Dramático saldo da catástrofe cobriu de luto a Alemanha que ...
Encenação enquanto Instalação: reflexões sobre a estrutura tectônica do arranjo espetacular...
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Encenação enquanto Instalação: reflexões sobre a
estrutura tectônica do arranjo espetacular pós-dramático1
ResumoEste trabalho discute as práticas pós-dramáticas deencenação por meio do conceito de instalação. Algunsaspectos desta noção, tais como imersão do espectador notrabalho artístico, capacitação do espectador enquantoleitor ativo e até interação do espectador com odispositivo artístico, bem como a hegemonia das qualidadesmateriais e sensoriais dos objetos sobre sua dimensãosimbólica, vem diretamente ao encontro das práticasteatrais pós-dramáticas. Nelas, percebemos o deslocamentodo eixo comunicacional dominante, do eixo intra-ficcionalpara o eixo palco-platéia. Em outras palavras, produção erecepção do trabalho artístico (teatral ou escultural) sãovistos, em primeiro lugar, como configuração de umacontecimento social. Um efeito dramatúrgico é odeslocamento do conflito dramático da seqüência temporalpara as relações espaciais. O objetivo fundamental destedeslocamento é claramente uma tentativa de reintroduzir naprática teatral e em sua recepção uma discussão sobre asrelações entre a prática teatral e a realidade social,especialmente no que concerne a construção do que chamamosde realidade, bem como uma tomada de consciência dosespectadores sobre seu posicionamento concreto nesseprocesso.Palavras Chave: Instalação – teatro pós-dramático –representação – performativo
AbstractThis work discusses aspects of postdramatic ways ofproducing theatrical performances through the concept ofinstallation. Some aspects of this installation, such as1 Texto publicado nos Anais do I Colóquio Internacional Arquitetura,Teatro e Cultura – UNIRIO: Rio de Janeiro, 2010.
immersion of the viewer into the work of art, enabling thespectator to be an active reader or even an interactiveuser, as well as the dominant role of material andsensorial qualities of the objects over their symbolicdimension meets directly with practices of postdramaticways of staging theatre. In these practices, one canperceive a shifting of the dominant communicational axisfrom the intra-fictional to the stage-theatron axis. Inother words, production and reception of the artistic work(theatrical or sculptural) are seen in the first place asthe configuration of a social happening. A dramaturgiceffect is the transformation of the dramatic conflict froma temporal sequence into a series of spatial relations. Thefundamental objective in this shift is clearly to find waysof reintroducing into the theatrical practice and itsreception a discussion on the relations between theatricalpractice and social reality, especially as regards possiblemodalities of constructing reality and ways how spectatorscan become aware of how they assume concrete positions inthis process.Keywords: Installation Art – Postdramatic Theatre –Representation - Performativity
1
Comparar o mundo a um espaço teatral para explicar a
situação existencial humana é tão antiga quando a
civilização ocidental, embora a relação entre palco e
platéia, bem como sua relação com o macrocosmo, certamente
tivesse sofrido modificações profundas. Já Platão, na sua
parábola da caverna, escolhe um arranjo cênico para
refletir sobre o modo errado do ser humano de perceber e
pensar sua relação com a razão e o Divino. O panóptico de
Bentham na leitura de Foucault, ou o pensamento nômade de
Deleuze e Guattari; podem ser vistos como propostas de
arranjos cênicos. Além disso, esses modelos sugerem que a
análise da relação entre modos de pensar e modos de
configurar espaços ajuda compreender as forças sociais que
posicionam os seres humanos em seus respectivos mundos
históricos.
A configuração do espaço teatral, abarcando palco,
platéia e até a arquitetura externa, faz parte desse
posicionamento, assim como acontece na escola, no museu ou
na galeria. No mundo das Artes Visuais, criar um espaço
artístico significante que permita e provoque diferentes
modos de se relacionar com ele, tanto mental quanto
fisicamente, é um dos objetivos estéticos e éticos da
prática da instalação. É importante frisar que os arranjos
espaciais de, por exemplo, Olafur Eliasson, Carsten Höller,
ou Atelier Van Lieshout, não apresentam simplesmente uma
ilustração ou concretização de um conceito, mas
problematizam a própria situação artística e social que
eles em primeiro lugar instalam. Ou seja, a instalação
visa, em primeira instância, colocar um ou vários objetos
numa situação para evidenciar criticamente uma relação com
seu contexto e não para criar algo que podia ser uma obra
nos sentido tradicional de algo fechado e acabado; algo que
podia incorporar em seu interior um sentido determinado.
Para esta problematização, os objetos, atividades e espaços
aparecem como simultaneamente metafóricos e metonímicos,
estéticos e pragmáticos, ficcionais e reais. A instalação
justapõe estas características e cria objetos e espaços
marcados por esta cesura semiótica. Podíamos dizer que com
essa justaposição a instalação contemporânea problematiza
as condições da sua enunciação em seu próprio enunciado. Em
outras palavras, a instalação problematiza não só seu
funcionamento interno, mas também o seu contexto,
instigando os espectadores/participantes a tomar
consciência dessas relações problemáticas para poder deixar
seu lugar fixado e brincar com as possibilidades que a
cesura semiótica oferece. No meu ver, constatar que a
instalação propõe uma relação entre objeto, espaço e
espectador, marcada por princípios como imersão, interação,
dissociação e recombinação de signos,2 me parece menos
importante do que constatar que ela faz surgir nestes
princípios uma justaposição semiótica que é a copresença do
metonímico e do metafórico, ou como podemos também dizer,
de objetos dominantemente auto-referenciais e objetos
capazes de referir-se a uma realidade fora do encontro
estético. Através dela, a instalação não propõe uma relação2 Ver Coulder-Smith (2006) e Bishop (2005).
direta e autêntica entre espectador e espaço ou objeto, mas
uma relação que aponta constantemente ao seu caráter
construído, mediado, ou como podemos dizer também, uma
relação teatralizada. A instalação realiza uma
teatralização de objetos para chegar a uma teatralização
dos olhares. Nesta teatralização instala-se tanto um vazio
semiótico como um possível excesso de significados. De
fato, a teatralização da situação, do objeto e do olhar, se
dá devido ao jogo interativo desses dois efeitos
paradoxais: por um lado, focar a materialidade dos objetos
e expô-los na sua auto-referencialidade, e por outro, focar
sua referencialidade, sua capacidade de trazer para a cena
associações de contextos sociais, de memórias coletivas e
outros contextos imaginários.
2
Exemplo 1: Em meados dos anos 90, o diretor austríaco
Josef Szeiler montou o tríptico textual Margem ao
Abandono/Medeamaterial/Paisagem com Argonautas de Heiner
Müller por ocasião do festival de teatro em Argos. A
localidade escolhida foi uma antiga fábrica de tecidos que
ainda estava em funcionamento. Durante os ensaios e a
apresentação, as máquinas ficaram paradas. Neste trabalho,
Josef Szeiler criou uma plataforma encima das máquinas,
onde os atores andavam e recitavam o texto de Müller. O
texto fala, entre outros, da viagem dos Argonautas em busca
da captura do “Velo Dourado” e da relação conflituosa não
só entre Jasão e Medea, mas também entre homens e mulheres
numa perspectiva histórica. O que relacionou o texto e a
localidade foi a dimensão da tessitura e da textura
presente em ambos, bem como a relação entre a imagem e a
realidade da máquina e a relação entre conflito bélico e a
máquina, ou seja, a máquina enquanto símbolo e arma de uma
guerra. Szeiler frisou esta temática ao fixar fios entre os
grandes cilindros das máquinas, criando uma teia entre
elas. Numa galeria, na parte superior da fábrica, foram
expostos figurinos vazios de Jasão e Medea. Os ensaios eram
abertos e, na verdade, eram parte integral da prática
teatral que se compreendia como processual, de modo que
várias trabalhadoras ficaram na fábrica após sua jornada de
trabalho para assisti-los. Nas apresentações, para frisar o
término, foram religadas as máquinas, e as operárias, na
maioria mulheres, voltaram a trabalhar. Como sabemos, o
texto de Heiner Müller não possui uma lógica temporal e não
constrói uma narrativa.No seu lugar, ele instaura uma
intertextualidade que comporta o que era antigamente o
conflito dramático. A idéia dessa montagem era relacionar e
confrontar vários signos e práticas teatrais que
possibilitassem uma recepção concreta, sensorial e também
associativa tanto do texto quanto do espaço. Desse modo, o
diretor conseguiu resignificar este espaço industrial e
abrir o texto, bastante hermético no nível formal, para uma
experiência atual. Experiência criada por meio da
configuração de relações concretas e abertas entre o
público, a materialidade da encenação e o espaço.
Exemplo 2: Em 2005, o coreógrafo William Forsythe, um
americano radicado na Alemanha, apresentou um trabalho em
Zurique que misturava elementos da dança, da performance e
da instalação num projeto intitulado Human Writes.3 Já o
título era uma brincadeira com a literalidade e ambiguidade
da língua, por juntar uma ação performativa (o ato de
escrever) com uma temática (os direitos humanos). Essa
junção constitui o fundamento do trabalho. Nesta montagem,
Forsythe colocava numa sala 4 fileiras de 12 mesas brancas.
Nos extremos da sala estavam colocadas 4 e 7 tábuas de
madeira, respectivamente. Nestas tábuas estavam afixados
trabalhos semelhantes àqueles que os bailarinos produziam
no momento da apresentação de forma colaborativa. Nesse
processo preenchiam com letras e desenhos folhas de papel
que estavam coladas nas mesas. Nas paredes laterais estavam
expostos os artigos que compõem os direitos humanos.
Enquanto os espectadores caminhavam entre as mesas, podiam
observar os bailarinos em ação. Eles desenhavam e escreviam
numa postura complicada de se executar. Por exemplo,
desenhar com os pés sentado sobre a mesa ou sentado no chão
com a mesa na posição vertical; segurar o grafite com a
boca e desenhar enquanto os colegas movimentam a mesa;
rabiscar com o grafite na boca e de barriga para cima
enquanto os colegas deslocam a mesa; ou simplesmente
desenhar com olhos vendados seguindo as instruções de um
colega, e outras formas inusitadas. Em diversas mesas, as
possibilidades de movimentar o carvão dependiam do uso de
cordas de diferentes grossura. Alguns bailarinos tinham as
mãos e as pernas atadas. Numa outra mesa, a regra de
3 Agradeço a Hans-Thies Lehmann por me ter fornecido uma gravação destetrabalho a fim de poder reconstruir a sua estrutura.
colaboração implicava em acertar o dedo de uma pessoa
encima do papel, fazendo com que essas tentativas
produzissem o desenho. No decorrer da apresentação, os
bailarinos convidam os espectadores para participarem no
processo de escrita. Perto do final da apresentação, se
formava uma fila de pessoas, na qual cada pessoa escrevia
letras ou formas nas costas da pessoa que estava colocada à
sua frente, de forma que a última, posicionada próxima a
uma mesa, as escrevia no papel.
O que estes dois exemplos têm em comum é a co-presença
de elementos cênicos performativos e representacionais; de
signos que expõem seu caráter principalmente metonímico -
como as cordas no uso cotidiano ou os desenhos dos dias
anteriores - e signos que falam mais metaforicamente, -
como as cordas grossas que remetem á situações de
enforcamento. De fato, há uma tendência em ambas as
propostas de codificarem o mesmo objeto duplamente. O
próprio ato de colaborar na escrita ou de acionar as
máquinas de tecido no final da apresentação possui esta
dupla qualidade semiótica, de ser real e referencial. No
caso do primeiro exemplo podemos mencionar os fios como
elementos que a instalação cênica usa para adquirir este
duplo sentido. Eles são uma parte real da fábrica de
tecido, mas também remetem a ideia do texto enquanto
tessitura e a ideia da máquina enquanto uma armadilha ou
instrumento de opressão. Percebemos também que se cria um
enfoque na situação estética enquanto relação dinâmica e
instável; seja essa relação a dos espectadores com o espaço
da apresentação, com as características físicas das ações
cênicas ou com a co-presença dos outros espectadores. Ambos
os trabalhos enfocam uma relação com o texto espetacular
que é tanto auditiva/sensorial quanto interpretativa/
reflexiva. E por último, um elemento central para entender
os procedimentos da instalação é o fato de que se constrói
certo conflito dramático entre as qualidades dos objetos e
os campos associativos que eles abrem. Digo dramático, pois
esta relação envolve opções opostas e provoca
enfrentamentos e escolhas no que diz respeito ao olhar do
espectador. Este conflito não se manifesta através das
relações temporais, mas sim através das relações espaciais
entre os objetos, ações e signos copresentes. O que me
parece significativo para a instalação enquanto princípio
cênico é a criação de conflitos por meio de relações
espaciais. Há uma simultaneidade de signos. Entretanto, na
relação entre eles se abrem campos de associações opostas.
E no uso deles se manifesta uma ambiguidade semiótica
devido a processos performativos e representacionais
simultâneos que revelam características de auto-
referencialidade e referencialidade.
3
O conceito da instalação provém das Artes Visuais. Ao
usar um conceito plástico, escultural e espacial, para
falar de procedimentos de montagem teatral, eu espero poder
levar em consideração um fato que constitui ou diferencia a
prática teatral desde sempre, mas que foi esquecido durante
o reinado do textocentrismo: o fato de que o teatro é – e
sempre foi – uma prática multidisciplinar que juntava o
visual, o musical e auditivo, o corporal, e o textual.
Especialmente a discussão e montagem de textos não-
dramáticos de autores como Bernard-Marie Koltés, Heiner
Müller ou Sarah Kane, entre outros, levou a crítica a
cunhar termos como mise-en-voix,4 mise-em-espace ou instalação.5
Nas estruturas teatrais não-mais dramáticas, a
autonomização dos diferentes elementos cênicos no conjunto
do texto espetacular, sua co-presença não hierarquizada,
faz com que eles adquiram qualidades crescentemente
“espaciais-corporais” (STRICKER, 2007, p.37). Essa
autonomização dos diferentes elementos cênicos possui um
caráter auto-referencial. Entretanto, vamos ver na análise
da situação da instalação, que elementos auto-referenciais
podem servir para teatralizar a situação, o objeto e o
olhar estético. Ou seja, no contexto teatral, a
autonomização pode realizar um efeito meta-teatral, como é
o caso nos dois exemplos citados. Stricker (2007, p.37)
frisa que nos textos não-dramáticos tanto escritos quanto
espetaculares, a organização sequencial do conflito ao
longo do passar do tempo – como no drama –, é substituído
por uma sobreposição espacial. Ou seja, devemos pensar o
texto espetacular de uma montagem pós-dramático como uma
estrutura tectônica.
De fato, este procedimento de transformar relações
temporais em relações espaciais se deve, em primeiro lugar,
não a um impulso de inovação dentro das práticas teatrais.4 Ver a discussão da dramaturgia contemporânea em AUTANT-MATHIEU, 1995.5 Ver STRICKER, 2007, pp. 39-53.
Ao contrário, esta transformação formal é expressão de uma
crise mais profunda: a da relação do ser humano
contemporâneo com o mundo ao seu redor e com os parâmetros
de tempo e espaço na constituição de sua própria
subjetividade. Palavras chave como: o fim do sujeito
autônomo, o fim do autor e sua substituição pelo texto, o
fim da história, o fim da noção do natural e orgânico pelo
cultural e o construído são outras testemunhas desse
processo. Ao incorporar nas suas práticas teatrais
elementos da instalação, ou torná-los até dominantes na sua
prática de montagem, o teatro realiza um processo que nas
Artes Visuais começou já com o cubismo e o dadaísmo e levou
à instalação, mas que responde a uma crise do mundo
burguês, do seu sujeito burguês e dos paradigmas
epistemológicos, antropológicos, e filosóficos que
sustentam este mundo. É claro que o teatro também possui
outras possibilidades que não sejam as da instalação para
expressar uma estética além do mundo burguês, mas o
surgimento da encenação enquanto instalação me parece ser
expressão dessa crise.
Para reagir criticamente a essa crise, procedimentos
teatrais contemporâneos criam arranjos cênicos que misturam
espacialmente o real e o ficcional. Performativamente, eles
fazem oscilar as modalidades de representar, performar, e ser
do fenômeno cênico. No que diz respeito à relação com o
espectador, esses procedimentos podem romper com a posição
fixa e estável do espectador e inseri-lo no espaço cênico
em diferentes funções simultâneas, enquanto espectador e
figurante, espectador e ator côrico, ou espectador e ator
individual. O objetivo é criar um diálogo entre
espectadores e prática teatral que não focalize o conteúdo,
mas principalmente os procedimentos e meios de
apresentação; criar uma situação teatral no qual o conteúdo
se revela a partir de um procedimento cênico que também
coloca lado a lado um uso metafórico e metonímico dos
elementos teatrais.
Atores que entram em cena com sua roupa cotidiana
(Daniel Veronese, Un hombre que se ahoga, Buenos Aires,
2004); espectadores que assumem a função de coro (Christoph
Schlingensief, Chance 2000, Berlin, 2000); não-atores que
aparecem em cena contando memórias ou realizando ações
cotidianas (Rimini Protokoll, Wallenstein, Mannheim e
Weimar, 2005 ou Mapa Teatro, Testigo de Las Ruínas, Bogotá,
2006), atores que alteram seu trabalho entre ações físicas
sem aparente significado referencial e representações
teatrais com personagem (Rodrigo Garça, Agamêmnon, Palermo,
2003), atores que saem do personagem para expressar uma
preocupação pessoal ou biográfica com a temática da peça
(os trabalhos de René Pollesch em Hamburgo e Berlin, 2003-
2010), mas também os experimentos com espaços cênicos
realizados pelo coletivo teatral gaúcho Oi nóis aqui traveiz,
todos são exemplos deste teatro que justapõe o metafórico e
o metonímico para realçar a concretude ambígua e até
contraditória da situação teatral e desestabilizar a
percepção do espectador. O grau de imersão e interação
varia, também o grau do enfoque metateatral na situação do
encontro teatral, mas sempre há uma grande proximidade
entre atores e espectadores, devido a esta desestabilização
da percepção que é resultado da interseção do real e do
ficcional e do distanciamento que se realiza das
modalidades dramáticas de representação teatral.
O que estes trabalhos têm em comum, a pesar de muitas
diferenças estéticas e ideológicas, é o fato de que o
enunciado é problematizado por meio da copresença de
diversas modalidades de enunciação. E esta copresença é
estabelecida, colocada em cena, através de uma
justaposição: de atos e objetos metafóricos e metonímicos,
representacionais e performativos. O jogo explícito com
esta copresença de diversas modalidades de apresentação ou
de enunciação (bem como o fato de que o conteúdo temático
dos objetos pode criar associações conflitantes) permite
desestabilizar a percepção habitual do espectador. O
conflito dramático talvez continue existir, mas é
sobreposto por um conflito entre essas modalidades de
apresentação, tanto mais quanto mais elementos de
instalação a montagem incorpora.
Cabe ao espectador criar as relações entre eles,
encontrar sua resposta pessoal a esta situação concreta de
incongruências. Estamos perante um trabalho cênico que em
termos de tempo e espaço trabalha com princípios de
montagem e colagem. Nos dois exemplos descritos
anteriormente, o princípio da colagem transgride o espaço
ficcional e engloba o espaço teatral como um todo, ou seja,
inclusive o eixo cena-theatron. De fato, a justaposição de
elementos representacionais e performativos leva a colagem
cênica em sua tendência a romper a unidade do espaço
ficcional. Por exemplo, em termos de atuação, são
apresentados corpos em cena que possuem a qualidade de
oscilar descontinuamente entre a pura corporeidade, a sua
potência performativa e a capacidade de incorporar um
personagem. Essa justaposição de qualidades e elementos
incongruentes instala, portanto, um jogo de atenção que faz
com que o espectador perambule mentalmente neste universo
tanto real quanto semiótico, se este não o faz movimentar-
se fisicamente nele. Este tipo de montagem produz um espaço
cênico híbrido e fragmentado sem estética ilusionista que
busca teatralizar o olhar do espectador, colocá-lo em
movimento e torná-lo consciente de seu movimento.
Justaposição de elementos estruturais concretos, mas
semioticamente incongruentes; justaposição de modalidades
de apresentação; inserção do espaço ficcional dentro de um
espaço real; desestabilização do olhar fixo e habitual para
provocar uma reação subjetiva são procedimentos e efeitos
que encontramos tanto no teatro contemporâneo quanto na
prática da instalação no campo das Artes Visuais. Nesse
contexto, se falamos na entrada de estruturas performativas
na prática teatral há muito tempo, percebemos agora a
presença de uma lógica de instalação na prática teatral.
Mas essa proximidade das artes no momento atual também se
revela se olhamos para o fenômeno do ponto de vista das
Artes Visuais. De fato, existia desde os primórdios da
performatividade e da instalação nas Artes Visuais algo
como a teatralidade desses procedimentos e uma
teatralização dos olhares provocados por eles.
4
Se na instalação a relação com o real é marcada pelos
princípios conflitantes de imersão e interação, a relação
com o semiótico que ela estabelece revela o duplo
procedimento da dissociação e da recombinação de
significados e significantes.6 Conhecemos esse fenômeno de
práticas de diretores como Bob Wilson, Tadeusz Kantor ou
Achim Freyer.7 Buscar suporte no conceito e nas
características da instalação, e não da performance (que em
determinados contextos trabalho com uma interação
semelhante entre o real e o ficcional) para entender as
práticas teatrais pós-dramáticas da contemporaneidade me
parece promissor tanto mais porque a instalação não só
coloca um objeto (ou vários) no espaço, mas – como espero
poder mostrar no que segue – também tece uma teatralidade a
partir desta situação. De fato, acredito que performances
como aquela antológica no Black Mountain College em 1957
apresentam uma conjugação de qualidades performativas e
representacionais em um texto espetacular, ou seja, uma
rede de relações significativas internas, cheio de lacunas
6 Ver os livros de Coulter-Smith (2006) e Bishop (2005).7 De uma perspectiva contemporânea, me parece necessário complementarque a importância da materialidade dos elementos cênicos aumentoumuito, enfatizando o nível do ser nas modalidades da apresentação eproblematizando, assim, o status da realidade dentro e fora do espaçoteatral.
e incongruências, que vejo como prática típica da
instalação.8
Tanto a enunciação teatral quanto a instalação não
podem representar uma verdade abstrata ou universal. Sua
verdade é concreta e local, pois existe somente no momento
de ser percebido por um espectador. Ela se encontra no
nível da experiência, e não do logos. O teatro
contemporâneo assume essa característica, quando focaliza o
fazer teatral enquanto configuração de uma situação de
encontro, enquanto instalação de objetos e signos
metafóricos e metonímicos que criam processos comunicativos
contraditórios no eixo entre palco-plateia.9 Assim, o
teatro pós-dramático problematiza e desconstrói a verdade
abstrata pelo arranjo cênico concreto que se estabelece
como montagem. Este exige um espectador que não busca a
verdade do arranjo através da lógica das informações
(através de questões como: O que quer dizer isso?), mas
busca vivenciar um diálogo com este arranjo (Que tipo de
relações este propõe? Quais são os modos diferentes de
afetação?), construindo assim uma percepção problemática,
sempre histórica e local, mais ética do que lógica,
enquanto traço de um encontro entre espectador e objeto
estético, enquanto evento e não como texto.
8 Para uma análise deste evento como fundador de uma estéticaperformativa e uma mimese da produção, ver Fischer-Lichte, 2004.9 Em outras ocasiões, eu chamei este eixo comunicativo de extra-ficcional, o que criou certos malentendidos, pois não se trata dacomunicação entre membros da platéia, senão de um vetor em direção aotheatron, motivo pelo qual Hans-Thies Lehmann fala do eixo theatron. O usoda palavra grega também deve ressaltar a semelhança entre as práticasnão-mais dramáticas e as práticas teatrais gregas da antiguidade.
A dialética entre imersão e interação, bem como os
procedimentos semióticos de dissociação e recombinação,
provém do legado das vanguardas do início do século XX. Sua
justificativa ética e estética reside nas tentativas de
definir as relações entre arte e vida de modo tanto crítico
quanto dinâmico, se comparadas com as relações que a
burguesia estabeleceu ao longo da constituição de sua
hegemonia. Este impulso de investigar e reconfigurar a
relação arte-vida inspirou posteriormente a arte da
instalação e também as práticas de um teatro não-dramático.
No contexto da atividade teatral, as tentativas de abrir o
espaço ficcional do palco para a presença do real, seja
esse último apresentado como um signo metonímico da
realidade empírica ou como intensidade física da presença
do ator-performer, levam ao deslocamento do agon teatral do
eixo temporal e intra-ficcional (ou seja, do conflito
dramático) para um eixo espacial e direcionado ao espaço da
platéia (ou seja, para um conflito entre as modalidades da
apresentação). É claro que estes dois eixos constituem a
dupla articulação comunicativa do discurso teatral, mas o
que é característico para esta relação no teatro
contemporâneo é um tipo de oscilação entre estes eixos no
mesmo espetáculo. Esta oscilação não pretende mais cobrir o
abismo entre o ficcional e o real, arte e vida, mas
relacionar ambos de modo problemático e estimulante. Existe
uma consciência mais clara das possibilidades estéticas e
éticas que este deslocamento permite, quando se faz a
lógica representacional do espetáculo oscilar entre as
possibilidades metafóricas e metonímicas. Este conflito
entre modalidades de apresentação não recalca ou substitui
o conflito dramático, mas o incorpora e desdobra
criticamente. Nesse sentido dialético, podemos falar de
fato de um teatro pós-dramático.10
A justaposição do real e do ficcional e a oscilação do
centro agonal entre o ficcional (ou a ilusão de
referencialidade) e o funcionamento performativo (ou as
modalidades de apresentação), estes dois fenômenos se
implicam mutuamente, como um breve olhar para a história da
instalação pode explicar. Acredito que se pode iniciar tal
história com uma crítica ao espaço de exposição enquanto
cubo branco, como o chamou Brian O’Doherty (2007). Um
espaço no qual tudo é organizado de tal forma a purificar
os objetos expostos de qualquer referência ao mundo
externo. A crítica ao cubo branco ou tentou mostrar que
tudo pode ser arte dentro deste espaço, ou tentou
evidenciar como a suposta passividade, auto-suficiência ou
‘literalidade’ das obras expostas, é uma ilusão a partir do
momento em que eles almejam uma eficácia estética. Refiro-
me à crítica de Marcel Duchamp através de seus ready-made e
às (auto-)críticas de artistas da Minimal Art, como Robert
Morris, por exemplo na sua obra dos três blocos em forma de
L.11 Em ambos os movimentos artísticos, a separação entre
arte/não-arte bem como entre o real e o ficcional (ou entre10 Na medida em que este conflito não exclui a modalidaderepresentacional do drama burguês, podemos falar em pós-dramático.Somente neste perspectiva, o conceito do pós-dramático faz sentido eexplicita corretamente um posicionamento histórico deste fazerteatral. 11 Ver Didi-Huberman, 1998, pp.65-68.
o físico e o conceitual) é posto em cheque.12 Duchamp, ao
colocar objetos de uso cotidiano dentro do espaço da
galeria, não só dilui as fronteiras entre objetos
artísticos e não-artísticos, mas hibridiza o espaço da
galeria na justaposição de duas lógicas distintas dentro
deste espaço. Morris, por sua vez, mostra que não pode
haver experiência estética sem uma percepção de diferenças
no olhar do espectador, ou seja, sem uma relação
intersubjetiva e dialógica entre espectador e obra. O que
importa no caso de Morris é o fato de que este diálogo não
se dá a partir das qualidades figurativas, mas das
qualidades estruturais e relacionais (espaço, tempo,
materialidade, etc.) no contexto da apresentação. Ou seja,
o impacto da obra não segue uma mimese representacional,
mas uma mimese de produção.
Em ambos os casos, percebemos uma contextualização da
situação expositiva, do espaço artístico e do seu objeto, e
a criação de uma possibilidade de olhares conflitantes, de
experiências diferenciais.13 De fato, então, há uma
teatralização do discurso estético no que diz respeito à
situação estética, ao objeto estético e à percepção do
espectador. Há também uma dramatização no sentido cotidiano12 Talvez haja uma terceira tentativa, mais radical do que astentativas de Duchamp e daquelas da arte conceitual de diluir asfronteira entre arte/não-arte. A proposta de grupos como GrupoProdutivista, do qual Aleksandr Rodchenko, era integrante. Rodchenkoparou de pintar, para dedicar-se ao artesanato e à arte gráfica, natentativa de incorporar os impulsos artísticos na vida diária. Noâmbito teatral, podemos detectar na peça didática de Brecht e emalgumas propostas do Teatro Educação intenções semelhantes.13 A discussão de Didi-Huberman deste fato se refere diretamente aoartigo “Art and Objecthood” de Michael Fried que ataca a arte modernada sua época por ser teatral demais.
da palavra, na medida em que as relações internas e
externas dos objetos expostos produzem conflitos na
percepção e na experiência do receptor. O interessante é
que não se precisa para esta teatralização do conflito uma
narrativa ou uma seqüência temporal no artefato exposto. A
instalação enquanto arranjo cênico transforma qualidades
temporais em qualidades espaciais, ou seja, dentro do
espaço cênico da galeria, ela efetua uma alegorização do
espaço. Esta alegorização é teatral, ela é até agonal, mas
não segue a lógica do drama. Em outras palavras, as tensões
e conflitos montados através de procedimentos da instalação
permitem entender como “o dramático” enquanto momento de
crise pode continuar existir dentro da prática teatral pós-
dramática: enquanto conflito entre as modalidades de
apresentação e, consequentemente, enquanto crise do nosso
olhar, do olhar do espectador. Instala-se uma crise
epistemológica e emocional entre, nós, espectadores e os
acontecimentos teatrais. Pois assim tomamos
consciência,internalizamos o caráter construído do nosso
olhar e somos obrigados a nos perguntar acerca dos motivos
emocionais e das dimensões éticas dessa construção.
6
Até agora, eu falei do fato que a instalação, ao
colocar elementos metonímicas dentro de uma cena
metafórica, cria uma estrutura alegórica que permite
expressar crises e conflitos de caráter social e ético, sem
recorrer à estrutura do drama. Mas ao lado da interação
entre o real e o ficcional que enfoca o situacional e sua
instabilidade e dinâmica, a não-hierarquia na instalação
entre a corporeidade autoreferencial e seus aspectos
indicativos e referenciais do material usado, fazem com que
a cena da instalação oscila entre este diálogo (mais ou
menos crítico) com o mundo social e histórico, e outro
diálogo que é com a eternidade ou a mortalidade da criação.
Entramos aqui naquilo que é chamado a tendência ao
hermetismo ou ao enigmático na instalação.
Diferente da arte figurativa, a instalação
frequentemente usa objetos geométricos ou abstratos;
objetos que formam signos que se não referem através de uma
ilusão de verossimilhança à realidade externa para instalar
o diálogo com o espectador, mas que se referem ao seu
próprio funcionamento interno. Nessa lógica de uma mimese
de produção (e não de representação), a instalação
configura uma tensão entre a literalidade e a dialogicidade
do signo, entre a auto-suficiência física do objeto real e
seu potencial referencial dentro de uma construção
ficcional, ou também entre a existência física do corpo
humano e a existência social dele enquanto significante. .
Entretanto, a auto-suficiência física do significante é
alcançada somente na tautologia, no puro estar-aí, num
simples fazer que provém de um espaço certamente além da
intenção do indivíduo, que ultrapassa a comunidade humana.
Ou seja, o horizonte do performativo, ao dissociar o signo
de qualquer ilusão de referente, radicalmente relativiza o
enquadramento social e remete o olhar do indivíduo humano à
eternidade, à sua própria mortalidade biológica14 Como
afirma Didi-Huberman (1998), é este vazio da eternidade que
nos olha detrás daquilo que vemos. A situação estética
torna perceptível este vazio, e com isso evidencia uma
fragilidade radical na existência humana. Embora a
performatividade auto-referencial do objeto na instalação
possa aparecer como formalismo, ela se relaciona
essencialmente com essa tentativa de expor e relativizar
radicalmente os nossos parâmetros antropocêntricos; como
tentativa de evidenciar criticamente a função de contextos
históricos e sociais, ou seja, contextos políticos na
construção de significados e daquilo que nós seres humanos
chamamos de sentido. Esta função crítica só aparece quando
estes contextos são negados, quando o objeto se apresenta
como pura materialidade do “significante sem significado”,
pois não se trata mais de defender uma posição ideológica
contra outra, ou mostrar como ideologias se entrelaçam.
Desta forma, os discursos políticos podem emergir como
estratégias para usar o medo humano em relação a esta
fragilidade existencial. Eles, os discursos, se tornam
perceptíveis como ofertas de uma ideologia e uma ideia de
comunidade que serve de garantia contra o impacto
assustador dessa fragilidade. Infelizmente, este impulso
14 Enquanto dimensão dialógica e referencial surge quaseautomaticamente, por um lado, a solidão e até o medo do ser humanoperante a eternidade, e por outro lado, a imersão (resignada oudionisíaca, talvez com qualidades trágicas) no eterno ciclo danatureza. Seja visto como algo horroroso ou extático, a pura presençafísica condena o mundo social humano a uma fragilidade radical. Traçosdessa estética (e filosofia) encontramos no teatro de Bob Wilson,Tadeusz Kantor, ou da Societas Raffaelo Sanzio.
ideológico é necessariamente excludente. Portanto, o
impulso autoreferencial na instalação pode radicalmente
questionar a validade desse discurso político e discutir o
seu poder de manipulação. De fato, os trabalhos mais fortes
neste sentido são aqueles que conseguem cruzar uma presença
da materialidade da cena com uma exposição crítica da
construção e do funcionamento dos discursos sociais.
Novamente, esta discussão não depende ou se desdobra
através de uma construção temporal. Ela não se situa no
eixo comunicativo intra-ficcional, mas no eixo entre
materialidade cênica e os processos perceptuais e
reflexivos do público, ou seja, no eixo palco-plateia.
Na cena, esta tensão é perceptível principalmente
através das diversas modalidades de presença do corpo
humano. Ele sempre aparece na dupla perspectiva de ser
materialidade e significante, e os trabalhos pós-dramáticos
buscam aproveitar esta ambiguidade, criar uma lacuna entre
ambas as dimensões e justapô-las.15 A criação desta lacuna
transforma a presença corporal orgânica do ser humano em
uma presença montada, ou seja, carregada de uma
teatralidade que revela seus modos de construção. A cisão
permite à imaginação do espectador experimentar um vazio
nessa teatralidade, experimentar uma relação com o corpo em
15 Penso, pór exemplo, da perspectiva do teatro, no trabalho do diretorChetouane ou da companhia Societas Raffaelle Sanzio. Não por acaso,este tipo de trabalho rompe com a fronteira entre dança e teatro. Otrabalho de Pina Bausch obviamente pode ser visto também nessaperspectiva, ou também um trabalho como Braindance de Gilles Jobin, noqual a manipulação dos corpos dos bailarinos torna presente aconstante interação do poder político sobre o corpo humano, o uso docorpo humano (inclusive do morto) enquanto fonte de imagens de beleza,etc..
cena além da validade de discursos sociais e da figuração
psicológica. A criação desta lacuna faz com que o corpo
humano na prática pós-dramática, por um lado, se assemelhe
ao corpo auto-referencial de um objeto numa instalação.
Concomitantemente, a cisão instiga o espectador
resignificar o corpo em cena, mas nesta re-associação está
registrada a lembrança dessa primeira dissociação. Dessa
forma, qualquer recombinação de signos para um discurso
social, mesmo que seja um discurso igualitário ou
libertador, mantém um aspecto problemático. Pois na
dissociação que se efetua entre o corpo e os discursos
sociais feitos sobre este corpo percebemos nós, os
espectadores, um convite para realizar outra forma de
solidariedade humana que não se baseia nos processos
excludentes da ideologia e das ideias de comunidades, senão
na compaixão com o ser humano enquanto uma criatura
copresente no espaço e tempo que sempre compartilhamos: o
tempo da nossa mortalidade e o espaço de nosso
desaparecimento.
7
Tento com essa reflexão, certamente mais indutiva do
que dedutiva, mostrar como a realização formal de propostas
de instalação no campo teatral corresponde com a
justaposição tática de imagens performativas e
representacionais. Essas imagens dialogam com as temáticas
centrais da montagem, a fim de realizar a espacialização do
conflito, de deslocar o conflito do mitos para a opsis. Este
deslocamento cria um espaço teatral e um discurso teatral
cindido pelas tensões existentes entre as diferentes
modalidades de apresentação. Como a instalação implica
também a qualidade do real, a materialidade do significante
e a presença material do objeto e do corpo constroem essa
tensão, permitindo instalar o fazer teatral numa zona de
conflito entre o ficcional e o real. A encenação enquanto
instalação dessas modalidades permite discutir tanto as
relações internas do ficcional, como no teatro dramático,
quanto complementar essa discussão com uma investigação
acerca do status das imagens e ações teatrais frente à
realidade empírica. Diferente das propostas de simplesmente
evidenciar a teatralidade do espetáculo, os princípios da
instalação permitem confrontar a linguagem da prática
teatral com as forças sociais e existenciais que a final
configuram o lugar dessa linguagem.
Por trabalhar com o representacional e o performativo,
a instalação não representa um conflito simplesmente, como
tampouco o simula num jogo teatral, mas o expõe numa
relação espacial e alegórica entre o ficcional e o real, o
representativo e o performativo. Esta pode ser tanto
específica quanto instável e mediada pelas qualidades
teatrais da instalação.
Expor a cisão entre representar (o ficcional) e ser (o
real), mediado dialeticamente pela teatralidade da situação
expositiva e da consequente performatividade dos objetos,
está no cerne da lógica da instalação. Representar, mostrar ou
expor a atividade representacional, e ser são atividades
também constitutivas para a prática teatral. O que a idéia
da instalação para mim permite é 1. refletir sobre a lógica
da estética teatral pós-dramática, e 2. perceber que o
dramático enquanto um lugar de conflitos e contradições
(entre o individuo e a sociedade ou contradições internas à
sociedade) não desaparece no teatro pós-dramático, mas
simplesmente muda as suas características de uma categoria
temporal para uma categoria espacial.
Somente a partir do momento em que a relação arte/não-
arte no teatro não aconteça mais segundo as linhas da
ilusão referencial e verossímil ou da transformação
performativa de arte em vida, é que poderá surgir um teatro
mais instável em suas modalidades de apresentação; um
teatro que se desloca na sua lógica interna saltando
constantemente de uma camada de apresentação para a outra,
fazendo com que a atenção do espectador deslize junto com
estes deslocamentos. Na importância dos conflitos entre
estas três modalidades de apresentação se manifesta a
dominância do eixo comunicativo entre palco e platéia que é
um dos paradigmas constitutivos para o teatro não-
dramático.16 Seu intuito é problematizar as modalidades da
percepção. Concomitantemente, trabalhar com diferentes
modalidades de apresentação permite deslocar o foco da
critica: do conteúdo para os meios de sua produção como
16 O tema norteador do livro de Lehmann e de seus ensaios posteriores éo enfoque no teatro enquanto situação. Nem sempre Lehmann frisaexplicitamente que este enfoque implica num deslocamento dacomunicação teatral do eixo intra-ficcional para o eixo cena-theatron.Mas, não obstante, ele constitui o cerne da prática de fazer um teatropós-dramático, junto com a intrusão do real no ficcional que faz comque o foco não está mais numa exposição da teatralidade do espetáculo,mas numa indagação da relação entre diversas modalidades de construira realidade.
também do texto espetacular para o arranjo cênico e para o
evento teatral. Com esse enfoque estamos de volta à caverna
de Platão, mas desta vez com a proposta de fazer o público
perambular no espaço mental e físico, de olhar um para o
outro, e de perceber na interação entre fogo, objetos e
imagens tanto as qualidades desses elementos quanto o
status de sua interação, afirmando assim a potência crítica
e a relevância estética do teatro na sociedade
contemporânea.17 Neste sentindo, só nos fica a questão:
para onde foi a abertura da caverna? Será que na interação
entre o representacional e o performativo, na interação
entre o vazio atrás dos objetos e sua comunicação com nós
humanos, acontece algo a mais que a exposição das nossas
ilusões?
Referencias
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COULTER-SMITH, Graham. Deconstructing Installation Art. Casiad Publishing,2006. Livro Online disponível em www.installationart.net,acesso em 24/07/2010.
BISHOP, Claire. Installation art: a critical history. Tate: London, 2005.17 Para Guénoun, aliás, assumir e evidenciar a realidade darepresentação, de fato, é característico de um teatro que exerce umafunção cívica e política: “Nas épocas fortes do teatro [...] aassembleia dos espectadores é visível. Portanto: iluminada. […] Só emdeterminados períodos e em contexto definidos os espectadores sãomergulhados na obscuridade. O efeito – político – está determinado: aplateia se esquece em proveito do palco, como se pode esquecer opróprio corpo durante um sonho.” (Guenoun, 2003, p. 30) Num teatro queenfoca a situação enquanto centro de seus arranjos cênicos,dificilmente o espectador esquecerá de seu corpo e de si mesmo.
FISCHER-LICHTE, Erika. Ästhetik des Performativen. Frankfurt/Main:Suhrkamp, 2004.
GUÉNOUN, Denis. A exibição das palavras. Uma ideia (política) doteatro. Rio de Janeiro: Teatro do Pequeno Gesto, 2003.
DIDI-HUBERMAN, Georges. [1992] O que vemos, o que nos olha. Trad. PauloNeves. SP: Editora 34, 1998.
Lehmann, Hans-Thies. Teatro Pós-dramático. São Paulo:Cosac&Naify, 2007.
O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco. A Ideologia do Espaço daArte. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
STRICKER Achim. Text-Raum. Strategien nicht-dramatischerTheatertexte. Heidelberg: Winter, 2007.