Brooki Vol 1

165
- 1 -

Transcript of Brooki Vol 1

- 1 -

- 2 -

Brooki Volume Um

- 3 -

―Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.‖

__ Renato Russo

- 4 -

Para Carla, que sempre me incentivou a escrever

cada vez mais.

- 5 -

- 6 -

– Prelúdio –

O frio já tomava todo o seu corpo.

Aos poucos ela sentia que a vida deixava seus olhos. Uriel, seu amigo, estava ao lado dela segurando sua mão, mas seu verdadeiro amor não a acompanhava.

Azazel havia desaparecido. Brooki teve medo de morrer. Então Uriel lhe disse que estava terminando, que a

dor cessaria e que Brooki estaria em paz logo. Lágrimas quentes cortaram seu rosto marmóreo, Brooki nunca o vira chorar, mas valeu a pena esperar por esse momento, pois no momento em que Uriel pôs-se a chorar, o céu verteu-se em lágrimas.

Lágrimas de chuva. Lágrimas dos anjos. Ele quebrou sua regra mais preciosa. Afeiçoou-se a uma mortal. Mas Uriel já não se importava, pois tudo o que ele

desejava era estar do lado dela. O mundo escureceu para Brooki, e ela mergulhou

em um fúnebre silêncio. Seu coração parou.

- 7 -

– Estágio Um – Uma nova cidade

- 8 -

– I –

Os gritos de dor invadiam todo o terceiro andar do prédio.

Lilian, uma jovem de apenas quinze anos sofria os males do câncer, que pouco a pouco a consumia por dentro.

Cinco das seis famílias estavam do lado de fora das suas casas. Os pais de Lilian mantinham a porta fechada, mas volta e meia esta se abria quando um vizinho curioso tocava a campainha a fim de receber as últimas notícias acerca do estado da moça.

— Vocês são surdos? – gritou Jon, o pai de Lilian, quando um dos vizinhos tocou a campainha pela sétima ou oitava vez naquela noite. – Será que vocês não conseguem ouvir os gritos da minha filha? – Jon bateu a porta e a trancou. – Já disse a vocês, querem me ajudar? Subam até o quinto andar e chamem-no! – berrou Jon, do lado de dentro do apartamento.

Há mais ou menos vinte minutos Jon fez o mesmo pedido, mas ninguém se prontificou a ir até o quinto andar buscar ajuda. Todos os moradores dos quatro primeiros andares evitavam o único habitando do quinto

- 9 -

andar do prédio, alguns não toleravam estar em sua presença, enquanto outros, que nunca o viram, apenas aceitavam a opinião da maioria e concordava em odiar o rapaz. Ele não era o tipo de pessoa que impunha a própria presença perante aqueles que não o queriam por perto, na verdade, um fato curioso a ser mencionado sobre ele, é que ele sempre estava no local que precisava estar, e no momento em que era mais necessário.

Como uma grande ironia, o céu estava limpo e cheio de estrelas, e a lua estava cheia e iluminava o mundo logo abaixo da abóboda celeste, e através de três grandes janelas, ela iluminava também o corredor abarrotado de pessoas, todos moradores do terceiro andar.

Um ruído baixo, mas ainda assim audível a todos, desviou a atenção das pessoas, da porta nº 303 para a porta dupla do elevador, que se abriu lentamente revelando um rapaz de aparência maravilhosa. Apesar dos seus lhos serem de um azul tão intenso e claro que parecessem gelo puro, seus cabelos eram longos e lisos e tinham um tom prateado, e caíam sobre seus ombros largos. Ele tinha o físico de um nadador olímpico, mas o único esporte que praticava era o de virar as páginas dos livros que ele lia com tanta sede de conhecimento. O principal defeito que os outros atribuíam a ele era o par de olhos azuis em seu rosto perfeito, apesar de serem frios, os olhos dele eram bastante expressivos e curiosos, como os olhos de uma criança de cinco anos.

Ele vestia uma alça jeans desbotada e rasgada na altura dos joelhos, e uma camisa social velha com manchas de tinta, que estava desabotoada deixando a

- 10 -

mostra um abdômen que arrancava suspiros das moças, enquanto dos rapazes arrancava grunhidos de inveja e raiva, porém, ele não se importava com nada e com ninguém.

Em silêncio ele avançou pelo corredor. As crianças eram as únicas pessoas que

simpatizavam com ele, pois elas podiam vê-lo como ele realmente era, e não o julgavam por ser estranho ou silencioso, mas as mães ou os pais, ao verem Uriel esboçar um pequeno sorriso para seus filhos, trataram de empurrar as crianças para dentro das suas casas, enquanto permaneciam no corredor apenas os jovens que não estavam dormindo, e os adultos.

A medida que ele avançava, um frio terrível tomou conta daquela noite quente de verão, não era natural essa repentina queda de temperatura. O frio era sufocante e parecia congelar até mesmo o ar ao redor de todos, mas o rapaz não parecia sentir nada, mesmo descalço, ele não estava nem arrepiado.

— Você não é bem vindo aqui! – exclamou um homem de idade avançada que estava mais perto do elevador.

O rapaz nada disse, apenas continuou o seu caminho, com uma expressão tranqüila, e então ele parou diante de uma porta com os números 303 dourados e pregados acima do olho mágico. O rapaz estendeu a mão e tocou os números um a um, e então sua mão desceu até a maçaneta da porta e ele a girou.

— Caso você não saiba, – disse outro homem de meia idade que estava mais perto do rapaz – a porta precisa estar destrancada para que você possa entrar! –

- 11 -

então ele deixou escapar uma arrogante risada de escárnio.

Outras pessoas fizeram coro ao riso do homem. — Cale-se Louis, seu grande imbecil! – gritou o

rapaz sem ao menos se mover de onde estava os seus olhos continuaram pregados na porta.

Houve um longo silêncio no corredor, que foi quebrado pelos gritos de Lilian.

— Preste bem atenção... – disse o rapaz olhando pela primeira vez para as pessoas ao seu redor. Louis estava a um braço de distância do rapaz. – Da mesma forma que eu vou entrar aqui, eu entrarei na casa de Matt, o seu filho Louis, e farei isso em menos de uma hora.

Louis ficou em silêncio e arregalou os olhos, aos poucos os risinhos abafados que muitos tentavam esconder após o rapaz insultar Louis, era como se o mundo ficasse em silêncio.

— Meu filho está em Dublin... – disse Louis em um tom de voz baixo, de modo que somente quem estava perto dele e do rapaz puderam ouvir. – Como você acha que vai chegar lá em menos de uma hora rapaz? – Louis não conseguiu disfarçar o medo em seu tom de voz.

— Amanhã você vai descobrir Louis... Espere até amanhã pela manhã.

O rapaz empurrou a porta e esta se abriu devagar. Todos se afastaram, pois ouviram o momento em

que Jon trancou a porta, mas não ouviram a porta ser destrancada, porém, o rapaz a abriu como se Jon não a tivesse trancado.

O rapaz entrou no apartamento e trancou a porta.

- 12 -

A sala do apartamento era simples, havia alguns quadros com fotos da família pendurados nas paredes, havia também porta-retratos sobre uma prateleira e sobre uma estante, posicionada sobre a mesa de centro estava uma estatueta da Vigem de Guadalupe, com algumas velas acesas à sua frente. No sofá estavam três mulheres, uma se chamava Cármen, e era a avó de Lilian, a outra era Rita irmã de Maria, mãe de Lilian. Todas tiritavam de frio, mas não se afastavam da estatueta da santa, e nem largavam seus rosários para tentar aquecer as mãos.

Jon entrou na sala e deixou escapar uma exclamação de surpresa ao ver o rapaz ali dentro do apartamento, pois ele não ouvira a campainha soar e ninguém bateu na porta, e sua mulher, nem a sua cunhada ou sua sogra gostavam do rapaz, e não concordaram desde o início em chamá-lo, por isso Jon sabia que nenhuma delas iria abrir a porta para ele.

— Já chegou? – a pergunta era mais uma afirmação, que Jon fizera com sua voz fraca e cansada. – Venha comigo...

O rapaz acompanhou Jon até o quarto de Lilian. Sobre a cama estava uma jovem de pele morena e cabelos muito negros, ela estava encharcada de suor, e de vez em quando seu corpo estremecia e ela gemia de dor. Ao lado da cama, perto da janela estava um jovem da idade de Lilian, que ao ver quem estava acompanhando Jon, se ergueu rapidamente.

— O que ele esta fazendo aqui? – o jovem gritou apontando para o rapaz que estava atrás de Jon.

- 13 -

— Acalme-se Júlio! – disse Jon, com uma voz tão serena e pacífica, que deixou o namorado de Lilian tranqüilo, apesar do medo que ele sentia naquele momento.

— Por favor... – murmurou Júlio caindo de joelhos ao lado da cama de Lilian. – Ajude-a... por favor, faça com que a dor vá embora...

— Vou fazer o possível Júlio... Farei tudo o que estiver ao meu alcance para salvar Lilian...

— Apenas livre-a da dor... – pediu Júlio conformado.

O rapaz assentiu e pediu que Jon e Júlio o deixassem a sós com Lilian, mas Júlio se recusou a ficar longe de Lilian.

— Por favor, Júlio – disse Jon em um tom de voz inexpressivo.

Mas Júlio estava decidido a não sair. — Tudo bem... – disse o rapaz esboçando um

sorriso. – Você pode ficar Júlio, mas o senhor tem que sair, Sr. Jon...

Jon concordou e saiu apressado do quarto, ele também não gostava muito do rapaz, mas ouviu dizer que apenas ele poderia ajudara sua filha, e depois de tentar todo tipo de tratamento, não custava nada experimentar um último recurso, que não lhe custaria nada, pois já não havia mais dinheiro para gastar com tratamentos.

Júlio voltou a segurar a mão de Lilian, enquanto o rapaz ficou de joelhos ao lado dela, depositou sua mão sobre a testa da moça e fez uma breve oração.

— O que quer que eu faça? – perguntou Júlio.

- 14 -

Até o momento, Júlio havia ficado tão quieto, que seu silêncio se tornou confortável para o rapaz, que ele se esqueceu da presença do namorado de Lilian.

— Apenas fique em silêncio, e feche os olhos... – disse ele depois de pensar por alguns minutos. – Ouça Júlio, – sua voz soava preocupada agora, o rapaz estava se perguntando se errou em permitir a presença de outro mortal no quarto – é de máxima importância que você permaneça de olhos fechados, você não deve abrir os seus olhos em hipótese alguma, até o momento em que eu lhe disser claramente: ―Abra os olhos‖, estamos entendidos?

— Sim... – disse Júlio vagamente. — Tudo bem, então feche os olhos... Agora! Júlio fechou os olhos no mesmo instante em que

uma forte luz tomou conta do quarto. Júlio teve a sensação de que estava de olhos fechados diante do sol, pois além de estar vendo uma forte luz penetrar pelas suas pálpebras, ele também sentia uma onda de calor agradável. Um caos sonoro se instalou dentro dos seus ouvidos, mas o som não era ruim ou ensurdecedor, muito pelo contrário, quando ele se acostumou, o som lhe pareceu milhares de vozes cantando uma música maravilhosa. Sem conseguir conter a curiosidade, Júlio abriu os olhos, ele quis gritar, mas sua voz desapareceu.

Eles não estavam mais no quarto de Lilian. Júlio se viu em outro local, era uma imensa estrutura circular, circundada por doze colunas, e o teto era uma cúpula contendo todas as estrelas do universo, Júlio sentiu como se estivesse dentro de uma gaiola de pedra. No centro dessa gaiola, havia uma árvore seca e retorcida, e

- 15 -

nessa árvore não havia folhas, mas sim milhões de luzinhas pisca-piscas. Júlio piscou algumas vezes quando viu Lilian de pé, mas o outro rapaz não estava lá, ao lado de Lilian estava apenas uma forte luz.

De repente a luz se apagou. Júlio estava sentado no chão, encostado na parede

da janela, seus olhos estavam vidrados e uma lágrima escorria do seu olho esquerdo.

O rapaz saiu do quarto enquanto os parentes de Lilian entraram apressados. Maria deixou escapar um grito de dor e então abraçou o corpo inerte de sua filha, Cármen imitou o gesto da filha e abraçou o corpo frio da neta, enquanto Rita tocava o ombro de Júlio, que estava em choque.

Jon se aproximou do rapaz, que ofereceu suas condolências e deixou o apartamento.

Não havia ninguém no corredor, os vizinhos assustados ou aqueles que fingiam ter coragem suficiente para estar perto do rapaz, não havia mais ninguém ali. Só havia o frio e o silêncio. A lua, que antes brilhava sobre o céu claro, agora estava encoberta por nuvens de chuva, e o solo era lavado pelas lágrimas do céu.

— É sempre assim... – murmurou o rapaz olhando para o céu pela janela. – Quando choramos, o céu se comove e chora também.

Ele caminhou até o elevador e apertou o botão para que o elevador subisse. Uma vez dentro do elevador, ele apertou o botão do térreo.

Ele precisava se apressar, pois tinha pouco tempo para estar em Dublin.

- 16 -

Ao atravessar a porta dupla da portaria do prédio, o rapaz se deparou com outro saguão de entrada, dessa vez, era um prédio na Irlanda. Ele subiu as escadas até o segundo andar e parou diante do apartamento nº 207, e então entrou, sem nenhuma dificuldade.

O dono do apartamento estava no quarto, e dormia tranquilamente.

O rapaz tocou o rosto do homem, que acordou assustado e fitou o estranho parado ao lado da sua cama.

— Quem é você e o que está fazendo aqui?! – gritou Matt se levantando rapidamente.

— Fique calmo Matt... – disse o rapaz. – Meu nome é Uriel, e eu sou o anjo da morte... Estou aqui porque é a sua vez de me acompanhar... – Uriel indicou a cama, e então Matt fitou assombrado o próprio corpo ainda deitado na cama.

— Então eu... — Sim Matt, você morreu... agora, se você não se

importa, gostaria de levá-lo para o seu destino, essa noite está sendo cheia, e estou um pouco atrasado para recolher mais algumas almas...

Matt assentiu e então fitou Uriel. — Para onde eu vou? – ele perguntou preocupado. — Você vai para o mundo dos mortos Matt... –

respondeu Uriel calmamente. — Eu sei, eu queria saber se vou para o céu ou para

o inferno? — Ah, entendi... – disse Uriel ainda muito calmo. –

Bom Matt, eu serei sincero com você, você vai para o mundo dos mortos, lá, é que decidirão se você é puro o

- 17 -

bastante para ir para o céu, ou se você não é, sendo assim, você irá para o inferno.

— E como é lá? Quero dizer, o céu e o inferno? — Desculpe Matt, mas isso é uma surpresa, não

tenho permissão para lhe dizer... Matt assentiu e então saiu do apartamento ao lado

de Uriel.

- 18 -

– II –

Brooki estava furiosa com os pais, mas isso não a impediu de ir ao baile do fim de ano, afinal, ela merecia estar nesse baile como qualquer outro aluno que fora aprovado e estava terminando o segundo ano do Ensino Médio.

Brooki estava sentada enquanto Michel foi até a mesa de bebidas pegar uma coca-cola para sua namorada. Brooki deixou seus olhos correrem pelo salão de festas e então se deparou com um par de olhos negros e melancólicos, o rapaz era alto e tinha cabelos bem negros, a pele era de um bronze que não pertencia a nenhum rapaz londrino, ele vestia uma alça jeans azul bem escura e uma camiseta preta que ficava justa em seu corpo bem definido, uma corrente envolvia seu pescoço e como pingente havia um crucifixo de prata com alguns aramados e umas pedrinhas que refletiam a luz do globo de espelhos no teto do salão, seus dedos estavam entrelaçados e seu queixo estava apoiado nos polegares, sua expressão era séria e ele parecia preocupado com alguma coisa.

- 19 -

— Sua coca-cola senhorita... – disse Michel aparecendo de repente e fazendo com que Brooki desviasse os olhos do rapaz estranho.

— Podemos ir para outro lugar? Um lugar mais... Reservado? – Brooki pediu, agora procurando o garoto estranho, que havia desaparecido do salão de festas. – Sabe... Precisamos conversar...

Michel levou Brooki até o carro então começou a dirigir sem um rumo específico.

— Quer ir a um lugar específico? – Michel perguntou, sua voz soou um pouco mais grave, o que significava que ele estava irritado por sair mais cedo do baile.

— Na verdade não... – Brooki respondeu, e então olhou tristemente pela janela do carro.

— Então o que você quer? – Michel esbravejou. Brooki não se importava muito com os ataques de

raiva de Michel, afinal era compreensível, já que ele foi criado em um ambiente onde houve muita hostilidade da parte dos seus pais, por isso devia ter paciência com ele. Michel não era o melhor exemplo de um bom namorado, na verdade ele era completamente oposto, ele era rude, egoísta, desatento e colocava as suas necessidades sempre em primeiro lugar, deixando para atender a qualquer pedido de Brooki muito tempo depois, ele não gostava quando ela demonstrava seu amor quando estava perto dos seus amigos. Mas Brooki não dava atenção a essas pequenas falhas, pois ela o amava, e isso já era o bastante, mesmo sabendo que para Michel ela estava em terceiro plano em sua lista de prioridades, pois em primeiro lugar estava o futebol e

- 20 -

em segundo vinham os seus amigos, o terceiro lugar era destinado ao resto do mundo incluindo Brooki.

— Eu vou me mudar... – disse Brooki com os olhos marejados.

— Não precisava me tirar da festa só por isso, quando eu estivesse levando você para casa você poderia ter comentado sobre esse fato e me dava o endereço da sua nova casa! – disse Michel aborrecido.

— Eu vou para outro continente! – Brooki exclamou. – Precisava contar para você... Pois vou viajar daqui a dois dias.

— É realmente uma pena – por um momento Michel pareceu se importar com a notícia, mas então veio a reação que deixou Brooki profundamente triste. – Sabe, na semana que vem é o final do campeonato e eu queria que você estivesse presente para me ver ganhar e levantar o troféu...

— Você não está nenhum pouco decepcionado com o fato de que a sua namorada vai se mudar para muito longe de você?

— Na verdade estou um pouco chateado que você não possa estar presente no jogo, mas agora que estou pensando melhor, a Liza Miller levou um chute do Josh, e eu sempre fui afinzão dela, e... – Michel fitou Brooki e continuou – se não tivesse falado nada a respeito dessa viajem eu iria terminar tudo hoje depois do baile...

— Como é que é? — Ora, eu tinha que aproveitar essa chance, não é

verdade Brooki? – Michel argumentou. – A Liza ta sozinha, e também ta muito carente, isso significa que eu preciso estar livre também pra poder chegar nela, por

- 21 -

isso que queria tomar a frente da conversa e sabe... Dizer que...

— Michel, acabou! – disse Brooki incisiva. — O que? – Michel estava confuso. — Eu disse que acabou Michel... – disse Brooki

resignada. – Estou terminando com você, ou então, se a palavra terminando tiver muitas letras a ponto de você não conseguir entendê-la, você pode trocar essa palavra pela seguinte expressão: Eu estou te chutando Michel!

— Ninguém chuta o Michel! – disse ele aborrecido. – É o Michel quem termina com as garotas!

— Eu sei Michel, por isso decidi terminar contigo. — Mas... — Eu não vou ser chutada por um idiota que está

pensando em outra! Brooki saiu do carro e começou a caminhar sem

prestar atenção no caminho exato que estava seguindo. — Eu não sou idiota! – gritou Michel saindo do

carro. Brooki se virou na direção de Michel e fez um

gesto obsceno com a mão, e continuou caminhando. — Deixa eu te levar para casa! – Michel gritou

agora mais calmo. — EU VOU A PÉ! – Brooki berrou enquanto

continuava sua caminhada. Michel não insistiu, ele fez o retorno e voltou para

o baile. Brooki tentava segurar as lágrimas, mas sua

tentativa foi em vão, pois ela começou a soluçar e logo seu rosto estava molhado de lágrimas, a noite quente cedeu o lugar para uma chuva bem fina e fria que logo

- 22 -

deixou Brooki completamente molhada e tremendo de frio. Após caminhar por uns minutos, um carro parou ao seu lado.

— Entra... – disse uma voz doce e calma. – Essa estrada pode ser bem perigosa durante a noite.

— Não obrigada! – Brooki respondeu sem olhar para o carro, e apertou o passo.

O carro a seguiu devagar. — Entra logo Brooki, é um longo caminho daqui

até a sua casa, e você mora seguindo para o lado oposto... – disse ele rindo baixinho.

— Com você sabe que... – Brooki ficou muda quando se deparou com um par de olhos muito negros e melancólicos fitando-a com um ar preocupado. – Você é o rapaz do baile! – ela exclamou de repente.

— Baile... – disse ele olhando rapidamente para a estrada à frente e então tornando a olhar para Brooki. – Q... Que baile?

— Você estava me observando no baile... – Brooki insistiu.

— Sinto muito, estou voltando agora para casa, mas não estive em baile nenhum... Estive no centro, sabe... Comprando mantimentos... – disse ele apontando para o banco traseiro, que estava cheio de sacolas.

Brooki enrubesceu e sorriu um pouco envergonhada.

— Desculpe... – Brooki entrou no carro e o rapaz fez o retorno e começou a dirigir na direção do salão de festas onde o baile estava acontecendo, e também aonde Brooki sabia que Michel devia estar, agora, talvez, ocupado demais com a língua dentro da boca de Liza

- 23 -

Miller. Sua mente estava muito confusa e processava algumas informações com certo atraso, e então por fim caiu a ficha. – Como você sabe que minha casa não é para aquele lado?

— Você pergunta demais para uma moça que estava caminhando sozinha na estrada, chorando e também completamente encharcada... – rebateu o rapaz.

— Briguei com o meu namorado, resolvi voltar sozinha para casa, e é inevitável que eu não me molhe, não há lugar algum no qual eu possa usar como abrigo contra a chuva!

— Touché! – disse o rapaz sorrindo. – Na direção que você seguia só há um vilarejo chamado Heaven Falls, que é o lugar onde eu moro, nunca vi você pelas bandas de lá, por isso sei que você mora para o outro lado, porque depois do meu vilarejo, precisa pegar um trem para ir até a próxima cidade.

Brooki ficou em silêncio, aquela explicação foi suficiente para ela.

Quinze minutos depois o rapaz parou o carro diante da casa de Brooki. Ela se despediu do rapaz, saltou para a calçada e entrou em casa, seus pés a levaram diretamente para o quarto. Sua cabeça estava tão cheia naquela noite que ela não se importou em certificar se aquele era realmente o rapaz do baile, outra coisa que Brooki deixou passar em branco foi o fato de que ele sabia o seu nome enquanto ele fora embora sem dizer o próprio nome, também havia outro fato, ele sabia exatamente o lugar onde Brooki morava, sem que ela lhe desse o endereço ou o guiasse na direção da sua casa. Sem olhar para os lados ou ao menos se trocar, Brooki

- 24 -

caiu na cama e pegou no sono desejando com todas as forças esquecer a noite confusa que tivera.

- 25 -

– III –

Seus olhos se abriram devagar, Brooki tateou com as mãos sobre o criado-mudo em busca do celular, mas não o encontrou por isso ela resolveu procurar pelo objeto e o encontrou no chão, ao pé da sua cama.

— Dez e sete... – ela murmurou olhando a hora no display do celular, em seguida ela colocou o celular para carregar e foi para o banheiro.

A casa estava mergulhada em um profundo silêncio, o que significava que seus pais não estavam, ou seja, Brooki estava livre por um tempo, tudo dependeria do lugar onde seus pais estavam naquele momento.

Brooki desceu as escadas e foi direto para a cozinha, preso sob um ímã de geladeira estava um bilhete escrito por sua mãe. Brooki o pegou e preparou o café da manhã, em seguida ela desdobrou o bilhete, abriu-o sobre a mesa e reconheceu a caligrafia desenhada da sua mãe.

“Brooki, eu e o seu pai fomos até a casa da

Madéa para pegar algumas das nossas coisas,

- 26 -

como não separamos nada que seja

exclusivamente pessoal essa é a nossa chance.”

Voltamos às 14h e 30min. Brooki leu duas vezes seguida a última frase, sua

mãe voltaria só depois do almoço, o que significava que ela poderia matar o tempo com Michel, e daria tempo para voltar e encontrar seus pais quando eles chegassem. Precisava ligar para Michel e contar a novidade do dia, mas Brooki pensou melhor, e então decidiu fazer uma surpresa para o namorado, ela sabia que Michel iria adorar a surpresa.

Rapidamente Brooki terminou o café da manhã e voltou para o quarto a fim de se arrumar. Ela vestiu o melhor jeans, uma camisa rosa que o próprio Michel havia lhe dado de presente no ano anterior e uma jaqueta jeans do Hard Rock Cafe, que ganhou da tia como presente de natal.

Michel morava próximo a Brooki, a distância era de apenas duas quadras. Ele morava sozinho, pois os pais moravam em Madri, nas férias de verão Michel ia visitar os pais, e dessa vez ele prometera levar Brooki consigo, pois a idéia era de apresentá-la aos seus pais.

Brooki caminhou rapidamente, pois estava chovendo, mas a chuva era fina e muito fria e Brooki sentia como se a água da chuva estivesse entrando em sua pele e congelando os seus ossos, seus passos eram velozes, ela mal podia esperar para vê-lo.

Ao chegar à casa de Michel, Brooki tocou a campainha e então ouviu algumas risadas.

- 27 -

— Os meninos devem estar jogando algum jogo novo... – Brooki murmurou consigo mesma, e ao ouvir passos se aproximando da porta ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha.

Michel abriu a porta, mas não viu quem era, pois ele olhava para trás e ria de alguma coisa que tinha acontecido antes de Brooki chegar.

— AH! – ele exclamou ao ver Brooki e então ele saiu fechando a porta atrás de si, Michel vestia apenas a cueca e abraçou o próprio corpo, pois estava sentindo frio. – É você... Nossa... Que surpresa...

Michel sorriu amarelo, Brooki riu ao ver o namorado sorrir, seu sorriso era lindo, arrebatador, e ela adorava o sorriso dele.

— É, achei que você iria gostar da minha... Brooki foi interrompida por uma voz feminina

chamando Michel. — Sabe Brooki... – disse Michel sem graça. – Agora

não é uma boa hora. Novamente a voz chamou por Michel, porém

agora, com muita impaciência, então a porta se abriu revelando uma moça que vestia apenas um lençol preso sob seus braços, Brooki sabia muito bem que ela era, pois há dois dias ela havia brigado com o namorado e ele a chutara, e quem a consolou fora Brooki.

— Liza e Michel... – disse Brooki tentando digerir a cena que presenciava. – Puxa! Que novidade! – Brooki exclamou e então se virou e começou a caminhar de volta para a calçada.

Michel chamava por ela, mas Brooki o ignorou completamente, até que ele segurou seu braço e a fez

- 28 -

girar sobre os calcanhares de modo que ficassem de frente um para o outro.

— Me larga Michel! – disse Brooki tentando se desvencilhar do rapaz.

— Me escuta ok? – disse Michel aborrecido. – Você disse ontem que tudo estava acabado, o que você queria que eu fizesse? Caso não tenha reparado Brooki, eu sou homem, tenho as minhas necessidades!

Brooki estreitou os olhos fuzilando Michel, aquela tinha sido a gota d’água.

Sem conter a raiva que estava sentindo naquele momento, Brooki deu uma joelhada em Michel, que caiu de joelhos com os olhos marejamos e as mãos sobre a virilha, ele emitia gemidos baixos e finos de dor.

— Doeu, não é? – Brooki gritou furiosa. – Que bom que tenha doído Michel, porque eu sou mulher, tenho sentimentos!

Brooki voltou correndo para casa. O primeiro lugar para onde se dirigiu foi o

banheiro. Brooki tampou o ralo da banheira e abriu a torneira deixando a água quente escorrer livremente para o fundo da banheira, em seguida ela foi até o bar do par.

— Que sorte! – ela exclamou secando as lágrimas que escorriam pelos seus olhos.

Brooki pegou a garrafa de vodca importada da Rússia que seu pai havia comprado há onze anos, e nesses anos todos, ele só bebera um único gole, assim mesmo foi apenas para pagar uma aposta. Brooki pegou uma faca na gaveta da cozinha e então voltou para o

- 29 -

banheiro, se despiu e entrou na banheira, que estava cheia pela metade. Lentamente ela fechou a torneira e depois abriu a garrafa de vodca e bebeu um longo gole.

— Preciso ser corajosa... – Brooki murmurou para si mesma.

Ela deitou na banheira, sua cabeça ficou submersa por um minuto inteiro, e então ela se sentou, o líquido que havia ingerido subiu rapidamente para sua cabeça deixando-a tonta. Novamente Brooki bebeu mais um longo gole e submergiu.

Ela ficou mais um minuto dentro d’água. Nesse minuto, que mais parecia uma eternidade, ela viu a briga que teve com Michel na noite anterior, o frio que sentiu enquanto andava na estrada e a chuva caía pesadamente sobre ela, o baile, Michel sorrindo para ela enquanto ela procurava pelo rapaz de olhos negros e melancólicos, Brooki não conseguia manter uma seqüência lógica em seu fluxo de lembranças da noite anterior, mas o que mais martelava em sua mente era o rapaz de olhos melancólicos.

Dele ela se lembrava bem, os cabelos muito negros, os olhos profundos, a pele de bronze queimada de sol, o corpo musculoso, a camisa preta justa ao corpo, a altura intimidadora. Brooki emergiu e tomou um novo gole de vodca, que subiu a sua cabeça mais uma vez. Ela estava bêbada, deprimida e confusa, então reunindo toda a sua força de vontade, Brooki pegou a faca e deixou a lâmina correr pelos seus pulsos, foram três cortes em cada pulso, para que o sangue escorresse mais rapidamente.

A dor era grande, mas ela não se incomodou, e então virou o líquido todo dentro da garrafa. Brooki

- 30 -

engasgou, mas melhorou rapidamente, e então ela se deitou novamente, sua cabeça tocou o fundo da banheira, sob a água, ela viu o transparente ser tingido de rubro.

Seus pulsos formigavam e ardiam bastante. Mais uma vez a noite anterior passou por sua

mente. O par de olhos negros a fitavam com preocupação. Ele usava um crucifixo, estava sério, preocupado

com o que Brooki estava fazendo. Ele sabia o seu nome e onde morava. Ela o viu no baile, ele lhe dera carona em uma estrada completamente deserta, seu carro surgira do nada, Brooki o viu no baile.

A água estava completamente rubra agora, e então uma mão penetrou na água e agarrou os cabelos de Brooki e a retirou do fundo da banheira.

Brooki se assustou ao ver um jovem com o braço direito molhado, ele estava sério.

Um delicioso cheiro de laranjeira e romã inundou o banheiro.

- 31 -

– IV –

Brooki não estava sonhando.

Ele estava ali, parado ao lado da banheira. O banheiro ficou frio de uma hora para a outra, a

temperatura água dentro da banheira parecia ser de zero grau, mas ele não sentia frio, pois estava com a camisa completamente desabotoada deixando a mostra seu corpo escultural, seus ombros largos sustentavam os cabelos de prata, os olhos eram azuis e gelados, os lábios finos estavam contraídos, a pele dele era pálida como a neve. Ele vestia uma calça jeans desbotada e muito velha.

— Q-quem é v-você? – disse Brooki batendo os dentes de tanto frio que sentia.

— Se vista... – disse o rapaz. Sua voz era melodiosa, porém tão fria quanto os olhos. Ele continuou parado diante dela, talvez fosse uns dez centímetros mais alto do que Brooki.

— P-para q-quê? – ela perguntou desconfiada. — Vamos tomar um chá... – disse ele sem esboçar

nenhuma expressão.

- 32 -

Não era uma ordem, ao menos não pareceu ser uma ordem, pois não havia um tom de ordem em sua voz, porém, Brooki sentiu que não deveria recusar aquele convite.

— P-preciso m-me v-vestir... – disse ela abraçando as pernas tentando esquentar seu próprio corpo. – P-pode m-me d-dar li-licença... P-por f-favor?

— Como queira... – disse ele fazendo uma mesura. O rapaz abriu a porta do banheiro e uma luz roxa

entrou no banheiro, e desapareceu quando ele fechou a porta ao atravessá-la.

Brooki examinou os pulsos, os cortes estavam bancos como sua pele, nem pareciam que há minutos atrás aqueles cortes tingiram a água de vermelho. Brooki saiu da banheira, secou o sangue misturado à água que escorria por seu corpo, vestiu o roupão e envolveu o cabelo com uma toalha seca. Seus pulsos ardiam bastante.

Caminhando sem pressa nenhuma, Brooki atravessou a posta do banheiro e teve de abafar um grito de espanto. Brooki não estava mais em casa, mas si em um local que se assemelhava muito a uma gaiola. Porém, no lugar das grades, havia doze colunas todas de mármore, formando um círculo perfeito. Uma luz roxa iluminava tudo, mas não havia um local específico de onde essa luz surgia, o que passava para Brooki, a impressão de que aquela luz vinha de toda parte. No centro desse estranho lugar havia uma árvore seca e retorcida.

Era a coisa mais bizarra que Brooki já havia visto em toda a sua vida, esta árvore não tinha folhas, no

- 33 -

lugar destas, havia milhões de lâmpadas de pisca-pisca que mantinham um brilho perene. Vez ou outra, algumas dessas lâmpadas se apagavam, e tornavam a ascender meio minuto depois. De fato a coisa toda era estranha, mas também muito bonita. A luz que vinha da árvore não iluminava mais nada alem de uma mesinha de chá, duas cadeiras e o mesmo rapaz que Brooki viu em seu banheiro.

Ele não vestia mais as roupas normais que estava usando, dessa vez ele vestia uma longa batina negra que deixava expostas apenas sua cabeça e suas mãos. O cabelo estava preso em um rabo-de-cavalo.

— Sente-se... – disse ele gentilmente, indicando a cadeira mais próxima de Brooki. – Por favor...

Brooki se apressou e sentou na cadeira que ele indicou, enquanto ele sentou na cadeira diante dela. Ele indicou uma xícara diante de Brooki e moveu a cabeça. Brooki agradeceu e bebericou um pequeno gole de chá que cheirava a limão e gengibre. Ela ficou espantada, pois uma coisa que sua mãe jamais fazia era preparar seu chá, pois havia uma medida certa de açúcar que ela colocava, e apenas ela conseguia acertar essa medida, mas aquele chá parecia ter sido adoçado por ela mesma, pois a medida era exatamente a que ela utilizava.

— Quem é você...? – Brooki perguntou após fitar por mais um momento a árvore.

Ele bebeu um pouco de chá e então olhou para as luzes na árvore e voltou os lhos para Brooki.

— Ao longo dos séculos recebi diversos nomes dados por diversos povos e por diversas culturas... – disse ele calmamente. – Mas se isso é realmente

- 34 -

importante para você... Acho que pode me chamar de Tanatos, segundo os gregos... Meu irmão e eu dividimos o nome de Osíris, para os egípcios... Fui Mors, em latim... Morte nos dias de hoje... Mas o meu nome é Uriel... Sou Uriel, o Anjo da Morte.

Brooki piscou algumas vezes e assentiu pensativa. Uriel sorriu de modo frio. — E... Onde estamos exatamente? – ela perguntou

agora olhando ao redor. Uriel pensou por um instante e então disse de

modo tão natural e aberto, que deixou Brooki espantada. — Meu apartamento! – ele fitou o olhar

interrogativo de Brooki e então explicou. – Bem originariamente, é de fato o meu apartamento. Mas aqui, exatamente aqui onde estamos nesse instante, é outra dimensão, onde apenas os seres celestes podem pisar, se você sair dos limites desta construção você vai simplesmente desaparecer no tempo e no espaço, e ficará um buraco no lugar da sua existência, seus pais vão saber que você existiu, mas será como se você tivesse simplesmente desaparecido, sem mais nem menos, eles se lembrarão de você, todos se lembrarão de uma moça chamada Brooki, mas será como se você tivesse sido um sonho que todos que lhe conheceram tiveram em conjunto.

Brooki engoliu em seco, e bebericou mais um gole do chá, limpou a garganta e perguntou o que estava lhe incomodando.

— Então eu morri? Uriel deixou escapar um suspiro de reprovação.

- 35 -

— Não exatamente... – ele respondeu de forma vaga.

Brooki esperou, mas Uriel não concluiu o que disse.

— Acho que não entendi... – disse ela por fim. Uriel se levantou e deu uma volta completa em

torno da árvore enquanto falava. — Veja essa árvore... – disse ele. – Ela é a famosa

Árvore da Vida... Cada uma dessas lâmpadas pequeninas significa a vida de cada ser humano. Quando elas se apagam... Veja aí próximo à sua orelha esquerda, uma lâmpada irá se apagar... Agora! – disse ele. Brooki virou o rosto a tempo de ver a lâmpada piscar e então apagar. – Quando elas se apagam, significa que uma pessoa...

— Morreu... – Brooki murmurou. — Sim... – disse Uriel sentando-se novamente. — E... Onde está a minha lâmpada...? – Brooki

perguntou olhando as lâmpadas nos galhos da árvore. — Está bem aqui... – Uriel estendeu a mão para

Brooki, que fitou a pequena lâmpada cujos fios estavam cortados e soltavam pequenas faíscas, eles estavam emendados e a lâmpada piscava de forma fraca. – Emendei os fios para podermos conversar...

— Puxa... Acho que ninguém fez algo tão legal assim por mim... – disse Brooki consigo mesma.

Uriel estreitou os olhos e sorriu. — Estou cansado disso Brooki... – disse Uriel

suspirando. – Veja, uma criança nasce... É a maior alegria para os pais, que dedicam todo o seu tempo, seu amor, seu carinho a essa criança (bem, a maioria dos

- 36 -

pais faz isso). E quando essas crianças crescem, fazem um monte de bobagens, e muitas dessas crianças acreditam que se matar é a melhor solução de resolver esses problemas. É sempre assim, você se mata por uma coisa estúpida, sua família e seus amigos sofrem, mas isso não importa muito, não é verdade? Pois seus problemas vão desaparecer.

Os olhos de Brooki estavam marejados. — Só me responda uma coisa, a vida dele... Vale

mais do que a sua? – a voz de Uriel, antes quente e acolhedora, agora era fria e cruel. Brooki sentiu um baque forte dentro de si mesma. Ela não tinha pensado por aquele ângulo. – Se for difícil para você entender a minha pergunta, responda se a vida de um assassino vale menos do que a vida da vítima?

Brooki agora chorava arrependida. — N-não... – ela gaguejou. — Isso é óbvio Brooki, pois se sacrificaram por

você, há dois milênios atrás alguém morreu por você, e você se rebaixa a esse ponto? – ele sorriu triunfante, estava conseguindo fazer com que ela se arrependesse. – O que passou pela sua cabeça? Brooki vá para Nova York com seus pais, dê uma chance aos seus pais... Recomece sua vida...

Brooki concordou e então se levantou decidida. — Obrigada Uriel... – disse ela abraçando o anjo,

seu corpo era gelado e fez com que Brooki tremesse um pouco ao fechar os braços em torno dele. – Eu... Queria voltar para casa... Se for possível...

Uriel a conduziu de volta até a porta por onde ela tinha entrado naquela dimensão, a porta de abriu ao

- 37 -

estalar de dedos do anjo, então a luz que se projetou da porta fez com que Brooki piscasse algumas vezes. A luz iluminou tudo ao redor de Brooki, e pela primeira vez ela sentiu medo por estar naquele lugar.

— Por que o meu banheiro emite uma luz tão forte? – ela perguntou.

— Seu corpo não está mais no banheiro de onde eu tirei você, Brooki, nesse momento você está no hospital. – Brooki fitou Uriel assustada. – O que foi Brooki? São 20h e 30min, seus pais já voltaram para casa e te encontraram desfalecida na banheira... Boa sorte Brooki, nós nos veremos qualquer dia... – disse Uriel sorrindo.

Brooki atravessou a porta que se fechou quando ela a atravessou.

Uma sombra negra surgiu atrás de Uriel, ele era mais alto que o anjo da morte e as suas asas eram negras como o breu.

— Fique de olho nela... – murmurou Uriel. – Ela não deve morrer...

Mais uma vez a porta se abriu e a sombra preencheu toda a passagem, escurecendo as luzes no hospital, então a porta se fechou e desapareceu.

Brooki abriu os olhos, seus pais estavam sentados

no sofá, seu pai, na verdade padrasto, Thomas havia se casado com a mãe de Brooki, e ele amava muito a enteada, e há tanto tempo ocupava o posto paterno, que Brooki o tinha como um pai, ele abraçava carinhosamente a mãe de Brooki.

Brooki checou os pulsos e viu os curativos, um breve sorriso atravessou seus lábios.

- 38 -

— Mãe... Pai... – disse Brooki secando uma lágrima que escorreu pelo se rosto.

Após insistir mais algumas vezes os pais de Brooki acordaram e correram para perto da filha.

— Brooki... – disse Thomas. – Nos desculpe filha, deveríamos prestar mais atenção às suas necessidades, você não queria ir desde o início e nós a obrigamos a se despedir de tudo aqui...

— Thomas tem razão filha... – disse Evelyn, ela sorria de um modo esperançoso, que entrava em um perfeito contraste com o olhar desesperado. – Nós conversamos, e decidimos não nos mudar...

— Mãe... – disse Brooki, mas antes que ela continuasse a falar Thomas a interrompeu.

— Se for para a sua felicidade filha, nós ficaremos aqui também.

— Mas... – Brooki tentou falar, e novamente foi interrompida.

— Queremos que você prometa apenas uma coisa, minha querida... – disse Evelyn.

— Prometa que não vai tentar... – antes que Thomas terminasse de falar, Brooki já havia perdido a pouca paciência que tinha, e então explodiu.

— QUEREM ME DEIXAR FALAR? – ela berrou. Thomas e Evelyn olharam um para o outro e não

disseram mais nada, apenas esperaram que Brooki falasse.

— Tudo bem para mim... – Brooki começou. – Vamos nos mudar... Eu aceito, sem brigas ou tentativas idiotas de impedir que isso aconteça.

- 39 -

— Assim, no duro? – Thomas perguntou desconfiado.

Brooki sorriu, ele tinha quarenta e cinco anos, mas às vezes parecia ter a mesma idade que ela, e o seu relacionamento era semelhante ao relacionamento que Brooki tinha com um amigo de escola.

— Sim, no duro... – Brooki sorriu mais uma vez. — Então vamos pelo menos adiar por mais três

dias... – disse Evelyn acariciando as mãos da filha. Brooki assentiu, ela estava feliz por saber que em

poucos dias estaria longe dali, longe de Michel e de Liza, longe das suas mágoas, longe dos amigos populares e fúteis.

Ela sabia que em poucos dias, estaria em uma nova cidade.

- 40 -

– V –

Esperar até receber alta era a mais pura monotonia. Por exigência médica, Brooki estava impossibilitada de sair do quarto, pois ela ainda estava muito fraca, porém, mesmo que ela estivesse com as forças recuperadas, a saída do quarto lhe era vetada, porque Brooki era considerada uma suicida em potencial, e um hospital oferecia todos os meios possíveis para que ela fosse bem sucedida, caso tentasse se matar novamente.

— Você planta o que você colhe, sabia? – disse uma conhecida voz muito doce e calma, que fez com que Brooki despertasse imediatamente.

Era madrugada e ainda estava bem escuro, então Brooki vasculhou às cegas a mesa de cabeceira em busca do celular, até que um objeto caiu em seu colo. No começo Brooki hesitou em pegar o objeto, até que ela criou coragem e pegou o objeto retangular e pressionou uma tecla fazendo com que o display do celular acendesse. Brooki tentou usar o celular como lanterna para ver quem estava no quarto, mas foi em vão, pois havia uma enorme sombra que estava sobre o cômodo, como se um enorme lençol negro estivesse sobre ela.

- 41 -

— Porcaria de luz que não serve pra nada! – Brooki esbravejou.

— Você ficaria surpresa em saber o que um espírito desesperado faria por um pouquinho dessa luz que você desdenha... – a voz doce tornou a falar, porém agora em um tom mais severo. Brooki olhou espantada na direção da voz. – Aprenda a valorizar o pouco que tem.

Brooki ouviu o som do interruptor, e de repente a luz do quarto se ascendeu. Ela estava diante de um par de olhos muito negros, que a observavam com uma reservada curiosidade, os cabelos, tão negros quanto os olhos, estavam despenteados, porém, isso não diminuía em nada a sua beleza. A noite estava gelada, e mesmo assim ele vestia uma camisa regata preta, que deixava seus bíceps bem expostos, a calça jeans era a mesma que ele vestia da última vez que os dois se viram.

— Você... Você é o... É o mesmo cara que estava no baile e que me levou para casa... – disse Brooki nervosa e maravilhada com a perfeição do rapaz.

Ele revirou os olhos e se aproximou com um olhar presunçoso.

— Sinceramente não sei o que Uriel vê de tão especial em você... – ele sentou na cama e colocou os pés de Brooki sobre suas pernas. – Sua vontade de viver é tão grande que até espanta – ele comentou em um tom de voz irônico.

— Uriel te mandou? – disse Brooki tentando se lembrar por que aquele nome era tão familiar.

— Macaco quer banana? – disse ele de repente, como se Brooki tivesse dito a coisa mais estúpida do

- 42 -

mundo. – Peixe sabe nadar? O Coiote quer pegar o Papa Léguas?

Brooki sentiu o rosto ruborizar. Por alguns minutos, ele a observou em silêncio, e

então bufou, abriu um sorriso inocente e estendeu a mão para Brooki.

— Meu nome é Azazel – Brooki apertou a mão dele e quando foi se apresentar, ele a cortou e continuou falando. – Estou muito feliz em te conhecer Brooki...

— Então você é mesmo o... — Rapaz do baile? – Azazel imitou perfeitamente a

voz de Brooki. – Não é óbvio? Brooki fuzilou o rapaz com os olhos. — Eu não consigo entender por que vocês mortais

se apegam a detalhes sem importância alguma – Azazel murmurou consigo mesmo.

Brooki fitou-o com espanto. — Vocês mortais...? – disse ela pensativa. — Olha moça, o quarto é bonito, mas a acústica

dele não é tão boa para causar eco, então, se a senhorita não se importar, gostaria que parasse de repetir o que eu falo... – Azazel contemplou o rosto de Brooki por um instante e então sorriu. – Sim minha querida, eu disse vocês mortais... – ele parou por um instante, seu olhar vidrado, e após pensar por uns segundos ele começou a rir fazendo com que Brooki se assustasse. – Entendi sua pergunta... – disse ele entre uma gargalhada e outra. – Eu falei vocês mortais, não é? Disse isso sem me incluir nesse círculo, porque eu não sou um mortal... Sou um anjo... Seu anjo... – novamente Azazel pensou por mais um instante e se corrigiu. – Não sou exatamente o seu

- 43 -

anjo da guarda. Chame esse pequeno serviço de hora extra, estou fazendo hora extra a pedido de Uriel. Estou em missão, então vai se acostumando moça, porque às vezes eu sou bem irritante...

— Às vezes...? – disse Brooki em um tom de voz sarcástico.

— Escuta aqui garota! – exclamou Azazel furioso. – Só estou aqui porque Uriel me mandou ficar de olho em você. Não sei por que diabos ele acha que você é importante, mas ele não quer vê-la morta, nem assassinada nem suicida... Por falar nisso, você pode esclarecer uma dúvida minha?

— Pergunte... – Brooki queria ver-se o mais longe possível daquele rapaz estranho e louco.

Azazel passou por alguns instantes escolhendo as palavras que queria usar, e então disse gentilmente:

— Quando você estava se preparando para morrer, você... Bebeu, entrou na banheira cheia d’água e então bebeu mais um pouco, cortou os pulsos e mergulhou, estou certo? – Brooki assentiu pensativa, ela se lembrava claramente de cada momento. – A minha pergunta é a seguinte, por que tantos passos para um único fim?

Brooki ficou em silêncio, sua mente repassava milhões de vezes cada passo para a sua morte, cada ação dela até que Uriel apareceu. Seus pulsos arderam ao pensar no Anjo da Morte.

— Ai! – Brooki gemeu. Azazel se levantou imediatamente ficou do lado de

Brooki. — O que foi? – ele perguntou preocupado.

- 44 -

— Meus pulsos arderam... – Brooki explicou calmamente.

— Me deixa ver... – disse ele puxando os braços de Brooki e virando os pulsos dela para cima, mas Brooki recolheu os braços no mesmo instante e cruzou-os, tentando escondê-los de Azazel.

— O que você vai fazer? – ela perguntou desconfiada.

Azazel revirou os olhos e então abriu os braços e apontou para si mesmo como se fosse um apresentador de algum programa de prêmios, e estivesse mostrando o mais valioso de todos os prêmios.

— Sou um anjo, esqueceu? – disse ele. Mas Brooki ainda estava insegura. — Vamos lá Brooki! – ele exclamou. – Me deixa

ver esses pulsos. Lentamente Brooki estendeu os braços para Azazel,

e ele delicadamente retirou os curativos. — O que está fazendo!? – ela gritou horrorizada. — Calma Brooki... Não vou te machucar, vou fazer

o oposto... – ele examinou os dois pulsos e disse apenas – Humpf!

— O que foi? – Brooki perguntou. — Já estão cicatrizando... – disse ele em um tom de

voz de especialista, e então ele abriu um sorriso tão amável que foi capaz de deixar Brooki surpresa.

Ela concluiu que quando ele sabia ser agradável quando tinha vontade.

— Queria que isso fosse mais rápido – Brooki murmurou.

- 45 -

— Quer mesmo? – Azazel perguntou voltando a sentar na cama e agora cruzando as pernas e sentando sobre elas, ele recolocou as pernas de Brooki sobre as suas.

— Você pode? Azazel juntou as sobrancelhas seriamente e então

assentiu. — Por favor? – Brooki estendeu novamente os

braços para o anjo, que os segurou firme. — Feche os olhos... – disse Azazel. Brooki obedeceu e ficou em silêncio, ouvindo o

som da sua própria respiração, e então ela notou um fato que tinha deixado passar em branco, dentre as duas pessoas naquele quarto de hospital, apenas uma estava respirando, apenas ela.

Brooki sabia que Azazel não estava fazendo nada normal, pois a sensação que ela tinha era a mesma de estar de olhos fechados de frente para o sol. Brooki sentiu uma grande variação na temperatura ao seu redor, e logo o frio da noite cedeu espaço a um sobrenatural calor que tomou conta de Brooki. O calor era terno e agradável, como se houvesse um sol minúsculo a sua frente, e este sol era inofensivo.

— Pode abrir os olhos agora... – ele murmurou. Ele esteve em silêncio por um breve instante, mas

para Brooki esse silêncio durou uma eternidade. A voz de Azazel era perfeita, como se ele estivesse cantando, após aquele silêncio eterno, ouvir Azazel era o mesmo que estar em coma durante um século e então acordar e ouvir a voz mais linda do mundo.

- 46 -

Lentamente ela abriu os olhos e então examinou os pulsos.

Os cortes estavam completamente cicatrizados. — Obrigada... – disse ela sorrindo. Azazel revirou os olhos e abriu um sorriso meio

óbvio. — Não me agradeça, durma! – ele ordenou. –

Amanhã é o grande dia. — Você estará comigo? – Brooki tentou esconder a

tristeza em sua voz, mas ela não foi muito convincente. — Quer que eu esteja contigo? Brooki assentiu. — Sempre... – Brooki respondeu ao deitar e se

enroscar sob o cobertor. Azazel apagou a luz e se sentou a poltrona. Seus

pensamentos corriam a mil por hora. Seus olhos se demoraram naquela garota, ela era linda, era perfeita, era única em todo o planeta.

Mas havia um pequeno problema, ela era um pecado terrível para ele.

―E daí? Quem foi que falou que vou cometer algum deslize?‖, ele pensou consigo mesmo. ―E mais, ela pode até ser um pecado... Mas é o meu pecado...‖.

- 47 -

– Estágio Dois – Anjos e juízes

- 48 -

– VI –

O carro parou no sinal vermelho.

Andrew tamborilava os dedos nervosamente no volante do carro. Seus olhos vasculhavam a rua que cruzava a sua. A transversal estava deserta, sua rua estava deserta, a cidade parecia estar deserta.

Mas não estava, e Andrew sabia disso. Olhando pelo espelho retrovisor, ele se certificou

de que Hebe ainda dormia, um sorriso apareceu no rostinho angelical da menina, que era o maior orgulho dele. O narizinho da pequerrucha era igual ao da sua mulher, Lia, mas a boca e o formato dos olhos eram seus, com toda certeza. Ela se mexeu e abraçou mais o ursinho Ted.

— Já estamos quase chegando filhinha... – Andrew murmurou mais para si mesmo que para a menina, que nada ouvia.

Uma leve batida no vidro fez com que ele se desconcentrasse da sua filha. Parado do lado de fora estava um homem bem magro, sujo, com as roupas esfarrapadas, ele tremia e falava algo, seu hálito se

- 49 -

tornava fumaça naquela noite fria. Ele apontava para alguém que estava no banco traseiro.

Andrew compreendeu no mesmo instante que o homem estava mandando-o sair do carro, e que o mesmo homem apontava uma arma para sua filha, que dormia tranquilamente.

— Saia do carro agora! – o homem gritou mais alto. Seus olhos estavam bem vermelhos e as pupilas

estavam dilatadas. Ele era um viciado. Andrew ergueu as mãos do volante e pediu para o

homem se acalmar. — Sai logo desse carro! – o homem gritou

novamente. Rapidamente Andrew olhou pelo retrovisor. Hebe ainda dormia abraçada ao seu querido urso. Andrew abriu a porta e saiu do carro com as mãos

para cima mostrando que estava desarmado e que não ia fazer nada contra o assaltante.

— Calma... Por favor... Tenha calma... – Andrew implorou olhando nos olhos do homem e correndo o olhar até a arma em sua mão, que continuava apontada para Hebe.

— Afasta do carro! – ordenou o assaltante. — Tudo bem... – disse Andrew andando de lado até

a porta traseira. – Tudo bem, só peço que você tenha calma...

— Eu to calmo! – o homem gritou, ele tremia da cabeça aos pés. – Vai embora!

Andrew assentiu, mas não se moveu.

- 50 -

— Eu vou embora, mas eu posso antes de ir, pegar a minha filha, que está sentada no banco de trás? – Andrew olhou para a filha, e o assaltante seguiu o olhar de Andrew e pela primeira vez desde que ele abordou o dono do carro, ele se deu conta de que havia uma criança no banco traseiro.

Os olhos vermelhos do assaltante examinaram a pequena Hebe que aos poucos foi acordando.

— Papai...? – disse a menina ainda sonolenta e assustada com toda a situação.

— Só um momento minha querida... – disse Andrew sem olhar para a menina, agora mais do que nunca ele estava apreensivo, pois o homem poderia se descontrolar a qualquer momento e atirar a esmo. – Fica quietinha que o papai já vai te dar atenção... – Andrew agora se dirigiu ao assaltante. – Posso ao menos pegar a minha filha? – seu tom de voz era enérgico e ao mesmo tempo cauteloso.

O assaltante pensou por um instante e então assentiu.

Devagar, tentando não fazer nenhum movimento brusco, Andrew abriu a porta traseira do carro e então pegou a menina no colo e a colocou de pé na rua bem perto dele. Andrew fechou a porta e respirou com mais alívio, pois por hora, sua filha estava a salvo ao seu lado.

— A carteira! – o assaltante gritou novamente. Andrew entregou a carteira ao homem. Tudo estava bem, até que Hebe puxou a camisa do

pai, e este a fitou. — Papai... O Ted... – disse a menina em voz alta. — Agora não filha... – murmurou Andrew nervoso.

- 51 -

— Pai o Ted... Eu quero o Ted! – Hebe começou a chorar.

— CALA A BOCA! – berrou o assaltante apontando a arma para Hebe.

Andrew percebeu que estava tudo fugindo ao controle.

— Tenha calma, por favor... – Andrew pediu em um tom de voz suplicante. – Não aponte essa arma para a minha filhinha...

— CALA A BOCA VOCÊ TAMBÉM! – o viciado apontou a arma para Andrew e voltou a apontar a arma para a criança, pois ela não parava de chorar por causa do urso.

Andrew achava que não podia piorar, até que o pior aconteceu.

Um dos moradores daquela rua acendeu a luz do quarto e gritou por trás da cortina:

— O QUE É QUE ESTÁ ACONTECENDO AÍ?! EU VOU CHAMAR A POLÍCIA!

O grito foi alto, porém, não tão alto para abafar o som do tiro e um novo grito, porém este cheio de dor e de tristeza.

O assaltante fugiu deixando a arma no chão ao lado do corpo de Hebe. Andrew abraçou o corpinho da filha, que tremia em espasmos de dor. Sua garganta sangrava descontroladamente. Andrew não conseguia dizer nada, ele apenas gritava, pois as palavras não conseguiam se formar dentro da sua mente, o choro desesperado também contribuía muito para sua falta de palavras. Ele apenas abraçava o corpinho ainda quente da sua amada filha.

- 52 -

A noite esfriou gradativamente, porém Andrew não se importava com mais nada.

O som de passos atrás dele também não foram suficientes para incomodá-lo.

Uma mão fria tocou seu ombro e ele despertou daquele estado de dor e desespero. As lágrimas desceram no mesmo instante em que sua voz saiu fraca e quase morta.

— Por... Por favor... – disse Andrew. – Por favor... Ajude-nos... Por favor...

O jovem ajoelhou ao lado de Andrew, que ao perceber quem era só não se afastou porque o rapaz foi o único que apareceu em seu socorro.

— Confie em mim... – disse o rapaz em um tom de voz seguro e confiante. – Não farei mal algum a Hebe.

Andrew assentiu. — Oi Hebezinha... – disse Uriel sorrindo para a

menina, que ao ver o rapaz tentou retribuir o sorriso. Hebe era a única criança que não tinha medo de Uriel, na verdade, Hebe o adorava, sempre que o via ela lhe abraçava forte e dizia que ele era o irmão dela e quando se despedia ela lhe dava um forte beijo na testa e o abraçava novamente. Ao tentar retribuir o sorriso Hebe vomitou uma grande quantidade de sangue. – Por favor, mon petit não se esforce tanto... Estou aqui para ajudar você, tá bom?

Hebe tentou assentir. — Muito bem... – Uriel sorriu profundamente

triste.

- 53 -

Logo uma chuva bem fina e fria caiu sobre a Terra, e aos poucos enquanto encharcava tudo ao redor deles, a mesma chuva limpava o sangue da pele de Hebe.

— Ela está tão fria... – disse Andrew estremecendo, pois um pensamento preencheu sua mente, mas ele logo afastou aquele pensamento louco.

— Ela está quase morta Sr. Badger... – disse Uriel, sua voz apesar de fria, era reconfortante e também passava uma sensação de bem estar em Andrew. – Sua filha perdeu muito sangue... Nem mesmo os médicos poderão salvá-la.

Andrew ficou em silêncio por um breve instante, e logo se lembrou do caso da adolescente doente que morava no mesmo prédio que ele, porém um andar acima.

— Mas você ajudou Katharine... – disse Andrew como se aquilo fosse um trunfo que ele pudesse jogar contra Uriel.

— O que eu fiz foi apenas oferecer um descanso para uma alma torturada...

Uma sombra pousou sobre a face de Andrew. — Ajude a minha filhinha... – disse Andrew

decidido. — Tudo bem... – Uriel assentiu. – Entre no carro e

não olhe para o que vai acontecer... — Não! – exclamou Andrew. — Estou tentando preservar sua sanidade Sr.

Badger... Vá para o carro. — Nada mais importa, faça o que tem de ser feito,

quero estar com a minha filha até o fim... Uriel assentiu e então ficou de pé.

- 54 -

Tudo era silêncio. Tudo era noite. O mundo todo. Em toda parte. Tudo era sombra e silêncio. O corpo de Uriel se iluminou como o sol, para ele

não existia mais a gravidade, e seu corpo flutuou. Um par de asas extremamente alvas projetou-se das costas de Uriel e o cobriram, no mesmo instante em que um segundo par de asas apareceu. As luzes dos postes oscilaram e então apagaram por completo para tornarem a acender com força total, Uriel agora era o mais puro esplendor, não havia mais sombra, ele iluminou a noite e esta se tornou dia e o dia se tornou mais claro; Uriel ofuscou o sol com seu brilho. Uma seqüência de sons invadiu a cabeça de Andrew, e sua mente se partiu e nunca mais poderia ser restaurada. Uriel estendeu a mão para Hebe, e o corpinho antes morto agora se encheu de luz como o corpo de Uriel. Hebe ficou de pé e caminhou até o pai, e o abraçou forte e beijou seu rosto com todo o carinho que ela podia transmitir naquele momento.

— Eu te amo papai... – disse a menininha com uma voz melodiosa.

— O papai também e ama muito minha querida... Hebe se virou para Uriel e correu até o anjo. — Obrigado... – Andrew murmurou para Uriel. Quando o pequeno sol angelical se apagou, a noite

voltou a reinar e a escuridão retornou ao seu ciclo natural noturno. Uriel se aproximou de Andrew e bateu de leve no ombro do homem.

— Minhas condolências Sr. Badger... – ele murmurou.

- 55 -

Andrew estava ajoelhado, seu olhar era vago, sua boca estava entreaberta e ele salivava bastante. Suas faculdades mentais haviam se perdido, sua sanidade desaparecera por completo.

Ao ver a forma real de Uriel, Andrew enlouqueceu.

- 56 -

– VII –

―Estou cansada de andar, começa a chover Seguindo um coelho que foi pego e machucado Seus olhos são transparentes A água sopra do botão do negro oceano Estou bem aqui Não importa aonde eu vá Eu serei capaz de ser feliz?‖

Azazel observava e ouvia atentamente cada palavra que Brooki entoava apaixonadamente. Quando ela terminou, ele ficou em silêncio apenas pensando, e então pediu que ela recitasse mais uma vez.

— Outra vez...? – Brooki gemeu. – Vai ser a vigésima quinta vez que recito essa estrofe...

Azazel revirou os olhos. — Não exagere, ainda nem passamos da vigésima

primeira! – disse ele. – E mais, se você recitou tantas vezes assim isso só quer dizer uma coisa, não é mesmo?

— Quer dizer o que? – disse Brooki confusa. Azazel deixou escapar um longo e pesado suspiro

de desânimo.

- 57 -

— Quer dizer que adorei Brooki! – ele exclamou. — Você não faz nenhum sentido, sabia? – Brooki

sacudiu a cabeça e começou a desfazer as malas. O vôo havia sido bastante tranqüilo e Brooki agora

já estava em seu quarto novo, em um apartamento novo em uma cidade nova e assim por diante. As únicas coisas que não a deixaram foram algumas lembranças, algumas marcas do seu passado e também um anjo que não parou de falar durante todo o trajeto de Londres para Nova York.

Brooki não enxergava sua tentativa de suicídio como algo falho, na verdade, para ela a coisa toda foi bem sucedida, pois a Brooki de antes havia morrido naquela banheira, e essa nova Brooki surgiu com dois amigos novos (um pelo menos, pois o outro não pode ser considerado como amigo), e também havia um pequeno fator, quando ela chegou em Nova York com seus pais, a casa toda já estava mobiliada, uma espécie de adiantamento para seus pais.

— Empolgada? – perguntou Azazel, ele encostou-se à parede e de repente suas costas deslizaram e ele sentou no chão.

— Não senta aí, vai sujar a sua roupa! – Brooki ralhou com Azazel.

Ele, porém, apenas revirou os olhos e sorriu. — Qual a idade dele? – perguntou Azazel se

materializando na cama. — Ele quem? — Seu namorado... Quantos anos ele tem? — Dezoito, e o Michel não é mais o meu

namorado...

- 58 -

— Gosta de caras mais velhos? – perguntou Azazel ignorando o comentário de Brooki.

Brooki cerrou os olhos para o anjo e murmurou. — Eu gostei dele... – ela sorriu abertamente. Azazel ficou em silêncio por um tempo e então se

levantou caminhando na direção da porta. — Aonde você vai? – Brooki perguntou curiosa. — Visitar um velho amigo... – Azazel respondeu

em um tom de voz enigmático. Antes que ele alcançasse a porta, esta se abriu num

rompante. Brooki sentiu o corpo enrijecer, sua respiração foi

cortada por completo. — Está falando com quem minha querida? –

perguntou Evelyn entrando no quarto. Azazel cruzou os braços e encostou-se à parede ao

lado da porta, ele sorriu ansioso para ouvir a desculpa que Brooki daria para a mãe.

— Com ninguém mãe... – disse Brooki voltando a respirar. – Eu estava... – seus olhos percorreram a superfície da cama até que ela encontrou uma folha com a primeira estofe da música que estava escrevendo.

Azazel deixou escapar uma gargalhada enquanto Brooki pegava a folha.

— Estava lendo em voz alta a primeira estrofe da minha nova música... – disse ela rapidamente, e então ofegou tentando recuperar a respiração.

— Ah... – respondeu Evelyn, e então ela se sentou na cadeira da escrivaninha. – Cante para mim, eu adoraria ouvir...

- 59 -

Azazel riu mais alto ainda, seus olhos encontraram os olhos de Brooki e ela estava furiosa por ele agir daquela maneira. Com um aceno ele disse para Brooki ler, e revirando os olhos Brooki ergueu a folha até a altura dos olhos, pois Azazel a fizera ler tantas vezes aquela mesma estrofe que ela já havia decorado aquelas sete frases.

―Estou cansada de andar, começa a chover...‖ Brooki fez uma pausa, sua mente mostrou uma

lembrança em que ela caminhava na beira da estrada na noite em que ela havia rompido o relacionamento com Michel.

―Seguindo um coelho branco que foi pego e machucado...‖

Ela estava muito triste, e o seu coração estava muito ferido, porém, mesmo sentindo tanta dor, seu amor ferido a compeliu a fazer uma visita a Michel no dia seguinte.

―Seus olhos são transparentes...‖ Michel havia sido verdadeiro com ela, mesmo

sendo um cafajeste, ele dissera a verdade o tempo todo. ―A água sopra no botão do negro oceano...‖ Brooki cortou os pulsos e mergulhou. Em pouco

tempo a água ainda que rubra, se tornou negra quando ema morreu. Uriel mostrou a ela um caminho diferente para seguir.

―Estou bem aqui...‖ Brooki acordou no hospital, seus pais não estavam

bravos com ela, eles estavam preocupados, e por fim seu anjo apareceu, e ele era lindo demais, um anjo de olhos tristes e de coração feliz.

- 60 -

―Não importa aonde eu vá... Eu serei capaz de ser feliz?‖

Londres, Nova York, seja lá onde for. Quem poderia responder aquela pergunta? Sua mãe? Thomas? Michel? Liza Miller? Uriel? Azazel?

Ninguém além dela mesma poderia responder aquela simples pergunta. Uma lágrima cortou o seu rosto, quando finalmente ela entendera o motivo para que Azazel a fizera repetir tantas vezes aquela mesma estrofe.

Sem se dar conta do que estava fazendo, Brooki escrevera os últimos acontecimentos da própria vida. Ao procurar os olhos de seu anjo, Brooki encontrou um par de negros e melancólicos poços escuros e sem fundo, a cor dos olhos de Azazel.

- 61 -

– VIII –

Uma batida longa e duas batidas curtas na madeira da porta do apartamento 500, o único andar que possuía um número zerado era o quinto andar do prédio, em todos os outros andares a numeração começava pelo 1 e terminava no número 6, seis apartamentos em cada andar, o quinto andar era o único que possuía um único apartamento e a numeração era 500.

A porta se abriu e Azazel entrou. Suas asas negras se desprenderam. Naquele

apartamento Azazel poderia ser ele mesmo sem se preocupar em se esconder de nada e de ninguém.

— Uriel?! – ele chamou. Não havia mobília na sala, também não existiam

janelas, mas uma luz preenchia toda a sala, a luz não vinha de nenhum lugar específico, mas era capaz de iluminar tudo dentro daquele cômodo, havia também uma única porta que estava no lado oposto à porta de entrada, era uma porta dupla de olmo toda trabalhada, nela havia entalhado as grades do portão do reino que Morte governava.

- 62 -

Ao se aproximar da porta dupla, ela se abriu lentamente revelando um imenso bosque de ciprestes. A grama era incrivelmente verde e macia sob os pés descalços de Azazel, uma leve brisa de verão soprava pelas árvores de folhas douradas como se estivesse no outono, os pássaros cantavam alegremente e voavam torno do novo visitante. Os rouxinóis começaram uma canção e foram acompanhados pelas cotovias, em seguida os canários puseram a cantar em uma harmonia tão perfeita que parecia a coisa mais comum para aqueles animais, a canção durou cerca de cinco minutos, porém, da mesma forma como os pássaros começaram a cantar, eles ficaram em silêncio e logo desapareceram pelo bosque.

O vento soprou um pouco mais forte fazendo com que as folhas das árvores se agitassem. Azazel podia ouvir alguns passos rápidos e alternadamente vagarosos se aproximarem cada vez mais dele.

Uma mulher muito bela se aproximou de Azazel e parou a um braço distância do anjo. Seus olhos eram gentis como os olhos de uma criança agradável, mas sua expressão era gélida e mortífera. Os cabelos eram quase tão negros quanto os cabelos de Azazel, e caíam-lhe atrás dos ombros até os joelhos, ela usava um longo vestido negro do século XIII, que entrava em contraste com sua pele muito alva da cor da neve, os lábios eram vermelhos e pareciam sangrar.

Ela sorriu. — Meu nome é Alira... – sua voz parecia ecoar por

milhares de outras vozes em um perfeito sincronismo. –

- 63 -

Sou a Cova que acompanha a Morte... O que faz aqui Anjo de Asas Negras?

— Procuro seu patrão espírito! – disse Azazel em um tom de voz firme.

— Você está em missão, vá fazer o que lhe foi ordenado a ser feito!

— Estou aqui justamente por causa dessa missão... – disse Azazel fitando demoradamente os olhos de Alira.

— O que tem a missão? – Alira sentou-se no vazio, e logo uma cadeira de cedro se materializou.

— É um assunto a ser tratado com o seu patrão... Não quero falar com a casa dos defuntos, entenda, não é por mal, mas meu assunto é para ser tratado apenas com Uriel.

Alira sorriu amargamente. — Ele está no Jardim do Paraíso... – disse Alira. –

Nem mesmo eu posso entrar naquele lugar... Azazel deixou o corpo cair para trás e uma cadeira

se materializou antes que ele caísse no chão. Alira o observava com certa curiosidade controlada.

— Não posso continuar com essa missão – disse Azazel depois de um longo tempo observando o bosque ao seu redor.

— O que houve Asa Negra? – Alira perguntou cerrando os olhos para Azazel.

— Sabe o porquê da coloração escura em minhas asas?

Alira fitou Azazel incrédula, mas então percebeu que ele estava falando sério.

- 64 -

— As asas de um anjo perdem a alva cor quando eles passam a sentir como os mortais, então esses anjos adquirem a dúvida e o temor, e esses sentimentos negativos tornam as asas negras. A perda da cor alva também pode ocorrer devido a uma forte tristeza que se abate sobre um anjo ou então porque um anjo simplesmente decidiu cair e perder a graça de Deus.

Azazel assentiu, e sorriu pensativo. — Há alguns séculos atrás eu desobedeci a uma lei

d’O Verbo... Eu me apaixonei por uma mortal... Ela era uma freira, e no instante em que nos vimos, nós nos apaixonamos. Seu nome era Eulália. Costumávamos nos encontrar antes do pôr do sol e ficávamos juntos até às dezenove horas, depois nos separávamos, ela fazia as refeições e quando ia para o quarto voltávamos a nos encontrar às vinte e duas horas, e eu ficava ao lado dela até que ela adormecesse.

―Certa vez uma freira viu Eulália falando comigo, mas como de costume, a mulher viu apenas Eulália falando sozinha, para a mulher, Eulália estava sendo seduzida por um demônio. Eulália tentou explicar e quando as madres superiores ouviram a história dela, nenhuma daquelas peças de museu acreditou em Eulália. Afinal, após o dilúvio nenhum humano acreditaria que anjos e humanos poderiam se apaixonar. Eulália foi presa e a igreja mandou-a para o Papa, ele decidiria qual a sentença...‖

Azazel ficou em silêncio por um longo tempo, até que Eulália quebrou o silêncio movida pela curiosidade e também pelo desejo em saber o que acontecera com a desgraçada mulher que se apaixonou pelo anjo.

- 65 -

— Qual foi a sentença? — Quando me lembro daquele dia, ouço

perfeitamente o som das lascas de madeira seca estalando com o fogo... Ouço os gritos de dor que inundaram as ruas da cidade... Eu a vi presa em uma pira e ardendo em chamas... Eulália queimou por duas horas, porém não levou tanto tempo assim para morrer... Atiraram seu corpo carbonizado em uma cova rasa.

Alira secou as lágrimas de sangue que escorreram pelo canto dos seus olhos.

— Sabe realmente o motivo para as minhas asas serem dessa cor?

Alira balançou a cabeça em uma muda resposta negativa.

— Quando ela morreu junto do meu filho, eu entrei em um completo desespero, mas infelizmente fogo nenhum consumia o meu corpo, então fiz Uriel prometer que faria um favor a mim, ele prometeu e quando soube o que era quis recusar, mas não podia, pois havia feito a promessa, então ele infligiu em mim a mesma sentença de Eulália... Ela foi queimada, então, a pedido meu Uriel ateou fogo em mim...

Alira se levantou e caminhou até Azazel, e delicadamente tocou as asas do anjo, e percebeu que as penas negras de Azazel não eram macias como as penas alvas de Uriel, mas sim ásperas e chamuscadas.

— Você não quer sentir dor novamente, não é verdade? – disse Alira sentando novamente diante de Azazel. – Sabe... Não o culpo, e entendo o seu pesar, você se apaixonou mais uma vez, não é? – a pergunta

- 66 -

soou mais como uma afirmação, Azazel não respondeu, apenas observava Alira enquanto ela concluía o que estava dizendo. – Bem, acho que também entendo os motivos de Uriel...

Azazel fitou Alira completamente espantado. — Estou dizendo a verdade... Sei que é difícil

entender a Morte, mas eu o entendo... Quero dizer, ele confia em você, por isso o escolheu para executar essa missão.

Azazel continuou em silêncio, agora admirando o balanço dos ciprestes conforme a força em que o vento soprava.

— Você pode enxergar os túmulos futuros... – disse Azazel. – Diga-me... Como vai acontecer...? Como ela vai morrer?

Alira virou o rosto com um olhar cabisbaixo. — Perdoe-me... Mas Uriel ocultou a morte dela,

segundo ele, há um destino a ser cumprido, e duas vidas nascerão de uma única morte, sei que não faz sentido – disse Alira ao ver a expressão confusa nos olhos de Azazel – mas foi isso o que ele me disse. Essa moça que você protege, a vida dela é importante, ouvi alguns rumores ditos por alguns anjos da casta de Rafael, dizem que há um futuro escuro na vida dessa moça, há muitos rumores a respeito dela. Nunca vi a corte das revelações em um caos tão grande quanto esse que se abateu no momento em que Uriel impediu a morte dessa moça.

— Quais rumores têm sido mais absurdos? – perguntou Azazel agora decidindo voltar o mais rápido possível para perto de Brooki.

- 67 -

— Bem, dizem que Aquele que faz a Terra tremer vai despertar... Ouvi também que um deus pagão vai se meter no destino da moça. Ouvi que um anjo vai morrer pelas mãos do mesmo sangue, não há uma explicação exata para tudo isso Azazel, mas sei que muitas dessas previsões não podem ser reais, pois nenhum anjo seria louco para cometer algum desses crimes. É tolice demais...

Azazel pensou por um instante, e então algo fez com que ele abrisse os lábios, e sua voz saiu sem que ele quisesse dizer algo.

— Diga o futuro da minha cova... — Anjos não morrem Azazel, ao menos não como

os mortais, anjos deixam de existir... Sua cova sempre estará vazia...

— Tente, por favor... – Azazel quase implorou. — Tá certo... Alira fechou os olhos e tocou as têmporas de

Azazel. A noite estava fria. O vento soprava furioso, as nuvens

que se agrupavam carregadas com água. Um relâmpago iluminou a noite e um trovão ensurdeceu o mundo. Houve um grito de dor em algum lugar. Azazel amarrou as asas negras, que se tingiam de rubro devido aos ferimentos causados pelo arame farpado que ele usou para manter as asas fechadas. Gemendo de dor, ele ficou de pé e se aproximou da sacada. Estava no terraço de um prédio muito alto. Azazel se jogou. Seu corpo caiu como uma pedra e espatifou sobre um carro parado no estacionamento. Um novo relâmpago fez com que a noite clareasse, e então uma alma se tornou duas.

- 68 -

Alira soltou um grito de espanto e se afastou de

Azazel, a visão que tivera causou tanta dor a ela, que seus sentidos deixaram de dominá-la e ela desmaiou.

Uriel saiu de trás de uma árvore. — Uriel eu... Ela... – disse Azazel tentando se

explicar, mas ele não conseguia pensar em nada para dizer.

— Volte para perto dela Azazel... Nunca a deixe sozinha...

Ainda desconcertado Azazel correu até a porta e antes de sair, se virou a tempo de ver Uriel carregar Alira e desaparecer no meio das árvores. Azazel deixou o apartamento de Uriel e desceu as escadas caminhando até o apartamento onde Brooki agora habitava.

- 69 -

– IX –

— Ei mocinha... – Azazel sussurrou ao ouvido de Brooki. – Acorde, já é dia... É hora de levantar...

Brooki abriu os olhos e meio sonolenta sentou-se escorando as costas na cabeceira da cama, ela sorriu para Azazel e se espreguiçou.

— Se todos os meus despertadores dessem o alarme com o som exatamente igual a sua voz eu seria a garota mais feliz do mundo... – disse Brooki. – Bom dia anjo...

— Bom dia minha querida, agora trate de se levantar hoje você estuda, e é o seu primeiro dia, chegar atrasada é algo imperdoável.

Brooki se levantou de um salto. Finalmente terminara as férias, no início Brooki

tinha dúvidas a respeito de sua vida em outra cidade, mas com o fim do primeiro mês, Nova York se mostrara mais atraente, e na companhia de Azazel tudo ficava melhor. Logo no início do segundo mês a mãe de Brooki conseguiu um emprego como corretora de imóveis, e como já trabalhava no ramo em Londres, para ela era fácil fisgar os clientes. Thomas montou um bar e no fim do mês já conseguira uma clientela fixa, enquanto

- 70 -

Brooki ingressara em um curso de pintura e em pouquíssimo tempo percebeu que levava jeito para a coisa, e os sete primeiros quadros que ela havia pintado foram destinados ao bar de Thomas, o La Madre.

— Hoje é o primeiro dia na escola Brooki… tenta não pagar nenhum mico, viu?! – disse Azazel sentado ao lado da porta do banheiro.

— Queria que você estivesse lá comigo, sabe, de verdade, ao meu lado… – ela respondeu.

— E estarei… — Não assim, como um anjo… – disse Brooki. –

Deixa pra lá, é bobeira minha… Brooki terminou o banho e voltou para o quarto

para trocar de roupa, mas ficou furiosa ao perceber que Azazel a seguia bem de perto.

Ao ver Brooki enrubescer de raiva Azazel saiu do quarto gargalhando e então foi para a cozinha preparar o café para sua protegida. Os pais de Brooki haviam saído um pouco mais cedo para procurar um lugar que serviria como atelier para Brooki, mas tinha de ser o lugar mais próximo possível de casa.

Brooki tomou o café e foi correndo para a escola, que ficava a dois quarteirões de distância do prédio em que ela morava, havia tempo de sobra para chegar à escola, porém, sendo o seu primeiro dia de aula, Brooki não queria se atrasar.

Azazel estava sempre ao seu lado, e quando ela falava com ele, tinha que fazê-lo pelo canto da boca, para que ninguém pensasse que ela estava louca. Brooki não achou que encontraria o colégio cheio logo cedo, mas foi o que aconteceu. Estavam lá, os alunos a observavam

- 71 -

como se ela fosse uma inimiga. Brooki teve o cuidado de vestir uma blusa de manga cumprida para que as suas cicatrizes não fossem motivo de conversa logo naquele primeiro contato com uma nova escola.

— Eles quase me mordem com os olhos… – Brooki murmurou para Azazel quando sentou em um dos bancos do pátio.

— Entenda o nosso lado – disse uma voz masculina atrás de Brooki.

Assustada Brooki se virou a fim de saber quem falou com ela. A voz pertencia a um rapaz da mesma altura que ela, de cabelos louros e espetados, os olhos eram da cor da lama, suas bochechas eram rosadas e ele sorria mostrando duas covinhas, como um bebê. A mochila carregada em um só ombro parecia pesada demais, mas ele não se incomodava.

— Olá… – disse ele estendendo a mão para Brooki. – Eu sou Colin Welcome…

— Olá Colin, eu sou Brooki Hudson… Colin pensou por um instante e então excitado

sentou ao lado de Brooki. — Ah… Você é a inglesa dos pulsos…? – disse ele

sorrindo fascinado. — Com… – Brooki ficou sem reação ao perceber a

que Colin se referia, seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela não deixou que a vissem chorar.

Brooki se levantou e correu para o banheiro feminino, por sorte ele estava vazio, Brooki não agüentou mais e então chorou.

Sem se dar conta, Brooki chorou todas as dores e angústias que evitou chorar desde o momento em que

- 72 -

cortou os pulsos, mesmo tendo chorado diante de Michel, de Uriel, dos seus pais, mesmo tendo chorado noites a fio para si mesma, naquele momento, no banheiro da escola, ela chorou tudo o que tinha para chorar por um erro que cometera.

— Não fica assim Brooki… – disse Azazel. Brooki olhou ao redor e o encontrou sentado ao

lado da porta de um dos boxes, ela sentou ao lado dele e abraçou as pernas.

— Eles já sabem… – disse ela. – Como eles souberam?

— Ora Brooki, todos os moradores daquele lugar que você vivia já sabem que você tentou se matar, aquilo lá tem um jornal próprio, tem uma estação de rádio e um canal próprio na TV, todos sabem que você tentou se matar, e é como Colin disse, tente entender o lado deles, por mais incrível que possa parecer, as turmas do segundo ano estão juntas desde o primário, todos se conhecem, e então dois alunos deixaram a escola no fim do ano passado, você preencheu uma das vagas, naturalmente eles ficaram sabendo que essa vaga foi preenchida e quiseram alguma informação sua…

— E agora sabem que eu sou uma… Uma… — Suicida? – disse Azazel com tranqüilidade. – De

fato, eles sabem. Os dois ficaram em silêncio por um longo tempo

até que o sinal tocou e Brooki se assustou com o som alto.

— Anda! – disse Azazel em um tom de voz decidido. – Vai logo para a sua primeira aula… Eu encontro você depois…

- 73 -

— Aonde você vai? – Brooki perguntou. — Vá para sua sala Brooki... – disse Azazel se

levantando e empurrando Brooki paraa porta do banheiro. – E tenta não borrar a maquiagem! – ele gritou enquanto Brooki se afastava pelo corredor.

Reunindo toda a coragem que tinha, Brooki virou o primeiro corredor e se deparou com três pessoas, o rapaz ela conhecia, era Colin, mas as duas moças que o acompanhavam ela não sabia quem eram. Ambas tinham o cabelo longo e liso ruivo acaju, mas uma tinha os olhos castanhos, e a outra tinha os olhos cinzentos, porém, conforme ela movia o rosto, o cinza dos seus olhos parecia púrpura, as duas tinham um tom de pele bronzeado e o cheiro de maresia era inconfundível, mesmo que não tivesse ido tantas vezes à praia para tornar-se uma expert, Brooki não esqueceu nunca o cheiro da maresia.

— Oi novamente… Brooki, não é mesmo? – disse Colin. – Por favor, me desculpe, fui indelicado em nosso primeiro contato… E eu queria lhe apresentar a essas duas garotas aqui, Anne e Rachel...

— Olá Brooki… – a garota de olhos castanhos estendeu a mão para Brooki. – Sou Rachel...

Brooki apertou a mão da moça e se virou para a outra.

— E você logicamente é Anne... – disse Brooki sorrindo e estendendo a mão.

Anne fitou Brooki demoradamente. — Não gosto que as pessoas se antecipem e se

apresentem antes de mim... – disse Anne em um tom de voz hostil.

- 74 -

Brooki fitou a garota com uma expressão meio confusa.

Anne se virou e se afastou. — Não liga para ela não, Brooki! – disse Rachel

dando tapinhas amistosos nas costas da recém chegada. – Vamos você está na nossa turma.

Brooki caminhou com os dois até a sala. Havia mesas vagas próximas à janela. Brooki se

dirigiu a uma delas achando que suas novas companhias iriam sentar com ela, mas Rachel e Colin sentaram atrás dela e Anne estava sentada com um rapaz chamado Henrie, que mais tarde se apresentaria a Brooki.

Os dois primeiros tempos eram de história, e o professor era um homem gorducho e atarracado dentro de um terno tweed da cor do caramelo. No primeiro tempo o Sr. Finnes criou um cronograma detalhado de todas as matérias que ele ensinaria naquele ano, quando terminou, ele deu um breve tempo para que todos copiassem o cronograma. Depois passou um extenso trabalho separado em três tópicos para o fim daquele semestre.

Quando o primeiro tempo acabou, o Sr. Finns pediu a Brooki que ela se apresentasse para a classe. Hesitante, Brooki se levantou, mas o professor a mandou sentar novamente, pois naquele momento bateram à porta. Aliviada, Brooki sentou prometendo a si mesma que mataria Azazel quando o encontrasse novamente. Brooki escondeu o rosto nas mãos em concha.

— Parece que temos uma nova vaga preenchida de última hora... – Brooki ouviu o professor dizer. – Deixe

- 75 -

seu material ao lado da Srta. Hudson e venha até aqui na frente se apresentar para os seus colegas.

Brooki não ergueu o rosto para ver o novo estudante, ela estava vermelha e sentia o rosto quente de vergonha. Ela sentiu a mochila pousar sobre a mesa e ouviu um riso baixo, mas nada conseguiu fazer com que ela olhasse o recém chegado.

Aquele riso era conhecido, mas Brooki só teve certeza quando ouviu o rapaz dizer em voz alta:

— Olá a todos… Meu nome é Azazel…

- 76 -

– X –

Brooki ergueu a cabeça assustada quando ouviu a voz e depois o nome. Sim, era ele, eram seus olhos negros, eram seus cabelos despenteados, era seu anjo quem estava naquela sala, agora inundada com um cheiro de limão e grama.

Brooki queria levantar, correr até ele, abraçá-lo, chorar em seu ombro, rir acompanhada do seu riso.

Mas não foi isso que aconteceu. — O que você está fazendo aqui?! – disse ela de

repente. Azazel a fitou como se não se encontrassem há

anos. — Será possível…? – disse ele estreitando os olhos

para Brooki. – Mon Dieu, Brooki é você mesma? – ele exclamou contente. Azazel foi até Brooki e a abraçou forte.

— O que você está fazendo aqui? – Brooki sussurrou.

— Ficando do seu lado, não foi esse o seu pedido? – ele respondeu em um sussurro.

- 77 -

Ao se soltarem Azazel e Brooki perceberam que ambos eram os alvos de todos os olhares curiosos, maliciosos, espantados e divertidos, que os alunos e o professor conseguiram lançar de imediato aos dois.

— Nós nos conhecemos há muito tempo… – Azazel explicou, agora de mãos dadas com Brooki. – Estudamos juntos há tempos, mas a última vez que nós nos encontramos, no fim do ano passado, eu estava de partida para a Suíça, meus planos eram de passar uma temporada lá, mas não quis ficar, resolvi me mudar para essa cidade maravilhosa, e cá estou, e você também está aqui, não é minha querida?! – disse ele se virando para Brooki.

— O destino é cheio de surpresas, não é? – disse Anne em um tom de voz ferino. – Um de vocês quase morreu, não é verdade... – Anne passou o dedo indicador no braço esquerdo em um gesto como se estivesse cortando o pulso.

— Anne! – Rachel disse em um tom de voz aborrecido.

Brooki abaixou os olhos e suspirou um pouco envergonhada, ela ainda ficava constrangida em falar sobre sua tentativa de se matar, principalmente perto de Azazel, mas a verdade era que Brooki evitava até mesmo pensar na palavra suicídio.

— É… – disse Azazel em um tom de voz vago, porém muito seguro se si. – Eu notei sim... Mas sabe de uma coisa? Esse é um assunto que conversaremos mais tarde… – Brooki fitou Azazel e ele piscou para ela e sorriu. – Não é algo para ser tratado diante de tantos

- 78 -

juízes. Além do mais, que lhe importa a vida pessoal de Brooki?

— Er… Vamos parar por aqui não é mesmo pessoal?! – disse o professor, mas ninguém lhe deu atenção.

Os alunos estavam mais interessados em ouvir a resposta de Anne.

— Azazel, chega... – disse Brooki. — É Azazel... – disse Anne em um tom de voz

sarcástico. – Chega... – os olhos de Anne se tornaram púrpura e sua expressão se tornou fria e calculista.

— Não! – disse Azazel aborrecido. – Quem ela pensa que é? – Azazel indicou Anne. – Vidas alheias não interessam aos curiosos, vocês deveriam encontrar algo melhor para fazer do que ficar xeretando as intimidades de outra pessoa!

— Queria saber a sua opinião a respeito de suicídio... – disse Anne fitando Azazel.

— Pára com isso Anne! – Colin e Rachel exclamaram ao mesmo tempo.

Azazel respirou fundo e contou mentalmente em ordem decrescente de mil a zero, coisa que não demorou mais de meio minuto, e então deixou escapar uma grande quantidade de ar dos seus pulmões, tornando logo em seguida a enchê-los com a mesma quantidade de ar. Estar dentro de um corpo mortal era difícil, ele devia equilibrar milhões de sentimentos, devia controlar a respiração, pois se ele parasse de respirar seu corpo ia morrer, além de manter a calma para não dar cabo da vida de Anne, que estava começando a aborrecê-lo.

- 79 -

— Anne, entenda uma coisa… – disse Azazel. – Quando erramos, não precisamos de alguém que nos derrube com acusações e sentenças como se fôssemos os réus culpados e os outros (assim como você) fossem os juízes… Essa é a nobre função de um verdadeiro amigo, nunca julgar, mas sim estar sempre ao lado de quem é caro para nós. Um verdadeiro amigo dá apoio, e uma pessoa que tenha caráter não sai por aí afora julgando a torto e a direito como se tivesse a função de tornar a vida dos outros um verdadeiro inferno na terra – Brooki começou a chorar ao lado de Azazel, e este pedia para si mesmo que terminasse logo para que pudesse amparar sua protegida. – Eu garanto a você Anne, quando eu conversar com Brooki, eu vou dar apoio a ela, não vou fazer nada para que ela se sinta péssima como você está fazendo nesse momento.

Anne estreitou os olhos para Azazel, e por alguns segundos seu rosto lhe pareceu angelical demais, quase bonita como um arcanjo. Anne abriu um sorriso desdenhoso e cruel, e Azazel percebeu que havia caído em uma armadilha preparada meticulosamente contra ele. Ninguém além de Azazel notou a rápida mudança na cor dos olhos de Anne, que se tornaram completamente púrpuros e segundos depois voltaram ao cinza natural.

— Lailah... – Azazel murmurou consigo mesmo, mais preocupado com a segurança de Brooki do que com as lágrimas que ela deixava escorrer pelos seus olhos sem poder conter a tristeza e a alegria que sentia por Azazel estar ali com ela.

Sem dizer nada Brooki saiu da sala.

- 80 -

Azazel pegou a mochila e juntou as coisas de Brooki, e caminhou até a porta, mas se deteve e voltou a fitar a turma.

— Ela é uma boa moça… – disse ele em um tom de voz reflexivo. – Brooki apenas cometeu um erro e vocês a julgam por isso, vocês a olham como se ela fosse um monstro. Só espero que ela não alimente rancor contra vocês, pois isso só fará mal a ela. Acho que sei o motivo para os dois outros estudantes daqui terem largado essa escola, eu vi poucas pessoas aqui que não julgaram Brooki, por isso digo isso destinado àqueles que a julgaram sem ao menos dar a ela uma chance de mostrar como é por dentro. Vocês que se fantasiam de juízes, espero mesmo que ela não guarde nenhum rancor, pois vocês não são dignos nem mesmo da raiva dela...

O Sr. Finnes sentou em sua cadeira completamente mudo, todos os alunos deixaram a cabeça pender para frente enterrando o queixo no peito, estavam mais do que envergonhados.

— Brooki se mudou para uma cidade nova, e aqui encontrou alguns anjos, mas infelizmente está matriculada em uma escola de juízes… – Azazel comentou agora saindo em busca de Brooki.

―Se existir alguma maneira para que nós fiquemos juntos, Brooki…‖ Azazel pensou. ―Eu vou descobrir, e farei de tudo para que aconteça, ainda que seja em pecado, não cometerei o mesmo erro de antes. Estarei do seu lado até o fim...‖.

- 81 -

– Estágio Três – O Jardim de Deus

- 82 -

– XI –

Brooki corria desesperadamente.

Sua mente não parava, assim como os seus pés. Nunca mais voltaria para a escola. Nunca mais voltaria para o curso. Nunca mais voltaria para casa. Mas… E Azazel? Quem ele pensava que era?

Mentir daquela forma para todos na sala?! E aquele papo de mentira ser um pecado?

Brooki corria sem prestar atenção no caminho que estava seguindo. Ela já estava bem longe de casa, tudo ficou para trás, seus pais, Azazel, suas músicas, tudo ficou para trás, em um passado muito recente.

Correndo às cegas Brooki não percebeu que seguia para uma avenida de mão dupla, e só parou quando alguém segurou firme o seu braço e a puxou para trás.

Aturdida, Brooki se virou e fitou a pessoa que a impedira de prosseguir.

Ao ver aquele par de olhos gelados ela não conseguiu dizer nada, ele não mudou em nada desde a última vez que se viram, porém, algo em Uriel era maior do que Brooki lembrava. Ela enterrou o rosto no peito de

- 83 -

Uriel, ele a abraçou, Brooki chorou enquanto sentia alguém finalmente abraçando-a.

— Shhh… – fez Uriel beijando os cabelos de Brooki. – Não fica assim... Shhh… Para de chorar… Eu a encontrei... – Uriel murmurou.

Um estalo baixo assustou Brooki, ela se virou na direção do barulho e viu uma fumaça negra de amontoar e tomar a forma de uma mulher usando um manto negro. Um par de mãos de neve baixou o capuz e Brooki se deparou com uma mulher muito linda, de pele alva e cabelos negros.

— Olá pequena... – disse Alira em um tom de voz etéreo, seus dedos gelados tocaram a face de Brooki, que sentiu um leve aroma de sálvia e de grama recém cortada. – Meu nome é Alira...

— O-olá A-Alira… – Brooki gaguejou. Logo em seguida Azazel apareceu. Brooki fuzilou-o com o olhar. Alira por outro lado caminhou até Azazel e o

abraçou, mas em seguida ela se afastou dele com um olhar horrorizado e soltou um grito.

— Que foi Alira? – perguntou Uriel fitando Azazel e voltando os olhos para Alira. Normalmente nada a assustava afinal ela o acompanhava enquanto ele fazia o trabalho que havia sido incumbido de fazer, porém, algo a assustara pra valer, e vê-la naquele estado era realmente perturbador para Uriel.

Alira estava tremendo e olhava de Azazel para as próprias mãos, e das próprias mãos para Azazel, até que ela estendeu o indicador e apontou para o anjo de asas negras.

- 84 -

— Ele é de carne e osso! – disse Alira horrorizada. Uriel fitou Azazel com uma expressão confusa,

mas depois de alguns instantes ele entendeu tudo completamente, e então a confusão nos seus olhos se tornou raiva.

Brooki percebeu então um fato importante: Uriel era visível aos olhos mortais, Azazel também era visível, mas Alira era visível apenas aos seus olhos. Sendo assim, as pessoas que passavam observavam os três conversando e se afastavam rapidamente achando que eles eram loucos, enquanto os outros que paravam para olhar pensavam que eles eram um grupo de atores e que estavam apresentando alguma peça nova que estrearia na Broadway.

— Hã-hã – Brooki pigarreou. – Eu estou gostando e tudo de reencontrar você Uriel, e também de conhecer você Alira, mas… Será que nós não podemos ir para um lugar um pouco mais… Reservado? – disse Brooki tentado indicar as pessoas ao redor deles.

Uriel olhou ao redor e assentiu. — Brooki tem razão… – Disse ele. – Vamos para a

minha casa… É mais perto daqui. — Er… Sabe Uriel… – disse Azazel com um sorriso

amarelo nos belos lábios, seus olhos foram de Brooki para Uriel, e então ele falou com um ar de quem se desculpa por ter se esquecido de dizer alguma coisa. – Brooki mora no apartamento em que a família de Lilian morou…

— QUE DROGA! – Uriel gritou furioso, aquele apartamento lhe trazia péssimas recordações, foi naquela mesma época em que ele sofrera uma grande perda e

- 85 -

também que após um tempo de trabalho bem feito ele errou e um humano foi vítima desse erro, ficando completamente louco.

Uriel caminhou junto com Brooki e Azazel até o edifício em que eles moravam. Ficaram em silêncio dentro do elevador e quando pararam no quinto andar, Uriel e Azazel levaram Brooki até o único apartamento do andar.

Brooki queria que um dos dois dissesse alguma coisa, queria que Azazel gritasse com ela por sair correndo daquele jeito, queria que Uriel a repreendesse por não prestar atenção no caminho pelo qual ela correu, pois Brooki sabia que se não fosse por ele, ela estaria morta naquele momento.

Mas nenhum deles disse nada. — Entre... – Uriel tinha um tom de voz frio. Brooki entrou em silêncio. A sala possuía apenas um sofá côo mobília, e do

lado oposto à entrada havia uma porta dupla. Uma fraca luz roxa iluminava toda a sala do apartamento, apesar de não haver lâmpada nenhuma ali no cômodo. Uriel abriu a porta dupla e uma onda de calor invadiu a sala.

Brooki atravessou a porta e ficou muda por alguns instantes, ao se deparar com o bosque de ciprestes iluminado por um sol de verão. Porém, o que ela achou incomum era haver um bosque dentro de um apartamento. Involuntariamente Brooki se desfez dos sapatos para sentir a grama sob os seus pés, ainda estava molhada pelo orvalho.

Então Brooki riu.

- 86 -

Riu de tudo o que ocorreu há pouco tempo atrás, ainda naquela mesma manhã, ela riu de si mesma por chorar apenas pelo julgamento de pessoas que nem a conheciam, ela riu por se achar tola por ficar triste se outras pessoas não gostavam dela, riu da surpresa que Azazel lhe fizera e que ela não aproveitou, riu de Anne se levantando para mostrar que podia falar no mesmo tom que Azazel. Riu de si mesma por ficar furiosa com Azazel. Riu por encontrar Uriel, riu das pessoas que passavam e achavam que os três eram loucos. Sem se importar com mais nada, Brooki riu da expressão de Alira ao saber que Azazel era de carne e osso. Ela riu também da confusão e da raiva que viu estampadas nos olhos de Uriel.

Azazel e Uriel trocaram olhares nervosos, e então, Azazel envolvido pelo riso de Brooki, Azazel também riu dos últimos acontecimentos. Brooki correu em torno de algumas árvores brincando com os pássaros que a seguiam de perto, enquanto os anjos caminhavam à uma certa distância a fim de evitar que ela se perdesse naquele lugar sem fim.

Extremamente feliz Brooki se virou para os dois anjos e correu na direção deles. Brooki abraçou forte Uriel e beijou sua face, Uriel ficou desconcertado com a demonstração de afeto da parte de Brooki, mas deixou escapar um sorriso, que no início não era mais do que uma careta. Então Brooki voltou os olhos na direção de Azazel, sua expressão agora era séria igual a expressão de Brooki. Ela deu um passo na direção do anjo de asas negras, Azazel sentia o coração bater acelerado, ele se sentia estranho, as sinapses do seu corpo estavam

- 87 -

confusas todas enviavam sinais ao seu cérebro indicando o que ele deveria fazer, mas Azazel nunca fora de carne e osso, então aquela situação era desconhecida para ele.

Brooki abraçou o pescoço de Azazel e deixou que seus sentimentos agissem. De repente Azazel entendeu o que estava acontecendo, mas ele não se manifestou, por isso Brooki deu o primeiro passo e o beijou. Os lábios de Azazel eram doce como alcaçuz, e Brooki gostou muito do beijo.

Ela o beijou delicadamente, no início Azazel tentou repelir Brooki, mas ele não conseguiu, pois desejava esse beijo tanto quanto ela. Azazel sentiu o primeiro dedo da cobiça tocar seu coração, e ele deixou que isso o dominasse, então Azazel cobiçou o beijo e a boca de Brooki, ele cobiçou os olhos e o corpo dela, Azazel cobiçou o coração, a vida, a alma, e por fim Azazel cobiçou a existência de Brooki.

Em um momento de lucidez Azazel empurrou Brooki e os últimos pensamentos se afastaram da sua mente. Ele respirava ofegante, como se Brooki tivesse arrancado os últimos sopros de ar de dentro dos seus pulmões. Azazel fitou Brooki com um olhar perturbado, e então seus olhos correram na direção de Uriel, que o observava com uma expressão como se estivesse dizendo: ―Eu bem que avisei‖.

— Não… Faça… Isso… Novamente… – Azazel ofegou acariciando os lábios trêmulos de Brooki.

Ela assentiu, sem saber o porquê das imagens em sua mente, mas ela sabia que isso tinha a ver com o beijo que Azazel retribuiu.

- 88 -

– XII –

— Você está bem criança? – perguntou Alira com sua voz etérea.

Brooki olhou Alira por um tempo sem saber realmente quem ela era, mas aos poucos sua mente foi acertando e por fim ela recobrou a consciência dos próprios atos.

— O que aconteceu Alira? – Brooki tinha os olhos em pranto e então abraçou Alira.

Ao entender que Brooki não contaria nada por si mesma, Alira percebeu que teria de ver exatamente o que Brooki viu no instante em que beijou Azazel. Delicadamente Alira tocou as têmporas de Brooki e respirou fundo. Brooki fechou os olhos.

— Concentre-se naquilo que você viu Brooki… Visualize exatamente aquilo que você viu…

Brooki assentiu e se concentrou na cena que passou em sua cabeça, e então suas visões voltaram.

Azazel era belo como sempre, mas sua expressão era de

dor. Sua forma verdadeira compreendia três pares de asas tão alvas quanto a neve, e brilhantes como o sol, ele estava em

- 89 -

prantos quando amarrou as asas com o arame farpado, e então ele se atirou do alto do prédio. A cena mudou para um ser de asas negras que estava parado diante das portas do Empire States, ele fitava Brooki demoradamente, ela seguia um caminho reto na direção do ser de asas negras, havia pessoas, muitas, milhares delas, todas paradas uma ao lado da outra formando um longo corredor, chovia muito, por isso Brooki não conseguia ver exatamente quem era, mas as asas negras estavam lá, e era impossível não saber quem estava lá, pois o único ser que possuía seis asas negras era Azazel. Alira viu anjos invadindo uma cidade de sombras, e viu também muitos demônios lutando ao lado dos anjos, então ela caiu de joelhos, sua barriga fora perfurada por uma espada, e então um sorriso se abriu no rosto do ser de asas negras, ele mostrou aquele sorriso maligno. Alira caiu no mundo dos mortos e viu um ser que não deveria existir, porém estava lá, ao seu lado, falando com ela, e ela estava na pele de Brooki, ela era Brooki em sua visão, e o ser falava calmamente com ela, e ele lhe dizia tudo sobre sua morte, então uma forte luz nasceu no mundo dos mortos, e duas colunas luminescentes nasceram, e Alira pode ver algo que ela nunca pensou que pudesse existir, na fila dos mortos havia dois anjos, cada um possuindo uma única asa, um com uma asa direita e o outro com uma asa esquerda. Havia três seres que não desciam ao mundo há tanto tempo que nem mesmo o tempo se lembrava da última vez em que eles tocaram o solo terreno. Três seres, três criaturas de patentes tão altas na abóbada celeste que tornaria o mundo ainda mais caótico se todos resolvessem guerrear. Aquilo foi demais, até para Alira, as revelações foram mais do que exatas, havia muito na vida de Brooki, ela era mais importante do que Uriel previa.

- 90 -

Alira se afastou rapidamente de Brooki, suas

pernas fraquejaram, e então ela caiu de joelhos. Assustada, Brooki percebeu que estava bem longe de Azazel e de Uriel. Alira pediu que Brooki ficasse onde estava e então ela foi até Uriel, Brooki ficou observando de longe Alira dizer algo para o Anjo da Morte.

— Ele disse que a cobiçou… – Uriel sussurrou para Alira ao se afastarem de Azazel. – O que foi que a moça viu?

— Há muitas revelações no futuro de Brooki, Uriel, vi coisas que não acreditaria se eu mesma não fosse a primeira a ver, vi anjos e demônios caminhando lado a lado em uma cidade de sombra, vi também dois anjos, cada um com uma única asa, também vi Azazel matar Brooki, vi uma entidade que deveria estar morta há milênios, mas ainda está viva e perambulando por aí, e o pior é que essa criatura estará dialogando com Brooki no mundo dos mortos, ambos conversarão como amigos que não se vêem há anos... Uriel, você disse que há um toque d’O Verbo no destino dessa moça, mas acredito que há muito mais do que apenas a digital d’Ele na vida de Brooki...

— O que você quer dizer? — Acredito que Ele a escolheu para fazer algo, e

que o destino dela e o destino do mundo que conhecemos estão extremamente entrelaçados um no outro. Miguel, Gabriel e Rafael estão na visão dela...

— Não é possível que até mesmo os Primi estejam associados…

- 91 -

— Mas é isso o que está para acontecer, os quatro Arcanjos irão se reunir.

— Eles não se reúnem desde a última Guerra Celestial… Quando Lúcifer Estrela da Manhã foi expulso da Cidade de Prata…

— Ora Uriel! – exclamou Alira. – Há quanto tempo um caso como esse não acontece? Há quanto tempo um anjo não se envolve com uma mortal? Há quanto tempo um caso desses não termina em morte? Foi uma questão de tempo até que a história se repetisse... Pense bem Uriel, e espero que você não se esqueça da importância daquela garota, porque se você esquecer, nós todos estaremos perdidos... Você sabe que ela tem...

— Basta! – Uriel exclamou fitando Brooki por cima do ombro de Alira, a garota os observava.

Brooki, já cansada de esperar, caminhou decidida até Uriel e Alira.

— Por favor, posso pedir uma coisa... – disse Brooki séria.

— Peça criança... – disse Alira calmamente. Brooki respirou fundo e falou com a mesma calma

de Alira. — Por favor... Não deixem que nada aconteça com

Azazel... Eu não tenho certeza do que eu vi, e não sei se é uma previsão do futuro, ou se é alguma ilusão causada por beijar um anjo, para falar a verdade isso não importa. Eu quero que vocês me prometam que jamais deixarão que algo de mal aconteça a ele... ele não merece… Sempre que olho nos olhos dele vejo que ele já

- 92 -

sofreu demais, por isso estou fazendo esse pedido, não quero que ele se machuque novamente…

Uriel ficou paralisado quando Brooki disse aquilo, como ela sabia que ele já havia se machucado por uma mortal? Pois o único motivo para ela falar daquela forma é unicamente o fato dela saber o que aconteceu a ele.

— Você é imprevisível Brooki... – disse Uriel abrindo um sorriso nervoso. – Você acaba de ter uma visão dele matando você, e nos pede logo em seguida para que não deixemos que nada aconteça a ele...

— O mundo não precisa de mim, mas precisa dele... – Brooki respondeu completamente segura do que estava dizendo.

Uriel e Alira trocaram olhares interrogativos, e então Brooki percebeu a pergunta muda no olhar deles.

— Não tenho medo de morrer! – ela exclamou. Alira fitou Brooki por um longo tempo, e então

suspirou alto. — Leve-a até seu irmão... – disse Alira. Uriel fitou Alira com uma expressão insegura, ao

mesmo tempo em que os pássaros que estavam próximos de Azazel levantaram voo assustados.

- 93 -

– XIII –

— NÃO! – Azazel berrou.

Brooki virou para olhar seu anjo, e nesse momento ela ficou confusa ao ver uma aura negra circundar Azazel, seu olhar era de grande fúria, e isso causou uma grande alteração no clima do bosque, pois as nuvens ficaram cinzentas e logo escureceram, e o vento uivou entre as árvores e soprou cada vez mais forte.

— ELA NÃO VAI! – ele berrou novamente, e completou agora em um tom de voz desesperado. – ELA NÃO PODE PISAR LÁ!

Alira fitou Uriel com uma expressão perplexa, mas Uriel apenas observava calmamente Azazel que dava mostras de que iria perder completamente o controle sobre si mesmo.

Brooki caminhou até Azazel e o abraçou forte. — Vou ficar bem... – disse ela. — Por favor, Brooki… – Azazel implorou. – Não

vá… não vá aquele lugar… — Ei... Não se preocupe comigo, vou ficar bem... –

disse Brooki tentando animar Azazel.

- 94 -

— Não Brooki… Você não vai ficar bem, se você for até lá, você vai morrer…

Brooki relaxou os braços em torno do pescoço de Azazel, e então os deixou cair ao lado do seu corpo e se afastou lentamente do anjo. Uriel materializou um casaco grosso de lã e então estendeu a mão para Brooki e ambos desapareceram no meio do bosque.

O céu antes cinzento voltou ao azul natural e a aura de fúria que circundava Azazel desapareceu por completo.

Brooki e Uriel caminhavam seguindo uma trilha

que, segundo Uriel, muitos homens tentaram percorrer, mas nenhum conseguiu e jamais conseguirá. No fim da tarde os dois alcançaram a orla do bosque de ciprestes. Brooki estava faminta e então Uriel se embrenhou no bosque e dez minutos depois voltou com um cervo ainda filhote no ombro.

— Ele estava morrendo... – disse Uriel ao ver a expressão de reprovação nos olhos de Brooki. – Veja… – ele mostrou um buraco de bala no pescoço do animal. – Uma bala perdida o acertou... Pobre animal, em temporada de caça os animais dos bosques devem ficar atentos a qualquer movimento...

— Existem pessoas nesse bosque? – — Meu apartamento (ou o que realmente existe

dele) é apenas a sala e o salão onde nos encontramos pela primeira vez. Fora esses dois locais, o resto é tudo o que me agrada no seu mundo, todos os bosques, as praias, os povoados, os desertos, as montanhas, tudo isso me atrai no seu mundo, amo estes lugares, por isso dei

- 95 -

um jeito de unir tudo e colocar aqui, então, sim Brooki, há caçadores neste bosque, da mesma forma como nós estamos exatamente fora do meu apartamento. Sabe, não preciso ir muito longe para visitar um amigo na Ásia... – disse Uriel colocando o cervo no chão, delicadamente seus dedos envolveram a cabeça do animal enquanto Uriel continuava falando. – Há também um meio mais rápido de ir até lá, do que simplesmente voar, eu posso criar portas que dão acesso a outros lugares, também posso me materializar lá, mas não acho isso muito agradável, por isso uso portas aqui e ali, em todas as partes do mundo tem uma porta que já usei, seja para trabalho ou para meu divertimento. É só desejar estar em algum lugar e… Voualá… – ao mencionar a última palavra, Uriel quebrou o pescoço do cervo para acabar com a agonia do animal. – É simples… – ele sorriu calmamente.

Uriel procurou se afastar de Brooki e ficar a favor do vento, para que ela não ficasse enjoada com o cheiro de sangue. Meia hora depois Uriel preparou o cervo e o colocou para assar em uma fogueira que ele fez habilmente.

— Todos os anjos já foram escoteiros? – Brooki perguntou observando o trabalho de Uriel.

— Precisamos sobreviver, Brooki, caso um dia aconteça de cairmos da graça... – ele respondeu sério.

Em pouco tempo o cervo ficou pronto e Brooki comeu aliviada, pois não estava dando muito crédito aos dotes culinários de Uriel, mas como ela não tinha se alimentado direito naquela manhã, Brooki ficou em dúvida, se o cervo estava realmente delicioso ou se era

- 96 -

apenas a sua fome falando mais alto. Uriel também comeu com Brooki, e ao terminarem, ambos estalaram os lábios em sinal de que gostaram do jantar.

— Fale sobre o seu irmão e sobre esse Jardim de Deus... – disse Brooki.

Uriel atiçou a fogueira enquanto seus olhos contemplavam as chamas avermelhadas.

— Conhece a bíblia sagrada? – Uriel perguntou em um tom de voz distraído.

— Naturalmente... – Brooki respondeu como se aquela pergunta fosse a mais idiota que Uriel já lhe fizera.

Ele ficou em silêncio novamente, enquanto isso, Brooki o fitava completamente admirada. O tempo que morou no prédio, ela ouvia alguns relatos do tal morador do quinto andar, as pessoas diziam que ele devia fazer parte de alguma gangue, outros diziam que era um viciado ou um traficante, ou que ele era um traficante viciado, diziam que era um fugitivo da prisão, e a mais absurda de todas as histórias foi quando disseram a Brooki que ele fazia parte de um culto satânico.

Uriel sorriu satisfeito pela resposta e então continuou:

— Quando Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Paraíso, este afundou na terra, mas conservou o calor do sol, o ar suave, e todo o seu glamour, e esplendor. Meu irmão Vitalis mora lá e é lá que está situada a Terra dos Bem Aventurados, onde ninguém, além do meu irmão e eu, tem permissão para visitar e também é uma delícia ficar. Pela manhã nós voaremos, pois se formos andando jamais chegaremos lá.

- 97 -

— O que Azazel quis dizer quando falou que eu vou morrer se eu for para lá?

— Durma Brooki – Uriel a abraçou e beijou sua testa. – Não tenha medo...

Brooki se aninhou nos braços de Uriel da mesma forma como ela fazia com Azazel. Uriel a abraçou delicadamente, de forma que Brooki pudesse se sentir mais segura.

Brooki acordou com uma lufada de vento no rosto,

e ficou surpresa quando descobriu que estava acima das nuvens e das copas das árvores. Uriel levava Brooki nos braços, era como se ela estivesse amarrada ao corpo dele, Brooki sentia os braços fortes em sua cintura e em sua barriga, mas havia algo prendendo as suas pernas, Brooki olhou assustada e respirou com mais alívio quando viu que era um par de asas menores que estavam servindo como uma espécie de cinto de segurança para ela.

Uriel riu baixinho e Brooki girou delicadamente de forma que ficasse frente a frente com Uriel. Ele estava usando o casaco cumprido.

— Bom dia! – disse Uriel. – Pode voltar a dormir, porque não a muito para ver no lugar que estamos sobrevoando. A não ser que você queira contar as igrejas e os telhados das casas... Parecem riscos de giz em uma lousa verde.

Eram os campos e os prados que Uriel chamou de lousa verde.

— Dormi muito... – disse Brooki.

- 98 -

— Na verdade não, são exatamente quinze para as seis, eu acordei mais cedo e levantei acampamento...

— Você dormiu? – Brooki perguntou espantada. Isso fez com que Uriel deixasse seu riso sair de

dentro do peito. — Brooki você é mesmo um achado... – disse ele

meneando a cabeça. — Perdão? — Você acorda olhando para uma queda fatal,

porém fica espantada apenas quando eu digo que dormi... Você é mesmo imprevisível...

— É bom saber que eu o divirto... – disse Brooki aborrecida.

Uriel riu novamente e então puxou Brooki mais pra perto de si mesmo e beijou a bochecha dela. Brooki também riu.

Agora voavam com mais rapidez ainda, o que era perceptível no mar e nos lagos, pois por onde eles voavam, as ondas se erguiam mais e os grandes barcos se inclinavam profundamente na água, como cisnes a nadar.

Ao anoitecer, era divertido contemplar as grandes cidades, Brooki não teve sono. As luzes ardiam em baixo, aqui e ali, eram como quando se queima um pedaço de papel e se vêem inúmeras chispas. E Brooki aplaudiu contente em poder presenciar aquele magnífico espetáculo. Ela estava feliz também porque Uriel estava apresentando a ela um mundo que Brooki sabia que jamais poderia conhecer se não tivesse topado com ele em sua tentativa falha de suicídio.

- 99 -

E então ela se lembrou das palavras de Azazel, e isso fez com que Brooki sorrisse entristecida, pois em sua mente uma vozinha distante lhe dizia que Uriel iria matá-la em pouco tempo.

— Não vou te matar Brooki – disse Uriel aborrecido.

— Você consegue ler a minha mente? – Brooki perguntou assustada.

— Não, é que a sua aura estava alegre, e em pouco tempo ela se alterou para uma tonalidade pálida de morte. Eu não vou te matar... E mesmo que eu quisesse você tem um destino a ser cumprido, sendo assim, não posso tocar num único fio do seu cabelo antes que esse destino seja concluído.

— E quando essa minha missão chegar ao fim você vai me matar?

— Sinceramente Brooki... – disse Uriel. – Eu não sei...

- 100 -

– XIV –

―Vá para casa, quando o amanhã chegar Você vai rir e dizer, ‗Está tudo bem?‘ Chamando o meu nome Eu te abraço Fechando os meus olhos e lembrando De quando eu era jovem‖

— O que foi isso? – Uriel perguntou quando Brooki terminou de cantar.

— Estou escrevendo uma música… – Brooki explicou sem perceber que estava cantando alto o bastante para que Uriel pudesse ouvi-la.

— Cante para mim... – pediu Uriel. — Eu ainda não terminei de escrever… – Brooki

respondeu olhando a águia dos sombrios bosques, que voava com toda a sua velocidade, mas Uriel era ainda mais rápido.

Então Uriel virou mais ainda para o sul e logo sentiram um perfume de especiarias e flores exóticas, e Brooki pode ver os grandes tempos hindus ostentando

- 101 -

sua beleza contra os raios dourados do sol que iluminava delicadamente aquelas maravilhas que outrora representaram muito mais do que um tesouro nacional.

Figueiras e romãzeiras cresciam selvagens e a vide silvestre tinha cachos azuis e vermelhos. Uriel desceu ali, onde a relva era suave, onde o vento fazia as flores balançarem em uma saudação de boas vindas.

— Estamos no Jardim de Deus? – Brooki perguntou admiranda com a paisagem ao redor.

— Ainda não – respondeu Uriel calmamente. – Mas logo chegaremos lá. Vê aquela ladeira e a grande caverna onde as parras pendem como grandes cortinas verdes? Temos que passar por ali.

Os dois andaram até a entrada da caverna e então Uriel parou e retirou o casaco estendendo-o em seguida para Brooki.

— Que foi? – ela perguntou olhando o casaco e disfarçadamente espiando o peito nu e pálido de Uriel. Brooki piscou várias vezes para conseguir se lembrar do motivo para estar ali com aquele anjo que possuía um corpo escultural.

— Vista o casaco... – disse Uriel sorrindo para Brooki, o que fez com que ela questionasse se havia algo engraçado com ela para que toda vez que Uriel pusesse os olhos nela ele começasse a rir ou sorrir em todos os momentos em que ela falava ou fazia alguma coisa. – Aqui o sol esquenta, porém, quando você atravessar a entrada da caverna o frio será glacial. O pássaro que volteja a cova tem uma asa aqui fora no cálido verão e outra asa lá dentro, no frio inverno.

- 102 -

Indecisa, Brooki pegou o casaco e então olhou novamente para Uriel esperando talvez uma palavra de aprovação.

— Pode vestir Brooki – disse ele sorrindo. Brooki se perdeu em meio aquele sorriso, para ela o

sorriso de Uriel o tornava ainda mais celestial do que já o era.

— Mas... E você? – Brooki perguntou timidamente. – Não vai sentir frio…?

Uriel balançou a cabeça e depois revirou os olhos para Brooki, ela estava realmente preocupada com ele.

— Não se preocupe Brooki. – ele a tranqüilizou e então bateu com as duas mãos espalmadas sobre o peito exibindo um largo sorriso. – Sou bem resistente… Pode vestir o casaco sem temer nada… Vista rápido, o casaco ainda deve estar quente devido ao sol e ao calor do meu corpo.

Brooki sentiu o rosto enrubescer e então algo em sua mente fez com que ela pensasse nas palavras de Uriel.

— Não sinto seu calor… – disse ela. Uriel a observava com um olhar sério e então ele

deixou escapar uma sincera gargalhada. — Não vejo qual o motivo para tanta graça! –

Brooki exclamou emburrada. — Ora Brooki, você não percebeu ainda? – disse

Uriel ofegando de tanto rir. — Não! – ela exclamou. – Por que você não para de

rir e me conta a moral da piadinha, talvez eu possa te acompanhar fazendo um dueto de risadas... – Brooki

- 103 -

sentou no chão mordendo o canto dos lábios, ela abraçou os joelhos e enterrou o rosto nos braços.

Uriel se jogou de costas sobre a grama diante de Brooki. Ele tocou o braço dela com tanta delicadeza que Brooki sentiu o corpo ficar arrepiado sob os dedos do anjo.

— Brooki… – disse Uriel quase em um sussurro. Brooki levantou a cabeça e fitou os olhos azuis

intensos do anjo. — Você pode me perdoar? – a expressão no rosto

de Uriel era infantil, como se ele fosse uma criança de cinco anos que havia quebrado um copo e estava diante da mãe pedindo desculpas. Como negar aquele olhar?

— Tudo bem… – disse Brooki. Uriel se levantou rapidamente e sentou diante de

Brooki contemplando uma lágrima que escorreu dos olhos cor de mel. Uriel secou a lágrima no rosto de Brooki, ela não se conteve e o abraçou forte, enterrando a cabeça no peito de Uriel. O anjo retribuiu o abraço e esperou Brooki dizer alguma coisa.

— Estou preocupada com ele… – Brooki murmurou. – Foi só me conhecer e tudo isso aconteceu… Eu devo ser um desastre para mim mesma e para as pessoas ao meu redor...

— Tsc! Que nada... – disse Uriel despreocupado. – Não é bem assim, pelo que eu pude perceber, a humanidade está a salvo de você, parece que apenas nós anjos que corremos perigo ao seu lado.

Brooki fuzilou Uriel com o olhar. — Ora vamos Brooki, um pouco de bom humor

não faz mal a ninguém, não é verdade? E se um olhar

- 104 -

como esse seu pudesse me matar eu já estaria morto há muito tempo. Não fique triste só porque eu disse que você é um perigo para nós anjos, no fundo você sabe que é verdade, porém, sou obrigado a admitir que você não foi a única que mexeu com o coraçãozinho angelical do Azazel...

Brooki se ajeitou nos braços de Uriel de modo que ela pudesse olhar diretamente para os olhos do anjo.

— Antigamente era mais difícil manter qualquer tipo de segredo, mas eu me lembro como se estivesse acontecendo agora mesmo. Azazel havia se apaixonado por uma mortal, eu o preveni várias vezes a respeito desse tipo de relacionamento entre humanos e anjos, e para a infelicidade dele e da mulher, desta relação estava nascendo um fruto. Era profano, não devia acontecer algo como um filho de um anjo, o dilúvio aconteceu para acabar com esses seres híbridos. E então, justamente em Roma, uma freira que engravidou de um anjo.

―Quando os anjos descobriram sobre essa criança, Rafael ordenou que a mulher fosse executada como uma bruxa. Na praça da Basílica de São Pedro a inquisição armou uma fogueira e a freira foi queimada. Até hoje Azazel não sabe que a mulher estava grávida. Ele odeia a Igreja, pois acha que a mulher foi morta apenas porque estava tendo uma relação amorosa com ele. Muito deprimido, Azazel me fez três pedidos antes de descer às portas do abismo para montar guarda lá.

―Primeiro ele me pediu para manter em segurança o espírito da mulher que ele amava. Segundo ele me pediu para causar-lhe um ferimento tão grave que ele esquece que a mulher que ele amou um dia tivesse

- 105 -

existido. O terceiro pedido, eu sinto arrepios até hoje só de pensar naquilo que vi. Azazel pediu que eu fizesse com que ele sentisse a mesma dor que sua amada sentiu e que logo depois ele fosse atirado às portas do abismo pra poder montar guarda lá em baixo... Eu jamais vou esquecer os gritos de Azazel. Quando ele caiu diante dos portões do Abismo, quem o encontrou foi um dos arcanjos mais perigosos que eu conheço, seu nome é Lailah. Ela contou a Azazel tudo o que ele queria esquecer, porém, a história que Lailah contou a ele foi a versão que ela achava apropriada para que Azazel soubesse.

―Entenda Brooki, no fundo, Azazel não quer sofrer novamente, ele não quem sentir tudo o que ele sentiu da última vez, e se vocês ficarem juntos isso realmente vai acontecer, ele vai sofrer ao seu lado, a culpa disso tudo não é exatamente sua, é que não nascemos para sermos felizes ao lado de vocês mortais, isso é um fato. Mas ele é diferente ele continua tentando encontrar uma maneira de amar...‖

— Talvez seja porque existe tal maneira, apenas não foi descoberta ainda.

Uriel fitou Brooki, ele estava sem reação. Brooki sorriu e estendeu a mão para o anjo, que retribuiu o sorriso e apertou a mão de Brooki. Os dois se levantaram ao mesmo tempo.

Então, entraram na caverna. Ao colocar o pé dentro do lugar, Brooki sentiu que

sua alma havia congelado. A sensação térmica a sufocava junto com a escuridão do lugar, mas isso não durou muito, pois Uriel abriu um par de asas e estas

- 106 -

resplandeceram como a chama de uma vela em um quarto escuro, Brooki pode contemplar tudo o que a escuridão ocultava.

Brooki estava diante de grandiosos penhascos dos quais gotejavam água, pendurando-se neles nas formas mais fantásticas. Ora o caminho era tão estreito que os dois tinham de ir de gatinhas, ora era tão largo e alto quanto ao ar livre. Pareciam tumbas com tubos de órgãos mudos e estandartes petrificados.

— Tomamos o caminho da morte para alcançar o paraíso... – Brooki murmurou consigo mesma.

Uriel não respondeu, apenas fez um aceno para que Brooki o seguisse até onde a mais encantadora e cintilante luz azul faiscava aos seus olhos. Os blocos de rocha se foram, pouco a pouco, dissolvendo em névoa, até se tornarem, enfim, transparentes, quais nuvens brancas ao luar. Então se viram na mais deliciosa e suave atmosfera, fresca como a das montanhas, fragrante como a das rosas do vale.

Corria um rio, tão cristalino quanto o próprio ar, e os peixes pareciam de ouro e prata; as enguias de púrpura soltavam chispas azuis a cada movimento que faziam; e as grandes folhas dos nenúfares ofereciam as cores do arco-íris. A própria flor era uma chama ardente vermelho-amarelada, que a água alimentava, igual ao azeite que mantém constante a chama que arde. Uma sólida ponte de mármore, mas feita com tanta arte e finalmente esculpida como se fossem encaixes e conchas de cristal, levava, sobre o rio, à Ilha dos Bem-Aventurados, onde florescia o Jardim do Paraíso.

- 107 -

Uriel tomou Brooki nos braços e a levou à outra margem. Lá as folhas faziam coro ao assobio do vento, que as soprava com uma delicadeza tão infantil, que se assemelhava ao sopro de uma criança de colo.

As palmeiras mais pareciam plantas aquáticas gigantes. Árvores tão cheias de seiva e tão grandes, Brooki estava fascinada com tudo aquilo, pois nunca tinha presenciado nada tão maravilhoso. As mais fantásticas trepadeiras se penduravam em compridas grinaldas, como só se vêem representadas em cores e ouro nas margens de livros antigos ou enlaçadas a letras iniciais como iluminuras. Volta e meia Brooki esfregava os olhos acreditando estar sonhando com aquilo tudo.

- 108 -

– XV –

— Uriel meu irmão! – exclamou uma voz delicada e gentil. – O que faz em meus domínios?

Uriel se adiantou e abraçou o jovenzinho que não parecia ser mais velho que Brooki, na verdade, ele parecia ser dois anos mais novo.

Ele era tão transparente que parecia de vidro, seus cabelos loiros caíam em cachos sobre os ombros, de onde se projetavam lindas asas cintilantes, que também se assemelhavam ao vidro. Apesar de ostentar uma coroa de ouro no topo dos seus cachos, ele tinha um olhar humilde e não parecia se julgar melhor do que qualquer um. Os olhos eram azuis como os olhos de Uriel, mas havia apenas um traço de diferença, Uriel tinha olhos gelados, enquanto seu irmão tinha os olhos azuis como um dia claro de verão. Ele não parecia tocar o chão com seus pezinhos descalços e vestia uma túnica de uma cor que Brooki nunca havia visto em lugar algum.

Quando ele ficou diante dela, Brooki sentiu o cheiro de alecrim e hortelã.

— O que faz aqui? – ele perguntou novamente, seus lábios se moviam em uma lentidão incapaz de

- 109 -

acompanhar as rápidas palavras que ele dizia. – Ainda não se passaram mil dias desde a sua última visita… – ele fingia um tom de voz repreensivo ao falar com Uriel, mas suas feições o traíam completamente.

— Trouxe uma pessoa para conhecê-lo e também para conhecer a tua morada... – a voz de Uriel soou grosseira para Brooki e ela ficou irritada ao vê-lo falar daquela forma com o irmão, porém ela não disse nada, porém, em um canto da sua mente Brooki remoia o fato de que ela nunca pensou que ele pudesse ser diferente da pessoa doce que ela conhecia.

Os olhos redondos e curiosos de Vitalis encontraram a presença de Brooki, e ele se adiantou fazendo uma longa mesura, de modo que os seus belos cachos tocaram o chão.

— Não permito que a frieza de meu irmão se apodere do meu espírito... – disse Vitalis se aproximando de Brooki. – Eu sou o irmão mais velho de Uriel, me chamo Vitalis, e sou evidentemente, o anjo da vida.

Uriel bufou e revirou os olhos diante da apresentação do irmão.

— Meu nome é... Eu sou... — Brooki! – disse Uriel lembrando-a do próprio

nome. — Isso! – disse ela. – Meu nome é Brooki... Vitalis fitou Uriel demoradamente e então abriu

um largo sorriso e estreitou os olhos para ele. — Não me diga... E... Acaso você não seria uma

garota londrina, seria?

- 110 -

— S-sim... mas como você sabe? – Brooki olhava de Uriel para Vitalis.

— Eu sou o anjo da vida menina, fico diante de berços de recém-nascidos por alguns momentos da vida dos pequeninos... E me lembro de você, você tinha muita força nas suas mãozinhas. Mas deixa isso pra lá, não é hora de falar coisas do tipo...

Vitalis sorriu de modo zombeteiro e pegou a mão de Brooki e começou a correr pelo esplendoroso Jardim que ele habitava. Brooki deixou que Vitalis a conduzisse, pois como ele parecia tão frágil, ela ficou com medo de machucá-lo de alguma forma. Vitalis levou Brooki até um barco em uma linda praia, e ali ambos esperaram por Uriel, quando ele os alcançou Vitalis tocou a superfície do oceano que estava parecia ser um espelho gigantesco de tão plano que ele estava. O barco pôs-se em movimento.

Lentamente o barco rumou até umas formações rochosas que existiam perto da praia, e lá havia um túnel, onde o barco entrou sem que ninguém estivesse remando até lá. Brooki observava tudo fascinada, enquanto Vitalis segurava uma margarida diante dos olhos e volta e meia fitava Brooki para ver a reação dela. Uriel, atrás de Brooki estava entediado, pois ele mesmo havia feito aquele passeio milhares de vezes, mas ele sabia aonde Vitalis queria chegar, mas também queria saber se Brooki conseguiria resistir àquela provação. Era um testa tanto para o seu irmão quanto para Brooki, e ele estava particularmente interessado no resultado desse teste.

- 111 -

O túnel era muito bem iluminado por janelas que havia em suas paredes, as janelas eram decoradas com belíssimos mosaicos com imagens maravilhosas. As paredes da caverna tinham um tom anil que encantou profundamente os olhos de Brooki.

O barco chegou perto o suficiente de um vitral e Brooki pode ver o sonho de Jacó, onde uma escada de ouro descia do céu e milhares de anjos desciam e subiam por ela. Em outro vitral Brooki pode ver um exército marchar para a guerra, algumas pessoas nesse exército carregavam uma linda arca de ouro com dois anjos um em cada lado da tampa. E quando o barco se aproximou do terceiro vitral, Brooki ficou aterrorizada com o que viu, a aniquilação era completamente silenciosa, e mesmo assim era horrível de presenciar. A luz era pálida, mas o cogumelo atômico era cinza chumbo, e a destruição era negra. Brooki se assustou e quase caiu do barco, mas Uriel a segurou.

— Se acalme... – disse Vitalis. – Nada disso é real, bom, foi real na época em que aconteceu, mas agora não passa de uma simples pintura criada pelo Tempo, o maior...

— Artista criado por Deus... – disse Uriel imitando o tom de voz de Vitalis. – Francamente Vitalis, pare de tentar parecer inteligente, ela é só uma visitante... – Uriel esbravejou.

Vitalis o fitou com uma expressão de desagrado. O pequeno anjo ficou em silêncio por um tempo,

afogado em seus próprios pensamentos, o barco continuou até alcançar uma parte do túnel que era um gigantesco círculo, e Brooki sentiu como se estivesse

- 112 -

dentro de uma catedral, o barco encostou delicadamente em um disco de mármore que flutuava sobre a água, no centro desse disco havia uma árvore com galhos pendentes e luxuriantes. Maçãs de ouro de todos os tamanhos caíam como laranjas por entre as folhas verdes. Era a árvore da Ciência do Bem e do Mal, cujo fruto A dão e Eva havia comido. Da árvore tombava uma gota de orvalho tão rubra e brilhante, que parecia que a árvore chorava lágrimas de sangue.

— Há outro barco na outra margem... – disse Vitalis. – Se quiser, pode tomá-lo junto comigo e eu lhe mostrarei tudo o que é mais belo no mundo. O barco desliza, Brooki, embora ele não saia do lugar, todos os países passarão sob os seus olhos.

Brooki acompanhou Vitalis e ficou maravilhada em ver como eles logo se afastaram do litoral, ela viu completamente deslumbrada os Alpes altos, cobertos de neve, com as suas nuvens e os seus negros abetos; a trompa soava, profundamente melancólica, e os pastores de ovelhas lançavam seus lindos gritos no vale. Em seguida, as bananeiras curvaram os seus longos galhos pendentes sobre o barco, os cisnes negros nadavam nos rios e os mais estranhos animais e as mais estranhas flores se mostravam na ilha de Madagascar. Então veio a belíssima Austrália, que passava mostrando as suas montanhas azuis. As pirâmides do Egito, que tocavam as nuvens com as colunas e as esfinges derrubadas, fincadas pela metade na areia. As auroras boreais chamuscavam o céu acima das geleiras do Norte, era um fogo de artifício que ninguém poderia imitar. Brooki estava embevecida com aquilo tudo.

- 113 -

— E eu poderia ficar aqui para sempre? – disse Brooki deslumbrada com tudo o que Vitalis lhe mostrava.

Uriel deixou escapar um gemido alto, mas Brooki não ouviu, pois, mesmo que o barco ainda estivesse ao lado dele na margem do disco de mármore, para ela, ele estava a quilômetros de distância. Os olhos de Vitalis se tornaram tão negros quanto as profundezas de um lago congelado, e ele a observava como se fosse tragá-la em um turbilhão.

— Se você desejar ficar... – Vitalis sibilou. Brooki se ergueu feliz. — Então eu fico! Vitalis sorriu de forma maligna seus olhos

faiscavam de crueldade. — Não! – exclamou Uriel, ele passou o braço em

torno da cintura de Brooki e a puxou para fora do barco. – Ela não quer ficar aqui!

Uriel abriu as asas e carregou Brooki até o litoral na Ilha dos Bem-Aventurados.

— Me desculpe Brooki... – disse Uriel afastando os cabelos dela de modo que pudesse olhar nos olhos da mortal em sua frente. Brooki estava um pouco atordoada com tudo o que havia acontecido. – Eu não deveria ter trazido você... Azazel no fim das contas tinha razão, ele sempre tem razão quando se trata de quem ele preza...

— O... O que aconteceu... Comigo? – Brooki perguntou estarrecida.

Uriel riu e encostou a testa na testa de Brooki. — Nada que não possa ser reparado... – disse ele. — Hã? – Brooki o fitou sem entender.

- 114 -

— Você só ficou um pouco deslumbrada com o que a vida te mostrou, mas esqueceu que a vida pode ser cruel se você não se cuidar, e meu irmão é um mestre nesse assunto.

— Peço que você perdoe esse mero brincalhão... – disse Vitalis se aproximando da ilha. – Faz algum tempo que não vejo mortais, e vocês... Perdoe-me Brooki, mas são seres muito divertidos... Sabe... Você é tão bela, que se você desejasse, eu te tornaria a deusa desse mundo, de todos os mundos que você desejasse...

Brooki estava sendo iludida novamente, ela estendeu a mão para alcançar Vitalis, porque ela queria sim, ser venerada, ela queria ser desejada, queria ser amada. Brooki queria ver o olhar de arrependimento no rosto de Michel, por ter sido tão canalha, Colin pediria perdão por ter sido um idiota, e ele a amaria também, mas de todos, Brooki desejava que o anjo ao seu lado a amasse, a idolatrasse, ela desejava que ele a quisesse para todo o sempre. Brooki desejava o amor de Azazel e de Vitalis também, mas o amor de apenas três anjos não satisfaria o seu desejo, ela queria que todos a amassem, que eles a quisessem, que a desejassem da mesma forma como ela os desejava.

Brooki deu um passo na direção do anjo da vida, mas Uriel a segurou.

— Vitalis, pare já com isso! – ordenou Uriel. Vitalis voltou ao normal, seu olhar era de

arrependimento. Ele saiu de perto de Brooki e voou de volta para a caverna.

- 115 -

— Brooki vá para o Jardim – disse Uriel. – Por favor, vá para lá e me espere do outro lado da ponte de mármore, eu volto em cinco minutos.

Brooki assentiu e se foi ainda atordoada. Uriel voou para a caverna onde Vitalis entrou e o

encontrou deitado encolhido sob as folhas da árvore da Ciência do Bem e do Mal. Suas asas estavam abaixadas e se ele não conhecesse o irmão, diria que não eram asas, mas sim tiras de pano caídas sobre o seu corpo translúcido. Vitalis chorava envergonhado.

Uriel se ajoelhou ao lado do irmão e Vitalis o abraçou num impulso. Ao encontrar alento no abraço do irmão, Vitalis chorou ainda mais.

— Perdoe-me irmão... – disse Vitalis soluçando. – Você me faz uma visita e veja só, eu estrago tudo.

— Não se preocupe Vitalis... – disse Uriel condescendente. – Você não é o único...

Vitalis olhou para Uriel, mas não encontrou os olhos do irmão, Uriel admirava um doa vitrais que mostrava a criação do mundo.

— Azazel também não conseguiu se segurar... – explicou Uriel. – Ele a beijou.

Vitalis se ergueu enfurecido e caminhou até a borda do disco de mármore, onde havia uma das maçãs de ouro que caiu da árvore. Vitalis pegou a fruta aos seus pés e brincou com ela por alguns segundos, e quando se cansou, ele a ergueu na direção de um dos fachos de luz que penetrava a caverna, sua expressão era muito séria e fria. Vitalis grunhiu enraivecido e esmagou a fruta, em seguida jogou os restos da fruta na água.

- 116 -

— COMO VOCÊ CONSEGUE?! – Vitalis berrou ficando diante de Uriel. – Não é justo que apenas você, apenas um anjo, assim como eu, possa resistir aos tormentos que aquela mortal nos causa! O que Ele quer mostrar com isso? Que a Morte não sente droga nenhuma? Bastou que os seus cabelos se tornassem prata e que você deixasse de se lamentar por sua última musa mortal que Ele te torna invulnerável a ela? Ele quer conseguir provar o que com isso? Que você é incapaz de amar ou de odiar? Que é melhor do que nós? RESPONDA URIEL, NÃO SE ATREVA A FICAR CALADO!

Uriel limitou-se a deitar e cruzar os braços sobre o peito.

— Eu não sei Vitalis... – Uriel respondeu sorrindo. – Sabia que no começo de tudo, quando fui designado para ser o Anjo da Morte, eu achei que era a coisa mais importante de todo o mundo, para mim, eu seria mais importante do que a própria Vida, pois eu colocaria um fim em tudo e em todos. Eu seria o encarregado do equilíbrio. Eu percebi que era um grande cargo de uma incomensurável importância na abóbada celeste. Mas depois de tudo o que eu vi... Percebi que os mortais não merecem mais problemas, eles já fazem isso por si só, e são muito bons nisso. Eu não tive coragem de criar mais uma provação para essas pobres criaturas. Em todos os séculos e milênios que compõem a minha eternidade, eu nunca vi os mortais tão separados quanto estão atualmente, por isso tento não me envolver... Foi uma regra auto-imposta...

- 117 -

— Que diabos de regra auto-imposta Uriel?! Não me venha com gracinhas, há algum tempo atrás você queria deixar de ser A Morte, queria passar a vida ao lado de...

— Eu decidi viver sob essa regra, pois não queria mais sofrimento no mundo. A regra é bem simples...

— Uriel você está me interrompendo e eu odeio... — Quando você vai fazer algo realmente

importante, deve colocar contra si uma condição muito desfavorável, como penalidade caso você fracasse. Veja o meu caso, por exemplo, o que faço de importante? Sou aquele que ceifa todas as vidas do planeta. E qual é o maior risco? Que eu me envolva com algum mortal. Qual a minha penalidade?

Uriel ficou em silêncio esperando que Vitalis lhe perguntasse o que não demorou muito para acontecer.

— Eu... Não sei... Diga-me, qual a penalidade que você auto-impôs...?

Uriel revirou os olhos e sorriu meio torto. — A sensação de morrer é aterrorizante demais

Vitalis, até para mim mesmo, que convivo com esse fato diariamente. Por isso faço tudo o que posso para resistir...

Uriel se levantou e rodeou a árvore até encontrar uma boa maçã.

— Como pode ser tão egoísta? – gritou Vitalis. – Então você decidiu que se falhar você vai morrer? Como você pode colocar o destino do mundo na mesma balança que a sua força de vontade?

Uriel deu de ombros. — Posso? – disse ele indicando a maçã.

- 118 -

— Faça o que quiser... Apenas não me perturbe... Preciso... pensar por um tempo...

— Quanto tempo...? – Uriel se virou ficando de frente para o irmão.

— Mil dias... não é esse o tempo...? Vitalis se jogou contra a superfície da água

cristalina. Uriel sorriu e apanhou a maçã e voltou para perto de Brooki. Ela estava mais consciente e se sentia um pouco envergonhada pelos pensamentos que teve em relação a Uriel.

— Relaxa... – disse Uriel sorrindo delicadamente. Brooki assentiu, e então Uriel a abraçou contra seu

corpo, e beijou o topo da sua cabeça. Brooki devolveu o casaco para Uriel, e ele guardou a maçã dourada.

Uriel abraçou Brooki novamente e fez com que ela dormisse, dessa forma, ele poderia voar com toda a velocidade que era capaz e chegaria ao Bosque de Ciprestes antes da noite começar.

— Você é mesmo um perigo para os seres da abóboda que estiverem próximos a você... – Uriel murmurou no ouvido de Brooki, agradecendo por ela estar dormindo e não poder responder. Talvez ele tivesse esperado por esse momento para fazer seu comentário.

- 119 -

– Estágio Quatro – O beijo da Morte

- 120 -

– XVI –

— Adivinhem! – disse Colin ao lado de Rachel, sem esperar resposta, Colin foi logo dizendo. – Vamos perder mais dois ―coleguinhas de classe‖…

— Sabe quem são? – disse Brooki. — Claro que ele sabe… – disse Azazel no ouvido de

Brooki, seu braço envolvia o ombro dela, o que fazia com que Brooki caminhasse quase arrastada por ele.

— Claro que eu sei! – Colin respondeu cheio de si. Brooki fitou Azazel com os olhos cerrados, e ele

limitou-se apenas a sorrir. Brooki revirou os olhos e Azazel riu baixinho. — O Henry e a Karin... – Colin prosseguiu

sorrindo abertamente, estava claro para Brooki que as duas pessoas que iriam sair eram dois desafetos, da parte de Colin, e por isso ele estava feliz. – Ele chega hoje... A propósito, Brooki, onde esteve e o que fez nos últimos dois dias?

Brooki se lembrou do tempo que passou com Uriel e então percebeu um fato importante: Ela fugiu da escola e Azazel correu atrás dela e ambos se encontraram com Uriel, juntos foram para a casa do Anjo da Morte, e esse

- 121 -

foi o primeiro dia do seu desaparecimento, no segundo dia ela estava no Jardim do Paraíso.

— Ela precisou viajar Colin... – disse Azazel em um tom enigmático. – Eu já te disse isso.

— É... – disse Colin desconfiado. – Pois é Broo... Eu sou o novo editor chefe do jornal da escola e...

— Não Colin! – mais uma vez Azazel o interrompeu. Brooki o fitou surpresa, pois nunca passou por sua cabeça que Azazel pudesse ficar tão irritado daquele jeito. Azazel percebeu o olhar interrogativo de Brooki e então explicou. – O Colin quer que o assunto da primeira matéria de estreia dele no jornal, seja suicídio, e adivinha quem será a pessoa entrevistada?

— Olha Broo... – Colin falava de forma branda. – É só uma ideia, não é nada definitivo ainda, e se você não estiver a fim de fazer tá tudo tranquilo, eu tenho outras pessoas com quem falar, só pensei em você porque achei que você queria passar adiante algo sobre sua experiência, sabe, algo como ―Não façam isso em casa‖ ou então ―As pessoas deveriam ter mais amor a vida‖, entende?

— Tudo bem... – disse Brooki sentindo o braço de Azazel relaxar e pouco a pouco escorregar do seu ombro, à medida que andava, ele foi se afastando alguns centímetros dela, de modo que ficasse ao seu lado, porém, sem nenhum contato físico. Brooki fitou Azazel e encontrou um conhecido par de olhos tristonhos. – Que foi Azazel? – disse ela.

— Nada, apenas esqueci-me de pegar um livro no armário... – respondeu Azazel tentando sorrir. – Vai indo na frente que logo eu te alcanço.

- 122 -

Brooki sentiu como se estivesse sozinha em um longo corredor frio, ele não estava mais ao lado dela, não como costumava ser. Quando Brooki evocava aquelas lembranças tristes sobre sua vida, Azazel ficava triste, era como se a tristeza que deveria haver nela fosse tragada por Azazel.

Brooki foi para a sala junto com Rachel e Colin, que falava sobre seus projetos futuros para o jornal.

— Você não pode protegê-la desse tipo de coisa... – disse Uriel se aproximando lentamente, o corredor estava vazio agora e apenas os dois anjos estavam ali, um par de olhos preso ao outro.

— Vá para a sala Uriel... – Azazel respondeu retirando o livro de Química 1 de dentro da sua mochila.

Quando entrou na sala, Azazel se deparou com um aluno novo. Ele parecia muito com um anjo, mas sua aura era mais pesada, como um mortal, o que excluiu todas as dúvidas de Azazel, e veio a certeza de que o rapaz era mesmo muito bonito, mas era apenas humano, e a sua preocupação desapareceu rapidamente, pois por um mero segundo ele pensou que Lailah havia mandado algum anjo para ficar na cola de Brooki. Esse rapaz novo tinha olhos negros bem redondos, os cabelos eram castanhos claros e rebeldes, sua boca parecia pertencer a algum quadro de um pintor renascentista, ele tinha quase a mesma altura de Azazel, mas tinha um porte físico diferente do anjo, o novato parecia um bad boy, traído pela expressão infantil e também pelo modo comportado como estava vestido. Em pouco tempo ele havia se tornado o mortal mais popular da escola, seu nome era Alexandre Carloz Gonzafa Miguel Fernandez

- 123 -

de Albuquerque, ou simplesmente atendia pelo apelido, Xander.

Ele estava parado ao lado da mesa dupla de Brooki, à exceção de Rachel, Anne e a própria Brooki, que estava mais preocupada em encontrar a matéria de Química em seu fichário, todos os outros alunos estavam olhando para o recém-chegado.

— Posso me sentar? – disse Alexandre. Brooki ficou em silêncio, concentrada em sua

busca. Ele pigarreou. — Com licença... Eu posso me sentar? – Alexandre

repetiu a pergunta, agora com o tom de voz um pouco mais alto.

Novamente Brooki o ignorou e ele deixou escapar outro pigarro e antes que pudesse falar alguma coisa, Brooki o fez.

— Você quer uma pastilha? São ótimas para esses pigarros incômodos! – disse ela rispidamente para Alexandre.

Brooki respirou fundo e então ela fitou Alexandre, Azazel percebeu que ela fitava o rapaz como se ele fosse o objeto ao qual ela destinava todo o seu ódio.

— Olha, eu sinto muito... – disse Brooki abrindo um enorme sorriso ao ver Azazel, e logo sua expressão de felicidade se tornou indiferença quando ela voltou a olhar para o novato. – Você não pode se sentar aqui ao meu lado, porque esse lugar está ocupado...

Alexandre olhou para ambos os lados e voltou a fitar Brooki.

- 124 -

— Não vejo seu parceiro em lugar nenhum... – disse ele em um tom de voz sarcástico.

— Ele acabou de chegar... – disse Azazel que lentamente foi se aproximando de Brooki.

O novato se virou e se deparou com Azazel. O anjo sentou ao lado de Brooki e Alexandre

sentou três mesas atrás, em um lugar vago. A professora de química era uma mulher de meia idade com cabelos crespos da cor do metal envelhecido, os olhos por trás dos óculos fundo de garrafa, eram negros como as armações dos óculos.

Enquanto a professora explicava apaixonadamente alguns processos químicos, Azazel se virou para Brooki, que copiava as anotações que a professora deixava no quadro branco.

— O que foi aquela divertida demonstração de grosseria? – Azazel perguntou sorrindo.

— Eu detesto esse tipo de gente! – Brooki respondeu sem torar os olhos das anotações que ela fazia.

— Que tipo de gente? – perguntou Azazel ainda mais interessado.

— O tipo dele, entendeu? – disse Brooki aborrecida. – O cara mais lindo da escola. Começa com o padrão de beleza, depois começam as brincadeiras mais ridículas e se transforma no maioral, depois os esportes, e o cara se torna o capitão do time da escola, começa a tirar sarro com a cara dos nerds, namora as lideres de torcida e parte o coração das garotas normais. É sempre assim, era desse jeito ano passado em Londres, e agora que eu me livrei disso chega o Michel...

- 125 -

— O nome dele é Alexandre... – disse Azazel percebendo aonde Brooki queria chegar. – Escuta Brooki, você pode ter tido a pior das experiências amorosas da sua vida, mas não pode generalizar...

Azazel ficou em silêncio quando a professora deu um pigarro alto, ela estava parada na frente da mesa deles com os braços cruzados e a expressão séria.

— Talvez o sr. Heavenly possa nos dizer do que se trata o esquema que acabei de retratar no quadro – disse ela com uma expressão aborrecida.

Azazel olhou de soslaio para o quadro branco, havia o desenho de um quadrado partido igualmente em três retângulos, por duas linhas verticais, o primeiro retângulo estava colorido de preto, o segundo parecia uma escada, pois havia linhas na horizontal dispostas dentro dele, e o terceiro retângulo foi colorido de vermelho. Havia setas azuis que entravam e saíam do desenho, além do quadrado, logo ao lado dele havia o desenho de um círculo com algumas linhas partindo do centro em direção à borda do círculo, e ao lado deste, havia uma legenda que especificava o que era o círculo. Azazel leu calmamente ―Motor de Acionamento Elétrico‖.

Azazel tornou a olhar para a professora que o encarava ansiosa para Azazel dar a ela uma resposta negativa, afinal, não havia alunos repetentes na turma e ela começaria a explicar o esquema naquela aula.

— Sim, eu posso... – Azazel respondeu sorrindo presunçoso.

- 126 -

— Então, por favor, vá até a frente da classe e dê uma explicação para a turma, vou ficar no seu lugar, e quando o senhor terminar, por favor, me avise.

— Certamente – Azazel respondeu ainda sorrindo. Azazel se ergueu e caminhou até o quadro branco,

todos o observavam ávidos por ao menos um pequeno erro, à exceção de Brooki, que o fitava tentando não rir, pois ela sabia que ele não cometeria erro nenhum.

Após um pigarro, Azazel sorriu para a turma e assumiu uma expressão séria.

O sinal soou pontual informando o término da

aula. A professora saiu da sala apressada e com uma

expressão de fúria, enquanto dentro da sala todos parabenizavam Azazel.

Brooki estava ao lado do anjo quando Alexander se aproximou dela e sussurrou em seu ouvido:

— Agora entendo o porquê de você não querer que eu ficasse do seu lado na aula. Ele é bem mais inteligente e com ele as suas chances de passar de ano são muito maiores.

Brooki o fitou furiosa. Azazel percebeu a mudança na aura dela e então ele segurou firme a sua mão e a levou até seu peito.

— Esquece Brooki – disse Azazel. – Releve não se estresse por causa disso.

Brooki sorriu e assentiu, mas Azazel sabia que ela não estava bem.

- 127 -

– XVII –

Brooki caminhou até o banheiro durante o intervalo entre as aulas.

— Como alguém pode ser tão irritante?! – disse Brooki consigo mesma, o seu reflexo a observava com o mesmo olhar de raiva que havia em seus olhos.

Ao se certificar de que estava só, Brooki chamou por Alira. Após voltar do Jardim do Paraíso, Alira disse a Brooki que ela poderia chamá-la em qualquer lugar sob qualquer circunstância para o que quer que fosse, pois Brooki ainda estava atordoada pelo encontro com o anjo da vida, por isso, no dia anterior Alira lhe dissera que, no momento em que Brooki acreditasse ser necessário, ela poderia chamá-la, e Alira apareceria.

E foi o que Brooki fez. — Alira, eu preciso de você... – disse Brooki quase

em um sussurro. A porta do banheiro se abriu e Alira entrou. — Olá Brooki… – disse Alira abraçando a amiga.

Brooki ficava espantada com a velocidade com que Alira se afeiçoara a ela. – Como posso ajudá-la?

- 128 -

Brooki contou tudo o que havia ocorrido na aula de química, contou também sobre Alexander e sobre a maneira como ele havia conseguido tirá-la do sério.

— Homens são realmente uma coisa... – Alira murmurou, e então fitou Brooki e continuou a falar. – Mas algo me diz que não é por isso que você me chamou aqui.

Brooki respirou fundo e então fitou Alira com total segurança do pedido que estava prestes a fazer.

— Alira, eu quero que você me diga como Alexander vai morrer...

Alira ficou em silêncio enquanto refletia sobre o pedido de Brooki.

— Olha Brooki, eu acho que nem Uriel e nem Azazel lhe explicaram, mas as minhas visões revelam exatamente como ocorrerá a morte, mas a pessoa que vai morrer não pode saber como vai acontecer. Esse é como um segredo da morte, você entende?

— Eu sei guardar segredo... – disse Brooki, mas Alira a interrompeu.

— O caso não é se você sabe ou não guardar segredos, eu não posso revelar isso para você, entenda Brooki, se a pessoa descobre como vai morrer ela pode evitar que aconteça, e isso altera o curso todo do destino, isso é algo que tenho medo até de pensar…

— Alira, por favor… Eu preciso saber... – Brooki insistiu em um tom de voz manhoso.

— Brooki, ele não pode saber disso de maneira nenhuma, você entende?

— Sim, entendo... – Brooki respondeu.

- 129 -

— Brooki, jure pelas asas de Azazel que Alexander nunca vai descobrir isso!

— Eu juro Alira – disse Brooki – pelas asas de Azazel, que Alexander não vai descobrir.

— Muito bem então Brooki, já que você está tão certa disso... – disse Alira fechando os olhos.

Alira não demorou muito tempo para tornar a abrir os olhos, Brooki fitava Alira sem tentar disfarçar a curiosidade.

— Alexander vai ser assassinado, alguém irá enforcá-lo com o fio de um telefone.

Brooki fitou Alira, ela estava petrificada com a notícia. Alira fez um breve aceno com a cabeça e então deixou Brooki sozinha com os próprios pensamentos.

- 130 -

– XVIII –

Diversas cores dominavam a tela outrora branca.

Após a visita feita ao Jardim do Paraíso, Brooki procurou pintar tudo o que viu na curta viagem que fez com Uriel. A caverna de Vitalis ganhou destaque na parede do La Madre. Agora em seu novo atelier, Brooki tinha maior privacidade para pintar aquilo que ela quisesse, e Uriel era um dos seus modelos favoritos, outro dos modelos favoritos de Brooki era Vitalis, mesmo ele não estando ali diante dela, o anjo da vida representava para Brooki uma vitória sobre os desejos mais íntimos que um dia ameaçaram tomar conta de quem ela era realmente.

— Que droga! – Brooki exclamou ao perceber que a tinta azul havia acabado.

Ela limpou os pincéis, fechou o atelier e foi até a loja de tintas, uma ação quase normal do seu dia a dia, a exceção do fato de que ela não esperava encontrar um colega de classe.

— Olá Brooki, como posso ajudá-la? – Alexander perguntou fitando-a do outro lado do balcão.

- 131 -

Brooki caminhou até a prateleira de tintas para telas e pegou a cor que precisava, em seguida ainda em silêncio se dirigiu até o caixa e colocou a tinta em cima do balcão.

— Tenho uma lista de coisas que você pode fazer para me ajudar, – disse Brooki em um tom de voz ríspido – mas a primeira coisa é bem simples, você pode começar fingindo que não me conhece...

— Puxa vida Brooki, eu te incomodo tanto assim? – Alexander perguntou tentando identificar os pensamentos da garota, que o observava indiferente. – Que foi que eu fiz pra você menina?

Brooki respirou fundo tentando puxar tudo o que ocorreu em sua vida desde o momento em que conhecer Alexander, não era muita coisa, pois ela o ignorava em quase 98,8% das vezes que ele tentava falar com ela, e quando ela parava para ouvir o que ele tinha a dizer era como se ele estivesse falando com uma parede.

— Você é muito intrometido, é arrogante, metido, finge de durão, mas aposto que deve ser um daqueles bundões que o papai tem dinheiro e dá tudo o que o filhinho pedir, você é popular, e somando isso a sua beleza você tem todas as garotas aos seus pés...

— Nem todas – disse Alexander sorrindo e piscando um olho para Brooki.

— Tem razão – disse Brooki rispidamente. – As garotas que estão aos seus pés são apenas as desmioladas... E é preciso muito mais do que um sorrisinho besta e uma piscada de olho para me conquistar.

- 132 -

Brooki ficou séria e voltou para seu atelier, e para sua surpresa, Uriel estava lá, a sua espera.

— Que surpresa vê-lo fora do expediente... – disse Brooki abraçando o anjo. – Você só aparece quando eu imploro.

— Que exagero Brooki... – ele murmurou. — Fui até a morada do seu irmão há duas semanas,

desde então você só apareceu aqui umas três vezes, sendo que só entrou uma vez, e mesmo assim eu tive que empurrar você pra dentro.

Uriel riu do comentário e colocou a mochila sobre um dos bancos mais próximos a ele.

— Estava pensando Brooki... – disse Uriel timidamente, o que pareceu tão inacreditável que fez com que Brooki prestasse ainda mais atenção naquilo que ele iria dizer. – Gostaria que você pintasse um quadro meu... Mas esse quadro tem que ser diferente de tudo o que você já pintou, ele tem que ser único. Só você pode pintar esse quadro Brooki, porque você é a única mortal que pode ver a forma verdadeira que nós anjos assumimos, entende?

Brooki assentiu e rapidamente posicionou a tela sobre o cavalete, mas Uriel a impediu.

— Aqui não... – disse ele. – Vamos pra casa. Novamente Brooki assentiu, mas quando se

preparou para levar o material que ela precisaria usar para pintar o retrato de Uriel, ele a impediu novamente.

— Não quero esse quadro urgentemente, temos muito tempo ainda Brooki. Além do mais, Alira já preparou tudo. Você precisa apenas estar lá e pintar o quadro... Podemos?

- 133 -

— Claro... – Brooki respondeu. Uriel fechou o atelier e se virou para Brooki, ela

tinha um estranho sorriso de satisfação nos lábios. Estava feliz, com certeza.

— Que foi? – Uriel perguntou sorrindo também. — Nada... – Brooki respondeu, seus olhos estavam

marejados. – É só... felicidade mesmo... Uriel riu baixinho e a abraçou com delicadeza. — Não fica assim sua boba... – disse ele andando ao

lado de Brooki. – Não precisa chorar. Brooki e Uriel andaram de mãos dadas até o saguão

de entrada do prédio em que moravam. O porteiro fitou Uriel com um olhar assassino, mas Uriel o ignorou completamente. De repente a temperatura do saguão caiu tanto que Brooki conseguia ver seu hálito se tornar fumaça quando falava. O porteiro rapidamente foi pegar um casaco.

— Você não devia fazer isso! – disse Brooki com um olhar recriminador.

Uriel apenas riu, o elevador chegou ao térreo e ambos entraram, no mesmo instante em que o porteiro voltava para o saguão vestindo uma grossa blusa de lã, seus olhos ficaram arregalados quando ele viu Uriel beijar o rosto de Brooki.

— Por que você me beija o tempo todo? – Brooki perguntou agora rindo do modo como Uriel a olhava após aquela pergunta.

— Gosto de sentir o calor do corpo dos mortais... Como não posso fazer isso com mais ninguém, só me resta você... – disse ele rindo.

- 134 -

— Já que para você resta apenas a mim para você fazer essas coisas, porque não extravasa de uma vez? Por que não me dá logo um beijo na boca e acaba com todo esse martírio? – disse Brooki aborrecida.

Uriel ficou em silêncio olhando o próprio reflexo na porta do elevador, Brooki bufou e sentou no chão, pelo reflexo dela Uriel a viu abraçar as próprias pernas e esconder o rosto atrás dos joelhos.

Ela estava chorando. — Que foi dessa vez Brooki? Por que está

chorando? — Eu causo tamanha repulsa em você? — Ora Brooki... Não é nada disso… — Então do que você tem medo? – ela perguntou

de repente. Uriel a fitou espantado. — Como... eu... eu acho... acho que não entendi... a

sua perg... — Entendeu sim Uriel! – Brooki exclamou em um

tom de voz firme. – Do que você tem medo? – ela repetiu a pergunta.

Uriel fitou os olhos cor de mel de Brooki durante um longo tempo, e ele procurava ali a antiga adolescente cabeça dura, mas ele não a encontrou. Quem agora habitava os olhos de Brooki era uma mulher, e não era mais dependente ou carente, mas sim forte e decidida, que tinha plena certeza do caminho que estava disposta a seguir.

— Tenho medo de gostar... – confessou Uriel. Brooki o observava com muita seriedade. — O que eu veria se te beijasse?

- 135 -

Uriel olhou de soslaio para Brooki, e então sentou ao lado dela, Brooki estava ansiosa por uma resposta.

— Você vai ver aquilo que apenas eu deveria ver... – sentenciou Uriel.

— Mas... — Chegamos! – ele exclamou estendendo a mão

para Brooki se levantar. Uriel parecia mais feliz do que há poucos segundos

atrás. — Esse não é o seu andar – disse Brooki. — Tem razão, esse não é o meu andar, mas você

tem muita lição de casa para fazer... — É verdade eu tenho mesmo... Mas espera aí,

como você sabe disso? — Azazel me falou, e eu também não posso me dar

ao luxo de deixar as minhas lições incompletas... — O que? – Brooki abriu a porta do apartamento e

viu uma bolsa sobre o sofá. Sua mãe estava em casa. – Droga...

Uriel entendeu a expressão de Brooki. — Não se preocupe – disse Uriel. – Vamos... — O que? Não! Espere... — Brooki… – ele estava tão tranqüilo, tão sereno,

que era quase impossível perder a calma ao seu lado. – Relaxa ok?

— Não, você não entende, meus pais têm uma péssima idéia ao seu respeito e...

— Eu entendo, vamos…? Uriel pegou a mão de Brooki e a apertou

gentilmente. Não tinha como não gostar de Uriel, ele era sempre um cavalheiro, sempre atencioso, gentil,

- 136 -

bondoso, justo, em fim, o excesso de beleza era relativo ao número de qualidades que ele tinha, mas, só havia um pequeno problema, seus olhos gelados o traíam; aquele par de olhos fragmentava toda a aparência angelical dele e o tornava – à primeira vista – a última pessoa da face da terra que poderia ter todas as qualidades que ele tinha, e isso não era muito favorável em relação aos pais de Brooki, pois se por alguma razão eles julgassem que Uriel não era bom o suficiente para eles, ele também não seria bom para Brooki.

Evelyn estava na cozinha.

- 137 -

– XIX –

Brooki estava pasma, com apenas um punhado de palavras, Uriel conseguira derrubar o muro que Evelyn construíra para repeli-lo da sua mente, já que o primeiro aviso que ela recebera dos vizinhos foi pra tomar cuidado com o rapaz que morava no quinto andar. Os vizinhos não conseguiam encontrar nenhum argumento realmente forte contra Uriel, a não ser o fato de que ele sempre saía depois da meia noite e retornava um pouco antes do sol nascer.

Uriel nem se esforçou, na verdade, ele precisou apenas ser lisonjeiro.

— Olá sra. Hudson, perdoe-me se eu estiver sendo muito petulante, mas me atrevo a dizer que a senhorita não parece em nada como mãe, principalmente com uma filha de dezesseis anos; não, aos meus olhos o seu parentesco com Brooki não é mais distante do que no máximo irmãs, devo acrescentar que parecem gêmeas.

―Cara de pau!‖, Brooki pensou após conseguir digerir tudo o que Uriel dissera. Ela teria que acrescentar mais uma qualidade a Uriel, ele realmente sabia como deixar uma mulher feliz, pois sua mãe tinha

- 138 -

estampado no rosto um enorme sorriso e as maçãs do rosto estavam vermelhas.

A única chance de Uriel causar uma boa impressão foi tão bem usada que ele não causou apenas uma boa impressão, ele causou uma impressão maravilhosa, espetacular, e assim consequentemente caíra nas graças de Evelyn.

— Sente-se Uriel – disse Evelyn indicando o banco à frente do balcão da cozinha. – Brooki nunca trouxe um dos amiguinhos da escola para casa... Na verdade, Brooki quase não fala muito da escola e nem dos novos amiguinhos que ela fez aqui...

Uriel sentou em um dos bancos e Brooki sentou ao seu lado fuzilando Evelyn com o olhar, mas sua mãe nem reparou.

— Sabe Srta. Hudson... – disse Uriel em um tom de voz lisonjeiro.

— Pode me tratar por você... – Evelyn interrompeu com uma voz manhosa. – Ainda sou bem nova...

Brooki fitava Evelyn boquiaberta. Com toda a certeza não era nada legal sua mãe ficar assediando Uriel daquela forma tão descarada, era como se ela, Brooki, nem estivesse ali na cozinha.

— Muito bem... – disse Uriel esboçando seu sorriso mais sedutor. – Eu não sou no sentido exato da palavra ―amiguinho‖ de Brooki... na verdade... nós...

— Vocês estão namorando?! – Evelyn perguntou parecendo não estar muito feliz. – É por isso que você o trouxe aqui Brooki? Para oficializar a relação de vocês?

— Não mãe! – Brooki exclamou tão vermelha quando um tomate. – Nós não estamos namorando...

- 139 -

— Ah, bom... – disse Evelyn parecendo mais aliviada, estava claro que aquela notícia a deixou realmente feliz, Brooki só não queria pensar no real motivo para tamanha felicidade.

— Nós... – Brooki não conseguia pensar um nada, ela estava furiosa em perceber que a fidelidade de Evelyn a Thomas, poderia ser abalada apenas por um rostinho bonito como o de Uriel. – Nós... – Brooki tentou novamente encontrar palavras para poder dizer algo eloqüente, mas como não conseguiu, Uriel veio em seu auxílio.

— Nós vamos para o quarto... — É... – disse Brooki atordoada. – Sabe mãe...

tenho muita... lição de casa... vamos Uriel! – disse Brooki segurando firme a mão do anjo.

— Tchau Evelyn... – disse Uriel sorrindo. — Bons estudos... – Evelyn murmurou um pouco

amargurada. Brooki levou Uriel para seu quarto, ela estava

nervosa demais para ficar parada, e então começou a mexer nas anotações espalhadas sobre a escrivaninha. Após arrumar os papéis, Brooki começou a revirar as gavetas do criado-mudo. Uriel sentou no chão ao lado dela, Brooki não queria demonstrar, mas era possível ler em sua aura o quanto ela estava abalada com o que acabou de presenciar.

— Eu fico espantado com a facilidade com a qual vocês mortais cometem tantos deslizes, adultério, roubo, assassinato entre outros milhares de vícios e falhas de caráter que são horríveis e mancham suas auras de tal maneira que se vocês pudessem ver, com toda a certeza

- 140 -

saberiam o quanto podem ser imundos... – Uriel sorriu entristecido.

— Obrigado por chamar minha mãe de imunda... – Brooki respondeu ao comentário de Uriel com uma grande formalidade.

— O mundo não gira em torno da sua mãe Brooki... – disse ele fechando os olhos por alguns segundos.

Sem obter uma resposta, Uriel se sentou no assento da janela, estilo bay window, cuja janela de três faces se lançava para fora.

— Ora Brooki – disse Uriel, pela primeira vez ele parecia um pouco aborrecido com ela. – Seja como a fonte que transborda e não como o tanque que retém a água!

Brooki olhou confusa para Uriel. — Qual é a da fonte, do tanque e da água? – ela

perguntou ao se sentar na cama, de modo que ficasse frente a frente com Uriel.

— Eu fiz uma analogia Brooki – explicou Uriel. – Disse pra você descarregar a sua raiva, e não para guardá-la dentro de si mesma.

Brooki ficou séria e desviou os olhos de Uriel, mas em um segundo ele já estava ao seu lado, de joelhos sobre a cama de dossel. O anjo segurou o rosto de Brooki com as duas mãos, ela não sabia realmente se o calor que estava sentindo era do seu próprio corpo ou se finalmente estava sentindo a temperatura de Uriel. Ela o observava curiosa, e ansiosa pelo próximo passo dele, será que finalmente ele a beijaria? Uriel se aproximou lentamente de Brooki, e ela fez o mesmo. Seus olhos se

- 141 -

fecharam, a qualquer momento ele a beijaria. Brooki fez um biquinho esperando pelos lábios de Uriel, mas o que ocorreu foi que os lábios dele tocaram a testa dela, se demoraram por mais ou menos uns três segundos e então ele se afastou rindo alto.

Brooki o fuzilou com o olhar, e Uriel revirou os olhos.

Brooki trincou os dentes. — É por isso que você não me beija? – Brooki

estava decepcionada. — Heim? – Uriel voltou à bancada logo abaixo da

janela. — Adultério?! – Brooki tinha um tom de voz

desafiador. — Não seja ridícula – disse Uriel furioso. — Só quero um beijo – Brooki sentenciou. — Por quê? Por que um beijo meu? — Quero sentir o que você sente... — Que besteira é essa Brooki? – perguntou Uriel

agora confuso. — Não é besteira Uriel – Brooki protestou. –

Quando beijei Azazel, senti a mesma coisa que ele – enquanto ouvia Brooki, Uriel ficava ainda mais confuso. – Senti a dor dele, senti o medo, culpa, saudade, arrependimento... Mas não consegui sentir amor...

— Então por que você se preocupa em pensar em adultério? – Uriel perguntou observando cada mudança na aura de Brooki, ela não choraria mais, ela não se sentiria mais culpada, Brooki havia crescido e

- 142 -

amadurecido em muito pouco tempo. – Qual o sentido do seu pedido?

— Eu gosto de você Uriel, claro que o sentimento que eu nutro por você não é igual ao que eu nutro por Azazel, e é esse sentimento que me divide da forma mais cruel possível.

Uriel ficou em silêncio por um tempo, e então sorriu.

— Gosta de poemas Brooki? – ele perguntou de repente, isso deixava Brooki profundamente irritada, pois Uriel era mestre em mudar o rumo da conversa.

Brooki assentiu. — Conhece Vinícius de Morais? Ele era um poeta

brasileiro – Brooki meneou a cabeça negativamente. – Há um soneto dele que eu amo, se chama Soneto da fidelidade, está a fim de ouvir?

Brooki assentiu. Uriel pigarreou e então começou a declamar o

soneto:

De tudo ao meu amor serei atento Antes e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do seu encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu pranto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento.

- 143 -

E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama E possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.

Ao terminar, um longo silêncio se abateu sobre o

quarto. Brooki examinava-o, mas Uriel só tinha olhos para o céu, acinzentado com nuvens chuvosas.

— Então é isso…? – disse Brooki por fim. — O que? – havia dor na voz de Uriel. Ele sofria e

Brooki não fazia ideia do quanto Uriel estava sofrendo, mas sabia que existia uma forma de compartilhar aquela dor.

— Você está sempre atento a minha vida, sempre zela pelo meu bem estar, sempre toca a minha face e me acalenta com encanto, e está sempre em meu pensamento. Quando estou contigo eu aprecio cada vão momento, contigo canto em louvor, aprecio o meu próprio pranto, e sem nenhum pesar eu idolatro seu contentamento...

Foi a vez de Uriel fuzilar Brooki com o olhar. — Não quero ser idolatrado! – disse ele

rispidamente, Brooki teve total certeza de que agora Uriel estava furioso.

O céu cinzento volta e meia se iluminava com algum relâmpago.

— Que é que eu posso fazer se aquilo que sinto é sustentado pelo pecado de amar e de sentir?

- 144 -

— Não seja burra garota! – Uriel explodiu, Brooki sabia que ele não estava sendo mal, mesmo ali, naquela situação, ele procurava ser o mais delicado possível para não machucá-la tanto. Uriel se levantou e caminhou até a porta do quarto, mas não saiu. – Entenda Brooki... Eu só quero os eu bem...

— Então atenda ao meu pedido – disse Brooki, seus olhos estavam marejados, ela implorou. – Atenda o meu desejo... por favor...

Uriel se virou, Brooki estava de pé, não parecia mais uma adolescente, ela perdeu a inocência tentando salvar o amor que lhe restara no coração. Ele se aproximou.

— Não quero te machucar... eu não me perdoaria se...

— Shhh – disse Brooki tocando os lábios de Uriel com o dedo. Apenas me beija... – disse ela.

— Brooki... – Uriel murmurou. Seus dedos se entrelaçaram nos cabelos negros de

Brooki, e com uma selvageria jovial, ele puxou a cabeça de Brooki para trás de modo que seu pescoço ficasse exposto, Uriel começou a beijá-la pelo pescoço, e então foi subindo até o queixo e por fim se deteve nos lábios finos e enervados de Brooki. Ela sentia o grande medo que Uriel estava entregue naquele momento, mas o desejo de tê-la para si era ainda maior do que seu medo, Uriel estava tremendo, ao perceber isso, Brooki o abraçou calorosamente, e o medo de Uriel desapareceu. Só havia espaço para seu desejo mal contido.

Foi Brooki quem o beijou, ela teve medo de que alguma visão atrapalhasse, mas então vieram às emoções

- 145 -

dele, e ela foi tomada por uma terrível angústia e por uma solidão tão grande que Brooki sentiu como se o seu coração estivesse chorando, e então, por fim, como se estivesse entrando em um poço extremamente profundo, Brooki alcançou o amor de Uriel, e pode senti-lo, e era um sentimento desesperado, como se precisasse de alguém para libertá-lo daquela profunda escuridão. O amor de Uriel não era como o amor que Brooki via ao seu redor, era algo muito maior, mais poderoso, era imenso, tão grande quanto o infinito, não era como a vida, sim, era isso o que ele mais amava a vida. O amor de Uriel era divinal.

Brooki libertou-o do seu abraço. — O que foi? – Uriel perguntou temeroso. – Eu te

machuquei? — Não, só estou gostando de compartilhar do seu

amor... – Brooki respondeu. Dessa vez foi Uriel quem abraçou Brooki, ele a

levou até a cama e a deitou. O corpo amante ficou sobre o corpo amado, e ambos se uniram através de seus beijos.

- 146 -

– XX –

Um a um, milhões de rostos povoaram a mente de Brooki, eles diziam coisas que ela não conseguia compreender, todos pareciam com medo ou com raiva, alguns não expressavam emoção, outros estavam sonolentos, recém-nascidos, bebês, crianças, jovens, adultos, velhos, homens, mulheres, negros, brancos, amarelos, eram rostos de todas as partes do mundo, começou com imagens, e logo vieram os sons, os choros, os gritos de dor, de desespero, de medo, de ódio; barulhos de buzinas, de freadas, de tiros, de ossos se quebrando, de explosões, o metal se chocando contra a carne; e por fim as cenas completas, esquartejamentos, enforcamentos, acidentes, afogamentos, cauterizações, overdoses, espancamentos, apedrejamentos. Brooki via os olhos dos inocentes morrendo, via os olhos assassinos fugindo, via os mesmos assassinos mortos, mas em meio aquela mortandade, Brooki reconheceu dois pares de olhos que não estavam mortos, um par de olhos pertencia a ela, e o outro par de olhos ela conhecia, mas não se lembrava a quem aqueles olhos pertenciam. As imagens desapareceram e Brooki ficou na escuridão, até

- 147 -

que uma porta apareceu, a porta era de madeira bruta, e parecia muito pesada.

Brooki estendeu a mão para a maçaneta da porta e a girou. Uma maré vermelha irrompeu de dentro da porta e pegou Brooki desprevenida, Brooki tentou nadar, mas a correnteza era forte demais, ela engoliu o líquido vermelho e sentiu o gosto metálico do sangue.

— Uriel... pare, por favor – Brooki empurrou o anjo, foi difícil resili-lo, quando ela sabia que o que mais desejava era continuar.

- 148 -

– Estágio Cinco – Egoísmo

- 149 -

– XXI –

Um olho curioso espiava pela fresta da porta que estava entreaberta. O olho verde água estava marejado, o dono daqueles olhos tinha apenas sete anos. Ele estava com medo, estava tremendo, estava paralisado.

Havia sangue espalhado por todo o chão do quarto. — Ele está morto? Morreu mesmo? – disse um dos

homens que invadiu sua casa há pouco menos de cinco minutos, sua voz era grave e áspera.

— Humpf... – foi a única resposta do outro. — Será que ele morreu de verdade? – o da voz áspera

perguntou novamente. – Você tem certeza? — Claro seu idiota! – disse o segundo. – Ele tá todo

furado de bala... tá mortinho. — Maldito tira – exclamou o homem da voz áspera

chutando o corpo do seu pai. — Quem mandou se envolver demais? – disse o outro da

voz mais pomposa. – Tá vendo o que acontece com tiras de meia tigela como você?! – ele gritou para o corpo inerte.

Havia um homem morto encostado próximo ao guarda-roupa. Havia um buraco no meio da sua testa e mais outros

- 150 -

buracos espalhados pelo tórax e pelos membros, seu sangue escorria como água. Não havia como sobreviver aquilo.

— Escuta bem Alexander... –uma mulher de cabelos castanhos sussurrou para o menino, ela era sua mãe. – Independente do que venha a acontecer não saia daqui, está me entendendo? Por nada nesse mundo, saia desse guarda-roupa, ok?

— Mamãe... – Alexander murmurou. – Não vai mamãe...

— Fica – disse ela olhando para o menino com uma expressão séria. – E não olha pela fresta da porta.

Alexander obedeceu a mãe, ele se virou para o canto no momento em que sua mãe saiu do esconderijo. Houve um longo silêncio, seguido de algumas batidas surdas, e então houve silêncio novamente. Alexander sentiu um fio de esperança inundar seu interior.

BANG! BANG! BANG! Silêncio e escuridão. Escuridão e silêncio. Seus soluços eram contidos, apenas suas lágrimas tinham

permissão para escapar dos seus olhos, quando Alexander olhou pela porta, ele teve de levar as mãos até a boca para não chamar por sua mãe.

A mulher estava estirada no chão, com um buraco de bala entre os olhos, e outro no coração, mas o terceiro tiro ricocheteou e se perdeu. Alexander ficou desesperado e pegou uma tesoura dentro da caixa de costura de sua mãe e correu na direção dos assassinos, ele sentiu uma fisgada na perna direita, mas não se importou, pois havia pegado os assassinos completamente desprevenidos, sua veloz aproximação assustou os assassinos e Alexander enfiou a tesoura no olho do homem

- 151 -

que estava mais próximo dele. O furo não tinha sido profundo, mas ele ficaria cego de um olho.

— Morre pirralho maldito! – gritou o homem da voz pomposa sacando a arma e atirando à queima roupa em Alexander.

O impacto do tiro jogou o menino contra o chão, seu peito latejava e a sua perna também latejava. Então ele descobriu aonde a bala que havia ricocheteado fora parar. A dor não o incomodava tanto.

— Fedelho sacana! – gritou o homem da voz áspera. – Pirralho desgraçado!

— Levanta daí e vamos dar o fora daqui! – ordenou o homem da voz pomposa.

— AI! Porra isso dó pra cacete! Seu filho da puta desgraçado! – gritou o homem chutando Alexander.

O menino não estava morto, apesar de levar um tiro à queima roupa, ele ainda estava vivo, seu coração batia de forma irregular, porém, ele ainda estava vivo. Sua mãe e seu pai o observavam com olhos mortos, mas ele os observava com olhos sobreviventes.

Ele merecia viver. Foi então que o sol apareceu, mas aquele era um sol

diferente, aquele sol podia andar, tinha braços, quatro asas e uma voz gentil.

— Oi Alexander... – disse o sol. – Não precisa ter medo meu pequeno, sou seu amigo... Não vou te machucar...

O sol carregou o menino, e ele tremeu quando percebeu que aquele sol era frio.

O sol riu do menino, ele estava triste, pobre sol. — Eles vão voltar? – Alexander perguntou.

- 152 -

— Receio que não meu pequeno... Mas deixe-me tirá-lo daqui, este não é um lugar para crianças ficarem... Aqui é horrível demais para que um menino tão bonito como você seja abandonado à própria sorte.

— Eu o carreguei até o hospital – disse Uriel

ajoelhado ao lado da cama. Brooki estava sentada sobre os próprios pés em cima da cama. – Fiquei com ele até que os seus avós chegaram. O pequenino estava consciente quando eu me despedi... Nunca vou esquecê-lo, ele tocou meu rosto, me chamou de sol e me pediu pra ficar...

— E você ficou? – perguntou Brooki secando as lágrimas que escorriam pelo seu rosto.

Uriel meneou com a cabeça. — Eu não podia ficar – disse ele. Uma chuva fina começou a cair sobre a cidade de

Nova York. — Então o par de olhos verde água que eu vi era de

Alexander... – Brooki concluiu. Uriel assentiu entristecido. Brooki desceu da cama e sentou ao lado do anjo. Uriel a observava, seus olhos refletiam o seu

desespero. — Não fique assim meu sol... – disse Brooki. Uriel estava consternado. Brooki tocou o rosto do anjo, ele sabia o que ela

desejava, mas tinha medo de aderir à vontade dela. Ele a abraçou e a colocou no seu colo beijando o cabelo negro que lhe caía sobre os ombros.

— Vamos tentar novamente? – Brooki pediu.

- 153 -

— Brooki... – Uriel replicou, mas logo ficou em silêncio.

— Por favor, Uriel, por mim... — Tudo bem... – Uriel não gostava de se entregar

daquela forma, mas ele também não podia fingir que não gostava de beijar Brooki. Ele sabia como aquilo poderia terminar, ele se lembrava da última alma que ele amou, e ainda doía muito a lembrança de ter que acompanhá-la até o reino dos mortos, mas Brooki era diferente, ela era forte. – Agora? – ele perguntou.

Brooki assentiu. Uriel se aproximou, mas Brooki estava tão ansiosa

que não conseguiu esperar. Seus braços envolveram o pescoço de Uriel e ela o beijou.

Foi rápido, pois ambos se assustaram e logo se separaram.

— O que você sentiu? – Uriel perguntou preocupado.

— Nada... – Brooki respondeu. – E você? — Nada também... – disse Uriel contente. –

Acabou a experiência, agora é pra valer... — O quê? – Brooki perguntou confusa, mas Uriel

não respondeu, ele apenas a beijou. Era estranho vê-lo daquela forma tão entregue,

pois Uriel parecia sempre estar tenso com alguma coisa, e naquele momento ele simplesmente estava respondendo aos seus sentimentos, até que ele a libertou e ficou de pé.

— Que foi? – Brooki perguntou temerosa. – Não gostou, fiz algo errado?

- 154 -

— Não é nada disso Brooki... Você é perfeita, mas o problema é comigo... Vitalis tem razão, estou sendo egoísta, estou pensando em mim mesmo ao invés de pensar no mundo que está em primeiro lugar...

— Você não está sendo egoísta Sol... – disse Brooki, Uriel sabia que não devia ter falado que Alexander o chamava daquela forma, agora Brooki o lembraria daquele apelido constantemente. – Era apenas um sentimento humano...

— Eu não sou humano Brooki! – Uriel gritou. – Não posso sentir como vocês sentem.

Uriel se ajoelhou de costas para Brooki, que se aproximou lentamente do anjo e o abraçou por trás.

— Você pode não ser humano – Brooki sussurrou no ouvido se Uriel. – Mas eu faço parte de você, e a minha vida pertence ao mundo que nos envolve, portanto, sempre estarei com você... aqui... – Brooki tocou o peito musculoso de Uriel. – Estarei sempre no seu coração...

Uriel ficou em silêncio e tocou a mão de Brooki delicadamente.

— Quer sair comigo? – ele perguntou agora mais feliz.

Brooki sentiu falta da mudança de humor de Uriel. — Vamos... – disse ela. Brooki se levantou ainda abraçada à Uriel. Ele se virou para ela e a beijou na bochecha e

sorriu. Brooki revirou os olhos.

- 155 -

– XXII –

— Mãe, eu vou sair com Uriel... – disse Brooki.

— Já terminou a lição querida? – disse Evelyn. — Para ser sincero Evelyn – disse Uriel

respondendo no lugar de Brooki. – A culpa foi minha, eu distraí a Brooki e ainda nem começamos a fazer as lições... Sabe, ficamos conversando...

— Então vocês dois, voltem para o quarto para fazerem a lição de casa!

— Mãe... – Brooki gemeu. Uriel pegou a mão de Brooki. — Vamos menina, você tem lição de casa.

- 156 -

– XXIII –

―Você me preencheu, mas era insuficiente Não bastava para mim Era um triste sentimento Mas era cedo E eu já podia te esquecer Não tenho medo Já não temo mais nada‖ — Canta pra mim... – pediu Uriel lendo a nova

estrofe da música de Brooki. — Por favor, não me peça pra cantar. — Canta pra mim... – Uriel repetiu inflexível. — Tudo bem, seu chato! – disse Brooki fingindo

estar aborrecida. ―Estou cansada de andar, começa a chover Seguindo um coelho que foi pego e machucado Seus olhos são transparentes A água sopra do botão do negro oceano Estou bem aqui Não importa aonde eu vá

- 157 -

Eu serei capaz de ser feliz? Vá para casa, quando o amanhã chegar Você vai rir e dizer, ‗Está tudo bem?‘ Chamando o meu nome Eu te abraço Fechando os meus olhos e lembrando De quando eu era jovem Você me preencheu, mas era insuficiente Não bastava para mim Era um triste sentimento Mas era cedo E eu já podia te esquecer Não tenho medo Já não temo mais nada Menti e arrependo-me disso Em um dia eu me tornei adulta Tenho vergonha, suando Apesar de tudo, a razão continua a dançar Sobre minha alma que queima e queima e eu grito de dor Se você puder me ouvir (se puder me ouvir) você poderá

me salvar‖ — Que foi isso? – perguntou Uriel. — Isso o que? — Essa história da sua alma queimando e

queimando e você grita de dor? – Uriel fitava Brooki horrorizado.

- 158 -

— Não gostou? — Claro que não gostei! – ele respondeu. – A sua

alma não vai queimar e você não vai gritar de dor... — Então você não gostou mesmo? — Não! – ele exclamou. — Ótimo! – disse Brooki contente. – Essa será a

quarta estrofe. — Não sinto a sua alma queimando... – Uriel

murmurou. Brooki revirou os olhos. — Você me ama? – Brooki perguntou sentando na

bancada da janela e procurando abrigo no peito de Uriel. – Heim, meu Solzinho egoísta, você me ama?

— O que você sentiu quando eu beijei você Brooki? Brooki ficou em silêncio por um tempo, e então

após um pigarro ela respondeu: — Senti um amor incomensuravelmente grande,

colossal, que me deu medo no começo, mas então percebi que esse amor era semelhante ao amor que Deus sentia por sua criação, então me senti assustada, e então senti você, e foi um pouco angustiante, era como se eu estivesse dentro de um poço muito fundo, e você estava lá no fundo desse poço, e quando eu abracei o seu amor, senti como se estivesse sendo puxada mais para dentro de você, senti muito medo, porque entendi que quando nós nos beijamos, estávamos desobedecendo a uma das leis d’Ele, mas depois disso eu me senti feliz, porque encontrei muita coisa que faltava em mim mesma, e você encontrou alguém para amar... E agora nós compartilhamos os mesmos sentimentos, mas o que prevalece é o amor.

- 159 -

Uriel escutava calado, até que teve certeza de que Brooki havia compreendido tudo o que estava acontecendo ao seu redor.

— E então Brooki... Me responda, eu te amo? – disse ele calmamente.

Brooki assentiu sorrindo.

- 160 -

– XXIV –

Brooki e Uriel não perceberam o tempo passar, eles ficaram sentados diante da janela, a chuva piorou, mas nenhum dos dois se moveu, eles ficaram ali, Brooki estava abrigada nos braços do anjo da morte. Um solene silêncio instalou no quarto durante todo o resto da tarde.

A noite caiu, o quarto estava mergulhado em escuridão, à exceção das luzes que entravam pela janela.

— Posso te perguntar uma coisa? – disse Brooki sem desviar os olhos da chuva.

— O que quiser... – Uriel respondeu também hipnotizado pela chuva que caía por toda a cidade.

— A morte... – Brooki começou a falar, mas interrompeu a si mesma.

— O que tem? — A morte... – Brooki desviou os olhos da chuva e

se virou para o anjo. – É o fim de tudo? Uriel ficou em silêncio, ele procurava não olhar

para Brooki. — Não... – disse Uriel. – A morte não é o fim... — Então como é... você sabe... depois...?

- 161 -

— É lindo Brooki... – disse Uriel. – Lá há sempre um anil-céu e o sol brilha constantemente iluminando verde-campo cheio de azaleias, banhado a leste por azul-mar que molha branca-areia da praia. Subindo ao norte o claro-dia se torna negra-noite cuja prata lua alumia a terra marrom, que mesmo em aspereza, não molesta nobre alma alguma. Caminhando em sentido oeste ainda ao norte é possível ver alvas planícies onde o frio castiga o humano corpo; descendo ao sul, há bege charneca na orla dos verdejantes bosques de ciprestes... – enquanto Uriel falava Brooki o observava e era como se ele estivesse se lembrando do lugar.

— E... morrer... dói? — Você sentiu dor quando foi até o Jardim do

Paraíso? — Então eu realmente morri pra chegar lá? — ―Tomamos o caminho da morte para alcançar o

paraíso...‖, você se lembra disso? – Uriel perguntou. Brooki não respondeu, mas ela se lembrava

perfeitamente da caverna, e agora entendia o pavor que Azazel sentiu quando ela disse que iria até o Jardim do Paraíso, ele estava certo no fim das contas, ela realmente havia morrido.

— Você teme a morte Brooki...? – Uriel perguntou sorrindo.

— Não sol, eu não temo a morte... Uriel sabia muito bem a resposta de Brooki, afinal,

ela tinha tentado se matar há pouco tempo, isso não parecia atitude de alguém que temia morrer. A porta do quarto abriu devagar e Azazel entrou, não era o humano Azazel, mas sim o anjo. Brooki se levantou rapidamente

- 162 -

do colo de Uriel e ficou de pé diante do anjo de asas negras.

— Azazel... é que... eu posso explicar... isso não é nada do que você está pensando...

— Brooki! – disse Azazel calmamente. Ela estava tão nervosa que começou a listar uma

seqüência de acontecimentos de forma inteligível. — Brooki fique calma! A ordem partiu de Uriel. — Brooki tire suas algemas... – Azazel murmurou

sentando-se no chão. — Como? – Brooki também se sentou no chão e

percebeu que Uriel já estava sentado também. – O que você quer dizer com isso?

— Eu quero dizer que não quero você presa a minha lembrança. Eu não me importo se você quer estar comigo, com Uriel, ou com qualquer outra pessoa. Só o que me interessa é saber se você me ama? Para mim, isso basta, por isso não te quero como uma prisioneira.

— Mas Azazel...? – Brooki estava confusa. — Ele quer dizer que você está livre para ir embora

quando quiser Brooki... – Uriel explicou. Ela fitou Azazel ainda mais nervosa do que antes,

seus lábios tremiam e seus olhos estavam transbordando de lágrimas.

— Não... – Brooki murmurou. Se colocando de pé. – Eu não quero ir embora, não quero deixar vocês...

— Azazel tem razão Brooki... – disse Uriel ficando de pé ao mesmo tempo que Azazel.

— Não, ele não tem razão coisa nenhuma! – disse Brooki. – Eu não posso deixar vocês... e não quero que

- 163 -

isso aconteça... vocês não podem me obrigar a ir embora...

— Ok, ok, ok, Brooki... – disse Azazel abraçando forte Brooki. – Foi burrice a minha dizer isso, me desculpe, por favor, me desculpe, eu nem deveria ter pensando nessa possibilidade.

— Me desculpem se estou sendo egoísta demais, mas não quero me separar de vocês... Eu os quero para mim, não consigo evitar, eu amo vocês, preciso de vocês...

— Brooki você não tem que se justificar... A chuva aumentou. — Não chore Brooki... — Estaremos aqui enquanto você nos quiser... –

disse Azazel. — Para sempre? – Brooki perguntou. — Se assim desejar... – disse Uriel se lembrando

das palavras do irmão.

- 164 -

– XXV –

— Amaldiçoada seja! – exclamou uma voz feminina.

A dona dessa voz era pouco mais alta que Brooki, seu cabelo era cinzento e os olhos eram púrpuros. Aparentava ter dezessete anos.

Seu chamava Lailah. — Eu vou matar você Brooki... Pode ter certeza

disso... Eu vou te matar... Sua risada diabólica inundou todo o teatro, que

estava interditado há muito tempo pelo governo.

Fim do volume um

- 165 -