Atuações humanas face a algumas adversidades da natureza
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Abrantes, I., Callapez, P. M., Correia, G. P., Gomes, E., Lopes, B., Lopes, F. C., Pires, E., & Rola, A. (Eds.), Uma visão holística da
Terra e do Espaço nas suas vertentes naturais e humanas. Homenagem à Professora Celeste Romualdo Gomes. Coimbra: CITEUC.
© CITEUC, 2020 DOI: http://doi.org/10.5281/zenodo.4409381
Atuações humanas face a algumas
adversidades da natureza
Manuel M. Godinho
Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Ciências da Terra,
Polo II, Rua Sílvio Lima, P-3030 790 Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected]
Resumo: Ao longo dos tempos os humanos têm enfrentado situações adversas no que respeita ao ambiente e
aos recursos naturais, mas especialmente no que se refere ao clima. Pelo menos desde os tempos da Epopeia de
Gilgamesh (III milénio a.C.), as causas naturais foram corretamente identificadas em algumas situações. Na maior
parte dos casos as causas eram desconhecidas, muitas vezes atribuídas a castigo divino pelos pecados dos
humanos ou a ações de seres sobrenaturais diversos, por vezes mediados por interpostas pessoas; houve épocas
em que estas supostas pessoas foram objeto de acirrada caça às bruxas. As interpretações revestiram-se por
vezes de caráter apocalítico, significando que se aproximava o colapso da civilização e o fim dos tempos. Daí que
os humanos fizessem uso de práticas que apelavam à proteção do sobrenatural, como o culto das pedras,
procissões, orações, das quais se dão exemplos, em especial de Portugal e do Brasil.
Palavras-chave: Colapso da civilização, Culto das pedras, Esgotamento de recursos, Previsões apocalíticas,
Procissões e orações por chuva.
Abstract: In the past humans had to deal with adverse situations in what respects the environment and the natural
resources, and especially climatic phenomena. In some situations, the natural causes were correctly identified, at
least since the time of the Epic of Gilgamesh (3rd millennium b.C.). In most cases the causes were attributed to
God’s punishment for the sins of humans, or as actions of supernatural beings in general, in this case often mediated
by supposed humans, who were fiercely chased. Sometimes it was supposed that the end of times was
approaching. Humans used then practices that appealed to supernatural protection, such as the stones cult,
prayers, processions. I mention some of these practices, especially from Portugal and Brazil.
Keywords: Civilization collapse, Stones cult, Resources shortage, Apocalyptic predictions, Processions and
prayers for rain.
Introdução
Os fenómenos meteorológicos são há muito um mistério para o Homem, que neles viu desde sempre
manifestações de seres sobrenaturais. Se o clima é um motor da evolução das sociedades pela
Manuel M. Godinho
influência que exerce sobre os humanos, é também certo que recebe influências destes. A este
propósito, vale a pena mencionar algumas ideias descritas no n.º 151 da revista Les Cahiers de Science
et Vie, de 2015 (pp. 59-95).
O Dilúvio, por exemplo, que existe em várias civilizações, é símbolo do descontentamento dos
deuses. Na época pré-colombiana, em tempos de estiagem, os Maias sacrificavam as suas crianças
ao deus Chac, até que as chuvas caíssem. Para os cristãos da Idade Média, no Ocidente, impregnados
da leitura da Bíblia, a meteorologia era obra de Deus ou do Diabo, desencadeando algumas variações
climáticas uma autêntica caça às bruxas por parte das autoridades (Tab. I).
Tabela I - Excertos sobre causas sobrenaturais de variabilidade climática, tornadas efetivas por mediação humana.
Numa civilização essencialmente rural, dependente das mudanças de clima, as boas colheitas
dependiam tanto do trabalho e do engenho humanos como da fé, da oração, dos pecados, do
arrependimento. Na crise climática de 1033 ocorreram chuvas diluvianas, inundações, fomes. Na sua
Histoire du XIème siècle, o monge Raoul Glaber via nessa crise a “vingança divina pelos pecados dos
homens” e apelava a “elevar as almas e as mãos a Deus, coração contrito, numa postura humilde”.
Analogamente, no século XVIII, em Portugal, o padre Malagrida interpretou o sismo de 1755 como
punição divina pelos pecados dos humanos, e disso fez larga publicitação que levou à intervenção do
Marquês de Pombal!
Excertos
Reprodução de um texto do ano de 1448, que descreve um interrogatório que dá o tom dos processos a que
eram submetidos os indivíduos suspeitos de praticarem bruxaria para atuar sobre o clima.
Accusé, répondez !
Le procureur de la loi demande que l’inculpé Jacquet soit interrogé […] en répondant par oui ou
par non.
[On lui demanda]
s’il est vrai […] que Jacquet, par l’oeuvre et avec l’aide du démon, s’est déplacé à travers les airs
pour accourir vivement au lieu de la synagogue et pour projeter des tempêtes dans les airs.
Ostorero, 2008, pp. 217-219.
O texto a seguir transcrito reporta-se ao tempo da Pequena Idade do Gelo (séculos XIV-XIX).
... ce refroidissement global [Pequena Idade do Gelo] (...) donna lieu à des évenements extrêmes,
notament deux orages de grêle d'une violance excepcionelle dans la vallée du Rhin en 1562 et
1626. Considérés comme d'origine surnaturelle, ces événements justifièrent un emballement de
la chasse aux sorcières. Des procès collectifs d'une envergure inédite s'ouvrirent alors, au cours
desquels les accusés avouaient sous la torture avoir provoqué le gel et la grêle... Des centaines
de personnes furent exécutées.
Debroise, 2015, p. 9.
Atuações humanas face a algumas adversidades da natureza
Estas interpretações não desapareceram totalmente do Cristianismo. Em 1993, depois de chuvas
torrenciais que provocaram inundações no oeste americano ao longo dos rios Mississipi e Missouri,
18% das pessoas interrogadas localmente viam nesta catástrofe o sinal da punição de Deus pelos
pecados dos Americanos.
Não são só os cristãos que esperam e receiam a intervenção divina nos humores do céu. Na Ásia
os hindus fazem o mesmo, e acreditam que o período atual acabará com verdadeiras tragédias
climáticas. Na mitologia védica da Índia antiga, Indra, o rei dos deuses, é responsável das cóleras do
céu. Os muçulmanos encaram um fim do mundo climático, de que só escaparão os verdadeiros crentes.
Uma estatística curiosa: Num estudo desenvolvido em 2013 pela Universidade de Copenhaga em 800
regiões do mundo, as sociedades, um mix de todas as religiões, seriam mais praticantes em zonas
atingidas por desastres naturais como sismos, erupções vulcânicas ou tempestades tropicais.
Com o progresso dos conhecimentos científicos, a maioria dos cristãos admite que não é Deus que
regula os humores do céu. O mito já não explica esses humores. As explicações é que faltam ainda.
Adota-se a explicação dos cientistas sobre as leis do clima e da meteorologia. Mas quantas pessoas
compreendem verdadeiramente estes assuntos complexos? O discurso científico não será entendido
como um mito, por definição inverificável? O debate sobre o aquecimento global testemunha, à sua
maneira, a dificuldade de apreensão da matéria em termos racionais. Os ecologistas reprovam, nos
céticos do clima, a sua crença cega no progresso, estes acusam aqueles de visão alarmista, mesmo
milenarista. A argumentação saiu assim do campo científico: É o mito do progresso contra o do fim do
mundo a que o progresso conduziria.
No que vai seguir-se serão abordadas situações onde estão em causa adversidades referentes a
clima, ambiente e recursos.
Interpretações apocalíticas sobre situações adversas de clima,
ambiente e recursos
O papa Silvestre II (999-1003) predisse que o milénio que estava a começar seria o milénio do
Apocalipse, o do fim do mundo. O céu não caiu no 2.º milénio d.C., fica transferida a queda para o 3.º.
Segundo a crença hoje dominante, serão as mudanças climáticas que trarão os 4 cavaleiros do
Apocalipse e o fim dos tempos!
Ao longo dos séculos, o Apocalipse foi associado às catástrofes naturais e às mudanças climáticas
e visto como consequência dos pecados dos humanos. Na atualidade, os humanos cometem o grande
“pecado” de originar gases de estufa, e são estes que provocam o aquecimento global, que tanto
preocupa cidadãos, políticos e organizações internacionais. E aqui há consenso na maioria dos
modelos climáticos do IPCC (United Nations International Panel on Climate Change), se bem que todos
tenham exagerado a previsão da temperatura global ao longo de mais de 25 anos! O sumo-sacerdote
do aquecimento global, o senhor Al Gore, previu em dezembro de 2008 que, em consequência deste
aquecimento, “the entire North Polar ice will be gone in five years”. Ainda hoje, 2020, lá está muito gelo!
Manuel M. Godinho
Em 1798, Thomas Malthus escreveu Essay on the Principle of Population, onde previu desgraças.
O crescimento da população levaria a inevitável catástrofe, porque é geométrico, enquanto o da
produção de alimentos é aritmético. Com base nestas ideias, em 1894, o Times de Londres estimou
que dentro de 60 anos todas as ruas de Londres estariam cobertas por uma camada de estrume de
cavalo com 9 pés de espessura. O escritor de ficção científica contemporâneo Kim Stanley Robinson
resolvia o problema do crescimento populacional deste modo: a única maneira de salvar o planeta é
tirar-lhe metade dos humanos. Porém, foi no final dos anos 1960s e durante os anos 1970s que as
visões apocalíticas sobre a falta de alimentos e a evolução do clima se apuraram.
Paul Erhlich, biólogo da Universidade de Stanforf e figura de culto dos anos 1970s, escreveu em
1968 (ele e a esposa) um livro, The Population Bomb, onde avisava que, sendo a população ótima
menos de 2 biliões, entre 1970 e 1985 ocorreriam fomes arrasadoras, sendo quase certo o colapso da
civilização. Num ensaio de 1969 intitulado Eco-Catastrophe, o mesmo Paul Erhlich afirmava:
Most of the people who are going to die in the greatest cataclysm in the history of man have already
been born” e ainda “By…[1975] some experts feel that food shortages will have escalated the present
level of world hunger and starvation into famines of unbelievable proportions. Other experts, more
optimistic, think the ultimate food-population collision will not occur until the decade of 1980s.
No número da revista The Progressive que foi dedicado ao primeiro Dia da Terra, celebrado em
1970, Erhlich deu a conhecer aos leitores que, entre 1980 e 1989, morreriam uns 4 biliões de pessoas,
incluindo 65 milhões de americanos. Denis Hayes, que presidiu à organização desse Dia da Terra,
declarou no número da primavera de 1970 da revista The Living Wilderness, que “It is already too late
to avoid mass starvation”. Na mesma altura, George Wald, biólogo de Harvard, foi ainda mais concreto
nas suas previsões: “civilization will end within 15 or 30 years unless immediate action is taken against
problems facing mankind”; a ressalva peca por não especificar os problemas. Quanto ao ambiente, a
revista Life reportava em janeiro de 1970: “Scientists have solid experimental and theoretical evidence
to support […] the following predictions: In a decade, urban dwellers will have to wear gas masks to
survive air pollution […] by 1985 air pollution will have reduced the amount of sunlight reaching earth by
one half […]”.
Algumas notas para sossego do leitor. Dois séculos depois de Malthus, a curva de crescimento da
população ainda é exponencial, embora com tendência para logística. Ainda que continue a haver
graves défices alimentares, a alimentação está a melhorar e a população é mais saudável do que antes.
Os dados do Banco Mundial e da ONU indicam que a pobreza extrema e a fome reduziram-se
notoriamente desde 1970; o número de pessoas em pobreza extrema decresceu, depois dessa data,
de 40% da população para 10% e o número de calorias per capita subiu 1/3.
Quanto ao uso de eletricidade, segundo a Agência Internacional de Energia, o número de pessoas
sem acesso a eletricidade caiu pela primeira vez abaixo de 1 bilião. O receio de que o aumento da
procura de produtos provocasse aumento dos preços não se verificou; uma aposta que Erhlich fez com
Atuações humanas face a algumas adversidades da natureza
Julian Simon em como os preços de 10 produtos por ele próprio selecionados subiriam nos 10 anos
seguintes, perdeu-a, porque os preços desceram 30%.
O Clube de Roma, fundado em 1968, é definido como “um grupo de pessoas informal, apolítico e
internacional, profundamente interessado nos problemas que ameaçam a sociedade humana”.
Agregou cerca de 70 pessoas de 25 nacionalidades, com formação e origem muito variadas, tais como
cientistas, humanistas, educadores, industriais, etc., com o objetivo de “conseguir através da
investigação um conhecimento melhor do sistema global em que vivemos e ajudar os políticos mundiais
a conceber novas formas de resolver os problemas deste sistema” (citações de Meadows et al., 1972).
Tornou-se muito conhecido a partir de 1972, ano da publicação do relatório intitulado The Limits to
Growth (Meadows et al., 1972, traduzido em português com título Os Limites do
Crescimento), elaborado por uma equipa do MIT, contratada pelo Clube de Roma e chefiada por Dana
Meadows. O relatório, que ficaria conhecido como Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows,
tratava de problemas cruciais para o futuro desenvolvimento da Humanidade tais como energia,
poluição, saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional. Foi publicado e
vendeu mais de 30 milhões de cópias em 30 idiomas, tornando-se, ao tempo, o livro sobre ambiente
mais vendido da história. Utilizando modelos matemáticos, o MIT chegou à conclusão de que o Planeta
Terra não suportaria o crescimento populacional devido à pressão gerada sobre os recursos
naturais e energéticos e ao aumento da poluição, mesmo tendo em conta o avanço tecnológico. Previa-
se o colapso da civilização no presente século, porque os recursos estavam a ser usados de modo
exponencial; alguns recursos minerais como mercúrio, estanho, ouro, … estariam hoje esgotados.
Num texto publicado no Scientific American, o cientista Harrison Brown, da US National Academy
of Sciences, previa que a Humanidade teria esgotado as reservas de chumbo, estanho, ouro, prata e
zinco até 1990, e as de cobre até 2001. Hoje, 2020, estamos muito longe desse esgotamento!
Era inevitável que a ONU cavalgasse a onda de alarmismo e se propusesse salvar o mundo e fazê-
lo regressar à virtude. Na Agenda 21 da Cimeira do Rio, em 1990, prevêem-se desgraças transversais
ao ambiente e à Sociedade:
Humanity stands at a defining moment in history. We are confronted with a perpetuation of disparities
within and between nations, a worsening of poverty, ill-health and illiteracy, and a continued
deterioration of the ecosystems on which we depend for our well-being.
Os media foram um bom megafone na propagação destas previsões catastróficas. Para sossego do
leitor: A década seguinte viu acentuado decréscimo da pobreza, da fome, da doença e da iliteracia.
As sucessivas celebrações do Dia da Terra não têm trazido prognósticos tranquilizadores. No
respetivo website as mudanças ambientais são o tema, em especial as que se relacionam com a subida
da temperatura média global, como mostra o texto seguinte:
Global sea levels are rising at an alarmingly fast rate - 6.7 inches in the last century alone and going
higher. Surface temperatures are setting new heat records about each year. The ice sheets continue
Manuel M. Godinho
to decline, glaciers are in retreat globally, and our oceans are more acidic than ever. We could go
on…which is a whole other problem.
The majority of scientists are in agreement that human contributions to the greenhouse effect are the
root cause […].
So what happens next? More droughts and heat waves, which can have devastating effects on the
poorest countries and communities. Hurricanes will intensify and occur more frequently. Sea levels
could rise up to four feet by 2100 – and that’s a conservative estimate among experts.1
O pânico do arrefecimento global
Nem só o aquecimento tem levado a prognósticos catastróficos. Durante o século XX, a temperatura
média global manteve-se, em média, aproximadamente constante até ~1920, depois do que flutuou.
Mostrou tendência de crescimento entre ~1920 e ~1945, de decréscimo entre ~1945 e ~1980, e
novamente de crescimento a partir deste ano.
Os invernos rigorosos dos anos 60s indicaram tendência para arrefecimento na Europa e induziram
alguns estudiosos a prognosticar a vinda duma nova Idade do Gelo (entretanto a concentração do
dióxido de carbono na atmosfera vinha a subir continuadamente!). A tendência de arrefecimento
continuou nos primeiros anos da década seguinte. O ano de 1972 ficou a constar nos anais da
Meteorologia como ano de eventos extremos em todo o globo; em fevereiro de 1972 os satélites
artificiais que orbitavam a Terra observaram aumento da área de neve e gelo no Ártico (Roberts, 1974).
Em janeiro de 1972 realizou-se na Universidade de Brown uma conferência subordinada ao
tema The Present Interglacial, How and When Will it End?, organizada por dois geólogos, o polaco
George Kukla e o americano Robert Matthews; em outubro desse ano os mesmos geólogos
publicaram na revista Science informação sobre a conferência (Kukla & Matthews, 1972).
Em 3 de dezembro de 1972, os dois organizadores da Conferência escreveram uma carta ao
Presidente dos USA, Richard Nixon, que foi instrumental no alertar para mudanças climáticas e no
desencadear de acontecimentos que conduziram ao primeiro programa coordenado de investigação
do clima nos USA e, no fim da linha, à criação do IPCC. Nessa carta manifestavam preocupação pelo
facto de o arrefecimento que se vinha verificando poder indicar que se estava a entrar num novo período
glaciário, com consequências previsíveis ao nível dos recursos energéticos e alimentares. A carta foi
despachada para o organismo competente, com um sintético “for review and appropriate action”, e dela
constava o seguinte texto2:
(…)
The main conclusion of the meeting [a conferência citada] was that a global deterioration of climate,
by order of magnitude larger than any hitherto experienced by civilized mankind, is a very real
possibility and indeed may be due very soon.
1 https://www.earthday.org/campaigns/climate-change/climate-change-basics/ (Acedido em 5 de maio de 2019) 2 https://realclimatescience.com/2018/07/hiding-the-inconvenient-satellite-data/ (Acedido em 10 de março de 2019)
Atuações humanas face a algumas adversidades da natureza
The cooling has natural cause and falls within the rank of processes which produced the last ice age.
This is a surprising result based largely on recent studies of deep sea sediments.
Existing data still do not allow forecast of the precise timing of the predicted development, nor the
assessment of the man’s interference with the natural trends. It could not be excluded however that
the cooling now under way in the Northern Hemisphere is the start of the expected shift. The present
rate of the cooling seems fast enough to bring glacial temperatures in about a century, if continuing
at the present pace.
(…)
Num workshop internacional realizado em Bonn, em maio de 1974, sobre o clima e os seus efeitos na
vida humana, foram apresentados argumentos persuasivos que levavam a acreditar que o Hemisfério
Norte, depois de ter aquecido durante algumas décadas, estava a arrefecer desde os anos 40’s. O
arrefecimento médio tinha sido ~0,3ºC, o bastante para suprimir ~1 semana na estação de crescimento
das plantas das latitudes médias e perturbar a produção alimentar (Roberts, 1974).
Nos anos seguintes, os media difundiram notícias sensacionais sobre a nova Idade do Gelo que se
anunciava. Dá-se um exemplo:
There are ominous signs that the earth’s weather patterns have begun to change dramatically and
that these changes may portend a dramatic decline in food production … after three quarters of a
century of extraordinarily mild conditions, the earth’s climate appears to be cooling down.
Newsweek, 28 de abril de 1975
Na Assembleia Geral da ONU, realizada em abril de 1974, o Secretário de Estado dos USA Henry
Kisinger mencionou no seu discurso o desafio colocado pelas mudanças climáticas (no sentido do
arrefecimento), e fez saber que os USA propunham que a World Meteorogical Organization (WMO) e
o International Council of Scientific Unions (ICSU, de 1931 a 2018; a partir de 2018 passou a designar-
se International Science Council) investigassem este problema e propusessem guidelines para ação
internacional.
Algo subitamente, no final dos anos 1970s, a temperatura global retomou a subida que tivera até
aos anos 40s. Esfumou-se o pânico do arrefecimento. Sobreveio o do aquecimento, que continua vivo
e muito ativo.
Ações humanas para obviar ao clima adverso
A História regista algumas situações em que foram corretamente identificadas causas humanas de
variação climática (Tab. II).
Em geral, face à sua incapacidade de compreender e controlar os fenómenos meteorológicos, os
humanos desde tempos remotos invocaram a intercessão do sobrenatural para esse controlo. Tome-
se como exemplo Portugal e Brasil. Nestes países praticaram-se rituais vários, nomeadamente
procissões, orações e novenas, para obviar a alguma indesejada variação climática de curto prazo. A
seguir dão-se exemplos, recolhidos de jornais ou outras fontes, os quais constituem matéria do âmbito
Manuel M. Godinho
da Etnografia, todavia são em si mesmos reveladores da postura mental dos povos face a alguns
fenómenos climáticos.
Tabela II - Excertos sobre causas humanas de variabilidade climática.
Rituais ancestrais e práticas atuais em Portugal
Algumas práticas envolviam o culto ancestral das pedras, penedos e montanhas, que foi integrado
nos rituais cristãos. Estrabão apresenta, na sua Geografia, um dos mais antigos relatos do culto das
pedras, no Promontorium Sacrum (Cabo de S. Vicente). O costume de revolver penedos para pedir
chuva era tão comum que chegou a ser proibido nas Constituições do Bispado de Évora de 1534. P.
Cunha Brito (1907) descreve algumas práticas curiosas que envolvem o culto das pedras.
As procissões infantis para pedir chuva eram praticadas nas zonas rurais (Brito, 1907). Diversas
foram documentadas no fim do século XIX. A Procissão infantil de penitência tinha lugar em Ponte de
Lima e era constituída por rapazes de 12 a 14 anos. Realizava-se sempre que a seca ameaçava a
produção agrícola e o gado. Os preparativos começavam durante a tarde. Um pequeno andor era
construído por um grupo de rapazes, que colocavam no topo uma pequena imagem de Santa Maria
Madalena. Um segundo grupo de rapazes fazia um peditório pelas casas para comprar velas para a
procissão. Outro grupo ia buscar rosas para fazer grinaldas de flores e escolher uma pedra de granito
Excertos
"... (...) cette préoccupation [com a modificação do clima pelos humanos] se manifesterait déjà dans L'Épopée
de Gilgamesh, un poème fleuve s'inspirant de récits sumériens composés vers la fin du IIIe millénaire avant
notre ère et constituant l’un des plus anciens textes de l'humanité. Pour avoir observé l'aridification de la
Mésopotamie après l'abattage de très nombreux arbres dans la région, le ou les auteurs de ce récit (...) savaient
que la déforestation peut entraîner une baisse des pécipitations. Des siècles plus tard, les Grecs s'interrogent
eux aussi sur l'impact des activités humaines sur la couverture végétale d'une région et son climat. (...).
(...) Théophraste d’Érèse (...) donne des exemples explicites de changements climatiques d'origine humaine. Le
drainage d'un lac aux abords de Larissa, en Thessalie, explique-t-il dans son traité Les Causes des phénomènes
végétaux, a provoqué un refroidissement des températures, et les gelées qui sévissent depuis ces travaux
d'assèchement ont entraîné la disparition de la vigne et de l'olivier qui prospéraient naguère dans la région. De
même, aux environs de la ville de Philippes, en Macédonie, une campagne de défrichement, en exposant le sol
aux rayons du Soleil, a rechauffé le climat."
Testard-Vaillant, 2015, pp. 86-87.
"(...). Christophe Colomb, écrit Fernando [filho de Cristóvão Colombo], pensait que déboiser la Jamaïque, où il
avait débarqué en 1494 et où chaque soir, des nuages se formaient (et) pendant une heure au moins versaient
un pluie abondante, ce que (Colomb) attribuait à l'influence des forêts dont l'île était couverte, permettrait de
diminuer la pluviométrie de ce nouveau morceau de l'Empire espagnol"
Testard-Vaillant, 2015, p. 86.
Atuações humanas face a algumas adversidades da natureza
que se pudesse carregar no ombro. A procissão, um grupo de 40 a 50 rapazes, descalços, começava
ao cair da noite à porta da igreja. Os rapazes, com a coroa na cabeça, iam na frente da procissão, sem
ordem, carregando as pedras no ombro. Nos flancos seguiam os rapazes com as velas, e no meio 4
rapazes carregavam o andor coberto de luzes. Quando a procissão, após várias horas de percurso,
chegava à frente de uma capela ou oratório começavam os cânticos com pedido de chuva. Depois
seguiam caminho a cantar até chegarem a uma igreja onde os cânticos prosseguiam e, em pequenos
intervalos, os rapazes que carregavam as pedras atiravam-nas ao chão, e voltavam a pô-las no ombro
para, de novo, as atirarem ao chão.
Numa povoação da Beira, nove meninas, de nome Maria, faziam uma procissão até um local
próximo, onde viravam de baixo para cima uma pia de pedra. Em Ouguela (Campo Maior) levava-se
em procissão uma pedra num andor, que era atirada ao rio Xévora (junto da raia).
Em Trás-os-Montes, “(…) em 1898, por ser ano de grande estiagem, a Mesa (da Santa e Real Casa
da Misericórdia de Bragança) vai realizar, a pedido dos irmãos, uma procissão rogatória para pedir
chuva com o andor do Senhor dos Passos, a 11 de setembro, que percorre as ruas da cidade” (Monteiro
& Castro, 2018).
Devido à seca, em 29/02/2012, a população da aldeia de Sete (concelho de Castro Verde), pediu
chuva a Santa Bárbara através de uma novena (notícia da RTP de 6/3/2012). É uma tradição que se
cumpre sempre que há seca nos campos.
Em 30/10/2017, o JM-Madeira noticiou que a população da aldeia de Rebordãos (Bragança)
recuperou uma tradição antiga e excecional para pedir chuva à Senhora da Serra, com uma novena
rezada enquanto se carrega a santa em ombros (uma imagem “grande e pesada”) durante duas horas
pela serra.
Em 31/10/2005, estando Portugal a viver um período de seca prolongada, o Santuário de Fátima
decidiu passar a rezar uma oração para pedir a bênção da chuva para o país. A prece seria feita neste
Santuário, no final de cada recitação do Rosário. Seria rezada a oração do Papa Paulo VI, composta
em 1976 quando se abateu sobre o continente europeu um período de seca prolongada. A oração
consta de Angelus de 04/07/l976, in L´Osservatore Romano, 11/07/1976 (ver Fig. 1).
Em 30/10/2017 foi noticiado que o Cardeal-Patriarca de Lisboa propôs orações nas missas pela
chuva, tendo sugerido esta:
Deus do universo, em quem vivemos, nos movemos e existimos, concedei-nos a chuva necessária,
para que, ajudados pelos bens da terra, aspiremos com mais confiança aos bens do Céu.
Em 20/11/2017, o Correio da Manhã noticiava uma procissão, realizada no dia anterior em Beja,
que tinha como finalidade pedir chuva à padroeira (Nossa Senhora das Neves), mas só seria realizada
com “presença significativa de homens”, conforme se dizia no cartaz que a anunciava (https://www.
cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/crentes-organizam-procissao-em-beja-para-pedir-chuva,
acedido em dezembro 2019). Pelas 16h00, cerca de meia centena de paroquianos, com um número
suficiente de homens, saíram em procissão.
Manuel M. Godinho
Práticas atuais no Brasil
Carlos Sodré Lanna titula assim um seu texto de 1997 sobre o Nordeste brasileiro: “Nordeste: o
povo reza... e as chuvas caem como bênçãos”. Aí descreve as procissões públicas a que o povo dá o
nome de “rogativas”, que têm a pretensão de amenizar os efeitos da seca. Toda a população das zonas
flageladas sai então em procissão pelas ruas das cidades e vilas, entoando cânticos religiosos,
caminhando lentamente e levando um andor com a imagem da Virgem Maria ou de seu esposo São
José. E todos entoam repetidamente uma melodia: A chuva do céu/ Mandai sem demora/ Acudi ao
povo/ Valei-nos, Senhora. (ver também Ribeiro, 1992; EBB, 1993).
Reproduz-se parte do texto de Lanna (1997):
«E assim vão aqueles penitentes, pelas estradas empoeiradas cheias de curvas e morros, pelos
campos secos, sempre cantando: "Da fome da peste / Livrai-nos agora / Olhai-nos pra sempre, /
Valei-nos, Senhora. Das duras desgraças / De que o povo chora, / Livrai-nos, ó Virgem, / Valei-nos,
Senhora".
O caminho a percorrer é longo, a noite vem chegando, mas aquelas vozes que ecoam no espaço,
já dentro das penumbras do entardecer, não cessam de pedir o milagre das chuvas, costume de
várias gerações de antepassados.
Uma ligeira parada e logo seguem os pedidos ao glorioso São José, esposo da Virgem Maria, o
Patrono da Igreja, santo das grandes decisões: Os Santos nos asseguram/ De José a proteção,/
Como certa e infalível/ Em toda ocasião.
Invocam a intercessão de São José junto ao Menino Jesus, procuram tocar as cordas mais
sensíveis do seu coração: Pedi ao Menino Deus, / Pela cruz que tem na mão, / Que de fome nem
de sede, / Não mate seus filhos, não. / Estamos em vossa presença/ Glorioso São José, / Pedindo
abundantes chuvas/ Por Jesus de Nazaré.
Já dentro da noite, aquela procissão de preces avança rumo à capelinha, cujos sinos ressoam,
batendo em sinal de luto o “Toque da Penitência”; e todos cantam: Toda a Natureza sofre/ Por causa
dos pecadores.
Quantas vezes, terminadas as "Rogativas", quando os penitentes vão voltando para suas casas,
já sentem os primeiros respingos da chuva que começa a cair. As súplicas foram atendidas, pela
Virgem Maria e São José, o milagre aconteceu. É uma chuva copiosa, como bênção dos céus, o
que confirma um velho ditado do sertão: quando Deus tarda, vem chegando.
Uma paróquia fez até imprimir a oração de Paulo VI, apresentada na figura 1.
Em 22/3/2015, a Folha de São Paulo noticiava: “Em procissão, fiéis rezam por chuva no centro de
São Paulo”. A procissão pela bênção da chuva, promovida pela Arquidiocese de São Paulo, saiu da
Igreja da Consolação no dia 22 às 15h15, Dia Mundial da Água, e chegou à Catedral da Sé após uma
hora de caminhada pelo centro da cidade. O encerramento seria feito com uma missa rezada pelo
arcebispo paulista. Segundo os organizadores, cerca de 1500 pessoas participaram na marcha debaixo
de chuva. O Arcebispo Dom Odilo defendeu a realização deste tipo de procissão, normalmente feita
Atuações humanas face a algumas adversidades da natureza
em cidades do interior e do Nordeste, na maior cidade do país. "Não é coisa de cidade pequena. A fé
se faz em toda a parte. São Paulo também precisa de água", disse.3
Figura 1 - Oração proposta pelo Papa Paulo VI a pedir chuva, mandada imprimir por uma paróquia do NE do Brasil.
Em 31/3/2017 era noticiado que, após procissão para pedir chuva, fiéis celebram temporal no
nordeste da Baía. Neste estado vivia-se situação de estiagem em 216 municípios. Na zona rural do
município de Ichu, no nordeste baiano, no dia 30 de março de 2017, fiéis que participavam numa
procissão pedindo chuva a São José foram surpreendidos com o temporal na volta do evento, e
comemoraram correndo sobre as poças de água.
Também a chuva a mais era objeto de prece, de que segue uma a Santa Bárbara, onde transparece
muita fé, mas pouca inspiração: Santa Bárbara bendita, / Que nos Céus estais escrita, / Com pena e
água benta / Livrai-nos desta tormenta.
3 Disponível em http://g1.globo.com/bahia/noticia/2017/03/apos-procissao-para-pedir-chuva-fieis-celebram-temporal-no-
nordeste-da- ba.html
Manuel M. Godinho
Referência breve a práticas atuais noutras regiões do mundo
Os muçulmanos têm orações a Alá para pedir chuva (Al-Istisqaa); a palavra Al-Istisqaa significa
pedir água. Em 2/12/2010 era noticiado que judeus e muçulmanos unem-se em orações para que chova
na Terra Santa. Líderes religiosos do islamismo e do judaísmo da Terra Santa poucas vezes concordam
em alguma matéria, mas nos últimos dias uniram-se por uma causa comum e passaram a rezar para
que chova na árida região, que, ao longo do mês de novembro, registou temperaturas típicas de verão.
Em igrejas, sinagogas e mesquitas, os fiéis aproveitam as orações para pedir que sejam abençoados
com as chuvas, já que a atual seca poderia provocar enormes estragos à agricultura (Observador,
26/4/2017).
Os índios americanos e brasileiros praticam a dança da chuva para pedir chuva. Entre os nativos
norte-americanos a dança da chuva era uma prática muito comum. Este ritual não está esquecido. Por
exemplo, durante a última grande seca que houve na Califórnia, que começou em 2011, houve várias
notícias de rituais herdados das danças da chuva dos nativos.
Em 2011, numa época de seca grave, o Governador do Texas, Rick Perry, decretou três dias de
oração em abril, no fim de semana da Páscoa, a cumprir por todos os credos e tradições para pedir
chuva (Tab. III).
Tabela III - Notícia da instituição de dias de prece para a chuva pelo governador do Texas, EUA.
Governor declares days of prayer for rain
With Texas in the throes of a terrible drought and wildfires raging across the state, Gov. Rick Perry designated
April 22 to April 24 [2011], the Easter weekend, as official days of prayer for rain.
I urge Texans of all faiths and traditions to offer prayers on that day for the healing of our land,
the rebuilding of our communities and the restoration of our normal and robust way of life, the
proclamation states.
State-sanctioned prayer for rain is not unprecedented. Officials in Tom Green County, in West Texas, declared
last Sunday an official day of prayer for rain. In Lubbock, city officials did the same in 2006. In 2007, Georgia
Gov. Sonny Perdue led a prayer service for rain at the state capitol.
Texas Tribune, 21 de abril de 2011; noticiado também em Fox News Channel, 23 de abril de 2011
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