CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS: Mercado de Entretenimento e Cibercultura como...

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CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS: Mercado de Entretenimento e Cibercultura como Articuladores de Encontros Cosmopolitas 1 HYBRID CULTURAL CONSUMPTION OF YOUNG UNDERGRADUATES: Entertainment Market and Cyber Culture as Organizers of Cosmopolitan Encounters Wilson Bekesas 2 Renato Mader 3 Resumo: Este artigo apresenta a discussão dos dados empíricos exploratórios utilizados para problematizar o consumo cultural híbrido, concentrado nos meios digitais, articulado a contextos de cosmopolitismo. Essa discussão faz parte do projeto de pesquisa “Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil. Etapa 1: Concepções e práticas cosmopolitas em jovens universitários brasileiros”, vinculado ao projeto internacional “Cosmopolitismo Cultural dos Jovens”. O recorte enfatizado está ancorado em uma base reflexiva sobre (1) o consumo cultural e sua relação na sociedade contemporânea com o entretenimento; (2) a cibercultura como relação da comunicação individual de massa e a ubiquidade, potencial gerador de encontros cosmopolitas. A análise dos dados empíricos é 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom Comunicação e Cultura Digital do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015. 2 Doutor em Comunicação pelo PPGCOM PUC-SP; professor das disciplinas de criação e produção publicitárias; projeto e interfaces de novas mídias nos cursos de graduação em Publicidade e Design da ESPM-SP e Universidade Anhembi-Morumbi – [email protected]. 3 MSc em Comunicação e Consumo pelo PPGCOM ESPM-SP, professor assistente II das disciplinas de criação, comunicação, design, direção de arte, conceitos e estratégias publicitárias nos cursos de Graduação em Publicidade da ESPM - SP e BELAS ARTES - SP – [email protected].

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CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS:Mercado de Entretenimento e Cibercultura como

Articuladores de Encontros Cosmopolitas1

HYBRID CULTURAL CONSUMPTION OF YOUNG UNDERGRADUATES:Entertainment Market and Cyber Culture as Organizers

of Cosmopolitan Encounters

Wilson Bekesas2

Renato Mader3

Resumo: Este artigo apresenta a discussão dos dadosempíricos exploratórios utilizados para problematizaro consumo cultural híbrido, concentrado nos meiosdigitais, articulado a contextos de cosmopolitismo.Essa discussão faz parte do projeto de pesquisa“Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil. Etapa 1:Concepções e práticas cosmopolitas em jovensuniversitários brasileiros”, vinculado ao projetointernacional “Cosmopolitismo Cultural dos Jovens”. Orecorte enfatizado está ancorado em uma base reflexivasobre (1) o consumo cultural e sua relação nasociedade contemporânea com o entretenimento; (2) acibercultura como relação da comunicação individual demassa e a ubiquidade, potencial gerador de encontroscosmopolitas. A análise dos dados empíricos é

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom Comunicação e CulturaDigital do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de SãoPaulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015.2 Doutor em Comunicação pelo PPGCOM PUC-SP; professor das disciplinas decriação e produção publicitárias; projeto e interfaces de novas mídiasnos cursos de graduação em Publicidade e Design da ESPM-SP e UniversidadeAnhembi-Morumbi – [email protected]. 3 MSc em Comunicação e Consumo pelo PPGCOM ESPM-SP, professor assistenteII das disciplinas de criação, comunicação, design, direção de arte,conceitos e estratégias publicitárias nos cursos de Graduação emPublicidade da ESPM - SP e BELAS ARTES - SP – [email protected].

realizada a partir de uma triangulação com os dadosdas pesquisas “O jovem digital brasileiro” do IBOPE(2012), e “Juventude conectada” da FundaçãoTelefônica/USP (2014). Palavras-Chave: Consumo cultural. Cosmopolitismo.Hibridismo. Entretenimento. Cibercultura.

Abstract: This article presents a discussion of theexploratory empirical data used to discuss the hybridcultural consumption, focused on digital media,articulated to contexts of cosmopolitanism. Thisdiscussion is part of the research project "Youthcosmopolitanisms. Brazil project. Step 1: cosmopolitanconceptions and practices in Brazilian undergraduatestudents", linked to the international project "YoungPeople´s Cultural Cosmopolitanism". The emphasizedproposal is anchored on a reflective base over (1) thecultural consumption and its relationship incontemporary society with entertainment ; (2) cyberculture as means of the individual mass communicationand ubiquity, which generate potential cosmopolitanencounters. The analysis of empirical data isdeveloped through a triangulation of data from theresearches "Brazilian digital youth" of IBOPE (2012)and "Connected Youth" Telefónica/USP Foundation(2014).Keywords: Cultural consumption. Cosmopolitanism.Hybridity. Entertainment. Cyber culture.

Mercado de Entretenimento e Cibercultura

As tecnologias e modos de produção-consumo midiáticos atuais

pressupõem apropriações de plataformas, formas e formatos, em

novos arranjos constitutivos das experiências cotidianas e

juvenis no cenário brasileiro contemporâneo. O sujeito

histórico reconhecedor dos códigos, gêneros e formatos

narrativos, indica nesse contexto outras formas de disputa

por significação. Ele disputa o acesso à participação em

redes imateriais de informação e entretenimento, híbridas,

num processo que Néstor Canclini (2009) denomina como

desmaterialização da cultura pelas redes digitais. Nessas

redes, os jovens adquirem, por meio das múltiplas telas,

conhecimento e entretenimento combinados, sendo que o foco

prioritário no processo se concentra no lazer e no

entretenimento.

É nesta centralidade do entretenimento pelo consumo midiático

híbrido que o processo de publicidade interativa (COVALESKI,

2010) estabelece relação direta com o consumo cultural

juvenil. Interatividade, compartilhamento e acesso resultam

em fluxos culturais globais, consumidos e multiplicados em

velocidade crescente. Fluxos apropriados tecnicamente pela

indústria do entretenimento atraindo consumidores a expandir

as experiências de lazer para vários meios. O entretenimento

permite tanto fruição estética como distração intelectual,

gerando formação de repertório cultural, assim como uma

demanda constante por opções de lazer.

Segundo Gisela Castro (2013), é na relação entre

entretenimento e cultura que se emula o consumidor-fã, que –

de modo colaborativo e lúdico – por compartilhamento de

conteúdo, ou envolvimento como parceiro-fã das marcas nos

meios digitais, nos faz questionar a lógica da troca

publicitária. A publicidade, ao convocar este jovem, explora

seu trabalho, torna informações e conteúdo privados em

públicos, e inverte polaridades midiáticas de suporte, em um

fluxo suficientemente inédito para ser analisado com

propriedade. Questionamentos em relação ao processo de

interação de consumidores com produtos/marcas nos meios

digitais surgem pela necessidade de uma análise crítica dessa

realidade.

Questionamentos em relação à conceituação do que vem a ser a

mass media entertainment industry buscam compreender a lógica de

produção e consumo no sistema digital. É imprescindível

considerar essas práticas não a partir da massa (mass), mas

da lógica individual de massa (mass self), estabelecendo

distância considerável da dependência midiática e da

indústria do entretenimento por uma audiência massiva. Assim,

denomina-se pós-massiva, a comunicação em rede, e suas

interações digitais (LEMOS & LÉVY, 2010).

É nessa direção que Manuel Castells (2009) afirma haver um

poder inédito, a partir das redes digitais de transmissão de

conteúdos, reprogramação das redes de comunicação e mudança

do paradigma da comunicação de massa. Subverte a lógica

industrial da comunicação do século XX, e propõe nova

configuração, estabelecida como conexão e como conteúdo.

Poder pelo qual articulam-se tanto os principais movimentos

coletivos e sociais ao redor do globo, como a promoção mais

hedonista de futilidades, trivialidades e singularidades, que

de outro modo não teriam espaço midiático para distribuição e

consumo. Castells (2009) relaciona o paradigma pela alteração

da lógica do mass communication e sua estrutura – restritiva de

produção e ampla de consumo – para a comunicação individual

de massa (mass self communication). Amplifica assim a condição

produtiva, desvincula a condição de consumo do conteúdo

gerado. Per se, o conceito desestrutura a restrição aos meios

de produção, característica capitalista, e potencializa a

individualidade como autora da própria identidade social

digital. Na topografia das redes digitais, convivem as causas

globais e inequívocas, como ecologia, até o hedonismo

extremo, como selfies e paixões isoladas. Havendo

representatividade plena de toda a gama situada desde o

individualismo até o comunalismo. Em contraste, a polaridade

que se divisa entre global e local amplia ou restringe

geográfica e socialmente a existência e o alcance de

conteúdo.

No âmbito da produção e consumo de entretenimento digital, há

uma relação distinta de dimensões, uma vez que o digital não

se desfaz com o tempo, ou pelas condições físicas, assim como

não se tangibiliza em forma, mas em conteúdo. Assim,

entendemos que no cenário da cibercultura, a discussão sobre

tempo e espaço, e as condições de ubiquidade e remediação

permitem compreender o consumo cultural híbrido do

entretenimento. Para o jovem, entretenimento significa ação

social e política para a experiência de vida que se constrói

pelos pixels dos suportes, usados aqui como dicionário,

sintaxe e gramática simultâneas, da experiência de

convivência à velocidade da luz. Nesta, não se permite o

espaço, mas tempo.

Paul Virilio (2000) considera perversa esta equação presente

no cibermundo, lembrando-nos do tempo local, diferente do

agora incessante, que se faz global, glocal e único. A

organização temporal local permitiu ao homem experimentar sua

própria existência. Mas a velocidade da velocidade

contemporânea elimina, em simultâneo, os intervalos em que se

vive o espaço, comprime o tempo, subtraindo referências e

experiências humanas, pois não há como vivê-las à sombra da

velocidade-luz. É sob a luz e comando desta aceleração que

está o sujeito, em meio a imagens suportadas pelo

ciberespaço-cibermundo.

Para Lucrécia Ferrara (2010), “se o espaço ciber é o locativo

da cibercultura, ela decorre da aceleração que o mobiliza”

(p. 67). Embora tal aceleração não ocorra no formato linear

da comunicação tradicional. Conforme explica a autora,

“o ciberespaço e seus efeitos culturais se afastam demodo acelerado daquilo que foi rotulado pelos antigosmeios e, superando a linearidade comunicativa,procuram-se as circularidades imprevisíveis oudíspares, porque decorrem da indeterminadacaracterística de meios comunicativos que,ambientalmente, contagiam o planeta, mas resistem à suadeterminação e controle.” (FERRARA, 2010, p. 68)

Seria a relação espacial na cibercultura um processo

produtivo de mundos virtuais e desterritorialização, ou mais

controle e territorialização e produção relacionada a objetos

e lugares? André Lemos (2010) não considera a dicotomia dos

processos da cibercultura e sentidos de lugar suficientes a

explicar o contexto da sociedade de informação contemporânea,

denominado por ele como território informacional. Áreas de

interseção entre ciberespaço e espaço urbano, intersecção

digitalmente controlada, que criam novas funções para

lugares, uma heterotopia (LEMOS, 2010, p. 101). Redes sem

fio, sensores e mobilidade criam novos usos do lugar, novas

camadas de informação digital, e, portanto, novas formas de

territorialização e controle informacional.

No entanto, para os jovens desse contemporâneo, a compressão

espaço-tempo não é encarada como “catástrofe” ou emergência

da “política do pior”. A estes a tele-vigilância e controle

informacional pouco significam. Voluntariamente se apresentam

aos dispositivos conectados à rede e através deles ocupam

espaço possível em meio à transmissão de dados, inclusive os

próprios. Partilham, compartilham, refazem o mundo à sua

volta porque se sentem potentes de transformá-lo a partir de

sua ação em rede. Embrica-se a ação jovial, nesse território.

E é no território informacional que o jovem se percebe

autor/co-autor, pelo ‘copy-paste’, mixagem e re-mixagem

diárias.

Neste processo, é pela concepção de remediação (BOLTER e

GRUSIN, 2000), que surge o fenômeno pelo qual jovens e

sociedade se preservam frente ao avanço da conformidade,

presente na numerização cotidiana. A remediação conecta

formas de troca/interação por entre os paradigmas

comunicativos dos modos de contato entre meios digitais e

analógicos. Tendendo à invisibilidade das mediações, os meios

assumem vínculos de reabilitação de uns em relação aos

outros. Ocorre uma desmaterialização das interfaces

comunicativas que provoca um acesso “transparente” do real,

como um processo de fascinação midiática, ou multiplicação

das mediações (BOLTER & GRUSIN, 2000). A remediação marca o

contágio transversal entre mídias num dado momento. Com os

meios digitais o processo adquire jovens [co]autores, que,

imersos na estética e cientes da experiência do

entretenimento, criam possibilidades de recuperação do espaço

- não o físico, mas o que se forma por flashes, em vários

lugares ao mesmo tempo. Nesse processo ubíquo o compartilhar

multiplica, mistura-se, por entre sujeitos presentes em

quaisquer lugares, e seus próprios conteúdos.

Diante da hibridização do espaço físico e do ciberespaço -

com novos sentidos de lugar e comunidade - e das várias

relações dos jovens com a cibercultura - consumidores e /ou

produtores –, ocorre a transformação de territórios

informacionais em entretenimento, na perspectiva individual

de massa, promovendo contato entre fluxos globais e sentidos

locais. A partir desse processo, seria então possível que

encontros cosmopolitas (aqueles que permitem o

desenvolvimento de uma visão do Outro) ocorram a partir do

consumo cultural híbrido (tanto global, quanto local, tanto

na realidade híbrida do ciberespaço quanto da cibercultura)?

Consumo Cultural Híbrido de Jovens Universitários:Possíveis Encontros Cosmopolitas

O estudo aqui proposto se insere na reflexão sobre as

culturas juvenis, onde há cruzamento entre subjetividades e

tecnicidades sensorias e cognitivas, pois os jovens seriam

sujeitos estruturalmente mediados por suas interações pela e

com a tecnologia, principalmente no contexto contemporâneo

das tecnologias digitais (MARTIN-BARBERO, 2006). Os estudos

que traçam o perfil de internautas (RECUERO, 2009) mostram

que eles são prioritariamente jovens, público esse que tem

deixado cada vez mais a televisão para ficar em companhia do

computador, estabelecendo novas relações com os meios, cujo

processo já não é mais de “um para vários”, mas de “muitos

para muitos”, corroborando com a visão da comunicação

individual de massa.

Para compreendermos especificamente o consumo cultural

híbrido de jovens universitários, inserido na lógica do

entretenimento e da cibercultura, nossa análise faz uma

triangulação dos dados de: (1) pesquisa “O jovem digital

brasileiro” do IBOPE (2012); (2) pesquisa “Juventude

conectada” da Fundação Telefônica/USP (2014); (3) recorte

sobre consumo cultural nos meios digitais, retirado de 52

entrevistas estruturadas realizadas com jovens universitários

em São Paulo em maio de 2014, da etapa exploratória do

projeto de pesquisa “Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil.

Etapa 1”.

De acordo com o perfil dos jovens que acessam meios digitais

no Brasil (Tabela 1), a classe C é a mais representativa na

realidade brasileira, seguida pela classe B, fator que

demonstra o crescente acesso dos jovens à Internet, e a

concentração da população brasileira na classe C. Da mesma

forma, a baixa representatividade da classe A segue a relação

desse segmento na população brasileira, uma vez que há fácil

acesso aos meios digitais para esses jovens, diferentemente

da realidade dos jovens das classes D/E.

Tabela 1. Perfil dos jovens que acessam meios digitais.

Classes A B C D EIBOPE (2012) 36% 53% 11%

Fundação Telefônica/USP(2014)

5% 38% 49% 8% -

A realidade de formação desses jovens é de 32% no ensino

superior e 34% com ensino médio completo, sendo que 38% deles

não trabalham e 53% são estudantes em tempo integral (IBOPE,

2012); na proporção específica do ensino superior, 21% estão

cursando e 3% já concluíram (Fundação Telefônica/USP, 2014).

A proporção de jovens que cursam ensino superior ainda não

representa a maioria do universo dessa faixa etária na

realidade brasileira, mas está mais próxima das classes que

possuem mais acesso à Internet, com mais recursos para

aquisição de aparelhos e/ou acesso para locais com conexão e

máquinas para acesso. A maioria dos jovens já trabalha fator

que também contribui tanto na renda para aquisição de

aparelhos, quanto no acesso à Internet no ambiente de

trabalho.

A pesquisa da Fundação Telefônica/USP (2014) divide os jovens

conectados em três perfis. São eles os exploradores

iniciantes (62%), os exploradores intermediários (33%) e os

exploradores avançados (5%). Desses perfis, os que mais se

assemelham aos jovens universitários entrevistados em São

Paulo são os exploradores intermediários e avançados, pois

esses estão no ensino superior, na região Sudeste

(principalmente das capitais), estudam e trabalham, e acessam

a Internet de suas próprias casas ou aparelhos. Devido à

relação mais próxima de acesso (tanto financeiro quanto

físico) à Internet, esses jovens já possuem conhecimento das

ferramentas e das possibilidades oferecidas no ciberespaço, e

são co-autores no compartilhamento e criação de conteúdos nos

meios digitais, demonstrando grande afinidade com temas da

cibercultura e com suas possibilidades, tanto para seus

objetivos pessoais, quanto acadêmicos e profissionais.

Em relação às formas de acesso à Internet (Tabela 2),

especificamente para as atividades de consumo cultural, os

jovens universitários de São Paulo responderam que utilizam:

28,8% o computador pessoal, 17,4% o smartphone e 2,2% o

tablet (ESPM, 2014). Na pesquisa realizada pela USP o

smartphone não aparece como meio de conexão, porém ele surge

como um meio de consumo de entretenimento, principalmente

para uso cada vez mais frequente das redes sociais, (também

apontado pelo IBOPE, 2012). Em comparação com outros meios

tradicionais, como televisão (17,2%), livro impresso (9,9%),

rádio do carro (8,5%) e revista impressa (4,4%), o computador

e o smartphone já são mais utilizados para o consumo cultural

cotidiano desses jovens, acentuando o grau de conexão que

eles possuem, e a relação entre o consumo midiático digital e

o entretenimento.

Tabela 2. Formas de acesso à Internet.

Formas de acesso Celular Computadorde mesa

ComputadorPortátil

Tablet

Fundação Telefônica/USP(2014)

71% 62% 51% 16%

Corroborando com essa visão, 47% dos jovens da pesquisa IBOPE

(2012) afirmam que a Internet é a principal fonte de

entretenimento, sendo que são utilizados múltiplos meios para

seu consumo, na relação híbrida do ciberespaço, que também

cria a possibilidade de remediação. Segundo os dados da

pesquisa Fundação Telefônica/USP (2014), as principais

atividades na Internet realizadas pelos jovens são:

comunicação (37,3%), lazer (29,6%), leitura de jornais e

revistas, busca de informações (28,7%), educação e

aprendizado (28,1%). Considerando as atividades de lazer e

entretenimento especificamente, as mais frequentes são:

assistir filmes, séries e programas de TV, postar músicas,

vídeos e conteúdos digitais, fazer downloads; e as menos

frequentes: acessar sites de revistas, ler livros digitais,

jogar games. Nas entrevistas realizadas em São Paulo com os

jovens universitários, 44,5% do tempo de consumo cultural é

concentrado nas redes sociais, seguido por 16,5% em música,

12,4% em sites/blogs, 6,3% em livros e 5,7% na televisão. O

consumo por meio das redes sociais, seja para compartilhar

conteúdos digitais ou para acompanhar os posts dos amigos, é

o mais frequente, fator também apontado na pesquisa IBOPE

(2012), onde 92% dos jovens navegam em redes sociais, 90%

para ver fotos postadas, 86% para ler atualizações na

timeline, e 75% para expressar suas opiniões sobre assuntos

gerais. Há também um interesse destacado para postar,

compartilhar e ver/ouvir tanto música, quanto fotos, fato que

é menos destacado para notícias e textos em geral. No caso

dos jovens universitários especificamente, há maior destaque

para o consumo de livros, principalmente pela demanda de sua

formação acadêmica, e consequente queda do consumo de

televisão (de filmes, séries e programas variados).

A relação social e de aproximação com as pessoas é fator

destacado pelos jovens (49% na pesquisa Fundação

Telefônica/USP, 2014). A quantidade de contatos das redes

sociais, por exemplo, mostra a amplitude de possibilidades de

socialização: na pesquisa do IBOPE (2012), são 352 contatos,

sendo 31 amigos em média. Já os universitários de São Paulo

possuem 677 contatos e 17 amigos em média, fato que mostra a

relação ainda mais avançada dessa amplificação no perfil

desse estudo (ESPM, 2014). Esse fato referenda as

possibilidades de contato com outras culturas, seja pelos

produtos culturais consumidos (estrangeiros ou em outro

idioma), ou o contato direto com pessoas que estão em outro

país (viajando ou morando) e/ou estrangeiros; há a

possibilidade de se conhecer pessoas que não se conheceria

fisicamente, assim como de se conhecer lugares sem a

necessidade de viajar (Fundação Telefônica/USP, 2014). Na

pesquisa do IBOPE (2012), 67% afirmaram que desejam viajar e

conhecer lugares exóticos, sendo que no caso dos

universitários paulistanos, 51 dos 52 já viajaram para o

exterior (média de 7 países) e 29 já viveram fora do país

(ESPM, 2014). O perfil de jovens de São Paulo também mostra

maior aproximação com diferentes culturas, fator que lhes

possibilita maior contato e possibilidades de encontros

cosmopolitas.

No caso dos jovens da pesquisa IBOPE (2012), 26% falam inglês

e 15% espanhol. O que sinaliza maior aproximação com o

consumo global na formação dos jovens universitários de São

Paulo é que 100% afirmam falar inglês e 77% espanhol. Esse

conhecimento, aplicado no cotidiano, resulta no consumo de

produtos culturais de origem estrangeira (60,1% dos casos),

com ênfase principalmente nos de origem norte-americana

(17,3%), tanto pelo conhecimento do idioma inglês (preferem

consumir filmes, música e outros no idioma original), quanto

pela proximidade com a indústria de entretenimento do país,

que é a principal produtora mundial de produtos culturais (em

volume).

A partir da análise da formação dos jovens universitários em

São Paulo, verificamos que seus perfis intermediários e

avançados, vinculados tanto ao seu perfil-socioeconômico,

quanto à sua formação acadêmica (ensino superior e

aprendizado de idiomas), revelam a exploração mais acentuada

das funções de comunicação, entretenimento e busca de

informações nos meios digitais. Além dos contatos formados

por viagens, o consumo cultural concentrado em produtos

estrangeiros, principalmente norte-americanos, permite que

esses jovens aumentem seu capital cultural, ampliando

possibilidades de encontros com outras culturas. A

hibridização do consumo cultural desses jovens concentra-se,

portanto, na realidade híbrida do ciberespaço e da

cibercultura, mas não necessariamente proporciona encontros

que formem uma cultura glocal.

Verificamos que há dentre os jovens universitários de São

Paulo um perfil prioritariamente de elite, que constrói seu

capital cultural para distinção na sociedade. O fenômeno de

“digital divide” explica o perfil específico desse grupo e as

diferenças das realidades de acesso que ainda existem no

Brasil, uma vez que há camadas da sociedade que são

hiperconectadas e que possuem acesso a comunicação,

informação e entretenimento privilegiados.

Na perspectiva de consumo do ciberespaço, os jovens

universitários dão prioridade ao entretenimento, sendo que a

cibercultura ganha traços de “ciberfun”, e a hibridização do

consumo cultural dos jovens não se constrói a partir de uma

visão local e/ou individual. Nessa linha, buscamos

compreender como seria possível para eles encontrarem a visão

de si para o mundo.

A partir da disponibilidade atemporal e fisicamente ilimitada

da comunicação digital desses jovens, questionamos como essa

interação midiática colaboraria com o reconhecimento

reflexivo do Outro, possibilitando encontros cosmopolitas.

Espelho de reconhecimento cosmopolita?

Pensando nas oportunidades de contato com outras culturas e

com pessoas de outros locais é que destacamos o fato das

inscrições midiáticas deixarem brechas para percebermos como

os sujeitos constroem representações de si para e com o

mundo, através do consumo nos contextos glocais (ROBERTSON,

1992), ou seja, tanto de produtos culturais globalizados,

quanto de suas remediações a partir do contato com o Outro.

Vincenzo Cicchelli e Sylvie Octobre (2013) afirmam haver a

necessidade de se empregar o conceito de cosmopolitismo em

relação a situações comuns e banais, como o consumo cultural

cotidiano. Assim, desenvolvemos a discussão da possibilidade

dos encontros cosmopolitas a partir do consumo midiático

híbrido e do contato com outras culturas, por meio de um

espelho de reconhecimento cosmopolita.

A figura do espelho aqui é utilizada como o meio através do

qual as narrativas desses jovens se desenvolvem. Nele, estão

as reflexões do mercado de entretenimento e da tecnologia da

cibercultura, assim como as refrações do eu e do Outro.

Nessas narrativas estariam as possibilidades do eu te

reconhecer, do você me reconhecer e do nós nos reconhecermos.

Nesses contatos, pelos fluxos híbridos midiáticos, estaria,

portanto, a possibilidade de encontros cosmopolitas

cotidianos. Os dados cruzados apontam para um jovem que

possivelmente vivencia encontros cosmopolitas, que seria

potente para, junto de/com seus pares, desenvolver e

envolver-se em narrativas comuns no contemporâneo, por meio

dos contatos proporcionados e/ou viabilizados pelo digital.

Assim como Alice (CARROLL, 2014), eles vislumbram, através do

espelho, outro mundo, assim como a própria imagem de seu

mundo refletida, e se aproximam dessas representações como

aceitando um convite para que elas sejam constantemente

ressignificadas. Alice avança sobre a interface representada

pelo espelho, uma lâmina fina de vidro que se torna permeável

e envolvente como um líquido, a partir do contato feito por

ela, e que se desfaz. Através do espelho, reconhece a

conquista do “novo mundo”, e a interface se transforma numa

possível ponte entre mundos mantidos separados, mas com uma

interlocução possível quando há mediação.

A pesquisa também recupera as narrativas dos jovens como uma

maneira de entender o fascínio, a dúvida e o medo presentes

no exercício da autoria/co-autoria que eles parecem construir

nas suas práticas nos meios híbridos. A ação desse jovem

mostra-se, desenvolve-se, ou constrói-se como autor/co-autor

de narrativas, por experiências estéticas viabilizadas pelos

sentidos, nas pontes entre diferentes mundos. Nos fluxos

midiáticos híbridos, eles lêem, escrevem, fotografam,

assistem, escutam, curtem, comprilham e se ressignificam, em

torno das tecnologias que lhes permitem estender seus

domínios de ação sobre toda a diversidade de conteúdos que

estiverem ao seu alcance. As narrativas são arquitetadas

através das mídias disponíveis ao longo do caminho, nos

encontros com elementos de diferentes origens, que vão sendo

visitados e absorvidos, juntamente com os códigos midiáticos

utilizados e reproduzidos.

Do outro lado do espelho, Alice encontra um jogo de xadrez,

as suas opções de encontros, definidas a partir das suas

decisões/jogadas, rei-rainha-peão-quadropreto-quadrobranco.

Ela deve jogar para dar continuidade a seu caminho narrativo,

a seu reconhecimento. Durante o jogo, Alice vai tomando suas

posições no tabuleiro. Ela encontra o Outro, o Outro a

encontra, e nessas relações, que podem ser de reconhecimento

e ressignificação, ou de estranhamento e resistência, estão

as possibilidades da interface fluída.

Assim como no jogo da amarelinha, os jovens seguem nessa

interface tecendo e juntando códigos, construindo pontes

entre diferenças, disjunções. Ao mesmo tempo, seguem caminhos

e chegam a lugares quase como que por acaso, mas dentro de

uma lógica construída por quem conhece o enredo que se

desenrola. A narrativa do jovem diante da hibridez cultural

se assemelha à multiplicidade de percursos e encontros, a

partir da perspectiva de si e do Outro, assim como Julio

Cortázar (1999) apresenta em seus diferentes caminhos entre o

céu e a terra da amarelinha.

No horizonte da imersão/absorção de histórias que façam ou

que construam significado na aventura humana, há

possibilidades constantes da descoberta de si e do Outro.

Contar e ouvir histórias garante a existência, a despeito das

tecnologias que nos acompanham. A novidade, talvez, é a de

que os jovens/autores contemporâneos as escrevem e as recebem

em simultâneo, sem limites físicos ou simbólicos. As

narrativas, como um de nossos mecanismos cognitivos mais

primários para entendimento do mundo, passam a fluir pelas

redes, em velocidade-luz. Um livro-papel, por exemplo, pode

ter sua narrativa interrompida, pode esperar. Em rede, está

sempre aberto, queiramos ou não. Aguarda pela eterna

continuidade da narrativa se desenrolando e alguém está

sempre conectado ao seu desenrolar.

Quando Alice, nosso jovem contemporâneo, segue para atrás do

espelho, adentra numa narrativa permanente em leitura-

escritura constantes, é um mergulho no holodeck (MURRAY,

2003), esse cubo negro e vazio, que pode ser preenchido por

essa história sem fim em meio ao cotidiano tecnológico em que

vive. O holodeck oferece a “mais poderosa tecnologia de

ilusão sensorial que se pode imaginar” (MURRAY, 2003, p. 36).

Alice sabe que seu espaço é codificado, demarcado, mas avança

através dele porque paulatinamente adquire consciência sobre

o meio, como seu fator de libertação, de humanidade.

Uma vez que a realidade híbrida desse jovem se interlaça com

esse ciberespaço, e, consequentemente, com a apropriação da

cibercultura, as narrativas se multiplicam. No entanto, nesse

processo de múltiplos sentidos e códigos, os dois lados do

espelho não necessariamente se encontram. Portanto, não há

necessariamente reconhecimento mútuo. Por um lado, a

comunicação digital permite ao jovem construir novos caminhos

e posicionar-se no tabuleiro de forma inusitada, reconhecendo

o Outro a partir de sua perspectiva. Por outro lado, a

aceleração dos contatos e a concentração no entretenimento e

no jogo em si, vazio em si mesmo, não chega a permitir um

caminho de reconhecimento reflexivo do Outro, que levaria a

uma nova visão do seu próprio mundo. O relógio do coelho

estaria sempre lembrando que é tarde, que não há tempo para

compreender o Outro, assim como o espelho cada vez se

multiplica, tornando seus reflexos cada vez mais

fragmentados, sendo cada vez mais difícil responder às

questões: Quem é você? Quem é ele? Quem somos nós?

Pelas subjetividades e tecnicidades sensoriais e cognitivas

cruzadas, ante a perspectiva da potência comunicativa digital

nos reflexos e refrações espalhados pela constância e

intermitência conectiva, nos questionamos se, de fato, não

estariam estes jovens, sujeitos mediados por suas interações

pela e com a tecnologia, abrindo espaço para a construção de

narrativas. Tais narrativas, investidas de possibilidades de

encontros cosmopolitas, seriam respostas a questões tanto de

identidade quanto de identificação de si e do Outro.

REFERÊNCIAS

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