BRANDING E AS NARRATIVAS DO CAMINHAR EM LISBOA

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS A CULTURA DO PERFUME NA CLAUS PORTO: BRANDING E AS NARRATIVAS DO CAMINHAR EM LISBOA TATIANA DE OLIVEIRA RODRIGUES Tese orientada pelo Professor Doutor Nelson Pinheiro Gomes, especialmente elaborada para a obtenção do grau de mestre em Cultura e Comunicação LISBOA 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

A CULTURA DO PERFUME NA CLAUS PORTO: BRANDING E AS

NARRATIVAS DO CAMINHAR EM LISBOA

TATIANA DE OLIVEIRA RODRIGUES

Tese orientada pelo Professor Doutor Nelson Pinheiro Gomes, especialmente elaborada para a

obtenção do grau de mestre em Cultura e Comunicação

LISBOA

2021

TATIANA DE OLIVEIRA RODRIGUES

A CULTURA DO PERFUME NA CLAUS PORTO: BRANDING E AS NARRATIVAS

DO CAMINHAR EM LISBOA

Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa como requisito para a obtenção do grau de mestre em Cultura e Comunicação.

Orientador: Professor Doutor Nelson Pinheiro Gomes

Lisboa

2021

I

RESUMO

A Claus Porto, marca portuguesa com mais de 130 anos de existência, desde 2015 vem

passando por um processo de rebranding, a fim de se reposicionar no mercado.

Estrategicamente lança perfumes com a assinatura de uma mestre perfumista inglesa, na qual

se inspira através de uma road trip por Portugal a fim de colher inspirações olfativas através

das paisagens portuguesas por onde ela passou. O trabalho se detém, mais profundamente, na

análise de uma colônia que foi inspirada na cidade de Lisboa, esta concebida através de

imersão no Jardim Botânico de Lisboa, localizado no centro histórico da cidade. Por isso,

cruzam-se metodologias de naturezas etnográficas e imersões urbanas, que visam entender

como uma cidade e um lugar podem ser assimilados. Abordamos especificamente os estudos

de Canevacci (1993[2004]), com sua antropologia da comunicação urbana e Careri

(2002[2013]), através de caminhadas com uma perspectiva artística e estética. Como

resultado obtém-se um método que, inicialmente, é empírico, numa possibilidade de método

científico, uma vez, que cruzados os métodos etnográficos usados no presente trabalho com o

método criativo pessoal da perfumista nota-se uma relação plausível com vários pontos de

tangência. Também é evidente no exposto trabalho as ocorrências advindas das estratégias de

rebranding implementadas pela marca que culmina no desenvolvimento do referido perfume

e nas mudanças de sua narrativa. Para compreender essas ligações fizemos um levantamento

de cerca de cinquenta artigos de fontes públicas, majoritariamente on line, de matérias

jornalísticas sobre a marca Claus Porto, em sua maioria da época do lançamento dos

perfumes. Para embasar faz-se a interseção entre autores dos estudos culturais, como

Williams e Barthes, e autores que pensam marca, como Aaker, O’Reilly e Kapferer. Tudo

isso com o intuito de entender como um produto, destacadamente, um perfume e, uma marca,

nomeadamente a Claus Porto, associaram questões nacionais e urbanas à sua narrativa e ao

próprio produto.

Palavras-chave: comunicação, cultura, imersão urbana, perfume, marca.

II

ABSTRACT

Claus Porto, the Portuguese brand with more than 130 years of existence, has been going

through a rebranding process since 2015 in order to reposition itself in the market.

Strategically launches perfumes with the signature of an English perfumer master, in which he

is inspired by a road trip through Portugal in order to collect olfactory inspirations through the

Portuguese landscapes where she passed. The work focuses, more deeply, on the analysis of a

cologne that was inspired by the city of Lisbon, this one conceived through immersion in the

Lisbon Botanical Garden, located in the historic center of the city. For this reason,

methodologies of ethnographic nature and urban immersions are crossed, which aim to

understand how a city and a place can be assimilated. We specifically approach the studies of

Canevacci (1993[2004]), with his anthropology of urban communication and Careri

(2002[2013]), through walks with an artistic and aesthetic perspective. As a result, a method

is obtained which, initially, is empirical, in a possibility of a scientific method, once the

ethnographic methods used in the present work are crossed with the perfumer's personal

creative method, there is a plausible relationship with several points of tangency. It is also

evident in the exposed work the occurrences arising from the rebranding strategies

implemented by the brand that culminates in the development of the aforementioned perfume

and in the changes in its narrative. To understand these links, a survey of about fifty articles

from public sources, mostly online, of journalistic information about the Claus Porto brand,

mostly from the time of the launch of perfumes. To support this, there is an intersection

between authors of cultural studies, such as Williams and Barthes, and authors who think

about brands, such as Aaker, O’Reilly and Kapferer. All this in order to understand how a

product, especially, a perfume and a brand, namely a Claus Porto, associated national and

urban issues with its narrative and the product itself.

Keywords: communication, culture, urban immersion, perfume, brand.

III

AGRADECIMENTOS

Agradeço e dedico o esforço desse trabalho de dissertação para minha mãe Tania Raquel

Oliveira, minha maior incentivadora e apoiadora. À minha família e aos poucos e bons

amigos que me ajudaram no desafio que é o exercício de se fazer ciência, mesmo que seja de

modo, ainda, inicial. Agradeço a toda a confluência de energia que o universo me

proporcionou em chegar até um país estrangeiro e a completar esse trabalho. Não tenho como

não agradecer a todo o corpo docente que faz parte do Mestrado em Cultura e Comunicação

da Faculdade de Letras na Universidade de Lisboa. Cada um dos professores contribuíram

para eu aprender e ampliar minha mente. Especificamente, agradeço ao meu orientador,

Professor Doutor Nelson Pinheiro Gomes, por me ler, pela sua paciência e suas

considerações. Gratidão a tudo e a todos.

IV

Epígrafe

“O perfume é indispensável para fazer contato

com o além.”

(Olivier Roellinger)

V

SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................12OLFATO,OSENTIDOMARGINAL.............................................................................................................82.1Perfume:emoçãoesuarelevânciacultural.............................................................................20

3IMERSÃOURBANA–ROADTRIPEMPORTUGAL,JARDIMBOTÂNICODELISBOAEACRIAÇÃODEPERFUMES...............................................................................................................................293.1ImersãoUrbanaeainspiraçãoetnográfica..............................................................................373.2OJardimBotânicodeLisboa–Uma“ilha”decheiroslisboeta........................................443.3Walkscapes–Comonariznopéeaspaisagensnocoração.............................................72

4MARCAECULTURA:OCASOCLAUSPORTO...................................................................................814.1ClausPortoeoseucaminhodiferente.......................................................................................814.2AReinvençãodaClausPorto:Rebranding,TradiçãoeCultura.......................................894.3ClausPorto:Luxo,LifestyleePerfume-arte...........................................................................117

5CONCLUSÃO................................................................................................................................................1256REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................131APÊNDICEA....................................................................................................................................................138APÊNDICEB....................................................................................................................................................149APÊNDICEC.....................................................................................................................................................154APÊNDICED....................................................................................................................................................161

1

1 INTRODUÇÃO

O mundo é compreendido através dos sentidos. Sinteticamente, são cinco sentidos básicos,

sendo, um deles, o preterido sentido do olfato. Nos tempos atuais, um crescente número de

produtos são comercializados na dita sociedade de consumo que incluem o uso e ativação de

diversos sentidos humanos, mas, de acordo, com a tecnologia e conhecimento disponíveis, o

perfume é um tipo de produto, no qual o sentido do olfato consegue ter destaque, em

detrimento dos outros sentidos. O volume de lançamentos de perfumes no mercado está cada

vez mais intenso devido à crescente demanda, visto que, por exemplo, os perfumes tornaram-

se uma das categorias de luxo acessível e são responsáveis por bilhões em vendas para as

grandes e tradicionais marcas de luxo. Segundo o especialista em perfumaria, Michael

Edwards, em 2019, foram lançados cerca de 3.100 novas fragrâncias no mercado, número que

ilustra o ritmo intenso do segmento1. Elucidando que esse número de 3.100 refere-se a

perfumaria fina, que são os perfumes como produto. Quando se fala de perfume dentro da

indústria de fragrâncias, está se referindo a perfumaria fina, pois, a indústria atua de modo

amplo sendo as fragrâncias usadas em produtos cosméticos, de higiene pessoal,

domissanitários e até na indústria automobilística, têxtil, petrolífera e etc. Segundo relatório

de 2017 da IFRA2, o número de vendas globais dentro da indústria de fragrâncias gira em

torno de 7,3 bilhões de euros para além, uma vez que esse estudo excetua os mercados da

América do Norte e Canadá3. Lembrando que os USA são o maior mercado consumidor da

indústria de perfumes.4

Dentro do universo da moda, os perfumes, assim como vestuário e acessórios,

integram e complementam o ritual do vestir, criando e deixando mostrar narrativas pessoais e

sociais. Os perfumes, nessa perspectiva, assumem um papel similar ao que uma roupa possui,

sendo capaz de vestir seu usuário de acordo com sua escolha pessoal. Portanto, pensando

moda como linguagem e um meio de mercadorizar esse ritual do vestir, os perfumes também

mimetizam essas características sendo, então, uma associação e uma extensão do universo de

1Em: https://www.essencional.com/en/posts/wrapping-up-2020-with-michael-edwards/?utm_source=Newsletter&utm_medium=Email&utm_campaign=Essencional%2001%2F01%2F2021, acessado em 17 de Março de 2021. Oitavo parágrafo.

2 International Fragrance Association. 3 Em: https://ifrafragrance.org/10-key-findings, acessado em 17 de Março de 2021. Segundo parágrafo. 4 Em: https://cosmeticinnovation.com.br/mercado-de-beleza-cresce-lento-mas-continua-em-alta/, acessado em 17 de Março de 2021. Quinto e sexto parágrafo.

2

uma marca por fazer parte desse ritual. Não à toa, marcas que ditam moda como Chanel, Dior,

Yves Saint Laurent e tantas outras possuem o perfume como parte de seu vasto mix de

produtos tendo, então, uma extensa linha de perfumes e lançamentos. Porém, o mundo da

perfumaria vem se ampliando com novas formas de se pensar o perfume com a entrada de

novas marcas e propostas. Nesse contexto, a perfumaria de nicho vem crescendo e ocupando

espaço no mercado.5

Com a globalização e as novas possibilidades de alargamento do mercado, o luxo

sofreu cisões em seu entendimento e, atualmente, em um processo de democratização do

luxo, surge o fenômeno do masstige (mass prestige).6 Segundo Paul, esse tipo de estratégia

está abaixo do luxo dito tradicional e acima de produtos com marcas de preço médio (Paul,

2018, p. 723). Conforme o mesmo autor a definição desse fenômeno é: “Nesse sentido, o

marketing Masstige pode ser definido como um fenômeno em que produtos regulares com

preços moderadamente altos são comercializados para o número máximo de consumidores,

criando prestígio de massa sem baixar os preços ou sem oferecer descontos.”7 As autoras,

Granero e Cunha, corroboram dizendo que esse fenômeno acontece tanto numa marca com

produtos de preço médio podendo ser estendido para um produto com valor superior. Assim

como esse fenômeno, também, acontece em marcas de luxo que promovem produtos mais

acessíveis para um novo mercado em expansão advindo do desenvolvimento da globalização.

Muitas vezes o fenômeno se dá através de marcas de segunda linha ou em produtos de higiene

e tratamento pessoal, logo, a perfumaria fina pode fazer parte desse fenômeno (Granero e

Cunha, 2013, p. 124 a 126). Em consequência, muitas marcas estrategicamente se posicionam

de modo a diferenciar-se de seus concorrentes, então, agregando estratégias para serem

percebidas de modo mais simbólico e com valor agregado, desse modo, optando por um

método mercadológico diminuto e com preço superior. Esse fenômeno justifica a expansão

desse segmento dentro do mercado da perfumaria fina.

Os perfumes podem ser categorizados em vários níveis de acordo com sua posição no

mercado, como exemplifica, a The Fragrance Foundation, em sua premiação anual dentro do

setor que faz através de nomeações como: luxury, prestige, universal prestige, indie, universal

luxury e popular. Nestas nomenclaturas sugeridas pela entidade o perfume de nicho se

5 Disponível em: https://www.businessoffashion.com/articles/news-analysis/designer-fragrances-cues-niche-market, acessado em 14 de Dezembro de 2020. 6 “(…) neologismo em inglês proveniente da junção das palavras Mass (massa) e Prestige (prestígio) (...).” (Granero e Cunha, 2013, p. 126)7 Tradução nossa. Citação original: “Accordingly, Masstige marketing can be defined as a phenomenon in which regular products with moderately high prices are marketed to the maximum number of consumers by creating mass prestige without lowering prices or without offering discounts.” (Paul, 2018, p. 723).

3

enquadra no que eles chamam de universal luxury.8 Neste exemplo, fica claro a falta de

consenso sobre o que exatamente é um perfume de nicho, porém, pelas evidências, um

perfume de nicho diz respeito a uma distribuição seletiva, maior qualidade da matéria-prima,

uma comunicação mais específica, de modo geral, alguma criatividade, mais ousadia nas

composições e preços mais elevados. Os perfumes de nicho foram pensados para se ter mais

liberdade artística na confecção da fragrância, já que as marcas de luxo tradicionais, em

virtude de ter que agradar um crescente número de consumidores advindo da globalização,

não poderem mais ter essa liberdade. Outro fator aparece como impulsionador da perfumaria

de nicho como uma categoria em ascensão, segundo Edwards, as redes sociais catalisaram a

comunicação de pequenas e novas marcas que passaram a ter uma forma de comercialização e

comunicação direta com seu público alvo, isso fazendo toda a diferença para essa categoria,

pois, mitiga o custo de marketing. Nas palavras de Edwards “é o novo marketing versus o

antigo.” 9 10 11

A tomada de decisão para a escolha do estudo de caso ser a marca Claus Porto está no

desejo em estudar uma marca de origem portuguesa, além disso, o lançamento de perfumes

que são inspirados no país e em lugares portugueses, assinados por uma renomada mestre

perfumista, igualmente, é um diferencial. Na pesquisa de possíveis escolhas para estudo de

caso, a Claus Porto, também se destaca devido ao seu rico e histórico acervo visual construído

através de mais de 130 anos de existência. Todos esses fatos chamaram mais a atenção do que

outras marcas portuguesas. Investigar em como a marca conseguiu e consegue estar no

mercado até hoje é uma dúvida cientificamente justificável, porém, a forma de apurar esse

fato vem através dos perfumes e suas narrativas que a marca lançou e relançou a fim de

comemorar, na ocasião, seus 130 anos de existência. Logo, pensar em como a marca se

reinventou através dos perfumes faz parte dessa investigação, tal qual, entender como lugares

podem virar um perfume. A marca, desde seus primórdios de existência, possui uma

comercialização internacional e voltada para um público mais abastado, já tendo uma vocação

para o luxo. Atualmente a Claus Porto se posiciona como uma marca de nicho de luxo

centenária que possui origem em Portugal e, logo, com experiência e tradição na produção de

sabonetes e perfumes, dado que foi a primeira fábrica de sabonetes no país, isso em 1887. No 8 Disponível em: https://fragrance.org/awards/, acessado em 21 de janeiro de 2021. 9 Disponível em: https://www.businessoffashion.com/articles/news-analysis/designer-fragrances-cues-niche-market, acessado em 14 de Dezembro de 2020. (Shannon, 2017). 10 Disponível em: https://www.fragrantica.com/news/Niche-Perfumery-and-Perfumery-in-General-12756.html, acessado em 21 de janeiro de 2021. (Knezhevich, 2019, segundo ao quarto parágrafo).11 Tradução nossa. Citação original: “It’s the new marketing versus the old marketing, (...)”. Disponível em: http://www.fragrancesoftheworld.com/Mediafiles/WISH_Magazine_Scent_Markers.pdf, acessado em 17 de Março de 2021. Quarto parágrafo.

4

intento de revigorar a marca, a família Brito, que durante quatro gerações esteve no seu

comando, foi adquirida pela empresa de capital de risco portuguesa, a Menlo Capital, que

desde 2015 está no comando da administração do grupo Ach.Brito, que possui três marcas:

Ach. Brito, Confiança e Claus Porto. A Claus Porto é a marca com maior valor agregado de

todas, possui um rico arquivo histórico de comunicação visual, de embalagens e frascos de

várias épocas artísticas desde a Belle Époque a movimentos artísticos do Século XX , o que

faz toda a diferença dela como marca, além do seu tempo de atuação no mercado. A partir

dessa aquisição, houve dentro da marca um progressivo esforço de mudança no seu

posicionamento e branding para se ajustar aos novos tempos e ambições. Várias estratégias

foram implantadas, porém, a que será esmiuçada no exposto trabalho é sobre a retomada da

marca no desenvolvimento de perfumes e, portanto, sendo foco desse texto.12 13

A marca lançou um perfume inspirado no país e em seguida relançou a linha de

colônias nas quais, cada uma das seis fragrâncias, foram inspiradas em lugares de Portugal e

em uma das ilhas do arquipélago dos Açores, nomeadamente na ilha das Flores.14 Para maior

aprofundamento na análise foi escolhido a colônia que foi inspirada na cidade de Lisboa, a

Colônia 2 Agua Geranium, a qual, especificamente, foi inspirada no Jardim Botânico de

Lisboa, localizado no centro histórico da cidade em questão. O lançamento da linha de

colônias inspiradas em regiões e cidades de Portugal estão atreladas ao lançamento do

perfume inspirado em Portugal como um todo, nomeadamente, Claus Porto Le Parfum, pois,

a linha de colônias foram lançadas depois do Claus Porto Le Parfum. O processo de

desenvolvimento e criação dos perfumes veio através de uma road trip em Portugal realizada

pela diretora criativa da marca e pela perfumista convidada, por isso, surge o questionamento

sobre como os perfumes e a Claus Porto associaram questões nacionais e urbanas à sua

narrativa e ao próprio produto. O presente trabalho está dividido em cinco capítulos, contando

com a presente introdução.

Sob a perspectiva cultural e social é interessante pensar como essa marca centenária se

reinventou através de um líquido fragrante, trazendo, de certo modo, a ousadia de propor uma

interpretação sobre o próprio país e de lugares de Portugal. Em virtude disso, traçou-se uma

análise a luz da análise cultural e suas implicações, assim como, a associação de métodos de

leitura de comunicação urbana, sob um viés antropológico, portanto, com uma inspiração 12 Disponível em: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 13 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 14 Disponível em: https://www.fragrantica.com.br/novidades/Claus-Porto-Flores-4043.html, acessado em 05 de Agosto de 2020.

5

etnográfica advindo das imersões urbanas de Canevacci (1993[2004]) no livro A Cidade

Polifônica e dos Walkscapes de Careri (2002[2013]), a fim de melhor compreender esse tipo

de linguagem e, de como pode ser feita sua leitura, nos quais essas abordagens possuem uma

próxima relação com a forma de trabalho da perfumista e da diretora criativa. Como pano de

fundo para estruturar as análises, alguns arcabouços dos estudos culturais são usados. Autores

como Williams (1961[1975]) que contribui para entender o processo de análise dos diversos

modos de vida humana, que esmiúça o seu método de análise no capítulo The Analysis of

Culture, que se insere dentro do livro The Long Revolution e, Barthes (1957[2001]), em seu

livro Mitologias, que elucida os meandros da comunicação de massa, através da criação de

uma linguagem mítica que se agrega ao processo narrativo da marca para que seja possível

lugares de Portugal virarem perfumes.

Em virtude de dificuldades enfrentadas na obtenção de informações adquiridas

diretamente da marca Claus Porto foi necessário explorar fontes jornalísticas públicas sobre a

mesma, a fim de escolher artigos jornalísticos aos quais detalhasse as informações sobre a

marca e sobre os indivíduos que atuam nela, no presente. A pesquisa sobre a marca e seus

perfumes foram realizados quase que integralmente em fontes públicas on line, na maioria

dessas fontes com data da época do lançamento dos perfumes, o que gira em torno dos anos

2017/2018. São cerca de cinquenta artigos on line de diversas fontes jornalísticas diferentes,

além de alguns materiais impressos e via e-mail dos quais as informações foram colhidas para

analise. Também foram analisados alguns vídeos institucionais no canal YouTube da Claus

Porto e uma entrevista on line de um programa português sobre marcas. Conforme dito

anteriormente, devido a não obtenção de informações colhidas diretamente da marca, foi

necessário reunir o máximo de conteúdo pertinente para a analise, principalmente, através de

falas dos principais atores envolvidos com a marca, contidos nos artigos jornalísticos e vídeos

on line. Dito isto, os objetos de pesquisa são, portanto, essas fontes jornalísticas on line

(artigos e vídeo de um programa televisivo português chamado I’m a Brand); portal da web e

vídeos institucionais da marca; alguns documentos fornecidos pela Claus Porto, como: o press

release, algumas fotos do perfume e da road trip e vídeos da road trip, necessário dizer que

os vídeos fornecidos são os mesmos que estão disponíveis no canal do You Tube da Claus

Porto; o Jardim Botânico de Lisboa, através de visitações que culminaram em impressões e

fotos sobre e do lugar; um vídeo da perfumista Lyn Harris; uma comunicação pessoal com a

marca Claus Porto via e-mail; um folheto impresso do Jardim Botânico de Lisboa e,

finalmente, sobre o perfume Agua Geranium.

6

Para que tudo isso aconteça, é importante compreender em que ponto está o

entendimento, na contemporaneidade, do olfato e de suas características e, também, o que o

perfume pode vir a traduzir e dizer “fragranticamente” na vida dos indivíduos, pontos esses

que são abordados no segundo capítulo. Sobre o olfato, traçou-se uma explicação sobre a

complexidade e sua frequente falta de reconhecimento dentro da hierarquia dos sentidos, com

a tentativa de dar o devido lugar dentro da vida e da história humana. Os autores usados para

esse fim foram: Burr (2002[2006]), Aftel (2014), Young (2016), Malnic (2008), Herz (2014)

que pensam como o processo da olfação se dá na fisiologia humana, tal como, nas suas

implicações na vida dos indivíduos e, de como o sentido do olfato ainda é um mistério para a

ciência. Para entender a perspectiva antropológica e social do olfato e do perfume, com o

propósito de dar evidências quanto as suas importâncias em várias dimensões, usou-se Brant

(2008), Classen et al (1994[1996]), Corbin (1982[1987]), Corbett (2006), Classen (1997),

Hoover (2009), Low (2005), Grasse (2007), Ellena (2009[2013], Williams (1961[1975]),

Damásio (2017), Synnot (1991), Douglas e Isherwood (1979[2009]). Ainda continuando no

intento de conhecer em como os possíveis produtos do olfato são definidos na atualidade,

traçou-se um breve estudo de definições e etimiologias com o intuito de perceber o que é o

cheiro e seus supostos sinônimos no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2002; 2007)

e, também, entender o que é o perfume e suas diferentes acepções usando tanto o dicionário

supra citado, assim como tentando compreender uma definição técnica da indústria química

(Speziali, 2012; Société Française des Perfumers, on line).

No terceiro capítulo, elabora-se a análise de como a perfumista, a diretora criativa e a

marca elaboram o processo de desenvolvimento das fragrâncias, do porquê da escolha desses

indivíduos como atores e de como isso está tratado nas fontes públicas, quase em totalidade

on line. Para contextualizar, pensa-se no que significa nos dias de hoje a cidade, as metrópoles

e o urbano até chegar a um conceito de espaço urbano e lugar. Para tanto, os autores que

ajudam a produzir essas ideias são: Cacciari (2004[2009]), Meyer (2000), Fresca (2011),

Augé (1992[2005]), Corrêa (1989), Carlos (2007), Tuan (1983), Forgiarini (2014). Após essa

reflexão pensa-se no que significa a vida nessa contextualizada cidade da contemporaneidade,

traçando um breve histórico dessa mudança passando da época da cidade do flâneur de

Baudelaire e Benjamim para, como novos autores, criam novas possibilidades sobre como

entender a apropriação da cidade pelos indivíduos. Os autores que permitem essa elaboração

são: Rocha e Eckhert (2003), Canevacci (1993[2004]), Schulz (2008) e Cacciari

(2004[2009]). Outra contextualização necessária para o devido entendimento do processo

criativo da perfumista contratada pela marca Claus Porto, se trata da localização no qual o

7

perfume analisado mais de perto no exposto trabalho, a Colônia 2 Agua Geranium, foi

concebido. Entender o lugar – Jardim Botânico de Lisboa – traz análises pertinentes das quais

elucidam o tal processo da perfumista. Nesta fase o levantamento de fontes públicas on line

corroboraram para a contextualização do Jardim Botânico de Lisboa, assim como, a visitação

in loco deste pela autora do trabalho, também, ajudou no seu entendimento. Uma análise é

feita a relacionar o processo de criação da perfumista dado em fontes públicas on line, antes

do desenvolvimento do perfume inspirado em Lisboa, com o intuito de demonstrar que não é

coincidência a escolha de um Jardim Botânico. A fim de aprofundar essa escolha revela-se

outros pontos de tangência entre o processo da perfumista em Londres, sua cidade de

residência e, Lisboa, cidade fonte da inspiração para o desenvolvimento do perfume. Não

esquecendo dos desafios e das mudanças atuais do que significa a cidade e o habitar a cidade

com as mudanças perpetradas pela pós modernidade. Alguns autores ajudam nesse processo,

como: Mendes (2011), Baptista et al. (2018), Costa & Magalhães (2014), Gato (2014), Silva

& Carvalho (2013). E por fim, neste capítulo, discorre-se pelo outro método que serviu para

alicerçar a análise do qual a perfumista utiliza-se para a composição de perfumes. Refere-se

ao ato do caminhar como forma de apreensão do entorno, o ressignificando de modo

simbólico e, no caso da perfumista, pessoal e artístico. Aqui analisa-se mais profundamente os

vídeos institucionais da marca Claus Porto, nos quais registram a viagem que a perfumista e a

diretora criativa faz por Portugal e por Lisboa, nas quais faz emergir uma linguagem ao

mesmo tempo artística e mítica. Para essa análise, lança-se mão de Fortuna (2018), Canevacci

(1993[2004]), Careri (2002[2013]), Ferrara (1991), Grinover (1971), Tuan (1977[1983]),

Barthes (1957[2001]), do press release fornecido pela marca Claus Porto via e-mail e a

resposta da relações públicas da marca – Mariana Pedrosa – a algumas perguntas feitas pela

autora via e-mail, além de várias fontes jornalísticas públicas on line.

Uma vez que a Claus Porto é uma marca passando por uma reformulação para atingir

metas estratégicas estabelecidas por seus novos investidores e administradores, faz-se

necessário entender, então, essas estratégias e no que isso muda a Claus Porto como marca.

Portanto, possuir um entendimento do que é marca, branding, rebranding e como isso faz da

Claus Porto uma marca diferente do que era, leva a um maior entendimento da adoção de

estratégias que confirmam a nova narrativa escolhida pela marca. Apesar dessa perspectiva

possuir uma abordagem focada no mercado, o aspecto cultural não se perde, sendo esse

trazido à tona nesse capítulo, através de análises de alguns aspectos intangíveis levantados

frequentemente pela marca na pesquisa das fontes públicas que carrega questões culturais

importantes para essa nova fase, além de confirmar que a construção e gerenciamento de uma

8

marca impacta o modo de vida dos indivíduos e, portanto, da cultura. Pensa-se também em

articulações com conceitos sobre tradição, branding sensorial, marketing de nicho, artificação

de marcas e produtos e perfumes de nicho. Autores como: Aaker (1991[1998]), Silva, Feijó e

Gomez (2016), Lindstrom (2005[2012]), Giddens (1994[2000]), Douglas e Isherwood

(1979[2009]), Williams (1961[1975]), O’Reilley (2005), Barker (2000[2008]), Dalgic e

Leeuw (1994) e Kapferer (2014), ajudaram na análise e elaboração de algumas possíveis

conclusões neste quarto capítulo.

Chegando ao final, na conclusão do trabalho, chega-se a ideia de que a teoria das

imersões urbanas, de fato, se articulam com o método pessoal da perfumista, com vários

pontos de contato. O que pode levar a uma possibilidade de pensar sobre um método

científico de criação de perfumes, com inspiração etnográfica. Conclui-se, também, que a

estratégia de rebranding da marca justifica as diversas tomadas de decisão através da

contratação de uma mestre perfumista e dos lançamentos dos perfumes, nomeadamente, Claus

Porto Le Parfum e da linha de Água de colônias, onde a marca mostra uma maior ambição

que é se reposicionar como uma marca de nicho de luxo, focada numa ideia de lifestyle de

luxo. Os meandros desse processo elucida diversos aspectos enaltecidos pela Claus Porto

sobre ela mesma, como: tradição, arte, história, autenticidade, artesania e cuidados aos

detalhes, o que caracteriza a marca como se utilizando de diversas características culturais, o

que fica patente em sua narrativa e comunicação nessa nova fase de sua existência no

mercado.

2 OLFATO, O SENTIDO MARGINAL

Cientificamente o olfato é ainda um mistério. Em 2004, os biofísicos norte-americanos,

Richard Axel e Linda Buck, conjuntamente com vários cientistas da área, foram

contemplados com o Nobel de Fisiologia ou Medicina pela descoberta dos receptores

odorantes e da organização do sistema olfativo. Eles descobriram que 3% dos genes humanos

codificam os diferentes receptores odorantes, traçando assim, o caminho das conexões

nervosas que esses receptores fazem até chegar ao cérebro. Até então, esses dados sobre o

olfato eram desconhecidos. Porém, apesar da conquista científica ainda existem perguntas que

não possuem respostas.

Burr, em nota à edição brasileira sobre o prêmio Nobel de 2004, traz à tona o quanto

ainda há para se responder, pois o que foi descoberto é o onde estão, quais são os receptores e

9

qual o caminho da informação olfativa até chegar ao cérebro, mas ainda não se descobriu

como essas conexões funcionam dentro do cérebro em si. “Buck descobriu, metaforicamente,

a fiação que faz o olfato funcionar no corpo humano, mas a questão da forma versus vibração

não é: ‘Onde estão as conexões?’. E, sim: ‘O.K., você descobriu as conexões, mas como é que

as conexões funcionam?’”(Burr, 2002[2006], p. 9). Sendo assim, foi dado um passo

significativo para o começo do entendimento do sentido do olfato, mas o mistério de como se

sente os odores ainda não está elucidado. O livro de Chandler Burr narra a defesa do biofísico

Luca Turin de outra teoria científica. Os contemplados do Nobel de 2004 coadunam com a

Teoria da forma molecular e Turin defende a Teoria da vibração molecular. Uma teoria não

anula a outra, porém o biofísico questiona que ainda não se encontrou qualquer resposta

acerca de como os receptores do olfato leem as moléculas odorantes, portanto o autor clarifica

e sugere que o conhecimento relativo ao sentido do olfato ainda precisa de mais estudos para

avançar sobre a sua elucidação, pois ainda não é possível predizer os odores de acordo com

essas teorias. A teoria que Turin defende não é uma unanimidade científica, os teóricos da

forma não se alinham à teoria da vibração devido a diversos fatores que o livro – “O

Imperador do Olfato: uma história de perfume e obsessão” de Burr (2002[2006]), percorre em

suas quase quatrocentas páginas. O que ocorre que ambas as teorias possuem incongruências

e não conseguem, ainda, predizer os odores.

Este resumido preâmbulo técnico serve para sensibilizar o leitor para o nível de

complexidade do tema que está a ser tratado no presente capítulo. O olfato é um enigma,

ainda não se sabe com o mínimo de confiança como sentimos, biologicamente e

fisiologicamente. Já com relação aos odores, igualmente, não se obtém zonas de conforto

analíticas, pois estes não são objetos de fácil análise devido as suas características invisíveis,

além da falta de uma linguagem olfativa própria. A linguagem visual possui, por exemplo,

palavras das quais tangibiliza de modo mais preciso, proporcionando um arcabouço

comunicacional no qual podemos “ler” através de inúmeros parâmetros, como: tamanho, cor,

contexto, conteúdo, textura...A visão já está decifrada, porém no sentido do olfato o trajeto é

tortuoso: como “ler” algo invisível como o odor de alguma coisa, pessoa ou lugar? O olfato

está, pelo menos até então, em outro espectro de entendimento: o dos sentimentos, da

subjetividade, da memória, portanto no domínio da interpretação individual ou coletiva.

Mandy Aftel ilustra que: Cheiro é divertido, sexy, visceral, nos transporta: nos lembra quem nós somos e nos conecta um com os

outros e ao mundo natural. De todos os sentidos, o olfato é aquele que atinge mais prontamente além de

10

nós, mesmo quando toca as mais poderosas fontes de nossos ‘eus’ mais íntimos. Tem a capacidade

incomparável para nos despertar, para nos tornar totalmente humanos (2014, p. 4).15

Enquanto o olfato caminha num terreno movediço em relação ao seu conhecimento e

funcionamento, outros sentidos já possuem esse desenvolvimento em profundidade,

nomeadamente a visão e a audição. De novo a questão da previsibilidade surge, uma vez que

proporciona a possibilidade de gerenciamento desse conhecimento e, por conseguinte, de

desenvolver aparatos tecnológicos e científicos advindos dessa previsibilidade, como por

exemplo, com relação a visão, pode-se destacar as máquinas fotográficas. Como Burr

menciona, já se sabe com exatidão que a vibração de um fóton de luz captado no receptor

visual na retina vai nos fazer ver esta ou aquela cor, assim como na audição é possível prever

qual vibração de ar na cóclea vai criar qual tom, mas com relação ao olfato não se pode fazer

essa previsão (Burr, 2002[2006]) p.19).

Em virtude desse aspecto científico e também histórico, o sentido da visão possui uma

supremacia em comparação aos outros sentidos humanos. Young diz que não existe dúvida

que nós, primeiramente, somos seres visuais e que percebemos e navegamos o mundo através

da visão (Young, 2016, p.1).16 O que se questiona não é a visão possuir sua grande

importância no mundo contemporâneo, mas do sentido do olfato ser relegado à invisibilidade.

De um lado, o olfato é um sentido pouco conhecido, mas este ser preterido dentro do sistema

da percepção é algo que deve ser revisto. Classen et al endossam que “o fato de chamarmos

atenção para os odores serve para corrigir esse desequilíbrio que vem de longa data (...).”

(1994[1996], p. 19). Brant tece que pesquisadores de diversas áreas científicas chamam

atenção quanto a essa questão, fazendo um esforço para a realização de uma teoria olfativa

que consiga traçar um entendimento através de diversas áreas científicas, uma vez que o

entendimento do olfato requer um esforço multidisciplinar (Brant, 2008, p. 544)17.

Historicamente, o olfato possui um entendimento negligente, desqualificado e até

sombrio. Nesse sentido, o ponto alto sobre o estudo do olfato é o que o historiador Alain

Corbin (1982[1987]) qualifica como a revolução olfativa operada nos séculos XVIII e XIX

15 Tradução nossa. Citação original: “Scent is fun, sexy, visceral, transporting: it remind us who we are and connects us to one another and the natural world. Of all senses, the sense of smell is the one that reaches most readily beyond us, even as it most powerfully taps the wellsprings of our inmost selves. It has an unparalleled capacity to wake us up, to make us fully human.” (Aftel, 2014, p. 4). 16 Tradução nossa. Citação original: “There is no doubt that we are primarily visual beings who sense and navigate the world using vision.” (Young, 2016, p. 1). 17 Tradução nossa. Citação original: “Smell studies are truly muldisciplinary, from anthropology to zoology, via sciences and history.” (Brant, 2008, p. 544).

11

através da desodorização da vida social urbana. Uma mudança de mentalidade importante

começou a perfazer com relação a percepção olfativa. O autor acrescenta: Mais uma vez, o silêncio se faz presente. O uso dos sentidos e sua hierarquia vivida têm história. Nesse

campo, nada é ponto pacífico, nada justifica o desdém negligente dos especialistas. A recusa dos odores

não resulta apenas do progresso das técnicas. Ela não nasce do spray e do desodorante para o corpo;

estes só fazem traduzir uma obsessão antiga, e vêm engrossar um movimento longínquo (1982[1987])

p.10).

Segundo Corbin, de acordo com o avanço nos estudos médicos, nos discursos

higienistas, químicos, do estudo do ar, do conceito de salubre e insalubre, da mentalidade de

normalização social, o que ele coloca como “vigilância olfativa na linguagem científica”

(Corbin, 1982[1987], p.24), começa o entendimento mais amplo do olfato e dos odores,

porém focado em uma ideia de que cheiros pútridos são sinônimos de insalubridade e que

cheiros dos jardins e flores são o sinônimo de salubridade. Atualmente, essa visão já está

inserida na mentalidade vigente, principalmente ocidental, porém, na ocasião do estudo do

historiador, isso foi uma revolução. Então, o autor diz que houve, o que ele elucida como, um

“silêncio olfativo” e uma “hiperestesia coletiva” (Corbin, 1982[1987], p.10) na qual a

sociedade da época se tornou intolerante aos cheiros cotidianos da ambiência citadina da

ocasião. Corbin declara: “Horror tem seu poder; o dejeto nauseabundo ameaça a ordem social;

a reconfortante vitória da higiene e da suavidade acentua a sua estabilidade.” (1982[1987],

p.11).

Portanto, nesse momento o olfato obteve algum destaque, mas não uma qualificação

positiva na hierarquia dos sentidos. O olfato passou a simbolizar sensações animalescas,

obscuras e pouco desenvolvidas. De acordo com Corbin: Alguns estereótipos bem simples desenham os paradoxos do olfato. Sentido do desejo, do apetite, do

instinto, ele traz em si o selo da animalidade. Farejar iguala ao animal. A impotência da linguagem para

traduzir as sensações olfativas, faria o homem, se esse sentido predominasse, um ser bloqueado para o

mundo exterior. Vítima de sua fugacidade, a sensação olfativa não poderia solicitar o pensamento de

um modo durável. A acuidade do olfato se desenvolve na razão inversa da inteligência (1982[1987], p.

12-13).

Os odores antes faziam parte da vida cotidiana urbana18, com a revolução olfativa esta seria

substituída por algo mais racional, mais controlado, com cheiros menos intensos e mal

cheirosos que até então são oriundos da natureza, dos animais e dos humanos e, com a

chegada do Séc. XIX, acrescentou-se os cheiros advindos da indústria. Deu-se lugar a uma

18 “(…) a intensidade olfativa do meio ambiente excrementicial, o aterrorizante fedor, incessantemente denunciado, do espaço público.” (Corbin, 1987, p. 40).

12

análise olfativa a identificar doenças, um ambiente infeccioso e portanto insalubre. Corbin diz

que “o olfato sabe revelar a precariedade da vida orgânica.” (1982[1987], p. 31). O autor

continua dizendo que a associação dos odores ao pútrido, à morte e a doença de modo

consciente ainda não estava racionalizada pela sociedade da época até esse momento e, em

consequência dessa tomada de consciência, preocupou-se em separar claramente o que era do

mundo dos mortos do mundo dos vivos (Corbin, 1982[1987], p. 81). Esse fato obteve seu

auge no Século XVIII e, no Séc. XIX essa ideia ainda existia, porém sendo adicionado ideias

que imprimem uma diferenciação de classes sociais e a configuração de uma nova ideia de

cidade. Para enfatizar, Corbin revela que “será o século XIX que organizará essa nova leitura.

A estratégia que será então utilizada procederá à divisão entre o burguês desodorizado e o

povo infecto.” (1982[1987], p. 77). O que suscita que o olfato denuncia o horror, o fétido e o

morto, mas também diferencia o que está desinfectado do que é infectado. Necessário é

entender que esse é o começo do processo de desodorização e de suas consequências, mas já

no século XIX se vislumbra o que, na atualidade, se tornou senso comum, principalmente no

mundo ocidental, com relação aos odores externos (espaço público), aos odores internos (vida

privada) e corporais. Corbin agrega que “este episódio centenário da história do nojo, das

afinidades e da purificação abalou as representações sociais e as referências simbólicas.”

(1982[1987], p. 294).

Entretanto a hiperestesia coletiva e a intolerância sensorial, principalmente relacionada

ao olfato, não foi o suficiente para promover a relevância social no mesmo nível que os

sentidos da visão, audição e tato. Este, até hoje, continua a ser ambíguo quanto a sua posição

na hierarquia sensorial. Porém, Corbett esclarece que o olfato serviu para delimitar,

discriminar e regular e, que portanto, estes três processos políticos aconteceram graças a

revolução olfativa (Corbett, 2006, p. 223). Segundo o autor, o discriminar implica a

contribuição na manutenção da ordem social que caracterizam a diferença de grupos e de

ordens sociais (burgueses versus povo), o delimitar se traduz no espaço social traçar limites

de modo a diferenciar e separar o que é inodoro do mal odor e, por último, regular significa a

corrida higienista frente a banalização do mal odor e de todo o simbolismo de morte e doença

que ocorria na época, portanto conter o cheiro em si mesmo é sinônimo de uma ambiente

descontaminado e portanto controlado. (Corbett, 2006, p. 223-224). Corbett continua dizendo

que as consequências desses três argumentos foram a diferenciação de grupos dominantes e

de grupos dominados, a valorização do ambiente doméstico uma vez que a rua é aonde está a

aglomeração de pessoas na qual, em quase totalidade está o povo infecto e finalmente, o

pensar arquiteturalmente separando e construindo meios físicos no ambiente doméstico

13

(ventilação e sistemas de desodorização, por exemplo) a fim de tornar o ar mais puro, livre

dos mal odores. (Corbett, 2006, p. 223 a 226). Destaca-se também no artigo de Corbett uma

fala pertinente na qual o autor se refere “a nova ordem higiênica, a esta intolerância olfativa

ou a hiperosmia, estava acompanhada pela crescente intolerância moral”19 (2006, p. 225),

suscitando os embates sociais advindos da revolução olfativa. Portanto, de um lado o controle

e a descontaminação e de outro lado sucede o que os autores Classen et al dizem que “o

cheiro foi marginalizado” (1994[1996], p. 15); esses antropólogos dos sentidos, analisam que

o nascimento destes códigos olfativos da descontaminação “servem mais para dividir e

oprimir os seres humanos do que para uni-los” (Classen et al, 1994[1996], p. 15), pois o

cheiro passou a ser “percebido como ameaça ao regime abstrato e imperfeito da modernidade

em virtude de sua radical interioridade, de suas propensões para a transgressão de fronteiras e

sua potência emocional.” (Classen et al, 1994[1996], p. 15).

Contudo é interessante notar que o paulatino retorno e implantação do valor do olfato

e dos cheiros agradáveis na vida quotidiana que foram engendradas desde a nova ordem

sanitária e higiênica, de certo modo, ajudou o desenvolvimento dos indivíduos em

aglomerações urbanas. Provavelmente sem esse alinhamento conceitual e prático do que seria

um cheiro agradável ou não e, a mudança com a relação a tolerância dos cheiros

nauseabundos, é pelo menos, possível pensar que a vida urbana não teria se desenvolvido

como é presenciado nos tempos atuais. Ressalta-se que não foi só isso que desenvolveu a vida

urbana, mas pelos argumentos aqui expostos fica evidente o importante papel do olfato nesse

período. Também necessário destacar que esse conceito faz sentido no presente, pois quando

aconteceu a revolução olfativa nos Séculos XVIII e XIX, ainda, não se tinha o conhecimento

atual com relação a saúde e sua promoção e, do quanto é importante para a longevidade e

sustentabilidade da vida.

Já em outra perspectiva com relação a incompreensão olfativa, Malnic20 esclarece que

acreditava-se que o olfato humano era empobrecido quando comparado a outros animais e

que por isso não despertava grande interesse científico (2008, p. 9). A autora também fala que

isso não é uma verdade total, pois, de fato, não possuímos o mesmo tamanho da mucosa e do

19 Tradução nossa. Citação original: “They were even less tolerant of those who were unable, or refused, to uphold the new hygienic order, and this olfactory intolerance, or hyperosmia, was accompanied by an increasing moral intolerance.” (Corbett, 2006, p. 225). 20 Bettina Malnic é doutora em bioquímica e Biologia Molecular pela Universidade de São Paulo e pós-doutora em Neurociência pela Universiadade Médica de Harvard. Pioneira no estudo do olfato no Brasil. Coordenadora do laboratório de Neurociência Molecular na USP. (Malnic, 2008, Sobre a Autora). É “ex-orientanda da ganhadora do Nobel de Medicina de 2004, Linda Buck.” Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3005200601.htm, acessado em 22 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo.

14

bulbo olfativo que cães e camundongos possuem e, portanto, a mesma capacidade de captação

dos cheiros, mas segundo a autora possuímos “regiões cerebrais envolvidas na detecção dos

cheiros, tanto corticais como do sistema límbico, mais extensas do que se imagina. São

regiões envolvidas no processamento imediato da informação oriunda do nariz e,

provavelmente, permitem a simples detecção e discriminação dos cheiros.” (Malnic, 2008, p.

19). Malnic continua discorrendo que: Outras regiões do cérebro estão envolvidas em tarefas mais complexas, como a comparação de cheiros

e sua associação a diferentes situações ou memórias. Como o cérebro do homem é maior e mais

complexo, tem um poder de processamento da informação olfativa maior e diferente do que é possível

nos outros animais. Alguns experimentos indicaram também que a sensibilidade olfativa no homem não

é tão ruim como se pensa (2008, p. 19-20).

Portanto, a autora denuncia mais evidências nas quais destacam a complexidade e o poder do

olfato humano e de como não se sabe profundamente e em detalhes como sentimos os cheiros,

conforme já explicitado acima. Em acréscimo, a cientista exemplifica uma pesquisa da

Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, onde constatou-se “a primeira evidência

científica de que existe comunicação entre os seres humanos a partir dos cheiros corporais.”

(Malnic, 2008, p. 16). A pesquisa da cientista, Martha Clintock, chegou a conclusão que

mulheres que moram juntas tendem a apresentar um ciclo menstrual sincronizado devido a

detecção de odorantes presente no suor humano, através do sentido do olfato, que podem

desencadear respostas fisiológicas entre os indivíduos, mudando seu comportamento a nível

físico devido as essas mensagens olfativas liberadas pelos indivíduos em interações sociais

(Malnic, 2008, p. 15-16). A autora expõem também a estreita relação entre o olfato e o

paladar, no qual o olfato possui papel importantíssimo, pois sem ele não poderia haver a

percepção da diferença de sabores dos alimentos e entre eles. O sentido do paladar somente

detecta, através da língua, as sensações de doce, amargo, salgado ou azedo (Malnic, 2008, p.

16-17). Outro aspecto importante é que o olfato participa de mais questões fisiológicas.

Através dos sinais olfativos, o sistema límbico que é a região do cérebro considerada mais

primitiva do que as regiões corticais, além de ser responsável pelo desencadeamento de

emoções e memórias é, também, responsável por alguns sinais olfativos que estimulam a

produção de hormônios, no hipotálamo, região essa que controla, por exemplo, a reprodução

sexual e o apetite (Malnic, 2008, p. 18-19).

Outra função do olfato está relacionada com a vida sexual. A neurocientista Rachel

Herz, autora do livro The Scent of Desire, no documentário The Empire of Scent declara que:

“Não há dúvidas de que o sentido do olfato tenha relação direta com nosso desejo sexual e

15

motivação sexual, especialmente para as mulheres. Inclusive, pelas pesquisas que fizemos,

mais do que qualquer outro sentido” (Herz, 2014, on line, 57’03”). A autora explica que as

mulheres, nesse quesito possuem uma sensibilidade maior, tendo impacto significativo na

atração e escolha sexual. “Para uma mulher, o cheiro é a sua característica mais importante

para determinar se ela vai ficar atraída por você ou o contrário. É até mais importante do que

suas características sociais (...)” (Herz, 2014, on line, 57’22”). Ela não exclui a possibilidade

de que os homens possuam essa premissa. “Para as mulheres, e talvez para os homens, mas

para toda mulher que conheço, e também pela pesquisa que fizemos, se o cheiro for ruim, não

tem conversa.” (Herz, 2014, on line, 57’51”). Em conferência no TEDx Natick, ainda a autora

se aprofunda explicando o porque isso acontece e como, dizendo que: Existe uma conexão biológica básica e direta entre seu sistema imunológico, seu odor corporal, seu

olfato e a procura pelo melhor parceiro para a fertilidade e a saúde da criança. Isto porque o seu odor

corporal é uma representação externa dos genes do seu sistema imunitário e todos têm um odor corporal

único, é tão único quanto a sua impressão digital (Herz, TEDx Natick, on line, 09’38”).21

Mais uma vez o marginalizado sentido do olfato se mostra mais relevante do que o

senso comum apregoa. Quando se pensa o olfato em comparação a visão, pode-se inferir que

o olfato qualifica a vida humana, dá sabor, vivifica, intensifica, detalha, aproxima, intimiza,

particulariza, sinaliza, emociona, evoca... como a autora Malnic, também, nos alerta “sem o

olfato não perceberíamos a diferença dos sabores entre uma gelatina de morango e uma

gelatina de pêssego.” (2008, p. 17), sentiríamos apenas a textura e a sensação doce e/ou azeda

da gelatina e, assim seria com todas as experiências gustativas. O sentido do olfato, em

virtude de seu impacto emocional, se torna mais rico e intenso que o da visão. A autora

Mandy Aftel aprofunda que: Visão e audição, em contraste dependem apenas da percepção das ondas de luz e ondas sonoras que

emanam ou são refletidas pelo objeto em questão; em certo sentido, descrevem apenas o objeto em

questão, enquanto o cheiro envolve o contato físico com sua emanação (2014, p. 11-12).22

21 Tradução nossa. Citação original:“There is a basic and direct biological connection between your immune system, your body odor, your sense of smell and finding the best mate for fertility and child healthy. This is because your body odor is a external represation of the genes of your immune system and everybody has a unique body odor, it's as unique as your fingerprint.” (Herz, 2019, TEDx Natick, on line, 09’38”). Disponível em: https://youtu.be/lmGLsMER58g, acessado em Junho de 2019. 22 Tradução nossa. Citação original: “Vision and hearing, by contrast, depend only on the perception of light waves and sound waves that emanate from or are reflected by the object in question; in a sense they only describe the object in question while smell involves physical contact with its emanation.” (Aftel, 2014, p. 11-12).

16

Figura 1. Em termos gerais, detecção do cheiro e do gosto. Disponível em: https://www.frontliner.com.br/content/images/2020/08/virus-da-covid-causa-menos-danos-ao-olfato-e-paladar-que-o-virus-de-um-resfriado_paladar.gif, acessado em 08 de Outubro de 2021.

A dificuldade em perceber os odores no espaço também é um dado que incrementa a

marginalização do olfato. Young defende que os cheiros podem delimitar um lugar no espaço

mesmo com limites pouco claros (2016, p. 5). Classen corrobora esclarecendo que os sentidos

são as “janelas no mundo” os quais são preculturais (1997, p. 402)23. A autora continua ainda

que “a construção cultural da percepção sensória condiciona nossa experiência e

entendimento de nossos corpos no mundo num nível fundamental e este modelo sensorial é

suportado pela sociedade revelando suas aspirações e preocupações, divisões, hierarquias e

inter-relações.” (Classen, 1997, p. 402).24 Hoover levanta outra dificuldade sobre o sentido do

olfato, enfatizando o seu aspecto peculiar em comparação com os outros sentidos. Ele diz que

“nosso corpo responde emocionalmente e psicologicamente por um odor antes mesmo de nós

pensarmos sobre ele.” (2009, p. 237).25 Low fala que enquanto a supremacia da visão limita a

nossa percepção do mundo através do campo de visão humano que será de no máximo 180

graus, o olfato nos propõem um entendimento em 360 graus, onde pode-se não saber a origem

do cheiro ou detectar sua localização precisa, porém ele nos invade mesmo assim e nossa

resposta é imediata, quase sempre de modo não racional e, quando a racionalização acontece

este é compreendido de uma forma sinestésica, uma vez que não possui termos de vocabulário

definidos (Low, 2005, p. 399).

23 Tradução nossa. Citação original: “The first is the assumption that the senses are ‘windows on the world’, or in other words transparent in nature, and therefore precultural.” (Classen, 1997, p. 402). 24 Tradução nossa. Citação original: “Thus, the cultural construction of sensory perception conditions our experience and understanding o four bodies and the world at a fundamental level. The sensory moldel supported by a society reveals that society’s aspirations and preocupations, its divisions, hierarchies, and inter-relationships.” (Classen, 1997, p. 402). 25 Tradução nossa. Citação original: “Our bodies respond emotionally and psicologically to odour before we think about it.” (Hoover, 2009, p. 237).

17

Apesar dos percalços, os cheiros não são destituídos de significados e não denotam e

conotam somente uma relação inversa de doença versus saúde e limpo versus sujo ou

interações químicas, biológicas e psicológicas. Conforme Classen et al defendem, assim como

não traz somente à tona indicadores de classe, mas principalmente nos informa de um mundo

invisível repleto de significados, que caracterizam lugares, espaços e territórios, assim como

também exprimem uma codificação de identidade individual que ficam impressos em nossas

memórias, sejam pessoais ou coletivas e expressam emoções, modos de vida e temporalidades

de um modo metafórico, elusivo e poético (Classen, 1994[1996], p. 13). Constata-se, também,

que o cheiro entrou num processo paulatino de silenciação ao longo do tempo, evidenciando a

mudança perceptiva com relação ao olfato e a sua relação social com ele. Corbett expõe que o

cheiro possui uma peculiaridade até então não clara, serve para uma estratégia de

individualidade, identidade e de um conceito de intimidade, uma vez que o controle dos

cheiros trouxe uma separação não só do público e do privado, mas também do que é de si e do

outro (Corbett, 2006, p. 226). Conforme diz Low, “o cheiro pode ser utilizado como um

intermediário social na (re)construção de realidades sociais.”26 Classen et al acrescentam que

“os odores são pistas essenciais na criação e conservação de vínculos sociais.” (1994[1996],

p. 12) e, que “o papel do cheiro na cultura só pode ser entendido num contexto

multissensorial.” (1994[1996], p. 19).

Os limites de onde começa um sentido e outro não são claros e definidos, assim como,

no senso comum, não é corrente que um indivíduo racionalize isso. Assim, como o sentido do

olfato é multissensorial, assim é também a percepção humana. Especificamente com relação a

característica fugidia dos cheiros faz com que exista uma indistinção lógica e pontual acerca

de onde, claramente, começa e onde termina o estímulo olfativo e o coloque como um sentido

do qual se possua menos controle sobre seu processo perceptivo, portanto sobre como o olfato

é detectado e percebido pelo indivíduo num ambiente externo. Herz em seu depoimento sobre

cheiros e o sentido do olfato, elucida a respeito: “Até porque o cheiro é invisível. Este é outro

detalhe interessante e potencialmente perigoso deste aspecto negativo, pois você não pode se

proteger. Não dá para saber quando o odor vai aparecer.” (Herz, The Empire of Scent, 2014,

on line, 58’08”). Pensar em cheiros, de modo corriqueiro, é pensar em algo elusivo e

qualitativo, além do que o termo “cheiro” é algo que imprimi uma ideia de abrangência.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa a palavra cheiro pode ser

atribuída tanto para um estímulo positivo, como negativo (2002, v. 2, p. 904). E, assim como,

26 Tradução nossa. Citação original: “(...) smell may be utilized as a social medium in the (re)construction of social realities.”. (Low, 2005, p. 398).

18

no Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos, possui como sinônimos as palavras aroma,

fedor, odor, olfato – faro, sachê e no sentido figurado aparecem as palavras: ar, cara, indício,

rastro e vestígio (2007, p. 123). Conforme o Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos, a

palavra aroma não possui essa dualidade qualitativa, nesse aspecto a palavra incorpora um

aspecto positivo, servindo para um tipo de cheiro agradável (2007, p. 159). Porém na

definição da palavra aroma no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, aparecem duas

acepções pertinentes a se destacar, uma na segunda possível acepção da palavra na qual deixa

claro a questão artificial dos perfumes e usa como exemplo: “aroma de Chanel n° 5” e a outra

na quinta possibilidade de definição apontado como “aditivo que reforça o sabor ou empresta

determinado sabor aos alimentos industrializados” (2002, v. 1, p. 379). Essas acepções

destacadas convergem com as definições técnicas de aroma e de perfume aplicadas na

indústria da perfumaria e dos sabores.

Essas distinções semânticas são especialmente importantes para o entendimento da

indústria química da perfumaria/fragrâncias e dos sabores. No artigo de Speziali, a título de

exemplificação sobre essas distinções, destaca-se as definições de aromas e fragrâncias

elaborados pela Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos, órgão inserido no

Ministério da Saúde brasileiro. Para o referido órgão, aromas são “substâncias ou misturas de

substâncias, possuidoras de propriedades sápidas e odoríferas ou somente sápidas, capazes de

conferir odor e/ou sabor aos alimentos e bebidas.” Já fragrâncias são “substâncias dotadas

somente de propriedades odoríferas.” (Speziali, 2012, p. 861). Fica evidente a especificidade

ditada pela indústria contemporânea, o que configura a mudança histórica social e política da

época atual.

Para fundamentar em mais profundidade as diferenças semânticas nas palavras cheiro,

odor, perfume e fragrância ressalta-se também o tratamento que essas palavras possuem numa

associação Francesa de perfumistas, com relevância internacional no setor da perfumaria.

Segundo a Société Française des Perfumeurs, que se trata da associação de profissionais da

indústria da perfumaria, com atuação principalmente na França e com cerca de 75 anos de

existência, essa defende uma linguagem única, portanto uma terminologia na qual una todos

os pares envolvidos na indústria e não deixe as inúmeras formas de comunicação atuais e, em

crescente expansão e mudança, desvirtuar as significações das palavras: “Diante disso, é

importante que a perfumaria mantenha sua identidade e sua especialidade e é essencial que

exista uma linguagem, pois é pelo rigor que vamos manter o elo entre o passado, presente e

19

construir o futuro.”27 Para isso a associação no seu portal online possui um glossário onde

deixa claro a diferença técnica entre as palavras: fragrância, odor, perfume e aroma. Destaca-

se que para a indústria de perfumes as palavras fragrância e perfume possuem definições mais

claras e restritas, cuja fragrância (fragrance) possui a seguinte definição: “Ao contrário do

cheiro (odeur), que pode ser agradável ou desagradável, esta palavra francesa de origem latina

traduz o cheiro agradável de um produto perfumado.”28 Já a palavra perfume (parfum):

“Finalização do trabalho de criação de um perfumista. Este termo é usado, frequentemente,

indevidamente como sinônimo de fragrância ou nota. Perfume ou extrato: o produto mais

concentrado e geralmente o mais rico de uma linha definida.”29 Portanto, a palavra fragrância

é entendida como um tipo de cheiro agradável e usado como o cheiro exalado por perfumes,

que se trata de um produto elaborado pela criação de um perfumista e/ou de indivíduos que

atuam na indústria. Logo, segundo essa ótica, um perfume não exala um cheiro ou odor e nem

tampouco um aroma, mas sim exala uma fragrância. Naturalmente, num linguajar do dia a

dia, é comum expressões como: “cheiro” de um perfume ou “aroma” de um perfume, mas o

mais acertado numa linguagem técnica, para não dizer química, evidenciada pela

especificidade da distinção ditada pela indústria da perfumaria, é se referir ao cheiro que o

perfume exala o nomeando de fragrância. Não é coincidência que a indústria da perfumaria e

dos sabores, se designam como fragrances & flavors, fazendo uma clara separação do que são

fragrâncias e aromas e, deixa claro, tecnicamente, seus setores e alcances, evidenciando uma

diferença flagrante da linguagem do dia a dia para a linguagem industrial e técnica, já com um

nível de especificidade evidente.

As definições de cheiro, aroma, fragrância, perfume e odor também são próximas,

além dessas palavras serem usadas como sinônimo entre si, o que denota e conota uma

dificultosa especificidade linguística e de significado. Em virtude da palavra cheiro possuir as

duas possíveis qualificações, agradável ou desagradável, esta se torna mais abrangente do que

as outras, configurando uma anterioridade de uso que a faz estar, hierarquicamente, a frente

27 Tradução nossa. Citação original: “Face à cela, il est important que la parfumerie garde son identité et sa spécialité et il est indispensable qu’il n’y ait qu’un seul langage car c’est par la rigueur que nous maintiendrons le lien entre le passé, le présent et construit l’avenir.” Disponível em: https://www.parfumeurs-createurs.org/en/filiere-parfum/glossaire-103, acessado em 20 de Agosto de 2019. Segundo parágrafo. 28Tradução nossa. Citação original: “Fragrance - Par opposition à l’odeur, qui peut être agréable ou désagréable, ce mot français d’origine latine traduit l’odeur plaisante d’un produit parfumé.” Disponível em: https://www.parfumeurs-createurs.org/en/filiere-parfum/glossaire-103, acessado em 20 de Agosto de 2019. 29 Tradução nossa. Citação original: “Parfum: Aboutissement du travail de création d’un parfumeur. Ce terme est parfois employé improprement comme synonyme de fragrance ou note. Parfum ou Extrait : Produit le plus concentré et généralement le plus riche d’une ligne définie.” Disponível em: https://www.parfumeurs-createurs.org/fr/filiere-parfum/glossaire-103, acessado em 20 de Agosto de 2019.

20

das palavras: aroma, fragrância, odor e perfume das quais são entendidas como tendo uma

qualidade positiva somente. Logo, estas palavras são tipos de cheiro, não somente sinônimos.

Esse fato não minimiza a ambiguidade da linguagem culta e coloquial com relação a essas

palavras, mas ajuda a compreender o que se processa na atualidade, onde a especificidade

técnica e mercadológica consegue dar um significado que o modo de vida comum não

conseguiu de todo.

Etimologicamente, também as palavras possuem origens e significados bem próximos.

No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa a palavra cheiro (2002, v. 2, p. 904) vem do

latim flagare que significa “exalar um odor forte ou agradável” e também é origem das

palavras fragrância e fragrante. Já a palavra aroma (2002, v. 1, p. 379) vem do grego aroma

que significa “planta aromática”. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a

etimologia da palavra perfume vem do francês parfum (a palavra aparece no Séc. XIV, em

1528) que significa “odor natural ou artificial agradável” (2002, v. 5, p. 2833), na verdade o

substantivo masculino perfume vem do verbo perfumar (2002, v. 5, p. 2833) que vem do

francês parfumer (Séc. XIV) que significa defumar, encher, impregnar de um odor agradável.

Porém, essas palavras francesas têm sua origem do latim vulgar perfumare, derivado das

palavras em latim per (através de) e fumare (fumar, deitar fumo, fumegar). Pesquisando mais

a fundo a origem do latim fumare, chega-se no antepositivo fum (2002, v. 4, p. 1816), que

vem do latim fumus que significa fumo, vapor, fumegar, enfumaçar. Apesar da palavra

perfume ter como origem o conceito de um cheiro vir através de algo fumegando, o que

atualmente não faz tanto sentido em virtude do avanço da tecnologia e das formas de uso,

ainda assim, é interessante observar o conceito do invisível, de um aspecto ritualístico,

misterioso e artificial.

2.1 Perfume: emoção e sua relevância cultural

Contemporaneamente, o perfume possui a ideia de algo que foi capturado, criado,

imitado, embalado, de algo artificial e sintetizado quimicamente, além de possuir um

entendimento de um cheiro agradável na maioria das vezes que essa palavra é usada na

linguagem corrente. Em se tratando de perfumes, quando pensado no contexto cultural, ou

seja, para um modo de vida na contemporaneidade, o conceito de cheiro agradável é relativo,

pois, em virtude da interpretação dos indivíduos-usuários ou estimulados olfativamente pelo

perfume, estes podem discordar sobre a qualidade dada como agradável ou não. Essa

21

circunstância destaca a subjetividade que o perfume pode assumir, característica também

cunhada pelo cheiro. Uma característica que difere dos cheiros em geral é que o perfume,

pensado contemporaneamente, possui uma intenção pré-concebida, não é algo que surge da

espontaneidade, é algo criado, forjado e, quase sempre possuidor de uma estratégia, objetivo,

uma história, representação e invenção/imaginário. O perfume é entendido como um produto

a ser consumido e possui um conceito de ter um estímulo olfativo positivo, mas ainda assim,

este pode variar culturalmente. Um indivíduo ou um grupo de indivíduos podem ter

interpretações díspares entre si, o ressignificando de diversas formas, de acordo com seus

valores e julgamentos. Pode também possuir um simbolismo que através de sua fragrância ou

de sua característica formal (frasco, por exemplo) possa ser interpretado pelos indivíduos de

formas distintas segundo seu conjunto de valores, localização geográfica, período no tempo e

etc. Para alinhar ao máximo possível esses indivíduos e grupos à estrutura social em vigor,

esta de modo engenhoso, conforma e condiciona os gostos, a fim de atingir a ideia de

agradabilidade o quanto seja possível, já que se trata de um produto a ser consumido, seja

como um objeto mercadológico e/ou simbólico. Nesse sentido é possível pensar que o

perfume é um tipo de cheiro, um tipo de produto e um objeto cultural, no qual funciona como

signo, significante e significado ao mesmo tempo, pois encerra o cheiro em si (signo), a

imagem material do cheiro (significante) e a potencialidade de qual cheiro se encerra dentro

do frasco do perfume, a ideia mental desse cheiro (significado). O perfume possui papel

mercadológico importante nos dias atuais e devido a ser um objeto cultural seu consumo é

material e simbólico.

Desde tempos imemoriais o perfume faz parte da trajetória humana, possuindo seu uso

vinculado a terapias, rituais, cerimônias, simbolismos e ao erotismo. Segundo a curadora

chefe dos museus da cidade de Grasse, Marie-Christine Grasse, existem indícios de vasos

usados para perfumes e cosméticos datados de 7000 a.C, encontrados no Oriente Médio.

Outro fato importante é que o uso dos cheiros está atrelado a elite desde essa época, sendo

então esses vasos decorativos considerados artigos de luxo (Grasse, 2007, p.15)30. Vários

materiais fragrantes desde esses tempos são usados, como por exemplo, Speziali menciona:

“(...) ervas aromáticas, madeiras com cheiro, especiarias, unguentos e similares (...)” que eram

usados na culinária para dar sabor e cheiro (2012, p. 861). Também se faziam uso de resinas,

30 Tradução nossa. Citação original: “While perfumes and the use of scents go back to the dawn of time, this dawn is more or less distant depending on the civilisation. It seems that the first objects considered as vases for perfumes and cosmetics date back to 7000 BC in the Middle East. These elegante objects with refined decorations were in circulation all around the Mediterranean and are unquestionably luxury items that were reserved for the elite.” (Grasse, 2007, p. 15).

22

que segundo Grasse, foram estas as primeiras a serem utilizadas em rituais de defumação, em

incensários ou em queimadores de perfumes que eram devotados aos deuses e reservados às

famílias reais (2007, p. 15)31. Segundo Classen et al: “Na antiguidade usavam-se fragrâncias

não só para fins de atração pessoal mas também como importante ingrediente para tudo, desde

banquetes a desfiles e funerais, passando pelos eventos esportivos.” (1994[1996]), p. 23).

Segundo esses próprios autores, nos dias atuais não se imagina o quanto os povos antigos

faziam uso da ideia da perfumação, seu uso podia ser em ambiente doméstico, ambientes

públicos, principalmente em templos, mas também em teatros, como por exemplo, em Roma,

assim como no seu uso individual (Classen et al, 1994[1996], p. 23 a p. 36). Continuando

com os autores, esses aditam: “No ocidente moderno, somos propensos a pensar no uso de

perfumes como um assunto puramente individual. Na Antiguidade, porém, a perfumadura

coletiva era um importante recurso para entreter e impressionar as massas e estabelecer a

solidariedade de grupo.” (1994[1996]), p. 36). E ainda complementam que “os odores não

eram simplesmente uma questão de preferência estética no mundo antigo, mas também um

meio pelo qual diferentes classes de pessoas eram colocadas em categorias.” (Classen et al,

1994[1996], p. 42). Fica claro a importância social, histórica, funcional, metafísica e política

dos cheiros para os povos antigos, além da diferença de valores com relação ao seu uso.

Porém, é importante frisar que os cheiros e, por conseguinte, os perfumes na

contemporaneidade possuem sua importância, mesmo que em menor alcance social e

intensidade, ou pelo menos o alcance e intensidade de sua disseminação e uso obteve

mudanças com o seguimento do tempo e dos modos de vida.

Em vista disso, quantificar a primazia dos perfumes na antiguidade e no começo da

era cristã os comparando aos tempos atuais, potencialmente, não configura uma boa estratégia

de entendimento do uso e assimilação nessas culturas e épocas. O que se pode pensar é que o

olfato para as culturas da Antiguidade, por exemplo, possuía maior ênfase e difusão em

detrimento do que acontece nos dias atuais, nos quais a visão e a audição ganharam especial

destaque e força na vida social e política contemporânea, relegando o olfato a um papel de

menor monta. Esse declínio, segundo Classen et al começa “com a ascensão do cristianismo

no século IV, o uso dos perfumes começou a cair em desuso no Império Romano.”

(1994[1996], p. 61).

31 Tradução nossa. Citação original: “These civilisations used various fragrant materials but primarily resins, which were widely used from 4000 BC for ritual fumigations, in censers or perfume-burners that were devoted to the gods and reserved for royal families.” (Grasse, 2007, p. 15).

23

Portanto, foi somente nos Séc. XVIII e XIX, que aconteceu uma nova mudança de

paradigma relacionado aos cheiros e consequentemente ao perfume. Com a Revolução

Industrial desta época, houve um crescimento das cidades e essa nova ordem citadina, assim

como as descobertas científicas, principalmente sobre a química do ar, culminou num novo

entendimento, num novo modo de viver urbano, laboral e também acerca dos cheiros públicos

e privados. O intuito de traçar essa breve perspectiva histórica é de lançar luz ao entendimento

que dentro da sociedade ocidental a adoção dos perfumes e do ato de se perfumar, não

aconteceu de forma linear, houve lacunas e altos e baixos na compreensão positiva do uso dos

perfumes e da perfumação. Esses fatos, em progressão histórica, faz dar ênfase ao que o

perfume hoje pode vir a significar para a sociedade ocidental atual. Essas breves informações

históricas ajudam a entender o porquê da volta ao uso do perfume e da perfumação, além de

perceber as diferenças do que significa o perfume atualmente.

Para Williams, que salutarmente elaborou uma nova definição de cultura e propôs

critérios para analisá-la, acabando por inaugurar os estudos culturais, diz que “(...) a cultura é

uma descrição de um modo particular de vida, que expressa certos significados e valores não

apenas nas artes e no aprendizado, mas também nas instituições e no comportamento

comum.” (1961[1975], p. 57)32. Entender como na linguagem atual se configura o que

significa os cheiros, aromas, fragrâncias e perfumes coloca luz e evidencia seus aspectos

culturais e de sua estrutura do sentimento, além de mostrar as mudanças temporais, pois

caracteriza as formas pelas quais a sociedade ocidental se comunica com relação a temática,

além de dar materialidade à práticas culturais. Williams deixa claro que a análise da cultura

combina “(...) a natureza dos pensamentos e da experiência, os detalhes da linguagem, forma

e convenção em que estes estão ativos e são descritos e valorizados.” (1961[1975], p. 57)33,

então, em se tratando de perfumes, o uso e a linguagem são muito significativos. Necessário

acrescer que para o entendimento do olfato e, por conseguinte, dos cheiros até aos perfumes, a

linguagem verbal e não-verbal, são de suma importância, uma vez que, o sentido do olfato é

invisível e a maneira que os humanos possuem de tangibilizá-lo é, principalmente, através da

linguagem verbal e, através e por causa dessa necessidade intrínseca do olfato, este expressa

valores e significados culturais dessa sociedade por meio da linguagem.

32 Tradução nossa. Citação original: “(…) culture is a description of a particular way of life, which express certain meanings and values not only in art and learning but also in institutions and ordinary behavior.” (Williams, 1961[1975], p. 57). 33 Tradução nossa. Citação original: “(…) by which the nature of thought and experience, the details of language, form and convention in which these are active, are described and valued.” (Williams, 1961[1975], p. 57).

24

Mesmo que seja possível detectar o foco do estímulo olfativo depois de uma

estimulação fragrante, este não deve ser confundido com o cheiro em si, em exemplo: uma

roseira, com rosas em pleno desabrochar, não são o cheiro, o que é o cheiro é o conjunto de

moléculas odorantes expelidas pela roseira/rosa em determinados momentos e por um período

determinado e, na verdade, essas moléculas fragrantes são o potencial cheiro, são suas

características químicas fragrantes específicas para que uma rosa seja uma rosa (uma mistura

de específicos aromaquímicos), porém o entendimento do que é esse cheiro acontece quando

inalamos essas moléculas e essas passam por todo o processo fisiológico, neural e mental da

olfação. Logo, podemos pensar e lembrar do cheiro da rosa nos confins da memória e da

mente, mas a imagem da roseira com rosas desabrochadas não são o cheiro de fato. Essa

imagem é o gatilho para acionar o repertório olfativo guardado na memória.

Como um sentido químico, o olfato se caracteriza dessa não possível visualização a

olho nu do cheiro em si, sendo somente viável percebê-lo e identificá-lo, através do sentir.

Significativo é perceber que o ato de sentir e de cheirar, segundo esse exemplo, possui uma

sutil diferença. O ato de cheirar parece estar vinculado ao ato consciente de sentir o cheiro de

alguma coisa, ou seja, um ato deliberadamente intencional e, o de sentir ao ato de ser

surpreendido por um cheiro, no qual não se tem controle sob o estímulo olfativo, este

simplesmente acontece e, pode ou não se ter conhecimento da sua origem depois que o cheiro

já foi percebido pelo órgão olfativo. Com esse conceito em mente, o sentir algo é o

equivalente ao respirar em se tratando de cheiro, já que o sentido do olfato possui estreita

ligação com o ato fisiológico básico e visceral que é a respiração, por isso o fator surpresa de

defrontar-se com um cheiro é real e muito comum.

Invariavelmente, é possível pensar o cheiro como uma representação, por exemplo, a

imagem de uma roseira com rosas a desabrochar. Desse modo, o cheiro é uma imagem

potencialmente fragrante, uma ideia representada do que o cheiro é. Para externar essa ideia, a

primeira maneira humana de conseguir materializar esse sentido é através da linguagem, pois

para se representar o olfato é necessário explicar o que ele é, de modo técnico ou simbólico.

E, a maneira humana de manipular os cheiros, invisíveis e sem forma, é os transformando em

fumaça, unguentos/bálsamos, em líquidos fragrantes, vapor fragrante e em bases como por

exemplo, plástico e têxteis. Importante dizer que os outros sentidos também são expressos em

linguagem verbal e não-verbal, porém o olfato possui essa característica quase que

exclusivamente. Como Classen et al dizem: (...) temos que dizer quando descrevemos um odor, tentando expressar a nossa experiência olfativa por

meio de metáforas. Os odores tampouco podem ser registrados: não existe um processo eficaz de captar

25

fragrâncias ou de armazená-las por longo tempo. No domínio da olfação, temos que nos contentar com

descrições e reminiscências (1994[1996], p. 13).

Através dessa fala dos autores é possível pensar que os perfumes, como entendidos na

contemporaneidade, são documentos que podem nos dar, pelo menos, uma ideia do que uma

época foi historicamente, culturalmente e politicamente e que pode servir de fonte de

enriquecimento na análise de um período.

Salienta-se que a linguagem não-verbal possui, também, importância quando se pensa

sobre perfumes, sendo que a dimensão subjetiva, no qual ocorre através das emoções, acarreta

comportamentos resultantes da experiência olfativa de acordo com as emoções suscitadas.

Segundo Damásio, essas “experiências das emoções” (2017, p. 146) nada mais são que os

sentimentos, esse aspecto é um desafio e parte inseparável do entendimento do que significa

os perfumes para a era atual. Classen et al enunciam: “Assim, a percepção do cheiro consiste

não só na sensação gerada pelos próprios odores, mas também nas experiências e emoções

que lhes estão associadas.” (1994[1996], p. 12). Para Damásio, os sentimentos são

fundamentais para a qualificação das respostas emotivas oriundas dos estímulos sensoriais

(2017, p. 146). E, sendo o olfato um sentido essencialmente emocional, os sentimentos

possuem uma importância especial para o seu entendimento. O autor também afirma que “o

nosso cérebro se ocupa não só de mapear e integrar o que lhe chega de várias fontes sensoriais

externas, mas também simultaneamente, de mapear e integrar estados internos, um processo

cujo resultado é, nada menos, do que os sentimentos.” (Damásio, 2017, p. 130). Portanto,

Damásio continua: “as nossas percepções, e as ideias que elas evocam, geram continuamente

uma descrição paralela em termos de linguagem. Essa descrição é feita de imagens.” E,

continua que “as imagens são a moeda universal da mente.” (2017, p. 132). O cheiro é

invisível, mas dotados de informação sensorial poderosa, pois o olfato está diretamente ligado

ao processamento das emoções, memórias e da linguagem no cérebro humano, logo a sua

característica emocional e abstrata toma importância, já que no sentido do olfato o ato de

sentir é uma característica em destaque. Exemplificando, o perfumista Jean-Claude Ellena

pode ajudar a compreender melhor esse processo: Cabris, quinta-feira, 10 de Junho de 2010

‘O objeto odor’

Atendo o telefonema da jornalista. Respondo às perguntas e converso longamente com ela

sobre a maneira como utilizo os materiais odoríferos. Construir uma memória é proporcionar um

contorno olfativo ao odor ou, mais exatamente, cuidar para que o odor não seja apenas uma forma

sensível, mas se transforme num objeto inteligível, a fim de que possa ser utilizado, manipulado,

orientado.

26

Tenho à minha disposição centenas de matérias-primas. Com o tempo, reduzi minha coleção a

menos de duzentos odores para chegar a dominar ‘o objeto odor’. Nos meus primeiros tempos como

perfumista, os odores eram indefinidos, e meu vocabulário para descrevê-los era pobre e restrito. Ao

mergulhar no cotidiano dos odores, meu vocabulário se tornou mais preciso, mais rico.

Os produtos de origem natural são complexos. Assumiram um contorno perfeitamente

definido, imutável, que não facilita a inventividade, mas possuem uma vantagem da qual tiro partido, a

de seduzir, de envolver, de aguçar e, às vezes, de estar na origem da forma de perfume que desejo

exprimir.

Os produtos de síntese são mais interessantes, pois seus contornos, tirando algumas exceções,

são menos marcantes, daí serem dóceis para serem utilizados e propícios às ilusões, às manipulações, à

abstração. Desse modo, o álcool feniletílico, corpo de síntese, pode ser utilizado para o conjunto de

notas florais.

Esse odor traz uma consistência, uma resolução, uma calma, que são mais importantes do que

o odor da rosa ao qual ele está associado. Basta que eu pense ‘álcool feniletílico’, ou em qualquer dos

materiais que emprego, para que o odor tome forma no meu pensamento. Assim evito passar por uma

classificação qualquer dos odores ou pela linguagem. Quando o odor e o pensamento se confundem,

então sou um criador de perfumes (2009[2013]), p. 101-102).

Importa destacar a questão das emoções e sentimentos para a configuração da cultura.

É através deles que os indivíduos, individualmente e coletivamente, começam o processo de

construção de valores, julgamentos, sentidos e de escolhas num determinado período de

tempo. Naturalmente, todos os outros sentidos despertam reações emocionais, porém o

sentido do olfato, nesse quesito, possui destaque. O seu entendimento, invariavelmente, passa

pelas emoções e sentimentos evocados pelo estímulo olfativo. O próprio ato de “sentir um

cheiro” já demonstra sua natureza. Sua interpretação é subjetiva, íntima e interna, o que se

externa são emoções e sentimentos através da linguagem verbal ou não-verbal. Portanto, são

representações mentais que os sentimentos e emoções aludidos proporcionam em projeções

externas. Para esclarecer Classen et al explicam: O olfato não é, contudo, um fenômeno simplesmente biológico e psicológico. É também um fenômeno

cultural e, por conseguinte, social e histórico. Os odores estão impregnados de valores culturais e são

empregados pelas sociedades como um meio adequado e um modelo para definir e interatuar com o

mundo. A natureza íntima, emocionalmente saturada da experiência olfativa, assegura que tais odores

codificados em valores são interiorizados pelos membros da sociedade de um modo profundamente

pessoal. O estudo da história cultural dos odores é, portanto, numa acepção muito concreta, uma

investigação sobre a essência da cultura humana (1994 [1996], p. 13).

De acordo com Synnot, a fim de aprofundar o entendimento sobre os cheiros dentro

das dimensões social e cultural fala que a “apreciação olfatória, seja ela positiva ou negativa ,

é também construída não somente através das memórias pessoais, mas também através de

27

aprendizado e treinamento específico, feito por pais e por especialistas.” (1991, p. 441-442).

E, então, complementa: (...) somos socializados dentro do que uma cultura considera um cheiro agradável ou não. Alguns

indivíduos possuem mais sofisticação olfativa que outras, o que demonstra que estes tiveram seus

narizes ‘treinados’: perfumistas, degustadores de chá, enófilos e outros, embora exista o debate se o

nariz nasce ou se cria (Synnot, 1991, p. 441-442).34

Sobre se o nariz nasce ou se cria, pode ainda não se ter chegado a concretas conclusões,

porém, é fato que existam estímulos sociais e da vida comum que, inquestionavelmente,

interferem no nosso repertório olfativo e na sua avaliação do que é considerado pertinente ou

não, olfativamente falando. Mais uma vez, a revolução olfativa dos séculos XVIII e XIX é

uma prova dessa ideia, uma vez que foi através da mudança do código olfativo da época que

pode-se chegar ao desenvolvimento dos tempos atuais, através do impacto ocorrido nos

padrões olfativos. Além da mudança do código olfativo, houve também um aprendizado dos

indivíduos de novos padrões olfativos, assim como relata Williams, o aprendizado de um

novo “caráter social” que acontece de modo formal e informal (1961[1975], p. 63)35.

Nesse sentido, Synnot adita que por conta da característica classificatória em que se

entende os cheiros como sendo positivos ou negativos, portanto agradáveis ou não, se dá outra

dimensão do entendimento do olfato no qual se obtém uma ideia moral, em que os

cheiros/odores constroem a realidade como um todo e, também, a realidade moral (Synnot,

1991, p. 443). 36 O autor alerta também que os cheiros em si mesmos possuem pouca

significância cultural37, em verdade são os indivíduos que dão suas percepções metafóricas,

simbólicas e seus juízos de valores. É na vida comum que se dão as interações, significações e

interpretações. Além dos cheiros possuírem a dimensão moral, estes também são “um símbolo

de si mesmo.” (Synnot, 1991, p. 444). Synnot diz, também, que “o odor é um ‘sinal natural’

34 Tradução nossa. Citação original: “Olfactory appreciation, positive or negative, is also constructed, not only by personal memories but by specific teaching and training, by parents and by experts. We are socialized into what our culture considers to smell fragrant or foul, and into nasal ‘taste’. Some individuals enjoy more olfactory sophistication than others; these are principally people who have ‘trained’ their noses: parfumiers, tea-tasters, chefs, oenophiles and others, although the debate rages as to whether ‘the nose’ is born or created.” (Synnot, 1991, p. 441-442). 35 Tradução nossa. Citação original: “The social character – a valued system of behavior and attitudes – is taught formally and informally (…)”. (Williams, 1961[1975], p.63). 36Tradução nossa. Citação original: “Odour is not only a physiological phenomenon, it is also a moral phenomenon, for odours are evaluated as positive or negative, good or bad. It is this moral dimension of olfaction which makes smell of such compelling sociological, and economic, significance.” (Synnot, 1991, p. 443). 37 Tradução nossa. Citação original: “The odours themselves are intrinsically meaningless.” (Synnot, 1991, p. 443).

28

do eu como ser físico e moral. O odor é um símbolo do eu.” (1991, p. 444).38 O autor pensa

que “o simbolismo é mais aparente em nossa linguagem, que incorpora e reforça esse sistema

de valor.” (1991, p. 444).39 E, mais a frente, completa: “os aromas são convertidos de

sensações físicas para avaliações simbólicas.” (1991, p. 444).40 Logo, o cheiro possui o

entendimento, como bom ou mal e, possui relação com as emoções que se desenvolvem para

sentimentos e culminam em comportamentos e julgamentos morais que acontecem na vida

social e na construção simbólica de si mesmo e do outro como integrante de uma determinada

cultura. Por consequência, se os cheiros exprimem emoções e, por conseguinte, sentimentos,

estes são mais importantes do que se pensava, pois participam ativamente das construções das

relações humanas e das relações com o meio.

Os perfumes possuem uma característica que vai além do cheiro (fragrância), possui

forma concreta, na qual a maneira de como é envasado também descreve e expressam valores

e significados. A maneira como os indivíduos da sociedade atual entendem e utilizam os

perfumes, também são importantes para coletar informações, investigar e traçar uma análise a

fim de se chegar a considerações que possam fazer perceber como essa apropriação se dá

dentro da vida do(s) indivíduo(s) e quais as decorrências para ele(s) e para os seus pares com

relação aos contextos que possam estar inseridos e abrangências que os perfumes possam

assumir nesses contextos. Portanto, o objeto cultural a ser analisado e observado é o perfume

nos tempos atuais, no ocidente. Hoje, com o desenvolvimento social, político e econômico e

com a consolidação de uma super estrutura de organização que é o capitalismo, adveio a era

da mercadorização da vida, no qual nesse contexto, o perfume assume um outro papel que é

de ser um produto, fato esse novo dentro da história cultural do olfato e do perfume. Hoje, o

perfume como sendo parte material da cultura numa sociedade de consumo já estabelecida,

esse se insere numa panóplia extensa de categorias de produtos e bens diversos, nunca antes

visto na vida humana. Logo, a quantidade de tipos de produtos inseridos na sociedade

contemporânea são muitos e até agora, em crescente desenvolvimento. Com a globalização

esse processo se solidifica, num nível em que o consumo permeia todas as facetas da vida em

sociedade e nos seus modos e comportamentos, principalmente nos ambientes urbanos.

Portanto, os perfumes, são na contemporaneidade um bem de consumo de higiene e uso

pessoal, mas também são umas das poucas formas como o sentido do olfato conseguiu 38 Tradução nossa. Citação original: “The odour is a ‘natural sign’ of the self as both a physical and a moral being. The odor is a symbol of the self.” (Synnot, 1991, p. 444). 39 Tradução nossa. Citação original: “But the symbolism is most apparent in our language, which embodies and reinforces this value-system.” (Synnot, 1991, p. 444). 40 Tradução nossa. Citação original: “The aromas are converted from physical sensations to symbolic evaluations.” (Synnot, 1991, p. 444).

29

materializar o cheiro de modo mais duradouro. Talvez o perfume seja uma das poucas

respostas tangíveis do que é o cheiro como produto da olfação. Douglas e Isherwood diz que

“as decisões de consumo se tornam a fonte vital da cultura do momento” (1979[2009], p. 102)

e que “o consumo é a própria arena em que a cultura é objeto de lutas que lhe conferem

forma.” (Douglas e Isherwood, 1979[2009], p. 103). Dessa forma, o perfume é um produto

cultural e dotado de todas as características do sentido do olfato e suas emanações, além de

estar intimamente ligado as emoções. Sobre as emoções, Classen et al lançam uma reflexão

relevante para avalizar a importância das emoções nesse contexto: A sociedade contemporânea exige que nos distanciemos de emoções, que as estruturas e divisões

sociais sejam vistas como objetivas ou racionais e não emocionais, e que as fronteiras pessoais sejam

respeitadas. Assim, embora os códigos olfativos continuem a ser admitidos para reforçar hierarquias

sociais em nível semi- ou subconsciente, a visão, como sentido mais desapaixonado (por padrões

ocidentais) fornece ‘o’ modelo para a moderna sociedade burocrática (1994[1996], p.15).

Não se fará uma pesquisa a tentar entender as emoções com relação aos perfumes, não é esse

o objetivo do trabalho, porém, de todo modo, as emoções são o pano de fundo de um

constructo artístico, subjetivo e dotado de aspectos culturais embutidos, que é o processo de

desenvolvimento do perfume que será analisado. No desenvolvimento do trabalho, todas essas

questões referidas aqui se tornarão claras e serão devidamente explicitadas na análise de como

um perfume pode ser inspirado num lugar e em como essa narrativa é incorporada no perfume

e na marca da qual o perfume é lançado no mercado.

3 IMERSÃO URBANA – ROAD TRIP EM PORTUGAL, JARDIM BOTÂNICO DE

LISBOA E A CRIAÇÃO DE PERFUMES

Desde o Século XIX, com a Primeira Revolução Industrial, a cidade vem passando por um

processo de transformação intensa, logo pensar sobre a cidade e o urbano, nos dias atuais,

acaba por passar por modificações significativas que merecem ser esmiuçadas. Ambas as

palavras podem ser entendidas como sinônimas, porém se a reflexão se aprofundar, é possível

perceber que ambas se interrelacionam mas não significam exatamente a mesma coisa. Essa

mesma relativização acontece com os conceitos de espaço urbano e lugar. Entender o que é,

atualmente, a ideia de cidade e a ideia de espaço urbano é imprescindível para continuar a

desenvolver o raciocínio para a leitura de uma cidade, de um lugar, de um espaço urbano, ou

seja, do ato de se fazer uma imersão urbana a fim de tecer um entendimento de um

determinado lugar na cidade.

30

Cacciari reflete que as cidades europeias atuais, salvo algumas exceções, se tornaram

metrópoles, sendo o que regula essa característica é a indústria e o mercado, instâncias essas

que, simultaneamente, destruíram a cidade, no início da Primeira Revolução Industrial

(2004[2009], p. 29). Segundo o autor, trocam-se edificações com um cunho histórico, social e

político para “lugares da produção e das trocas.” (Cacciari, 2004[2009]), p. 30). Apoiados

nessa dinâmica erguem-se uma nova estrutura arquitetônica e urbanística a fim de dar novas

funções aos lugares, aos espaços projetados e logo aos espaços urbanos. O autor diz que a

tradição que séculos as cidades europeias sustentavam como cerne de sua ideia citadina foi

destruída para uma nova ordem e lógica, na qual as relações humanas, simbólicas e sociais

giram em torno da “produção – troca – mercado” (Cacciari, 2004[2009]), p. 31).

“Desaparecem os lugares simbólicos tradicionais, sufocados pela afirmação dos lugares de

troca, (...), da vida nervosa da cidade.” (Cacciari, 2004[2009]), p. 31).

A despeito do que Cacciari (2004[2009]) emprega sobre a destruição da cidade cabe

aprofundar. Meyer elabora que as metrópoles são “expressão e não reflexo do modo de

produção.” (2000, p.4). Elas são, portanto, as agentes de mudança que fundamentam a ordem

capitalista em processo. A autora também contribui com uma perspectiva social na qual ela

diz que esse desenvolvimento possui preocupação com os meios de produção e não com o

“valor social” (Meyer, 2000, p.4). Outra autora, Fresca, esclarece que “(...) observa-se que as

mudanças nos elementos que são colocados como fundamentais ao poder metropolitano

seguem percursos do desenvolvimento do próprio sistema capitalista.” (2011, p. 49). Essa

ideia do espaço urbano que se impõe por consequência do poder econômico em progresso

(primeiro o industrial depois o tecnológico) é fulcral para entender o desenvolvimento das

metrópoles. Já no entendimento das metrópoles contemporâneas, Meyer diz que: (...) não se está diante de um objeto plenamente configurado. Pelo contrário, o caráter provisional,

transitivo do território e dos espaços metropolitanos dificulta a tarefa porque se observam

simultaneamente características já detectadas na metrópole moderna porém alteradas e, muitas vezes,

encobertas por novas relações com o padrão pós-industrial (2000, p. 6).

Decorrendo, então, segundo Meyer, o aprofundamento e evolução da “fragmentação e

dispersão” (2000, p.7), que segundo a autora convivem na metrópole. Primeiro a

fragmentação gerada pelo rompimento da configuração urbana tradicional quando da inserção

do modelo industrial dentro da cidade e, depois a dispersão, consequência dessa

transformação gerando “núcleos de atividades difusos e insulados.” (2000, p. 7).

Deste modo, mediante esse processo contínuo de transição que acontece na cidade, o

lugar do tradicional fica relegado ao centro histórico, o que Cacciari chama de “museu”

31

(2009[2004], p.32), ele assevera que essa nova ordem arquitetônica, social e política

“dissolvem as presenças simbólicas tradicionais” (Cacciari, (2009[2004], p.32). Portanto,

Cacciari diz que a tradição (em termos de lugares na cidade) perde destaque e se transforma

no “centro histórico” (2004[2009], p.32), para não se perder de vez se torna um museu a céu

aberto, uma vez que agora a cidade produz “uma energia mobilizadora, desestabilizadora,

desenraizadora.” (Cacciari, 2004[2009], p. 32). Então, os centros históricos tornam-se o lugar

onde estão as recordações do que um dia a cidade no passado foi. É uma representação da

evolução na e da cidade. Augé corrobora com essa lógica dizendo que os centros históricos

“são como indicadores do tempo que passa e sobrevive.” (1992[2005], p. 66). Em suma, para

o presente estudo Cacciari (2004[2009]) nos alerta para a dissolução paulatina do tradicional

de outros tempos e sugere uma nova forma de entender a cidade, mediante as suas

transformações.

A falta de entendimento espacial na cidade, de onde começa e de onde termina, do

que é periferia ou não, está muito presente. Além disso, segue-se a diferença do que a

modernidade do Séc. XIX introduziu. Cacciari diz que, hoje, na era das “pósmetrópoles”

(2004 [2009], p. 33), o espaço urbano e metropolitano encontra-se dissolvido em uma

panóplia de informações virtuais ou não, desterritorializada e em incessante movimento. Mas,

o próprio autor assevera que essa pretensa ubiquidade se mantenha somente no virtual.

Embora possa, aparentemente, também estar no mundo físico, o fato é que materialmente essa

sensação de fluidez deixa de existir devido aos problemas de mobilidade cada vez mais

intensos nas metrópoles (Cacciari, 2004[2009], p.48). Esse é um exemplo de conflito que

causa um desalinho entre o que se pensa do que é viver a/na cidade e o que na prática se vive

a/na cidade.

Cacciari acrescenta que as várias formas tecnológicas de informação que hoje atuam

no ambiente urbano imprimem uma percepção de que de fato se vive a cidade e ou se sabe

sobre a cidade, mas a “superação do vínculo espacial” (Cacciari, 2004[2009], p.48), por

consequência, vira “superação do vínculo temporal” (Cacciari, 2004[2009], p.48), o que torna

o espaço na cidade indiferenciado e homogêneo (Cacciari, 2004[2009], p.48). Porém, quando,

de fato, se está no espaço-tempo real (não-virtual) da cidade, o espaço urbano ganha

qualidades em forma de dificuldades, conflitos, incoerências e detalhes que são concretas e

limitadoras e, muitas vezes diferentes do que no espaço virtual as cidades são. O espaço

idealizado orientado pela era da informação (virtual ou não) é também o espaço defeituoso

dentro do real e do sentido. Essas duas percepções coexistem em tempos atuais e fazem parte

32

do que se entende por cidade contemporânea. Schulz também aborda essa conjuntura inerente

das cidades contemporâneas: Na cidade em trânsito, onde a materialidade do espaço é substituída pela imaterialidade das imagens

eletrônicas do tempo tecnológico, o nomadismo virtual triunfa sobre o sedentarismo. Tudo circula, mas

tudo parece estar fixo e, igualmente, tudo está fixo mas tudo parece circular (2008, p. 223).

O espaço urbano nesse contexto e, como recorte para entendimento do contexto

principal que são as cidades/metrópoles atuais, contempla a ideia de organização espacial.

Portanto, o espaço urbano vai de encontro com o desenvolvimento histórico-social-

tecnológico da humanidade dentro do que se entende por cidades. Segundo Corrêa, por

espaço urbano pode-se definir como: “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante

social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de

suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais.” (1989, p.1). De

uma forma menos abstrata Corrêa diz que: Em termos gerais, o conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem áreas,

como: o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviço e de gestão; áreas

industriais e áreas residenciais, distintas em termos de forma e conteúdo social; áreas e lazer; e, entre

outras aquelas de reserva para futura expansão. Este conjunto de usos da terra é a organização espacial

da cidade ou simplesmente o espaço urbano fragmentado (1989, p.1).

A organização espacial, seja política, arquitetônica, social, urbanística ou humana, representa

essa mutação contínua em contraste com o que acontece com a nova ordem que os sistemas

de informação e da tecnologia hoje produzem. Ela pode ser planejada ou não, na maioria das

vezes não é planejada, mas para o presente trabalho o que mais possui relevância é em como

ela é vivida e em como faz parte organicamente do sistema de mentalidades desenvolvidas e

interpretadas ao longo do tempo pelos seus habitantes, usuários e das instituições que dela

fazem parte, porém se faz importante o contexto atual que se encontra a cidade, sua

compreensão e sua atual forma de organização para o entendimento dos impactos que a

sociedade e a cultura sofrem. Para ilustrar, Carlos diz: Deste modo, a análise do fenômeno urbano, ao sublinhar o que se passa fora do âmbito do trabalho,

acentua a esfera da vida cotidiana, de modo que a reprodução do espaço urbano articulado e

determinado pelo processo de reprodução das relações sociais se apresenta de modo mais amplo do que

relações de produção stricto sensu (a da produção de mercadorias), envolvendo momentos dependentes

e articulados para além da esfera produtiva. A vida cotidiana, nesta perspectiva, se definiria como uma

totalidade apreendida em seus momentos (trabalho, lazer e vida privada e entre os planos do indivíduo e

do coletivo) e nesse sentido guardaria relações profundas com todas as atividades do humano – em seus

conflitos, em suas diferenças (2007, p. 23).

33

A apropriação da cidade pelos seus habitantes e usuários muda consideravelmente

mediante esse cenário, conforme previsto por Cacciari, esse esclarece que: “O que se revela

um grande problema, pois, de um lado, a nossa mente raciocina em termos de ubiquidade e,

portanto vive o espaço como maldição, mas por outro, exigimos que a cidade se organize em

lugares, ainda por cima, acolhedores.” (2004[2009], p. 56). A forma de vivencia-la se torna,

igualmente fragmentada, impelida ao imediatismo, ao efêmero, ao estranhamento decorrido

da constante mudança da paisagem citadina, a falta de familiaridade devido à destruição do

que é histórico, do que remete ao passado e do que é memória. A falta de referência externa,

causa uma falta de referência interna no habitante e usuário, produzindo um distanciamento

do entendimento do que é o indivíduo dentro da cidade, sendo necessário então, uma nova

maneira de apropriação pelo indivíduo do seu espaço, que acontece através do conflito entre o

espaço-tempo real, do espaço-tempo virtual e também da intensidade de informação que

acontece na cidade.

De um lado, pelos habitantes e usuários, incide uma ideia de desenraizamento e

dissolvimento com relação ao espaço urbano, em contrapartida existe uma necessidade de

ainda encontrar sua identidade, não somente num determinado pedaço de espaço urbano

qualquer, mas de um lugar que faça sentido para ele. Segundo Carlos “(...), a reprodução de

relações sociais materializam-se num espaço apropriado para este fim. (...), o lugar da vida

constitui uma identidade habitante-lugar.” (2007, p.41). Os lugares acolhedores, que

convidam a um conhecimento mais acurado, a maior observação e a uma maior demora nele

proporcionam, a essa altura, uma ruptura da ordem do que é o viver a cidade ou até uma

suposta oposição em não ceder, sempre, a roda viva das mudanças constantes, do impessoal,

do novo e do passageiro. Por isso, Carlos leva a crer que alguma constância no inconstante é

necessário para criar relações, para criar identificação com o lugar. Nesse sentido é com o uso

do lugar, com as práticas do cotidiano e do que é percebido através de seu corpo e dos seus

sentidos é que ele faz “uma rede de relações que sustentam a vida, conferindo-lhe sentido.”

(Carlos, 2007, p. 43).

Pode-se entender essa apropriação de um lugar dentro do espaço urbano da cidade

como um ato natural, quase fisiológico, como por exemplo: o morar, o habitar um espaço e

bairro, rua etc., mas pode ser relativo também a um ato de rebeldia, de cansaço da corrida

incessante, da permissão do acaso, da curiosidade, da necessidade humana de se questionar

sobre o que mais, enfim, da prática do cotidiano com suas idiossincrasias, belezas e nuances.

O querer compreender o que está a sua volta, de aprender mais sobre a cidade também

justificam a sede de identidade, de pertencimento que os habitantes e usuários dela possuem.

34

O ímpeto de entender a cidade e os espaços urbanos específicos como a leitura de um livro,

como contemplar uma tela de pintura ou instalação artística ou como a assistir a um filme,

pode fazer parte do processo de uma tentativa de transformar esses fragmentos espaciais em

lugares de sentido e, até, por isso, a criação de uma narrativa própria, seja ela visual e/ou

mental. Essa é uma possibilidade viável e já estudada. Tuan elabora uma perspectiva

interessante do que pode ser um lugar, ele diz que elementarmente “lugar é uma pausa no

movimento” e continua que “a pausa permite que uma localidade se torne um centro de

reconhecido valor” (1977[1983], p. 183). Movimento rápido e movimento devagar se

complementam para construir frames de informação visual e perceptiva para assim compor

um filme na mente do indivíduo. Logo, o ato de parar o movimento, de parar no espaço para,

aí sim, observar o que está em movimento ou em repouso é um fator importante para criar a

relação com um lugar.

A construção dos lugares são de fulcral relevância para os animais dominarem o

espaço e, em especial, para os humanos ganham níveis diferenciados, como o autor Forgiarini

diz: “faz-se imprescindível entender que o lugar é uma categoria de análise que vai além da

escala locacional, serve tanto para qualificar experiências individuais afetivas entre

sujeito/espaço, quanto para abranger as espacialidades praticadas socialmente.” (2014, p. 3).

O autor continua dizendo que o que diferencia os outros animais do animal humano com

relação ao ato de construir e habitar um espaço é a consciência de lar e dos simbolismos que

são incorporados no ambiente construído e, que para configurar a ideia de lugar de modo que

faça sentido para o indivíduo, este precisa “esquadrinhar as estruturas edificadas em seu

próprio ser.” (Forgiarini, 2014, p. 4). Dessa forma o autor elabora que a relação que o homem

possui com o lugar vem da ideia milenar do habitar, no qual o construir possui como função

primordial o habitar. Foi desta forma que ao longo dos tempos a humanidade construiu para

habitar, modificando o espaço e como consequência reformulando “sua relação com o

mundo.” (Forgiarini, 2014, p. 4). Logo, construir já encontra implícito o desejo de habitar e

que somente o desejo de habitar já faz daquele espaço um lugar e, a sua leitura faz parte de

sua relação com o todo. O autor assim ajuda a chegar a conclusão que é possível pensar que a

construção de um lugar para um indivíduo é um processo de habitar, mesmo que

momentaneamente, um lugar seja ele físico ou não. A ideia de habitar vem junto com a ideia

de se tornar parte do lugar, nesse sentido o autor esclarece: “O homem é habitado enquanto

habita, mais além da necessidade física de construir para morar, há um desejo poético e

onírico de habitar para ser.” (Forgiarini, 2014, p. 4).

35

Mantendo-se, ainda, na esfera subjetiva do desejo poético e onírico, Forgiarini fala

também do “lugar idealizado” (2014, p.4), no qual é respaldado na fala do autor que diz que

“o lugar é sempre uma criação do homem, comporta o material concreto, mas inexiste fora do

universo da emoções.” (Forgiarini, 2014, p. 5). O que corrobora com o desejo humano de

recriar para criar sentido, de uma aprendizagem do que significa o lugar para o seu

entendimento. A partir desse momento de reapropriação e recriação do espaço, o indivíduo se

integra ao lugar, o modificando conforme sua bagagem interior e necessidade emocional,

além da questão prática do estar e experienciar no lugar. Para que o lugar aconteça e possua

afeição pelo indivíduo é necessário ressignificá-lo. Num primeiro momento pode ser de modo

tangível, mas também pode ser não-tangível, de modo superficial ou não, mas que, de

qualquer forma, ao final desse processo de ressignificação o produto dessa prática

experiencial e/ou mental resultará em algo palpável e com novo sentido para o indivíduo e,

provavelmente essa ressignificação será um reconhecimento afetivo do lugar.

Porém, Tuan enfatiza que para que de fato um lugar seja sentido pelo indivíduo e o

transforme num lugar de sentido, este precisa do fator tempo, apreciação e envolvimento: Mas sentir um lugar leva mais tempo: se faz de experiências, em sua maior parte fugazes e pouco

dramáticas, repetidas dia após dia e através dos anos. É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros,

uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como a hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar e

brincar. Sentir um lugar é registrado pelo nossos músculos e ossos (1977 [1983], p. 203).

É interessante perceber então que um lugar, apesar de suas múltiplas facetas de significado

(lugar-território, lugar-simbólico, lugar-passagem, ...), é um lugar no qual a desordem urbana,

ganha ordem (Tuan, 1977[1983], p. 64). Onde o não familiar se torna familiar (Tuan,

1977[1983], p. 83). O que não é entendido passa a ter entendimento. O lugar é a

transformação de um espaço que pode ser entendido como genérico e com sentidos difusos

em um espaço com sentimentos (Tuan, 1977[1983], p. 37). E, que a cidade através desses

lugares com sentimentos e, que portanto, com alguma ordenação mental para o indivíduo, se

preenche de imaginação, de criação e de vivência. Forgiarini completa que “quando

reconhecida como lugar afetivo, a cidade se torna um centro de significados, um ponto de

referência, um refúgio, um abrigo.” (2014, p. 5). Portanto, ainda continuando no raciocínio

desenvolvido por Forgiarini, a concepção de um lugar com afetividade permite o processo de

estar confortável com e na cidade fazendo com que o espaço urbano se transforme,

promovendo um espaço em um lugar e, “este se converte em mundo e o mundo em lar.”

(Forgiarini, 2014, p. 5).

36

Neste enquadramento, segue algo importante que faz parte das características da

análise do presente trabalho, a marca portuguesa, Claus Porto. Esta contratou uma renomada

perfumista inglesa independente para desenvolver, segundo sua experiência profissional,

perfumes para a marca, dentre esses perfumes destaca-se uma colônia inspirada na cidade de

Lisboa, chamada 2 Agua Geranium e o local que serviu de campo de criação para o perfume

foi o Jardim Botânico de Lisboa. A perfumista reside em Londres e, segundo o que deixa

transparecer os artigos nos media 41 42 43 44 45, não tinha grandes referências ou intimidade

com a cidade de Lisboa, mas mesmo sem essa intimidade ela ajustou um modo particular de

criar que ela já aplicava em sua carreira em Londres para a cidade de Lisboa. Parte de seu

processo de criação de perfumes consiste em “colher” informações/inspirações olfativas em

parques e jardins londrinos, além de buscar novas referências em viagens. Logo, ela

encontrou um lugar onde ela pudesse condensar sua experiência olfativa e processo de criação

com que já estava familiarizada a fazer, agrupando num só lugar o que ela considerou

interessante, o Jardim Botânico, no meio do centro histórico de Lisboa. Aqui a ideia de

“mundo em lar” de Forgiarini (2014) se aplica no sentido de que a perfumista, logo conseguiu

transferir uma prática de imersão urbana que comumente ela desempenha em Londres para

Lisboa. Ela reconheceu no Jardim Botânico de Lisboa o lugar perfeito para a sua “colheita

olfativa” no que diz respeito a decodificação por ela da cidade de Lisboa. Esse processo

particular de imersão urbana para incrementar suas inspirações e referências olfativas que a

perfumista habitualmente usa na sua forma de trabalhar é um dos focos de análise no exposto

trabalho. Deixando claro que o processo de criação de fragrâncias possui outros aspectos que

não faz parte do objetivo que deve ser atingido no trabalho e, que portanto não cabe aqui

esmiuçar.

41 Disponível em: https://www.maxima.pt/beleza/detalhe/os-novos-aromas-de-portugal, acessado em 05 de Agosto de 2020. 42 Disponível em: https://observador.pt/2018/05/17/a-que-cheira-portugal-a-viagem-da-claus-porto-em-cinco-aguas-de-colonia-que-cheiram-a-nos/, acessado em 05 de Agosto de 2020. 43 Disponível em: https://www.vogue.pt/claus-porto-lan-a-perfume-inspirado-em-portugal?photo=Full%20Edit.00_06_46_08.Still022.jpg, acessado em 05 de Agosto de 2020. 44 Disponível em: http://epicur.pt/claus-do-porto-para-paris/, acessado em 05 de Agosto de 2020. 45 Disponível em: https://www.wallpaper.com/lifestyle/claus-porto-lynn-harris-profile, acessado em 05 de Agosto de 2020.

37

3.1 Imersão Urbana e a inspiração etnográfica

Já desde o Séc. XIX, com as grandes mudanças perpetradas pela cidade

industrializada, existiu a necessidade de entender a nova ordem do que é o viver a cidade e na

cidade. Para tratar disso, Rocha e Eckhert menciona que: Walter Benjamin (1892-1940) inspirou-se na obra de Charles Baudelaire (1821-1867) e Marcel Proust

(1871-1922) para falar de um estado de ser e estar no mundo ao refletir sobre seus deslocamentos nas

cidades de Berlim ou Paris, a partir do trabalho da memória afetiva e do pensar a si mesmo na paisagem

urbana (2003, p. 1).

Essa nova percepção da cidade é o início de um longo percurso de elaboração do

entendimento a partir do transeunte, do habitante, do cotidiano, da arquitetura, dos modos de

vida e de estar e observar a vivência exótica e fragmentada do que é o viver na cidade em dias

corridos.

O Flâneur, o narrador andarilho de Baudelaire sai de sua obra e, Benjamin o

transforma através de uma análise meticulosa, na qual, novamente se transforma, agora em

método. Ele deixa de ser um personagem da poesia de Baudelaire e se transforma através de

Benjamin num narrador da representação simbólica da vida cotidiana nas cidades. Para

Canevacci, o autor Benjamin é o “narrador das cidades, o primeiro antropólogo ‘espontâneo’

da condição urbana (...).” (1993[2004], p. 106). Ainda para o autor: O verdadeiro método benjaminiano, portanto, não é ‘o’ método, mas sim o reconhecimento de que a

criação de novos objetos de estudo, campos de pesquisa, esferas de interesse implica, mais do que

aplicação escolástica de fórmulas ‘eternamente’ tiradas dos cânones, a paralela (e isomórfica)

elaboração de novos métodos (Canevacci, 1993[2004], p. 111).

Alguns autores tiveram como intento configurar um método de análise para entender a

cidade. Como por exemplo, em destaque no presente texto: Canevacci (1993[2004]) e Careri

(2002[2013]). Eles enaltecem o conhecer e analisar a cidade através do caminhar nela, seja

direta ou indiretamente. Porém, Canevacci (1993[2004]) é específico em reconhecer que era

necessário pensar num novo método para realizar o seu estudo por São Paulo, como

antropolólogo urbano. No seu método, o andar pela cidade não era uma preocupação

primordial, o caminhar na cidade fazia parte do processo mas não era a matriz do estudo. A

intenção dele era perceber a “polifonia” da cidade, perceber sua comunicação urbana, como

sua arquitetura se comunicava entre si mesma e com as pessoas e, o contrário também, como

as pessoas se comunicavam com a arquitetura. Em virtude do objeto de estudo estar inserido

nas características, aqui já mencionadas previamente, que consiste em traçar algum

38

entendimento sobre a metrópole/cidade contemporânea, o pensador se viu desafiado a criar

um método etnográfico próprio, uma vez que ele não considerava viável implementar uma

etnografia de acordo com a antropologia que não considerava a urbanidade e o urbano como

possível objeto de estudo. Canevacci fala que a antropologia urbana, na qual fala da cultura

urbana, possui um outro tipo de linguagem: O problema entretanto complica-se na cultura urbana, quando se escolhe como fonte com a qual se

comunicar edifícios, ruas, árvores, hipermercados, pontes, panoramas, teatros etc. Encontramo-nos aqui

diante de objetos arquitetônicos, elementos naturais, desenhos urbanísticos que falam outros tipos de

linguagem (Canevacci, 1993[2004], p. 44).

Logo, o que será observado não poderá ser materializado pelo falar e escutar tradicional, uma

vez que as fontes não são seres humanos. A linguagem que precisa ser levada em conta é a

visual e a linguagem dos signos. “O visual torna-se assim o centro polimórfico que deve ser

interpretado e o meio da interpretação. O visual é objeto e método” (Canevacci, 1993[2004],

p. 44).

Em seu livro A Cidade Polifônica, Canevacci (1993[2004]) discute sobre a criação de

seu método e de sua etnografia por São Paulo. Naturalmente, deve ser levado em

consideração o fato de que para o referido trabalho, o constructo do autor serve de modo

adaptado, uma vez que São Paulo não é Lisboa e uma vez também, que a fonte é a

investigação e observação do método de desenvolvimento de uma fragrância inspirada na

cidade de Lisboa por uma perfumista para uma marca portuguesa. Logo, não é a autora do

exposto trabalho que é a agente direta da situação, não é ela quem faz uso de métodos

etnográficos para desenvolver uma fragrância, assim como os recursos disponíveis para esse

entendimento são indiretos, vindo através do que foi veiculado nos media na ocasião de seu

lançamento pela marca e de material institucional da própria marca. O que o autor contribui

para o presente trabalho é, efetivamente, com seu novo (na época) método que conversa de

perto com a maneira que a perfumista abordou para criar uma fragrância inspirada num lugar

urbano, em como foi esse processo.

Canevacci fala de perder-se na cidade, de como a errância pelo espaço público/externo

é tão importante quanto as “suas interioridades privadas” (1993[2004], p.14) e de como o

ritmo no qual é possível o conhecimento da cidade é importante e, pode ser de grande

utilidade em se ter visões diferentes, com outros ângulos; é o que ele chama de “alternância

de três ritmos de comportamento e de controle espaço-temporal: a imobilidade doméstica, a

hipervelocidade noturna, a lentidão do passeio solitário.” (Canevacci, 1993[2004], p.14).

Interessa destacar o que o autor relata na sua experiência na cidade de São Paulo – Brasil. Ele

39

chegou a conclusão que conhecer a cidade de São Paulo, no sentido de apreender sobre o

espaço urbano como um todo, seria algo pouco aproveitável para conhecê-la, pois como o

autor diz: “Um tour urbano é simplesmente inconcebível em São Paulo, devido ao seu

excesso de ‘metropolitanidade’” (Canevacci, 1993[2004], p.15). Porém, ele traça um

contraponto importante sobre São Paulo e Roma (cidade de residência do autor na ocasião),

no qual ele diz que Roma é uma cidade “que só pode ser conhecida quando a percorremos à

pé” (Canevacci, 1993[2004], p.14). Então é importante observar que o critério para elaborar

um reconhecimento da cidade, pode ser de uma forma fragmentada ou fluida, orgânica ou

mecânica ou pode acontecer no espaço público, privado ou a céu aberto, seguindo o raciocínio

de Canevacci. Outro ponto a destacar na sua teoria da comunicação urbana é o que ele chama

de “imobilidade doméstica”, importante para entender que a vida social, de modo geral, numa

grande cidade acontece em suas “interioridades privadas” (Canevacci, 1993[2004], p.14).

Outra consideração a se destacar no texto de Canevacci (1993[2004]) é o olhar do

estrangeiro. Aqui o estrangeiro assume, muito provavelmente, toda a sua totalidade

semântica. Portanto é o “olhar de um estrangeiro” sobre e sob a cidade e o “olhar estrangeiro”

sobre e sob a cidade. No qual o olhar de um estrangeiro, gira em torno de que, factualmente,

trata-se de uma pessoa que não nasceu no país e que não possui grandes relações e referências

com a cidade, que pode estar de passagem, ser um turista ou residir na cidade, mas não é

nascido no país. Destaca-se a fala do autor dizendo que “muitas vezes o olhar desenraizado do

estrangeiro tem a possibilidade de perceber diferenças que o olhar domesticado não percebe,

interiorizado e demasiadamente habituado, pelo excesso de familiaridade.” (Canevacci,

1993[2004], p.17). O autor destaca que as diferenças percebidas por um estrangeiro é um “(...)

extraordinário instrumento de informação, pois estas, uma vez selecionadas, articuladas e

registradas, segundo um método específico, podem contribuir para desenhar um novo tipo de

mapa, com o qual se possa descrever e compreender a metrópole.” (Canevacci, 1993[2004],

p.17).

Assim sendo, o olhar de um estrangeiro recai na instância da ignorância em se

conhecer com profundidade e, da falta de referência, de vivência sobre e na cidade e o lugar e,

consequentemente, esse fato favorece o ato de permitir-se ter a curiosidade em explorar e de

ter consciência que não possui a sapiência total sobre aquele espaço. Portanto, o real e o

virtual aqui se faz presente de novo, dualidade essa que expressa a condição do que é uma

metrópole contemporânea, pois, uma coisa é a experiência vivida (o real) e outra é a

experiência idealizada (o virtual). O autor elucida sobre a condição de sua metodologia

falando do que é necessário:

40

Estou convencido de que é possível elaborar uma metodologia da comunicação urbana mais ou menos

precisa, com a seguinte condição: querer perder-se, de ter prazer nisso, de aceitar ser estrangeiro,

desenraizado e isolado, antes de se reconstruir uma nova identidade metropolitana [ou citadina]46. O

desenraizamento e o estranhamento são momentos fundamentais que – mais sofridos do que

predeterminados – permitem atingir novas possibilidades cognitivas, através de um resultado ‘sujo’, de

misturas imprevisíveis e casuais entre níveis racionais, perceptivos e emotivos, como unicamente a

forma-cidade sabe conjugar (Canevacci, 1993[2004], p.15-16).

Esses aspectos relacionados ao ser e estar estrangeiro na cidade fazem parte do contexto do

presente trabalho, uma vez que, os atores que são partes importantes do processo de

desenvolvimento dos novos perfumes da marca possuem essa característica, destacando-se a

diretora criativa da marca e a perfumista contratada pela Claus Porto, nas quais ambas são

estrangeiras. Sendo, a diretora criativa holandesa e a perfumista inglesa, uma residente,

provavelmente na época do desenvolvimento do projeto, em Portugal e a outra de passagem,

respectivamente.

Para bem ilustrar, em matéria sobre o lançamento das cinco colônias da marca, a

jornalista Helena Magalhães no portal Observador de Portugal em suas primeiras

considerações discorre sobre o porque a marca Claus Porto chamou uma perfumista inglesa

para desenvolver suas novas fragrâncias. A matéria inicia com a seguinte pergunta: “A

primeira pergunta que se coloca é: porque é que uma marca portuguesa com um foco tão

grande na tradição chama uma perfumista inglesa para criar cinco águas de colónia com o

cheiro de Portugal?” Ela mesma responde e justifica que para “os tradicionalistas chamar-lhe-

iam um atentado à pátria.” E prossegue acalmando os ânimos, respondendo que “nós não

reconhecemos os nossos cheiros porque estamos demasiado habituados a eles.” E, que

“porque são aromas que já estão dentro de nós. É como a nossa casa. Para nós, não cheira a

nada. Mas os outros conseguem identificar rapidamente esse cheio tão característico.”47 A fala

da jornalista esclarece muito bem a ideia do olhar de um estrangeiro e corrobora com o

posicionamento de Canevacci (1993[2004]) acerca disso.

Porém, de certa forma os indivíduos habitantes da cidade contemporânea em virtude

da descentralização e paradoxalmente da policentralização da cidade pode ter um nível de

estranhamento, de não reconhecimento e de dificuldade de associar referências aos lugares, o

que acontece próximo a experiência de um estrangeiro de fato, esse é o olhar estrangeiro.

Schulz, explica o porquê dessa questão: “Na cidade descentralizada, desparece o sistema

46 Grifo nosso. 47 Disponível em: https://observador.pt/2018/05/17/a-que-cheira-portugal-a-viagem-da-claus-porto-em-cinco-aguas-de-colonia-que-cheiram-a-nos/, acessado em 05 de Agosto de 2020. Primeiro e segundo parágrafos.

41

tradicional de marcação e hierarquização de signos referenciais, e os espaços ficam

destituídos de singularidades, as paisagens urbanas perdem recognição.” (Schulz, 2008, p.

219). Em conversa informal e presencial com uma portuguesa habitante de Lisboa sobre esse

aspecto do trabalho aqui realizado, seu questionamento foi exatamente o da jornalista do

Observador, na qual deixou claro que não percebia como uma estrangeira pode fazer um

perfume de um lugar que pouco conhece (2020, Agosto 06, conversa presencial e informal).

Essa ideia é muito própria de alguém que é nativo do lugar. É difícil desenraizar-se da

concepção criada do que é o lugar para o indivíduo, isso não acontece de um modo

espontâneo. É, de fato, um esforço; é necessário um foco objetivo, sem com isso se desprover

da subjetividade como mediador do foco e do percebido. Por isso, o olhar de um estrangeiro

se traduz, muitas vezes, em olhares, ângulos, associações, comparações, percepções e

verbalizações que não são pensadas, comumente, por alguém que é nativo do lugar. Isso é

sobre o observador.

Em função da cidade contemporânea estar cada vez mais fragmentada e dispersa, esta

se apresenta para um indivíduo como um grande patchwork, no qual não se consegue mais

saber as especificidades de uma cidade em apenas se focando num ponto. Tirar conhecimento

de uma parte pelo todo implica em reduzir e pode até estigmatizar de modo equivocado uma

cidade, porém o contrário parece fazer mais sentido: conhecer uma parte para conhecer o

todo. A complexidade territorial, urbana, política, social e cultural que cada vez mais uma

cidade expressa não suporta um conhecimento dela em profundidade apenas passando por ela

ou em a recortando em partes. Canevacci fala de “saltar na cidade” (1993[2004], p.21); não é

mais possível traçar uma rota continuada conforme a própria cidade se desenha diante do

observador, principalmente quando se pensa em momentos no tempo e espaço. O processo de

transição parece ser a condição durável da cidade pós moderna. De um lado, um edifício

histórico e do outro um edifício contemporâneo e assim vai. Essa imagem é extremamente

comum em qualquer cidade ocidental. Logo, a necessidade de compor um combinado de

paisagens urbanas que mais atrai a subjetividade do observador faz com que a cidade se torne,

então, uma representação de acordo com cada matriz mental que origina sua elucubração.

Singularmente, nesse contexto, o componente subjetivo ganha traços de objetividade para a

tentativa de entendimento do que é o lugar, justamente para fazer de um espaço genérico

como algo distintivo e referencialmente significativo. É possível extrapolar essa dinâmica,

Canevacci diz que, para ele “não somente Roma se tornou mais compreensível para mim

estando em São Paulo, mas também o contrário disto – São Paulo se tornava mais passível de

compreensão cada vez que voltava a Roma.” (1993[2004], p. 21). O autor continua

42

concluindo que “estabelece-se assim uma espécie de reciprocidade cognitiva entre os dois

modelos urbanos, o mais familiar e o mais estranho, através de um jogo de espelhos cujo

ponto de fuga é a perseguição sem fim.” (Canevacci, 1993[2004], p. 21).

Em virtude disso, Canevacci fala então que seu método gira em torno da realização de

um paradoxo, o que ele chama de “máxima internidade e máxima distância” (1993[2004], p.

20). “A máxima distância e a máxima internidade são dois processos mutuamente

contraditórios, separados mas vinculados, e que constituem as bases metodológicas da

observação antropológica nos territórios urbanos e das suas possíveis representações.”

(Canevacci, 1993[2004], p. 21). Esses dois processos já nascem fragmentários e

fragmentados, porém complementares. “O distanciamento urbano e sua reconstrução é

condição única para a compreensão – contanto que tal processo tenha sido acompanhado por

total imersão nas compulsões urbanas.” (Canevacci, 1993[2004], p. 21). Pode-se entender

esse processo em conjunto com a ideia de zoom in e zoom out, no qual quando pertinente para

melhor observar seja mais interessante se aproximar, fazer a imersão para sentir e colher

dados ou o contrário, se afastar para abstrair. Portanto a tarefa do observador, segundo o autor

é “compreender os discursos ‘bloqueados’ nas estruturas arquitetônicas.” (Canevacci,

1993[2004], p. 22). E existe uma outra dualidade importante a se destacar que é a do

observador e a do espectador, essa possível sinonímia entre observador e espectador já fala

dessa nova linguagem, onde o visual possui posição fulcral. Uma cidade é também, simultaneamente, a presença mutável de uma série de eventos dos quais

participamos como atores ou como espectadores, e que nos fizeram vivenciar aquele determinado

fragmento urbano de uma determinada maneira que, quando reatravessamos esse espaço, reativa aquele

fragmento de memória (Canevacci, 1993[2004], p. 22).

Na citação acima de Canevacci, reatravessar o espaço é importante, pois a perfumista compôs

o perfume fora de Lisboa. Ela foi para seu laboratório em Londres, portanto rememorar e

logo, reviver através de sua memória é importante para o ato criativo, pois elaboram o que

Canevacci chama de “mapas urbanos invisíveis.” (1993[2004], p. 22). A questão das

recordações é importante para o presente trabalho, já que a perfumista faz associações

olfativas de acordo com o seu treinamento olfativo. O entendimento dela do que Lisboa seja,

vem de sua imersão, pela seleção de um lugar onde coletar os dados objetivos (fragmento

urbano - Jardim Botânico de Lisboa), que são suas possíveis referências olfativas que vão

entrar na composição do perfume e, suas memórias e recordações (uma vez que foram

anotadas e coletadas) para complementar suas impressões. A perfumista observa, especta e

atua nesse fragmento urbano que é o Jardim Botânico de Lisboa e, sua memória biográfica

43

precedente é acionada, uma vez que a imersão em jardins urbanos é uma prática recorrente

para a perfumista. A seguir será elaborado mais sobre isso.

Contudo, o fragmento urbano selecionado pela perfumista, conforme já mencionado,

está dentro da cidade e dentro do centro histórico de Lisboa. Esse fato parece minimizar a

sensação de se estar perdido na cidade, de estranhamento e de não reconhecimento que

diversos autores explicitados aqui elaboram. Schulz dá um possível esclarecimento sobre a

falta de identidade urbana dizendo que “a identidade urbana está associada a uma imagem

inconfundível, a um significado dominante, que diferencia no presente mas, em contrapartida,

impede renovações no futuro, significado este que obrigaria o espaço a permanecer imutável

no tempo.” (2008, p. 219). Num centro histórico urbano, o “museu” a céu aberto de uma

cidade, cunhado por Cacciari (2004[2009]), faz com que ela tenha signos fortes e

distinguíveis o suficiente para serem compreendidas como extraordinárias daquela cidade.

São pontos de convergência das expectativas sobre aquela cidade, o que a faz ser o que ela é

em si mesma, o que a personaliza e a diferencia.

Somando-se a isso está o fato de que a cidade em foco, Lisboa, se trata de uma cidade

europeia na qual incide uma representação do patrimônio ocidental, conforme Schulz declara:

“A Europa sempre representou o patrimônio, ou a memória, do passado da civilização

ocidental, (...).” (2008, p. 188). Essas são premissas de suma importância para o presente

estudo, uma vez que o país e cidade a serem analisados são, respectivamente, Portugal e

Lisboa. Logo, país e cidade pertencentes à Europa, onde existe uma configuração parecida

com o contraponto destacado por Canevacci (1993[2004]), entre as cidades de São Paulo e de

Roma. Lisboa não é uma metrópole como São Paulo. Se assemelha mais ao que Roma

representa para o autor. Apesar de Lisboa ser a capital de Portugal, sendo um centro urbano

europeu, hoje cada vez mais em destaque, mas ainda assim, não pode ser considerada uma

metrópole como São Paulo. São metrópoles com almas e contextos diferentes. Adiciona-se a

esse cenário as nacionalidades estrangeiras das principais artífices do projeto das novas

fragrâncias da Claus Porto. A da diretora criativa, holandesa e a da perfumista, inglesa48, nas

quais ambas estão inseridas em países do continente europeu desde sua nascença. Em virtude

disso, fica claro uma certa identificação da perfumista e da diretora criativa, em virtude dessa

aproximação geo-política que ambas possuem, de acordo com suas nacionalidades. Então,

para ambas, Portugal é um país com suas características e identificações, mas não é um país

totalmente exótico a elas, uma vez que é um país constituinte do continente europeu. As

48 “(...) a perfumista britânica Lyn Harris e a diretora criativa holandesa Anne-Margreet Honing (...)”. Disponível em: http://epicur.pt/claus-do-porto-para-paris/, acessado em 05 de Agosto de 2020. Segundo parágrafo.

44

associações culturais são claras, assim como a tentativa de ambas em encontrar as

similaridades nas diferenças.

3.2 O Jardim Botânico de Lisboa – Uma “ilha” de cheiros lisboeta

Foto 1. Parte do prédio do MUHNAC, na Rua da Escola Politécnica, perto do acesso à entrada ao Jardim Botânico de Lisboa. Arquivo pessoal. Foto tirada em 30 de Setembro de 2021.

O centro histórico de Lisboa – Portugal é a região de interesse espacial do exposto

trabalho, portanto é a região onde a imersão urbana, realizada pela perfumista independente -

Lyn Harris, será analisada mais de perto, sendo mais especificamente dentro do centro antigo

de Lisboa. Necessário mencionar que o projeto de criação de perfumes pela perfumista

contratada pela marca Claus Porto faz parte de uma imersão mais ampla dentro de Portugal e

que, para o perfume inspirado em Lisboa, teve como espaço de imersão esse jardim, que

também é conhecido como o jardim da Escola Politécnica. Especificamente esse lugar é o

Jardim Botânico de Lisboa (1878), situado na zona do Príncipe Real. O Jardim faz parte do

Museu de História Natural e da Ciência (MUHNAC), da Universidade de Lisboa.49 Segundo a

página oficial da instituição: “O Jardim Botânico de Lisboa é um jardim científico que foi

projetado em meados do século XIX para complemento moderno e útil do ensino e

investigação da botânica na Escola Politécnica.”50 Antes de estar vinculado ao Museu de

49 Disponível em: https://museus.ulisboa.pt/pt-pt/historia-e-patrimonio, acessado em 26 de Julho de 2020. 50 Disponível em: https://museus.ulisboa.pt/pt-pt/jardim-botanico-lisboa, acessado em 26 de Julho de 2020.

45

história Nacional e da Ciência, este Jardim já fazia parte do ensino de botânica, a mais de dois

séculos, desde o colégio jesuíta da Cotovia (1609 à 1759), depois fez parte do Colégio dos

Nobres e somente em 1873, já na antiga Escola Politécnica, começou o plantio com espécies

trazidas do mundo inteiro pelos seus primeiros jardineiros, o alemão E. Goeze e o francês J.

Deveau. Somente em 1878, foi inaugurado, com a característica de sempre ter sido aberto à

comunidade. Em sua história, passou também por modificações de melhoramento, como a

introdução e plantação de plantas ornamentais, em 1892 por Henry Cayeux. Posteriormente,

nos anos 30 e 40 do Século XX ganhou sua maior intervenção na qual o jardim ganhou um

outro tipo de ordenamento, agrupando as espécies em conjuntos ecológicos. Essa mudança é

importante para os estudos botânicos e para preservação e conservação das espécies

ameaçadas de extinção que o jardim abriga. O Jardim possui cerca de 4ha e comporta uma

coleção de cerca de 1500 espécies, muitas delas de espécies tropicais de diversos lugares do

mundo e muitas vezes já raras. Destaca-se diversas espécies de palmeiras, cicadáceas e

espécies tropicais diversas da Nova Zelândia, Japão, China, Austrália e América do Sul. Algo

interessante do local é como ele foi projetado. Segundo a botânica Raquel Barata51, como o

Jardim fica numa pequena encosta – o Monte do Olivete - o projeto previu e realizou o plantio

das espécies de modo a respeitar suas naturezas. O Jardim divide-se em duas partes: a classe e

o arboreto. Na parte do arboreto, ficam as plantas de grande porte, as que ficam acima, na

parte mais alta, aguentam a exposição ao sol, onde estão os cactos e plantas carnudas e,

embaixo as que precisam de mais humidade. Essa organização das espécies faz ter uma

variação de 2 graus de diferença na temperatura entre a parte de cima e a de baixo do

arboreto, fazendo então um microclima ideal para a sobrevivência das plantas. A classe é a

parte onde as espécies ficam em canteiros e são separadas taxonomicamente e ficam a volta

de um lago central. A estufa (1962), o edifício dos Herbários (1936) e o Observatório

Astronômico (1898), também se localizam na classe.52 Outro aspecto a ser destacado é sobre

o papel purificador do ar que o pequeno espaço botânico exerce no centro de Lisboa. Em

virtude de situar-se perto da famosa e movimentada Avenida da Liberdade, o Jardim Botânico

ajuda a purificar o ar que vem dessa avenida, considerada a mais poluída de Lisboa.53 O

Jardim também conta com visitas guiadas, educação ambiental, exposições temporárias e

51 Disponível em: https://www.publico.pt/2018/04/07/ciencia/noticia/jardim-botanico-de-lisboa-uma-caixinha-de-biodiversidade-que-vai-finalmente-reabrir-1809400, acessado em 05 de Agosto de 2020. 52 Mapa do Jardim disponível em: https://www.museus.ulisboa.pt/pt-pt/planta-jardim-botanico, acessado em 06 de Agosto de 2020. 53 Disponível em: https://www.publico.pt/2018/04/07/ciencia/noticia/jardim-botanico-de-lisboa-uma-caixinha-de-biodiversidade-que-vai-finalmente-reabrir-1809400, acessado em 05 de Agosto de 2020.

46

demais atividades de cunho educativo para vários níveis estudantis. Desde 2010, o Jardim

Botânico de Lisboa é considerado monumento nacional.54 55 56 57

Foto 2 (esq.). Entrada do acesso ao Jardim Botânico, na Rua da Escola Politécnica. Foto 3 (dir.). Entrada principal para o Jardim Botânico de Lisboa. Arquivo pessoal. Fotos tiradas em 30 de Setembro de 2021.

Um fator relevante é o fato do Jardim Botânico de Lisboa se situar num local central

da cidade, portanto num centro urbano e histórico. Infelizmente não houve a possibilidade de

maiores informações e contextualizações sobre o processo de escolha ou descoberta da

perfumista com relação ao Jardim, dado que não foi possível um contato direto com quem

participou do processo. Portanto, se o Jardim foi encontrado ao acaso, se foi sugestão de

algum habitante da cidade ou da diretora criativa ou de alguém da marca, se estava próximo

ao local onde estava hospedada...a única informação fornecida pela marca é que o Jardim foi

uma das paradas de Lyn em Lisboa e que ela se encantou, muito provavelmente, pois esse tipo

de lugar é familiar a perfumista e faz parte de seu processo de trabalho e criação.

54 Disponível em: https://museus.ulisboa.pt/pt-pt/jardim-botanico-lisboa, acessado em 26 de Julho de 2020. 55 Disponível em: https://www.ulisboa.pt/patrimonio/jardim-botanico-de-lisboa, acessado em 26 de Julho de 2020. 56 Disponível em: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70142, acessado em 26 de Julho de 2020. 57 Folheto informativo fornecido pela própria instituição, aquando da última visitação em 06 de Agosto de 2020.

47

Foto 4 (esq.). Parte reservada às plantas carnudas e cactos, logo na entrada do arboreto. Foto 5 (dir.). Placa

sinalizadora do arboreto. Arquivo pessoal. Fotos tiradas em 30 de Setembro de 2021.

Foto 6 (esq.). Caminhos entre as plantas altas do arboreto. Foto 7 (dir.). Um dos mini lagos do arboreto. Arquivo

pessoal. Fotos tiradas em 30 de Setembro de 2021.

Algo importante a acrescentar e enfatizar é que o jardim mencionado no artigo do NY

Times – Regent’s Park, em Londres, no qual a perfumista faz imersões recorrentes não está

inserido no centro histórico exatamente, mas está numa zona da cidade que pode ser

considerada parte da área central pela proximidade com o centro histórico. Fazendo parte

48

também de uma zona turística, menos requisitada, mas com atrações ainda interessantes como

o próprio parque de preleção da perfumista o Regent’s Park, Regent’s Canal e o Primrose

Hill com seu mirante natural com uma linda vista para o centro de Londres, o London Zoo,

Camden Town bem próximo com seus famosos pubs, seu mercado e etc. Além disso o parque

se encontra numa região próxima ao trabalho e residência da perfumista. Outro fator a ser

destacado é que ele está inserido numa zona em Londres que possuem características e

similaridades com o Jardim Botânico de Lisboa e a zona em que ele se situa – o Príncipe

Real. O tipo de gentrificação sofrida nessa região não é exatamente igual, mas possuem

algumas similaridades – a valorização financeira da zona, a atração de uma economia criativa

emergente na época e que configura até hoje o lugar, tendo artistas e celebridades como

residentes, a questão da vista panorâmica, por também ser uma região no alto, a ideia de vila

de interior dentro da cidade (urban village), de possuir áreas verdes (parques e jardins), de

uma pretensa autêntica vida inglesa, ou seja, habitado e frequentado por ingleses e de possuir

um comércio local independente bem fortalecido e próprio, muitas vezes esses pequenos

negócios são de famílias residentes da região58. Essas duas últimas características destoam um

pouco do que acontece com Lisboa, mas esses são paralelos interessantes em se notar.

Destaca-se a fala da jornalista Aimee Farrell no artigo, mencionando esse hábito e essa

característica da vida profissional da perfumista: O primeiro nariz feminino com formação clássica na Inglaterra, Harris pode ser vista andando e

procurando a flora e a fauna na maioria das manhãs, no parque que liga sua casa em Primrose Hill à sua

loja e laboratório em Marylebone, a Perfumer H, marca boutique britânica de perfumes que ela fundou

em 2015.59

O viver na cidade é, também, parte do sistema em que a própria cidade possui papel

importante dentro do processo do capitalismo. Chama-se a atenção que todos os fatos de que a

metrópole contemporânea é uma transição territorial do industrial para o tecnológico, encerra

um contexto nos quais os indivíduos são pensados como peões num tabuleiro de xadrez, que

dependendo do projeto estratégico a ser implementado, esses são movidos de um lugar a

outro, literalmente, afim de melhor exercer sua função dentro da estratégia maior que é servir

58 Veja o artigo: Gornostaeva, G., & Campbell, N. (2012). “The Creative Underclass in the Production of Place: Example of Camden Town in London.” Journal of Urban Affairs, 34(2), 169–188. doi:10.1111/j.1467-9906.2012.00609.x . Acessado em 25 de Agosto de 2020. 59 Tradução nossa. Citação original: “The first female classically trained nose in England, Harris can be seen walking like this and foraging for flora and fauna most mornings, as the park connects her Primrose Hill home to the Marylebone shop and laboratory of Perfumer H, the British boutique fragrance brand she founded in 2015.” Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. Segundo parágrafo.

49

ao modo de produção vigente. Logo, o indivíduo que vive na cidade parece não ser o foco de

estratégias político sociais, mas parece ter como foco o indivíduo que consome a cidade como

uma mercadoria. Neste encadeamento, o fenômeno contemporâneo da gentrificação explica

algumas questões sobre a nova concepção dos centros históricos (e não só), por exemplo,

conforme Mendes, este diz: A gentrificação trata-se de uma recentralização urbana e social seletiva, alimentada por novas procuras,

promotora de uma crescente revalorização e reutilização física e social dos bairros de centro histórico,

indiciando, por conseguinte, novos processos de recomposição da sua textura socioespacial. Essa

tendência encontra-se associada à recomposição do sistema produtivo, cuja evolução se pauta por uma

crescente terceirização e pela emergência de um novo modelo de acumulação capitalista mais flexível,

que reconhece no (re)investimento no centro histórico – de capital imobiliário, e na sua circulação –

uma mais valia (2011, p. 480).

O Jardim Botânico de Lisboa está situado em uma zona com características que

Mendes fala fazer parte da nova “estratégia global ao serviço do urbanismo neoliberal” (2011,

p. 480). Portanto, é uma zona gentrificada e com gentrificadores nos quais fizeram mudar as

características do bairro, do qual, assim como em outros bairros do centro histórico, estavam

passando por um processo de degradação urbana pós recessão econômica. O bairro hoje está

no processo de revitalização na qual enaltece sua centralidade, historicidade, paisagem (vista

para o Tejo) e alma portuguesa. Vários prédios históricos do bairro, hoje, abrigam lojas de

marcas próprias e multimarcas cools e trendies, além de restaurantes renomados, pubs, casas

noturnas, alojamentos locais, hostels, hotéis, alojamentos informais, esplanadas e etc.

Conforme Baptista et al., Costa & Magalhães e Gato apontam em estudos sobre o centro

histórico de Lisboa, a nova lógica de regeneração urbana, de turistificação e estudantização da

cidade atrelados a gentrificação configurou na atualidade um bairro com novas características

e comportamentos. O comércio local tradicional vê-se poucos que ainda sobrevivem a essa

nova lógica de ocupação e fruição dessa zona, assim como habitantes antigos são cada vez

mais raros nesse bairro, sendo estes obrigados a conviver com um modo de vida cultural cada

vez mais atrelados aos novos habitantes abastados. Hoje, a região é um lugar habitado por um

grande perfil de indivíduos voltados a economia criativa, de classe social elevada (com alta

qualificação) e jovens estudantes. Em virtude disso a região foca também no aspecto da

convivialidade e hedonismo advindos desses novos perfis sócio-econômicos-culturais. (2018,

2014 e 2014). Gato esclarece sobre o processo de regeneração urbana que ilumina o que

ocorre na zona do Príncipe Real:

50

Desta forma, assiste-se a uma espécie de ranking valorativo de espaços urbanos, seja pelas experiências

de consumo e imagens promocionais que se criam em torno deles, seja pelos grupos sociais e estilos de

vida a eles associados, ou ainda pela dimensão simbólica envolvendo a autenticidade das formas de

habitar e as suas identidades singulares (2014, p. 43).

E então, em meio a essa complexa realidade de reconfiguração em processo do centro urbano,

especificamente na região do Príncipe Real, está o Jardim Botânico de Lisboa, um anexo ao

prédio do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, no qual é um verdadeiro oásis em

meio ao centro de Lisboa, protegido por lei, uma vez que é considerado um monumento

nacional, que encerra um papel refazedor do espírito de quem visita o local e de conservação

da memória cultural lisboeta. Nesse contexto, o Jardim é um sobrevivente ao processo de

gentrificação no qual a zona do Príncipe Real vive. Uma espécie de verdade, de algo

autenticamente tradicional em meio a uma hibridização de usos e entendimentos que o

processo de gentrificação propaga. Um genuíno duplo-museu, por dois motivos: o primeiro

porque de fato é um museu e segundo, pois se insere no conceito de museu a céu aberto de

Cacciari, no qual o Jardim Botânico de Lisboa é um fóssil urbano, protegido

institucionalmente, em meio a um bairro central que passa por uma modificação atrelada a

mercadorização da cidade, no qual a tradição se torna um slogan de venda e lifestyle, para

consumo de um público alvo específico, mas que vai se esvaziando de real significado com

relação ao conceito do que é tradicional, que pode ser entendido como um tradicional

estetizado, “gourmetizado”, contemporâneo ou até gentrificado.

Silva & Carvalho preconiza sobre a importância dos jardins históricos, no qual o

Jardim Botânico de Lisboa se insere e da importância deste ser um monumento nacional. Os

autores falam que esses jardins são “monumentos vivos” (Silva & Carvalho, 2013, p. 608)

que deflagram a história e a cultura de um lugar. Essa é uma política que salvaguarda a

existência e devida importância desses lugares que são testemunhas vivas do tempo.

Continuando, os autores mencionam sobre os jardins portugueses e suas falas enaltecem a

importância do Jardim Botânico de Lisboa ser um monumento nacional: No contexto português, os jardins históricos nunca constituíram uma preocupação ou foram objeto de

atenção especial por parte das entidades competentes. Decorrente desta apatia geral muitos exemplares

foram desaparecendo por via das novas necessidades urbanas, ou perdendo o seu caráter original e

histórico por conta de alterações e remodelações sem regra de que foram alvo, embora existam

mecanismos institucionais de proteção e salvaguarda ao nível da legislação, inventariação e

classificação, assim como instituições de cariz mais privado que têm trabalhado nesse sentido como a

Associação Portuguesa dos Jardins e Sítios Históricos (APJSH) (Silva & Carvalho, 2013, p. 610).

51

O artigo também coloca, brevemente, sobre o Reino Unido que possui o status de

“nation of garden lovers” (Silva & Carvalho, 2013, p. 609), nos quais os jardins possuem uma

elaborada e tradicional importância institucional e nacional, sendo amplamente tido como um

chamariz para tours turísticos, dito como turismo de jardins (Silva & Carvalho, 2013, p. 609 e

616). Interessante notar a similaridade da situação. No exposto trabalho, o Jardim Botânico de

Lisboa assim como no parque mencionado no artigo do NY Times, o Regent’s Park, ambos os

lugares em destaque estão situados em meio a área urbana e numa região central. O que faz

pensar que a perfumista escolheu o Jardim Botânico de Lisboa não foi por acaso. Além dele

encerrar uma interessante coleção de espécies botânicas, exóticas e raras, com uma curadoria

botânica que fala sobre Lisboa e seu passado colonial, esse possui uma ideia que já faz parte

da vida cotidiana que a perfumista leva. Apesar do Jardim Botânico de Lisboa ser um lugar

não conhecido por ela, o ritual de imersão dentro de um espaço verde, dentro da área urbana e

central da cidade é de reconhecido valor pela perfumista e para seu processo de criação.

Ainda no mesmo artigo do NY Times a jornalista revela sobre Lyn Harris: Atualmente, Harris - que prefere uma roupa discreta com suéter Saint James e tênis Margiela - costuma

se sentar embaixo de uma árvore no parque, com um caderno na mão e faz um brainstorm de ideias

para novas combinações de fragrâncias. Essas frequentes viagens de pesquisa e coleta de material

desencadeiam ideias que são o ponto de partida para seus aromas ricos em camadas. Às vezes, sua

intenção é capturar o cheiro do parque depois de uma tempestade, ou uma flor que ela encontrou lá; às

vezes, o que ela encontrou irá se tornar um dos 40 ingredientes que comporá um perfume

completamente diferente e muitas vezes complexo.60

Por toda a conjuntura levantada sobre a questão dos jardins e de ser, a perfumista, uma

inglesa, residente em Londres, torna-se natural pensar que ela é uma adoradora de jardins e

que seu processo de criação na cidade de Lisboa, cidade objeto da análise, ter sido alguma

espécie de replicação de seu método executado em Londres. No artigo do The New York

Times Style Magazine, de Maio de 2018, escrito por Aimee Farell61, a perfumista inglesa,

Lynn Harris, deixa transparecer essa admiração novamente. Segundo o artigo: Lyn Harris está em perseguição de lilases. Em uma recente manhã de primavera, a reverenciada

perfumista britânica percorre um mar de grama selvagem e salsa vaca em um indomado quarteirão do

Regent's Park, em Londres. ‘É tão idílico’, diz ela sobre a cena da primavera: neste canto sossegado, o 60 Tradução nossa. Citação original: Nowadays, Harris — who favors an understated uniform of Saint James sweaters and Margiela sneakers — often sets herself down under a tree in the park, notebook in hand, and brainstorms ideas for new fragrance combinations. These frequent foraging trips spark ideas that are the starting point for her richly layered scents. Sometimes her intention is to capture the smell of the park after a storm, or a flower she’s found there, sometimes what she’s foraged will become one of some 40 ingredients that make up an entirely different, often complex perfume. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. Quinto parágrafo. 61 Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020.

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zumbido incessante do tráfego no centro de Londres é eclipsado - quase - pelo canto dos pássaros e

pelos sinos da Igreja St. Marylebone. ‘Você está no meio da cidade e, no entanto, parece tão

selvagem.’.62

Sobre a admiração da perfumista concernente aos aspectos naturais de Portugal, Lyn Harris

diz: “Há sempre um movimento no ar em Portugal, que eu adoro. É como se as estações

estivessem sempre a mudar. Há tanta beleza. Há pinheiros maravilhosos, citrinos, todas

aquelas ervas, belos jardins”.63

Imagem 1. (esq.) e 2 (dir.). Lyn Harris no Regent’s Park em Londres, colhendo suas inspirações olfativas. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 24 de Setembro de 2021.

E seguindo nesse rastro chega-se a outra questão importante para a análise de como foi

e é o processo da perfumista em traduzir lugares em perfumes. Existe uma ação primordial

que faz com que essa imersão possa acontecer. O caminhar. A respeito do caminhar cotidiano

que se associa bem com a prática da perfumista, Fortuna diz: “Muitas dessas caminhadas, por

vezes até as mais triviais como as que sinalizam o percurso quotidiano casa-trabalho-casa,

62 Tradução nossa. Citação original: “Lyn Harris is in hot pursuit of lilacs. On a recent spring morning, the revered British perfumer makes her way through a sea of wild grass and cow parsley in an untamed quarter of London’s Regent’s Park. “It’s so idyllic,” she says of the springtime scene: In this quiet corner, the incessant hum of central London traffic is eclipsed — almost — by birdsong and bell chimes from St. Marylebone Church. “You’re in the middle of town, and yet it feels so wild.” Tradução livre. Em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. Primeiro parágrafo. 63 Lyn Harris em entrevista a jornalista Aline Fernandez, em Maio 2018 para a revista Máxima. Em: https://www.maxima.pt/beleza/detalhe/os-novos-aromas-de-portugal, acessado em 05 de Agosto de 2020. Segundo parágrafo.

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trazem consigo imagens reais ou memórias especializadas da presença de outras existências

sociais ou de estilos arquitetônicos e efeitos sociais variados.” (2018, p. 140). De certo modo,

o caminhar pela cidade é um flanar contemporâneo, já podendo ser entendida com diferenças

do flanar do Séc. XIX de Baudelaire por um motivo muito simples: a cidade-palco da época

de Baudelaire não é a mesma cidade-palco dos tempos de agora. Porém o método preconizado

por Benjamin ainda é importante e amplamente usado, inclusive por Canevacci (1993[2004])

na elaboração de seu método etnográfico para analisar a comunicação urbana e, além, de

ainda possuir uma ideia de serendipidade,64 pois a ideia de compreender a cidade ainda é um

objeto curioso, que ainda chama atenção, antes por conta de uma ruptura de modo de vida

ocasionado pelo começo da era industrial, hoje chama atenção pela multiplicidade dos modos

de vida que adveio daquela ruptura e que está em processo até hoje.

Contudo, justamente por conta dessa multiplicidade e do processo incessante de

aceleração e mudança na cidade contemporânea, acontece um desuso do flanar e

consequentemente do caminhar pela cidade. Esse é um sintoma dos tempos atuais, nos quais,

segundo, bem explica Fortuna, faz parte da “(...) primazia concedida modernamente a este

aceleracionismo cultural da cidade, a caminhada perdeu estatuto e deixou, gradualmente, de

ser o dispositivo central da produção de cultura e da capacidade de gerar ligações com os

outros.” (2018, p. 137). Especificando que esses “outros” dito pelo autor também podem ser

expandidos, de ligações com indivíduos para ligações com coisas gerais dentro do urbano,

como por exemplo, o objeto de estudo do presente trabalho ou a comunicação urbana de

Canevacci (1993[2004]). Essa aceleração da vida e da cultura promove uma percepção,

muitas vezes, automatizada do meio que acontece, frequentemente, de um modo superficial e

empobrecido de teor perceptivo e sensorial. Logo, o flanar da era industrial foi um meio de

descoberta de um começo de um modo de vida e que hoje, o flanar é a tentativa de

recuperação da percepção das sutilezas dos modos de vida, nos quais devido aos processos de

super valorização da mobilidade rápida (automóveis e meios de transportes variados) e do

intenso movimento de mudanças da e na cidade, fez com que o indivíduo diminuísse o

processo de andar pela cidade e de interagir com ela e com os indivíduos de uma maneira

mais subjetiva e contemplativa. Fortuna alerta que o:

64 Serendipity: Um anglicismo que significa “descobertas afortunadas feitas, aparentemente, ao acaso.” Disponível em: https://www.ideiademarketing.com.br/2014/10/13/voce-sabe-o-que-e-serendipidade-a-magia-da-inovacao-acontece-aqui/, em 05 de Agosto de 2020. Terceiro parágrafo. Fortuna (2018, p. 146), também menciona a noção de serendipidade pensada por Merton (1968, p. 157).”(...) aplicada ao percurso pedonal urbano, a serendipidade caminhante é sinônimo de refundação dos microlugares em que a com-vivência inusitada dos sujeitos ocorre.”

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(...) violento urbanismo que subordinou o espaço urbano à lógica do automóvel foi também responsável

por essa outra anomalia que é o ato de parar ou sentar-se em espaços públicos, exceto se se pagar, como

sucede nos espaços comuns privatizados como as esplanadas e os cafés (2018, p. 137).

Ou seja, o ato de “perder-se” na cidade deixou de ser algo a ser valorado. O fruir a cidade, por

simplesmente, andar por ela foi descredenciada e marginalizada nos tempos de hoje, o que

Fortuna fala que o “andar deixou de ser o grande meio de conhecer e pensar o espaço, tal

como a comunicação para ser veloz deixou de ser experimentada na relação face a face entre

os sujeitos.” (2018, p. 137).

Em se tratando do modo de criação da perfumista, o atributo estético é algo

importante a ser considerado e, logo, as percepções e sensações conjuntamente com uma

intenção faz toda a diferença para o seu método criativo. É necessário ter em conta que a

feitura de um perfume possui um outro lado que é o técnico, portanto a coleta de dados e de

uma ideia subjetiva-abstrata do que é o lugar é um componente importante no trabalho da

perfumista, porém não é só isso, assim como o ato criativo e estético da perfumista não cessa

quando ela começa a compor o perfume, ou seja, quando ela define uma determinada

representação mental, através da captação e assimilação do que é Lisboa, será definida em

notas e acordes que são a fórmula química do perfume. O processo de apreensão e coleta de

dados são os primeiros passos e tudo isso precisa estar amarrado a uma estratégia que vem da

marca contratante. Por isso, é necessário relativizar que a flânerie da época moderna, vira de

fato, um método conforme mencionado por Canevacci (1993[2004], p.111), pois o enfoque de

atenção não é mais a surpresa e curiosidade com relação à multidão e suas decorrências, a

boemia e ao consumo na qual foi constituída e ampliada pelo novo capitalismo industrial da

época. Sobre isso Fortuna esclarece: “A natureza do flâneur é menos a de um/a caminhante

urbano e antes a de alguém que se revela numa relação meramente estética (pode ser até

estática) com a multidão.” (2018, p. 140). Na verdade o flanar na cidade ainda pode ser

entendido como tal – um ato “observativo”, poético e investigativo sobre a cidade – porém, a

flânerie de Baudelaire analisada por Benjamin deve-se ser devidamente contextualizada no

seu cenário de origem conceitual a fim de dar a apropriada abordagem. Tomando um exemplo

prático dessa diferença é que um flâneur da época moderna não iria fazer uma imersão

urbana, na qual ele foi previamente contratado por uma marca, com o intuito de captar

características de um lugar/país e de criar um produto de massa como um perfume o é na

atualidade. A imersão urbana, aqui colocada, já é um tipo de método instaurado para um fim,

diferente da curiosidade e necessidade que se tinha para entender uma nova realidade surgida

com as mudanças da época aquando do ato do flanar moderno. Talvez possa-se pensar que a

55

flânerie evoluiu com as mudanças dos tempos se adequando às suas novas realidades

perpetradas através das transformações na cidade e se tornando cada vez mais um método de

aplicação para a obtenção de respostas, reflexões e soluções para a contemporaneidade. Sobre

isso, Fortuna aponta que a “flânerie moderna e urbana tem sido um exemplo de uma maneira

de ver a cidade e o complexo sociedade-natureza, tornando-o mesmo um objeto de abundante

escrutínio por parte das ciências sociais, da literatura e do cinema (...).” (2018, p. 139). O

ponto de tangência entre a flânerie e o processo criativo da perfumista é a suposta abertura ao

desconhecido, é a permissão da surpresa, é um olhar atento – “observativo” e também

estético, mas é importante pontuar que pode-se pensar em mais processos de natureza

etnográfica que o caminhar suscita e é o que Canevacci (1993[2004]) e Careri (2002[2013])

sugerem.

Existem autores que são contundentes com relação a inapropriação da flanêrie nos

tempos de hoje. Citando um, Ferrara diz que “por mais que essa figura possa preencher a

necessidade de um significado para a cidade dos nossos dias, (...). Na cidade atual marcada

pela rapidez da sua transformação não há mais espaço e tempo para a ‘flânerie’, para o sonho

ou para a observação do detalhe individual.” (1991, p. 22). Sem dúvida, é uma afirmação forte

e que deve ser relativizada, pois se for possível pensar na flânerie com uma ideia de evolução

no tempo, portanto diacrônica, é possível pensar sim nela como método, sendo agora

reajustada para uma realidade fragmentada. O destaque que é necessário ter em mente com o

que Ferrara fala é a clareza com que ele estabelece a reflexão na mudança sobre a cidade do

começo da era industrial para a cidade na atualidade. Portanto, o que o referido trabalho

preconiza é que o modo do flanar mudou, não que ele não seja mais possível de ser realizado.

Assim como fica claro que ainda existe espaço para o sonho e para a observação do detalhe

individual, caso isso não fosse verdade os perfumes compostos pela perfumista para a Claus

Porto não seriam possíveis.

A maneira do flanar da contemporaneidade precisou se adequar não somente às

mudanças citadinas mas também à tecnologia. Hoje o modo de representação de uma cidade

são muitas, devido a facilidade que hoje, qualquer indivíduo, possui em retratar e, portanto,

representar um fragmento de cidade. A mistura informacional de representação da cidade

pode ser através de texto, ou seja, das anotações do observador, mas, também, com imagens,

vídeos e com pequenos fragmentos do lugar cria uma narrativa própria dos tempos

contemporâneos. Ela acontece através de uma montagem e de uma edição que igualmente faz

parte da interpretação do observador. A forma com que é ordenado a panóplia de imagens e

frames, já prenuncia a sua visão própria sobre um lugar. Nessa parte, a diretora criativa,

56

Anne-Margreet Honing, possui seu destaque, uma vez que toda essa parte do processo de

desenvolvimento dos perfumes ela foi testemunha e, que essa possui a aproximação direta

com a marca.

Para a criação da colônia 2 Agua Geranium, colônia essa que foi inspirada no Jardim

Botânico de Lisboa, a ideia da utilização como matéria-prima principal em destaque para esse

perfume foi a planta aromática conhecida como gerânio que se encontra no Jardim, na parte

chamada classe e que dá nome ao perfume. Felizmente, na ocasião da imersão da perfumista

no Jardim Botânico de Lisboa, ao que parece, ela obteve acesso a área na qual possui algumas

espécies de gerânio e uma delas um gerânio endêmico da Ilha da Madeira, comumente

chamado de gerânio-da-madeira ou pássaras. Porém, fica claro que a escolha do uso do

gerânio encontrado no Jardim Botânico de Lisboa não foi o exotismo de uma determinada

espécie que habita o Jardim, mas sim uma identificação pessoal da perfumista, na qual faz

uma correlação com os gerânios que ela está acostumada a encontrar em Londres. Outro

ponto a se destacar é que não fica claro qual espécie de gerânio que foi escolhido pela

perfumista. Lyn, então, quis dar esse ar tradicional inglês que ela possui inerentemente.

Segundo o press release fornecido pela marca Claus Porto na parte que fala sobre a colônia 2

Agua Geranium, destaca-se uma fala na qual Lyn Harris relata sobre os gerânios: “Vi várias

espécies de gerânio no Jardim Botânico de Lisboa e senti que este era uma espécie de lado

inglês de Portugal. Também senti uma ligação porque sou inglesa. E quis capturar isso.”65

Segundo o portal institucional da marca Claus Porto, a descrição da colônia 2 Agua Geranium

é: A Coleção Agua de Colonia foi criada pela perfumista Lyn Harris e é o resultado das suas viagens

por Portugal à descoberta de aromas capazes de transmitir a beleza e diversidade deste país. Agua

Geranium conduz-nos até um jardim exótico no coração de Lisboa, revisitando um ingrediente

tão tradicional como o gerânio, mas dando-lhe o toque contemporâneo.

Lisboa. Lyn ficou encantada com o Jardim Botânico que lhe pareceu uma ilha de flora tropical rodeada

pela cidade. A fragrância: Bergamota, lavanda e raiz de Angélica com um coração de folhas de gerânio,

pétalas de rosa e cravinho, numa base de patchouli, vetiver, musgo, fava tonka e almíscar.66

65 Pedrosa, M. (Comunicação pessoal, Agosto 10, 2020). Press release da Nova Coleção Agua de Colônia. 66 Disponível em: https://clausporto.com/pt/2-agua-geranium, acessado em 05 de Agosto de 2020.

57

Foto 8.67 Vista aérea da classe no Jardim Botânico de Lisboa.

Foto 9. Lugar onde estão localizados os gerânios. Arquivo pessoal. Foto tirada em 30 de Setembro de 2021.

67 Disponível em: https://www.ulisboa.pt/sites/ulisboa.pt/files/styles/rect_large/public/inventory/images/jb_classe_25v2011_3a_1.jpg?itok=FIUmPHaE, acessado em 08 de Outubro de 2021.

58

Foto 10 (esq.). Espécie Gerânio sanguineum. Foto 11 (dir.). Espécie Pelargonium zonale. Arquivo pessoal.

Fotos tiradas em 30 de Setembro de 2021.

Foto 12 (esq.). Espécie Geranium albanum. Foto 13 (dir.). Espécie Geranium madeirense. Arquivo pessoal.

Fotos tiradas em 30 de Setembro de 2021.

A parceria com a marca e o processo criativo da perfumista através de viagens ao longo de

Portugal começou em 2016 com a criação do perfume Claus Porto Le Parfum, uma edição

limitada e numerada, na qual foi concebida como a interpretação da perfumista sobre

Portugal, baseada nos cheiros do país e colhidos por ela ao longo dessa viagem. Portanto, essa

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viagem mencionada no site institucional é onde começou de fato todo o processo perceptivo,

com foco no olfato, de Portugal, pela perfumista. O lançamento das colônias veio cerca de um

ano depois do Le Parfum, as colônias foram lançadas em 2018 e o Le Parfum em 2017 e

ambos esses lançamentos foram em comemoração aos 130 anos da Claus Porto. Logo, se trata

de um relançamento da linha de colônias já existentes e de um eau de parfum inédito no

portfólio de produtos da Claus Porto. A marca já tinha uma linha de colônias precedente,

portanto, foi realizado uma reformulação da linha, na qual as fragrâncias e a comunicação

visual foram mudadas, sendo agora assinada por uma renomada perfumista e por uma diretora

criativa. Nesse sentido, destaca-se que a percepção da perfumista foi ganhando corpo

conforme ela foi percorrendo as várias regiões de Portugal, tanto que a linha de colônias,

aquando da época de lançamento (Maio de 2018), foi em número de cinco colônias, nas quais

foram inspiradas em diversas regiões portuguesas: Alentejo (1 Agua Vetiver), Lisboa (2 Agua

Geranium), Comporta (3 Agua Fougère), Douro (4 Agua Clementina) e Porto (5 Agua Porto).

Em Março de 2020 foi lançada uma nova colônia, 6 Agua Flores, inspirada na Ilha das Flores,

uma das ilhas do arquipélago dos Açores.68

Imagem 3. 69 As cinco colônias Claus Porto.

68 Disponível em: https://www.fragrantica.com.br/novidades/Claus-Porto-Flores-4043.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. 69 Disponível em: https://bordalo.observador.pt/v2/rs:fill:900/c:1200:300:nowe:0:0/q:86/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2018/05/17000642/2018_colonia_fcaixas_hr_1200x300_acf_cropped.jpg, acessado em 12 de Setembro de 2021.

60

Imagem 4 (esq.). 70 Colônia número 6 – Agua Flores. Imagem 5. (meio). 71 Colônia 2 - Agua Geranium. Imagem 6 (dir.). 72 Perfume Claus Porto Le Parfum.

O processo de captação dos cheiros de Portugal pela Lyn Harris, possui duas

características a destacar: o rápido e o devagar. A viagem segundo consta o artigo da

Wallpaper, foi uma roadtrip de Norte a Sul de Portugal, com a companhia da diretora criativa

Anne-Margreet Honing. Em Setembro de 2016, começou a imersão em Portugal com o intuito

de fazer a perfumista captar e entender olfativamente o país, além de fazer uma imersão na

marca contratante – Claus Porto.73 A diretora criativa fala sobre o trabalho da perfumista em

outro artigo, realizado pela Vogue Portugal:

Tem tudo a ver com passear sob diferentes temperaturas, em momentos diferentes do dia. Nenhum

momento inspirador nos toma verdadeiramente a menos que o atravessemos, como uma viagem. E ver a

Lyn tão inspirada foi realmente uma emoção - é como observar um artista a colecionar grandes

momentos, sabemos que mais tarde formarão uma grande obra de arte.74

70 Disponível em: https://www.fragrantica.com.br/perfume/Claus-Porto/Agua-Flores-59590.html, acessado em 12 de Setembro de 2021. 71 Disponível em: https://clausporto.com/media/catalog/product/c/o/colonia_2.png?optimize=medium&fit=bounds&height=265&width=265, acessado em 12 de Setembro de 2021. 72 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/11/06/impar/noticia/claus-porto-lanca-edicao-limitada-de-perfume-para-assinalar-130-aniversario-1791487, acessado em 24 de Setembro de 2021. 73 Disponível em: https://www.wallpaper.com/lifestyle/claus-porto-lynn-harris-profile, acessado em 05 de Agosto de 2020. 74 Disponível em: https://www.vogue.pt/claus-porto-lan-a-perfume-inspirado-em portugal?photo=Full%20Edit.00_06_46_08.Still022.jpg, acessado em 05 de Agosto de 2020. Quinto parágrafo.

61

Imagem 7. Captura de tela - Lyn e Anne-Margreet road trip por Portugal. Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, on line, em 1’38” , acessado em 12 de Setembro de 2021.

Imagem 8. Captura de tela - Lyn e Anne-Margreet no Jardim Botânico de Lisboa. Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, on line, em 4’12”, acessado em 12 de Setembro de 2021.

Nesse processo a perfumista foi colhendo plantas, folhas, talos, pedras, frutos e etc. e,

anexava em seu caderno de anotações o que cabia e guardava o resto, como se fosse seu diário

de bordo de referências olfativas, além, naturalmente, de suas anotações. Tudo era inspiração

para a perfumista, até o ar era material para as suas descobertas. Conforme a jornalista Emma

Moore relatou em seu artigo para a Wallpaper: “Farejaram o vento, o sal dos pântanos e as

notas de cedro carregadas pela umidade.”75 Dessa forma a maneira ideal para esse cenário

relatado acontecer é caminhando pelos lugares, com tempo hábil para captar todas essas

nuances e achar todas essas possíveis referências olfativas. É um processo de descoberta, 75 Tradução nossa. Citação original: “They sniffed the wind, and the salt of the marshes, and cedar notes carried by the humidity.” (Moore, 2017, sexto parágrafo). Disponível em: https://www.wallpaper.com/lifestyle/claus-porto-lynn-harris-profile, acessado em 05 de Agosto de 2020.

62

fruição e de exploração do ambiente à volta. Segundo Anne-Margreet, diretora criativa, deixa

claro no seu depoimento no vídeo institucional - The Picture:

Não é só ir e encontrar plantas, pedras e ervas ... É também andar em diferentes temperaturas. É

também andar por aí em diferentes momentos e luzes do dia. São todos pequenos, muito pequenos

momentos mágicos inspiradores que você só pode captar se viajar por eles.76

Apesar da intencionalidade comercial dessa viagem e desse processo de imersão, não

há como dissociar o aspecto criativo, poético, estético e muito pessoal da perfumista e,

consequentemente da diretora criativa. De fato, a narrativa que foi amplamente explicitada

pelos media na ocasião do lançamento desses novos produtos da marca, deixa patente o

cuidado, o preciosismo e valorização do ato criativo da perfumista. No vídeo institucional da

Claus Porto sobre a viagem realizada por Portugal possui uma fala de Lyn que exemplifica

bem o seu processo:“É um processo emotivo e tenho que sentir essa emoção alimentando-a

conforme vou experienciando todo o país e, por fim, é sobre a imagem.”77 Portanto, tudo

começa pela emoção e, para essa emoção criar significado para ela, ela precisa sentir a

emoção, alimentando-a para ganhar corpo, vida, repertório e contexto. Faz crer que é o

processo de entender o externo dentro do seu interno, de modo a organizar os múltiplos

gatilhos emocionais tidos no ambiente onde ela se encontra e, quando finalmente isso se

realiza, o resultado é uma imagem e/ou uma paisagem.

Imagem 9. Lyn e Anne em momento de descanso contemplativo. Fonte: Pedrosa, M. (Comunicação pessoal, Agosto 2020). 76 Tradução nossa. Citação original: “It's not only going and finding plants and rocks and herbs...It's also walking around in different temperatures. It's also walking around in different lights and moments of the day. They are all small, little inspiring magic moments that you can only catch if you travel throught it.” (Sousa, 2017, 5’55” – 6’19”). Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020. 77 Tradução nossa. Citação original: “It's an emotive process and I have to feel that emotion feed it from experiencing the whole country and ultimately then it's about the picture.” (Sousa, 2017, 2’55” – 3’09”). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020.

63

Imagem 10. À esquerda, Lyn Harris e Anne-Margreet Honing na flagship store do Porto. À direita, os materiais colhidos como inspiração olfativa para os perfumes. Disponível em: https://www.wallpaper.com/lifestyle/claus-porto-lynn-harris-profile, acessado em 24 de Setembro de 2020.

Na viagem por Portugal a perfumista e a diretora criativa foram acompanhadas do

fotógrafo e cineasta João Sousa e de uma enxuta equipe técnica que retratou imagens e

passagens do processo de imersão das profissionais em questão. O filme retrata claramente o

padrão criativo da perfumista. Possui cenas onde retrata o rápido, a viagem feita à carro ou à

balsa e as partes lentas onde ambas as profissionais se detém nas sutilezas dos ambientes,

quase sempre ao ar livre, através do caminhar. No vídeo institucional The Picture apresenta e

representa bem o ritmo e o foco das profissionais. O grande foco é na natureza, nos ambientes

ao ar livre e nas cidades de Lisboa e Porto. O vídeo mostra as profissionais num processo de

escrutínio, de exploração dos lugares, assim como, misturados a momentos de contemplação

paradas em algum lugar por onde elas estavam. Numa fala de Lyn Harris para o Observador

fica claro seu processo de imersão:

Eu sou como uma esponja e absorvo tudo, desde os objetos vivos a edifícios, azulejos, a paisagem em

constante mudança… Tudo isto capturou profundamente os meus sentidos. Quando estive na Comporta,

adormeci a cheirar os pinheiros e esta foi uma experiência verdadeiramente memorável que partilhei de

muitas maneiras diferentes nestas águas de colónia.78

Em todo o processo imersivo destaca-se a importância das paisagens, a perfumista fala

muito a respeito das paisagens. Pode-se inferir que a paisagem para a perfumista é a síntese de

todas as referências olfativas colhidas, é o que ela espera ou precisa para criar uma fragrância,

78 Disponível em: https://observador.pt/2018/05/17/a-que-cheira-portugal-a-viagem-da-claus-porto-em-cinco-aguas-de-colonia-que-cheiram-a-nos/, acessado em 05 de Agosto de 2020. Sexto parágrafo.

64

parece ser a conclusão final do que é a fragrância para ela. No momento do vídeo institucional

que ela se apresenta, dizendo: “Eu sou Lyn Harris. Sou uma perfumista independe de Londres

e estou aqui para experienciar Portugal e traduzi-la em uma fragrância.”79 Logo, a imagem

que ela fala pode ser entendida como a tradução da fragrância que ela quer criar. Não à toa o

nome do filme sobre a imersão em Portugal que culminou no eau de parfum e nas demais

colônias da marca, chamar-se The Picture. Nos momentos finais do vídeo institucional –

Claus Porto Le Parfum – The full Picture – Lyn está numa praia deserta, sol se pondo, muito

vento e diz: “Precisa ser o casamento das coisas em uma foto/imagem. É como uma harmonia

visual. Essa imagem é minha fragrância.”80

Imagem 11. Captura de tela. Vídeo The Picture, parte que Lyn Harris diz que esta imagem é a sua fragrância. Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, on line, em 7’42”, acessado em 24 de Setembro de 2021.

A respeito sobre essa declaração feita pela perfumista: “That Picture is my

fragrance.”, a palavra picture, que também é o nome do vídeo-filme institucional da marca,

conforme já foi mencionado, possui várias traduções que podem ser: foto, retrato, imagem,

quadro, figura, desenho, pintura...e mais possibilidades. Importante notar que o que mostra o

vídeo é uma paisagem e a ideia de uma imagem, já aqui fazendo uma escolha para a tradução

representar o que é o perfume para a perfumista; além de uma síntese, conforme dito acima, é

também, o que o autor Grinover diz sobre entender “de que maneira a nossa percepção da

79 Tradução nossa. Citação original: “I’m Lyn Harris. I’m an independent perfumer from London and I’m here to experience Portugal and translate it into a fragrance.” (Sousa, 2017, 1’14” – 1’24”). Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020. 80 Tradução nossa. Citação original: “It needs to be marriage of things in a picture. It's like a harmony of visually. That picture is my fragrance.” (Sousa, 2017, 7’28”- 7’41”). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020.

65

paisagem se torna percepção estética, isto é, de que maneira se adquire consciência da

qualidade figurativa da paisagem e, portanto, de que maneira isto se institui como objeto

estético.” (1971, p. 23). Esse é um questionamento importante, pois a frase da perfumista é

enfática na sua associação entre uma paisagem ser um perfume, então é relevante entender

como é o processo que um fragmento no tempo de um lugar é ao mesmo tempo um objeto

inspiracional para a perfumista. Em alguns vídeos da marca, citando os – The Picture e o

Agua Geranium - mostram esse processo de coleta, escolha, negociação e contemplação da

perfumista. Grinover continua sua explicação falando que existem duas maneiras para

transformar uma paisagem-imagem em percepção estética, esse diz que:

(...) a primeira, direta, bastante rara, pertencem todos os modos que podem ser resumidos pela ideia de

mito, isto é, toda vez que um grupo social elege um ponto a lugar simbólico, reconhecer-lhe um valor

que leva o lugar a se tornar objeto, a se definir como figura circunstante. Seja que se apresente como

monumento, como lugar específico, uma particular relação com a paisagem. Uma segunda maneira é

aquela indireta, constituída pelos testemunhos de que, extraindo pedaços da paisagem do contexto e

comunicando-os através de particulares instrumentações, carregam-no de uma quase-objetualidade que

nos faz reconhecer como figura. Referimo-nos ao papel que desenvolve a representação da paisagem

através da pintura, da fotografia, da cinematografia. Esses são de fato instrumentos fundamentais de

conhecimento da paisagem enquanto representação, pois tendem a por em relevo as características

estruturais por meio da interpretação ou excepcionalidade da visão (aspecto qualitativo), e também pela

reprodução e difusão em grande número de exemplares (aspecto quantitativo) (Grinover, 1971, p. 23).

Seguindo o raciocínio de Grinover, o caso analisado no presente trabalho, parece estar

associado as duas maneiras explicadas pelo autor. Ao assistir os vídeos é claro a maneira

permeada de aspectos simbólicos, assim como, é perceptível na fala da perfumista que ela,

intuitivamente, elegia momentos mentais específicos como imagens que representavam o que

era a ideia do perfume para ela. Para a colônia 2 Agua Geranium esse momento no tempo, a

paisagem-imagem, não se faz tão claro e preciso, mas a hipótese do autor em reflexionar

sobre a possibilidade de transformar uma paisagem em um objeto estético e logo, simbólico é

providencial para aprofundar o entendimento de sua maneira de criar o perfume, associando o

que o autor menciona como atributos qualitativos advindos da seleção visual da perfumista,

até a transformação quantitativa dessa interpretação e representação que é o perfume em si.

Um autor clássico também pode ser pensado para entender sobre a questão da

transformação da imagem que a perfumista verbalmente menciona e que o vídeo mostra em

um tipo específico de linguagem que corrobora para a paisagem virar, além de um objeto

estético, uma linguagem além da linguagem, de ser algo imaginado, manipulado com

determinado intuito de transformação do que é considerado real. O autor Barthes foi um dos

66

primeiros pensadores que através de sua teorização sobre a criação de mitos pelos media,

passando pela análise crítica, social e cultural e, que portanto passa pelo cotidiano, combina

com o estudo de caso do presente trabalho, pois ajuda a entender as várias facetas da

comunicação da marca Claus Porto e da maneira autoral da perfumista Lyn Harris, portanto a

junção de uma linguagem institucional com uma linguagem pessoal. Barthes fala dessa

possibilidade de comunicação, a linguagem mítica, que vai além do conteúdo; ela é uma

forma específica de comunicar, de dizer coisas, de transmitir uma mensagem. Segundo o

autor “a imagem transforma-se numa escrita, a partir do momento em que é significativa;

como a escrita, ela exige uma léxis” (Barthes, 1957[2001], p. 132), o autor continua que “o

mito é um sistema ideográfico puro onde as formas são ainda motivadas pelo conceito que

representam, sem no entanto cobrirem a totalidade representativa desse conceito.” (Barthes,

1957[2001], p. 148). O conceito precisa ser apropriado àquilo que se quer como mensagem.

Barthes diz que “(...) o conceito mítico, ele é a própria intenção do comportamento.”

(1957[2001], p. 141). O autor também fala sobre o aspecto incongruente do conceito, uma vez

que este é subjugado a forma. O conceito assume uma possibilidade ampla, “um certo

conhecimento do real” (Barthes, 1957[2001], p. 141), porém o autor adverte que não é uma

abstração, mas uma deformação intencional do que se entende o real (Barthes, 1957[2001], p.

141). Pela maneira como a perfumista e a diretora criativa falam da marca e da criação dos

perfumes, estas criam uma intenção mitificada sobre as paisagens e lugares por onde passam,

elas ressignificam uma imagem, um lugar, o transformando numa metalinguagem. A imagem,

então, é uma mensagem de uma seleção que significa coisas para esses atores. O interessante

que esse processo, no qual o vídeo representa, se traveste de uma mensagem intencional para

a perfumista, para a criação dos perfumes e para a marca que se usa desse processo para

passar um conceito cheio de formas e conceitos, porém, esses conceitos possuem pouca

contextualização. Barthes fala de possíveis maneiras de ler o mito: de uma certa forma

manipuladora, pois, é a maneira que o produtor do mito tem a intenção de instaurar, de uma

maneira desmistificadora, que parte do processo de decifrar o mito acontece de maneira

dinâmica e, é a maneira que o leitor transforma uma intenção mítica em verdade-irreal, a

deformação (Barthes, 1957[2001], p. 149). Relevante perceber essas nuances, pois todas elas

estão contidas na mensagem mítica passada pelos vídeos institucionais presentes no exposto

trabalho. Outro ponto no constructo de Barthes é que “(...) o mito é uma fala excessivamente

justificada” (1957[2001], p. 151), portanto, o mito, naturaliza o conceito/significado e que por

isso, tão facilmente é assimilado pelo consumidor do mito, uma vez que o sentido e toda a sua

complexidade é transformada em uma intencional forma, porém essa forma é de tal forma

67

justificável que é assumida como natural, como um fato (Barthes, 1957[2001], p.151).

Portanto, diante dessa lógica de Barthes, a perfumista quando fala que uma determinada

imagem é o seu perfume, está aqui um exemplo de uma ideia de recriação a partir do real do

que é Portugal para a perfumista. Esse processo é uma via dupla, não é somente uma

produção intencional de um mito, mas é também de criação da ideia de um fazer artístico

especializado que a perfumista possui. O vídeo ajuda a deformar o real, o reconfigurando

através do olhar da perfumista.

Tuan, também traz um conceito sobre o mítico que pode aprofundar a discussão. O

autor fala sobre espaço mítico e lugar. Diz que “o mito é frequentemente contrastado com a

realidade”, que eles “florescem na ausência de um conhecimento preciso” e que “não é uma

crença que possa ser facilmente verificada e negada pela evidência dos sentidos”

(1977[1983], p. 96). Nesse intento é recomendável perceber que uma paisagem que está num

determinado espaço que não é conhecido ou bem conhecido pelas duas viajantes pode assumir

o constructo de Tuan, no qual, para conhecer um espaço existe o conhecimento tácito, mas

também existe um componente imaginativo, decorrente da imprecisão do conhecimento de

um espaço menor em detrimento do maior. “Os mundos da fantasia são construídos sobre

pouco conhecimento e muita vontade.” (Tuan, 1977[1983], p. 97), mas que no caso analisado

pode-se considerar que seja um espaço familiar, afinal uma praia, um Jardim e uma cidade

não é uma ambiência nunca vivenciada por elas. Provavelmente, Portugal não é um país que

elas conheçam a fundo, mas que igualmente não é algo irreconhecível por elas. Segundo

Tuan, o imaginar o que está além do visto, o que pode se encontrar nesses espaços; o que de

acordo com Lyn diz ser “um mistério”81, fala que a “nossa imaginação constrói geografias

míticas que podem ter pouca ou nenhuma relação com a realidade.” (Tuan, 1977[1983], p.

96), faz parte de transformar esses espaços, num espaço mítico, de transformar esses espaços

em lugares, uma vez que “atribui personalidade ao espaço, consequentemente transformando

o espaço em lugar.” (1977[1983], p. 103). Tuan diz, também, que existem dois tipos de

espaço mítico, o primeiro “é uma extensão conceitual dos espaços familiar e cotidiano dados

pela experiência direta.” (1977[1983], p. 97), o que combina com o caso da cidade de Lisboa

e do Jardim Botânico de Lisboa, por exemplo. E o segundo tipo é que o “espaço mítico

funciona como uma elemento de uma visão de mundo ou cosmologia.” (1977[1983], p. 99), o

que tem a ver com suas origens europeias e suas bagagens pessoais. Ambos os tipos são

tentativas de organização da compreensão do espaço. A primeira fala da perfumista no vídeo 81 Tradução nossa. Citação original: “There’s a mystery here.” (Sousa, 2017, 0’01” – 0’03”). Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 05 de Agosto de 2020.

68

institucional – The Picture, ela diz: “Há um mistério aqui. Eu não posso explicar isso. Senti

isso quando vim pela primeira vez a Portugal. Achei que havia um verdadeiro mistério no

ar.”82 Essa fala da Lyn pode ser interpretada como um mundo de possibilidades apresentada

aos seus sentidos, a uma vontade em desvendar, a resolver esse mistério. A incapacidade de

precisão em conhecer um lugar já pressupõem a sua mitificação, de atribuir meios simbólicos

à tentativa de conhecimento, de colocar, portanto a sua visão de mundo, no caso, nesse

pequeno mundo Portugal-Lisboa-Jardim Botânico de Lisboa. Tuan conclui que “no

pensamento mítico, a parte pode simbolizar o todo e ter toda a sua potência.” e, que o espaço

mítico “difere dos espaços concebidos pragmática e cientificamente no sentido que ignora a

lógica da exclusão e da contradição.” (1977[1983], p. 112). Esses conceitos da paisagem

como objeto estético, da linguagem mítica e do lugar mítico ajudam a compreender o

processo de criação e o que de fato resultou do processo – o perfume. A crítica com relação a

uma estrangeira conseguir elaborar um perfume sobre um lugar, tentando o caracterizar,

possui mais um respaldo conceitual através de Grinover (1971), Barthes (1957[2001]) e Tuan

(1977[1983]).

Apesar do foco ser em referências olfativas, importante notar a multissensorialidade

do processo. Todos os outros sentidos entram em importante ativação. O visual através da

paisagem e na detecção de referenciais escolhidos; o tato através da coleta de elementos - de

senti-los, pegá-los - do caminhar, assim como na percepção tátil do ar, do vento e da

temperatura na pele; a audição com a riqueza dos sons próprios dos ambientes visitados; o

paladar que fica num suspense, numa espécie de latência quando encontra-se algo comestível

como referência olfativa (por exemplo, referências comestíveis como citrinos, frutas,

vegetais...), ou em determinados momentos da viagem, como por exemplo em Porto ou em

Lisboa, lugares onde a experiência gustativa se torna mais relevante a esse sentido. Porém, o

paladar por ser um sentido que acontece em sintonia com o olfato e, por se tratar de uma

profissional treinada olfativamente, a perfumista pode ter tido sensações gustativas

conjuntamente com o ato de cheirar. E, por fim, o grande destaque: o olfato sendo

constantemente acionado a fim de detectar e selecionar as melhores e mais relevantes

referências olfativas para a perfumista, assim como o de capturar contextos e cenários para

suas escolhas.

82 Tradução nossa. Citação original: “There’s a mystery here. I can’t explain it. I was feeling it when i first came to Portugal. I thought there’s a real mystery in the air.” (Sousa, 2017, 0’01” – 0’09”). Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 05 de Agosto de 2020.

69

Imagem 12. Captura de tela. Lyn e Anne-Margreet no Jardim Botânico de Lisboa. Disponível em:https://youtu.be/gmJHU0oul5Y,-online,em4’17”,acessadoem12deSetembrode2021.

O desenvolvimento da linha de colônias surgiu através da viagem por Portugal,

importante evidenciar que a percepção da perfumista foi inundada por todos esses lugares que

ela experienciou. Apesar do objeto de análise ser o perfume que é inspirado em Lisboa, é

relevante destacar que os perfumes foram, efetivamente, criados em Londres, no seu

laboratório. Portanto, primeiro ela apreendeu tudo o que foi possível e necessário para cada

colônia in loco e depois ela continuou o processo. Então, primeiro aconteceu a coleta de

dados e inspirações olfativas e depois, em Londres, a confecção técnica do perfume. Embora

fique explícito, na fala e no vídeo institucional, o processo de coleta de referências

especificamente escolhidas previamente para cada colônia, é importante mencionar o fator

memória, uma vez que a perfumista, elaborou e executou a fórmula em Londres. Portanto, é

possível pensar que a memória geral, por assim dizer, o sentimento geral, do que foi a

experiência em Portugal para a perfumista tenha sido um fator, igualmente, importante no

desenvolvimento das colônias.

Imagem 13 (esq.). Captura de tela. Lyn em seu laboratório em Londres. Imagem tirada do vídeo institucional Agua Colonia N2: Geranium da Claus Porto, on line, em 0’53”. Disponível em: https://youtu.be/TKSlxRuTvAQ, acessado em 24 de Setembro de 2021. Imagem 14 (dir.). Lyn trabalhando em

70

seu laboratório em Londres. Disponível em: https://static01.nyt.com/images/2018/05/08/t-magazine/08tmag-lynharris-slide-YFTX/08tmag-lynharris-slide-YFTX-superJumbo.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Especificamente sobre a cidade de Lisboa, a perfumista expõe que as cidades,

também, possuem grande interesse como lugares inspiradores para ela. Na parte do vídeo

institucional que aparece sua experiência na cidade, ela diz: As cidades são tão inspiradoras quanto estar no campo, mas a cidade dá a você uma energia e a mim a

energia é muito importante. Então, é uma plataforma de partida pra mim, você sabe, você sente as

pessoas, você experimenta a comida, a arquitetura...Tudo isso tem um papel muito importante no meu

processo.83

Segundo a relações públicas – Mariana Pedrosa – quando questionada sobre o por que foi

escolhido o Jardim Botânico de Lisboa, esta responde: “A escolha do Jardim Botânico teve a

ver com a viagem feita em Portugal e o JB foi uma das paragens que cativou Lyn e que a

inspirou para a criação da Agua de Colonia em questão.” (2020, Agosto 12, via e-mail

particular). O envolvimento de Lyn com os jardins já foi esmiuçado anteriormente e, de novo,

entra na importância da confecção do perfume inspirado em Lisboa.

No vídeo institucional da marca essa característica de trabalho e preleção da perfumista

fica, mais uma vez nítida e, é explícito nas suas falas, comportamento e em sua maneira de

passear pelo Jardim. Ela explora vivamente o Jardim Botânico de Lisboa. Em vários

momentos do vídeo mostra ela coletando plantas, cheirando-as, fazendo anotações, além de

trocar ideias com a sua companheira de expedição Anne-Margreet. Lyn diz: “Em toda grande

cidade existe a maravilha de conhecer os jardins botânicos, como sempre os jardins.”84 Em

outra declaração, no press release fornecido pela marca na parte descritiva sobre o perfume 2

Agua Geranium, a perfumista novamente menciona sobre o Jardim Botânico de Lisboa:

“Existem jardins botânicos em todas as cidades com coisas provenientes de todo o

mundo...acho isto sempre fascinante, mas aqui podemos ver Lisboa inteira a partir desse lugar

maravilhoso.” 85

83 Tradução nossa. Citação original: “Cities are equally inspiring as being in the countryside but the city gives you an energy and me and the energy is very important. So, it’s a starting platform for me, you know, you feel the people, you experience the food, the architecture… it all plays a very important part in my process.” (Sousa, 2017, 3’19” – 3’41”). Em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020. 84 Tradução nossa. Citação original: “In every great city there is the wonder of you know the botanical gardens, as always gardens.” (Sousa, 2017, 3’54” – 4’01”). Em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020. 85 Pedrosa, M. (Comunicação pessoal, Agosto 10, 2020). Press release da Nova Coleção Agua de Colonia. Fornecido pela relações públicas da marca.

71

Imagem 15. Captura de tela. Mood Board da composição do perfume Agua Geranium Claus Porto. Disponível em: https://youtu.be/TKSlxRuTvAQ, on line, em 0’43”, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Conforme mencionado anteriormente, Lyn possui uma forte ligação com os jardins,

aliás com a natureza em geral, uma vez que suas matérias-primas preferidas para a

composição de perfumes são as de origem natural. Como a perfumista mesmo fala em um

outro vídeo, no qual ela explica o que faz e como foi e é a sua profissão, para uma

organização inglesa86: Eu fui a pioneira a trazer de volta os naturais na perfumaria. Sempre me lembro de quando estava na

escola, em Grasse, que as pessoas costumavam me dizer que eu nunca conseguiria usar ingredientes tão

preciosos porque eram muito caros. Recusei-me a aceitar aquilo. Então, foi uma missão trazer essas

iguarias de volta à essa forma de arte que é o que faço hoje e pelo que sou conhecida. Eu acredito que

influenciou a indústria a retomar isso, o que é uma ótima conquista para mim (...) (2020, 6’21” –

7’04”).87

A perfumista também fala de sua ligação com as estações do ano. Para o seu processo de

criação, as mudanças das estações são grandes fontes de inspiração. Sobre isso, no artigo do

NY Times diz: Harris, que é originalmente de Halifax, em West Yorkshire, passou longas férias escolares com seus

avós nos confins do campo escocês, nos arredores de Aberdeen. Foi aqui que ela adquiriu sua afinidade

86 Vídeo em que a perfumista, Lyn Harris, aborda a sua carreira para uma organização inglesa - The Creative Dimension Trust - de formação criativa para jovens. 87 Tradução nossa. Citação original: “I pioneered naturals back into perfumery. I always remember when i was at school and when i was in Grasse, people used to tell me that I would never be able to use such precious ingredients because they were very expensive. I refuse to accept that was a mission to bring these delicacies back into the art form which is what i do today and what i'm known for and i do believe it has influenced the industry to take this back on board, which is a great achievement for me.” (2020, 6’21” – 7’04”). Disponível em: https://youtu.be/BAL7F-EbGEA, acessado em 17 de Agosto de 2020.

72

criativa com a sazonalidade - e o fluxo constante da natureza ainda inspira e informa seus aromas. ‘As

estações fazem parte de como eu crio’, diz ela.88

Lyn também fala, no mesmo artigo que a mudança de estação “renova seus pensamentos e

revigora tudo na sua vida.”89, mas que é a primavera a sua estação preferida, conforme ela

menciona: “Eu amo todas as estações, mas a primavera é um momento particularmente

especial.”90

3.3 Walkscapes – Com o nariz no pé e as paisagens no coração

A junção de um ato criativo pessoal e a exploração da cidade através do caminhar,

pelo menos por uma parte dela, entra em consonância com o processo de Walkscapes

conceituado por Careri (2002[2013]), no qual aumenta a perspectiva sobre o caminhar na

cidade, para além do conceito da flânerie, já supra citado e, intensifica o processo de

estetização da cidade de Lisboa pela perfumista. Segundo o autor “o dadá elevou a tradição da

flânerie a operação estética.” (2002[2013], p. 74), então Careri entende que Benjamin em sua

descrição, nos anos 20 do Séc. XX, de Paris foi um primeiro ato artístico sem lançar mão de

suportes materiais comuns ao que era dito arte, portanto abrindo caminho ao que vinha a

seguir com a ideia de anti-arte, no qual a arte era superada por ela mesma e desafiada a um

outro nível ou conceito de ser arte (Careri, 2002[2013], p. 74). Sem grandes demoras na

reflexão sobre os espaços vazios da cidade, mas ainda assim, lançando mão dessa

possibilidade de angulação para a análise, pode-se questionar o que significa um pequeno

Jardim Botânico, no centro de uma cidade. É interessante perceber que o Jardim Botânico de

Lisboa é quase secreto. Não possui a magnitude que se pensa de um Jardim Botânico, é um

lugar discreto e pouco visível, pois, quem passa na rua, não consegue vê-lo diretamente. Fica-

se sabendo do Jardim quem lê os banners e cartazes na rua, de pronto não se consegue

alcança-lo com os olhos.

88 Tradução nossa. Citação original: “Harris, who is originally from Halifax in West Yorkshire, spent long school holidays with her grandparents in the wilds of the Scottish countryside just outside Aberdeen. It was here that she acquired her creative affinity with seasonality — and the constant flux of nature still inspires and informs her scents. ‘The seasons are very much a part of how I create,’ she says.” Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. Terceiro parágrafo. 89 Tradução nossa. Citação original: “(...) it renews your thought processes and reinvigorates everything in your life,” Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. Terceiro parágrafo. 90 Tradução nossa. Citação original: “I love every season, but spring is a particularly special time.” Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/05/09/t-magazine/lyn-harris-perfume-london-regents-park.html, acessado em 05 de Agosto de 2020. Sexto parágrafo.

73

Foto 14. Portões de ferro que dá acesso à bilheteria (casa amarela) e ao Jardim Botânico de Lisboa. Ao fundo está o acesso a classe. Acervo pessoal. Foto tirada em 30 de Setembro de 2021.

Através da imprensa, pela parte da relações públicas da própria marca, principalmente

por via digital, e pelo próprio portal institucional da Claus Porto, existem materiais de fontes

públicas que relatam e ilustram o processo “artístico-perfumístico” da concepção das

colônias, mas, conforme dito anteriormente, não foi possível colher maiores detalhes sobre o

processo imersivo da perfumista e da diretora criativa para além das fontes públicas. Dado

essa circunstância imprecisa é necessário inferir que de acordo com que está gravado nos

vídeos institucionais da Claus Porto, através do press release fornecido pela marca e através

das demais fontes públicas acerca dos lançamentos dos novos perfumes – o Le Parfum e da

linha de colônias - aparenta que o processo dentro da cidade de Lisboa, foi realizado

principalmente a pé. Dessa incerteza, a certeza é que dentro do Jardim Botânico de Lisboa,

sua exploração foi feita caminhando.91

Ao visitar o Jardim é importante notar as sensações que se impõe. A entrada para o

Jardim, fica numa entrada lateral que parece uma entrada de automóveis ou garagem. À

direita fica o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), um prédio

imponente e à esquerda tem um recuo que do lado direito possui uma espécie de área não

aproveitada com plantas que estão identificadas e uma pequena construção em pedra que

91 Disponíveis em: Vídeo Claus Porto Le Parfum - The Full Picture. Em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020. (Sousa, 2017, 3’19” - 4’: 55”). E no vídeo Agua Colonia Collection – The Full Video. Em: https://youtu.be/wRJJHkry58w, acessado em 08 de Agosto de 2020. (Sousa, s.d., 2’44” – 4’10”).

74

parece antiga, do lado direito possui um prédio bem cuidado e logo à frente um portão de

ferro, local onde está o Jardim Botânico de Lisboa. Para se ter acesso ao Jardim é necessário

pagar, porém o valor reflete a ideia de um preço módico para a manutenção do Jardim, não

possui o valor turistificado que muitos museus e afins possuem. O Jardim Botânico de Lisboa

está entre um lugar com uma ideia macro de espaço público, uma vez que é algo pensado para

o coletivo e para posteridade, e um lugar privado, já que sua entrada não é de livre acesso. Na

entrada do Jardim, à esquerda, fica a zona das plantas que aguentam maior exposição ao sol e

abaixo e na lateral contrária a entrada, logo se veem as árvores. Antes de chegar a lateral com

as árvores, está uma escadaria com algumas plantas florais (hibiscos, rosas e chapéus-de-

Napoleão) e com palmeiras diversas, ao fundo possui um enorme cedro e possui um busto ao

meio. Uma sensação e percepção interessante a se ressaltar na vivência do Jardim, foi um

certo ar decadente. Nota-se claramente a sua ordenação, seus caminhos de orientação, a sua

ideia de Jardim - com muitos bancos típicos de jardins, com lixeiras e bebedouros – mas

também torna-se claro a ideia de “museu das plantas” com placas próximas a várias espécies,

descrevendo-as. Algumas espécies pela sua raridade e/ou peculiaridade possuem um quadro

explicativo maior. O Jardim impressiona pelas suas árvores frondosas e enormes, prova de

suas idades centenárias.

Foto 15 (esq.). Escadaria com busto de Bernardino Gomes, do lado da parte dos cactos e plantas suculentas, em frente e do lado direito da foto estão as plantas altas da parte do arboreto. Foto 16 (dir.). Casa antiga do lado da entrada principal do Jardim Botânico. Acervo pessoal. Fotos tiradas em 30 de Setembro de 2021.

Foram feitas três visitações ao Jardim Botânico: em Setembro de 2018, Agosto de

2020 e por último, em Setembro de 2021. Nas duas primeiras ocasiões de visitação do Jardim

75

Botânico de Lisboa não foi possível ter acesso a parte chamada de classe, pois estava em

obras e, portanto, impedidas para visitação, porém na última visita foi possível entrar nele,

ressalta-se que essa parte é de livre acesso, portanto não sendo cobrado entrada ao visitante. A

parte da classe é onde estão as espécies de gerânio dos quais a perfumista entrou em contato e

que são cruciais para a composição do perfume analisado, pois foi sua escolha como ideia

principal para a composição do perfume inspirado em Lisboa.

Foto 17. Parte lateral do prédio do MUHNAC que fica em frente a entrada principal do Jardim Botânico. Seguindo essa pequena rua, ao fundo está a classe. Acervo pessoal. Foto tirada em 30 de Setembro de 2021.

Em uma parte da descrição sobre a colônia 2 Agua Geranium no portal institucional

da Claus Porto, possui um parecer a respeito do que Lyn achou do Jardim Botânico de Lisboa,

que de fato condiz com o lugar: “uma ilha de flora tropical rodeada pela cidade.”92 A palavra

ilha faz jus ao que o Jardim Botânico de Lisboa pode representar na localização que se

encontra. É um fragmento de espaço “de” e “no” tempo, no qual o fragmento de espaço “de”

tempo se relaciona a sua atual inconsonância com relação ao seu entorno já composto com as

características urbanas fragmentárias, nos quais os sinais do hibridismo entre o histórico e o

contemporâneo em vários níveis são perceptíveis, como por exemplo, na arquitetura, no

tráfego, nas suas contemporâneas formas de apropriação do espaço e nas suas novas

sociabilidades e, sobre o fragmento de espaço “no” tempo se relaciona ao tempo histórico na

cidade de Lisboa. Dentro do Jardim Botânico de Lisboa é possível observar os prédios fora

dos seus muros, assim como ouvir alguns ruídos citadinos, perceber engenhos

contemporâneos para a manutenção do Jardim (sistemas de irrigação e etc.), mas ao mesmo

tempo a experiência de estar lá dentro é algo parecido como estar dentro de uma mini-floresta,

num estado meditativo ou num mergulho, a pessoa é absorvida pela aquela ambiência, pois

92 Disponível em: https://clausporto.com/pt/2-agua-geranium, acessado em 08 de Agosto de 2020.

76

todos os sentidos são cooptados para algo diferente do que a cidade do lado de fora do Jardim

propõe. O que se respira, vê, ouve, cheira e pega é uma experiência fora do padrão cotidiano

de um habitante de uma grande cidade. Não à toa, a própria perfumista no vídeo The Full

Picture diz, sentada a contemplar o lugar e a escutar o barulho dos pássaros: “Que lugar!” E

sorri numa feição de contentamento.93

Em decorrência a essa conjuntura, o Jardim Botânico parece um lugar que possui um

poder de abduzir o visitante, no sentido que parece estar dentro de um espaço que possui uma

percepção temporal diferente, no qual está dentro do centro da cidade de Lisboa, mas parece

que não está mesmo estando. Possui uma certa ideia de um tempo mais devagar, parece que a

aceleração urbana ali possui uma ação mais tênue. É quase uma ideia de slow motion em meio

ao ritmo comumente acelerado, uma forma de perturbação na percepção do tempo; enquanto

na cidade de fora do Jardim o tempo é apressado, na cidade de dentro do Jardim o tempo é

mais dilatado. Careri diz que “o espaço-tempo urbano tem diversas velocidades: desde o

estancamento dos centros à transformação contínua das margens.” (2002[2013], p. 158).

O autor discorre sobre uma mudança de paradigma sobre os primórdios da

humanidade, acerca de como ela foi ocupando e habitando o espaço ao longo das eras. Ele

pensa ao contrário do que o senso comum apregoa – para o autor a humanidade habitou o

espaço justamente pelo nomadismo não pelo sedentarismo. Ao colocar que a humanidade,

primeiramente, possui dois modos de habitar o espaço que são através do nomadismo e do

sedentarismo, ele traça um paralelo com a arquitetura, que segundo Careri é: “a arte de

construir o espaço.” (2002[2013], p. 38) e diz que essa dicotomia faz com que a arquitetura

seja “uma arquitetura entendida como construção física do espaço e da forma contra uma

arquitetura entendida como percepção e construção simbólica do espaço.” (2002[2013], p.

38), portanto, respectivamente, uma arquitetura baseada no sedentarismo e a outra no

nomadismo; na verdade existe uma relação simbiótica entre os modos, mas que pela visão

dele: “Com efeito, é provável que tenha sido antes o nomadismo – e mais exatamente a

errância – que deu vida à arquitetura, ao fazer com que surgisse a necessidade de construção

simbólica da paisagem.” (Careri, 2002[2013], p. 38). Logo, para Careri, o sedentarismo é o

“espaço do estar” (2002[2013], p. 40) e o nomadismo é o “espaço do ir” (2002[2013], p. 40) e

também pode ser entendido, respectivamente, como “cheio” e “vazio”, dessa forma uma se

relaciona com a outra através do percurso e é ele que é o cerne do nomadismo, é ele quem faz

o habitar simbólico através de um esforço de mapear o vazio, mesmo que mentalmente.

93 Tradução nossa. Citação original: “What a place!” Tradução livre (Sousa, 2017, 4’45” – 4’46”). Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020.

77

“Assim como o percurso sedentário estrutura e dá vida à cidade, o nomadismo considera o

percurso como o lugar simbólico em que se desenrola a vida da comunidade.” (Careri,

2002[2013], p. 42). E, na prática, toda essa dinâmica acontece através do caminhar até nos

tempos de hoje. O caminhar, mesmo não sendo a construção física de um espaço, implica uma transformação do lugar e

dos seus significados. A presença física do homem num espaço não mapeado – e o variar das

percepções que daí ele recebe ao atravessá-lo – é uma forma de transformação da paisagem que,

embora não deixe sinais tangíveis, modifica culturalmente o significado do espaço e,

consequentemente, o espaço em si, transformando-o em lugar. O caminhar produz lugares. Antes do

neolítico, e, assim, antes dos menires, a única arquitetura simbólica capaz de modificar o ambiente era o

caminhar, uma ação que, simultaneamente, é ato perceptivo e ato criativo, que ao mesmo tempo é

leitura e escrita do território (Careri, 2002[2013], p. 51).

O conflito do espaço cheio (centros) e espaços vazios (periferias) aparece de modo

frequente em seu livro. Inegavelmente, o Jardim Botânico de Lisboa, possui uma proteção por

ser um monumento nacional, o que garante ao complexo museu + Jardim serem assegurados,

não podendo mudá-los e nem construir no seu entorno.94 Careri também ressalta que “no

centro o tempo parou, as transformações congelaram-se (...)” (2002[2013], p. 158). Mas, esse

parece ser um lugar que merece uma especulação analítica mais cuidadosa, aquando da

maneira em que a perfumista frui do lugar. Logo, o que se sucede que apesar do Jardim ser

considerado um lugar consolidado como cheio, um espaço institucional, tradicional e um

misto de espaço público com o privado, o Jardim Botânico de Lisboa é a tal “ilha” que Lyn

Harris menciona. Seria algo também entendido como um pequeno oásis em meio a uma

intensa e, de certa forma, antiga ocupação humana e da arquitetura. Como construção

arquitetônica o Jardim faz parte do ideário de um espaço cheio de Careri, porém como

possibilidade de experiência talvez esteja aí a abertura a um outro entendimento que coaduna

com a percepção da perfumista e, acrescendo a isso, inserir a maneira como a perfumista

usufrui do Jardim Botânico de Lisboa pode-se chegar ao entendimento que o Jardim é uma

ilha perdida em meio a uma estrutura densa e ampla e pretensamente conhecida. Tentando

explicar melhor; Careri diz que “(...) compreende-se como aquilo que até agora chamamos

vazio não é tão vazio como parece e que, na verdade, apresenta diversas identidades.”

(2002[2013], p. 159). O que também é possível pensar sobre os lugares cheios, no caso o

94 “Quer isso dizer que no seu interior nada podia ser feito ou desfeito sem autorização prévia do Igespar, o mesmo acontecendo num raio de 50 metros, a partir dos seus limites exteriores.” Sexto parágrafo. Disponível em: publico.pt/2010/08/12/jornal/classificacao-do-jardim-botanico-como--monumento-espera-aprovacao-do-governo-20006495, acessado em 05 de Setembro de 2020.

78

Jardim Botânico de Lisboa. Talvez eles não são tão cheios quanto parecem e que possuem

diversas identidades que podem, ainda, serem descobertas, de acordo com a nova dinâmica da

mudança em todos os níveis do habitar, viver e estar na cidade hoje em dia. Outro ponto a ser

pensado é que o Outro que foi achado pela perfumista é um ser vivo dentro de um contexto,

ele é o mote principal de seu intento exploratório. O que ela investiga é a captação de uma

atmosfera da cidade de Lisboa e possíveis referenciais olfativos, que no caso aqui foi uma

mescla onde o gerânio é o elemento principal. Ela diz em conversa com a diretora criativa da

marca: “Acho que é muito apimentado, antes quando estava fresco eu peguei um pouco do

cítrico. Gerânio, que acho bastante interessante...Este é um lindo cipreste, pinheiro e o mar.”95

Em comparação a análise de Careri (2002[2013]) sobre como a arte da época moderna até a

contemporânea inseriu o caminhar como forma de arte, ou melhor de anti-arte, apesar de todo

um evoluir conceitual do dadá, passando para os surrealistas, depois para os surrealistas-

situacionistas até culminar numa nova proposta de nomadismo – o New Babylon, nenhum

desses processos levaram em consideração tão a fundo o sentido do olfato em suas errâncias

urbanas. Para efeito da análise do trabalho o que é importante se apropriar como método é nas

escolhas de lugares banais para se pensar a cidade. Nesse sentido cada movimento artístico

possui uma contribuição à análise do presente trabalho.

Do movimento dadá, o início da aventura do caminhar analisada por Careri, nos anos

20 do Séc. XX, começa o conceito de exploração da cidade através dos espaços banais e do

cotidiano, se aplica ao fruir a cidade num intuito de novas descobertas, com o seu “ready-

made urbano” (2002[2013], p. 163). Interessante que o autor fala do processo de intenso

desenvolvimento do turismo na época e em como isto “teria transformado a cidade em uma

simulação de si mesma, e, por isso, quisera mostrar o seu nada, revelar o seu vazio cultural,

exaltar a ausência de todo o significado nela e sua banalidade.” (Careri, 2002[2013], p. 163).

Enquanto a indústria do turismo estava engatinhando, na atualidade ela está consolidada e

participa profundamente na sociedade, na cultura, política e economia. O ponto de tangência

recortado da viagem por Portugal, a parte da viagem em Lisboa – o Jardim Botânico de

Lisboa - se encaixa na ideia de explorar os lugares urbanos banais e cotidianos, ainda mais

levando em conta o contexto dadá que aconteceu na Paris dos anos 20 do Séc. XX, cheia de

turistas ávidos pelo espetáculo.

95 Tradução nossa. Citação original: “I think it’s very peppery, before when it was fresh i got some lemony. Geranium, i find quite interesting...That’s beautiful cyprus and pine and the sea.” (Sousa, 2017, 4’19”- 4’38”). Disponível em: https://youtu.be/gmJHU0oul5Y, acessado em 08 de Agosto de 2020.

79

Em seguida, o movimento dadá passa ao surrealismo. Com sua “deambulação”

(Careri, 2002[2013], p. 78), eles concluíram que os vazios encontrados pelo dadá não eram

tão vazios, definiram eles como “cidade inconsciente”, influência do princípio da psicanálise,

nos quais esses lugares suprimidos poderiam “ser analisados como a psique humana.” (Careri,

2002[2013], p. 163). O interessante a ressaltar que as deambulações surrealistas eram feitas

fora da cidade, “(...) desenvolve-se entre bosques, campos, sendeiros e pequenos aglomerados

rurais.” (2002[2013], p. 78). O que vem de encontro com algumas partes da viagem de

imersão em Portugal feita pela perfumista e diretora criativa. Careri diz: “o espaço apresenta-

se como um sujeito ativo e pulsante, um produtor autônomo de afetos e de relações.”

(2002[2013], p. 78). E também, “(...) a intenção de superar o real no onírico há a vontade de

um retorno a espaços vastos e desabitados, aos confins do espaço real.” (Careri, 2002[2013],

p. 78). O conceito da deambulação condiz com as falas nos media e os vídeos mostram essa

inspiração no conceito surreal.

Já o surrealismo-situacionista propõem algo mais metodológico e, através dos seus

“mapas psicográficos” (Careri, 2002[2013], p. 92), “guias turísticos e formulários de uso da

cidade.” (Careri, 2002[2013], p. 86-88), propõe uma vivência e leitura criativa-ativa da

cidade. A ideia era caminhar pela cidade à deriva, seguindo “dentro desse mar e que se

dirigisse o ponto de vista não ao acaso, mas àquelas zonas que mais pareciam propor-se como

um alhures capaz de pôr em crise a sociedade do espetáculo.” (Careri, 2002[2013], p. 163).

Careri tece que “a deriva letrista elabora a leitura subjetiva da cidade já iniciada pelos

surrealistas, mas pretende transformá-la em método objetivo de exploração da cidade: o

espaço urbano é um terreno passional objetivo, e não só subjetivo-inconsciente.” (2002[2013],

p. 85). Já nesse caso, o ponto de congruência ainda está relativo ao material de fonte pública

nos media digitais, num enquadramento vinculado a lógica da viagem, nos lugares escolhidos,

na sua sequenciação, escolha dos takes, enfim na parte mais lógica e menos subjetiva, de certo

modo mais técnica e menos poética. O interessante da abordagem da deriva é conceber a

paisagem da cidade com uma intensa fragmentação. Segundo o autor “a cidade é uma

paisagem psíquica construída por meio de buracos, partes inteiras são esquecidas ou

intencionalmente suprimidas para construírem infinitas cidades possíveis no vazio.” (Careri,

2002[2013], p. 92-97). Outro ponto interessante na ideia da deriva são as construções de

situações “era o modo mais direto de realizar na cidade novos comportamentos e de

experimentar na realidade urbana os momentos do que teria podido ser a vida numa sociedade

mais livre.” (Careri, 2002[2013], p. 98). Essa fala encaixa bem com a fruição da perfumista

Lyn Harris na cidade de Lisboa e no modo peculiar que ela possui em achar suas referências

80

olfativas. De fato, não é comum um indivíduo “à deriva” na cidade querer cheirá-la e, essa é a

ideia de novos comportamentos incitados pelo experimentalismo do urbanismo unitário “uma

espécie de interdisciplinaridade unificante.” (2002[2013], p. 114), fala de Careri.

E então vem a New Babylon – a cidade nômade, um projeto, agora, concreto

concebido para uma comunidade cigana. Careri diz que é a “primeira tentativa de superação

da arquitetura.” (2002[2013], p. 101). “Em New Babylon, a deriva, os bairros e o espaço

vazio tornaram-se uma unidade indivisível.” (Careri, 2002[2013], p. 104). Num gesto de

abstração e na tentativa de seguir a lógica de Careri, é nessa parte – projeto – que entra o

desenvolvimento do perfume, no qual unem-se todas as coletas/colheitas, vivências,

apropriações, interpretações, imaginações e percepções da perfumista com relação a Portugal

e Lisboa. Nessa fase todos os elementos necessários para a criação já estão reunidos, já

indivisíveis. A perfumista deixa isso claro no seguinte depoimento: “Eu sou como uma

esponja e absorvo tudo desde os objetos vivos a edifícios, azulejos, a paisagem em constante

mudança… Tudo isto capturou profundamente os meus sentidos. Quando estive na Comporta,

adormeci a cheirar os pinheiros e esta foi uma experiência verdadeiramente memorável que

partilhei de muitas maneiras diferentes nestas águas de colónia”.96

Então finalmente, a Land Walk, que vem da land art, na qual segundo Careri “são

escultura e arquitetura ao mesmo tempo, postas sobre o território como grandes formas

abstratas livres de todo mimetismo.” (2002[2013], p. 118-120). Pode ser entendida como uma

volta da escultura como uma linguagem além da natureza estática, combinada a ideia do vazio

– caminhar - paisagem – arquitetura, no qual essa escultura é concebida para “construir uma

nova natureza e para criar grandes paisagens artificiais.” (Careri, 2002[2013], p. 122). Careri

traça um paralelo entre o menir e a land art favorecendo um esforço de entendimento e

apropriação do primitivo, o que o autor chama de “ações primárias em direção a uma natureza

arcaica, como antropização de uma paisagem primitiva.” (2002[2013], p. 122). O autor tece

que essas esculturas eram realizadas nos espaços vazios, sem a presença humana, “parece

quase uma vontade de recomeçar do início a história do mundo (...).” (Careri, 2002[2013], p.

123). Logo, essa ideia precisa ser apropriada através do caminhar para transformá-la num ato

estético e simbólico do entorno e na própria escultura. Aqui a inferência é perceber que pode

se entender como o invólucro onde o perfume foi enclausurado. Logo, o frasco, sua

comunicação visual e o ato de percorrer o frasco, tirar sua tampa e se chegar ao uso do

perfume, é justamente o processo antrópico que o autor menciona, no qual toda apreciação

96 Disponível em: https://observador.pt/2018/05/17/a-que-cheira-portugal-a-viagem-da-claus-porto-em-cinco-aguas-de-colonia-que-cheiram-a-nos/, acessado em 05 de Agosto de 2020. Sétimo parágrafo.

81

simbólica do que é Lisboa ocorrerá pelo consumidor, através do seu olfato e do ato de se

perfumar. É aqui, que de fato, acontecerá a mágica e o encantamento do perfume que é o que

a perfumista fala em entrevista para a The Telegraph, que é “tudo sobre como tornar o ar

visível.”97 E o que é visível são as paisagens portuguesas.

4 MARCA E CULTURA: O CASO CLAUS PORTO

4.1 Claus Porto e o seu caminho diferente

Imagem 15. Os sócios Claus e Schweder e funcionários da Claus Porto, em 1908. Disponível em: https://ocio.dn.pt/files/2018/07/S%C3%B3cios-e-funcion%C3%A1rio-Claus-Schweder-1908-1200x675_c.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2020.

A marca Claus Porto pode ser entendida como uma testemunha de um razoável período de

tempo da história de Portugal. Hoje, está com mais de 130 anos, sua fundação remonta ao ano

de 1887, em Portugal, especificamente na cidade do Porto, por dois alemães radicados no

país98, Ferdinand Claus e George Schweder. Em pesquisa on line em dados públicos, existem

poucos detalhes sobre os alemães, mas parece que eles eram parceiros de negócios e que

Schweder era um engenheiro químico que se baseou no Porto, tal como Claus. Ambos se

97 Tradução nossa. Citação original: “(...) all about making air visible.” Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/luxury/womens-style/lyn-harris-launches-perfumer-h-bespoke-fragrances/, acessado em 05 de Agosto de 2020. Sétimo parágrafo. 98 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Terceiro parágrafo.

82

juntaram para investir na área do luxo fabricando e vendendo sabonetes e fragrâncias para

hotéis de Manhattan e em lojas de Paris e Londres.99 A empresa começou com o nome de

Claus & Schweder e foi a primeira fábrica nacional de sabonetes e perfumes, inicialmente

localizava-se perto da atual rotunda da Boa Vista, no Porto. A indústria foi um marco

importante para a história da higiene do país. Segundo alguns depoimentos de atores

importantes na atual história da marca, o bisneto, logo quarta geração da família, Aquiles

Brito e da diretora de comunicação Maria João Nogueira Mendes, contam que na ocasião, no

final do século XIX, os hábitos de higiene eram muito diferentes do que hoje se vive e que

por conta disso a marca Claus & Schweder já nasceu com uma característica diferenciada.

Segundo Maria João: A marca foi criada numa época em que os hábitos de higiene ainda eram bastante relativos — e

facilmente suprimíveis com o uso de sabão, por exemplo. Ou seja, logo aquando da sua criação, a Claus

Porto já vendia produtos que podiam ser considerados supérfluos o que, por si só, faz parte da definição

de luxo.100

Desde a época da Claus & Schweder, por volta de 1904, a empresa já possuía um cuidado

com os seus produtos, nos quais eram bem trabalhados e de qualidade, desde suas fragrâncias

até suas embalagens feitas e embaladas a mão, o que a rendia premiações internacionais e

nacionais nas famosas exposições universais, muito em voga naquela época, por conta das

maravilhas industriais produzidas.101

Essa foi a história antes da família Brito. Em 1903, em virtude de problemas de saúde,

George Schweder, teve que se afastar da empresa e então, Aquilles Brito ingressa na empresa

como o guarda-livros para cuidar das finanças da Claus & Schweder, passando a acionista em

1908.102 Antes disso, em 1905, ingressou então, o alemão Willy Thessen, perfumista e

químico, para substituir Schweder, como diretor técnico. Mais tarde, em 1908, ambos, Brito e

Thessen, se tornaram acionistas e em 1909 Claus, Brito e Thessen passaram oficialmente a

serem diretores e a empresa passou a ser chamar Claus & Schweder, Sucessores.103 Por conta

da já estabelecida Primeira Guerra Mundial, em 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal,

fazendo com que os sócios majoritários alemães tivessem que abandonar o país. Em virtude

99 Disponível em: https://visao.sapo.pt/exame/2020-06-12-ao-sabor-das-tempestades/, acessado em 03 de Janeiro de 2021. Décimo quarto parágrafo. 100 Disponível em: https://eco.sapo.pt/2018/03/09/10-mandamentos-de-luxo-segundo-a-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Terceiro parágrafo. 101 Disponível em: https://nit.pt/compras/lojas-e-marcas/claus-porto-abre-loja-na-cidade, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo. 102 Disponível em: https://visao.sapo.pt/visaose7e/comprar/2017-10-19-nos-130-anos-da-claus-porto-cheira-bem-cheira-a-portugal/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Quarto parágrafo. 103 Disponível em: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Primeiro e terceiro parágrafo.

83

disso, foi realizado, na época, o processo de nacionalização de bens e propriedades de

estrangeiros no país que fizessem parte de países que estavam em guerra com Portugal, na

qual a Claus & Schweder se incluíam nesse precedente sendo obrigados a se afastarem da

empresa. Nesse meio tempo, em 1918, juntamente com o irmão Affonso, a Ach.Brito é criada.

Porém Aquilles Brito tinha o desejo de adquirir a Claus & Schweder e com a nacionalização e

após várias mudanças de proprietários e de fusões, finalmente a empresa ficou aos cuidados

de Aquilles, que adquiriu os ativos da Claus & Schweder, em 1925.104

Imagem 16. Irmãos Brito e o perfumista Willy Thessen. Disponível em: https://achbrito.com/pt3/wp-content/uploads/2021/03/irmaos-perfumistas.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

As empresas continuaram seus caminhos de sucesso. A Ach.Brito foi desenvolvida em

cima do know how adquirido por Aquilles na Claus & Schweder, avançando

tecnologicamente, sempre inovando em seus produtos e ganhando prêmios nacionais e

internacionais, assim como foi amealhando uma satisfeita clientela.105 106 107 Logo após

Aquilles adquirir a Claus & Schweder, esta foi renomeada para a cidade que a marca se

104 Disponível em: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Quinto, sexto e sétimo parágrafo. 105 Disponível em: https://visao.sapo.pt/visaose7e/comprar/2017-10-19-nos-130-anos-da-claus-porto-cheira-bem-cheira-a-portugal/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Quarto parágrafo. 106 Disponível em: https://www.achbrito.com/pt/menu-topo/historia/1925/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 107 Disponível em: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Primeiro, quarto e quinto parágrafos.

84

originou, passando a ser então a Claus Porto.108 Porém, segundo o depoimento da diretora de

comunicação, as empresas continuaram a serem empresas distintas. A Claus Porto se manteve

na posição que sempre possuiu, desde sua origem, assim declara a diretora de comunicação e

relações públicas Maria João Nogueira Mendes: Talvez quando Achilles de Brito comprou aquilo que dela restava no final da primeira guerra mundial –

e, em vez de incorporá-la na sua própria chancela [Ach Brito], optou por manter a respetiva identidade,

com o objetivo de ter uma marca de luxo e uma outra mais acessível ao público em geral.109

Os tempos áureos da Claus Porto foram da década de 30 a década de 60 do Séc. XX, sendo

considerada como uma das principais indústrias portuguesas. Na década de 50 do Séc. XX, a

empresa criou um estúdio litográfico e de impressão próprio o que deu a capacidade de total

domínio do processo industrial e de fabrico de seus produtos.110 111 A prosseguir, vem um

período de declínio com o fim do protecionismo, depois do 25 de Abril de 1974. Nesse

momento a empresa está integralmente em mãos da família Brito, porém ocorrendo várias

mudanças de comando, devido a falecimentos e desistências. Foi, somente em 1994, que deu-

se a nova era da Claus Porto e Ach. Brito.112

Então em 1994, os bisnetos de Acquilles Brito, portanto a quarta geração da família,

inicia sua história dentro da empresa centenária. Os irmãos, Aquiles Brito e Sónia Brito,

adquirem as ações do tio e assim, inauguraram uma nova era na empresa. Na época, ambos

possuíam 20 e poucos anos, nenhuma experiência, mas muita vontade de levar à frente o

legado de sua família. Aquiles Brito diz que foi o seu primeiro emprego113. Interessa notar

que segundo a fala de Aquiles Brito a decisão de comprar a parte das ações do seu tio foi mais

emocional do que racional. Segundo ele: “(...) e obviamente foi uma decisão emocional, de

coração, nunca de cabeça (...), era o sabonete, era o nome (...)” (2016, on line, 05’04” –

05’09”).114 Essa declaração configura o peso familiar, a preocupação com a tradição e com as

emoções evocadas. Porém, a empresa nessa época estava passando por dificuldades

financeiras e precisava se reconfigurar. Em entrevista a apresentadora, Cristina Amaro, para o 108 Disponível em: https://observador.pt/2016/09/30/cheira-bem-cheira-a-primeira-loja-da-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sétimo parágrafo. 109 Disponível em: https://eco.sapo.pt/2018/03/09/10-mandamentos-de-luxo-segundo-a-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Quarto parágrafo. 110 Disponível em:: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sétimo parágrafo. 111 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Terceiro parágrafo. 112 Disponível em: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sétimo parágrafo. 113 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Quarto parágrafo. 114 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020.

85

programa I’m a Brand, Aquiles Brito fala: “E a empresa já está nesta época...enfim...tinha

muita gente, precisava ser modernizada. Estava em instalações bonitas, mas bastante

deficitárias (...).” (2016, on line, 05’10” – 05’21”)115. A situação delicada da empresa fez com

que Aquiles Brito precisasse tomar ações importantes para o seu futuro. Em continuação na

entrevista concedida para a Cristina Amaro, ele continua: Mas foi tentar seguir um caminho que não fosse o normal. Vivíamos numa época onde existia estudos

na empresa em que diziam: fechem a empresa ou comprem máquinas e produzam em volume. Não

havia preocupação de falar em história e nem em marca. Isso não. Na época, nos anos 90, isso não

existia. E, portanto, a decisão foi: se vamos fechar, não é esse o objetivo, pois acabamos de comprar

isto. Se vamos massificar, não falta quem queira fazer em grandes volumes, quem compita por preços

(...). Já na altura estavam a entrar os mercados asiáticos e mesmo na Europa já havia empresas muito

fortes para produzir grandes quantidades. Portanto, fomos para o caminho que fosse diferente, que foi

exatamente buscar nos nossos acervos históricos, buscar os nossos rótulos dos anos 20, 30 ou finais do

Século XIX e dar-lhe uma nova vida a toda nossa história, às quatro gerações da família (...) (2016, on

line, 06’59” – 08’18”).116

Dentro das dificuldades, também estava a questão da distribuição, pois essa estava defasada,

focada em pequenos negócios e drogarias do território nacional, tendo pouca penetração em

mercados fora de Portugal. Para isso, forjou-se a parceria com a distribuidora americana

Lafco que deu novo impulso ao negócio. A distribuidora viu os produtos Claus Porto nos

poucos pontos de vendas que atuavam fora do país, nomeadamente, EUA e Alemanha, e eles

se interessaram em importar os produtos para os EUA em maior profusão.117 Segundo o artigo

no Público:“foi um momento-chave, que acabou por definir o posicionamento da marca num

segmento superior — primeiro em mercados externos e eventualmente, anos depois, também

em Portugal.”118 Aquiles Brito diz que esse foi o “renascer da Claus Porto e a todo seu

glamour. Foi, essencialmente, a partir da nossa entrada, a partir de 1994, que começamos essa

estratégia, com essa dinamização.” (2016, on line, 09’29” – 09’45”).119 A empresa americana

queria “algo europeu com história e autenticidade”120, segundo o que relata Aquiles Brito,

115 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 116 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020.117 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020 e http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 118 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sexto parágrafo. 119 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 120 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sexto parágrafo.

86

sugeriu, também, recuperar alguns rótulos antigos, para apostar num produto vintage, com

todo o cuidado do feito à mão e com muita história. A confirmação dessa revitalização e dessa

nova fase, vem com o resultado dessa parceria que culminou na entrada dos produtos Claus

Porto na Quinta Avenida, em Nova Iorque, na Harrods, em Londres e na Fashion Clinic, em

Portugal.121 E, a consolidação da marca Claus Porto, nos EUA, foi com a recomendação de

Oprah Winfrey, em 2007, no seu antigo programa de televisão, de seus sabonetes fazendo

com que a marca ganhasse uma grande projeção nesse país, praticamente, instantânea.122 E

segundo consta, a marca ainda continua tendo Oprah como uma fã incondicional de seus

produtos.123

Imagem 17 (esq.). Aquiles Brito, bisneto do fundador Achilles de Brito; disponível em: http://imagens.publico.pt/imagens.aspx/603743?tp=KM&w=1200&act=Resize. Imagem 18 (dir.). Sabonetes Claus Porto recomendados na revista The Oprah Magazine. Disponível em: https://blog.beautycollection.com/wordpress/wp-content/uploads/2011/05/oprahjunecover2_web.jpg, ambos acessados em 24 de Setembro de 2021.

Segundo o portal institucional da Ach. Brito, detentora da marca Claus Porto, foi

desde 2002 que a Claus Porto adquiriu, de fato, horizontes alargados para mercados

internacionais.124 Em 2007, a empresa finalmente, ganha um maior parque fabril, na Vila do

Conde, onde agora se encontra, o que eles chamam de “quartel-general” da Ach. Brito.125 Em

2008, segundo Aquiles Brito, entrou um fundo de investimento que logo saiu, mas que ajudou

a empresa a adquirir a empresa Saboaria e Perfumaria Confiança (2016, on line, 13’37” –

121 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sexto parágrafo. 122 Disponível em: https://jpn.up.pt/2011/05/26/claus-porto-o-sabonete-favorito-de-oprah-winfrey/, acessado em 15 e Setembro de 2020. 123 Disponível em: https://www.dinheirovivo.pt/empresas/claus-porto-os-sabonetes-e-perfumes-preferidos-de-oprah-winfrey/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo. 124 Em: https://www.achbrito.com/pt/menu-topo/historia/2002/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 125 Disponível em: https://www.achbrito.com/pt/menu-topo/historia/2007/, acessado em 15 de Setembro de 2020.

87

13’56”).126 Esses investidores ajudaram a empresa a dar um passo importante, comprando a

maior concorrente em solo nacional que é a segunda mais antiga empresa de sabonetes de

Portugal, fundada em 1894127, mas esse fato fez com que Aquiles Brito deixasse de ser o

maior acionista da Claus Porto, porém manteve-se na sua administração128. Com isso, a

Ach.Brito então passou a ter suas marcas nos principais segmentos de mercado – a Ach.Brito,

no segmento de massa, a Confiança no segmento premium e a Claus Porto no segmento

luxo.129 Em 2012, segundo o portal institucional da Ach.Brito, começou o investimento na

imagem de luxo da Claus Porto, investindo na marca e a levando para exposições

internacionais130. Assim como, foi criado cerca de 60 novos produtos, inclusive criando

produtos para novas categorias – casa e tratamento corporal, além de renovar imagem e o site

da marca.131

E finalmente, em 2015, aconteceu o último grande passo estratégico da marca, sendo

essa adquirida pela sociedade de capital de risco portuguesa, Menlo Capital, na qual comprou

a maioria das ações da empresa Ach.Brito. Assim, Aquiles Brito passou a acionista

minoritário e administrador não executivo. Segundo Aquiles Brito: (...) agora em 2015, senti que era necessário fazer algo a mais na empresa e, as coisas fazem-se

quando...Acho que é uma nova era, uma nova fase numa empresa familiar. A empresa alcançou

excelência nos últimos 3 anos, tinha autonomia financeira muito boa. Sessenta e tal por cento e

portanto, a empresa estava respirável e com saúde e, eu achava que para dar aqui outra dinâmica em

termos internacionais e de marca era preciso algo mais (...). (2016, on line, 13’58” – 14’27”).132

Importante frisar que a Menlo Capital teve um posicionamento de respeito ao patrimônio

histórico que a Claus Porto possui. Em entrevista ao Financial Times, o co-fundador da

Menlo Capital, Ricardo Cunha-Vaz diz que “a singularidade de 129 anos foi um motivador

fundamental para nós. Sempre foi uma marca icónica para Portugal, de geração em geração

tocou as nossas vidas.”133, fala essa que deixa explícito que a história da marca seria

126 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 127 Disponível em: https://www.achbrito.com/pt/menu-topo/historia/2008/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 128 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo segundo parágrafo. 129 Disponível em: https://www.achbrito.com/pt/menu-topo/historia/2008/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 130 Disponível em: https://www.achbrito.com/pt/menu-topo/historia/2012/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 131 Disponível em: https://ocio.dn.pt/sucesso/historia-da-claus-porto-nao-fabrica-melhor-tam-bom/2039/, acessado em 15 de Setembro de 2020.132 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 133 Tradução nossa. Citação original: “The uniqueness of 129 years was a key driver for us. It’s always been an iconic brand for Portugal, from generation to generation it has touched our lives.” Disponível em: https://www.ft.com/content/18ac8392-96d8-11e6-a1dc-bdf38d484582, acessado em 15 de Setembro de 2020.

88

preservada, uma vez que é entendida como um ativo de valor a ser mantido e cultivado na

administração pelo capital de risco. Outra declaração do co-fundador da Menlo Capital,

também deixa claro o quanto as emoções impactam as reconfigurações que, à época, já

estavam a serem vislumbradas. Segue a fala de Ricardo Cunha-Vaz que se destaca nesse

quesito: A história desperta emoções (...) E as emoções estão no coração de tudo. Depois, há o potencial não

realizado. Como podemos ajudar a levar isso a mais do que apenas sabonetes para presente, levar em

direção a ideia de estilo de vida [acessórios de banheiro de cerâmica, cadernos de viagem e bolsas de

rosto usando estampas históricas apenas para começar], na qual a marca possui possibilidades

infinitas?”134

Nota-se que a preocupação com a história, autenticidade, emoção, com o acervo histórico de

mais de cem anos da marca estão em consonância com a ideia e ambição desses homens de

negócios – Aquiles Brito e Ricardo Cunha-Vaz. Essa é a fase atual da empresa, na qual está

sendo liderada pelo experiente gestor Francisco Neto, desde de quando foi adquirida pelos

novos investidores. 135 Também, a partir dessa época foi implementada um projeto de

reposicionamento e um rebranding da marca, desde 2016, no qual foi mais um passo para a

marca se melhor estruturar e se consolidar em seu mercado de atuação.

Imagem 19. Francisco Neto, CEO atual da Claus Porto. Disponível em: https://www.forbespt.com/wp-content/uploads/2018/08/JPT9657_750x540_acf_cropped.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

134 Tradução nossa. Citação original: “History triggers emotions (...) And emotions are at the heart of everything. Then there is the unrealised potential. How can we help take it from more than just gift soaps and into lifestyle, [ceramic bathroom accessories, travel notebooks and washbags using historic prints just for starters], which has infinite possibilities?” (Baird-Murray, 2017, Quinto parágrafo). Disponível em: https://www.ft.com/content/18ac8392-96d8-11e6-a1dc-bdf38d484582, acessado em 15 de Setembro de 2020. 135 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo e quarto parágrafo.

89

4.2 A Reinvenção da Claus Porto: Rebranding, Tradição e Cultura

Os novos investidores já expressam a ideia estratégica da empresa que é a de

reposicionamento. Quando um dos atores da Menlo Capital – Ricardo Cunha-Vaz fala na sua

preocupação em fazer com que a marca Claus Porto seja mais que sabonetes para presente,

portanto, já prometendo um esforço em trabalhar novas associações para a marca. Segundo

Aaker com o tempo um produto pode ficar obsoleto e/ou se tornar uma commodity , então, o

autor sugere “tentar reposicionar a commodity como um produto de topo de linha.”

(1991[1998], p. 267). Em se tratando da Claus Porto, essa fala se torna pertinente, pois, a

marca faz parte de um grupo que possui três marcas que atuam no mesmo setor de higiene

pessoal ou cuidados pessoais, nas quais o produto - sabonetes - são os principais produtos de

cada marca. A Claus Porto desde a entrada da quarta geração da família Brito, de fato,

retomou seu crescimento, recomeçou seu processo de internacionalização e fomentou sua

natural vocação para o luxo (conforme já explicitado acima) e, com a entrada de novos

acionistas (Menlo Capital), esses “(...) querem que a Claus Porto, a marca de topo da

Ach.Brito, passe de vendas de perto de 1,5 milhões de euros para 10 milhões de euros no

espaço de seis a sete anos.”136 O que induz a um pensamento de que a Claus Porto estava num

processo de estagnação ou de pouco vigor frente a potencialidade da marca e de sua indústria

em aumentar produção, logo aumentar vendas. O que Aaker prevê: O seguinte cenário é dos mais comuns. As vendas da classe de produtos estão estagnadas ou

declinantes. O produto está parecendo cada vez mais uma commodity. Os ativos da marca (usados para

diferenciar), que outrora pareciam tão fortes, foram finalmente alcançados por diversos concorrentes, e

os consumidores parecem cada vez mais preocupados com o preço. É mais difícil encontrar

consumidores dispostos a pagar um preço premium por uma marca que historicamente tem se

desempenhado com um pouco mais de confiabilidade e de competência (1991[1998], p. 267).

Em artigo sobre a Claus Porto na revista Forbes está claro os objetivos da empresa, pelo

menos, naquele momento, pois o artigo é de 2018. “O relançamento da Claus Porto assenta

em três eixos fundamentais: lojas próprias (que a marca nunca teve), department stores e

vendas on-line.”137 Para incrementar esse pensamento a fala do CEO da Ach.Brito Francisco

Neto ajuda a elucidar a questão: “Não é suficiente ter 130 anos, vontade, produto para vender

136 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo. 137 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sexto parágrafo.

90

e um preço competitivo. O caso tem de ser demonstrado.”138 Essa declaração de Francisco

Neto é com relação a mais um objetivo estratégico da empresa que é em expandir sua

penetração no mercado norte americano, no qual é o principal mercado de atuação para a

Claus Porto. Nessa ocasião consta que a marca ficou um ano demonstrando seus produtos até

conseguir a entrada da marca na reputada loja de departamento de luxo em Nova Iorque:

“Durante um ano foi o que fez: demonstrar até conseguir entrar, por exemplo, na

exclusivíssima Bergdorf Goodman.”139 Antes da entrada da Menlo Capital no capital da empresa, os EUA já eram o principal mercado da

Claus Porto. O objectivo é que este mercado tenha ainda um maior impacto nas contas da empresa, que

actualmente já é responsável por um terço das vendas. A meta é que 60% da facturação seja realizada

do outro lado do Atlântico.140

Naturalmente, o objetivo não é só se estender ao já conhecido mercado norte americano.

Demais mercados também são foco como: oriente médio (Arábia Saudita, Omã), asiáticos

(China, Coréia do Sul, Japão), também Austrália e Nova Zelândia e claro, a Europa. A

intenção é solidificar a presença onde a marca já se encontra e expandir sua presença pelo

mundo a fora.141 Segundo o diretor geral: “A base é aqui e o destino é o mundo inteiro.”

(2016, on line, 31’47”- 31’49”).142

No final de 2016, a Claus Porto, finalmente inaugura uma loja própria em Lisboa, no

Chiado. E, poucos meses depois, inaugura sua flagship store em sua cidade natal, o Porto, na

qual a nomeiam como uma loja-museu.143 Portugal foi o ponto de partida, pois, foi uma

celebração aos 130 anos da marca, na ocasião, assim como para marcar presença em seu

próprio território de origem, uma vez que a marca não possui o conhecimento devido em seu

próprio país.144 Esse é um fato que chama a atenção e de uma certa forma contrapõe o

discurso da marca. A Claus Porto, segundo declaração do próprio diretor geral da Ach.Brito

parece não possuir um conhecimento de marca relevante dentro de Portugal, apesar dos seus

mais de 130 anos. “Daí a nossa decisão de abrir primeiro lojas em Portugal, porque muitos

138 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo segundo parágrafo. 139 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo terceiro parágrafo. 140 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo terceiro parágrafo. 141 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo quinto parágrafo. 142 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 143 Disponível em: https://www.publico.pt/2017/09/08/impar/noticia/aquiles-tinha-22-anos-quando-comprou-a-empresa-fundada-pelo-bisavo-a-ach-brito-1786301, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo parágrafo. 144 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo sexto parágrafo.

91

portugueses ainda não conhecem a marca.”145 E o diretor continua: “Eu próprio, na minha

rede familiar e de amigos, constatei isso.”146 Nos variados media mencionados no exposto

trabalho tratam a marca como uma memória reconhecida, mas o que leva a crer que esse

conhecimento vem das duas outras marcas do grupo Ach. Brito, nomeadamente, a Ach. Brito

e a Confiança, marcas essas de maior atuação em território nacional. Inclusive na entrevista

gravada em vídeo, a apresentadora Cristina Amaro reforça essa inconsistência com relação ao

envolvimento da marca com a vida dos portugueses: “Eu já disse ao Francisco e não escondo

que esta marca é uma love brand para mim. Eu acho que para a grande parte dos portugueses,

porque ela atravessa gerações e todos nós temos recordações da nossa infância, (...)” (2016,

on line, 18’52” – 19’06”).147 Em resposta, o diretor geral da Ach. Brito prossegue com a ideia

da apresentadora, porém é necessário elucidar que a Claus Porto não era uma marca de cunho

popular, uma marca de massa, portanto possuindo um valor superior as outras marcas do

grupo, sendo, então, um depoimento pouco exato da parte da apresentadora dizer que fez

parte, de modo frequente e íntimo, da vida dos portugueses em geral. Porém, as marcas

Ach.Brito e Confiança já possuem essa ideia por serem marcas para o grande consumo. Frisa-

se que a entrevista ocorreu em final de Outubro de 2016, portanto, provavelmente o diretor

Francisco Neto tinha menos de um ano de casa e pode ser que, ainda, não tinha um

conhecimento profundo sobre a marca, assim como, a estratégia de reposicionamento e

estudos que são feitos para alicerçar as tomadas de decisão possam não estarem maduras o

suficiente à época. Mas, que de qualquer modo, mostra uma inconsistência no discurso e que

deixa em aberto um possível equívoco de comunicação, já que num processo de aquisição de

empresas, são realizados estudos sobre a empresa a ser adquirida, com suas forças e

fraquezas. Aaker diz que a familiaridade e o reconhecimento da marca traz conforto e

confiança ao adquiri-la em detrimento de uma marca pouco conhecida ou sem conhecimento

(1991[1998], p. 20). Partindo da premissa que os anos de existência da marca e do grupo

Ach.Brito alicerçam os pontos relacionados à familiaridade e do seu reconhecimento no

mercado, porém esse tempo de existência parece não ser suficiente para o total ajustamento da

marca ao conceito do autor, conforme já mencionado no parágrafo anterior.

145 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo sexto parágrafo. 146 Disponível em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo sétimo parágrafo.147 Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020.

92

Imagem 20. Loja da Claus Porto em Lisboa, na Rua da Misericórdia, no Chiado. Disponível em: https://www.nit.pt/wp-content/uploads/2016/12/9-33-754x394.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Imagem 21. Flagship store Claus Porto no Porto. Disponível em: https://shopinporto.porto.pt/wp-content/uploads/2020/09/08-Claus-Rua-das-flores_34__DSC4084.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Outra questão que pode ser levantada é com relação as marcas serem confundidas na

mente do consumidor, pois todas possuem muito tempo de existência e um perfil imagético

93

vintage evidente em comum, além de todas as marcas possuírem o sabonete como produto

principal. Neste sentido, Aaker sublinha as características de uma marca: Marca é um nome diferenciado e/ou símbolo (tal como um logotipo, marca registrada, ou desenho de

embalagem) destinado a identificar os bens ou serviços de um vendedor ou de um grupo de vendedores

e a diferenciar esses bens ou serviços daqueles concorrentes. Assim, uma marca sinaliza ao consumidor

a origem do produto e protege, tanto o consumidor quanto o fabricante, dos concorrentes que oferecem

produtos que pareçam idênticos (1991[1998], p.7).

Imagem 22 (esq.). sabonetes técnicos da marca Confiança, disponível em: https://in.pinterest.com/pin/663718063806108188/, acessado em 24 de Setembro de 2021. Imagem 23 (dir.). sabonete Ach Brito – linha azulejos, disponível em: https://achbrito.com/pt3/wp-content/uploads/2020/12/sabonetes-azulejos-II-achbrito.png , acessado em 24 de Setembro de 2021.

Imagem 24. Sabonetes Claus Porto, disponível em: https://clausporto.com/pt/gift-box-9-mini-sabonetes, acessado em 24 de Setembro de 2021. Por conseguinte, o autor continua sua fala complementando que foi “no século XX que

branding e associações de marca tornaram-se centrais para os concorrentes. De fato, uma

característica de diferenciação do marketing moderno tem sido o seu enfoque sobre a criação

94

de marcas diferenciadas.” (Aaker, 1991[1998], p. 7-8) e, que o objetivo de criar marcas é se

diferenciar das commodities, através dos atributos dos produtos a serem comercializados,

nomes, embalagens, estratégias de distribuição e propaganda, “com a finalidade de reduzir a

primazia do preço sobre a decisão de compra e acentuar as bases de diferenciação.” (Aaker,

1991[1998], p. 8). O autor, também, menciona a questão da difícil gerência dos ativos

intangíveis, ativos esses que são muito importantes em se tratando de marcas de nicho e de

luxo, como é o caso da Claus Porto (Aaker, 1991[1998], p. 14). Portanto, esses ativos

intangíveis mencionado pelo autor, podem ser interpretados com um alto grau de simbolismo

da qual uma marca de luxo possui que, aliás, é uma de suas atribuições. A corroborar sobre a

importância dos ativos intangíveis, os autores Silva, Feijó e Gomez dizem que: Observa-se que na atualidade o papel dos valores intangíveis das marcas é tão relevante quanto seus

valores funcionais. Consumidores buscam marcas que estejam em harmonia com seus desejos

emocionais e sociais, tornando necessária a clareza, tanto na concepção quanto na comunicação dos

significados atribuídos à marca. A prática do branding vem à tona ao oferecer métodos que auxiliam a

identificação das características mais significativas presentes em uma marca para que estas sejam

atribuídas na construção de sua identidade (2016, p. 4).

A abordagem de Aaker é bastante focada em métodos de gerenciamento da marca, como a

maioria dos estudos sobre marketing e afins giram em torno de uma ideia de passo a passo

e/ou de melhores práticas, o que nada mais é que o brand equity, que “é um conjunto de

ativos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam ou se subtraem

do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma empresa e/ou para os

consumidores dela.” (Aaker, 1991[1998], p. 16). Em termos gerais o autor fala que os ativos e

passivos que o brand equity usa como parâmetros de gerenciamento podem mudar de

contexto a contexto e podem mudar conforme a trajetória da marca, uma vez que pode

acontecer mudanças em algumas dessas partes a serem avaliadas e gerenciadas (Aaker,

1991[1998], p. 16). Portanto, a construção de uma marca e a aferição de seu valor é um

trabalho constante, pois, precisa-se ter claro se o consumidor percebe seu valor, qualidade,

eficácia, magia e demais atributos que a marca queira ter como características vinculadas a

ela. Assim como, a própria marca precisa perceber se ela está evoluindo, se tornando mais

forte e valorosa para a empresa (Aaker, 1991[1998], p. 16). A base para a apreensão se uma

marca está a desenvolver valor para o seu público-alvo e para a própria empresa podem ser

agrupadas em cinco categorias, a saber: 1- Lealdade à marca; 2- Conhecimento do nome; 3-

Qualidade percebida; 4- Associações à marca em acréscimo à qualidade percebida e 5- Outro

ativos do proprietário da marca: patentes, trademarks, relações com os canais de distribuição

etc. (Aaker, 1991[1998], p. 16). O entendimento sobre marca e seu gerenciamento

95

mencionado aqui, possui um limite, uma vez que o presente trabalho não é uma investigação

sobre marca, porém, a menção sobre isso é importante para se entender o porquê de algumas

abordagens, mudanças e estratégias implementadas pela Claus Porto, em seu momento como

marca. Conforme dito anteriormente é um processo incessante, meticuloso, pois esse método

provê a possibilidade de um gerenciamento a fim de dar sustentabilidade e saúde à marca.

Os produtos Claus Porto são reconhecidos como de alta qualidade e com um bom

trabalho em relação aos seus atributos como produto, sendo exemplo disso, um trabalho

detalhado com relação a sua embalagem, gerando ao longo de todos esses anos um acervo

memorial e histórico muito importante para a empresa, que aliás, usa esse atributo como um

fator diferenciador de seus concorrentes. Esse acervo de comunicação visual e embalagem,

entra nos outros ativos que a empresa detêm. A respeito disso, Aaker diz que “esses ativos da

marca serão muito valiosos se inibirem ou impedirem as ações dos concorrentes de erodir a

base e a lealdade dos consumidores.” E, também, diz que esses ativos precisam estar

vinculados à marca (1991[1998], p. 22). Dificilmente algum concorrente possuirá um acervo

visual feito por artistas de várias épocas, passando pelos padrões estéticos da Belle Époque e

pelo Arts & Crafts, tudo feito à mão com uma riqueza de detalhes, cores e padrões. Isso é arte,

artesania e ao mesmo tempo é um documento histórico, pois, são trabalhos feitos à cada época

mencionada, não é algo inspirado numa época, é algo feito à época e que resistiu até os dias

de hoje. Na fala de Joana Loureiro e da diretora de comunicação para o artigo on line da

Visão, fica bem exemplificado: Quem os viu, diz serem cofres gigantescos, com milhares de rótulos e de padrões originais, pintados à

mão, criados pela Claus Porto. “Estão guardados em livros que só podem ser manuseados com luvas,

uma vez que as folhas estão quase a desfazer-se”, descreve Maria João.148

Imagem 25. Livro que contém as embalagens feitas à mão, disponível em: https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/11/14522916LM-CLAUS-PORTO-8-2-300x200.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

148 Disponível em: https://visao.sapo.pt/visaose7e/comprar/2017-10-19-nos-130-anos-da-claus-porto-cheira-bem-cheira-a-portugal/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Sexto parágrafo.

96

No contexto sobre a lealdade à marca, conforme será detalhado, também, a seguir, a

marca possui maior visibilidade fora do seu país de origem e, uma vez, que o presente

trabalho é baseado em Portugal, essa questão pode ser tornar ambígua em sua análise. A

Claus Porto possui sua maior penetração e vendas no mercado da América do Norte, devido a

isso e, devido a seu posicionamento no segmento de luxo podemos inferir que a lealdade de

marca com relação a Claus Porto possui uma boa projeção, uma vez que já atua a algum

tempo nesse mercado e que um dos atributos do luxo e de nicho é o seu consumidor ter um

vínculo forte de relacionamento com a marca. Aaker diz que “uma base bem instalada de

consumidores tem seu investimento de aquisição baseado amplamente no passado.”

(1991[1998], p. 19). Quando o autor menciona sobre o passado, a marca possui um bom

prognóstico, uma vez que possui um bom tempo de atuação no mercado mencionado,

conforme já explicitado.

Com relação a qualidade percebida, podemos ter embasamento no que a marca fala

sobre seu produto e que, naturalmente, a marca fala muito bem de si própria. Em material

público, principalmente on line, vários atores que falam pela marca diz que ela possui o rigor

em ingredientes, fabrico, embalamento manual, embalagens históricas feitas à mão e etc.

Nesse quesito não há a possibilidade de se traçar uma análise mais aprofundada, uma vez que

precisaria realizar uma pesquisa focada nisso e como não se têm acesso às informações

internas estratégicas da marca, fica-se com a credibilidade no que a própria marca fala de si

própria que no caso é uma boa impressão de qualidade pelo seu consumidor. Uma vez que a

marca se auto intitula como um produto de luxo, os atributos técnicos de alta qualidade do

produto precisam ser atendidos para a marca ser percebida como uma marca de luxo, no qual

esse quesito é uma das justificativas para seu preço mais elevado dentro de sua categoria de

atuação. Aaker corrobora com relação à qualidade percebida dizendo que esse atributo

influencia as decisões de compra, a lealdade à marca e, também, permite a extensão da marca

(1991[1998], p. 20). O autor continua: “Se uma marca é bem conceituada em um segmento, a

suposição natural é de que ela terá uma alta qualidade num contexto correlato.” (Aaker,

1991[1998], p, 20). O autor se aprofunda esclarecendo que “a qualidade percebida é

intangível, um sentimento geral sobre a marca. Contudo, usualmente se baseará em dimensões

subjacentes que incluem característica do produto, aos quais a marca esteja conectada, como

confiabilidade e performance.” (Aaker, 1991[1998], p. 89). Essa fala do autor pode ser

pensada para uma marca posicionada no segmento de luxo e as atribuições intangíveis são de

suma importância para esse segmento.

97

Imagem 26 (dir.). Embalamento manual dos sabonetes Claus Porto. Imagem 27 (esq.). Processo de lacramento manual dos sabonetes. Disponíveis em: https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2018/03/fabricaclausporto-19.jpg e https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2018/03/fabricaclausporto-1.jpg, ambos acessados em 24 de Setembro de 2021.

Com relação as associações à marca, em se tratando da Claus Porto, pelo menos

algumas delas, destaca-se a tradição que o tempo da marca evoca e a portugalidade que nessa

nova fase da Claus Porto faz questão de adicionar a sua narrativa e estratégias de negócios , o

que não era feito tão intensamente como atualmente, inclusive inaugurando duas lojas no país,

antes de qualquer outro lugar no mundo. Segundo Aaker essas associações também trazem

vantagem competitiva para a marca, pois dificulta e até pode criar uma barreira com relação

aos seus concorrentes (1991[1998], p. 21). Não são muitas marcas no mundo que possuem

mais de 130 anos de existência e de atuação num mesmo segmento e categoria. E, a

associação do local de origem dessa história de mais de 130 anos reflete, também, um forte

componente enfatizado no segmento de luxo, fazendo com que Portugal seja a origem dessa

marca e, também, estabelecendo que o principal produto da Claus Porto, que são os sabonetes,

possuam uma ideia, uma sensação e/ou uma associação de que Portugal é um país que faz

centenariamente bons sabonetes, possuindo então um know how centenário sobre isso. Talvez

seja até uma tentativa da Claus Porto em transformar Portugal como o país da saboaria de alta

qualidade, ainda mais que a marca possui a vantagem de ter sido a primeira indústria de

sabonetes de Portugal. Essa ideia induz a perspectiva do que a França é com a moda e

perfume, por exemplo. Aaker esclarece que “um país pode ser um símbolo forte, desde que

tenha uma ligação próxima com os produtos, materiais e capacitação.” (1991[1998], p. 134).

Para Aaker o conhecimento de marca é “a capacidade que um comprador potencial

tem de reconhecer ou de se recordar de uma marca como integrante de uma certa categoria de

produtos. Isto pressupõe um elo entre a classe do produto e a marca.” E, o autor continua que

“o papel do conhecimento da marca no brand equity dependerá tanto do contexto como do

nível de conhecimento atingido.” (Aaker, 1991[1998], p. 65). O que pode se pensar é que a

98

marca Claus Porto, desde seus primórdios, teve uma vocação para o estrangeiro e para um

segmento mais diferenciado e com isso, apesar de ter mais de 130 anos e, sendo uma marca

portuguesa, pode ter ficado num obscurantismo em território nacional, pois, parece não ter

havido interesse da marca em mudar essa condição, ou porque não havia condições para

investimento nesse quesito. Porém, é perceptível o esforço, desde a entrada do capital de

risco, em mudar essa situação que pode incorrer numa fresta na sua imagem como marca

portuguesa. A comunicação das novas estratégias na marca Claus Porto fica evidente devido

ao número de artigos nos media portuguesa e também internacional sobre o relançamento da

marca e de todas as mudanças implementadas com as novas estratégias, o que deflagra um

esforço na parte de negócios, da comunicação e branding da empresa.

Assim como, a implantação de outra estratégia importante para alcançar melhor seus

ativos de marca é otimizar, responsavelmente, a utilização do espólio histórico da marca. O

então, diretor geral da Ach. Brito, Francisco Neto é emocional quando enaltece o grande

potencial de valor de marca que possui a Claus Porto, dizendo: (...) a maior riqueza que encontramos aqui são esses 130 anos de história. É como eu costumo dizer: é

tudo verdade, portanto não é uma marca inventada, redesenhada por designers num macintosh a dois ou

três anos. Temos arquivos históricos com desenhos, rótulos, frascos, perfumes, fragrâncias, cores,

essências que atravessaram monarquia, república, guerras mundiais, quatro gerações de uma família e,

portanto, uma riqueza inigualável (2016, on line, 16’03” – 16’38”).149

O reconhecimento do valor histórico da marca pelo diretor geral é falado com frequência por

ele ao longo da entrevista feita pela apresentadora do programa I’m a Brand – Cristina Amaro

e, sua preocupação em preservar esse acervo é, igualmente, notório: A nossa maior responsabilidade é preservar a história. Nesta era de nova ambição, assumida e declarada

e, declarada positivamente com entusiasmo; mas a nossa maior responsabilidade é preservar tudo o que

foi feito e tudo o que trouxe a marca nesse patamar de autenticidade que se mantém até hoje (2016, on

line, 20’58” – 21’19”).150

149 Em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 150 Em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020.

99

Imagem 28. Anne-Margreet Honing, diretora criativa da Claus Porto com os livros do acervo de embalagens históricas da marca. Disponível em: https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/11/14522915LM-CLAUS-PORTO-5-2-300x212.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021. Logo, a próxima estratégia da empresa é o rebranding a fim trazer a marca para os tempos

atuais. Para isso, já em 2016, foi contratada uma equipe de criativos europeus para isso,

nomeadamente, a diretora criativa Anne-Margreet Honing encarregada de todo redesign

visual e gráfico da marca, a perfumista inglesa Lyn Harris que desenvolveu uma linha de

velas, o perfume Claus Porto Le Parfum e o relançamento da linha de colônias com novas

fragrâncias, além da participação de Eduardo Aires no redesign da linha Musgo Real.

Também foi acrescido mais reforços de competências como a Danielle Mota na direção

técnica e a Carla Casal, responsável de marketing. Aliás, a marca aumentou seus recursos

humanos, passando de 57 pessoas em 2015, para 92 pessoas (isso em 2018), o que vai a

rebote da ideia que usualmente se tem quando uma sociedade de capital de risco entra nas

empresas, ao contrário que se pensa os novos acionistas investem pesado na marca Claus

Porto, pois como disse o diretor geral: “além dos canais e do reforço comercial, é

absolutamente decisivo ter substância.” 151 152 Essa atualização da marca é de suma

importância para coloca-la com novo impulso gráfico e formal no mercado vislumbrado pelos

novos homens de negócio que agora encabeçam a empresa. Francisco Neto é taxativo acerca

da Claus Porto: “(...) todo o nosso caso e todo o grosso do nosso esforço de investimento e de

criação de valor nesta fase da nossa presença na empresa centra-se na Claus Porto.” (2016, on

line, 17’26” – 17’37”).153

Aaker possui um capítulo em seu livro sobre marcas dedicado a sua revitalização. O

autor sugere que quando uma marca estagna seu brand equity, se tornando pouco atrativa, a

marca pode recorrer a essa estratégia (1991[1998], p. 255). Lembrando que o produto carro-

151 Em: http://upmagazine-tap.com/pt_artigos/claus-porto-aromas-de-portugal/#, acessado em 15 de Setembro de 2020. Terceiro parágrafo. 152 Em: https://www.forbespt.com/uma-start-up-com-130-anos/?geo=PT/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Décimo oitavo parágrafo.153 Em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020.

100

chefe da marca não é um produto com grande apelo de venda, não é nada com um fator de

grande desejabilidade para o consumidor ou uma novidade. O sabonete é um produto

corriqueiro, porém, é necessário ressaltar que existem sabonetes e “sabonetes”, assim como

bolsas e “bolsas” e por aí vai. A marca pode transformar produtos de uso comum em produtos

com o tal fator “uau” para o consumidor, aliás, esse é um dos objetivos da marca atualmente:

se diferenciar mais e possuir uma identidade clara, para isso, se reposicionando num

segmento de luxo, nos moldes do que se entende por luxo na contemporaneidade. O

reposicionamento é um dos componentes, dentre vários dos quais as marcas podem avaliar,

implementar e monitorar com o intuito de trazê-las a um novo momento, quando for possível.

Aaker diz que: (...) consideramos a possibilidade de revitalizar uma marca que possa ser velha no espírito mas que,

redirecionada, possa ainda ter muita vida pela frente. Na revitalização de uma marca, o alvo não é

apenas gerar níveis de vendas adicionais, mas tê-las como base no levantamento do brand equity, uma

operação que frequentemente envolve melhorias do conhecimento, aumento da qualidade percebida,

mudanças de associações, uma base de consumidores expandida e/ou aumento de lealdade (1991[1998],

p. 255).

Segundo Aaker são 7 possibilidades que podem ser pensadas para a revitalização,

nomeadamente: 1. Aumentar a utilização; 2. Investigar novos usos; 3. Ingressar em novos

mercados; 4. Reposicionamento da marca; 5. Aumentar o preço do produto ou serviço; 6.

Obsoletando produtos existentes e, 7. Estendendo a marca (1991[1998], p. 254). Em se

tratando da Claus Porto o possível enfoque dessa revitalização foram em: reposicionamento,

aumento do preço, obsolescência de algumas linhas dentro da marca e em extensão de marca,

lançando novos produtos dentro da Claus Porto como velas, linhas de body care e alguns

produtos acessórios, o que a marca denomina de produtos de lifestyle, como uma saboneteira

em cerâmica portuguesa com uma textura inspirada nos padrões que a marca possui,

acessórios de barbear clássico para a linha masculina como tigela e pincel de barbear e etc.

101

Imagem 29 (esq.). Linha de body care Claus Porto. Imagem 30 (dir.). Saboneteira Claus Porto. Disponível em: https://clausporto.com/media/catalog/product/d/p/dp209_1.png?optimize=medium&fit=bounds&height=1500&width=1000, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Imagem 31. Vela e creme para as mãos Claus Porto. Disponível em: https://clausporto.com/media/wysiwyg/NUM_5950-80.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

No caso da obsolescência de produtos, essa prática se deu através de determinados

lançamentos como, por exemplo, o relançamento da linha de colônias da marca assinada pela

perfumista Lyn Harris, isso fez com que a linha antiga fosse liquidada e tirada de linha. A

Claus Porto já tinha essa linha ativa, porém segundo Aaker “algumas vezes uma indústria

sonolenta pode ser revitalizada por um produto que produza a obsolescência da base instalada

existente e acelere o ciclo de substituição.” (1991[1998], p. 270). Já no caso da extensão de

marca, o autor elucida que essa é: (...) uma estratégia natural para a empresa que procura crescer com a exploração de seus ativos. Na

verdade, os ativos mais reais e comercializáveis de muitas empresas são os nomes de marca que

desenvolveram. Assim, uma opção de crescimento estratégico é a de explorar esse ativo mediante a sua

102

utilização na penetração de novas categorias de produtos ou licenciando-o a terceiros para esse fim

(Aaker, 1991[1998], p. 219).

O autor também declara que é muito mais fácil e menos dispendioso para uma empresa

ampliar suas categorias de produtos sobre e sob o nome de uma marca já pré-estabelecida, do

que criar uma nova marca (Aaker, 1991[1998], p. 219). A extensão dos produtos da Claus

Porto não possui nada de revolucionário, porém faz parte de um raciocínio lógico, uma vez

que a empresa atua dentro da área de cuidados pessoais e perfumaria. Como exemplo, pode-se

pegar a inserção de linhas com sabonetes líquidos e hidratantes corporais dentro do mix de

produtos. Estes podem ser entendidos como produtos complementares aos tradicionais

sabonetes em barra, portanto fazendo uma pequena família de produtos. Com relação ao

aumento de preço, Aaker fala que quando as vendas de determinados produtos estão

estagnadas ou declinantes, ou o produto já está parecendo uma commodity, ou os ativos da

marca já não possuem o mesmo apelo aos olhos dos consumidores como antes e, concorrentes

já o oferecem esses ativos facilmente, fazendo uma guerra por preços, por isso, é preciso

tomar uma decisão de aumentar preços e oferecer um extra ou algo diferente (Aaker,

1991[1998], p. 267-268). Esse parece ter sido o caminho trilhado pela Claus Porto. Era

necessário se diferenciar mais e para justificar o aumento é preciso proporcionar algum

benefício que o consumidor perceba e aprove. A sugestão do autor para o tipo de produto que

a marca Claus Porto possui é: “com um produto maduro, frequentemente é mais viável fazer

algo extra ou diferente do que melhor.” (Aaker, 1991[1998], p. 268). Um artifício

mencionado por Aaker é a mudança de embalagem, uma vez que pode revigorar um produto

cansado (1991[1998], p. 268). O processo de redesign da marca é uma das estratégias

implantadas na empresa. Por exemplo, a linha Musgo Real foi toda reformulada. O autor não

traça uma análise sobre a possibilidade do aumento do valor ser um dos componentes de um

produto de luxo, porém é o caso da Claus Porto. Além de proporcionar um rejuvenescimento

à marca com reformulações em sua comunicação visual associando o aumento de preço com

algum benefício percebido para o consumidor, essa, também, foi uma estratégia de inserção

no segmento de luxo, conforme será detalhado a seguir.

103

Imagem 32. Linha antiga das colônias Claus Porto e com o logotipo anterior ao redesign. Disponível em: https://mb.web.sapo.io/645a61509f8bbca3178c03fd3b5281ecd2c0b257.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

A bem na verdade uma estratégia de reposicionamento nada mais é que atualizar

conforme as necessidades que a marca precisa e, de acordo com o seu brand equity, para se

manter saudável e sustentável no seu mercado de atuação. De fato, o reposicionamento

aconteceu com a Claus Porto que decidiu mudar seu segmento de atuação a fim de

incrementar as novas associações que a marca criou através de uma reformulação em várias

frentes de seu brand equity. Aaker fala que o posicionamento consiste em lançar novos

produtos (1991[1998], p. 111) de alguma maneira dentro de seu segmento, realizar uma nova

propaganda e/ou comunicação (1991[1998], p. 113), implementar um redesign estratégico

com intuito de incitar as novas associações de marca ao consumidor (1991[1998], p. 113) e o

lançamento de produtos que sejam necessários a complementar outros produtos (1991[1998],

p. 113). O grande esforço de todas essas mudanças é criar uma rede de novas associações para

criar uma nova organização de significado para a imagem da marca de modo a ser percebido

pelo consumidor, é o que complementa o autor (Aaker, 1991[1998], p. 115). A fim de deixar

claro, Aaker fala que “a ‘posição de uma marca’ realmente reflete como as pessoas percebem

a marca. Contudo, ‘o posicionamento’, ou uma ‘estratégia de posicionamento’, pode ser usado

também para refletir como uma empresa está procurando ser percebida.” E, continua que “as

associações representam as bases para as decisões de compra e para a lealdade à marca.”

(Aaker, 1991[1998], p. 115-116).

Uma abordagem interessante a acrescentar a clássica ideia de Aaker sobre branding é

o branding sensorial do autor Martin Lindstrom. Falando de modo sucinto, o autor levanta e

104

propõem algumas questões interessantes. Ele diz que 80% da linguagem humana é não verbal,

o que significa que esses 80% são as impressões que formamos quando nos comunicamos e

que essas impressões são sensoriais (2005[2012], p. 10). O autor também defende que o

branding pouco evoluiu das décadas de 70 e 80 do Século XX para a primeira década do

Século XXI, que as técnicas de comunicação ainda são, majoritariamente, baseadas na visão e

audição, logo imagem e som, sendo os outros três sentidos adicionais do ser humano

excluídos (Lindstrom, 2005[2012], p. 21). Em sua pesquisa ele concluiu que as memórias

sensoriais ativadas são maiores de acordo com os múltiplos estímulos sensoriais, o que

aumenta a força de ligação entre consumidor e marca (Lindstrom, 2005[2012], p. 73). Outra

alegação pertinente é a multissensorialidade dos sentidos. Na sua pesquisa o autor concluiu

que isso afeta a percepção de qualidade e valor de marca, assim como justifica preços mais

altos em virtude disso. Lindstrom diz que: Essa sinfonia sensorial completa produz um efeito dominó. Da forma como as impressões são

armazenadas no cérebro, se você aciona um sentido ele vai levar a outro, depois a outro...até o ponto em

que um panorama inteiro de memórias e emoções vai se desdobrar instantaneamente. Proceder com

dois elementos é apenas metade da história; criar uma sinergia com os sentidos é, ou deveria ser, o

objetivo de toda marca na terra (2005[2012], p. 38).

O autor continua falando que para fazer um branding sensorial é necessário desconstruir a

marca, a fim de fazer que todos os itens constitutivos da marca, os itens que o consumidor

interaja, funcione independentemente, por possuírem força, associação entre eles e identidade

suficientes para a identificação e valorização do consumidor através da sinergia criada para

isso (Lindstrom, 2005[2012], p. 46-47). E por fim, Lindstrom fala que o objetivo do branding

sensorial é: “(...) estimular o relacionamento com a marca. Pode-se dizer que ele desperta

nosso interesse, amplia nosso comportamento impulsivo de compra e permite que as respostas

emocionais dominem o pensamento racional.” (2005[2012], p. 111). A parte palpável é criar

ou alcançar um estímulo sensorial de marca, tarefa essa que não é simples, fácil ou rápida.

Requer repetição até se tornar algo habitual para o consumidor, deve ser característico da

marca e refletir o que a marca é. Além disso, o branding sensorial cria lealdade entre marca e

consumidor por longos períodos. O autor adverte que se a marca conseguir manter seu apelo

sensorial característico e esta não for imitada pelas marcas concorrentes, deverá acontecer a

tão esperada lealdade almejada (Lindstrom, 2005[2012], p. 112-113).

As maiores artífices dessa nova imagem da marca estão por conta da diretora criativa

Anne-Margreet Honing e da perfumista Lyn Harris. A diretora criativa, Anne-Margreet

Honing é uma diretora de arte holandesa que estudou Belas Artes em Paris, desenvolvendo

105

sua carreira nessa cidade. Possui em seu currículo trabalhos para empresas de luxo, como

Comme des Garçons. Foi convidada para então reformular toda a parte gráfica e visual da

marca. Para isso agrupou uma equipe de criativos locais como o arquiteto João Mendes

Ribeiro, que projetou o interior das lojas em Lisboa e Porto. O cenógrafo Pedro Rodrigues

que pensou as vitrines das lojas, Eduardo Aires que fez a exposição de design gráfico da

marca e redesenhou a linha Musgo Real e, Francelino Gomes que é o assistente da diretora de

arte para a reformulação de logotipos, embalagens, rótulos até o chão cerâmico das lojas. O

logotipo da marca foi redesenhado, assim como toda a comunicação visual, novos produtos

lançados com o novo design, o projeto e inauguração de lojas físicas além de um livro

comemorativo dos 130 anos da marca.154 155 156 A diretora criativa possui um discurso muito

próximo do que o diretor geral da Claus Porto fala, a exemplificar nessa fala de Anne-

Margreet que trata a marca com respeito e cuidado com sua centenária origem: “Acho que

nesta empresa a palavra-chave é mesmo amor. Respeitar a alma da marca é essencial: não

podes mudá-la, ela é e sempre será uma marca verdadeiramente portuguesa.”157 A equipe para

o redesign estava formada, então veio a questão da reformulação e lançamento dos perfumes.

Foi aí que o nome de Lyn Harris foi cogitado pela diretora criativa. Lyn possuía um perfil

profissional, talento, experiência e reputação que se encaixam perfeitamente aos intentos da

Claus Porto, nesse seu novo momento de marca. Declara o artigo da Wallpaper: Mas para garantir que um dos elementos mais importantes do renascimento da marca fosse tratado com

habilidade, Honing recorreu a Harris. Tendo já se conhecido socialmente, o par foi rápido para se

relacionar. Não tanto um passeio turístico assim como não tanto um esforço de estimular o nariz, a road

trip foi proposta por Honing como uma forma de mergulhar Harris na marca e no país que ela

representa, com o objetivo de desenvolver uma fragrância exclusiva. 158

154 Disponível em: https://www.attitude-mag.com/pt/blog/lojas/2019-06-17-claus-porto-uma-historia-feita-de-tradicao-e-criatividade/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo. 155 Disponível em: https://www.wallpaper.com/lifestyle/claus-porto-lynn-harris-profile, acessado em 15 de Setembro de 2020. Tradução livre. Terceiro parágrafo. 156 Disponível em: http://portoenvolto.com/2017/06/13/claus-porto-chega-ao-coracao-da-cidade/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo e oitavo parágrafo. 157 Disponível em: https://www.attitude-mag.com/pt/blog/lojas/2019-06-17-claus-porto-uma-historia-feita-de-tradicao-e-criatividade/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Segundo parágrafo. 158 Tradução nossa. Citação original:“But to ensure one of the most important elements of the brand’s revival was handled skilfully, Honing turned to Harris. Having already met socially, the pair were quick to bond. Not so much a sightseeing tour as a nose-nudging endeavour, the road trip was proposed by Honing as a way to immerse Harris in the brand and the country it represents, with a view to developing a signature fragrance.” (Moore, 2017, quarto parágrafo). Disponível em: https://www.wallpaper.com/lifestyle/claus-porto-lynn-harris-profile, acessado em 05 de Agosto de 2020.

106

Imagem 33. Livro lançado pela Claus Porto nos seus 130 anos de existência. Disponível em: https://www.avidaportuguesa.com/assets/uploads/store/products/livraria/0000000010_ach-brito-130-anos_240x320x20_1272g_1.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Lyn Harris é uma mestre perfumista independente inglesa treinada nos moldes

tradicionais franceses, já possui mais de 20 anos de carreira e em 2000, criou a famosa marca

de perfumes de nicho Miller Harris, sempre focando na qualidade dos materiais, no uso de

matéria-prima natural, em arte, música e design. Antes da criação de sua própria marca

trabalhou como perfumista independente criando fragrâncias para seletas pessoas e marcas,

com uma ideia de fazer perfumes sob encomenda. Em 2013, a perfumista resolveu se retirar

da Miller Harris vendendo parte da marca para a Neo Investment Partners. E, então, decidiu

voltar às suas origens e criou a Perfumer H, marca na qual ela se dedica com mais esmero a

elaboração de seus perfumes. A marca possui um mix de produtos enxuto, com uma ideia de

exclusividade e preciosismo. A loja da marca é um híbrido de loja, escritório e laboratório da

perfumista. Além dos perfumes de linha, Harris voltou a fazer os seus perfumes sob

encomenda, modo do qual ela pode explorar todo o seu potencial artístico através dos

perfumes e do acurado e desenvolvido senso estético da perfumista. Em toda a sua carreira o

enaltecimento e uso dos materiais de origem natural foi um norteador de suas criações

atemporais, mas ao mesmo tempo contemporâneas.159 160

159 Disponível em: https://www.neoinvestmentpartners.com/miller-harris, acessado em 15 de Setembro de 2020. 160 Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/luxury/womens-style/lyn-harris-launches-perfumer-h-bespoke-fragrances/, acessado em 05 de Agosto de 2020.

107

Imagem 34 (esq.).161 Fachada da loja Perfumer H, em Londres. Imagem 35 (dir.).162 Laboratório dentro da Perfumer H.

A esse ponto é interessante pensar mais a fundo sobre um conceito, frequentemente,

ressaltado pela marca. A tradição aparece recorrentemente de modo explícito e implícito na

narrativa da marca e dos indivíduos que atuam nela, direta e indiretamente. A escolha da

perfumista Lyn Harris além de chancelar e assinar seus perfumes, ressuscita a perfumaria

dentro da marca aos novos moldes ambicionados pelos seus novos administradores e

gerenciadores, o capital de risco Menlo Capital. Giddens traça algumas considerações sobre a

tradição que podem aprofundar a discussão. Segundo o autor: A tradição, pode dizer-se, é uma orientação para o passado, de tal modo que o passado tem uma forte

influência ou, para ser mais correcto, é feito para ter uma forte influência sobre o presente. No entanto,

num certo sentido, e de qualquer modo, a tradição tem também a ver com o futuro, dado que as práticas

estabelecidas são usadas como um modo de organizar o tempo futuro. O futuro é moldado sem a

necessidade de o delimitar como um território separado. A repetição, de um modo que necessita ser

examinado, consegue fazer regressar o futuro ao passado, ao mesmo tempo que também recorre ao

passado para reconstruir o futuro (1994 [2000], p. 59-60).

Giddens, também, diz que a tradição “envolve ritual e está conectada com o que

designarei de noção formular de verdade; têm ‘guardiães’, e ao contrário do costume, tem um

carácter de obrigatoriedade que combina um conteúdo moral e emocional.” (1994[2000], p.

60). A perfumista, de acordo com a ideia de Giddens é uma das guardiães da marca na qual

possui a autoridade, perícia e autenticidade necessárias para integrar o passado com o

presente-futuro, através de interpretação e representação. E, pegando essa fala de integração

entre passado e presente acresce-se a ainda permanência de Aquiles Brito, como descendente

do fundador da marca. A fala da Maria João, diretora de comunicação traz clareza sobre isso,

161 Disponível em: https://assets.vogue.com/photos/58919945e8e3104f57c7487d/master/w_1280,c_limit/00-london-perfumer-lyn-harris.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021. 162 Disponível em: https://lsn-staging.s3.wefew.io/filestorage/images/64145/Perfumer_H-27.png?width=1200&height=627&quality=80&crop%5Bx%5D=0&crop%5By%5D=174&crop%5Bwidth%5D=1000&crop%5Bheight%5D=564&method=ratio, acessado em 24 de Setembro de 2021.

108

demonstrando que a marca possui consciência e vê como um fator vantajoso a ainda presença

da família Brito: “Continua muito presente e esse prolongamento do ADN faz toda a

diferença”.163 Por isso, “o ritual enreda a tradição com a prática (...)”, porém essa prática não

é qualquer prática quotidiana, ou se for, esta será transformada em ritual para atender as

demandas conceituais da tradição e, no presente caso, para atender aos anseios e ambições

que a marca Claus Porto precisa para, adequadamente e com substância, se utilizar da tradição

que sua marca de mais de 130 anos possui. Aqui, parece que a tradição que a marca entende

possuir vem de sua existência no mercado, por passar por gerações de indivíduos, passar por

monarquia, república, ditadura, várias crises mundiais, por duas guerra mundiais, de ter sido

em boa parte do tempo uma marca familiar e por estar intimamente ligada à vida privada de

seus clientes, uma vez que seu principal produto é o sabonete. Portanto, Lyn Harris, Anne-

Margreet Honing, Francisco Neto, a diretora de comunicação e, claro e principalmente,

Aquiles Brito são guardiães da marca. Eles são os atores que possuem acesso a verdade da

marca, a sua história e legado e com isso, a autoridade para interpretar e ritualizar a verdade,

conforme Giddens alega “a contínua reconstrução do passado à ordem prática (...)”

(1994[2000], p. 61). O autor continua dizendo que o “ritual é crucial porque ajuda a conferir

às crenças, práticas e objetos rituais uma autonomia temporal que pode faltar a

empreendimentos mais mundanos.” (1994[2000], p. 61). Nesse caso, os perfumes e

fragrâncias criados por Lyn Harris para a Claus Porto podem ser considerados objetos rituais

que reinterpretam os lugares de acordo com que os guardiães da marca pensam sobre ela e,

logo, de acordo com a tradição que a marca imprimi, uma vez que eles são os detentores da

verdade. Interessante ressaltar também a licença poética da perfumista em interpretar lugares

de um país que ela desconhece. Segundo Giddens “a linguagem ritual é representativa, e

pode, por vezes conter palavras ou práticas que os oradores ou os ouvintes mal

compreendem.” E continua dizendo que “o discurso ritual é um discurso de que não faz

sentido discordar ou contradizer e, por isso, é um poderoso meio de diminuir as possibilidades

de dissidência.” (1994[2000], p. 62). Então, a perfumista não é só alguém tecnicamente capaz

de criar um perfume, mas é, também, alguém capaz de incrementar a mítica, a fantasia, o

imaginário da marca, enaltecer seu moral e despertar emoções, pois, ela possui o status para

isso em virtude de sua reputação (que é baseada na tradição) e de toda sua ritualística maneira

de criar. Acerca disso, Giddens fala que “a principal característica do guardião na ordem

tradicional é o status e não a competência.” (1994[2000], p. 62). E, complementa que “a

163 Disponível em: https://visao.sapo.pt/visaose7e/comprar/2017-10-19-nos-130-anos-da-claus-porto-cheira-bem-cheira-a-portugal/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Quinto parágrafo.

109

tradição é impensável sem guardiães, porque os guardiães têm um acesso privilegiado à

verdade; a verdade não pode ser demonstrada salvo no modo como se manifesta nas

interpretações e práticas dos guardiães.” (1994[2000], p. 77). O trabalho da perfumista, na

atualidade, possui uma característica artesanal proeminente. Ela se desfez de sua marca de

sucesso, Miller Harris, e voltou a fazer perfumes para um seleto nicho de mercado, para um

grupo sofisticado de consumidores. A mística que existe em torno do trabalho de um

perfumista se adequa ao que Giddens fala: “Assim, os possuidores das capacidades artesanais

muitas das vezes são, de facto, guardiães, mesmo se tais técnicas são mantidas relativamente

afastadas das manifestações mais abertamente tradicionais da sociedade.” (1994[2000], p. 77).

Lyn Harris se enquadra nessa lógica e cumpre com maestria seu papel, possui o status e a

capacidade da artesania. Outro ponto levantado por Giddens sobre a tradição é a questão da

identidade. O autor começa falando da característica de exclusão que a tradição possui no

qual “as tradições exigem ser separadas dos outros, já que de facto de se estar dentro é crucial

para o seu carácter.” (Giddens, 1994[2000], p. 77). Logo, essa ideia de um suposto

pertencimento ou não na ideia de marca tradicional da Claus Porto, contextualiza e coloca o

indivíduo num específico espaço dando a entender o que Giddens destaca ser: (...) um meio de identidade. Tanto a identidade pessoal como a colectiva pressupõem significado; mas

também pressupõem o processo constante de recapitulação e reinterpretação antes mencionado. A

identidade é a criação de constância ao longo do tempo, esse trazer do passado, colocando-o em

conjunção com um futuro antecipado. Em todas as sociedades, a manutenção da identidade pessoal, e a

sua conexão com identidades sociais mais vastas, é um requisito primordial da segurança ontológica.

Esta questão psicológica é uma das principais forças que permitem à tradição criar laços emocionais tão

fortes com o ‘crente’ (1994[2000], p. 77).

Para isso, promover uma ideia de familiaridade é o que preconiza a confiança entre os entes

que estão dentro da ideia de tradição veiculada pela marca, pois, faz o que Giddens levanta ser

“central para a continuidade da identidade.” (1994[2000], p.78). Portanto, fazer passar o

desconhecido a ser familiar é o que acontece através da viagem da perfumista e da diretora

criativa, desenvolvendo suas interpretações dos lugares onde exploraram, às vezes, até

desconhecidos dos próprios portugueses. É, de certo modo, uma tentativa de criar esse vínculo

com o espaço de origem da marca e confirma a ideia de marca portuguesa, tanto para os

próprios portugueses, assim como para o resto do mundo, o que reforça mais ainda a ideia de

tradição como marca. Como resultado, a ideia de identidade através dessas constantes

reinterpretações é confirmada, uma vez que essas reconstruções da tradição são ritualizadas.

O autor também salienta que em se tratando de marcas:

110

A ‘familiaridade’ é a peça chave da confiança, que é muitas vezes mantida pelos seus próprios rituais.

O ritual é importante para a confiança porque ele providencia evidência de uma comunidade cultural

partilhada, e também porque a participação representa como um compromisso público de que é difícil

fugir mais tarde (Giddens, 1994[2000], p. 79).

Giddens traça uma análise interessante no texto referendado aqui. Ele levanta quais seriam as

características que compõem “tradicionalmente” a tradição a fim de chegar aos tempos

contemporâneos aos quais ele alega que se vive um pós-tradicionalismo. O autor faz um

paralelismo com o estágio de globalização e o “esvaziamento dos contextos locais”

(1994[2000], p.92). Nesse aspecto abordado, Giddens fala que a globalização traz

consequências “descontextualizadoras dos sistemas abstractos” (1994[2000], p. 92). Para

ilustrar isso, o autor diz que: A tradição refere-se à organização do tempo e, consequentemente, do espaço; o mesmo se passa com a

globalização, só que o curso de uma opõe-se ao da outra (...). A globalização é essencialmente ‘ação à

distância’; a ausência predomina sobre a presença, não na sedimentação do tempo, mas devido à

reestruturação do espaço (Giddens, 1994[2000], p. 93).

Mediante a essa fala do autor podemos inferir que o discurso implementado pela marca Claus

Porto possui essa característica descontextualizadora. A marca recorta uma história e a

traveste de uma retórica globalizada na qual explicita uma tradição fragmentada e a difunde

para os seus mercados como a sua verdade através de seus guardiães, construindo um elo de

familiaridade, de um, hoje quase instinto, tradicionalismo passado de geração em geração

com uma ideia de isso ser conhecido pelo seu país de origem, porém, como foi mencionado

acima, no qual parece que a marca não possui de todo esse conhecimento pelos portugueses.

A marca faz uma mistura de fatos baseados no passado tradicional, para ser redundante, e a

atualiza a uma realidade fragmentada, traduzida para o mundo globalizado consumir, onde o

contexto e o espaço já não possui a atribuição aterradora de antes. É o uso de um simbolismo,

com a autenticidade dada através do tempo. Sobre isso, Giddens esboça que “a empresa

capitalista, por exemplo, é um mecanismo descontextualizador par excellence, e está a abrir

seu caminho, tão completamente como nunca, através de partes do mundo que anteriormente

ofereciam resistência.” (1994[2000], p. 93). Assim como o autor fala do aspecto

contemporâneo de cada vez mais não existir o outro, o de fora. Ele diz: “Um mundo em que

ninguém está ‘fora’ é um mundo onde as tradições preexistentes não só não podem evitar o

contacto com outras tradições, como também não podem evitar o contacto com numerosos

modos de vida alternativos.” (Giddens, 1994[2000], p. 93). Desse modo, a tradição ganha

aqui, uma ideia de leveza ou de esvaziamento como fala Giddens, a narrativa usada pela

marca sobre sua tradição ganha uma superficialidade e, ao mesmo tempo, uma fácil adesão e

111

um fácil entendimento, pois o uso da ideia da tradição é estruturada através da lógica do

consumo como ideia de conexão. Lindstrom também pensa um pouco sobre os rituais,

especificamente de marca, ou seja, ele pensa na outra parte da encenação, no consumidor, que

também entra nessa dinâmica criando rituais próprios que são, muitas vezes, ignorados pelas

marcas, estas, então, perdendo uma oportunidade de fazerem os consumidores seus

embaixadores (Lindstrom, 2005[2012], p. 64-65). O autor declara que “quanto maior for a

tradição, maior será a possibilidade de reconstrução.” (Lindstrom, 2005[2012], p. 64),

conceito esse que Giddens também possui. Para esclarecer, Douglas e Isherwood diz que:

“esqueçamos a ideia de irracionalidade do consumidor. (...); esqueçamos sua utilidade e

tentemos em seu lugar a ideia de que as mercadorias são boas para pensar: tratemô-las como

um meio não verbal para a faculdade humana de criar.” (1979[2009], p. 108). Esses mesmos

autores continuam que: “o consumo usa os bens para tornar firme e visível um conjunto

particular de julgamentos nos processos fluidos de classificar pessoas e eventos. E agora o

definimos como atividade ritual.” (Douglas e Isherwood, 1979[2009], p. 115). E justificam os

rituais: Rituais mais eficazes usam coisas materiais, e podemos supor que, quanto mais custosa a pompa ritual,

tanto mais forte a intenção de fixar os significados. Os bens, nessa perspectiva, são acessórios rituais; o

consumo é um processo ritual cuja função primária é dar sentido ao fluxo incompleto dos

acontecimentos (Douglas e Isherwood, 1979[2009], p. 112).

Nesse sentido é importante dizer que no caso da marca Claus Porto, com mais de 130 anos de

existência e com uma consistente produção industrial ao longo desse tempo de operação

pode-se dizer que a marca possui, o que Giddens denomina como “verdade formular”

(1994[2000], p. 100), o que podemos dizer que é a verdade da marca. E o que faz a crer isso é

o que diz o autor: “O ritualismo, e por conseguinte a tradição, continuam a existir inclusive a

florescer onde quer que a verdade formular constitua um meio de construir interpretações de

tempos passados.” (Giddens, 1994[2000], p. 100). Então, apesar do momento atual no qual a

marca é analisada, que é o momento contemporâneo, é inegável a verdade e autenticidade da

marca, porém, esta hoje, foi reinterpretada desde sua organização institucional, o seu produto,

sua narrativa e linguagem. Todos esses itens que podem ser pensados de uma forma

ritualística passam pela globalização, pela sociedade de consumo e pela tradição em si. Essas

características de tradição possuem seus modos de ritualização, nos quais são detectadas na

marca Claus Porto, fazendo com que ela tenha um bom embasamento para se fundamentar,

uma vez que é detentora de todo esse memorial histórico e material.

112

Os processos de criação, reinvenção, ressignificação, reinterpretação são conceitos

intrinsicamente embutidos do que significa ser uma marca tradicional e que a marca vem se

apropriando com eficiência em seu novo desenvolvimento. A corroborar com isso, pode-se

pensar em Williams, quando o autor a fim de entender a cultura documental, que é o caso no

qual a Claus Porto se enquadra, estabelece que existem três níveis de cultura: a cultura vivida,

a cultura registrada e a cultura de tradição seletiva (1961[1975], p. 66).164 Curioso perceber

que o que intermedia esses níveis de cultura é a presença e como essa presença é representada

ao longo do tempo, assim como, no caso da marca aqui estudada, acontece de uma forma

anacrônica. A cultura vivida é uma representação material e ritual do que a marca passou em

mais de 130 anos de existência, é a interpretação do tempo atual do que se pensa que a marca

vivenciou através do tempo. É uma nova formulação de uma estrutura do sentimento.

Williams diz que: “(...) a nova geração terá sua própria estrutura do sentimento, que não

parecerá ter vindo de ‘qualquer lugar’.”165 O autor diz que a organização será encenada, (...) a nova geração responde em seus próprios caminhos ao mundo único que está herdando, assumindo

muitas continuidades, que podem ser rastreadas e reproduzindo muitos aspectos da organização, que

pode ser descrita separadamente, mas sentindo sua vida inteira de maneiras diferentes e moldando sua

resposta criativa em uma nova estrutura de sentimento. 166

A cultura registrada, é o que Williams diz ser “(...) a cultura de um período” 167 e a “estrutura

do sentimento” 168 que são os arquivos gráficos, fórmulas químicas fragrantes, frascos,

documentos históricos e demais registros e materialidades que a empresa/marca ricamente

possui. Isso é o que resistiu ao tempo, é a herança material, são as testemunhas que contam

histórias. Williams fala que “o significado da cultura documental é que, mais claramente do

que qualquer outra coisa, expressa essa vida diretamente para nós, quando as testemunhas

vivas estão em silêncio.” 169 E, por fim, o autor menciona a cultura de tradição seletiva. A

tradição seletiva é uma seleção do que se tem acesso da cultura registrada e/ou da estrutura de

sentimento que se consegue apreender, a fim de analisa-la. Uma observação pertinente do

164 Tradução nossa. Citação original: “(…) the lived culture (…) the recorded culture (…) the culture of selective tradition. (Williams, 1961[1975], p. 66). 165 Tradução nossa. Citação original: “(…) the new generation will have its own structure of feeling, which will not appear to have come ‘from’ anywhere.” (Williams, 1961[1975], p. 65). 166 Tradução nossa. Citação original: “(...) the new generation responds in its own ways to the unique world it is inheriting, taking up many continuities, that can be traced, and reproducing many aspects of organization, which can be separately described yet feeling its whole life in certain ways differently, and shaping its creative response into a new structure of feeling.” (Williams, 1961[1975], p. 65). 167 Tradução nossa. Citação original: “(...) the culture of a period.” (Williams, 1961[1975], p. 66). 168 Tradução nossa. Citação original: “(…) Structure of feeling (…)” (Williams, 1961[1975], p. 64). 169 Tradução nossa. Citação original: “The significance of documentary culture is that, more clearly than anything else, it expresses that life to us in direct terms, when the living witness are silent.” (Williams, 1961[1975], p. 65).

113

autor é que o que sobreviveu de um período passado não é governado mais pelo período em

si, “(...) mas por novos períodos, que gradualmente compõem uma tradição.” 170 Pode ser

entendido como um conjunto de fragmentos materiais e de estruturas de sentimento que se

dispõem de um organização, no qual são selecionados os que mais a caracterizam dentro de

um período de tempo, porém a interpretação e/o entendimento desses fragmentos sempre

terão a visão e contexto do hoje, portanto, sempre tendo uma contaminação nos fragmentos.

De certo modo, de acordo com o que se seleciona, o que se analisa é o que mudou de um

fragmento de tempo para outro, criando assim o que Williams diz ser “o registro de uma

sociedade particular.” 171

Intrigante perceber que o rebranding da Claus Porto, pode ser entendido, de acordo

com a perspectiva de Williams, um processo de “seleção e re-seleção” 172 da cultura

registrada, ou seja, é uma espécie de análise cultural de sua tradição seletiva. Então, a marca

além de ser uma marca que entra nos moldes do que se entende como tradicional segundo

Giddens, pelo seu tempo de existência, de rituais e atuação, além das demais características

elucidadas anteriormente, esta, também, entra na analise do processo que é esmiuçado por

Williams. Em se tratando do estudo de caso apresentado no trabalho, a Claus Porto, é um

símbolo do que significa tradição portuguesa em sabonetes e que o seu processo de mudança,

pode ser entendido como um processo de reinvenção de si própria como organização. Os

processos mercadológicos engendrados a trazer mudanças estratégicas vem conjuntamente

com toda a bagagem pré-existente de sua cultura registrada e de sua estrutura de sentimento,

assim como há inserção de mais associações de valores que antes não estavam tão bem

definidas. É a mesma Claus Porto, mas diferente. Talvez através desse novo processo de

mudança dentro de sua tradição, essa Claus Porto contemporânea, seja a mais Claus Porto de

todos os outros períodos anteriores, uma vez que o trabalho de reinterpretação, releitura e

repaginação de seus fragmentos materiais e de sua estrutura de sentimento parece estar muito

mais bem alicerçada nos seus fundamentos tradicionais do que períodos anteriores.

A análise de Williams possui conversa com que alguns autores falam sobre marcas

fazerem parte da cultura. Dentre esses autores destaca-se O’Reilly que traça um constructo de

que marcas são como textos, uma vez que representam uma organização através de vários

tipos de linguagem (2005, p. 581). Para elucidar, O’Reilley diz:

170 Tradução nossa. Citação original: “(...) but by new periods, which gradually compose a tradition.” (Williams, 1961[1975], p. 66). 171 Tradução nossa. Citação original: “(…) the historical record of a particular society (…).” (Williams, 1961[1975], p. 68). 172 Tradução nossa. Citação original: “(…) selection and re-selection (…)” (Williams, 1961[1975], p. 69).

114

A linguagem sempre foi fundamental para a cultura. É o meio pelo qual criamos e compartilhamos

significados, e sempre foi considerado o repositório-chave de valores culturais e significados. A

linguagem opera como um sistema representacional. O significado é constantemente produzido e

trocado em cada interação pessoal e social em que participamos.173

Um paralelo dentro da ideia de Williams (1961[1975]), é que marcas estariam dentro do tipo

de cultura registrada, vivida e de tradição seletiva. A analise sobre a Claus Porto acontece no

presente, justamente, com o esforço de entender o que a marca é na atualidade com a

conjuntura da contemporaneidade depois de tanto tempo de existência no mercado. A Claus

Porto do rebranding é a marca que se insere na cultura vivida do autor. Para entender, Barker

diz que: O conceito de texto sugere não apenas a palavra escrita, embora este seja um de seus sentidos, mas

todas as práticas que significam. Isso inclui a geração de significado por meio de imagens, sons, objetos

(como roupas) e atividades (como dança e esportes). Visto que imagens, sons, objetos e práticas são

sistemas de signos, que significam com o mesmo mecanismo de uma linguagem, podemos nos referir a

eles como textos culturais.174

A perspectiva de se entender uma marca como um texto, que portanto pode ser lido,

interpretado, imaginado etc., abre uma prerrogativa de se pensar marca de uma forma

diferente, mais humanizada e repleta de significados do que o passo a passo técnico-

mercadológico-imperativo de Aaker (1991[1998]). Uma definição interessante de marca,

mencionado por O’Reilley, é que marca é “um dispositivo simbólico ou como uma vantagem

estratégica que produz receitas e fluxos de lucro.”175Eoautorcontinuaque:Do ponto de vista culturalista e simbólico, as marcas podem ser lidas como textos culturais produzidos

e consumidos culturalmente, e como articuladores simbólicos de produção e consumo. Esses textos

representam ou constroem identidades para seus referentes, sejam essas organizações, pessoas, lugares

ou produtos. Marcas são textos socialmente construídos que medeiam significados entre consumidores

e produtores.176

173 “Language has always been central to culture. It is the medium through which we make and share meanings, and has always been regarded as the key repository of cultural values and meanings. Language operates as a representational system. Meaning is constantly being produced and exchanged in every personal and social interaction in which we take part.” (O’Reilley, 2005, p. 581) 174 Tradução nossa. Citação original: “The concept of text suggests not simply the written word, though this is one of its senses, but all practices that signify. This includes the generation of meaning through images, sounds, objects (such as clothes) and activities (like dance and sport). Since images, sounds, objects and practices are sign systems, which signify with the same mechanism as a language, we may refer to them as cultural texts.” (Barker, 2000[2008], p. 11). 175 Tradução nossa. Citação original: “(…) a symbolic device or as a strategic asset which produces revenue and profit streams.” (O’Reilley, 2005, p. 582). 176 Tradução nossa. Citação original: “From a Culturalist, symbolic point of view, brands can be read as cultural texts which are culturally produced and consumed, and as symbolic articulators of production and consumption. These texts represent or construct identities for their referents, be these organisations, people, places, or products. Brands are socially constructed texts which mediate meanings between and amongst consumers and producers.” (O’Reilley, 2005, p. 582).

115

É notório perceber a ideia de mão dupla, na qual, entender a marca sobre essa perspectiva

encerra. Ao contrário de Aaker (1991[1998]), existe um diálogo que acontece entre as partes,

não é somente a marca que demanda e projeta, mas o consumidor também responde e se

comunica com essa marca, a mudando e a ressignificando. Acerca disso, O’Reilly é

contundente: “dizer que as marcas são construídas gerencialmente, e construídas apenas por

gerentes, é negar aos consumidores um papel na construção de seus significados (...).”177 E, o

autor fala que todos os textos que a marca produz são performativos, mesmo que sejam textos

que não sejam pensados estritamente para o seu público alvo. Assim, quando, por exemplo, o

diretor geral da Claus Porto, dá entrevistas falando de seu trabalho e da marca, isso também é

um texto de marca, logo, isso também faz parte do branding (O’Reilly, 2005, p. 582).

A Claus Porto, desde que foi adquirida pela empresa de capital de risco Menlo Capital,

vem passando por transformações com o objetivo de atingir o mercado de luxo num formato

pocket, ou seja, focado num pequeno segmento ou num nicho de mercado de luxo. Para isso, a

marca foi estrategicamente repensada e talvez ainda continue nesse processo até o presente.

Em pesquisa em dados públicos, principalmente online, o próprio diretor da marca, Francisco

Neto, fala que a marca Claus Porto é uma marca de nicho178, o que faz crer que antes da sua

administração, logo, antes da aquisição da marca pelo capital de risco, a marca não possuía

esse tipo de administração, pois não poderia ser considerada como uma marca de luxo, apesar

de seu posicionamento fora do segmento de massa.

De acordo com Dalgic e Leeuw, eles definem o marketing de nicho e, uma vez que

esse tipo de estratégia é endereçado ao mercado de nicho, a definição se adequa e também

caracteriza o que é um nicho de mercado “como o posicionamento em segmentos de mercado

homogêneos e pequenos, que foram ignorados ou negligenciados por outros. Este

posicionamento é baseado no conceito de marketing integrado e nas competências distintivas

que a empresa possui.” (1994, p. 42).179 Os mesmos autores continuam esmiuçando e

enumerando elementos característicos desse mercado, como: (1) posicionamento, (2)

lucratividade, (3) competências distintivas, (4) pequenos segmentos de mercado e (5) adesão

177 Tradução nossa. Citação original: “To say that brands are managerially constructed, and built by managers only, is to deny consumers a role in the making of their meanings (…).” (O’Reilley, 2005, p. 582). 178 “Aqui temos os ingredientes, temos todos os ingredientes para uma escala de nicho, seguramente de luxo, de nicho, de lifestyle para levar a Claus Porto a um patamar aonde nunca esteve.” (2016, on line, 31’16” – 31’28”) Disponível em: http://imagensdemarca.sapo.pt/im-a-brand-temas-especiais/im-a-brand-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. 179 Tradução nossa. Citação original: “We may conclude that niche marketing could be defined as positioning into small, profitable homogeneous market segments which have been ignored or neglected by others. This positioning is based on the integrated marketing concept and the distinctive competences the company possesses.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 42).

116

ao conceito de marketing.180 Além de outros elementos implícitos como: relações de longo

prazo e reputação da empresa.181 Os autores pontuam que fortes relações de longo prazo entre

marca e seu consumidor faz com que se possa criar uma barreira entre potenciais

competidores e sustenta a lucratividade a longo prazo, além reter consumidores e

fornecedores.182 Para isso três elementos são necessários para atingir esses benefícios: (1)

Identificar e construir um banco de dados de clientes atuais e potenciais, (2) Entrega de

mensagens diferenciadas a essas pessoas e (3) Rastrear cada relacionamento para monitorar o

custo de aquisição do consumidor e o valor do tempo de vida de suas compras.183 Aqui,

destaca-se o item dois no qual fala sobre a comunicação específica que se deve ter com o

consumidor de uma marca de nicho. Esse item é especialmente importante, pois, é onde entra

a analise da narrativa da marca para o seu rebranding e assim a justificação dela ter sido

repensada sob a luz mercadológica. Para o elemento denominado reputação, a característica e

o conceito de tradição que a marca possui e evoca como diferencial fazem parte da construção

da reputação da marca. Dalgic e Leeuw justificam a existência e crescimento do mercado de

nicho “como um resultado de uma forte concorrência em mercados maduros.” (1994, p.

46).184 É importante lembrar que a marca Claus Porto faz parte de um grupo, a Ach.Brito, no

qual possui mais duas marcas, a Ach. Brito e a Confiança, cada uma atuando em segmentos

de mercado diferentes, sendo eles o mercado de massa, o mercado premium (ou um mercado

intermediário), respectivamente e o mercado de luxo com a Claus Porto. Então, a estratégia

do grupo Ach.Brito em atuar em grandes mercados e em pequenos mercados, possui uma

estratégia interessante, no qual os autores corroboram dizendo que “a produção em massa

padronizada e a tentativa de vender o mesmo produto para massas de consumidores parecem

se tornar menos lucrativas nesses mercados maduros.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 46).185 E,

complementam que “o marketing de nicho, do ponto de vista das empresas maiores, pode ser

180 Tradução nossa. Citação original: “The previous definition addresses five essential elements of niche marketing: (1) positioning; (2) profitability; (3) distinctive competences; (4) small market segments; (5) adherence to the marketing concept.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 42-43). 181 Tradução nossa. Citação original: “Other essential elements not mentioned explicitly in this definition, although included, are long-term relationships and company reputation.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 43). 182 Tradução nossa. Citação original: “In niche marketing, long-term, strong relationships are key. (…). Through this win-win situation the niche marketer can build a barrier to deter potential competitors and sustain long-term profitability as well as customer retention and supplier relationships.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 43). 183 Tradução nossa. Citação original: “According to Copulsky and Wolf, the relationship marketing process incorporates three key elements: (1) Identifying and building a database of current and potential customers. (2) Delivering differentiated messages to these people. (3) Tracking each relationship to monitor the cost of acquiring the consumer and the lifetime value of his purchases.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 43). 184 Tradução nossa. Citação original: “Niche marketing has recently become a trend as a result of severe competition in mature markets.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 46). 185 Tradução nossa. Citação original: “Standardized mass production and trying to sell the same product to masses of consumers seems to become less profitable in these mature markets.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 46).

117

visto como uma venda grande através de uma venda pequena, ou seja, vender para o maior

número possível de mercados de nicho, onde cada nicho é um pequeno mercado agregado em

um grande.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 45).186 Assim como, atuar num mercado de nicho é

conseguir responder rapidamente as mudanças nesses pequenos mercados187, portanto o grupo

empresarial engloba estratégias para vários segmentos de mercado diferentes, garantindo

atuação em todos eles. Logo, a empresa Ach.Brito se insere em vários segmentos, no qual a

possibilidade de lucrar é intensificada, assim se mantendo no mercado como um todo.

4.3 Claus Porto: Luxo, Lifestyle e Perfume-arte

Conforme introduzido acima, a marca além de estar inserida no segmento de nicho

também está posicionada como uma marca de luxo, atualmente. Segundo Kapferer, existe um

uso indiscriminado da palavra “luxo” usado pelas empresas e, também, existe uma tendência

a confundir como sinônimos as palavras “luxury”, “fashion” e “premium”. O autor é taxativo

ao dizer que essas palavras denominam três maneiras totalmente diferentes de administrar

uma empresa (2014, p. 371).188 A Claus Porto, de certo modo, sempre se intitulou como uma

marca de luxo, pelo qual, tecnicamente falando, a marca não tinha todos os quesitos de uma

marca de luxo, de acordo com os parâmetros atuais de classificação. Para isso, Kapferer traz

um entendimento sobre o que faz de uma marca vir a ser uma marca de luxo. De acordo com

o autor, a estratégia do luxo, além de um alto nível de diferenciação, passa por um grande

desafio que é o do crescimento. Para isso, o autor faz uma contextualização do que significa

luxo na atualidade e o porquê o crescimento é um desafio para o setor, lembrando que o

respectivo artigo é do ano de 2014, Kapferer diz que: Luxo é um setor microeconômico que cresceu nos últimos 20 anos, lentamente estendendo sua base de

clientes para além dos happy few para os happy many, a chamada classe média. É por isso que esse

setor está crescendo rapidamente e atrai tanta atenção corporativa e da mídia. (...). O desafio das marcas

de luxo é determinar o que fazer com esse tsunami de demanda (2014, p. 372).189

186 Tradução nossa. Citação original: “Niche marketing, from the viewpoint of larger firms, may be seen as selling big by selling small, meaning selling to as many niches as possible, where each niche is a small market aggregating into a large one.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 45). 187 Tradução nossa. Citação original: “(…) niche marketing is more equipped to deal with the existing and rapid changing mini markets.” (Dalgic e Leeuw, 1994, p. 46). 188 Tradução nossa. Citação original: “Because the word ‘luxury’ has become fashionable, many companies use it, even if they are fashion houses or premium brands. However, ‘luxury,’ ‘fashion,’ and ‘premium’ are not substitutable; they refer to three totally different ways of managing a company.” (Kapferer, 2014, p. 371). 189 Tradução nossa. Citação original: “Luxury is a microeconomic sector that has grown over the past 20 years, slowly extending its customer base beyond the happy few to the happy many, the so-called middle class. This is

118

Grande parte dessa demanda advém dos países asiáticos, segundo Kapferer (2014, p. 372). O

autor também tece uma consideração que agrega à discussão sobre o luxo, no qual ele discute

que a crescente demanda, “(...) representa não uma democratização do luxo (através de preços

mais baixos), mas sim, uma democratização do desejo de luxo a preços elevados.” (2014, p.

372).190 Interessante perceber que essa fala de Kapferer se ajusta bem ao conceito de nicho

desenvolvida por Dalgic e Leeuw no quesito vender uma menor quantidade de produtos,

porém a preços mais altos, característica bem difundida do que significa atuar num mercado

de nicho. Porém, o dilema das marcas de luxo em não atender a crescente demanda é

justamente o que as caracterizam como marcas de luxo. Conforme Kapferer diz que: (...), as marcas de luxo representam muito mais do que produtos, independentemente de seu

desempenho. Elas refletem o gosto das elites. Ao se estender dos poucos felizes (Happy few) aos muitos

felizes (Happy many), as marcas de luxo passaram do comum das pessoas extraordinárias ao

extraordinário das pessoas comuns. Como consequência, o primeiro desafio para as marcas de luxo é

encontrar uma maneira de crescer e, ao mesmo tempo, atrair consumidores extraordinários, aqueles que

garantem a desejabilidade da marca no longo prazo (2014, p. 373, grifo nosso).191

Kapferer também levanta outra questão que ocorre com o aumento da demanda, esse fato faz

com que aumente a concorrência por causa desse crescimento de demanda por produtos

diferenciados e com alta qualidade. Esses novos consumidores em sua maioria pertencem a

classe média, portanto sendo novos consumidores nesse mundo do luxo. Muitas vezes esses

novos consumidores não possuem um profundo conhecimento de marcas de luxo tradicionais,

desconhecendo sua hierarquia, logo, sendo facilmente seduzidos por marcas com menor

tradição dentro do setor de luxo. Além desses fatores, existem questões a serem pensadas na

falta de diferenciação nos produtos e discursos entre marcas de luxo tradicionais e marcas de

luxo recentes, assim como as experiências de compra serem semelhantes (Kapferer, 2014, p.

373).

O grande paradoxo das marcas de luxo é crescer sem perder seu alto conteúdo

simbólico. Para isso, essas marcas “devem lembrar aos consumidores suas raízes lendárias, a

história mítica que os diferencia. Enquanto as celebridades são uma forma de moda, o luxo

não pode ser efêmero. Em vez disso, ele fornece uma ponte entre o passado e o futuro.”

why this sector is growing fast and captures so much corporate and media attention. (…). The challenge for luxury brands is determining what to do with this tsunami of demand.” (Kapferer, 2014, p. 372). 190 Tradução nossa. Citação original: “(…), which represents not a democratization of luxury (through lower prices) but rather a democratization of the desire for luxury at high prices.” (Kapferer, 2014, p. 372). 191 Tradução nossa. Citação original: “In contrast, luxury brands represent much more than products, regardless of their performance. They reflect the taste of elites. By extending from the happy few to the happy many, luxury brands moved from the ordinary of the extraordinary people to the extraordinary of the ordinary people. As a consequence, the first challenge for luxury brands is finding a way to grow while still appealing to extraordinary consumers, those who ensure the longterm desirability of the brand.” (Kapferer, 2014, p. 373).

119

(2014, p. 373), fala que Kapferer defende. O autor enumera outras características do luxo

como: constante aumento do seu preço médio, limitado acesso aos seus itens de luxo

mantendo sua raridade e sofisticação, através de edições limitadas, de produção de poucas

quantidades e artigos sob encomenda, lealdade de marca, conhecimento sobre sua história e

sobre seus produtos, crença nos seus valores intangíveis e no seu alto significado simbólico

(Kapferer, 2014, p. 373). Para ilustrar o nível de significado simbólico destaca-se a fala

pertinente da perfumista Lyn Harris: Acho que às vezes não experimentamos a verdadeira beleza, experimentamos o marketing, vivenciamos

um mundo comercial e na verdade a verdadeira beleza de um cheiro incrível e, o que isso faz, é uma

experiência eufórica que para mim é... não é uma vaidade, é algo que é muito bonito e todos deveriam

experimentar.192

Todas essas abordagens levantadas por Kapferer se encaixam com a realidade da

marca Claus Porto. O autor também fala sobre marcas de tradição no luxo fazerem segundas

marcas, nas quais proporcionam ainda seu nome, porém a preços mais acessíveis. Isso protege

a marca principal de uma democratização, porém, ainda alcançando a crescente demanda

mencionada através dessas marcas secundárias (Kapferer, 2014, p. 373). No desenvolvimento

da marca Claus Porto, de alguma forma isso vem sendo feito, uma vez que o grupo Ach.brito

possui marcas que atuam em três frentes no mercado, conforme já mencionado anteriormente.

Outra questão que o autor aborda e, também, se adequa a Claus Porto é sobre a mudança de

sua administração de origem familiar, local e focada em uma administração realizada pela

empresa de capital de risco Menlo Capital. Kapferer deixa isso bem claro em sua declaração: No passado, as empresas de luxo eram empresas familiares, principalmente locais, com foco em um

produto principal. Hoje, o luxo é administrado por grupos, totalmente globais, com foco no varejo e

com o compromisso de expandir e diversificar o alcance da marca, abandonando a raridade e, às vezes,

até mesmo se deslocalizando (2014, p. 374).193

Nessa declaração e pensando no esforço da marca Claus Porto em se inserir no mercado de

luxo, a questão acerca da falta de raridade pode se configurar em uma fragilidade, pois

distancia a marca de seu objetivo que é se tornar uma marca de luxo. Kapferer fala que a

figura central para justificar a reprodução é o artesão, pois, este possui um discurso ideológico

192 Tradução nossa. Citação original: “I think sometimes we don't experience true beauty, we experience marketing, we experience a commercial world and actually the true beauty of an amazing smell and what it does feels a euphoric experience that for me is... it's not a vanity, it's something that is quite beautiful and everyone should experience.” (Sousa, 2017, 6’53”- 7’19”). 193 Tradução nossa. Citação original: “In the past, luxury firms were family businesses, mostly local, with a focus on the core product. Today, luxury is managed by groups, fully global, with a focus on retail and a commitment to expand the brand’s range and diversify, thus abandoning rarity and sometimes even relocating.” (Kapferer, 2014, p. 374).

120

de que seus produtos são feitos a mão, de acordo com técnicas antigas e bem cuidadas (2014,

p. 374). Esse tipo de ideia é obtida pela marca através de sua constante menção a sua tradição

na sua área industrial que é o fabrico de sabonetes de alta qualidade e perfumaria fina, em seu

espólio artístico através de suas embalagens que foram confeccionadas à mão por artistas-

artesãos de várias épocas, pelo seu processo de fabricação que ainda se mantém fiel aos seus

muitos anos de existência, tendo foco em pouca quantidade para manter qualidade,

embalamento feito à mão que é uma tradição dentro da marca até hoje. E, para intensificar

todos esses cuidados, a assinatura de uma mestre perfumista para reavivar a parte de

perfumaria da marca. O ethos amplamente proclamado pela perfumista Lyn Harris se adequa

perfeitamente também a essa questão levantada por Kapferer. Ele esclarece que: Artesãos são mestres da tekhnè, a arte da reprodução artesanal de objetos finos de acordo com

conhecimentos específicos. Eles devem ser leais a um modelo. Certamente, os artesãos devem aprender

a ser criativos ao atender pedidos especiais - como trazer estética e exclusividade aplicadas a produtos

funcionais para um único cliente. 194

A estratégia que Kapferer discute em seu artigo para resolver a equação luxo versus

crescimento é transformar uma marca numa espécie de guardião da arte e também da

artesania. Fazendo com que marcas de luxo tradicionais virem galerias de arte além de lojas

de varejo, ajudando a promover e lançar novos artistas de acordo com sua localização. O

nome dessa estratégia é artificação (2014, p. 374). De acordo com o autor, existe uma

histórica relação entre luxo e arte através dos tempos, com momentos em sintonia e em outros

em oposição. Ambos, luxo e arte se renovaram através do tempo, porém, ainda mantendo uma

característica: tanto a arte como o luxo precisam do suporte e proteção de uma poderosa elite

(Kapferer, 2014, p. 374-375). E, especificamente sobre a arte, segundo o autor: “Arte é aquilo

que é consagrado como tal pelas instituições de arte.” (2014, p. 375).195 Kapferer fala que o

primeiro a implementar a artificação foi Andy Warhol, artista que não tinha problema em ver

sua arte como uma artística reprodução técnica. Assim como o artista não via problema em

monetizar sua arte com valores altos. Enumera também outros artistas, como Jeff Koons,

Damien Hirst, Stephen Sprouse e outros, que emprestaram seu nome e fama, estreitando arte e

negócios, através das marcas de luxo (Kapferer, 2014, p. 375). A estratégia da artificação

endossa e justifica o luxo através do modo que agrega preciosismo, profundidade e cultura.

194 Tradução nossa. Citação original: “Artisans master the tekhne`, the art of handmade reproduction of fine objects according to specific know-how. They must be loyal to a model. Certainly, artisans must learn how to be creative when filling special orders–—how to bring aesthetics and uniqueness applied to functional products for a single client.” (Kapferer, 2014, p. 374). 195 Tradução nossa. Citação original: “Art is that which is consecrated as such by institutions of art.” (Kapferer, 2014, p. 375).

121

Não é somente uma questão de dinheiro e poder aquisitivo para pagar, o alvo é a elite cultural

(Kapferer, 2014, p. 375). Portanto, é também uma questão de conseguir alcançar intelectual e

culturalmente os componentes intangíveis e simbólicos da junção do luxo com a arte.

Kapferer esclarece que: Como a indústria do luxo subsidiou a arte, ajudando os artistas a trabalhar, parece razoável que a

indústria espere algo em troca. A arte pode trazer ao luxo um endosso moral e estético muito

necessário, conotações não comerciais e uma legitimação paradoxal de seus altos preços. A artificação

ajuda este setor a minimizar a motivação da estratificação social da demanda do consumidor e fomentar

motivações mais humanísticas, como a elevação por objetos que condensam o trabalho de artistas

altamente talentosos, tradição e cultura, arte e criatividade e atemporalidade. Essas motivações

justificam o desejo das pessoas de possuir esses objetos: elas querem acesso à beleza e profundidade,

uma justificativa bem-vinda por esta indústria. Como a arte é o ápice da atividade humana, associar

marcas de luxo a ela pode ajudar a sustentar a lacuna entre marcas de luxo e novos concorrentes ou

marcas que imitam os códigos de luxo. A arte reforça sua autoridade simbólica.196

Interessante notar que no caso da Claus Porto, o uso da arte, no momento aqui estudado,

parece estar ainda começando. A flagship store no Porto possui um museu da marca, abriga

exposições sobre sua rica comunicação visual, além de detalhes manuais, como um lacre feito

à mão e processo de embalamento manual de alguns produtos, cartões postais pintados com a

técnica à guache pela diretora criativa da marca, um livro em comemoração aos 130 anos da

Claus Porto, a confecção de um perfume em edição limitada e numerada assinada pela mestre

perfumista Lyn Harris, entre outros. Todos esses códigos exemplificam a tradição,

atemporalidade, universalidade, cultura, capital simbólico e um certo grau de moralidade para

justificar os altos preços, além de serem características de estratégias de artificação como

prega Kapferer (2014, p. 379). Para isso, a marca justifica a ideia de elevar a experiência do

consumidor e da “não-venda”197, que segundo a diretora de comunicação e relações públicas

Maria João Nogueira Mendes declara em artigo on line, ela continua dizendo que:

196 Tradução nossa. Citação original: “Because the luxury industry has subsidized art, helping artists work, it seems reasonable for the industry to expect something in return. Art can bring luxury a much needed moral and aesthetic endorsement, noncommercial connotations, and a paradoxical legitimization of its high prices. Artification helps this sector downplay the social stratification motivation of consumer demand and foster more humanistic motivations, such as elevation by objects that condense highly talented artists’ work, tradition and culture, art and creativity, and timelessness. These motivations justify people’s desire to possess these objects: They want access to beauty and depth, a justification welcomed by this industry. Because art is the apex of human activity, associating luxury brands with it can help sustain the gap between luxury brands and new competitors or brands that imitate the codes of luxury. Art reinforces their symbolic authority.” (Kapferer, 2014, p. 375) 197 Disponível em: https://eco.sapo.pt/2018/03/09/10-mandamentos-de-luxo-segundo-a-claus-porto/, acessado em 05 de Agosto de 2020. (Barbosa, 2018, primeiro parágrafo).

122

Em luxo, a melhor forma de chegar aos consumidores é deixá-los vir até nós. Por isso, no final do dia

são os nossos consumidores que nos escolhem a nós. Porque se identificam com a marca, com os seus

valores e com o estilo de vida que ela representa.198

No mesmo artigo a diretora de comunicação evidencia o contexto aqui levantado sobre

tradição, marca de luxo e nicho de mercado, ela diz: É praticamente impossível criar uma marca de luxo de um dia para o outro. Porque uma marca de luxo

é diferente de qualquer outro tipo de marca: tem que conciliar substância e status, ou seja, tem que

contribuir para a identidade do consumidor. Sendo que a substância provém da história e da

artesanalidade, as quais levam tempo a criar. Daí o tempo ser, hoje em dia, a quintessência do luxo.

Imagem 36. Primeiro andar, ao fundo, da flagship store no Porto, dedicado à barbearia e à experimentação da linha de cuidados corporais. Disponível em: https://www.nit.pt/wp-content/uploads/2017/06/aa23a938e4cf7fe5cb93a3fc712c3d6e-754x394.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021.

Imagem 37. Segundo andar da flagship store da Claus Porto, dedicado ao acervo histórico da empresa. Disponível em: https://clausporto.com/media/wysiwyg/ClausPorto_-_062_3_1.jpg, Acessado em 24 de Setembro de 2021.

198 Disponível em: https://eco.sapo.pt/2018/03/09/10-mandamentos-de-luxo-segundo-a-claus-porto/, acessado em 05 de Agosto de 2020. (Barbosa, 2018, primeiro parágrafo).

123

Imagem 38. Último andar da flagship store no Porto, dedicado a realização de workshops sobre perfumes e sabonetes. Disponível em: https://clausporto.com/media/wysiwyg/ClausPorto---091.jpg, acessado em 24 de Setembro de 2021. A corroborar com a posição da Claus Porto como uma marca de nicho, especificamente

dentro do setor da perfumaria, o artigo do portal Business of Fashion tece algumas

considerações que se destacam sobre as características que pontuam o mercado de nicho na

perfumaria, assim como evidencia o crescente movimento para o consumo de perfumes de

nicho, em virtude de uma mudança no interesse do consumidor, fazendo com que o mercado

de massa da perfumaria esteja em declínio momentâneo. Essas constatações tiveram como

fonte a pesquisa de mercado da empresa NPD Group. Logo, é um mercado que parece possuir

uma tendência ao crescimento. Salienta-se algumas falas: Os números indicam que a preferência do consumidor mudou para marcas de nicho, que adicionaram

quase um quarto de bilhão de dólares ao mercado nos últimos três anos, de acordo com a NPD. Esses

aromas artesanais geralmente apresentam ingredientes mais concentrados e naturais, geralmente são

vendidos em lojas pequenas ou independentes e têm menos probabilidade de serem comercializados ou

endossados por celebridades.199

199 Tradução nossa. Citação original: “The numbers indicate that consumer preference has shifted towards niche brands, which has added nearly a quarter of a billion dollars to the market in the past three years, according to

124

As fragrâncias de nicho tendem a focar mais na originalidade do perfume, em ingredientes naturais e

um ‘suco’ de alta qualidade, fazendo com que durem mais na pele. Eles também oferecem uma coleção

de fragrâncias e investem em serviços, em vez de marketing. Os links com celebridades estão fora e a

qualidade do produto, em alta.200

Nesse cenário, é importante ressaltar a questão do rebranding novamente, uma vez que a

Claus Porto já possui uma marca. Desde sua aquisição pela empresa de capital de risco, o que

vem acontecendo é uma reformulação a atender a nova estratégia de negócios dos novos

administradores de modo que enalteça o natural e rico capital simbólico da empresa a fim de

maximizar o seu potencial como marca, especificamente dentro do setor de luxo, conforme

falado pelo seu diretor geral, em artigo on line: Hoje, em que as embalagens pintadas à mão voltaram a estar nas prateleiras e as colónias são embaladas

em frascos Atlantis, Francisco Neto posiciona a marca dentro do chamado “luxury lifestyle”, um luxo

para ser usado no dia-a-dia, um estilo de vida. “Com as velas em casa, com os produtos para a barba,

com os presentes que se levam para casa de amigos, queremos que a marca entre na vida das pessoas”,

resume.201

Do ponto de vista do branding é evidente e declarado o trabalho da marca em aprofundar seus

valores de marca e reforçar sua imagem como uma marca distinta, com história, com origem e

de luxo, porém acrescendo o conceito de cultura, do já mencionado autor Raymond Williams,

no qual fala que cultura é o ordinário e são jeitos particulares de se viver202, também, fica

claro em O’Reilly, o qual é taxativo dizendo que toda marca é cultural e que a aproximação

entre negócios e cultura é crescente (2005, p. 582-583). Portanto, uma das dimensões

culturais que a marca possui, se expressa através do proclamado “luxury lifestyle”, visto que

ela articula meios de entrar e participar da vida ordinária do consumidor, colocando sua marca

no trivial ato de lavar as mãos, tomar banho, se perfumar, entre outros aspectos da higiene e

cuidados pessoais.

NPD. These artisanal scents often boast more concentrated and natural ingredients, are usually sold in small or independent boutiques and are less likely to be heavily marketed or endorsed by celebrities.” Disponível em: https://www.businessoffashion.com/articles/news-analysis/designer-fragrances-cues-niche-market, acessado em 14 de Dezembro de 2020. (Shannon, 2017, quinto parágrafo). 200 Tradução nossa. Citação original: “Niche fragrances tend to focus more on the originality of the scent, natural ingredients and higher quality ‘juice’ making them last longer. They also typically offer a collection of fragrances, and invest in service rather than marketing. Celebrity links are out, and product quality is in.” Disponível em: https://www.businessoffashion.com/articles/news-analysis/designer-fragrances-cues-niche-market, acessado em 14 de Dezembro de 2020. (Shannon, 2017, sétimo parágrafo). 201 Disponível em: https://observador.pt/2016/09/30/cheira-bem-cheira-a-primeira-loja-da-claus-porto/, acessado em 15 de Setembro de 2020. Oitavo páragrafo. 202 Tradução nossa. Citação original: “(…) culture is description of a particular way of life, which express certain meanings and values not only in art and learning but also in institutions and ordinary behavior (…) is a clarification of the meanings and values implicit and explicit in a particular way of life, a particular culture.” (Williams, 1961[1975], p. 57).

125

5 CONCLUSÃO

O olfato é um sentido pouco conhecido ainda pela ciência, esse fato reverbera na vida

cotidiana, na qual o olfato é considerado um sentido de menor expoente. Em virtude de suas

características invisíveis e emocionais, o olfato não possui tanto vulto como estímulo para a

criação de produtos, nesse sentido o perfume é um de seus maiores exemplos no qual o

sentido do olfato possui destaque. Uma vez que é um produto que faz parte do viver cotidiano

e da intimidade de muitos indivíduos na contemporaneidade, pode-se pensar que o perfume é

um objeto dotado de simbologias e significados de usos, sendo então um objeto cultural e um

documento, de acordo com os preceitos de Williams (1961[1975]). Nesse sentido, a nova

narrativa ministrada pela marca Claus Porto a seus perfumes converge para um entendimento

bem focado no legado tradicional da marca por seus mais de 130 anos de história. A questão

da tradição é enaltecida frequentemente nos achados em pesquisa de artigos sobre os

lançamentos e mudanças em decorrência do rebranding da marca, perpetrados pelos novos

acionistas majoritários e administradores da empresa, a capital de risco portuguesa Menlo

Capital, a fim de justificar o seu novo posicionamento de mercado – lifestyle de luxo, no qual

diz muito sobre o processo de ampliação de seu mix de produtos. E, é aqui que o lançamento

dos perfumes se enquadram, pois a ideia é que a marca se intensifique dentro da vida das

pessoas, o que deixa muito claro o que O’Reilley fala sobre uma marca fazer parte da cultura.

O intento da presente investigação foi entender como um perfume e a marca Claus

Porto associaram questões nacionais e urbanas à sua narrativa e ao próprio produto. Os novos

perfumes lançados pela Claus Porto possuem inspiração em lugares nos quais a perfumista

Lyn Harris e a diretora criativa Anne-Margreet Honing visitaram em uma road trip com o

objetivo de conhecer Portugal. A conclusão que se chega decorrente da relação empírica do

método pessoal da perfumista Lyn Harris para o desenvolvimento de seus perfumes

comungada com os métodos científicos de ambos os autores, nomeadamente, Careri e

Canevacci que elaboram formas de entendimento do espaço urbano. Portanto, o método

empírico pessoal da perfumista se articula com os métodos de inspiração etnográficos dos

autores, possuindo vários pontos de congruência.

Para se chegar a essa conclusão fez-se um movimento inverso, buscou-se fontes

públicas on line, da ocasião do lançamento dos perfumes para concluir que a perfumista, de

fato, possui um método empírico, no qual ela cheira e lê os lugares, da caminhada para

inspirar-se de modo mais geral e para coleta de inspirações olfativas, principalmente, em

126

jardins e na escolha de paisagens. De acordo com esse levantamento sobre a perfumista fica

claro sua forma cuidadosa e pessoal de criação. Os artigos que falam sobre ela transparecem

um ethos que se repete e que aparece na comunicação da marca sobre o processo de

desenvolvimento dos perfumes, sendo explícito nos vídeos institucionais da Claus Porto sobre

os perfumes. Portanto, a escolha dos autores Canevacci e Careri foi com o propósito de

perceber se, de fato, a perfumista se enquadraria nesse tipo de método de inspiração

etnográfico proposta pelos autores, o que aconteceu.

Também, foi pensado sobre o fato da perfumista ser uma inglesa que no levantamento

das fontes pareceu não possuir um estreitamento com Portugal, ser capaz de entender

olfativamente o país e suas paisagens. Nesse quesito, Canevacci ajudou a perceber um olhar

quase virgem sobre uma experiência e, um informante das fontes públicas também forneceu

um depoimento favorável a perfumista, uma vez que ela é uma profissional treinada para

cheirar e detectar cheiros e que o olhar estrangeiro faz ver de modo mais frugal os

acontecimentos e os novos estímulos em sua volta, diferente dos naturalizados com o lugar já

tão familiarizados com seu entorno. Canevacci também ajuda a entender como é possível

fazer a leitura do urbano num atual contexto fragmentado, o que suscita que precisa-se ler

esse urbano fragmentadamente, com uma ideia de “zoom in” e “zoom out” para compreender

o todo que se apresenta como um patchwork de informações. Esse é um dado que a

perfumista faz em seu método pessoal, ela escolhe um lugar e uma maneira de interagir e

colher o que ela precisa para o seu trabalho. A construção do entendimento de Portugal foi

feita dessa forma, através de lugares escolhidos, algumas cidades, como Porto e Lisboa, e do

resto as imersões foram em lugares inóspitos, meio selvagens e inabitados.

Outro ponto que se destacou no método autoral da perfumista, amplamente destacado

no desenvolvimento dos perfumes para a Claus Porto e que possui relação com a teoria, é a

importância da paisagem-imagem ser um objeto de percepção estética para Lyn Harris. Esse

fragmento simbólico de lugar faz parte de uma construção de linguagem muito específica para

a perfumista criar, o que vem de encontro com a linguagem mítica de Barthes (1957[2001]) e

da construção de um objeto estético através de uma paisagem-imagem de Grinover (1971),

assim como com a ideia de espaço mítico de Tuan (1977[1983]). Essa linguagem mítica

também acontece no próprio processo da Claus Porto como marca, pois, ambas as coisas estão

interligadas. O que pode-se pensar que a perfumista constrói um lugar mítico através de sua

arte autoral, no qual o resultado é um perfume. Ela preenche possíveis lugares “semi-vazios”

em lugares ressignificados e, de certa forma, materializados, mesmo que invisível, num cheiro

que ela cria e esse cheiro resulta num produto-perfume.

127

O processo de transformar um espaço genérico num lugar simbólico foi demonstrado

de duas formas: para o contexto urbano que se relaciona com a imersão da perfumista no

Jardim Botânico de Lisboa, na qual foi verificada através das fontes públicas, seja em textos

jornalísticos, como também em vídeos institucionais da Claus Porto, que promovem os

perfumes de modo sofisticado e artístico. A segunda maneira, é entendendo o vídeo principal

institucional da marca que fala sobre o perfume de edição limitada – Claus Porto Le Parfum –

pois, este foi o início da parceria entre a Lyn Harris e a Claus Porto e esse vídeo foi o registro

da road trip da perfumista com a diretora criativa para fazer uma imersão no país. Então, uma

análise é mais específica sobre o recorte do trabalho – a colônia inspirada em Lisboa - para

aprofundamento da análise do processo da perfumista e, o outro é para entender o começo

dessa jornada, pois, ambos os desenvolvimentos dos perfumes estão entrelaçados. Para essa

contextualização traça-se um raciocínio com os constructos de Cacciari (2004[2009]), Meyer

(2000), Fresca (2011), Augé (1992[2005]), Corrêa (1989), Schulz (2008), Carlos (2007),

Forgiarini (2014), Tuan (1977[1983]) para pensar o que é uma metrópole, espaço urbano e

lugar na atualidade.

Uma problemática levantada através das fontes públicas foi a inconsistência com

relação ao conhecimento da marca Claus Porto pelos portugueses. Parece que o próprio país

não possui uma proximidade grande com a marca, inclusive sendo admitido pelo próprio

diretor geral da empresa que atua agora. Portanto, deixando claro que é necessário melhorar o

seu valor de marca para gerar mais lealdade. A questão aqui não é somente a conversão em

venda, mas de fazer a marca mais forte e com seu conhecimento maior dentro de seu próprio

país de origem. Uma ação que a Claus Porto fez e leva a crer que pode ser um dos intuitos

para minimizar essa lacuna, foram as inaugurações de lojas próprias no país. Todos esses

pontos, claramente, segundo a relação com o gerenciamento de marca proposto por Aaker,

esclarece a adoção de estratégias para obter esses resultados.

Uma fala recorrente constatada pelos atores principais da empresa é a questão da

tradição, do tempo de existência da marca, de seu espólio histórico, de sua autenticidade e, de

sua ideia de qualidade, artesania e de cuidado com os detalhes. A Claus Porto possuía já todas

essas características mais parece que faltava recursos para a ampliação da comunicação e de

distribuição, a fim de expor, demonstrar e endossar todas essas qualidades intangíveis e

tangíveis. Para ser uma marca de luxo, a marca precisava possuir os signos de luxo da

contemporaneidade de um mundo globalizado. Todo esse conjunto de aspectos fazem parte

do gerenciamento, do brand equity, de Aaker e apesar desse conceito ter aparecido por volta

dos anos 90 do Século XX, ele ainda ajuda a promover a administração das marcas. Outro

128

momento é a articulação com conceitos de marketing de nicho e do luxo, sendo utilizado o

conceito de artificação de Kapferer que, também, ajudaram a entender em maiores detalhes o

novo posicionamento da Claus Porto.

O aspecto de branding sensorial de Lindstorm, pela opinião da autora do trabalho,

parece não estar devidamente explorado pela marca. A marca não deixa de fazer um branding

sensorial uma vez que seus produtos são multissensoriais por natureza, porém, isto é muito

óbvio. A Claus Porto se enfoca no seu passado e espólio histórico e os enaltecem de modo

adequado e pertinente. Porém, talvez um fator de ousadia para promover maior diferenciação

dentre seus concorrentes seja algo interessante a ser considerado pela marca, pois, pode

causar mais visibilidade para a Claus Porto e que, também, pode estreitar o relacionamento

com o seu consumidor. Aliás, a comunicação com o seu consumidor, também, parece, pelo

menos na ocasião da investigação, não muito explorada. Sobre isso, não ficou claro se essa é

uma estratégia da marca ou é um potencial não ou pouco explorado. A autora chama atenção

para algumas possibilidades potenciais que podem estar sendo pouco explorada pela marca.

Lembrando que associar sensações, despertando memórias que despertam emoções para uma

elite ávida por transcendência e experiência é uma possibilidade que pode ser melhor

articulada pela marca, ajudando ainda mais a sua autenticidade e história, pois, enaltece mais

ainda seus ativos intangíveis tão importantes para o segmento de luxo.

Necessário perceber que as fontes foram somente de origem indireta, não houve

entrevistas em profundidade com nenhum dos principais atores dessa transformação na marca,

nem com seus consumidores para entender suas percepções sobre a marca e seus produtos.

Salienta-se que houve uma tentativa de comunicação, porém a marca não se mostrou muito

aberta; atitude essa que passa uma sensação de distância, de pouca abertura e de uma certa

falta de transparência. Interessante notar que o conceito de distanciamento, atrelado ao luxo e

a tradição, deve ser focado ao seu produto (no sentido de ser um produto especial) e

storytelling, não é prudente dentro do processo de comunicação institucional. O pouco que foi

fornecido pela marca através de sua relações públicas, foi um press release das colônias,

vídeos e algumas imagens das colônias. Muitas vezes dentro dos portais institucionais on line

de marcas de luxo ou não são disponibilizadas sem haver a necessidade de pedido prévio, ou

então, possui algum tipo de canal de comunicação mais direto para a imprensa ou terceiros,

por exemplo. Conforme exposição no e-mail, fica explícito um certo caráter de desconfiança,

pois, foi necessário uma longa conversação para a disponibilização de um simples material já

confeccionado para a imprensa e para a obtenção de uma fração do perfume estudado, com o

intuito de apresentar a banca na defesa da dissertação. Também foi perguntado para a relações

129

públicas da marca se havia a possibilidade de entrar em contato com algum indivíduo do

marketing da marca para obter maiores detalhes, mas também não foi possível. Houve

tentativas pregressas de comunicação com a empresa através de um contato fornecido em loja,

por uma colaboradora e, não foi obtido nenhuma resposta. A impossibilidade de mais

informações e detalhes sobre o processo de desenvolvimento dos perfumes fez com que as

fontes jornalísticas e vídeos institucionais on line fossem além de fontes, também, o corpus de

análise, pois, nesses materiais foi possível extrair falas dos principais atores da marca. De

qualquer forma, apesar da dificuldade de comunicação, a empresa tentou de alguma maneira

fornecer o solicitado, porém, enfatizo que numa era comunicacional onde a transparência,

fluidez e rapidez ganharam tamanha importância, esse proceder pode vir a causar um

desconforto em sua comunicação e reputação como marca. Se a construção de marca,

atualmente, se usa de relações com as características humanas, a Claus Porto, pode não ser a

“marca-pessoa” mais simpática e acessível.

Com relação ao perfume criado – 2 Agua Geranium – na minha percepção e avaliação

o perfume mostra uma ideia de gerânio trabalhado de uma forma tradicional. O gerânio dentro

da perfumaria fina é, comumente, considerado uma nota floral utilizada para perfumes

voltados para o público masculino. Pelo meu olfato, o perfume trata-se de um fougère, família

olfativa, também, muito voltada para perfumes masculinos. Porém, a perfumista, imprimi na

composição uma nuance vibrante, quase efervescente na fragrância que faz com que a

virilidade seja minimizada, sendo possível ser considerado como unissex, conforme a marca o

classifica. Outras notas que se destacam bastante para mim são o vetiver, musgo e a

bergamota. Confesso que essa notas, para o meu olfato, aparecem mais que o próprio gerânio.

Consigo detectar algo floral, mas não é tão evidente. Possui, de fato, qualidade: as notas são

muito vivas e facilmente saltam e mudam ao seu nariz. Não é uma fragrância estática, cada

hora é possível perceber nuances diferentes do perfume. Especificamente, eu tive a

oportunidade de estar no Jardim Botânico de Lisboa num momento de rega do jardim e esse

perfume me faz pensar nesse momento, pois era um dia quente, bem ensolarado e o cheiro de

plantas e terra úmida era bem intenso. É um bonito perfume que dá uma sensação de folha,

terra úmida e madeira, com um frescor proporcionado por uma chuva de verão.

Por tudo exposto, seria relevante aprofundar a análise fazendo uma investigação

continuada através de uma pesquisa qualitativa através de entrevistas em profundidade, com

questionários semi-estruturados para pensar sobre o que o outro lado diz sobre detalhes que

não são mencionados no levantamento de fontes públicas, como por exemplo: em algumas

fontes são mencionados sobre fragrâncias no espólio histórico da empresa, porém, não existe

130

maiores informações sobre isso, o que faz se ter algumas possíveis questões: quais são

exatamente essas fragrâncias? Elas participaram de alguma forma na criação dos perfumes

pela Lyn Harris? Existem fórmulas de perfumes guardadas na empresa para pesquisa? Em

uma fonte pesquisada foi mencionado nos primórdios da empresa a atuação de um perfumista,

porém, sem maiores detalhes, seria interessante possuir mais dados com relação a esse fato,

pois, pode colaborar com o entendimento em mais detalhes sobre a relação específica entre a

marca e suas criações perfumísticas. A ampliação do estudo pode fazer vir a luz como as

marcas tradicionais se usam de aspectos culturais para se tornarem críveis e justificáveis para

os seus consumidores e para seu posicionamento e sustentabilidade no mercado. Também

serve para entender como essas marcas centenárias se renovam, se globalizam e se adequam à

contemporaneidade. Seria também interessante, talvez, elaborar melhor o processo de criação

da perfumista, o estruturando melhor, uma vez que possui sim, possibilidade de vir a ser um

método qualitativo de criação de perfumes, um método então, analógico, em meio a uma

tendência dentro da perfumaria em usar sistemas automatizados para concepção de perfumes

(inteligência artificial); esses pontos parecem boas articulações para pensar perfumaria na

atualidade. Também, outra possibilidade é estudar a recepção dos consumidores sobre essas

mudanças, perceber sua apreciação e apropriação dos perfumes frente ao esforço da marca em

sua mudança de narrativa e comunicação visual.

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138

APÊNDICE A

Através de comunicação pessoal, via e-mails, no período de 07 de Agosto a 12 de Agosto de

2020 com a empresa Claus Porto, foi obtido um press release, vídeos e imagens sobre a linha

de colônias da marca, fornecido pela relações públicas, Mariana Pedrosa (Apêndice A e B). A

seguir, são disponibilizados as capturas de tela desses documentos para apreciação (Apêndice

C) e fotos do folheto fornecido pelo Jardim Botânico de Lisboa (Apêndice D).

Esse material está disponibilizado, também, digitalmente. No link encontram-se: 1.

Press release da linha de colônias da Claus Porto; 2. Vídeos: The Full Picture e teaser e

vídeos de um minuto sobre cada colônia da linha; 3. Comunicação pessoal via e-mail entre a

autora e a relações públicas da Claus Porto, Mariana Pedrosa. 4. Imagens da colônia Agua

Geranium.

Link: https://drive.google.com/drive/folders/13sYl9wZ-

IDWNfK8FfouM4pFJyNDUVura?usp=sharing

No Apêndice A estão as capturas de tela do press release.

Apêndice A-1. Captura de tela_página 1_Press release Claus Porto.

139

Apêndice A-2. Captura de tela_página 2_Press release Claus Porto.

140

Apêndice A-3. Captura de tela_página 3_Press release Claus Porto.

141

Apêndice A-4. Captura de tela_página 4_Press release Claus Porto.

142

Apêndice A-5. Captura de tela_página 5_Press release Claus Porto.

143

Apêndice A-6. Captura de tela_página 6_Press release Claus Porto.

144

Apêndice A-7. Captura de tela_página 7_Press release Claus Porto.

145

Apêndice A-8. Captura de tela_página 8_Press release Claus Porto.

146

Apêndice A-9. Captura de tela_página 9_Press release Claus Porto.

147

Apêndice A-10. Captura de tela_página 10_Press release Claus Porto.

148

Apêndice A-11. Captura de tela_página 11_Press release Claus Porto.

149

APÊNDICE B Capturas de tela do e-mail trocado com a relações públicas da marca Claus Porto, Mariana

Pedrosa, no período de 07 a 12 de Agosto de 2020.

Apêndice B-1. Captura de tela_página 1_E-mail Claus Porto.

150

Apêndice B-2. Captura de tela_página 2_E-mail Claus Porto.

151

Apêndice B-3. Captura de tela_página 3_E-mail Claus Porto.

152

Apêndice B-4. Captura de tela_página 4_E-mail Claus Porto.

153

Apêndice B-5. Captura de tela_página 5_E-mail Claus Porto.

154

APÊNDICE C Capturas de tela das imagens e vídeos cedidos pela marca Claus Porto, via e-mail, através da

relações públicas da marca, Mariana Pedrosa.

Apêndice C-1. Imagens da colônia Agua Geranium cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

155

Apêndice C-2. Imagens dos vídeos de um minuto da linha de colônias, cedidos pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C-3. Imagens dos vídeos The Picture – teaser e full video cedidos pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

156

Apêndice C – 4. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 5. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 6. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

157

Apêndice C – 7. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 8. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 9. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

158

Apêndice C – 10. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 11. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 12. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

159

Apêndice C – 13. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 14. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 15. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

160

Apêndice C – 16. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 17. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

Apêndice C – 18. Imagens Still cedidas pela Claus Porto através da relações públicas da marca, Mariana Pedrosa, via e-mail.

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APÊNDICE D Fotos do folheto fornecido pelo Jardim Botânico de Lisboa.

Apêndice D – 1. Foto das páginas de rosto e de trás do folheto.

Apêndice D – 2. Foto das páginas internas do folheto.

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Apêndice D – 3. Foto da página que mostra o mapa do Jardim Botânico de Lisboa.

Apêndice D – 4. Foto da página que mostra o mapa do MUHNAC.