Análise dos Shows Musicais como Produto de Entretenimento e Ferramenta de Comunicação
CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS: Mercado de Entretenimento e Cibercultura como...
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CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS:Mercado de Entretenimento e Cibercultura como
Articuladores de Encontros Cosmopolitas1
HYBRID CULTURAL CONSUMPTION OF YOUNG UNDERGRADUATES:Entertainment Market and Cyber Culture as Organizers
of Cosmopolitan Encounters
Wilson Bekesas2
Renato Mader3
Resumo: Este artigo apresenta a discussão dos dadosempíricos exploratórios utilizados para problematizaro consumo cultural híbrido, concentrado nos meiosdigitais, articulado a contextos de cosmopolitismo.Essa discussão faz parte do projeto de pesquisa“Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil. Etapa 1:Concepções e práticas cosmopolitas em jovensuniversitários brasileiros”, vinculado ao projetointernacional “Cosmopolitismo Cultural dos Jovens”. Orecorte enfatizado está ancorado em uma base reflexivasobre (1) o consumo cultural e sua relação nasociedade contemporânea com o entretenimento; (2) acibercultura como relação da comunicação individual demassa e a ubiquidade, potencial gerador de encontroscosmopolitas. A análise dos dados empíricos é
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom Comunicação e CulturaDigital do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de SãoPaulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015.2 Doutor em Comunicação pelo PPGCOM PUC-SP; professor das disciplinas decriação e produção publicitárias; projeto e interfaces de novas mídiasnos cursos de graduação em Publicidade e Design da ESPM-SP e UniversidadeAnhembi-Morumbi – [email protected]. 3 MSc em Comunicação e Consumo pelo PPGCOM ESPM-SP, professor assistenteII das disciplinas de criação, comunicação, design, direção de arte,conceitos e estratégias publicitárias nos cursos de Graduação emPublicidade da ESPM - SP e BELAS ARTES - SP – [email protected].
realizada a partir de uma triangulação com os dadosdas pesquisas “O jovem digital brasileiro” do IBOPE(2012), e “Juventude conectada” da FundaçãoTelefônica/USP (2014). Palavras-Chave: Consumo cultural. Cosmopolitismo.Hibridismo. Entretenimento. Cibercultura.
Abstract: This article presents a discussion of theexploratory empirical data used to discuss the hybridcultural consumption, focused on digital media,articulated to contexts of cosmopolitanism. Thisdiscussion is part of the research project "Youthcosmopolitanisms. Brazil project. Step 1: cosmopolitanconceptions and practices in Brazilian undergraduatestudents", linked to the international project "YoungPeople´s Cultural Cosmopolitanism". The emphasizedproposal is anchored on a reflective base over (1) thecultural consumption and its relationship incontemporary society with entertainment ; (2) cyberculture as means of the individual mass communicationand ubiquity, which generate potential cosmopolitanencounters. The analysis of empirical data isdeveloped through a triangulation of data from theresearches "Brazilian digital youth" of IBOPE (2012)and "Connected Youth" Telefónica/USP Foundation(2014).Keywords: Cultural consumption. Cosmopolitanism.Hybridity. Entertainment. Cyber culture.
Mercado de Entretenimento e Cibercultura
As tecnologias e modos de produção-consumo midiáticos atuais
pressupõem apropriações de plataformas, formas e formatos, em
novos arranjos constitutivos das experiências cotidianas e
juvenis no cenário brasileiro contemporâneo. O sujeito
histórico reconhecedor dos códigos, gêneros e formatos
narrativos, indica nesse contexto outras formas de disputa
por significação. Ele disputa o acesso à participação em
redes imateriais de informação e entretenimento, híbridas,
num processo que Néstor Canclini (2009) denomina como
desmaterialização da cultura pelas redes digitais. Nessas
redes, os jovens adquirem, por meio das múltiplas telas,
conhecimento e entretenimento combinados, sendo que o foco
prioritário no processo se concentra no lazer e no
entretenimento.
É nesta centralidade do entretenimento pelo consumo midiático
híbrido que o processo de publicidade interativa (COVALESKI,
2010) estabelece relação direta com o consumo cultural
juvenil. Interatividade, compartilhamento e acesso resultam
em fluxos culturais globais, consumidos e multiplicados em
velocidade crescente. Fluxos apropriados tecnicamente pela
indústria do entretenimento atraindo consumidores a expandir
as experiências de lazer para vários meios. O entretenimento
permite tanto fruição estética como distração intelectual,
gerando formação de repertório cultural, assim como uma
demanda constante por opções de lazer.
Segundo Gisela Castro (2013), é na relação entre
entretenimento e cultura que se emula o consumidor-fã, que –
de modo colaborativo e lúdico – por compartilhamento de
conteúdo, ou envolvimento como parceiro-fã das marcas nos
meios digitais, nos faz questionar a lógica da troca
publicitária. A publicidade, ao convocar este jovem, explora
seu trabalho, torna informações e conteúdo privados em
públicos, e inverte polaridades midiáticas de suporte, em um
fluxo suficientemente inédito para ser analisado com
propriedade. Questionamentos em relação ao processo de
interação de consumidores com produtos/marcas nos meios
digitais surgem pela necessidade de uma análise crítica dessa
realidade.
Questionamentos em relação à conceituação do que vem a ser a
mass media entertainment industry buscam compreender a lógica de
produção e consumo no sistema digital. É imprescindível
considerar essas práticas não a partir da massa (mass), mas
da lógica individual de massa (mass self), estabelecendo
distância considerável da dependência midiática e da
indústria do entretenimento por uma audiência massiva. Assim,
denomina-se pós-massiva, a comunicação em rede, e suas
interações digitais (LEMOS & LÉVY, 2010).
É nessa direção que Manuel Castells (2009) afirma haver um
poder inédito, a partir das redes digitais de transmissão de
conteúdos, reprogramação das redes de comunicação e mudança
do paradigma da comunicação de massa. Subverte a lógica
industrial da comunicação do século XX, e propõe nova
configuração, estabelecida como conexão e como conteúdo.
Poder pelo qual articulam-se tanto os principais movimentos
coletivos e sociais ao redor do globo, como a promoção mais
hedonista de futilidades, trivialidades e singularidades, que
de outro modo não teriam espaço midiático para distribuição e
consumo. Castells (2009) relaciona o paradigma pela alteração
da lógica do mass communication e sua estrutura – restritiva de
produção e ampla de consumo – para a comunicação individual
de massa (mass self communication). Amplifica assim a condição
produtiva, desvincula a condição de consumo do conteúdo
gerado. Per se, o conceito desestrutura a restrição aos meios
de produção, característica capitalista, e potencializa a
individualidade como autora da própria identidade social
digital. Na topografia das redes digitais, convivem as causas
globais e inequívocas, como ecologia, até o hedonismo
extremo, como selfies e paixões isoladas. Havendo
representatividade plena de toda a gama situada desde o
individualismo até o comunalismo. Em contraste, a polaridade
que se divisa entre global e local amplia ou restringe
geográfica e socialmente a existência e o alcance de
conteúdo.
No âmbito da produção e consumo de entretenimento digital, há
uma relação distinta de dimensões, uma vez que o digital não
se desfaz com o tempo, ou pelas condições físicas, assim como
não se tangibiliza em forma, mas em conteúdo. Assim,
entendemos que no cenário da cibercultura, a discussão sobre
tempo e espaço, e as condições de ubiquidade e remediação
permitem compreender o consumo cultural híbrido do
entretenimento. Para o jovem, entretenimento significa ação
social e política para a experiência de vida que se constrói
pelos pixels dos suportes, usados aqui como dicionário,
sintaxe e gramática simultâneas, da experiência de
convivência à velocidade da luz. Nesta, não se permite o
espaço, mas tempo.
Paul Virilio (2000) considera perversa esta equação presente
no cibermundo, lembrando-nos do tempo local, diferente do
agora incessante, que se faz global, glocal e único. A
organização temporal local permitiu ao homem experimentar sua
própria existência. Mas a velocidade da velocidade
contemporânea elimina, em simultâneo, os intervalos em que se
vive o espaço, comprime o tempo, subtraindo referências e
experiências humanas, pois não há como vivê-las à sombra da
velocidade-luz. É sob a luz e comando desta aceleração que
está o sujeito, em meio a imagens suportadas pelo
ciberespaço-cibermundo.
Para Lucrécia Ferrara (2010), “se o espaço ciber é o locativo
da cibercultura, ela decorre da aceleração que o mobiliza”
(p. 67). Embora tal aceleração não ocorra no formato linear
da comunicação tradicional. Conforme explica a autora,
“o ciberespaço e seus efeitos culturais se afastam demodo acelerado daquilo que foi rotulado pelos antigosmeios e, superando a linearidade comunicativa,procuram-se as circularidades imprevisíveis oudíspares, porque decorrem da indeterminadacaracterística de meios comunicativos que,ambientalmente, contagiam o planeta, mas resistem à suadeterminação e controle.” (FERRARA, 2010, p. 68)
Seria a relação espacial na cibercultura um processo
produtivo de mundos virtuais e desterritorialização, ou mais
controle e territorialização e produção relacionada a objetos
e lugares? André Lemos (2010) não considera a dicotomia dos
processos da cibercultura e sentidos de lugar suficientes a
explicar o contexto da sociedade de informação contemporânea,
denominado por ele como território informacional. Áreas de
interseção entre ciberespaço e espaço urbano, intersecção
digitalmente controlada, que criam novas funções para
lugares, uma heterotopia (LEMOS, 2010, p. 101). Redes sem
fio, sensores e mobilidade criam novos usos do lugar, novas
camadas de informação digital, e, portanto, novas formas de
territorialização e controle informacional.
No entanto, para os jovens desse contemporâneo, a compressão
espaço-tempo não é encarada como “catástrofe” ou emergência
da “política do pior”. A estes a tele-vigilância e controle
informacional pouco significam. Voluntariamente se apresentam
aos dispositivos conectados à rede e através deles ocupam
espaço possível em meio à transmissão de dados, inclusive os
próprios. Partilham, compartilham, refazem o mundo à sua
volta porque se sentem potentes de transformá-lo a partir de
sua ação em rede. Embrica-se a ação jovial, nesse território.
E é no território informacional que o jovem se percebe
autor/co-autor, pelo ‘copy-paste’, mixagem e re-mixagem
diárias.
Neste processo, é pela concepção de remediação (BOLTER e
GRUSIN, 2000), que surge o fenômeno pelo qual jovens e
sociedade se preservam frente ao avanço da conformidade,
presente na numerização cotidiana. A remediação conecta
formas de troca/interação por entre os paradigmas
comunicativos dos modos de contato entre meios digitais e
analógicos. Tendendo à invisibilidade das mediações, os meios
assumem vínculos de reabilitação de uns em relação aos
outros. Ocorre uma desmaterialização das interfaces
comunicativas que provoca um acesso “transparente” do real,
como um processo de fascinação midiática, ou multiplicação
das mediações (BOLTER & GRUSIN, 2000). A remediação marca o
contágio transversal entre mídias num dado momento. Com os
meios digitais o processo adquire jovens [co]autores, que,
imersos na estética e cientes da experiência do
entretenimento, criam possibilidades de recuperação do espaço
- não o físico, mas o que se forma por flashes, em vários
lugares ao mesmo tempo. Nesse processo ubíquo o compartilhar
multiplica, mistura-se, por entre sujeitos presentes em
quaisquer lugares, e seus próprios conteúdos.
Diante da hibridização do espaço físico e do ciberespaço -
com novos sentidos de lugar e comunidade - e das várias
relações dos jovens com a cibercultura - consumidores e /ou
produtores –, ocorre a transformação de territórios
informacionais em entretenimento, na perspectiva individual
de massa, promovendo contato entre fluxos globais e sentidos
locais. A partir desse processo, seria então possível que
encontros cosmopolitas (aqueles que permitem o
desenvolvimento de uma visão do Outro) ocorram a partir do
consumo cultural híbrido (tanto global, quanto local, tanto
na realidade híbrida do ciberespaço quanto da cibercultura)?
Consumo Cultural Híbrido de Jovens Universitários:Possíveis Encontros Cosmopolitas
O estudo aqui proposto se insere na reflexão sobre as
culturas juvenis, onde há cruzamento entre subjetividades e
tecnicidades sensorias e cognitivas, pois os jovens seriam
sujeitos estruturalmente mediados por suas interações pela e
com a tecnologia, principalmente no contexto contemporâneo
das tecnologias digitais (MARTIN-BARBERO, 2006). Os estudos
que traçam o perfil de internautas (RECUERO, 2009) mostram
que eles são prioritariamente jovens, público esse que tem
deixado cada vez mais a televisão para ficar em companhia do
computador, estabelecendo novas relações com os meios, cujo
processo já não é mais de “um para vários”, mas de “muitos
para muitos”, corroborando com a visão da comunicação
individual de massa.
Para compreendermos especificamente o consumo cultural
híbrido de jovens universitários, inserido na lógica do
entretenimento e da cibercultura, nossa análise faz uma
triangulação dos dados de: (1) pesquisa “O jovem digital
brasileiro” do IBOPE (2012); (2) pesquisa “Juventude
conectada” da Fundação Telefônica/USP (2014); (3) recorte
sobre consumo cultural nos meios digitais, retirado de 52
entrevistas estruturadas realizadas com jovens universitários
em São Paulo em maio de 2014, da etapa exploratória do
projeto de pesquisa “Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil.
Etapa 1”.
De acordo com o perfil dos jovens que acessam meios digitais
no Brasil (Tabela 1), a classe C é a mais representativa na
realidade brasileira, seguida pela classe B, fator que
demonstra o crescente acesso dos jovens à Internet, e a
concentração da população brasileira na classe C. Da mesma
forma, a baixa representatividade da classe A segue a relação
desse segmento na população brasileira, uma vez que há fácil
acesso aos meios digitais para esses jovens, diferentemente
da realidade dos jovens das classes D/E.
Tabela 1. Perfil dos jovens que acessam meios digitais.
Classes A B C D EIBOPE (2012) 36% 53% 11%
Fundação Telefônica/USP(2014)
5% 38% 49% 8% -
A realidade de formação desses jovens é de 32% no ensino
superior e 34% com ensino médio completo, sendo que 38% deles
não trabalham e 53% são estudantes em tempo integral (IBOPE,
2012); na proporção específica do ensino superior, 21% estão
cursando e 3% já concluíram (Fundação Telefônica/USP, 2014).
A proporção de jovens que cursam ensino superior ainda não
representa a maioria do universo dessa faixa etária na
realidade brasileira, mas está mais próxima das classes que
possuem mais acesso à Internet, com mais recursos para
aquisição de aparelhos e/ou acesso para locais com conexão e
máquinas para acesso. A maioria dos jovens já trabalha fator
que também contribui tanto na renda para aquisição de
aparelhos, quanto no acesso à Internet no ambiente de
trabalho.
A pesquisa da Fundação Telefônica/USP (2014) divide os jovens
conectados em três perfis. São eles os exploradores
iniciantes (62%), os exploradores intermediários (33%) e os
exploradores avançados (5%). Desses perfis, os que mais se
assemelham aos jovens universitários entrevistados em São
Paulo são os exploradores intermediários e avançados, pois
esses estão no ensino superior, na região Sudeste
(principalmente das capitais), estudam e trabalham, e acessam
a Internet de suas próprias casas ou aparelhos. Devido à
relação mais próxima de acesso (tanto financeiro quanto
físico) à Internet, esses jovens já possuem conhecimento das
ferramentas e das possibilidades oferecidas no ciberespaço, e
são co-autores no compartilhamento e criação de conteúdos nos
meios digitais, demonstrando grande afinidade com temas da
cibercultura e com suas possibilidades, tanto para seus
objetivos pessoais, quanto acadêmicos e profissionais.
Em relação às formas de acesso à Internet (Tabela 2),
especificamente para as atividades de consumo cultural, os
jovens universitários de São Paulo responderam que utilizam:
28,8% o computador pessoal, 17,4% o smartphone e 2,2% o
tablet (ESPM, 2014). Na pesquisa realizada pela USP o
smartphone não aparece como meio de conexão, porém ele surge
como um meio de consumo de entretenimento, principalmente
para uso cada vez mais frequente das redes sociais, (também
apontado pelo IBOPE, 2012). Em comparação com outros meios
tradicionais, como televisão (17,2%), livro impresso (9,9%),
rádio do carro (8,5%) e revista impressa (4,4%), o computador
e o smartphone já são mais utilizados para o consumo cultural
cotidiano desses jovens, acentuando o grau de conexão que
eles possuem, e a relação entre o consumo midiático digital e
o entretenimento.
Tabela 2. Formas de acesso à Internet.
Formas de acesso Celular Computadorde mesa
ComputadorPortátil
Tablet
Fundação Telefônica/USP(2014)
71% 62% 51% 16%
Corroborando com essa visão, 47% dos jovens da pesquisa IBOPE
(2012) afirmam que a Internet é a principal fonte de
entretenimento, sendo que são utilizados múltiplos meios para
seu consumo, na relação híbrida do ciberespaço, que também
cria a possibilidade de remediação. Segundo os dados da
pesquisa Fundação Telefônica/USP (2014), as principais
atividades na Internet realizadas pelos jovens são:
comunicação (37,3%), lazer (29,6%), leitura de jornais e
revistas, busca de informações (28,7%), educação e
aprendizado (28,1%). Considerando as atividades de lazer e
entretenimento especificamente, as mais frequentes são:
assistir filmes, séries e programas de TV, postar músicas,
vídeos e conteúdos digitais, fazer downloads; e as menos
frequentes: acessar sites de revistas, ler livros digitais,
jogar games. Nas entrevistas realizadas em São Paulo com os
jovens universitários, 44,5% do tempo de consumo cultural é
concentrado nas redes sociais, seguido por 16,5% em música,
12,4% em sites/blogs, 6,3% em livros e 5,7% na televisão. O
consumo por meio das redes sociais, seja para compartilhar
conteúdos digitais ou para acompanhar os posts dos amigos, é
o mais frequente, fator também apontado na pesquisa IBOPE
(2012), onde 92% dos jovens navegam em redes sociais, 90%
para ver fotos postadas, 86% para ler atualizações na
timeline, e 75% para expressar suas opiniões sobre assuntos
gerais. Há também um interesse destacado para postar,
compartilhar e ver/ouvir tanto música, quanto fotos, fato que
é menos destacado para notícias e textos em geral. No caso
dos jovens universitários especificamente, há maior destaque
para o consumo de livros, principalmente pela demanda de sua
formação acadêmica, e consequente queda do consumo de
televisão (de filmes, séries e programas variados).
A relação social e de aproximação com as pessoas é fator
destacado pelos jovens (49% na pesquisa Fundação
Telefônica/USP, 2014). A quantidade de contatos das redes
sociais, por exemplo, mostra a amplitude de possibilidades de
socialização: na pesquisa do IBOPE (2012), são 352 contatos,
sendo 31 amigos em média. Já os universitários de São Paulo
possuem 677 contatos e 17 amigos em média, fato que mostra a
relação ainda mais avançada dessa amplificação no perfil
desse estudo (ESPM, 2014). Esse fato referenda as
possibilidades de contato com outras culturas, seja pelos
produtos culturais consumidos (estrangeiros ou em outro
idioma), ou o contato direto com pessoas que estão em outro
país (viajando ou morando) e/ou estrangeiros; há a
possibilidade de se conhecer pessoas que não se conheceria
fisicamente, assim como de se conhecer lugares sem a
necessidade de viajar (Fundação Telefônica/USP, 2014). Na
pesquisa do IBOPE (2012), 67% afirmaram que desejam viajar e
conhecer lugares exóticos, sendo que no caso dos
universitários paulistanos, 51 dos 52 já viajaram para o
exterior (média de 7 países) e 29 já viveram fora do país
(ESPM, 2014). O perfil de jovens de São Paulo também mostra
maior aproximação com diferentes culturas, fator que lhes
possibilita maior contato e possibilidades de encontros
cosmopolitas.
No caso dos jovens da pesquisa IBOPE (2012), 26% falam inglês
e 15% espanhol. O que sinaliza maior aproximação com o
consumo global na formação dos jovens universitários de São
Paulo é que 100% afirmam falar inglês e 77% espanhol. Esse
conhecimento, aplicado no cotidiano, resulta no consumo de
produtos culturais de origem estrangeira (60,1% dos casos),
com ênfase principalmente nos de origem norte-americana
(17,3%), tanto pelo conhecimento do idioma inglês (preferem
consumir filmes, música e outros no idioma original), quanto
pela proximidade com a indústria de entretenimento do país,
que é a principal produtora mundial de produtos culturais (em
volume).
A partir da análise da formação dos jovens universitários em
São Paulo, verificamos que seus perfis intermediários e
avançados, vinculados tanto ao seu perfil-socioeconômico,
quanto à sua formação acadêmica (ensino superior e
aprendizado de idiomas), revelam a exploração mais acentuada
das funções de comunicação, entretenimento e busca de
informações nos meios digitais. Além dos contatos formados
por viagens, o consumo cultural concentrado em produtos
estrangeiros, principalmente norte-americanos, permite que
esses jovens aumentem seu capital cultural, ampliando
possibilidades de encontros com outras culturas. A
hibridização do consumo cultural desses jovens concentra-se,
portanto, na realidade híbrida do ciberespaço e da
cibercultura, mas não necessariamente proporciona encontros
que formem uma cultura glocal.
Verificamos que há dentre os jovens universitários de São
Paulo um perfil prioritariamente de elite, que constrói seu
capital cultural para distinção na sociedade. O fenômeno de
“digital divide” explica o perfil específico desse grupo e as
diferenças das realidades de acesso que ainda existem no
Brasil, uma vez que há camadas da sociedade que são
hiperconectadas e que possuem acesso a comunicação,
informação e entretenimento privilegiados.
Na perspectiva de consumo do ciberespaço, os jovens
universitários dão prioridade ao entretenimento, sendo que a
cibercultura ganha traços de “ciberfun”, e a hibridização do
consumo cultural dos jovens não se constrói a partir de uma
visão local e/ou individual. Nessa linha, buscamos
compreender como seria possível para eles encontrarem a visão
de si para o mundo.
A partir da disponibilidade atemporal e fisicamente ilimitada
da comunicação digital desses jovens, questionamos como essa
interação midiática colaboraria com o reconhecimento
reflexivo do Outro, possibilitando encontros cosmopolitas.
Espelho de reconhecimento cosmopolita?
Pensando nas oportunidades de contato com outras culturas e
com pessoas de outros locais é que destacamos o fato das
inscrições midiáticas deixarem brechas para percebermos como
os sujeitos constroem representações de si para e com o
mundo, através do consumo nos contextos glocais (ROBERTSON,
1992), ou seja, tanto de produtos culturais globalizados,
quanto de suas remediações a partir do contato com o Outro.
Vincenzo Cicchelli e Sylvie Octobre (2013) afirmam haver a
necessidade de se empregar o conceito de cosmopolitismo em
relação a situações comuns e banais, como o consumo cultural
cotidiano. Assim, desenvolvemos a discussão da possibilidade
dos encontros cosmopolitas a partir do consumo midiático
híbrido e do contato com outras culturas, por meio de um
espelho de reconhecimento cosmopolita.
A figura do espelho aqui é utilizada como o meio através do
qual as narrativas desses jovens se desenvolvem. Nele, estão
as reflexões do mercado de entretenimento e da tecnologia da
cibercultura, assim como as refrações do eu e do Outro.
Nessas narrativas estariam as possibilidades do eu te
reconhecer, do você me reconhecer e do nós nos reconhecermos.
Nesses contatos, pelos fluxos híbridos midiáticos, estaria,
portanto, a possibilidade de encontros cosmopolitas
cotidianos. Os dados cruzados apontam para um jovem que
possivelmente vivencia encontros cosmopolitas, que seria
potente para, junto de/com seus pares, desenvolver e
envolver-se em narrativas comuns no contemporâneo, por meio
dos contatos proporcionados e/ou viabilizados pelo digital.
Assim como Alice (CARROLL, 2014), eles vislumbram, através do
espelho, outro mundo, assim como a própria imagem de seu
mundo refletida, e se aproximam dessas representações como
aceitando um convite para que elas sejam constantemente
ressignificadas. Alice avança sobre a interface representada
pelo espelho, uma lâmina fina de vidro que se torna permeável
e envolvente como um líquido, a partir do contato feito por
ela, e que se desfaz. Através do espelho, reconhece a
conquista do “novo mundo”, e a interface se transforma numa
possível ponte entre mundos mantidos separados, mas com uma
interlocução possível quando há mediação.
A pesquisa também recupera as narrativas dos jovens como uma
maneira de entender o fascínio, a dúvida e o medo presentes
no exercício da autoria/co-autoria que eles parecem construir
nas suas práticas nos meios híbridos. A ação desse jovem
mostra-se, desenvolve-se, ou constrói-se como autor/co-autor
de narrativas, por experiências estéticas viabilizadas pelos
sentidos, nas pontes entre diferentes mundos. Nos fluxos
midiáticos híbridos, eles lêem, escrevem, fotografam,
assistem, escutam, curtem, comprilham e se ressignificam, em
torno das tecnologias que lhes permitem estender seus
domínios de ação sobre toda a diversidade de conteúdos que
estiverem ao seu alcance. As narrativas são arquitetadas
através das mídias disponíveis ao longo do caminho, nos
encontros com elementos de diferentes origens, que vão sendo
visitados e absorvidos, juntamente com os códigos midiáticos
utilizados e reproduzidos.
Do outro lado do espelho, Alice encontra um jogo de xadrez,
as suas opções de encontros, definidas a partir das suas
decisões/jogadas, rei-rainha-peão-quadropreto-quadrobranco.
Ela deve jogar para dar continuidade a seu caminho narrativo,
a seu reconhecimento. Durante o jogo, Alice vai tomando suas
posições no tabuleiro. Ela encontra o Outro, o Outro a
encontra, e nessas relações, que podem ser de reconhecimento
e ressignificação, ou de estranhamento e resistência, estão
as possibilidades da interface fluída.
Assim como no jogo da amarelinha, os jovens seguem nessa
interface tecendo e juntando códigos, construindo pontes
entre diferenças, disjunções. Ao mesmo tempo, seguem caminhos
e chegam a lugares quase como que por acaso, mas dentro de
uma lógica construída por quem conhece o enredo que se
desenrola. A narrativa do jovem diante da hibridez cultural
se assemelha à multiplicidade de percursos e encontros, a
partir da perspectiva de si e do Outro, assim como Julio
Cortázar (1999) apresenta em seus diferentes caminhos entre o
céu e a terra da amarelinha.
No horizonte da imersão/absorção de histórias que façam ou
que construam significado na aventura humana, há
possibilidades constantes da descoberta de si e do Outro.
Contar e ouvir histórias garante a existência, a despeito das
tecnologias que nos acompanham. A novidade, talvez, é a de
que os jovens/autores contemporâneos as escrevem e as recebem
em simultâneo, sem limites físicos ou simbólicos. As
narrativas, como um de nossos mecanismos cognitivos mais
primários para entendimento do mundo, passam a fluir pelas
redes, em velocidade-luz. Um livro-papel, por exemplo, pode
ter sua narrativa interrompida, pode esperar. Em rede, está
sempre aberto, queiramos ou não. Aguarda pela eterna
continuidade da narrativa se desenrolando e alguém está
sempre conectado ao seu desenrolar.
Quando Alice, nosso jovem contemporâneo, segue para atrás do
espelho, adentra numa narrativa permanente em leitura-
escritura constantes, é um mergulho no holodeck (MURRAY,
2003), esse cubo negro e vazio, que pode ser preenchido por
essa história sem fim em meio ao cotidiano tecnológico em que
vive. O holodeck oferece a “mais poderosa tecnologia de
ilusão sensorial que se pode imaginar” (MURRAY, 2003, p. 36).
Alice sabe que seu espaço é codificado, demarcado, mas avança
através dele porque paulatinamente adquire consciência sobre
o meio, como seu fator de libertação, de humanidade.
Uma vez que a realidade híbrida desse jovem se interlaça com
esse ciberespaço, e, consequentemente, com a apropriação da
cibercultura, as narrativas se multiplicam. No entanto, nesse
processo de múltiplos sentidos e códigos, os dois lados do
espelho não necessariamente se encontram. Portanto, não há
necessariamente reconhecimento mútuo. Por um lado, a
comunicação digital permite ao jovem construir novos caminhos
e posicionar-se no tabuleiro de forma inusitada, reconhecendo
o Outro a partir de sua perspectiva. Por outro lado, a
aceleração dos contatos e a concentração no entretenimento e
no jogo em si, vazio em si mesmo, não chega a permitir um
caminho de reconhecimento reflexivo do Outro, que levaria a
uma nova visão do seu próprio mundo. O relógio do coelho
estaria sempre lembrando que é tarde, que não há tempo para
compreender o Outro, assim como o espelho cada vez se
multiplica, tornando seus reflexos cada vez mais
fragmentados, sendo cada vez mais difícil responder às
questões: Quem é você? Quem é ele? Quem somos nós?
Pelas subjetividades e tecnicidades sensoriais e cognitivas
cruzadas, ante a perspectiva da potência comunicativa digital
nos reflexos e refrações espalhados pela constância e
intermitência conectiva, nos questionamos se, de fato, não
estariam estes jovens, sujeitos mediados por suas interações
pela e com a tecnologia, abrindo espaço para a construção de
narrativas. Tais narrativas, investidas de possibilidades de
encontros cosmopolitas, seriam respostas a questões tanto de
identidade quanto de identificação de si e do Outro.
REFERÊNCIAS
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