Cotidiano Escolar e Práticas Pedagógicas

240
COTIDIANO ESCOLAR E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Transcript of Cotidiano Escolar e Práticas Pedagógicas

COTIDIANO ESCOLAR E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Alessandro Frederico da Silveira | Eliane de Moura SilvaLuciano Barbosa Justino | Paula Almeida de Castro

Valmir Pereira(Organizadores)

COTIDIANO ESCOLAR E PRÁTICAS PEDAGÓGICASColetânea Fundamentos da Educação, práticas

pedagógicas interdisciplinares

Volume 1

Campina Grande/PB2015

Universidade Estadual da Paraíba

Prof. Antônio Guedes Rangel Júnior | ReitorProf. José Ethan de Lucena Barbosa | Vice-Reitor

Editora da Universidade Estadual da ParaíbaAntonio Roberto Faustino da Costa | Diretor

Conselho Editorial

PresidenteAntonio Roberto Faustino da Costa

Conselho CientíficoAlberto Soares MeloCidoval Morais de SousaHermes Magalhães TavaresJosé Esteban CastroJosé Etham de Lucena BarbosaJosé Tavares de SousaMarcionila FernandesOlival Freire JrRoberto Mauro Cortez Motta

Editores AssistentesArão de Azevedo Souza

Editora filiada a ABEU

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

Aos Profissionais da Educação do Estado da Paraíba

Ao longo dos quatro últimos anos, implantamos diversos projetos estruturantes no âmbito da educação da rede esta-dual de ensino, por entender que, fazer educação é cuidar de pessoas, é promover oportunidades de crescimento, é ofere-cer materiais e insumos de sustentação ao processo ensino e aprendizagem, é dar melhores condições de trabalho e de infraestrutura. É mobilizar esforços e responsabilidades em prol de um projeto educativo mais vigoroso e eficaz.

Tendo como marco as duas edições de Curso de Formação Continuada, a primeira iniciada em 2011, tota-lizando uma carga horária de 180 horas, nas modalidades presenciais e semipresenciais e a segunda, iniciada em 2012, totalizando 360 horas, digo que ambas se uniram no mesmo propósito, aquela como sedimentação desta, uma com cará-ter de curso de aperfeiçoamento para todos os profissionais, a outra como garantia de avanço na carreira profissional, de pós-graduação, para graduados e efetivos. Ambas foram

Copyright © EDUEPB

A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

A EDUEPB segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil, desde 2009.

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

Antonio Roberto Faustino da Costa | DiretorArão de Azevêdo Souza | Editor Assistente de projetos visuais

Design GráficoErick Ferreira CabralJefferson Ricardo Lima Araujo Nunes Lediana CostaLeonardo Ramos Araujo

Comercialização e DistribuçãoVilani Sulpino da Silva Danielle Correia Gomes

DivulgaçãoZoraide Barbosa de Oliveira Pereira

Revisão LinguísticaElizete Amaral de Medeiros

Normalização TécnicaJane Pompilo dos Santos

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

conquistas merecidas para uma política pública de melhoria de carreira e de valorização do magistério.

Como presidente do Fórum Estadual Permanente de Apoio à Formação Docente, queremos dizer da importância deste para a reflexão, proposição e avaliação da trajetória rea-lizada, juntamente com representantes das diversas instâncias formadoras, incluindo as universidades.

É, pois, com justa alegria, que dedicamos este livro à divulgação dos relatos de trabalhos relevantes para o pen-sar, o sentir e o fazer pedagógicos, como também, de práticas educativas bem sucedidas, construídos e/ou sis-tematizados durante o Curso de pós-graduação lato sensu – Especialização em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares, desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação (SEE) em parceria com a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), nos muni-cípios sedes das Gerências Regionais de Educação, articu-lando diferentes temáticas nos diversos contextos sociais, econômicos e culturais e finalizando em 2014. Esperamos que essas ações, aliadas a outras que virão, sejam motivos para a tomada de decisão e posicionamento frente aos desti-nos da educação, que está em nossas mãos e que precisa ser assumida, cada vez mais na direção da qualidade, a serviço da cidadania e da justiça social.

Márcia de Figueiredo Lucena Lira(Secretária de Estado da Educação)

SUMÁRIO

ApresentaçãoOs cotidianos da Escola Paraibana Contemporânea

1 | PRÁTICA PEDAGÓGICA E COTIDIANO

A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO EM BIOLOGIAMichelly de Carvalho Ferreira | Vagda G. G. Rocha

O LABORATÓRIO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE QUÍMICA: a experiência em sala de aulaManoel Felix de Santana Neto | Morgana Lígia de Farias Freire

O USO DO CELULAR NA ESCOLA: um relato de experiência sob o foco de seus problemas e suas potencialidadesGeane Araújo da Silva | Alessandro Frederico da Silveira

SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: da História à prática docenteGustavo Tenório Amorim | Márcio Moreira Brasil Geraldo Eduardo Guedes de Brito | Ricardo Olímpio de Moura

11

23

51

79

101

PERCEPÇÕES SOBRE A ABORDAGEM DE GÊNERO NO ENSINO MÉDIO INOVADOR: Um estudo exploratório da Escola Estadual Profª Liliosa de Paiva LeiteJosemar Medeiros da Silva | Verônica Pessoa Silva

2 | ENSINO/APRENDIZAGEM E AS DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS DA ESCOLA PARAIBANA

REVISITANDO O FRACASSO ESCOLAR: das teorias às práticasSilvio César Lopes da Silva | Paula Almeida de CastroEliane de Moura Silva

DO FAZER CONCRETO AO PENSAMENTO ABSTRATO: a influência do material didático manipulável na construção do conhecimento matemáticoMarcos Fabiano O. Mangueira | Soraya Maria B. de Almeida Brandão

AVALIAÇÃO E PROGRESSÃO CONTINUADA: implicações ao processo de ensino e aprendizagemAna Cláudia da Silva Sobral | Francisca Pereira Salvino

INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS: a ludicidade e o uso das novas tecnologias como ferramentas do processo de ensino-aprendizagemAlena Sousa de Melo | Jailson Monteiro Moreira Francisco Jaime Bezerra Mendonça Junior

131

163

275

301

331

363

399

191

217

245

3 | INTERDISCIPLINARIDADE E INTERCULTURALIDADE COMO ÉTICAS DO DIÁLOGO

A INTERDISCIPLINARIDADE COMO MÉTODO DE APROXIMAÇÃO PEDAGÓGICA ENTRE O SABER MATEMÁTICO E O SABER GEOGRÁFICOCelso Gomes Ferreira Neto | Filomena Maria G. S. Cordeiro Moita

INTERCULTURALIDADE E INTEGRAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLARMaria Aparecida N. de Almeida | Luana Francisleyde P. de Farias

PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES: leitura e escrita na educação de jovens e adultos (EJA)Nelsilene dos Santos Silva | Antônio de Brito Freire

4 | LETRAS, ARTES E EDUCAÇÃO FÍSICA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA CONTEMPORÂNEA

LEITURA E ESCRITA: o lugar do texto literário em sala de aulaMaria Lourdes Andrade Silva | Maria Fernandes de A. Praxedes

POR UM ENSINO SIGNIFICATIVO EM LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DOS GÊNEROS TEXTUAISEneida Dornellas de Carvalho | Rosineide da Silva Ferreira

11

APRESENTAÇÃO

Os cotidianos da Escola Paraibana Contemporânea

Em face da proliferação de estudos sobre o cotidiano naquele momento, 1992, Marli André sinalizou para a necessidade de informar qual categoria enquadrava a descri-ção de cotidiano escolar. Muitos estudos se diziam retratar a realidade escolar fazendo alusão ao cotidiano das escolas e salas de aula ao descreverem as interações que ocorriam em seu interior. Em face da pluralidade de enfoques possíveis sobre um cotidiano tão rico e tão cheio de nuances, carên-cias e utopias tantas, necessitou-se, então, de um melhor detalhamento do que seria o cotidiano escolar. Do que tra-tavam os estudos que afirmavam estudar o cotidiano escolar? Para contribuir com a construção teórica dessa categoria, a mesma autora levantou algumas questões que podem servir de suporte para as discussões propostas para este volume,

O ENSINO DE ARTES EM ARARUNA-PB: o que pensa quem faz?Edna Lúcia Bezerra Guedes | Alessandra Gomes Brandão

O ENFOQUE DA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA TECENDOSABERES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICAMárcia Teresa dos Santos, | Edivan Gonçalves da Silva Júnior Maria do Carmo Eulálio

SOBRE OS ORGANIZADORES

423

447

475

12 13

quais sejam, “O que caracteriza a vida escolar cotidiana? Que elementos são específicos da instituição escolar, isto é, só aparecem na escola? Como esses elementos específicos se articulam – ou não – com outras esferas da vida cotidiana?” (ANDRÉ, 1992, p.32).

Um aspecto importante a ser considerado são os proces-sos culturais e identitários que se engendram no interior das escolas e salas de aula. Processos estes que são trazidos pelas marcas dos sujeitos escolares, sejam eles alunos ou profes-sores, secretários, supervisores, psicólogos e outros agentes, pelas interações cotidianas entre eles que permutam suas experiências entre a realidade vivenciada fora da escola e a escola como espaço de saber disciplinar e científico. Assim, em grande medida, muitos dos impasses e das possibilidades da escola contemporânea dizem respeito a esta tensa e cria-tiva articulação entre a escola como “sistema” e as práticas da vida que a atravessam.

O cotidiano é a um só tempo a premissa e o resultado dos múltiplos processos que caracterizam a vida escolar. O ir e vir de sujeitos escolares molda e emoldura um sem--número de relações que são estabelecidas para configurar o cotidiano escolar que se fundamenta no compartilhamento de interações e ações que circulam o dentro e o fora dos meios escolares.

Entretanto, é preciso bons métodos para avaliar de que forma são estabelecidas essas interações que medeiam os processos de ensino e aprendizagem e que ao mesmo tempo fazem do ambiente escolar um micro cosmos da sociedade como um todo e de seus processos de constituição de sentido,

na medida em que tais interações tendem a um ininterrupto diálogo entre formas e modos de vida, memórias e tradições individuais e coletivas, ainda vivas, configurando a rede do cotidiano escolar.

Sob este aspecto, o currículo assume o seu papel ao esta-belecer normas de funcionamento acadêmico, que por sua vez vão implicar em novas formatações para o cotidiano da escola tão rico e representativo do mundo e da vida quanto possível.

Com base nestes delineamentos, pode-se propor o que seja próprio do cotidiano escolar, que é justamente a sobre-posição de interações mediadas por processos formativos que envolvem sujeitos, currículos e estruturas. Assim, o coti-diano é a fonte e o resultado de papéis sociais desempenha-dos nos meios escolares.

É possível perceber o quanto de nossas formas de pen-samento foram sendo moldadas por meio de diferentes pro-cessos a que estamos inseridos enquanto sujeitos integrantes de um determinado espaço escolar.

Neste sentido, quaisquer que sejam as modificações pelas quais os processos sociais se inserem na escola, sob a forma do ensino e da aprendizagem, esta deve ser em potencial um lugar de autoavaliação e reformulação singular destes processos. Isto ocorre porque os sujeitos possuem identi-dades múltiplas que lhes permitem manter a circularidade das interações cotidianas e devem encontrar na escola, por hipótese, um lugar de grande relevância para fazer dialogar e negociar esta mesma multiplicidade.

14 15

Como o cotidiano está em constante movimento, cabe esclarecer quais são seus caminhos possíveis para se compre-ender as articulações que esses promovem com as aprendi-zagens no interior, em volta e fora da escola.

O livro que o leitor tem em mãos, contempla arti-gos, resultantes dos trabalhos monográficos, que se ali-nham à temática desse primeiro volume da Coletânea Fundamentos da Educação, práticas pedagógicas interdisciplinares, intitulado Cotidiano escolar e práticas peda-gógicas. Os artigos resultam das pesquisas empreendidas pelos grupos que tiveram o cotidiano escolar como seu foco de interesse, cujo núcleo estruturante foi sempre a interlocução e a escrita conjunta entre docentes da Rede Estadual de Ensino e docentes da Universidade Estadual da Paraíba. São todos trabalhos em coautoria, de modo a apontar as ações integradas que foram o princípio norteador da proposta.

Esta obra agrupa quatro eixos temáticos: 1. Prática pedagógica e cotidiano; 2. Ensino/aprendiza-gem e as demandas contemporâneas da escola; 3. Interdisciplinaridade e interculturalidade como éti-cas do diálogo; e 4. Letras, artes e educação física na prática pedagógica contemporânea.

Na primeira seção de artigos estão reunidas as experiên-cias que buscam dar conta das relações institucionais da escola como sistema de produção de conhecimento e o cotidiano dos sujeitos escolares com suas demandas e especificidades.

A prática pedagógica no ensino em biologia de Michelly de Carvalho Ferreira e Vagda G. G. Rocha e O laboratório investigativo no ensino de química: a experiência em sala

de aula, de Manoel Felix de Santana Neto e Morgana Lígia de Farias Freire, objetivam “inserir-se no rol de atividades de cunho investigativo, planejadas privilegiando momentos de discussão, dúvidas e debates que colocam os alunos em situações problematizadoras.”

O uso do celular na escola: um relato de experiência sob o foco de seus problemas e suas potencialidades, Geane Araújo da Silva e Alessandro Frederico da Silveira mencionam que “as insti-tuições de Ensino devem estar em sintonia com os desafios enfrentados pelos alunos no cotidiano, buscando promover uma reflexão sobre os danos causados pelo uso excessivo do aparelho celular e sobre sua potencialidade como ferra-menta de aquisição de conhecimentos.”

Em Sexualidade e educação: da história à prática docente, Luiz Gustavo Tenório Amorim, Márcio Moreira Brasil, Geraldo Eduardo Guedes de Brito e Ricardo Olímpio de Moura pretendem “discutir a diversidade sexual no processo histó-rico da sociedade, a implicação desta no pensamento e o no comportamento dos indivíduos em relação à sexualidade.”

Percepções sobre a abordagem de gênero no ensino médio ino-vador: um estudo exploratório da Escola Estadual Profª Liliosa de Paiva Leite, de Josemar Medeiros da Silva e Verônica Pessoa da Silva traz um relato de experiência de uma escola da Rede Estadual de Ensino que em 2012 adotou o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI). A pesquisa objetivou refletir “sobre teorias que permeiam o discurso do gênero e sua aplicabilidade na diretriz inovadora do programa”, cujos resultados “refletem que há uma tomada de consciência nas relações de gênero” no âmbito da prática escolar.

16 17

Na segunda seção de artigos, encontra-se o eixo temá-tico interface Ensino/aprendizagem e as demandas contemporâneas da escola paraibana, e comporta qua-tro artigos.

Em Revisitando o fracasso escolar: das teorias às práticas, Silvio César Lopes da Silva, Paula Almeida de Castro e Eliane de Moura Silva problematizam a partir das perspectivas de pro-fessores que as respostas dadas aos problemas de aprendi-zagem centram-se nos alunos por meio do pressuposto de que “a eles falta alguma coisa – comportamento adequado, atenção, interesse, cognição, bens materiais, trato nas relações etc. Ressalta-se que a tendência é perceber os problemas de aprendizagem como oriundos dos alunos, culpabilizá--los por suas dificuldades, sem implicações para a escola e a sociedade como um todo.”

Do fazer concreto ao pensamento abstrato: a influência do material didático manipulável na construção do conhecimento matemático, Marcos Fabiano Oliveira Mangueira e Soraya Maria Barros de Almeida Brandão debatem sobre o “alto índice de reprovação em Matemática, principalmente nas escolas públicas”, objetivando “refletir sobre o ensino da Matemática atualmente, bem como a aplicabilidade do uso de materiais concretos como recursos didáticos no processo ensino-aprendizagem de conteúdos matemáticos.”

Em Avaliação e progressão continuada: implicações ao pro-cesso de ensino e aprendizagem, Ana Cláudia da Silva Sobral e Francisca Pereira Salvino analisam como “os professores compreendem a avaliação no regime de progressão con-tinuada” e identificam “suas implicações nos processos de

ensino e aprendizagem, ressaltando a organização curricular em ciclos de formação e os sentidos de avaliação formativa.”

Alena Sousa de Melo, Jailson Monteiro Moreira e Francisco Jaime Bezerra Mendonça Junior, no artigo Inovações pedagógicas: a ludicidade e o uso das novas tecnologias como ferra-mentas do processo de ensino-aprendizagem, discorrem sobre “o uso da ludicidade e das novas tecnologias como estratégias motivadoras e facilitadoras da aprendizagem traçando um paralelo entre a escola tradicional e a Nova Escola.”

Interdisciplinaridade e interculturalidade como ética do diálogo é o foco da terceira seção do livro, na qual estão perfilados três artigos.

Em A interdisciplinaridade como método de aproximação pedagógica entre o saber matemático e o saber geográfico, Celso Gomes Ferreira Neto e Filomena Maria G. S. Cordeiro Moita abordam a aproximação pedagógica entre a Geografia e a Matemática. Analisam como o saber da Matemática pode contribuir para o ensino da Geografia, entendendo que “a multidisciplinaridade da Geografia e da Matemática é sobremaneira relevante para se compreender as múltiplas formas e feições contidas nas formações e nas configurações geográficas.”

Interculturalidade e integração no ambiente escolar, de Maria Aparecida Nascimento de Almeida e Luana Francisleyde Pessoa de Farias, propõe-se “uma discussão teórico-metodo-lógica sobre questões de identidade e diversidade”, demons-trando como “a identidade não é adotada como forma de autoafirmação, mas de desqualificação de determinados gru-pos sociais, por isso a intervenção no âmbito educacional a

18 19

fim de propiciar o oferecimento de educação de qualidade guiada por uma pedagogia com a diversidade.”

Práticas interdisciplinares: leitura e escrita na educação de jovens e adultos (EJA), Nelsilene dos Santos Silva e Antônio de Brito Freire demonstram “a importância de práticas inter-disciplinares da leitura e da escrita em uma turma de 3º ano do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos.”

Na seção intitulada Letras, artes e educação física na prática pedagógica contemporânea, encontram-se quatro artigos.

Leitura e escrita: o lugar do texto literário em sala de aula, de Maria Lourdes Andrade Silva e Maria Fernandes de Andrade Praxedes, pretende “refletir sobre a leitura e a escrita na escola com foco no letramento literário partindo de um estudo sobre os conceitos e orientações acerca des-ses processos, sobretudo na perspectiva de abordagens dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que orientam um ensino de língua portuguesa voltado à diversidade tex-tual que circula na esfera social.”

Por um ensino significativo em língua portuguesa através dos gêneros textuais, Eneida Dornellas de Carvalho e Rosineide da Silva Ferreira visam demonstrar que uma atividade peda-gógica, baseada num aporte teórico centrado na teoria dos gêneros e da aprendizagem significativa, pode ser um dispo-sitivo eficiente para superar déficit de escrita e leitura.

O ensino de artes em Araruna-Pb: o que pensa quem faz?, de Edna Lúcia Bezerra Guedes e Alessandra Gomes Brandão, provém “de questionamentos acadêmicos sobre o ensino de artes na atualidade, especialmente como ele vem sendo

percebido na cidade de Araruna-PB. Os resultados desse estudo demonstram, apesar de todos os avanços nos docu-mentos oficiais, que a arte ainda não é percebida nem apli-cada em todo seu potencial.”

O enfoque da educação transformadora tecendo saberes no campo da educação física, de Márcia Teresa dos Santos, Edivan Gonçalves da Silva Júnior e Maria do Carmo Eulálio tem como objetivo principal “a necessidade de demonstrar que a perspectiva da Educação Transformadora pode ser adotada no currículo da Educação Física”, de modo a “promover uma breve discussão sobre os desafios que se apresentam para o professor no exercício de formação e ensino, assim como descrever uma experiência singular no exercício da docência em educação física.”

Cremos, portanto, que o primeiro volume da Coleção Fundamentos da Educação, práticas pedagógicas interdisciplinares, há de refletir e ao mesmo tempo ser um indicador das profícuas pesquisas realizadas no âmbito de uma experiência inovadora na Paraíba, de diálogo entre pesquisadores oriundos da escola básica e pesquisadores da educação superior, por si só pouco comum em nosso país, infelizmente, cujos frutos este livro é um indício.

Boa leitura.

Os organizadores

1 PRÁTICA PEDAGÓGICA E COTIDIANO

23

A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO EM BIOLOGIA

Michelly de Carvalho Ferreira1

Vagda G. G. Rocha2

Introdução

O presente artigo trada da prática pedagógica no ensino de Biologia. Neste, investigamos a visão de alunos e de uma professora acerca dessa disciplina, os limites e as possibilida-des de esta ser trabalhada no sentido de conferir aprendi-zagem aos alunos. Entendemos que captar a percepção de alunos e professores acerca de práticas pedagógicas se faz

1 Licenciada em Biologia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Especialista em Ciências Ambientais e Fundamentos da Educa-ção: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares. Professora de Biologia do Sistema Estadual de Educação da Paraíba.

2 Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual da Paraíba.

24 25

importante nesse momento, principalmente porque se busca qualidade em educação. Além de esta temática ser bastante explorada, mas jamais esgotada, considerando o dinamismo presente no espaço escolar. Para alcançar o objetivo pro-posto, optamos por desenvolver uma pesquisa qualitativa por suas propriedades propiciarem um universo de significados, motivações, valores e atitudes, na tentativa de capturar um enfoque mais profundo de relações, processos e fenômenos, buscando, portanto, responder questões particulares, preo-cupando-se como uma realidade que não pode ser quan-tificada, mas que tenha significado e intencionalidade. A discussão a seguir nos mostra, através dos estudos e dados coletados, que é possível dizer que há limites que interfe-rem num ensino de qualidade, tanto de Biologia, como das demais disciplinas do Ensino Médio, entretanto, defendemos a ideia de que se houver inovação e melhores condições de trabalho, a disciplina de Biologia e as demais tendem a ter uma receptividade melhor e, consequentemente, melhor aproveitamento por parte dos alunos.

Breve histórico sobre o ensino de biologia

Para compreendermos como os conteúdos da disciplina entraram no currículo escolar, faz-se necessário uma breve digressão sobre a mesma. Os passos iniciais do ensino de Biologia no Brasil estão relacionados ao ensino jesuítico aqui no país, bem como à influência da dominação portu-guesa. De acordo com Bizzo (s/d, p.148), após a expulsão dos jesuítas, o Marquês de Pombal contratou Domenico

Agostino Vandelli para participar da reforma educacional a ser realizada no Brasil. A Vandelli foi atribuído a organiza-ção dos estudos de história natural. O seu pupilo, Alexandre Rodrigues Ferreira, realizou incursões à Amazônia para coleta de espécimes nativos da flora e da fauna brasileira a serem enviados para Portugal, entretanto, a maior parte desse material acabou por cair em mãos francesas e reme-tida a Paris. Para o professor Leitão (1937), devido a tal fato, a Biologia no Brasil ficou condenada ao atraso ou mesmo dependente da França. Tal atraso pode ser sentido no mate-rial de ciências da época, pois o mesmo apresentava uma certa confusão entre os animais da fauna brasileira e a de outros continentes, a exemplo da África. Para além disso, havia ainda a carência de tradução para a língua portuguesa de materiais estrangeiros e infraestrutura precária de editoras em terras brasileiras.

Apenas no Governo Vargas é que Biologia ganha des-taque, juntamente à disciplina Biologia Educacional. Estudava-se evolução, genética, passando pela fisiologia, eugenia e eutecnia. Nesse momento, tenta-se superar a pedagogia tradicional, baseada na imitação de modelos e implantar uma pedagogia nova, reconhecida como cientí-fica e experimental.

É importante também pensar no movimento da pós--graduação no Brasil, pois em 1950 começaram a ser firma-dos acordos entre Estados Unidos e Brasil, com convênios entre escolas e universidades norte-americanas e brasileiras e intercâmbio de estudantes, pesquisadores e professores.

26 27

A maior repercussão dos cursos de pós-graduação ocorreu na década de 1960, com iniciativa significante nas áreas de Ciências, Física e Biologia. Em meados da década de 1980, a pós-graduação, a título de mestrado na área de Física, começa a se expandir dentro do seu Instituto na Universidade de São Paulo (USP), abre espaço na Faculdade em Educação e passa a ser área de pesquisa em várias produ-ções de mestrado e doutorado.

Nesse mesmo período, na Universidade Estadual do Estado de São Paulo (UNESP), na cidade de Rio Claro, a Educação Matemática começa a conquistar considerável espaço, a fim de também oferecer cursos em nível de mes-trado. Então, podemos considerar um marco na educação brasileira, pois se institucionalizava, nesse período, a forma-ção em pós-graduação em ensino de Ciências e Matemática.

Ainda no período de 1960, repercutiram no Brasil pro-postas americanas de inovações curriculares para o ensino de ciências, através do acordo do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBCC) com a Organização dos Estados Americanos (OEA) para formar professo-res, ensinando-lhes os novos conteúdos de Ciências e Matemática, considerados apropriados para o ensino funda-mental, além dos diversos projetos de capacitação docente e produção de materiais didáticos, financiados pelo acordo entre o Ministério da Educação (MEC), Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Fundação Ford e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

Antes da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases n°4.024/61, as aulas de Ciências Naturais eram ministradas apenas nas duas últimas séries do antigo ginasial. O advento desta lei estendeu a obrigatoriedade do ensino da disciplina a todas as séries do ginásio e aumentou a carga horária no ensino secundário. Em 1971, com a Lei de 5.692, Ciências Naturais passou a ser obrigatória nas oito séries do antigo primeiro grau (BRASIL, 2001).

Em 1983, surge o Subprograma Educação para a Ciência (PADCT/SPEC) com o objetivo explícito de “criar uma comunidade, em todo país, na área de ensino de Ciências e Matemática” (CARVALHO, 1994, p.76). O SPEC conce-deu 111 bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior. Até 1992, havia 29 doutores e 6 pós-doutores for-mados no exterior, além das bolsas oferecidas pelo CNPq. De 1996 a 2011, a formação de pós-graduados se expandiu em cerca de 10% ao ano.

Com o passar dos anos, cada área de estudo foi se orga-nizando em seus departamentos, configurando então, de forma independente, seus conhecimentos específicos. É interessante pensar nas atividades humanas, na Ciência e na Tecnologia, fortemente associadas às questões sociais e políticas, ramos de estudo que promovem e interferem na produção do conhecimento. Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCn’s), apresentam a Ciência como colaboradora na compreensão de mundo e suas transfor-mações, no reconhecimento do homem como parte do universo, mas também na sua individualidade, é a meta apre-sentada para o ensino escolar nessa área. A apropriação de

28 29

tais conhecimentos pode contribuir para o questionamento do mundo, bem como para a ampliação das explicações dos fenômenos da natureza e valorização dos modos de inter-venção e uso dos recursos disponibilizados na mesma, e ainda para a compreensão e melhor uso de recursos tecno-lógicos e reflexão sobre questões éticas no tocante à Ciência, à Sociedade e à Tecnologia (BRASIL, 2001).

A seleção de conteúdos no ensino de biologia

Refletir sobre a disciplina de Biologia, nos faz perceber quão colaboradora desse processo essa disciplina se configura e se apresenta, em virtude de a mesma estar presente em toda parte, desde a leitura de mundo até as questões polêmi-cas da ciência, assim acreditamos ser pertinente despertar a curiosidade do nosso aluno sobre o mundo a sua volta, seja pelas ações dos fenômenos naturais, pela tecnologia ou por sua interferência, enquanto homem, sobre o meio.

A questão que se coloca já não é mais a democratização do acesso à educação, mas a da qualificação de suas práticas, da efetividade enquanto instrumento de desenvolvimento moral e intelectual dos estudantes. Para isso, é preciso repen-sar os conteúdos escolares e sua relação com a sociedade e a vida concreta dos estudantes. Entendemos que os saberes escolares tanto na área da Biologia/Ciências Naturais, bem como nas demais áreas de conhecimento devem estar com-prometidos com o significado coletivo da vida e do trabalho produzidos em consonância com a criticidade, a inventivi-dade e a responsabilidade ambiental e social.

Passou aquela ideia de escola voltada unicamente para formação intelectual. Na sociedade atual, temos outras exi-gências, os conteúdos precisam estar interligados à vida diá-ria, suas experiências e inquietações, envolvendo homem e mundo, na perspectiva de o estudante ser capaz de for-mar um pensamento crítico, coeso e comprometido com o ambiente a sua volta.

Segundo Marandino (2009), o que se pode perceber é que o surgimento das chamadas “disciplinas escolares” está atrelado à demanda pela escolarização de massas no século XIX. Com o capitalismo emergente, a organização do tempo e espaço escolares passa a ser uma consequência do contexto sócio/histórico/cultural do período que se ana-lisa. Isto implica dizer que, para cada momento histórico, há um “modelo” de homem/mulher, de escola, de sociedade. A autora ressalta, porém que, dentro dessa organização, quando se trata do século XIX, com o capitalismo crescendo, é impossível a população permanecer a mesma.

Para MARANDINO (2009), a forma de organização do ensino, o currículo, torna-se hegemônica nos currícu-los escolares, passando a estruturar e controlar o tempo e o espaço do sistema escolar em expansão. Faz-se necessário, entretanto, que a prática pedagógica seja criativa possibili-tando ao professor tornar a aula um momento mais produ-tivo, dinâmico, atrativo e envolvente.

Para tanto, acreditamos que a qualificação docente é ele-mento de destaque. Quando o docente tem consciência de sua prática, este, ao planejar suas aulas, analisa o conteúdo, esclarece seus objetivos frente às ideias a serem trabalhadas,

30 31

repensa sua explicação de acordo com a turma, a fim de escolher a metodologia mais adequada na expectativa de aprendizagem de determinado conteúdo.

Defendemos que os conteúdos devem favorecer a cons-trução, pelos estudantes, de uma visão de mundo formado por elementos inter-relacionados. Devem promover as rela-ções entre diferentes fenômenos naturais e objetos da tecno-logia, entre si e reciprocamente, possibilitando a percepção de um mundo em transformação e sua explicação cientí-fica permanentemente reelaborada; os conteúdos devem ser relevantes do ponto de vista social, cultural e científico, permitindo ao estudante compreender, em seu cotidiano, as relações entre o ser humano e a natureza mediada pela tec-nologia, superando interpretações ingênuas sobre a realidade a sua volta (BRASIL, 1998, p.35).

Nessa perspectiva, ao analisar a compreensão de currí-culo escolar em relação às Ciências Biológicas, temos pra-ticamente em nosso país o seguinte perfil: para os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, 1º ao 5º ano, tem--se, geralmente, um professor responsável pelos conteúdos referentes a todas as disciplinas (polivalente), entretanto, é possível encontrar professores responsáveis por apenas duas ou três disciplinas nesse nível de ensino; nos quatro anos finais do ensino fundamental, 6º ao 9º ano, temos a disci-plina de Ciências que envolve conteúdos de Química, Física e Biologia e apenas um professor responsável pela mesma.

Observando as propostas curriculares de várias unidades federadas do país, percebemos que se assemelham em rela-ção à carga horária e ao programa de conteúdos, a exemplo

dos Estados da Bahia, do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde é dedicado um tempo de 12% a 15% do tempo escolar para a aprendizagem de Ciências Biológicas, resul-tando numa média de três a quatro aulas por semana. Cada instituição de ensino tem autonomia na organização do seu currículo, desde que atendidas às exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNEB).

A partir da década de 1960, a Biologia passou a ter influ-ência internacional, ganhou espaço e passou a ser vista como uma disciplina relevante, devido às curiosidades próprias dos conhecimentos naturais, despertando o interesse acadêmico quanto à abordagem de conteúdos, a exemplo dos micror-ganismos que precisavam ser explorados. O conhecimento em Biologia não ficou restrito à divisão apenas do estudo da botânica e da zoologia, mas à existência de todos os seres vivos, fato que provocou o acréscimo de outros conheci-mentos nos currículos escolares, tais como ecologia, gené-tica, bioquímica, biologia molecular, entre outros.

Assim, por volta dos anos de 1970, foi pensado um novo componente curricular que envolvesse esses conteú-dos, para a disciplina de Biologia no Segundo Grau, hoje, denominado Ensino Médio. Nesse período, vários projetos nacionais de ensino, incluindo a variedade de livros com o objetivo de obter um currículo de estreito relaciona-mento com a comunidade, foram preparados abrangendo uma ampla gama de concepções sobre o ensino de Biologia (KRASILCHIK,1995). Assim, os autores de livros da época, em consonância com o advento de mais conhecimentos

32 33

para o currículo escolar, passaram a ter especificamente mais conteúdos a serem explorados.

Iniciando a década de 1990, os programas predominan-tes de Biologia, no Ensino Médio, abrangiam desde a ori-gem da vida à relação do homem com o meio ambiente. Mesmo assim, ainda se percebia que determinadas infor-mações tinham certa persistência em se manter como antes, assim como a carência em relacionar Ciência, Tecnologia e Sociedade em meio ao desenvolvimento científico.

Frente a isso, o Ministério da Educação produziu um referencial com o intuito de orientar os profissionais na área da educação, chamado de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), afirmando que o “papel das Ciências Naturais é o de colaborar para a compreensão do mundo e suas transfor-mações, situando o homem como indivíduo participativo e parte integrante do Universo” (BRASIL, 2001, p.15).

Esse documento foi criado como uma carta de inten-ções, de forma a orientar professores a desenvolverem meto-dologias de ensino através das quais o educando pudesse relacionar conteúdos a sua volta. É possível dizer que a partir da criação e distribuição dos parâmetros, toda a educação nacional ganha uma matriz norteadora, com diretrizes peda-gógicas gerais, mas recomendando a valorização das culturas locais. Pois, como afirmam os PCN (BRASIL, 1999, p.27) “as disciplinas convencionais não suprem totalmente no sentido de discutir questões sociais e valores para o pleno exercício da cidadania”.

Isso implica dizer que através da proposta dos PCN, tem-se um direcionamento em sentido interdisciplinar,

provocando mudança na prática, bem como na interação professor-aluno. Entretanto, questiona-se ainda como deve-ria ser a formação do professor, justamente pela compre-ensão de a educação ser uma área tão importante para o desenvolvimento social.

Concepções, práticas e desafios do professor do ensino de biologia

Podemos dizer que a formação de professores de Biologia, extensiva às demais licenciaturas, envolve geral-mente duas etapas. No caso de Biologia, uma primeira etapa – a de formação inicial – se dá por meio da vinculação do futuro professor à licenciatura em Ciências Biológicas. Uma segunda etapa – a da formação continuada – é aquela que se inicia com o ingresso na profissão e se estende de modo contínuo durante todo o período da atividade profissional. Assim, não tem como falar em educação de qualidade sem atentar para a formação continuada, já considerada, junta-mente com a formação inicial, uma questão fundamental nas políticas públicas educacionais.

O Brasil vem desenvolvendo uma série de ações no sentido de qualificação de seu quadro docente. A Rede Nacional de Educação, criada desde 2004, oferece forma-ção continuada de professores com o objetivo de contri-buir para a melhoria da formação dos professores e alunos. Dentro dessa cadeia nacional, temos várias opções de cursos que atendem a várias realidades, a exemplo do Parfor, criado em 2009, que oferece a educação superior, sem ônus para o

34 35

docente e que se propõe de qualidade, para professores em exercício na rede pública de educação básica, em consonân-cia com a Lei 9394/96.

Há ainda o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa que oferece curso presencial de dois anos para os pro-fessores alfabetizadores; o Proinfo Integrado que é um pro-grama de formação voltado para o uso didático-pedagógico das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no cotidiano escolar; o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar que oferece formação continuada em língua portu-guesa e matemática aos professores dos anos finais do ensino fundamental em exercício nas escolas públicas; e, por último, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, regulamentado pela  Portaria Ministerial Nº 1.140/2013. Neste último, o Ministério da Educação e as secretarias esta-duais e distrital de educação assumem o compromisso pela valorização da formação continuada dos professores e coor-denadores pedagógicos no ensino médio público, em áreas rurais e urbanas (BRASIL, 2014).

Para Ferreira (2006), a formação do profissional exige hoje uma sólida formação humana relacionada diretamente com a sua emancipação como indivíduo social, sujeito his-tórico em nossa sociedade. E como a escola apresenta plura-lidade cultural e de pensamentos, necessita de formação para além de conteúdos e estratégias pedagógicas. Acreditamos que não apenas os conhecimentos pedagógicos podem asse-gurar uma boa didática ou ações pedagógicas, o professor deve ter flexibilidade e sabedoria para conduzir suas turmas diariamente. O fazer docente exige também humanidade.

Para Mello (1999), a formação do professor é um pro-cesso inicial e continuado, que se dá no sentido de tentar responder aos desafios que se apresentam no cotidiano esco-lar, principalmente, nesse momento de constantes avanços tecnológicos. Vivemos um momento que requer profissio-nais sempre atualizados e, dentre estes, acreditamos que o professor é o profissional que apresenta maior necessidade de atualização, visto que o mesmo alia as tarefas de ensinar e estudar.

E, se assim não for, quando o profissional achar que sabe tudo, distanciando-se da busca pela leitura, pelos cursos ou outras fontes de informação, dificilmente, vai conseguir atender às indagações e aos desafios da docência. É impor-tante que desde o começo do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (FREIRE, 1998).

Compreendemos que o professor de Biologia defende o conhecimento de sua disciplina como aquele que pode proporcionar, ao docente e ao discente muitas direções para encaminhar a prática, seja em observações de campo, prá-ticas realizadas em laboratório, debates em classe, vídeos, etc. Por isso, Carvalho (2004) propõe pensar a aplicação de determinado conteúdo como uma prática significativa que possa facilitar a compreensão dos alunos.

Isso quer dizer que o professor quando percebe a impor-tância que possui a sua prática, encontra neste exercício saberes próprios da construção, necessários para repensar seu

36 37

trabalho e suas atitudes, recriando em si um sujeito capaz de buscar alternativas para o ensino.

Ainda em relação ao professor de Biologia, o conteúdo a ser trabalhado deve apresentar proximidade, inter-relação da teoria com a prática, a fim de que um mesmo conte-údo seja devidamente ensinado e experimentado, visando atender a curiosidade do educando. As mudanças propostas na Didática das Ciências não são só conceituais, abrangem também os campos atitudinais e processuais em sala de aula. Não basta ao professor saber, ele deve também saber fazer (CARVALHO; GIL, 2000).

Ao pensar no exercício pedagógico do professor, não dá para se limitar ou se restringir a permanecer sempre “na mesma”, nunca fazer algo diferente do que já é costumeiro fazer. No ensino das Ciências ou Biologia, é como se a pró-pria disciplina exigisse ou pedisse de nós, docentes desta área, algo a mais, seja pela natureza a nossa volta, pelas ques-tões éticas, sociais, pela criação de debates, de vídeos aula, seja pelas experiências usando o laboratório, dentre outras atividades.

O professor de Ciências, de Biologia ou Ciências na Natureza muito tem a contribuir no processo de ensino--aprendizagem despertando o aluno para o conhecimento. Porém, dentre os maiores desafios ou dificuldades de efetuar essa prática de forma mais dinâmica ou interativa, estão: 1) a carga horária insuficiente - sendo três aulas semanais, isto sem falar em um sexto horário reduzido, sendo o mais curto e detestado pelos alunos, uns ficam como se fossem obrigados, outros vão embora sem dar uma explicação, além dos que

ficam apenas reclamando “tô morrendo de fome professora, libere a gente”; 2) o número excessivo de alunos por turma - quando pensamos em realizar um debate, incentivando a participação dos alunos, inviabiliza a proposta, inclusive de trabalho; 3) a utilização do laboratório de Ciências - tam-bém não é diferente, dependendo da turma, não dá para acomodar todos ao mesmo tempo no lugar, se levar uma parte, a outra fica nos corredores e atrapalha as outras aulas; 4) a utilização da sala de vídeo com equipamento do data show - só o tempo de instalar computador, sintonizar caixa de som e todo equipamento compromete o horário da aula, etc. Essas, dentre outras situações, impedem a nossa aula de ser mais atrativa e dinâmica. Embora os aspectos elencados se assemelhem à realidade de outras áreas ou disciplinas, fri-samos a constância dos mesmos no tocante ao ensino da Biologia.

Defendemos que o ensino de Ciências não deve limitar--se às atividades em si, mas envolver a capacidade reflexiva dos alunos, promovendo diálogos e discussões constantes, assim como comunicações orais e escritas dos resultados de seu trabalho.

A metodologia de ensino voltada para a sala de aula depende fundamentalmente da interação professor-aluno, e esta não pode ser antecipada em seus pormenores, embora seja possível planejá-la em linhas gerais. Um mesmo pro-fessor, em uma mesma escola, comumente tem diferentes experiências com seus alunos, em cada uma das salas de aula (BIZZO, 2012).

38 39

O ensino de biologia na fala da professora e de seus alunos

Na expectativa de atender aos objetivos da investigação da presente pesquisa, foi aplicado um questionário, respon-dido por 32 alunos, e realizada uma entrevista com uma professora responsável pela disciplina de Biologia na escola, campo de estudo. Os dados foram obtidos durante o pri-meiro semestre de 2014, em uma escola pública de Ensino Fundamental e Médio, da Rede Estadual no Município de Belém-PB.

Participaram da pesquisa 32 alunos que cursam o 1º Ano do Ensino Médio, turno tarde e uma professora de Biologia, efetiva e graduada no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.

Na entrevista com a professora da disciplina, tínha-mos a intenção de coletar dados sobre a concepção que a mesma tem do ensino de Biologia no exercício de sua prática docente. Já no questionário respondido pelos alunos, investigamos a ideia que os mesmos têm da disciplina de Biologia. As respostas obtidas foram analisadas numa abor-dagem qualitativa por entendermos que esta nos possibilita um universo de significados, motivações, valores e atitudes, na tentativa de capturar um enfoque mais profundo de rela-ções, processos e fenômenos, buscando, portanto, respon-der questões particulares numa realidade que não pode ser quantificada, mas que tem significado e intencionalidade (MINAYO, 2000).

Observando o gráfico 1, a seguir, depreendemos que ao indagarmos sobre como os alunos definiam a disciplina de Biologia, tivemos o resultado seguinte: 62,5% dos 32 alunos que responderam ao questionário, disseram que Biologia era uma disciplina interessante; 18,6% consideram a disciplina curiosa; 12,5% disseram ser legal e apenas 6,2% disseram ser chata. Nenhum aluno marcou a opção ruim. Esses dados são significativos na medida em que revelam que a disciplina é atraente para os alunos. Os conteúdos que esta aborda pare-cem despertar o interesse dos mesmos.

Gráfico 1 - Definição da Disciplina de Biologia por parte dos aluno Fonte: As autoras, a partir de dados coletados in loco, 2014

No gráfico 2, trazemos a opinião dos alunos referente aos conteúdos estudados em Biologia. 84,4% dos estudantes disseram que os conteúdos despertam a curiosidade e 6,2% disseram que os conteúdos são interessantes. Entretanto,

40 41

6,2%, afirmaram que os conteúdos estudados nessa disci-plina não despertam a atenção, não são interessantes e 2% se posicionaram dizendo não gostar da linguagem utilizada na disciplina. Depreendemos que estes índices estão em conso-nância com a questão anterior. O fato de 84,4% dos alunos demonstrarem curiosidade ou interesse pelos conteúdos é bastante positivo.

Gráfico 2 - Opinião dos alunos quanto aos conteúdos de Biologia Fonte: As autoras, a partir de dados coletados in loco, 2014

Quando indagados quanto ao tipo de aula que mais gos-tam, obtivemos as seguintes respostas: 12,5% dos estudantes disseram gostar mais de momentos de debate de temas polê-micos em classe, 37,5% disseram gostar da aula explicativa e com orientações, 31,2% citaram as aulas de vídeo e exposi-ção de slides com uso do data show e 18,8% mencionaram as aulas práticas, com experiências. Nesses dados, merece

atenção o fato de que mais de 1/3 dos entrevistados disse-ram gostar de aulas expositivas, aparentemente sem auxílio de outro recurso didático. Inicialmente, o fato de os alunos apreciarem aulas expositivas é positivo, principalmente se considerarmos a precariedade de algumas escolas, por outro lado, isso pode apresentar indícios de que gostam porque esta é a técnica mais utilizada pelos professores. Estes núme-ros podem ser apreciados no gráfico a seguir.

Gráfico 3 - Tipo de aula de que o aluno mais gosta Fonte: As autoras, a partir de dados coletados in loco, 2014

No gráfico 4, temos a opinião dos alunos quando inda-alunos quando inda-lunos quando inda-gados acerca do perfil/postura do professor responsável pela disciplina de Biologia. Para 9,4% dos alunos, o professor de Biologia deve ser sério e inteligente, já para 65,6%, precisa ser dinâmico e alegre, 3,2% disseram que esse professor pre-cisa ter uma posição exigente e ser tipo “caxias” e, 21,8%

42 43

disseram que deve ser exigente, mas também ter atitudes surpreendentes sempre. Entendemos, a partir destas respos-tas, que os alunos preferem professores que ensinem e exijam aprendizado, todavia, com aulas que despertem a atenção, que sejam provocativas, que induzam a curiosidade. Aulas nas quais, os alunos sintam desejos, sequiosos de conheci-mento, de vontade de aprender.

Gráfico 4 - Perfil do Professor de Biologia Fonte: As autoras, a partir de dados coletados in loco, 2014

Mesmo gostando da disciplina de Biologia, quando inda-gados sobre o tempo dispensado para este componente na escola, 78,2% dos alunos disseram ser suficiente o número de aulas por semana, que era um tempo curto para realizar determinadas atividades e 21,8% disseram que o número de aulas era insuficiente para realizar outras atividades além de assistir às explanações da professora.

Quanto à metodologia utilizada pelo professor, obti-vemos os seguintes dados: 81,2% disseram que aulas eram muito expositivas; 6,2% disseram que as aulas eram dinâ-micas e 12,6%, que as aulas nem sempre são bem claras, ou seja, os conteúdos não ficam esclarecidos a contento. Esses dados parecem estar em consonância com os dados do grá-fico 3, quando pouco mais de 1/3 dos alunos dizem gostar de aulas expositivas. Aqui, temos mais de 80% dos entrevis-tados que afirmam que as aulas de Biologia que assistem são expositivas.

A prática das aulas de laboratório, a vivacidade das aulas de campo, o calor dos debates, certamente não se cons-tituem em rotina nas aulas de Biologia para esses alunos. Entendemos que esta disciplina carece de dinamicidade e não apenas de aulas expositivas. Os conteúdos explorados em Biologia são, por vezes, bastante observáveis e aptos à experimentação, portanto não devem ser explicados apenas oralmente, sem nenhum outro recurso didático.

Quanto à relação Aluno X Professor, de acordo com os alunos entrevistados, 34,3% disseram haver espaço para diá-logo e interação com o professor, 3,2% disseram não haver nenhuma forma de interação e, 62,5% comentaram que o espaço da aula é bastante colaborativo. A partir desses dados, 96,8% indicaram que a relação com o professor de Biologia é boa e, portanto, favorece a aprendizagem.

Quanto à última questão, que pedia sugestões, dicas ou opiniões a respeito da disciplina de Biologia, muitos fize-ram observações semelhantes uns aos outros, resultando nas seguintes porcentagens: 14,3% disseram que a disciplina

44 45

precisa de mais aulas para reflexão, 47,6% disseram que o professor deve explorar mais o uso de documentários e vídeos e, 38,1%, que deveriam ter mais aulas práticas. Esses dados corroboram com o que afirmamos anteriormente, as aulas precisam ser redimensionadas, avivadas, recriadas, para que os alunos se sintam com vontade de aprender, sequiosos pela aprendizagem.

Continuando a apresentação dos dados coletados, agora na fala da professora de Biologia entrevistada. Quando inda-gada sobre a valorização da profissão docente, a professora disse que “baseando-se no fator da remuneração e do pró-prio status social, a profissão encontra-se bastante desvalori-zada, entretanto exige do próprio profissional uma postura diferenciada, a fim de promover essa valorização”.

Ao refletir sobre a profissão do professor, a mesma aponta a questão salarial e a forma como a sociedade vê o professor, como se fosse apenas “uma profissão qualquer”. Entendemos que a desvalorização docente constitui-se em fenômeno histórico, é sempre pauta de discussão quando o assunto é educação, mas também quando se discute saúde, infraestrutura, segurança, economia, etc. Enfim, discutem--se qualidade educacional e valorização docente, entre-tanto temos visto mudanças ainda incipientes nesse sentido. Compreendemos que há algumas políticas públicas, a exemplo do FUNDEB e dos cursos de formação inicial e continuada promovidos pelo governo, contudo ainda temos um longo percurso na valorização pretendida por aqueles que fazem a educação.

A partir das respostas dos alunos, vimos que a disciplina de Biologia apresenta desafios ao professor que a ministra. Estes desafios, na fala da entrevistada, são elencados como:

a) falta de recursos e investimentos, para dar subsídios didáticos à disciplina; b) carência de aparelhos tecnológicos como o data show; c) estrutura precá-ria para funcionamento do laboratório de Biologia e; d) conscientização dos alunos e dos outros colegas professores sobre a importância da disciplina (infor-mação verbal colhida pelas autoras).

Podemos dizer que os desafios elencados pela profes-sora podem ser estendidos às demais áreas do Ensino Médio. A escassez de material aplicado a cada conhecimento e a estrutura física precária de grande número de escolas são manchetes nos noticiários brasileiros com bastante frequên-cia. Entretanto, é necessário que reconheçamos que há, nas escolas, inúmeros programas que tentam apresentar alterna-tivas para estes problemas. Mas, faz-se necessário reconhecer, também, que ainda não foram apresentadas alternativas satis-fatórias. Isso implica numa busca contínua por tais melhorias.

Quanto à ideia de “bom” professor de Biologia, a profes-sora entrevistada diz que:

É necessário transmitir os conteúdos com responsabilidade e ética, princi-palmente, observar o aluno como um

46 47

ser humano, com suas sensibilidades e limites, buscando traduzir na prática, dentro do contexto dos conteúdos tra-balhados, uma relação com a vida diária, a fim de que eles percebam a presença da Biologia em suas vidas (informação verbal colhida pelas autoras).

Ainda segundo a professora entrevistada, o docente deve ter compromisso diante da profissão que escolheu, apresen-tar uma postura diferenciada e olhar para o aluno, buscando se aproximar de suas histórias de vida, tentando relacionar a disciplina com seu cotidiano, a fim de que este veja a neces-sidade do conhecimento associado a suas experiências e ao mundo a seu redor.

No tocante às técnicas de ensino para esta professora, “geralmente, o que demonstra chamar a atenção dos alunos é o uso dos recursos tecnológicos, aulas de campo, viagens de estudo, porque como são práticas diferenciadas, eles se interessam e participam ativamente”.

É muito comum e perceptível observar as atitudes e o envolvimento dos alunos quando o professor traz uma pro-posta diferente para o cotidiano da sala de aula. Vemos o entusiasmo, a euforia, a curiosidade e realmente a participa-ção, pois muda o ritmo deles. Todavia, a maioria dos alunos da escola pesquisada (80%) afirmou que as aulas carecem do tipo de aula citado pela professora. Carecem de dinami-cidade, de “práticas diferenciadas”, como disse a professora. Temos, portanto, um impasse que, talvez, possa ser atribuído

à precariedade das condições físicas e de material didático que muitas escolas públicas apresentam.

Isso fica claro, também, quando questionamos a profes-sora sobre a educação no Brasil e a sua relação com a disci-plina de Biologia. De acordo com a professora entrevistada, precisamos de: a) Investimento em equipamentos modernos e no laboratório de Ciências; b) Capacitação para professo-res e; c) Melhoraria na remuneração dos professores.

Ainda para a professora entrevistada, a educação brasileira precisa dar um reforço ou apoio à disciplina de Biologia, investindo em equipamentos eletrônicos, abastecendo o laboratório de Ciências, capacitando os professores com cursos de formação e ajustando o salário. Claro que “reforço e apoio” devem ser estendidos às demais disciplinas do cur-rículo escolar.

Considerações finais

Conforme discutimos nesse trabalho, a prática de ensino faz parte do cotidiano do professor, desde a elaboração do plano de aula, metodologias a serem aplicadas e metas a serem atingidas. Entendemos que, da vivência em sala de aula, após a formação acadêmica, é que, o licenciado obterá uma maior identificação com o fazer docente.

A distância entre a formação teórica e a prática docente é uma questão bastante discutida na educação. Acreditamos que a identidade e as concepções que o professor constrói não se fazem apenas nos cursos de licenciatura, mas tam-bém a partir do contato com alunos, colegas de trabalho e

48 49

o ritmo da instituição onde desenvolve a docência. Através da pesquisa realizada, percebemos serem evidentes as dificul-dades do dia a dia e os questionamentos do “como fazer”. Não existe uma resposta pronta, mas a intencionalidade de tentar fazer, mesmo com as adversidades. No caso do pro-fessor de Biologia, têm-se horários limitados, recursos insu-ficientes na escola, ausência de funcionário de apoio, dentre outros. Todavia, advogamos ser possível desenvolver uma boa prática.

Percebemos também que a disciplina de Biologia é bem aceita, pois uma grande parcela dos alunos a considera inte-ressante e demonstra se interessar e participar juntamente com a professora entrevistada da exploração dos conteúdos.

Quanto à docente entrevistada, é perceptível que existe uma intenção em “querer fazer”, buscar meios e técnicas para atrair o alunado. Entretanto, esse “querer fazer” encon-tra limites frente às intempéries comumente encontradas na profissão docente.

No entanto, mesmo frente a tais limites, continuamos defendendo a ideia de que se houver inovação e melho-res condições de trabalho, a disciplina de Biologia tende a ter uma receptividade melhor e, consequentemente, melhor aproveitamento por parte dos alunos.

Referências

BIZZO, Nélio. Ensino de ciências: pontos e contrapon-tos. São Paulo: Sammus, 2012.

____________.Ciências biológicas. Disponível em: por-tal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/07Biologia.pdf. Acesso em 08 de Nov./2014.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais/Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. 3. ed. Brasília, v.4, 2001.

____________. Brasília. Ensino Médio, 1998.

____________. Brasília. Ensino Médio, 1999.

BRASIL. Programas de Formação Continuada de Professores. Disponível em: portal.mec.gov.br/ Acesso em 05 Maio/ 2014.

CARVALHO, A. M. P. O uso do vídeo na tomada de dados: pesquisando o desenvolvimento do ensino em sala de aula. Unicamp: Pro-Posições, 1994.

____________. A. M. P. Ensino de ciências: unindo a pesquisa e a prática. 2004.

50 51

CARVALHO, A. M. P. de; GIL-PÉREZ, D. Formação de professores de ciências. São Paulo: Cortez, 2000.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessá-rios à prática educativa. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

FERREIRA, N. S. Carapeto. A gestão da educação e as políticas de formação de profissionais da edu-cação: atuais tendências, novos desafios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

KRASILCHIK, Myriam. Prática de ensino de bio-logia. 4. ed. rev. e ampl. 2. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

MARANDINO, Martha. Ensino de biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009.

MELLO, L. de. Programas Oficiais Para Formação de Professores. Revista Educação e Sociedade, n. 68. Campinas: Cedes. 1999.

MINAYO, M. C. Pesquisa social: teoria, método e criati-vidade. São Paulo, 2000.

O LABORATÓRIO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE QUÍMICA:

a experiência em sala de aula

Manoel Felix de Santana Neto1

Morgana Lígia de Farias Freire2

Introdução

Atualmente, é comum programas de televisão, páginas da internet etc. apresentarem de forma atrativa, visualmente falando, experimentos científicos; e em consequência dessa força midiática, há uma pressão para que seja constante a exe-cução de tais experimentos nas aulas de ciências, particular-mente nas aulas de Química. A referida pressão não é apenas

1 Curso de Especialização em Fundamentos da Educação: Práticas Peda-gógicas Interdisciplinares, Itabaiana. Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Secretaria de Estado da Educação da Paraíba (SEE-PB). E--mail: [email protected].

2 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campus I. E-mail: [email protected].

52 53

oriunda do corpo discente, mas de professores, coordenação pedagógica e gestão escolar. Em muitos casos, comungam da ideia de que além de cumprir toda a matriz curricular, o professor deve trazer experimentos para sua aula.

A experimentação é vista como redentora de todos os problemas para o ensino e a aprendizagem das ciências naturais, em particular a Química. No entanto, o enfoque demasiado, dado à experimentação, coloca-a como mero instrumento de ilustração e motivação e com isso não explora todas as potencialidades dessa prática pedagógica (HODSON, 1994).

Uma forma de amenizar tal situação é o Laboratório Investigativo, nessa estratégia, a participação do aluno dar--se-á de forma efetiva em todas as fases da experimenta-ção; exercitando, assim, sua capacidade cognitiva de intervir numa situação diária, utilizando os conhecimentos químicos desenvolvidos no âmbito escolar, oportunizando o envol-vimento com um problema e a busca das prováveis solu-ções com a orientação do professor (GIL-PÉREZ; VALDÉS CASTRO, 1996). Na tentativa de ampliar as possibilidades em uma atividade experimental e destacar o papel do aluno, o professor precisa trazer o aluno para o levantamento de hipóteses, para o conflito com os erros e com isso dar pos-sibilidades para um melhor desenvolvimento cognitivo e a mudança conceitual sem apenas ter um resultado estático (GIL-PÉREZ et al., 2005).

A crítica ao ensino linear de Ciências e a proposta de uma prática docente investigativa não são recentes, desde o século XIX, alguns autores defendem que o ensino deve

transpor o universo conceitual e atingir o procedimental e atitudinal; estimulando o desenvolvimento cognitivo e a compreensão dos fenômenos naturais (HODSON, 1994; GIL-PÉREZ; VALDÉS CASTRO, 1996).

Um ponto comum na literatura que promove o ensino investigativo é a sugestão de algumas etapas para se adqui-rir novos conceitos, essa aquisição passa por identificar um problema, propor hipóteses, planejar e executar um processo investigativo; além da reflexão sobre os resultados obti-dos e a relação das novas informações com as anteriores (ZOMPERO; LABURÚ, 2011). Entretanto, na literatura pesquisada, não foram encontradas teorias sobre aprendiza-gem humana que justificassem quantas, quais e como realizar tais etapas numa perspectiva do Laboratório Investigativo. No entanto, uma teoria que pode fornecer os subsídios necessá-rios para fundamentar a prática do Laboratório Investigativo é a Teoria dos Constructos Pessoais de George Kelly.

Para Kelly (1963), o homem, por natureza, comporta-se como cientista (metáfora do homem-cientista), levantando teorias, hipóteses e testando-as durante a vida fundamen-tada no seguinte postulado: “Os processos de uma pessoa são psicologicamente canalizados pelas formas com que ela antecipa eventos”. Kelly organizou sua teoria em onze (11) corolários.

No corolário da Experiência, Kelly aponta que cada pes-soa colocada em uma problemática, escolhe certas caracte-rísticas construindo sua situação de maneira própria, isto é, o que ele chama de construto pessoal. Geralmente, o homem--cientista busca desenvolver a sua construção ajustando

54 55

seus construtos a outros superordenados que formam um sistema de construção. Esse corolário nos mostra que uma pessoa se molda progressivamente, produzindo réplicas dos eventos (KELLY, 1963). Assim, uma pessoa capaz de replicar algo é porque passou por uma experiência até atingir uma mudança conceitual.

Na Teoria dos Constructos Pessoais, George Kelly define o corolário da Experiência em um ciclo, denominado Ciclo da Experiência de Kelly, representado pela sigla CEK, pois a Experiência não é um momento único. Desta forma, o CEK é fundamentado pelas seguintes fases: (a) antecipação - nessa fase, a pessoa a partir de seus construtos pessoais levanta hipó-teses sobre a situação-problema; (b) investimento - diante da capacidade de replicar o evento anterior, encaminhar-se-á pela pesquisa; (c) encontro - nesse momento, são verificadas as teorias pessoais levantadas até então; (d) validação - no momento que verificadas, as teorias são ou não confirma-das; (e) revisão construtiva - para concluir são reavaliados os pontos de conflitos, podendo com isso gerar novas constru-ções (KELLY, 1963).

Essas serão as fases norteadoras do Laboratório Investigativo, que estimularão o desenvolvimento cognitivo e valorização dos conhecimentos prévios dos alunos como ponto de partida para a compreensão de conceitos científi-cos e reflexão de situações problematizadoras.

No intuito de inserir-se no rol de atividades de cunho investigativo, planejadas privilegiando momentos de discus-são, dúvidas, debates e que coloquem os alunos em situa-ções problematizadoras; visando o desenvolvimento crítico

e autônomo dos alunos, nosso objetivo é apresentar uma intervenção didática, tendo como base o CEK com susten-tação teórica numa perspectiva do Laboratório Investigativo de Química, para identificar o teor de etanol na gasolina em uma turma do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública do Estado da Paraíba.

Fundamentos teóricos

As práticas experimentais podem ser divididas em duas categorias: verificação - em que os alunos são meros espec-tadores e investigação – em que os alunos são protagonistas do processo de reflexão da problemática discutida (TAMIR, 1977).

É fácil percebermos que quando os alunos seguem rotei-ros rígidos sem compreender os reais motivos dos experi-mentos, tem-se um baixo desenvolvimento cognitivo, pois estes estão passando apenas por um processo de reprodução. No entanto, os alunos quando são submetidos às etapas da investigação – levantamento de hipóteses, coleta e análise dos dados e proposição de conclusões - desenvolvem habili-dades cognitivas em níveis mais elevados, estes são inseridos em situações de um grau de complexidade mais elevado, o que é o mais real (DOMIN, 1999). A considerar que, no Laboratório Investigativo, o educador não é proibido de fazer demonstrações, porém deve fazê-las de forma que os alunos sejam questionados sobre algumas hipóteses e pos-sam expor seus argumentos e raciocínios. Ou ainda que os

56 57

alunos procedam em sua investigação com protocolos de auxílio e supervisão do professor (CARVALHO, 1999).

Para a construção de uma prática docente eficaz, o pro-fessor deve investigar o que o aluno já conhece e a partir daí prosseguir com a organização das ideias e do desenvolvi-mento integrado e harmônico de competências de um dado conteúdo específico (MACHADO, 1999).

Azevedo et al. (2004) orientam que a experimentação, numa ótica investigativa, deve ressaltar aspectos como: per-guntas que alimentem a curiosidade científica dos alunos; espaço para que estes levantem hipóteses, sugiram planos de trabalho, manipulem o(s) experimento(s); coletem e anali-sem dados até chegar a uma conclusão que deve validar ou refutar o conceito inicial.

Em suma, uma proposta de Laboratório Investigativo deve negar a experimentação por roteiros pré-estabelecidos pelo professor. O aluno passa de espectador para protago-nista da problematização dos temas propostos. O professor deve promover a passagem do conhecimento empírico para o conhecimento científico (AZEVEDO et al., 2004).

O grande desafio reside no fato de que o levantamento e teste de hipóteses são algo muito complexo, uma vez que não se dá de forma direta, nem simples. Conduzir ativida-des experimentais sobre essa ótica é uma atitude perspicaz e deve ter um acompanhamento cauteloso do professor. Por isso, algo que pode ajudar para a elaboração de uma inter-venção didática voltada para o Laboratório Investigativo é a Teoria dos Constructos Pessoais, mais especificamente o CEK.

Alguns estudos apontam a eficiência do CEK como referencial teórico de propostas de intervenção pedagógica. Nesta perspectiva, Silva et al. (2012) destacam que a utili-zação do CEK interveio de forma significativa na mudança de concepções de temas complexos dos alunos da Educação de Jovens e Adultos. Os alunos participaram, ativamente, dinamizando o processo de ensino e de aprendizagem e possibilitando uma visão mais ampla dos conceitos traba-lhados. Ferreira et al. (2006) apontam um avanço de 64% a 100% nas respostas consideradas aceitáveis sobre o conceito de onda, após a aplicação do CEK, os autores ressaltam a importância de novas pesquisas para o aprimoramento dessa nova ferramenta metodológica. Bastos et al. (2005) além de indicarem o CEK como proposta metodológica para o ensino das ciências da natureza, ressaltam que, em pesquisa por eles realizada, houve uma mudança na estrutura cogni-tiva de 78% dos alunos submetidos às etapas do ciclo. E, por fim, temos que Rocha et al. (2005) enfatizam a surpresa na mudança de concepções pela influência do CEK.

As intervenções pedagógicas acima citadas destacam a eficiência e eficácia da utilização dos estudos de Kelly com fins pedagógicos e também ressaltam a importância do viés investigativo na experimentação. Por isso, a presente pesquisa propõe uma relação das fases do CEK com o Laboratório Investigativo, entendendo que ambos sugerem o conheci-mento como algo inacabado que sofre influência dos aspec-tos históricos, culturais e sociais.

58 59

Descrição das etapas do CEK

Para Kelly (1963, p.47) “os processos de uma pessoa são psicologicamente canalizados pelas maneiras por meio das quais ela antecipa eventos”. Conforme Kelly, “os seres humanos constroem sua realidade na qual respondem, e sua resposta está direcionada pelas suas experiências, utilizando conceitos prévios similares para antecipar as ações do com-portamento” (HALL et al., 2000, p.329).

A teoria proposta por Kelly é fundamentada em um (1) postulado “Os processos de uma pessoa são psicolo-gicamente canalizados pelas formas com que ela antecipa eventos” (KELLY, 1963, p.47) e onze (11) corolários, são eles: (1) Construção; (2) Experiência; (3) Organização; (4) Individualidade; (5) Dicotomia; (6) Faixa; (7) Escolha; (8) Modulação; (9) Comunalidade; (10) Fragmentação e (11) Sociabilidade. No entanto, para esta proposta que apresenta-mos, deve ser realçado o corolário da Experiência.

Partimos do pressuposto que a experimentação, em parti-cular para o ensino de Ciências conduz a profundas implica-ções para a aprendizagem. Pois, a aprendizagem deixa de ter o desígnio de algo terminal e passa a ter um olhar de algo que define o sujeito. Além disso, a experimentação investigativa prioriza os processos de construção e não os resultados finais.

Através do corolário da Experimentação, Kelly expõe sua ideia sobre a aprendizagem, “como algo que acontece a uma pessoa em certas ocasiões, pois a aprendizagem não é considerada como algo especial, mas como um sinônimo para qualquer processo psicológico” (NEVES, 2006, p.24).

Assim, representa o resultado das tentativas da pessoa de lidar com eventos, com suas experiências (BASTOS, 1992).

Concordamos com Bastos (1998) citado por Neves (2006) que para ocorrer à aprendizagem, é necessário que o indivíduo esteja verdadeiramente engajado nesse processo complexo. Para isso, os professores não devem esperar que seus alunos mudem as suas ideias por que tiveram contato com um evento numa dada perspectiva didática. Se os alu-nos não estiverem preparados para este evento, se não tive-rem investido na sua antecipação e se não considerarem que aconteceu de uma forma crítica, nenhuma mudança será observada.

É importante salientar que a Experiência para Kelly não representa apenas um simples encontro com um evento, mas um ciclo contendo cinco fases (Figura 1): antecipação, inves-tigação, encontro, confirmação ou desconfirmação e revisão construtiva (KELLY, 1963).

Figura 1 - Esquema de blocos do Ciclo da Experiência de Kelly (CEK) Fonte: Neves (2006, p.26)

60 61

Para isso, apresentamos, na Tabela 1, algumas sugestões como exemplos, em que o professor poderá utilizar na pro-posta de um Laboratório Investigativo de Química segundo as várias etapas do CEK.

Tabela 1 - Sugestões de atividades didáticas de acordo com as etapas do CEK que poderão ser desenvolvidas na proposta de um Laboratório

Investigativo de Química

ETAPAS DO CEK SUGESTÕES DE ATIVIDADES DIDÁTICAS

1 ANTECIPAÇÃO•Leitura e discussão de texto sobre a temática•Apresentação de vídeos •Realização de um pré-teste

2 INVESTIMENTO•Aula expositiva•Texto•Discussão

3 ENCONTRO •Aula experimental •Discussão

4 VALIDAÇÃO•Preparação para a apresentação dos resultados; •Acompanhamento dos testes e discussão das informações

observadas

5REVISÃO CONSTRUTIVA

•Texto para reflexão•Discussão•Realização do pós-teste

Fonte - Neves (2006, p.54) modificado

Desta forma, sugerimos que a intervenção didática seja iniciada com a exposição do problema (antecipação), que deverá ser buscado na vivência dos alunos, que tenha signi-ficado para eles, que desperte neles a curiosidade epistemo-lógica e com isso a motivação para uma participação efetiva.

Reiteramos, também, que numa intervenção didática do Laboratório Investigativo, baseada no CEK, não é vedado

ao professor fazer demonstrações, mas essas deverão ocorrer de forma dialogada e que os alunos não sejam reduzidos à categoria de espectadores.

Sendo assim, sugerimos que o professor estimule a pes-quisa para que os alunos respondam uma situação-problema; indique fontes de pesquisas; esclareça as normas de segurança necessárias para garantir a integridade dos alunos; oriente na execução de experimentos; proponha adaptações de recur-sos não acessíveis. Para isso, ele deverá organizar ou planejar juntos com os alunos as várias etapas da proposta.

Para validação de uma proposta de utilização do CEK apoiando o Laboratório Investigativo no ensino de Química, sugerimos que o professor procure avaliar as várias etapas do ciclo.

Uma intervenção didática do laboratório investigativo para o ensino de química norteada pelo CEK

A intervenção didática teve início, no ano de 2013, a partir de uma discussão inicial sobre o conteúdo de hidro-carbonetos na disciplina de Química de uma turma do 3º ano do ensino médio de escola pública estadual do Município de Pilar, no Estado da Paraíba. Dessa discussão surgiu o debate sobre as substâncias derivadas do petróleo e, por conseguinte, sobre a gasolina por ser uma substância muito presente no cotidiano de todos e que influência toda a sociedade contemporânea.

62 63

A intervenção didática, aqui descrita, foi planejada para a exposição da Química como ciência experimental, apresen-tando aos alunos como se dá o processo de descoberta atra-vés do método científico e com isso dando elementos para uma familiarização dos alunos com termos, instrumentos e processos inerentes a essa ciência. Destacamos, porém, que não se trata de uma proposta “engessada”. O professor tem a autonomia de usá-la como recurso em outros conteúdos e objetivos. Em virtude da organização dos horários escolares, o tempo planejado para cada etapa deve ser bem delineado, exceto as atividades experimentais, porque estas podem ser feitas no contra turno por ter uma maior liberdade quanto ao tempo. Vale salientar que cada instituição-escola tem suas peculiaridades e pensando nelas, é que, o professor deve organizar toda a logística necessária à execução da proposta.

A partir daqui, apresentaremos as fases do CEK aplica-das na intervenção didática do Laboratório Investigativo de Química, partindo desde a temática escolhida até a validação da proposta.

1ª Etapa: Antecipação

A elaboração de uma intervenção didática norteada pelo apanhado teórico aqui descrito na turma analisada foi pro-duzida em diálogo coletivo, ou seja, a partir de discussões entre o professor e os alunos da turma, uma vez que todos fazem parte do processo ensino aprendizagem.

Nesta etapa, os números de encontros foram dois, num total de 4 horas-aula. Inicialmente, fizemos uma

problematização inicial, utilizando de recursos didáticos convenientes, citamos como exemplos: leitura de textos, exibição de vídeos etc.

O primeiro encontro consistiu na apresentação da temática e relevância de se determinar o teor de etanol na gasolina. A gasolina por ser uma das principais fontes ener-géticas do mundo, no debate, surgiram muitas perguntas sobre a produção, a composição e a adulteração da gasolina uma vez que são constantes as notícias que são veiculadas nas mídias de massa e nas redes sociais sobre esta temá-tica. Este encontro se constitui de problematização inicial e levantamento das concepções iniciais dos alunos sobre a gasolina e o teor de etanol. No segundo encontro, apre-sentamos, a partir do levantamento das concepções ini-ciais dos alunos, uma atividade que respondesse aos anseios dos mesmos para que estes construíssem as respostas de forma autônoma (AZEVEDO et al., 2004; GIL-PEREZ; VALDÉS CASTRO; HODSON, 1994; SOUZA, 2007; ZOMPERO; LABURÚ, 2011).

Para essa atividade, foi observada a Resolução Agência Nacional do Petróleo (ANP), número 57, de 20.10.2011, que destaca o valor da porcentagem de etanol na gasolina comercializada em nosso país. Os valores variam de 20 a 25% dependendo de alguns fatores econômicos, ambientais e sociais.

Dessa forma, qual é o problema? É o aumento de forma ilegal do teor de etanol na gasolina. Quando este valor é ultrapassado, os carros que ainda não detêm a tecnologia flex sofrem desgastes porque não foram projetados para um teor

64 65

elevado de etanol em seu motor e o motorista que acom-panha, regularmente, o desempenho de seu carro percebe além do desgaste um aumento no consumo de combustível, pois pode-se chegar ao caso do percentual do etanol ser maior do que o da gasolina.

A percepção que a gasolina está adulterada fica mais difí-cil com o aumento da frota de carros flex uma vez que os mesmos são adaptados tanto para etanol quanto para a gasolina. Se os carros flex são adaptados para etanol e gaso-lina, qual seria o problema da porcentagem do etanol ser maior que a estabelecida pela Agência Nacional de Petróleo (ANP)?

As respostas foram encontradas no Código de Defesa do Consumidor, pois é estabelecido por ele que o produto deve trazer informações claras sobre sua quantidade, peso, composição, preço, riscos que apresenta e sobre o modo de utilizá-lo. E o mais grave dessa adulteração é que o eta-nol é mais barato e tem um rendimento menor que o da gasolina fazendo com que o consumidor seja lesado por duas vezes. Neste segundo encontro, também apresenta-mos a proposta do Laboratório Investigativo de Química norteada pelo CEK, como dito anteriormente, em que escolhemos uma temática cuja situação-problema foi “o teor de etanol na gasolina”.

2ª Etapa: investimento

O investimento ocorreu em três encontros de duas horas-aulas cada um. No primeiro encontro desta etapa, foi pensado num cenário em que os alunos pudessem identi-ficar o teor de etanol na gasolina e pudessem a partir do conteúdo vivenciado em sala de aula exercer sua cidadania, um caso de busca de uma sociedade mais justa e cumpri-dora dos seus deveres. Quando a sociedade é conhecedora de seus direitos e tem acesso a informação dos produtos que a ela são comercializados, força as empresas do comércio a disponibilizar produtos e serviços com melhor qualidade (AMARAL, 1997).

No segundo encontro, apresentamos textos e produções textuais através de aulas expositivas. Além disso, foi solicitado que os alunos trouxessem algumas ideias de como determi-nar o teor de etanol na gasolina. Para isso, foi pedido aos alu-nos que fizessem uma leitura do texto Determinação do teor de álcool presente na gasolina comercializada na cidade de Caxias – MA 3.

No terceiro encontro, tivemos o que denominamos de trabalho de campo, em que fizemos as coletas de várias amostras em dois postos de abastecimento no município de Pilar – PB. A turma foi dividida em equipes que fizeram os papéis de consumidores e compraram 2L (dois litros)

3 SANTOS R. T. F.; SANTOS M. O.; OLIVEIRA M. M. Determinação do teor de álcool presente na gasolina comercializada na cidade de Caxias – MA. In: VII Congresso Norte e Nordeste de Pesquisa e Inovação. Palmas, Tocantins, 2012.

66 67

de gasolina em cada posto de abastecimento. Esse proce-dimento foi feito por todas as equipes para que tivéssemos o máximo de amostras possíveis já que todos concordaram que poderíamos repetir várias vezes o experimento.

3ª Etapa: o encontro

O encontro consistiu na terceira etapa do CEK, teve como objetivo a realização do experimento ou atividade experimental relacionado com a temática. Os números de encontros foram três, num total de 6 horas-aula. Para isso, fizemos visitas ao laboratório escolar em que novamente dividimos a turma em equipes. No primeiro encontro fize-mos a devida exposição do problema, depois reunimos os alunos em equipes, em que pedimos a cada equipe que se posicionasse em relação à situação-problema levantando hipóteses para indagações (Figura 2). As hipóteses foram expostas em um mural para que as equipes pudessem conhe-cer e confrontar as ideias. Nessas socializações das hipóteses, tiveram o confronto das hipóteses de todas as equipes por meio de uma discussão. Por conseguinte, deu-se a oportuni-dade das equipes ajustarem suas hipóteses, caso elas achassem necessário, pois surgiram hipóteses parecidas ou até antagô-nicas. Assim, após o debate, as equipes decidiram combina-ções ajustes ou até mesmo discordância entre as posições levantadas.

Figura 2 - Momento em que os alunos em equipe estão se posicionado em relação à situação-problema e levantando hipóteses para indagações

Fonte - Fotografia dos autores

Com intuito de enriquecer o debate, no laboratório, fizemos uma leitura do texto: “Determinação do teor de álcool presente na gasolina comercializada na cidade de Caxias – MA”. No segundo encontro, após a leitura do texto, a atividade foi sucedida por novas discussões no grande grupo. Passada essa fase geral do confronto de ideias, as equipes retornaram para as discussões internas e refi-zeram as hipóteses, caso julgassem necessário. A conclu-são dessa etapa foi feita com a socialização das hipóteses – com a construção de um novo mural. Ressalta-se também a importância de serem preservadas todas as construções das equipes com o intuito de acompanhar a evolução nas mudanças conceituais.

68 69

No terceiro encontro, cada equipe com suas devidas amostras, de cada posto de abastecimento do município, fizeram análises volumétricas e determinaram o percentual de etanol das amostras de gasolina coletadas (Figura 3). Nesta etapa, da atividade experimental, o professor teve o cuidado de preservar pela segurança dos experimentos das equipes. Para isso, foram realizadas orientações e tentou-se fugir de meras reproduções sobre a temática já conhecidas. Durante a elaboração dos experimentos, os alunos fizeram debates e pesquisas de acordo com anseio, necessidade, curiosidade e peculiaridade de cada equipe (Figura 4).

Figura 3 - Momento em que os alunos em equipe estão fazendo as análises volu-métricas e determinação do percentual de etanol das amostras de gasolina coletadas

Fonte - Fotografia dos autores

Figura 4- Momento em que os alunos em equipe fizeram debates e pesquisas de acordo com anseio, necessidade, curiosidade e

peculiaridade de cada equipeFonte - Fotografia dos autores

Para determinarmos o percentual de etanol na gasolina, chegamos ao acordo com todas as equipes de utilizarmos um bastante simples denominado “teste da proveta”.

O teste da proveta consistiu em utilizar uma proveta de 100 ml, limpa, seca, desengordurada e com tampa; 50 ml da gasolina que se deseja analisar; 50 ml de solução de cloreto de sódio (NaCl) na concentração de 10% p/v, isto é, 100 g de sal para cada 1l de água (muitas vezes, utiliza-se apenas água, mas o indicado pela ANP é com a solução aquosa de cloreto de sódio).

Para isso, colocamos 50 ml de gasolina na proveta e, em seguida, adicionamos 50 ml da solução de cloreto de sódio. Com a proveta tampada, misturamos a gasolina e a solução sem a agitação da mistura. Para isso, invertemos a proveta por 10 vezes sucessivas e deixamos em repouso durante 15 minutos.

70 71

Dessa forma, notamos que a solução aquosa de cloreto de sódio irá retirar o álcool (etanol) que estava misturado na gasolina. Isso acontece porque o etanol possui uma parte polar e outra apolar, sendo que sua parte apolar é atraída pelas moléculas da gasolina que também são apolares pela força de dipolo induzido. Mas, a sua parte polar, caracteri-zada pela presença do grupo OH é atraída pelas moléculas de água da solução aquosa, que também são polares, reali-zando ligações de hidrogênio que são bem mais fortes que as ligações do tipo dipolo induzido. Como a água é mais densa, ela ficará na parte inferior e a gasolina na parte superior da proveta (Figura 5).

Figura 5 - Teste da proveta: a água é mais densa e apresenta-se na parte inferior da proveta e a gasolina na parte superior

Fonte - Fotografia dos autores

Para sabermos então se a quantidade de etanol que tinha na gasolina estava dentro dos parâmetros estabelecidos por lei, determinamos a quantidade de álcool que foi retirado dela. Por exemplo, digamos que depois que as camadas se separaram, o volume da fase aquosa passou de 50 ml para 60 ml e a da gasolina ficou 40 ml. Então teremos que 10 ml de álcool foram extraídos da gasolina. Baseado nisso, faz-se uma seguinte regra de três para saber quanto isso representa em porcentagem. O valor percentual obtido foi de 20%.

Dessa forma, as amostras de gasolina dos dois postos de abastecimento do município apresentaram valores dentro dos limites estabelecidos pelo ANP.

4ª Etapa: validação

Nesta etapa, tivemos a validação das análises das experi-ências e discussão dos resultados obtidos. Para isso, utilizamos de dois encontros, num total de 4 horas-aula. No primeiro encontro, houve o compartilhamento de ideias e compa-rações dos resultados obtidos entre as equipes. Durante esse encontro, o professor retomou ao problema de como determinar o valor percentual de etanol na gasolina. E no segundo encontro, tivemos as exposições dos dados de cada equipe e discussões sobre os resultados obtidos.

Todas as equipes concluíram que as gasolinas for-necidas pelos dois postos de abastecimento continham teores de etanol dentro dos limites estabelecidos pela ANP, ou seja, os valores das porcentagens de etanol na

72 73

gasolina comercializada no Município de Pilar-PB esta-vam entre 20 e 25%.

5ª Etapa: revisão construtivista

Para esta etapa, utilizamos um encontro com a duração 2 horas-aula, que foi realizada em sala de aula e teve como objetivo verificar a compreensão final sobre os conceitos envolvidos na temática e quando estes foram modificados em função da investigação vivenciada.

Fizemos uma discussão e aplicação de um questionário aos alunos sobre a temática. A discussão teve a duração de vinte minutos e a aplicação do questionário teve a duração de cinquenta minutos. Os últimos vinte minutos do encon-tro, utilizamos para concluir as atividades, tivemos novas dis-cussões entre as equipes e sugerimos a elaboração de um novo mural que expressasse relatos da atividade experimen-tal proposta e a socialização de todo o processo apresen-tando as mudanças conceituais.

A partir da metodologia do Laboratório Investigativo norteada pelo CEK utilizada na intervenção didática, foi possível obter um avanço no rendimento escolar e na fre-quência dos alunos. Na Tabela 2, apresentamos os dados das médias bimestrais e do acompanhamento de faltas dos alu-nos da turma do 3º ano do Ensino Médio em que ocorreu a intervenção didática descrita.

Tabela 2 - Apresentação das médias das notas e faltas dos alunos da turma do 3º ano do Ensino Médio, durante três bimestres, com relação às aulas de Química em que ocorreu intervenção didática do Laboratório

Investigativo baseado no CEK

Médias 1º Bimestre 2º Bimestre 3º Bimestre

Notas 7,2 8,1 8,6

Faltas 0,2 0,4 0,2

Fonte - Elaboração dos autores

Considerações finais

A experimentação no ensino de Ciências tem sido defendida em diversas pesquisas, pois se constitui numa abordagem pedagógica importante que pode auxiliar na construção de conceitos e teorias.

Neste trabalho, como nosso objetivo foi apresentar uma intervenção didática em que utilizamos do Laboratório Investigativo de ensino de Química apoiado no Ciclo da Experiência de Kelly, pois geralmente as atividades de labo-ratório são orientadas por roteiros predeterminados ou rígi-dos. Na ausência de um roteiro rígido, é que, as medidas e anotações poderão adquirir um real significado. Ou seja, os alunos podem refletir sobre a razão do porquê fazer ou do quê fazer.

Propomos que o professor deva considerar a importân-cia de colocar os alunos numa situação-problema, para que possa propiciar uma situação apropriada à construção do próprio conhecimento pelos alunos.

74 75

Devemos ter em mente que o ensino por investigação, os alunos são colocados em situação de realização de peque-nas pesquisas, ajustando aos conteúdos conceituais, procedi-mentos e atitudes.

Dessa forma, unindo a abordagem do Laboratório Investigativo com Ciclo da Experiência de Kelly, o professor pode promover as devidas transformações e mediações para colaborar numa construção da aprendizagem juntamente com os alunos.

Referências

AMARAL, I. A. Conhecimento formal, experimentação e estudo ambiental. Ciência e Ensino, n.3. Dez. 1997.

AZEVEDO, M. C. et al. Ensino por investigação: proble-matizando as atividades em sala de aula. In: CARVALHO, Anna Maria Pessoa de (Org.). Ensino de ciências: unindo a pesquisa e a prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, v. 1, p.19-33, 2004.

BASTOS, H. F. B. N. Changing teachers practice: towards a constructivist methodology of phys-ics toaching, Inglaterra. Tese (Doutorado em Física). University of Surrey, 1992.

BASTOS, H. F. B. N.; TENÓRIO, A. C.; ROCHA, L. G. Investigando a aplicação do ciclo da experiência da teo-ria dos construtos pessoais para promover a mudança na

compreensão do movimento retilíneo uniforme. In: V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2005, Bauru. Belo Horizonte: ABRAPEC, 2005.

CARVALHO, A. M. P. et al. Termodinâmica: um ensino por investigação. São Paulo: FEUSP, 1999.

DOMIN, D. S. A review of laboratory instruction styles. Journal of Chemical Education, v.4, n. 76, p.543-547, 1999.

FERREIRA, N. O.; BASTOS, H. F. B. N.; COSTA, E. B. Utilizando o ciclo da experiência de Kelly para investi-gar a compreensão dos comportamentos ondulatórios e corpuscular. Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC. Florianópolis, 2006.

GIL-PÉREZ, D. et al. A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005.

GIL-PÉREZ, D.; VALDÉS CASTRO, P. La orientacion de las práticas de laboratório coninvestigacion: um ejemplo ilustrativo. Enseñanza de Las Ciências, v.2, n.14, p.155-163, 1996.

HALL. C. S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J. B. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

76 77

HODSON, D. Hacia um enfoque más critico deltrabajo de laboratório. Enseñanza de Las Ciências, v.3, n.12, p.299-313, 1994.

KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963.

MACHADO, A. H. Aula de química: discurso e conhe-cimento. Ijuí/RS: Editora UNIJUÍ, 1999.

NEVES, R. F. A interação do ciclo da experiência de Kelly com o círculo hermenêutico-dialético, para a construção de conceitos de biologia. Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2006.

ROCHA, L. G. O ciclo da experiência kellyana como novo processo metodológico para o ensino das relações entre força e movimento retilíneo uniforme. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 5, p.5-22, 2005.

SANTOS R. T. F.; SANTOS M. O.; OLIVEIRA M. M. Determinação do teor de álcool presente na gaso-lina comercializada na cidade de Caxias – MA. In: VII Congresso Norte e Nordeste de Pesquisa e Inovação. Palmas, Tocantins, 2012.

SILVA, R. P. Investigando a utilização do ciclo da expe-riência kellyana na compreensão do sistema cardiovas-cular. IV Encontro de Pesquisa Educacional de Pernambuco. Caruaru-PE, 2012.

SOUZA, S. S. P. Atividades investigativas, como estratégia para o ensino aprendizagem em ciência: propostas e aprendizagens. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará - UFPA, Belém, 2007.

TAMIR, P. How are the laboratories used? Journal of Research is Science Teaching, v.14, n.4, p.311-316, 1977.

ZOMPERO, A. F.; LABURÚ, C. E. Atividades investiga-tivas no ensino de ciências: aspectos históricos e diferen-tes abordagens. Revista Ensaio, v.13, n.3, p.67-80, Belo Horizonte, 2011.

79

O USO DO CELULAR NA ESCOLA um relato de experiência sob o foco de seus

problemas e suas potencialidades

Geane Araújo da Silva1

Alessandro Frederico da Silveira2

Introdução

A sociedade está sofrendo constantes transformações e expansões quanto aos padrões que a constituem. A escola encontra-se na linha de frente quanto às consequências dessas mudanças, visto que o ambiente escolar é com-posto por uma amostra da sociedade que se encontra numa faixa etária de contestação e que pratica culturas diversas. Segundo Libâneo (2006), é no espaço escolar que ocorre o

1 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – Email: [email protected].

2 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – Email: [email protected].

80 81

intercruzamento de culturas, a cultura científica, a cultura escolar, a cultura social, a cultura dos alunos e a cultura das mídias. Neste cenário de diversidades e constantes mudan-ças, as relações adquirem um caráter conflitante que requer uma atenção minuciosa para que a escola proporcione oportunidades iguais a alunos muito distintos, priorizando o desenvolvimento da cidadania de cada um.

Para Teruya, Felipe e Takara (2013, p.82) “(...) as relações dos sujeitos da juventude no espaço escolar são complexas e exigem compreensão das culturas juvenis que são múlti-plas e compostas por inúmeros saberes que se combinam, se rejeitam e se completam”.

Diante do exposto, podemos afirmar que a escola tem o papel de promover a discussão e reflexão sobre as múltiplas realidades que coexistem nesse ambiente. Das muitas reali-dades a serem discutidas no ambiente escolar, temos o acesso à informação, principalmente quando este se dá por meio do uso do aparelho celular, a considerar que na atualidade, em qualquer lugar e hora, os alunos têm disponíveis infor-mações que passaram a ser intensificadas, devido ao dema-siado uso desse dispositivo.

São jovens, adultos e muitas vezes crianças que dispõem do conhecimento de modo rápido e eficiente. São pessoas que levam consigo a qualquer lugar a possibilidade de aces-sar o conhecimento, de interagir com outros, em qualquer parte do planeta, de gravar, filmar ou fotografar os aconte-cimentos de modo que a “informação” possa ser arquivada ou compartilhada. Isto representa uma realidade diferen-ciada em relação a outras gerações, encantando a todos que

maravilhados com as possibilidades dos celulares, na maioria dos casos, não analisam seus riscos e consequências.

Neste contexto contemporâneo, o limite entre o público e o privado, a noção de tempo e espaço e a ideia da constru-ção do conhecimento foram alterados e, consequentemente, as famílias, a escola e a sociedade em geral estão reagindo a essas mudanças, requerendo novas estratégias, novas práti-cas e também fazendo emergir novos desafios e obstáculos (VERZA, 2008).

De acordo com Silva e Campos (2010), tem-se espe-rado do professor uma nova postura ante o conhecimento e as concepções de aprendizagem, e este se vê desafiado a reinventar as suas práticas, sem mesmo sentir-se preparado/qualificado para tal.

O Professor não pode ser visto como única fonte de conhecimento. As fontes de conhecimento são muitas, as informações encontram-se cada vez mais acessíveis. Os alu-nos dispõem de inúmeros recursos de aprendizagem. Porém, essa facilidade de entrar em contato com o conhecimento, na maioria das vezes, não significa adquiri-lo. A construção do conhecimento, especialmente nos jovens em idade esco-lar, é facilitada se estes forem orientados quanto à seleção de material, à relevância dos assuntos abordados, à organização das informações, ao desenvolvimento das competências e habilidades necessárias. Deste modo, a função do professor no processo de ensino-aprendizagem, atualmente, é pau-tada na condução e na orientação para a construção do conhecimento.

82 83

A respeito dessa reconstrução do papel do professor, Alonso (2003) afirma que:

[...] o papel do professor terá de ser revisto: deixa de ser o simples transmis-sor e repassador de um conhecimento já produzido para tornar-se o mediador do conhecimento, o mobilizador de energias, aquele que investiga e aprende junto com os alunos, descobre e favo-rece o desenvolvimento de talentos, ins-tiga a busca e a descoberta. Em suma, a tarefa de ensinar ganha contornos total-mente novos, uma vez que o professor não é mais aquele que ensina, mas o que viabiliza o processo de aprendizagem dos alunos (ALONSO, 2003, p. 33).

Neste sentido, o presente artigo traz a descrição de uma experiência vivenciada no cotidiano de uma escola pública de Ensino Médio, localizada na cidade de Ingá – PB, em que a professora de Física buscou promover aos seus alunos uma reflexão sobre as vantagens e danos causados pelo uso excessivo do aparelho celular e a potencialidade do mesmo como ferramenta de aquisição de conhecimentos. Foi rea-lizada uma série de atividades, as quais serão descritas neste artigo.

O encanto da telefonia móvel e as problemáticas com seu uso

O avanço ocorrido no setor da telefonia, nas últimas décadas, gerou uma elevação no poder de comunicação dos adolescentes. Por tratar-se de uma tecnologia móvel e economicamente acessível para a maior parte da população brasileira, o celular tornou-se comum e seu uso em lugares diversos e por todas as classes sociais. Moraes e Veiga-Neto (2008, p.2) ressaltam que “O celular representa, atualmente, um dos principais pontos do ‘estar conectado em rede’, pois associa portabilidade e mobilidade a um enorme potencial de inclusão digital”. Essa verdadeira revolução da informa-ção ocasionada pelo uso da telefonia móvel encontra-se evi-dente em nosso cotidiano.

No Brasil, a teledensidade (indicador utilizado inter-nacionalmente para demonstrar o número de telefones em serviço para cada grupo de 100 habitantes) alcançou o índice de 130,44, totalizando cerca de 256,13 milhões de linhas ativas na telefonia móvel ao final de junho de 2012, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel)3.

O encanto pelo aparelho celular muitas vezes, transpassa a necessidade, tornando-se dependência, originando muitos problemas para os jovens nos mais diversos ambientes. Em pesquisa realizada por Alves (2012), constatou-se que 79%

3 Informações disponíveis em: http://www.anatel.gov.br/Portal/exibir-PortalNoticias.do?acao=carregaNoticia&codigo=26081

84 85

dos indivíduos, sujeitos da pesquisa, disseram que se sen-tem mal quando se encontram sem o seu aparelho celular. A fobia, ou sensação de angústia, que surge quando alguém se sente impossibilitado de se comunicar ou se vê inconectável, por meio do celular ou qualquer outro telemóvel, caracte-riza-se como um distúrbio denominado de nomofobia.

A nomofobia é, portanto, um termo utilizado para expressar a condição de dependência do celular, quando o aparelho passa a dominar a vida das pessoas, adquirindo um status de importância além do saudável. Esse distúrbio vem tomando proporções alarmantes entre os jovens, especial-mente em jovens que se encontram na faixa etária escolar. Fato que, muitas vezes, reflete-se no seu desempenho escolar.

Um dos pontos polêmicos e assustadores, nos estudos sobre o uso do celular, é o efeito da radiação sobre o orga-nismo. Estudos realizados nas últimas décadas em diversos países alertam para o “aumento significativo no risco” de tumores cerebrais entre pessoas que usam celulares há mais de dez anos. Além de apresentar indícios que o seu intenso uso pode estar relacionando a ocorrência de casos de câncer nas glândulas salivares e na infertilidade masculina (FOLHA, 2011).

Outra polêmica envolvendo o celular é a sua utilização no ambiente escolar. A todo instante, pais, professores e ges-tores se perguntam: como conviver com esses aparelhos nas salas de aula? Atribui-se ao uso do celular, neste ambiente, muitos problemas educacionais, dentre esses, destacam-se o aumento do nível de cansaço desses jovens e a dificuldades de concentração e aprendizagem dos mesmos, que muitas

das vezes estão relacionados ao uso exacerbado do celular. Contudo, se usado de forma adequada também pode pro-porcionar novas perspectivas educacionais no âmbito do cotidiano escolar.

O celular no ambiente escolar

No espaço escolar, o uso do celular dialoga com as cul-turas e representações constitutivas de saberes que circulam, ainda, de forma hegemônica nas salas de aula, mas também impõe novas regras, novas ações e novas alternativas meto-dológicas. Um posicionamento bastante usual nas escolas é a proibição dos celulares em suas dependências, isto é jus-tificado pelo fato desses equipamentos levarem os alunos a distraírem-se durante as aulas. Além de causar a distração, os celulares, muitas vezes, são utilizados como ferramen-tas de fraude durante avaliações. Por tudo isso, é comum às escolas públicas ou privadas classificarem o uso do celular nas salas de aula, como atos de indisciplina a ser combatido e desencorajado, entre os alunos. Em resposta a clamores oriundos de diversas escolas, em 03 de novembro de 2009, a Assembleia Legislativa da Paraíba aprovou a Lei nº 8.949 que proíbe a utilização de celulares em escolas públicas e particulares de todo o estado (PARAÍBA, 2009).

É preciso ressaltar que a escola é parte integrante e inte-gradora da organização social do mundo contemporâneo e não pode fechar os olhos para os avanços ocorridos e sobre as possibilidades que podem surgir no âmbito escolar com

86 87

o uso do celular. Sobre a utilização do celular no ambiente escolar, Silva e Consolo (2007) destacam que:

O uso do celular poderá complementar as ações do professor frente aos novos desafios educacionais, ou seja, permitirá a abertura e trará maiores possibilidades de interação, comunicação, participa-ção, troca, colaboração entre os envol-vidos, viabilizando, assim, a criação de comunidades de aprendizagem (SILVA; CONSOLO, 2007, p.13).

O celular, na sala de aula, pode ser usado para estimular os alunos a coletarem dados para subsidiar suas informa-ções e construírem o conhecimento, o que exige uma prá-tica pedagógica envolvente, e com regras bem definidas, de modo que o aluno compreenda que o celular pode torna--se um aliado no processo de construção do conhecimento (SEABRA, 2013).

Também é importante destacar que alunos e professores estejam conscientes quanto ao uso do celular como ferra-menta que pode subsidiar o processo de ensino-aprendiza-gem e não pode ser entendido como a solução para todos os problemas educacionais brasileiros. Ao mesmo tempo, lembramos que seu uso requer a introdução de estratégias de ensino diferenciadas e inovadoras, e de forma adequada, a considerar que o mau uso do mesmo pode potencializar as dificuldades dos alunos.

Imaginação pedagógica, engajamento dos alunos, refle-xão sobre as práticas desenvolvidas, troca de experiências e valorização do conhecimento prévio dos alunos são algumas das condições necessárias para que o celular seja entendido como uma ferramenta de aprendizagem na sala de aula. De acordo com Marçal (2005), uma das características da uti-lização do celular como uma ferramenta de ensino-apren-dizagem é a possibilidade imersiva do uso dessa tecnologia, isto é, o aluno poderá estar em contato com o objeto de aprendizagem em diferentes horários e locais, o que pro-move uma ruptura com a concepção da escola como o espaço do aprender.

O telefone celular faz parte da vida da maioria dos adolescentes em idade escolar, não há como a escola fugir dessa realidade. Não é possível simplesmente proibir o uso desse dispositivo e fingir que ele não interfere no processo de aprendizagem. Segundo Ramos (2012), a sala de aula é composta dos acontecimentos internos, além do que os alu-nos trazem do dia a dia as potencialidades de cada um, os conflitos, as concepções, sendo, portanto, papel da escola a orientação para uma convivência tranquila e produtiva.

Portanto, o celular pode ser mais uma ferramenta, não devendo ser entendido como a causa dos problemas edu-cacionais e nem tão pouco como sua solução, mas como mais um recurso que pode apresentar muitas possibilidades pedagógicas.

88 89

Metodologia

Este trabalho é de natureza quali-quantitativa e foi desenvolvido por meio de um projeto que contemplou um estudo teórico e empírico do tema em estudo. A parte empírica foi realizada na Escola Estadual de Ensino Médio Luiz Gonzaga Burity, localizada na cidade de Ingá – PB. A escola citada tem aproximadamente 843 alunos divididos em 22 turmas, dentre as quais, seis funcionam em anexos na zona rural do município. Em todas as turmas existentes, há registros, mesmo que informais, de situações desagradáveis envolvendo o uso do aparelho celular na sala de aula.

Para execução desta fase da pesquisa, foram escolhidas duas turmas piloto, totalizando uma quantidade de 45 alu-nos, da referida escola. O critério principal para a escolha da turma foi o elevado percentual de alunos com histórico de problemas com o mau uso do celular durante as aulas. Foram escolhidas duas turmas do segundo ano do Ensino Médio, sendo uma do turno da manhã, formada exclusi-vamente por alunos que residem na zona urbana, e outra do turno da tarde, em que a maioria dos alunos é oriunda da zona rural. As turmas realizaram atividades similares, no mesmo período do ano letivo e em paralelo com os conte-údos curriculares programáticos recomendados para a série, sendo estas as responsáveis pela socialização dos conheci-mentos adquiridos com os demais alunos da referida escola.

As ações na escola iniciaram no mês junho de 2013 e foram desenvolvidas em duas etapas. A primeira etapa con-sistiu em estudos bibliográficos acerca do tema e foram

realizados exclusivamente com as turmas piloto, em que os alunos investigaram, exploraram e debateram sobre o uso do celular. A segunda etapa contemplou o momento em que as turmas piloto compartilharam os conhecimentos adquiridos sobre o tema com os demais alunos da escola supracitada.

Descrevendo a experiência na escola

Num primeiro momento, relatamos o início das ativi-dades, desde o conhecimento da temática ao momento de investigação acerca do comportamento dos alunos com o celular. Na sequência, relatamos o estudo realizado com as duas turmas do 2º ano do Ensino Médio, sobre o uso do celular e os danos causados, e por fim apresentamos a culmi-nância das ações, em que os alunos das turmas piloto socia-lizaram os conhecimentos adquiridos com os demais alunos da escola.

Do início ao despertar de uma ação

O projeto teve início no mês de junho de 2013, de modo a surpreender os alunos. Ao chegar à sala de aula, os alunos foram organizados em grupos de dois ou três componen-tes, de modo que em cada grupo existisse pelo menos um celular com acesso à internet. Formados os grupos, os alunos foram orientados a conectarem seus aparelhos celulares à internet, o que causou um espanto enorme entre eles. Ao informá-los que utilizaríamos o telefone como ferramenta de pesquisa, percebemos que muitos, apesar de possuírem

90 91

celular, não reconheciam sua utilidade para a aquisição de conhecimentos.

Nessa etapa, os alunos foram levados a pesquisar sobre a nomofobia e seus sintomas, para tal foram orientados sobre a fonte de pesquisa que deveriam utilizar, de modo que permitiu aos mesmos identificar as diferenças entre portais confiáveis ou não para realizar uma pesquisa. Na ocasião, foram colocados na lousa diversos endereços eletrônicos pré-selecionados. Ao término do tempo destinado às buscas na internet, a sala foi reorganizada em forma de semicírculo e os alunos foram instigados a falar sobre as informações adquiridas em suas pesquisas. Esse foi um momento muito rico, a considerar que os alunos, em sua grande maioria, demonstraram ter compreendido o conceito de nomofobia e seus sintomas.

Após esse primeiro momento, o projeto foi apresentado aos alunos, de modo que esses opinassem sobre os objetivos e principalmente sobre os procedimentos a serem adota-dos em todas as etapas, buscando desenvolver um estudo em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) que propõem um ensino fundamentado na cidada-nia e na autonomia dos alunos (BRASIL, 2002).

Dessa forma, o interesse em apresentar e discutir com toda a comunidade escolar sobre os problemas e as poten-cialidades dos aparelhos celulares tornou-se desejo desses alunos que, por meio de determinadas atividades, conse-guiram socializar com os seus colegas o conhecimento adquirido.

Socializando o estudo com os colegas

Após um período de estudo, os alunos foram convocados a discutir sobre os riscos presentes no uso indevido do celu-lar. Essa etapa foi subdividida, como forma de organização das ideias. No primeiro momento, eles discutiram os riscos sociais, com exemplos vivenciados ou descritos nos meios de comunicação. Para tal, abordaram temas como o isolamento social, a retração, o uso do celular em locais impróprios. Em seguida, abordamos os riscos físicos aparentes como as dores de punho e polegar, os problemas de audição ocasionados pelo abuso do fone de ouvido, o perigo de acidentes no trânsito (seja por imprudência de motoristas ou pedestres, que fazem uso do celular), as dores de cabeça e de coluna, além dos distúrbios de sono, falta de concentração, e redução da capacidade reprodutiva masculina.

Todos esses temas foram abordados numa perspec-tiva reflexiva sobre a prática diária, de modo a oferecer a cada adolescente envolvido na pesquisa a oportunidade de conhecer as possíveis consequências de seus “hábitos”. Em seguida, partimos para as discussões sobre a radiação emitida pelos celulares, fundamentando-se em pesquisas confiáveis, o que ocasionou pontos de vista conflitantes, como a opi-nião de alguns fabricantes de celulares, que classificam como fantasiosa a ideia de relacionar o surgimento de câncer ao uso do celular. As controvérsias que surgiram nas discussões produziram um enriquecimento das pesquisas literárias rea-lizadas e levaram os alunos a perceberem a necessidade de consultar outras fontes de pesquisa. Nesse momento, foram

92 93

geradas inquietações em torno de alguns temas como radia-ção, efeitos da radiação sobre o DNA, tipos de radiação e os possíveis danos e acidentes radioativos. Aproveitando esse momento, abordamos o tema radioatividade4. O desenvol-vimento do conteúdo aconteceu em meio a muita curiosi-dade e disposição para a leitura, por parte dos alunos.

Ao final desse período de construção do conhecimento sobre os efeitos da radioatividade, os alunos foram orientados a refletirem sobre suas práticas diárias com seus dispositivos de telefonia móvel, deixando claro que as pesquisas sobre os efeitos cancerígenos desses dispositivos podem não ser conclusivas, mas apresentam indícios que devem ser consi-derados. Em seguida, foi proposto que elaborassem um texto argumentativo sobre o uso do celular e suas consequências, e ao serem avaliados evidenciaram que houve um grande entendimento e compreensão dos temas abordados.

Relatando um novo olhar

Após todo o estudo teórico, os alunos foram convocados a colocar em prática os conhecimentos adquiridos. Como ponto inicial, passamos a cobrar deles uma postura mais adequada em relação ao uso do aparelho celular. E como atividade de aplicação da aprendizagem foi solicitada que

4 O conteúdo de radioatividade foi iniciado como a leitura de trechos pré-selecionados do livro “Becquerel e a descoberta da radioatividade: uma análise crítica” de autoria de Roberto de Andrade Martins, pro-fessor visitante da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

os mesmos divididos em equipes elaborassem uma proposta prática acerca do uso do celular nas aulas de Física. Das ações desenvolvidas, os alunos responsabilizaram-se por:

• Uma apresentação em Power point sobre o tema, apresentando todos os pontos pesquisados de modo a conscientizarem os demais alunos da escola sobre o uso do celular: seus problemas e suas potencialidades;

• Um mural expondo pontos principais das pesquisas realizadas;

• Produção e encenação de peça teatral enfatizando os problemas ocasionados pelo uso indiscriminado do celular;

• Produção e apresentação musical sobre o uso exces-sivo do celular e suas consequências.

Durante esse processo de criação artística, os alunos exploraram suas potencialidades aplicando não apenas os conhecimentos adquiridos em todo o projeto, mas prin-cipalmente criando pontes de conhecimentos com outros conteúdos ou mesmo com outras áreas de conhecimento.

A culminância do projeto ocorreu no dia 17 de outu-bro de 2013, na biblioteca da própria escola, visto que nesta não há espaço reservado para eventos. Nesta ação, os alunos envolvidos no desenvolvimento do projeto atuaram como multiplicadores do conhecimento, expondo para os demais alunos da escola do turno manhã os transtornos causados pelo uso indiscriminado do aparelho celular, abordaram todos os riscos existentes e as polêmicas sobre o perigo da

94 95

radiação emitida pelos celulares. Na ocasião, apropriando--se de trabalhos de alguns educadores, os alunos debateram acerca do uso pedagógico do celular, em que defenderam que este poderia ser uma ferramenta a mais no processo de ensino-aprendizagem.

Na sequência das atividades, ocorreram as apresentações da peça teatral e da música, ambas elaboradas pelos próprios alunos. Figura 1, Figura 2 e Figura 3 ilustram alguns dos momentos das ações desenvolvidas pelos alunos na escola, durante a culminância do projeto.

Figura 1 - Ilustração dos alunos expondo a temática e mural de exposição dos trabalhos produzidos

Fonte – Imagens da autora

Figura 2 - Ilustração da apresentação teatral

Fonte - Imagens da autora

Figura 3: Ilustração da apresentação musical Fonte - Imagens da autora

96 97

A peça de teatro, intitulada “Transtornos do uso abu-sivo do celular”, foi elaborada por duas alunas do segundo ano do Ensino Médio da escola. O texto dramatúrgico se insere dentro de uma proposta de divulgação científica, pois traz ao espectador informações acerca da nomofobia, que é apresentada por meio de uma situação fictícia que surge no âmbito escolar, o uso exagerado do aparelho celular, que ocasiona um nível de dependência. A peça não é extensa e como componentes têm-se, além do narrador, os perso-nagens: Diretora; Gabriele e Matheus – estudantes; Mãe e Psicóloga.

A produção musical, também, foi de dois alunos do segundo ano da escola, e traz como mensagem um alerta para a juventude sobre os efeitos ocasionados pelo uso inde-vido do celular.

Considerações finais

No cotidiano escolar, a utilização do celular pelos alunos tornou-se um episódio comum, e a escola, por sua vez, não pode se omitir, enclausurando-se em um mundo estático, em que não considera a existência dessa realidade dinâmica, que envolve e seduz os alunos. A escola deve ser um campo aberto para se discutir esse dinamismo, para que nossos jovens tenham condições de acompanhar as inovações, ao invés de serem arrastados por elas. No entanto, esta tam-bém não pode assistir inocuamente à invasão descontrolada desses dispositivos nas salas de aula, de modo a distrair os alunos, dificultando as atividades cotidianas da escola, e por

consequência prejudicando o processo de ensino-aprendi-zagem. Faz-se necessário um equilíbrio, que pressupõe a existência de um espaço aberto para discussões desse tema, cabendo a busca de novas estratégias didático-pedagógicas, em que o aparelho celular seja utilizado como recurso para facilitar a aprendizagem.

Desse modo, a idealização e execução do projeto que originou o presente trabalho abriu o espaço para a com-preensão das polêmicas voltadas ao uso do celular, na Escola Estadual de Ensino Médio Luiz Gonzaga Burity, localizada na cidade de Ingá – PB. Essa polêmica foi abordada numa perspectiva cognitivista, onde os alunos foram orientados a buscarem informações sobre o modo correto de utilização desse dispositivo e os possíveis danos do mau uso do mesmo, oferecendo-lhes, desse modo, elementos para uma reflexão crítica sobre o tema.

Ao final do longo processo de desenvolvimento do pro-jeto de pesquisa e elaboração do presente trabalho aumen-tam nossas certezas de que ser professor é mais que transmitir conteúdos programáticos, ser professor é incentivar jovens a refletirem sobre o mundo onde estão inseridos, contri-buindo para que estes reconheçam o seu papel de cidadãos e que podem transformar a sua realidade, de modo que sejam também multiplicadores dos conhecimentos adquiridos na escola.

98 99

Referências

ALONSO, M. A gestão: administração educacional no contexto da atualidade. In: VIEIRA, A. T.; ALMEIDA, M. E. B.; ALONSO, M. (Orgs.). Gestão educacional e tecno-logia. São Paulo: Avercamp, p.23-37, 2003.

ALVES, L. Celular e adolescentes: uma relação perigosa. Rev. Eletrônica: Brasil Escola, 2012. Disponível em: <http://www.brasilescola.com > Acesso em: 03 de fev. 2014.

BRASIL, MEC/SEB. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: orientações educacionais complementa-res aos PCN. Ciências da Natureza, Matemática e suas tec-nologias. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. Disponível em: http://www.mec.gov.br - Acesso em: 22 out. 2013.

LIBÂNEO, J. C. Cultura mídia e escola: O que muda no trabalho dos professores? Rev. Educativa, Goiana, v. 9, n.1, p.25-46, jan/jun. 2006.

MARÇAL, et al. Aprendizagem utilizando dispositivos móveis com sistemas de realidade virtual. In: RENOTE- Revista Novas Tecnologias na Educação, v.3, n.1. Porto Alegre, 2005.

MORAES, A.L.; VEIGA-NETO, A. Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível. In: Anais do

IV Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões Curriculares Florianópolis: UFSC, p.1-18, 2008.

OMS anuncia que celular pode aumentar o risco de cân-cer. Folha.com. Brasília, 31 de maio de 2011. Disponível em; < http://www.conter.gov.br > Acesso em: 25 jan. 2014.

PARAÍBA. Lei n.8.949, de 03 de novembro de 2009. Dispõe sobre a proibição do uso de telefone celular nas escolas da rede pública e privada do Estado da Paraíba. DOEPB. João Pessoa, 2009.

RAMOS, M. R. O uso de tecnologias em sala de aula. Rev. Eletrônica: LENPES-PIBID de ciências sociais. Londrina, v.1, n.2, p.1-16, jul/dez, 2012. Disponível em: <http://www.uel.br/revista/lenpes/pibid > Acesso em 01 fev. 2014.

SEABRA, J.C. O celular na escola. Educação em Revista. Porto Alegre: Ed. 96, 2013. Disponível em:< http://cseabra.com/2013 > Acesso em 5 fev. 2014.

SILVA, M. D. G. M.; CONSOLO, A. T. Uso de dispo-sitivos móveis na educação: o SMS como auxiliar na mediação pedagógica de cursos a distância. (2007). Disponível em: <http://www.cin.ufpe.br/~mlearning/intranet/Sms/SMS%20e%20media%E7%E3o%20pedag%F3gica.pdf>. Acesso 18 de abr./ 2014.

100 101

SILVA, S. C. da; CAMPOS, M. F. H. A melhoria da qua-lidade da educação na escola pública: desafios ao uso das TIC. Estudos IAT, v. 1, n. 3, 2010.

TERUYA, T. K.; FELIPE, D. A.; TAKARA, S. Sujeitos da juventude, mídia e escola. IN: COSTA, A. A. et. al. (org.). Mídia, cultura e imaginário urbano. (s/l) 2013.

VERZA, F. O uso do celular na adolescência e sua relação com a família e grupo de amigos. Dissertação (Mestrado, Pós-Graduação em Psicologia Social e da Personalidade) – Faculdade de Psicologia, PUCRS, Porto Alegre, 2008. Disponível em: <http://migre.me/8JBMK> Acesso em: 15 abr. 2014.

SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: da História à prática docente

Luiz Gustavo Tenório Amorim1

Márcio Moreira Brasil2

Geraldo Eduardo Guedes de Brito3

Ricardo Olímpio de Moura4

Introdução

A sexualidade, como um conjunto de fenômenos sexuais ligados ao sexo, tem duas fortes representações para a socie-dade. A primeira delas relaciona-se à reprodução dos seres, e a segunda, à satisfação sexual do indivíduo em relação às suas práticas. Cabe destacar que o sentido que lhes é atribuído varia de acordo com a cultura em que se encontra inserido e

1 Universidade Estadual da Paraíba - UEPB2 Universidade Estadual da Paraíba - UEPB3 Universidade Federal da Paraíba - UFPB4 Universidade Estadual da Paraíba - UEPB

102 103

a organização psíquica de cada indivíduo. Nesse contexto, a educação - orientação sexual de crianças e adolescentes - se revela de fundamental importância e acontece de várias for-mas e nos mais diversos espaços, mas o coletivo, na sociedade ocidental, sabe que ela acontece, quase sempre, por meio da família e da escola.

Este artigo objetivou realizar uma revisão bibliográ-fica reflexiva sobre o tema da sexualidade e da educação, mais especificamente, no que se refere ao papel da escola na orientação sexual de crianças e adolescentes. Além disso, buscou-se verificar o cenário atual da formação e da atuação docente em tal processo educativo e social, tendo em vista que, na sociedade contemporânea, as demandas de educação e orientação sexual encontram-se cada vez mais presentes na mídia, nos espaços sociais, educacionais e familiares, discu-tidas tanto pelas Ciências Humanas quanto pelas da Saúde.

Breve percurso histórico da sexualidade humana

A cultura tem importante papel na constituição do indi-víduo. O meio social em que o homem vive contribui para formar sua sexualidade, para que ele consiga seus objetos de desejo e viva sua sexualidade, no que se refere aos seus dese-jos, às fantasias e às formas de obter prazer.

A maneira como uma sociedade vive sua sexualidade está intimamente atrelada à relação social que ela estabe-lece. O sexo, desde a Antiguidade, é considerado como algo importante e inerente à natureza humana. Os mitos e as lendas revelam a valorização que era dada ao ato sexual.

A história da cultura sexual pode ser resgatada desde a origem, o aparecimento e a evolução do homo sapiens, o que não implica dizer que antes deles não havia sexualidade nas civilizações. Segundo Duarte e Christiano (2012), no perí-odo Paleolítico, havia indícios de manifestações diversas da sexualidade humana, como pinturas, esculturas e gravuras nas cavernas, em que se apreciava o corpo feminino. Com o passar do tempo, o homem pré-histórico foi desenvolvendo a caça, agricultura e a escrita e, paralelamente a isso, a relação entre o homem e a mulher sofreu transformações que impli-cam alterações na forma de se relacionar. Através do con-tato entre diferentes tribos, surgiram regras sobre a prática sexual, como, por exemplo, a proibição do incesto, a respeito de cuja prática se pensava que poderia desenvolver crianças com problemas físicos, impossibilitando de se ter relações sexuais com membros do mesmo clã. Assim, o incesto surgiu como um dos primeiros tabus da humanidade (DUARTE; CHRISTIANO, 2012). Iniciou-se, então,a instituição das regras para se viver em grupos sociais e o entendimento do significado de família. Era preciso que se procurasse um parceiro fora de seu clã, com quem se relacionar e constituir a própria família.

Por volta de 4000 a.C. – 500 a.C., na Antiguidade Oriental, o casamento era poligâmico e passou por algumas modificações, porquanto era permitido ao homem relacio-nar-se com várias mulheres. Depois, houve uma passagem do casamento poligâmico para o monogâmico, devido ao fato de o homem não conseguir mais sustentar várias espo-sas. Ainda assim, o homem mantinha o direito de possuir

104 105

escravas e concubinas (BUDAL, 2004), o que significa dizer que a poligamia ainda não teve seu fim.

Na Grécia Antiga, havia diversas práticas sexuais, como a homossexualidade e a pederastia5, que era vista como algo natural e tinha seu valor na sociedade, pois visava transfor-mar o rapaz em um cidadão capaz de assumir responsabi-lidades e de tornar-se sábio, passando através do contato corpo a corpo e pela relação sexual, um saber precioso. Na Roma Antiga, a preocupação com os atos sexuais não tinha uma relação direta com os valores morais. Assim, os indiví-duos manifestavam sua sexualidade direcionada a si mesmos, sem considerar as consequências de seus atos e os vínculos com o Estado, só pensavam nos próprios interesses e pouco se preocupavam com as normas, os códigos de conduta e as regras (BUDAL, 2004).

Em Roma, era permitida a monogamia, que correspon-dia a uma poligamia de fato. Através de relacionamentos fora do casamento era que o romano se satisfazia sexualmente, porquanto a função da esposa era de reproduzir uma prole de casta idêntica ao pater6, enquanto que a concubina tinha como função primeira assegurar o prazer (GRIMAL, 1991 apud DIAS, 2004).

5 Relação homossexual que se dava no relacionamento amoroso entre um adulto – erastes -(amante) e um jovem – eromenos (amado). Tinha como finalidade transmitir conhecimentos do erastes ao eromenos. Para os gregos, era normal o paradigma da educação masculina, a paideia (educação), que só se realizava pela paiderastia (amor a meninos). (CO-RINO, 2006).

6 Legítima herdeira de um patrimônio

Pode-se pensar em alguns fatores da história da huma-nidade que contribuíram para que a sociedade se tornasse monogâmica. Um deles seria o que já nos referimos - o tabu do incesto - que fazia com que as pessoas não se relacio-nassem entre o mesmo clã, instituindo o sentido de família. Outro fator que se pode pensar é o religioso, através do Cristianismo. Por influência da Bíblia, onde se faz referên-cia a Adão e Eva, que são unidos numa só carne, e a norma de multiplicação da espécie, segundo a qual todas as criatu-ras vivas crescerão e multiplicarão. Este é o papel do casal: “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a”7.

Segundo Foucault (1988), no Oriente, foi desenvolvida a ars (arte) erótica, na qual “a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiên-cia, não por referência a uma lei absoluta do permitido e do proibido [...]” (p.57). Isso era bem próprio de civilizações como Roma, a Índia e a China, onde se buscavam no saber sobre o prazer formas de ampliá-lo - um saber de dentro, onde a verdade sobre o prazer é extraída do próprio saber.

Na Idade Média, no Ocidente, apareceu a scientia sexua-lis - a ciência sexual, em que Foucault (1998) se utilizou da confissão para produzir o discurso da verdade científica. Os ocidentais são levados a confessar tudo, expor seus prazeres, uma obrigação internalizada. Há uma relação de poder onde aquele que confessa se expõe, produz um discurso sobre si mesmo, enquanto o que ouve interpreta o discurso e o

7 Gênesis 1, 28; 2, 24

106 107

domina. Desde então, a verdade é estabelecida como fruto da confissão, e o sexo, como objeto dessa verdade.

Conforme Foucault (1988), desde a Idade Média, as sociedades ocidentais colocaram a confissão entre os ritu-ais mais importantes de que se espera a produção de ver-dade. Para a Igreja, a confissão era uma forma de se produzir verdade, durante a qual as pessoas eram obrigadas a falar pormenores de sua vida, inclusive as de ordem sexual. Essa forma imposta pela Igreja de se falar, principalmente, sobre o sexo, despertou nas pessoas um prazer em saber sobre a sexualidade, alimentado pela vontade de saber. Essa, porém, não era uma forma de falar tão espontânea e aberta, pois havia certa censura nas palavras. Entretanto, tal censura não impediu que os assuntos relacionados à sexualidade fos-sem manifestados, ao contrário, contribuía para que fossem descobertos.

No período do Cristianismo, influenciado pela Igreja, as manifestações de ordem sexuais eram impedidas. Desejar o sexo era pecado, havia uma forte repressão imposta em relação à sexualidade. Na Idade Média, a Igreja tinha certo controle sobre as ações da sociedade. Na religião cristã, a conduta sexual era totalmente dirigida, visto que os fiéis aprendiam que o reino dos céus só lhes seria garantido se seus comportamentos estivessem totalmente atrelados às normas da Igreja.

No Século XVIII, havia um crescente puritanismo, em que o sexo era visto como uma prática exclusivamente para fins reprodutivos. O casamento continua monogâmico, e os atos de masturbação e as relações homossexuais passaram a

ser considerados um pecado (CANO; FERRIANI, 2000). Para Foucault (1988), mesmo com essa repressão, a sexuali-dade não deixou de estar presente na sociedade e não houve um silenciamento de tais práticas sexuais.

Nessa fase de repressão sexual, o sexo era concebido exclusivamente como função reprodutora, e o casal procria-dor passou a ser o modelo vigente (FOUCAULT, 1988). Outras maneiras de práticas sexuais sem fins reprodutivos eram compreendidas como anormais e o casamento pas-sou a ter uma nova concepção, que compreendia o instinto sexual como algo imprescindível, que deveria ser controlado para ser reutilizado em favor da sociedade, algo semelhante ao processo de sublimação8. Não era mais possível pensar o sujeito sem o sexo, o que iria ser chamado de “sexualidade” no final do Século XIX (CECCARELLI; SALLES, 2010).

No Século XIX, começou a haver mais preocupação relacionada ao sexo, quando a sociedade, de maneira geral, vivenciava diversos conflitos, como a frigidez, a impotên-cia, a perversão e a histeria. No fim desse século, Freud seguiu em busca da etiologia das neuroses. Em seus estudos e investigações com as histéricas, ele deu um esclarecimento sobre a etiologia psíquica da histeria e, paralelo a isso, sobre as principais descobertas da Psicanálise. Nesse período, a

8 Tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, inte-lectual) que não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual, à medida que ela se desloca para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados (ROUDINESCO; PLON, 1998).

108 109

compreensão e o pensamento acerca da sexualidade foram bastante influenciados por essa Ciência (GARCIA-ROZA, 2000).

Em meados do Século XX, começaram a surgir vários movimentos que influenciaram na forma de viver a sexua-lidade, como os movimentos hippies, da liberação feminista e o homossexual. Nesse momento, a sociedade da comuni-cação começou a se desapegar dos valores que boicotavam como se obter o prazer. A mídia, por meio de seus veículos - rádios, revistas, cinemas - e, logo mais, nos anos 50, com a chegada da televisão no Brasil, expunha as pessoas a novas formas de afetividade (BORGES, 2006).

Nos anos 60, o movimento hippie pregava a liberdade sexual, o desprendimento das coisas materiais, o desenvolvi-mento espiritual, mas esse sem estar relacionado à religião. Assim, a pílula anticoncepcional veio como uma via para as mulheres se liberarem da obrigação de ter relações sexuais, com o intuito de procriar e permitiu a erotização de seus corpos. Essa era uma forma de saberem diferenciar a vida sexual da maternidade (CECCARELLI; SALLES, 2014).

No Brasil, o movimento de libertação homossexual sur-giu no final da década de 1970, mas, a partir da década de 1990, foi que o movimento procurou ressaltar os direitos pela legalidade jurídica de sua união e pela possibilidade das pessoas de orientação homossexual fazerem a adoção (BUDAL, 2004). Verifica-se que muitas conquistas foram alcançadas, e isso levou as pessoas a uma suposta “liber-dade sexual”, que ainda permanece arraigada de repressões, tabus e preconceitos. Todos esses valores estão impregnados

em nosso inconsciente, devido à herança cultural, à moral sexual, produzindo o discurso do que é normal ou pato-lógico (CECCARELLI; SALLES, 2014), impossibilitando ao homem viver o gozo satisfatório de sua sexualidade. No texto: Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna, Sigmund Freud (1996, p.103) afirma que “uma das óbvias injustiças sociais é que os padrões de civilização exigem de todos uma idêntica conduta sexual [...]”.

Foucault (1988) reconhece a sexualidade como um dis-positivo histórico, em que ela foi construída culturalmente.

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à grande rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos [...] (FOUCAULT, 1988, p.100).

A sexualidade é algo constituinte e estruturador na per-sonalidade do sujeito (FREUD, 1905) e está diretamente relacionada à sua identidade social (LOURO, 2000). A cul-tura em que o sujeito está inserido é o que produzirá sua sexualidade. Baseia-se no momento histórico em que está inserido, nos laços familiares, na escola e nos demais espa-ços sociais. Portanto, a sexualidade humana é uma inven-ção social, histórica e cultural, que se constitui através dos

110 111

“discursos que normatizam e instauram saberes, que produ-zem ‘verdades’” (LOURO, 2000, p.6).

A sexualidade é construída através de inúmeras aprendi-zagens e práticas, ocorre nas mais distintas situações e é cul-tivada de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sempre incompleto. Escola, família, igreja, ins-tituições legais e médicas mantêm-se, por certo, como ins-tâncias importantes nesse processo constitutivo (LOURO, 2008).

A sexualidade pode ser compreendida como algo ine-rente à natureza humana, que está presente no sujeito desde o nascimento até a morte, para além do biológico, do corpo-ral e do sexual. Nela há a (in) consciência, a intencionalidade é a própria existência do indivíduo que se dá, efetivamente, por meio das relações sociais e da cultura.

A responsabilidade da escola na orientação sexual

A concepção sobre a sexualidade dos indivíduos, envolta em um processo histórico e cultural e influenciada pelas mídias, traz a necessidade de se promover uma educação sexual para esclarecer as famílias sobre os comportamentos sexuais dos sujeitos, sua relação com os gêneros sexuais e a diversidade sexual presente nas mais diversas culturas. Para tanto, é necessário que haja uma relação aberta e de con-fiança entre os membros familiares, livre de preconceitos e com clareza sobre as informações a serem inscritas nos indi-víduos em desenvolvimento.

Ressalte-se, entretanto, que, muitas vezes, essa relação entre pais e filhos não acontece de forma satisfatória, seja por falta de tempo, de propriedade sobre os conceitos de sexualidade ou por insegurança dos chefes de família. Nesse contexto, a escola surge como alternativa de compartilha-mento da responsabilidade da educação sexual de crianças e adolescentes. De acordo com Almeida e Centa (2009, p.74),

Os pais reconhecem o papel da escola como educadora e aliada na educação sexual de seus filhos e citam ainda a importância que a escola teve e tem na formação sexual de seus filhos, expli-cando que muitas das informações que eles possuem, foram repassadas pela escola.

Devido à ausência de informação por parte dos pais em relação à educação sexual, as crianças e os adolescentes “desinformados” ficam expostos a riscos físicos e sanitários, no entanto, a inserção da escola nesse processo educativo e cidadão a revela como “um ambiente favorável para a pro-moção da saúde dos adolescentes, pois incentiva a troca de experiências e contribui na tomada de decisões e na con-duta dos adolescentes em relação aos comportamentos de saúde e doença” (DIAS et al, 2010, p.457).

Um procedimento pedagógico planejado e realizado com os alunos é uma ação educativa e de saúde pública, em que se multiplicam conhecimentos, esclarecem-se dúvidas e

112 113

se rompe com preconceitos associados à falta de informação. Mas, como referem Jardim e Brêtas (2006, p.159),

Algumas escolas não vêm desempe-nhando o seu papel social no que diz respeito à orientação sexual dos jovens. Esse fato se torna preocupante diante dessa problemática, pois um dos meios de orientar os adolescentes sobre o tema sexualidade, pode não estar cumprindo eficazmente o seu papel.

Ainda de acordo com Jardim e Brêtas (2006), em uma pesquisa realizada com 100 professores da rede municipal de Jandira - SP - verificou-se que, entre os entrevistados, apenas 36% relataram que suas escolas realizaram alguma ati-vidade envolvendo a orientação sexual, 14% das quais se res-tringiram à realização de palestras para grupos convidados. Compreende-se, então, que a orientação sexual vem acon-tecendo, quase sempre, de forma inadequada e insuficiente diante do número de jovens que nela se encontram.

Visando apoiar o planejamento das escolas e nortear a discussão sobre a sexualidade nelas, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) inseriu nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a discussão sobre a sexualidade nas esco-las, traçando objetivos gerais de orientação sexual para o Ensino Fundamental. De acordo com ele, o tema da orien-tação sexual deve se organizar para que, ao final do Ensino Fundamental, os alunos sejam capazes de:

• Respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano;

• compreender a busca de prazer como uma dimensão saudável da sexualidade humana;

• conhecer seu corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como condição necessária para usufruir de prazer sexual;

• reconhecer como determinações cul-turais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles associadas;

• identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro;

• proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores;

• reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir de prazer numa relação a dois;

• agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo pro-positivo na implementação de políti-cas públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS;

• conhecer e adotar práticas de sexo pro-tegido, ao iniciar relacionamento sexual;

114 115

• evitar contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o vírus da AIDS;

• desenvolver consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade;

• procurar orientação para a adoção de métodos contraceptivos (BRASIL, 2000, p.91).

Como se percebe, os objetivos dos PCNs encontram-se direcionados para a saúde coletiva e as ações de preven-ção/proteção e promoção da saúde sexual dos indivíduos, perpassando pelas diferenças de gênero e de sexualidade de forma sucinta e superficial, porquanto tratam de ques-tões de preconceito e discriminação. Dinis (2008, p.480) entende que,

Sem uma referência explícita ao tema da discriminação contra homossexuais e outras diversidades sexuais (como traves-tis, transexuais, bissexuais etc.) no espaço escolar, resta ao/à educador/a apenas a interpretação da necessidade ou não da inclusão do tema a partir da leitura dos objetivos, já que pode interpretá-los apenas como a necessidade de questio-nar as representações sociais acerca do masculino e do feminino, sem mencio-nar outras práticas sexuais que sejam divergentes da norma heterossexual.

Nesse contexto, podemos perceber que os Parâmetros Curriculares Nacionais, embora sejam uma referência para a abordagem da sexualidade no espaço escolar, ainda se limi-tam a conceitos vagos, em que o conhecimento do professor e a falta dele apontam como determinante a abordagem da temática. Outro fator relevante acerca dos PCNs é o fato de a orientação sexual ser abordada apenas para o Ensino Fundamental, quando os alunos ainda estão entre a infância e a adolescência.

Os PCNs para o Ensino Médio não fazem qualquer menção à sexualidade e à diversidade sexual, apesar de a maioria dos estudantes estar na adolescência, fase do desen-volvimento encoberta de conflitos sociais e psicológicos. Por isso, “a escola apresenta dificuldades em cumprir seu papel, pois esse trabalho resulta entre outros fatores, de docentes capacitados previamente para a função” (JARDIM; BRÊTAS, 2006, p.158).

Em meio a essa discussão, cabe refletir sobre a inserção da temática “orientação sexual e diversidade sexual” nos currí-culos acadêmicos, na perspectiva de verificar se ela acontece, desde quando e como, tendo em vista que a formação inicial dos professores é que fundamenta a prática em sala de aula.

Inserção da discussão sobre a sexualidade no meio acadêmico: a formação do docente

Diante da diversidade sexual presente na sociedade con-temporânea, verificada nos mais diversos espaços de socia-bilidade e nas mais diversas culturas existentes, percebe-se a

116 117

relevância de se promover, entre os professores, a discussão sobre essa temática, desde a formação inicial às suas práticas.

De acordo com a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação – UNESCO, 1998 - a missão e o valor fundamental da educação superior é de contribuir para o desenvolvimento sustentável e o melho-ramento da sociedade como um todo. Esses aspectos devem ser preservados, reforçados e expandidos. Nesse sentido, des-taca-se que é missão da educação superior formar cidadãos qualificados, capazes de atender às necessidades de todos os aspectos da atividade humana, contribuir, de todas as formas, para difundir as culturas, em um contexto de pluralismo e diversidade, proteger e consolidar os valores da sociedade, em uma cidadania democrática, visando melhorar a edu-cação em todos os níveis, por meio da capacitação docente. Porém nem sempre o que está posto nessa declaração foi e tem sido posto em prática pelas universidades e pelos cen-tros de ensino superior.

Especificamente no que diz respeito à inserção do debate sobre a diversidade sexual e de gênero, de acordo com Dinis (2008), aconteceu apenas em meados dos anos 70, devido à pressão histórica dos grupos feministas e dos grupos gays e lésbicos que cobram, desde a época, suas representações nos programas curriculares das instituições escolares. Mas, ainda de acordo com Dinis,

No cenário brasileiro, tal debate esteve restrito durante vários anos a áreas como a Sociologia, a Psicologia e a Crítica Literária, sendo bastante sintomática sua

ausência, mais particularmente, nos estu-dos da Educação. Contudo, nesse último campo, a grande guinada nos estudos de gênero deu-se nos anos de 1990. Entre alguns dos trabalhos desse período estão as pesquisas da historiadora brasileira Guacira Lopes Louro acerca da exclusão das minorias de gênero na história da educação (2008, p.479).

As pesquisas realizadas por Guacira Lopes se destaca-ram devido à mudança nos recursos metodológicos, libertos dos discursos marxistas. Surge, então, uma visão culturalista sobre gênero e sexualidade, que rompeu com o paradigma biologizante que predominava.

A sexualidade vem sendo inserida em discussões, deba-tes e pesquisas acadêmicas, mas é importante destacar que essas discussões ainda envolvem os princípios, as crenças e outros aspectos das pessoas que tratam delas, e a orientação sexual dos indivíduos ainda é sobremaneira importante para melhorar o desenvolvimento das pessoas e para o trabalho com as referidas temáticas.

A formação dos profissionais da educação é uma ques-tão legal e aberta à discussão. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9.394/96, em seus art. 61 a 67, garante aos professores uma formação de modo a atender aos objeti-vos dos diferentes níveis e modalidades do ensino e às carac-terísticas de cada fase do desenvolvimento do educando. Consultando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nada se encontra sobre a formação do docente e a diversidade

118 119

sexual ou cultural dos alunos que frequentam as escolas brasileiras.

O Art.63 da LDB reforça a necessidade da formação por meio de programas de educação continuada para os professores dos diversos níveis. A formação continuada é a saída possível para melhorar a qualidade do ensino, dentro do contexto educacional contemporâneo. “Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz edu-cador, a gente se forma como educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática” (FREIRE, 1991, p.58). A formação continuada é exigência para que o educador saia da passividade e se energize, atuando no seu espaço (a escola, as salas de aula), crescendo em conhecimento intelectual e humano.

Assim, a formação continuada e a implementação de políticas públicas voltadas para a diversidade sexual se reve-lam como fundamentais para uma orientação e um trabalho docente de melhor qualidade em relação às demandas sexu-ais emergentes em sala de aula. Nesse contexto, no âmbito nacional, em 2004, as discussões em torno das metas e da formulação de políticas destinadas à população LGBT foram aprimoradas e resultaram nos lançamentos do Programa Brasil sem Homofobia (BSH)9.

9 O BSH foi formulado pelo Conselho Nacional de Combate à Dis-criminação, cuja competência legal foi estabelecida pelo Decreto nº 3.952, de 4 de outubro de 2001, posteriormente aprimorado pelo De-creto 5.397, de 22 de março de 2005. Já o PNPM foi elaborado por força do Decreto Presidencial de 15 de julho de 2004, o qual instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de elaborar o

Diante de tal política pública, que surgiu como fer-ramenta para o trabalho com as demandas de diversidade sexual e de homofobia (aversão irreprimível, repugnân-cia, medo, ódio, preconceito que algumas pessoas ou grupos nutrem contra os homossexuais, as lésbicas, os bissexuais e os transexuais), bem como da inserção dos debates sobre a temática nos espaços acadêmicos, a prática docente emerge nessa dinâmica com papéis e desafios específicos, que envol-vem, além de conhecimentos pessoais, características organi-zacionais e de princípios das escolas bem como das famílias de crianças e adolescentes.

A prática docente em relação à orientação sexual: o papel do professor

O compromisso da escola, como um todo, e dos pro-fessores, especificamente, é de formar indivíduos solidários, autônomos e criativos. Portanto, cabe aos profissionais da educação e às escolas tornarem as salas de aula espaços de ações pedagógicas que valorizem o ser humano (Formação de Professores do Ensino Médio. Etapa I, Caderno V, 2013). Apresenta-se essa proposição desafiadora de igualdade e respeito mútuo como instrumento de construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Um dos objetivos gerais apresentados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, de acordo com as prio-ridades do planejamento governamental e as diretrizes oferecidas pela I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.

120 121

reforça a necessidade de se firmar um compromisso com a educação das diferenças, em especial, as diferentes orienta-ções sexuais e culturais dos indivíduos:

[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos de outros povos e nações, posicionando-se contra qual-quer discriminação baseada em diferen-tes culturas, de classe social, de crenças, de sexo, de etnias ou de característi-cas individuais e sociais (PCN, Língua Portuguesa, 2001, p.11).

Volta-se ao ponto inicial: a formação de profissionais da educação. É necessária uma formação voltada para questões desafiadoras e preponderantes, como a orientação sexual e a diversidade cultural dos alunos brasileiros. O profes-sor, segundo Masetto (1994, p.96), deve apontar algumas características que favorecerão essa formação continuada: inquietação, curiosidade e pesquisa. Assim, levantar-se-ão a bandeira da verdade existente nas salas de aula e a verdade dos discentes tão discriminados e esquecidos com todas as suas dúvidas e inquietações sobre (orientação) diversidade sexual e sua cultura tão abandonada.

De acordo com Holanda et al (2010, p.705), “a difi-culdade de abordar o tema na escola é relatada, seja por carência de materiais didáticos ou por falta de formação adequada (pessoal capacitado)”, e “os professores, apesar de

perceberem a ne cessidade de adotar uma posição mais libe-ral para o tratamento das questões relativas à sexualidade na escola, continuam sem subsídios para trabalhar tais ques-tões”. Essa insegurança bem como a falta de material para o trabalho para abordar o tema “sexualidade e diversidade sexual em sala de aula” se justificam, também, por causa da dificuldade do professor de lidar com a própria sexualidade e dos obstáculos vistos por eles em relação à família. Para Holanda et al (2010, p. 707),

Nenhuma organização é capaz de, sozi-nha, realizar ações que assegurem saúde e desenvolvimen to pleno dos adoles-centes. A família representa um dos eixos no desenvolvimento da orienta-ção sexual de adolescentes, portanto, acredita-se que o sucesso da orientação sexual depende das alianças e parcerias intersetoriais que possam valorizar as potencialidades e reduzir as limitações de cada setor.

Envoltos nesse processo histórico e cultural, os professo-res encontram-se em uma dualidade constante entre escola/família, sexualidade do discente/sexualidade do docente e formação/prática, enfrentando entraves estruturantes pes-soais, profissionais e institucionais (escola, família e socie-dade). Dessa forma, o trabalho a ser desempenhado por esses profissionais, em relação à orientação sexual de crianças e adolescentes, não acontece de forma satisfatória e eficaz por

122 123

diversos fatores, entre eles, a ausência de planejamento e uma estrutura psicológica, pedagógica e conceitual acerca da orientação sexual dos professores e para os discentes.

Considerações finais

Através das ideias discorridas neste trabalho de revisão bibliográfica, percebe-se a importância de se verificar como a concepção social de sexualidade e de diversidade sexual tem sido construída ao longo da história da humanidade, desde a pré-história até os dias atuais. Percebe-se que ela se desenvolve de forma multifacetada e com diversos sentidos e significados atribuídos social e culturalmente.

Abordar a diversidade sexual e cultural, durante o desen-volvimento dos indivíduos, principalmente durante a infân-cia e a adolescência (fases críticas de desenvolvimento), é extremamente essencial, tanto no ambiente familiar quanto no espaço escolar. Na família, muitas vezes, a educação sexual não acontece devido à insegurança dos pais em lidar com a sexualidade dos filhos e aos princípios éticos, morais e sociais, às crenças e, até mesmo, à falta de interesse em se envolver em questões sobre esse assunto. Assim, aumenta ainda mais o compromisso das escolas, mais especificamente, dos professores em trabalhar os conteúdos de orientação sexual emergentes da dinâmica em sala de aula, tantas vezes provocada pelos próprios discentes.

Para trabalhar questões tão amplas e complexas no espaço escolar, o professor precisa questionar a hegemonia cultural e sexual predominante nas salas de aula, pois cultura

é o resultado do esforço coletivo, tendo em vista conservar a vida humana e consolidar uma organização produtiva da sociedade. Dessa forma, a cultura machista impera na discri-minação das minorias e das diversidades sexuais. Ao docente, cabe provocar e orientar discussões capazes de trazerem a reflexão para os alunos de forma que se esclareça sobre as questões de sexualidade e se estabeleça o respeito mútuo ao corpo, ao sexo e à sexualidade em todas as diversas formas de manifestação.

A inquietação dos professores e a pesquisa são instru-mentos essenciais para o conhecimento e uma formação integral voltada para a reflexão crítica sobre padrões cul-turais e sexuais que se constituem normas de conduta de um grupo social. O aluno precisa ser entendido em seu contexto, ser respeitado e construir seu saber aproveitando sua cultura e sua vivência sexual. Não é mais permitido ao docente ignorar a grande bagagem cultural e a orientação sexual dos alunos que frequentam as salas de aula do nosso Brasil. Respeitar a cultura dos jovens alunos e “apoderar-se” dela são pontes que permitem ao professor trabalhar uma questão sine qua non na formação dos educandos: os direitos humanos.

Educar para os direitos humanos significa fomentar processos que contribuam para o exercício da cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais, do respeito à pluralidade e à diversidade de nacionalidade, etnia, gênero, classe social, cultural, crença religiosa, orientação sexual e opção política ou qualquer outra diferença, combatendo e eliminando toda e qualquer forma de discriminação.

124 125

Para tanto, os professores precisam experienciar essa orientação sexual, começando pela família, perpassando pela orientação sexual escolar, e durante sua formação inicial acadêmica, sendo orientado sobre como trabalhar as diver-sidades em sala de aula, para atender ao estabelecido nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Para isso, devem reali-zar um trabalho de intervenção de forma eficaz, multipli-car conhecimentos e esclarecer os alunos, visando diminuir, cada vez mais, os preconceitos e os estigmas que rondam historicamente a sexualidade humana.

Não se pretendem, aqui, apontar culpados no tocante à falta de aplicabilidade na educação dos alunos das questões que envolvem a sexualidade e a diversidade sexual. O que se quer é que esse tema seja verdadeiramente abordado, ques-tionado, incentivado e vivenciado nas formações iniciais e continuadas dos docentes, pois, assim, os jovens alunos terão em suas aulas mais espaço para esclarecer suas dúvidas, mos-trar seus potenciais, vivenciar sua pluralidade e dividir ansie-dades e questões sexuais.

Há que se enfatizar que respeitar a diversidade sexual dos alunos não é apenas uma questão pedagógica, mas também um princípio nacional irrevogável declarado na Carta Magna brasileira, a qual assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desen-volvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Referências

ALMEIDA, A.; CENTA, M. L. A família e a educação sexual dos filhos: implicações para a Enfermagem. ACTA Paul Enferm, v.22, n.1, p.71-76, 2009.

BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada. Disponível em: <http://www.bibliaonline.net>. Acesso em: 22 set. 2014.

BORGES, M.. A história do amor no Brasil, 2006. Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2006/jusp752/pag12.htm>. Acesso em: 20 set. 2014.

BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e Promoção da Cidadania Homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Fixas as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 23 abr. 2014.

BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultu-ral e orientação sexual. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 164 p.

126 127

BUDAL, M. H. A internet como possibilidade para experiências afetivas e sexuais, 2004. Disponível em: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2005/Budal.pdf>. Acesso em: 19 set. 2014.

Caderno de Formação de Professores do Ensino Médio: Ensino Médio e formação humana integral. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, Etapa I, Caderno V, 2013.

CANO, M. A. T.; FERRIANI, M. das G. C. Sexualidade na adolescência: um estudo bibliográfico. Rev.latino-am.enfermagem, Ribeirão Preto, v. 8, n. 2, p.18-24, abril 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v8n2/12413> Acesso em: 23 set. 2014.

CECCARELLI, P. R.; SALLES, A. C. T. A invenção da sexualidade. Reverso, Revista do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, ano XXXII, n.60, p.15-24, 2010. Disponível em: <http://ceccarelli.psc.br/pt/wp-content/uploads/artigos/portugues/doc/invensexu.pdf>. Acesso em: 28 out. 2014.

___________. A quantas andam o sexual e a sexualidade nos dias atuais? In: Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise, XX, 2013, Belo Horizonte – MG. Estudos de Psicanálise, n. 41, p.23. Belo Horizonte – MG, 30 jul. 2014.

CORINO, L. C. P. Homoerotismo na Grécia antiga: homossexualidade e bissexualidade, mito e verdades, 2006. Disponível em: < www.brapci.ufpr.br/download.php?dd0=10976> . Acesso em: 25 set. 2014.

DIAS, F. L. A. et al. Riscos e vulnerabilidades relacio-nados à sexualidade na adolescência. Rio de Janeiro: Ver. Enferm. UERJ, 2010. Jul/Set. v.18, n.03, p. 456-461.

DIAS, P. B. A influência do Cristianismo no conceito de casamento e de vida privada na antiguidade tardia. Ágora. Estudos Clássicos em Debate 6. Universidade de Coimbra, 2004. Disponível em: http://www2.dlc.ua.pt/classicos/casamento.pdf . Acesso em: 22 set. 2014.

DINIS, N. F. Educação, relações de gênero e diversidade sexual. Campinas: Educ. Soc., v. 29, n.103, p.477-492, maio/ago. 2008.

DUARTE, V.; CHRISTIANO, A. P. A história da sexu-alidade, 2012. Disponível em: <http://www.uel.br/even-tos/semanadaeducacao/pages/arquivos/anais/2012/anais/ensinofundamental/ahistoriadasexualidade.pdf>. Acesso em 04 set. 2014.

FOUCAULT. M. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

128 129

FREUD, S. Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna (1908). A Gradiva de Jensen e outros traba-lhos. ESB: Rio de Janeiro: Imago, 1996.

___________. Três ensaios sobre a teoria da sexuali-dade (1905). E.S.B., VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

HOLANDA, Marília Lima de. et al. O papel do professor na educação sexual de adolescentes. Cogitare enferm., n.15, n.4, p.702-708, out./dez. [S.l], 2010.

JARDIM, D. P.; BRÊTAS, J. R. S. Orientação sexual na escola: a concepção dos professores de Jandira – SP. Revista Brasileira de Enfermagem, v.59, n.2, p.157-162, mar./abr. 2006.

LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogia da sexuali-dade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

LOURO, G. L. Gênero e sexualidade: pedagogias contem-porâneas. Revista Pro-Posições, v. 19, n. 2 , p.56, maio/ago. 2008. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf>. Acesso em: 02 out. 2014.

MASETTO, M. T. Pós-graduação e formação de pro-fessores para o 3° Grau. São Paulo, 1994. Mimeo.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

UNESCO. Declaração mundial sobre educa-ção superior no Século XXI: visão e ação, 1998. Conferência Mundial sobre Educação Superior. Paris, 9 out. 1998. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-mundial-sobre-educacao-superior-no-seculo--xxi-visao-e-acao.html> . Acesso em: 04 out. 2014.

131

PERCEPÇÕES SOBRE A ABORDAGEM DE GÊNERO NO ENSINO MÉDIO INOVADOR:

Um estudo exploratório da Escola Estadual Profª Liliosa de Paiva Leite

Josemar Medeiros da Silva1

E-mail: [email protected]ônica Pessoa Silva2

Professora Doutora (Orientadora)

Considerações introdutórias

Apesar de ouvirmos falar nos meios de comunicação e mesmo no convívio social a respeito das relações de gênero; não tonalizamos o enfoque merecido que esta temática necessita, contribuindo para a cor cinza da sociedade que se transforma a olhos nus, mas que insiste em suprimir deter-minados grupos ditos inferiores e/ou com desvios da norma

1 Professor efetivo do Ensino Médio da rede pública do Estado da Paraíba.2 Professora titular da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Campus III.

132 133

padrão. Estes conceitos deturpados de gênero vêm se cons-tituindo em a base para construção da sociedade brasileira. Assim, concordando com Saffioti (1987):

A identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída atra-vés da atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo. A sociedade delimita, com basta preci-são, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem (SAFFIOTI, 1987, p.08, grifo nosso).

Desse modo, longe de ser um processo natural como muitos apregoam, o conceito de gênero é originário das próprias relações sociais e deve ser uma das funções da escola trazer a reflexão e trabalhar as relações de gênero, a partir da concepção dos temas transversais sugeridos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs buscando compreender como as configurações engendradas pelas relações sociais e o ensino contribui para o processo de construção de cul-turas identitárias. Dessa forma, concordamos com Foucault (1986), ao relatar a necessidade de converter o olhar para as atitudes, de modo que se reconheça e considere-se em si mesmo.

Nessa possibilidade, podemos nos reportar ao estranha-mento da veracidade de certos discursos, pois a sociedade foi constituída em cima de doutrinas cujos determinados

comportamentos eram aceitos porque pareciam fazer parte das leis da natureza, ou pelo menos, eram apresentados assim. Mas, é importante destacar que, diferentemente do sexo, que é dado pela natureza, o gênero é constituído pela sociedade, não possuindo, deste modo, o mesmo significado. Nesta perspectiva, podemos citar a célebre frase de Simone de Beavouir: “Ninguém nasce mulher; torna-se mulher” (BEAVOUIR, 1980, p.9). E parafraseá-la dizendo que: nin-guém nasce homem, torna-se homem, pois é na sociedade que se aprende a ser homem ou a ser mulher, não devendo existir sobreposição de um em detrimento do outro.

Partindo deste pressuposto e acreditando na contribui-ção que este estudo acarretaria, optamos em utilizar como objeto de pesquisa o estudo exploratório, focando nossa pesquisa em um único caso – a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Liliosa de Paiva Leite – pois nos possibilitaria fazer observações mais detalhadas, fugindo, assim, das generalizações. Outro ponto importante em utilizar o estudo exploratório, trata-se do fato desta pes-quisa ser inicial, ou seja, não há nenhum levantamento a despeito desta temática na instituição escolhida, oportuni-zando, desta forma, uma abertura maior, no qual seja possível explorar mais ideias e aperfeiçoar instrumentos de qualifica-ções observacionais, possibilitando um estudo em base mais ampla.

Fundada sob o Decreto de criação nº 10.138, publicado em Diário Oficial de janeiro de 1984, ato que autorizou a Resolução nº 145/86 do Conselho Estadual de Educação, com a classificação de Padrão B1, para ministrar o Ensino

134 135

Médio.3 Desde o mês de abril de 2012, foi implantado o Programa de Ensino Médio Inovador, tendo como objetivo principal a prestação de ensino de qualidade, pautado na valorização e respeito de toda a comunidade escolar.

Após o tratamento dos dados e a análise material, enfoca-mos o elo que aproxima o conhecimento sociológico e a edu-cação em consonância com a noção de relação social, qual seja: o estudo de gênero. Neste intento, explicitamos as possibilida-des de reflexão de representação social a partir das perspectivas individual e coletiva, bem como o conceito de configuração e a percepção do tempo e do sentido de continuidade. Estes procedimentos nos permitiram identificar as relações sociais construídas pelas vertentes em questão, permitindo estabele-cer pontos de aproximação ou divergência sobre o estudo de gênero, ou seja, fomentou a compreensão de como essas refle-xões contribuem para a formação das sociedades.

A gestão da EEEFM Profª Liliosa de Paiva Leite estru-tura-se em uma educação voltada para o outro, compreen-dendo suas diferenças. Para tanto, a administração da escola estará fundamentada na diversidade de ideias, mas sem per-der de vista que a finalidade da educação está no fato de encontrar nesta disparidade a organização da comunidade envolvida, trata-se de caminhar para construção da cida-dania, acreditando que a participação de todos traz-nos a possibilidade de transformações nas estruturas do modelo educacional4.

3 Extraído do acervo documental da escola.4 Extraído do PPP 2013/2015 da escola.

Esses pressupostos afirmam que, para um bom aprovei-tamento do trabalho docente, a escola deve pautar-se nos princípios da alteridade5, percebendo que o “outro” é dife-rente, mas é nele que me vejo. Para que assim perceba que a diversidade “consiste no ato reflexivo e profícuo de se com-preender a diferença, afinal, o encontro de práticas culturais plurais gera ressignificações sem, contudo, transpor-se para o campo da discriminação” (MOLAR, 2012, p.37). Isto por-que é na escola que essas diferenciações se sobressaem com mais evidência, sendo um dos papéis da comunidade escolar acionar a função de mediadora de conflitos e produtora de conhecimentos.

A importância da função do docente no estudo de gênero na escola

A escola é um espaço de aprendizado e de construção do indivíduo, deste modo, pensar em uma transformação histórico-social e/ou sociocultural, faz-se necessário pen-sar em uma mudança de paradigma no que tange aos con-ceitos de papéis nas relações de gênero, torna-se necessário

5 Do ponto de vista sociológico, a alteridade é dividida em duas partes: a primeira no fato em que aquele a quem conhecemos é significativo; não no sentido de que seja importante, mas de específico, particular; a segunda traz a ideia do outro generalizado, representado por aquele a quem não conhecemos, mas nos baseamos na posição social abstrata e o papel que o acompanha. Ambas contribuem no estudo de socializa-ção. É através da capacidade de compreender os outros, que podemos representar papéis sociais.

136 137

(des) construir para depois (re) construir o conceito de gênero, “a fim de que possamos nos tornar pessoas melho-res capazes de construir novos tempos, melhores do que este, para isto urge ‘deixarmos de ser machos ou fêmeas, para sermos melhores seres humanos’” (MACHADO et al, 2010, p.13).

Apoiando-se na Educação Popular como uma das ferra-mentas capazes para contribuir na (re) construção do compor-tamento entre as relações de gênero, acreditando que:

(...) é preciso partir de uma refunda-ção ou ressignificação que, se apoiando nas experiências vividas, traga idéias, valores, criações capazes de se ade-quar às mudanças ocorridas em todos os campos da vida social – econômico, político, cultural, social, religioso, fami-liar, de gênero, étnico, ecológico, etc. (WANDERLEY, 2010, p.08).

E entre essas mudanças citadas por Wanderley (2010), podemos destacar a de gênero, que diretamente está envol-vida com o campo político, cultural, social, religioso e fami-liar. Com isso, qualquer alteração que esta necessita, envolverá todos estes citados, uma tarefa difícil quando se acredita, ou pelo menos se quis acreditar, ou se deixou acreditar que um gênero se sobressai em detrimento do outro. Entretanto, para contrapor este status quo, delineando-se nas ideias de Paulo Freire (1921 – 1927), quando relata a necessidade de

superar o conhecimento preponderante, encontramos um viés que pode contribuir para alcançar uma nova realidade.

Estamos convencidos de que qualquer esforço de educação popular (...) deve ter (...) um objetivo fundamental: atra-vés da problematização do homem--mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com os homens, possi-bilitar que estes aprofundem sua tomada de consciência realidade na qual e com a qual estão (FREIRE, 1992, p.28, 33).

Com isso, vislumbramos que a Educação Popular é uma das ferramentas capazes de confrontar o modelo de educa-ção engessada, depositária; apta a servir-nos como uma vál-vula de escape, donde a partir da problematização que, neste caso, limitamos ao estudo de gênero, possibilite uma nova tomada de consciência social.

Contribuir para o desenvolvimento do cidadão é uma das funções que o educador precisa assumir, sobretudo, nos dias atuais, na qual a sociedade exige cada vez mais do indivíduo. E, tentando encontrar um viés para significar ou ressignificar a identidade do professor diante da contem-poraneidade, buscamos nos quatro pilares apresentados por Delors (1998) no aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser; uma possível sín-tese para compreender a identidade do professor diante das transformações sociais e delimitamos apenas em uma oração:

138 139

O professor necessita ter um CHIP para exercer sua prática docente como MESTRE.

Quando falamos na utilidade de um CHIP, a princí-pio, remete-nos a ideia de armazenamento de dados, mas desconstruindo a palavra CHIP no intuito de compreender qual deve ser a identidade do professor no mundo adverso que vivemos, podemos (re) construir o CHIP da seguinte forma:

Conhecimento – É preciso o docente aprender a conhecer, pensar a realidade e não apenas pensar o já dito;Humanizar-se – Ou seja, aprender a viver juntos; compreender o outro e, assim, administrar conflitos;Inovar – Trazer novas ideias, desenvolver o pensa-mento autônomo e crítico, imaginar, ser criativo e tomar iniciativas;Pesquisar – Ou seja, desenvolver sua competência pessoal, tornando-se uma pessoa apta e aberta para o “novo”.

Do mesmo modo, desconstruída a palavra MESTRE, haja vista que há críticas a esse termo, já que no passado o Mestre era visto como um carrasco munido de palmatória, mas a sociedade reconhecia sua identidade como educador, é possível reconstruir a palavra MESTRE de modo que o docente reconheça sua identidade diante de tanta transfor-mação. O professor, de fato, deve reconhecer-se como um MESTRE:

Mediador, numa sociedade de muita informação e conflitos;Social, na medida em que a escola reflete a sociedade em que está inserida;Técnico, no sentido que não pode esquecer sua fun-ção de docente e contribuir para a construção de conhecimento científico do aluno;Regional, pois mesmo estando em um mundo globa-lizado, é preciso regionalizar e situar o aluno para sua realidade local;Ensinar a pensar ativamente; a ter raciocínio lógico; fazer sínteses e elaborações teóricas; saber articular o conhecimento com a prática.

Nesse contexto, pode-se propor que o MESTRE (Mediador Sócio-Técnico Regional de Ensino) é um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. Mas para isso, ele precisa cons-truir conhecimento a partir do que faz e, para isso, também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dos seus alunos. Fugir da cultura de que o professor só transmite, para a cultura que o professor troca experiências e instiga o aluno a ser ativo no processo de formação.

Faz-se necessário o professor se encontrar na realidade das modificações que a contemporaneidade oferece, para que o mesmo compreenda qual o seu papel diante destas transformações, entenda sua identidade e exerça seu papel de docente, que hoje é multifacetado. A partir desta postura

140 141

de MESTRE apoiada pela educação construída em con-junto, é possível acreditar em uma sociedade mais igualitária, em específico as relações de gênero, que podem e devem ser trabalhadas no ambiente escolar.

Abordagem de gênero nas orientações curriculares para o ensino médio

É importante compreender o entrave que existe em tra-balhar a questão de gêneros. Entre os motivos apontados nos corredores, trata-se da dificuldade do cumprimento do cur-rículo escolar. Entretanto, entendemos que tal fato ocorre devido à resistência de modificar padrões em qualquer ciclo social:

Todavia, não nos apercebemos de que o novo quando surge nem sempre é em função da extinção do antigo: pode ser uma espécie de expansão (no caso que estamos tratando não pode ser esta a razão) ou redimensionamento (con-forme entendemos que seja). Isso sig-nifica dizer que por um bom tempo, antigas práticas estarão em diálogo (MACHADO et al, 2010, p.151).

A partir deste pressuposto, entendemos que a disciplina de Sociologia é um Componente favorável ao estudo da temática de gênero na sala de aula, sobretudo pelo fato de

que, em sua essência, está o processo de desnaturalização e estranhamento dos fenômenos sociais.

Todavia, delegar a um Componente Curricular a abor-dagem dos assuntos relacionados às questões de gênero é uma alternativa de cumprir o que a Cúpula do Milênio estabeleceu, no ano de 2000, na qual 189 países, dentre os quais o Brasil, firmaram compromisso a serem alcançados até 2015, tendo como um dos objetivos a qualidade de vida. Com isto, a ONU instituiu os anos entre 2005 a 2014 como a Década da Educação, citando entre outras metas a equi-dade social e de gênero (BRASIL, 2013a).

Consideramos importante, também, abordar o currí-culo proposto pelo Programa de Ensino Médio Inovador (ProEMI), pois este encontra-se embasado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução CNE/CEB n.2, de 30 de janeiro de 2012), neste sentido,

O Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), instituído pela Portaria nº. 971, de 09/10/2009, foi criado para pro-vocar o debate sobre o Ensino Médio junto aos Sistemas de Ensino Estaduais e Distrital fomentando propostas curri-culares inovadoras nas escolas do ensino médio, disponibilizando apoio técnico e financeiro, consoante à disseminação da cultura de um currículo dinâmico, flexível e que atenda às demandas da sociedade contemporânea (BRASIL, 2013, p.10).

142 143

Deste modo, percebemos a expertise deste programa na preocupação de atender às necessidades das sociedades con-temporâneas, principalmente, quando se trata de indivíduos que estão prestes a enfrentar o mundo competitivo do tra-balho. É na juventude que o “magma” da busca do conheci-mento está a ponto de entrar em erupção e é essa explosão de cultura que modifica o status quo, dando segmento a uma nova realidade. É no espaço escolar que ocorre o intercruza-mento de culturas. Daí a dificuldade de encontrar uma placa tectônica que não sofra trepidação com outra. Pois, faz parte da natureza, é preciso conflitar para se encontrar para quem sabe: estagnar ou criar um espaço novo.

É neste ínterim que o ProEMI redesenha o currí-culo escolar, agregando macrocampos além das disciplinas regulares, nos quais devem ser desenvolvidos Projetos de Redesenho Escolar (PRC) visando à interação direta com os estudantes.

Os macrocampos são definidos pelo documento orien-tador do Programa ProEMI como:

(...) um campo de ação pedagógico--curricular no qual se desenvolvem atividades interativas, integradas e inte-gradoras dos conhecimentos e saberes, dos tempos, dos espaços e dos sujeitos envolvidos com a ação educacional. Os macrocampos se constituem, assim, como um eixo a partir do qual se pos-sibilita a integração curricular com vistas ao enfrentamento e à superação

da fragmentação e hierarquização dos saberes. Permite, portanto, a articulação entre formas disciplinares e não discipli-nares de organização do conhecimento e favorece a diversificação de arranjos curriculares (BRASIL, 2013, p.15).

Para tanto, é preciso enxergar o jovem além de um pro-duto da escola. Faz-se necessário conhecer as particularida-des e compreender que, assim como você, o outro exerce papéis sociais e estes papéis possuem a mesma casca, mas não possuem o mesmo produto. O melhor meio para geren-ciar as disparidades é o construir juntos, sair um pouco das tabulações de pesquisa e levantamentos de dados e interagir, enviesar-se entre a juventude e a essência da educação e, assim, conjugar-se com a escola.

O ensino médio inovador: uma escola mais moderna, acolhedora e criativa?

Para buscar resposta a esta pergunta, optamos em analisar os pontos que o “I” de Inovador pode agregar e as dire-ções que este proporciona para se chegar a uma escola mais adequada, no sentido de atender às necessidades atuais da nossa sociedade, em especial, ao nosso campo de estudo que abarca o respeito às relações de gênero.

Neste sentido, é primordial que a escola trabalhe o “I” da Ideologia, no que tange a quebra de paradigma referente ao poder existente nas relações sociais entre homem – mulher,

144 145

conforme é exposto pela sociedade que “o macho é pro-vedor das necessidades da família (SAFFIOTI, 1987, p.24), e com isto, “a ideologia dominante impõem ao homem a necessidade de ter êxito econômico” (Ibid, p.24). Sendo assim, bebendo da fonte de Saffioti, percebemos que esta falácia a respeito do poderio existente no falo6 do macho não beneficia ao próprio homem.

A partir das atividades didático-pedagógicas, a escola dá subsídios para que o discente construa suas próprias ideologias a respeito do estudo de gênero, de modo a adquirir elementos que sirvam como base para se traba-lhar o próximo “I”, representando o I da Imparcialidade. Ser imparcial diante dos conflitos que permeiam o meio social em que vivemos é essencial para que se evite a dicotomia de um grupo superior versus um grupo infe-rior. Destacando que “a inferioridade social da mulher concerne aos preconceitos milenares, transmitidos atra-vés da educação, formal e informal, às gerações mais jovens” (SAFFIOTI, 1987, p.28). Sendo assim, acredi-tamos que a neutralidade do docente diante dos impas-ses que são reflexos da sociedade pode contribuir para que o ciclo da suposta supremacia masculina perca sua vitalidade.

Chegamos ao “I” de Inclusivo, pois apesar de todo avanço acerca das relações de gênero, ainda persiste a raiz da supremacia do macho sobre a fêmea, ao invés

6 Falo: Pênis, ou seja, o poder do macho (SAFFIOTI, 1987, p.19).

de ser uma imposição social. E concordando com Durkhein (1955):

É inútil pensarmos que podemos criar os nossos filhos como queremos. Há costumes com os quais temos que nos conformar; se os infringirmos, eles vin-gam-se em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não se encontrarão em condi-ções de viver no meio dos seus contem-porâneos, com os quais não estão em harmonia. Quer tenham sido criados com idéias muito arcaicas ou muito pre-maturas, não importa; tanto num caso como noutro, não são do seu tempo e, por conseguinte, não estão em condi-ções de vida normal. Há, pois, em cada momento do tempo, um tipo regulador de educação de que não podemos desli-gar sem chocar com as vivas resistências que reprimem as veleidades das dissi-dências (DURKHEIN, 1955, p. 47).

Com esta citação, percebemos que a escassez de estudo voltada para as relações de gênero pode dar-se pelo protecio-nismo familiar, entretanto, a partir do momento em que os olhos são fechados ao óbvio, os resquícios discriminatórios existentes desde a fundação da sociedade patriarcal resistem ao tempo e a história e sua essência seletiva representada pelo poder do macho sobre a fêmea permanecerá em uma linha contínua; acarretando com a falácia da inferioridade

146 147

da mulher e consequentemente, com sua exclusão na teia social, restando-lhe o aconchego recluso de seu lar.

Todavia, acreditamos que a escola exerce papel primor-dial para esta quebra de paradigma e inserção do discurso de gênero no âmbito escolar, de modo a promover a inclusão social de homem, mulher e sua pluralidade de modo igua-litário, inclusive, o “I” de Igualdade é o próximo a discor-rer dentro da proposta de Inovação do Programa de Ensino Médio Inovador (ProEMI).

No caderno de nº. 04, lançado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) em maio de 2007, intitulado por Gênero e Diversidade Sexual na Escola, identificamos o seguinte argumento: reconhecer diferenças e superar preconceitos tinha como objetivo geral a capacitação de profissionais da educação para promoção à cidadania, assim como “o respeito à diversidade sexual, o enfrentamento da homofobia no ambiente escolar e preve-nir a violência e a discriminação contra lésbicas, gays, bisse-xuais, transgêneros, travestis e transexuais (LGBT)” (MEC, 2007, p.43).

A justificativa para tal iniciativa deu-se pela emancipação da diversidade de gênero e na perspectiva de uma sociedade mais democrática e pluralista, enfatizando que “o problema reside no modo negativo como se lida com elas, culpando--as, discriminando e excluindo seus sujeitos do campo dos direitos, inclusive do direito à educação” (MEC, 2007, p.44). Deixando-nos evidente a preocupação de tornar o convívio social mais igualitário, através do reconhecimento da diver-sidade sexual e de gênero e da promoção à equidade social;

reafirmando o que já havia sido proposto no artigo 5º da Constituição Brasileira onde afirma a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (BRASIL, 1988).

Entretanto, é de relevância destacar que esta igualdade dá-se pelo fato de todos sermos cidadãos munidos de direi-tos e deveres, temos direito à igualdade, mas o dever de res-peitar as diferenças, parecendo ambígua tal afirmativa, mas a individualidade é retrato da identidade pessoal, próximo “I” que discorreremos a seguir.

Quando falamos em identidade, concordando com Candau, consideramos sua definição exata, complicada.

No caso da identidade, a tentativa de depuração conceitual é mais difícil. No que se refere ao indivíduo, identidade pode ser um estado – resultante, por exemplo, de uma instância adminis-trativa: meu documento de identidade estabelece minha altura, minha idade, meu endereço, etc. - uma represen-tação – eu tenho uma ideia de quem sou – e um conceito, o de identidade individual, muito utilizado nas Ciências Humanas e Sociais (CANDAU, 2011, p.25,).

É neste achado da identidade individual apresentada por Candau (2011) que vamos estudar a importância de se trabalhar no ambiente escolar as relações de gênero, na

148 149

tentativa de quebrar o paradigma de que a sociedade per-manece estagnada, afinal,

(...) o mundo moderno produz traços e imagens a um nível jamais visto na his-tória das sociedades humanas, estando em parte submisso às “ideologias de segurança” da história e da memória que conduzem a tudo conservar, tudo arma-zenar, musealizar a totalidade do mundo conhecido e, por outro lado, continu-ando a produzir mais informações e mensagens (CANDAU, 2011, p.113).

A partir deste pressuposto, podemos delinear a dificuldade de se trabalhar com esta temática na escola, pois esta repre-senta uma ruptura com o passado, mesmo que este passado não esteja mais com o vigor de outrora, relembrando as socie-dades patriarcais descritas por Gilberto Freyre. A essência do poderio paterno permanece enraizada em nossa sociedade, fruto de nossa cultura. Desse modo, diante destes entraves:

(...) muitas mulheres esbarram com os interesses da classe social à qual per-tencem ou com o medo de receberem o carimbo de mal-amadas, solteironas, lésbicas, frequentemente utilizados por aqueles com interesses na manutenção do status quo, isto é, da situação vigente (SAFFIOTI, 1987, p.87 ).

Entretanto, não se pode negar que a sociedade atual urge por mudanças e é diante desta necessidade que falamos na identidade de gênero, que nos remete ao sentimento indi-vidual de identidade. Em outras palavras, é o “gênero com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nasci-mento” (JESUS, 2012, p.24).

A educação vive em constante conflito, pois à medida que a sociedade vive em transformações, cada vez mais em um ritmo acelerado, as disparidades tornam-se mais eviden-tes, a partir do momento que as diferenças sociais, culturais, entre outras, tornam-se mais explícitas. Este binômio pas-sado e presente são ferramentas para que a educação, desde a sua fundação, trilhe um caminho que, no mínimo, minimize as distorções, haja vista que a solução para tais diversidades impliquem poderes maiores.

E acreditando que o ProEMI pode ser um instrumento que preencherá estas distorções, podendo ainda fundamen-tar-nos na alteridade, percebendo que o “outro” é diferente, mas é nele que me vejo. Para que, assim, percebamos que a diversidade “consiste no ato reflexivo e profícuo de se com-preender a diferença, afinal, o encontro de práticas culturais plurais gera ressignificações, sem, contudo, transpor-se para o campo da discriminação”. (MOLAR, 2012, p.37). Isto porque é no âmbito educacional que essas diferenciações se sobressaem com mais evidência, sendo um dos papéis da comunidade escolar acionar a função de mediadora de con-flitos e produtora de conhecimentos.

150 151

A abordagem de gênero na Escola Estadual de Ensino Médio Professora Liliosa de Paiva Leite

Optamos em focar a abordagem de gênero com o corpo docente na perspectiva de identificar caminhos e/ou criar subsídios para futuros trabalhos voltados para o estudo de gênero no ambiente escolar, sabendo que, mesmo numa estrutura de gestão escolar democrática, postura esta defen-dida pela direção da escola pesquisada, o interesse do profes-sor em traçar esta linha de estudo é primordial.

Para compor o corpo do questionário específico para a discussão deste estudo exploratório, elegemos cinco per-guntas abertas, a partir das quais indagamos a respeito do Programa de Ensino Médio Inovador e as relações de gênero no ambiente escolar, como especificaremos a seguir junto a nossa avaliação, ressalvando que utilizamos nomes fictí-cios para preservar a identidade dos professores e professoras entrevistados(as):

• Ao solicitarmos a opinião do corpo docente em rela-ção ao ProEMI, 80% consideram positiva a iniciativa do governo em adotar este programa, no entanto alguns complementam a narrativa com as dificuldades que o programa apresenta, concordando com os 20% que veem negativamente a proposta do programa. Há uma forte resistência ao horário integral, mesmo tendo ciência da existência do Projeto de Lei que cria o novo PNE (Plano Nacional da Educação), estabele-cendo 20 metas a serem alcançadas entre 2011 a 2020,

especificamente em relação ao Ensino Médio temos: III – Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de Educação Básica (BRASIL, 2010, p.150). Acreditamos que esta causa teria sido melhor compreendida se houvesse, de fato, uma atu-ação conjunta, na qual dar-se-ia o conhecimento e o planejamento do programa, com garantias de sua melhor efetivação;

• A outra questão que consideramos pertinente incluir no questionário interrogou aos docentes sobre o olhar que os mesmos possuem com respeito à temática das relações de gênero. Baseamo-nos nesta pergunta em Norbert Elias e sua reflexão a respeito de sociedade:

(...) em seu interior, constantemente se abre um espaço para as decisões indi-viduais. Apresentam-se oportunidades que podem ser aproveitadas ou perdi-das. Aparecem encruzilhadas em que as pessoas têm de fazer escolhas, e de suas escolhas, conforme sua posição social, pode depender seu destino pessoal ime-diato, ou o de uma família, ou ainda, em certas situações, de nações inteiras ou de grupos dentro delas. Pode depender de suas escolhas que a resolução com-pleta das tensões existentes ocorra na geração atual ou somente na seguinte. Delas pode depender a determinação de qual das pessoas ou grupos em con-fronto, dentro de um sistema particular

152 153

de tensões, se tornará o executor das transformações para as quais as ten-sões estão impelindo, e de que lado e em que lugar se localizarão os centros das novas formas de integração rumo às quais se deslocam as mais antigas, em virtude, sempre, de suas tensões. Mas as oportunidades entre as quais a pessoa assim se vê forçada a optar não são, em si mesmas, criadas por pessoa. São pres-critas e limitadas pela estrutura especí-fica de sua sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro dela. E, seja qual for a oportunidade que ela aproveite, seu ato se entremeará com os de outras pessoas; desencadeará outras sequências de ações, cuja direção e resultado provisório não dependerão desse indivíduo, mas da distribuição do poder e da estrutura das tensões em toda essa rede humana móvel (ELIAS, 1997, p.48).

• Sendo assim, observa-se que o autor se refere a uma noção ampla para onde convergem vários feixes con-ceituais, várias referências sobre o passado, que podem ora estar em sincronia, ora em disputa. Relacionando a pesquisa, percebemos que ainda permanece arrai-gado no corpo docente o status quo, o valor cultural ainda é um empecilho para a quebra de paradigma. Entretanto, há indícios de um discurso mais contem-porâneo, que foge da dicotomia homem – mulher e

preocupado com o preconceito que persiste na socie-dade, consolidando o resultado de nossa pesquisa, 60% possuem um olhar mais esclarecido a respeito das rela-ções de gênero, podendo, assim, considerar positivo este resultado, apesar de ainda existir uma resistência dos demais 40%;

• Outra pergunta que consideramos pertinente incluir no questionário diz respeito à prática de aulas voltadas ao estudo de gênero, no qual obtivemos um resultado significativo, 60% dos professores e professoras já pla-nejaram e ministraram aulas a respeito das relações de gênero. Este resultado nos confirma a importância da pré-disponibilidade do docente em abordar esta temá-tica, pois identificamos professores de diversas áreas que se propuseram a compartilhar este estudo com os alunos e alunas. Respondendo a nossa questão a respeito da importância da disponibilidade do docente para a execução de um trabalho voltado para o estudo das relações de gênero. Entretanto, o que acreditáva-mos sobre a área de Ciências Humanas como espaço primordial para o estudo de gênero, este quesito não se confirmou no campo de pesquisa escolhido. Porém, mesmo com este resultado, ainda acreditamos que a área de Ciências Humanas e suas tecnologias, em espe-cífico a Sociologia, seria a disciplina mais adequada ao estudo das relações de gênero, pois esta tem como objeto de estudo os fatos sociais; as transformações das relações sociais; a representação e os papéis sociais e possui, em sua essência, o estranhamento ao natural, ao

154 155

que nos é dado como parte do todo, todo este incon-testável como uma verdade, uma verdade que não é minha, mas que é adotada como se fosse. Inclusive, podemos supor que o tímido resultado está arraigado nesta verdade “inatingível” que persiste em perseguir no ciclo social em que vivemos;

• Ao perguntarmos se há uma preocupação da escola em respeitar todas as formas de relação de gênero, houve um consenso positivo, mas uma aceitação tímida, não comprometida, de fato, com os percalços e entraves que permeiam nas relações de gênero. Do total dos entrevistados e entrevistadas, apenas 30% mostraram uma postura mais esclarecida a respeito das relações de gênero, retratando o que de fato acreditamos existir: um desconhecimento das entrelinhas que permeiam nas relações de gênero, em especial, a pluralidade das relações de gênero. Ressignificando um termo utili-zado nos meios de comunicação e copiado pela socie-dade é preciso “sair do armário7”. Nós precisamos sair do armário; da nossa zona de conforto e entender que o mundo não se resume a um armário, ao meu armá-rio, mas há uma infinidade de armários que interagem entre si, dando novas formas de relações sociais;

7 Sair do armário é quando o indivíduo do sexo masculino assume sua identidade de gênero, no qual seu par possui o mesmo sexo biológico deste, concretizando, assim, em uma relação homoafetiva.

• A última pergunta que fizemos aos professores e pro-fessoras tratou em saber se antes da implantação do ProEMI havia algum trabalho voltado para o estudo de gênero. Dos dez que devolveram o questionário, apenas três pertenciam a escola antes da instalação do programa e, destes, apenas uma professora afirmou ter trabalhado a relação de gênero antes do ProEMI, segundo seu relato trabalhou-se a questão da violência contra a mulher. É importante destacar que a relação de gênero não está relacionada, apenas, à dicotomia homem – mulher, mas inclui também sua plurali-dade, conforme a sigla da LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros). Não pretende-mos aqui desmerecer o trabalho realizado pela pro-fessora citada, mas sim, enriquecer a discussão sobre a temática. Até porque, foi bem pertinente o tema trabalhado pela docente, no qual incluía a questão da violência contra a mulher. Violência esta que também praticamos ao desconhecer a pluralidade existente nas relações de gênero; uma violência tal qual a guerra fria, uma guerra não-declarada, mas que é sentida na pele de quem sofre;

• Consideramos positivos os professores novatos no quadro funcional da escola, haja vista que 70% pos-suem menos de dois anos na instituição pesquisada, pois como o ProEMI também está iniciando, juntos, poderão desbravar e trilhar caminhos de conquistas. Concordando, deste modo, com os pilares estrutura-dos por Delors (1998), especificamente o aprender a

156 157

conhecer e o aprender a fazer, precisamos ser eternos aprendizes, ter abertura ao novo, a fim de evitarmos injustiças por desconhecimento e/ou preconceito. O ato de conhecer nos ajudará na ruptura do pré-con-ceito e o fazer na quebra de paradigma, se por habitus, tendemos a repetir o outro, cercando-nos em um ciclo social; aprendendo a fazer o novo, a tendência é que-brar o ciclo e enveredar por várias teias sociais, que por si só não se sustentam, mas em conjunto, tecem a estrutura da sociedade.

Considerações finais

Durante a coleta de informações e construção deste estudo exploratório, na perspectiva de identificar a contri-buição da proposta do PROEMI para a construção de práti-cas educativas pautadas em relações de equidade de gênero, foi perceptível que, apesar do discurso de ideias pertinentes, inovadoras e possuidoras de uma visão inclusiva e despro-vida de preconceito – na prática – pouco foi apresentado ou, pelo menos, de significativo, no que tange a proposta de um trabalho constante, relacionado ao estudo de gênero.

As concepções que fundamentam a Proposta do Ensino Médio Inovador quanto às questões de gênero estão evi-dentes nos documentos oficiais estudados, faltando eviden-ciar uma maior atenção no trato das relações de gênero no ambiente escolar, sobretudo na Escola Estadual Professora Liliosa de Paiva Leite, nosso campo de pesquisa. Esta cons-tatação está embasada no reconhecimento de que, embora

tenhamos verificado a existência de trabalhos apresentados e implantados na escola, ainda falta um despertar para ações mais concretas, necessitando de uma abordagem mais clara e diretiva sobre as relações sociais ativamente. Haja vista que a contribuição do Programa do Ensino Médio Inovador para a construção de abordagens que favoreçam a equidade de gênero caminha a passos lentos, não evidenciando uma mudança de postura da comunidade escolar significativa ao tratar das relações de gênero no cotidiano da escola.

Entretanto, percebemos que o ProEMI é uma excelente ferramenta para o enfrentamento da homofobia e dicoto-mia de superioridade – inferioridade de gênero no contexto da educação pública, em específico a realidade social parai-bana. Para tanto, faz-se necessário uma mudança de postura por parte de todos que compõem a comunidade escolar. Necessitando o corpo docente buscar elementos que com-plementem e agreguem um bom resultado e a instrução e “o aprender a ser” e “o aprender a viver juntos”, pilares propostos por Delors, são imprescindíveis para atingir este patamar.

Referências

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: FAE, 1989.

158 159

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013a.

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Programa Ensino Médio Inovador: Programa Orientador. Brasília: Ministério da Educação, 2013b.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ciências humanas e suas tecnologias. Sociologia. (Orientações curriculares para o ensino médio; volume 3). Brasília: Ministério da Educação, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - Sociologia. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2008.

CANDAU, Jöel. Memória e identidade. São Paulo: Editora Contexto, 2011.

DELORS, Jacques; et al. Educação: um tesouro a desco-brir. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1998.

DURKHEIN, Émile. As regras do método socioló-gico. São Paulo: Nacional, 1965.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1950.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identi-dade de gênero: conceitos e termos. Brasília: Fundação Biblioteca Nacional: EDA/FBN, 2012.

MACHADO, Charliton José dos Santos; SANTIAGO, Idalina Maria Freitas Lima; NUNES, Maria Lúcia da Silva (Organizadores). Gênero e práticas culturais: desafios históricos e saberes interdisciplinares. Campina Grande: Eduepb, 2010.

MEC. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC). Gênero e diversidade sexual na escola: reconhecer diferenças e superar pre-conceitos. Brasília: 2007. (Caderno 4).

160

MOLAR, Jonathan de Oliveira. Alteridade: uma noção em construção. João Pessoa: SEE/PB: Gráfica União, 2012. (1 Coletânea de Textos Didáticos).

SAFFIOTI, Helleieth I. B. Gênero, patriarcado, violên-cia. 2. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

___________. O poder do macho. 3. ed. São Paulo: Moderna, 1987.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Diferença e identidade: o cur-rículo multiculturalista. 1 Coletânea de Textos Didáticos. João Pessoa: SEE/PB: Gráfica União, 2012.

WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educação popular: metamorfose e veredas. São Paulo: Cortez, 2010. 2

ENSINO/ APRENDIZAGEM E AS DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS NA ESCOLA PARAIBANA

163

REVISITANDO O FRACASSO ESCOLAR: das teorias às práticas

Silvio César Lopes da Silva Paula Almeida de Castro

Eliane de Moura Silva

Introdução

É recorrente a discussão em torno da temática envol-vendo o fracasso escolar. São inúmeras as medidas político--administrativas e pedagógicas que vêm sendo elaboradas e adotadas e, da mesma forma, pesquisas vêm sendo realizadas com o intuito de solucionar problemas referentes ao grande número de crianças, adolescentes e jovens, em idade esco-lar, que estão fora da escola, quer seja porque nela nunca ingressaram ou porque sofreram o processo de evasão ou repetência.

O problema da escola e do sistema como um todo não desperta o interesse do aluno, é pelo fato que a escola é

164 165

excludente por natureza, e é esta exclusão que vem causando grandes debates nas últimas décadas bem como despertando o interesse nas mais diversas áreas do conhecimento humano de tentar entender, o chamado fracasso escolar.

Para Patto (1990), o sistema educacional vem passando nas últimas décadas por modificações bem como adaptações, no instante em que há uma mudança na forma de produção com a industrialização, há também a exigência de uma mão de obra qualificada, neste caso:

A escola não é necessária enquanto instituição destinada a fixar um deter-minado modo de sociabilidade; sua dimensão reprodutora das relações de produção via manipulação e domestica-ção da consciência do explorado, tam-bém era dispensável no momento em que este ainda não se constituíra como força de oposição (PATTO, 1990, p.24).

Com o passar dos tempos, observa-se que esse modelo de escola foi se perpetuando, chegando até os dias atuais. Arroyo (1997) fazendo uma análise peso da cultura escolar e correlacionando o mesmo com o fracasso-sucesso esco-lar, aponta-nos hipóteses que, entre nós existe uma cultura do fracasso escolar que dela se alimenta e o reproduz. Por sermos uma sociedade desigual e excludente, produzimos uma dicotomia no que se refere à educação básica, pois no instante em que a mesma é um direito nas escolas públicas,

não há nesta instituição uma estruturação que garanta esse direito, gerando, assim, a seleção dos melhores e descartando os “piores”, pois a organização escolar permite essa exclusão e esse acesso ao ensino. Sendo a escola um modelo social e cultural de um funcionamento organizativo, esses são pro-dutores do fracasso ou sucesso escolar. E uma das possíveis saídas para superar esta dicotomia produzida pela escola é necessário que a mesma cumpra o seu papel, que é educar, e que o professor se encontre nesse percurso que é exercendo a sua função, o ensinar.

Se de um lado estas pesquisas revelam que a escola se constitui como reprodutora das desigualdades sociais e da dominação, por outro, revelam que no interior da escola, assim como na sociedade, surgem contradições que favo-recem um embate de ideias e atitudes que poderão provo-car rupturas nos discursos e práticas cristalizadas que ali se processam.

Entretanto, convivemos ainda com a predominância dos aspectos biológicos, emocionais, culturais e familiares para explicar as causas do fracasso escolar. Persistindo a tendência em se vincular o fracasso escolar à “deficiência” do aluno, na escola, muitas vezes, as crianças são tratadas como “incom-petentes”, não tendo o direito de se expressarem, cabendo ao professor incutir-lhes “o saber”. A não adaptação a esse saber é um problema exclusivo da criança-aluno que, por razões pessoais, emocionais, culturais, familiares, etc., não consegue se sair bem.

Assim o “dar voz” ao professor nos permitirá, entre outros aspectos, considerar e compreender como o mesmo

166 167

reage do contexto da sala de aula frente às dificuldades de seus alunos, além de nos permitir observar quais estratégias são criadas para lidar com as dificuldades de seus alunos ali vivenciadas.

Quais são as concepções dos professores acerca dos ter-mos escola, educação? Como cada professor compreende o processo ensino-aprendizagem? Quais são as dificuldades apresentadas pelos alunos no processo ensino-aprendizagem e como os professores lidam com as mesmas? São questões entre outras que procuramos entender a partir do que os mesmos foram sinalizando-nos.

Ao tomar como foco de investigação as representações desses alunos a partir da escuta do professor, não podemos deixar de considerar como parte importante da pesquisa os determinantes político-pedagógicos que regem a escola pública brasileira e que integram a construção e estrutura-ção do cotidiano escolar, os quais se concretizam nas repre-sentações elaboradas pelos educadores, assim como estão presentes no discurso dos demais atores escolares: os demais professores, diretores, equipe de apoio e outros.

Dessa forma, é a partir da análise das falas ou discursos dos professores que encontraremos uma possível resposta para entendermos como se dá o processo ensino-aprendiza-gem, bem como as dificuldades atreladas a este, tendo como referencial uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental, que na sua maioria convive com o dilema da superlotação da sala de aula, distorção idade/série, preparação nos anos anteriores do Ensino Fundamental e participação da família no processo ensino-aprendizagem .

A escolha de uma Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio como lugar de pesquisa nos faz pen-sar em como se compõe o seu cotidiano e as implicações e determinações micro e macro sociais que ali se processam. Seu encantamento e sua complexidade.

Nesse sentido, vários estudos vêm sendo realizados no cotidiano das escolas públicas, como por exemplo, os de Patto (1990) e Scoz (1994), que tomam como ponto de investigação a história daqueles que se confrontam e com-põem o cotidiano escolar. Na pesquisa que realizamos, tomamos como foco de atenção o professor e procuramos analisar como se dá e como se constitui a relação deste com seu aluno, com o fracasso/aprendizagem escolar sem, con-tudo, deixar de considerar a relevância dos demais agentes envolvidos no processo educacional.

Segundo André (1999), uma pesquisa do cotidiano esco-lar deve levar em conta três importantes dimensões que se inter-relacionam: a primeira diz respeito ao clima institucio-nal, que medeia a práxis escolar e a práxis social; a segunda tem a ver com o processo de interação de sala de aula, envol-vendo aí a relação professor aluno; e a terceira tem relação com a história de cada sujeito, que se manifesta neste coti-diano através de suas representações. Estas três dimensões nortearão o foco de nossa análise.

168 169

A recorrência das discussões sobre o fracasso escolar

O tema do fracasso escolar tem sido caro à educação e mesmo recorrente. Diversos autores, a partir de perspecti-vas variadas, têm se dedicado ao tema e oferecido, através do resultado de suas pesquisas e reflexões, muitos elementos para que pensemos esta questão de maneira mais aprofun-dada. Há, assim, uma produção consistente sobre esta temá-tica e é para ela que recorremos no intuito de delinearmos parte do que já foi produzido sobre o Fracasso Escolar, espe-cialmente no Brasil.

O processo de democratização do ensino e do acesso à escola, que vem acontecendo desde o século XIX, trouxe as camadas mais simples e carentes da sociedade para um espaço até pouco explorado por elas. Assim, ao mesmo tempo em que este acesso ampliou-se, acompanhou o mesmo uma variabilidade expressiva de crianças e adolescentes que apre-sentam as mais diversas trajetórias escolares, algumas marca-das pelo abandono, outras por reprovações e pela distorção idade-série (SOARES, 1987; PATTO, 1990). Tais situações apontam-nos um olhar mais direcionado para as questões que permeiam nossas salas de aula e nos remetem a refletir o fracasso escolar como algo pontual, que não é novo ou recém-descoberto, mas como uma constante.

O discurso governamental acerca do acesso e permanên-cia do aluno na sala de aula é contraditório, tendo em vista que no instante que incentiva o acesso, não se preocupa com a qualidade do ensino e as condições as quais este acontece. Diante dessa situação, instaurou-se, na escola, uma cultura

do fracasso escolar, que tem sido justificada pelas mais diver-sas e complexas teorias: a ideologia da carência cultural, a ideologia da deficiência cultural, ideologia do dom, a repro-dução das desigualdades sociais, a diversidade cultural e de ritmos de aprendizagem. Estas teorias buscam a sua forma, explicar as razões que justificam o fato de o sujeito não aprender e quase sempre esbarram na abordagem unilateral do problema. Uma vez que tendem a culpabilizar os indi-víduos que fracassam, ou tentam justificar este fracasso em sua condição de vida, do ponto de vista econômico, social e cultural. Estas perspectivas se tornam reducionistas porque ou caem numa abordagem individualizante, ou escorregam numa abordagem socializante, não cessam de se revezar nas tentativas de explicar o chamado fracasso escolar.

No entanto, outros estudos, que tentam problematizar a questão do fracasso escolar para além destas abordagens de cunho reducionista, possibilitaram-nos entender questões relacionadas ao contexto dos sujeitos no qual os problemas que dizem respeito ao fracasso escolar se instauram. Elas promovem uma visão menos fragmentada da questão e nos ajudam a entender melhor o tema no qual nosso objeto de estudo se insere.

Neste caso, destacamos as produções que tivemos um maior contato e acesso, ao passo que se revelam pertinentes com o propósito de nossa pesquisa, dentre elas, destacamos Patto (1990), Charlot (2000), Scoz (1994) e Soares (1987). Estes autores observam que, na linha de frente da produ-ção do fracasso escolar, estão envolvidos aspectos que vão desde os estruturais e funcionais correlacionados ao sistema

170 171

educacional, a concepções de ensino e de trabalho, passando por preconceitos e estereótipos sobre sua clientela mais pobre, etc.

Para entendermos o fracasso escolar a partir de uma rea-lidade específica, encontramos na pesquisa de Patto (1990) uma nova concepção de reprovação e da evasão na escola pública de primeiro grau: trata-se de um fracasso produzido no cotidiano da vida do aluno na escola. Na produção deste fracasso, estão envolvidos aspectos estruturais e funcionais do sistema educacional, concepções de ensino e de trabalho, além de preconceitos e estereótipos sobre sua clientela mais pobre. A mesma autora acredita ser necessário entender o fracasso escolar através da história, ou seja, é necessário per-ceber como o fracasso foi produzido, bem como observar as modificações e adaptações do sistema educacional nas últi-mas décadas no contexto brasileiro (PATTO, 1990).

O recorte histórico assinalado por Patto (1990) revela--nos como cada década foi significativa para pensar e repen-sar o sistema educacional e organizar o mesmo, já que as camadas pobres da população passam a ter um maior acesso à escola. Neste caso, com a ampliação do número de esco-las e o acesso a mesma, acontecia o fracasso escolar, mas mesmo havendo, este era na maioria das vezes negado, já que explicitá-lo levaria a exposição de uma ferida grave que aponta para a não-atenção em relação à educação. Assim, nas décadas de 1960 e 1970 na Europa, e na década de 1980 no Brasil, o tema passa a ser pauta de interesse por parte dos pes-quisadores. Além disso, surgem os primeiros questionamen-tos relacionados à patologização, tomada como gênese das

dificuldades escolares. O ponto central de interesse passou a ser o papel da escola, quanto ao efetivo preparo da clientela que a frequenta. Dessa forma, as dificuldades de aprendiza-gem deixavam de ser pesquisadas como sendo um problema exclusivo dos alunos, uma vez que os fatores extraescolares e os de ordem social, econômico, político, cultural e religioso estão envolvidos na educação e, assim, estes também passa-ram a ser investigados.

A escola constata, deste modo, que problemas de apren-dizagem configuram-se como fracasso institucional, tendo em vista os inúmeros fatores que interferem no aproveita-mento dos alunos e na qualidade do ensino, o que se é ofe-recido está aquém do básico. Em contrapartida, o sucesso pedagógico merece ser pensado como um ideal que vai além do simples domínio de conteúdo, ou adaptação às regras da escola. Mesmo assim, apesar das várias tentativas de encontrar culpados para tal situação, o problema do fracasso continua de forma alarmante.

No entanto, o que Patto (1990) tenta nos mostrar em sua análise é que o fracasso escolar é fruto de uma produção – e esta vista por diversos fatores biopsíquico-socioeconômico--políticos etc., uma vez que sua persistência se dá nas escolas públicas e nas camadas populares. Na produção deste fra-casso, estão envolvidos aspectos estruturais e funcionais do sistema educacional, concepções de ensino e de trabalho e preconceitos e estereótipos sobre a classe mais pobre.

Seguindo em uma perspectiva humanista, Scoz (1994) observa que problemas pontuais específicos estão na base do Fracasso Escolar, afirma que estes não podem ser apenas

172 173

correlacionados apenas à aprendizagem, bem como ao sucesso ou rendimento escolar dos alunos. Para ela, esse é um tema abrangente, sendo que o enfoque orgânico durante vários anos foi o que orientou a reflexão dos educadores e terapeutas, e sendo, conduzidos em laboratórios, os pacien-tes eram classificados como anormais, e consequentemente esse adjetivo passa a fazer parte do ambiente escolar: assim nos assinala a autora:

Esse enfoque surgiu por volta dos séculos XVIII e XIX, com o grande desenvolvimento das ciências médicas e biológicas, especialmente a Psiquiatria. Datam dessa época os estudos de neu-rologia, neurofisiologia e neuropsiquia-tria, conduzidos em laboratórios anexos a hospícios, e a rígida classificação dos pacientes dessa instituição como “anor-mais”. Posteriormente, o conceito de “anormalidade” começou a ser trans-ferido dos hospitais para as escolas: as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem passaram a ser designadas como “anormais escola-res”, já que seu fracasso era atribuído a alguma anormalidade orgânica (SCOZ, 1994, p.19).

A autora tenta nos mostrar que novos conceitos psicana-líticos são incorporados a área médica, para tentar entender as influências advindas do ambiente, já que este influenciava

diretamente na personalidade, bem como nas relações afe-tivo-emocional. E no que compete ao processo de aprendi-zagem, a autora vê que:

Na realidade, o que Scoz (1994) chama-nos à atenção está correlacionado à aprendizagem como um processo social, em que se valoriza e se estimula as capacidades do aluno em seu contexto, e neste caso, o trabalho desenvolvido na sala de aula é proposto a partir das qualidades que o aluno traz à sala de aula, de suas vivências e experiências e não dos defeitos dos mesmos.

Assim, a orientação educacional, antes centrada no aluno (nas relações interpessoais e dinâmicas de classe), começa a se envolver diretamente na esfera pedagógica da vida escolar: o projeto pedagógico, o currículo, a concepção de ensino, a metodologia, a relação professor/aluno e os objetivos pre-tendidos (SCOZ, 1994, p.124). Por outro lado, professores e coordenadores, tradicionalmente preocupados com as questões didático-metodológicas, passam a ter outra visão do processo de aprendizagem, uma vez que este está intima-mente ligado aos valores sociais dos sujeitos.

Numa perspectiva mais antropológica do fracasso escolar, Charlot (2000) afirma que a condição inacabada dos sujeitos agrega valores que vão desde seu nascimento ao mundo que preexiste a ele e já está estruturado. Assim, as transforma-ções de um sujeito exigem uma mediação de outros seres que o circundam: a família, as instituições etc. Neste caso, construir-se como sujeito supõe uma atividade de relação consigo (interna) e com o mundo (externa).

174 175

Tais observações fazem com que os sujeitos sejam reco-nhecidos enquanto tais, já que quem faz a relação acontecer é o mesmo. E no que se refere ao fracasso escolar, o autor chama-nos a atenção para o fato que ao longo da trajetória escolar quem fracassa é o sujeito. Assim:

O fracasso escolar não existe, o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que ter-minam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisa-dos, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado “fra-casso escolar” (CHARLOT, 2000, p.16).

É verdade que certos alunos não conseguem acom-panhar, não aprendem o que devem supostamente apren-der, uma vez que os planos de aula estão preparados para uma situação homogênea da realidade como tal e muitas vezes estes não estão aptos à mudança ou ampliações que se adequem a realidade, daí os alunos repetirem o ano ou são orientados para modalidades curriculares desvalorizadas: esses fenômenos, rotulados de fracasso escolar, são reais, pois há sujeitos que neles são envolvidos. Mas não existe algo chamado “fracasso escolar”, que pudesse ser analisado como tal, mas sim sujeitos. Esses mesmos sujeitos são dotados de saberes, uma vez que eles mantêm relações com o mundo e consigo mesmos.

Em outra linha, para Soares (1987), há diferentes teorias que tentam, de forma supostamente científica, explicar tais fracassos. Além da ideologia do dom, que tenta justificar os problemas escolares dizendo que todos têm oportunidades iguais, porém não possuem as mesmas habilidades, há ainda outras duas, a ideologia da deficiência cultural e a ideologia das diferenças culturais. De acordo com a ideologia da defi-ciência cultual, as crianças provenientes de classes oprimidas, por não possuírem as mesmas condições socioeconômicas e por não terem acesso a conhecimentos que as outras têm, apresentariam dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar. Neste caso:

A escola, como serviço da sociedade capitalista assume e valoriza a cultura das classes dominantes; assim, o aluno proveniente das classes dominadas nela encontra padrões culturais que não são os seus e que são apresentados como “certos”, enquanto os seus próprios padrões são ou ignorados como inexis-tentes, ou desprezados como “errados”. [...] Esse aluno sofre, dessa forma, um processo de marginalização cultural e fracassa, não por deficiências intelectu-ais ou culturais, como sugere a ideolo-gia do dom e a ideologia da deficiência cultural, mas porque é diferente, como afirma a ideologia das diferenças cultu-rais (SOARES, 1987, p.16).

176 177

Os conceitos de deficiência cultural e de diferenças lin-guísticas são apresentados na perspectiva de uma Sociedade da Linguagem, que aponta a sociedade capitalista como responsá-vel pela transformação de diferenças em deficiências, na escola, por razões político-ideológicas. Dessa forma, percebemos que, gradativamente, uma teoria vai substituindo a outra. Assim:

[...] enquanto a teoria da deficiência e a teoria das diferenças linguísticas ofere-cem propostas educacionais (educação compensatória ou bidialetismo funcio-nal) – porque ambas partem de uma concepção das relações entre educação e sociedade em que àquela se atribui a possibilidade e o poder de atuar como instrumento de integração do indivíduo numa estrutura social que não é questio-nada - a teoria do capital linguístico esco-larmente rentável nega essa possibilidade e poder de a educação ser instrumento de equalização social e de integração dos indivíduos numa sociedade cujo inte-resse é, ao contrário, manter as diferenças que, para isso, transforma em deficiên-cias, as quais atribui, para isentar-se de responsabilidade, o fracasso escolar dos alunos provenientes das camadas popu-lares (SOARES, 1987, p.65).

Esta teoria – capital linguístico – por usar como modelo o comportamento das classes dominantes, apresenta a criança

pobre como sendo deficitária e reconhece na maneira de falar dos privilegiados a única verdadeiramente correta. Isto faz com que o falar represente uma forma de status social. É valorizado quem “sabe falar” e estigmatizado quem “fala mal”. Ainda dentro dessa concepção, há os conceitos de código elaborado e código restrito. O primeiro refere--se a uma estrutura gramatical complexa e precisa, com uso de orações subordinadas adverbiais, preposições, verbos na voz passiva, adjetivos e advérbios. O segundo, ao contrário, caracteriza-se por apresentar estruturas gramaticais simples e, na maioria das vezes incompleta, repetições de pronomes pessoais, de conjunções, uso limitado de adjetivos e advér-bios, pouco uso de orações na voz passiva, etc. Assim, na visão de Soares (1987), fica claro que a teoria do capital linguístico fundamenta-se num estudo descritivo nas dife-renças de linguagem entre classes sociais.

Observamos, desta forma, que é necessário entender o que leva esses alunos a fracassarem e quais reflexos este fra-casso gera em suas vidas no cotidiano. Pois, ao nos reportar-mos a nossa realidade, encontramos um discurso em favor da escola pública, ou de uma educação popular, que venha atingir as massas. Há um discurso1 que fundamenta essa

1 Para Bakthtin, todo discurso é ideológico, uma vez que tudo que é ideológico possui um significado que lhe é exterior, e este remete a algo que está situado fora de si mesmo. Sendo assim, a consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdos ideológicos (semióticos) e, consequentemente, somente no processo de interação social. Cf: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da lingua-gem. São Paulo: Hucitec, 2004.

178 179

proposta, mas, na prática, não passa de palavras, uma vez que o discurso vem sempre inspirado nos ideais democrático--liberais que, por um lado, têm como objetivo a igualdade social e, por outro, a democratização do ensino, ambos são vistos como instrumento essencial para a conquista de tal objetivo, o da “participação das massas no sistema escolar público” (SOARES, 1987), porém, na realidade, não passam de discursos ideológicos. Até que ponto essa igualdade e essa democratização vêm sendo realmente executadas e respei-tadas no ensino público do país? Em seu bojo, perpassa a ideologia da mesmice, uma vez que da forma como acon-tece o sistema educacional é bem mais fácil comandá-lo, já que seus sujeitos, não sendo formados, consequentemente serão fracassados e sendo fracassados não questionam, acei-tam tudo passivamente.

A escola não pode ser vista como espaço que gera medo ou temor no educando, bem como aos profissionais que nela atuam. Às vezes, o temor que o educando tem é prove-niente de uma história escolar marcada por mecanismos de segregação, punição e desrespeito à subjetividade e ao saber que este possui. As relações estabelecidas na escola acabam por produzir no aluno este sentimento de duplo vínculo: de querer/não querer, de afeição/expulsão. Além de manifestar sentimentos de inferioridade, inadequação, incompetência e não pertencimento que se mesclam com sentimentos de poder e querer saber.

Observa-se que, neste caso, ao longo da infância, tais polaridades determinam a existência de uma população escolar diferenciada no que se refere às possibilidades de

superar ou não as primeiras etapas da escolarização, tal como esta é proposta pelo modelo de escola existente. As condi-ções de educabilidade da criança decorrem, portanto, não só das características de seu processo de desenvolvimento, como também das características das práticas pedagógicas que lhe são oferecidas.

Assim, por mais que queiramos tirar da escola este peso de que é lá que acontece o fracasso escolar, não há como negar tal evidência, pois a realidade que viven-ciamos não nos prova o contrário; a cada dia, as classes populares por mais que tenham vontade em superar-se não conseguem estímulo para superar tal desmotivação, pois quem reprova é a instituição que, muitas vezes, não dialoga com os que estão envolvidos no processo e por esta são vitimados.

Neste caso, cabe a todo segmento social olhar para a escola e para os que nela atuam com mais atenção, e todos juntos refletirmos e buscarmos soluções que venham a amenizar o sofrimento de tantas crianças, adolescentes e jovens que vêm vivenciando o fracasso escolar. Os dife-rentes aspectos teóricos apresentados até aqui nos revelam que, ao longo da história, o fracasso escolar teve diferentes justificativas.

Por sermos uma sociedade desigual e excludente, pro-duzimos uma dicotomia no que se refere à educação básica, pois no instante em que a mesma é um direito nas escolas públicas, não há nesta instituição uma estruturação – uma escola de qualidade, um ensino de qualidade, que garan-tam esse direito, gerando assim a seleção dos melhores e

180 181

descartando os “piores”, pois a organização escolar que temos hoje permite esse tipo de exclusão, que não é apenas do acesso, mas, sobretudo, da permanência.

As dificuldades de aprendizagem a partir da observação do professor

Inseridos em um contexto de aprendizagem constante e dialético, cada professor pôde explicitar como observa o processo no qual ele e seu aluno está inserido, bem como, quais alternativas são aliadas a este processo, para que ver-dadeiramente o ensino aconteça e consequentemente uma verdadeira aprendizagem possa surgir.

Sendo a escola um lugar em que aparecem diferentes esferas de atuação - professor, aluno, gestão, equipe de apoio, etc. – cada uma dessas esferas de atividades vai gerando uma série de discursos também diferentes. Assim, temos vários ambientes de atividades, como a aula, a reunião dos profes-sores, o encontro dos alunos no recreio, etc. Cada uma dessas situações que constitui uma esfera de atividade vai exigir do falante um uso diferente de linguagem, isto é, um gênero de discurso diferente: a aula, a reunião, a conversa. Assim, bus-camos entender as dificuldades de aprendizagem a partir do olhar e da observação do professor.

As dificuldades de aprendizagem foram e são identifica-das pelos professores por diferentes critérios – psicológicos, sociais, culturais etc., que implicam em distintas definições do que realmente poderia ser considerado como dificulda-des de aprendizagem. Dessa forma, encontramos em Sisto

(2001) uma possível definição para o termo, o qual ele des-creve dessa forma:

Apesar dos esforços realizados, não há uma definição aceita universalmente do que seria considerada “dificuldade de aprendizagem”, pois coexiste um grupo heterogêneo de sintomas e, por isso, é difícil a demarcação de fronteiras. O campo das dificuldades de aprendi-zagem delimita-se, oficialmente, a par-tir de 1963. Por suas origens, ainda que observado no mundo inteiro, é marca-damente norte-americano e canadense. Foi em 1963, no dia 6 de abril, que um grupo de pais reuniu-se em Chicago por terem algum filho (sobretudo menino) que sem razão aparente manifestava difi-culdades persistentes na aprendizagem da leitura (SISTO, 2001, p.21).

O mesmo autor ainda nos afirma que:

A expressão dificuldades de aprendiza-gem contraposta a outros termos mais específicos (dislexia, disfunção cerebral mínima, discalculia, disgrafia, disorto-grafia) supôs um avanço ao reconhecer a complexidade de um fenômeno que abarca problemas diferentes, ainda que não necessariamente sejam coincidentes em uma mesma pessoa (SISTO, p.29).

182 183

É a partir dessas observações que vamos percebendo nas respostas de cada professor como se dá esse complexo pro-cesso, levando em consideração suas observações e, uma vez identificados, quais as possíveis estratégias para superá-los.

As impressões que tivemos com relação às respostas nos apontam, em primeiro lugar, como cada professor observa as dificuldades de aprendizagem de seu aluno, ao mesmo tempo nos assinala que elas estão intimamente relacionadas à vivência escolar, bem como ao sistema educacional. Assim, as dificuldades foram citadas a partir da vivência de cada professor com os dilemas enfrentados na sala de aula e em particular no 6º ano A do turno da manhã.

No que tange às dificuldades de aprendizagem dessa turma, os resultados da pesquisa nos revelam em alguns casos convergências e divergências. Assim, a partir da pergunta: para você, qual das dificuldades de aprendizagem assinaladas abaixo é mais constante nos seus alunos? Os professores afirmaram que:

Gráfico 1 - Dificuldades de aprendizagemTabela 1 - Dificuldades de aprendizagem

Déficit de atenção 2 25%

Falta de concentração 3 38%

Falta de paciência 0 0%

Comportamento 3 38%

Hiperatividade 0 0%

Discalculia 0 0%

Disgrafia 0 0%

Fonte: Autor do artigo Fonte: Autor do artigo

O que mais se evidenciou para nós, nesse instante, é que, a falta de concentração e o comportamento estão intima-mente ligados ao processo ensino aprendizagem e, por con-seguinte, desencadeiam nas dificuldades de aprendizagem. É preciso sinalizar que tais dificuldades têm ambientes (esco-lar) e pessoas (alunos) específicos.

Por outro lado, uma outra questão que investigamos diz respeito à concepção que os entrevistados têm de escola. Assim, em outra pergunta do questionário, encontramos nas respostas dos professores as mais diversas definições daquilo que é ou que viria a ser escola. Assim: Em uma palavra, defina o que é a escola para você?

Tabela 2 - Definição de escola

Espaço 1

Instituição 2

Formação 1

Amor 1

União 1

Transformação 1

Esperança 1

Fonte: Autor do artigo

Destaca-se nas respostas dos professores que a escola é tida como instituição, ou seja, podemos concluir que, enquanto instituição, a ela compete a disciplina, a regra e em muitos casos a punição de alguns (a reprovação) em rela-ção a outros (a aprovação), por mais que o trabalho nesta

184 185

desenvolvido envolva a esperança e o amor, e tais sentimen-tos sejam encontrados nesse espaço.

Em relação a esse espaço de amor e esperança, Scoz (1994) assinala que a família tem um papel significativo na formação escolar do aluno e, quando os pais são ausentes, o filho desenvolve sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando, de certa forma, a desconfiança, a insegu-rança e influenciando, assim, na relação do aluno com o professor, por essa razão a saída dada pela autora é que:

A escola pode e deve interferir nesse quadro, tanto mobilizando os pais para participarem da vida escolar de seus filhos, quanto oferecendo aos alunos aprendizagens relevantes e significati-vas que possibilitem uma ligação entre os conhecimentos que já possuem e a aquisição de novos (SCOZ, 1994, p.71).

Dessa forma, preservando a vertente da aprendizagem escolar, a atividade do aluno e a do professor operam em um quadro institucional que define as condições relacionais, dialéticas dentre outras.

Neste caso, sendo a escola (instituição) o lócus onde a práxis educativa acontece, ela é o local do despertar para o conhecimento ou não e, quando a mesma serve apenas como paliativo de uma educação deficitária, ele deixa de ser objeto de desejo e passa a ser objeto de temor.

As relações estabelecidas na escola acabam por produzir no aluno este sentimento de duplo vínculo: de querer não/querer, de afeição/expulsão. Manifestam sentimentos de inferioridade, inadequação, incompetência e não pertenci-mento que se mesclam com sentimentos de poder e querer saber.

Observa-se neste caso que, ao longo de todo o processo educacional, tais características determinam à existência de uma população escolar diferenciada no que se refere às pos-sibilidades de superar ou não as primeiras etapas da esco-larização, tal como esta é proposta pelo modelo de escola existente. As condições de educabilidade do aluno decor-rem, portanto, não só das características de seu processo de desenvolvimento, como também das características das prá-ticas pedagógicas que lhe são oferecidas.

Assim, a partir daquilo que nos expôs cada professor sobre o conceito de escola, observar que as repostas evi-denciam observações acerca do modelo estrutural de escola que temos, uma vez que esse passa do real – aquilo que se é vivenciado, as dificuldades com a falta de apoio, quer sejam materiais ou humanos –, ao utópico – os sonhos e ideais que revelam algo distante de ser alcançado, tanto pelos professo-res quanto por seus alunos, ambos vivem na busca incessante do inalcançável, do que está além dos olhos e presente nos sonhos.

186 187

Considerações finais

Iniciemos nosso estudo com algumas interrogações que foram nos orientando o caminho a ser traçado e consequen-temente percorrido. Talvez tenhamos algumas respostas, mas o certo é que ao chegarmos a essa etapa de nossa pesquisa, outras novas questões surgiram, ampliando ainda mais a nossa pesquisa bem como possíveis conclusões. Como pri-meiro passo desta caminhada, fomos percebendo o cami-nho por onde não caminha, e traçando sucessivamente um caminho no qual nossa pesquisa fosse ganhando vida e se configurasse como tal. Podemos assim perceber o diálogo constante que as dificuldades de aprendizagem têm com o tema do fracasso escolar. Assim, no desenvolver de cada tema, chegamos à conclusão de que as dificuldades de aprendiza-gem apresentadas pelos professores estabelecem uma relação dialética entre os vários mecanismos que configuram o con-texto escolar, desde as concepções de educação ao processo ensino-aprendizagem e o fracasso escolar.

As causas do fracasso escolar envolvem fatores que vão desde o aluno, a família e suas condições socioeconômicas e culturais, passando pela escola, pelo sistema escolar e pelo governo. Cada um tem sua parcela de responsabilidade que precisa ser assumida.

Porém, observar o cotidiano escolar é ver o que já viven-ciamos na condição de professor e ao mesmo tempo avaliar nossa prática, agora em outra condição, a de pesquisador. Quais caminhos percorremos até aqui? Quais caminhos a percorrer? Ao longo desses dias em contato com esta sala de

aula, aprendemos caminhos os quais nos ajudarão a enten-der o quão complexo e fantástico é o cotidiano escolar. Caminhos esses que sinalizam saídas para dilemas pontuais, tais como motivação, compromisso, participação e interação em sala de aula.

É preciso considerar a complexidade do cotidiano escolar enquanto o lugar privilegiado dos saberes docen-tes e discentes. Pois é nesse espaço-tempo-dinâmico que os saberes profissionais dos educadores nascem, são mobilizados, construídos, reconstruídos, significados e ressignificados. E, quando isso acontece, o professor vai, aos poucos, construindo seu modo de ser, sua essência e a forma de relacionar-se com os seus alunos, ao mesmo tempo em que os conteúdos que ministra se adéqua aos métodos e técnicas de ensino, de planejamento, avaliação, enfim, com toda a diversidade de situações que envolve o ato educativo.

O que tiramos de lição com toda essa vivência, é que, o saber-ensinar possui uma especificidade dinâmico-prá-tica que deve ser alicerçada no compromisso do educa-dor com sua prática, com seus alunos e com sua vida. É dando sentido ao que se faz que passamos a significar a nossa existência.

188 189

Referências

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.

___________. A pesquisa no cotidiano escolar. In FAZENDA, I. (org.). Metodologia da pesquisa educa-cional. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da lingua-gem. São Paulo: Hucitec, 2004.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: ele-mentos para uma teoria. Trad. Bruno Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

SISTO, F. F.; BORUCHOVITCH, E; FINI, L. D. T. (org.). Dificuldades de aprendizagem no contexto psicope-dagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

ABRAMOWICZ, Anete; MOLL, Jaqueline (org). Para além do fracasso escolar. Campinas, SP: Papirus, 1997.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: história de submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiroz, 1990.

SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópolis, Rj: Vozes, 1994.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Editora Ática, 1987.

___________. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2005.

___________. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

191

DO FAZER CONCRETO AO PENSAMENTO ABSTRATO:

a influência do material didático manipulável na construção do conhecimento matemático

Marcos Fabiano Oliveira Mangueira1

Soraya Maria Barros de Almeida Brandão2

Introdução

O alto índice de reprovação em Matemática, principal-mente nas escolas públicas, tem suscitado inúmeras pesqui-sas na área. Muitos desses estudos dão conta de que a causa maior da reprovação e aversão pela Matemática passa, em parte, pela forma dogmática e desinteressante com que é apresentada nas salas de aula.

Mesmo já bastante criticada, a escola ainda continua ensinando Matemática de uma forma abstrata, longe do

1 Universidade Estadual da Paraíba - UEPB 2 Universidade Estadual da Paraíba - UEPB

192 193

cotidiano do aluno. Boa parte dos professores desenvolve suas ações pedagógicas baseadas em um ensino mecanicista, descontextualizado, cuja prática privilegia a cópia dos núme-ros, as “contas”, ficando o aluno, totalmente preso e limitado ao livro didático adotado. As informações, na maioria das vezes, são repassadas através do quadro e giz ou pincel, for-çando os alunos a ficarem parados e quietos em sala de aula, resultando em uma aprendizagem sem significado.

Sabemos que hoje, conforme as Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), se faz necessário um ensino contextualizado, com vistas na construção significativa do conhecimento, rompendo com o modelo mecanicista de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, os referidos docu-mentos trazem como uma das estratégias metodológicas a aprendizagem prática, uma vez que promove no aluno uma melhor visualização e entendimento de tudo que foi estudado.

Diante disso, entendemos que uma das alternativas para que a escola se torne ao mesmo tempo construtiva, instru-tiva e prazerosa é a utilização de recursos lúdicos no pro-cesso de ensino, articulando teoria e prática. Dentre esses recursos, apontamos a utilização de materiais concretos3 como cruciais nesse processo, haja vista que a aprendizagem é muito mais significativa à medida que o aluno incorpora os conhecimentos teóricos a uma prática.

3 Os materiais concretos são objetos manipuláveis, enquanto recursos mediadores do processo de ensino e de aprendizagem

Sendo assim, é fundamental que os materiais concretos façam parte da ação pedagógica dos professores. No entanto, não basta entregar materiais concretos ou solicitar que os alunos os manipulem livremente. É preciso definir estraté-gias de ensino, o que implica saber como usar esses recursos adequando-os a realidade dos alunos, para que possam rela-cionar o que é estudado ao seu dia a dia.

Partindo desse pressuposto, desenvolvemos o presente estudo, tendo como objetivo central refletir sobre o ensino da Matemática nos dias atuais, bem como analisar a aplica-bilidade do uso de materiais concretos como recursos didá-ticos no processo de ensino-aprendizagem de conteúdos matemáticos.

Para abordarmos a temática aqui delimitada, utilizamos a pesquisa qualitativa, por entendermos que essa abordagem é a que melhor atende à natureza das questões aqui levantadas. A abordagem qualitativa assumida configurou-se através de uma pesquisa de campo.

A pesquisa de campo consiste na obser-vação de fatos e fenômenos tal como ocorrem espontaneamente. O objetivo da pesquisa de campo é conseguir infor-mações e/ou conhecimentos (dados) acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta. [...] A pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para cap-tar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo (GIL, 2002, p.53).

194 195

Tivemos como suporte empírico o discurso de 10 pro-fessores4 de Matemática de 20 escolas que estão jurisdiciona-das a 7ª Gerência de Ensino do Estado da Paraíba, coletado através de um questionário abordando as seguintes questões: o que pensam sobre o ensino da Matemática na atualidade; a razão de terem escolhido o ensino da Matemática como ati-vidade funcional; as principais dificuldades enfrentadas por esses docentes no que diz respeito à efetivação da apren-dizagem; como enfrentam essas dificuldades; que recursos manipuláveis são utilizados com frequência na sua prática de docência e quais os critérios de utilização de materiais manipuláveis nas aulas de Matemática. Para preservar a iden-tidade dos professores, substituímos seus nomes por: P1, P2, P3..., P10.

Como suporte teórico nos apoiamos nos estudos de Piaget (2007), Pires (2005), Ifranh (2001), Miorin (1998), Azevedo (1993), Machado (1991), dentre outros.

Para um melhor entendimento da temática em ques-tão, fizemos um breve percurso histórico sobre o ensino da Matemática, bem como uma discussão sobre a importância do uso de materiais concretos na construção do conheci-mento matemático, o que nos auxiliaram na análise.

O presente estudo nos apontou o importante papel do material concreto no processo ensino-aprendizagem, uma vez que a articulação entre as situações concretas e o conteúdo estudado facilita a compreensão do aluno. Evidenciamos, ainda, no discurso dos professores, que há uma dicotomia

4 Alguns desses professores lecionam em mais de uma escola.

entre o que dizem sobre a utilização de materiais concretos como instrumento facilitador da aprendizagem e prática de ensino que exercem.

O ensino da matemática ao longo da história - da matemática pura a educação matemática

Ao longo da história, o processo de ensino da Matemática sempre foi entendido por muitos como algo difícil e para poucos. Acreditamos que essa concepção esteja diretamente ligada à forma como esta foi durante muito tempo apresen-tada ou ensinada – de modo essencialmente formal e dedu-tivo, descontextualizada – o que acabou levando a grandes problemas de aprendizagem.

Se retrocedermos à antiguidade, vamos ver que apenas alguns poucos tinham acesso aos conhecimentos que mais tarde viriam a se chamar Matemática. A literatura dá conta de que isso se perdurou por toda a Idade Antiga e Idade Média, quando, apesar de já existir uma grande produção científica e já existirem centros acadêmicos e universidades, a escola ainda era para poucos, e a prática das mais elemen-tares operações aritméticas era domínio de uma casta privi-legiada (IFRAH, 2001, p.304).

Entretanto, com o advento da industrialização, fez-se necessário um número maior de indivíduos que dominas-sem minimamente ler e escrever, bem como operar os fatos básicos da Matemática.

Pesquisas de Miorim (1998) apontam que até mea-dos da década de 30, o ensino da Matemática era o que

196 197

conhecemos por Matemática Tradicional, pois este aconte-cia distribuído em diversas Matemáticas: álgebra, trigono-metria, geometria e aritmética, ensinadas uma em cada ano ou série. Nessa época, todo o processo de ensino era discer-nido pelo professor, que tinha a função de transmitir o que deveria ser aprendido pelos alunos. O método era centrado na linguagem universal de símbolos e sinais matemáticos, na memorização de procedimentos e etapas a serem seguidas sob o rigor dos algoritmos operatórios.

Em 1931, aconteceu a reforma educacional (Reforma Francisco Campos)5 que viria unir os diversos conheci-mentos em uma única disciplina, chamada simplesmente de Matemática, dando novas diretrizes ao ensino dessa disci-plina. Esta reforma não chegou a ser difundida no Brasil, principalmente por conta das resistências de professores que eram adeptos ao que chamavam de Matemática clássica.

Outro fato que contribuiu de forma significante e nega-tiva para que estas ideias fossem propagadas, foi o período sangrento da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1941).

5 Primeira reforma educacional de caráter nacional pelo Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos (1931). A reforma deu uma estru-tura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. Estabeleceu definitivamente o currículo seriado, a frequência obrigatória, o ensino em dois ciclos: um fundamental, com duração de cinco anos, e outro complementar, com dois anos, e ainda a exigência de habilitação neles para o ingresso no ensino superior (REVISTA HELP: HISTÓRIA DE ENSINO DE LÍNGUAS NO BRASIL, Ano1. n.1. 2007) (DIS-PONÍVEL em http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=88:a-reforma-francisco-de-campos&catid=1015:1931&Itemid=2.

No período da Guerra Fria6, década de 60, motivados pela corrida espacial das descobertas e feitos na Medicina como em outras áreas do conhecimento, outro movimento da Matemática teve início: Movimento da Matemática Moderna (MMM). Esse movimento tinha intenção princi-pal de aproximar a Matemática escolar da Matemática aca-dêmica. No currículo escolar, foi alargado o espaço para o ensino da álgebra em detrimento do ensino da geometria, aritmética e trigonometria, Nesse momento, a Matemática escolar ganhou o perfil da Matemática Pura e Científica, perdendo-se, assim, os avanços da prática, da demonstra-ção intuitiva e concreta que acabara de conquistar com a Reforma de Francisco Campos (PIRES, 2005).

Fragilizado pelas sucessivas críticas, o Movimento da Matemática Moderna enfraqueceu-se abrindo espaço para outras discussões no que se referia ao ensino da Matemática Escolar. As ideias apontavam para um ensino holístico e menos fragmentado como também para a utilização de novas tecnologias. Assim, dava-se ênfase à importância do aluno como sujeito ativo de sua aprendizagem e sugeria-se que o ensino da Matemática deveria ser centrado na resolu-ção de problemas. Nasce assim o Movimento da Educação

6 A Guerra Fria foi um evento mundial que aconteceu no período pós--guerra e perdurou até o início dos anos 90. Nela, não havia batalhas entre as forças bélicas, nem ataques diretos; entretanto, o que acon-teciam eram as famosas corridas, buscas pela hegemonia mundial e se deu entre os Estados Unidos e União Soviética, respectivamente, capitalismo e socialismo (DISPONÍVEL EM: http://guerra-fria.info/mos/view/O_que_foi_a_Guerra_Fria/

198 199

Matemática. No Brasil, este movimento ganhou força no início da década de 80 (BRASIL, 2001).

Em novembro de 1985, na 6ª Conferência Internacional de Educação Matemática, que aconteceu em Guadalajara – México, foi instituída a criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), com a finalidade de dis-cutir e discernir sobre o ensino da Matemática escolar no Brasil. Acordou-se, também, para a realização do Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM) que teria sua primeira edição de 2 a 6 de fevereiro de 1987 sediado na Pontifícia Universidade Católica (PUC – SP) com apro-ximadamente 550 participantes. Hoje, o ENEM está na 12ª edição, que aconteceu de 18 a 21 de julho de 2013, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC - PR – Curitiba).

Assim, educadores matemáticos simpatizantes do novo movimento criaram para o ensino da Matemática, em 1986, em São Paulo, uma nova proposta curricular. Essa proposta dividia a Matemática em três tópicos essenciais: números, medidas e geometria. Defendiam também o princípio de que o ensino da Matemática deveria perpassar pelos momentos de compreensão dos conceitos e que respeitasse o nível de capacidade e habilidade cognitiva de cada aluno.

Daí, então, teoricamente, muitas mudanças aconteceram em relação ao ensino da Matemática, especificamente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei 9394/96) - (BRASIL, 1996) que traz os principais parâmetros rela-cionados à educação em nosso país, ensejando a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – (BRASIL,

1997), que tem como princípio uma educação voltada para a formação do sujeito crítico.

Vale ressaltar que na perspectiva da Educação Matemática, o referido documento adota uma nova postura educacional, um novo fazer pedagógico, em que a teoria obtenha apro-priação na prática, rompendo com o modelo mecanicista do processo ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, a figura do professor vai muito além de um mero transmissor do conhecimento, pois ao ver o aluno como um agente ativo de sua aprendizagem, assume a pos-tura de um mediador, incentivador e organizador de ati-vidades, a fim de facilitar o processo da aprendizagem e a expansão do pensamento crítico no que se refere ao pensar matemático.

O uso de materiais concretos na construção do conhecimento matemático

A utilização de materiais concretos no ensino da Matemática tem se tornado, cada vez mais, uma tendência na prática docente. A visão de que o ensino da Matemática requer o auxílio de outros campos de conhecimento reflete no aprendizado do aluno, bem como no surgimento de novas propostas de ensino, que influenciam diretamente na ação pedagógica do professor. Essas novas propostas defen-dem, principalmente, o uso dos materiais concretos na aprendizagem, uma vez que os métodos pedagógicos basea-dos na transmissão de conhecimentos não dão conta de uma efetiva construção do conhecimento.

200 201

Essas contribuições foram alicerçadas em teorias surgidas na segunda metade do século XIX, a exemplo do construti-vismo, que tem como principal referência Jean Piaget.

Para Piaget (2007), a ação do sujeito sobre o meio é con-dição crucial na construção do conhecimento, pois o ato de conhecer não é algo predeterminado nas estruturas internas do sujeito, nem associado às contingências do meio, atra-vés dos mecanismos comportamentais (estímulo-resposta), mas, sobretudo, na relação que se estabelece entre o sujeito e meio a partir da mediação por produtos culturais, como os instrumentos, os signos (a palavra, o desenho, os símbolos). Quanto a isso, o autor adverte:

O conhecimento não pode ser conce-bido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito, por-quanto estas resultam de uma cons-trução efetiva e contínua, nem nas características preexistentes do objeto, uma vez que elas só são conhecidas graças à mediação necessária dessas estruturas, e que essas, ao enquadrá-las, enriquecem-nas (PIAGET, 2007, p.1).

Sob essa ótica, todo e qualquer conhecimento só se efe-tiva na interação entre o sujeito e o objeto a ser apren-dido, ou seja, o sujeito só conhece a realidade atuando sobre ela. Nesse sentido, o professor deve possibilitar as múltiplas interações entre o educando e os conteúdos que ele deve

aprender de forma que o aluno os compreenda e construa seus próprios significados.

Compreendemos, então, que as teorias construtivis-tas acentuam a importância de participação ativa do aluno na aprendizagem, bem como a implantação de atividades concretas no ambiente escolar. Nesse sentido, têm como base que a sustentação da aprendizagem se dá através do desenvolvimento cognitivo, no qual o aluno participa racio-cinando, compreendendo, fazendo relações e reelaborando o saber produzido. Sendo assim, os materiais concretos são ferramentas de ensino possibilitadoras e motivadoras nesse processo, uma vez que o aluno observa, manuseia, analisa e opera com esses materiais.

Segundo Azevedo (1993), o que predomina nas escolas atualmente são métodos verbais, que promovem a aprendi-zagem através de memorização, obediência às regras, repe-tição demasiada da escrita, fazendo com que no ensino da Matemática as técnicas de cálculo se sobressaiam da com-preensão e do domínio de conceitos.

Para se aprender Matemática tem que haver abstração, ou seja, o indivíduo deve ter a capacidade de representar aspectos da realidade, criando abstrações. Na linguagem matemática, chamamos isso de produção de modelos que são predições de fatos. Assim, os materiais concretos têm a função de intermediadores entre os fatos reais e os modelos matemáticos (AZEVEDO, 1993).

Ressaltamos que os estudos de Piaget contribuíram muito para a construção de uma didática na Matemática, apoiada na utilização do lúdico. O princípio construtivista

202 203

citado é o priorizado neste trabalho de pesquisa, aplicando, no ensino, a exploração dos materiais manipuláveis e não manipuláveis, fazendo com que o ensino da Matemática se torne cada vez mais contextualizado e de mais fácil discer-nimento por parte de quem a utiliza.

Para Piaget, conforme defende Azevedo (1993), a criança observa os objetos que manipula e faz comparações, clas-sificações, seriações, estabelecendo, assim, relações. Como resultado desse conjunto de ações sobre os objetos, a criança elabora representações mentais que mais tarde são coorde-nadas em operações concretas porque se referem a represen-tações dos objetos manipulados ou fatos vivenciados por ele, ou depois em operações formais.

De acordo com Piaget (1991 apud AZEVEDO, 1993), as representações mentais, acentuadamente, as que levam ao raciocínio lógico matemático se relacionam em três estru-turas fundamentais: as estruturas algébricas; as estruturas de ordem e as estruturas topológicas. A primeira se refere às operações que exigem a reversibilidade; a segunda, no tocante às comparações; e a última, as intuições espaciais. Piaget ainda enfatiza que todo esse processo nunca foi e nunca será impresso passivamente pela criança, mas através de um produto de reconstrução interior dos fatos apresen-tados externamente.

A gênese das operações lógico-matemáticas está na ati-vidade das ações físicas mais elementares, ou seja, “[...] os entes matemáticos originam-se da coordenação das ações físicas mais gerais que o sujeito exerce sobre o objeto” (MACHADO, 1991, p.43).

Segundo Piaget (1991 apud AZEVEDO, 1993), todo esse processo é regido por assimilações e acomodações. O pri-meiro é o movimento do sujeito em direção aos objetos que busca conhecer, e o segundo é a modificação do objeto pelo sujeito para adequá-la à sua necessidade, havendo durante esse processo a construção de representações mentais que originarão a elaboração de operações.

Segundo Azevedo (1993), a construção dos objetos estru-turados na prática pedagógica teve como um dos precurso-res, a educadora Maria Montessori. Dentre estes materiais, encontram-se: o Tangram, o Material Dourado, as Barras de Cuisenaire, o Material Multibase e os Blocos Lógicos, sendo a maioria voltada à percepção visual e tátil.

Para Azevedo (1993, p.116), “[...] além dos materiais estruturados, pode-se fazer uso também dos não estrutura-dos, como: palitos de sorvete; palitos de dentes; tampinhas de garrafa; bolinhas de isopor; fichas coloridas, etc”.

Rompendo com padrões mecanicistas no processo ensino-aprendizagem, Dienes (1986 apud AZEVEDO, 1993) enfoca o ensino da Matemática com base no uso de uma infinitude de materiais pedagógicos. Nesse sentido, o autor propôs quatro princípios para o aprendizado da Matemática:

• O dinâmico - A criança passa por três estágios: o estágio do Jogo, ou de manipulação; o da realização de ativida-des estruturadas com materiais relacionados a conceitos matemáticos; e o da sistematização dos conceitos e da aplicação da realidade na resolução de problemas;

204 205

• Variabilidade perceptiva - A construção de con-ceitos é favorável quando o aluno tem a capacidade de manipular vários materiais relacionados a um mesmo conceito;

• Variabilidade matemática - É a partir da genera-lização dos conceitos matemáticos que se possibilita a variação de situações representadas pelos materiais, de características irrelevantes e que também se mantêm intactas as características primordiais dos conceitos utilizados;

• O construtivismo - Enfatiza a necessidade de dar ao alunado as condições para que ele possa criar seus próprios conceitos.

Com base nos estudos aqui realizados, entendemos a urgência de se repensar a prática pedagógica, tendo em vista, como já citado, que a construção do conhecimento é um processo que se dá na interação, sendo o professor o facili-tador nessa construção. O sujeito, seja criança ou adulto, só constrói algum conhecimento se ele agir e problematizar a sua ação. Nesse sentido, temos os materiais concretos como ferramentas facilitadoras no processo de ensino-aprendiza-gem de Matemática.

O material didático manipulável na construção do conhecimento matemático: vozes dos professores

Como tem sido evidenciada no presente estudo, a Matemática, durante muito tempo, foi considerada uma das disciplinas mais difíceis no meio escolar. Ainda hoje se observa um grande número de alunos que apresentam difi-culdades nessa área. Diante disso, muitos estudos têm sido realizados com objetivo de mudar essa realidade, propondo uma ampla e sólida competência teórico-prática em detri-mento do racionalismo técnico que tem sido instaurado nas práticas pedagógicas de professores.

Nesse meio, temos como referência a utilização de mate-rial concreto ou matérias manipuláveis como suporte cru-cial no processo ensino-aprendizagem de Matemática, uma vez que esses recursos viabilizam o aprendizado do aluno de forma prazerosa e significativa, principalmente, o de alunos que apresentam dificuldades de compreensão.

Assim sendo, conforme já abordamos, realizamos uma pesquisa de campo com vistas a investigar qual a concep-ção dos professores sobre os materiais concretos e como ocorre a exploração do material manipulável no cotidiano escolar7.

7 Embora tenham participado da pesquisa 10 professores, não contem-plamos todas as falas, haja vista a repetição de opiniões.

206 207

Descrição e análise dos dados

Através do questionário aplicado, além de outros aspec-tos voltados à identificação e situação funcional dos sujei-tos da pesquisa, evidenciamos que 70% dos professores possuem formação de curso superior em Licenciatura em Matemática e 30% possuem curso superior em outras licen-ciaturas (Geografia, História e Ciências).

Mesmo não sendo o foco do nosso estudo, chamamos a atenção para o fato de que há um considerável percentual de profissionais sem a devida qualificação (30%), ou seja, sem a formação específica em Matemática para atuar na área, o que evidencia o fosso entre nível de qualificação normati-zado atualmente pelos documentos legais e as efetivas práti-cas institucionais. Esses dados são preocupantes uma vez que reforçam a improvisação de professoras que têm incidido no magistério em diversos momentos históricos.

É evidente que o saber do professor não provém de uma única fonte, que a titu-lação não é indicativo absoluto de quali-dade, ao contrário, o saber reconhecido no título é fruto de uma relação dialé-tica entre o saber científico teórico, a experiência prática e a institucionaliza-ção desse saber. Para se tornarem profis-sionais, os professores devem construir um corpo de conhecimentos que é pró-prio à profissão, impedindo a existência de professores não legítimos, “improvi-sados” (BRANDÂO, 2007, p.78).

A despeito da visão dos professores quanto ao ensino da Matemática na atualidade, esses foram categóricos em afir-marem que o ensino da disciplina passou por várias mudan-ças estruturais e hoje em dia está mais próximo do cotidiano do educando, conforme vemos abaixo:

O ensino da matemática passou por diver-sas transformações, inicialmente com o advento da Matemática moderna e em seguida pela implantação dos PCNs, que apresentou uma disciplina mais contex-tualizada, voltada para dar sentido àquilo que se aprende, fazendo uma relação do que está sendo ensinado com a experi-ência do dia a dia dos nossos alunos, pro-movendo motivação para a construção de uma boa aprendizagem (Informação verbal de P1 obtida através do questio-nário de pesquisa aplicado pelos autores).

“O Ensino da Matemática está sendo mais contextuali-zado, deixando mais aquelas resoluções cansativas e rotinei-ras (Informação verbal P8).”

O conteúdo manifesto dessas declarações mostra que os professores reconhecem que o ensino da Matemática tem assumido um novo status, uma vez que o professor tem mudado sua postura, ou seja, tem direcionado o ensino ao contexto sociocultural do aluno, de forma a priorizar a sua experiência, em detrimento de um ensino baseado na memorização. Conforme defende Marasini (2000), é

208 209

necessário relacionar o conteúdo a ser estudado com a rea-lidade dos alunos:

É isso que fará com que eles se moti-vem, se preocupem em aprender para afinal estarem aptos a aplicar no seu contexto de vida e que eles irão trans-formá-los em conhecimento, uma vez que a assimilação do conhecimento científico (saber sábio) com o conheci-mento em sala de aula (saber ensinado) exige que façamos uma adequação para que o aluno possa compreendê-lo (MARASINI, 2000, p.127).

Quando questionados sobre as dificuldades enfrentadas no magistério quanto à efetivação da aprendizagem através das metodologias utilizadas diariamente, os entrevistados coloca-ram que suas dificuldades maiores estão relacionadas a ques-tões salariais, atividades motivacionais direcionadas aos alunos, baixa formação quanto à inovação de práticas e metodolo-gias mais eficientes, bem como poucas formações que deem suporte ao uso das novas tecnologias, uma vez que a cada dia surgem equipamentos e mídias diferenciadas e os professores recebem pouca ou má formação para o trato com estas:

Considero como principal dificul-dade enfrentada pelos professores de Matemática atualmente é a falta de moti-vação dos mesmos, levados pela desvalo-rização profissional e os baixos salários.

Considerando também os avanços tec-nológicos da atualidade, onde a socie-dade exige dos educadores inovações e adequação dos conteúdos programáticos às necessidades dos alunos, encontramos muitas dificuldades no desenvolvimento de metodologias que promovam a adap-tação das nossas aulas aos anseios dos nossos jovens, seja pela baixa formação ou pela falta de abertura para inovar as nossas técnicas (Informação verbal de P1 obtida através do questionário de pesquisa aplicado pelos autores).

Tenho muita dificuldade para ensinar Matemática, uma vez que uso basica-mente apenas o quadro, giz e o livro didático, num mundo em que os alunos dispõem de aparelhos digitais que cal-culam tudo e que chamam sua atenção a todo momento. Chego a dizer que é desleal a concorrência entre o universo interativo e instigador que nossos alunos vivem e as aulas de Matemática quando nossos alunos ficam sentados em suas carteiras assistindo a nossa aula enquanto escrevemos num quadro (Informação verbal de P3 obtida através do questio-nário de pesquisa aplicado pelos autores).

Penso que era para existir mais forma-ções para nós professores, para poder-mos aprender a utilizar equipamentos e assim melhorarmos nossas aulas. Sinto dificuldades em trazer para sala de aula

210 211

jogos e outros equipamentos que exis-tem na nossa escola, sinto dificuldade em planejar e dar aulas de campo ou outro tipo de aula que não seja em sala de aula e resolvendo os exercícios do livro (Informação verbal de P6 obtida através do questionário de pesquisa aplicado pelos autores).

Estes argumentos mostram que mesmo entendendo a importância de um ensino mais voltado às necessidades dos alunos, contemplando recursos diversos, os professores sentem dificuldades no desenvolvimento de metodologias inovadoras, dado a falta de motivação, levados pela desva-lorização profissional e os baixos salários. Apontam, ainda, como dificuldades, a baixa formação.

Dessa forma, entendemos a formação continuada como uma prática indispensável na docência em Matemática. Acreditamos que esses momentos oferecem espaço de dis-cussão, relatos e trocas de experiências e atividades entre professores, na intenção de que estes possam reestruturar sua docência quando sensibilizados em momentos de reflexão sobre suas concepções e crendices; muitas vezes, ainda enrai-zadas por conta de um modelo de trabalhar a Matemática que já tenha ficado no passado.

Ainda sobre as dificuldades encontradas, 80% dos pro-fessores afirmaram que suas escolas não dispunham de labo-ratório de Matemática, robótica e/ou materiais concretos disponíveis para uso em sala de aula. Dos 20% que afirma-ram possuir tais equipamentos, 90% disseram não possuírem

formação específica para manipularem tais ferramentas e/ou que possuem dificuldades em relacionar os conteúdos trabalhados em sala de aula com os materiais existentes no contexto escolar.

No entanto, todos concordam que possuindo os equi-pamentos e os conhecimentos específicos para manipulação, esses materiais são de vital importância para que as aulas de Matemática sejam mais prazerosas e eficientes para uma aprendizagem significativa.

Apesar das dificuldades vivenciadas e relatadas, 80% dos professores disseram que costumam incentivar seus alunos com leituras que abordam a resolução de problemas na intenção de ampliar o raciocínio destes, bem como chamar a atenção dos discentes para as diversas e possíveis maneiras de se resolver o mesmo problema. Apenas 20% afirmaram aproveitar a disponibilidade dos laboratórios de Matemática, de robótica e de informática existentes em suas escolas para diversificarem suas aulas com metodologias apoiadas em situações diversificadas, fazendo correlações entre o conte-údo estudado e os materiais e/ou equipamentos utilizados, estimulando sempre os alunos a serem protagonistas de seu próprio aprendizado. Eles reconhecem que tal processo de construção priorizaria a capacidade de raciocínio do edu-cando, ou seja, entendem que através do lúdico, o aluno é estimulado a uma participação mais ativa.

212 213

Considerações finais

O intuito deste trabalho foi refletir sobre o ensino da Matemática nos dias atuais, bem como a aplicabilidade de materiais concretos como recursos didáticos facilitadores no processo de ensino-aprendizagem de conteúdos matemá-ticos. Entendemos a eficiência dos materiais concretos no ensino de Matemática, uma vez que, através deles, o professor garante aos alunos uma melhor compreensão dos conteúdos ensinados, pois a base de toda a aprendizagem é a fixação de impressões fornecidas pelo meio onde o aprendente vive.

No entanto, através da pesquisa de campo realizada, per-cebemos que há um elevado distanciamento entre a teo-ria e a prática dos professores com a utilização do material concreto propriamente dito. No processo metodológico, ao introduzir um conteúdo com o concreto, este distancia-mento ocorre devido à falta de compreensão e esclareci-mento que existe entre os professores sobre a importância deste no processo ensino-aprendizagem.

Embora dissertem que o material concreto é importante, em suas respostas, os professores evidenciaram não ter muita clareza das funções pelas quais os materiais ou jogos são importantes para o ensino-aprendizagem da Matemática.

Além disso, há uma dicotomia entre a prática de ensino e o processo de aplicação da metodologia com o uso do material concreto que deveriam estar intimamente ligados. Fato esse apontado pelos professores devido à falta de com-preensão, uma vez que não há uma formação adequada.

O que é de essencial destaque nessa conclusão, é que, não são os materiais concretos os responsáveis pela elabo-ração de noções e alterações. Eles são apenas os meios que dependem da ação efetiva do professor e do aluno, ou seja, são considerados meios eficientes para se desenvolver as for-mas de pensamento matemático.

Entendemos que é fundamental o papel do professor enquanto mediador das situações experienciadas com o mate-rial concreto, de modo que o conteúdo a ser trabalhado seja articulado a situações concretas com vistas a facilitar a com-preensão e a aprendizagem do aluno. Portanto, no presente estudo, propomos uma metodologia participativa em que reúne professor, aluno e instrumentos didáticos, na intenção de que o processo de ensino deixe de ser efetivado meramente pelo frio discurso e passe a ser mais palpável e experimental, dando-se sentido ao ensino de Matemática, tão necessário e marginalizado ao longo da história. Com isso, estamos abrindo possibilidades de superação dos obstáculos que a Matemática tradicional vem colocando ao longo do tempo.

Referências

AZEVEDO, Maria Verônica Rezende. Jogando e cons-truindo matemática. São Paulo:. Unidas, 1993.

BRANDÃO, Soraya Maria Barros de Almeida. A cen-tralidade da maternagem na relação pedagógica da educação infantil: o discurso de docentes e famí-lias usuárias de creche. 130 f. (Dissertação de Mestrado)

214 215

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Campina Grande, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação Básica (MEC). Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/ SEB, v. 2, 2006.

___________. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 2001.

___________.Ministério da Educação Básica (MEC). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curri-culares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

___________. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394/96. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília-DF: MEC/SEF, 1996.

DIENES, Zoltan Paul. As seis etapas do processo de aprendizagem em matemática. São Paulo: EPU, 1986.

DIENES, Pau Zoltan. Blocos Lógicos, in: SOARES Maria Hermosa. Metodologia da matemática, p. 15 – 19. Fortaleza/ CE, 2000.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas S. A., 2002.

IFRAH, George. Os números: a história de uma grande invenção. São Paulo: Globo, 2001.

MACHADO, Nilson José. Matemática e realidade. 3. ed. São Paulo: Cortez. 1991.

MARASINI, Sandra Mara. Contribuições da didática da matemática para a educação matemática. In: RAYS, Oswaldo Alonso. Educação e ensino: constatações, inquietações e proposições. Santa Maria: Pallotti, 2000, p. 126-130.

MIORIN, Maria Angela. Introdução à história da edu-cação matemática. São Paulo: Atual, 1998.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

___________. Epistemologia genética. Tradução de Álvaro Cabral. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

PIRES, Célia Maria C. A Educação Matemática no Brasil. In. UNION – Revista Iberoamericana de Educación Matemática, Set. 2005, Disponível em: http://www.fisem.org/descargas/3/Union_003_008.pdf. Acesso em 15/04/2014.

217

AVALIAÇÃO E PROGRESSÃO CONTINUADA: implicações ao processo de

ensino e aprendizagem

Ana Cláudia da Silva Sobral1

Francisca Pereira Salvino2

Introdução

Este trabalho aborda o processo de avaliação em ciclo de formação com regime de progressão continuada, orientado pela Lei nº 9.394/1996, Art. 24 (BRASIL, 1996). Seguindo essa orientação, a Secretaria Municipal de Educação de Campina Grande/PB adota essa organização para o Ensino Fundamental desde 05 de fevereiro de 1999, conforme o Decreto nº 2.715/1999. Cada ciclo tem duração de dois

1 Bacharela em Sociologia e professora da rede municipal de ensino de Campina Grande/PB.

2 Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

218 219

anos, distribuídos da seguinte forma: 1º ciclo (1ª e 2ª Séries); 2º ciclo (3ª e 4ª Séries); 3º ciclo (6ª e 7ª Séries) e 4º ciclo (8ª e 9ª Séries).Nesse regime, o aluno não pode ser repro-vado anualmente, apenas ao final de cada ciclo, mesmo que não obtenha desempenho de aprendizagem satisfatório. Isto dilata/amplia os tempos indicados para desenvolvimento das capacidades dos alunos, respeitando os diferentes ritmos de aprendizagem, aumentando os índices de aprovação, porém não tem garantido melhorias significativas nos índices relati-vos aos desempenhos dos alunos no Sistema (SAEB).

Isto nos remete a refletir sobre os reais efeitos da polí-tica de ciclos e se esse sistema tem garantido uma melhor formação ou se apenas tem contribuído para maquiar os indicadores educacionais, aprovando aleatoriamente milha-res de estudantes brasileiros, que ao serem aprovados sem o desenvolvimento das habilidades mínimas de leitura, escrita e cálculo acabam sendo submetidos a mais um modelo per-verso de exclusão educacional e social.

Nesse sistema, é fundamental que as escolas desenvolvam capacidade institucional para diagnosticar os níveis de efici-ência e eficácia da escolarização em ciclos, com uma postura crítica quanto à operacionalidade dos mesmos, detectando problemas, propondo soluções e agindo prontamente em função de aprendizagens mais significativas e de melhor qualidade, o que é necessário para que a avaliação ocorra nas diferentes etapas dos processos educativos, privilegiando esforço, mérito e perspectiva de uma vida melhor.

A partir de tais considerações, o presente trabalho analisa como os professores compreendem a avaliação no regime de progressão automática e identifica suas implicações nos

processos de ensino e aprendizagem, tomando como refe-rência empírica uma escola municipal, localizada na cidade de Campina Grande/PB. Resulta de um estudo de caso, no qual utilizamos como instrumento para coleta de informa-ções um questionário semiaberto, que permitiu aos sujeitos liberdade para apresentarem seus pontos de vista sobre o tema proposto. Tomamos como referência teóricos como Libâneo (1994); Demo (1999); Manairdes (2001); Gomes (2004); Caldeira (200o); Hoffmann (2009); Costa (2010). Argumentamos que a escolarização em ciclos prescinde de ajustes em todas as dimensões da ação educativa, porém adé-qua-se melhor às necessidades dos estudantes do que à orga-nização seriada. Assim, os problemas de baixo rendimento na aprendizagem dependem de ações conjuntas de diversos sujeitos e incluem reorganização de referenciais teórico--metodológicos, que possam garantir o desenvolvimento das capacidades dos estudantes e currículos que priorizem formação para a cidadania.

Significados de avaliação em processos de ensino e aprendizagem

A sociedade contemporânea tem sido marcada por mudanças em todos os setores decorrentes do desenvolvi-mento do capitalismo e expansão do processo de globalização, o que tem estimulado o crescimento da produção econômica, do conhecimento, da ciência e da tecnologia. Essas mudan-ças estruturais impulsionaram novas concepções e compor-tamentos, bem como têm exigido uma ressignificação das

220 221

instituições sociais, dentre elas, a escola, que deve responder às necessidades e às demandas contemporâneas. Neste contexto global, a instituição escolar, de maneira geral, tem procurado manter as funções de intervir na formação dos sujeitos em diferentes dimensões (física, cognitivo, psicomotora, afetiva e outras) e de transmitir conhecimento, informações e cultura de uma geração para outra.

Nos dias atuais, a escola deve, além de preocupar-se com as questões pedagógicas do ensino e da aprendizagem, desenvolver um trabalho pedagógico que insira as questões sociais, culturais e políticas nos seus debates, visando respon-der aos anseios dos sujeitos que a frequentam. Nesse sentido, a política de ciclos se preocupa em oferecer uma educação que promova o desenvolvimento integral dos estudantes. Para essa finalidade, a organização escolar exige mudanças em todas as dimensões do processo educativo e o currí-culo em ciclos propõe novas maneiras de lidar com sujeitos, conhecimentos, valores e atitudes. A preocupação com um processo de escolarização que responda às necessidades dos estudantes em diferentes tempos e espaços resultou da polí-tica de ciclos, acreditando que ela oferece uma formação adequada, que prepare os alunos para enfrentar os desafios da sociedade contemporânea.

Neste sentido, a Lei nº 9.394/1996 pretende garantir mudanças em relação à estrutura, ao acesso, à permanência e às novas maneiras de gerenciamento da educação em todas as etapas e modalidades, mas é preciso assegurar também a qualidade, que parece distante de ser alcançada. Nessa pers-pectiva, a importância dos ciclos é indiscutível. No entanto,

algumas pesquisas recentes (COSTA, 2010; CALZAVARA, 2010) apontam que, passadas quase duas décadas de implan-tação, há em diferentes redes de ensino o entendimento de que a proposta nunca foi devidamente compreendida e/ou devidamente implementada, por diferentes razões, tais como: formação docente inadequada, muita propaganda política e pouca ação efetiva, má gestão escolar, falta de assistência mais individualizada aos estudantes.

A má compreensão da organização escolar em ciclos compromete todas as dimensões do processo educativo e, consequentemente, a avaliação neste contexto precisa ser revista, pois ela é fundamental e é um meio legítimo para o desenvolvimento das capacidades intelectuais, sociais, cultu-rais dos estudantes. Neste sentido, só é possível almejar uma educação de qualidade se o processo avaliativo for realizado com seriedade. Por isso, é preciso que os profissionais da edu-cação, especialmente os professores, compreendam as nuanças entre teoria e prática na educação, interpretem os avanços e limites em relação à normatividade do atual processo avalia-tivo e entendam que a avaliação é um processo que, se bem dirigido, pode contribuir significativamente para a qualidade do ensino e da aprendizagem nas escolas brasileiras.

O processo de avaliação está diretamente relacio-nado à questão curricular, que pode ser entendida como as experiências em torno do conhecimento e que se dão em meio a relações de poder, contribuindo para a for-mação de identidades (MOREIRA; CANDAU, 2008). Assim, o comprometimento de educadores e de educandos em torno de metodologias de ensino e de conhecimen-tos adquiridos podem transformar, social e culturalmente,

222 223

suas subjetividades e seus modos de vida. Portanto, há um consenso de que a avaliação não é apenas uma técnica para se verificar conhecimento, mas um recurso didático peda-gógico que visa ao desenvolvimento dos sujeitos sociais. Conforme afirma Caldeira,

A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teó-rico de sociedade, de homem, de edu-cação e, conseqüentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica (CALDEIRA, 2000, p.122).

O sentido da avaliação apresentado pela autora demons-tra que não deve ocorrer de forma aleatória, mas deve estar articulada às demais dimensões do processo educativo. Ela não representa apenas um procedimento pedagógico, porém transmite determinados modos de entender os homens, as sociedades e os conhecimentos. Ainda sobre o sentido de avaliação na prática escolar, Demo afirma:

Refletir é também avaliar, e avaliar é também planejar, estabelecer objetivos etc. Daí os critérios de avaliação, que condicionam que seus resultados estejam

sempre subordinados a finalidades e objetivos previamente estabelecidos para qualquer prática, seja ela educativa, social, política ou outra (DEMO, 1999, p.1).

Para o autor, a avaliação é um recurso que está presente em todos os campos da atividade humana, é um meio que visa acompanhar o desenvolvimento de uma ação, de um projeto, ou qualquer atividade que se pretenda realizar. No caso específico da escola, a avaliação para Libâneo significa:

Uma tarefa complexa que não se resume a realização de provas e atribuição de notas. A mensuração apenas proporciona dados que devem ser submetidos a uma apreciação qualitativa. A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnóstico e de controle em rela-ção às quais se recorrem a instrumentos de verificação do rendimento escolar (LIBÂNEO 1994, p.195).

Esta compreensão de avaliação caracteriza a especifi-cidade do trabalho educativo e dos processos de ensino e aprendizagem, que representam uma dimensão fundamen-tal, expresso na Lei nº 9.349/1996, quando orienta as comu-nidades escolares pela implantação dos ciclos de formação e promete uma escolarização que ofereça formação humana mais completa. A aquisição de habilidades educacionais, somadas à formação sociocultural e ao desenvolvimento da

224 225

identidade cidadã, vem sendo discutida e analisada na história da educação brasileira, de onde se depreende que, tradicio-nalmente, as tendências pedagógicas caracterizavam-se pela defesa de processos formais de transmissão de conhecimen-tos, nas quais o professor assumia um papel de transmissor de conhecimentos e o estudante de mero receptor. Exigiam-se dessa memorização de conhecimentos, e posterior repetição em testes, exames e provas periódicas, geralmente destituí-das de compreensão analítica e/ou crítica. A avaliação, nessa perspectiva, tem dado ênfase à dimensão quantitativa, a qual é aferida mediante a atribuição de notas, portanto, o sucesso dos estudantes está diretamente relacionado ao seu desem-penho nos exames.

Em consequência dessas concepções, a educação brasi-leira apresentava índices de reprovação, evasão e repetên-cia alarmantes que, historicamente, marcaram as escolas brasileiras. Essa situação sinaliza com os efeitos da pedago-gia tradicional que é explicada por Libâneo (1994) como uma proposta de ensino e aprendizagem, na qual a essência pedagógica encontra-se na transmissão de conteúdos e o professor assume uma posição central, o que ainda é muito presente nos dias atuais.

No campo das investigações e das ações pedagógicas, as críticas aos modelos tradicionais têm legitimado novas con-cepções de ensino e aprendizagem que consideram aspectos cognitivos, afetivos, políticos, sociais, culturais, dentre outros. Assim, podemos citar as fortes contribuições da Escola Nova, teorizada pelo filósofo e educador John Dewey, bem como as contribuições de teóricos europeus como Maria

Montessori, Ovide Decroly, Jean Piaget e Lev Vygotsky, que se empenharam em desconstruir as bases das tendências conteudistas e propuseram novas formas de organização dos currículos. Muitas dessas contribuições embasam a organi-zação curricular em ciclos de formação que abordaremos a seguir.

Ciclos de formação, avaliação formativa e currículo

A implantação dos ciclos de formação nas escolas bra-sileiras tem proporcionado as principais mudanças na prá-tica da avaliação, na tentativa de romper com a avaliação classificatória. Numa visão idealizada, a política de ciclos fundamenta-se a partir de uma avaliação formativa e eman-cipatória, cuja principal preocupação é garantir uma melho-ria na aprendizagem e a democratização dos processos educativos.

Na interpretação de Mainardes (2001), a concepção de ciclo refere-se à temporalidade humana, à formação humana. Assim, a ideia de ciclo é “ciclo de vida”, tempo de vida. Segundo o autor, essa analogia de ciclos e fases de desenvol-vimento humano nos transposta para o contexto educacio-nal, diz respeito às maneiras de conceber, organizar, gerir a escola, política e pedagogicamente, visando à qualidade e à democratização da educação.

Favorável à escolarização em ciclos, Sacristán (2001) defende que ela deve oferecer educação a todos, inde-pendentemente da condição social de seus atores, ou seja, a escola e os educadores são desafiados a identificar as

226 227

possibilidades pedagógicas e políticas para garantir aos alu-nos a permanência na escola, o desenvolvimento de suas capacidades e a apropriação do conhecimento escolar. Nesse sentido, acredita-se que os ciclos favorecem a igualdade de direitos. A implantação da política de ciclos tem ressaltado a avaliação qualitativa e formativa, entendida por Landshere como capaz de:

Criar uma situação de progresso, e reconhecer onde e em que o aluno tem dificuldades e ajudá-lo a superá--las. Esta avaliação não se traduz em níveis e muito menos em classificações numéricas. Trata-se de uma informa-ção em feedback para aluno e profes-sor (LANDSHERE apud ABRECHT, 1994, p.31).

O acompanhamento da aprendizagem do estudante deve ser contínuo e utilizar-se de várias estratégias para sua verifi-cação. Na concepção de Perrenoud (1999, p.103), a avaliação formativa é “toda avaliação que ajuda o aluno a aprender e se desenvolver, ou melhor, que participa da regulação das apren-dizagens e do desenvolvimento de um projeto educativo”. Essas modalidades de avaliações ressaltam o caráter qualitativo do processo. A organização da escolaridade em ciclos implica em mudanças, seja na forma de promoção dos estudantes, no processo avaliativo, na organização curricular ou na forma de gerir o processo pedagógico. Nesse sentido, é fundamental

que a gestão propicie uma escola democrática. Em relação a essa forma de organização escolar, Fernandes afirma:

O ciclo, mais do que uma unidade de tempo escolar, constitui-se em uma medida intermediária para confrontar a escola dentro de uma nova lógica, cujas concepções de escolarização, de tempo e espaços escolares, de conhecimento escolar, de currículo escolar, de ava-liação escolar, de trabalho docente, de relação professor aluno, de relação entre escola e mundo social são distintas e entram em conflito com a lógica seriada (FERNANDES, 2009, p.117- 118).

Essa forma de organização implica mudanças em todas as dimensões do processo educativo. Para tanto, deve ocor-rer uma reestruturação curricular, propondo novas maneiras de conceber os conhecimentos, com mudanças nas relações entre professores e alunos, redimensionamento de espaços e tempos escolares, que possibilitem novas formas de convi-vência. Portanto, a questão curricular depende desses diversos aspectos a serem considerados, sobre os quais Lopes (2006, p.153) explica que “dependem de mudanças mais profun-das nas relações sociais e culturais e nas relações de poder, não sendo derivadas, portanto, apenas de decisões de alguns grupos favoráveis a inter-relação de determinados saberes”. Ainda sobre currículo, Oliveira (2004, p.9) explica que o referido “não pode ser entendido como lista de conteúdos,

228 229

mas como criação cotidiana daqueles que fazem as escolas e como prática que envolve todos os saberes e processos interativos do trabalho pedagógico, realizado por alunos e professores”.

A organização do currículo deve apresentar flexibilidade, quanto à condução dos objetivos de ensino, aos conteúdos, às metodologias e à avaliação, contrapondo-se à organização cur-ricular rígida, tecnicista, prescritiva e centralizada numa visão de ensino tradicional. A proposta de currículo na atualidade adquire novos significados e incorpora as diversas dimensões do processo educativo. Abramowicz lembra que isto ocorre:

Evoluindo de uma visão tecnicista de rol de disciplinas, para a proposta de um currículo polissêmico, multifacetado, visto como uma construção cultural, his-toricamente situado, socialmente cons-truído, vinculado indissociavelmente ao conhecimento, constituindo-se no ele-mento central do projeto educativo da escola (ABRAMOWICZ, 2001 p.36).

Esta visão de currículo expõe a necessidade de uma pro-posta político-pedagógica de ensino que valorize o conhe-cimento, levando em considerações questões históricas, sociais e culturais, condizentes com a formação das identi-dades dos sujeitos do processo educativo. Ressaltamos que as discussões sobre currículo e avaliação no contexto do ciclo dizem respeito à preocupação em romper com a ideia de currículo como um aspecto pedagógico pré-definido, e que

ainda interpreta a avaliação como instrumento para medir o fracasso ou o sucesso do aluno.

Diálogos sobre avaliação a partir de uma escola municipal de Campina Grande/Pb

A pesquisa teve como campo empírico uma escola de Ensino Fundamental da rede municipal de Campina Grande/PB, que atende de 1º a 9º anos, funcionando nos três turnos. A Escola foi inaugurada no dia 03 de dezem-bro de 1996, na gestão do prefeito Félix Araújo Filho e da secretária de educação, Margarida da Mata Rocha, tendo começado a funcionar em 17 de fevereiro de 1997.

A Escola, nos anos de 2003 e 2004, implantou o 3º (6º e 7º anos) e o 4º (8º e 9º anos) ciclos de formação e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Atende a um total de 565 alunos, distribuídos nos turnos manhã, tarde e noite. O Projeto Político Pedagógico foi elaborado pela equipe técnico-pedagógica da Escola no ano de 2013, visando a melhorar a realidade educativa da instituição. Segundo o pro-jeto pedagógico, a escola adota as correntes sociointeracio-nistas e construtivistas, ou seja, privilegia o ensino enquanto construção do conhecimento, o desenvolvimento pleno das potencialidades do aluno e sua inserção no ambiente social. O Projeto Político Pedagógico está em consonância com a Lei nº 9.394/1996, que regula a construção de currículos compostos por uma base nacional comum de conteúdos a serem estudados em todo o território nacional e uma parte diversificada, conforme diferenças regionais e locais. Propõe

230 231

também temas transversais, incluindo questões sociocultu-rais, ambientais e outras, bem como métodos ativos e avalia-ção no regime de progressão automática (BRASIL, 1996).

Para efeito deste trabalho, recorremos ao estudo de caso, pois como afirma Goode e Hatt (1978, p.17), “o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sis-tema mais amplo”. O interesse incide naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente fiquem evidentes certas semelhanças com outros casos ou situa-ções. Segundo Deslamdes (1994), o estudo de caso refere--se a uma questão particular, trabalhada com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, correspondentes ao espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos às operacionalizações de variáveis. Recorremos, também, ao questionário como técnica de coleta de informações. Esses procedimentos, além de se apresentarem como possibilidade de aproximação com aquilo que pretendíamos conhecer e estudar, significaram criar um conhecimento, partindo da realidade presente no campo.

Os sujeitos da pesquisa, que responderam aos questionários, foram 4 professores efetivos da escola pesquisada, sendo um professor de Matemática que leciona, há dez anos, no Ensino Fundamental, de 7º a 9º ano; uma professora de Ciências que ensina nas turmas de 8º e 9º anos, há mais de 8 anos; uma professora de Educação Artística que leciona há 10 anos; e um professor de Língua Portuguesa, que leciona 8º e 9º anos há 10 anos. Esses professores começaram a lecionar quando o sistema de ciclo e progressão continuada já havia sido implantado pela Secretaria de Educação de Campina Grande/PB.

Concepções dos professores e seus modos de avaliar

Esta parte do trabalho refere-se às análises e reflexões acerca das informações fornecidas pelos professores sobre a avaliação com progressão continuada, seus modos de avaliar e as implicações para o processo de ensino e aprendizagem. Conhecer os significados de avaliação atribuídos pelos pro-fessores e suas formas de avaliar foram nossas primeiras pre-ocupações. No Quadro 1, apresentamos suas respostas, nas quais percebemos uma predominância da ideia de avaliação como verificação das aprendizagens e/ou desempenho dos alunos, como podemos ver a seguir.

Quadro 1- Concepções e modos de avaliar dos professores

Respondentes Significados de avaliação Como os professores avaliam

Professora 1

Pressupõe obter resultados, progressos, mudanças. É um diagnóstico do nível de aprendizagem do alunado, como também do desempenho do professor.

Para avaliar, utiliza-se de vários instrumentos como provas, testes, pesquisa, participação durante as aulas e atividades em geral.

Professora 2

É um diagnóstico do nível de aprendizagem do alunado, como também do desempenho do professor.

Participação durante as aulas com realização de atividades de modo criativo, grupos de trabalhos, pesquisas, atribuição de notas e conceitos, a mensuração do desempenho é aferido por notas e conceitos.

Professor 3

Avaliação é um diagnóstico da aprendizagem dos alunos, dos conteúdos ministrados nas aulas.

Avaliação contínua com as resoluções de atividades individuais e em grupos.

Professor 4Recurso pedagógico usado para verificar o nível de aprendizagem do aluno.

Provas escritas, seminários, pesquisa etc.

Fonte: A autora, a partir dos questionários aplicados aos professores

232 233

As concepções revelam um entendimento de avalia-ção numa perspectiva da pedagogia tradicional, embora influenciada também por uma compreensão de que esse processo deva ser contínuo e através de vários instru-mentos e atividades. Isto favorece a ideia de ciclo de formação. A visão de avaliação proposta na pedagogia tradicional é verificada quando o procedimento avalia-tivo é compreendido como restrito aos alunos e como resultado final do processo de aprendizagem, ou seja, a avaliação é vista como um instrumento para se conseguir obter uma nota ou conceito. Para Hoffmann, avaliação como classificação:

Não se restringe aos educadores em geral. É idêntica a visão dos alunos a respeito desse tema, das famílias e da sociedade. O significado da avaliação na escola alcança um significado próprio e universal, muito diferente do sentido que atribui a essa palavra no nosso dia a dia. Percebe-se o aluno sendo obser-vado apenas em situações programadas (HOFFMANN, 2009, p.24).

Na resposta do Professor 1, sobre o modo de avaliar, encontram-se basicamente os tradicionais instrumentos ava-liativos, como: pesquisa, provas, testes, participação do aluno em sala. Este último modo de considerar a avaliação está

presente na concepção qualitativa, conforme é concebida por Loch quando afirma que:

Avaliar não é dar notas, fazer médias, reprovar ou aprovar alunos. Avaliar, numa nova ética, é sim avaliar partici-pativamente no sentido da construção, da conscientização, busca da autocrí-tica, autoconhecimento de todos os envolvidos no ato educativo, investindo na autonomia, envolvimento, com-promisso e emancipação dos sujeitos (LOCH, 2000, p.31).

Podemos constatar também que o Professor 2 concebe a avaliação como um processo que visa verificar as condições de desempenho do aluno, sendo um diagnóstico do nível de aprendizagem do alunado, como também do desempenho do professor. Esta visão de avaliação se aproxima da con-cepção de avaliação do sistema de ciclo, pois teoricamente objetiva promover o desenvolvimento dos sujeitos. Mesmo numa perspectiva tradicional, os procedimentos avaliativos são de caráter diagnóstico que, segundo Meneghel e Kreisch (2009), têm o objetivo de identificar as dificuldades e capa-cidades dos estudantes, reorganizando a prática pedagógica do professor, no intuito de melhorar a aprendizagem.

Uma outra concepção que expressa uma compreen-são restrita do tema ocorre quando a avaliação é entendida como um procedimento que visa detectar o grau de apren-dizagem do estudante, mediante os conteúdos ministrados.

234 235

Essa lógica de avaliação se configura de maneira genérica e está presente na escola seriada. Portanto, a avaliação não pode ser reduzida à questão quantitativa, pois a educação está relacionada a valores. Sobre isto, Sordi (2001, p.173) afirma: “uma prática avaliativa espelha um juízo de valor, uma dada concepção de mundo e de educação e, por isso, vem impregnada de um olhar absolutamente intencional que revela quem é o educador quando interpreta os eventos da cena pedagógica”. Nesse sentido, encontramos professo-res dispostos a corroborar com a melhoria da qualidade da aprendizagem, outros preocupados apenas em cumprir suas tarefas e outros que se utilizam das práticas avaliativas como recompensa ou punição, descaracterizando as finalidades da avaliação.

Na sequência, abordamos as percepções dos professores acerca dos ciclos de formação e da progressão continuada. Para tanto, indagamos aos professores o que entendiam por ciclo de formação e o que significava aprovação no regime de progressão continuada. As respostas reve-lam certa insatisfação com os processos, como vemos no Quadro 2 a seguir.

Quadro 2- Ciclos de formação e progressão continuada

RespondentesEntendimentos acerca de ciclos de formação

Significados de progressão continuada

Professora 1Sistema de ensino que coloca no centro da aprendizagem o aluno, como sujeito histórico e cultural.

É aquela em que o aluno continua a sua progressão para a etapa seguinte mesmo que não tenha atingido um desempenho escolar satisfatório.

Professora 2

Entendo que tem uma teoria linda, chamada avaliação contínua e diagnóstica que se devem observar os aspectos sociais e cognitivos, diminuindo os anos de reprovação dos alunos, sendo que na prática diante da nossa realidade cultural é de grande prejuízo, pois a banalização é grande por falta do compromisso político em não disponibilizar professores para suprir as dificuldades por disciplinas dos alunos que passam de ano com retenção e a falta da prática de provas e notas, que faz com que os alunos não levem a sério os estudos.

Progressão continuada é quando o aluno passa de ano, mas que o processo de aprendizagem deve continuar acontecendo, sem descartar as dificuldades e deficiências dos alunos.

Professor 3Sistema que coloca o aluno no centro da aprendizagem

O aluno continua a sua progressão de séries no ano seguinte, mesmo não atingindo o ideal de aprendizagem.

Professor 4

Significa a interdependência entre as séries a fim de minimizar as possíveis lacunas existentes na formação dos estudantes.

As deficiências dos educandos vão sendo acompanhadas e sanadas ao longo dos seus ritmos.

Fonte: A autora, a partir dos questionários aplicados aos professores

Ao se expressarem sobre os ciclos de formação e pro-gressão continuada, os profissionais manifestam insatisfação, afirmando que os ciclos se apresentam de várias maneiras nos contextos da educação brasileira, mas nem sempre são coerentes com uma melhoria das aprendizagens. Sobre este aspecto, Souza (2007) afirma que a implantação dos ciclos, ao prever a progressão continuada, supõe tratar o conheci-mento como processo e, portanto, como uma vivência que não coaduna com a ideia de interrupção, mas de construção.

236 237

Neste, o aluno é entendido como sujeito da ação, que está sendo formado continuamente e construindo significados a partir de relações que estabelece com o mundo e com os outros sujeitos.

A progressão continuada se substancia no ciclo de for-mação que prevê períodos de escolarização que ultrapassam o sistema de séries anuais que, dependendo da experiência implantada, podem estar organizados em blocos de dura-ção variada. Ela deve romper com a perspectiva do processo educativo seriado, pois sua proposta é conduzir um processo pedagógico de ensino e aprendizagem capaz de apontar condições mais adequadas para os alunos desenvolverem suas habilidades educacionais. A crítica colocada refere-se à inexistência de avaliações mais consistentes e ausência de provas periódicas. Essas lacunas impedem uma visão positiva do ciclo de formação e vê na progressão continuada male-fícios. Porém, é preciso lembrar que os testes comuns nas avaliações e as reprovações também não trazem benefícios à aprendizagem e têm ocasionado sérios problemas, como abandono e distorções idade/série.

Implicações e consequências da progressão continuada

Nesta última seção, procuramos perceber quais as impli-cações e consequências da progressão automática, de acordo com a percepção dos professores. Os relatos demonstram uma reação bastante negativa quanto às consequências da progressão continuada para a aprendizagem dos estudantes, como podemos observar no Quadro 3.

Quadro 3- Implicações e consequências da progressão continuada

RespondentesOpiniões sobre progressão continuada

Implicações e consequências da aprovação continuada para a aprendizagem

Professora 1Enganação para o processo educativo.

Os estudantes têm desinteresse pelo conhecimento, apatia em relação aos conteúdos ministrados.

Professora 2É interessante e importante devido ao nível baixo de conhecimento dos alunos.

Quando o aluno passa com retenção em uma disciplina e não tem uma assistência específica, isso vira um acúmulo de deficiências, dificultando muito a compreensão dos novos conteúdos que requerem do aluno um conhecimento básico para acompanhar o nível da série que frequenta.

Professor 3Significa uma farsa e um prejuízo para o próprio estudante.

Desinteresse, apatia, a não aprendizagem mínima dos conteúdos ministrados.

Professor 4Atualmente não se apresenta eficiente.

Na prática, não tem produzido as competências esperadas nos estudantes.

Fonte: A autora, a partir dos questionários aplicados aos professores

As declarações dos Professores expressam um contras-senso entre o que é preconizado pela política de ciclo e sua prática, que produzem efeitos contrários à preconizada melhoria da qualidade, pois os estudantes, segundo eles, apresentam-se apáticos, insensíveis ao processo de ensino e aprendizagem e, por conseguinte, ignoram as propostas ava-liativas de caráter qualitativo. Percebe-se claramente a insa-tisfação dos professores, evidenciando as suas contradições,

238 239

uma vez que o sistema de ciclos é pensado na perspectiva de reorganizar o processo educativo, promover uma maior interação entre os sujeitos e fortalecer as relações democrá-ticas nas unidades escolares. Ou seja, a tese do ciclo e da pro-gressão continuada tem seus fundamentos legítimos, mas a vivência tem sido problemática. Falta nos depoimentos uma análise mais consistente acerca dos fundamentos teórico--metodológicos e dos seus aspectos benéficos ao processo de ensino e aprendizagem.

É preciso ressaltar que os problemas identificados nos ciclos não devem justificar retorno à lógica da seriação, pois esta, comprovadamente, constitui-se muito mais per-versa. É necessário, portanto, buscar aperfeiçoar as estraté-gias de acompanhamento aos estudantes e as possibilidades de motivação para que partam de expectativas proporcio-nadas pela educação em seu sentido formativo e cultural e não nos mecanismos de punição e recompensa gerados pela lógica da avaliação, através de exames e notas. É preciso que fique mais evidente para os professores que a proposta da progressão continuada significa introduzir e valorizar mode-los avaliativos formativos e democráticos, que objetivam diagnosticar os progressos, as dificuldades e defasagens dos estudantes. Pois, suas respostas também deixam evidente a ausência de fundamentos psicopedagógicos acerca dos efei-tos da avaliação.

Considerações finais

As informações possibilitam concluir que falta rigor no processo avaliativo e a suposta avaliação contínua e forma-tiva não tem proporcionado os acompanhamentos necessá-rios para que problemas e dificuldades sejam identificados, enfrentados e superados. A progressão continuada tem gerado e agravado problemas relacionados à motivação, interesse e desempenho dos estudantes, somados a uma falta de enten-dimento mais global dos professores sobre os fundamentos da política de ciclos e sua operacionalização.

O entendimento restrito do sistema de ciclos pode ter como resultado uma prática avaliativa dicotômica, ou seja, avalia-se ora na perspectiva de ciclo de formação, ora conforme os padrões da escola seriada. Neste contexto, a avaliação torna-se confusa, a lógica da inclusão dos mais des-favorecidos não se concretiza e mantém-se a lógica classi-ficatória da avaliação do sistema seriado. Essas contradições podem se tornar entraves ao desenvolvimento de uma ação pedagógica mais concisa e eficaz em relação à progressão continuada, que jamais deveria ser confundida com aprova-ção sem critérios e sem objetivos consistentes, vinculados à inclusão e à justiça social.

É preciso um esforço conjunto da escola para direcionar ações políticas e pedagógicas, eminentemente da escolarização em ciclos. É indiscutível que governos e gerentes de educação em sistemas e redes de ensino tenham a obrigação técnica, pedagógica e política de fazer com que os ciclos de forma-ção sejam efetivados com competência. Também é preciso que

240 241

os educadores tenham conhecimentos acerca das tendências avaliativas qualitativas, que possibilitem uma reformulação nos modos de pensar e praticar a avaliação, pois discutir tendências avaliativas qualitativas visa oferecer condições para que todos na escola aprendam de fato. Nenhuma mudança é possível sem a participação consciente, competente e determinada dos educadores.

Portanto, é imprescindível analisar a política de ciclos e o regime de progressão continuada, caso contrário, eles ser-virão apenas para manipular resultados e falsamente resolver os problemas recorrentes na educação do Brasil, expressos pelos índices de analfabetismo, repetência, evasão, distor-ção idade/série, baixo nível de aprendizagem e alto índice de insatisfação dos sujeitos que compõem as comunidades escolares (alunos, professores, funcionários, pais e demais responsáveis pelos alunos). O Estado brasileiro tem o dever de consolidar seu projeto educacional com verdade, compe-tência, responsabilidade social e alto nível de qualidade, pois é inconcebível que tal projeto ainda patine na ineficiência e no descaso.

Referências

ABRECHT, R. A avaliação formativa. Rio Tinto/Portugal: Edições Asa, 1994.

ABRAMOWICZ, Anete. Educação inclusiva: incluir para quê? Revista Brasileira de Educação Especial, v.7, n. 2, p.01-09, jul./dez., Marília, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece Diretrizes e Bases Para a Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

CALDEIRA, Anna M. Salgueiro. Ressignificando a avaliação escolar. Comissão Permanente de Avaliação Institucional: UFMG-PAIUB. Belo Horizonte: PROGRAD/ UFMG, p. 22-129, 2000. (Cadernos de Avaliação, 3).

CALZAVARA, Maria Teresa S. As práticas avaliativas e os registros de resultados nos anos iniciais do ensino fundamental: um estudo de caso. 2010. 142 f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro: UNIRIO, 2010.

COSTA, Maria Helena S. P. As práticas avaliativas da Aprendizagem: um estudo de caso em uma escola funda-mental na cidade do Rio de Janeiro. 2010. 183 f. (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro:UNIRIO, 2010.

DEMO, Pedro. Avaliação Quantitativa. 6 ed. Campinas, SP: Cortez, 1999.

___________. Avaliação qualitativa. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1991.

FERNANDES, C. Escolaridade em ciclos: desafios para a escola do século XXI. Rio de Janeiro: Wak, 2009.

242 243

DESLANDES, Suely Ferreira. A construção do pro-jeto de pesquisa. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLAMDES, Suely (Orgs). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

GOMES, C. A. Quinze anos de ciclos no ensino funda-mental: uma análise dos percursos. Revista Brasileira de Educação, n. 25, p.39-52, jan/abr 2004.

GOODE, L.; HATT, K. Métodos em pesquisa social. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.

HOFFMAN, J. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. 29 ed. Porto Alegre: Mediação, 2009.

LIBÂNEO, José Carlos. Tendências Pedagógicas do Brasil e a Didática. In: ______. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. (Série Formação do Professor).

LOCH, J.M. de P. Avaliação: uma perspectiva emancipató-ria. In: Química na escola, n.12, Nov. 2000.

LOPES, A. C. Integração e disciplina nas políticas de currí-culo. In: LOPES, A. R. C.; MACEDO, E.; ALVES, M. P. C. Cultura e política de currículo. Araraquara: Junqueira Marin, 2006.

MAINARDES, Jefferson. A organização da escolari-dade em ciclos: ainda um desafio. In: Franco, C.(Org.) Avaliação, ciclos e promoção na educação. Porto Alegre: Artmed, 2009.

___________. Escola em ciclos: fundamentos e deba-tes. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Questões de Nossa Época; v.137).

MENEGHEL, Stela Maria; KREISCH, Cristiane. Concepções de avaliações e práticas avaliativas na escola: entre possibilidades e dificuldades. 2009. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf. Acesso em: 10 set. 2014.

MOREIRA, Antonio Flávio; CANDAU, Maria Vera. Currículo, conhecimento cultura. In: Indagações sobre currículo. [s/l; s/d].

OLIVEIRA, I. B. de. As artes do currículo. In: OLIVEIRA, I. B. de (Org.). Alternativas emancipatórias em currí-culo. São Paulo: Cortez, 2004.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação entre duas lógicas: da excelência à regulação das aprendizagens. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SACRISTÀN, J. A educação obrigatória: Seu sentido educativo e social. Porto Alegre: Artmed, 2001.

244 245

SOUZA, Sandra Zákia. Avaliação, ciclos e qua-lidade do Ensino Fundamental. In: Estudos Avançados, v.21, n.60, maio/ago. São Paulo, 2007.

SORDI, Mara Regina L. de. Alternativas propositivas no campo da avaliação: por que não? In: CASTANHO, Sérgio; CASTANHO, Maria Eugênia (Org.). Temas e textos em metodologia do Ensino Superior. Campinas, SP: Papirus, 2001.

INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS: a ludicidade e o uso das novas tecnologias como ferramentas do processo de ensino-

aprendizagem

Alena Sousa de Melo1

Jailson Monteiro Moreira2

Francisco Jaime Bezerra Mendonça Junior3

Introdução

Quando se fala em processos pedagógicos que auxiliem na consolidação do aprendizado, imediatamente remete--se às estratégias utilizadas pelos professores para atingir tal objetivo. Buscar uma fórmula pronta para resolver os proble-mas que permeiam a Teoria da Aprendizagem Significativa

1 Cursista do Curso de Especialização em Educação: Práticas Pedagógi-cas Interdisciplinares, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

2 Cursista do Curso de Especialização em Educação: Práticas Pedagógi-cas Interdisciplinares, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

3 Professor Doutor da Universidade Estadual da Paraíba.

246 247

tem sido objetivo de diversos educadores pelo mundo e é a escola o palco de onde surgem as experiências que irão proporcionar ao aluno as primeiras transformações que irão conduzir o estudante à efetiva participação na sociedade enquanto cidadão.

Nas metodologias tradicionais de ensino, o professor era o único sujeito ativo do processo. Era ele que detinha o conhecimento e que transmitia para os alunos todo o seu estudo e sabedoria de forma linear através de uma repetição de modelos e padrões sem grandes reflexões ou visão crítica dos conteúdos, que muitas vezes não contemplavam os inte-resses dos estudantes. A Educação engessava os anseios de muitos destes jovens que tinham como propósito principal atender a demanda de uma sociedade pautada no mercado de trabalho e na vida acadêmica. O professor era o detentor do conhecimento, o aluno um mero espectador e acumular conhecimentos era sinônimo de aprendizagem.

No início do século XX, o biólogo Jean Piaget, com sua teoria sobre Epistemologia Genética rompeu as barrei-ras da Educação quando propôs que o aprendizado é fruto das experiências vivenciadas. E desde então, a epistemologia tem sido o foco das discussões sobre o Cognitivismo. Para Piaget, o conhecimento era a lógica entre o pensamento e as coisas. A consolidação do aprendizado se dá por meio da organização das ideias quando estas passam a fazer sentido, levando o aluno a formar conceitos âncoras que servirão de base para a consolidação de novos conhecimentos.

A evolução do processo de ensino-aprendizagem tem cobrado dos docentes um aumento do nível de conhecimento,

uma visão mais interdisciplinar, uma constante atualização, que resultam naturalmente na aplicação de novos métodos, novas práticas que têm possibilitado aos professores transmi-tir os conteúdos ministrados de uma forma mais dinâmica, mais eficiente e, sobretudo, mais prazerosa.

Nesse contexto, esse trabalho vem tratar de dois aspec-tos relacionados à inovação pedagógica, especificadamente de duas estratégias pedagógicas: a ludicidade, e o uso das novas tecnologias, que podem auxiliar o professor no pro-cesso ensino-aprendizagem e assim tornar as aulas mais interessantes, participativas e interativas, motivando os alu-nos e facilitando a consolidação dos conhecimentos viven-ciados no âmbito escolar. Anterior a esses dois assuntos, serão abordados aspectos relacionados à origem das escolas no Brasil, a implantação e o fracasso do sistema tradicional de ensino, o método construtivista, a motivação do estu-dante e o papel do professor como mediador do processo ensino-aprendizagem.

A origem das escolas e o sistema tradicional de ensino

Ao propor uma discussão do processo ensino-aprendi-zagem é necessário primeiramente vinculá-lo ao processo histórico/evolutivo da educação brasileira.

Quando se discute Educação, é necessário sempre fazer um comparativo do porque se educar hoje em dia, e do para que se educava nos séculos passados. A Educação tem que ser entendida como um processo, e assim sendo, é valor inconcluso, moldável, ajustável aos interesses de cada época

248 249

e cada sociedade. Qual era o perfil do aluno, clientela do ensino tradicionalista, hoje tão criticado pelos sistemas edu-cacionais? As Escolas quando fundadas na América tinham por base um modelo Europeu, centrado na Metrópole. Para Maamari (2009, p.60) “O intuito é a educação dos filhos dos colonos e a ênfase é dada para a formação de homens do clero e do Estado”. Tal modelo de escola era centrado prin-cipalmente na transmissão de valores religiosos e do purita-nismo, já afirmando sua característica segregante, a qual teve um papel importante para que houvesse uma reformulação nos atuais sistemas de Ensino.

No Brasil, a herança da Educação Europeia não foi ape-nas os ensinamentos morais aos quais os jesuítas impunham ao povo nativo, mas também os métodos pedagógicos. Com a expulsão dos jesuítas no século XVIII, a Educação teve a sua primeira ruptura com o modelo pedagógico estrangeiro.

Este método funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesu-ítas por Marquês de Pombal. Se existia alguma coisa muito bem estruturada em termos de educação o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. Tentou-se as aulas régias, o subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na Europa, resolve transferir o Reino para o Novo Mundo. Na verdade não se conseguiu implan-tar um sistema educacional nas terras

brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura com a situ-ação anterior. Para preparar terreno para sua estadia no Brasil D. João VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns autores o Brasil foi finalmente “descoberto” e a nossa História passou a ter uma complexidade maior (BELO, 2001, p.1).

Posteriormente, no Brasil República, a Escola começou a ter um papel numa estrutura de sociedade que tinha por princípio a liberdade e a laicidade do processo educacional. A educação passou a ter papel importante na formação da sociedade civil e a gratuidade da educação básica passa a ser direito de todo cidadão, garantido pela Constituição.

No início do século XX, com a ascensão do Brasil no mercado capitalista, surge a necessidade de qualificação de mão de obra para atender a demanda da economia de produ-ção. Iniciam-se então as relações entre trabalho & sociedade; a nova realidade do Brasil exigia mão de obra especializada e isto só era possível por meio da Educação “bastaria que todos os jovens atingissem esse nível de qualificação para que tivessem um emprego” (DUBET, 2003, p.31). Instaurou-se uma cul-tura – da qual ainda não nos libertamos – de que a escola era a garantia de um emprego e de que quanto maior fosse o nível de qualificação, menores seriam os índices de desemprego.

250 251

Foi a partir desta relação entre escola e mercado de tra-balho que surgiu o modelo Tradicional de Ensino, onde o papel do professor era, na grande maioria das vezes, pro-mover uma mera repetição daquilo que lhe fora ensinado e onde o aluno buscava instrução, quase que exclusivamente para aumentar suas possibilidades do primeiro emprego e, consequentemente, permitir o egresso no mundo produtivo.

O fracasso do ensino tradicional

Como se pode observar, a Educação passou por diver-sas reformas no Brasil e no mundo e entende-se que estas reformas jamais chegarão à estática de um modelo ideal atemporal. A Educação enquanto processo tem sido respon-sável por conduzir os rumos da sociedade atual a um ideal político onde o indivíduo deva ser autônomo, para entender e interagir no seu meio de forma construtiva, participativa e protagonista das mudanças que ele deseja ver no mundo.

Sendo assim, no modelo tradicional de ensino, o aluno é o receptor passivo das informações repetidas pelos pro-fessores e este, de posse deste conhecimento, irá também reproduzi-lo a outrem numa relação narradora, dissertativa.

Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimen-sões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um sujeito – o narrador, e objetos pacientes, ouvintes – os educandos (FREIRE, 1987, p.33).

Paulo Freire denominou de “educação bancária” a forma como os educadores conduzem suas aulas no método tradi-cional. A lógica do processo é “domesticar” os alunos, instruí--los a obter um comportamento que atenda às expectativas impostas pela sociedade como um ideal de cidadão direcio-nado a atender um mercado de trabalho. O resultado desta metodologia é a desumanização do ser. Desumanização no sentido de tirar-lhe potencialidades de caráter identitários. O mundo espera do professor a capacidade de instruir seus educandos, de torná-los engrenagens do mundo, engrena-gens passivas que nada mais são do que repetidoras de outras engrenagens que precisaram ser substituídas.

O pensar do professor não pode ser imposto aos estu-dantes. As ideias para ganharem autenticidade precisam ser compartilhadas por educador e educando. Na concepção educativa, e não formativa, não deve haver sobreposição, o professor não está acima do aluno, mas sim deve agir como mediador do conhecimento. Uma escola tradicional produz seres passivos, instruídos, comportados, mas com a falsa ideia de que saíram das escolas preparados para cidadania.

O tradicional mascara o verdadeiro sentido da cidadania – o pensar crítico e verdadeiro. É a equivocada concepção de que o estudante é o que não questiona, de que o bom aluno é o que repete e decora teorias e conceitos, mas na prática não aprendeu a decifrar o que estava implícito no conteúdo.

Os diversos fracassos na aprendizagem têm sido atri-buídos aos professores que não contribuem para o êxito do desempenho dos alunos. Mas o fracasso dos alunos é o

252 253

legado de uma metodologia tradicional. O professor opres-sor foi antes um aluno oprimido e hoje repete os mesmos erros, muitas vezes sem desconhecer seu erro, dos professo-res ou do sistema em que se formou.

É que, envolvidos pelo clima gerador da concepção “bancária” e sofrendo sua influência, não chegam a perceber o seu significado, ou a sua força desumani-zadora. Paradoxalmente, então, usam o mesmo instrumento alienador, chamam aos que divergem desta prática de ingê-nuos ou sonhadores, quando – não de reacionários (FREIRE, 1997, p.70).

A baixa qualidade na educação atual é uma herança de um processo educacional enfraquecido e defasado.

O método construtivista, a motivação do estudante e o papel do professor como mediador da aprendizagem

Na década de 80, movimentos educacionais progressistas, atribuíram o fracasso da educação ao método tradicional de ensino. O método Construtivista é pautado na problema-tização, no diálogo, na fluidez dos conteúdos, na horizon-talidade de ideias. Os conteúdos são refletidos e professor e aluno tornam-se sujeitos aprendentes. O aluno vai cons-truindo o seu conhecimento e o professor atua como facili-tador e não como depositário de conteúdos. Neste processo,

o aluno é ativo na construção de saberes e o professor o conduz na sua busca por conhecimentos das diversas fontes de informações disponíveis.

O Construtivismo fundamenta-se na cognição do aluno. O contexto cultural passa a ser compreendido como a fer-ramenta necessária para a condução do bom aprendizado. A busca pelos mecanismos que levam à construção da apren-dizagem contribuiu para dar um novo papel à dimensão histórica, tanto na prática pedagógica como nas discussões sobre a Educação. Paralelamente ao processo de aprendiza-gem deve haver sempre uma reflexão da prática do próprio processo de aprendizagem. Diferente do ensino tradicional, o Construtivismo tem sempre que revisitar sua prática e rein-ventar seus métodos criando capacidade de constantemente se renovar, para compreender que o aprendizado não se limita ao indivíduo, mas se insere na prática do convívio social.

Eu tenho a impressão que seria urgente que nós ficássemos intensamente adver-tidos dessa obviedade. De que inclusive a melhor maneira que nós temos de pensar mais ou menos certo é pensar a prática e saber que esta prática não é individual, mas é social (FREIRE, 1982, p.92).

A nova escola deve se adequar ao mundo. Deve entender que para aprender o aluno precisa ter um motivo. Conforme Piaget, (1999, p.16) “A criança, como o adulto, só executa alguma ação exterior ou mesmo inteiramente interior

254 255

quando impulsionada por um motivo e este se traduz sem-pre sob a forma de uma necessidade”.

Nesse novo cenário, o papel do professor torna-se ainda mais importante para a Educação e para o processo ensino--aprendizagem, uma vez que ele é quem vai atuar como o agente responsável pela mediação aluno-conhecimento.

No século XXI, os professores precisam estar mais pre-parados e constantemente inovar, fugindo das práticas con-vencionais de ensino, visto que os alunos através do uso de ferramentas de comunicação, em especial a internet, têm uma enorme facilidade de acesso instantâneo e imediato ao conhecimento e à informação desejada, de uma forma muito mais interessante e interativa.

O professor, como agente mediador no processo de for-mação de um cidadão apto para atuar nessa sociedade de constantes inovações, tem como desafios modificar suas prá-ticas pedagógicas inserindo, mesclando e aplicando métodos inovadores, como: a ludicidade, que permite a valorização de questões de âmbito cultural, ambiental, social, além de permitir a fácil inserção de atividades relacionadas ao com-ponente diversificado (tendo em vista a natural identificação dos estudantes com os temas propostos) previsto no Art. 26 da Lei n°12.796/2013 que trata das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) (BRASIL, 2013); ou incorpo-rando as ferramentas tecnológicas no processo de ensino e aprendizagem; buscando formação continuada, bem como mecanismos de troca e parcerias quanto à utilização destas.

Para se conseguir os almejados objetivos da Educação é importante criar um ambiente de ensino e aprendizagem

instigante, que proporcione oportunidades para que os alu-nos pesquisem e participem na comunidade, com autonomia.

Agindo dessa forma, em lugar de guar-dião da aprendizagem transmitida, o professor propõe a construção do conhecimento disponibilizando um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos aprendizes. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais, e, sem perder de vista a coerên-cia com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se aberto a amplia-ções, a modificações vindas da parte dos alunos. Assim, ele educa na cibercultura. Assim, ele constrói cidadania em nosso tempo (SILVA, 1998, p.67).

É absolutamente necessária uma mudança de um ambiente centrado no professor para um ambiente centrado no aluno. Em um mundo conectado em rede, com inúme-ras trocas de informação e rapidez de interação, o papel do professor, em suma, é auxiliar o aluno na busca pelo conhe-cimento, ser um mediador entre o aluno e o conhecimento. O professor pós-moderno deve estar em sincronia com a contemporaneidade, saber utilizar as tecnologias em prol de um ensino mais eficiente e eficaz, trabalhar em parceria com o aluno e, além de tudo isso, ser consciente de que não é o detentor de todo o conhecimento.

256 257

Segundo Brandão:

Em uma sociedade onde cada vez menos a aquisição de informação depende do professor, caberá a este orientar o uso das tecnologias, ensinando os alunos a melhor forma de utilizá-las para obten-ção de conhecimentos, passando a ser um orientador/mediador em sua prá-tica educativa (2002, p.5).

Brandão pontua ainda sobre a importância do ensino cooperativo afirmando:

Hoje, através da Internet é possível sair do individualismo e propor um ensino cooperativo, onde a navegação atra-vés de links mantenha vivo o espírito da pesquisa científica, com base em questões problematizadoras, onde pro-fessores e alunos possam interpretar e fazer releituras do conhecimento esta-belecido e alargar horizontes mediante fórum virtual de discussões “[...]” No processo educacional o verdadeiro papel do professor é contribuir para que o aluno interprete as informações, sabendo relacioná-las e contextualizá--las. A função do professor também é o de facilitador, aquele que organiza e coordena; um mediador que procura

atender as necessidades individuais de seus alunos, ajudando-os a avançar em suas aprendizagens (2002, p.6).

Segundo Valente (1993 apud REZENDE, 2002, p.11) “o professor deixa de ser o repassador do conhecimento para ser o criador de ambientes de aprendizagem e facilita-dor do processo pelo qual o aluno adquire conhecimento”. Segundo Demo (1998 apud REZENDE, 2002, p.11), “ten-tando redefinir o papel do professor apresenta-o como o orientador do processo reconstrutivo do aluno, através da avaliação permanente, do suporte em termos de materiais a serem trabalhados, da motivação constante e da organização sistemática do processo”.

A motivação em aprender está na forma como se aprende na organização de ideias, na condução dos conteúdos e sua contextualização. Para tanto, o aluno tem que se sentir numa escola acolhedora que o faça se sentir parte do processo e que o estimule a refletir as suas próprias percepções.

O lúdico no processo ensino-aprendizagem

O lúdico, do latim “ludus”, (jogo, diversão), configura como uma das estratégias mais eficazes de que os professores podem lançar mão na sua metodologia para motivar os alunos e conso-lidar os conhecimentos vivenciados no âmbito escolar. A prática do lúdico valoriza questões de âmbito cultural e proporciona ao aluno a capacidade de criar conceitos e desenvolver habili-dades e competências que lhe serão úteis por toda a vida.

258 259

O desafio da escola, enquanto espaço de onde devem par-tir as iniciativas construtivas, está em propiciar um ambiente de afetividade e acolhimento, de forma que o aprendiz sinta--se à vontade para aprender e o professor sinta-se à vontade para trabalhar de forma integrada com todos os membros da comunidade escolar, explorando novas possibilidades de metodologias interdisciplinares.

Quando se opta por uma estratégia lúdica, o “aprender” acaba se tornando um processo natural, pois chega até o jovem por meio prazeroso, sem imposição. O lúdico requer gastos inesgotáveis de energia dos educadores, uma vez que: requer um planejamento organizado, necessita de uma arti-culação dos conteúdos envolvendo áreas distintas do conhe-cimento, questiona narrativas que constroem a identidade do aluno, e desafia “congelamentos” de metodologias tradicio-nais que já não cabem no modelo atual de aluno e de escola.

Os jogos quando incentivados na escola promovem a partir da infância o descobrimento e as possibilidades inven-tivas na criança, pois o jogo é antes de tudo uma brincadeira, atividade extremamente prazerosa que faz do aprendizado algo natural, espontâneo, e é através da experimentação das atividades lúdicas que as crianças e jovens podem iniciar a organização de suas ideias, facilitando a compreensão do que lhe será ensinado e desta forma os jogos podem contribuir para a formação de suas personalidades.

Para que se atinja o objetivo proposto pela aprendizagem através do lúdico é necessário compreender que há fatores facilitadores, dentre os quais ressaltamos a predisposição do aluno a participar da atividade. O aprendiz ao sentir-se à

vontade para interagir com os demais colegas focaliza fato-res que o motivam a querer aprender. A curiosidade ativa a sua necessidade de exploração, no intuito de chegar ao resultado esperado.

Ao educador, cabe o papel de facilitador e mediador nas atividades lúdicas. A aplicação de jogos deve ter objetivos claros e ser direcionados numa sequencia lógica e crescente de dificuldades afim de que se criem conhecimentos ânco-ras. “Uma estrutura depende da outra para se formar, ela vai crescendo e assim a criança num ambiente estimulador constrói seu conhecimento. Depois de construído não será esquecido” (ARAÚJO, 2000, p.45).

O educador deve ser um agente facilitador do processo e nunca deve esquecer que o aprendizado é um processo de construção e se faz por meio de processos gradativos em que os aprendizes refletem sobre sua prática e compreen-dem que para alcançar as metas estabelecidas nos jogos pre-cisam se sentir parte do processo e terem noção de organizar as estratégias que o levarão ao êxito.

O lúdico auxilia no aprendizado e incentiva tanto as crianças como jovens e adultos a aprenderem. Por ser uma atividade física e/ou mental, aciona e ativa as funções psico-neurológicas e os processos mentais, pois o ser que brinca, joga e se expressa é também um ser que age, sente, pensa, aprende e se desenvolve intelectual e socialmente (CABRERA, 2007, p.47).

260 261

A sensibilidade do professor ajuda a identificar que o sucesso na atividade lúdica proposta pode estar muito além da vitória na brincadeira. O nível de desenvolvimento do aprendiz deve ser observado pelo educador. Cabe a ressalva de que nem sempre o que o aluno conseguiu desenvolver de forma independente é considerado como sucesso na apren-dizagem. Deve-se lembrar de que a atividade lúdica favo-rece interação, e aquilo que o aprendiz conseguiu realizar com a ajuda dos demais participantes pode ter um resultado muito mais significativo para a vida do aprendiz, do que o seu desenvolvimento independente.

Conhecer os processos pelos quais o aprendiz está utilizando na assimilação dos conhecimentos propos-tos é de suma importância, segundo Araújo (2000, p.37), “Conhecendo o processo mental desenvolvido pelo aluno e intervindo, provocando, estimulando ou apoiando quando este tem dificuldade é possível trabalhar funções que estão se concretizando”.

Seguindo esta linha de raciocínio no que diz respeito aos processos formadores da aprendizagem, Gagné (1980) estabelece que a acomodação do conhecimento passa por fases, onde o início compreende a fase de motivação; a fase de atenção (percepção seletiva); a fase de aquisição (entrada da informação), a fase de retenção (armazenamento na memó-ria); a fase de generalização (transferência); a fase de desempe-nho (resposta) e por fim a fase de retroalimentação (feedback).

Gagné propõe que a função de ensinar seja a de orga-nizar as condições exteriores próprias à aprendizagem com a finalidade de ativar as condições internas. Nesse sentido,

cabe ao professor promover a aprendizagem através da ins-trução que consista de um conjunto de eventos externos planejados com o propósito de iniciar, ativar e manter a aprendizagem internalizada no aprendiz.

O processo de aprendizagem depende de diversos fato-res e estímulos, e não ocorre somente nos limites físicos na escola. A escola favorece o campo fértil para o despertar de fatores que facilitarão as diversas formas de inteligência do aprendiz. A presença do aluno na escola permite a este um somatório de estímulos de diferente natureza que irão capacitá-lo a ter autonomia sobre a sua ação e atuação na sociedade.

Sendo assim, o papel de toda a comunidade escolar é deveras essencial para o desenvolvimento do aluno. E é inconteste a relevância de métodos lúdicos para uma maior qualidade da prática docente e para a construção de novas competências. É preciso: ter a valorização da atividade lúdica como ferramenta pedagógica; desmistificar a ideia de que os jogos e as brincadeiras “só” servem para divertir os alunos; desmitificar que a diversão é incompatível com o aprendi-zado. O discurso de uma escola construtivista cai por terra quando atrelado às raízes de uma escola tradicional. O aluno que vai à escola para se divertir e sair da dinâmica das regras e das convenções sociais consegue ser mais criativo e inven-tivo em diversas situações do seu cotidiano.

Considerando que a iniciativa de inserir atividades lúdicas deve partir do educador (embora a escola precise dar-lhe condições), este deve sempre buscar capacitação e usar do bom senso a cada vez que verificada a ineficácia de

262 263

determinado método. E importante que o educador tenha consciência, que uma mesma atividade lúdica pode funcio-nar para uma turma e para outra não, os estudantes não res-pondem da mesma forma quando provocados pelo mesmo estímulo. Sendo assim, cabe ao educador ter a sensibilidade e humildade para refletir sua prática e se ajustar às persona-lidades dos alunos de cada sala de aula.

O uso das novas tecnologias como facilitadora da aprendizagem

Para que a tecnologia seja importante na educação é necessário antes de tudo entendê-la como parte deste pro-cesso. As Orientações Curriculares Nacionais (2006) bus-cam enfatizar o impacto provocado pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) na configuração da sociedade atual, exigindo indivíduos com capacitação para bem usá-la.

A tecnologia vem modificando os conceitos de toda a sociedade ao longo de sua evolução pela história. No campo educacional, o resultado não seria diferente, ela torna-se mais uma ferramenta no processo de ensino-aprendizagem, pois amplia as possibilidades do professor ensinar e do aluno aprender.

O crescimento das tecnologias e a utilização das novas ferramentas tecnológicas na vida social têm exigido das pessoas novas posturas levando a novos comportamentos e raciocínios próprios e específicos.

As crianças, adolescentes e jovens do século XXI são da geração cibernética, pois conhecem e manuseiam a tecno-logia melhor do que pessoas da geração anterior. Este novo comportamento gerou uma mudança nas competências esperadas dos profissionais da área educacional, que agora exigem uma postura de aprendizado mais moderna e mais criativa.

Os professores para continuarem a exercer com quali-dade seus papéis de educadores e ingressarem nesta nova cultura educacional (onde os meios eletrônicos de comuni-cação são a base para o compartilhamento de ideias) preci-sam constantemente se atualizar e ingressar de uma vez por todas no mundo cibernético. A utilização pedagógica dos recursos tecnológicos é um desafio que os professores e as escolas estarão enfrentando neste século, que pode apresen-tar uma concepção socializadora da informação. Houve uma inversão do padrão tradicional, e o professor deixou de ser o ponto fundamental da aprendizagem passando a ser um referencial facilitador na construção do aprendizado.

Os benefícios do uso das redes eletrô-nicas estão diretamente relacionados às novas formas de aprendizado em que a interação, o acesso ilimitado às infor-mações que se podem transformar em conhecimento, a questão interdiscipli-nar e colaborativa, soma-se na tentativa de redimensionar os modelos educacio-nais (GARCIA, 2002, p.03).

264 265

Utilizar os recursos criados pela tecnologia no processo de aprendizagem não é relevante apenas pelo fato de ser essencial para a convivência em sociedade na atualidade, mas devido ao fato de que estes concedem benefícios considerá-veis para a relação ensino-aprendizagem. Os recursos ofere-cem uma gama de fatores potencializadores do aprendizado, que atraem o interesse do aluno e possibilitam o seu desen-volvimento em diversos aspectos, estimulando o professor na postura de mediador da aprendizagem.

O ensino com o uso da internet

A sociedade está mudando em um ritmo acelerado e com isso surge a necessidade contínua de atualização em todas as esferas sociais, principalmente no âmbito escolar. Muitas formas de ensinar hoje já não se justificam mais. As tecnologias, principalmente o computador e a Internet, adentram as salas de aula como uma ferramenta na media-ção do processo de transmissão do conhecimento.

Devido ao seu aspecto atrativo, ágil e dinâmico, quando bem empregada pode se tornar uma grande aliada no pro-cesso de ensino-aprendizagem.

A Internet traz muitos benefícios para a educação, tanto para os professores como para os alunos. Com ela é pos-sível facilitar as pesquisas, sejam grupais ou individuais, e o intercâmbio entre os professores e alunos, permitindo a troca

de experiências entre eles. Podemos mais rapidamente tirar as nossas dúvidas e dos nossos alunos, sugerir muitas fon-tes de pesquisas. Com todas estas vanta-gens será mais dinâmica a preparação de aula (TAJRA, 2004, p.157).

Quando as ferramentas disponíveis pela Internet são uti-lizadas na escola, as aulas ministradas possibilitam aos alunos adentrarem em uma nova realidade tecnológica e social, a qual favorece os aspectos de interação com outras culturas, e incorpora uma nova linguagem aos padrões de comunicação, onde as informações chegam quase que instantaneamente. “Este aspecto dinâmico permite uma melhor visualização dos assuntos tratados nas aulas proporcionando um campo muito amplo de pesquisa” (RODRIGUES, 2011, p.13).

Efetivamente, o uso da Internet na sala de aula provoca uma alteração no papel do professor e do aluno, alguns efei-tos e práticas emergentes que a Internet proporciona são: facilidade de acesso à informação; existência de várias infor-mações sobre um determinado tema; a qualidade de infor-mação disponível é questionável; facultatividade de acesso aos textos em formatos eletrônicos; permissão constante de acesso à informação.

O uso da Internet, seja na sala de aula ou como ferramenta de apoio ao aluno, pode proporcionar o melhoramento do ensino e da aprendizagem, oportuni-zando interações significativas, através

266 267

dos e-mails, as listas de discussão, os fóruns, os chats, os blogs, as ferramentas de comunicação instantânea, as redes sociais, etc (PEREIRA, 2011, p.11).

Ensinar com o auxílio da internet derruba as barreiras da sala de aula, acelerando a autonomia da aprendizagem dos estudantes em seus próprios ritmos e assim a educação assume um caráter coletivo. Aliar os novos recursos tecno-lógicos, que estão surgindo, à atividade pedagógica pode significar dinamismo, criatividade e interação não só de conhecimentos teóricos, mas daqueles relacionados à vida dos estudantes.

Considerações finais: criando espaços inovadores na escola

A sociedade contemporânea impõe novos desafios para os profissionais preocupados com a educação, e enfatiza a necessidade de buscar novas estratégias educacionais que fujam do ensino tradicional, visto que estas não respondem mais às demandas do mundo contemporâneo, muito menos ao perfil do aluno do século XXI. Segundo Kenski (2003, p.64), “a escola precisa enfim garantir aos alunos cidadãos a formação e a aquisição de novas habilidades, atitudes e valo-res, para que possam viver e conviver numa sociedade em permanente processo de transformação”.

A finalidade do processo educativo deve ser proporcio-nar às gerações mais jovens os conhecimentos necessários

para desenvolverem-se na sociedade. A educação deve pre-parar para a vida, deve integrar a recriação do significado das coisas, a cooperação, a discussão, a negociação e a solução de problemas.

A escola, cada vez mais, se caracteriza como um espaço plural, do ponto de vista social e cultural, onde as motiva-ções, os interesses, as expectativas e as capacidades de apren-dizagem dos alunos que a frequentam são muito díspares, torna-se necessário (re) pensar o ato de ensinar e aprender, de modo a ajustá-lo a essa nova realidade.

Para alcançar os objetivos educacionais é, cada vez mais, indispensável a utilização de metodologias ativas, mais par-ticipativas e inovadoras que favoreçam a interação entre os alunos, a interação social e a capacidade de comunicar-se, de colaborar; e mudar de atitudes, o desenvolvimento do pen-samento e a descoberta do prazer de aprender, ao mesmo tempo em que se incentivam atitudes de cooperação e soli-dariedade, ou seja, é necessário que o estudante participe do processo de construção de seu conhecimento.

Nesse novo cenário educacional, o professor deve dei-xar de ser o único detentor do conhecimento e passar a ser aquele que ajuda o aluno a amadurecer, tomar decisões, resolver problemas, adquirir habilidades mentais e sociais para poder melhorar nossa sociedade. Para atingir os objeti-vos educacionais e motivar os estudantes, o professor precisa romper com as metodologias tradicionais e criar ambientes inovadores na escola, incorporando cada vez mais métodos e técnicas criativas, dinâmicas, interativas e inovadoras no processo de ensinar e aprender.

268 269

Neste trabalho, destacamos duas práticas que podem ser incorporadas ao processo pedagógico de forma a criar esses ambientes inovadores e mais motivantes na escola. A pri-meira delas foi a ludicidade, caracterizada pela aplicação de jogos, e a segunda, o uso das novas ferramentas virtuais de aprendizagem e a criação de ambientes virtuais de apren-dizagem, que podem ser incorporados em todas as modali-dades de ensino tanto presencial, virtual ou de forma mista (complementando um ao outro).

Independentemente da opção e/ou facilidade do pro-fessor pelo uso de uma ou de outra metodologia inovadora, o importante é que o professor transforme a sala de aula em um ambiente inovador, mais interessante, contagiante, motivante, onde haja a ativa participação do alunado. Apenas com atitudes e mudanças como essas, será possível melho-rar o processo de ensino-aprendizagem e atingir o objetivo principal da educação que é formar cidadãos.

Referências

ARAÚJO, Iracema Rezende de Oliveira. A utilização de lúdicos para auxiliar a aprendizagem e desmis-tificar o ensino da matemática. 2000. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis, SC, 2000.

BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a história das rupturas. Pedagogia em Foco. Rio de Janeiro, 2001.

___________ (2006). Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Orientações curriculares para o ensino médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica.

BRANDÃO, Maria Helena Nagamine. Introdução à análise do discurso. 8 ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.

BRASIL. Leis, decretos. Lei no 12.796, de 4 de abril de 2013. Diário Oficial da União. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências.

CABRERA, Waldirléia Baragatti. A ludicidade no ensino médio para a disciplina de Biologia: con-tribuições ao processo de aprendizagem em conformi-dade com os pressupostos teóricos da Aprendizagem Significativa. 2007. 159f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática, UEL, PR, 2007.

DUBET, François. A escola e a exclusão. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p.29-45, jul. 2003.

270 271

FREIRE, Paulo. Educação: o sonho possível. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). O educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p.89–101.

FREIRE, Paulo. Educação “bancária” e educação liberta-dora. In: PATTO, M.H.S. (org.). Introdução à psicologia escolar. 3.ed. Rev. Atual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997, p.61-77.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GAGNÉ, Robert M. Princípios essenciais da apren-dizagem para o ensino. Porto Alegre: Globo, 1980.

GARCIA, Paulo Sérgio. (2002) A internet como mídia na educação. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/EAD/NOVAMIDIA.PDF>. Acesso em: 14 set. 2014.

KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presen-cial e a distância. 4 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003.

MAAMARI, Adriana Maltar. A fundamentação Filosófica da Escola Republicana. Rev. Contexto e Educação [online], v. 24, n.82, p.59 – 81, 2009.

PEREIRA, Bernadete Terezinha. O uso das tecnolo-gias da informação e comunicação na prática ped-agógica na escola. p.1-25, 2011. Disponível em: <http://

www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arqui-vos/1381-8.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. 24. ed. Tradução de Maria A.M. D’Amorim; Paulo S. L. Silva. Rio de Janeiro: Editora Forense. Revista. 1999. Disponível em: <http://maratavarespsictics.pbworks.com/w/file/fetch/74220878/Seis_estudos_de_Psicologia_Jean_Piaget.pdf>. Acesso em: 25 set. 2014.

REZENDE, Flavia. As novas tecnologias na prática pedagógica sob a perspectiva construtivista. v.2, n.1, p.1-18, 2002. Disponível em: http://www.portal.fae.ufmg.br/seer/index.php/ensaio/article/viewFile/13/45B. Acesso em: 25 set. 2014.

RODRIGUES, Cleonice da Silva. A Utilização da internet em sala de aula na Escola Carlos Hugueney. 2011. 37f. Trabalho de Conclusão de Curso de (Especialização em Informática na Educação). UFMG, MG, 2011.

SILVA, Marco. 1998. Internet da escola na inclusão. Tecnologias na Escola, v.26, n.143, p.63-68. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/2sf.pdf>. Acesso em: 25 set. 2014.

TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na educação: novas ferramentas pedagógicas para o professor da atuali-dade. 3 ed. São Paulo: Érica, 2001.

3A INTERDISCIPLINARIDADE E INTERCULTURALIDADE COMO ÉTICAS DO DIÁLOGO

275

A INTERDISCIPLINARIDADE COMO MÉTODO DE APROXIMAÇÃO PEDAGÓGICA ENTRE O SABER MATEMÁTICO E O SABER

GEOGRÁFICO

Celso Gomes Ferreira Neto1

Prof.ª Dr. Filomena Maria G. S. Cordeiro Moita2

Introdução

O presente estudo tem o objetivo de analisar como o saber da Matemática pode contribuir para o ensino da Geografia. Aborda-se, nesse sentido, a aproximação pedagógica entre a abordagem dessas duas ciências. Tendo como apoio os estudos de Japiassú (1976), quando afirma que a multidis-ciplinaridade é caracterizada por uma ação simultânea de uma gama de disciplinas em torno de uma temática comum.

1 Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Papa Paulo VI (PPVI).2 Professora/Orientadora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

276 277

Ressaltamos neste texto a importância da multidisciplinari-dade entre os estudos da Geografia e da Matemática como algo relevante para que se possam compreender as múltiplas formas e feições contidas nas formações e nas configurações geográficas, principalmente naquelas que apresentam indi-cadores de impactos ambientais antes não percebidos e na formulação dos cálculos morfométricos como é o caso de conteúdos curriculares do curso do ensino médio.

A aprendizagem de Matemática tem sido destaque de inúmeras pesquisas, contudo o desinteresse dos estudantes por ela é um dos temas mais comentados tanto entre docen-tes quanto discentes. Verifica-se, contudo, que a Matemática tem um amplo campo de aplicação prática e que essa é uma nova metodologia capaz de despertar o interesse dos estudan-tes e de tornar as aulas mais atrativas, utilizando, por exem-plo, situações-problema, material concreto, jogos, recursos tecnológicos, entre outras possibilidades. Nesse sentido, para nortear o presente estudo, formulou-se a seguinte questão problemática: No contexto da interdisciplinaridade, de que forma a Matemática se localiza/aplica na disciplina Geografia?

De acordo com os parâmetros curriculares (2006), pode-mos afirmar que a interdisciplinaridade é um eixo integra-dor, um projeto de investigação, um plano de intervenção.

Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade pressupõe uma organização, uma articulação voluntária, um planejamento e coordenação de ações disciplinares de diversos educa-dores que são conduzidos por um interesse comum. Logo, a interdisciplinaridade é eficaz, pois suas metas educacio-nais são previamente estabelecidas e compartilhadas pelos

membros da unidade escolar. Seu uso deve ser incentivado no cotidiano escolar e neste caso específico, nas Ciências Geográficas e Matemáticas, pois ele é de grande valia no processo de ensino e aprendizagem e sua contribuição pode trazer subsídios para outras áreas de conhecimento. Para isso, são necessárias metodologias que facilitem a aplicação da interdisciplinaridade no ensino da Geografia integrado à Matemática.

Insta registrar que, sob a ótica de Moita e Queiroz (2007), a educação deve ser concebida no seio da sociedade, com a finalidade de atender a todos os seus membros, com uma visível função social imprescindível. Assim, as autoras apontam que é da combinação de interesses sociais e indi-viduais que surgem os princípios fundamentais, que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.

Interdisciplinaridade: contextualização

A interdisciplinaridade aparece no texto das diretri-zes e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM – BRASIL, 1999) ao lado da contextualização, como eixo integrador do novo ensino médio, na perspectiva de tornar mais significativos e menos fragmentados os conteúdos ensi-nados. Essa proposta de educação deriva das novas configu-rações do conhecimento, na sociedade contemporânea, e, portanto, das demandas sociais e políticas para a escola num contexto de transformação.

278 279

Segundo Lenoir,

[...] a interdisciplinaridade escolar apresenta, como principal finalidade, a difusão do conhecimento [...] e a formação de atores sociais, criando condições para a promoção de um pro-cesso de integração de aprendizagens e conhecimentos escolares (1998, p.52, grifo nosso).

Em seu turno, Freire (1987) entende que a interdisci-plinaridade é o processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito, com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com sua cultura. Busca-se expres-sar essa interdisciplinaridade por meio da caracterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se desvela a realidade e a sistematização dos conhe-cimentos de forma integrada.

Defende-se, hoje, a necessidade de formar um profissio-nal capaz de enfrentar os desafios mais urgentes da socie-dade contemporânea, principalmente os que são postos pelo mundo do trabalho. Nesse contexto, o ensino compar-timentalizado, caracterizado pelo tratamento estanque dos conteúdos, deixa de fazer sentido.

Morin (2002) destaca que um dos desafios lançados pelo Século XXI é o confronto com os problemas e os desa-fios da complexidade, para o qual nossa formação escolar e universitária, caracterizada pela separação dos objetos de

seu contexto e das disciplinas umas das outras, pautada num ensino disciplinar, não nos prepara adequadamente. A difi-culdade de compreender os fatos, na perspectiva da totali-dade, deriva do conhecimento fragmentado e especializado produzido pela ciência moderna a que tivemos/temos acesso ao longo da nossa formação.

A dotar a interdisciplinaridade é sobremaneira impor-tante, porque tal abordagem metodológica estimula a cria-tividade dos alunos e os motiva a trabalhar determinados conteúdos disciplinares. Isso significa que um conteúdo com mais de uma disciplina proporciona ao aluno uma apren-dizagem mais significativa, uma vez que abstrai a aparência fragmentada das disciplinas escolares.

A interdisciplinaridade e seus diferentes significados

Quanto ao termo interdisciplinar, devemos reconhecer que não tem, ainda, um sentido epistemológico único e estável. “Trata-se de um neologismo cuja significação nem sempre é a mesma e cujo papel nem sempre é compreen-dido da mesma forma” (JAPIASSU, 1976, p.72). A percepção evidenciada por Japiassu, um dos primeiros pesquisadores brasileiros a abordar o complexo tema da interdisciplina-ridade, continua bem atual. De fato, a literatura que trata dessa temática apresenta acaloradas discussões que revelam controvérsias, contradições e ambiguidades acerca dos vários sentidos que têm sido atribuídos à interdisciplinaridade desde que ela passou a fazer parte do discurso educacional.

280 281

Com o advento da ciência moderna, o conhecimento passou por um profundo processo de esfacelamento devido à multiplicação crescente das ciências, que se desenvolveu às custas da especialização, de modo que, para conhecer cada vez mais determinado fenômeno, o cientista precisou res-tringir seu objeto de estudo a dimensões cada vez menores. Esse fato ocasionou a diversificação das disciplinas, provocou um hiato entre elas e a realidade e pôs fim às esperanças da busca pelo saber unitário (JAPIASSU, 1976).

Diante do estado patológico em que se encontra o saber, decorrente do predomínio das especializações, considera-das por Japiassu (1976, p.48) como “verdadeiras canceriza-ções epistemológicas”, exige-se a interdisciplinaridade, cujo apelo se apresenta como o remédio mais adequado à pato-logia geral do saber, doença que contagia o homem e a pró-pria civilização.

Para o autor, o apelo ao enfoque interdisciplinar eviden-cia o estado de carência no qual se encontra o saber, por isso, um dos protestos da interdisciplinaridade é “contra um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado numa multiplicidade crescente de especialidades, em que cada um se fecha como que para fugir ao verdadeiro conhecimento” (JAPIASSU, 1976, p.43). Portanto, numa primeira aproximação, a inter-disciplinaridade se define e se elabora por uma crítica das fronteiras disciplinares de sua compartimentação.

E para definir o que chama de “domínio do interdis-ciplinar”, Japiassu discute sobre os conceitos vizinhos – disciplinaridade, multidisciplinaridade e pluridisciplina-ridade – considerados etapas para se chegar à abordagem

interdisciplinar. Para esse autor, disciplinaridade significa uma progressiva exploração científica especializada em certa área ou domínio homogêneo de estudo, termo mais empre-gado para designar o ensino de uma ciência.

A multidisciplinaridade significa uma gama de discipli-nas que são propostas simultaneamente, mas desprovidas de relações entre elas (por exemplo: Música + Matemática + História). Pluridisciplinaridade é a “justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer a relação existente entre elas” (JAPIASSU, 1976, p.73). Trata-se de disciplinas mais ou menos vizinhas nos domínios do conhecimento (por exemplo: a Física + a Química + a Biologia no domí-nio científico).

Para o autor, esses dois níveis – multi e pluridisciplina-ridade – evocam simples justaposição num trabalho deter-minado dos recursos de várias disciplinas, sem implicar, necessariamente, um trabalho de equipe e coordenado. No nível multidisciplinar, existem apenas trocas de informação entre uma ou duas especialidades, sem que as disciplinas chamadas a contribuir para a solução de um problema sejam modificadas ou enriquecidas.

O mesmo ocorre com o nível pluridisciplinar, apesar de nele haver alguma relação entre as disciplinas, possibilitada por sua proximidade com o domínio do conhecimento. Portanto, evidencia-se, no pensamento de Japiassu (1976), uma concepção de interdisciplinaridade constituída por meio de trocas recíprocas e enriquecimento mútuo das dis-ciplinas, sem supremacia de uma sobre as outras.

282 283

Cada especialidade (ou disciplina), ao entrar no processo interativo, sai enriquecida, fato que resulta na compreensão de um fenômeno em suas múltiplas dimensões. Contudo, apesar do discurso otimista quanto ao fato de a interdiscipli-naridade proporcionar esperança de renovação e mudança no domínio da metodologia das ciências humanas e exatas, o autor reconhece que o enfoque interdisciplinar é vasto e complexo e postula uma reformulação generalizada das estruturas de ensino das disciplinas científicas, portanto, é um projeto difícil de ser estabelecido com rigor.

Outra autora que se destaca nas pesquisas sobre a inter-disciplinaridade é Ivani Fazenda (1979), que situa a discussão referente ao tema no terreno pedagógico. E na perspectiva de promover a articulação entre o universo epistemológico e o universo pedagógico, a autora procura identificar qual seria o valor, a utilidade, a aplicabilidade da interdisciplinaridade no ensino, bem como seus obstáculos e possibilidades de efetivação.

Para a autora, é somente na troca, numa atitude conjunta entre educadores e educandos, visando a um conhecimento maior e melhor, que a interdisciplinaridade no ensino ocorrerá como meio de conseguir uma formação geral, como meio de atingir uma formação profissional, incentivar a formação de pesquisadores e pesquisas, como condição para uma educa-ção permanente, superar a dicotomia ensino/pesquisa e com-preender e modificar o mundo. No pensamento de Fazenda (1994), predomina uma concepção de interdisciplinaridade como categoria de ação e como sinônimo de parceria. Essa autora afirma que “interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação” (FAZENDA, 1994, p.28).

A prática da interdisciplinaridade nos espaços escolares

A interdisciplinaridade é uma das palavras em destaque no campo educacional, tanto no cotidiano de nossas escolas quanto nos documentos oficiais, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Apesar disso, o termo interdisciplinari-dade ainda é palco de indefinições quanto ao seu real signi-ficado e sentido em nossas realidades escolares.

Pode-se pensar em um projeto interdisciplinar como um conjunto de conhecimentos construídos por diferentes áreas do saber. Nesse fazer, envolvem-se os alunos, motivados a buscar respostas para o problema /tema alvo. Nesse sentido, percebe-se o quanto é importante conhecer a realidade da escola, dos estudantes e de seus interesses para a elaboração de um projeto interdisciplinar. Sem esses saberes, não é pos-sível elaborar um projeto que desperte a curiosidade por determinada temática e que aproxime os conhecimentos necessários ao seu entendimento.

Dos obstáculos a serem vencidos para a implantação da interdisciplinaridade nas salas de aula, pode-se destacar a formação muito específica dos docentes, que não são pre-parados nas universidades para trabalhar de modo interdis-ciplinar, a distância entre as linguagens, as perspectivas e os métodos das disciplinas de determinada área do conheci-mento, e a ausência de espaço e de tempo nas instituições destinados à reflexão, à avaliação e à implantação de inova-ções educativas. Além disso, encontramos dificuldades dos professores de compartilhar seus conhecimentos e deficiên-cias com os colegas de profissão.

284 285

Há muitas dificuldades para se desenvolverem projetos interdisciplinares, nas atuais condições em que se encontra o ensino público estadual. No entanto, entende-se que essas não são barreiras intransponíveis, e muitas dessas dificuldades podem ser solucionadas pelos próprios docentes. É necessá-rio, por exemplo, que o espaço destinado à construção cole-tiva do projeto pedagógico da escola seja uma oportunidade efetiva de estabelecer relações de trabalho e de conhecer as áreas de atuação dos colegas. As discussões coletivas diag-nosticando possibilidades e impeditivos para a realização de um ensino mais efetivo poderiam, em longo prazo, resultar em diagnósticos mais precisos, a partir dos quais a atuação docente se tornaria mediadora de todo o processo.

Quando se trata da implementação de novos métodos de ensino, objetivando alunas e alunos mais motivados, mais interessados e com melhores níveis de aprendizagem, a inter-disciplinaridade apresenta-se como uma opção. Porém os professores não devem enxergar as disciplinas que ministram isoladamente, porquanto o processo ensino-aprendizagem não pode nem deve ser fragmentado como se cada disciplina fosse uma caixinha isolada.

O processo é um todo. Nesse sentido, é fundamental que o professor tenha esse entendimento acerca da interdisci-plinaridade, pois, assim, teremos alunos motivados em sala de aula. Constata-se que os educadores realizam estudos e leituras sobre interdisciplinaridade, porém a atitude e a ação estão mais próximas da justaposição de disciplinas, indicando que é necessário se debruçar um pouco mais nas pesquisas sobre o tema.

Os saberes matemáticos e geográficos: uma aproximação possível

A Geografia só se tornou ciência específica no Século XIX. Separou-se da Filosofia, da Astronomia, da Geologia e de outros saberes que eram, até então, mais ou menos inte-grados a ela e adotou a sistematização do conhecimento geográfico. Como ciência moderna, a Geografia definiu seu objeto de estudo, que é o espaço geográfico, ou seja, o meio em que a humanidade vive e do qual é parte integrante.

De acordo com Moita e Queiroz (2007), no cenário educacional contemporâneo, é imprescindível se sobrepor à fragmentação do conhecimento, uma vez que dividir ou mesmo isolar os conteúdos das disciplinas tornou-se uma prática extremamente ultrapassada. Nesse sentido, os pro-fissionais da educação devem se comprometer a construir um currículo abrangente e inovador em prol da adoção de uma Geografia que não se limite tão somente a descrever empiricamente as paisagens, porém enfoque, em seu bojo, as relações sociais e culturais da paisagem e leve para a sala de aula os elementos físicos e biológicos que a ela são inerentes.

Os saberes da Matemática se aproximam dos da Geografia, desde quando os saberes geográficos eram entre-laçados com a Astronomia, a Geodésia (estuda as formas e as dimensões da Terra), a Geofísica, entre outros. Mas, com o surgimento da ciência autônoma, a Matemática distanciou--se da Geografia, em suas primeiras teorias e primeiras pro-postas metodológicas. Os saberes da Matemática ingressaram na ciência geográfica a partir da corrente de pensamento

286 287

chamada Geografia Quantitativa ou Nova Geografia, por volta de 1960 e 1970.

O uso de técnicas matemáticas e estatísticas para anali-sar os dados coletados e as distribuições espaciais dos fenô-menos foi uma das primeiras características da Geografia quantitativa. De acordo com Christofoletti (1976), algumas características fundamentais são: o emprego da linguagem matemática; o desenvolvimento de aporte técnico e de metodologias derivadas das ciências exatas; larga utilização de técnicas computacionais; neutralidade científica e impar-cialidade do pesquisador frente ao seu objeto e predomínio da abordagem espacial. Os geógrafos começaram a procurar técnicas quantitativas que pudessem ser aplicadas aos seus problemas. A Geografia passou a ter um fim utilitário, na medida em que servia para informar a ação do planejamento.

Dentre as disciplinas que compõem o currículo do Ensino Básico, a Geografia, em virtude da relevância atual de seu objeto de estudo – o espaço geográfico - poderá adquirir importância fundamental, tendo em vista o atual mundo globalizado e as mudanças ocorridas no espaço geo-gráfico, um espaço cada vez mais integrado, que redesenha homogeneidades (pela economia e pela cultura) e hetero-geneidades (pelas desigualdades) e estrutura um espaço de difícil compreensão.

Na opinião de Cavalcanti (2000 apud MORAES, 2002), à Geografia cabe um papel central na formação de uma consciência espacial, de um raciocínio geográfico para o exercício mais produtivo da cidadania, e a Geografia escolar deve construir conhecimentos, habilidades e valores.

A interdisciplinaridade surgiu a partir das novas confi-gurações do conhecimento na sociedade contemporânea e suas demandas. Caracteriza-se como o nível em que a cola-boração entre as diversas disciplinas conduz a interações, com certa reciprocidade nas trocas e de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida.

A interdisciplinaridade entre a Matemática e a Geografia existe tanto na pesquisa quanto no ensino. As interações e as contribuições entre as ciências existem, porquanto a Geografia incorpora modelos matemáticos e estatísticos na produção de suas análises e em suas representações, e a Matemática se aplica na resolução de problemas do meio ambiente.

Dentre outros conteúdos entre os quais há diálogo entre a Matemática e a Geografia, estão: A Geografia Física, através dos estudos da geomorfologia e da hidrologia, a Cartografia, as leituras e as interpretações estatísticas. No entanto, a car-tografia e as leituras e interpretações estatísticas são temas desse contexto mais abordados nos livros didáticos de ensino fundamental e médio. Já os conteúdos da Geografia Física, que dialogam com os saberes matemáticos, são abordados, mas não de forma clara, em que esses saberes se cruzam, pois são aplicados mais na pesquisa, através de métodos e mode-los matemáticos.

No que tange à Matemática e à Geografia, apesar de suas particularidades específicas, relacionam-se em vários con-teúdos trabalhados em sala de aula. Um deles é o estudo de áreas de figuras planas, em Matemática, e mapas, em Geografia. Trabalhar esses conteúdos simultaneamente pode

288 289

ser muito produtivo, de tal forma que o professor possa desenvolver trabalhos com seus alunos utilizando mapas e dados que envolvam a própria região em que estão inseridos.

Leituras e interpretações estatísticas: representação gráfica

Para representar as relações entre os fenômenos do espaço geográfico, os geógrafos utilizam mapas e gráficos. Os dados estatísticos assumem grande importância na aná-lise geográfica por expressar, em forma de números, o fato ou fenômeno estudado. O estudo do comportamento dos dados estatísticos é fundamental para a compreensão da rea-lidade socioespacial.

Na pesquisa ou no ensino da Geografia, o levantamento de dados estatísticos é uma das primeiras e mais importan-tes etapas por se tratar de um instrumento valioso para o conhecimento da realidade. As séries estatísticas podem ser classificadas com base em três variações com as quais elas normalmente se apresentam, ou seja, com a época, o local e o fenômeno.

O gráfico estatístico é uma forma de apresentação dos dados estatísticos, cujo objetivo é o de produzir, no investi-gador ou no público em geral, uma impressão mais rápida e viva do fenômeno em estudo, já que os gráficos falam mais rápido à compreensão do que as séries (CRESPO, 2002). Uma representação gráfica estabelece uma correspondência entre os termos da série e determinada figura geométrica, de tal modo que cada elemento da série seja representado

por uma figura proporcional. Há vários tipos de gráficos: de linhas, de colunas, de barras, setores, entre outros.

No sistema de coordenadas cartesianas, desenvolvido pelo filósofo e matemático francês, René Descartes (1596-1650), utilizam-se duas variáveis: uma marcada sobre o eixo X (abscissa), e outra, sobre o eixo Y (ordenada), a partir da origem 0. Cada par dessas variáveis X e Y define um ponto P no campo do gráfico.

Podem ser representadas séries estatísticas cronológi-cas, como a temperatura mensal durante o ano e o cres-cimento da população em determinado período. Além de linha, podem-se usar barras ou colunas. O climograma é um exemplo dos mais comuns, visto que combina essas duas possibilidades ao utilizar o gráfico de coluna para expressar o índice pluviométrico e uma de linha para a variação da temperatura ao longo do ano.

Cartografia: projeções cartográficas e mapas

O conceito de cartografia foi estabelecido em 1966 pela Associação Cartográfica Internacional (ACI) e, posterior-mente, ratificado pela UNESCO no mesmo ano:

A Cartografia apresenta-se como o conjunto de estudos e operações cientí-ficas, técnicas e artísticas que, tendo por base os resultados de observações diretas ou da análise de documentação, se vol-tam para a elaboração de mapas, cartas e

290 291

outras formas de expressão ou represen-tação de objetos, elementos, fenômenos e ambientes físicos e socioeconômicos, bem como a sua utilização (UNESCO, 1966 apud MORAES, 2003, p. 21).

Podem-se citar alguns temas da cartografia, como proje-ções cartográficas, escalas, levantamentos topográficos, coor-denadas geográficas (latitude e longitude) e fusos horários. Os pesquisadores que têm se dedicado a estudar as rela-ções entre a cartografia e a Geografia escolar confirmam o potencial dessa associação para se compreender a organiza-ção espacial (MORAES, 2002).

Segundo tais estudiosos, os mapas contribuem para for-mar um raciocínio ou consciência espacial porque permi-tem ao educando localizar-se, orientar-se, ler e interpretar a paisagem e espacializar ou representar análises e sínteses geográficas. No ensino escolar da Geografia, a cartografia é muito importante para que se possam compreender os temas abordados nessa disciplina.

A confecção de uma carta ou mapa exige, antes de tudo, um estabelecimento de um método, segundo o qual cada ponto da superfície terrestre deve corresponder a um ponto do mapa ou vice-versa. Sabemos que um mapa é uma abs-tração da realidade, e as projeções são técnicas destinadas a representar um objeto esférico num papel plano. Qualquer que seja a projeção cartográfica adotada sempre haverá algum tipo de distorção nas áreas, nas formas ou nas distân-cias da superfície terrestre. Portanto, não é possível construir

um mapa com todas as condições ideais, representando uma superfície rigorosamente semelhante a terrestre.

Assim, diferentes técnicas de representação são aplica-das, no sentido de se alcançarem resultados que tenham cer-tas propriedades favoráveis para um propósito específico. A escolha de uma projeção depende do objetivo a que servirá o mapa. A classificação usual das projeções cartográficas é em função da figura geométrica empregada em sua constru-ção: cilíndricas, cônicas e planas (azimutais).

O mapa é uma representação reduzida da superfície da Terra, uma vez que é impossível representar os elementos em tamanho real, razão por que se usa a escala, elemento básico de um mapa, que é uma relação matemática existente entre as dimensões verdadeiras de um objeto e sua represen-tação (mapa) (LIVRO WEB, 2011).

Se duas figuras semelhantes têm ângulos iguais dois a dois e lados correspondentes proporcionais, sempre será possível, através do desenho geométrico, obter figuras seme-lhantes às do terreno. Sejam: D = um comprimento tomado no terreno, que se denominará de distância real natural, d = um comprimento homólogo no desenho, denominado distância prática. Como as linhas do terreno e as do desenho são homólogas, o desenho que representa o terreno é uma figura semelhante à dele. Logo, a razão ou relação de seme-lhança é dada por: d/D. Essa relação denomina-se escala. Quanto maior a escala, mais próximo ele estará da realidade, e mais detalhes poderão ser vistos, e quanto menor for a escala, menos detalhes podem ser vistos. Reduzir a escala significa selecionar itens a serem mostrados.

292 293

Procedimentos metodológicos

A pesquisa de caráter qualitativo, exploratória e descri-tiva foi realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Papa Paulo VI, da rede estadual de ensino da cidade de João Pessoa – PB (1ª Região de Ensino - PB), com 30 alunos do sexo feminino e do masculino, na faixa etária entre 15 (quinze) e 16 (dezesseis) anos. Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizadas a análise documental, entrevistas e questionários.

Dentre as etapas dos procedimentos para a coleta dos dados, citam-se: mapeamento dos conteúdos de Geografia; apresentação de métodos de ensino relacionados com ensino de Matemática; desenvolvimento da aula em uma turma do ensino médio e avaliação por meio de abordagem oral e ativi-dade escrita em sala de aula. Para proceder à análise dos dados, utilizaram-se a técnica de análise de conteúdo, como técnica qualitativa, e a tabulação para a análise dos dados quantitativos.

Resultados e discussão

A Figura 1 demonstra um primeiro diálogo em sala de aula, onde foi explanado para os alunos qual seria o foco da pesquisa. Nesse sentido, registra o pensamento de Freire (1986), que afirma que o movimento do aprender através da pesquisa se inicia com o questionamento. Assim,

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encon-tram um no corpo do outro. Enquanto

ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p.82).

Figura 1- Observação dos conteúdos Fonte: Pesquisa de campo - 2014

Depois dessa primeira fase, partiu-se para mensurar os dados obtidos através da pesquisa. O resultado alcançado está exposto a seguir:

294 295

Figura 2 - Assuntos listadosFonte: Pesquisa de campo - 2014

O conteúdo identificado como o que tem mais rela-ção com a Matemática incluiu as escalas, cujo percentual foi de 40%. A cartografia, que foi o assunto mais apontado pelos estudantes, foi o eixo principal do resultado alcançado. Observou-se que 80% da amostra apontaram que compre-enderam a relação entre as duas disciplinas.

Figura 3 - Percepção dos alunos em relação à Matemática e à Geografia Fonte: Pesquisa de campo - 2014

Em tal resultado, utilizam-se os ensinamentos de Rocha para ratificar a importância da Matemática para o ensino da Cartografia:

Desde a origem da Cartografia, a Matemática sempre constituiu a base para a formulação e construção do con-teúdo desse campo de conhecimento científico e de representação gráfica da superfície terrestre e dos objetos geográ-ficos construídos pelo homem ao longo de sua história (ROCHA (2004, p.72).

Quando perguntados sobre se consideravam que apren-deram bem mais os assuntos com a integração das duas dis-ciplinas, 90% afirmaram que sim.

Figura 4 - Integração da Matemática com a Geografia Fonte: Pesquisa de campo - 2014

296 297

Perguntou-se aos alunos como eles avaliaram a aula inter-disciplinar relacionando os conteúdos da Matemática aos da Geografia. 90% da amostra consideraram a aula excelente.

Figura 5 - Percepção dos alunos em relação ao aprendizado Fonte: Pesquisa de campo - 2014

Por fim, desenvolveu-se uma avaliação com os alunos par-ticipantes da pesquisa e se verificou que 70% deles obtiveram uma nota entre 7 e 8, ou seja, na média e acima da média.

Figura 6 - Avaliação de aprendizagem dos alunos Fonte: Pesquisa de campo - 2014

Conclusão

Considerando os achados da pesquisa, pode-se afirmar que a Matemática pode fornecer um arsenal teórico rele-vante a ser utilizado em conjunto com os conteúdos de outras disciplinas, no caso deste trabalho, para a disciplina Geografia. Acredita-se que o uso da Matemática aproxima o ensino de Geografia da realidade do aluno, permite que ele faça interpretações objetivas e subjetivas e expresse seus entendimentos sobre determinados assuntos de maneira mais espontânea. Também apresenta mecanismos que pro-movem mais interação entre o aluno e o professor e deles com o conteúdo a ser apresentado.

Espera-se que, com a utilização da Matemática, os alu-nos consigam relacionar os fatos apresentados em Geografia com as outras áreas do conhecimento, tenham a noção de que o espaço geográfico é construído por todos nós em nos-sas práticas diárias e que vivam isso cotidianamente, cons-truindo e reconstruindo, em cada ação, o lugar onde vivem.

Referências

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria da Educação Média e tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2002.

CHRISTOFOLETTI, Antônio. As características da nova geografia. Geografia. v.1, n. 1, abr. 1976.

298 299

CRESPO, Antônio Arnot. Estatística fácil. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

FAZENDA, Ivani Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

___________, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

LENOIR, Y. Três interpretações da perspectiva interdisci-plinar em educação em função de três tradições culturais distintas. Revista E-Curriculum, v. 1, n. 1, PUCSP: São Paulo, 2005.

LOPES, Alice. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio e a submissão ao mundo produtivo: o caso da contextualização. Educação e sociedade [online], v.23, n.80 [citado 10 março 2003], p.201-233, Set. 2002, Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: maio de 2014.

MOITA, F. e QUEIROZ, C. Caminhos e (des)cami-nhos: o pensar e o fazer geográfico. Campina Grande: Natal: UEPB/UFRN, 2007.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. São Paulo: Papirus, 2002.  

MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002.

ROCHA, Genilton. A política do conhecimento oficial e a nova Geografia dos(as) professores(as) para as escolas brasileiras: o ensino de Geografia segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais. 2001. (Tese de Doutorado) – USP, São Paulo, 2001.

301

INTERCULTURALIDADE E INTEGRAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR

Maria Aparecida Nascimento de Almeida1

Luana Francisleyde Pessoa de Farias2

“Ser livre é conseguir flutuar entre a diversidade e a multiplicidade, sem perder a

própria identidade” (Dimos Iksilara).

Introdução

O presente artigo foi elaborado a partir de uma pes-quisa bibliográfica e de campo e tem por finalidade trazer as discussões sobre a diversidade cultural e, consequente-mente, étnico-racial para o âmbito educacional, tendo em vista o fato dessas temáticas teoricamente terem ganhado um espaço considerável nas instituições de ensino a partir 1997, quando os temas transversais do currículo elegeram a

1 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) - [email protected] .2 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) - [email protected].

302 303

Pluralidade Cultural como tópico orientador na busca por respeito mútuo, e mais recentemente com a sanção da Lei 11.645 em 2008, a qual prevê a obrigatoriedade de inclusão no currículo escolar de temáticas relacionadas à história e cultura africana, afro-brasileira e indígena.

É importante destacar que o enfoque cultural pressu-põe a análise de aspectos étnicos, raciais e sociais, o que nos impulsiona a uma abordagem do sujeito em suas múltiplas identidades no mundo contemporâneo. Assim, buscamos subsídios nos mais renomados autores que se dedicam a essa linha de pesquisa no intuito de traçarmos um paralelo entre as várias áreas do conhecimento que se dedicam à análise desse ser social, em seu espaço de atuação, o que possibi-lita uma reflexão quanto à postura assumida pelos diferentes sujeitos nas instituições de ensino.

Para tanto, apoiamo-nos, a princípio, nas considerações de Laraia (2001), Fleuri (2003), Hall (2001) e Silva (2011; 2007), os quais nos oferecem uma contribuição inestimável, tendo em vista a complexidade da abordagem desses aspec-tos devido as constantes mudanças identitárias, característi-cas do mundo pós-moderno.

Finalizamos a nossa abordagem destacando aspectos ade-quados à concretização de uma pedagogia da diversidade e à análise das contribuições dos projetos: Da Cultura Erudita à Cultura Popular e Lei 11.645/08 Fazer Valer, Basta Querer!, desenvolvidos na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Major Antônio de Aquino, situada na cidade de Mulungu – PB, nos anos 2012 e 2013, os quais tinham como propósito além de suscitar o respeito e a valorização pela diversidade, propiciar integração e formação cidadã.

Sujeito e cultura na pós-modernidade

É inegável que as questões culturais e raciais vêm cons-tantemente ganhando espaço no cenário nacional, por vários motivos, alguns dos quais elencaremos mais adiante, mas o fato é que não podemos tratar questões tão sérias, sem nenhum embasamento teórico e reflexivo. Desta forma, optamos por iniciar nossas discussões tecendo algumas con-siderações sobre os termos que intitulam esta seção, tendo em vista a complexidade dos mesmos e nossa proposta de analisar aspectos interculturais no mundo pós-moderno. Acrescentando a esta discussão as noções de identidades, as quais são indissociáveis dos sujeitos.

Cultura, multiculturalismo e homogeneização cultural

Propor uma definição para o termo Cultura já não é uma tarefa fácil, tendo em vista a complexidade de senti-dos que se resume nesse termo, imaginem como deve ser acirrado o debate quando se traz ao centro da discussão a diversidade cultural?

Contudo, tal complexidade não deve se constituir como empecilho para o trato dessa temática, mas como um desa-fio necessário para o trabalho docente responsável e com-prometido com a formação cidadã dos educandos, pois esta diversidade é uma constante no ambiente educacional, já que é para a instituição escolar que convergem todas as demandas sociais.

304 305

Mesmo diante dessa dificuldade conceitual, é inegável que antes de quaisquer considerações acerca das implica-ções culturais no âmbito educacional, faz-se necessário um conhecimento teórico-antropológico do termo Cultura, para nortear um enfoque epistemológico que nos permita elucidar a terminologia por nós adotada no trato da diver-sidade cultural. O termo Cultura, tal qual utilizado atual-mente, foi proposto pela primeira vez por Tylor, conforme constatamos abaixo,

No final do século XVIII e no prin-cípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra fran-cesa Civilization referia-se principal-mente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetiza-dos por Edward Tylor (1932 – 1917) no vocábulo inglês Culture, que “tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conheci-mentos, crenças, arte, moral, leis, costu-mes, ou qualquer capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 2001, p. 25, grifo do autor).

Assim, essa palavra consegue sintetizar “as possibilidades de realização humana”, e combater o determinismo geo-gráfico e biológico, destacando o “caráter de aprendizado

da cultura”, pois o homem é resultado do meio no qual foi socializado. Tal perspectiva apoia nossas considerações, já que permiti-nos constatar a necessidade de adotar um termo capaz de abranger a coexistência de várias culturas defendendo o direito destas serem “diferentes” e terem suas diferenças respeitadas.

Dessa forma, apoiando-nos nas considerações de Fleuri (2003), apresentamos na sequência uma abordagem etimo-lógica que nos permite perceber a pertinência de utilização do termo Interculturalidade, a fim de transpor para o âmbito político os anseios e expectativas dos diferentes grupos cul-turais no que se refere ao respeito de suas identidades.

O multiculturalismo é um fenômeno que teve origem nos Estados Unidos, Canadá e Grã-Bretanha, assumindo diversas denominações nos países da Europa. Por sua vez, a perspectiva da Educação Multicultural (Multicultural Education) surgiu nos Estados Unidos a partir do momento em que grupos sociais considerados subordinados passaram a dirigir duras críticas ao currículo universitário, o qual privi-legiava a cultura de grupos sociais tidos como hegemônicos, e exigir um currículo que representasse as diversas culturas.

Por mais que a extensão da discussão para o âmbito educa-cional e curricular se apresente como uma conquista, é impor-tante destacar o caráter ambíguo do Multiculturalismo, pois “não se pode separar questões culturais de questões de poder”,

O multiculturalismo, tal como a cultura contemporânea, é fundamentalmente ambíguo. Por um lado, o multicultu-ralismo é um movimento legítimo de

306 307

reivindicação dos grupos culturais domi-nados no interior daqueles países para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional. O multiculturalismo pode ser visto, entre-tanto, também como uma solução para os “problemas” que a presença de gru-pos raciais e étnicos coloca no interior daqueles países para a cultura nacional dominante. De uma forma ou de outra o multiculturalismo não pode ser sepa-rado das relações de poder que, antes de tudo, obrigaram essas diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a viverem no mesmo espaço (Silva, 2010, p.85).

Dessa forma, duas acepções contraditórias são evocadas para o trato da ambiguidade: a primeira perspectiva con-sidera o Multiculturalismo um movimento legítimo de reivindicação das minorias para terem suas culturas reco-nhecidas; a segunda, por sua vez, considera-o uma mano-bra política, tal qual ocorreu com a miscigenação no século XIX, que só deixou de ser considerada como condição de degeneração da raça humana, quando se vislumbrou através dela a perspectiva de um embranquecimento da população através do incentivo à imigração.

O ponto de equilíbrio da sociedade brasileira passaria a ser o mestiço e o caráter miscigenado de nossa popu-lação é posto em foco como meio de

engrandecimento inigualável. O Brasil seria o solo propício para uma socie-dade mais democrática em termos raciais, visto ser fundada sobre a mesti-çagem (SANTOS, 2005, p.150).

Conforme constatado acima, a miscigenação é tomada como forma de mascarar a discriminação, e velar o pre-conceito, pois por meio dela, “somos todos iguais”, o que culminou com o chamado “racismo à brasileira”. Nesse sen-tido, teme-se que o multiculturalismo também seja tomado como forma de justificar a subordinação de determinados grupos culturais.

Segundo Fleuri (2003), “o termo “Multicultural” vem sendo utilizado como categoria descritiva, analítica, socioló-gica ou histórica, para indicar uma realidade de convivência entre diferentes grupos culturais num mesmo contexto social”. Assim busca-se uma terminologia que não trate da questão de forma homogeneizada ou tolerante, mas que transmita o direito e respeito às diferenças, o que do mesmo modo não é transmitido através do termo “Transcultural”, uma vez que

[...] o adjetivo “transcultural” é utilizado segundo diferentes sentidos. É enten-dido às vezes como elemento transver-sal já presente em diferentes culturas (universais culturais inscritos na estru-tura humana), ou então como produto original da hibridização de elementos culturalmente diferentes (FLEURI, 2003, p.17, grifo do autor).

308 309

Pelo exposto, fica claro que o termo transcultural, assim como o termo multicultural, sugere uma homogeneiza-ção cultural, o que interfere na aceitação da identidade do sujeito e da diversidade, pois essa hibridização estabelece uma igualdade que não se concretiza na prática, mascarando as relações de poder que continuarão subjugando uma cul-tura em detrimento de outra e apontando o determinismo biológico, geográfico, ou quaisquer outras justificativas sem fundamento para explicar a falta de oportunidades iguais dentro da sociedade.

Com o adjetivo “Intercultural”, a complexidade não se reduz, mas adotamos esta terminologia sob a perspectiva de “compreender o “diferente” que caracteriza a singularidade e a irrepetibilidade de cada sujeito humano” (FLEURI, 2003). Diferente dos termos anteriormente destacados, este não propõe nem a homogeneização, nem a tolerância, mas o fim de uma visão vertical das culturas, onde uma se sobrepunha a outra estabelecendo assim uma hierarquização; fundamen-tando uma horizontalização cultural, propondo uma abor-dagem que perpasse entre as diversas culturas, pois não há critério algum capaz de propor uma hegemonia cultural, pois

[...] as diversas culturas seriam o resul-tado das diferentes formas pelas quais os variados grupos humanos, submeti-dos a diferentes condições ambientais e históricas, realizam o potencial criativo que seria uma manifestação artificial de característica comum de todo ser humano. As diferenças culturais seriam

apenas a manifestação artificial de características humanas mais profundas. Os diferentes grupos culturais seriam igualados por sua comum humanidade (SILVA, 2010, p.86).

Dessa forma, a Interculturalidade propõe o respeito e integração entre os diversos sujeitos e culturas das quais são representantes; mas qual a identidade do sujeito pós- moderno e como se apresenta esta diversidade no ambiente escolar? Estas questões serão apresentadas a seguir.

Identidade ou identidades? Um reflexo da contemporaneidade

Antes de quaisquer considerações sobre identidade e sujeito, faz-se necessário uma compreensão dos termos Modernidade e Pós-modernidade, pois nossa proposta é analisar os aspectos anteriormente destacados no mundo pós-moderno. É inegável que tal distinção não é tarefa fácil, vejamos:

A pós-modernidade tem como refe-rência ou contraponto a modernidade. A origem do termo moderno remonta, por sua vez, ao século V (modernus, em latim); ele servia para diferenciar o (então) presente cristão da era passada pagã. Já o debate contemporâneo sobre a pós-modernidade vem da percepção

310 311

de que estamos vivendo uma série de mudanças que nos afetam direta e indi-retamente, e que é preciso entender – ainda que não se tenha chegado a um acordo claro sobre o significado e impacto de cada uma ou do conjunto delas sobre a vida social (TASCHNER, 1999, p.07).

Assim a noção de pós-modernidade é construída em contraponto ao que entendemos como moderno. É impor-tante salientar que esses termos apresentam características que não se resumem a questões sociais. Traçando um paralelo com a temática aqui discutida, verificamos que o comporta-mento do sujeito moderno também se apresentava restrito, diferente do sujeito pós-moderno, o qual apresenta carac-terísticas imprecisas tal como a definição deste termo, pois este sujeito vive em constante transformação, o que justifica o fato de determinados teóricos afirmarem que vivemos em um mundo das “identidades fluidas”.

Reportamo-nos agora a algumas considerações de Stuart Hall, em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, com o intuito de analisarmos a construção histórica dos sujeitos; vale destacar que o supracitado autor apresenta três concepções de identidade do sujeito: a do iluminismo, que defende a permanência das capacidades de razão, consciên-cia e ação, desde o nascimento até a vida adulta; já o sujeito sociológico é apresentado de forma mais autônoma, sendo formado na interação com a sociedade e modificado de acordo com as culturas e identidades com as quais mantém

contato; enquanto o sujeito pós-moderno assume diferen-tes identidades em diferentes momentos, algumas até con-traditórias “formadas e transformadas continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou inter-pretados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2006, p.02). Assim diferente da concepção iluminista, o sujeito pós-moderno é construído historicamente e não biologicamente.

É pertinente destacar que o sujeito pós-moderno reflete, em sua constante mudança identitária, as transformações constantemente ocorridas nessa sociedade globalizada, na qual está inserido. Assim os sujeitos precisam adaptar-se às diferentes realidades com as quais podem deparar-se, tendo em vista a substituição de uma sociedade tradicional por uma sociedade plural.

Vale salientar que é preciso, pois, ter consciência de que, em determinadas situações, as identidades contraditórias podem se cruzar e se deslocar, considerando que a plura-lização de identidades nos coloca diante de situações que podemos analisar sob os aspectos individuais e sociais. Assim, mesmo pertencendo a determinado grupo étnico, o sujeito pode se posicionar de forma contrária à postura adotada por um integrante do mesmo grupo.

O entendimento do sujeito pós-moderno, portanto, é essencial não apenas para nossa autocompreensão, mas tam-bém para reflexão da noção de alteridade.

312 313

Reflexões sobre as identidades no contexto escolar

Se os sujeitos pós-modernos, por diversos fatores desta-cados nas seções anteriores, apresentam essa identidade mul-tifacetada, imaginem quão complexa não será a discussão sobre aqueles que se encontram na fase juvenil, período de descoberta sobre si, sobre o outro e sobre o mundo que o circunda. Nesse sentido, é pertinente voltarmos nosso olhar para os jovens enquanto sujeitos sociais, os quais refletem em seus comportamentos os anseios e expectativas de uma geração imediatista por estarem inseridos em uma socie-dade onde foram rompidas as fronteiras de tempo e espaço, devido os avanços tecnológicos e o processo de globalização.

Não é difícil perceber que passamos por um processo de incomunicabilidade entre docentes e discentes. Tal afirma-ção é facilmente comprovada através dos discursos da maio-ria dos educadores que se isentando da culpa atribuem-na frequentemente aos alunos e pelas justificativas destes que rebatem as acusações.

[...] Da parte dos professores, os jovens alunos são comumente rotulados de desinteressados pelos conteúdos esco-lares, apáticos, indisciplinados, alguns violentos, tidos como de baixa cultura, com sexualidade exacerbada e alienada, hedonistas e consumistas. Alunos, por sua vez, dão testemunho de uma expe-riência pouco feliz no ambiente esco-lar, especialmente quando se trata de

aulas e professores: aulas chatas e sem sentido prático, professores desprepa-rados e “sem didática”, autoritarismos de docentes e administradores, espaços pobres e inadequados, ausência de meios educacionais (principalmente computa-dores e internet), ausência de atividades culturais e passeios. Isso tudo num qua-dro econômico no qual a escolarização das novas gerações se massificou em um regime precário e, ao mesmo tempo, deixou de representar garantia de inser-ção social e profissional (CARRANO, 2008, p.109).

Desde a publicação desse artigo no ano de 2008, a única evolução que percebemos é a informatização das escolas, mas a tecnologia não substitui a metodologia, o que faz com que a maioria das escolas permaneçam na situação acima citada. No tocante à utilização das tecnologias educacio-nais e a proposta de atividades culturais, projetos pedagógi-cos podem viabilizar a inserção desta prática no cotidiano escolar de forma a dinamizar a aprendizagem, possibilitando novas formas de aprender, mas, no que refere ao processo que deveria ser de construção do conhecimento, a tensão permanece, pois ainda há os docentes que atribuem a res-ponsabilidade por essa situação ao sistema educacional bra-sileiro e ao currículo escolar.

Não temos por objetivo esgotar aqui essa discussão, o que seria impossível, mas gerar reflexão de como a edu-cação escolar pode aproximar através dos componentes

314 315

curriculares as habilidades e competências que os discentes devem desenvolver durante sua vida estudantil das necessi-dades que a realidade impõe aos nossos educandos. O autor supracitado defende que,

[...] muitos dos problemas relaciona-dos com a baixa sinergia comunicativa entre professores/as e alunos/as residem numa ignorância relativa da instituição escolar e de seus profissionais sobre os espaços culturais e simbólicos nos quais os jovens se encontram imersos. Numa perspectiva de compreensão da vida escolar como uma rua de mão dupla, intuo que o esforço dos educadores em compreender os sentidos de ser jovem no tempo presente pode resultar em práticas políticas que possibilitem que os jovens encontrem sentido nos tem-pos e espaços escolares (CARRANO, 2008, p.109).

Assim é preciso que as escolas façam um diagnóstico e construam uma identidade de forma a propor intervenções que se adequem a sua comunidade escolar, como foram ide-alizadas as experiências que são relatadas na última seção deste artigo, que de forma alguma se constituem como modelo a ser seguido, até porque não existe receita pronta, mas que se apresentam como uma tentativa de dinamizar a aprendizagem através do trato de importantes temáticas sociais com vistas a uma formação cidadã.

Pelo exposto é perceptível que há vários entraves que dificultam nosso trabalho educacional, mas é válido lembrar que, enquanto sujeitos pós-modernos, nós, educadores, pre-cisamos passar por um processo de autocompreensão para que a partir deste possamos intervir de forma eficaz nas rela-ções estabelecidas no ambiente escolar, assumindo de forma responsável e comprometida nossa identidade docente, pois, segundo Melucci (2004 Apud SILVA, 2009, p.47), “a iden-tidade pressupõe sempre o entrelaçamento de dois aspectos indissociáveis: o individual e o social, pois sempre que nos questionamos sobre nós mesmos e como os outros nos per-cebem, esbarramos necessariamente em nossa identidade”.

É inegável que são inúmeras as atribuições profissionais, dentre as quais destacamos a formação educacional para o ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho, o que faz com que por vezes deixemos em segundo plano a formação dos jovens enquanto sujeito social, capaz de lidar de forma harmoniosa com as transformações instantâneas que ocorrem em nossa sociedade, seguro de si e senhor dos seus atos. Além dos fatores supracitados, há uma série de outros fatores que ao longo do tempo vêm interferindo na forma-ção da identidade docente, conforme observamos a seguir:

[...] o conjunto de mudanças sociais e educacionais ocorrido nos últimos vinte anos ocasionou impactos profun-dos na identidade profissional docente, tais como: o aumento de exigências em relação às atividades desenvolvidas pelos professores; a inibição de outros agentes

316 317

de socialização, como a família; o desen-volvimento de fontes de informação alternativas à escola; a ruptura do con-senso social sobre o papel da educação; o aumento das contradições no exercí-cio da docência, as mudanças de expec-tativas em relação ao sistema educativo; a menor valorização social do professor; as mudanças nos conteúdos escolares; a escassez de recursos materiais e condições de trabalho deficientes; as mudanças nas relações professor e aluno e a fragmenta-ção do trabalho do professor (ESTEVE, 1995 Apud SILVA, 2009, p.48).

É inegável que devemos lutar por nossos direitos, mas também cumprir com nossos deveres tendo discernimento para intervir de forma significativa e alcançar os objetivos: cognitivos, atitudinais ou procedimentais traçados para nos-sos educandos, preparando-nos para enfrentar as contradi-ções que a sociedade pós-moderna possa nos apresentar. Não queremos afirmar com isso que se trata de uma tarefa fácil, mas necessária para nossa prática docente, pois o edu-cador do século XXI deve estar preparado para os desafios que possam se apresentar, tendo discernimento para superá--los, quando depende só de si, e reivindicar a assistência necessária das instâncias educacionais que devem garanti-la de forma a viabilizar uma prática pedagógica que atenda as necessidades educacionais dos sujeitos pós-modernos.

O leitor questionador pode ter se perguntado sobre o porquê de atermo-nos aos profissionais da educação antes

de tecermos nossas considerações sobre o ambiente esco-lar. Para tal questionamento, nossa justificativa é o fato de tomarmos os educadores antes como sujeitos pós-modernos que precisam se reconhecer como tal para, a partir desse reconhecimento, potencializar suas habilidades para o trato com a diversidade.

Da cultura à interculturalidade: um apelo à igualdade

Projeto pedagógico da cultura erudita à cultura popularA pluralidade cultural foi o tema escolhido para o projeto

pedagógico desenvolvido no ano de 2012, porque além de ser um tema transversal do currículo proposto pelos PCNs (1997; 1998), constitui-se como uma forma de combate ao preconceito que perpassa pelas questões culturais, raciais e sociais, buscando contribuir com a formação de cidadãos capazes de conviver respeitosamente com a diversidade, mas vale salientar que antes de iniciarmos o desenvolvimento desse projeto, começamos a propor práticas pedagógicas que viessem a contribuir de forma positiva quando fossem efeti-vadas suas propostas desde 2011.

Nesse período anterior, foram sugeridas atividades esco-lares e eventos externos que contribuíssem com a aquisi-ção de conhecimento, em um primeiro momento na escola, através de aulas temáticas ministradas pelos professores, pos-teriormente convocando toda comunidade escolar para conosco partilhar das experiências vivenciadas, para que, por fim, a partir da implementação do projeto, os educandos pudessem assumir o papel de agentes atuantes.

318 319

Para tanto, guiamos nossa proposta pedagógica ampara-dos por Libâneo (2004, p.14) o qual defende que “[...] a aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvol-vimento mental. O ensino propicia a apropriação da cul-tura e o desenvolvimento do pensamento, dois processos articulados entre si, formando uma unidade”. Tomando por base esta premissa, propomos duas fases de “ensino desen-volvimental” que são indissociáveis a assimilação de conhe-cimentos teóricos, que ocorreu com a ministração de aulas temáticas, as palestras: Lampião: memórias e histórias e A cultura da gente, somos brasileiros, a Apresentação do Coral da UFPB e a Oficina de Teatro, eventos que ocorreram no ano de 2011 e serão apresentados na sequência, e a progressão das capaci-dades dos educandos, com o intuito de possibilitar mudanças no desenvolvimento do pensamento, o que ocorreu a partir do ano de 2012 com a efetiva implementação do projeto.

As experiências aqui relatadas foram vivenciadas na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Major Antônio de Aquino, situada na cidade de Mulungu – PB, a qual antes de qualquer proposta concreta assumiu sua iden-tidade institucional tanto no Projeto Político Pedagógico (PPP), quanto no Plano de Gestão (2012 – 2013), o qual propondo a valorização da diversidade nos direcionou para proposta de atividades com fins primordialmente pedagógi-cos impulsionando-nos para o desenvolvimento dos proje-tos que serão foco de nossa análise nesta seção.

Ofertando o Ensino Fundamental de segunda fase (6º ao 9º anos) e Ensino Médio; a partir de 2012, a escola passou a funcionar nos três turnos devido à necessidade de atender

aos cerca de 525 alunos matriculados, pois possui apenas sete salas de aula. Os projetos desenvolvidos, que serão aqui analisados, foram propostos pela professora de Língua Portuguesa, Maria Aparecida Nascimento de Almeida, mas sempre apresentaram uma perspectiva de abordagem inter-disciplinar, direcionados de forma mais específica para as turmas do Ensino Médio no turno da noite, estes sempre abriram espaço para propostas de atividades que integrassem os educandos às etapas de ensino oferecidas pela escola.

Palestras

Vários foram os momentos marcantes durante o desen-volvimento do projeto, os quais serão descritos e ilustrados na sequência. Inicialmente, a palestra Lampião: memórias e estórias, ministrada pelo professor Josias Barros, foi o pri-meiro evento extraescolar planejado e ocorreu na Câmara Municipal, da nossa cidade, no dia 04 de outubro de 2011, quando ainda primávamos pela aquisição de conhecimen-tos, sendo aberta a toda comunidade.

Posteriormente, houve a palestra A cultura da gente, somos brasileiros, ministrada em um outro momento, mas no mesmo local, pelo professor da Universidade Federal da Paraíba, Fernando Abath, este evento foi proposto com o objetivo de conscientizar os educandos da pluralidade cul-tural presente em nosso país conforme afirma Laraia (2001, p.21): “[...] É possível e comum existir uma grande diver-sidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico”. Nesse sentido, o palestrante, o Professor Fernando

320 321

Abath, elucidou aspectos linguísticos e comportamentais característicos das diversas culturas que coexistem no Brasil, buscando valorizar as diferenças, pois são estas que propi-ciam a diversidade inerente ao nosso país.

Apresentação do Coral do Departamento de Música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Outro evento realizado que merece destaque foi a apre-sentação do Coral da UFPB, que foi um marco para história da nossa escola, pois a maioria dos nossos educandos nunca teve oportunidade de prestigiar uma apresentação daquele porte; foi um momento único, também realizado na Câmara Municipal no dia 18 de novembro de 2011. Buscamos, atra-vés desta apresentação, desvencilhar nossa prática educacio-nal da seguinte descrição.

A educação utilitária e instrumental das escolas seriadas acompanhou toda uma vertente dominante do pensamento ocidental e deixou que duas que-bras dramáticas fossem e sigam sendo consumadas. Uma é a “cientificação” crescente do conhecimento. Outra é a desqualificação de outras culturas e, sobretudo, as culturas populares, em nome de formas únicas e pretensamente civilizadas e eruditas do saber e do viver (BRANDÃO, 2008, p.36).

Na oportunidade de forma divertida e dinâmica, trans-mitimos a mensagem a que nos propomos de que na pers-pectiva intercultural “as culturas humanas são diferentes, mas nunca desiguais” (BRANDÃO, 2008, p.35), pois da mesma forma que conhecemos peças musicais erudita em língua portuguesa, inglesa, italiana e alemã; prestigiamos as inter-pretações das músicas populares, ocasião em que todos os educandos se empolgaram e perceberam suas raízes culturais.

A apresentação do Coral confirmou na prática o que já havíamos destacado teoricamente em nossas aulas temáticas, que não deve haver hegemonia cultural, pois tanto a cul-tura erudita como a popular têm seu valor e merecem ser respeitadas.

Oficina de Teatro

Em consonância este autor, para o qual,

A educação que tanto revê os seus cur-rículos ganharia muito em qualidade se fosse capaz de realizar algo mais do que uma simples revisão. Se ela ousasse encontrar um sentido menos utilitário e mais humanamente integrado e inte-rativo em sua missão de educar pessoas. Um dos passos nessa direção seria o de reintegrar e fazer interagirem as dife-rentes criações culturais do espírito humano, com um mesmo valor. Ensinar a pensar e sensibilizar o pensamento

322 323

entretecendo a matemática e a música, a gramática e a poesia, a filosofia e a física (BRANDÃO, 2008, p.37).

Propomos uma Oficina de Teatro, realizada no prédio de nossa escola e ministrada pelo teatrólogo, diretor e cine-asta Carlos Cartaxo, que teve por objetivo além de preparar os educandos para efetiva atuação em nossa escola, fazendo com que estes pudessem passar de meros espectadores a atores socializadores da nossa cultura, sensibilizá-los através dessa arte da importância de uma convivência harmoniosa com as diferenças.

A adoção da perspectiva teatral foi de grande valia, pois nos possibilitou vivenciar, mesmo que de forma incons-ciente, o sentido da palavra alteridade, já que as dinâmicas propostas nos incentivaram em determinados momentos a pensar e agir como o outro, percebendo suas emoções, sen-sações e sentimentos, compreendendo a postura do parceiro e refletindo sobre nossos anseios e expectativas.

Entrevista com Ariano Suassuna

No ano letivo de 2012, todos já ansiavam para o iní-cio do desenvolvimento do projeto, pois já tinham consci-ência da importância do mesmo. Nossa primeira ação foi apresentar o projeto para comunidade escolar, explicando quais seriam as primeiras atividades trabalhadas e eventos a serem realizados. Organizamo-nos também no sentido de obtermos o material necessário para realização dos eventos

propostos e, no dia 09 de agosto de 2012, tivemos o prazer inenarrável de sermos recebidos pelo maior homenageado do nosso projeto, em sua residência no bairro da Casa Forte em Recife, Ariano Suassuna.

Na oportunidade, nossa admiração e respeito foram potencializados pela simplicidade, simpatia e generosidade desse mestre da Literatura Brasileira, que abriu as portas de sua casa e nos recebeu; concedendo-nos uma entrevista, que foi exibida aos nossos educandos no encerramento dessa proposta pedagógica. Um dos objetivos dessa entre-vista foi trazer a mensagem do principal representante do Movimento Armorial, o qual propõe a realização de uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro. Ratificando de forma indiscutível nosso apelo de respeito e valorização da cultura popular.

Figura 1 - Homenagem a Ariano Suassuna: entrega da porca* e autógrafo

Fonte: Arquivo Pessoal * Nota: O Santo e a Porca é uma peça teatral, do gênero comédia,

escrita por Ariano Suassuna em 1957

324 325

Projeto pedagógico: lei 11.645/08 fazer valer, basta querer!

É inegável que, quando se traz ao centro da discussão a diversidade cultural e étnico-racial do nosso país, antigos conflitos vêm à tona, no ambiente escolar não é diferente. Por isso, em consonância com o Projeto Político Pedagógico da Escola e com o Plano de Gestão elaborado para os anos de 2012 e 2013, propomo-nos a concretizar o que a lei 11.645/08 dispõe no papel. Não nos limitando apenas a incluir no currículo escolar o ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, mas propondo, através de práticas pedagógicas específicas, o respeito e a valorização das diferenças e particularidades de cada cidadão, buscando assim contribuir com o reparo de anos de discriminação e preconceito, bem como visando através da conscientização a amenizar o bullying tão frequente no ambiente escolar.

Porém, para que a escola passe de lugar de exclusão a espaço de integração, é necessária uma tomada de consci-ência por parte dos profissionais da educação da importân-cia de sua intervenção enquanto formador de opinião; por isso, o projeto aqui apresentado foi elaborado em dezembro do ano de 2012 para ser apresentado ao corpo docente e demais funcionários no planejamento didático, que marca o início das atividades letivas 2013.

Para os educadores, propormos um minicurso intitulado: Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais, e aos demais profissionais da escola, uma oficina em que estes pudessem perceber a

importância do seu trabalho para a formação estudantil e cidadã dos nossos educandos, contribuindo assim para uma conscientização destes quanto à maneira mais adequada de se relacionar com nossos alunos e com os demais funcioná-rios da escola.

O minicurso foi realizado no prédio na escola no dia 04 de fevereiro de 2013, após a acolhida do gestor escolar que deu início os trabalhos do ano letivo. Na oportunidade, os professores foram recebidos em um ambiente propício ao trato da temática e convidados a participar de uma dinâ-mica na qual puderam vivenciar, por um instante, o cons-trangimento ao qual somos submetidos quando passamos por situações de racismo e discriminação. Tal dinâmica con-tribuiu de forma significativa para o andamento do nosso minicurso, pois, em seus relatos, os professores expressaram seus sentimentos e evidenciaram a importância do trato da diversidade étnico-racial na escola.

Tomando por base o trabalho desenvolvido, aproveita-mos a oportunidade para destacar a importância de todos aqueles da equipe de apoio da escola para a formação edu-cacional de nossos alunos, o que nos motivou a apresentá--los também nosso projeto pedagógico para o ano letivo que se iniciara. O referido projeto foi apresentado para a comunidade escolar, no dia 07 de fevereiro de 2013, quando, acolhendo nossos educandos, exibimos a entrevista feita com Ariano Suassuna, encerrando o projeto anterior “Da Cultura Erudita à Cultura Popular” e apresentamos nossa atual proposta de trabalho. Na oportunidade, exibimos alguns slides com o intuito de suscitar em todos os presentes

326 327

a importância do tema a ser debatido e apresentar nosso lema “Diga não ao preconceito, porque somos todos iguais na diferença e ser diferente é normal”!

Para o corpo discente, propomos atividades de conscienti-zação e combate ao racismo, bem como de desenvolvimento de aptidões na produção textual e utilização dos meios eletrô-nicos como forma de combater o preconceito amplamente disseminado neste meio, além de uma proposta de integração com toda comunidade escolar, através da realização e partici-pação em eventos do município, e com cidadãos de etnias e culturas diferentes através das nossas aulas de campo.

Considerações finais

Com base neste estudo, é possível afirmar que as noções de identidade e diferença são indissociáveis, tendo em vista que estas palavras podem ser respectivamente definidas como: “aquilo que sou” e “aquilo que o outro é” (SILVA, 2011). Isso significa que até mesmo a identidade apresenta traços da diversidade, pois ao me identificar de determinada forma, tomo os outros como parâmetro para me definir como diferente destes. Logo, é preciso considerar primeiro as diferenças, pois são elas que possibilitam a identidade.

Vale salientar que nossa proposta ao escrever este texto monográfico não é esgotar aqui a discussão, o que não seria possível, mesmo se fosse nossa intenção, pois uma compre-ensão exata das culturas e dos sujeitos que as representam, significaria a compreensão da própria natureza humana (LARAIA, 2001). Também não temos a pretensão de indicar

o caminho a ser seguindo rumo a uma pedagogia da diver-sidade, o qual deve ser traçado e seguido mediante a iden-tidade institucional assumida por cada escola, com a devida intervenção dos profissionais da educação, tendo como público alvo a comunidade escolar, levada em consideração a partir de suas características e peculiaridades.

Socializamos aqui as experiências por nós vivenciadas na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Major Antônio de Aquino, situada na cidade de Mulungu-PB, com o intuito de destacar que uma escola pública não pode permanecer inerte diante da realidade em que se configura, por não receber o devido apoio das instâncias educacionais superiores. Constatamos, então, que temos direitos e deve-mos continuar lutando para conquistá-los, mas enquanto lutamos, direcionemos nossa dinâmica de trabalho rumo à esperança e transformemos as dificuldades em possibilidades, pois sem essas palavras nossa prática ficaria inviável, tendo em vista os contratempos que enfrentamos diariamente para cumprimos a nossa função com responsabilidade.

Desafios virão, mas é o nosso posicionamento diante deles que determina nosso posto de vitorioso ou derrotado, seja na vida pessoal ou profissional. Dessa forma, não dei-xemos que nossas insatisfações interfiram em nosso traba-lho docente a ponto de negligenciarmos uma perspectiva de uma vida melhor para os nossos educandos. Propiciemos a integração entre a diversidade e a escola, para que cada sujeito tenha consciência de que são essas diferenças que nos tornam seres únicos e possam ingressar nessa luta contra o preconceito, racismo e discriminação ao ouvir nosso apelo em defesa da interculturalidade.

328 329

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Viver de criar cultura, cultura popular, arte e educação. In: Cultura popular e educação: salto para o futuro. Brasília: SEED/MEC, 2008, p.25 – 38. Disponível em http://www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/imagens/livros/livro_salto_cultura_popular_e_educacaoi.pdf. Acessado em 03 jun. 2014.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2002.

CARRANO, Paulo. Identidades culturais e escolas: arenas de conflitos e possibilidades, 2008. In: Sujeito cultura e contemporaneidade. UEPB, 2013. (Coletânea de Textos Didáticos - Módulo 3).

CHISTIAN, DadieKacou. Um africano lê Macunaíma: uma interpretação da rapsódia de Mário de Andrade com base em elementos literários e culturais negro-africanos. 2007. (Tese de Doutorado). Apresentada no Programa de Pós Graduação em Literatura Brasileira da USP/FFLCH. Universidade de São Paulo, São Paulo.

FLEURI, Reinaldo Matias. Intercultura e educação. In: Revista Brasileira de Educação, v. 23, maio/jun. 2003.

HALL, Stuart. A identidade em questão. In: A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro:

DP&A, 2006. Disponível em http:// www.cefetsp.br/edu/geo/identidade_cultural_posmodernidade.doc. Acessado em 04 jun. 2014.

LARAIA, Roque de Barros. Da natureza da cultura ou da natureza à Cultura. In: Cultura: um conceito antro-pológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. Disponível em http://comunicacacaoeesporte.files.word-press.com/2010/10/cultura-um-conceitoantropologico.pdf. Acessado em 03 jun. 2014.

LIBÂNEO, José Carlos. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a Teoria Histórico-cultural da Atividade e a contribuição de Vasili Davydov. In: Revista Brasileira de Educação. 2004. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n27/n27a01. Acessado em 01 jun. 2014.

SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do “ser negro”. Um percurso das ideias que naturalizaram a infe-rioridade dos negros. São Paulo: Educ/FAPES: Rio de Janeiro: Pala, 2005.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Diferença e identidade: o cur-rículo multiculturalista. In: Documentos de identi-dade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2010. Disponível em http://sites.google.com/site/teoriasdecurriculo/home/livro. Acessado em 05 jun 2014.

330 331

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. In: Sujeito, cultura e contemporaneidade. UEPB, 2013. (Coletânea de Textos Didáticos – Módulo 3).

SILVA, Maria de Lourdes Ramos da. A complexi-dade inerente aos processos identitários docentes. 2009 CEMorOC – Feusp: IJI - Universidade do Porto. Disponível em http://www.hottopos.com/notand_lib_12/malu.pdf. Acessado em 04 jun. 2014.

SILVA, Joaquim Paulo. Interculturalidade e transdisci-plinaridade: mudança social e saber no campo das teorias e práticas do serviço social. Disponível em: http://www.cpihts.com/PDF/Joaquim%20Silva.pdf. Acessado em 04 jun. 2014.

TASCHNER, Gisela B. A pós-modernidade e a sociolo-gia. In: Revista USP. 42. ed. São Paulo, jun., ago. 1999. Disponível em http://www.usp.br/revistausp/42/01--gisela.pdf. Acessado em 03 jun.2014.

PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES: leitura e escrita na educação

de jovens e adultos (EJA)

Nelsilene dos Santos Silva1

Antônio de Brito Freire2

INTRODUÇÃO

Ler e escrever exigem agilidade, habilidade, compreensão, dedicação e prazer. Sendo assim, é necessário que entenda-mos o ato de ler e escrever como sendo processos essenciais para a realização de novas aquisições de conhecimentos e

1 Graduada em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Especialista em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Inter-disciplinares pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

2 Graduado em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Univer-sidade Estadual da Paraíba e Mestre em Comunicação e em Semiótica Brasileira pela UEPB.

332 333

fatores indispensáveis para o aperfeiçoamento intelectual e científico, independente do componente curricular.

Tendo em vista que não apenas o componente curricular de Língua Portuguesa requer dos alunos o domínio da leitura e da escrita, assim como interpretação de enunciados para a aprendizagem de conteúdos, pois jovens e adultos inseridos na Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ensino Médio apresentam dificuldades em interpretação de situações pro-blemas, temáticas e práticas de leitura e escrita formal.

Há alunos que leem, mas não compreendem o que estão lendo ou não conseguem interpretar um enunciado de Geografia ou um gráfico de Matemática por exemplo.

Analisando tal realidade, refletiremos sobre as práticas que estão sendo utilizadas para que os alunos se tornem leitores e escritores competentes. Nesse sentido, propomo--nos a verificar a contribuição de componentes curriculares como Matemática, Geografia e História na construção da aprendizagem da leitura e escrita na Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio da Escola Estadual do Ensino Médio Senador Humberto Lucena.

Diante de tal contexto, buscamos enfatizar a importância de práticas pedagógicas desenvolvidas em todas as áreas do conhecimento, com o intuito de ampliar os processos de leitura e escrita de forma eficaz e prazerosa.

O estudo tem a pretensão de contribuir para que esse quadro de jovens e adultos com dificuldades de ler, escrever e interpretar, possa ser amenizado ou até mesmo sanado, por meio do desenvolvimento das habilidades básicas de leitura, escrita e interpretação crítica.

Práticas interdisciplinares: leitura e escrita na educação de jovens e adultos

A escola é o espaço que permite uma maior aprendiza-gem; principalmente, da leitura e da escrita no que se refere à decifração, saber ler e saber escrever, formando assim visões críticas. Percebemos que há uma considerável rejeição entre os jovens e adultos, quando falamos sobre a prática de lei-tura de livros, temáticas, situações problemas, estendendo-se aos demais componentes curriculares, pois em Matemática os alunos dependem da compreensão dos problemas para poderem buscar a resolução, bem como nas demais discipli-nas que eles precisam interpretar os enunciados das questões para então compreender o que devem fazer.

Os jovens inseridos no EJA no Ensino Médio apre-sentam dificuldades no domínio das habilidades básicas referentes à leitura, escrita e à interpretação. Assim, proble-matizamos: o que nos leva a refletir sobre as práticas que estão sendo criadas para que os alunos se tornem leitores e escritores competentes?

Sabemos bem que o ato da escrita é um dos procedimen-tos que mais exige a capacidade do ser humano, pois para isso envolvemos os diversos conhecimentos já adquiridos como, por exemplo, a leitura de mundo e as experiências que esses jovens e adultos já adquiriram durante suas vidas. Enquanto docentes, devemos ajudá-los a desenvolver suas habilidades interpretativas de maneira formal, pois os discentes já trazem consigo certos conteúdos, restando a escola aprimorar e fazer com que aprendam a se expressar, por meio da escrita, exer-citando assim o uso da gramática formal.

334 335

Diante disso, precisamos diagnosticar se os professores sondam os alunos para buscar compreender o motivo de tamanha discrepância entre o nível de aprendizagem real e o ideal que objetivamos. Os docentes, independentes da área de atuação, precisam unir forças, objetivos e planejar sempre maneiras de fazer com que a visão de leitura e de produção textual, como tarefas enfadonhas e chatas, seja vencida. É imprescindível que alunos e professores percebam que essas práticas fazem-se necessárias para um crescimento intelec-tual e para a melhoria da qualidade da linguagem oral e da qualidade da linguagem escrita.

Através da leitura é possível enriquecer cada vez mais o vocabulário. É de suma importância saber escrever correta-mente, por isso uma boa preparação se faz necessária desde os anos iniciais da Educação Básica até o Ensino Médio, já que com o passar do tempo esses processos devem se apri-morar cada vez mais.

A realidade encontrada nas salas de aula da Educação de Jovens e Adultos de Ensino Médio, em sua maioria em escolas públicas, em foco a Escola Estadual de Ensino Médio Senador Humberto Lucena, na cidade de Cacimba de Dentro – Paraíba, deve ser refletida, buscando-se com-preender como esses alunos chegam à escola em tal situação, analisando quais os fatores que contribuem para que essa situação se agrave cada vez mais, não tentando encontrar culpados e sim sanar as dificuldades diagnosticadas. Se o sis-tema, os alunos ou os próprios professores não buscarem mudar esse quadro não teremos nem noção de como estará a educação daqui a alguns anos.

Talvez um ponto de partida seja vencer a barreira e os conceitos construídos em torno da responsabilidade de desenvolver as habilidades de leitura e escrita, como papel atribuído apenas aos professores de Língua Portuguesa. Por isso, não tiramos a responsabilidade que em sua maioria lhes pertence, mas lembrando de que os demais profissionais dos outros componentes curriculares como Matemática, Geografia, História, enfim, de todos os envolvidos no pro-cesso da aprendizagem também dependem das habilidades interpretativas e do domínio da escrita formal dos alunos, também têm a responsabilidade de trabalhar essas práticas em todas as áreas de atuação docente.

Se o aluno não conseguir ler, interpretar ou compreen-der os enunciados tão pouco conseguirá resolver as questões. Sabemos bem que essa é a realidade encontrada em sala, onde o professor tem que ler e interpretar os enunciados para que os alunos possam responder os mesmos.

Devemos despertar nos alunos da Educação de Jovens e Adultos um interesse maior pelo que leem, dando-lhes importância e valorizando seus conhecimentos prévios para instigá-los a buscar e construir conhecimentos, aperfeiço-ando assim a oralidade, evitando os vícios de linguagem que interferem na escrita do aluno. É notório que há alunos que chegam ao Ensino Médio escrevendo da mesma forma que falam, ou seja, de maneira informal. Sabemos que a orali-dade é livre, porém a escrita requer o conhecimento e o domínio de certas regras gramaticais.

O exercício da leitura é fundamental para que o aluno possa desempenhar a habilidade da escrita correta, já que

336 337

por meio de leituras realizadas o aluno além de conhecer novas palavras irá ampliar seus conhecimentos em diversos temas.

A prática de ler aperfeiçoa a escrita e eleva a compre-ensão e interpretação. Com isso, as práticas de leituras e da produção textual desenvolvidas em sala de aula em todos os componentes curriculares devem ser um processo contex-tualizado, significativo para o aluno, dinâmico, ativo e, sobre-tudo, prazeroso, priorizando a formação de um leitor crítico e de um escritor competente.

Há um desinteresse por muitos alunos pelos atos de ler e escrever e, muitas vezes, essas práticas em sala de aula se dão como atos mecânicos de reproduções e isso tem dificultado a aprendizagem dos alunos. Diante dessa situação, cabe ao educador em sala de aula possibilitar interações flexíveis para que o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita tenha sentido significativo na vida do aluno, visando a um melhor desempenho na vida estudantil e profissional.

Uma reflexão sobre a importância da leitura e escrita de forma interdisciplinar para jovens e adultos

As práticas da leitura e da escrita se fazem presentes em nossas vidas desde o momento que começamos a compre-ender o mundo a nossa volta. No constante desejo de deci-frar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, de perceber o mundo sobre diversas perspectivas, de relacionar a realidade ficcional com a qual vivemos, no contato com um livro, na necessidade cotidiana de escrever um endereço,

número de telefone, uma receita, enfim, em todos os casos, estamos de certa forma em contato com a leitura e a escrita, embora, muitas vezes, não nos demos conta.

Desse modo, a leitura e a escrita se configuram como pode-rosos e essenciais instrumentos libertários para uma socializa-ção e pleno exercício de cidadania, possibilitando que o aluno jovem e adulto exerça seu papel de cidadão na sociedade atual. Visto que os alunos da Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio, não tiveram acesso à educação durante a infância ou na adolescência, torna-se prioridade desenvolver práticas pedagógicas que favoreçam a apropriação e o desen-volvimento dessas habilidades nessa modalidade de ensino, visando a uma aprendizagem significativa e interdisciplinar.

Por meio de tudo isso, é notório que a inquietação e as discussões sobre as dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita que se submergem desde a Alfabetização até o Ensino Médio, venham aumentando gradualmente nos últi-mos anos. A sociedade está em constante transformação e com isso requer a capacidade de adaptação aos novos desafios e avanços tecnológicos. Devido a isso, é possível observar que os processos de escolarização vêm enfrentando inúmeras difi-culdades do ponto de vista do ensino e aprendizagem, sendo possível constatar tal afirmação por meio do ingresso dos alunos na Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio, uma vez que alunos apresentam pouca familiaridade com esses processos que se configuram como um instrumento fundamental para seu desenvolvimento intelectual.

Assim, o EJA deve ter um olhar interdisciplinar nessas prá-ticas em todos os componentes curriculares, possibilitando o

338 339

desenvolvimento de suas potencialidades numa visão empre-endedora e transformadora, atendendo as especificidades do educando e garantindo a elaboração de atividades pedagó-gicas para sanar as limitações apresentadas no processo de ensino e aprendizagem, a fim de desenvolver competências e habilidades em tais processos de forma crítica. Para isso é preciso que os alunos compreendam a leitura de forma con-textualizada para produzirem textos claros e coerentes.

No entanto, os discentes jovens e adultos nessa modali-dade de ensino precisam entender que ler e escrever envol-vem compromisso e, sobretudo, prática, focando não apenas o componente curricular de Língua Portuguesa, mas todos os outros. Os professores devem buscar ações pedagógicas que despertem esse compromisso e interesse, procurando desenvolver propostas instigadoras, partindo de ações que visem proporcionar um amplo progresso dos alunos, ins-tigando o prazer e o hábito pela leitura e escrita, em que se faz necessário implementar propostas metodológicas que proporcionem o acesso e a permanência desses alunos na escola oportunizando uma educação de qualidade. Assim, aproximamo-nos de Lerner, quando diz que:

Ler é entrar em outros mundos possí-veis. É indagar a realidade para compre-endê-la melhor, é se distanciar do texto e assumir uma postura crítica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita (LERNER 2008, p.73).

Portanto, é por meio da leitura que surgem novas fontes de liberdade enquanto cidadãos que vivem em uma socie-dade letrada e que exige, cada vez mais, conhecimentos e opiniões críticas para alcançar a cidadania plena no mundo da escrita.

Segundo Schopenhauer:

A leitura impõe ao espírito pensamen-tos que, em relação ao direcionamento e à disposição dele naquele momento, são tão estranhos e heterogêneos quanto é o selo em relação ao lacre sobre o qual imprime sua marca. Desse modo, o espí-rito sofre uma imposição completa do exterior para pensar, naquele instante uma coisa ou outra, isto é, para pensar determinados assuntos aos quais ele não tinha na verdade nenhuma propensão ou disposição (SCHOPENHAUER, 2007, p.40).

Acredita-se que um bom leitor é capaz de se posicionar com conhecimento e propriedade diante de situações sociais, pessoais e educacionais, como Schopenhauer mencionou é a leitura que direciona e impõe suas marcas fazendo com que o sujeito pare e pense em determinados assuntos sendo analítico e crítico de maneira a compreender informações mais elabo-radas e construir novos conhecimentos, pautados na interdis-ciplinaridade, salientando que compete ao educador mediar e orientar discussões a partir de aprofundamentos consistentes.

340 341

A prática da leitura e da escrita na modalidade (EJA) do Ensino Médio

Sabemos que aprender a ler e a escrever é apropriar-se das práticas sociais de leitura e escrita que envolvem tanto o domínio oral e ortográfico como o ato de compreen-são da língua escrita no processo de ensino e aprendizagem, interligadas a dimensões linguísticas, cognitivas e culturais na aquisição de produções e análises textuais. Tais práticas obje-tivam efetivar o processo de letramento numa perspectiva de atender a necessidades comunicacionais contemporâneas.

Pois segundo Passarelli:

A leitura e a escrita antes de ser objeto escolar, é um objeto social. A tarefa da escola é levar o aluno a perceber o sig-nificado funcional do uso da escrita e da leitura, proporcionando-lhe o con-tato com as várias maneiras como ela é veiculada na sociedade. Daí a relevância de aproximar os usos escolares da lín-gua escrita com o aspecto comunica-tivo dentro e fora do contexto escolar (PASSARELLI, 2001, p.19 – 20).

No cotidiano escolar e, em especial, no Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos, a prática da leitura e con-sequentemente da escrita devem ser prazerosas e não obri-gatórias, concretizando o hábito e gosto de leitura para além dos muros da escola. Para tal, é necessário buscar alternativas

que os preparem integralmente, ultrapassando uma visão assistencialista que ainda predomina em algumas escolas, entre professor e aluno na sala de aula.

O conhecimento construído pelos educandos do EJA, no Ensino Médio, parte do envolvimento entre os professo-res, alunos e conteúdos de ensino de forma interdisciplinar, articulado na sua prática no fazer pedagógico, tendo em vista que só há ensino quando acontece aprendizagem. Como afirma Paulo Freire (1998, p.52) “Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção”.

Uma vez que ensinar é algo dinâmico e construtivo, não se pode fazer do aluno, jovem ou adulto um ser passivo na assimilação de conteúdos, mas traduzir o saber científico numa linguagem acessível, que permita a sua apreensão e compreensão, na reorganização dos conhecimentos, arti-culando a prática do diálogo no ato de ensinar e apren-der perante os mecanismos próprios da linguagem escrita, sabendo que a linguagem verbal necessita de situações peda-gógicas específicas, para não se restringir ao mero domínio do código.

Hoje, o papel do educador deve ser de articular o aluno, provocando-o, levando-o a refletir e a interagir dentro do contexto escolar em sala de aula, a partir da contextuali-zação dos conteúdos, na construção de conhecimentos de forma autônoma, ou seja, a ter consciência em formar iden-tidades, visto que exige muito esforço nesse processo de aprendizagem.

342 343

É fundamental que o docente incentive a prática da lei-tura e da escrita em todos os componentes curriculares, que conduz ao saber sistemático, a partir de textos ou temáticas que tenham significados para o aluno. Assim motivará uma interação com o contexto trabalhado. Viabilizar a partici-pação ativa dos alunos, para possibilitar produções textuais coesas e que lhes permitam um constante conhecimento no conviver com as práticas reais da leitura e da escrita, e desen-volver assim suas potencialidades para ter acesso a novos conteúdos nas diversas áreas de aprendizagem.

Para isso, cabe aos educadores criar novas metodologias de ensino e se apropriarem de concepções sobre a prática dialógica, caracterizada pelo respeito à diversidade para que o aluno sinta-se estimulado para a leitura. Freire (2000, p.33) nos coloca que “ensinar é substantivamente formar”.

Portanto, o processo educativo da leitura e da escrita torna o aluno alfabetizado e letrado, privilegiando con-dições satisfatórias perante aquele aluno precariamente escolarizado. Nesse sentido, é fundamental que o professor desenvolva com mais habilidade as atividades escolares em classe e extraclasse como relevantes no processo de aprendi-zagem, buscando desenvolver no aluno jovem ou adulto suas potencialidades criativas.

Com isso, a interação do professor e aluno deve criar situação de comunicação entre os alunos com um propó-sito educativo, primeiramente conhecendo-os, para melhor compreendê-los e assegurar-lhes a oportunidade de atingir níveis adequados de aprendizagem, sanando assim as dificul-dades em sala de aula. Isso, a partir do diálogo, fonte de resgate das experiências de vidas e dos conhecimentos construídos

na sua vida estudantil, para que a prática pedagógica tenha como base o nível de conhecimento do educando, partindo daquilo que FREIRE destaca:

O bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimi-dade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, sur-preendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas (FREIRE, 1996, p.96).

Diante disso, constatamos a importância do educador planejar uma aula dinâmica que de fato promova a aprendi-zagem e a apropriação do conhecimento pelos seus alunos construindo estratégias de leituras que elevem a imaginação do aluno. Isto oportuniza situações de produções de textos, favorecendo a língua escrita nas propostas de redações.

O livro didático no ensino médio na modalidade EJA

Sabemos que o livro didático é mais uma ferramenta que influencia diretamente no processo de ensino e apren-dizagem do aluno, que amplia o trabalho em classe e extra-classe, envolvendo mais o aluno no processo de integração de conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais, criando assim as condições necessárias para facilitar a sua aprendizagem.

344 345

Contudo, faz-se necessário elaborar materiais que con-templem todos os componentes curriculares, através do uso da língua, a partir da compreensão e da reflexão sobre a construção do conhecimento dos educandos.

Com a falta de material didático para a Educação de Jovens e Adultos –no Ensino Médio, faz-se necessário traba-lhar com os livros do Ensino Médio Regular, adaptando-os para a proposta curricular do Ensino Médio da EJA, uma vez que o material didático da Educação Básica Regular é inadequado para o alunado da Educação de Jovens e Adultos, pelo fato desses alunos terem experiência de mundo dife-renciada e por virem de um árduo dia de trabalho, chegando, muitas vezes, cansados à sala de aula.

Nesse sentido, a elaboração do material didático, em especial o livro didático, deve se adequar à realidade do EJA do Ensino Médio, a partir de um aprofundamento teórico e metodológico. Com isso ofertará aos jovens e adultos uma formação técnica que articule e integre os conhecimentos que os levem a aprender, relacionando à prática do cotidiano ao ver e ao fazer. Ou seja, a abordagem de linguagem deve estar adequada à realidade de sala de aula desses jovens e adultos. Como afirma Romanatto:

... o livro didático ainda tem uma pre-sença marcante em sala de aula e, mui-tas vezes, como substituto do professor quando deveria ser mais um dos elemen-tos de apoio ao trabalho docente. ...os conteúdos e métodos utilizados pelo professor em sala de aula estariam na

dependência dos conteúdos e métodos propostos pelo livro didático adotado. Muitos fatores têm contribuído para que o livro didático tenha esse papel de protagonista na sala de aula. ...um livro que promete tudo pronto, tudo deta-lhado, bastando mandar o aluno abrir a página e fazer exercícios, é uma atra-ção irresistível. O livro didático não é um mero instrumento como qualquer outro em sala de aula e também não está desaparecendo diante dos moder-nos meios de comunicação. O que se questiona é a sua qualidade. Claro que existem as exceções (ROMANATTO, 1987, p.85).

Os alunos da Educação de Jovens e Adultos trazem con-sigo um histórico escolar permeado por desistências e em muitos casos fracassos e insucessos. Diante disso, a escola precisa cumprir, de maneira satisfatória, sua função de pre-parar jovens e adultos para o exercício da cidadania, rees-truturando seu currículo; identificando formas de manter o aluno no espaço escolar; utilizando um material didático que estimule a curiosidade e sua atitude reflexiva, crítica e acima de tudo levando o aluno a refletir sobre suas origens, sua vida, seu futuro.

Trabalhar a língua portuguesa não é algo mecânico, é subsidiar uma prática transformadora, levando-os a interpre-tações mais reflexivas e críticas, transformando a oralidade em escrito e vice-versa.

346 347

Assim, não podemos contar com um livro didático que subsidie essas necessidades, em virtude de que os poucos livros didáticos propostos à Educação de Jovens e Adultos em sua maioria são destinados ao Ensino Fundamental. Contudo, o livro didático é um dos instrumentos na prática pedagógica do professor, consulta e estudo do aluno a fim de articular e desenvolver competências e habilidades básicas de conhecimento textual, discursivo e gramatical a partir de pesquisa e estratégias diversas. Soares acrescenta que:

Há o papel ideal e o papel real. O papel ideal seria que o livro didático fosse apenas um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele. Na verdade isso dificil-mente se concretiza, não por culpa do professor, mas de novo vou insistir, por culpa das condições de trabalho que o professor tem hoje. Um professor hoje nesse país, para ele minimamente sobre-viver, ele tem que dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, frequentemente, até a noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem tempo de se atualizar. A con-sequência é que ele se apoia muito no livro didático. Idealmente, o livro didá-tico devia ser apenas um suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do profes-sor no seu ensino (SOARES, 2002, p.2).

É preciso entender que o educador ao trabalhar com o livro didático ou adequar à temática do livro didático à modalidade EJA deve ter consciência da necessidade de um trabalho diversificado, fazendo uso da criatividade, propi-ciar boas reflexões sobre a realidade de modo a contemplar projetos pedagógicos elaborados ampliando um leque de alternativas contendo informações teóricas e metodológicas capazes de lhes propiciar condições de ministrar um ensino de qualidade. Dessa forma, Schäffer (1998) destaca que: “O livro didático mantém-se como o recurso mais presente em sala de aula, quando não a própria aula, a voz principal do ensino” (SCHÄFFER, 1998, p.144).

Assim, faz-se necessária a discussão referente ao uso do livro didático na sala de aula, desde a sua seleção à explo-ração em sala de aula, visto que uma excelente aula deve ser planejada e replanejada constituindo como instrumento de apoio para o ensino e aprendizagem este instrumento, o livro didático, necessário ao acréscimo de práticas que melhorem a relação do público em foco com a prática de leitura e escrita.

Concepções do livro didático e a prática pedagógica do professor de português

É importante ressaltar que a prática pedagógica, em sala de aula, não pode apenas ser vista através do livro didá-tico. Principalmente nas aulas de português, percebemos que o livro didático é uma das ferramentas que auxilia o professor de forma significativa no processo de ensino e

348 349

aprendizagem, mas requer um direcionamento estratégico atribuído aos autores e editores de livros didáticos na busca do atendimento às novas demandas das escolas, numa pers-pectiva sociointeracionista que não pode ser reduzida a uma mera transmissão de conhecimentos definidos. Os PCNs esclarecem que:

O ensino de língua portuguesa, hoje, busca desenvolver no aluno seu poten-cial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da memoriza-ção mecânica de regras gramaticais ou das características de determinado movi-mento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobi-lizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (BRASIL, 2002, p.55).

Nesse sentido, a construção do saber em Língua Portuguesa envolve uma consciência crítica pautada na diversidade tex-tual a partir da concepção significativa de linguagem, para atender os encaminhamentos sobre cada temática a ser traba-lhada. Contudo, a presença de um livro didático voltado para o Ensino Médio na modalidade EJA evidenciará uma apro-ximação do livro ao discente, proporcionando as pesquisas

necessárias e complementares, desmistificando, assim, um conhecimento limitado no decorrer da sua vida estudantil. É importante frisar que o conteúdo programático das discipli-nas específicas além de resumidos encontra-se defasado. No entanto, os professores necessitam adotar posturas de articu-lações entre o ensino e aprendizagem, que são processos que requerem compromissos, definições de objetivos e metas. É fundamental, também, que executem práticas pedagógicas inovadoras que agucem a curiosidade das turmas, para que haja a inter-relação necessária para o êxito na leitura, com-preensão, análise e produção. Verceze adverte que:

O ensino de língua deve iniciar no conhecimento intuitivo dos mecanis-mos da língua, ao mesmo tempo em que será usada para o domínio cons-ciente de uma língua que os alunos já têm interiorizado [...] Quero dizer que os professores devem estar sempre atentos aos resultados progressivos dos alunos nas suas produções escritas e que podem despertar neles reflexões sobre o uso da própria língua, mostrando--lhes que para cada situação de fala, a linguagem pode ser adequada às exi-gências sociais. Aos poucos, eles podem conhecer melhor a língua falada nativa e com isso saber discernir os vários usos da língua, e caminhar para a interiori-zação das estruturas da língua escrita (VERCEZE, 2005, p.143).

350 351

O processo de ensino e aprendizagem no Ensino Médio, especificamente na disciplina de Língua Portuguesa, envolve motivações externas e internas, numa abordagem da varia-ção linguística que nos deparamos nos livros didáticos. Portanto, devemos subsidiar situações que aproximem da realidade linguística dos alunos, a partir da contextualização visando, assim, à ampliação do vocabulário empírico sobre o científico.

Há alguns livros didáticos com conteúdos e textos que não atendem às necessidades e especificidades das escolas ou regiões. Nesse sentido, é preciso que se efetive um traba-lho pedagógico, com ênfase nas peculiaridades regionais em que o aluno está inserido, objetivar a interação do ensino--aprendizagem ao conhecimento ou visão de mundo, visto que, a não adequação dos livros didáticos dificulta a prática pedagógica do professor e consequentemente a aprendiza-gem dos alunos jovens e adultos. Gérard e Roegiers (1998, p.19) argumentam que o livro didático é “um instrumento impresso, intencionalmente estruturado para se inscrever num processo de aprendizagem, com o fim de lhe melhorar a eficácia”.

A aula, mediante a prática do professor em todas as áreas de conhecimento, deve ter um direcionamento interativo, superando o conteúdo do livro didático numa dimensão que apresente textos com gêneros textuais diversos e inter-disciplinares, ampliando o conhecimento prévio e cultural do aluno para a construção do conhecimento científico, levando-o a outras bibliografias que lhe possibilitem conso-lidar os conhecimentos.

A leitura e a escrita no espaço escolar da educação de jovens e adultos

O âmbito escolar deve ultrapassar as limitações do seu público alvo, principalmente quando nos referimos a contextualização entre os envolvidos no processo de aquisição do conhecimento. Sendo assim, faz-se neces-sário que o professor familiarize o aluno com o livro como parceiros, oportunizando-os ao vício da leitura e da escrita por meio de estratégia de ensino, sendo um meio pedagógico indispensável no processo de constru-ção do conhecimento.

Observamos que os alunos do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos, na sua maioria, não têm contato com os livros. No entanto, o professor precisa envolver a turma num elo de comunicação verbal estabelecida em sala de aula através de mídias, textos digitais, redes sociais e o livro sendo um aliado do professor é um recurso imprescindível para os alunos. Diante disso, as competências de leitura e de produ-ção textual devem ser instigadas no espaço escolar da EJA com apropriação nas mais diversas esferas comunicativas nas quais elas circulam.

O livro didático é uma das ferramentas que irá elevar o processo de compreensão textual desses alunos jovens e adultos dentro das instituições de ensino, num processo que ultrapasse a visão de apenas ler, mas compreender, anali-sar e discutir com argumentos coerentes e críticos e ainda desenvolver a habilidade da escrita. Precisamos oferecer ao alunado da EJA o domínio discursivo do mundo letrado

352 353

nas dimensões individual e social. Sobre essa complexidade Lucchesi diz que:

Um ensino eficaz de língua materna incorpora a bagagem cultural do aluno, promovendo uma ampla prática de leitura e produção de textos nas mais variadas situações de comunicação, desenvolvendo também sua capacidade de reconhecer os sentidos e valores ide-ológicos que a língua veicula em cada situação. Nesse ensino, é imprescindível promover a consciência acerca da diver-sidade linguística como reflexo ine-xorável da diversidade cultural. E esta formação cidadã para o respeito à dife-rença não entra em contradição com o ensino da norma culta, que deve per-manecer (LUCCHESI, 2011, p.184).

É importante ressaltar que a atuação e o planejamento do professor nessa prática são necessários para sanar as difi-culdades dos jovens e adultos e elevar a qualidade de ensino com propostas pedagógicas que estabeleçam interconexão com os gêneros literários, além de atividades propostas que propiciem a reflexão do aluno.

Para isso, faz necessário que o professor tenha um conhe-cimento dos livros que sejam trabalhados com os alunos ou gêneros pré-selecionados, para que esses sujeitos pos-sam ampliar os seus níveis de leitura e escrita como leitor e

escritor experientes e letrados, evidenciando domínios dis-cursivos e, como foco, a utilização da leitura para trabalhar os diversos componentes curriculares. Santos e Carneiro fazem ênfase quando argumentam que:

O livro didático assume essencialmente três grandes funções: de informação, de estruturação e organização da aprendi-zagem e, finalmente, a função de guia do aluno no processo de apreensão do mundo exterior. Deste modo, a última função depende de o livro permitir que aconteça uma interação da experiência do aluno e atividades que instiguem o estudante desenvolver seu próprio conhecimento, ou ao contrário, induzi--lo à repetições ou imitações do real. Entretanto o professor deve estar pre-parado para fazer uma análise crítica e julgar os méritos do livro que utiliza ou pretende utilizar, assim como para introduzir as devidas correções e/ou adaptações que achar convenientes e necessárias (SANTOS; CARNEIRO 2006, p.206).

Percebemos que o uso do livro didático na prática de leitura e principalmente na produção de textos pode se constituir como um recurso de apoio, pautado em propostas interativas língua/linguagem, de modo que o professor sis-tematize a linguagem interiorizada pelo aluno a atender suas

354 355

especificidades. Ou seja, ir além de responder questões em exercícios propostos e priorizar uma prática verbal e não--verbal que motive a articulação entre as várias abordagens da linguagem escrita e oral.

Em suma, enquanto educadores, devemos nos preocupar em exercer um trabalho eficiente na construção de conheci-mentos em todos os componentes curriculares, tendo como eixo central as situações efetivas no saber fazer na leitura, produção de texto e análise linguística.

Considerações finais

A prática interdisciplinar da leitura e da escrita deve-se concretizar mediante os eixos temáticos trabalhados em sala de aula através de projetos ou não. A principal caracterís-tica dessa prática é a interatividade que deve acontecer no âmbito escolar entre os docentes e equipe pedagógica. O professor, além de trabalhar a comunicação por meio da lei-tura entre os diferentes gêneros textuais, necessita promover indicadores para determinar quais práticas condicionam o domínio da escrita.

A escrita traz significativas mudanças na interação entre o escritor e o leitor ou vice-versa, como também entre o escritor e o texto e o texto e o leitor. Dessa forma, o edu-cador do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos - precisa articular o ensino de modo que fortaleça o processo de ensino e aprendizagem, por meio de encaminhamen-tos e monitoramentos interdisciplinares apropriando-se de novas práticas a exemplos os hipertextos configurados no

mundo digital, onde o nosso aluno faz uso dessa ferramenta constantemente.

É fundamental que as práticas da leitura e da escrita sejam estimuladas desde a educação infantil para que o aluno crie esse gosto de ler e de escrever, mesmo numa linguagem não-verbal. Enfatizamos que ler e escrever são imprescin-díveis e que precisam ter continuidade em todas as fases de ensino no decorrer da vida estudantil (ensino fundamental e médio) com a finalidade de construir de forma interdiscipli-nar novas informações desenvolvendo o processo cognitivo, sugerindo novas práticas de leitura e de escrita mediante o mundo letrado.

Como não há um livro didático específico que vise, sobretudo, a um conteúdo voltado para este público especí-fico da educação de jovens e adultos, afirmamos ser funda-mental a produção de um livro que vise atingir o nível destes discentes, como instrumento que venha contribuir funda-mentalmente numa excelente formação pautada, sobretudo, na diversidade cultural. Em sala de aula, o livro didático é fundamental para que o professor possa desenvolver práti-cas interdisciplinares no seu trabalho docente. O professor deve tratá-lo não como manual ou única ferramenta para sua prática de ensino, mas sim como mais um instrumento pedagógico necessário à formação de bons leitores e bons escritores.

Foi constatado por meio da pesquisa que a falta do livro didático destinado aos alunos do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos na Escola Estadual de Ensino Médio Senador Humberto Lucena, dificulta nas práticas

356 357

pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, sendo um grande desafio enfrentado pelos educadores adaptar os livros do ensino médio regular ao público da EJA, já que as realidades são distintas, tendo em vista que os alunos jovens e adultos têm necessidades específicas de aprendizagem que devem constar no livro didático.

Nesse sentido, o livro didático seria mais um recurso para as turmas de Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio que instrumentalizaria com práticas interdisciplina-res no que tange perante uma aprendizagem significativa. A falta deste material causa transtornos na aprendizagem desse público-alvo, principalmente nas práticas da leitura e da escrita, que em muitos casos o aluno tem que escrever as temáticas trabalhadas pelo professor. Salientamos que esse aluno jovem e adulto já vem cansado de um dia de trabalho e não é qualquer estratégia de ensino que o tornará menos enfadonho e desmotivado.

Assim, a falta do livro didático no Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos gera grandes problemas para aqueles que usufruem e necessitam desta modalidade de ensino, onde o livro didático é um recurso necessário em sala de aula para o desenvolvimento do saber deste aluno, não deve ser visto como um único recurso, mas como um auxílio no processo de ensino e aprendizagem entre profes-sor e aluno.

A metodologia de ensino no livro didático deve contem-plar vários eixos temáticos através das sugestões de leitura e de produção escrita por meio de pesquisas, fichamen-tos, seminários, análises, debates, entre outras propostas de

trabalho que o professor pode utilizar em sala para dinami-zar suas aulas. A nosso ver, os alunos da Educação de Jovens e Adultos necessitam de práticas de leitura e de escrita pau-tadas numa interdisciplinaridade que vise, sobretudo, aper-feiçoar e reconstruir de forma crítica seus conhecimentos empíricos.

Referências

BALTAR, Marcos Antônio Rocha and  COSTA, Denise Ribas da. Gênero textual exposição oral na educação de jovens e adultos. Rev. bras. linguist. apl. [online]. [s/l].

BAZI, Gisele A. do patrocínio. As dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita e suas relações com a ansiedade. Disponível em: > http://www.edu-cacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-leituras/Trabalhos-academicos/As-dificuldades-de-aprendizagem-em-leitura-e-escrita....pdf < Acesso em: 26 nov. 2013.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMT, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

358 359

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencon-tro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 29. ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2000.

GÉRARD, F.; M, ROEGIERS, X. Concevoir et évaluer des manuels scolaires. Bruxelas. De Boeck-Wesmail. Tradução Portuguesa de Júlia Ferreira e de Helena Peralta. Porto: 1998.

LAJOLO, M. Livro didático: um (quase) manual de usuário. In: Em Aberto, ano 16, n. 69, jan./mar., 1996.

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o pos-sível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

LUCCHESI, Dante. Ciências ou dogma? O caso do livro do MEC e o ensino de língua portuguesa no Brasil. Revista Letras, n.83. Curitiba, 2011.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Reflexões acerca da organi-zação curricular e das práticas pedagógicas na EJA. Educ.

rev. [online]. 2007, n.29, p.83-100. ISSN 0104-4060. Disponível em: >  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-40602007000100007 < Acesso em: 16 nov. 2013. 

PASSARELLI, Lílian Ghiuro. Ensinando a escrita: o processual e o lúdico. São Paulo, SP: Olho d’Água, 2001.

PICANÇO, Zilda Ferreira; PEREIRA, Francisca Elisa de Lima. A importância da leitura e sua aplicação no ambiente escolar da educação de jovens e adultos. Disponível em: > http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/tcc_aimportancia.pdf > Acesso em: 24 nov. 2013.

ROMANATTO, Mauro Carlos. O livro didático: alcan-ces e limites. Disponível em: < http //www.ebmpaulista.org.br/epem/anais/mesas_redondas/mr19-Mauro.doc.> Acesso em: 18 dez. 2013.

SCHÄFFER, N. O. O livro didático e o desempenho pedagógico: anotações de apoio à escolha do livro didá-tico. In: CASTROGIOVANNI, A. C.; CALLAI, H. C.; SCHÄFFER, N. O., et al.| Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Tradução e Organização de Pedro Süssekind. Porto Alegre/RS: L&PM POCKET, 2007.

360

SOARES, M. B. Novas práticas de leitura e escrita: letra-mento na Cibercultura. Educação e Sociedade. 2002.

VALOMIN, Cleuza do Rocio. O processo de apro-priação da leitura e escrita na Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: > http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1743-8.pdf < Acesso em: 19 nov. 2013.

VERCEZE. R. M. N. Letramento e alfabetização: dois processos indissociáveis. Guajará-Mirim: UNIR: CEPLA, 2005.

4LETRAS, ARTES E EDUCAÇÃO FÍSICA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA CONTEMPORÂNEA

363

LEITURA E ESCRITA: o lugar do texto literário

em sala de aula

Maria Lourdes Andrade Silva1

Maria Fernandes de Andrade Praxedes2

Introdução

A leitura e a escrita são atividades que propiciam o desenvolvimento humano. O quadro atual do ensino e da aprendizagem dos processos de leitura e de escrita na escola mostram enormes lacunas no que tange ao desenvolvi-mento dessas habilidades pelos indivíduos. Os alunos apre-sentam muitas deficiências quanto à sua formação leitora, e escritora.

Uma possibilidade de compreensão dessa problemática refere-se à forma de abordagem do ensino de leitura e de

1 Professora da Rede Estadual de Ensino do Estado da Paraíba –PB.2 Professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

364 365

escrita que vem sendo desenvolvida nas salas de aula, em que o texto serve apenas como pretexto para o ensino de outras questões, como ensinar regras gramaticais. Além disso, o tra-balho realizado pelo professor parece descontextualizado e sem sentido para o aluno, pois não colabora muito com a sua formação crítica, visto que o aluno não ler para analisar e desenvolver sua crítica.

A leitura não deve ser compreendida simplesmente como processo de decodificação de textos escritos, mas especialmente como processo de interação no qual o lei-tor tenta construir uma compreensão do texto lido. Aliás, a linguagem, de modo geral, é tratada sob uma perspectiva interacionista.

Com essa concepção do processo de leitura como interação, o presente trabalho tenta possibilitar algumas reflexões sobre a temática com enfoque no uso do texto literário na perspectiva do letramento literário, abordado nos PCNs. Além disso, busca entender melhor o processo de escolarização da leitura e da escrita e apontar algumas possibilidades de trabalho com a literatura no cotidiano escolar.

Leitura e escrita: aspectos teórico-práticos

Há uma necessidade na área da Educação, em especial no que tange ao ensino de língua portuguesa, de se discutir con-ceitos que possam orientar o trabalho com leitura e escrita no intuito de auxiliar os profissionais dessa área no seu fazer pedagógico, sobretudo naquilo que se refere aos objetivos de

se desenvolver uma competência comunicativa nos alunos e de formar leitores competentes. Nesse sentido, a leitura é um ato de conhecimento e seus benefícios são claramente perceptíveis para o indivíduo que lê. Para Orlandi:

Atribui-se à leitura um valor posi-tivo absoluto: ela traria benefícios óbvios e indiscutíveis ao indivíduo e à sociedade – forma de lazer e de prazer, de aquisição de conhecimen-tos e de enriquecimento cultural, de ampliação das condições de convívio social e de interação. (ORLANDI et al, 2005, p.19).

Para a autora, o valor da leitura é positivo e traz benefí-cios de caráter social ao indivíduo que vão desde o prazer, ou leitura por fruição, até o aprimoramento das relações sociais, visto que essas relações estão intimamente ligadas às ideologias de um determinado grupo social.

Diante da necessidade de despertar esse prazer, a fim de formar bons leitores, a escola precisa rever suas práticas relacionadas ao trabalho com a leitura e a produção tex-tual, e todo o espaço de aprendizagem que proporciona aos seus alunos. Para isso, é imprescindível redimensionar alguns paradigmas vigentes no ambiente escolar e transformar o ato de ler e escrever em ações que visem a uma mudança significativa na formação do leitor.

366 367

Mas o que compreendemos por leitura? Sobre esse aspecto, Martins afirma que:

Falando em leitura, podemos ter em mente alguém lendo jornal, revista, folheto, mas o mais comum é pensar-mos em leitura de livros. E quando se diz que uma pessoa gosta de ler, “vive lendo”, talvez seja rato de biblioteca ou consumidor de romances, histórias em quadrinhos, fotonovelas. Se “passa em cima dos livros”, na certa estuda muito. Sem dúvida, o ato de ler é usualmente relacionado com a escrita, e o leitor visto como decodificador da letra. Bastará, porém decifrar palavras para acontecer a leitura? Como explicarmos as expres-sões de uso corrente “fazer leitura” de um gesto, de uma situação; “ler a mão”, “ler o olhar de alguém”; “ler o tempo”, “ler o espaço”, indicando que o ato de ler vai além da escrita? (MARTINS, 2012, p.7).

Para a autora, a concepção de leitura engloba vários modos de ler. Sua conceituação aponta para uma visão mais dinâmica e ampliada, como a de Paulo Freire, que afirma que “a leitura de mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”. (FREIRE apud MARTINS, 2012, p.10).

Em termos gerais, esse redimensionamento indigita para uma análise e reflexão acerca de alguns conceitos funda-mentais que permeiam toda a discussão proposta, como, por exemplo, as concepções de leitura, de escrita, de letramento (sem a qual não se pode falar em redimensionamento do ensino de linguagem), de gêneros textuais e de metodologia de ensino.

Numa perspectiva histórica, Martins afirma que a ativi-dade de ler assim como a de escrever eram formas de status social e atribuía um caráter de intelectualidade e bem-estar na pirâmide social:

Saber ler e escrever, já entre gregos e romanos, significava possuir as bases de uma educação adequada para a vida, educação essa que visava não só ao desenvolvimento das capacidades inte-lectuais e espirituais, como das apti-dões físicas, possibilitando ao cidadão integrar-se efetivamente à sociedade, no caso à classe dos senhores, dos homens livres (MARTINS, 2012, p.18).

A autora retoma o conceito de leitura e escrita enquanto ferramentas de poder e de mudança. Ressalte-se que essa maneira de pensar a leitura persiste ainda nos nossos dias. Conhecimento ainda é sinônimo de poder e, nesse sentido, atribui ao professor de linguagem uma obrigação ainda maior de fazer com que os alunos dominem eficazmente essas habilidades.

368 369

Segundo Leffa (1996) entendemos por leitura um pro-cesso que possibilita ao leitor uma interação com o texto, ambos interagindo entre si com o intuito de atingir o obje-tivo da compreensão textual. Desse modo, o autor afirma que:

Ler é um fenômeno que ocorre quando o leitor, que possui uma série de habilidades de alta sofisticação, entra em contato com o texto, essencialmente um segmento da realidade que se caracteriza por refle-tir um outro segmento. Trata-se de um processo extremamente complexo, com-posto de inúmeros sub-processos que se encadeiam de modo a estabelecer canais de comunicação por onde, em via dupla, passam inúmeras informações entre o lei-tor e o texto (LEFFA, 1996, p.24).

De acordo com a assertiva acima, o autor sugere que para uma compreensão mais global da leitura, deve-se deter à compreensão de partes menores, sem perder, evidentemente, o foco da compreensão integral do texto enquanto processo que estabelece um ato comunicativo entre o leitor e o texto.

Segundo Kato (1987), a leitura é compreendida como um processo que depende de vários fatores como a maturi-dade do leitor, a complexidade do texto, do objetivo da lei-tura, do conhecimento prévio acerca do assunto e do estilo próprio do leitor. A autora afirma que a leitura se configura como operação cognitiva entre o texto e o leitor que se conduzem em busca de uma compreensão textual.

Segundo Ecco (2010), o conceito de leitura aponta para uma abordagem mais reflexiva e crítica desenvolvendo habilidades fundamentais para o exercício da autonomia do indivíduo enquanto ser social:

O ato de ler é um exercício de inda-gação, de reflexão crítica, de entendi-mento, de captação de símbolos e sinais, de mensagens, de conteúdo, de informa-ções... É um exercício de intercâmbio, uma vez que possibilita relações intelec-tuais e potencializa outras. Permite-nos a formação dos nossos próprios concei-tos, explicações e entendimentos sobre realidades, elementos e/ou fenômenos com os quais defrontamo-nos (ECCO, 2010, p.38).

Para o autor, mais que mera decodificação e produção de sentidos, a leitura se configura como verdadeiro exercício que mobiliza diversos conhecimentos do aluno e engloba tantos outros, possibilitando com isso uma autonomia lei-tora do sujeito.

Os “conhecimentos de textos”, por sua vez, são defini-dos da seguinte maneira por Koch e Elias:

Para a atividade escrita, o produtor pre-cisa ativar “modelos” que possui sobre práticas comunicativas configuradas em textos, levando em conta elementos que

370 371

entram em sua composição (modo de organização), além de aspectos do con-teúdo, estilo, função e suporte de veicu-lação (KOCH; ELIAS, 2012, p.43).

O conhecimento de texto remete aos modelos como os textos são produzidos em situações práticas de comunicação, considerando-se a forma e outras características peculiares a cada texto.

Por fim, Koch & Elias (2012, p.44) falam dos “conheci-mentos interacionais” “Além dos conhecimentos descritos, a escrita demanda ativação de modelos cognitivos que o pro-dutor possui sobre práticas interacionais diversas, histórica e culturalmente constituídas”.

Nestes termos, esse conhecimento possibilita, por exem-plo, ao leitor organizar sua escrita e sua fala em situações práticas de comunicação, permitindo-lhe o conhecimento necessário sobre o objetivo do texto.

Assim, a leitura se constitui um processo de interação entre autor-leitor-obra, onde os espaços são preenchidos pelos diversos conhecimentos do leitor num contínuo pro-cesso de interação e construção de sentidos. Ela não ocorre aos “pedaços” nem restritamente com enfoque em letras ou em palavras, mas se organiza como processo amplo de com-preensão, com o intuito de fazer comprovar aquelas suposi-ções anteriores à leitura.

A leitura à luz dos PCNs

A necessidade de se trabalhar a leitura com os alunos na escola é um fato há muito constatado. Passou-se assim a defender a finalidade não somente de se ensinar a ler, mas em especial de formar alunos leitores e, com certeza, formar também escritores competentes. Uma vez que a leitura é a base para que se escreva bem.

Em relação à conceitualização de leitura, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p.40) afirmam que “o traba-lho com a leitura tem como finalidade a formação de leito-res competentes”.

Na medida em que fala em “trabalho com a leitura”, pode-se deduzir que esta se configura como processo que envolve não apenas a postura do leitor, mas uma série de outros fatores. E, nestes termos, é um ato coletivo, e não pura e simplesmente individual. Mesmo porque, no contexto da sala de aula, o professor, o aluno e o autor, entrelaçados pelo texto, atuam em conjunto na busca pela construção de um sentido e da compreensão do texto.

Destaque-se ainda que os PCNs defendem a ideia de que a leitura é:

[...] um processo no qual o leitor rea-liza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir de seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto [...] não se trata simplesmente de extrair informações da escrita, deco-dificando letra por letra, palavra por

372 373

palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão (BRASIL, 1998, p.41).

Nesse sentido, a leitura é encarada como um processo, uma construção, gradativa, por etapas, de um significado do texto, tendo como ator maior, o leitor. Os PCNs (1998) afirmam que a decodificação é englobada num conceito primário de leitura, e se configura como um procedimento prévio que o aluno se utiliza ao ler para em seguida se dedi-car a processos mais amplos e complexos na busca pela com-preensão textual.

Dessa forma, para os PCNs, em conformidade com as outras concepções aqui expostas, a leitura se concretiza como processo de interação, haja vista englobar uma série de “sujeitos” e processos que agindo entre si, acabam por construírem um sentido para o texto.

O leitor é a figura central que realiza uma ação sobre o texto, mobilizando inúmeros conhecimentos que dispõe, e não apenas extraindo informações do texto, mas especialmente compreendendo-o. Assim, a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto, a partir da ação desse sobre este.

Para os PCNs, documento orientador do ensino de lín-gua portuguesa, é tarefa fundamental da escola no trato com o ensino da leitura a formação de leitores competentes:

Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de sele-cionar, dentre os trechos que circu-lam socialmente, aqueles que podem

atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de forma a atender a essa necessidade. Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implí-citos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos (BRASIL, 1998 p. 41).

Dessa feita, um leitor competente compreende um aluno crítico e autônomo na realização de suas competên-cias comunicativas, que saiba utilizar as diversas formas de comunicação interacionistas exigidas pelas diversas esferas sociais. Assim, o objetivo quando se trabalha a leitura, na sala de aula, é, especialmente, formar leitores que sejam capazes de compreender e fazer suas intervenções diante de ques-tões sociais, políticas, culturais e econômicas.

A leitura e a escrita são consideradas fatores fundamen-tais enquanto ferramenta de comunicação e de firmação social. A leitura possibilita o acesso a informações, o que lhe consagra como ferramenta também de poder, pois através da construção do conhecimento de forma autônoma, o indi-víduo desenvolve uma postura reflexiva e crítica diante da sociedade na qual se insere.

374 375

A escrita ultrapassa a noção de código, pois lida com habilidades mais complexas que a simples mecanização ou aposição de símbolos gráficos. Nesse sentido, aqueles que preferem compreender a escrita do ponto de vista tradicio-nalista encaram também o ensino da escrita simplesmente como o trabalho para o desenvolvimento das capacidades ortográficas, sem maiores consequências na formação do aluno.

Refletindo sobre essa questão, Kramer lembra que:

O que faz de uma escrita uma experiên-cia é o fato de que tanto quem escreve quanto quem lê enraízam-se numa cor-rente, constituindo-se com ela, apren-dendo com o ato mesmo de escrever ou com a escrita do outro, formando--se. (...) A leitura e a escrita podem, à medida que se configuram como expe-riência, desempenhar importante papel na formação. Portanto, o ser humano necessita de uma educação escolar que lhe proporcione uma aprendizagem capaz de fazer com que o meio no qual está inserido seja transformado, entre o melhor entendimento de suas próprias ações e atitudes, as quais devem ser coe-rentes com a dignidade humana, acom-panhadas sempre da justiça e da boa interpretação das idéias e pensamentos de outros (KRAMER, 2003, p.66).

Para a autora, esse trabalho com a leitura e com a escrita, proporcionado pela escola, deve fornecer meios para que o indivíduo dentro do seu contexto social de existência e de comunicação aja como sujeito transformador, contribuindo para uma construção digna desse mesmo meio onde atua.

A escrita, assim, deve ser trabalhada na escola de modo que possibilite ao aluno desenvolver suas habilidades lin-guísticas e, ao mesmo tempo, as competências de aplica-bilidade dos recursos da língua e a organização das ideias, adequando essas habilidades e competências nas situações de comunicação escrita dos diversos gêneros textuais. Para isto, a atividade de produção textual não pode ser encarada de maneira descontextualizada e sem sentido para o aluno.

No que tange à produção de textos, Koch e Elias afir-mam que:

A produção textual é uma atividade verbal a serviço de fins sociais e, por-tanto, inserida em contextos mais com-plexos de atividades... trata-se de uma atividade consciente, criativa que com-preende estratégias concretas de ação e a escolha dos meios adequados à realiza-ção dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal (KOCH & ELIAS, 2012, p.32).

376 377

Desse modo, a autora explicita o caráter social da produ-ção textual, na medida em que declara o objetivo do texto como atividade a serviço de “fins sociais” e mais, ainda, aponta novos mecanismos nesse estudo da temática: o con-texto como estrutura mais complexa que envolve o texto e nele atua influenciando-o.

Apenas o contato com o texto não garante ao aluno adquirir uma habilidade de produção textual. É necessário sim que ele tenha contato com diversos gêneros discursivos, especialmente com a leitura de diferentes textos que servi-rão para uma multiplicidade de propósitos. Nesse sentido, acreditamos que o ensino de produção textual deve pautar--se numa perspectiva sociointeracionista da linguagem, na qual os alunos são convidados a usar a escrita em suas varia-das formas de interação dentro e fora da escola.

Os PCNs (1997) apontam alguns caminhos para o tra-balho com a leitura e a escrita dos alunos em sala de aula, destacando que tais atividades devem assumir um caráter dinâmico e ao mesmo tempo desafiador, chamando a aten-ção para que o professor trabalhe o objetivo da leitura de modo que fique claro aos alunos. Sobre esse trabalho com produção textual, os parâmetros apostam numa proposta cujo objetivo é formar escritores competentes:

Alguns procedimentos didáticos para implementar uma prática continuada de produção de textos na escola:

• oferecer textos escritos impressos de boa qualidade, por meio da leitura

(quando os alunos ainda não lêem com independência, isso se torna possível mediante leituras de textos realizadas pelo professor, o que precisa, também, ser uma prática continuada e fre-qüente). São esses textos que podem se converter em referências de escrita para os alunos;

• solicitar aos alunos que produzam tex-tos muito antes de saberem grafá-los. Ditar para o professor, para um colega que já saiba escrever ou para ser gra-vado em fita cassete é uma forma de viabilizar isso. Quando ainda não se sabe escrever, ouvir alguém lendo o texto que produziu é uma experiência importante;

• propor situações de produção de textos, em pequenos grupos, nas quais os alu-nos compartilhem as atividades, embora realizando diferentes tarefas: produzir propriamente, grafar e revisar [...];

• a conversa entre professor e alunos é, também, uma importante estratégia didática em se tratando da prática de produção de textos: ela permite, por exemplo, a explicitação das dificul-dades e a discussão de certas fantasias criadas pelas aparências [...] (BRASIL, 1997.p.49).

378 379

Trata-se de uma orientação para o trabalho com a pro-dução textual pautada num trabalho dinâmico e significa-tivo, com a utilização de variados textos e em situações de uso e reflexão da linguagem que os alunos utilizam em seu meio social.

Os gêneros textuais

A enorme variedade de gêneros textuais existentes é reflexo da nossa cultura, das nossas escolhas e das formas de como nos relacionarmos e nos comunicarmos, em termos gerais, da nossa interação em sociedade. Dentro da perspec-tiva do letramento, trabalhar com gêneros textuais exige uma postura mais dinâmica do professor e mais crítica em relação ao aluno quanto ao uso social da língua.

Para Koch e Elias (2012, p.54), os gêneros são “práticas comunicativas, de tão comuns, propiciam-nos a construção de um ‘modelo’” sobre o que são, como se definem, em que situação devemos produzi-las, a quem devem ser endereça-das, que conteúdo é esperado nessas produções e em que estilo fazê-lo. Para as autoras, o conceito de gêneros textuais relaciona-se com o uso prático da linguagem numa situação comunicativa.

No entanto, cabe destacar que o fato de o professor de língua portuguesa trazer para a aula uma vasta gama de gêneros textuais na escola não se constitui como método eficiente para uso e reflexão da linguagem. É necessário que ele vá mais além e oportunize exercícios de uso em situações comunicativas reais, de modo a atribuir sentido

a atividades que ganha uma nova dimensão aos olhos do aluno. De acordo com o pensamento de Bakhtin:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relaciona-das com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana [...]. o enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu estilo ver-bal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas tam-bém, e sobretudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 1992, p.85).

Para o autor, os gêneros são formas de comunicação uti-lizadas nos mais variados setores da vida humana; por isso, a forma como se concretiza em uma situação dada de uso da linguagem, é também variada. Nesse sentido, tudo que produ-zimos em termos de linguagem se baseiam em formas estáveis de comunicação. A Essas formas, Bakhtin chamou de gêneros.

Numa perspectiva de letramento, o trabalho com tex-tos e a reflexão sobre os gêneros discursivos são atividades inseparáveis, pois toda forma de discurso se concretiza num gênero textual específico. Segundo Koch e Elias:

Na perspectiva bakhtiniana, um gênero pode ser assim caracterizado: * são tipos relativamente estáveis de enunciados

380 381

presentes em cada esfera de troca: os gêneros possuem forma e composição, um plano composicional; * além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo; * trata-se de entidades escolhidas, tendo em vista as esferas de necessidade temá-tica, o conjunto de participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do locutor, sujeito responsável por enun-ciados, unidades reais e concretas da comunicação verbal (KOCH; ELIAS, 2012, p.106).

Para as autoras, o conceito de gênero implica numa certa estabilidade quanto ao uso, quanto à sua forma composicio-nal, e ao estilo, por exemplo. Nesse sentido, as autoras defen-dem que todo gênero é marcado por sua esfera de atuação.

Para Schneuwly e Dolz (2004, p.74), os gêneros textuais são “instrumentos que fundam a possibilidade de comuni-cação”, compreendidos como uma espécie de modelo em que o usuário da língua se utiliza em seus processos inte-rativos de comunicação. Em sua vida diária, o indivíduo se depara com diversos tipos de situações de uso da linguagem e, nesse sentido, cada momento de uso da linguagem exige certas especificações orientadoras dos discursos, sejam oral ou escrito.

Segundo os autores supracitados, (2004, p.71), “o gênero é que é utilizado como meio de articulação entre as práti-cas sociais e os objetos escolares, mais particularmente no

domínio do ensino da produção de textos orais e escritos”. Assim é que se percebe o caráter dinâmico e de realização da linguagem no conceito de gênero. Segundo os estudio-sos, os gêneros encontram-se sob duas perspectivas: por um lado, sob a ótica da realização prática do ato de linguagem; do outro, como objeto de ensino abordado pela escola nas práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula.

Um dos objetivos do ensino de língua portuguesa para o ensino fundamental, abordados nos manuais dos PCNs (1997, p.33), refere-se à necessidade de o aluno conseguir compreender aqueles textos orais ou escritos que encon-tram em sua vida prática no meio social no qual está inse-rido: “compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de quem os produz”.

Nesse sentido, pode-se perceber que a orientação do documento norteador do ensino de língua portuguesa abrange não somente a capacidade de compreensão do texto quer seja ele oral ou escrito, mas também a intencionalidade de quem o produz ou a função comunicativa daquele texto.

Segundos os PCNs de Língua Portuguesa da primeira fase do Ensino fundamental:

Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem for-mas relativamente estáveis de enuncia-dos, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo temático,

382 383

estilo e construção composicional. Pode-se ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham algumas caracte-rísticas comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunica-tivo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado. Os gêneros são determinados historicamente. As intenções comunica-tivas, como parte das condições de pro-dução dos discursos, geram usos sociais que determinam os gêneros que darão forma aos textos. É por isso que, quando um texto começa com “era uma vez”, ninguém duvida de que está diante de um conto, porque todos conhecem tal gênero. Diante da expressão “senhoras e senhores”, a expectativa é ouvir um pro-nunciamento público ou uma apresenta-ção de espetáculo, pois sabe-se que nesses gêneros o texto, inequivocamente, tem essa fórmula inicial. Do mesmo modo, podem-se reconhecer outros gêneros como cartas, reportagens, anúncios, poe-mas, etc (BRASIL, 1997, p.23).

Para os PCNs, os gêneros textuais podem ser definidos enquanto fenômeno comunicativo, destacando ainda que eles se realizam em situações práticas de vida do aluno e, por isso, é extremamente relevante para que o professor possa redimensionar sua prática docente.

Cabe ao professor e à escola proporcionar atividades em sala de aula, onde o aluno entre em contato com a maior diversidade de textos que circulam socialmente. Além disso, deve fazer com que esse aluno reflita sobre o que lê. E isso só será possível através de metodologia de ensino que orienta a leitura, a interpretação e, sequentemente, a produção textual.

Nesse sentido, vale também o estudo de textos de outras disciplinas, o que possibilitaria uma maior interdisciplinari-dade na escola e o combate ao ensino em blocos estanques. Os PCNs de Língua Portuguesa defendem que:

Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos tex-tos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Isso inclui os textos das diferentes discipli-nas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com essa finalidade. Um exemplo: nas aulas de Língua Portuguesa, não se ensina a trabalhar com textos expositivos como os das áreas de História, Geografia e Ciências Naturais; e nessas aulas tam-bém não, pois considera-se que tra-balhar com textos é uma atividade específica da área de Língua Portuguesa. Em conseqüência, o aluno não se torna capaz de utilizar textos cuja finalidade seja compreender um conceito, apre-sentar uma informação nova, descrever

384 385

um problema, comparar diferentes pon-tos de vista, argumentar a favor ou con-tra uma determinada hipótese ou teoria. E essa capacidade, que permite o acesso à informação escrita com autonomia, é condição para o bom aprendizado, pois dela depende a possibilidade de aprender os diferentes conteúdos. Por isso, todas as disciplinas têm a respon-sabilidade de ensinar a utilizar os textos de que fazem uso, mas é a de Língua Portuguesa que deve tomar para si o papel de fazê-lo de modo mais sistemá-tico (BRASIL, 1997, p.26).

Diante disso, torna-se evidente a necessidade de o pro-fessor trabalhar com os gêneros textuais que circulam social-mente na realidade do seu alunado. Desse modo, dentro da perspectiva do letramento, seu trabalho ganha novos con-tornos mais dinâmicos, mais críticos e acima de tudo, mais significativos, na medida em que o ensino da língua ganha um enfoque mais dinâmico e mais significativo para o aluno.

Nessa perspectiva, o trabalho com gêneros está intrin-secamente relacionado à proposta de letramento, conforme Kleiman:

Gêneros que circulam nesses dois domínios - lar e escola - são fortes candidatos a elementos básicos, fun-damentais para a progressão curricular. Entretanto, mais do que usar a lógica

dos blocos fundamentais (básicos, pri-meiros) na construção de conhecimen-tos, no ensino visando à prática social interessa conceber princípios gerais para a organização do currículo, entendendo que as atividades de sala de aula, ao envolverem a interação entre professor e aluno(s), e entre aluno(s) e aluno(s) envolvem tal sorte de fatores de ordem social e pessoal que os resultados são imprevisíveis (KLEIMAN, 2007, p.11).

A autora aponta para a necessidade de se trabalhar na pro-posta de letramento através do uso dos gêneros nos espaços da escola e da comunidade na qual o aluno está inserido. Destaca, ainda, o fato de que esse estudo deve apontar para uma pers-pectiva de uso social dessa linguagem, fazendo com que o aluno reflita sobre os usos da língua que utiliza em seu con-texto de comunicação.

A importância dos estudos dos gêneros discursivos é reconhecida atualmente como crucial na aprendizagem dos mecanismos de comunicação utilizados pelo homem dentro de um contexto social de vida. Nesse sentido, esse trabalho com os gêneros textuais passa a nortear a aprendizagem e o ensino da língua, pois tem proporcionado o desenvolvi-mento de habilidades referentes a fatores linguísticos e dis-cursivos. Assim é que os PCNs (1998) passaram a orientar o ensino e a aprendizagem da leitura e da produção textual a partir da utilização desses gêneros textuais.

386 387

Gêneros e tipos textuais

Os tipos textuais (ou tipologias textuais) são fundamen-tais no estudo sobre os gêneros discursivos e sua análise e reflexão são essenciais para um trabalho eficiente de lei-tura e de produção escrita. Nesse sentido, os PCNs (1998) orientam que, ao se estudar o texto, deve-se levar em con-sideração sua função social, seu uso num contexto real de comunicação.

De modo distinto aos gêneros, os tipos textuais não pos-suem um sem-número de opções de realizações. Ao contrá-rio, seu número é limitado e possui características bastante específicas.

O estudo dos gêneros relaciona-se diretamente ao estudo da língua em sua aplicabilidade prática no nosso cotidiano e nas mais variadas situações. Desse modo, constituem fator essencial no processo de interação social e de comunicação realizada em sociedade. Para Marcuschi (2006), os gêneros são elementos culturais e nascem nas relações sociais de interação comunicativa. Ao contrário dos tipos textuais. Os gêneros são flexíveis, dinâmicos, sociais, interativos e vari-áveis, pois variam em conformidade com o uso da língua. Como exemplos, pode-se citar: carta, romance, bilhete, reportagem, telefonema, reuniões, jornal, horóscopo, receita, bula de remédio, lista de compras, cardápio, resenha, email, bate-papo por computador, conto, crônica, lenda, fábula, etc.

De uma forma objetiva, pode-se dizer que os gêneros dis-cursivos se referem a uma estrutura comunicativa concreta, uma vez que nasce de um contexto de comunicação; a tipo-logia textual, por sua vez, diz respeito às questões teóricas.

É importante também destacar a necessidade de o pro-fessor se apropriar desses conhecimentos para que sua prá-tica de ensino e o seu planejamento possam se tornar mais eficientes, dinâmicos e significativos, com aulas bastante diversificadas.

Em termos gerais, na escola, estamos exaustos de obser-var a frequência insistente do trabalho com os tipos “des-crição”, “narração” e “dissertação”, em que relacionamos o estudo de outros gêneros, causando, inclusive, grande dis-cussão quanto à terminologia, visto que os professores, mui-tos ainda, não sabem fazer a diferença entre um e outro, acabando por confundir seus conhecimentos e orientações sobre o assunto.

O gênero textual deve ser trabalhado no espaço escolar, na sala de aula, com o objetivo de oportunizar ao aluno o domínio de maior variedade de gêneros discursivos possí-vel, para que possa utilizar com eficiência em situações de comunicação do seu cotidiano.

A escola e o letramento literário

A escola é o espaço por excelência responsável pela alfa-betização dos alunos e, nesse sentido, a sociedade confia--lhe a responsabilidade de proporcionar a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades múltiplas nestes alunos.

Dentre essas habilidades, cabe-nos destacar aquelas que dizem respeito à formação de leitores, que tem se constituído grande desafio para a escola e para o professor. Considerar o aluno como leitor significa não somente que ele leia e

388 389

compreenda o que lê, mais que isso, é necessário que ele saiba fazer uso social dessa leitura dentro do contexto no qual ele está inserido.

Esse uso social de leitura nos remete ao aspecto do letra-mento, cuja proposta é exatamente o uso desses conheci-mentos em situações reais de utilização da linguagem.

Quando discutimos sobre leitura terminamos aden-trando em uma discussão sobre as propostas de letramento. Segundo Kleiman (2007, p.68), “o conceito de letramento surge como uma forma de explicar o impacto da escrita em todas as esferas de atividades e não somente nas atividades escolares”. E reafirma: “Letramento é um conceito criado para referir-se aos usos da língua escrita não somente na escola, mas em todo lugar. Porque a escrita está por todos os lados, fazendo parte da paisagem cotidiana”.

Para a autora, o conceito de leitura envolve a atuação também do indivíduo em sociedade, pois através da comu-nicação com o outro e com o mundo, esse indivíduo con-cretiza sua competência comunicativa.

A leitura requer certos saberes que ultrapassam os conhe-cimentos linguísticos. A função do professor como media-dor do processo de leitura e escrita é fundamental para o sucesso no desenvolvimento dessa habilidade nos alunos.

Sobre esse assunto, Oliveira afirma que:

É importante que os alunos entendam que o ato de escrever não é um ato linear e não ocorre de imediato. Todo escritor reflete sobre o que vai escrevendo e alerta seu texto constantemente. As rasuras que

o professor vê nas redações dos alunos são provas irrefutáveis de que eles estão refletindo sobre sua escrita e, por isso, devem ser vistas como lago positivo e não como algo que precisa ser passado a limpo [...] (OLIVEIRA, 2010, p.121).

Essa postura de mediador do ato de leitura e escrita desempenhada pelo professor exige, conforme se pode observar nas anotações do autor, uma nova postura diante dessa atividade quando realizada em sala de aula e sob a orientação do professor. Muito se tem confundido nessa tarefa escolar. Os alunos têm repetidas vezes seu texto rees-crito e quase sempre, sem saber o porquê.

Quando o assunto, porém, é a leitura do texto literá-rio, vale destacar algumas especificidades. Para Paulino, assim como para Soares (2005), da mesma forma que existe diver-sidade de textos, existe, em função desses textos, diversidade de leituras, de modos de ler. Não basta defendermos a pre-sença de diversos tipos e gêneros textuais na escola, se não levarmos em conta os diferentes modos de leitura, de acordo com determinadas especificidades do texto.

Refletindo sobre essa questão, Candido (2004) aborda a questão da literatura sob duas perspectivas diferentes: de um lado, afirmou que ela é uma necessidade humana e tem caráter universal e, por isso, deve ser satisfeita, uma vez que ela possui o objetivo fundamental de nos humanizar.

Por outro ângulo, o ator afirma que a literatura possui um caráter mais social, pois possibilita ao indivíduo visu-alizar certos acontecimentos de modo mais crítico. Nesse

390 391

sentido, possui uma perspectiva bastante comprometida com a função social do homem.

Desse modo, em seus estudos, Candido (2004) afirma que a literatura é um bem incompressível, considerando com isso que ela faz parte daqueles direitos inalienáveis e essenciais para a sobrevivência do homem, como o alimento, a saúde e outros. Em contraposição aos bens compressíveis que apesar de ser um direito do indivíduo, não possuem caráter de essencialidade na vida do homem.

A leitura dos textos literários não pode ter como obje-tivo apenas as reflexões sobre os aspectos linguísticos da nossa língua, do contrário, correremos o sério riso de rea-lizarmos o percurso contrário no que tange à formação de leitores competentes. Sobre o assunto, Lajolo afirma que se faz necessário que a literatura faça parte desse contexto de aprendizagem escolar, integrando, assim, o seu currículo:

[...] a leitura literária também é funda-mental. É à literatura, como linguagem e como instituição, que se confiamos diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamen-tos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias (LAJOLO, 2001, p.106).

Como afirma a autora, a literatura é uma linguagem e como tal merece que o espaço escolar oportunize seu estudo e sua apropriação pelos alunos de modo que ele desenvolva

uma competência comunicativa também no que concerne a essa linguagem que deverá utilizar em sociedade. Isso apontaria para o trabalho numa perspectiva do letramento literário.

Esse letramento literário configura uma especificidade artística e aponta para a apropriação, reflexão e uso da lin-guagem literária nas diversas situações de comunicação e uso da língua. Para tanto, o aluno deverá fazer uso dos diver-sos tipos de gêneros literários, da poesia à prosa, seja em contextos formais ou informais de comunicação.

Um problema que se propõe nessa discussão sobre letra-mento literário refere-se ao fato de que grande parte dos textos literários escolarizados apresenta divisões específicas sobre público-alvo, faixa-etária, tema, entre outros marcos divisórios. Isso causa certo transtorno no estudo dos tex-tos literários, pois a escola tende a aceitar essas orientações como regras que não podem ser quebradas. Um exemplo são as especificações de textos por faixa etária como os leitores em torno de 11 anos deidade e 16 e que são rotulados como público-alvo de uma literatura chamada infanto-juvenil.

Nesse sentido, há alguns problemas que precisam ser encarados se a escola tiver como foco o letramento literário, pois algumas abordagens e procedimentos como os textos literários têm sido trabalhados na escola, em sala de aula e, por isso, merecem ser repensados e redimensionados. Para essa discussão, passaremos a análise de alguns pontos aborda-dos nos PCNs.

A forma como a literatura é abordada em sala de aula tem sido alvo de inúmeras críticas, em especial no que tange

392 393

ao espaço que lhe é destinado. Quase sempre a essência do texto literário é suprimida nas aulas de português para que se dê enfoque às normas gramaticais e à produção textual.

O trabalho com a literatura na escola, conforme a orien-tação dos PCNs, deverá apontar para um estudo contextua-lizado em que o professor terá uma postura compromissada com foco nessa formação literária do aluno.

A literatura enquanto objeto de ensino e de aprendiza-gem proporciona ao aluno um estudo da linguagem e instru-mento de comunicação, utilizando-se para isso de recursos específicos e de caráter estético, imaginativo e criativo.

  Nesta perspectiva, Back (1987) afirma que o ensino da língua portuguesa deve ser integrado a outras áreas do conhecimento e deve com isso compor a formação do aluno no que tange ao desenvolvimento de habilidades relativas ao uso da linguagem como instrumento de comunicação e de formação do homem.

Back (ibidem) defende a ideia de que ao compreender o texto literário, os alunos alcançam um objetivo referente à sua formação não só pessoal, mas também profissional e social. Assim, o ensino da literatura, na escola, deve ter um lugar de destaque com práticas significativas de aprendi-zagem que resulte numa formação eficiente do indivíduo. Back ainda defende que:

O ensino da literatura [...] está bem perto das competências argumentativa, reflexiva, interpretativa, dentre outras que os alunos podem desenvolver. No entanto, a literatura não é um mero

objeto utilizável para atender deficiên-cias de outras áreas como da gramática por exemplo. A literatura existe dentro de sua essência artística e por este motivo deve ser ministrada (BACK, 1987, p.59).

O autor destaca a autonomia da literatura enquanto objeto de ensino e de aprendizagem e não como simples meio para estudos outros de linguagem. Deste modo, per-cebe que a literatura não está a serviço da gramática ou da produção textual, é preciso perceber o valor de um texto literário atentando para os seus aspectos estéticos, formais e ideológicos, ou seja, como instrumento pelo qual o ser humano questiona e reflete sobre si mesmo, o outro e a sociedade. Sendo assim, vale destacar a ideia de humanização através da literatura apontada pelo crítico literário Antonio Candido.

Segundo Soares (2004), a literatura possui linguagem específica, desse modo, é necessário que a escola e o profes-sor levem em conta o fato de que a diversidade do discurso literário é extensa e por este motivo trabalhar com litera-tura pode contribuir muito para a formação do aluno. Desse modo, pode-se afirmar que a literatura no contexto escolar tem como foco a formação do aluno de modo crítico e ao mesmo tempo imaginativo e criativo.

No processo de estudo literário, o aluno, ao se envolver com a estética do gênero, acaba por se render à busca de mais e mais conhecimentos. Os PCNs (2000) afirmam que a literatura é um meio de educação da sensibilidade que busca atingir um conhecimento científico ou técnico.

394 395

 Segundo Martins (2006), é preciso que o trabalho com textos literários seja diversificado e significativo tanto no que diz respeito aos aspectos didáticos como pedagógicos e deve apontar para uma postura ativa do aluno, com leituras dinâmicas e instigantes. Nesse sentido, ao redimensionar sua prática de ensino no contexto de estudo de literatura, o pro-fessor abre novos espaços de aprendizagem aos alunos, mais atraentes e convidativos.

A leitura literária na sala de aula: caminhos e possibilidades

Quando o professor se propõe a trabalhar numa perspec-tiva de letramento, a sua prática de ensino ganha novos con-tornos, pois a linguagem começa a adquirir uma abordagem voltada para o seu uso em situações efetivas de comunicação e intervenções concretas.

Nesse sentido, dar enfoque ao uso social e contextua-lizado da língua, no caso, da linguagem literária, possibilita ao professor um trabalho mais significativo e dinâmico, per-mitindo-lhe inclusive que suas atividades de planejamento ganhem aspectos mais prazerosos, pois implica uma nova postura do professor com a utilização de conteúdos e mate-riais didáticos peculiares aos objetivos almejados.

No entanto, para que haja uma mudança efetiva na atu-ação do professor é necessário que a escola também mude e passe a apoiá-lo em suas atividades. Nesse sentido, faz--se fundamental que o professor passe a reformular anti-gos conceitos e reveja suas concepções acerca dos processos

de leitura, de escrita e de letramento, especificamente no tocante à literatura.

Os alunos possuem conhecimentos variados enquanto sujeitos falantes de determinada língua, cabe, portanto, ao professor possibilitar o uso dessa linguagem em situações específicas de comunicação em sala de aula. Desse modo, trabalhar na perspectiva do letramento literário, implica dizer que o professor deve planejar suas aulas de leitura com foco na abordagem dos diversos gêneros literários que cir-culam socialmente e compõem o contexto de comunicação dos alunos.

Uma possibilidade do uso da linguagem refere-se ao trabalho com projetos literários: mostras literárias, recitais, dramatizações. Enfim, essas atividades que as escolas desen-volvem, já de modo bastante intenso, são excelentes opor-tunidades para o exercício de uso da linguagem literária. Trabalhando com projetos literários, a escola e o professor proporcionam uma reflexão sobre a linguagem em seu con-texto de uso.

Considerações finais

É importante destacar que o ensino da literatura na escola deve ganhar um novo espaço e nesse sentido, o pro-fessor deve redimensionar sua prática pedagógica e trabalhar de maneira mais dinâmica e significativa, com uma proposta voltada para o letramento literário.

A leitura não pode ficar restrita a simples mecanismos de análise das normas da língua, ou meramente como pretexto

396 397

para as produções textuais. O trabalho com a literatura em sala de aula deve levar o aluno a assumir uma postura crítica e reflexiva quanto ao uso da linguagem, além de lhe propor-cionar uma postura mais ativa enquanto sujeito social.

A leitura e a escrita, encaradas do ponto de vista do interacionismo, não deve ser abordada em sala de aula de maneira descontextualizada ou com exercícios repetitivos e enfadonhos. Ao contrário, é necessário que se abra um espaço de aprendizagem para o aluno no sentido de que ele encontre significado em sua aprendizagem. Uma pos-sibilidade é o trabalho com o letramento literário em que os professores possam utilizar a vasta gama de textos na área disponível.

Espera-se que estas reflexões despertem um ensino mais estimulante que contemple a leitura e a escrita de forma mais significativa para o aluno, atendendo às necessidades e exigências da sociedade contemporânea, a fim de que a escola possa compreender seu papel de formadora de opi-nião e não apenas uma reprodutora de conteúdos que pouco contribui para o senso crítico do sujeito.

Referências

BAKHTIN, Michael. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BACK, Eurico. O fracasso do ensino do português. 3. ed. Petrópolis: Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1987.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa - Ensino fundamental, 1998.

BRASIL. Orientações Curriculares para o ensino médio: Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. 10. ed. Brasília: Distrito Federal: Editora FTD, 2000.

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

ECCO, Idanir. Leitura: do conceito às orientações. Disponível em: <http:// leituraebibliodiversidade.blogspot.com/2010/10/leitura-do-conceito-as-orientacoes.html>. Acesso em: dez. 2010.

KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática. 1987.

KLEIMAN, A. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna 1. Santa Cruz do Sul: Signo, 2007.

KOCH, I. V; Elias, v. m. Ler e escrever: estratégias de pro-dução textual. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

KRAMER, Sônia. Escrita, experiência e formação: múlti-plas possibilidades de criação escrita. In: YUNES, Eliana. A experiência da leitura. São Paulo: Loyola, 2003.

398 399

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2001.

LEFFA, Vilson José Ensaios: Aspectos da leitura: Uma perspectiva psicolingüística. Porto Alegre: Sagra, 1996.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: configura-ção, dinamicidade e circulação. In KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B. Gêneros textuais e produção lin-güística. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

MARTINS, M. H. O que é leitura? 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.

OLIVEIRA, L. A. Coisas que todo professor de por-tuguês precisa saber. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

ORLANDI, EniPulcinelli et al. Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5. ed. São Paulo: Ática, 2005, 115 p.

SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, V. (Org) Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2005.

___________.  A língua escrita, a sociedade, a cul-tura, as relações, as dimensões e as perspecti-vas. Revista Brasileira de Educação, n. 4, Ano III: Editora Anped, 2004.

POR UM ENSINO SIGNIFICATIVO EM LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS

DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Eneida Dornellas de Carvalho1

Rosineide da Silva Ferreira2

Introdução

Vivenciamos no sistema escolar brasileiro uma crise edu-cacional em que se verifica um alto índice de analfabetismo, a desmotivação de estudantes, o baixo índice de leitura etc. Esses problemas também se fazem presentes em nosso Estado, Paraíba, o que pode ser observado a partir da própria vivência dos educadores que, como as presentes pesquisado-ras, fazem parte do sistema público de ensino.

1 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).2 Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jocelyn Velloso Bor-

ges (EEEFM Jocelyn Velloso Borges).

400 401

Levando em consideração tal quadro, o presente artigo se desenvolve tendo como foco o processo de ensino-apren-dizagem significativo desenvolvido em aulas de Língua Portuguesa, ancorado nas atividades de leitura e escrita, atra-vés de variados gêneros textuais. Faz parte da base teórica sobre a qual se desenvolve o artigo, a perspectiva da teoria da aprendizagem significativa, uma entre outras importantes teorias educacionais que tentam viabilizar de forma efetiva a aprendizagem escolar, como a concebem Lemos (2013) e Moreira (1997).

Consideramos essa perspectiva de aprendizagem ade-quada ao propósito do projeto desenvolvido para a disci-plina de Língua Portuguesa: “Por um ensino significativo em língua portuguesa”, empreendido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jocelyn Velloso Borges, São José dos Ramos – PB, tendo em vista nosso objetivo de aliar o conteúdo da disciplina com o conhecimento pré-vio dos estudantes por meio da exploração da sua realidade sociocultural.

Dessa forma, foram implantadas práticas de leitura e escrita de diversos gêneros textuais com alunos de pri-meiro e terceiro anos do ensino médio, no ano de 2013, de forma que pudéssemos aliar a prática de produção textual ao cotidiano desses alunos, o que lhes proporcionou um processo de ensino-aprendizagem de leitura, compreensão e produção textual realmente significativo, com base na teoria dos gêneros textuais, como proposta por Marcuschi (2008).

Para uma nova época, uma nova teoria da aprendizagem

O sistema educacional brasileiro vem desde muito tempo empreendendo reformas educativas para ampliar e melhorar o nível de escolarização dos cidadãos. Leis e diretrizes são lançadas para nortear o ensino, o currículo e os conteúdos a serem tratados em sala de aula. Programas são implemen-tados como tentativa de corrigir o déficit educacional, mas percebe-se que nossa educação encontra-se ainda envolta em dilemas antigos e estratégicos, como o analfabetismo ou uma de sua modalidade, o analfabetismo funcional. Em reportagem veiculada na Rede Globo de televisão no dia 05 de fevereiro de 2014, abordando a qualidade do nosso ensino, foi divulgado que em recente pesquisa com univer-sitários, constatou-se o fato de que em cada dez estudantes, três eram analfabetos funcionais. Ainda segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), con-forme uma pesquisa nacional por amostra de domicílios, tivemos, no ano passado, um aumento no número de pes-soas analfabetas, que somam 13,2 milhões de pessoas com 15 anos ou mais (IBGE, 2014).

Confrontados esses dados com o novo contexto da era da globalização, quando tudo que ocorre do outro lado do mundo nos afeta diretamente, e com a interatividade pro-porcionada pelas tecnologias da informação, notadamente o computador e a internet, percebe-se que o ensino vivencia mais uma vez uma crise educacional, visto que os discentes não se adaptam mais ao contexto de ensino tradicionalista,

402 403

no qual o conteúdo é passado de forma hierárquica e des-conectado da realidade vivida por eles.

A partir destas constatações, verifica-se uma amplia-ção do debate sobre as questões educacionais, e estudio-sos buscam dar uma interpretação adequada ao processo de ensino-aprendizagem que se realiza no contexto atual de globalização, com mudanças rápidas e contínuas, sobretudo em relação às tecnologias da informação e comunicação portáteis e de fácil acesso às crianças e adolescentes.

Existem vários estudos versando sobre como a apren-dizagem se processa e para se entender a especificidade de cada um deles torna-se necessário esclarecer antes o que se entende por aprendizagem. Oliveira (1993, p.57) define aprendizagem como “o processo pelo qual o sujeito adquire informações, habilidades, atitudes, valores e etc, a partir do seu contato com a realidade, o meio ambiente e as outras pessoas”. Ou seja, é o processo de alcançar o conhecimento, a compreensão ou domínio de algo.

Vislumbramos, portanto, nesse trabalho, uma possibili-dade teórica para embasarmos uma prática de ensino que contemple as necessidades educacionais do alunado na socie-dade atual e que, portanto, contemple novas formas de apren-dizagem adequadas a uma sociedade marcada pelos avanços técnicos e científicos próprios da atualidade. Inclui-se nesse debate a Teoria de Aprendizagem Significativa do psicólogo norte-americano Ausubel, embasada no fato de que uma pessoa retém um conhecimento a partir de outras informa-ções já armazenadas na memória, isto se esse conhecimento for algo significativo para sua vivência.

Nessa perspectiva, o papel da escola é desenvolver nos estudantes uma consciência crítica em relação aos fatos sociais, fazendo com que eles percebam a realidade, enten-dam a sociedade e participem de forma ativa e democrática na construção da mesma, ou seja, tornem-se cidadãos. Para tanto, é necessário que os conteúdos e o ensino desenvol-vidos na unidade escolar sejam efetivamente pertinentes à realidade, de modo que os estudantes possam ampliar seus conhecimentos e desenvolver suas habilidades num processo sistemático, eficiente e gradual em termos de complexidade. A este processo de dar sentido ao apreendido contextual-mente, dá-se o nome de aprendizagem significativa que, segundo David P. Ausubel, “é o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta quantidade de idéias e informações representadas em qualquer campo de conhecimento” (AUSUBEL apud MOREIRA, 1997, p.19).

De acordo com essa teoria, todo ser humano tem um conhecimento cognitivo prévio, assim o conhecimento cog-nitivo específico e relevante ao qual uma informação nova se apoia para ter sentido e ser apreendida chama-se sub-sunçor. Essa informação nova a ser captada e assimilada pelo estudante tem duas propriedades importantes: a não arbitrariedade, ou seja, a propriedade da informação de não se relacionar com qualquer conhecimento prévio da pessoa, mas com aquele potencialmente importante para a informação, e a substantividade, ou seja, a informação não é incorporada ao esquema mental no conceito e linguagem exatos e difundidos, mas na sua substância, na sua consistên-cia de ideia (MOREIRA, 1997).

404 405

Na prática, portanto, nós só incorporamos à nossa mente e vida, guardamos em nossa memória, o que é importante para nossa vivência, o que faz sentido para nós, o que pode-mos associar ao que já conhecemos, seja para corroborar, ampliar ou modificar o conhecimento pré-existente. Na visão de Moreira,

A essência do processo da aprendi-zagem significativa está, portanto, no relacionamento não-arbitrário e substantivo de idéias simbolicamente expressas a algum aspecto relevante da estrutura de conhecimento do sujeito, isto é, a algum conceito ou proposição que já lhe é significativo e adequado para interagir com a nova informação. É desta interação que emergem, para o aprendiz, os significados dos materiais potencialmente significativos (ou seja, suficientemente não arbitrários e rela-cionáveis de maneira não arbitrária e substantiva a sua estrutura cognitiva). É também nesta interação que o conheci-mento prévio se modifica pela aquisi-ção de novos significados (MOREIRA, 1997, p.02, grifos do autor).

A esse respeito, também Oliveira (1993, p.01), em seus estudos, esclarece que “o ensino significativo tem como objetivo oportunizar ao aluno uma nova e diferente maneira de ver os conteúdos, através do contato e estímulo, desta

forma, uma alternativa ao modelo didático tradicional”. Como afirma também Lemos:

O conhecimento, quando produto de aprendizagem mecânica, por ter res-trita a sua capacidade de utilização em novas situações, não garante autonomia intelectual para a ação do indivíduo. A aprendizagem significativa, ao contrá-rio, favorece a construção de respos-tas para problemas nunca vivenciados e leva tanto à capacitação humana quanto ao compromisso e à respon-sabilidade (LEMOS, 2013, p.28, grifos do autor).

Sendo assim, fazem-se urgentes e necessários planos de ensino e trabalho que vislumbrem uma forma de tor-nar o processo de ensino e aprendizagem significativos, ou seja, que deem oportunidade ao estudante de tornar--se parte realmente integrante do processo e não mero ouvinte, sendo necessário, para tanto, pesquisa, contato com os conteúdos de forma criativa e crítica, relaciona-mento do conteúdo com os conhecimentos já adquiridos pelo estudante, correlação com o contexto sociocultural do mesmo.

406 407

Ensino de língua portuguesa na perspectiva dos gêneros textuais

Entende-se que o ensino de Língua Portuguesa, na atu-alidade, deve estar voltado para o desenvolvimento da com-petência comunicativa dos estudantes, seja na modalidade escrita ou oral, nos mais diversos contextos, explorando-se para além da gramática normativa e sua sistematização, os textos não-literários de circulação sociocultural. Para tanto, o professor precisa desenvolver um trabalho utilizando os conhecimentos prévios dos discentes, para ampliá-los a fim de que os alunos sirvam-se desses conhecimentos fora da escola, em sua vivência, melhorando sua atuação social e sua interpretação da realidade.

É isso que propõem os linguistas para o ensino de língua portuguesa, como Travaglia:

Em nossas escolas queremos propiciar atividades de ensino/aprendizagem que permitam aos alunos se prepararem para a vida que têm e terão dentro de uma sociedade, com uma determinada forma de cultura, incluindo-se nesta tudo o que representa o modo de ser da sociedade, o modo de ver o mundo e de constituir as relações entre membros desta socie-dade (TRAVAGLIA 2004, p.15).

Hoje, nota-se uma preocupação crescente com o desen-volvimento das competências comunicativas dos estudantes

e com as habilidades relacionadas com essas competências, sendo as primeiras cobradas em várias avaliações de caráter nacional e estadual, a exemplo do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e do IDEPB (Índice de Desempenho Educacional da Paraíba), que se propõem avaliar na disci-plina de Português o nível de leitura e interpretação textual dos alunos, através de provas que trazem muitos textos com questões interpretativas e de usos de recursos linguísticos.

A preocupação descrita acima deriva de um fracasso escolar na área da leitura e escrita, tendo em vista a pesquisa já citada no item 1 desse trabalho, sobre o crescimento do analfabetismo no país. Esse problema é reconhecido inclusive nos próprios documentos oficiais lançados pelo Ministério da Educação (MEC): “No ensino fundamental, o eixo da discussão, no que se refere ao fracasso escolar, tem sido a questão da leitura e escrita” (BRASIL, 1997, p.19). Esses mesmos documentos enfatizam a importância do desenvol-vimento da competência comunicativa através da leitura e escrita de textos:

Toda educação verdadeiramente com-prometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvol-vimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça necessida-des pessoais - que podem estar relacio-nadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício da reflexão. De modo geral, os textos são produzidos, lidos e ouvidos

408 409

em razão de finalidades desse tipo. (…) são os textos que favorecem a reflexão criativa e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos tex-tos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los (BRASIL, 1997, p.8).

O trabalho com o texto pressupõe obviamente o traba-lho de leitura e, segundo Sim-Sim (2001, p.05), “ler é extrair significado, é dizer, compreender o que está escrito”, ou seja, o processo da leitura não se restringe simplesmente à decodificação de letras, pois exige um trabalho de interpre-tação. Quanto à escrita, na perspectiva de Vygotsky (apud ANDRÉ; BUFREM, 2012, p.22), essa compreende “uma linguagem e uma função cultural complexa”. A escrita constitui-se de um meio de representação simbólica através da qual o ser humano expressa seu entendimento da reali-dade, utilizando-se para isso das suas capacidades mentais de abstração e significação que são construídas através de processos socioculturais.

A leitura e a escrita estão intimamente imbricadas e rela-cionam-se com a questão da significação, da interpretação do que é escrito e lido. Então, se ao ensino de língua materna cabe o desenvolvimento da competência comunicativa dos estudantes, passando pelo ensino de leitura e escrita desde as

primeiras séries, esse processo só pode desenvolver-se através de textos. Nesse sentido, Antunes (2013, p.92) afirma que “ninguém fala ou escreve a não ser sob a forma de tex-tos, tenham eles esta ou aquela função, sejam eles curtos ou longos”. Portanto, o ensino deve pautar-se pela exploração de diversos textos e seus usos no cotidiano social, reconhe-cendo o texto, de acordo com a definição de Koch e Barros, como sendo uma

Manifestação verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a ati-vidade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conceitos semânticos, em decorrência da ativação de proces-sos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais (KOCH; BARROS, 1997, p.22).

Também para Santos, Riche e Teixeira (2012, p.17), “o texto é considerado elemento de interação, marcado pela coesão entre seus elementos e pela sua coerência interna/externa”. Vemos, então, que texto não é um amontoado de palavras, mas uma produção que depende de variáveis subjetivas e sociais, que mantêm ligação entre suas partes pela coesão e sua manutenção significativa pelo processo de coerência.

410 411

Para que o ensino seja realizado de modo eficiente atra-vés dos textos é necessário que ele compreenda questões de suporte, tipologia textual predominante, meio de circu-lação na sociedade, elementos verbais e não verbais que o constituem e que seja levada em consideração a interação entre interlocutores (SANTOS; RICHE; TEIXEIRA, 2012, p.25). Esses conceitos estão atrelados à concepção de gênero textual, como o define Marcuschi:

Gêneros textuais são fenômenos his-tóricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comu-nicativas do dia a dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos (MARCUSCHI, 2008, p.19).

Estabelece-se assim uma diferença entre os conceitos de gênero textual e de texto. A diferença entre eles situa-se no plano discursivo. Enquanto o texto é uma forma verbal oral ou escrita constituída pela materialidade na estrutura e arti-culado pela coesão e coerência, o gênero textual é uma cate-goria de textos, constituídos por enunciações que circulam socialmente num determinado contexto.

Portanto, para um eficiente ensino de língua portuguesa não se deve se deter apenas em aspectos textuais, mas é neces-sário o aprofundamento na questão dos gêneros para que os alunos tenham uma compreensão melhor das práticas inte-rativas e comunicacionais existentes na sociedade e possam se comunicar adequadamente em qualquer situação, com qualquer interlocutor, em todos os níveis e modalidades de leitura e escrita, tornando-se verdadeiros leitores e escritores de suas próprias histórias. Para isso, precisam também estar envolvidos por uma aprendizagem que seja significativa para eles, como a proposta na teoria da aprendizagem significa-tiva, conforme discutido anteriormente.

Procedimentos metodológicos

O projeto Por um ensino significativo em Língua Portuguesa através dos gêneros textuais foi desenvol-vido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jocelyn Velloso Borges, localizada em São José dos Ramos – PB, junto às turmas do primeiro e terceiro anos do ensino médio, onde a pesquisadora Rosineide da Silva Ferreira atua como professora de Língua Portuguesa.

O nível de ensino médio é uma fase crucial na vida do estudante, tendo em vista que esse é um momento em que ele deve demonstrar uma competência suficiente quanto ao uso da língua para ingressar no mundo do trabalho e/ou ascender ao nível de ensino superior. Dessa forma, foi ide-alizado o projeto ora descrito com o objetivo de propiciar aos alunos do primeiro e terceiro anos do ensino médio

412 413

uma prática pedagógica capaz de incentivar a leitura de tex-tos de gêneros diversificados, bem como incitá-los à produ-ção consciente de textos orais e escritos, como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais - Língua Portuguesa:

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato (BRASIL, 1997, p.12).

Isto sem esquecer o contexto social dos discentes e sua cultura que servem como base para o ensino de língua na sala de aula, partindo da vivência dos alunos para os conte-údos da disciplina. Pois, como afirma Moreira (1997, p. 20) “fica então claro que na perspectiva ausuberiana, o conheci-mento prévio (a estrutura cognitiva do aprendiz) é a variável crucial para a aprendizagem significativa”.

Participaram do projeto 51 alunos, de um total de 60 matriculados nas duas turmas, contabilizando 26,84% dos alunos adolescentes na faixa de 14 a 17 anos de idade. Durante os cinco meses de aplicação do projeto, foram desenvolvidos diversos procedimentos metodológicos para a abordagem do texto, descritos a seguir.

Contemplando o trabalho de leitura, compreensão e estudo de texto, num primeiro momento, em função do tema definido para cada subprojeto, foram distribuídos com os alunos textos para leitura e discussão. Os textos foram lidos a partir de diversas metodologias, algumas vezes em voz alta pelo professor, outras vezes, pelos alunos, às vezes em grupo, ou silenciosamente. Em seguida à leitura, era rea-lizada a discussão do tema do texto pelo professor junta-mente com os alunos e posteriormente o texto era analisado em função de seus aspectos formais inerentes ao gênero, de sua estrutura, sendo dada especial atenção à linguagem empregada em função do gênero textual.

Concomitantemente à atividade de leitura dos textos em sala de aula, os alunos eram incentivados a buscar outros, tra-tando do tema explorado, de forma que contribuíssem efe-tivamente para as discussões realizadas em sala de aula. Um segundo momento de efetivação dos subprojetos tratava-se da produção escrita realizada tanto individualmente como em equipe, caracterizando-se como resultado do trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula e a partir da leitura e estudo de textos diversos.

Para proporcionar aos alunos o conhecimento de diver-sos gêneros textuais, dividimos o projeto em três subpro-jetos, cada um tratando de um tema em específico, de conhecimento do alunado, e definido em função de algum acontecimento ocorrido na comunidade. A opção pela divi-são do projeto em subprojetos foi orientada pela concep-ção de que a execução de um projeto com tema único não favorece a pluralidade de temas abordados e não propicia o

414 415

conhecimento de uma extensa diversidade de gêneros tex-tuais pelos alunos.

Assim, definiu-se um subprojeto idealizado na semana do dia da mulher denominado “Mulher é pra ser amada”, do qual participaram os alunos do primeiro ano, turma B, tarde, e do terceiro ano, turma B, tarde. Esse tema foi escolhido em função de um crime ocorrido na cidade contra uma mulher, no dia 05 de março de 2013, que chocou toda a popula-ção local. Para a realização desse subprojeto foi estudado um artigo de opinião com o título “Por que existe um dia da mulher?” de Nildo Viana, e discutidos temas relacionados à mulher que foram pesquisados pelos alunos. Essas pesquisas forneceram aos alunos informações suficientes para forma-rem uma opinião sobre o tema e motivá-los a produzirem outros gêneros textuais, a partir dos quais pudessem expres-sar suas ideias.

Depois dessa etapa, a turma do primeiro ano ficou res-ponsável pela confecção de cartazes em que expuseram os resultados das pesquisas realizadas e o terceiro ano ficou responsável pela seleção de poesias referentes às mulheres para serem lidas, bem como realizou uma palestra tendo por tema a paz, com a qual se encerrou o subprojeto.

Um outro subprojeto denominado “Gêneros literá-rios”, contemplando o conteúdo dos gêneros literários, foi desenvolvido com os alunos do primeiro ano B, tarde, sendo idealizado a partir do anseio de inovação dos estudantes quanto à abordagem desse conteúdo. Atrelada a essa neces-sidade de inovação estava a vontade de desenvolvimento de outras habilidades que estariam relacionadas a este conteúdo

curricular, como o aprendizado da escrita de contos a partir da prática de produção e reescrita desse gênero, e a expres-sividade corporal através da dramatização de peças, de reci-tal etc. Trabalhou-se nessa unidade com o conto de Carlos Eduardo Novaes O Day After do carioca (Ou: O dia em que o Rio de Janeiro derreteu) e foram desenvolvidos os seguintes trabalhos em equipe: produção e encenação de uma peça teatral, produção de contos que resultou num pequeno livro e realização de um recital de poesias.

O terceiro subprojeto foi denominado “Hora da notí-cia”, aplicado junto aos alunos do terceiro ano, turno da tarde. Esse subprojeto teve como proposta a produção de jornais e focalizou dois temas: saúde e educação. Os alunos, em equipes, produziram diversos gêneros textuais próprios desse suporte textual. Realizaram entrevistas com autorida-des locais, escreveram artigos de opinião, editorial, matérias jornalísticas. Esses textos foram publicados num jornal con-feccionado na escola e distribuído entre os alunos.

Para a execução desses subprojetos, foram realizadas mui-tas atividades relativas a leitura, discussão de textos, escrita e reescrita, tendo em vista que envolveram pesquisa em biblioteca, na internet, discussões em sala de aula, entrevis-tas com pessoas da sociedade que ocupavam cargos relacio-nados aos temas abordados. Nesse sentido, o trabalho com os subprojetos propiciou aos alunos o contato, a aprendiza-gem e a produção de gêneros que circulam efetivamente na sociedade.

416 417

Avaliação da aquisição das competências linguística, textual e discursiva desenvolvidas pelos alunos

Para avaliar o conhecimento linguístico-textual e dis-cursivo adquirido pelos estudantes e o desenvolvimento de suas habilidades antes e depois do projeto, elaboramos a tabela comparativa abaixo organizada a partir de uma aná-lise das pesquisadoras sobre as atividades realizadas pelos estudantes.

Tabela 1 - Conhecimento linguístico-textual e discursivo dos alunos antes e após a efetivação do projeto

CONHECIMENTO ANTERIOR AO

PROJETO

CONHECIMENTO POSTERIOR AO

PROJETO

HABILIDADE DESENVOLVIDA

Desconhecimento do conceito de gênero textual

Reconhecimento dos gêneros textuais, compreensão de sua definição.

Distinção entre os vários gêneros textuais. (Obtida a partir da pesquisa individual, aula expositiva e dialogada e leitura de textos)

Conhecimento superficial sobre o gênero notícia

Conhecimento linguístico e estrutural sobre notícia, seus elementos.

Habilidade de escrita mais formal e impessoal. (Obtida a partir da leitura e escrita de notícia e o processo de reescrita).

Desconhecimento sobre o gênero editorial

Conhecimento linguístico e estrutural do editorial

Habilidade de criticidade e escrita padrão (adquirida por meio de leitura, escrita e reescrita de textos).

CONHECIMENTO ANTERIOR AO

PROJETO

CONHECIMENTO POSTERIOR AO

PROJETO

HABILIDADE DESENVOLVIDA

Conhecimento parcial sobre artigo de opinião

Conhecimento estrutural e linguístico do artigo de opinião

Habilidade de argumentação e criticidade, bem como organização textual dos parágrafos (adquiridas a partir das aulas expositivas e dialogadas, leitura de artigo de opinião, pesquisa individual, produção textual e reescrita).

Conhecimento parcial sobre entrevista

Conhecimento mais aprofundado sobre entrevista e adequação da linguagem ao nível de formalidade exigida.

Habilidade de extroversão para realização de entrevista com autoridade municipal, habilidade de adequação da linguagem oral à linguagem escrita. (Obtida por meio da transcrição e reescrita de diálogo, bem como da realização da própria entrevista).

Desconhecimento das partes estruturais do veículo de comunicação jornal.

Reconhecimento das partes do jornal.

Habilidade de diagramação de um jornal através de uso das mídias digitais e computador, bem como montagem do mesmo. Habilidade de revisão textual por meio da leitura e redigitação dos textos.

Desconhecimento sobre gêneros literários.

Reconhecimento de diversos gêneros literários.

Habilidade de distinção dos gêneros literários: lírico, épico e dramático (obtida a partir da leitura de texto didático e construção de resumo, apresentação de textos produzidos do referido gênero).

418 419

CONHECIMENTO ANTERIOR AO

PROJETO

CONHECIMENTO POSTERIOR AO

PROJETO

HABILIDADE DESENVOLVIDA

Conhecimento superficial do gênero textual conto.

Conhecimento da linguagem usada na produção do conto e sua estruturação.

Habilidades de criatividade, escrita mais formal e produção de conto (obtidas a partir da leitura e análise de um conto, aula expositiva e dialogada, produção de textos e reescrita).

Conhecimento superficial de peça teatral.

Conhecimento aprofundado sobre a linguagem teatral, seus tipos e a estruturação do texto dramático.

Habilidade de encenação.Habilidade de criatividade e escrita mais formal.Habilidade de adequação de uma história para a linguagem teatral. (Obtidas por meio da leitura de texto, criação de texto da peça teatral e encenação da mesma).

Conhecimento superficial sobre poema.

Conhecimento sobre poemas de autores consagrados na nossa literatura.

Habilidade de extroversão a partir da recitação dos poemas escolhidos pelos estudantes. Habilidade de memorização.

Fonte: Autor do artigo

Essas são competências linguísticas, textuais e discursivas desenvolvidas pelos alunos a partir da realização do projeto Por um ensino significativo em Língua Portuguesa através dos gêneros textuais. Mas além dessas compe-tências, podemos dizer que o projeto favoreceu o desper-tar de sua consciência crítica em relação aos problemas de sua comunidade, o que tornou seu aprendizado realmente significativo.

Consideramos que uma educação de qualidade e signifi-cativa não pode amparar-se apenas no repasse de conteúdos

didáticos das disciplinas de forma isolada, sem levar em conta o conhecimento prévio dos estudantes. Ela deve amparar--se nesse conhecimento e ampliá-lo, aprofundá-lo a fim de obter um desenvolvimento pleno das habilidades cognitivas dos educandos, uma tomada de consciência da sociedade em que vivem, contribuindo assim para a formação de cidadãos que sabem seus direitos e deveres, como afirma a LDB de 1996, na Lei n 9424/1996, em seu artigo 2º:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercí-cio da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996).

Após a realização do projeto, como avaliação final, pode-mos afirmar que essa forma de ensinar tem como resul-tado prático o envolvimento dos alunos nas aulas de Língua Portuguesa e o interesse em pesquisar e discutir os temas propostos para as aulas. Essas atitudes terminaram por se refletir, sobretudo, na aprendizagem da língua que se rea-liza de fato em textos concretos e que cumpre uma função social, a de interação que se instaura a partir da produção e circulação de textos em sociedade.

420 421

Considerações finais

O artigo aqui apresentado foi fruto de uma busca por um processo de ensino-aprendizagem significativo em Língua Portuguesa, e que se concretizou numa prática de ensino em sala de aula fundamentada em um projeto obje-tivando o ensino de língua aliado à teoria da aprendizagem significativa e teoria dos gêneros textuais, tomando como ponto de partida o conhecimento prévio e o conhecimento sociocultural dos educandos.

Dessa forma, buscamos responder adequadamente ao propósito do trabalho, o de contribuir, através do apren-dizado de leitura e escrita por meio de gêneros textuais, com o desenvolvimento da competência linguístico-textual dos alunos do primeiro e terceiro anos do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jocelyn Velloso Borges.

Através dessa experiência, podemos afirmar finalmente que uma educação de qualidade e significativa não pode amparar-se apenas no repasse de conteúdos didáticos das disciplinas, sem levar em conta o conhecimento que per-passa toda a vida escolar e extraescolar dos alunos. É pre-ciso que o professor se ampare nesse conhecimento para ampliá-lo, aprofundá-lo, a fim de obter um desenvolvimento satisfatório das habilidades linguísticas e cognitivas dos seus educandos, tornando-os capazes de agir em sociedade, nas mais diferentes instâncias de interação social.

Referências

ANDRÉ, T. C; BUFREM, L. S. O conceito de escrita segundo a teoria histórico-cultural e a alfabetização de crianças no primeiro ano do ensino fundamental. ETD – Educação Temática Digital, v.14, n.01, p.22-42. Jan./jun. Campinas, 2012.

ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB Lei nº 9394/96, 1996.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental./Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

IBGE. PNAD 2012: Desocupação diminui, mas percen-tual de empregados com carteira assinada fica estável. Disponível em: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2476. Acesso em: 01 fev. 2014.

KOCH, I.V.; BARROS, K. Tópicos em lingüística de texto e análise da conversação. Natal: Editora da UFRN, 1997.

422 423

LEMOS, E. dos S. A aprendizagem significativa: estra-tégias facilitadoras e avaliação (Meaningful learning: faci-litative strategies and evaluation). Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/asr/artigos/Artigo_ID3/v1_n1_a2011. pdf. Acesso: 10 ago. 2013.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de texto e compreensão. São Paulo: Parábola Editora, 2008.

MOREIRA, M. A. Aprendizagem significativa: um conceito subjacente. In: Moreira, M.A.; Caballero, M.C.; Rodríguez, M.L. (orgs.). Actas del Encuentro Internacional sobre el Aprendizaje Significativo. Burgos: España, p. 19-44, 1997.

OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky. São Paulo: Scipione, 1993.

SANTOS, L. W.; RICHE, R. C.;TEIXEIRA, C. S. Análise e produção de texto. São Paulo: Contexto, 2012.

SIM-SIM, I. A formação para o ensino da leitura. In: SIM-SIM, Inês (org.). A Formação para o ensino da língua por-tuguesa na educação pré-escolar e no 1° ciclo do ensino básico. Caderno de Formação de Professores, n.2. Lisboa: Porto Editora, 2001.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez, 2004.

O ENSINO DE ARTES EM ARARUNA-PB: o que pensa quem faz?

Edna Lúcia Bezerra Guedes1

Alessandra Gomes Brandão2

Introdução

A arte é uma atividade que sempre esteve presente nos diversos momentos da trajetória humana. Por isso mesmo, é possível verificar com tanta segurança o papel fundamen-tal que as expressões artísticas tiveram no desenvolvimento cultural e social das mais diferentes formas de organização da vida humana. É verdade também que o homem tem uti-lizado das linguagens artísticas para expressar seu entendi-mento e apropriação da natureza e da vida social.

Do ponto de vista do ensino escolar de artes, principal-mente no século XX, a história nos mostra uma trajetória marcada por profundas mudanças na forma de compreender

1 Escola Estadual Benjamim Maranhão (EEEMBM) .2 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

424 425

o papel das artes, assim como a forma de abordá-las. A mais marcante dessas mudanças, sem dúvidas, foi a inserção das artes como componente obrigatório no currículo escolar.

Desde então, diversos estudiosos da área vêm discutindo o ensino de artes, hoje entendido como elo entre estudante e o mundo, por meio do incentivo ao despertar da sensibi-lidade estética, visando desenvolver no alunado um olhar crítico sobre a sua e outras culturas, tendo como ponto de apoio as linguagens artísticas.

O trabalho que ora apresentamos é decorrente de ques-tionamentos acadêmicos sobre o ensino de artes na atua-lidade, especialmente como ele vem sendo percebido na cidade de Araruna-PB. De forma geral, assim como no município estudado, os professores de artes são docentes de outras áreas que são chamados para lecionar a disciplina nas escolas que atuam para complemento de carga-horária ou simplesmente por não haver pessoal especializado para assu-mir a disciplina.

Essa “saída” administrativa para resolver a ausência de professores, somada a outras dificuldades como turmas muito grandes, além de espaços inadequados para trabalhar esse tipo de conteúdo são alguns dos problemas que têm dificultado um ensino de artes de qualidade.

Diante dessas questões, surge nossa proposta de discu-tir pressupostos teórico-metodológicos do ensino de artes e oferecer uma análise empírica sobre o que pensam os pro-fessores que atuam na cidade de Araruna-PB. Acreditamos que conhecer as dificuldades e potencialidades na visão do grupo desses professores seja importante para a reflexão dos

problemas e novos encaminhamentos para um ensino de artes condizente com as propostas atuais.

Para realização desse trabalho, fizemos um estudo com base em vários autores, especialmente Arslan (2006); Barbosa (2003, 2009); Gomes, Nogueira (2008); Cunha (2012) visando apresentar melhor a história do desenvolvimento do ensino nessa área, assim como os principais problemas, a exemplo da formação de professores e metodologia de ensino. Na parte empírica do trabalho, aplicamos questio-nários contendo 16 perguntas aos 05 professores de artes das três escolas da área urbana da cidade de Araruna-PB. As questões aplicadas tiveram a intenção de conhecer o perfil profissional dos professores, suas percepções sobre o ensino de artes proposto pelos PCNs e o desenvolvido por eles, assim como a metodologia de trabalho aplicada.

O ensino de artes no Brasil

O ensino de artes no Brasil já tem uma longa trajetória e nesse tempo passou por significativas mudanças. Essas trans-formações dizem respeito tanto à forma como ao conteúdo que foi ensinado.

Durante todo o século XX, o ensino de artes foi marcado por uma concepção tradicionalista. Nesse período, o ensino de arte não era regulamentado nas escolas, estando base-ado em três disciplinas independentes: Desenho, Trabalhos Manuais e Música. O objetivo, nessa época, era o exercí-cio técnico baseado nas cópias e representações de modelos encontrados em manuais e livros.

426 427

A ideia dos “dons artísticos” era algo muito valorizado, pois se entendia que os mesmos fossem úteis para habilida-des do lar, capazes de auxiliar nas prendas domésticas e hábi-tos de organização. Nessa visão, as artes como dança e teatro faziam parte apenas das festividades escolares, com intuito de coroar as datas comemorativas.

A partir de 1930, notadamente depois do Movimento da Escola Nova, foram iniciadas algumas reformas no ensino, sendo criadas as primeiras escolas especializadas no ensino de arte – as escolinhas de artes. No entanto, o ensino de artes na escola, ainda, continuava a exercer o mesmo ensino tradicional, ou seja, baseado na cópia e na ausência de mani-festações criativas.

Ao mesmo tempo, o ensino de música vai sendo com-preendido cada vez mais como importante para a formação dos estudantes, tornando-se obrigatório nas escolas. Nesse momento histórico, o canto orfeônico passa a ser incorpo-rado ao ensino, trazendo um forte pensamento nacionalista como forma de despertar o sentimento cívico e patriota nos estudantes. Segundo Gomes e Nogueira (2008), a proposta elaborada pelo compositor Heitor Villa-Lobos, que segue até os anos 1950, tinha a intenção de difundir a linguagem musical de maneira sistemática, juntamente com princípios de civismo e coletividade, condizentes com o pensamento político da época.

Segundo Cunha (2012), o ensino nesse período foi des-virtuado, uma vez que os profissionais eram despreparados, oferecendo, consequentemente, aulas monótonas e inade-quadas. O canto orfeônico, no entanto, foi dando espaço à

Educação Musical, atendendo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961. A lei estabelecia diretrizes para a política educacional, estabelecendo orientações que remodelavam a proposta anterior. Contudo, como nos diz Romanelli (apud GOMES; NOGUEIRA, 2008, p.12) “na prática, as escolas acabaram compondo o seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos de que já dis-punham”. Em outras palavras, continuaram a fazer o mesmo que antes.

O regime militar mais uma vez alterou a política educa-cional do país, trazendo novas compreensões sobre o ensino de forma geral. Naquele momento, é visível o interesse para preparar o cidadão para uma ideia de progresso que começa a se estabelecer no país.

Diante de tais mudanças, a reforma processada em 1971 inclui a arte no currículo escolar, a partir de então chamada de Educação Artística, apesar de ser compreendida como uma atividade educativa e não exatamente uma disciplina. Nessa mesma reforma, nasce a Educação Moral e Cívica e Programa de Saúde. Para Cunha (2012), nessa reforma, a dis-ciplina de artes era a única que dava espaço para o compo-nente humano. De forma aproximada, Gomes e Nogueira (2008) analisam que, apesar do contexto, a inclusão do ensino de artes foi um avanço tanto por receber sustentação legal, como pelo fato de ser considerada importante para a formação do indivíduo.

A referida lei estabeleceu conteúdo desde artes plásti-cas, música, teatro e dança, trazendo também divergência em relação à formação do professor para atender a essas diversas

428 429

modalidades. Ou seja, ao tempo que a lei contribuiu para uma melhor compreensão sobre o ensino de artes, criou dificuldades para os professores lecionarem essa disciplina.

Conforme Ferraz e Fusari:

Dentre os problemas apresentados no ensino artístico, após a Lei 5692/71, encontram-se aqueles referentes aos conhecimentos básicos de arte e méto-dos para apreendê-los durante as aulas, sobretudo nas escolas públicas. O que se tem constatado é uma prática diluída, [...], na qual métodos e conteúdos de tendência tradicional e novista se mistu-ram, sem grandes preocupações, com o que seria melhor para o ensino de Arte (Ferraz; Fusari, 2001, p.43).

A proposta do governo para o enfrentamento da ques-tão foi a abertura de curso de Licenciatura em Educação Artística de curta duração. Essa ação culminou no declí-nio das aulas de artes, uma vez que a formação de apenas dois anos continha um currículo generalizado que abrangia todas as modalidades artísticas. Para Barbosa (2003), havia a diplomação de professores, mas os mesmos eram incapazes de prover uma educação artística e estética que fosse capaz de fornecer informação histórica, compreensão do fazer artístico como autoexpressão.

Apesar das dificuldades, a inclusão do ensino de artes abriu novos debates, principalmente nos anos 1980, uma

vez que a arte foi sendo vista como um meio de educa-ção, permitindo o crescimento de um movimento brasileiro chamado Arte-Educação, inclusive surgindo a proposta da Metodologia Triangular que abordaremos mais adiante. Esse movimento foi responsável por diversos encontros nos quais foram discutidas novas propostas para o ensino, entre elas a que protestou fortemente contra a proposta de retirar o ensino de artes do currículo em uma das versões da LDB de 1996.

Ao contrário disso, a Lei nº. 9.394 (BRASIL, 1996, art. 26, § 2º) estabeleceu que o ensino da arte constituísse “componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Além disso, alterou o nome Educação Artística para Ensino de Artes.

Para Cunha (2012), naquele momento, passou-se a ter um reconhecimento do valor do ensino de artes na forma-ção do indivíduo, pois foi assumido que a arte faz parte da vida humana em todos os aspectos, uma vez que agora era ensino obrigatório nas escolas brasileiras.

Para Gomes e Nogueira (2008), apesar do avanço tra-zido por esta lei, a escola e o sistema educativo atual têm enfrentado desafios que transcendem a dimensão estrutural do currículo e a dinâmica das metodologias de ensino. Para as autoras, as políticas educacionais da atualidade necessitam adequar-se às questões sociais que estão refletidas na escola pública, como o desemprego, a violência e a marginalização, que se acentuaram como possíveis reflexos da globalização da economia, da política e da cultura.

430 431

Como vimos nesse breve relato, o ensino de artes pas-sou por diversas mudanças. Para Arslan (2006), essas trans-formações podem ser também explicadas por três marcos conceituais: a escola tradicional, a escola renovada e a escola contemporânea.

A escola tradicional, segunda a autora, foi marcada pelo ensino tradicional da arte, com influência da Missão Francesa, segundo a qual a Arte só poderia ser estudada, entendida e produzida por pessoas da mais alta sociedade. A escola renovada se diferenciava da primeira, principalmente pela inovação nas técnicas de produção, pelo maior desen-volvimento do artista, pela livre expressão e uso de tintas e materiais variados. Já a escola contemporânea marca um ensino de uma arte produzida pelas mais diferentes classes e culturas, propiciando a inclusão social. Outro aspecto, é que a arte contemporânea passa a ser estudada dentro da própria escola, inserida nos currículos escolares.

Nessa experiência, a arte passa a ser um saber global sem distinção de materiais, pessoas e culturas. Na visão de Arslan (2006), as mudanças no ensino da arte é uma mudança socio-política, mas principalmente como uma necessidade do ser humano, uma vez que faz parte do processo de desenvolvi-mento do indivíduo.

Apesar de tantas mudanças e inovações no ensino da arte, diversos autores estudados apontam a existência de um grande desinteresse pela disciplina. Essa realidade deve-se, entre outras coisas, ao grande preconceito que a arte sofreu ao longo de suas mudanças, fortalecendo a incompreensão da disciplina como área do conhecimento que contribui para a aprendizagem.

Esse desinteresse torna-se ainda maior pela falta de for-mação do professor que, muitas vezes, o impede de bus-car um ensino prazeroso e condizente com a realidade do seu aluno; da ausência de apoio para desenvolvimento da disciplina, tanto do poder público, como das instâncias diretamente ligadas a ele como a escola; e ainda, da pouca valorização do aluno que tem dificuldades e investe poucos esforços em conhecer sua cultura e outras culturas.

Ensino de artes: acertos e desafios

Atualmente, a disciplina de artes é obrigatória desde o Ensino Fundamental ao Médio. Para efetivação desse ensino, algumas providências do poder público foram toma-das, a exemplo da sistematização metodológica a partir de um Referencial Curricular para a Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais que compõem a Área de Linguagens, Códigos, e suas Tecnologias.

Nesses documentos, as Artes são estimuladas para serem apresentadas da seguinte forma: as Visuais – que são lin-guagens que têm a imagem fixa ou em movimento como objeto; o Teatro – que tem por base a ação dramática; a Música, a qual é constituída da composição sonora, ou seja, a articulação entre som e silêncio; e a Dança, o gesto e o movimento corporal.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais sugerem que o estudo da Área Curricular Arte se divida em: Música, Artes Visuais, Teatro e Dança. E propõem que as atividades desen-volvidas possibilitem aos alunos a percepção das várias artes.

432 433

Um exemplo disso seria finalizar um período com um tra-balho teatral, cuja atividade mostrasse relação com outras artes, como exemplo, a música. Ou seja, que essa atividade fosse capaz de entender as artes não na sua dimensão indi-vidual, mas como elas interagem e somam no fazer artístico.

Para Cunha (2012), ao sugerir essa dinamicidade no ensino de artes, os PCNs devem ser meios de consulta para nortear o trabalho do professor, pois servem de suporte para a reflexão, possibilitando mudanças qualitativas na ação do professor em sala de aula. A autora compreende os PCNs como um avanço na dimensão do ensino da disciplina, pois a partir do momento em que eles incorporam os três eixos norteadores, como produzir, apreciar e contextualizar, apon-tam perspectivas de trabalho e de compreensão da arte para além de atividades descoladas do contexto dos estudantes.

Para Nascimento (2012), pensar numa educação com arte é, antes de tudo, pensar numa educação que dê ao aluno a chance de poder desenvolver seu potencial de criação, de produção, de execução de suas atividades. Segundo essa autora, no momento atual, a escola tem o papel de elo entre o que a sociedade propaga e o desejo dos alunos em pode-rem desenvolver atividades que suas vontades e seus sonhos idealizam.

Porém, a mesma alerta para o fato dos PCNs não darem fórmulas prontas, mas fornecem subsídios importantes em suas orientações didáticas. Cabe ao professor desenvolver reflexão pedagógica específica para o ensino das diferentes modalidades artísticas em seu cotidiano docente.

Sendo assim, a busca de aperfeiçoamento do professor é essencial para garantir o direito dos alunos de experimen-tar tais modalidades de forma coerente e democrática. Por outro lado, o interesse do aluno pela disciplina de artes é sem dúvida um fator primordial para que o professor, uma vez bem formado, possa ajudá-lo a se formar como um indiví-duo crítico capaz de conhecer, apreciar e fazer arte.

Diante disso, educar em artes requer um comprometi-mento dos três lados envolvidos nessa questão: do professor, do aluno e da escola de maneira geral. Sem um desses lados, os outros não irão se desenvolver bem, consequentemente todos os outros serão prejudicados.

Nesse sentido, o professor precisa estar comprometido com um ensino de qualidade e na aplicação de planos de aulas que envolvam os alunos, que os levem a pensar criti-camente, pois este é o mediador dos conhecimentos. Inovar no ensino é uma responsabilidade constante e que exige formação, compromisso e dedicação no ato de trabalhar os conteúdos propostos.

Metodologia triangular

As reflexões sobre ensino, de forma geral, principalmente na década de 1980, tiveram uma busca por ações que valori-zassem as vivências dos alunos em relação às questões sociais e que possibilitassem o desenvolvimento de uma consci-ência crítica. De maneira semelhante, o ensino de artes, como vimos no relato histórico da seção anterior, conseguiu

434 435

impedir a saída da disciplina como área de conhecimento no currículo escolar.

Uma vez conquistado isso, buscou-se discutir metodo-logias para conduzir um trabalho conectado com a reali-dade dos assuntos. Nesse aspecto, a arte-educadora Ana Mae Barbosa é conhecida como uma estudiosa que deu grande contribuição ao propor uma Metodologia Triangular para o ensino das artes, que visa o ensino da mesma de forma inte-grada: fazer, analisar e conhecer a história da arte.

Nessa proposta, o professor não deve se limitar a repro-duzir uma obra, mimetizando os artistas que a produziram, mas para, além disso, incentivar o aluno a analisá-la a partir do entendimento das influências históricas que permitiram sua criação. Acessando isso, o estudante analisa e pode pro-por sua reprodução ou releitura.

Após décadas de discussões e análises sobre metodolo-gias no ensino de artes, uma boa parte dos arte-educadores concorda com essa proposta, uma vez que defende que os estudantes devam vivenciar e compreender as linguagens da arte a partir da experiência de fazer formas artísticas e tudo que entra em jogo no percurso criador; valorizando os recursos pessoais, a pesquisa de materiais e técnicas, possibi-litando um trabalho centrado na percepção, na imaginação e na reflexão.

Os próprios PCNs, ao proporem três eixos norteadores: produzir, apreciar e contextualizar, sugerem a metodologia triangular no ensino de artes, uma vez que essa proposta auxilia no encaminhamento de medidas comprometidas com os temas transversais, a exemplo da pluralidade cultural, questões ambientais, orientação sexual, consumo e saúde.

Formação de professores de artes

Para Gomes e Nogueira (2008), é necessário refletir sobre a formação de professores de arte, uma vez que as mudanças nessa área saíram de um ensino que visava atender aos interesses de um Estado nacionalista e centralizador para uma educação afetada pela globalização da economia e pela pós-modernidade.

Encontrar uma definição para a educação na pós-moder-nidade significaria, segundo Souza (2003, p.15), enfrentar, de modo crítico, “as principais questões que regem os proces-sos de subjetivação do mundo atual”, bem como entender a cultura da nossa época, em que os sujeitos encontram-se constituídos em torno do consumo, do tempo livre e do prazer. Diante disso, o autor propõe a seguinte reflexão: o que significa formar professores de arte nos dias atuais?

Um ponto destacado por Gomes e Nogueira (2008) é a necessidade de cursos de licenciatura em todo o país para atender aos professores que atuam sem a formação mínima, o que já está bem evidenciado no Plano Nacional de Educação de 2001. Contudo, a preocupação das autoras vai mais além ao destacar a qualidade dessa formação.

Para elas, se os professores de arte, como dizem os PNCs, são agentes culturais e políticos que promovem a oportu-nidade de efetivação de uma cidadania ativa e participante, envolvendo as práticas artísticas, logo precisam estar bem preparados para abordar esses conteúdos de forma a levar seus alunos a refletirem.

436 437

Mesmo se resolvida a questão de formação na área, Cunha (2012) defende que o educador em artes deve pre-ocupar-se com seu processo de formação continuada, uma vez que a mesma ocorre em suas experiências diárias e por meio de pesquisas, oportunidade em que o professor reflete, constrói e reconstrói sua prática.

A autora evidencia, ainda, que a postura do professor para desenvolver um bom trabalho de artes deve ser o de identi-ficar os interesses, vivências, linguagens, conhecimento sobre artes e a prática de vida dos seus alunos. Apenas com essa compreensão sobre o ensino de artes, somada a sua busca como professor, poderá definir um bom ensino de artes.

O ensino de artes em Araruna: um grupo em evidência

A parte empírica de nosso trabalho oferece, como já mencionamos, uma análise da concepção de 05 professores de artes das escolas da área urbana da cidade de Araruna, na Paraíba. Para obtenção dos dados, foram aplicados questio-nários com 16 perguntas, sendo 14 objetivas e 02 subjetivas. Na apresentação dos dados, utilizamos gráficos e descrições das respostas dos professores pesquisados. No caso das des-crições literais, os professores serão identificados por símbo-los (como por exemplo, P1 – Professor 01).

A totalidade dos professores de artes entrevistados neste trabalho é do sexo feminino. Essa constatação pode ser entendida como apenas uma coincidência, porém pode ser também indicativa de que o ensino de artes em Araruna-PB ainda é visto de forma preconceituosa, como uma atividade

feminina, que visa não estimular a sensibilidade estética, mas sim as históricas prendas domésticas, como mostram os autores que discutem os aspectos históricos do ensino de artes tradicional. Ou seja, apesar do ensino de artes ter pas-sado por significativas mudanças desde a metade do século passado, nesse sentido ainda parece manter características do ensino da escola tradicional.

A pesquisa identificou também que apesar das profes-soras possuírem formação superior, nenhuma das docentes tem graduação na área de artes. O gráfico abaixo apresenta a distribuição das graduações: 02 (duas) professoras com for-mação em história; uma (1) em letras; uma (1) em biologia; e uma (1) das professoras informou apenas que possuía grau superior, mas não disse em que área.

A formação do professor de artes, como vimos, também foi uma das preocupações dos autores discutidos neste traba-lho, não só pelo fato da formação superior em artes discutir aspectos específicos que uma graduação em outra área não oferece, mas também porque o ensino da atualidade está imerso em influências da globalização em que o professor deve ser capaz de levar ao aluno a conhecer a sua e outras culturas e a partir delas ser capaz de analisar o mundo ao seu redor.

Sendo assim, a ausência de uma formação na área, a nosso ver, oferece novos desafios aos professores de artes que já possuem desafios até demais em seus cotidianos.

438 439

Gráfico 1 - Graduação dos entrevistados Fonte: Produzido pelas autoras

Quanto à formação em nível de pós-graduação, três (3) delas informaram que não possuem especialização, enquanto uma (1) possui na área de línguas e ensino e uma (01) outra professora está concluindo sua especialização, mas não informou a área. Como vemos, as professoras entrevistadas seguem sua formação em nível de pós-graduação em suas áreas iniciais, o que, a priori, não oferece um reforço para o ensino de artes.

Sobre o tempo de serviço na área de artes, uma (01) das professoras informou que possui apenas 03 meses; uma (01) tem 1,2 anos; uma (01) 7 anos; e duas (02) possuem 15 anos de experiência. Ou seja, há uma importante variação, sendo possível encontrar do professor iniciante até professor com bastante experiência de sala de aula.

Perguntamos também às professoras se as mesmas rece-beram algum tipo de treinamento na área para atuar em sala de aula. Três (03) responderam que sim e duas (02) que não.

Sobre o espaço para realização das aulas, três (03) profes-soras disseram que contam com espaço adequado, enquanto outras duas (02) disseram que não possuem.

Em relação à pergunta se há material didático adequado, três (03) disseram que o material disponível é razoável, uma (01) afirmou que sim e outra (01) que não. Nesse aspecto, é importante lembrar que a internet permite inúmeras pos-sibilidades de acessar obras de artes que no passado não era possível de se imaginar apresentar em sala de aula. Porém, se por um lado as novas tecnologias oferecem novas possibili-dades, também é verdade que essa realidade encontra outras dificuldades no cotidiano da escola, como a dificuldade de acesso à Internet, por exemplo.

Sobre a utilização dos materiais disponibilizados pelo MEC, quatro (04) professoras afirmaram usar apenas “às vezes”, e uma (01) afirmou nunca ter utilizado.

Gráfico 2 - utilização de material do MEC Fonte: Produzido pelas autoras

440 441

Quando perguntamos como as docentes avaliam o inte-resse dos alunos pelas aulas de artes, três (03) responderam que esse interesse é razoável, enquanto duas (02) disseram ser grande.

Gráfico 3 - Interesse dos alunos pela disciplina Fonte: Produzido pelas autoras

Quando questionamos as professoras se as mesmas se sentem preparadas para lecionar artes nas escolas, todas res-ponderam unanimemente que sim. Ou seja, mesmo sem formação em nível de graduação, ou mesmo pós-graduação, as docentes se autoavaliam preparadas para os atuais desafios no ensino de artes, que inclui, como mostrou a discussão teórica, trabalhar com quatro modalidades artísticas, visando desenvolver um olhar crítico nos estudantes. Diante disso, é possível entender que as referidas professoras estão satisfeitas com seu desempenho em sala de aula.

Quando perguntamos sobre quais linguagens artísticas as mesmas trabalham em sala de aula, quatro (04) professoras informaram a opção “todas elas”. Ou seja, as opções dadas foram as mesmas previstas nos PCNs: artes visuais, teatro,

música e dança. Apenas uma professora informou que tra-balha três delas: teatro, música e dança. É importante des-tacar que se trata apenas de uma recomendação dos PCNs e não uma obrigatoriedade, mas que ao trabalhar mais de uma modalidade artística, que se busque a interação dessas linguagens. Conforme o resultado da pesquisa, mesmo sem formação na área, a maioria das professoras trabalham todas as modalidades.

Gráfico 4 - Modalidades lecionadas Fonte: Produzido pelas autoras

Quando perguntamos se as mesmas preparam as aulas com base nos PCNs, 100% responderam que sim. A justi-ficativa para isso foi apresentada por P1 como “uma ótima maneira do professor adquirir conhecimento”. P2 disse que “seria impossível trabalhar sem os PCNs, é fundamental na disciplina de artes”. Já P3 disse que “os conteúdos trabalhados na obra ganham gradativo evolução e complexidade”. P4 afirmou

442 443

que “é necessário auxílio dos PCNs para o planejamento das aulas...” P5 que “unindo os PCNs à realidade da escola”.

Quando questionamos aos professores entrevistados qual o papel do ensino de artes nas escolas, as respostas se distri-buíram da seguinte forma: P1 nos disse que “A arte é impor-tante na escola para os alunos descobrirem coisa nova, como é bom se dedicar a pintura, a música e a todas as coisas que a arte nos proporciona.”

Para P2, “A arte é de grande importância mesmo com as difi-culdades que encontramos é fundamental para que o aluno trabalhe usando sua imaginação desenhando e pintando, etc.”

Para P3, “Expressar-se e comunicar-se com artes, de forma pes-soal ou coletiva, ligando percepção e emoção, sensibilidade, clareza e praticidade, características da educação artística”.

Para P4, a arte serve para “Proporcionar ao aluno uma visão construtivista e reconstrutiva sobre o meio artístico em que o mesmo encontra-se inserido”.

Para P5, o ensino de artes deve “Dar suporte a outras dis-ciplinas e incentivar a criatividade dos alunos”.

As respostas dadas pelas professoras, apesar de alguma forma ser parte do universo do ensino de artes, sinalizam um distanciamento do entendimento da importância do papel que o ensino de artes tomou nas últimas décadas.

Ao perguntarmos sobre quais métodos as professoras uti-lizavam em sala de aula para ensinar artes, as respostas se distribuíram da seguinte forma: P1 respondeu que “Pintura, desenho, teatro, músicas e outros”; P2 nos disse que “Aulas explicativas, desenhos, pintura, teatro, etc.”; P3 – “Aula expo-sitiva e explicativa, dialogada e prática, ampliando a habilidade

de identificar, criar, desenhar, pintar, modelar e improvisar obras de artes”; P4 – “Análises de filmes, imagens, culturas; Reflexões sobre percepções artísticas; Produção de artes”; e P5 respondeu que “Aulas práticas e aulas teóricas”.

As respostas dadas pelas professoras são bastante signifi-cativas, uma vez que nenhuma delas cita os três passos que constam nos PCNs como necessários para o ensino de arte: produzir, apreciar e contextualizar. No lugar disso, temos diversas respostas que confundem as próprias linguagens artísticas com o método de ensino adotado. Apenas P4 e P5 fazem descrições metodológicas, que mesmo assim não indicam, necessariamente, aproximação com os três passos sugeridos pelos PCNs.

Considerações finais

Nosso artigo tratou da trajetória do ensino escolar de artes, suas dificuldades e seu papel atual na construção de uma visão crítica nos alunos da educação básica. Por meio de nossa análise empírica, demonstramos que o corpo docente na área do ensino de artes na cidade de Araruna-PB é com-posto por mulheres que possuem tempos de experiências de ensino que variam de 03 meses a 15 anos. Das cinco professoras que atuam em artes nas escolas da área urbana, nenhuma possui formação na área de artes, seja em nível de graduação ou pós-graduação.

Apesar dessa realidade de formação, que inclui uma pro-fessora formada em biologia, a grande maioria (04) afirmou trabalhar com as quatro modalidades (artes visuais, teatro,

444 445

música, dança) sugeridas pelos PCNs em sala de aula e todas (05) se avaliam como preparadas para o ensino de artes.

Apesar de todas também afirmarem que seguem os PCNs para se basear em relação ao ensino. Ao serem questionadas sobre o papel da arte na escola, mostraram não compreender bem o objetivo da disciplina na formação do cidadão crítico.

De forma semelhante, ao serem questionadas sobre a metodologia de ensino que usavam para ensinar, além de nenhuma citar os três passos propostos pelos PCNs, a grande maioria citou que usava música, teatro, etc., numa clara con-fusão sobre as habilidades artísticas e os seus métodos de ensino.

Diante disso, a pesquisa realizada possibilita concluir que se a realidade é de um professor sem formação na área, é necessário buscar essa formação durante sua atuação, uma vez que essa parece ser a realidade na grande maioria das escolas. Além disso, como nos diz Cunha (2012), o professor também deve ser responsável por essa busca incessante de aprender.

Os PCNs, pelo amadurecimento que já apresentam sobre a área de ensino de artes, podem ser um norteador do trabalho do professor, mas não sua única fonte. E quanto à falta de material, os acervos que o MEC tem oferecido, assim como os museus virtuais na Internet, são alternativas que podem tornar a aula de artes mais prazerosa e reflexiva.

Contudo, o resultado mais contundente dessa análise ainda parece ser o desinteresse do poder público, assim como dos próprios professores, tanto em investir na formação con-tinuada nessa área, como em alargar a compreensão sobre a importância do ensino de artes na atualidade.

Referências

ARSLAN, Luciana Mourão. Ensino de arte. São Paulo: Thomson Learning, 2006.

BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil. Realidade hoje e expectativas futuras. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n7/v3n7a10.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2014.

BARBOSA, Ana Mae (Org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2003.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

CUNHA, Júlia M. de J. Ensino de artes: dificuldades, expe-riências e desafios; Periódico de Divulgação Científica da FALS, Ano VI, n. XIV-DEZ, 2012.

FERRAZ, Heloísa C. Toledo; FUSARI, Maria F. de Rezende. Arte na educação (Coleção Magistério 2º grau. Série formação geral) – São Paulo: Cortez, 2001.

GOMES, Karina B; NOGUEIRA, Sonia M. de A. Ensino da arte na escola pública e aspectos da política educacional: contexto e perspectivas; Ensaio: aval. Pol. Públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, p. 583-596, out./dez. 2008.

446 447

NASCIMENTO, Vanderléia S. de J. Ensino de arte: contri-buições para uma aprendizagem significativa. II Encontro FUNARTE, políticas para as artes, 2012.

SOUZA, S. J. Educação na pós-modernidade. Educar para quê? In.: SOUZA, S. J. (Org.). Educação @ pós-moder-nidade. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003.

O ENFOQUE DA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA TECENDOSABERES

NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Márcia Teresa dos Santos1

Edivan Gonçalves da Silva Júnior2

Maria do Carmo Eulálio3

Introdução

O presente trabalho é um desmembramento de uma monografia de conclusão do Curso de Especialização Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas, do programa de pós-graduação Lato Sensu oferecido pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Entre os objetivos pretendidos com a realização deste trabalho, destaca-se principalmente a necessidade de demonstrar que a perspectiva da Educação

1 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). 2 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). 3 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

448 449

Transformadora pode ser adotada no currículo da Educação Física. No decorrer do texto, será apresentado brevemente o histórico do desenvolvimento do componente educação física, inicialmente caracterizado por um modelo militarista e higienista e tecida uma breve discussão sobre os desafios que se apresentam para o professor no exercício de forma-ção e ensino. Por fim, como forma de ilustrar os desafios que se apresentam na adoção de uma perspectiva transfor-madora em educação, será descrita uma experiência singular no exercício da docência em educação física.

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a de Revisão Bibliográfica, baseada na exploração do campo da educação física, cultura e educação transformadora. Utilizamos, por-tanto, produções que contextualizam historicamente estas temáticas. Para sua realização, partiu-se do princípio de que o trabalho de revisão bibliográfica tem como função essen-cial a investigação e levantamento de informações sobre determinada temática estudada (JARDILINO; SANTOS; ROSSI, 2000).

A prática da educação física nas escolas apresenta-se como um importante potencial de integração e inclusão de alunos em atividades que privilegiam a livre expressão, contribuindo, deste modo, para que sejam abertos espaços onde estes possam desenvolver sua criatividade, expressar e ampliar suas habilidades e participar ativamente da constru-ção do conhecimento escolar.

Considerando o contexto de valorização da capacidade de expressão e da criatividade do aluno, é importante ava-liar quais as possíveis condições que contribuem para que

esta prática exerça efetivamente o seu papel na otimização do processo de ensino-educação. Deste modo, destaca--se a temática da Educação Transformadora, compreendida como uma possibilidade de rompimento com as hierarquias que limitam e condicionam professores e alunos a um sis-tema unilateral de interesses, de engessamento das relações escolares. Discutem-se, portanto, as possibilidades de um ensino problematizador, integral e humanizado nos espaços escolares.

A perspectiva da educação transformadora pode ser con-siderada a partir dos pressupostos desenvolvidos por Paulo Freire (1982), cuja preocupação esteve voltada para a pro-moção de uma educação crítica dos atores escolares, num movimento integrado pela sociedade, em cuja base do pen-samento está pautada no ideal do “ser no mundo e com o mundo”, deste modo, defende-se uma visão integrada de homem para esta educação:

(...) A integração resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da capacidade de transformá-la a que se junta a de optar, cuja nota fundamen-tal é a criatividade. Na medida em que o homem perde a capacidade de optar e vai sendo submetido a prescrições alheias que o minimizam e as suas deci-sões já não são suas, porque resulta de comandos estranhos, já não se integra. Acomoda-se, ajusta-se. O homem inte-grado é o homem sujeito. A adaptação

450 451

é assim um conceito passivo – a inte-gração ou comunhão, ativa. Este aspecto passivo se revela no fato de que não seria o homem capaz de alterar a rea-lidade, pelo contrário, altera-se a si para adaptar-se. A adaptação daria margem apenas a uma débil ação defensiva. Para defender-se, o máximo que faz é adap-tar-se (FREIRE, 1967, p.42).

Segundo Galvão (1995), a educação transformadora conserva o movimento desenvolvido por Freire, tratando da educação como um processo de conscientização e de ação no mundo, de valorização das interações entre os indivíduos e destes com a realidade em que vivem.

A realização deste trabalho configura em uma resposta da adoção de uma nova perspectiva de ensino dentro do campo da Educação Física, ao antigo modelo de Educação Física Militarista e Higienista, predominante no Brasil até o início da década de 1980. De acordo com Ghiraldelli Júnior (1988); Bracht (1999); Silva (2012) e Castellani Filho (2013), o modelo militarista e higienista promoveu, durante muitos anos, a divisão dos alunos em grupos de aptos e não aptos para a prática da educação física, reduzindo a prática desta disciplina ao mero exercício do esporte nas escolas, sob um discurso ideológico de culto ao corpo e à força.

Levando em consideração o histórico em que se deu inicialmente o desenvolvimento da educação física nas escolas brasileiras, influenciadas pelo modelo militarista, torna-se relevante atentar para a existência dos discursos

produzidos ao longo dos anos e que de certa forma ainda continuam determinando a postura de muitos educadores físicos no desenvolvimento de suas atividades com os alunos nas escolas. Faz-se, então, necessária a produção de refle-xões sobre a prática do educador físico nas escolas, que ao entrar em contato com os alunos pode facilitar ou dificultar a sua capacidade de livre expressão e de construção de seu conhecimento.

EDUCAÇÃO FÍSICA: considerações sobre o modelo militarista e higienista

Durante o regime de ditadura militar no Brasil, mais pre-cisamente na década 1930, sob o governo de Getúlio Vargas, surgiu uma prática corporal denominada de Educação Física Militarista e Higienista, cujas atividades físicas praticadas nas escolas tinham a função de transformar o corpo em saudá-vel e viril, servindo de imagem para o movimento patriota e nacionalista vigente (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988; BRACHT, 1999). Tais concepções serviam de base para a construção de uma ideologia permeada por interesses da classe dominante, baseada principalmente na ideia de um adestramento físico do trabalhador que precisava estar qualifi-cado para assumir um cargo no recente sistema industrial que se implantara (SILVA, 2012; CASTELLANI FILHO, 2013).

Segundo Chiraldelli Júnior (1988), neste período, bus-cava-se mascarar as reais condições de saúde pública em que se encontrava o país, através do ideal de saúde construído sob um discurso militarista, de transmissão e manutenção

452 453

de uma imagem de força e virilidade da nação. Para tanto, tais concepções promoveram no berço das escolas a ideia de que a única forma de ser saudável seria mantendo um corpo forte, negando ou negligenciando os aspectos culturais na formação dos sujeitos.

Os esforços direcionados para um bom rendimento físico da população surgiu também como resposta à necessidade de adestramento e de capacitação física da massa trabalhadora brasileira, a fim de promover a formação de trabalhadores a serviço da produção capitalista, ascendente com o modelo industrial, que então sucedia o anterior sistema agrário--comercial exportador (CASTELLANI FILHO, 2013).

No que diz respeito à introdução da prática esportiva nas escolas, destaca-se que esta foi decorrente, entre outras causas, da derrota do Brasil na copa do mundo de 1966 (AZEVEDO JÚNIOR, 2008). A partir deste acontecimento, percebeu-se que não havia no país uma política pública a favor do esporte. Como resultado, foram modificados os currículos dos cursos de educação física para atenderem à demanda de formação e seleção dos mais aptos para a prática esportiva, de modo que a figura do professor foi trocada pela figura de verdadeiros técnicos esportivos. Neste contexto, percebe-se mais uma vez a predominância de um currículo pautado sob um parâmetro de aptidão física, característico no ensino da educação física até o início dos anos de 1980, conforme assinala Castellani Filho (2013).

Em termos gerais, a tendência pedagógica dita higienista foi supostamente delineada nas escolas através do modelo de práticas corporais com o qual a área médica assumiu um

papel de reconhecimento do corpo fragmentado, permi-tindo a emergência de conceitos de um corpo anatomo--fisiológico, um corpo polido de acordo com o pensamento militarista e higienista da época (BRACHT, 1999; SILVA, 2012). A ideia de uma educação física estava arraigada, nesse período, a um modelo de saúde com foco biofisiológico (CASTELLANI FILHO, 2013).

Considera-se que todo o processo educacional partia do princípio de que o desempenho, a disciplina, a ordem e a força, por exemplo, deveriam ser objetivos a serem atingi-dos. Para tanto, a Educação Física Escolar era investida não somente da capacidade de promover saúde e de disciplinar a juventude, mas também ela era conservada sob o foco emi-nentemente educativo (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988). Foi a partir desta lógica, de aprimoramento da aptidão física do brasileiro, conforme aponta Castellani Filho (2013), que se fundamentou a formação e produção dos primei-ros conhecimentos dos profissionais da Educação Física no Brasil. Cabe aqui repensar a prática do educador físico nas escolas, refletindo sobre os resquícios desta formação inicial na atualidade.

Mudanças no currículo da Educação Física

A mudança do currículo da educação física para uma disciplina que promove o esporte dentro do contexto esco-lar não pode ser considerada suficiente para modificar a ideia instaurada com os pressupostos militaristas e higie-nistas, visando ao predomínio de um parâmetro de aptidão

454 455

física. Observa-se, dessa forma, que a introdução da prática esportiva, inicialmente, pode ter reforçado ainda mais tal concepção.

Atualmente considera-se que a introdução de um esporte de educação ou esporte-educação na escola tem priorizado o homem como ser integral, dotado de habilidades motoras, cognitivas e afetivas. Porém, ainda existe uma forte influên-cia de um ideal segregacionista, com o qual o esporte perde o seu caráter inclusivo, de universalidade, para então ser mais estimulado, especificamente, para os dotados de certas habilidades motoras, ou privilegiando determinado gênero em detrimento de outro. Em se tratando do privilégio de determinados grupos para as práticas esportivas, observam--se resquícios do modelo militarista, o que constitui uma influência, segundo Inocencio et al. (2008), de alguns países como: EUA, Canadá, Argentina e Portugal.

Foi a partir dos anos de 1980, período marcado pela luta por uma redemocratização da sociedade brasileira, que o país começou a passar por mudanças paradigmáticas que contribuíram significativamente para a emergência de trans-formações no currículo da Educação Física (CASTELLANI FILHO, 2013). Como resultado dessas transformações, observou-se uma inadequação dos modelos até então ado-tados, nos quais predominava a concepção de uma educação fragmentada do homem. Percebeu-se, com isso, a necessi-dade educacional de promover a ascensão dos alunos a níveis superiores de consciência (MEDINA, 1983).

As mudanças ocorridas no currículo da educação física são devidas, portanto, a movimentos desenvolvidos na

sociedade brasileira, de modo que no campo da educa-ção destacou-se, principalmente, o educador Paulo Freire, importante militante na busca por uma educação política, igualitária, libertadora, e, sobretudo, transformadora. Em seu trabalho sobre a Pedagogia do Oprimido, Freire (1970) des-taca a importância da luta do oprimido pela libertação do seu processo histórico social, marcado pela opressão, e da potencialização das condições provenientes de sua própria realidade sociocultural como importante ferramenta para tal pretensão. É através do exercício da consciência que o sujeito pode ultrapassar esse modelo de opressão. A educação, neste caso, deve resultar num trabalho político de transformação desta sociedade de opressores e oprimidos.

Através da tomada de conscientização por uma educação política, de libertação, consideramos, no campo da Educação Física, uma prática que privilegie transformações nos modos de pensar e agir a educação, situando-a, de acordo com Galvão (1995), como uma Educação Física Transformadora. Esta perspectiva de educação é centrada no respeito às expe-riências do aluno, onde ele é convidado a pensar e expressar seus desejos e necessidades, podendo solucioná-los ativa-mente. O aluno passaria a apresentar uma identidade diante dos aspectos culturais, construindo uma ação social coletiva, com a troca de valores de competição, para os de aceitação de suas capacidades individuais, espírito de liderança, solida-riedade e cooperação.

456 457

Por uma Educação Física transformadora

Promover uma Educação Física que transcenda os limi-tes impostos pela necessidade de aptidões físicas específi-cas para a prática esportiva, de modo a contribuir para a desmistificação do corpo, constitui um importante objetivo da Educação Física transformadora. Para tanto, é necessário compreender em sua abordagem os pressupostos de uma educação amparada no ensino da cultura, que seja crítica aos valores que aprisionam as representações sobre o corpo, que estimule novas formas de interação entre os indivíduos e destes com o mundo em que vivem (BRACHT, 1999; GALVÃO, 1995). Trata-se de abordar o homem enquanto ser histórico e cultural no mundo:

Sua ingerência, senão quando distor-cida e acidentalmente, não lhe permite ser um simples expectador, a quem não fosse lícito interferir sobre a realidade para modificá-la. Herdando a experi-ência adquirida, criando e recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da his-tória e da cultura (FREIRE, 1967, p. 41).

No contexto dessas modificações, merece destaque a luta pela superação da exclusão de grupos no acesso às variadas

modalidades de atividades esportivas. Trata-se de buscar avançar sobre a determinação de relações de poder justifica-das através de diferenças sociais, de gênero ou de condição física e mental, que em nada devem restringir a participação e engajamento dos alunos em suas atividades nas escolas.

Os gestos, movimentos e sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados pelos alunos nas escolas. Tem-se aí um ponto de atenção, que merece cautela, quando se espera do processo de ensino e aprendizagem a articula-ção de saberes, a promoção de um espaço compartilhado de produção do conhecimento. Neste espaço, aprende-se a ouvir, a falar e a calar. Aprende-se também a preferir. Todos os sentidos são treinados, fazendo com que cada um e cada uma conheçam os sons, os cheiros, e os sabores “bons” e decentes e rejeite os indecentes. Aprenda o que, a quem e como tocar (ou, na maioria das vezes, não tocar), fazendo com que se tenha alguma habilidade em prejuízo de outras habilidades. Considera-se, portanto, que todas essas expe-riências que se fazem presentes no contexto da educação escolar são atravessadas pela diferença e que devem ser res-peitadas no contexto escolar (LOURO, 2014).

Buscando analisar os processos de construção de práticas pedagógicas inovadoras no campo da Educação Física esco-lar, Faria et al. (2010), desenvolveram estudos de casos com professores, analisando elementos de sua prática docente. Os autores apontam, a partir de suas observações, que se faz necessário romper com a ideia de uma prática pedagó-gica fundamentada somente em aulas teóricas e, portanto, distantes dos elementos da própria cultura corporal e do

458 459

movimento. Entretanto, os autores destacam a importância da abertura de discussões e reflexões nas aulas de educação física, o que não limita o alcance deste componente que pri-vilegia em grande parte o exercício físico dos alunos.

Em outro estudo desenvolvido por Borba, Wittizorecki e Bossle (2013), com professores de educação física de duas escolas públicas da cidade de Porto Alegre, buscou-se inves-tigar a micropolítica escolar e o trabalho de docentes em educação física, visando identificar disputas e alianças que resultam dessa interação. O estabelecimento dessas relações pode atuar, segundo os autores, como entraves na elabo-ração e realização de projetos de transformação de uma determinada relação, assim como facilitadores de sua con-dução. Os resultados encontrados neste estudo demonstra-ram que os modos das relações estabelecidas no contexto escolar influenciam o trabalho dos docentes, de maneira que estes podem se posicionar como “aprendentes” das dinâmi-cas micropolíticas escolares. Esse fato desafia os docentes a operarem de forma sensível e transformadora, atendendo aos interesses da comunidade escolar, e não apenas aos seus próprios interesses presentes em seus projetos e conjetu-ras pedagógicas. Vê-se, com esse trabalho, que o exercício de uma educação física transformadora não constitui uma prática de interesse unilateral, mas que requer a atenção da realidade na qual está situada a escola, juntamente com a comunidade que a compõe, devendo ser pautado segundo as demandas que advêm desta e dos pressupostos que resultam da formação e experiência dos professores.

A prática da educação transformadora surge, então, como uma relação dialética, na qual homem e sociedade compõem uma unidade de constante transformação (GONÇALVES, 1994). Nela, estão implicados alunos, professores, pais de alunos, a comunidade escolar como um todo.

Os desafios para o professor

Abordar a temática da melhoria do ensino significa, antes de qualquer coisa, envidar esforços para a promoção de uma educação de qualidade (LIMA, 2007). Em vista disso, a figura do professor surge como importante agente transformador e contribuinte para a otimização das condições de ensino. Um bom exercício da docência demanda o investimento numa formação constante, uma vez que o trabalho em educação se desenvolve de forma dinâmica e complexa.

Em sua exposição sobre a formação permanente do pro-fessorado, Francisco Imbernón (2009) aborda como tema central a questão da complexidade que envolve o processo de formação dos professores, processo esse sustentado numa diversidade de demandas que surgem no campo escolar e que não podem ser negligenciadas pelos docentes em seu contato com os alunos e com a realidade escolar.

No tocante à educação física, o grande desafio que se apresentava a partir do surgimento de novas necessidades sociais, advindas com o fim da ditadura no país, por exem-plo, não era mais o de preparar tão somente um novo cur-rículo para o ensino da educação física nas escolas, mas, sobretudo, o de lidar com a formação do profissional de

460 461

educação física em contato com as novas demandas e novos ideais emergentes.

De acordo com Inocêncio et al. (2008), os professores não foram atores participantes do processo de transforma-ção curricular quando da exigência de novas posturas diante do exercício da prática docente, e a ideia de uma educa-ção física tecnicista continuava arraigada no histórico de sua própria formação. Surgia, aos poucos, uma metodologia que precisava ser adquirida pelo professor de educação física diante do novo cenário nacional, uma vez que sua antiga formação trazia como prática uma visão voltada para os aspectos militaristas, onde o seu exercício reproduzia valo-res de higiene e de um corpo saudável e robusto. Diante desta condição, Medina (1983) relata que a área em questão, necessariamente, precisava evoluir e denominou esta con-dição de reprodução de uma postura já ultrapassada, como uma postura de “conformismo”, adotada pelo professor.

Vale salientar que não foi somente o componente cur-ricular “educação física” que passou por um processo de transformação, como também a própria pedagogia, assim como outros setores da sociedade também necessitaram se “libertar” deste momento obscuro em que se encontrou por muitos anos a sociedade brasileira. Após o fim da ditadura militar, com o fim do golpe de sessenta e quatro, o processo de redemocratização que se instaurava na sociedade brasileira foi marcado pela volta de pensadores da educação, antes exi-lados, e que tiveram a missão, a partir de seu retorno ao país, de repensar como poderiam intervir sob a então dominante prática pedagógica considerada massificadora e alienante.

Laguillaumie (1978) comenta que diante da opressão e do controle burocrático das massas através das práticas des-portivas deve ser recordado permanentemente que existe um só esporte, que é burguês em sua essência, em sua finali-dade e organização. Neste ponto, Berthaud e Brohm (1978) apresentam o princípio do “rendimento”, introduzido pelo capitalismo, como uma das razões da impossibilidade para um humanismo desportivo.

Baseado no princípio de rendimento, o esporte tam-bém passa a ser considerado por autores, como Laguillaumie (1978), um instrumento de alienação e necessariamente está incutido nas massas, fazendo parte de um processo cultural. O que difere um conteúdo do outro, ser ou não ser um ins-trumento de alienação, não implica apenas na forma como este instrumento é utilizado, mas na identidade de uma socie-dade que separa e categoriza, a partir de suas experiências, e começa a perceber o que é melhor para si. Vale salientar que um olhar crítico depende exclusivamente da tomada de consciência por cada indivíduo, que a partir do exercício crí-tico poderá transcender aos valores que os dominam, opri-mem e que os massificam, conforme defendido por Freire (1970). Logo, a educação de um modo geral deve ser com-preendida pela sua complexidade e potencial libertador.

Refletir a complexidade no contexto da educação, mais precisamente no contexto da formação do professor, sig-nifica reconhecer a exigência de uma formação contínua, permanente, tendo em vista a dinamicidade da realidade social, que surge através da mudança de valores, da aquisi-ção de novas tecnologias, ou seja, de um ciclo de mudanças

462 463

que atravessam o espaço escolar – dito que não pode ser compreendido fora do contexto social em que está inserido (IMBERNÓN, 2009).

Os riscos para o exercício de uma educação física trans-formadora apresentam-se quando educadores se cobrem da pretensa capa de neutralidade, adotando uma filosofia ingê-nua, não crítica, ocultando o seu verdadeiro interesse, que neste caso está relacionado a um modelo de reprodução. Precisa-se de uma filosofia crítica, perante esta primeira ide-ologia, para então abraçar realmente a perspectiva de trans-formação (FERREIRA, 1984). Defende-se como prática transformadora do professor:

A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica produzir sua compre-ensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação, que não se funde na dialogicidade. O pensar certo, por isso, é dialógico e não polê-mico (FREIRE, 1997, p.42).

O papel da conscientização defendido por Paulo Freire diz respeito a uma decifração do mundo, ultrapassando as aparên-cias escondidas atrás de máscaras e ilusões. Para tanto, paga-se “o preço da crítica, da luta, da busca, da transgressão, da deso-bediência, enfim, da libertação” (GADOTTI, 1981, p.35).

Uma experiência singular no campo da Educação Física

A experiência aqui abordada refere-se ao trabalho da primeira autora como educadora física com pré-adolescen-tes e adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 10 a 14 anos de uma Escola Pública Estadual, localizada em um bairro da capital do Estado da Paraíba.

Observa-se que estes alunos expressam uma compre-ensão de corpo ligada diretamente ao esporte, portanto as atividades físicas se conectam intimamente ao seu exercício, parecendo, então, que não resta opção para outra atividade. É louvável terem a ideia de associação do esporte com a saúde e de manterem o estímulo para a prática esportiva, instigada por aspirações de um futuro melhor e pela oportunidade de alcançar um lugar de reconhecimento através do esporte.

Estes alunos pertencem à parcela desfavorecida econo-micamente, os interesses se encontram ainda muito volta-dos para o consumo, fruto de uma sociedade consumista e excludente, balizada enfaticamente pela mídia televisiva, ditando valores e ideais para toda sociedade.

As escolhas dos estudantes, em questão, demonstram ati-tudes pautadas na barganha e “esperteza” individualizadas, evidenciadas pela dificuldade de realizarem trabalhos em equipe, pautados em critérios utilizados na formação dos subgrupos e baseados na escolha dos colegas mais fortes e, consequentemente, na exclusão dos considerados mais fra-cos para o esporte.

Na maior parte do tempo, os alunos se mostram pouco criativos, preferem um trabalho de atividade física em que

464 465

repetem os movimentos sem refletir sobre o motivo de sua execução, confundindo o esforço físico com uma mera reprodução de exercícios.

Em resposta a essa realidade observada, torna-se necessá-rio realizar um levantamento de opiniões entre os estudantes, pesquisando sobre os seus interesses individuais e coletivos. Destarte, parte-se das necessidades percebidas no cotidiano em busca de temas geradores para o professor de Educação Física trabalhar na perspectiva da Educação Transformadora, proporcionando uma consciência corporal em seu processo de aprendizagem.

A professora busca, portanto, à luz dos elementos obser-vados, conhecer melhor os interesses dos alunos, preten-dendo traçar metas para atingir os objetivos de uma prática pensante e integrada de ensino. Sua prática contribui para descaracterizar os valores de uma educação física “militari-zada”, ainda com resquícios na atualidade, baseada em movi-mentos repetitivos com a finalidade apenas de um corpo robusto e viril, divididos em aptos e não aptos. Segundo este modelo, o funcionamento do corpo e a associação do exercício à saúde física não são questionados e nem mesmo compreendidos, o que chega a ser curioso, pois o pensar e refletir parecem estar dissociados ao movimento corporal e vice-versa. Todavia, os professores de Educação Física devem promover ações que permitam aos alunos uma prática pen-sante, questionadora, intervindo nessas atividades. Só assim é possível conceber um exercício para a transformação.

As avaliações devem estar voltadas à participação do aluno de forma integrada e não apenas medir o momento

do melhor desempenho em exercícios corporais sem com-preender, por exemplo, o porquê do dispêndio de energia em determinadas situações. A avaliação deve se dar de forma contínua, e não apenas pensada para um único momento, nem precisa estar condicionada ao estímulo unicamente de práticas físicas. Destaca-se, assim, a importância de o profes-sor recorrer a outros instrumentos e técnicas, como textos e/ou vídeos que tratem de temas transversais como pre-venção à doença, promoção à saúde, estilos de vida saudá-vel, inclusão social, gênero, diversidade, racismo, competição, individualidade, intergeracionalidade. Necessita-se levar em consideração os interesses dos estudantes e respeitar o seu ritmo de aprendizagem.

Evidentemente que o professor não deve retirar o esporte da sala de aula, mas questioná-lo, sob os seus obje-tivos, provocando uma discussão que possibilite a reflexão da diferença entre o esporte espetáculo e o esporte como prática educativa, interação social e forma de lazer. Faz-se necessário o saber fazer, como fazer e para quê fazer. Estes também são os aspectos descritos nos parâmetros curricu-lares nacionais, desenvolvidos a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96), e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), referências para o ensino fundamental e médio. É preciso utilizar três aspectos, o procedimento, que implica em saber fazer; o aspecto atitudinal que seria utilizar o movimento como um meio para uma determinada finali-dade; e, por fim, o conhecimento do corpo, com seus obje-tivos e conceitos, desde aspectos culturais aos nutricionais, que são considerados conceituais.

466 467

A prática educativa baseada no diálogo, parte do prin-cípio de que os alunos sejam pontuados a cada situação de conflito, de discriminação, ou quando não conseguem exe-cutar uma tarefa, uma atitude de enxergar o outro, no cui-dar, no respeito ao trabalho do outro. Por exemplo, no caso hipotético de um jogo se o aluno cometer uma falta com a equipe adversária, e esta cause uma contusão ou deses-tabilize emocionalmente o seu adversário, o aluno deverá repensar cada atitude dessa natureza, procurando ajudar o colega contundido, mesmo na presença ou ausência do pro-fessor, mostrando que não é a autoridade do professor que o fez ter a atitude de solidariedade em relação ao outro, mas a sua consciência para enfrentar a realidade imposta pela situ-ação, desempenhando atitudes responsáveis.

Nesse sentido, o vocabulário deve ser reescrito e falado como, ao invés de equipe adversária, utilizar o termo equipe contrária aos seus interesses, para enxergar que o outro se encontra numa posição contrária, apenas naquele devido momento do jogo. Eles podem ser amigos de sala e faze-rem parte de outras atividades escolhidas pelo grupo. Saber ouvir não apenas para construir sua fala, o seu ponto de vista, sua atuação, mas para ouvir enquanto participante de um processo de construção de conhecimento que não parte unicamente do professor, mas também de um colega de sala.

Nessa experiência, observa-se ainda uma prática de edu-cação física baseada, muitas vezes, na exclusão de grupos. As atividades separadas por sexo, ou os mais hábeis em grupos diferentes dos menos hábeis. Enquanto os meninos se asso-ciam fortemente ao jogo, ao futebol; as meninas são escaladas

para a dança, logo, pode-se questionar até onde os professo-res atuam como reforçadores desse sistema. Até que ponto os professores conseguem, enquanto educadores, dar brechas a esses enraizamentos e estimular nos alunos o intercâmbio das atividades e de suas preferências?

Neste aspecto, a importância do professor consciente é de fundamental importância para construção de uma práxis libertadora. A prática do esporte pode ser aproveitada para serem trabalhados os sentimentos relacionados à derrota e vitória, aos ganhos e às perdas que comumente fazem parte da vida humana e que precisam ser simbolizadas e elabora-das pelo aluno em seu processo de desenvolvimento. Como também a prática da dança, em seu enorme potencial para criatividade, equilíbrio, espontaneidade e desenvoltura, pode ser incentivada para todos, independentemente do sexo.

A educação física conservadora se mostra, dessa maneira, como uma postura inadequada diante dos valores de uma educação transformadora. Os conteúdos poderão até ser os mesmos, mas nesta última, a prática deve ser dialogada, sem esquecer a diversidade cultural que aparece demasiadamente nas práticas de Educação Física.

Particularmente, a professora tenta em seu cotidiano profissional descortinar uma práxis condizente com o ideal de transformação e para isso reluta com a imposição dos determinantes de uma realidade que ainda parecem insistir em manter padrões tradicionais, de exclusão e determinação de modelos ideais de aptidão e participação em práticas físi-cas. Nem sempre isso é possível, mas insiste em persistir no seu ideal.

468 469

Considerações finais

A Educação é uma temática que merece sempre ser estu-dada e pesquisada no intuito de que o educador se implique mais em sua educação e na educação formal que está facili-tando ao educando. Este trabalho possibilitou um mergulho no campo da Educação Física e de sua prática no cotidiano. Reler textos antigos ao mesmo tempo de ter acesso a novas leituras formam uma combinação apropriada à produção de reflexões mais refinadas sobre a temática em questão.

A crítica de uma Educação fundamentada no estímulo, reforço e punição se alicerça na possibilidade concreta de poder se realizar uma Educação de fato transformadora. Para isso, o educador, ao invés de oprimir, deverá fazer parte do processo de aprendizagem do educando, buscando ultrapas-sar as velhas hierarquias existentes.

É importante considerar que na escola podem ser per-cebidas diferentes formas de discriminação, uma vez que diante dos espaços organizados, de uma forma geral, os alu-nos podem se encontrar separados uns dos outros, por ques-tões étnicas, de gênero, de classe social, separados como mais habilidosos ou menos habilidosos, entre outras circunstân-cias. Segundo essa ordem de segregação, a educação física pode ser considerada como um componente reforçador desses valores dentro das escolas, cujo preconceito e discri-minação continuam sendo alvos de discussões na atualidade.

Por outro lado, o exercício de reflexões acerca da prática em educação física pode ser cogitado para a eliminação/atenuação de barreiras que impedem a aprendizagem e a

participação de muitos estudantes na escola. Sendo assim, a Educação Física Transformadora apresenta um potencial para assegurar que as diferenças culturais, socioeconômicas, individuais e de gênero não se transformem em desigual-dades educativas e, consequentemente, em dificuldade de partição social.

Poder vislumbrar a adoção de fazer parte de uma Educação Transformadora, enche o professor de aspirações que podem ser concretizadas na realidade. Para isso, é indis-pensável um percurso firme no propósito a ser atingido, consistência do conhecimento teórico e uma prática res-ponsável, coerente com os preceitos que embasam a ação de transformar a realidade educacional.

O trajeto percorrido, neste trabalho, oportunizou a revi-são de teorias e práticas da Educação Física, a reflexão sobre a proposta freireana de ensino e a possibilidade de utilização de uma Educação Transformadora no dia a dia de trabalho do educador físico. Em seguida, foi demonstrada, com sen-sibilidade, a percepção das atividades físicas que são observa-das no cotidiano da prática escolar por uma educadora física de escola pública.

Enfim, conclui-se que a Educação Transformadora pode tornar-se realidade na Educação Física, desde que os envol-vidos no contexto educacional adotem uma postura refle-xiva de sua atuação, buscando a integração de seus alunos e os respeitando sob sua capacidade emancipatória e transfor-madora da própria realidade.

470 471

Referências

AZEVEDO JÚNIOR, L.C.D. Esporte de competi-ção escolar: uma análise do estresse situacional associado ao grau de coesão grupal. 2008. Dissertação (Mestrado em Biodinâmica do Movimento Humano) – Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, 2008.

BERTHAUD, G.; BROHM, J. M. Sport, culture et repression. Barcelona: Editorial Gustavo Gill, 1978.

BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: ele-mentos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. Caderno Cedes, v.19, n.48, p.69-88, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394 promulgada em 20/12/1996. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas, 1997.

CASTELLANI FILHO, L. C. As concepções de educação física no Brasil. Horizontes – Revista de Educação, v.1, n.2, 2013. Disponível em: <http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/horizontes/article/view/3162>. Acesso em: mar. 2014.

FERREIRA, V. L. C. Práticas da educação física no 1º grau modelo de reprodução ou perspectiva de transformação?  São Paulo: Ibrasa, 1984.

FREIRE, J.B. Educação de corpo inteiro: teoria e prá-tica da educação física. 4. ed. São Paulo: Scipione, 2002.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessá-rios à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

___________. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

___________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

___________. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

GADOTTI, M. A educação contra a educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

GHIRALDELLI JÚNIOR, P. Educação física pro-gressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física. 6. ed., São Paulo: Loyola, 1988.

GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir - corporei-dade e educação. Campinas: Papirus, 1994.

472 473

HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revolu-ções de nosso tempo. Educação e realidade. v.22, n.2, p.15-46, 1997.

___________. Da diáspora: identidades e mediações cul-turais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

IMBERNÓN, F. Formação permanente do professo-rado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009.

INOCENCIO, F. et al. Análise do discurso e prática dos objetivos pedagógicos do esporte escolar no ensino básico da grande São Paulo. I Jornada de Iniciação Científica e Tecnológica UNIBAM. São Paulo, 2008.

JARDILINO, J. R. L; SANTOS, G. T.; ROSSI, G. Orientações metodológicas para elaboração de tra-balhos acadêmicos. 2. ed. São Paulo: Gion, 2000.

LAGUILLAUMIE, P. Para uma crítica fundamental del desporte. In: BERTHAUD, G.; BROHM, J.M. Deporte, cultura, repression. Barcelona: Gustavo Gilli, 1978.

LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até os 6 anos: a psicocinética na idade pré--escolar. Porto Alegre: Artmed, 1992.

LIMA, S. H. de. Aprender para ensinar, ensinar para aprender. Central de Texto: EDUFMT, 2007.

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 16. ed. Petropolis: Vozes, 2014.

MEDINA, J. P. S. A educação física cuida do corpo... e mente: bases para a renovação e transformação da Educação Física. Campinas: Papirus, 1983.

NEIRA, M. G.; NUNES, M. L. F. Contribuições dos estu-dos culturais para o currículo da educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v.33, n.3, p.671-685, 2011.

SANTOS, M. T. dos. Tecendo saberes da educa-ção física transformadora no campo da educação física. Monografia (Curso de Especialização Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares) - Universidade Estadual da Paraíba, João Pessoa, 2014.

SILVA, A. C. Reflexões historiográficas sobre a Educação Física militarista. EFDeportes.com. Revista Digital. Buenos Aires, v.17, n.172, 2012. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd172/reflexoes-sobre-a-educacao--fisica-militarista.htm>. Acesso em: abr. 2014.

475

SOBRE OS ORGANIZADORES

ALESSANDRO FREDERICO DA SILVEIRA

Doutor pelo Programa de Pós Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia. Professor do Departamento de Física e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da UEPB, e coordena o Subprojeto de Física do PIBID da UEPB.

ELIANE DE MOURA SILVA

Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia. Professora do Departamento de Educação da UEPB, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Lato-Sensu - Educação Básica - em Municípios da Paraíba.

LUCIANO BARBOSA JUSTINO

Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Pernambuco.

476

Professor do Departamento de Letras da UEPB. Coordena o Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade da UEPB.

PAULA ALMEIDA DE CASTRO

Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Educação da UEPB e Mestrado Profissional em Formação de Professores da Educação Básica. Coordenadora Institucional do PIBID/UEPB

VALMIR PEREIRA

Doutor em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professor do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais. Coordenador do Curso de Filosofia na UEPB, e coordena o Subprojeto de Filosofia do PIBID da UEPB.

Sobre o livro

Projeto Gráfico e Editoração Leonardo Araujo

Design da Capa Leonardo Araujo

Revisão Linguística Elizete Amaral de Medeiros

Normalização Técnica Jane Pompilo dos Santos

Impressão Gráfica Universitária da UEPB

Formato 15 x 21 cm

Mancha Gráfica 10,3 x 15,5 cm

Tipologia utilizada Bembo Std 12,5 pt

Papel Apergaminhado 75g/m2 (miolo) e Cartão Supremo 250g/m2 (capa)