandeirantes/colonos e povos originários foram

numerosos, ocorridos por causas diversas e em locais diversos dos sertões de Minas Gerais.

Calculou-se que entre 1760 e 1808 ocorreram 85 confrontos violentos nos Sertões do Leste394,

sendo que esse número, segundo afirmam os autores, provavelmente era muito superior, já que

os confrontos nem sempre eram registrados, seja por que os posseiros não conseguiam realizar

as denúncias ou porque não podiam realizá-la, uma vez que avançavam ilegalmente sobre as

terras dos povos originários e, portanto, eram os causadores dos confrontos

Parece justo concluir que os posseiros e soldados aprenderam a esconder sua própria agressão contra os índios, atribuindo-a à defesa própria e, muitas vezes, deixavam de reportá-la completamente (...) Para os portugueses, a violência endêmica nas florestas assumiu a forma de uma competição permanente entre civilização e barbarismo, o que exigia um avanço militar organizado sobre território não incorporado para combater os atos de canibais irracionais. No entanto, os incidentes reportados quase sem exceção atribuídos à selvageria dos índios, continham evidências da responsabilidade dos posseiros, mesmo que seja difícil, em última instância, determinar até que ponto. Apesar das restrições da Coroa, os posseiros de todas as classes continuavam a se infiltrar lenta mas inexoravelmente no território dos índios. Alguns buscavam ouro, outros a simples subsistência395.

A Serra dos Arrepiados está historicamente relacionada com os processos

colonizatórios portugueses na Capitania de Minas Gerais e na região da Mata Mineira, tendo

sido palco de distintos projetos de ocupação até a segunda metade do século XVIII. Por um

lado, os povos originários Puri ocupando as matas e as formações rochosas daquela cadeia de

montanhas, no anseio pela sobrevivência, fugindo de epidemias e de conflitos indesejados396,

por outro, a Coroa Portuguesa buscando garantir sua soberania sobre os Sertões do Leste397,

393 RESENDE, Maria Leônia Chaves de; LANGFUR, Hal. “Minas Expansionista, Minas Mestiça: a resistência dos índios em Minas Gerais do século do ouro”. In: Anais de História de Além-Mar, Vol. IX, Lisboa, 2008, p.189-213; 394 RESENDE & LANGFUR, 2008, Op. Cit., p.194 395 RESENDE & LANGFUR, 2008, Op. Cit., p.200-201. 396 Segundo Ricardo Batista Oliveira, “Tanto os indígenas do Vale do Rio Doce, quanto os da Zona da Mata eram nômades (...) Em busca de maior mobilidade, necessária para que os indígenas se distanciassem de conflitos indesejáveis e dos surtos epidêmicos, alguns grupos poderiam ter abandonado a prática da agricultura, tornando-se caçadores-coletores, como os Coroado, Coropó, Puri e Botocudo” In: OLIVEIRA, Ricardo Batista. Povos Indígenas e Ampliação dos Domínios Coloniais: resistência e associação no Vale do Rio Doce e Zona da Mata, séculos XVIII e XIX. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2009. p.55-56. 397 “No leste da capitania mineira, onde se insere a atual região da Zona da Mata e parte do Vale do Rio Doce, as faixas orientais das Comarcas de Vila Rica e do Rio das Mortes formavam um espaço genericamente conhecido pelo título de áreas proibidas ou sertão do leste. Em termos de localização, abrangia os seguintes conjuntos com suas respectivas divisas: a oeste, próximo à região mineradora central, encontrava-se a freguesia de Guarapiranga, abarcando o vale do rio Piranga, limitada a noroeste com os territórios dos distritos de Ribeirão

151

mantendo-os como “áreas proibidas” à passagem e ocupação humana; uma barreira natural ao

contrabando de metais preciosos398. Daquela, as florestas da Zona da Mata Mineira eram

violadas apenas pelos rios e habitada por indígenas e mistérios399. E, enquanto abundou a

exploração aurífera em Minas Gerais, esses dois projetos antagônicos de ocupação não se

contrapuseram na Serra dos Arrepiados; os povos originários mesclavam-se às densas florestas,

somando-se à barreira natural - verdadeiras “sentinelas do sertão”400 - e não oferecendo maiores

problemas aos projetos proibicionistas da Coroa Portuguesa.

O Sertão dos Arrepiados já havia sido “desbravado” em 1692 pela excursão de

Antonio Rodrigues de Arzão em 1692-1693, segundo a descrição do historiador Diogo de

Vasconcellos. Embora o empreendimento de Arzão seja definido por Vasconcellos dentro de

modelos historiográficos hoje superados, onde a visão positiva aplicada sobre o “bandeirante”

(desbravador e civilizador) contrapunha-se à visão negativa expressada em relação aos povos

originários (antropófagos e selvagens), a descrição nos oferece informações que demonstram o

interesse do bandeirantismo paulista nos sertões de Minas Gerais, alcançando a Serra dos

Arrepiados. Segundo Vasconcellos, após alcançar Itaverava, Antonio Rodrigues de Arzão

avistou os píncaros agudos dos Arrepiados para onde direcionou-se:

Descendo nessa direcção, encontrou Arzão o Rio Piranga, em seu melhor braço, descendente das serras auríferas e com indícios esperançosos: quando também deparou com alguns índios da nação puri que lhe deram notícias de mais rico manancial, o do Casca, originário da cordilheira, que o vinha attrahindo (...) o aventureiro avançou chegando ao Casca: em cujas areias achou efectivamente as pintas de ouro401

do Carmo e Vila Rica; ao norte, evidenciavam-se os Sertões da Casa da Casca e do Cuieté, respectivamente, nos vales dos rios Casca e Doce, cujos marcos divisórios eram dados pelas Comarcas de Sabará e do Serro Frio; o lado leste era a parte mais imprecisa, pois estendia-se até os limites litigiosos na divisa entre as Capitanias de Minas Gerais e Espírito Santo; e o sul era composto pela serra da Mantiqueira, no vale da bacia do Rio Paraíba” In: CARNEIRO, Patrício A. Silva. Conquista e Povoamento de uma Fronteira: a Formação Regional da Zona da Mata no Leste da Capitania de Minas Gerais (1694-1835). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Departamento de Geografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. p.75. 398 MERCADANTE, Paulo. Os Sertões do Leste: estudos de uma região – a Mata Mineira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. p.23. 399 MERCADANTE, Op. Cit., p.11. 400 PAIVA, Adriano Toledo. “O Domínio dos índios”: Catequese e conquista nos sertões de Rio Pomba (1767-1813). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009. p.31. 401 VASCONCELLOS, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1904. 419p.

152

Mesmo após serem concebidos como “áreas proibidas”402, os Sertões do Leste não

estiveram rigorosamente intactos durante o século XVIII403, tendo sido alvos de incursões para

reconhecimento de lavras de metais preciosos, aprisionamento de povos originários e local de

concessão de sesmarias, para expansão dos domínios portugueses na área e para a cobrança do

dízimo404 sobre a produção agropecuária. O Mapa 6, elaborado por Patrício Silva Carneiro,

demonstra as incursões que avançaram sobre os sertões da Capitania do Rio de Janeiro em

direção aos Sertões do Leste da Capitania de Minas Gerais, incluindo a bandeira de Antônio

Rodrigues Arzão, que alcançou a Serra dos Arrepiados em 1693.

Na segunda metade do Século XVIII intensifica-se o avanço sobre as áreas dos

Sertões do Leste, como registrado nas três bandeiras realizadas pelo Capitão José Luiz Borges

Pinto, entre 1726 e 1728. Essas excursões, todas partindo de Freguesia de Guarapiranga, foram

realizadas abrindo picadas na mata e subindo o Rio Coroado (Rio Xopotó), finalmente

402 Segundo Luciane Scarato, as áreas do sertão passam a ser legalmente proibidas com as Ordens Régias de 1720 e 1733 de D. João V, que impossibilitavam a abertura de novas picadas e caminhos para as Minas Gerais sem autorização prévia. Assim, “quem fosse flagrado abrindo picadas ou transitando por caminhos proibidos, deveria ser punido tal quais /sic/ os desencaminhadores dos quintos da Coroa, além de terem suas cargas confiscadas, passando uma metade para a Real Fazenda e, a outra, para o denunciante”. In: SCARATO, Op. Cit., p.78. 403 In: CARNEIRO, Op. Cit., p.240. 404 O dízimo era um tributo cobrado pela Coroa Portuguesa aos seus súditos, correspondente à décima parte da produção agrícola, pecuária e sobre as rendas pessoais com comércio, cargos públicos e ofícios.

MAPA 6 – Bandeiras e Descobertos Auríferos nos Sertões da Capitania do Rio de Janeiro, Fins do Século XVII e Início do XVIII. In: CARNEIRO, 2008, p.114

153

alcançando a cabeceira do Rio da Casca, no local definido como “Casa do Rio da Casca”405. O

fato demonstra a possibilidade da realização de incursões pelos Sertões do Leste de Minas

Gerais ainda na primeira metade do século XVIII, desde que devidamente capitaneada sob

ordens oficiais406.

A queda na produção de pedras e metais preciosos vai causar um deslocamento de

população das áreas mineradoras para as “áreas proibidas” dos Sertões do Leste, em busca de

terras produtivas nas áreas da atual Zona da Mata Mineira. Segundo Ricardo Batista de Oliveira,

essa política de ocupação dos sertões de Minas Gerais foi promovida pelo próprio governo da

metrópole:

No momento em que os trabalhos nas catas auríferas de Minas Gerais já não eram tão prósperos, o governo metropolitano promoveu uma nova política de exploração. A partir de então, a ocupação e respectiva exploração do interior passou a ser uma das principais preocupações da Coroa. Em Minas Gerais, passaram por processo de ocupação a região do Cuieté, Arrepiados e os sertões do Rio Pomba407

Os constantes ataques dos povos originários contra as áreas produtivas

estabelecidas em seus territórios408 foram o argumento do Governador das Minas Gerais Luís

Diogo Lobo da Silva para a criação da Freguesia de São Manoel do Rio Pomba em 1765409,

enviando o vigário Manoel de Jesus Maria para a missão de “catequizar” e “pacificar” os povos

originários Coroados e Coropós.

O fomento da Coroa Portuguesa à manutenção da barreira natural, dada pela

abundância das matas e pelo imaginário produzido sobre os “índios bravos”410 dos Sertões do

405 In: RESENDE, Maria Leônia Chaves de. Gentios brasílicos: Índios coloniais em Minas Gerais setecentista. Campinas, São Paulo: [s.n.]. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2003. p.55. 406 “A prática era, então, obter a concessão, na forma de patente, para montar uma entrada. Os que ousavam fazer entrada sem a permissão oficial eram presos sem delonga”. In: RESENDE, 2003, Op Cit., p.52. 407 OLIVEIRA, Op. Cit., p.85. 408 Esses ataques já ocorriam no primeira metade do século XVIII na Freguesia de Guarapiranga, nos limites das áreas mineradoras da Comarca de Vila Rica, como descreve Maria Leônia Resende: “Na primeira metade do séc. XVIII, a região da Freguesia de Guarapiranga era o último reduto de exploração mineradora, de onde se estabeleceu uma barreira natural com a presença de índios bravios na Zona da Mata, como os Camancâns, Pataxós, Maxacalis, Botocudos, Puris-Coroados, que impediam o avanços dos colonos, rechaçando vigorosamente a expansão colonial como aconteceu, em 1731 a 1733, com os ataques indígenas às freguesias de Barra Longa e Furquim”. In: RESENDE, 2003, Op. Cit., p.57. 409 A Freguesia de São Manoel do Rio Pomba foi estabelecida no Sertão do Rio da Pomba, tendo uma grande extensão territorial e correspondendo à porção sul e central da atual Zona da Mata, limitada ao norte pela Serra dos Arrepiados. In: PAIVA, Op. Cit., p.22. 410 O imaginário criado sobre os “índios bravos”, generalizados como Botocudos e Puris, dos Sertões do Leste foi útil ao processo colonizatório de duas maneiras distintas: afugentando os contrabandistas e aventureiros das densas florestas do sertão até meados do século XVIII e justificando a invasão das terras indígenas, sob a escusa da civilização e catequese desde a segunda metade do século XVIII. Assim, aponta Márcia Malheiros, “(...) a detecção

154

Leste, começa a se reconfigurar no contexto de expansão das fronteiras das Minas Gerais, na

segunda metade do século XVIII, intensificando as concessões de sesmarias para colonos que

desejassem “desbravar” os sertões. Muitos desses sesmeiros, no entanto, apenas se ocupavam

em utilizar os recursos das florestas primárias e iniciavam os trâmites para conseguirem uma

nova sesmaria e reiniciar o ciclo de exploração. Como afirma Warren Dean, “(...) tendo

consumido toda a floresta primária mais promissora em dada sesmaria, um donatário

costumava vendê-la por uma ninharia e pedia outra, que normalmente obtinha sem

dificuldades”. O foco de Warren Dean na Mata Atlântica não o leva a uma análise mais

sistemática do papel jogado com os povos originários nesse momento, certamente esses homens

e mulheres habitantes das matas valiam, na visão dos sesmeiros, tampouco quanto ou menos

que as matas onde habitavam, sendo apenas mais um obstáculo a ser vencido na conquista

territorial:

Reduzir os índios era reduzir seu espaço vital a um pequeno pedaço de terra, restrito a famílias particularizadas, em oposição ao espírito coletivo inspirado pela ideia de aldeia. O restante do território seria ocupado por “gente civilizada” em busca de sobrevivência, dado em prêmio aos gentis homens da corte ou ofertando a algum plebeu digno de nota por seus esforços ou posses. Para estes últimos, uma vez recebida a terra, os índios passavam a representar o maior e mais incômodo obstáculo411

Mas, esses povos resistiram às constantes invasões e destruição de seus

territórios412, como podemos observar em registro da expedição de reconhecimento dos Sertões

dos Arrepiados e do Rio Manhuaçu, quando, estando na Barra de Santa Ana dos Arrepiados e

Rio Casca, os comandantes da excursão comunicam o envio de escravos com soldados à sede

da Freguesia de Guarapiranga para buscar mais mantimentos413. Nessa expedição, que partira

de “índios brabos” e soltos pelo sertão instigava um discurso sobre a necessária intervenção da mão “civilizadora” da “sociedade civil” sobre eles, instituindo-se, a partir de então, religiosos, militares e particulares nas tarefas de contatá-los e civilizá-los”. In: MALHEIROS, Márcia, “Homens da Fronteira” Índios e Capuchinhos na Ocupação dos Sertões do Leste do Paraíba ou Goytacazes, século XVIII e XIX, UFF, Niterói, 2008. 411 AGUIAR, José Otávio. “Revisitando o Tema da Guerra entre os Índios Puri-Coroado da Mata Central de Minas Gerais nos Oitocentos: relação com o Estado, subdiferenças étnicas, transculturações e relações tensivas no Vale do Rio Pomba (1813-1836)”. In: Revista Minemosine. Volume 1. N. 2, jul/dez 2010. p.202. 412 Segundo estudos de Leônia Chaves de Resende, em vários ataques frontais contra colonos na região de Arrepiados, os indígenas estavam apenas respondendo à ocupação de suas terras e a anuência do governo da Capitania de Minas Gerais para tais ocupações. In: RESENDE, 2003, Op. Cit., p.106. 413 Carta de João Pereira Martins, Antônio Lopes dos Santos e do padre Manoel Luis Branco (1780). Apud PAIVA, Op. Cit., p.146.

155

de Vila Rica em julho de 1781, o vigário Manoel Luiz Branco deixa um relato do encontro com

os Puri da parte oriental da Serra dos Arrepiados414:

A sua bandeira havia feito diversas prospecções minerais, onde acharam ouro em muita conta. O sertão era sadio, tinha muitas águas, boas e lavradas terras onde plantaram roça de milho e outras diligência para o adiantamento da fé e aumento do real erário do povo. Tudo rodeado de gentios! Não obstante toda a cautela, levavam flechadas dos índios que eram muitos e pouco animosos415

Outros relatos demonstram o avanço sobre os Sertões dos Arrepiados na virada do

século XVIII para o XIX (1798), quando o filho e herdeiro do Capitão José Luiz Borges Pinto

solicita a licença para formar bandeira sobre a área “infestada” pelos gentios Puri, alegando

estar apto, pelo legado do seu pai e pelas informações que portava consigo:

(...) Joaquim Borges Pinto Barreto apresentou um “mapa antigo”, deixado por seu “pai aventureiro” – o qual havia empregado, por muitos anos “na conquista de índios e na indagação de metal precioso”. O mapa era seu trunfo para conseguir a licença necessária afim de entrar em “terras proibidas” (...) No rascunho cartográfico, aparecia a Serra dos Arrepiados, “infestada de gentio Puri”, vertendo ao encontro do Rio Doce (...) a patente não demorou em lhe ser concedida”416

No século XIX, o avanço sobre o Sertão dos Arrepiados intensificou-se e a serra de

mesmo nome, como que por encanto, passa a ter a patente militar de “Brigadeiro”. Aos povos

originários Puri, desterritorializados, não caberia sequer o “memória toponímica” da serra que

derradeiramente os acolheu na longa marcha de mais de dois séculos pela sobrevivência física

e cultural. Os arrepiados ainda seriam lembrados no topônimo do Arraial dos Arrepiados (atual

cidade de Araponga) até 1826. A partir daí, foi incluído na toponímia do arraial, promovido a

freguesia, um santo católico, coincidentemente o “pesador das almas no céu”, São Miguel

Arcanjo, passando a chamar-se “Freguesia de São Miguel e Almas dos Arrepiados”, fato ainda

hoje lamentado por pessoas que reivindicam a identidade Puri na região como um grande ironia

imposta ao seu povo, em meio ao extermínio promovido pela ação do Estado417.

As toponímias em Minas Gerais vinham sendo alteradas continuamente desde a

descoberta do ouro, modificando a memória que se desejava preservar para um lugar, acidente

414 Essa área corresponde atualmente à divisa entre os municípios de Ervália e Araponga, onde encontra-se a cabeceira do Rio Casca. 415 RESENDE, 2003, Op Cit., p.86. (Grifo Nosso) 416 RESENDE, 2003, Op Cit., p.31. 417 Conversa informal com Jurandir dos Santos Assis, na cidade de Araponga em julho de 2019.

156

geográfico ou curso d`água. Ao analisar as toponímias da Capitania de Minas Gerais do século

XVIII, presentes no Códice Costa Matoso418, Maria do Carmo Gomes afirma que as mesmas

“revestem-se de historicidade e constituem verdadeiras paisagens toponímicas”419. Para a

autora, os elementos naturais (serras e rios) e os culturais (fazendas e povoações), presentes no

Códice, podem ser tipificados em três grupos: os topônimos indígenas, os topônimos religiosos

e os topônimos pessoais420. Os topônimos indígenas denominavam, em grande parte, os

elementos físico-geográficos do espaço nos sertões de Minas Gerais, mas, com o avanço do

colonizador sobre os territórios indígenas, foi-se, aos poucos, alterando-se esse cenário e

substituindo as antigas denominações indígenas por santos católicos, sacralizando os lugares

com os topônimos religiosos. O mesmo ocorre na substituição dos topônimos indígenas pelos

topônimos pessoais, deixando as marcas no território ocupado e subjugando os povos

originários, já que, naquele contexto, tal substituição representava “(...) mais do que uma

homenagem a um personagem considerado ilustre (...) um sentido de apropriação, de

mapeamento de porções do território em constante disputa421.

Na bibliografia que analisa aspectos históricos da Serra dos Arrepiados, o

brigadeiro que “empresta seu título” à serra, extasiado com a beleza daquela cadeia de

montanhas, o faz como em um toque de mágica. Cabe-nos problematizar, aqui, essa visão

simplista e que parece coadunar com o silêncio das fontes escritas e a ausência dos povos

originários Puri na história do seu próprio território; as constantes citações ao Brigadeiro

Bacelar, que, em época meio indefinida, andou pela serra para fazer algum serviço para o

governo, não se respalda em fonte histórica de nenhuma natureza, seja ela oficial ou não,

tornando-se um simulacro repetido entre os que estudam a história dessa serra. E, mesmo que

essa documentação existisse e pudéssemos confirmar a presença do tal “Brigadeiro” na Serra

dos Arrepiados, as problemáticas centrais manter-se-iam intocadas: a colonialidade, a

dominação e o silêncio.

Esta colonialidade carrega-se das características residuais que foram silenciadas pela dominação imperial dos séculos iniciais do processo de

418 O Códice Costa Matoso constitui-se de 139 documentos manuscritos, 5 impressos e 1 registro cartográfico, todos reunidos pelo ouvidor Caetano da Costa Matoso, a maior parte deles compilada entre 1749 e 1752, período em que ocupou a Ouvidoria de Ouro Preto. 419 GOMES, Maria do Carmo Andrade. “O Batismo dos Lugares: a toponímia no Códice Costa Matoso”. In: Vária História, nº 21 (Especial Códice Costa Matoso), julho de 1999, p.421. 420 GOMES, Op. Cit., p.435. 421 GOMES, Op. Cit., p.434. (Grifo nosso)

157

colonização e logo projetadas na modernidade ocidental como se fossem simplesmente inexistentes422

Por fim, como afirma Walter Porto-Gonçalves, “dar nome próprio é apropriar-

se”423 e a linguagem, ao mesmo tempo em que territorializa, revela a tensão das territorialidades

criadas, seja uma tensão de nível continental (América/Abya Yala) ou uma tensão mais

localizada, mas não menos importante (Brigadeiro/Arrepiados) – “A luta pelo território

configura-se como uma das mais relevantes no novo ciclo de lutas do movimento dos povos

originários”424. E, como insistentemente escreve Aline Rochedo Pachamama, temos um

território! No caso da Aline (historiadora, escritora, e ilustradora pertencente ao povo Puri), o

território é a Serra da Mantiqueira, a “Serra que chora, não por sentimento de tristeza, mas

pela abundância de suas fontes de águas e cachoeiras”425.

3.4 – A Identidade do “Povo da Mata” da Serra do Arrepiados

Olhar para a Serra dos Arrepiados como um território seria, outrossim, perceber as

formulações das comunidades dos municípios que o compõe, enquanto agentes da sua produção

– enquanto atores sociais. Cabe-nos, portanto, analisar os povos que habitam os grotões das

encostas dessa serra, tantas vezes silenciados em nomenclaturas generalistas, desde a sua

identidade reivindicada na atualidade:

Estamos entendendo que nos costões das serras do município mineiro de Araponga, encrustrados em grotões de difícil acesso, se temperou um tipo específico de ser brasileir@, uma diferença colonial que tem ficado, até esta altura, ausente sob a nomenclatura generalista de caipira, roceir@, bugre e nativ@426

Buscaremos nesse subitem, portanto, darmos voz a esse “tipo específico de ser

brasileiro”, uma vez que as fontes escritas promoveram um silêncio ensurdecedor à sua

existência e memória. Partimos à análise de um caso na segunda metade do século XIX, para

422 BARBOSA, Op. Cit., p.24-25. 423 PORTO-GONÇALVES, Op. Cit., p.29-30. 424 PORTO- GONÇALVES, Op. Cit., p.29. 425 PACHAMAMA, Aline Rochedo. “Boacê Uchô, a história está na terra: narrativas e memórias do Povo Puri da região da Serra da Mantiqueira”. In: LEMES DE SOUZA, Ana Paula; VIANNA, Raphael; ALCÂNTARA, Valderi de Castro (Orgs.). Ecologias das Águas: o futuro em corrosão. Cambuquira: Nova Cambuquira, 2019. p.106 (nota 4). 426 BARBOSA, Op. Cit., p.24-25.

158

fundamentação histórica desse silenciamento das memórias dos povos originários,

especificamente dos povos Puri. Esse silêncio, podemos “ouvir como um grito” nos Relatórios

dos Presidentes de Província de Minas Gerais, nas seções dedicadas à Diretoria Geral de

Índios.

Assim, em 1872, Antônio Luiz de Magalhães Mosqueira, Diretor Geral de Índios,

justificava a criação do Aldeamento da Imaculada Conceição às margens do Rio Manhuaçu,

com o argumento de evitar o completo extermínio dos Puri, como já ocorrera naquele momento,

segundo ele, com os povos Coroado. Nos seus relatos, os Puri são descritos como uma horda

de vagantes nus que andava a assustar os fazendeiros no território compreendido entre os rios

Pomba e Manhuaçu, devendo ser aldeados para continuarem existindo:

Estes índios, outr`ora poderosos pelo seu número (...) ocupavam todas as florestas desde as margens direitas do Rio Doce até o Parahyba, onde se encontravam com os Coroado, hoje raça extincta. No Murihaé tinham o seu mais forte e impenetrável baluarte, denominando por ostentação – Puriéé – palavra que por corrupção, ou por não ser bem entendida a aspiração da primeira syllaba, conhecemos hoje por Murihaé (...) para se avaliar os grandes destroços que soffreo esta raça, basta ver que presentemente os restos dos Purys vagueam naqueles vales em bando de 20 ou 30, entregues a embriaguez, nus, famintos, odiados de todos os fazendeiros, enxotados de toda parte, sem um ponto onde se possam fixar427

Para a perda do território dos Puri, esmiuçada acima pelo Diretor Geral de Índios,

são apontadas duas causas, o avanço da cafeicultura e a rivalidade entre os Puri e os povos

originários, nomeados no relato como “Botocudos”. A solução apresentada para a questão, no

entanto, é um cerceamento ainda maior aos “restos de Purys”, o que, na prática, apenas manteria

os fazendeiros livres dos ataques desses “famintos selvagens”. Esse tipo de discurso, que

mistura colonização/catequização e suposto humanismo, é a tônica dos relatos dos “Diretores

de Índios” da Província Minas Gerais ao longo do século XIX; personificando na figura do

diretor a salvação dos povos originários: “Era dever, portanto, desta Diretoria procurar ainda

com tempo salvar o resto das tribos dispersas dos Purys para não se extinguirem de todo como

aconteceu a dos Coroados”428.

Mas, se no Brasil Império (1822-1989), as profecias para os povos originários são

apocalípticas, como podemos notar nos relatos acima, a ausência desses povos nos estudos

427 “Relatório do Diretor de Índios” - Antônio Luiz de Magalhães Mosqueira. In: Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais (Joaquim Floriano de Godoy). Ouro Preto, 15 de janeiro de 1873. p.13. 428 Idem, p.14.

159

históricos que analisam a formação das vilas de Minas Gerais foi uma tendência recorrente

entre os historiadores até o final do século XX. Segundo Leônia Chaves Resende, essa ausência

ocorre sobretudo pelo foco da historiografia regional nos temas referentes à Inconfidência

Mineira429 ou na consideração, que deitou raízes entre os historiadores de Minas Gerais, de que

a chegada das bandeiras e seu avanço nos séculos XVII e XVIII dizimou completamente a

população nativa430. Supostamente dizimados nos primeiros contatos, esses povos foram

historicamente silenciados, pois “se a inserção ao mundo colonial foi devastadora sobre as

formas tradicionais de produção indígena, foi ainda mais destruidora quando se pensa no

apagamento de sua memória”431.

Para Aline Rochedo Pachamama, o caminho para apagar essa invisibilidade dos

povos originários passa pela oralidade dos seus descendentes em seu tempo e lugar, pois “a

história e o aprendizado estão na terra, na oralidade e na memória dos povos da floresta, dos

afro-brasileiros e outros”432. Como apontamento inicial para a questão, fala-nos um dos muitos

atores sociais do território da Serra dos Arrepiados - voz que ecoa de Praia Danta, município

de Araponga - descrevendo sua relação com as matas e sintetizando a identidade do seu povo,

ambiental, econômica, cultural e afetivamente:

Nosso povo tem amor pelas mata, isso pra mim tem a ver com a etnia Puri... Povo da Mata, nosso povo num identifica muito como índio não, é o Povo da Mata. É o pequeno agricultor, que gosta da árvore por gostá da árvore. Ele corta por precisão, mas pensa que gosta de destruir? De manêra alguma!433

Essa relação afetuosa e ancestral dos povos originários com as árvores foi percebida

por Jean-Baptiste Debret ao narrar um ritual funerário dos Coroado. Segundo Debret, no caso

da morte de um chefe de família, seus ossos eram quebrados e seu corpo era depositado de

cócoras no recipiente, juntamente com arcos, flechas e outros objetos do falecido, para depois

enterrá-lo nos espaços de convivência do morto, aos pés de uma grande árvore da aldeia ou no

centro da casa434. Essas observações de Debret, ainda que de forma inadvertida, ou mesmo

intencionando apresentar a “selvageria” ou “excentricidade” dos povos originários nos seus

rituais, nos faz entender como historicamente esses povos vivem em comunhão com a natureza

429 In: RESENDE, 2003, Op. Cit. p.10. 430 In: RESENDE, 2003, Op. Cit. p.9. Essas formulações teóricas são fruto sobretudo dos trabalhos do historiador Nelson de Senna. 431 RESENDE, 2003, Op. Cit. p.12. 432 PACHAMAMA, 2019. p.109-110. 433 Informante 18. Op. Cit. 434 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: EDUSP, 1978, p. 54.

160

e nutrem pelas árvores uma relação que ainda hoje encontramos entre os descendentes de

diversas etnias no leste de Minas Gerais. A fala da historiadora Aline Rochedo Pachamama,

presente no livro “Morukah Puky”, expressa essa relação orgânica entre a humanidade do Povo

da Mata, as florestas e os outros seres que nela habitam:

Nós somos um porque estamos ligados à imensa teia da vida. Cada inseto que transmuta e se refaz em nova cor; a folha que cai da árvore e agora é raiz; a flor que cumpriu seu percurso e amanheceu fruto; a formiga que ultrapassa as expectativas da física e carrega algo cem vezes mais pesado que ela mesma; o tatu que abre caminhos; o gavião terra, com seu voo decidido e preciso; a cobra e o sagrado feminino; o beija-flor, que encanta com seu voo mágico e nos estimula a encontrar a doçura e a alegria de cada situação; todos fazem parte dessa teia. A vida é um Encontro. Estamos interligados435

Voltemos ao vigário Manoel Luiz Branco, que andou pela Serra dos Arrepiados no

final do século XVIII e produziu em 1781 uma das raras descrições do encontro com as aldeias

Puri, demonstrando as tentativas de redução desses povos originários à fé cristã. Nas suas

descrições, podemos encontrar alguns elementos da relação humanidade/natureza naquele

tempo-espaço e que parecem persistir em um longa duração até os dias atuais. Assim, Leônia

Chaves de Resende conta-nos o encontro do vigário:

A fim de reduzir a nação de gentio Puris à santa religião, antes de partir, deixou sobre o altar onde celebrava o sacrifício da missa um “presente de ferramentas”, um machado, uma foice, duas facas grandes e uma pequena, todos atados com um ramo verde para o gentio que sempre rodeava a comitiva. Pelo caminho polvilhou pequenas cruzes, feitas por ele próprio, para que, ao verem árvore tão singular, mais facilmente se reduzissem à fé cristã. (...) pouco tempo depois, voltando o camarada à roça, não encontrou mais as ferramentas e, em seu lugar, fizeram os gentios outras cruzes semelhantes436

Primeiramente, devemos notar a astúcia do vigário ao salpicar as cruzes camufladas

entre as árvores, na tentativa de ludibriar o “gentio” e convertê-lo, habilidade desenvolvida,

certamente, no contato com as cosmogonias dos povos originários, já que o cura apadrinhara

um “índio adulto croato” (Capitão Belchior) e empenhara-se no seu batismo e incorporação à

sociedade colonial.437 No contato entre o “índio” e o vigário, seguramente houve muitos

diálogos sobre fé, convertendo o primeiro aos ensinamentos cristãos e ensinando ao segundo

435 PACHAMAMA. Aline Rochedo. Morukah Puky. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2009.p. 436 RESENDE, 2003, Op. Cit., p.86. 437 PAIVA, Op. Cit., p.145-146.

161

os elementos cosmogônicos da antiga fé do “croato”, habilitando o vigário a lidar com outros

povos originários e catequizá-los. Mas devemos também lembrar que, como aponta Eduardo

Viveiro de Castro, a fé dos indígenas438 brasileiros erigia-se como uma “estátua de murta”,

sempre necessitando de uma nova poda onde a forma se desfizesse pelos galhos que crescessem:

Gente receptiva a qualquer figura mas impossível de configurar, os índios – para usarmos um símile vegetal menos europeu que a estátua de murta - eram como a mata que os agasalhava, sempre pronta a se refechar sobre os espaços precariamente conquistados pela cultura: eram como sua terra, enganosamente fértil, onde tudo parecia se poder plantar, mas onde nada brotava que não fosse sufocado incontinenti pelas ervas daninhas (...) o inimigo aqui não era um dogma diferente, mas uma indiferença ao dogma, uma recusa de escolher439

Mais de dois séculos separam esse “gentio”, que em 1781 “sempre rodeava a

comitiva” que avançava sobre o Sertão dos Arrepiados, de um agricultor ancião, com o qual

nos foi possível conversar na Comunidade da Grama, no Município de Ervália, mas a

semelhança da relação de ambos com as árvores pode ser esclarecedora para a nossa análise. O

gentio veria as cruzes no meio da mata e render-se-ia à fé católica por confundi-las, ou mesclá-

las, com as árvores, se apenas visse a cruz o mesmo não ocorreria. As árvores para ele, portanto,

Puri do final do século XVIII, são fruto da grande teia da vida e nela poderia expressar sua

espiritualidade, não ocorrendo o mesmo com dois pedaços de madeira amarrados em cruz. A

árvore não era apenas para produzir madeira, fazer sombra ou produzir fruto, ela não tinha

apenas utilidade, ela era “como pessoas ou sujeitos ao invés de objeto”440. Já o ancião da

Comunidade da Grama levou-nos para nos apresentar uma árvore pela qual tinha muita estima

- o Pau Barrigudo. O homem, de mais de 90 anos, caminhou em passos lentos mais de um

quilômetro e nos apresentou a árvore como uma velha amiga441, a quem certamente contaria

um segredo. O afeto e a proximidade do ancião com a árvore não o impediria, no entanto de

entendê-la como fonte de alimento, necessária a sua sobrevivência442. Assim relata como,

438 Aqui utilizamos “indígenas” reproduzindo as palavras do antropólogo Eduardo Viveiro de Castro. 439 CASTRO, Eduardo Viveiro de. “O Mármore e a Murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. In: Revista de Antropologia. São Paulo, USP, 1992, v. 35. p.22 440 DESCOLA, Philippe. Outras Naturezas, Outras Culturas. Tradução Cecília Ciscato. São Paulo: Editora 34 (Coleção Fábula), 2016. p.16. 441 Ou um velho amigo, já que ele referia-se à árvore o tempo todo no masculino. 442 Próximo ao que Phillipe descola nos apresenta sobre os povos Achuar na Amazônia e os povos Cri no Grande Norte do Canadá em relação aos animais de caça, que se deixam caçar por compaixão ao caçador, que necessita se alimentar: “É então por um ato de generosidade que os animais oferecem seu corpo aos homens, para que estes possam se alimentar”. In: DESCOLA, Op. Cit., p.16.

162

FIGURAS 17 & 18 – A árvore de Pau Barrigudo e Seu Amigo Ancião – Grama, Ervália, Julho de 2019

depois de cortar e retirar a casca de árvores semelhantes a que acabava de nos apresentar,

obtinha-se a farinha de pau barrigudo pra matar a fome:

Aí, punha pra secá no soli, depois de seco no soli é que torrava ele, muía ele no munho e aí que tinha a farinha (...) dentro do tronco, por dentro é macio, ué (...) puro mamão, punha dentro dum pano e aí secava e virava farinha, farinha de pau barrigudo (...) boa igual a de mandioca não é... serve pra mata a fome, né!443

Perguntado sobre o gosto pelo plantio de árvores, o ancião não titubeava em

responder e oferecer detalhes sobre as diversas árvores que tem, e mantém, no seu terreno,

detalhando seu conhecimento sobre como usar cada uma delas. Reflorestar, na perspectiva

apresentada por ele, era, antes de tudo um ato de afeto e curiosidade com a árvores, mas

também de conhecimento sobre a espécie a ser cultivada que, se plantada em terreno

impróprio, não sobrevivia:

A que eu visse no terreno do zôtro, podia contá que eu trazia pro meu (...) pra tê mesmo, pra lembrá e se o zôtro peiguntá, falo: é isso aí, ó!

443 Informante 5, homem de 90 anos. Entrevista realizada na comunidade da Grama, Ervália, por Adailton Damião dos Santos em 25 de julho de 2019.

163

Aquela ali é do alto dum terreno meu, lá tem um pé lá, chama “sobragile”. A candeia branca nasceu aí, é da natureza do terreno. Braúna eu plantei perto do pau barrigudo ali, ela cresceu e ficô assim (mostra a atura de 1m), depois ela num guentô, morreu (...) ela num gostô do terreno, né! É “curamade” essa aqui, é usada pra quem sofria de hemorroida (...) panha a foia assim, depois cozinha na panela. De primêro num tinha recurso, tinha que inventá o recurso444

Outros informantes também nos apresentaram espécies que utilizam no

reflorestamento: ingá, fedegoso, paina, cedro, abacate, castanha. Esses reflorestamentos são

feitos no consorciamento de várias espécies, formando, o que um dos informantes definiu como

“floresta de verdade”. É quase geral também, entre os pequenos proprietários, o apontamento

dos benefícios do eucalipto, quando plantado em pequenas moitas e evitando áreas próximas

aos cursos de água. Ter eucalipto na propriedade é ter os mourões para cerca, os esteios de

casas, os caibros para telhados, os cercados para os animais – chiqueiros, galinheiros e viveiros

em geral. Dessa espécie arbórea é produzida madeira para diversas atividades do campo, sem

ter que desmatar, pois “ninguém aí fica sem cortá árvore, não tem jeito”445.

Há uma grande variedade de plantas das matas que são utilizadas como alimentos,

seja retirando-as da própria mata ou cultivando-as em pequenas hortas. Nas hortas são

cultivados carás de rama, batata-doce, espinafre, abóboras variadas, peixinho de folha,

capiçova, quiabo, couve. Dos brejos também retiram-se alimentos, como os brotos da taboa,

conta-nos a agricultora e benzedeira da Comunidade da Grama, em Ervália: “A taboa, na taboa

lá tem aqueles brotim do chão (...) chama palmito de taboa. Lá cê tira a raiz branquinha dela,

pica bem picadinho. Freiventa ela, faz iguale palmito mesmo”446. Próximos aos brejos

cultivam-se a taioba, os carás de terra (ou de chão) e o inhame (Figura 19). De alguns arbustos

retiram-se frutos e folhas, como a jurubeba447 e o lobrobrô448. Nas lavouras de café crescem

naturalmente a serralha (ou serraia), folha meio amarga, preparada em refogados e consumida

com angu. Muitas variedades de palmito449 também são utilizadas: palmito da samambaia, o

palmito do gravatá e o palmito de palmeira. Sobre esse último, no entanto, os olhares afirmam

444 Informante 5, Op. Cit. 445 Informante 18. Op. Cit. 446 Informante 7, mulher de 72 anos. Entrevista realizada na comunidade da Grama, Ervália, por Adailton Damião dos Santos em 25 de julho de 2019. 447 Pequeno fruto verde e amargo, que faz-se refogado. Muito conhecido na Comunidade do Careço e na Serra do Tabuleiro (Ervália). 448 Nome dado no município de Ervália ao “ora pro nobis” (Pereskia aculeata) - folha tradicionalmente preparada como refogado e acompanhada de alguma carne. Recentemente este alimento tradicional de Minas Gerais foi “descoberto” e é utilizado como iguaria nos restaurantes de haute cousine. 449 Nas falas da comunidade da Grama, em Ervália, notamos que a todo tipo de caule ou broto consumido, denomina-se “palmito”.

164

FIGURA 19 – Cará de Rama e Inhame, colhidos na horta e secando ao sol para conservarem por mais tempo. Pico do Boné, Araponga, Julho de 2019

o uso e as falas negam, seguramente pelas intensas campanhas de conscientização feitas pela

Unidade de Conservação para proteger a Palmeira Juçara (Euterpe edulis).

Sobre a palmeira juçara, transcrevemos abaixo o diálogo com um morador do

Córrego dos Paula, em Araponga, que demonstra em seu chiste a consciência ambiental de que

a retirada do palmito elimina a planta, sendo uma interferência antrópica altamente destrutiva:

Informante — O palmito, a pena dele, cê sabe quando? não né? Entrevistador — Não. Informante — É quando ele brotá... Entrevistador — Sim, por quê? Informante — Por que ele não brota nunca. (risos)450

O uso medicinal das plantas das matas também é uma das reivindicações do Povo

da Mata, que têm sua farmácia na floresta, como afirma um morador da Córrego dos Paula

(citado logo acima), que trata sua diabetes com casca de Pau Pereira451. Há uma infinidade de

450 Informante 1, Op. Cit. 451 Informante 1, Op. Cit.

Cará de Rama Inhame

165

folhas, cascas, raízes e seivas que tradicionalmente são usadas pelos descendentes Puri no

Território da Serra dos Arrepiados. Contudo, há a percepção de que não é em todas as partes

que a “farmácia da mata” reproduz suas espécies medicinais; tem plantas que somente podem

ser encontradas em partes específicas da mata. Muitos desses locais específicos, depois da

delimitação da Unidade de Conservação, passaram a ser proibidos à população, como

ironicamente nos pontua um morador de Araponga: “(...) que eles fala: é intangívi, é

intangivi”452. Esse mesmo morador, que ironiza o fato de determinadas áreas do parque serem

“intangíveis”, apresenta-nos a variedade de plantas que ainda são usadas pelas comunidades,

tanto para tratamento de saúde nos seres humanos, como para a homeopatia453 no tratamento

de animais:

Tem muitas planta de chá usada pelo povo ainda, da mata tira a farmácia (...) tem várias; Por exemplo, a Doradinha do campo, cê tira Unha de Gato de Babado, tira Jaciana, tira Cinco Folha. A Jaciana e a cinco Folha é árvore. Um cipó muito usado, um antibiótico muito forte... o Azogue. Tem muitas planta que é usada até hoje! O Agrabo pra cicatrização, pra podê usar na vaca quando põe a manha do corpo pra fora454

Seja para alimentação ou para a cura e tratamento de doenças, o uso as plantas455 é

uma herança ancestral do povo conhecedor das florestas. Perceber as plantas, as árvores de

maneira especial, como remédio não é apenas percebê-las como a cura para o corpo, muitas

delas são usadas nas “benzeções”, como cura para males invisíveis. Essa prática popular de

cura, que une as plantas e as rezas, continua sendo amplamente praticada na Serra dos

Arrepiados e no seu entorno. Nada raro é encontrar nas portas das casas, as plantas mais

conhecidas por trazerem proteção ao lar, sobretudo as que não deixam entrar no convívio

familiar o mau-olhado (comigo-ninguém-pode, guiné, arruda) ou os maus espíritos (espada de

São Jorge).

Uma informante da comunidade da Grama (Ervália), uma benzedeira de 72 anos,

queixa-se da forma pejorativa como algumas pessoas se referem às suas práticas de cura,

452 Informante 18. Op. Cit. 453 Utilizamos aqui a palavra citada pelo informante para o tratamento dos animais (homeopatia), mas o tipo de tratamento aplicado é, na verdade, a “fitoterapia”. 454 Informante 18. Op. Cit. 455 Em levantamentos realizados em 1993-1994 e 1997, Helton Nonato de Souza nos apresentam 34 famílias de árvores utilizadas em pequenas propriedades rurais em 6 municípios próximos à nossa área de estudo. Essas espécies vegetais são utilizadas nos Sistemas Agroflorestais, para obtenção de alimento, madeira, medicina, produtos variados e para produção de biomassa e fertilização do solo. In: SOUZA, 2012, Op. Cit., p.97.

166

definindo-as como feitiços. A benzedeira nos conta suas origens e seu contato com as ervas que

curam, conhecimento transmitido pela sua avó materna, filha de índia “panhada” no mato456:

A minha bisavó, mãe de minha vó, minha vó falava quéla era índia, foi panhada no mato (...) ela falava com nóis: minha mãe num tinha um fio de cabelo branco, o cabelo dela batia aqui (na cintura). Índia era mesmo, minha vó morreu com os cabelo pretinho... ela falava assim – e ocês tamém, cêis é uma beiradinha de índio, num sei se era Puri (..) Ela falava tudo que êis fazia, fazia chá, falava tudo (...) Eu faço muitas coisa, mas muita coisa eu esqueço457

Na tradição herdada dos Puri, todas as árvores têm uma conexão com o mundo

espiritual, sendo algumas delas conhecidas e utilizadas na atualidade – as Árvores Encantadas.

Embora sejam citadas outras árvores como as detentoras do encantamento para os povos

originários Puri (Sapucaia, Sumaúma, Jequitibá, Araucária, Paineira)458, a Gameleira (Ficus

doliaria) foi a que percebemos como a “mestra dos encantamentos” no Território da Serra dos

Arrepiados. Detectamos em várias cidades, tanto no entorno imediato da serra (Araponga,

Miradouro, Ervália, São Miguel, Cajuri), como em cidades um pouco mais distantes (São

Geraldo, Visconde do Rio Branco, Coimbra, Viçosa e até Mariana459), semelhanças em relação

ao uso simbólico dessa espécie vegetal460.

A Gameleira é uma árvore que desperta sentimentos contraditórios, muitos afirmam

que por ela não se deve passar durante à noite, já que na sua copa, quase sempre frondosa, os

demônios se reúnem para confabularem461. Ao mesmo tempo, a gameleira é vista como uma

árvore que cura, levando as pessoas a deixarem ex-votos no seu tronco: “Árvore mística, que a

456 Embora termos e expressões “caçada” e “pegada no laço” sejam recorrentes na Zona da Mata Mineira e possivelmente em todas as áreas antes definidas como Sertões do Leste de Minas Gerais, um informante nos descreveu como a sua bisavó tinha sido retirada do mato: “Ela foi pegada no mato, uai. Vai vigianu, põe fumo lá, cachaça. Põe, ela beba, marra ela e traz (...)Tinha que dá cachaça... Invocava era com pinga e eles ia bebenu cachaça e trazia”. In: Informante 5, Op. Cit. 457 Informante 7, Op. Cit. Relatos como esse, partindo da fala de uma mulher descendentes dos povos originários não é um acaso, coincidindo com as falas de diversas mulheres apresentadas no livro “Guerreiras”: “Entendemos o valor de registros históricos, mas a oralidade sempre foi e sempre será nosso método. A mulher indígena hoje representa também a mulher indígena do passado, num presente vivo, pois nela há sabedoria ancestral (...) a mulher guardou esses valores e os semeou nos seus. Guardou e agora registra em palavras”. In: PACHAMAMA, Aline Rochedo. Guerreiras (M´baima Miliguapy): mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas na aldeia. Rio de Janeiro: Pachamama Editora, 2018. p.13. 458 A Araucária e a Paineira são árvores encantadas do povo Puri da Serra da Mantiqueira (MG), segundo Aline Rochedo Pachamama, e a paineira também demonstram afeto e encantamento para os Puri do município de Rio Pomba, segundo o historiador, também descendente de Puri, Adriano Toledo de Paiva. 459 Embora essa cidade esteja distante do nosso recorte espacial de pesquisa, vale destacar o relato recolhido, devido às coincidências simbólicas encontradas em relação às Gameleiras no entorno da Serra dos Arrepiados. 460 Os relatos e as tradições orais referentes às Gameleiras não foram coletados seguindo todos os protocolos exigidos na pesquisa, uma vez que as formulações hipotéticas sobre essa árvore surgiram apenas no final da escrita da dissertação e quando as pesquisas de campo já haviam sido concluídas. 461 Tradição recolhida em Ervália.

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FIGURA 20 – Gameleira Encantada Diante da Capela de Nossa Senhora das Dores. Sítio Catinga, Ervália, outubro de 2019

pessoa coloca no tronco da árvores foto, gesso ou molde da parte do corpo que quer curar no

e pede a cura. É a árvore dos espíritos também”462.

Em Viçosa, na área rural das Coelhas, o benzedor Zé Regino usava a gameleira para

curar. No seu tronco, os que buscavam as curas, depositavam moedas e as enfermidades,

visíveis e invisíveis, ficavam retidas na oferenda. As moedas permaneciam no tronco, sem que

ninguém ousasse retirá-las, já que havia a crença de que, se alguém retirasse alguma moeda, o

mau depositado na mesma passava para o meliante. Em volta dessa gameleira havia ainda uma

cerca, que impedia a saída dos maus espíritos durante o período da quaresma463.

Na Serra da Piedade, entre os municípios de Visconde do Rio Branco e São Geraldo,

é famosa a história de um homem que negociou com os demônios embaixo de uma Gameleira

Encantada. Em troca da riqueza que pedia, o negociante oferecia sua alma e prometia deixar

uma marca na entrada da sua casa, demonstrando gratidão ao “espírito benfeitor”. Tornando-se

462 Relato recolhido em Mariana, informalmente e sem registro em áudio. 463 Relato recolhido em Viçosa informalmente, com registro de áudio, mas sem as formalidades solicitadas.

168

um rico fazendeiro, o homem mandou esculpir dois chifres para adornar a porteira da entrada

da fazenda, pagando a dívida adquirida com o espírito da árvore.

Um benzedor de 85 anos, morador do Bairro da Areia Branca, em Araponga,

continua utilizando o Mata Pau464, como refere-se à Gameleira, nos seus rituais de cura, embora

ele considere-a como uma árvore amaldiçoada. Segundo conta, o criador amaldiçoou essa

árvore por ela produzir um fruto venenoso e infértil, um tipo de figo seco. Ainda assim, ele

aprecia a gameleira como uma árvore milagrosa: das folhas faz-se uma infusão que é um

excelente tratamento para as dores do período menstrual; da casca faz-se um chá que cura a

gastrite; com leite que sai do galho controla-se a pressão arterial. Conta que antes tinha

gameleira por todos os lados em Araponga, agora restaram poucas e uma delas ele mantém no

seu quintal465.

Falar e se emocionar pela presença de uma árvore, saber a idade da mesma,

conversar e negociar com ela, perceber até mesmo sua tristeza ou alegria, nada mais assustador

para uma cultura ocidentalizada que, como já vimos, há séculos vem entendendo esses e outros

seres, se não todos os que não sejam humanos ou humanizados/adestrados, como meros

recursos a serem explorados para a sobrevivência humana. Não é coincidência que as

reivindicações identitárias dos Puri da Serra dos Arrepiados sejam: a terra, a mata, os córregos,

os bichos e as rochas... Para falar desses aspectos identitários temos que falar também desde o

tempo presente, pois, como já é sabido em abundância, nas fontes escritas raleiam os relatos

dos povos com tradição oral e paira o silêncio sobre suas memórias.

Outro aspecto importante que nos remete à identidade do Povo da Mata são as

referências espaciais utilizadas no entorno da Serra dos Arrepiados. Referências ligadas às

rochas, aos picos, aos córregos. Na região conhecida como Estouro, na zona rural de Araponga,

abundam as referências aos córregos para localização das comunidades, como nos informa uma

agricultora, atenta a sua espacialidade:

O Estouro aqui, ele é grande, né, mas tem os córgo que tem os nome. Iguale aqui, onde que nóis mora é Paula e tem o Córgo dos Perêra, tem o Córgo dos Gabrié. Tem córgo po nosso lado de cá, tem Manja, Carapina, Tromba Danta, tem o Brigadeiro ... Itaquaruçu, tem Braga. Tudo os córgo (...) Tudo é estouro, só que tem o nome dos córgo do

464 A nomenclatura “Mata Pau” refere-se a uma característica adaptativa desta espécie vegetal, que, semeada no tronco de outras árvores por fezes de pássaros, abraça o tronco da árvore onde está hospedada, alimentando-se da sua seiva até suas raízes alcançarem o solo. O destino da árvore onde ela se hospedou é o estrangulamento e a morte. 465 Relato recolhido em Araponga, informalmente e sem registro em áudio.

169

lugá. Onde a gente mora tem o nome do lugá (...) sempre tem um corguim...

Para John Commeford, os córregos são as referências às localidades, referências às

famílias e à reputação; é uma forma de nomear o lugar empírico e está associado a uma prática

de localização moral466. Os córregos com nomes de família, embora não tenhamos realizado

nenhum levantamento quantitativo, são os que parecem prevalecer. Mas, a utilização dos cursos

de água para definir a especificidade dos locais, nos leva a uma outra hipótese: os “córgos” são

lugares simbólicos do convívio comunitário, onde boa parte das relações sociais ocorriam e, em

certa medida continuam ocorrendo. É nos córregos onde se pesca; é nos córregos de onde se

tira a água pra regar as plantas; é nos córregos que estão localizados os moinhos d`água para

processar os cereais; é nos córregos onde pode-se parar para pensar na vida; é nos córregos

onde as crianças se banham nos fins de semana e onde começam muitos namoros na

adolescência. E, assim como os córregos, as pedras e rochas também cumprem a mesma função

simbólico-referencial. Uma senhora agricultora, moradora da Serra das Cabeças, quando

perguntada se morava na Serra das Cabeças, respondeu: “Sim, na Pedra do Racha”467,

marcando sua referência simbólica à pequena cachoeira, que corre sobre um rocha partida em

duas pela força e constância da água corrente, a 200 m da sua casa.

A relação com o Povo da Mata com os animais também apresenta algumas

particularidades que merecem destaque. Nos conta a benzedeira da Comunidade da Grama,

como o tatu era importante para todos antes de chegarem as vacinas contra o sarampo,

descrevendo o ritual que fazia para utilizá-lo para prevenir tal doença:

É assim, eu matava ele male matado, pra ele ficá vivo inda. Aí trazia ele, punha a bacia de água morna lá no chão, bacia de água morna no chão e vinha com ele, vivo ainda, e punha o fucizim dele pra baixo assim e dexava pingá três pingo de sangue dele (...) quando pingava os três pingo de sangue na água, dava o banho no menino das cabeça aos pé. Aí num panhava sarampo não. Eu tenho uns menino que nunca tiveru sarampo (...) era pra privini o sarampo468

466 COMMERFORD, J. Onde está a comunidade? Configurações sócio-morais e a redefinição dos limites do rural e do urbano. CPDA/UFRRJ (s/d) (Texto não publicado). Apud: TEIXEIRA, Maria do Carmo Couto. “Relações Socioambientais e Educativas em Área de Preservação Ambiental”. In: Educ. foco, Juiz de Fora, v. 14, n. 2, set 2009/fev. 2010, p.159 (Nota 3). 467 Informante 11, Op. Cit. 468 Informante 7, Op. Cit.

170

Todos estavam sujeitos ao sarampo, “o sarampo era ex-cumungado”469, e o sangue

do tatu era a única forma de prevenção, “o sangue do tatu era a vacina”470. Mas, se a prevenção

não fosse feita e o sarampo atacasse alguém, tinha que passar “arucum ao redô dos Zói”471, pra

ele não entrar para o corpo. Passava-se o urucum em volta dos olhos e da garganta, evitando-

se, assim, que o sarampo se espalhasse.

Perguntada se comia a carne do tatu usado no ritual, a benzedeira responde que

tinha que comer de tudo, porque antes as pessoas “passavam muita falta das coisas” e não

podiam escolher comida. Carne só comia se se caçava ou alguma galinha de vez em quando, já

os porcos só tinham os fazendeiros e boi para carne ninguém tinha. Ela comia a carne do tatu,

mas tinha um pouco de nojo, sobretudo da fêmea, porque “fedia a leite”, principalmente nos

períodos em que estavam com cria pequena e amamentando.

O casco do tatu também era usado pra proteger as lavouras dos ataques de outros

tatus, citados como exímios predadores das raízes das plantas472. As lavouras de milho eram

protegidas de acordo com a descrição do ancião da Comunidade da Grama. Segundo ele:

E mais, com o casco dele cê fazia simpatia pra eles num rancá o milho. Cê plantava no coité dele, tirava o coité e punha pra secá no sol, depois cê media o milho nele pra plantá, Era simpatia pra módi num rancá, né? (..) assim eles dizia que protegia. Rancava, tinha moita de milho que ele rancava tudo, cova por cova assim473

Sobre fauna há uma reconhecimento geral da importância da Unidade de

Conservação, que fez com que os bichos aumentassem muito. Na cidade de Araponga, por

exemplo, um agricultor nos conta que os bichos perderam até o medo dos seres humanos, depois

que passou a ser proibido caçá-los e até tornaram nossos amigos. Conta com alegria de quem

ama os pássaros e que, certamente já havia engaiolado alguns. Agora eles estão soltos e felizes;

até o pássaro que dá nome à sua cidade reapareceu:

Cê vê, os animais mesmo, viraru amigo nosso, né? Por exemplo, a pomba trucal, jacu, inhabô, quati... araponga mesmo, elas passava longe, né, um pássaro bonito, agora de vez em quando você vê cantanu nos arto: tin, tin, tin474

469 Informante 5, Op. Cit. 470 Informante 7, Op. Cit. 471 Informante 5, Op. Cit. 472 Informante 14, Op. Cit. 473 Informante 5, Op. Cit. 474 Informante 19, homem de 63 anos. Entrevista realizada na cidade de Araponga por Adailton Damião dos Santos em 5 de abril de 2019. Essa fala nos fez lembrar os versos de Aline Pachamama, nas suas análises sobre sabedoria

171

Para outro agricultor, no entanto, é preciso controlar um pouco os animais, porque

alguns que estão aumentando demais e causando grandes estragos nas plantações, como é o

caso do jacu e da capivara. As revoadas de Jacu não deixam uma caroço de café no pé e as

capivaras comem tudo que encontram pela frente. A percepção do desequilíbrio, segundo ele,

devia ser analisado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), para que algumas espécies

pudessem ser caçadas até que se reequilibrasse quantitativamente, o que seria bom para os

agricultores e para as matas.

Não é difícil pensar porque os tatus eram animais sagrados para o povo originário

Puri; trazia a cura, trazia a carne e ainda impedia que as lavouras fossem destruídas pela sua

espécie. Ao mesmo tempo, não é estranho perceber que, apelidar alguém de “tatu” seja algo

pejorativo na região do nosso estudo, indicando ignorância e limitação intelectual da pessoa

apelidada. Claro está que, limitação intelectual e os nossos “tatus” propositalmente andam

juntos, em uma sociedade onde tentou-se apagar todas as referências simbólicas dos povos que

tinha esse animal como sagrado. Um silenciamento identitário que urge em ser visto e ouvido,

por que está vivo e tem voz, como uma voz que ecoa desde a Serra da Mantiqueira e brada na

sua essência de povo originário Puri: não somos lenda, isso é real!475

e espiritualidade do povo originário Puri: “Quem souber cantar uma canção, cante! Quem souber dialogar com um animal, dialogue”. In, PACHAMANA, 2009. 475 Fala de Teresinha Puri, recolhida por Aline Rochedo Pachamama. In: PACHAMAMA, 2019, p.

172

CAPÍTULO 4 – A Serra dos Arrepiados e a Santa que Faz Chover:

inventário Participativo da Trilha das Dores

(Produto Final)

Tem uma ligação muito boa essas comunidade, quanto a de lá, quanto a de cá. A trilha liga nóis muito, aquela trilha, né... aquela subida maravilhosa, nóis faz ela todo ano(...) Então, nóis faz esse trecho todo ano. É uma coisa que, através de lá, liga nóis sobre esse trilho aí, que leva nóis lá e traz eles para cá. È uma ligação muito forte também, que aquele trilho ali, parece que já tá marcado de coisas boa (Ana Leila, moradora da Serra das Dores)

Lá no lugá que ela tá eu ganhei quatorze fio. Eu ganhava um e levava, eu ganhava outro e levava pra visitar Nossa Senhora das Dores, pra agradecê, sabe? (Dona Maricota, moradora do Careço)

173

Como produto final dessa dissertação, elaboramos um Inventário Participativo da

Trilha das Dores, ligação entre a Comunidade do Careço (Ervália) e a Comunidade da Serra

das Dores (Miradouro), passando pelo interior da Unidade de Conservação Parque Estadual

Serra do Brigadeiro. O objetivo central do inventário foi documentar junto com às comunidades

do entorno da Trilha das Dores a Romaria das Dores e a Troca de Santos, rituais realizados

entre os moradores para “fazer chover”. As informações organizadas no inventário serão

apresentadas posteriormente às Casas de Cultura de Ervália e Miradouro, na possibilidade de

registro da Trilha das Dores como Bem Cultural Imaterial nos dois municípios. Nessa

dissertação apresentamos uma compilação dos dados em forma de livreto (Anexo III), no qual

destacamos os relatos visuais e orais levantados no inventário. Os relatos visuais estão

expressos nas fotografias e desenhos e o oral no audiovisual com a fala das comunidades,

acompanhando o livreto em CD-ROOM.

As trilhas existentes na Serra dos Arrepiados são antigos caminhos de comunicação

entre as comunidades, normalmente utilizadas para visitar os vizinhos do “outro lado da serra”,

realizar comércio, encurtando as distâncias em muitos quilômetros. As trilhas são antigas

picadas no meio da mata, servindo de rotas de passagem e/ou fuga dos Índios Puris. Nos relatos

que coletamos, nos foi possível detectar esse antigo uso desses espaços de contato entre um

lado e o outro da serra:

Nosso povo tinha essa ligação, talvez pelos puri, talvez depois pelos negro. Tinha essa ligação do lado de cá da serra com o lado de lá, né. Casamento do pessoal de cá com o pessoal de lá, era tudo passado pelas trilha (...) Laços mesmo familiares que contavam muito, mas tinha comércio também, na tropa de burro. Quando eles fala que tem uma das trilha que é a Trilha das Moça Robada, o cara vei cá e a moça queria casá com o rapaz lá, os pai num queria. O caro botá dentro do cargueiro, encheu de palha e virô lá encima, já ia leva milho pro ôtro lado lá da serra. Levô as moça, passo e foi embora com elas pra lá; duas moça, uma num balai e ôtra no ôtro (...) eles fala Trilha da Fazenda do Brigadeiro, mas, na verdade, o povo lá da comunidade fala a Trilha das Moça Robada476

São caminhos que acompanham as sinuosidades das montanhas e, via de regra,

alcançam o ponto mais alto da montanha, desembocando na vertente oposta da serra. Há ainda

as trilhas que levam aos picos, com declive acentuado e contornando as rochas que se pretende

alcançar o cume. Muitas dessas trilhas, que após a delimitação do PESB atravessam a Unidade

476 Informante 18. Op. Cit.

174

FIGURA 21 – Cruzeiro na Estrada da Serra do Tabuleiro. Janeiro de 2019

de Conservação, são apontadas como espaços de conflito477 na gestão do parque. Esses

conflitos ocorrem pela proibição do seu uso e pela interrupção, forçada espacialmente, das

relações sociais e históricas da região. Assim afirma GJORUP:

Há diversas questões que se mantêm em conflito. Como a utilização das trilhas pelos moradores das comunidades limítrofes ao PESB, uma vez que existe forte relação de parentesco e de comércio entre comunidades dos lados oriental e ocidental da serra478

A Trilha das Dores, também conhecida como Trilha da Serrania ou do Tabuleiro,

ainda mantém vivas as relações de parentesco e comércio entre várias comunidades nas

vertentes ocidental e oriental da serra, incorporando, ao longo de sua história de uso, a

simbologia de rituais católicos ligados à natureza. O caminho é uma mistura de estrada e trilha:

estrada da Comunidade do Careço até a Serra do Tabuleiro (5km), trilha da Serra do Tabuleiro,

passando pelo PESB, até a Serra das Dores (4Km) e estrada novamente até a Capela de Nossa

Senhora das Dores (2Km). Durante os 11 Km de extensão, os cruzeiros479 guiam o caminhante

nos entroncamentos.

477 Esse foi um Problema levantado no DRP realizado por Miguel Barcellos Gjorup em 1994 em sete comunidades do entorno da PESB, onde a população local relatava a proibição do uso das trilhas pelo IEF. In: GJORUP, Op. Cit., p.40. 478 GJORUP, Op. Cit., p.64. 479 Pode-se observar que esses cruzeiros são enfeitados nas comemorações de Santa Cruz, no mês de maio.

175

FIGURA 23 – Casa Típica da Serra das Dores, Com Terreiro de Café na Porta da Sala. Janeiro de 2019

FIGURA 22 – Cruzeiro na Divisa de Propriedade Rural Com a Estrada na Serra do Tabuleiro (Ervália), janeiro de 2019

A paisagem do caminho é marcada pela presença das lavouras de café, consorciadas

com milho, pequenas áreas de plantio de eucalipto, capoeiras e matas secundárias em formação,

além de diversos cursos d`água e da Cachoeira do Tabuleiro. As casas são construídas próximas

aos terreiros de café480, quase sempre em frente a eles e, com raras exceções, têm uma cruz

enfeitada na porta. As porteiras marcam o limite, não muito rígido, da entrada das propriedades.

480 Os terreiros de café são os espaços de sociabilidade dos núcleos familiares, onde se realizam os encontros, os almoços de casamento e batizado, as novenas, as festas juninas e as festas de fim da colheita - a “Cabada do Café”.

176

FIGURA 24 – Placa indicativa do PESB na Trilha das Dores. Janeiro de 2019

Aproximadamente 2 km da trilha passa pelo interior da Unidade de Conservação,

onde a mata secundária se apresenta mais fechada, iniciando a subida para a serra. A partir deste

ponto, demarcado por uma placa do Instituto Estadual de Florestas (IEF), vários cursos d`água

marcam a trilha pedregosa e em declive acentuado.

A Trilha das Dores é marcada por características antrópicas comuns na região da

Serra dos Arrepiados, onde as pequenas propriedades de café de cultivo convencional se

misturam com as capoeiras, os córregos e as rochas, formando as paisagens culturais do café.

A paisagem desta trilha não é, no entanto, apenas um conjunto de espaços organizados

coletivamente, ela é também “(...) uma sucessão de rastros, de pegadas que se sobrepõem no

solo e constituem, por assim dizer, sua espessura tanto simbólica quanto material”481.

481 BESSE, Jean-Marc. O Gosto Pelo Mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: UERJ, 2014. p.33.

177

MAPA 7 – Trilha Nossa Senhora

das Dores/PESB

178

4.1 – Análise da Relação Entre a Santa e a Serra

A imagem482 de Nossa Senhora das Dores é parte de um conjunto escultórico da

qual também fazia parte o Senhor dos Passos, ambas de autor(a) desconhecido(a) e que não

apresentam iconografia e estilo escultórico definido canonicamente. As duas imagens foram

doadas aproximadamente no início do século XX para a Igreja de São Francisco das Chagas,

na comunidade do Careço.

Através de relatos populares nos foi possível estabelecer uma narrativa inicial sobre

a história das duas imagens. Nossa Senhora das Dores, durante algumas décadas, morou483 na

igreja do Careço. Na década de 1930, no entanto, Monsenhor Rodolfo, pároco da cidade de

Herval (atual Ervália), exigiu que imagem fosse retirada da igreja, argumentando que a mesma

era muito feia: “Ele falou pra gente tirá aquela imagem de lá da igreja. Ele falava que as mulhé

tava tendo umas criança muita feia de tanto olhá pra Nossa Senhora das Dores”484.

Mas, a comunidade já havia se afeiçoado à santa e decidiu doá-la para uma

comunidade próxima. Dias depois, a santa foi morar na casa de algum devoto do outro lado da

serra, próximo à comunidade da Serrania. A trilha, que era usada para visitar amigos, parentes

e para realizar alguma atividade comercial, passou a ser um caminho de peregrinação para

Nossa Senhora das Dores, estreitando os laços entre as duas comunidades:

Lá no lugá que ela tá eu ganhei quatorze fio. Eu ganhava um e levava, eu ganhava outro e levava pra visitar Nossa Senhora das Dores, pra agradecê, sabe? Quando eu visitei ela a primeira vez ela tava dentro dum quarto, na casa lá, nem capela tinha (...) em 1950485.

A serra que abrigou a santa expulsa da Comunidade do Careço passou a ser

nomeada popularmente como Serra das Dores e lá foi erguida uma capela. No princípio era

uma pequena capela de madeira486, atualmente a construção é em alvenaria e tem espaço para

organizar as festas, com um grande terreiro, rodeado de bancos e árvores, incluindo uma

frondosa gameleira (Ficus Doleária). A Capela de Nossa Senhora das Dores tornou-se também

rota de cavalgadas, a mais famosa delas é a Cavalgada do Belisário (Distrito de Muriaé),

482 Em consonância com a oralidade local, que coletamos nas entrevistas, manteremos a palavra “imagem” para nos referirmos às esculturas dos santos envolvidos nas rituais. 483 Os entrevistados se referem à imagem da santa com personificação, utilizando ações e características humanas: morou, chorou, ficou triste, caminhou. 484 Informante 03, mulher de 93 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 18 de janeiro de 2019. 485 Informante 03. Op. Cit. 486 Segundo um morador do Careço de 74 anos, que lida com a Comunidade das Dores desde criança, a capela era toda de tábua. In: Informante 27, homem de 74 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 25 de julho de 2019.

179

FIGURAS 25 & 26 – Capela de Nossa Senhora das Dores (Serra das Dores, Miradouro), Com Terreiro Para Realização de Eventos e Celebrações. Janeiro de 2019

realizada no Dia de Santa Cruz (2 de maio), passando por Serrania (Distrito de Miradouro),

Trilha das Dores, Careço e finalizando no Pico do Cruzeiro.

No início da década de 1950, após um longo período de estiagem, os moradores do

Careço e da Serra das Dores resolveram usar os poderes, já considerados milagrosos, da santa.

Definiu-se, então, fazer a “Troca de Santos”, numa romaria, onde se encontraria no ponto mais

alto da serra, Nossa Senhora das Dores e o Senhor dos Passos a caminho do Calvário. Assim

descreve:

A procissão foi numa época de muita falta de chuva, que deve ter a idade da Verônica. Eu lembro que eu tava dando mamá a Verônica e lembro quando eles chegaram com Nossa Senhora das Dores. Muita gente até passo mal no camim, mórdi o poerão, era quente demais da conta. Levô o Senhor dos Passô daqui do Careço487

A lembrança é de que a chuva pouco depois veio em abundância e as imagens

novamente cruzaram a serra, voltando para suas capelas. Segundo relatos, na volta da imagem

para a Capela das Dores houve grande comoção na Comunidade do Careço, que perdiam a santa

pela segunda vez. A partir daí, as comunidades decidiram repetir a Romaria das Dores e a Troca

de Santos sempre que houvesse longos períodos de seca. A última grande estiagem, na qual

realizou-se a romaria e a Trilha das Dores foi palco do encontro entre o Senhor do Passos e

Nossa Senhoras das Dores ocorreu em novembro de 2014, havendo uma participação massiva

das comunidades do entorno da trilha, estimado pelos participantes em mais de 700 pessoas.

487 Informante 03. Op. Cit.

180

FIGURA 28 – Romaria as Dores de 2014. Fotografia cedida por Ivan Lopes

FIGURA 27 – Romaria as Dores de 2014. Fotografia cedida por Ivan Lopes

181

FIGURA 29 – Troca dos Santos de 2014. Fotografia cedida por Ivan Lopes

4.2 – Inventário Participativo da Romaria e da Trilha das Dores

O Inventário Participativo é uma proposta do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN) para instrumentalizar as comunidades, grupos, associações e

população em geral para a catalogação das suas referências culturais, sejam elas materiais ou

imateriais, a partir de uma autogestão. A proposta baseia-se em uma metodologia já existente

dentro do IPHAN (Inventário Nacional de Referências Culturais, INRC)488, na qual a

participação das comunidades detentoras do bem a ser inventariado faz-se fundamental no

processo.

Para realização do inventário foram motivados 30 alunos do Ensino Fundamental

das escolas rurais da Comunidade do Careço (Ervália) e Comunidade da Serrania (Miradouro),

as duas escolas mais próximas da Trilha das Dores. Mobilizamos as duas comunidades,

explicando o sentido do inventário e sondando a importância da tríade “Trilha/Santa/Romaria”

nas localidades. Depois foram registrados vídeos e áudios com as pessoas que vivenciaram a

festa. Como atividade final, realizamos a trilha com os participantes e os membros da

comunidade do Careço. As pessoas a serem entrevistadas e os roteiros das entrevistas foram

488 FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim et...al. Educação Patrimonial: inventários participativos. Brasília: IPHAN (Manual de aplicação), 2016. p.5.

182

definidos previamente com o grupo de alunos que participaram na elaboração do inventário.

Foram produzidos ainda desenhos, ilustrando a visão dos alunos e alunas sobre o significado

da Trilha, alguns desses desenhos foram incorporados ao inventário.

Todos os dados produzidos foram registrados e catalogados nas fichas específicas

propostas no manual do IPHAN, numa atividade educativa que buscou conjugar mobilização,

sensibilização e participação comunitária. A Trilha das Dores foi entendida desde as culturas

locais do Careço e da Serra das Dores, enquanto Patrimônio Cultural de Ervália e Miradouro,

em uma produção de conhecimento com e para essas comunidades489.

4.2.1 – A caminhada pela trilha e o diálogo entre as comunidades

O processo de mobilização e sensibilização nas comunidades do entorno da Trilha

das Dores ocorreu de forma ampla, mas lenta e gradualmente, com reuniões, visitas, cooperação

entre a Escola Estadual Dom Francisco das Chagas (Careço) e Escola Municipal da Serrania

(Serrania) e com o apoio das Secretarias de Educação e Cultura de Ervália e Miradouro, por

meio das suas respectivas Casas da Cultura.

A Culminância do inventário foi marcada pela caminhada realizada no dia 21 de

setembro de 2019, na qual os participantes da Comunidade do Careço, juntamente com

monitoras e monitores da Escola Estadual Dom Francisco das Chagas, realizaram a subida da

serra para encontrar com os participantes da comunidade das Dores. Participaram da caminhada

11 alunos e 6 monitores, 5 professores da escola e um convidado que ficou responsável pelo

registro da mesma. A caminhada foi iniciada às 7 da manhã na última casa da vertente oeste da

serra, local denominado Serra do Tabuleiro, onde foi realizada uma rápida roda de conversa e

reflexão sobre o papel da serra para o Careço.

Inicialmente, havia sido acordado entre os organizadores da caminhada que os

detentores do conhecimento sobre a Trilha das Dores seriam levados de carro até a Serra das

Dores, passando por rodovia e sem enfrentarem a subida. No entanto, devido a fragilidade de

algumas dessas pessoas, uma delas com 93 anos, decidimos realizar uma série de vídeos e,

dessa forma, ter seus relatos presentes no encontro.

489 FLORÊNCIO, Op. Cit., p.6.

183

FIGURA 30 – Roda de conversa e reflexão realizada ao pé da serra antes da caminhada (21/09/2019). Fotografia cedida por Mateus Paes

Foram recolhidos em vídeo nove relatos, demonstrando a visão da Comunidade do

Careço sobre o uso da Trilha das Dores e destacando sua relação simbólica com a Romaria das

Dores e com a Troca dos Santos. Destacou-se, ainda, a polêmica sobre a reforma da imagem,

ocorrida em 2015. Para alguns, tal reforma fez a santa “ficar mais bonita”, para outros

descaracterizou a imagem e comprometeu a romaria e a troca no alto da serra, devido ao

excessivo peso da imagem atual:

Eu cheguei a conhecer a Nossa Senhora das Dores antes da reforma (...) ela era assustadora (...) quando eu fui lá a primeira vez, que eu era bem criança, quando eu cheguei, a primeira sensação foi de medo, sabe? E agora ela tá muito bonita com a reforma490

Eu nunca achava ela feia não, mas só que o pessoal de lá reformaram ela. Reformaram não, fez de novo bem dizer, não é aquela que a gente ia lá cumpri promessa e levá vestido pra ela... Mamãe fez muito vestido para ela (..) ficava um por cima do ôtro. Aquele vestido reto, sabe, de cetim (...) Agora não tem essa tradição mais, de jeito que eles colocaram ela491

A de madêra era muito esquisita mesmo, muito mal feita, mas agora dizem que o peso dela (...) diz que é muito pesada. Parece que fala que ela dá uns 150 quilo, 200 quilo492

490 Informante 24, mulher de 40 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 17 de setembro de 2019. 491 Informante 09, mulher de 72 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 17 de setembro de 2019. 492 Informante 08, homem de 74 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 25 de julho de 2019.

184

FIGURA 31 – Renato Matta Apresentando o Corpo Original da Imagem de Nossa Senhora das Dores. - Estrutura de Roca em destaque (21/09/2019), Fotografias cedidas por Aída Sant`Anna

Na chegada na Capela das Dores, por volta das 10h da manhã, foi realizado um

lanche coletivo. Havia 5 alunos da Escola Municipal da Serrania, o professor de história da

escola, três representantes das Secretarias de Educação e Cultura de Miradouro e três moradores

da Comunidade das Dores. O Diretor da Casa de Cultura de Miradouro, Renato Matta, deu as

boas-vindas a todos e iniciou o debate sobre a importância da participação das comunidades em

processos de reconhecimento das suas identidades coletivas. A zeladora da Capela das Dores

interveio muitas vezes, identificando-se muito com o debate: “(...) a gente fica muito alegre de

vocês tarem fazendo essas pesquisa, de tá falando sobre Nossa Senhora das Dores”493

Foi mostrada a estrutura original do corpo da imagem, uma estrutura de roca (Figura

34), com articulações e encaixes que possibilitavam seu deslocamento e a realização de

procissões. Os participantes do encontro questionarem a forma atual da imagem, adquirida após

uma “restauração” realizada em 2015. O debate demonstrou que o descontentamento com o

resultado das modificações feitas da imagem original era geral, desfazendo a ideia inicial que

tínhamos sobre a concordância da Comunidade das Dores em relação às mesmas.

493 Informante 30, mulher de 35 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 21 de setembro de 2019.

185

Segundo a zeladora da Capela das Dores, o dinheiro para a reforma foi levantado

durante a Romaria de 2014, com a ajuda da Comunidade do Careço. Naquele ano, iniciou-se o

debate sobre qual tipo de reforma a imagem devia ser submetida. Assim relata:

A reforma que teve ali, pois é, quando nóis levemos ela pra lá (Refere-se aqui à Romaria de 2014) ... quando ela veio, ela já veio com dinheiro pra reforma. Quando juntamos nóis da Comunidade de Nossa Senhora das Dores, perguntamos os pessoal daqui: o que que vocês qué? Vamu reformar, vamu torná fazê ôtra? Vamu levá pra Muriaé, vamu levá pra Miradouro? Então o pessoal falô “vamu dá uma reforminha, que precisa, né!”494

Nesse momento do encontro, houve um debate sobre a questão estética da santa (a

“feiura” da imagem), colocada historicamente como uma das suas marcas e que foi um dos

motivos que levou à reforma e à completa modificação da sua estrutura e aparência. Essa parte

do debate foi emotiva e com muitas intervenções, repercutindo sempre a questão de que “o

feio” e o “belo” muitas vezes são condicionados por padrões estéticos externos às comunidades

e aos que cultuam a imagem.

Em seguida, exibimos o vídeo produzido com os relatos dos moradores do Careço,

para auxiliar o entendimento do ponto de vista dos que vivenciaram e vivenciam a Trilha das

Dores desde seu uso simbólico, para a realização da Romaria das Dores e da Troca de Santos.

Após assistir o vídeo, o debate centrou-se em dois pontos: a relação da trilha com as duas

comunidades e a reforma da imagem. Sobre o uso da Trilha das Dores, era consensual a

importância em manter viva as relações históricas entre as comunidades das Dores e do Careço,

como falado no vídeo e reforçado pelos presentes no debate. Questionou-se, no entanto, o

problema do fechamento da trilha pela administração do Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro, em alusão às constantes ameaças ocorridas logo após a criação do parque na década

de 1990. Esclareceu-se, assim, com diversas falas, que a Unidade de Conservação legalmente

pode interferir no uso da trilha, sobretudo se for detectado o alargamento da mesma e a retirada

de espécies, tanto animais quanto plantas. As falas, que imprimiam memória às modificações

da paisagem da trilha, foram levantadas, demonstrando a necessidade de preservar o caminho

na sua forma de trilha, sem comprometer o equilíbrio das espécies de plantas e animais, que

dependem das matas que a circundam para sobreviverem:

Quando eu ia lá era sempre assim, era aquelas fruta pro caminho afora: amora, banana, lima, laranja. Era muita coisa, né! Quando a gente ia

494 Informante 30, Op. Cit.

186

FIGURA 32 – Registro Fotográfico da Entrevista Com o Sr. Antônio do Juca, na Serra das Dores (21/09/2019). Fotografia cedida por Mateus Paes

andá lá na Nossa Senhora das Dores, nóis fazia farra no caminho. Aquela luita de pegá as coisa gostosa e comê na camim (...) muita água que tinha pra gente pegá no camim (...) Agora não tem mais, né, cabô! (...) tá quais tudo seco. Água também cabô muito, agora é pôcas água que tem495

Mas era um trilho que a cavalo tem hora tinha que descê, de tanta pedra que tinha na estrada que a pessoa precisava descê do animal pra passá (...) A trilha existe há muito tempo, era trilho mesmo. Hoje dá pra fazê vorta, um o ôtro passa até de carro lá, ué (...) era só o trilho mesmo, passava cavalêro só mesmo e a pé496

Sobre a reforma da imagem, debate já iniciado anteriormente, decidiu-se que seria

feita uma consulta na Comunidade das Dores para saber a opinião dos moradores, respondendo

à seguinte questão: “A imagem de Nossa Senhora das Dores deve retornar a sua forma original

e voltar a ser de madeira?”. Assim, concluiu-se que, caso a restauração da imagem e o retorno

a sua original fosse aprovado pela comunidade, seriam levantados fundos junto às comunidades

do entorno da trilha (Serra das Dores, Careço, Serrania, Tabuleiro, Belizário) e, necessitando,

por intermédio das Secretarias de Cultura de Miradouro e Ervália apresentar-se-ia um projeto

para o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG)

com a deliberação da comunidade.

495 Informante 28, mulher de 70 anos. Entrevista realizada no Patrimônio do Careço por Adailton Damião dos Santos em 17 de setembro de 2019. 496 Informante 8, Op. Cit.

187

FIGURA 33 – Registro fotográfico da entrevista com o Sr. Tito e Dona Antônia, no Careço (17/09/2019). Fotografia cedida por Mateus Paes

Por fim, falou-se sobre a importância da realização do inventário participativo, no

qual as pessoas vão deixar suas vozes inscritas em seu patrimônio cultural e, na possibilidade

de um futuro registro, essas vozes é que marcarão a história do bem cultural e será efetivamente

salvaguardado, uma vez que representa a história das próprias comunidades.

********************

O inventário produzido junto com as comunidades das Dores e do Careço, é um

primeiro passo para que os municípios de Ervália e Miradouro possam registrar a Trilha das

Dores como um Patrimônio Cultural. Elaborado a partir das reformulações das duas

comunidades e com a participação dos alunos e professores de duas escolas nas proximidades

da trilha, o inventário demonstra a dinâmica do uso do espaço da serra, social e simbolicamente

- uso social (comércio e relações de parentesco) e simbólico (Romaria das Dores e Troca dos

Santos).

O inventário demonstra ainda a resistência em relação à possibilidade de

fechamento da trilha, o que seria uma ruptura espacial da relação entre as comunidades de um

lado e outro da serra. A presença da Unidade de Conservação Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro, por onde passa a trilha, torna a ameaça constante e esboça a necessidade de diálogo

e negociação da administração do parque com os moradores. Por um lado, as comunidades que

utilizam historicamente a Trilha das Dores, reproduzindo seu patrimônio cultural nesse

território, por outro a Unidade de Conservação, que tem como foco a preservação do patrimônio

natural da Serra dos Arrepiados.

188

Entendemos que um futuro registro da Trilha das Dores como Patrimônio Cultural

dos municípios de Ervália e Miradouro poderá agregar um instrumento de proteção a mais ao

espaço da serra, salvaguardando seus elementos naturais e culturais; e pode ser uma porta de

diálogo entre o PESB e as comunidades das Dores e do Careço, interessadas na continuidade

do uso da trilha e na sua preservação.

189

Considerações Finais

Quando iniciamos essa investigação, tínhamos nossa hipótese central baseada nos

conflitos entre a administração do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB) e as

comunidades do entorno da serra. Perseguimos essa hipótese por meses a fio, sem perceber que

ela não se confirmaria como hipótese central, pois a voz das comunidades estavam por todos

os lados – na documentação escrita, nos relatos, nos projetos, no Plano de Manejo do parque e

em tantas outras fontes. Somente após assumirmos que estávamos ‘engessando’ a pesquisa com

a hipótese formulada, como tantas vezes alertou-nos a Professora Karla Martins nas aulas de

Metodologia Científica, nos foi possível enxergar os verdadeiros debates que nortearam a

criação e a implantação do PESB. Não que os conflitos não tivessem existido, existiram sim e

não foram poucos, mas, desde o início do processo, ainda na década de 1990, as comunidades

fizeram-se partícipes das discussões e protagonistas das suas histórias. Nossa hipótese central

se reformulou e saímos do “conflito” para as “negociações”.

Começamos a perceber que as negociações que estavam ocorrendo entre 1976 e

2006 não eram exclusividade da Serra dos Arrepiados, sequer da Zona da Mata Mineira ou de

Minas Gerais. Eram negociações formuladas em nível nacional, a partir da possibilidade de

debate político que começava a se reconfigurar no Brasil e que contava os dias para o fim da

Ditadura Militar. Essas negociações ocorreram no campo e nas cidades brasileiras, forçando o

regime totalitário a promover, ainda que gradualmente, a abertura política e a concessão de

direitos civis e políticos aos seus opositores. Quando, por fim, os generais deixaram o Palácio

do Planalto e voltaram para os seus quartéis, os movimentos sociais já fincavam raízes

profundas no debate político brasileiro. E foi justamente nos movimentos sociais que as

comunidades que viviam das florestas (a princípios os ribeirinhos e os seringueiros) puderam

reivindicar seus direitos à terra e ao uso do seu território. Essas negociações também assentaram

raízes na nossa área de estudo.

Notamos o crescimento do socioambientalismo no Departamento de Engenharia

Florestal (DEF) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e as repercussões das novas ideais

trazidas pelas ONGs, focadas na criação de alternativas para a existência da agricultura familiar

na Zona da Mata Mineira; o CTA-ZM trouxe os agricultores e agricultores ao centro do debate,

no qual o uso da terra e o respeito à dinâmica dos solos e das florestas tornavam-se o fio

condutor.

Nesse momento, a criação do PESB já estava idealizada nas proposições dos

professores Elmar Alfenas Couto, James Dietz e Roberto Ramalho, tendo sua delimitação

190

baseada na Cota Mil. Nesse momento também, as ideias socioambientalistas se expandiam entre

os cientistas da UFV, no Departamento de Solos; as comunidades começavam a ser ouvidas e

as suas percepções ambientais e de uso da terra compassavam-se com a intervenção dos

pesquisadores497. Entre os Engenheiros Florestas, que outrora alinharam-se ao

desenvolvimentismo e difundiram o cultivo do eucalipto como solução para os problemas

econômicos e sociais da Zona da Mata, as comunidades começaram a ser entendidas como

fundamentais para a preservação das florestas.

No começo da década de 1990 iniciam-se as negociações para a criação do Parque

Estadual da Serra do Brigadeiro, autorizado por uma Lei Estadual desde 1988. As comunidades

do entorno da serra se organizam e intervêm em todo o processo, realizando debates, audiências

públicas e encontros, buscando o entendimento das consequências da criação de um parque nos

“quintais das suas casas”. O Planejamento Participativo foi o instrumento utilizado pelos

técnicos e cientistas, que realizavam os diálogos com as comunidade. Foram realizados

diagnósticos no meio rural que seria afetado pela Unidade de Conservação e as expectativas

das comunidades foram ouvidas e sistematizadas; uma negociação longa e produtiva.

Nessas negociações para implantação do PESB, as organizações sociais do entorno

da Serra do Brigadeiro saíram fortalecidas. Esse cenário conflue com as políticas do Ministério

de Desenvolvimento Agrário, na proposição de um desenvolvimento sustentável dos territórios

rurais brasileiros. A Serra do Brigadeiro é homologada entre os territórios aptos a receberem

investimento dos programas federais. O Território Rural da Serra do Brigadeiro configura-se

como um campo de força, onde os atores sociais mobilizaram suas memórias e identidades para

defender o uso do seu território histórico.

As vozes dos descendentes dos povos originários das florestas, rochas, córregos e

trilhas da Serra dos Arrepiados ecoam, reivindicando uma identidade de Povo da Mata, com

nossas crenças, nossa forma de lidar com a terra, nossas danças, nossas falas, nosso Tatu

Sagrado e nossas Árvores Encantadas.

497 O trabalho da professora Irene Cardoso é uma das muitas pesquisa realizadas em compasso com as comunidades. Ver: CARDOSO, Irene Maria. Percepção e Uso, Por Pequenos Agricultores, dos Ambientes de Uma Microbacia no Município de Ervália. Dissertação (Mestrado em Solos e Nutrientes de Plantas) – Departamento de Solos, Universidade Federal de Viçosa, viçosa, 1993. 195p.

191

FONTES E ARQUIVOS UTILIZADOS:

- REVISTAS, INFORMATIVOS E BOLETINS:

- Arquivos do Serviço Florestal do Brasil (Ministério da Agricultura). Rio de Janeiro: Jornal do

Comércio, Nov. 1939, Vol.1, Número 1 - Out. 1941, Vol.1, Número 2 - Nov. 1943, Vol.2,

Número 1 - Nov. 1946, Vol.2 - Número 2; 1947, Vol.3 - 1950, Vol.4 - 1951, Vol.5 - 1952,

Vol.6 - 1953, Vol.7 - 1954, Vol.8 - 1955, Vol.9 - 1956, Vol.10 - 1957, Vol.11 - 1957,

Vol.12.

- “Revolução Agro-pecuária no Alto Rio Doce”. In: Revista do empresário - Associação

Comercial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1952, Ano XVII, nº 719. p.33. Disponível

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207

IMAGEM B SILVA, 1973. Capa

IMAGEM C

IMAGEM A

In: SILVA, 1973

ANEXO I

ANÁLISE DA CAPA DO BOLETIM “REFLORESTAMENTO, PROGRAMA

IMPACTO PARA A ZONA DA MATA DE MINAS GERAIS” - 1972

208

ANEXO II

BRASÕES DOS MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM O TERRITÓRIO RURAL SERRA

DO BRIGADEIRO

209

ANEXO III

A TRILHA DAS DORES E A SANTA QUE FAZ CHOVER – Livreto e CD-ROOM

O audiovisual, produzido com os relatos das comunidades, acompanhará em CD-ROOM o

livreto de 36 páginas e está disponível na seguinte plataforma digital:

https://www.youtube.com/watch?v=JetCjc7vXHM&t=1831s

O Livreto:

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