AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIA E AS INSURREIÇÕES NO MUNDO ÁRABE: UM ESTUDO A PARTIR DA...

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AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIA E AS INSURREIÇÕES NO MUNDO ÁRABE: Fermanda Olívia Lazaro Carvalho Universidade Federal Fluminense Instituto de Estudos Estratégicos Graduação de Relações Internacionais UM ESTUDO A PARTIR DA COBERTURA DO CONFLITO LÍBIO PELA IMPRENSA BRASILEIRA Niterói - RJ Dezembro de 2014

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AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIA E AS

INSURREIÇÕES NO MUNDO ÁRABE:

Fermanda Olívia Lazaro Carvalho

Universidade Federal Fluminense

Instituto de Estudos Estratégicos

Graduação de Relações Internacionais

UM ESTUDO A PARTIR DA COBERTURA DO CONFLITO LÍBIO

PELA IMPRENSA BRASILEIRA

Niterói - RJ

Dezembro de 2014

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AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIA E AS

INSURREIÇÕES NO MUNDO ÁRABE:

Universidade Federal Fluminense

Instituto de Estudos Estratégicos

Graduação de Relações Internacionais

UM ESTUDO A PARTIR DA COBERTURA DO CONFLITO LÍBIO

PELA IMPRENSA BRASILEIRA

Autora: Fernanda Olívia Lazaro Carvalho

Monografia apresentada ao Instituto de Estudos

Estratégicos da Universidade Federal Fluminense

como requisito parcial à obtenção do título de

bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Adriano de Freixo

Niterói – RJ

Dezembro de 2014

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Nome da autora: Fernanda Olívia Lazaro Carvalho

Orientador: Adriano de Freixo

Monografia de conclusão submetida ao Curso de Graduação de Relações Internacionais

da Universidade Federal Fluminense – UFF como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais

AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIA E AS

INSURREIÇÕES NO MUNDO ÁRABE:

UM ESTUDO A PARTIR DA COBERTURA DO CONFLITO LÍBIO

PELA IMPRENSA BRASILEIRA

Aprovada por:

__________________________________________

Orientador – Prof. Adriano de Freixo

__________________________________________

Leitor – Prof. Fernando Brancoli

Niterói – RJ

Dezembro de 2014

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A Victor Loback,

À família,

Aos amigos Jonathas e Gil

Página | 5

"Ya no es necesario que los fines

justifiquen los medios. Ahora los medios,

los medios masivos de comunicación,

justifican los fines de un sistema de poder

que impone sus valores en escala planetaria.

El Ministerio de Educación del

gobierno mundial está en pocas manos.

Nunca tantos habían sido incomunicados

por tan pocos”.

Eduardo Galeano

em Curso Intensivo de Incomunicación

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Índice

Introdução ....................................................................................................................... 10

Capítulo I ........................................................................................................................ 13

O Caso Líbio nas Insurreições Árabes ........................................................................... 13

1.1. Análise histórica das Insurreições Árabes ....................................................... 15

1.2. A ideia de “Primavera Árabe” ......................................................................... 19

1.3. Um olhar sobre a Líbia: o panorama sociopolítico do regime de Gaddafi e a

efervescência de 2011 ................................................................................................. 21

Capítulo II ....................................................................................................................... 30

Mídia e Relações Internacionais ..................................................................................... 30

2.1. Mídia, poder e discurso .................................................................................... 30

2.2. O papel da mídia nas Relações Internacionais: o ator constrangedor .............. 34

2.3. Efeitos sociais da mídia: framing, agenda-setting, gatekeeping e priming ..... 38

Capítulo III ..................................................................................................................... 45

A Imprensa Nacional e a “Questão Líbia”: análise do conteúdo jornalístico ................ 45

3.1 As fontes das notícias ...................................................................................... 45

3.2 A construção do agenda-setting ...................................................................... 48

3.3 O enquadramento ............................................................................................. 54

Conclusão ....................................................................................................................... 62

Referências bibliográficas .............................................................................................. 65

Notícias do acervo online do jornal Folha de São Paulo ................................................ 69

Anexos ............................................................................................................................ 71

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Índice de figuras

Tabela 1 – Frequência de colunas “análise” na seção “Mundo” sobre o caso líbio de

acordo com as fontes ...................................................................................................... 46

Gráfico 1- Quantidade de páginas em que a palavra “Líbia” apareceu no jornal Folha de

São Paulo de 2000 a 2014 .............................................................................................. 49

Gráfico 2 – Frequência de notícias de primeira página de fevereiro a outubro de 2011 no

jornal Folha de São Paulo ............................................................................................... 49

Tabela 2 – Temas que aparecem nos meses de fevereiro, março, abril, agosto, setembro

e outubro e suas frequências. .......................................................................................... 51

Ilustração 1- Temas que foram desprestigiados no corpo do jornal Folha de São Paulo

durante maio, junho e julho de 2011 .............................................................................. 52

Tabela 3 – Referências utilizadas pelo jornal Folha de São Paulo nas capas, durante os

meses de maior cobertura ............................................................................................... 54

Mapa 1- Distribuição de linhagens familiares na Líbia .................................................. 71

Ilustração 2 – Charge (Angeli, 25 mar, 2011) ................................................................ 71

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RESUMO

Os acontecimentos que se situaram durante os levantes árabes na Líbia até a

deposição de Muammar El-Gaddafi, em 2011, receberam ampla cobertura da mídia

nacional, usualmente adepta do material das agências de notícias internacionais. As

agências são os principais atores do domínio concentrado da informação e tendem a

gerar nos cenários locais a veiculação de discursos despersonalizados e alinhados aos

interesses dos países que as representam. Para alguns casos, esta concentração de poder

não é suficiente para explicar a adoção massiva do material obtido por estas agências, a

saber Associated Press, Reuters, France Presse (AFP) e EFE. Quando o veículo local

possui capacidade de enviar repórteres especiais e quando se oferecem possibilidades

alternativas de fontes de informação, é preciso posicionar as escolhas subjetivas do

jornal no centro das análises sobre seus conteúdos. Tratando-se do caso líbio,

investigamos – quantitativamente e qualitativamente - como a imprensa brasileira

construiu seu perfil político de verdade para os conflitos, através da pesquisa das fontes,

das atividades de agendamento e das funções de enquadramento. Verificamos que o

tema foi utilizado de maneira a espelhar os interesses dos países onde estão presentes as

agências de notícias, em vez de se privilegiar uma visão mais personalizada sobre

assunto. A linha adotada pelo jornal revelou a presença do consenso liberal democrático

e de muitos outros elementos que construíram um raciocínio bastante coeso quanto aos

episódios, desmistificando o discurso da pluralidade. Dentre outras questões, o estudo

permitiu indicar que as mídias locais têm atuado em apoio a regimes de verdades,

construídos por países fora da realidade brasileira, e consubstanciando um provável

sistema de poder que se retroalimenta a partir destas contribuições.

Palavras-chave: Mídia; Primavera Árabe; Líbia; Agências de Notícias

AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIA E AS INSURREIÇÕES NO

MUNDO ÁRABE:

UM ESTUDO A PARTIR DA COBERTURA DO CONFLITO LÍBIO PELA

IMPRENSA BRASILEIRA

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ABSTRACT

The events which stood during the Arab uprisings in Libya until the deposition

of Muammar El-Gaddafi in 2011 received widespread coverage in the national media,

usually adept of international news agency materials. The agencies are the main actors

of concentrated field of information and tend to generate depersonalized speeches,

aligned to the interests of the countries they represent. For some cases, this

concentration of power is not enough to explain the massive adoption of the material

obtained by these agencies, namely Associated Press, Reuters, Agence France Presse

(AFP) and EFE. When the local vehicle has ability to send special reporters and when

they offer alternative possibilities of information sources, it is necessary to position the

newspaper subjective choices in the center of content analysis. In the Libyan case, we

investigated - quantitatively and qualitatively - how the Brazilian press built his political

profile for the conflict, by analysing sources, activities of agenda-setting and framing

functions. We found that theme was used in order to reflect the interests of countries

where the news agencies have head offices, rather than focusing on a more personalized

view about the subject. The line taken by the newspaper revealed the presence of liberal

democratic consensus and many other elements that built a tight knit reasoning about

the episodes, demystifying the discourse of plurality. Among other issues, the study

allowed indicate that local media has acted in support of truth regimes, built by

countries outside Brazilian reality, and consolidating a likely power system that feeds

itself from these contributions.

Key-words: Media; Arab Spring; Libya; News Agencies

INTERNATIONAL NEWS AGENCIES AND UPRISINGS IN THE ARAB

WORLD:

A STUDY FROM THE COVERAGE OF LIBYAN CONFLICT BY BRAZILIAN

PRESS

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Introdução

As revoluções da informação e da comunicação no século XX têm modificado

fundamentalmente e irreversivelmente os significados de poder nas relações

internacionais, tornando a mídia um ator importante deste cenário (Gilboa, 2002).

Estudos recentes no campo de Mídia e Relações Internacionais admitem o uso dos

recursos comunicacionais como uma das principais variedades do exercício de poder

global. Isto porque a antiga concepção de que a mídia é um mero veiculador de

informação foi ultrapassada pela admissão de seu papel de agente capaz de disseminar

verdades e atuar diretamente na formação da opinião pública.

O que se quer dizer é que, para além da informação, os meios-de-comunicação

levam consigo um conjunto de signos, enunciados, procedimentos e técnicas que aqui

podemos atribuir aos discursos veiculados. São os discursos que carregam relações de

poder e revelam visões interessadas de mundo, fazendo com que uma interpretação

particular da realidade seja dada por verdade (Foucault, 2005).

Essa capacidade de influenciar a opinião pública, por sua vez, se insere em uma

configuração de poder ainda mais ampla, pois a maioria das informações circuladas

globalmente nas mídias nacionais provêm de apenas quatro agências de notícias

internacionais (duas dos Estados Unidos, uma francesa e outra inglesa). As agências

Associated Press, Reuters, France Presse (AFP) e EFE controlam entre 70% e 90% das

notícias distribuídas aos veículos de comunicação do mundo (Boyd-Barrett; Rantanen,

2004). As chamadas “mídias das mídias” (Neveu, 2006) se situam nos nós mais

profundos da atual rede caracterizada pelo domínio concentrado da informação. Este

cenário é responsável pelo tratamento da informação a partir de visões de um lado

específico do mundo em detrimento dos saberes de outro lado praticamente descartado.

Trata-se, portanto, de reconhecer o grau de violência1 dos discursos produzidos

por estas agências com vieses parametrizados nas formas culturais do Primeiro Mundo

(Squirra e Espiridião, 2012). Por isso, episódios que estão muito distantes das sedes

destas agências e que envolvem a formação de opiniões públicas nacionais, a partir de

suas visões, suscitam investigações importantes sobre a maneira como estas realidades

são apresentadas ao mundo. Isto é, se a história e saberes destes locais são valorizados

na produção de notícias.

1 Foucault (2002) afirma que se deve conceber todo discurso como uma violência que fazemos à coisas,

como uma prática que lhes impomos em todo o caso. Neste sentido, subentendemos que violência para

Foucault não é somente um ato físico, mas uma prática de imposição de poder que assume formas

variadas em qualquer sociedade. Refere-se ao princípio de especificidade dos discursos.

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Recentemente, os protestos reunidos sob o nome de “primavera árabe” talvez

pertençam a um dos principais movimentos distorcidos pela ótica midiática e ainda com

pouca produção acadêmica a respeito. O movimento, que se espalhou dos levantes

iniciados na Tunísia em dezembro de 2010, recebeu intensa cobertura das agências de

notícias internacionais e da mídia nacional, lançando a ideia de uma “primavera” em

ascensão. O termo relembra movimentos de emancipação da Europa, como a Primavera

dos Povos e a Primavera de Praga, e revelam objetivos e contextos muito diferentes dos

observados em alguns países envolvidos, dentre eles a Líbia.

No caso Líbio, nosso objeto de análise, o movimento foi capturado por

poderosos clãs familiares que já estabeleciam núcleos próprios de influência, assim

como reivindicações distintas, formando mais tarde um grupo organizado de

insatisfação contra o governo do ditador Muammar El-Gaddafi. Essa coalizão se auto-

denominou Conselho Nacional de Transição (CNT) e obteve um resultado vitorioso mas

pouco expressivo nas eleições legislativas de 2012, considerando que apenas metade da

população foi creditada como eleitora, e, dessa quantia, apenas 60% compareceram às

urnas (G1, 07 jul. 2012). Na opinião pública brasileira, no entanto, esse cenário político

não foi suficiente para evitar a circulação de associações, que já eram recorrentes em

países da chamada “primavera”, como “revolta popular” e “democracia”, e que foram

também utilizadas para o caso líbio.

Cabe, neste sentido, um estudo exploratório sobre a veiculação deste perfil

político de verdade para os conflitos na Líbia, a fim de compreender qual é a

profundidade do papel da mídia nesta construção. Alguns estudos de caso sobre

percepções de mídias locais em outros cenários de conflitos já verificaram a presença de

visões reproduzidas, consubstanciando discursos políticos interessados no conteúdo dos

principais jornais do Brasil (Camargo, 2008; Squirra & Esperidião, 2012). No entanto,

mesmo em contextos de guerra, quando, nos diz Gilboa (2002), se potencializa a

manifestação do poder midiático, a imprensa brasileira mantém a auto-identificação

com o “pluralismo” e a “neutralidade”.

O objetivo deste trabalho, portanto, é realizar um estudo quantitativo e

qualitativo sobre a cobertura das insurreições árabes, através do caso Líbio, no jornal de

maior circulação paga no Brasil atualmente: a Folha de São Paulo (ANJ, 2012). Busca-

se investigar a influência das agências internacionais sobre o conteúdo produzido e

repercutido deste jornal, o qual detém o maior nicho de mercado no Brasil. O problema

envolve se e como as formas e discursos veiculados pela imprensa, especialmente no

caso Líbio, cobrem os fenômenos sociais dos movimentos; se, por meio da pressão

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sobre a opinião pública, elas tentaram influenciar na adoção de acões políticas

interessadas por perfis particulares de governo. Parte-se, portanto, da admissão de que

este episódio faz parte de um sistema de poder pautado no privilégio de uma parte do

mundo, cuja manutenção e produção de uma rede de verdades se caracteriza também

pela contribuição das mídias nacionais.

Assim, a investigação se organizará em três capítulos:

O primeiro fará uma análise sobre o uso do termo “primavera árabe” pela

imprensa nacional a partir de importantes pesquisas sobre o assunto e abordará a

conjuntura histórica dos levantes na Líbia, utilizando como ferramenta de análise

materiais de tipo bibliográfico. Ressalta-se a dificuldade da disponibilidade de materiais

sobre o assunto, visto ser uma questão recente. Serão tratados a conjuntura sociopolítica

do regime vigente que levou aos protestos.

O segundo capítulo terá por objetivo fazer um debate teórico sobre Mídia e

Relações Internacionais, a partir das noções de verdade, discurso e poder presentes nas

obras de Foucault (1979, 2012[1971]). Nesta seção, introduziremos as categorias de

análise construídas para o trabalho. Discutiremos as teorias sobre o papel da mídia nas

Relações Internacionais e apresentaremos a relevância do conceito de ator

constrangedor de Eytan Gilboa (2002). Abordaremos os termos agenda setting,

priming, gatekeeper e framing e suas importâncias na definição do ambiente midiático.

O terceiro capítulo, por fim, tratará da investigação do problema a partir das

categorias de análise construídas. Será feita a análise do conteúdo das publicações e da

forma como a Folha de São Paulo atuou quanto à questão líbia. Será verificado os

posicionamento e orientações presentes na visão veiculada pelo pelo jornal em relação

ao panorama político do conflito

Sob essas considerações, cabe destacar que a veiculação de informações

distantes do perfil político dos povos árabes não é uma novidade. No entanto, o uso de

informações como ferramentas de pressão para adoção de ações políticas associadas ao

perfil ocidental de governo constrói um relevante objeto de estudo em termos de

investigação acadêmica. Neste sentido, se inserem as insurreições árabes, pois se

desenham em um contexto propício para o adensamento da influência midiática.

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Capítulo I

O Caso Líbio nas Insurreições Árabes

O conjunto de insurreições que ganhou o nome de “Primavera Árabe” não pôde

ser previsto por nenhum analista internacional ou cientista político. Embora, após seus

resultados, seja possível conjecturar sobre suas principais causas, nenhuma análise

anterior se mostrou capaz de antever as crises internas que engendraram a queda de

regimes aparentemente sólidos na região. A estes eventos de difícil previsibilidade,

Nassim Taleb (2008) chama de Cisnes Negros.

Cisnes Negros são eventos de larga-escala que se distanciam das normas

estatísticas e são amplamente inesperados para um dado conjunto de observadores

(Taleb, 2008; 2011). Estes tipos de acontecimentos, por definição, cumprem três

condições:

1) Situam-se fora do domínio das expectativas, já que no passado não há

indicações para seu surgimento;

2) Produzem forte impacto e;

3) Embora sejam inesperados, tornam-se claros e previsíveis em retrospectiva.

Nassim Taleb (2008) ressalta a importância deste conceito para o estudo do

desconhecido e dos fatos de natureza extraordinária. Ele acrescenta não ser possível

prever qual catalisador seria responsável por suas ascensões, devido à fragilidade do

conhecimento e aprendizado baseado na ciência moderna, ou seja, na experiência e

observação2. Por este motivo, a variável controle tão desejada pelos cientistas políticos e

tomadores de decisão é dada por falha mesmo em contextos supostamente estáveis.

Taleb adota as insurreições árabes como exemplo de Cisne Negro. Na obra The

Black Swan of Cairo (2014) o autor traça um paralelo entre os comportamentos da crise

de 2008 e as agitações de 2011 no Oriente Médio. A questão crítica em ambos os casos

para Taleb é a supressão artifical de volatilidade – a que chama de altos e baixos

necessários da vida -, tornando os dois sistemas frágeis e suscetíveis à explosões que

balencem estes sistemas.

Para além de uma visão sistêmica, entretanto, acreditamos na importância de

analisar o fenômeno a partir de seu entendimento como séries de movimentos sociais e

2 Nassim Taleb chama de “o erro da previsão” as tentativas frustradas da ciência tentar controlar estes

eventos e propõe uma ferramenta pessoal de análise de riscos (2008; 2011) que, neste trabalho, não foi

considerada. Apenas as abstrações sobre imprevisibilidade serão utilizadas.

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das abstrações que surgem a partir disso. É imperativo reconhecer o desenvolvimento

do conjunto de revoltas que se espalharam pela região por meio da construção histórica

do sujeito coletivo que vai se formando a partir dos diferentes atores sociais que o

compõem (Gohn, 2007). Assim, consideramos as insurreições árabes pertencentes a

categoria de imprevisibilidade de Taleb, ressaltando a importância de centralizar o

estudo dos movimentos sociais na análise do assunto, a partir da definição do objeto

como “ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas

de a população se organizar e expressar suas demandas” (Gohn, 2011, p. 335).

Como movimentos sociais inesperados, as insurreições árabes suscitaram

interpretações causais das mais variadas na sociedade. Nas matérias telejornalísticas,

foram recorrentes associações explicativas a um despertar da região contra os modelos

ditatoriais. Também nas academias, circularam muitos artigos de opinião e ensaios que

atribuíram as causas do fenômeno ao reativismo da opressão política resumido na luta

por liberdade. Houve alguns estudos que investigaram o perfil das revoltas a partir da

teoria de ondas democráticas de Samuel Huntington (Moreno, 2011; Lyra, 2013),

acreditando que a “Primavera Árabe”, um movimento assentado nas identidades

culturais árabes, é a representação da quarta onda democrática, posicionando estes

países em uma linha evolutiva da democracia liberal.

No pensamento descolonial, outro tipo de abordagem é construído,

desnaturalizando essas concepções ao criticar o tratamento dos fenômenos sociais do

Sul a partir dos referenciais teóricos centrados no Norte. Uma de suas características é

desconstruir o legado pretensamente universal do conhecimento da ciência moderna e

sua ação descaracterizadora sobre os diversos saberes que existem nas sociedades

tradicionais (Santos, 2010; Quijano, 2007 e 2014). Neste conjunto teórico, o

pensamento moderno-colonial é relacionado com o epistemicídio, a morte de saberes à

margem dos métodos e padrões científicos, como defende Boaventura de Souza Santos,

que caracteriza a história de formação das ciências em escala global. São visões que

denunciam o sacrifício dos temas relacionados às regiões periféricas a partir das

simplificações desenvolvidas nas academias norte-americanas e europeias. Parte-se do

presssuposto de que o saber possui localidade. O saber é construído através do seu

contexto histórico e espacial e, portanto, carrega as marcas de sua origem.

Alguns esforços nos estudos sobre as insurreições árabes têm sido feitos neste

sentido, guinando-se em direção à retomada do debate de categorias como identidade e

consciência para entendê-las (De‟Carli, 2013; Raposo, 2013). Ao mesmo tempo, tem-se

advogado pela necessidade de produzir análises que escapem das visões estigmatizadas

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sobre cultura e representações sociais nas revoltas árabes (Brancoli, 2013). São

trabalhos que buscam aproximar o tema às perspectivas intelectuais dos povos do Sul,

reduzindo os estigmas presentes nas teorias centradas no Norte.

Desde a década de 1970, a obra “Orientalismo – O Oriente como invenção do

Ocidente” (Said, 2007), dentre outros aspectos, oferece reflexões que auxiliam a nos

distanciarmos das construções em que os povos árabes são analisados a partir do

imaginário do exotismo e da noção moderna de civilização. Na mesma vertente, o

documentário “Filmes Ruins, Árabes Malvados”3, baseado no livro de Jack Shaheen

4,

retoma o debate denunciando a presença de perspectivas racistas e discriminatórias

sobre os árabes na indústria cinematográfica, da qual o diretor sustenta que se

desenvolve um complexo imaginário social de vilanização de um povo. Trata-se de uma

discussão que, apesar de ainda encontrar resistência na maior parte das produções

acadêmicas, se mostra fundamental no estudo dos fenômenos sociais destes países.

Um dos esforços deste estudo será, portanto, buscar analisar a intepretação da

mídia nacional sobre a “questão líbia” a partir de um olhar mais crítico em relação às

leituras que estigmatizam os povos árabes e os colocam em uma linha evolutiva da

história ocidental. Expostos estes conjuntos teóricos, parte-se para a análise histórica

das insurreições árabes.

1.1. Análise histórica das Insurreições Árabes

As insurreições árabes possuem como marco histórico a autoimolação de um

jovem tunisiano no dia 18 de dezembro de 2010. Mohamed Bouazizi ateou fogo ao

próprio corpo quando trabalhava como vendedor de frutas em Sidi Bouzid, cidade no

interior da Tunísia. Relatos dizem que o homem de 26 anos foi interrompido por agentes

municipais que confiscaram seus produtos e o agrediram pelo não pagamento de

propina. A autoimolação foi executada em frente ao prédio do governo, onde Bouazizi

não foi recebido quando tentou conversar com a autoridade local sobre o assunto (Piot,

fev. 2011).

A partir deste dia, o acontecimento se tornou símbolo de insatisfação política da

população. O gesto de Bouazizi não foi o primeiro no país, mas de alguma maneira ele

foi capaz de traduzir um sentimento comum. As revoltas que incluíram enfrentamentos,

3 Ver Reel Bad Arabs: how Hollywood vilifies a people (Jhally 2007).

4 Ver Reel Bad Arabs: how Hollywood vilifies a people (Shaheen, 2001).

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violências policiais, prisões massivas e manifestações de apoio se espalharam para as

pequenas cidades vizinhas: Menzel, Bouzaienne, Meknassy, Regueb, Mazzouna e

Jabbes.

Além da repressão, o governo tentou reverter o quadro se pronunciando somente

11 dias depois das manifestações. No canal TV7, o presidente Zine Abdine Ben Ali

posou ao lado de Bouazizi, no hospital Ben Arous, com 90% do corpo queimado (BBC,

17 dez. 2011). Ao contrário da amenização do ambiente de violência, o gesto gerou o

efeito contrário. Dias depois, o funeral de Bouazizi contou com seis mil manifestantes

com protestos se intensificando em todas as regiões do país, chegando a capital Túnis

(Piot, fev. 2011). Enquanto isso, movimentos surgiam no Egito, Bahrein, Líbia, Síria e

Árabia Saudita.

No Egito, os protestos foram organizados principalmente através de redes sociais

e contaram com meses de acampamento na principal praça do país, a praça Tahrir. Os

manifestantes eram formados majoritariamente pela camada jovem e urbana da

população (Brancoli, 2013), diferentemente da Tunísia, onde o movimento se espalhou

das áreas interioranas mais negligenciadas até a capital.

No caso egípcio, a grande gama de manifestantes reportava suas frustrações

diretamente à figura do presidente Hosni Mubarak. Após 18 dias de acampamento na

praça Tahrir, Hosni Mubarak renunciou passando o Executivo às Forças Armadas,

chamada Security Council of Armed Forces (SCAF). As eleições parlamentares

chegaram em novembro de 2011, com os partidos islamitas atingindo proporção

majoritária, e as eleições presidenciais em junho de 2012, com a mesma vitória religiosa

(Brancoli, 2012). Pouco tempo depois de Mohamed Morsi chegar ao poder, no entanto,

algumas medidas protagonizadas pelo presidente levaram a retomada de protestos anti-

governistas levando à deposição do presidente pelas Forças Armadas com apoio de

lideranças políticas do país.

Uma observação é que o retorno do SCAF ao poder Executivo representa antes

de tudo a dificuldade que os egípcios tiveram em produzir uma nova formação política.

Bem como na Tunísia, na chamada Revolução de Jasmim ascendeu a proposta do

governo Tripartido, dirigido pelo partido islamita Ennahda e envolvido em escândalos

de assassinato de líderes da oposição. Segundo Tariq Ali (2011),

Na Tunísia e no Egito, ocorreu que as organizações políticas que

haviam sido reprimidas voltaram a aparecer, principalmente, as

islamistas. Então, os novos personagens, os jovens que criaram os

movimentos agora, ficaram sem voz política. A escala dos movimentos

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foi imensa, mas não produziram nada e, por isso, o exército no Egito

pôde tomar o poder novamente.

Já se revela muito aparente nestes casos um embate sem síntese entre os que

querem um modelo mais conservador de governo, representados pelos partidos

religiosos, e os que receiam o rompimento das estruturas laicas, representados

principalmente pelos grupos de esquerda e apoiadores das antigas bases governistas.

No Bahrein, os protestos também surgiram do centro do país e foram

protagonizados por grupos de jovens que ocuparam as ruas desde 14 de fevereiro de

2011. Os levantes demandavam principalmente uma nova constituição e investigações

sobre a corrupção do governo. Tal qual os outros exemplos, a polícia respondeu com

violência aos levantes que se concentravam na Praça da Pérola no centro da capital. A

monarquia de Hamad Khalifa contou com o apoio da família Saudita para reprimir os

manifestantes que foram presos em massa e tiveram seu símbolo de resistência, o

monumento da praça onde se aglomeravam, destruído (Brancoli, 2013).

Na Árabia Saudita, os protestos foram repreendidos e respondidos com uma

série de medidas políticas, sociais e econômicas anunciadas para a população. Em

fevereiro, o rei Abdullah Saud estimou um plano de 35 bilhões com o objetivo

anunciado de reduzir a inflação, ajudar a população desempregada e fazer com que as

famílias mais pobres tivessem condições de comprar sua casa própria. Em setembro, o

governo saudita declarou que as mulheres poderiam votar e se candidatar nas eleições

locais de 2015. As medidas foram capazes de reduzir os protestos, parecendo ao menos

temporariamente suficientes aos anseios dos manifestantes.

Na Síria, efervescências surgiram na cidade de Dera em protesto à tortura de

crianças que se manifestavam contra o regime. Os levantes foram sinais de protesto à

atitude policial e demandavam principalmente maior acesso a água potável e emprego

(Brancoli, 2012). O regime sustentado pelo partido Baath de Bashar Al Assad foi um

dos últimos a ser contestado na série de movimentos e ainda hoje continua a sofrer

resistências pela população. Os confrontos que começaram por reivindicações políticas

e sociais, atualmente se mesclam com a entrada do Estado Islâmico, uma nova força

política que se soma às outras. Os Estados Unidos intervém militarmente no país,

através de ataques aéreos, sem a autorização do Conselho de Segurança e de Damasco.

O grande número de países em que se desenvolveram manifestações de cunho

político, social ou econômico revela que o alto grau de viralização foi uma característica

marcante nestes movimentos árabes. Este panorama se sustenta na atual configuração

Página | 18

das sociedades de rede (Castells, 2013) que permitem que novas tecnologias digitais,

como celulares e redes sociais da internet, toquem um papel importante nos movimentos

sociais do século XXI. Todos estes recursos tecnológicos foram utilizados por grupos

opositores e ajudaram a:

Difundir imagens e mensagens que mobilizaram pessoas, oferecendo

uma plataforma de discussão, convocando à ação, coordenando e

organizando os protestos e abastecendo a população em geral de

informações e debates (Castells, 2013, p. 25)

Tomando o exemplo da Tunísia, Castells diz que os movimentos árabes

passaram do ciberespaço para o espaço urbano, principalmente através da ocupação de

praças simbólicas, revelando notável empoderamento do espaço público pela população.

Os motivos para que as manifestações também se disseminassem para outros

países reside não somente nesta questão técnica, mas principalmente no certo grau de

identidade árabe que existe na região, sobretudo por conta dos valores compartilhados

pelo islamismo e pelo legado do pan-arabismo (Brancoli, 2013). O islã, ainda que

possua diversas manifestações, foi capaz de criar uma comunidade imaginada

(Anderson, 2008) para o conjunto dos muçulmanos (umma), podendo-se identificar

“referências canônicas” tomadas como “denominador comum” para os adeptos da

religião (Hilu, 2010).

Embora estes movimentos compartilhem desta combinação de fatores e

identidades, não significa que as experiências de reconstrução foram fáceis após a

transição de regimes. Até o momento, os movimentos como os que se desenvolveram no

Egito e na Tunísia, ainda não conseguiram converter a euforia organizacional em

formação de estruturas capazes de levar adiante um projeto político apoiado pela

população. Como já mencionado, possivelmente as muitas divisões políticas dentro das

sociedades sejam uma das razões para esta dificuldade.

Os casos citados exemplificam o desenvolvimento de distintas configurações de

forças e demandas, mostrando que as complexidades de cada país desmistificam a

unidade política da chamada “Primavera Árabe”. Na medida em que cada população

possuía um objetivo característico ao seu contexto social, generalizações são sempre

fadadas à distorções, como será debatido a seguir.

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1.2. A ideia de “Primavera Árabe”

O termo “Primavera Árabe” foi cunhado pelos meios de comunicação social e

adotado amplamente por estudiosos e mídias globais. Atualmente é a principal

expressão conhecida pelo senso comum para significar os levantes iniciados na Tunísia

em fevereiro de 2011 e que englobam todos os países árabes que manifestaram alguma

instabilidade política no período. Tomando o termo por sua origem e partindo do

pressuposto de que “as mídias estão sujeitas a fazer leituras dos fatos de acordo com sua

visão sócio-histórica e ideológica” (Agra e Lima, 2013, p.2), o imaginário que se

constrói sobre o assunto adquire marcas próprias dos seus enunciadores.

Segundo Marques e Oliveira (2013), a palavra “primavera” alude em sua raiz à

ideias de renovação atribuída à estação que sucede o inverno e inicia um novo ciclo,

fazendo com que “analistas chamassem de „primaveras‟ alguns dos mais importantes

momentos de transformação política vividos pela sociedade” (p. 115). Ao longo da

história, o termo foi marcado pelo uso em momentos particulares de agitação política

vividos pelas sociedades ocidentais, a citar a Primavera dos Povos e a Primavera de

Praga. Estes movimentos europeus guardam em comum o fato de terem suscitado

tentativas de construir projetos que levavam em conta, dentre outras motivações,

aspirações democráticas e liberais que foram em ambos os casos fracassadas por ações

repressivas.

Agra e Lima (2013) levantaram a questão do caráter ideológico presente na

escolha e uso do termo pela mídia, propondo uma análise da palavra e suas implicações

dentro do discurso jornalístico. Os autores buscaram decodificar a expressão “Primavera

Árabe” e as suas propriedades, a partir das significações atribuídas pela imprensa

brasileira5 e por meio da metodologia de Bakhtin e Pechêux.

Eles afirmam que a expressão tão recorrente na imprensa mundial revela como a

palavra pode ser ressignificada a cada contexto histórico e/ou referendar discursos.

levando em consideração as mudanças de sentido que expressões e termos podem

adquirir ao longo da história. A expressão recorrente em toda imprensa mundial foi

adotada também na imprensa nacional como expressão homogeneizadora a partir da

queda dos ditadores da Tunísia, Egito e Líbia. Os mesmos autores também afirmam que

a expressão “primavera árabe” já foi utilizada para a região em outras ocasiões, com

contextos políticos diferentes dos que se observa então.

5 Seu corpo de pesquisa foram as revistas de informação Veja e Carta Capital.

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Dentre as ocasiões citadas, estão o conjunto de mudanças políticas que

compõem o período de 2004/2005 (incluindo o falecimento de Yasser Arafat, a

participação do eleitorado iraquiano nas eleições de 2005, o assassinato do ex-primeiro

ministro do Líbano, Rafic Hariri, e a reforma da eleição presidencial anunciada por

Mubarak em fevereiro de 2005) e também a resistência egípcia aos britânicos, franceses

e israelenses nas décadas de 50 e 60. Nestes cenários de mudanças políticas, Agra e

Lima afirmam que a expressão foi adotada para suscitar qualquer movimento rumo à

democracia.

O estudo assume que, quando materializada pelo locutor, as palavras assumem

um sentido mais amplo que é transmitido e interpretado pelo interlocutor, rompendo

com as primeiras acepções que estas possuíam antes de se conhecê-las em um novo

contexto. Assim, o estudo nos diz que a expressão “primavera árabe” conota à noção de

democracia ou a “algum tipo de abertura ou mobilização política, mas o seu uso está

estreitamente associado com as posições ideológicas de quem produz o discurso” (Agra

e Lima, 2013, p.297).

Tomando as considerações de Agra e Lima sobre a expressão “Primavera

Árabe”, assumimos a importância de desnaturalizar a roupagem de democracia que

estas palavras incitam em seu contexto de uso. A noção de democracia, a partir de uma

visão ocidentalizada de mundo - a visão que produz estes discursos -, envolve a

necessidade de consolidação de uma sociedade civil, na qual as relações de poder

devem ser construídas de baixo para cima. Em sua forma liberal, a que mais vingou na

ordem internacional atual, a democracia se assenta na representatividade política e no

direito às liberdades individuais. Neste modelo normativo, o Estado é programado no

interesse da sociedade, “entendendo-se o Estado como aparato de administração pública

e a sociedade como o sistema, estruturado em termos de uma economia de mercado, de

relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social” (Habermas, 1995, p.39).

Neste estudo, entendemos que esta relação entre o termo e as noções que ele

conota a partir do seu uso, pertencem a um discurso usado para homogeneizar outras

formações sociais que não estão no “lócus de enunciação” (Grosfoguel, 2010) dos

produtores deste discurso. O discurso da democracia liberal se tornou um imperativo da

ordem internacional desde o fim da Guerra Fria, quando os Estados Unidos emplacaram

a política de “dominação global” que tinha como objetivo espalhar a democracia no

globo, fazendo o mundo à sua imagem (Mearsheimer, 2011). A força do discurso

democrático como única opção política (emancipadora) no pós-Guerra Fria foi tão

intensa que apoiou e foi apoiada em publicações que decretaram o “fim da história”

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(Fukuyama; 1989;1992) devido ao triunfo do sistema liberal ocidental sobre o

socialismo soviético.

O problema da aplicação de um discurso hegemônico é que ele constantemente

esbarra na presença de outros saberes e formações sociais, que, por sua vez, formam nós

de resistência. Ainda na África pós-colonial, a exportação da noção ocidentalizada de

democracia liberal se deparou com a concepção de consenso absoluto das sociedades

tradicionais sob o elo de sabedoria das gerações passadas, atuais e futuras. Para J.

Nyerere, a democracia e o socialismo já estavam enraizados no passado africano

(Nyerere, 1962 apud UNESCO, 2010, p.44). A concepção de democracia ocidental

introduziu na África o primordialismo das eleições gerais em troca da tradição

consensual (ainda que caiba questionar sobre quem assentia o consenso) que já existia.

Para muitas sociedades, as eleições organizadas neste modelo representavam

forçosamente uma disputa que se transformava facilmente em conflito (UNESCO,

2010).

Tomando o exemplo das sociedades africanas para o estudo de verdades

construídas em torno do imaginário da “Primavera Árabe”, Brancoli faz uma importante

observação (2013):

É preciso tomar distância das perspectivas opostas, em que os

protestos eclodidos na região são vistos como 'revoltas

exclusivamente democráticas em uma perspectiva maniqueísta de

libertação do povo contra ditadores maléficos (p.15).

Dado nosso objeto de estudo, a “questão líbia”, a análise histórica dos conflitos

revela a presença de estruturas sociais e políticas particulares ao contexto cultural do

país e ainda o desenrolar de acontecimentos importantes que resistem a associação de

abstrações políticas estritamente ocidentalizadas sobre os levantes.

1.3. Um olhar sobre a Líbia: o panorama sociopolítico do regime de Gaddafi e a

efervescência de 2011

A Líbia de Muammar el-Gaddafi possuía um modelo político singular. O golpe

de Estado em 1969 levou ao fim da monarquia, a instauração da República Árabe e a

consagração do que Gaddafi chamava de Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista

da Líbia. Este modelo de República era diferente da forma moderna de Estado-Nação e

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afirmava representar a democracia, sem partidos políticos, mas através de comitês

populares locais. Estas noções foram conceituadas no “Livro Verde” de 1976, um

espécie de guia político do regime.

Do ponto de vista do conteúdo ideológico, a obra contém um conjunto integrado

de concepções, que envolvem a filosofia da “Terceira Teoria Universal”. De forma

geral, o livro propunha soluções para os problemas da democracia e da economia

(Qathafi, s.d.), estabelecendo um modelo político organizativo e se colocando como

leitura de referência para a população. Dentre outros aspectos, o Livro Verde atacava as

formas de representação dos modelos democráticos vigentes (assembléias

parlamentares, partidos, referendos, etc), propondo um tipo de democracia direta, que,

por definição, entendia-se “o poder do povo e não o poder de um substituto” (Qathafi,

s.d, p.11). O único meio de democracia popular, pregava o livro, seriam os congressos e

comitês populares.

Inspirado nos movimentos anti-coloniais e nacionalistas do período, Gaddafi

ostentava o título de “líder da revolução” ou mais propriamente de “guia”, posição que,

por um lado, levava ao afastamento progressivo de relações com o Estados Unidos e,

por outro, a aproximação com a União Soviética. O ideário propunha uma destruição

sistemática das teses liberais e apostava no islã como a via alternativa entre os

imperfeitos comunismo e capitalismo (UNESCO, 2010, p.581), coordenada pela

vontade popular. Na prática, a ideologia oficial do socialismo islâmico representou um

governo baseado em constante repressão e uso da violência. Gaddafi reprimiu os

oponentes progressistas, islamitas e nacionalistas e criou uma importante rede de

relações entre os principais líderes dos clãs (Khechana, abr. 2011).

O sistema era caracterizado pela inexistência de uma estrutura institucional -

conforme entendida pelo Estado moderno, da figura de presidente (substituído pelo

“guia”) e de partidos políticos (substituídos por comitês populares que constituíam a

base do sistema). Os comitês populares eram espaços para as lideranças locais

exercerem poder e, no caso de lítigios entre os mesmos, havia os comitês de controle,

cuja nomeação dos membros era incerta (Khechana, abr. 2011). Segundo Gaddafi

(Qathafi, s.d, p.32),

Primeiro, o povo divide-se em congressos populares de base. Cada

congresso escolhe o seu comitê. O conjunto desses comitês forma, por

sua vez, congressos populares – congressos diferentes dos de base.

Depois, o conjunto dos congressos populares de base escolhe comitês

administrativos populares para substituir a administração

governamental. A partir de então, todos os serviços públicos passam a

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ser dirigidos por comitês populares responsáveis perante os

congressos populares de base, os quais fixam a política a seguir e

fiscalizam a execução.

Esta estrutura sustentou arranjos de poder, baseados no ideal de que o povo

participava ativamente da política, embora os controles político e administrativo

permanecessem concentrados em sua figura.

No que tange aos aspectos socioeconômicos, o regime de Gaddafi apresentava

indicadores elevados no continente africano. No ranking do Produto Interno Bruto per

capita, que representa o total de riqueza sobre o tamanho da população, a Líbia ocupava

o 89º lugar da economia mundial em 2011, maior em relação à países como Brasil,

África do Sul e Irã (PNUD). Isso se explica principalmente pelo perfil de uma economia

com atividade centrada nos lucros do setor petrolífero.

A renda per capita elevada, no entanto, não equivale à distribuição de renda no

âmbito interno, da mesma forma que, no âmbito externo, não equivale ao fator de

diferença mais radical entre Norte e Sul. A Líbia, assim como outros países do Sul

global, é dependente de tecnologia e “está longe de atingir o nível da Europa Ocidental

em matéria de técnicas produtivas e de organização econômica” (UNESCO, 2010,

p.508).

O acompanhamento do Índice de Desenvolvimento Humano revela números

favoráveis para Líbia que ocupava o 50º lugar do ranking mundial em 2010,

posicionada no grupo de IDH alto, junto com países da Europa. Dentre outros aspectos,

a sociedade líbia possuía uma alta taxa de população urbana (77% em 2011), de

expectativa de vida (76 anos em 2011) e também de alfabetização (89% da população

acima de 15 anos era alfabetizada, representando considerável melhora social nos

últimos cinquenta anos6) (World CIA Factbook).

O problema de uma análise que considera apenas números, taxas e gráficos é

que estes costumam não revelar realidades sociopolíticas que existem por trás. É preciso

mencionar que os excelentes indicadores da Líbia, incluindo o IDH, não mostram a

desigualdade na distribuição de recursos administrativos e econômicos que havia no

país. A solidariedade de clãs do regime de Gaddafi privilegiava as regiões sul e centro,

em detrimento da região leste - que ficava à margem dos programas econômicos do

governo e investimentos - gerando insatisfação neste grupo da população. Assim, a

regionalização é também um fator importante para compreender a influência política

6 Na época da independência (1951), mais de 85% da população ainda era analfabeta (UNESCO, 2010,

p.168)

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dos clãs e as articulações que levaram à deposição de Gaddafi.

A formação do mapa político da Líbia remonta ao período colonial. A Líbia é

dividida em três macro-províncias: Tripolitânia no noroeste, Fezzan no centro-sul e

Cirenaica no leste (ver anexo). A primeira administração colonial da Líbia pertenceu aos

italianos (1916) que dominavam o território na totalidade que conhecemos hoje. Antes

desta data, as regiões eram parte do Império Otomano. Na época colonial, Trípoli,

Misurata, Benghazi e Dera eram micro-províncias costeiras que assumíam elevado grau

de participação política. Por um longo período, estas províncias foram alçadas à “parte

do território nacional italiano” com governo local autônomo, enquanto o resto do Saara

mantinha status de colônia.

Após a derrota italiana pelos aliados na II Guerra Mundial (1945), Tripolitânia e

Cirenaica foram submetidas à administração britânica, enquanto Fezzan foi ocupada

pelos franceses. A partir daí, estas três regiões foram separadas e divididas pelos

interesses de duas outras potências coloniais. Os movimentos de independência partiram

principalmente do leste. Em Cirenaica, podemos destacar a atuação da confraria dos

Sanusiyya, fundada por Muhammad b. „Ali al‑Sanusi, que se tornou a principal força de

resistência ao imperialismo otomano e mais tarde ao colonialismo italiano. Deste

movimento, surgiu a resistência armada anti-colonial liderada por Omar Mokhtar e a

liderança de Idris I, o articulador principal na conquista da independência líbia em 1951,

como regime monárquico federativo (UNESCO, 2010, p.167).

Este cenário político protagônico do leste se mantém até a década de 60, quando

é modificado radicalmente com o golpe de Gaddafi. A deposição de Idris I, iniciou um

processo de exclusão política-social da província de Cirenaica, historicamente ativada

nas lutas políticas internas. Ao longo de todo o governo Gaddafi, o oeste foi a região

mais desenvolvida do país onde se estabelecia o centro administrativo e os clãs mais

influentes do regime, enquanto no leste foram renegados os frutos de participação para

os clãs oposicionistas. Estas relações formavam um quadro de alianças familiares

desiguais que ajuda a explicar o desmoronamento dos arranjos políticos do regime e as

causas que levaram ao início dos protestos.

Antes de analisá-los, no entanto, é importante reconhecer algumas questões

sobre as divisões tribais da Líbia. Primeira, que tribos, subtribos e outros grupos tem

uma variedade de estruturas de lideranças que raramente funcionam como blocos

monolíticos. Segunda, que a Líbia possui mais de 140 tribos, mas somente 30 possuem

significância política (Najem, 2004). Terceira, que há uma discordância quanto ao papel

das estruturas tradicionais familiares em áreas urbanas, pois, enquanto alguns negam

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sua importância, outros dizem que elas podem ser vitais na ausência de estruturas de

governo (Apps, 2011).

Após estas considerações, podemos selecionar seis grupamentos familiares

proeminentes para o entendimento da questão líbia: as tribos Qadhadhifa, Werfalla,

Magarha, Misrata, Zuwwaya e os Barasa.

Os Qadhadhifa era o grupamento ao qual pertencia o ex-presidente líbio. O clã

de Gaddafi é um dos mais pequenas da Líbia e não é particularmente poderoso

historicamente. O seu território abrangia a região de Sirte. Analistas dizem que o

grupamento familiar ficou rico sob o seu governo, acusado comumente de monopolizar

cargos chaves. Seus membros ocupavam os principais elementos de algumas das

"unidades de proteção do regime”, atuando como importante força de proteção pessoal

de Gaddafi, além de responsável pela função repressiva contra os atos de oposição

(Apps, 2011; Mattes, 2014).

Os Werfalla eram o apoio quantitativo mais importante do regime em

Tripolitânia e Fezzan. São reconhecidos como o maior clã da Líbia que possui em torno

de um milhão de habitantes concentrados na cidade de Misurata no oeste, quase

próximos a Sirte. Os Werfalla lançaram um golpe contra Gaddafi em 1993, com o apoio

dos Magarha, exigindo uma maior representação no governo. Apesar do fracasso do

golpe e da morte, prisão e exílio de alguns de seus líderes, o clã manteve números

consideráveis de membros dentro das forças armadas. O clã inclui seis subclãs e, por

vezes, sofria de divisões internas (Apps, 2011; Mattes, 2014).

Os Magarha são o segundo maior grupamento familiar do país e se localizam no

centroeste. Como já mencionado, alguns de seus mebros participaram do golpe de 1993

contra Gaddafi e, por isso, o clã possuía algumas divisões internas quanto ao apoio ao

regime. Originário do interior, muitos membros se mudaram para a costa por passarem a

desempenhar um papel cada vez mais central na política. Abdessalam Jalloud, Primeiro

Ministro Interino, comumente reconhecido como braço direito de Gaddafi, era membro

dos Magarha e permaneceu no cargo até um desentendimento com Gaddafi na década

de 1990, levando-o a se juntar ao golpe de 1993 (Apps, 2011; Mattes, 2014).

Os Misratas são o maior grupamento familiar no leste da Líbia, com base em

torno da cidade oriental de mesmo nome (que não deve ser confundida com a cidade de

nome idêntico ocidental disputada no início da guerra) e as cidades de Benghazi e

Darnah. Durante a monarquia de Idris I, antes do golpe de 1969, primeiros-ministros e

muitos ministros de gabinete eram recrutados desse clã, situação que foi reduzida a

partir de 1969. A região de Misrata no leste abrigou grande parte dos levantes contra

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Gaddafi (Apps, 2011; Mattes, 2014).

Os Zuwwayah são um grupo familiar relativamente pequeno e de maioria rural,

que vive em regiões produtoras de petróleo do leste interiorano. Seus membros eram

conhecidos por exigirem mais voz no uso das receitas do petróleo e por terem sido um

dos maiores opositores de Gaddafi durante a revolta. Também eram reconhecidos por

serem relativamente bem armados (Apps, 2011; Mattes, 2014).

Os Barasa eram uma tribo do leste que dividiu comportamentos durante o

protesto. A segunda esposa de Gaddafi veio dessa tribo e alguns de seus membros foram

nomeados para cargos de nível médio burocráticos durante o regime. Com o estopim

dos conflitos, ainda assim, muitos membros foram rapidamente para a oposição e seus

líderes pareciam relutantes em fazer declarações explícitas quanto à sua lealdade (Apps,

2011).

Desde 1969, portanto, os membros dos clãs Qadhadhifa, Werfalla e Magarha

eram privilegiados em detrimento de outros, assumindo todas as posições chaves na

arena de segurança, nas Forças Armadas, polícia e serviço de inteligência (Mattes,

2011). Esta aliança foi em grande parte assegurada por um princípio de obediência, no

qual os clãs leais ao regime experimentavam benefícios materiais, enquanto os que

permaneciam na oposição eram punidos com negligência. Em retorno à lealdade

absoluta dos membros e líderes familiares, os benefícios incluíam a provisão de

empregos ou projetos sob os planos de desenvolvimento de governo (Mattes, 2011).

Durante as quatro décadas do regime, Cirenaica foi categoricamente posta de lado,

conforme Gaddafi centralizava forças em Trípoli e privava a região leste dos lucros do

setor petrolífero. A tentativa de abafamento de certos protagonimos políticos

provinciais, principalmente no leste do país, está no cerne das causas que levaram aos

protestos e ajuda a explicar o porquê eles começaram em Benghazi e não em outra

região (Poort, 2012).

Em meados de fevereiro, no leste, onde a popularidade do ditador era

historicamente mais baixa, os protestos foram levados adiante por grupos de jovens

armados (Lisa Anderson, 2011) e mais tarde se espalharam rapidamente para a capital

Trípoli. É importante salientar que desde 1984, os EUA, então presidido por Ronald

Reagan, começaram a fornecer financiamento, armas e treinamento para alguns grupos7

anti-Gaddafi que já se assentavam em bases clandestinas no Chade, insuflando mais

elementos para o quadro de oposição do regime.

Em abril de 2011, Jon Lee Anderson, repórter de guerra do jornal The New

7 Dentre eles a Operação Nacional para Salvação da Líbia em 1984.

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Yorker, fez o seguinte relato à respeito do conteúdo dos chamados “rebeldes” (se

referindo provavelmente à linha de frente proveniente do leste):

O núcleo duro dos lutadores tem sido os Shabab - jovens cujos

protestos em meados de fevereiro provocaram os levantes. Eles

variam de ‗‖valentões‖ (aspas minha) de rua para estudantes

universitários (muitos de ciência da computação, engenharia ou

medicina), e juntaram-se aos desempregados, aos mecânicos de meia-

idade, comerciantes e lojistas. Há um contingente de trabalhadores de

empresas estrangeiras: petroleiros e engenheiros marítimos,

supervisores de construção, tradutores. Há ex-soldados com suas

gunstocks pintadas de vermelho, verde e preto - as cores da bandeira

da Líbia pré-Kadafi. E existem alguns homens religiosos ―barbudos‖

(aspas minha), mais disciplinados do que os outros, que aparecem

com a intenção de lutar na ponta perigosa das linhas de frente.

Parece improvável, contudo, que eles representem a Al Qaeda.8

E continua:

Fora de Ajdabiya, conheci Muhammad Saleh, um jovem mecânico

armado apenas com uma baioneta. Somente uma ou duas horas antes,

ele tinha visto seu irmão mais novo morrer. Poucos dias depois, ele

me disse que estava planejando comprar armas no mercado negro e,

com um grupo de dez amigos, voltar ao campo de batalha. Com a

formação profissional e de liderança (presumivelmente a partir do

estrangeiro), os rebeldes podem, eventualmente, se transformar em

algo como um exército próprio.

Assim, a questão líbia se difere dos outros países das insurreições árabes quanto

à presença de uma oposição razoavelmente armada, formada, além de outros elementos,

por ex-soldados, soldados desertores e civis armados provenientes primeiramente das

famílias próximas à Benghazi.

O quadro de oposição continuou aumentando até que duas semanas depois dos

protestos, políticos, ex-oficiais militares, líderes tribais, acadêmicos e homens de

negócios, ou seja, representantes da elite líbia, se reuniram no leste, na cidade de Al

Bayda. Desta reunião, foi formado o Conselho Nacional de Transição que se dizia

representar todo o país, embora seus cargos executivos principais fossem ocupados por

antigos membros dos clãs aliados à Gaddafi (o presidente, Mustafa Abdul Jalil, era ex-

ministro da justiça, e o primeiro-ministro, Mahmoud Jibril, era ex-ministro de

planejamento e membro do clã Werfalla). Este Conselho recebeu abertamente apoio da

OTAN e atuou em conjunto com as forças militares destes países na resolução 1973 do

8 Em referência à declaração de Gaddafi de que os opositores eram terroristas da rede Al-Qaeda.

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Conselho de Segurança da ONU.

Mattes (2011) diz que a renúncia de membros dos clãs do quadro de aliança de

Gaddafi era inesperada em caso de oposição política aberta contra este mesmo domínio,

que foi o que aconteceu. Ele afirma que este tipo de situação só se materializou agora,

porque o maior clã, os Werfalla, reprovaram o “tratamento severo” dado pelo clã de

Gaddafi à oposição, assim se distanciando dos Qadhadhifa. Havendo ou não esta

possível solidariedade de clãs, o fato é que os motivos para a fragmentação do arranjo

político dominante do regime precisará de um tempo ainda maior para se consolidar,

devido ao caráter recente dos acontecimentos. A explicação mais contundente do porquê

clãs tão influentes e poderosos debandaram para realizar o seu próprio “Conselho de

Transição” fica impossibilitada devido à dificuldade de encontrarmos publicações

formais.

Ainda assim, a aliança rápida e belicosa deste grupo com a OTAN revela

algumas possibilidades sobre os objetivos do novo arranjo político. Primeiro, uma

tentativa dos dirigentes (entende-se o quadro executivo) do Conselho Nacional de

Transição tomarem a direção dos protestos na Líbia através de apoio coercitivo

internacional e consequentemente dos rumos do governo que viria. Segundo, a falta de

diálogo entre a ONU e OTAN antes dos bombardeios aéreos, revelando que as

aspirações humanitárias e o respeito ao Direito Internacional não pareciam estar nos

objetivos da intervenção. Terceiro, o fato da Inglaterra e a França que, conforme já

mencionado, possuem interesses históricos na região, terem assumido as principais

vozes intervencionistas na organização. Quarto, a posição geopolítica estratégica da

Líbia para os Estados Unidos, no mediterrâneo, na África e próximo ao Oriente Médio.

Quinto, o fato dos países intervencionistas possuírem as maiores empresas de

exploração de petróleo do mundo e ser a Líbia a maior detentora deste recurso no

continente africano. Sexto, a intenção de o Ocidente restabelecer o controle na região

que antes estava fora da influência dos Estados Unidos e Europa.

Neste sentido, o ambiente de oposição líbia que culminou na morte do ditador

nas ruas de Sirte é muito diverso das visões românticas ocidentalizadas. Pouco tempo

depois da queda de Gaddafi, as milícias que fizeram parte do movimento acabaram se

voltando em disputas, reivindicando cada qual seu próprio projeto político. Grupos da

região de Cirenaica declararam sua semi-autonomia de Trípoli e a Líbia segue em

profunda instabilidade política. Desde o contexto de criação do Congresso Nacional

Geral em 2012, muitos opositores do leste ainda se levantam contra a iniciativa de criar

um sistema eleitoral que eles não entendem como justo, pois seria a continuação das

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políticas discriminatórias que marginalizaram a região por décadas (Poort, 2012).

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Capítulo II

Mídia e Relações Internacionais

2.1. Mídia, poder e discurso

No fim do século XX e devido aos avanços da ciência, produziu-se um sistema

de técnicas presidido pelas técnicas da informação que passou a ter presença planetária

(Santos, 2000). A chamada Era da Informação modificou profundamente manifestações

sociais e psicológicas, comportamentos coletivos e individuais e a forma de interação

entre os atores nas relações internacionais (Valente, 2007). Com o desenvolvimento das

tecnologias de informação e o rápido envolvimento nas atividades sociais, a mídia

passou a dividir com outros agentes responsabilidades e funções que vão além do

simples papel de veiculador de informação (Naveh, 2007). Entender como se constrói a

autoridade da mídia na sociedade, em que se assenta seu exercício de poder e como ele

se alimenta é importante porque expõe a origem da fonte social em que se baseia seu

funcionamento, deslegitimando tanto noções que idealizam os fenômenos da

globalização, quanto as que associam automaticamente poder e Estado.

Desde a década de 1970, surgiram tentativas de se construir uma visão benéfica

sobre o processo evolutivo dos meios técnico-científico-informacionais que não têm

encontrado respaldo nos últimos estudos acadêmicos9. A corrente chamada modernista

se baseava na proposição do enfraquecimento do Estado territorial, a partir dos efeitos

de difusão dos recursos informacionais e da entrada de novos agentes transnacionais no

jogo de poder (Keohane & Nye, 1998). Dentre outras visões, surgiram também aquelas

que foram de antemão a essa linha liberal, subordinando a ascensão da comunicação ao

poder estatal. Nestas concepções, a relevância das mídias estaria no seu papel limitador

de arma de propaganda de governos, por atuarem como instrumentos de persuasão dos

tomadores de decisão (Marinucci, 2008). Nas Relações Internacionais, esta linha

encontra força no paradigma realista que objetiva reafirmar a continuidade da

centralidade do Estado no jogo de forças do sistema internacional10

.

O que se observa nos acontecimentos recentes, contudo, é que tanto a linha dos

liberais modernistas, quanto a linha realista, têm sido cada vez mais insuficientes para

explicar a complexidade dos contextos de atuação midiática. No caso da intervenção na

9 Ver Peter Drucker, Alvin e Heidi Toffler e Esther Dyson.

10 Ver Robert Wendzel em Relações Internacionais: o enfoque do formulador de políticas (1985)

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Somália em 1992, por exemplo, Shaw (1996) concluiu que a cobertura global de

televisão americana praticamente forçou a decisão dos Estados Unidos em invadir o

país, enquanto no episódio do Golpe de Estado sobre Hugo Chávez, Valente (2007)

concluiu que as mídias latinoamericanas atuaram simplesmente como instrumentos de

governos, divulgando posições oficiais contrárias ao aspecto anticonstitucional do

golpe. Resultados tão diversos evidenciam que, por um lado, a mídia pode ser capaz de

atuar diretamente e independentemente sobre tomadores de decisão e, por outro lado,

seu exercício de poder pode ser submetido ao interesse de outras instituições como o

Estado.

É significativo que a gama de conclusões e ferramentas teóricas se desenvolvam

em um número cada vez maior de estudos sobre mídia devido ao caráter complexo e

multifacetado do sistema internacional. Com o fim da Guerra Fria, se tornou mais clara

a emergência de atores que fazem pressão nas relações de poder, a incluir o poder

midiático, e exigem também que se desenvolvam novas perspectivas para tratar do

assunto. Rodrigues (2010) chama a atenção para a necessidade de na época atual - ou

seja, a época de uma política, economia e guerras em fluxo; de desterritorializações; e

resistências à sociedades de controle -, que o analista de Relações Internacionais não se

cerceie a verdades estanques e perspectivas que visem enquadrar situações que se

transformam todo o tempo.

Por estes motivos, Michel Foucault (1979, 2012) nos confere uma visão

alternativa para o entendimento da origem e funcionamento do poder da mídia. O autor

desenvolve uma concepção articulada sobre as relações de poder, que operariam por

meio de uma complexidade de pontos interligados. Seu método de análise parte da

vertente ascendente ou da inversão que vai de encontro à ideia de que o Estado é o

órgão central ou único de poder e de que a relação de poderes das sociedades modernas

seria uma extensão dos efeitos do Estado.

Parafraseando Rodrigues em alusão à Foucault (2010), ao se prenderem ao

soberano como ponto de partida e de chegada, as teorias de Relações Internacionais

ainda não cortaram a cabeça do rei. Assim, a análise genealógica aplicada para as

Relações Internacionais nos permite repensar estas teorias, admitindo que os elementos

locais e transnacionais podem se articular com o aparelho estatal porque há uma rede de

poderes moleculares que se expande por toda a sociedade. Esta noção de que o poder se

propaga em rede proporciona uma visão mais ampla sobre a ideia atual de

“fragmentação” do poder. Ela facilita o entendimento das relações de poder como

bidirecionais e retroalimentadoras com os novos atores (organizações internacionais,

Página | 32

organizações não governamentais e empresas multinacionais) que emergiram na

sociedade internacional, mostrando que o poder se propaga em diversos lócus. Roberto

Machado (in Foucault, 1979, p. 14) diz que “o interessante da análise é justamente que

os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social”.

Nesta perspectiva, o poder não é uma coisa. Não se pode pegar o poder, tê-lo ou

distribuí-lo, pois ele é uma prática ou uma relação constituída historicamente. É algo

que se exerce e se disputa, já que o poder, em seu sentido material, não existe.

Tal qual a importância do conceito de poder em Foucault (1979), ressaltamos

suas contribuições sobre as noções de verdade e discurso para os estudos de mídia.

Foucault explorou estes conceitos a partir dos campos de saberes da medicina,

psiquiatria, justiça, geografia, do corpo, da sexualidade, do papel dos intelectuais e do

Estado. Não se tratava de propor uma teoria do discurso, já que teorias apresentam o

problema da universalização de modelos muitas vezes desconectados no espaço-tempo.

Tratava-se de entender o discurso a partir da sua concepção histórica. E já que Foucault

nunca utilizou a mídia como objeto de estudo, nossa apropriação das abstrações

Foucaultianas sobre discurso levam em conta essas considerações e a ressalva que

devemos aplicar aqui.

Sobre discurso, Foucault os define como um jogo de signos, analisados pelas

variáveis do controle e apropriação. O princípio de desenvolvimento dos discursos é a

racionalidade imanente que existe na sociedade atual, pois a lei do discurso busca a

verdade ideal, a mais correta pelo exercício da razão. Foucault caracteriza este processo

como a ética de conhecimento do discurso, na medida em que a verdade se constitui no

próprio desejo de verdade e somente ao poder de verdade.

Foucault observa que a vontade de saber se deslocou como vontade de verdade

em nossa sociedade, a partir do século XIX, e que se apoia sobre um suporte

institucional. Esta vontade de verdade “é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por

toda uma espessura de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da

edição, das bibliotecas, como as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje”

(Foucault, 2012, p.16) e como também não os meios de comunicação?

A vontade de verdade é definida como o princípio de exclusão mais profundo

sobre os discursos. Ela atua por meio da pressão e do seu poder de coerção sobre outros

discursos criando verdade que, por sua vez, se mascara novamente como vontade de

verdade, reconduzindo o processo. Assim, em sua definição, não se trata de:

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o conjunto das coisas verdadeiras a se descobrir ou fazer aceitar, mas

o conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do

falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de

poder;entendendo-se também que não se trata de um combate em

favor da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do papel

econômico-político que ela desempenha (Foucault, 1979, p.13).

A partir desta noção dos embates em torno do estatuto da verdade, Foucault

propõe um dos conceitos mais importantes para nosso estudo sobre mídia: o regime de

verdade. Regime de verdade é o que define a relação entre poder e verdade. São tipos de

discursos que cada sociedade acolhe e faz funcionarem como verdadeiros. É o

entendimento de que a verdade está circularmente ligada a sistemas de poder que a

produzem e a apoiam e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. Desta

relação, Foucault retira a proposição de que verdade é poder.

O funcionamento da mídia a partir do conceito de regime de verdade é aqui

induzido, devido às características e os papéis que surgem dela em nossa sociedade. A

Era da informação tem como uma de suas características, a apresentação da verdade

midiática na roupagem da informação. Isto significa que o conteúdo jornalístico, em sua

maioria (este inclui as notícias, as matérias telejornalísticas, as imagens e

principalmente as notícias reproduzidas), é divulgado não como uma dada visão de

mundo a respeito de um acontecimento, mas sim como um fato, objetivo e imparcial.

A sociedade, de forma geral, não assimila a assinatura (ou as assinaturas) que

existe por trás das notícias das empresas privadas de comunicação. Justamente por seu

caráter privado, elas se revestem de neutralidade, vendendo a ideia da imprensa livre,

que não está subordinada nem a ideologias nem a governantes. Trata-se de uma

estratégia básica de comunicação, pois “a proposta de imparcialidade desarma o

público, deixando-o mais suscetível à influência e a achar que o que está sendo

divulgado corresponde à verdade” (Valente, 2007, p.53).

Evidentemente, esta qualificação do enunciador midiático como sujeito

especialista e imparcial em relação ao objeto é uma construção falaciosa, histórica e

estratégica de apropriação de discursos e exercício de poder. O aspecto da informação

como discurso verdadeiro, ou “vontade de verdade” como definiria Foucault (1979),

mascara o direcionamento das notícias para a formação de uma opinião pública dentro

dos interesses dos grupos que financiam e dirigem os veículos de informação.

Partindo para o contexto internacional, esta aura de imparcialidade é ainda

menos sustentável quando concebemos que a maior parte da informação circulante

globalmente, tanto em termos de conteúdo textual quanto de imagem, provém de

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selecionadas agências de notícias internacionais. Como já mencionado, as agências

Associated Press, Reuters, France Presse (AFP) e EFE produzem de 70% a 90% do

conteúdo jornalístico, distribuído como notícias para os meios de comunicação locais

(Boyd-Barret; Rantanen, 2004). Isto significa que bem mais da metade da informação

global provém de apenas três países (Estados Unidos, Inglaterra e França) e é

reproduzida por veículos de diversos países ao redor do mundo (Squirra; Espiridião,

2012).

Esta configuração de domínio informacional e reprodução de notícias seria

interpretada pelas teorias dependentistas ou do imperialismo cultural a partir da ideia de

dependência do material estrangeiro que concentraria os recursos tecnológicos

necessários para produzir informação. Por um lado, concordamos com a corrente

dependentista no sentido de que a concentração dos recursos comunicativos torna

desigual o fluxo de notícias no mundo, dificultando a capacidade de países periféricos

amplificarem seus interesses nacionais. Por outro lado, assim como Camargo (2008),

assumimos que a reprodução de notícias nas mídias locais de países periféricos não é

fruto somente desta configuração desigual da informação. Existe uma escolha racional

sobre o conteúdo a ser publicado que leva em conta muitos aspectos, como a linha

editorial, a filtragem do assunto e o olhar do repórter.

Quando falamos de notícias reproduzidas de agências internacionais, portanto,

não se trata apenas de reproduções, no sentido dos que defendem propriedade de

neutralidade em conteúdo citado. A maneira de tratar este material, ou somente

selecioná-lo (quando se possui correspondentes no exterior), é uma escolha subjetiva do

jornal que pode ou não revelar discursos consubstanciados. Traçando um paralelo com

as ideias de Foucault, assumimos que a mídia atua em um regime de verdade e que este

pode se manifestar no âmbito internacional, considerando a possibilidade de certas

mídias locais, em um dado sistema de poder, acolherem discursos hegemônicos que elas

fazem funcionar como verdadeiros.

2.2. O papel da mídia nas Relações Internacionais: o ator constrangedor

Embora seja inegável a centralidade dos meios de comunicação no mundo

contemporâneo, os estudos abordando o papel da mídia são quase escassos nas Relações

Internacionais. Alguns aspectos como o forte positivismo metodológico que permanece

na disciplina e a influência da academia norte-americana, que coloca o hard power no

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centro das atenções, são possíveis razões para o silêncio que existe em torno dos temas

que envolvem soft power e os novos atores transnacionais (Marinucci, 2008). As poucas

referências a estudos sobre os meios de comunicação evidenciam a dificuldade de se

levar em consideração as instituições sociais juntamente com as formas de Estado e a

ordem mundial. Entender a mídia, para além do papel auxiliar, demanda assumí-la

como elemento determinante nas disputas políticas e como agente nos processos de

tomada de decisão.

Sobre esta perspectiva, Eytan Gilboa (2001, 2002) contribui com estudos que

consideram os efeitos da comunicação global na formulação e atuação da política

externa. Em Global Communication and Foreign Policy, o autor defende que o

significado de poder mudou consideravelmente desde o século XX, assim como foram

modificados os processos de tomada de decisão e a conduta da diplomacia. Sob tal

perspectiva, a mídia se caracteriza por sua capacidade de atrair, em vez de coagir, a

sociedade internacional.

A profundidade deste exercício de poder, definido como soft power (Nye e

Owens, 1996), gera debates sobre a relação da mídia frente a outros atores

internacionais, principalmente o Estado. Por um lado, há aqueles que ressaltam a mídia

como ator submisso à influência estatal, na medida em que atua principalmente como

porta voz dos interesses nacionais; por outro lado, há aqueles que defendem a mídia em

seu papel de ator independente no sistema internacional, agindo muitas vezes como

substituta das funções estatais nas questões de diplomacia, mediação internacional e

guerra.

A partir destes debates, Gilboa apresenta uma taxonomia onde a comunicação

global é representada como ator no processo político através de diferentes ênfases (com

atributos de tipo, atividade, contexto e conceito) em suas relações com o Estado na

arena internacional. Neste sentido, quatro modelos são identificados: controlador,

constrangedor, interventor e instrumental. O papel da mídia como controladora (efeito

CNN) é a maximização do poder da mídia frente ao Estado e ao sistema internacional.

Trata-se da dominação da comunicação global sobre o processo de tomada de decisão

nos contextos de guerra e intervenções militares, tomando principalmente o exemplo da

rede CNN de televisão. Como ator constrangedor, o poder da mídia é relativizado,

concebendo-a como um dos elementos que influencia no processo de tomada de decisão

e que pressiona o líder político a tomar atitudes em curto prazo. Neste modelo,

dependendo do contexto, o poder de constrangimento pode levar a resultados mais ou

menos fortes. O terceiro papel é a mídia como interventora nos casos de negociações

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internacionais. Essa categoria considera que em muitos contextos de conflitos os

repórteres agem como intermediadores, substituindo funções do Estado. E por último, o

quarto papel é a mídia como ator instrumental. É a redução máxima do poder da mídia

frente ao papel do Estado. Neste modelo, a mídia é uma ferramenta da diplomacia dos

governos para mobilizar suporte e lograr acordos.

Para o nosso objeto de estudo, a questão líbia, destaca-se a possível aplicação do

modelo constrangedor elaborado por Gilboa. Dentre estas definições sobre a atuação

midiática (controladora, interventora e instrumental), a função constrangedora

representa o tipo ideal para explicitar as relações de poder que se desenham nos

contextos internos de tomada de decisão. Constranger significa que, apesar da cobertura

global de notícias poder atrapalhar o processo político, os líderes não se sentem

forçados (grifo) a seguir uma política particular explícita ou implícita na cobertura da

mídia.

Gilboa (2002) explica este modelo por meio do termo real-time policy ou

política do tempo real. Este termo se refere ao ambiente de alta velocidade de

transmissão informativa criado pela comunicação global que acaba por constranger o

processo político. Como a mídia é hoje a principal fonte de informação sobre os eventos

internacionais, substituindo a diplomacia tradicional no oferecimento de conteúdo sobre

posições de governo, o ritmo rápido que caminha com a revolução da informação passa

a fazer parte também das trocas diplomáticas, alterando o processo padrão de tomada de

decisão. Especialmente em situações de crise, as coberturas midiáticas têm substituido

embaixadores e experts como fontes de informação críticas e avaliação do que acontece

no mundo.

Beschloss (1993, apud Gilboa, 2002) argumenta que a rápida velocidade força

respostas baseadas na intuição em detrimento da reflexão, o que pode levar a erros

políticos perigosos. Como a política ficou mais rápida e mais dependente dos conteúdos

midiáticos, os líderes que não se adaptam à este contexto, desenvolvendo respostas

imediatas, passam à ideia de confusão ou descontrole sobre os eventos. Gilboa salienta

que “líderes sempre usaram a imprensa, particularmente os „jornais de elite‟ para

obterem informações e insights de outros países e questões internacionais”11

(Gilboa,

2002, p.736) e com as redes globais de televisão (e suas transmissões em broadcasting)

este cenário se torna ainda mais potente.

No que concerne a opinião pública, esta funciona como instrumento persuasivo

11

Leaders have always used the press, particularly the ―elite newspapers‖, to obtain information and

insights about the world. Tradução minha.

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para obtenção de apoio a alguma causa específica neste processo. Ela se apresenta

distorcidamente como representação homogeneizadora (Bordieu, 1973) de opiniões da

sociedade civil e, portanto, desenvolve influência principalmente em contextos

democráticos. A opinião pública age como constrangedora da política externa e é

ativada por agentes externos, como a mídia. O seu processo de formação se dá quando

surgem visões divergentes por parte de especialistas das elites, gerando um debate que

passa a ser alimentado pela tentativa dos formuladores da política em buscar o apoio da

população (Powlick, 1995).

Como, em nosso estudo, levantamos a possibilidade da imprensa brasileira agir

dentro de um regime de verdade que beneficia países selecionados do sistema

internacional, a abstração do constrangimento permite compreender a configuração do

ambiente de atuação midiática no âmbito doméstico e seu extrapolamento para o âmbito

externo. A partir das considerações mencionadas, resume-se que a mídia atua em pelo

menos duas fases na conduta da política externa: 1) Agindo internamente sobre o

planejamento de políticas, onde opções políticas, posições e táticas são consideradas nos

debates de ideias; e 2) Agindo diretamente sobre a diplomacia, no sentido de influenciar

na implementação de políticas em direção à outros atores, apresentando posições e

demandas particulares.

Para a conduta da política externa brasileira em relação à “questão líbia”, este

estudo levanta indagações quanto à extensão do poder da cobertura midiática sobre o

conflito, e também quanto à capacidade dos líderes responderem de forma autônoma à

influência constrangedora. Ressalta-se que o grau dos poderes de atuação da mídia por

meio da política de tempo real é enorme, mas nem sempre agentes externos são capazes

de ativar a opinião pública, que possui comportamento flexível e de difícil previsão no

processo político. Da mesma maneira, admite-se que o uso político dos temas de

política externa para debates internos nem sempre se desenvolve, pois a mídia,

principalmente as grandes redes de televisão, apresenta tendencialmente posições

articuladas pelo governo (Valente, 2007).

Channah Naveh (2002) afirma que o processo de tomada de decisão em política

externa ocorre dentro de um ambiente parcialmente criado pela mídia, cujo desempenho

é influenciado pelo regime de comunicação política, pela política de comunicação do

governo, pela estrutura político-econômica e pelos canais de comunicação específicos.

Assim, todas estas questões devem ser levadas em consideração ao se tratar da relação

entre governo e meios de comunicação, bem como da capacidade dos últimos de

transformar constrangimento em ações políticas.

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Naveh (2002) aponta que estudos passados sobre tomada de decisão em política

externa descreviam a mídia principalmente como canal de entrega de mensagens, mas

que a realidade das últimas décadas tem mostrado que este ponto de vista minimiza o

papel atual da mídia que é muito mais complexo. Assim como Gilboa (2002), a autora

defende que a mídia é parte crucial do ambiente de tomada de decisão em política

externa e age desde o estágio inicial do processo até o final, onde os líderes atuam.

Este ambiente é formado também pela presença de alguns elementos que são os

responsáveis por conferir à mídia importantes efeitos de poder. A maneira em que se

organiza a distribuição de notícias influencia na formação de consensos em relação ao

que pensar e como pensar.

2.3. Efeitos sociais da mídia: framing, agenda-setting, gatekeeping e priming

O processo de escolha e exibição de notícias toca um papel importante na

moldagem da realidade política. Os leitores da mídia de massa não somente aprendem

sobre um determinando assunto, como também assimilam o quanto de importância deve

ser dada à uma ou outra questão no tema (McCombs e Shaw, 1972). Segundo Bernard

Cohen (1967, p.13), “a imprensa pode não ter sucesso na maior parte do tempo em dizer

as pessoas o que pensar, mas é admiravelmente exitosa em dizer aos leitores o que

pensar sobre”12

. Esta capacidade de configurar as prioridades do que deve ser discutido

pelo público é chamada de poder de agenda ou agenda setting.

As referências ao agendamento apareceram primeiramente nos estudos de

Lippman em 192213

e depois foram mais bem desenvolvidas na obra The agenda Setting

Function of Mass Media em 1972 (Camargo, 2008). No estudo de Maxwell McCombs e

Donald Shaw (1972), a hipótese do poder de agenda foi usada para explicar a influência

da mídia em períodos de campanha eleitorais nos Estados Unidos. Os autores chegaram

à conclusão de que, embora a mídia de massa possuísse pouca influência na direção ou

intensidade de atitudes, ela era capaz de influenciar na proeminência de ações para cada

campanha política, utilizando como estudo de caso a população de Chapel Hill na

Carolina do Norte. Atualmente, o termo é usado para explicar as formas de

representação e discussão da realidade social, a partir das informações disponibilizadas

pelos meios de comunicação.

12

The press may not be successful much of the time in telling people what to think, but it is stunningly

successful in telling its readers what to think about. Tradução minha. 13

Na obra The Public Opinion (1922).

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Neste processo, a mídia se envolve na seleção, disposição e incidência sobre

determinados temas que, uma vez publicados, passam a participar do cotidiano das

sociedades (Camargo, 2008). Este fenômeno se explica pelo caráter subjetivo da

organização de notícias que ressalta alguns temas em detrimento de outros, ou

simplesmente não traz certas questões para o debate de determinado assunto. A

hierarquização do conteúdo publicado e a frequência da cobertura têm o poder de gerar

na sociedade um efeito de familiaridade com o evento, criando uma espécie de agenda

pública no imaginário social (Cohen, 1967). Assim, uma questão ou assunto

frequentemente estampado nas seções de destaque dos periódicos tem mais facilidade

de se tornarem relevantes para a sociedade do que outros temas menos enfatizados.

Por sua vez, este poder de agenda só é possível porque o planejamento de

editoração jornalística exige um filtro que escolhe o que deve ser transmitido ou não

para o público. Até chegar ao leitor, as notícias passam por um processo de seleção que

admite desde a perspectiva do repórter até a obediência da linha editorial adotada pelo

veículo de comunicação (Camargo, 2008). Este processo é chamado nos estudos de

comunicação e de sociologia do jornalismo de gatekeeping ou filtragem.

Como efeito social sobre a população, a filtragem significa a capacidade de

recortar o que será empregado, fazendo um intermédio entre informação e sociedade. A

escolha de quais elementos serão noticiados confere poder de pauta aos veículos de

comunicação e se divide em duas vertentes:

A primeira vertente emprega o conceito de "gatekeepers" e centra-se

sobre as responsabilidades e práticas de indivíduos específicos que

estão ativamente e diretamente envolvidos na decisão de que notícias

entram na mídia e quais não. A segunda vertente emprega o conceito

de 'gatekeeping' para examinar os processos de organização e

contextuais, bem como instituições que desempenham algum papel na

seleção de notícias (Okigbo, 1990, p.3).14

Assim, como os editores escolhem o que deve aparecer e o que não deve são

exemplos mais precisos dos chamados de gatekeepers, enquanto as instituições de

comunicação (empresas, agências ou redes de televisão) atuam como gatekeepings, na

medida em que controlam a seleção do conteúdo discutido pela população.

14

The first strand employs the concept of 'gatekeepers' and focuses on the responsibilities and practices

of specific individuals who are actively and directly involved in deciding what news stories get into the

media, and which ones don't. The second strand employs the concept of 'gatekeeping' to examine the

organization and contextual processes as well as institutions that play some part in news selection.

Tradução minha.

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A partir dos efeitos da filtragem e do poder de agenda, surge ainda a hipótese do

priming ou prioridade. O termo priming se refere à um aspecto posterior do

estabelecimento de temáticas na agenda pública. Trata-se das mudanças de padrões que

as pessoas usam para fazer avaliações políticas sobre um determinado assunto (Iyengar

& Kinder, 1987).

Segundo Scheufele e Tewksbury (2007), o priming ocorre quando o conteúdo de

notícias sugere para o público as questões específicas que eles devem usar como pontos

de referência para avaliar o desempenho de líderes e governos, influenciando no

posicionamento político social.

Fazendo algumas questões mais salientes na mente das pessoas

(agenda setting), os meios de comunicação também podem moldar as

considerações que as pessoas levam em conta ao fazerem julgamentos

sobre candidatos ou questões políticas (priming) (p.11).15

Deste modo, quanto mais a mídia dá cobertura à uma questão, mais

frequentemente aquela questão é priorizada pela população e, portanto, mais pessoas se

baseiam no que sabem sobre ela para julgar um determinado assunto político. O poder

do priming está na sua influência marcante sobre a produção de posturas acerca de um

tema.

Por último, temos a hipótese do framing ou enquadramento que aborda a

possibilidade da mídia moldar não somente “com o quê” a opinião pública se preocupa,

mas também “como” os fenômenos sociais são interpretados por ela. O conceito

aplicado para a mídia se desenvolveu principalmente a partir de Goffman (1974) e foi

utilizado para explicar a existência de diversas possibilidades cognitivas (frames)

(Lakoff, 1996)16

sobre um mesmo evento.

Goffman (1974) acreditava que as definições de uma situação são construídas de

acordo com princípios de organização que governam eventos sociais e nosso

envolvimento subjetivo neles. Na obra The frame analysis (1974), assume-se que o

significado de um frame tem raízes culturais implícitas e também se baseia no

estruturamento de nossa percepção individual. Sua ideia de análise de enquadramento se

apoiava na noção de organização cognitiva da experiência social, adotando uma maneira

15

By making some issues more salient in people‘s mind (agenda setting), mass media can also shape the

considerations that people take into account when making judgments about political candidates or issues

(priming). Tradução minha. 16

Lakoff (1996) argumentava que frames são um alicerce cognitivo para entender qualquer coisa, pois as

pessoas somente seriam capazes de interpretar palavras, imagens, textos ou ações devido a capacidade do

cérebro de criar um sistema conceitual para estes elementos, que lhe conferem ordem e significado.

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de explicar o que está acontecendo e determinando o que é relevante em um dado

evento ou experiência.

Mais tarde, Entman (1993) aperfeiçoou a questão subjetiva do conceito,

definindo frames a partir de sua capacidade de determinar o quanto as pessoas percebem

uma questão, como elas entendem e lembram de um problema e como elas avaliam e

escolhem agir sobre este problema. Entman (1993) afirma que o enquadramento se

manifesta por meio de duas ordens essenciais: 1) Ênfase: a forma de relevância a quais

são expostos os atributos da notícia e 2) Seleção: a questão da escolha dos atributos

apresentados e ocultados acerca da questão.

Enquadrar (to frame) é selecionar alguns aspectos de uma realidade

percebida e fazê-las mais proeminentes em um texto comunicativo,

de maneira que promova a definição de um problema particular,

interpretação causal, avaliação moral e/ou tratamento recomendado para o ítem descrito (1993, p.52, grifos do autor)

17.

E destas ordens, Entman (1993) sugeriu quatro funções para o framing: 1)

definir problemas; 2) identificar as forças que criam os problemas; 3) fazer julgamentos

morais; 4) propor soluções.

Frames... definir problemas - determinar o que uma agenda causal

está fazendo com quais custos e benefícios, normalmente medidos em

termos de valores culturais comuns; diagnosticar causas - identificar

as forças que criam o problema; fazer julgamentos morais - avaliar

agendas causais e seus efeitos; e propor soluções - oferecer e

justificar tratamentos para os problemas e prever os seus efeitos

prováveis (Entman, 1993, p. 52).18

As atividades de ênfase e seleção e suas funções são inerentes ao cotidiano de

trabalho midiático. O staff de qualquer meio de comunicação – editores, jornalistas,

repórteres, câmera, entre outros - não consegue operar sem certo grau de

enquadramento. É uma mescla entre o caráter subjetivo da escolha dos jornalistas e a

necessidade de adequar a mensagem devido as limitações de suas respectivas mídias

relacionadas com furos de notícia e tempo de antena (Scheufele; Tewksbury, 2007).

17

To frame is to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a

communicating text, i such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation,

moral evaluation and/or treatment recommendation for the item described. Tradução minha. 18

Frames… define problems—determine what a causal agenda is doing with what costs and benefits,

usually measured in terms of common cultural values; diagnose causes—identify the forces creating the

problem; make moral judgments—evaluate causal agendas and their effects; and suggest remedies—offer

and justify treatments for the problems and predict their likely effects. Tradução minha.

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Deste modo, não se trata de um processo maquiavélico de manipulação da opinião

pública, mas sim do perfil de atividade midiática e seu caráter subjetivo que atua

pautando e, assim, influenciando a opinião pública.

Portanto, analisar os efeitos sociais da mídia significa ir de encontro a

perspectiva de que os meios de comunicação atuam de maneira neutra ou imparcial na

escolha, formulação, editoração e distribuição de notícias. A ideia de que a mídia possui

como “parâmetro de atuação a transmissão isenta, direta e imparcial de uma realidade

concreta a que os jornalistas têm acesso e que os leitores têm o direito de conhecer”

(Cerqueira, 2005, p.28) é, na verdade, uma concepção ideológica do processo em que

são construídas as notícias. Desde a subjetividade da função jornalística em exercer o

recorte do que será noticiado, passando pela influência dos grupos financiadores, até o

quadro estrutural de domínio de fontes primárias de informação, existem impedimentos

para se desenvolver qualquer possibilidade de construção de uma visão imparcial sobre

o mundo.

Ainda assim, a maior parte dos jornais brasileiros insiste em passar ao leitor esta

ideia de que o seu quadro editoral é independente e de que a linha do jornal espelha as

diversas opiniões que compõem a sociedade. Inclusive, o maior jornal de circulação

paga do Brasil (ANJ, 2010), o Grupo Folha de São Paulo, postula em seus princípios

editorais a “independência, o espírito crítico, o pluralismo e o apartidarismo” (Folha

[online]19

). Como bem se nota em inúmeros estudos de caso sobre a conduta da

imprensa brasileira (Camargo, 2008; Freixo e Ventapane, 2011; Squirra & Esperidião,

2012), os resultados revelam, contudo, a presença de linhas muito coesas sobre a

maioria das notícias ou artigos de opinião que abordam um determinado assunto.

Neste sentido, é relevante estudar a questão líbia, por ser um tópico que envolve

diversos temas (direitos humanos, intervenção militar, relações exteriores,

nacionalismo, identidade, arabismo, dentre outros) e, assim, passível de ser explorada

como ferramenta política tanto pelo Estado quanto pela mídia. Como tema de política

externa, identificamos duas possibilidades de uso político:

1) A partir do governo, que utilizaria a mídia como instrumento de pressão no

sistema internacional para propagar o princípios internos de política externa.

2) A partir da mídia, que no debate interno estabeleceria uma dada posição

política para pressionar a opinião pública a adotar um consenso social sobre

o assunto.

Considerando os elementos citados por Naveh (2007), o regime de comunicação

19

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>.

Página | 43

política, a política de comunicação do governo, a estrutura político-econômica e o perfil

da imprensa brasileira, nos inclinamos a tratar o tema a partir da segunda proposição.

Levantamos a indagação se o tema foi utilizado pelo jornal Folha de São Paulo de

maneira a espelhar os interesses dos países centrais, assim como Camargo (2008)

também concluiu em seu estudo investigativo. Nos centramos na dúvida de o jornal ter

adotado visões reproduzidas das fontes externas - principalmente das agências de

notícias internacionais por serem os principais atores do contexto de domínio

concentrado da informação - ou de ele ter sido capaz de produzir uma visão própria

sobre assunto. A primeira possibilidade auxiliria a atestar possíveis quadros em que a

imprensa nacional atuaria como elemento de pressão no âmbito doméstico e externo em

direção a adoção de consensos que não se baseiam nos interesses do Estado nacional

brasileiro, apoiando e reforçando um regime de verdade que serve aos interesses de

outros países do cenário internacional.

Neste sentido, construímos categorias de análise para o estudo das notícias a

partir das seguintes configurações:

1) Quem escreve nas noticías – isto é quais são as assinaturas e fontes mais

presentes no conjunto de noticias estudadas, quem escreve, quantas vezes

escreve - tanto os agentes internos (redação, enviados especiais, membros

editoriais), quanto os externos (instituições acadêmicas, órgãos de governo,

agências).

2) Como a mídia atua sobre o agendamento da opinião pública neste assunto –

ou seja, investigando o quê foi noticiado e os destaques dados em seu

conteúdo de primeira página, que é o espaço mais poderoso para pautar o

debate público. Verificamos se o tema foi posicionado de maneira relevante

e quais questões e referências foram ressaltadas e desprivilegiadas nas

manchetes e chamadas.

3) Como opera o enquadramento das notícias - mostrando como é produzida a

informação sobre o tema, verificando qual é o tom das noticias veiculadas, se

há consenso em torno de um projeto ou posição política e se houve a

identificação com as ações políticas de algum ator internacional. Serão

utilizadas as quatro funções definidas por Entman para subcategorizar esta

seção de análise.

Estas categorías nos permitem avaliar o desempenho do jornal Folha de São

Paulo sobre o assunto que, como já mencionado, é o maior jornal brasileiro de

circulação paga no período (ANJ, 2010) e, portanto, um dos mais influentes sobre a

opinião pública brasileira.

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Dadas as categorias de análise, recortamos os meses de fevereiro a outubro de

2011, que incluem desde o início das manifestações até a captura e assassinato do ex-

presidente. As seções internacionais e o quadro editorial serão privilegiados devido à

concentração dos conteúdos de interesse para o desenvolvimento do trabalho. A partir

destas seções, serão consideradas as notícias que assumem posições de destaque (capa,

abertura e manchetes) por possuírem maior poder de agendamento do debate público.

Assim, será dada atenção as notícias que provém das agências de notícias internacionais

com o objetivo de verificar a reprodução das visões de mundo concentradas nos Estados

Unidos e Europa e as notícias que são assinadas pelos repórteres e correspondentes do

jornal, a fim de traçar um comparativo entre elas.

A análise centralizada sobre as agências de notícias internacionais neste estudo

parte do já mencionado poder de influência que elas exercerm sobre a opinião pública.

Elas são exemplos claros de gatekeepings, pois sua função se baseia na seleção e

destaque de informações primárias, decidindo para praticamente todo o mundo o

conteúdo básico dos noticiários. Boyd-Barrett e Rantanen (2004) afirmam que o

desenvolvimento das agências nos últimos anos possibilitou que elas atuassem como

agenda setting do cenário internacional, influenciando na homogeneização das matérias

jornalísticas no mundo.Por este motivo, investigamos as notícias reproduzidas, a fim de

indentificar a força de sua presença no conteúdo do jornal Folha de São Paulo.

A opção pelos editoriais e notícias escritas pelo quadro do jornal ocorre porque

estes são os espaços onde se deve traduzir oficialmente a opinião da Folha de São

Paulo. Nestas colunas, verifica-se se há um discurso coeso em relação à opinião dos

jornalistas do quadro permanente, como ele se desenvolve, ou se há um ambiente de

veiculação de informações plurais sobre a “primavera árabe”, como defendem as

empresas de comunicação brasileiras.

A partir das fontes primárias de pesquisa, as informações são coletadas por meio

da leitura e organização, as quais, depois de reunidas, são sistematizadas e analisadas. O

modo como as informações são veiculadas também será incluído, pois este estudo as

considera como um dos meios de representação dos fenômenos sociais. Isto é, se as

notícias apresentam posições de destaque no corpo do jornal e como estão as imagens

ou charges associadas a essas notícias. Depois são comparados qualitativamente

argumentos e posições entre as notícias reproduzidas com as capas e editoriais,

concluindo o método de análise do trabalho.

Página | 45

Capítulo III

A Imprensa Nacional e a “Questão Líbia”: análise do conteúdo jornalístico

3.1 As fontes das notícias

Como já mencionado, a questão das assinaturas é primordial para o estudo da

abordagem da mídia sobre determinado assunto. Quem escreve e quantas vezes escreve

é uma escolha subjetiva no conteúdo jornalístico que pode ser mais ou menos

heterogêneo, dentre outros fatores, devido à complexidade e pluralidade de suas fontes e

referências. Dado o perfil do nosso estudo investigativo, enquadramos as fontes

encontradas nas notícias sobre a “questão líbia” em duas categorias: fontes internas –

referentes ao que é produzido pelo staff do jornal - e fontes externas – referente ao que é

produzido por outras instituições brasileiras e estrangeiras. Por meio destas categorias,

analisamos primeiramente por quais elementos elas foram formadas na conjunção de

notícias recolhidas (capa, chamadas, aberturas, charges, artigos de opinião editorias,

coluna análise) do jornal Folha de São Paulo de fevereiro a outubro de 2011, fazendo

algumas observações sobre as mesmas.

Quanto às fontes internas, as notícias que abordaram o caso líbio foram

assinadas pelos seguintes elementos: redações (São Paulo, Londres, Nova Iorque e

Genebra), quadro editorial, colunistas, enviados especiais e chargistas.

Sobre os editores e os colunistas, notou-se que uma pequena quantidade

escreveu artigos sobre a Líbia na seção “opinião”, logo na terceira página, ao lado dos

editoriais. De todo o quadro de jornalistas, somente seis assinaram artigos nesta seção

sobre o caso20

. Quanto aos enviados especiais, estes escreveram sobre o tema do Cairo,

de Túnis e da Líbia. Apenas dois réporteres assinaram como enviados da Líbia21

.

Quanto às fontes externas de notícias, elas foram as seguintes: agências de notícias,

jornalistas e pesquisadores.

Em relação as agências de notícias, não foi possível saber sobre qual empresa

selecionavam informações, pois no jornal Folha de São Paulo as notícias reproduzidas

são referenciadas como “das agências de notícias”, sem mais detalhamentos. Quanto às

revistas e jornais externos, seus jornalistas apareciam principalmente em uma coluna

destacada em vermelho na seção “mundo” chamada “análise”, que recebeu

20

São eles: Clóvis Rossi, Eliane Cantanhêde, Marcelo Ninio, Ruy Castro, Vinicius Mota e Helio

Schwartsman. 21

São eles: Sami Adghirni e Marcelo Ninio.

Página | 46

contribuições do norte-americano The New York Times e do inglês The Guardian, com

algumas exceções. Os acadêmicos apareceram, em menor grau, como assinaturas e, em

maior grau, citados no corpo dos jornais como entrevistados ou referências.

A coluna “análise” parece o provável espaço escolhido na seção “mundo” para o

jornal desenvolver melhor a perspectiva plural à qual se autodefine, chamando

pesquisadores, instituições, jornalistas e outros envolvidos com os temas internacionais

para mostrar seu ponto de vista sobre um assunto da área. Como a função da coluna se

mostra importante neste estudo e esta ainda se localiza dentro da seção recortada,

fizemos um levantamento também em relação as suas fontes. Assim, o seguinte

panorama pode ser visualizado para a coluna “análise”:

Fontes Data

Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out

The Guardian 21-

fev - - -

Sem análises sobre

o caso líbio

25-

ago - -

The New

York Times -

5-

mar 7-mar

23-

mar - - -

Em Boston - - 9-mar - - -

Reuters - - 24-

mar - - - -

De São Paulo 26-

fev - - -

23-

ago - -

Articulista da

Folha - - - -

24-

ago - -

De

Washington - - - -

26-

ago - -

Analista de

asuntos

internacionais

- - - - - 08-

set -

Do Rio - - - - - - 11-

out

Editora de

moda - - - - - -

21-

out

Revista

"Política

Externa"

- - - - - - 22-

out

Enviado à

Tunis - - - - - -

21-

out

Universidade

de Londres - - - - -

23-

out

Tabela 1 – Frequência de colunas “análise” na seção “Mundo” sobre o caso líbio de

acordo com as fontes

Página | 47

Neste quadro, é notável que as análises das empresas The New York Times e The

Guardian foram privilegiadas no começo dos protestos e que, somente a partir de

meados de março, fontes internas começaram a se tornar mais intensas sobre o caso

líbio nesta coluna. Destaca-se também a ausência da produção de análises nos meses de

abril a julho de 2011, e ainda a pouca prioridade dada a opinião de pesquisadores e

jornalistas brasileiros de outras instituições sobre o assunto (somente dois escreveram).

Destas observações, partimos para a questão quantitativa das fontes de notícias.

O conteúdo investigado se refere, como já mencionado, principalmente àquelas

presentes na primeira página da revista e nas aberturas. Por primeira página (ou capa),

entendem-se as manchetes (conteúdo destacado no alto da capa) e as chamadas (colunas

que aparecem em segundo plano). A totalidade das páginas abrangendo ao menos uma

notícia de destaque sobre o caso líbio nos sete meses pesquisados equivaleu a 129.

Deste número, 26 se referem a manchetes de primeira página, 47 a chamadas, 36 a

aberturas, 9 a editoriais e 11 a artigos de opinião, números relativamente altos se

consideramos que para sete meses de cobertura, a quantidade equivalente a quase dois

meses de capas foi conferida a um único assunto de política internacional.

As manchetes de primeira página e as capas não possuem assinatura, pois

evidentemente são produzidas e planejadas pelos jornalistas e editores internos. Já as

aberturas - que aqui nos referimos às notícias que inauguram a seção “mundo” - os

artigos de opinião, os editoriais, as charges e as análises foram quantificadas da seguinte

maneira em relação às fontes:

Fontes Notícias

Internas

Colunistas 12

Quadro editorial 9

Chargistas 15

Enviados especiais 8

Redações 11

Externas

Agências de

notícias 23

Jornalistas 5

Pesquisadores 2

Total 79

Tabela 2 – Notícias de abertura da seção “Mundo”, editoriais,

artigos de opinião, charges e colunas “Análise” do jornal Folha de

São Paulo, segundo as fontes internas e externas

Página | 48

Do total mencionado durante os sete meses, destacou-se a alta quantidade de

notícias produzidas a partir das agências de notícias (cerca de 30% do conteúdo

analisado), o que significa que o jornal priorizou estas fontes em detrimento de outras,

como a dos enviados especiais. Esta situação por si só não é capaz de concluir se o

jornal utilizou ou não um discurso semelhante ao que as agências possuem, pois, como

já mencionado, existem as limitações da questão técnica informacional entre países

periféricos (as agências possuem maior quantidade de recursos para produzir

informação do que apenas dois réporteres enviados) e as notícias reproduzidas também

passam por um processo de readaptação de conteúdo.

Chamou a atenção, contudo, a observação de que o jornal reservou espaço todas

as segundas-feiras no período investigado para uma mini-edição do jornal estrangeiro

The New York Times. Trata-se, segundo o título, de “textos selecionados para o jornal

Folha de São Paulo” que ocupam cerca de 5 páginas no fim da edição. Durante o

período, esta seção contribuiu com análises sobre as insurreições árabes, incluindo o

caso líbio.

Como o foco do estudo investigativo eram as notícias de posição privilegiada

nas seções “opinião” e “mundo”, o conteúdo deste caderno não foi analisado. Nosso

estudo se propôs a pesquisar como próximo passo, quais, dentre a gama de temas

referentes ao assunto, foram selecionados e destacados pelo jornal.

3.2 A construção do agenda-setting

Como já mencionado, a mídia se envolve na seleção, disposição e incidência

sobre determinados temas que, uma vez publicados, passam a participar do cotidiano

das sociedades (Camargo, 2008). Dentro de um mesmo assunto, a mídia confere

destaque a alguns temas em detrimento de outros, pautando o que é e o que não é

importante para o debate público.

Para o estudo do caso líbio, primeiramente avaliamos este poder de

agendamento por meio de uma pesquisa retrospectiva. A partir do levantamento de

notícias dos últimos catorze anos, verificamos que a palavra “Líbia” praticamente não

foi mencionada pelo jornal Folha de São Paulo nos anos anteriores.

Página | 49

Gráfico 1- Quantidade de páginas em que a palavra “Líbia”

apareceu no jornal Folha de São Paulo de 2000 a 2014

Este gráfico evidencia que o jornal Folha de São Paulo deu uma projeção

significativamente maior à Líbia nos levantes de 2011, em detrimento de outros

episódios que envolveram o país nos últimos catorze anos, como a visita do presidente

Lula da Silva em 2003. O caso líbio ocupou cerca de 800 páginas durante 2011, as quais

significam uma média de 2 páginas por dia ao ano. Este número elevado indica grande

interesse do jornal em tornar relevantes para a sociedade brasileira os acontecimentos

que se desenvolveram na Líbia no período.

A fim de verificar com mais precisão como se operou este processo de seleção e

destaque dentro do assunto, analisamos a distribuição das notícias de primeira página do

jornal (incluindo capas e manchetes) durante os sete meses de recorte.

Gráfico 2 – Frequência de notícias de primeira página de

fevereiro a outubro de 2011 no jornal Folha de São Paulo

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

0

5

10

15

20

25

30

Manchetes Chamadas

Página | 50

No gráfico, chama a atenção o boom que houve nos dois primeiros meses

(fevereiro e março) e um considerável aumento nos últimos meses (agosto, setembro e

outubro).

A leitura das capas revelou que desde as primeiras manifestações, o caso líbio

começou a ocupar destacadamente as capas do jornal. Um número foi particularmente

surpreendente: do dia 20 de fevereiro (quando começaram os levantes) ao dia 03 de

março, todas as edições do jornal Folha de São Paulo tiveram como manchete de

primeira página os acontecimentos na Líbia. Foram quase duas semanas de manchetes

sobre um mesmo assunto sem interrupção.

Por outro lado, há que se destacar o comportamento descendente na área

mediana do gráfico. Há um notável silenciamento sobre o caso nas primeiras páginas do

jornal durante os meses de maio, junho e julho de 2011, o que gerou a necessidade de

investigarmos o quê foi considerado como conteúdo de primeira página e o que foi

descartado.

A partir destes dados, pesquisamos com mais precisão a seleção dos temas que

receberam destaque do jornal nos períodos de maior cobertura. Os temas que

apareceram nas manchetes (M) e nas chamadas (C) de primeira página nos meses de

fevereiro, março, abril, agosto, setembro e outubro foram listados em categorias

abrangentes. As manchetes se referem não apenas ao título, como também ao conteúdo

que lhe é subseguido, bem como as chamadas.

Os temas que se repetiram mais de uma vez foram distribuídos no seguinte

quadro:

Meses do boom de notícias

Fev Mar Abr Ago Set Out

Total Temas M C M C C M C C M C

Morte de cidadãos líbios 7 1 7 1 1 1 18

Descrição de atos de

enfrentamento 3 3 5 1 1 1 14

Deserções do quadro do

governo e Exército 3 3

Tentativas ou ações de

negociação do governo 3 1 4

Oposição em vantagem

bélica 3 2 1 3 3 2 14

Página | 51

Tabela 2 – Temas que aparecem nos meses de fevereiro, março, abril, agosto, setembro

e outubro e suas frequências.

Os temas listados nestes meses revelam, sobretudo, que houve a proeminência

de conteúdos com caráter militar ou coercitivo (grifado) e a presença extremamente

baixa de conteúdos com caráter diplomático ou social. Os temas belicosos apareceram

87 vezes nas notícias analisadas, enquanto as menções sobre cessar-fogo e negocições

apareceram apenas seis vezes.

Durante a investigação, notou-se que o jornal noticiou frequentemente as mortes

dos cidadãos líbios, utilizando principalmente este tema nos títulos das manchetes. As

descrições dos atos de enfrentamento apareceram inúmeras vezes também,

principalmente no começo dos protestos. A menção sobre a intervenção militar foi

frequente e apareceu já em fevereiro, alguns dias depois dos confrontos, quando não

havia reunião do Conselho de Segurança sobre o assunto. Da mesma maneira que o

tema da democracia apareceu já em março e não havia ainda sinais de transição do

Governo em vantagem

bélica 5 5

Posição da diplomacia

brasileira 1 2 2 3 1 1 10

Brasileiros que estavam

na Líbia 1 5 1 7

Sanções econômicas 3 3

Ações unilaterais dos

EUA 2 1 3

Intervenção militar 1 4 6 6 3 1 3 24

Refugiados 1 1 4 6

Petróleo 1 1 1 2 1 6

Reconhecimento

internacional da oposição

como governo

1 2 3

Cessar-fogo 2 2

Democracia, eleições e

liberdade 1 2 1 4

Problemas sanitários e

psicológicos da população 1 2 3

Execuções e tortura pela

oposição 1 1 1 3

Morte de Gaddafi 3 3 6

Página | 52

regime. As tentativas de negociação e a reconquista de territórios pelo governo foram

noticiadas poucas vezes como chamadas de menor destaque na capa.

Nos meses em que houve pouca cobertura de notícias, analisamos qual conteúdo

esteve presente nas notícias menos destacadas do jornal. Pesquisando nas notícias da

seção “Mundo”, encontramos os seguintes temas pouco destacados durante os meses de

maio, junho e julho:

Ilustração 1- Temas que foram desprestigiados no corpo do jornal Folha de São

Paulo durante maio, junho e julho de 2011

Após as análises dos conteúdos mais e menos evidenciados, fica mais clara a

linha estabelecida pelo jornal. Nos conteúdos de destaque, o jornal seleciona os temas

mais belicosos e favoravelmente positivos quanto aos avanços da oposição e da

Página | 53

intervenção militar. Já nos meses de menor destaque, há praticamente um silenciamento

quanto às operações de ataque da OTAN em direção aos locais em que estão membros

do governo da Líbia, civis, o chefe de Estado e a sua família.

A partir da ilustração acima, é possível observar que o jornal optou por não

veicular enfaticamente mais de um ato grave de violação do direito internacional pela

OTAN. A tentativa de assassinato de um chefe de Estado e o não cumprimento às

normas da resolução 1973 (que objetivava a proteção dos civis líbios) são ações

passíveis de serem julgadas como crimes pelo Tribunal Penal Internacional. O ato de

subvalorização destas questões revela um distanciamento da linha do jornal em relação

a posição histórica da política externa brasileira quanto aos príncipios de respeito à

soberania e de não-intervenção. Na ilustração acima, verificou-se que a posição de

repúdio da diplomacia brasileira não foi publicada pelo jornal na primeira página

(também verificamos que não houve conteúdo produzido na seção “opinião”).

Da mesma forma, o jornal não enfatizou a manifestação dos cidadãos pró-

regime, a denúncia de omissão de proteção ao refúgio pelos imigrantes que ficaram à

deriva no mar Meditêrraneo e a morte suspeita de um chefe militar ex-aliado do

governo. São temas que evidentemente afetam à imagem dos Estados Unidos, dos

outros membros à frente da aliança militar - Reino Unido e França -, da OTAN e

também da União Europeia. Isto acontece por uma escolha subjetiva, porque o destaque

dado às questões de violação do direito internacional foi direcionado aos temas de

tortura e morte executadas pelo regime de Gaddafi, enquanto se desprivilegiavam as

notícias de desrespeito aos Direitos Humanos por parte da oposição armada e da aliança

militar.

Além da seleção e destaque dos temas, houve também a seleção e destaque das

referências de suas fontes. Os fatos publicados na primeira página foram

concentradamente contados a partir da visão de mundo de alguns atores. O

levantamento do conteúdo de primeira página revelou a seguinte distribuição:

Meses do boom de notícias

Fev Mar Abr Ago Set Out

Total Referências M C M C M C M C M C M C

Governo líbio 2 - 1 2 - - 1 - - - - - 6

Cidadãos líbios 1 1 1 - - 2 1 - - 2 - 8

Executivo brasileiro e

Itamaraty 1 - 1 1 - - - - - - 1 - 4

Página | 54

Representantes dos

Estados Unidos 3 - 2 4 - - 1 - - - 2 - 12

Representantes da

OTAN, França e Reino

Unido

- - 1 2 - - - 1 - 1 1 - 6

Representantes da

ONU - - - - - - - - - - - 1 1

Liga Árabe - - 1 - - - - - - - - - 1

Tabela 3 – Referências utilizadas pelo jornal Folha de São Paulo nas capas, durante os

meses de maior cobertura

Isto significa que o jornal Folha de São Paulo utilizou, como apoio às suas

manchetes e chamadas, as declarações, proncunciamentos, falas ou anúncios retirados

principalmente dos representantes dos Estados Unidos, OTAN e oposição, enquanto, as

declarações da ONU e da Liga Árabe praticamente não apareceram. Não houve

referências à opinião de cidadãos alinhados ao governo. Todas as citações de cidadãos

líbios provinham da oposição.

Neste processo de seleção, as referências nem sempre assumiram uso com efeito

positivo. O espaço no texto destinado às falas de Gaddafi era totalmente de conteúdo

belicoso e agressivo e foram usadas principalmente como títulos. Desta maneira, os dois

processos contribuíram para que os fatos selecionados fossem enfaticamente contados a

favor e do ponto de vista dos países envolvidos na intervenção e dos membros da

oposição.

Estas primeiras observações nos ajudam a construir, por fim, o raciocínio de

como se desenvolveu o enquadramento dos fenômenos sociais envolvidos no caso líbio

pelo jornal e se eles foram capazes de evidenciar mais profundamente esta posição

alinhada aos interesses dos Estados Unidos e alguns países da Europa.

3.3 O enquadramento

A importância de admitir o framing na relação entre a mídia e a opinião pública

leva a análise a uma abrangência de se investigar não somente “o quê” é noticiado, mas

também “como” os fenômenos sociais são passados para a sociedade. No nosso estudo

de caso, o enquadramento dado ao jornal Folha de São Paulo será o último modo de

análise para concluirmos se houve pluralidade e imparcialidade na sua veiculação ou se

presenciamos a construção de uma visão coesa e alinhada sobre o assunto. Assim, o

Página | 55

conteúdo das capas e das seções “Mundo” e “Opinião”, com ênfase nos textos de maior

destaque, foram verificados a partir das categorias funcionais (definir problemas,

diagnosticar causas, fazer julgamentos morais e propor soluções), definidas por Entman

(1993).

Na função de definir problemas, consideramos, conforme a visão do autor, a

construção de raciocínios pelo jornal sobre o quê uma agenda causal está fazendo e com

quais custos e benefícios. Nesta categoria, extraímos tópicos que foram identificados

enfaticamente na relação entre os acontecimentos na Líbia e encontramos um conjunto

de argumentos bastante interligados e apoiados sobre valores culturais comuns.

Desde o dia 12 de fevereiro, antes do início de protestos e confrontos, o jornal

veiculava a “expectativa” de que a Líbia fosse a possível “bola da vez”, após a queda

dos presidentes da Tunísia e Egito (ORIENTE..., 2011). Poucos dias depois, o jornal

citava e apoiava um “índice” de vulnerabilidade criado pela revista The Economist que

dava a Líbia 6,7 pontos de risco e para a Árabia Saudita 7,3 (Rossi, 19 fev. 2011).

Ficava evidente que antes de qualquer sinal de protesto o jornal já posicionava a favor

da manifestação de levantes na Líbia e de outros países das insurreições árabes.

Com o começo dos protestos, as matérias chamavam a atenção sobre as mortes e

à repressão do regime. As notícias reproduzidas marcavam a associação do governo

com a expressão “há quarenta anos no poder”, enquanto as análises corroboravam com

esta ênfase, mencionando o fato de Gaddafi ser o ditador mais longevo da região. No

editorial do dia 20 de fevereiro de 2011, o jornal mencionava a Líbia “dominada há 41

anos por Muammar Gaddafi”, e deixava sua opinião oficial de que “se há um problema

comum a essas nações, é a falta de democracia” (No Rumo da Democracia, 20 fev.

2011). Para o jornal:

Monarquias absolutistas, ditadores de óculos escuros e cabelo

pintado, castas de príncipes, sistemas obscurantistas e teocráticos não

haverão de ter futuro num mundo em que a informação se globaliza,

em que as multidões bem ou mal se instruem, e em que não cessa de

crescer, apesar de atrasos e percalços, o desejo universal de

democracia e liberdade (No Rumo da Democracia, 20 fev. 2011).

Durante a leitura, há uma frequente denúncia do regime ditatorial como o

culpado pelos protestos e como fator de atraso político para o país. Na análise de Sami

Adghirni, colunista da Folha de São Paulo, o denominador comum nos países onde se

manifestaram protestos é “uma rejeição generalizada de governos vistos como

Página | 56

opressores, arbitrários e corruptos” (Adghirni, 26 fev. 2011). Para o caso líbio, o jornal

constrói esta ideia de que mesmo com o “bem estar” promovido pela ascensão da

atividade petrolífera na Líbia, a sociedade rejeitou a opressão de Gaddafi (Adghirni, 26

fev. 2011).

O tema do petróleo é um dos efeitos identificados por esta agenda causal

relacionada aos protestos, aparecendo frequentemente nas matérias da seção “Mundo”.

O jornal faz esforços em destacar as consequências dos acontecimentos na Líbia para o

preço do petróleo e o impacto que isto causa aos interesses dos Estados Unidos e

Europa. A opinião oficial alega que “o que move a política internacional ainda são

questões geopolíticas e econômicas, como o fornecimento de petróleo” (Intervenção na

Líbia, 02 mar., 2011) e, assim, o petróleo é incluído na agenda de destaque do jornal,

reproduzindo enfaticamente matérias22

sobre flutuações do barril no mundo que

relativamente cessam quando a Árabia Saudita anuncia que vai compensar a produção

da Líbia.

O interessante é que este tema, à curto prazo, não toca diretamente nos interesses

do Brasil, já que a produção líbia representa uma parcela ínfima de importação da

commoditie no país. Da mesma forma, o tema das migrações aparece sob o prisma dos

interesses europeus como outro efeito da agenda causal dos protestos. Inicialmente, as

primeiras matérias tocavam no tema da preocupação europeia quanto ao êxodo de

refugiados de “proporções bíblicas para o continente” (Murta, Toranza, Marinheiro; 24

fev., 2011) pelo mediterrâneo. A questão de proteção ao refúgio presente na carta de

Declaração de Direitos Humanos da ONU não foi problematizada neste momento.

Do mesmo modo, o conjunto de tópicos causais publicados pelo jornal não

trouxe referências ou menção sobre as questões que evidenciavam marginalização

política e social dos cidadãos líbios no leste do país. Embora tenha citado as deserções,

o jornal também não trouxe relatos mais profundos sobre a modificação do arranjo

político de líderes de clãs no governo. Como mencionado, o jornal se limitou a destacar

enfaticamente o fator repressivo do regime.

Quanto ao diagnóstico das causas, o jornal polariza duas forças no começo dos

confrontos. Havia os “rebeldes”, termo retirado da mídia internacional e das agências

internacionais de notícias, que faz alusão a todo quadro de oposição na Líbia; e as

“forças leais à Gaddafi” que se referem ao quadro de governo e à base aliada.

22

Ver Conflito já se reflete no preço do petróleo (Ortega, 19 fev. 2011), Rebeldes cercam ditador líbio em

Trípoli (Agências, 24 fev., 2011), Gaddafi ameaça cortar fornecimento de petróleo (Ninio, 25 fev., 2011)

e O louco, o sangue e o pétroleo (Rossi, 24 fev., 2011). Disponíveis no Acervo Folha [online].

Página | 57

Os chamados “rebeldes” eram representados como um bloco. Não houve o

detalhamento dos grupos que faziam parte da oposição e nem sua atuação a partir dos

comitês populares de cada cidade, especialmente do leste. Mesmo com a criação do

CNT, o termo não foi abandonado e a principal referência aos “rebeldes” eram suas

comparações com movimentos pró-democracia. A imagem construída sobre os

manifestantes, não somente da Líbia, trazia a alusão à “anseios democráticos e um certo

fascínio por bens e valores „ocidentais‟” (Fúria Árabe, 06 mar., 2011).

Para as chamadas “forças leais ao ditador Gaddafi”, o jornal também não

desenvolveu detalhadamente uma descrição sobre quais grupos da sociedade líbia se

mantiveram aliados ao governo. Neste lado do confronto, Muammar Gaddafi é

destacado como a figura central das causas dos levantes. A ênfase nas ações repressivas

promovidas por Gaddafi é utilizada pelo jornal na construção de um imaginário de caos

em que é preciso parar as mortes, parando o líder.

Gaddafi reage da única maneira que sabe fazer: matando. Aí, as

potências ocidentais ficam fazendo uma advertência atrás da outra à

Gaddafi que nem dá bola. A reação das democracias é patética [...]

(Rossi, 17 mar., 2011).

A centralidade conferida à figura de Gaddafi, por sua vez, é apoiada a partir de

uma série de julgamentos morais, o que nos leva a análise da terceira função do

framing. À personalidade de Gaddafi, o jornal associou valores dos mais diversos

sempre de cunho negativo e desconstrutivo.

Segundo a opinião dos colunistas, “Muammar Gaddafi é malvado” (Zanini, 22

fev. 2011), “louco” (Rossi, 24 fev. 2011), “exótico”, “excêntrico” (Antunes, 21

out.2011), “sanguinário” (Freitas, 20 fev., 2011) e uma “figura em descrédito” (Fator

Síria, 31 mar., 2011) que “o povo sempre quis ver pelas costas” (Castro, 02 mar., 2011).

O “lado negro de Gaddafi” (Zanini, 22 fev. 2011) é reafirmado pelos chargistas que o

utilizam como objeto de praticamente todos os desenhos sobre a Líbia. Uma charge em

particular retrata Gaddafi, entrando em uma banheira de sangue, ossos e corpos, com os

dizeres “vá com calma, chefe. A água está fervendo” (ver anexo).

Na edição sobre a morte do ex-presidente, o jornal publicou a manchete “Caçada

final” (Caçada final, 21 out, 2011), acompanhada de uma ilustração detalhada da

captura pelas ruas de Sirte. Além da associação animalesca feita à figura de Gaddafi, o

jornal também publicou a foto de Gaddafi e do filho Mutassim mortos, foto do caça

usado na operação e o mapa da fuga. O episódio estampou as capas e a abertura do

Página | 58

jornal, cujo conteúdo foi retirado das agências de notícias internacionais, incluindo as

fotos publicadas.

Enquanto esta áurea extremamente belicosa reforça uma carga de vilanização

quanto ao ex-presidente no imaginário social brasileiro; para os “rebeldes”, são

associados os signos da liberdade e da renovação. Em matéria do dia 26 de fevereiro, o

jornal veicula após a tomada do quartel general pela oposição que “Benghazi respira

ares de uma nova era” (Ninio, 26 fev, 2011). As primeiras charges sobre a oposição na

Líbia a retratam, por um lado, como uma multidão calada pela tirania do ditador

simbolizado por uma estátua23

e, por outro, na forma de manifestação civil como se viu

no Egito e na Tunísia24

. Obviamente, os primeiros protestos da Líbia tomaram formas

mais pacíficas de manifestação, mas em pouquíssimo tempo a oposição foi se formando

em grupos armados, um perfil particular em relação aos outros exemplos das

insurreições.

O tema da posse de armas pela oposição foi tratado discretamente e de forma

positiva na maioria das matérias. O jornal selecionou fotos, principalmente das agências

de notícias, nas quais os manifestantes aparecem sorrindo ou comemorando com

dezenas de armamentos e munições nas mãos após avanços na guerra. Na capa do dia

30 de agosto, o jornal publicou a manchete “diplomacia do fuzil”, na qual descreve a

história de um diplomata que “desertou, aprendeu a usar armas e luta „com razão e

coração‟ contra Gaddafi” (Diplomacia do fuzil, 30 ago. 2011).

A partir destas considerações já parece evidente que o jornal construa uma linha

interligada de soluções anti-Gaddafi. Na última função definida por Entman (1993),

contudo, algumas questões foram retratadas de formas distintas pelo jornal.

As intervenções, por exemplo, são um dos temas mais selecionados e

evidenciados no conteúdo de primeira página, como já mencionado. A cobertura de

ênfase belicosa reproduzida principalmente das agências, mostrava passo a passo as

áreas atingidas pelos mísseis, os atos de enfrentamento, o número de mortos e os

detalhes de armamentos da aliança militar, apontando para um posicionamento mais

alinhado aos interesses dos países interventores. Da mesma forma, os colunistas

expressavam posições favoráveis à uma mobilidade maior do “Ocidente” frente aos

conflitos.

23

Ver Angeli, 25 fev. 2011 in Acervo Folha [online] 24

Ver Jean, 22 fev. 2011 in Acervo Folha [online]

Página | 59

A reação das democracias é patética: ficam discutindo eternamente se

é ou não o caso de fechar os céus da Líbia aos aviões que

bombardeiam os rebeldes, se é ou não o caso de armá-los ou, enfim,

se há alguma outra coisa a fazer, além de ameaças puramente verbais

para a vitória de Gaddafi, cada vez mais iminente (Rossi, 17 mar.,

2011).

Ao contrário do que aconteceu no Japão, o tsunami de Gaddafi pode

ser contido.Inclusive para que o fenômeno não se irradie pela região.

Sem uma ação decisiva e coordenada das grandes potências, Gaddafi

mostrará aos outros ditadores da vizinhança que o uso da força

funciona (Ninio, 13 mar., 2011).

Contudo, os editoriais revelavam uma outra opinião. No dia 03 de março,

publica-se que a imposição de uma zona de exclusão aérea se “chocaria com o príncipio

maior da autodeterminação dos povos” e seria um “erro”, “mais uma aventura de estilo

imperial” (Intervenção na Líbia, 02 mar., 2011). O discurso centrado nesta premissa é

repetido após a autorização da resolução 1973, quando o jornal se posiciona a favor da

soberania e do princípio de não intervenção, tratando a guerra como “um confronto

entre líbios” e apoiando a abstenção do Brasil na votação das Nações Unidas.

Isso nos leva a questão da destituição de Gaddafi, na qual também de desenvolve

um impasse no quadro do jornal. Nas investigações sobre as referências de primeira

página, encontramos a seleção e o destaque de declarações do presidente Barack Obama

e da Secretária de Estado Hillary Clinton defendendo a saída de Gaddafi - indicando que

o jornal privilegiou a voz e o conteúdo desses atores no espaço do seu textos. Também,

quanto aos artigos de opinião escritos pelos membros do quadro permanente do jornal,

se desenvolve um conteúdo tendencialmente anti-governista. Na seção “Opinião”,

enquanto Eliane Cantanhêde publicava uma metáfora (estereotipada) dos ditadores

árabes caindo “do camelo um a um” em alusão à vez de Gaddafi (Cantanhêde, 25 fev.

2011), Rui Castro vislumbrava os motivos de ainda não terem (aliança militar e

oposição) “posto (Gaddafi) para fora” (Castro, 02 mar., 2011).

Em um dos editoriais, entretanto, o jornal critica oficialmente as ações da OTAN

relembrando que o objetivo do texto da resolução “era claramente proteger os civis e

não uma mudança de regime” (Impasse na Líbia, 19 mar., 2011).

Neste ponto, fica a dúvida se foi desenvolvido um impasse de posições quanto à

métodos e princípios de política externa dentro do quadro do jornal ou se foram feitos

realmente esforços quanto à adoção de uma visão mais plural sobre os temas. Como

apenas os editoriais apontaram para esta linha mais relativista sobre a intervenção e a

destituição de Gaddafi, tendemos a pensar que o jornal por alguma razão particular,

Página | 60

talvez por ser um veículo de comunicação nacional, optou por divulgar uma posição

oficial mais ponderada sobre os acontecimentos e mais alinhada à linha brasileira de

politica externa.

As propostas de solução após a morte de Gaddafi, no entanto, são bem mais

coesas. Ao fazer conjecturas sobre o futuro da Líbia, o jornal deixa claro qual é o seu

parâmetro político-cultural de modelo para o país. Schwartsman se pergunta “Quais são

as perspectivas da Primavera árabe? Ou melhor, o que deu errado (grifo meu) com a

civilização islâmica?” (Schwartsman, 25 out., 2011). O colunista faz um breve histórico,

traçando um paralelo entre as sociedades europeias e as sociedades árabes, e conclui em

referência a Pinker que:

[...] a forte imbricação entre Estado e religião nos países islâmicos

limitou a circulação das ideias humanistas, o que os encapsulou num

estágio de desenvolvimento pouco liberal (Schwartsman, 25 out.,

2011)

Esta percepção estigmatizada que amarra a história dos povos árabes à uma linha

evolutiva estabelecida pela história dos povos europeus encontra reforço na visão de

outros membros do jornal e do editorial. Rossi considera de “bom senso (grifo meu)” a

sugestão de um jornalista da Foreign Relations sobre reconstrução da Líbia a partir da

chefia da União Europeia e guarda-chuva das Nações Unidas “com modesta

participação da União Africana e da Liga Árabe”. Ele argumenta que esta informação é

preconceituosa, mas é um “preconceito amparado na realidade (grifo meu)” já que

“não há país árabe que seja de fato democrático” (Rossi, 24 ago., 2011).

Seu artigo é interessante, porque apesar de acordar com a opinião de cunho

imperialista do jornalista da Foreign Relations, ele se diz acreditar na capacidade de

reação árabe que, segundo o autor, demonstra um “apego incomum à democracia”

(Rossi, 24 ago., 2011). O tom idealista mascara a violência de um discurso assentado na

sublevação das formas políticas ocidentais como planos a serem alcançados para os

povos árabes e na destituição da autoridade destes povos de construírem para sí seus

próprios modelos políticos.

Além deste artigo, do mencionado signo de exotismo associado a Gaddafi e das

declarações de Castanhêde sobre os presidentes sentados em camelos, chamou a

atenção, por fim, a opinião em editorial de Rui Castro que afirmou em tom sarcástico se

perder quando abre um atlas naquela região (Castro, 02 mar., 2011). São opiniões que se

interligam quanto ao seu teor embasado na dualidade ocidente/oriente e produzem os

Página | 61

conteúdos mais estigmatizados sobre o povo líbio.

A opinião do editoral fecha este cenário de soluções em torno de um modelo dito

necessariamente democrático para o país, concluindo que “o país poderá, assim,

concentrar-se na tarefa de realizar uma transição rumo à democracia, o que, sem dúvida,

ainda enfrenta muitos percalços” (O Fim do Ditador, 21 ago., 2011).

Página | 62

Conclusão

A veiculação das insurreições líbias pela imprensa brasileira assumiu as vozes e

formas dos países que dominam o conteúdo técnico-informacional no mundo. Assim

como outros países pertencentes à série de movimentos sociais que se desenrolaram em

2011, a Líbia foi interpretada a partir das formas culturais daqueles que não somente são

os precursores do modelo liberal de democracia, como também foram os envolvidos em

uma das intervenções militares mais violentas em direção à deposição de um chefe de

Estado. As marcas destes interesses estiveram presentes no conjunto de verdades

divulgados pela imprensa que atuou como espécie de advogada dos países interventores

na sociedade brasileira.

Como já mencionado, o tema recebeu intensa quantidade de notícias, se

comparado com os últimos catorze anos de cobertura sobre os acontecimentos na Líbia

pelo jornal Folha de São Paulo. O jornal selecionou, destacou e enquadrou os assuntos

que não afetavam a imagem dos Estados Unidos, França, Reino Unido e também dos

chamados "rebeldes", narrando a guerra a partir dos acontecimentos que beneficiavam

estas forças. Por ser um contexto de guerra, a mídia internacional é capaz de produzir

um verdadeiro imperativo quanto às ações a serem tomadas (Gilboa, 2002). No âmbito

interno, por se tratar de um assunto de tomada de decisão, a imprensa local age como

constrangedora a partir destas ações.

Na construção do imaginário social, a mídia local forjou quem eram as forças

benéficas dos confrontos e quais deviam ser combatidas como vilãs, publicando uma

visão precisa sobre os lados da guerra. A “questão líbia” representou uma tentativa de

pressão sobre a pauta do debate público brasileiro e sobre a diplomacia brasileira, ainda

que o tema não tenha sido de grande mobilização da opinião pública.

No conjunto de notícias de destaque, as agências internacionais foram as

principais fontes usadas na abertura, nas capas e no material visual. O jornal Folha de

São Paulo não somente referenciou o material comprado como também consubstanciou

seus discursos nos quadros do jornal. O consenso foi apoiado, dentre outras questões, na

adoção dos mesmos jargões de guerra, das mesmas referências que defendiam a

intervenção rumo à democracia e dos mesmos textos e fotos em geral, que combinados

embasaram o conjunto de temas belicosos selecionados e destacados durante o período.

Conforme nos dizem Squirra e Espiridião (2012), ao enquadrar os assuntos, a

mídia nos obriga a pensar sobre questões e eventos como parte de uma posição

Página | 63

ideológica mais abrangente. Quando este enquadramento se opera a partir de e apoiado

no conteúdo das agências, nós temos, assim como concluiu Camargo (2008), a

configuração de um discurso razoavelmente monofônico e sem diferenciais nacionais. A

limitação de capacidade de produzir informação não é motivo suficiente para explicar o

perfil de filtragem do jornal, principalmente quando descobrimos uma atitude que

evidencia a valorização de temas no debate público em detrimento de outros.

Vimos que a exploração do tema foi feita de forma desigual durante os sete

meses pesquisados nas páginas de destaque, incluindo capas, editoriais, análises e

charges produzidas. O quase silenciamento, durante os meses em que se aumentava a

pressão dos atores internacionais quanto às ações da OTAN em território líbio, não pode

ser explicado senão por um fator subjetivo, já que o jornal possuía enviados especiais no

país. Tratou-se de uma linha que narrou a guerra a partir dos momentos em que o

governo Gaddafi atacava e não gerava alternativas a não ser a retaliação.

A visão plural a que se autorrefere o jornal não foi verificada no conteúdo dos

sete meses que abrangiam o começo dos protestos até a destituição de Gaddafi. Apesar

de se verificarem divergências entre a seção de editoriais e a linha desenvolvida na

primeira capa e na seção “Mundo”, principalmente quanto aos princípios basilares de

política externa, houve predominância na adoção do consenso liberal democrático. Esta

maneira de noticiar os fenômenos sociais apoiou um conjunto de verdades que parte de

um lado do mundo e se retroalimentou em um dos maiores jornais do Brasil.

Os vislumbres opinativos sobre o futuro político da Líbia foram enfáticos, neste

sentido, pois colocaram os povos árabes na linha evolutiva do liberalismo e impuseram

o modelo democrático como única alternativa possível para que a transição fosse feita

de maneira "idealizada". Digamos que a perspectiva da história do “mundo árabe” como

“parte da história das potências ocidentais” (Freitas, 20 fev., 2011) foi a lente que

produziu os enquadramentos verificados na análise do conteúdo jornalístico.

Muito antes dos acontecimentos na Líbia, Said (2007) já atentava sobre o caráter

da tradição orientalista nas ciências humanas de imprimir aos povos árabe-islâmicos os

estigmas produzidos pelo Ocidente. Este estudo deixa claro que estas visões também se

operam nos discursos daqueles que se dizem responsáveis por levar informação para a

sociedade. Neste sentido, faz-se necessário adotar uma visão menos conformadora sobre

a natureza do que chamam de fatos, compreendendo-os como verdades no sentido de

efeitos de poder, tais quais define Foucault (1979).

Este trabalho, portanto, partiu da tentativa de tratar a questão com base em

pontos de vista mais próximos aos referenciais teóricos do Sul e mais abrangentes em

Página | 64

relação às vozes dos atores regionais. Esforços nesta linha são ainda escassos, mas

muito necessários para que possam ser desenvolvidas perspectivas mais plurais a

respeito dos fenômenos próprios do Oriente Médio.

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Página | 71

Anexos

Mapa 1- Distribuição de linhagens familiares na Líbia25

Ilustração 2 – Charge (Angeli, 25 mar, 2011)26

25

Retirado de: <http://www.fragilestates.org/>. Acesso em 02 dez. 2011. 26

Retirado de Acervo Folha [online].