Agricultura Metropolitana e Sustentabilidade de Mário Campos - MG

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Agricultura Metropolitana e Sustentabilidade de Mário Campos - MG Ronan Silva Rodrigues UFMG/IGC Maria Aparecida dos Santos Tubaldini UFMG/IGC Palavras-chave: agricultura familiar, agricultura metropolitana, sustentabilidade, horticultura. 1. Introdução Do ponto de vista teórico, o fio condutor deste estudo é a discussão sobre a concepção de agricultura familiar praticada no espaço da agricultura metropolitana. Ao pensar a agricultura familiar e metropolitana, emergem três questões: a primeira é “quem faz a agricultura metropolitana?”; a segunda é “como as características dessa agricultura insere-se no contexto da sustentabilidade?”, a terceira é “como o processo de metropolização gerou um mosaico de atividades rurais/urbanas?”. Um aspecto de grande relevância são as ligações entre as características das unidades familiares de produção estudadas e os modelos teóricos propostos por LAMARCHE (1998). A concepção dos modelos lamarchianos foi elaborada a partir das variáveis presentes nas noções de lógica familiar e nas noções de dependência. Essas duas noções são a base para a explicação das lógicas produtivas presentes nas unidades familiares de produção. A respeito de quem faz a agricultura metropolitana, a agricultura familiar torna- se linha de análise muito importante. Isto porque quem faz a agricultura metropolitana são os agricultores familiares. Daí a importância de se entender como se organizam as unidades familiares de produção. Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

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Agricultura Metropolitana e Sustentabilidade de Mário Campos - MG∗

Ronan Silva Rodrigues

UFMG/IGC Maria Aparecida dos Santos Tubaldini

UFMG/IGC Palavras-chave: agricultura familiar, agricultura metropolitana, sustentabilidade, horticultura.

1. Introdução

Do ponto de vista teórico, o fio condutor deste estudo é a discussão sobre a

concepção de agricultura familiar praticada no espaço da agricultura metropolitana. Ao

pensar a agricultura familiar e metropolitana, emergem três questões: a primeira é

“quem faz a agricultura metropolitana?”; a segunda é “como as características dessa

agricultura insere-se no contexto da sustentabilidade?”, a terceira é “como o processo de

metropolização gerou um mosaico de atividades rurais/urbanas?”.

Um aspecto de grande relevância são as ligações entre as características das

unidades familiares de produção estudadas e os modelos teóricos propostos por

LAMARCHE (1998). A concepção dos modelos lamarchianos foi elaborada a partir das

variáveis presentes nas noções de lógica familiar e nas noções de dependência. Essas

duas noções são a base para a explicação das lógicas produtivas presentes nas unidades

familiares de produção.

A respeito de quem faz a agricultura metropolitana, a agricultura familiar torna-

se linha de análise muito importante. Isto porque quem faz a agricultura metropolitana

são os agricultores familiares. Daí a importância de se entender como se organizam as

unidades familiares de produção.

∗ Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado

em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

Em relação à sustentabilidade nas unidades familiares de produção, a maneira

como tais unidades se organizam é muito importante. A partir da análise dessas

características, podem-se encontrar pontos de sustentabilidade1.

As técnicas agrícolas empregadas na agricultura metropolitana da área

pesquisada apresentam características do pacote tecnológico da revolução verde, em que

um dos aspectos centrais é o uso intensivo de insumos químicos e máquinas agrícolas,

gerando enorme degradação ambiental. Entretanto, mesmo assim, é possível encontrar

alguns pontos de sustentabilidade social, econômica, ambiental, cultural e política.

No que diz respeito ao espaço onde as unidades de produção familiares estão

situadas, na área de estudo, a concepção de agricultura metropolitana torna-se de vital

importância. Isto ocorre devido à grande proximidade das unidades de produção do

núcleo metropolitano, o que gera contexto favorável ao desenvolvimento de usos do

solo, tanto agrícolas com a horticultura quanto urbanos com os loteamentos populares.

A horticultura é totalmente dependente da água para a irrigação, sendo este um

dos principais desafios dessa atividade na área pesquisada.

A área de estudo, Bom Jardim, está localizada no município de Mário Campos –

MG. Este município está situado muito próximo a Belo Horizonte, na poção sudoeste da

Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Da Praça Sete, no centro da capital,

até a sede de Mário Campos há 39 Km de distância, estando situado, portanto, na

periferia do núcleo metropolitano.

A área estudada especializou-se em atender dois tipos de demandas da metrópole

de Belo Horizonte: uma por hortaliças de folhas, outra por moradia. Como resultado, a

convivência, lado a lado, de nichos agrícolas e loteamentos populares. Estes, conforme

COSTA (1985), dispõem de precária infra-estrutura de equipamentos urbanos.

O destino da produção está totalmente ligado à concepção da agricultura

metropolitana no que diz respeito a proximidade do mercado, questão esta trabalhada

por BICALHO (1996), e a concepção da agricultura familiar no que concerne à

1 A expressão “pontos de sustentabilidade” é utilizada na redação dessa pesquisa como sinônimo de

“aspectos de sustentabilidade”. Assim, “pontos de sustentabilidade” corresponde a “aspectos positivos de sustentabilidade”, e “ausência de pontos de sustentabilidade” é o mesmo que “aspectos negativos de sustentabilidade”.

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dependência da unidade de produção familiar em relação ao mercado, proposta por

LAMARCHE (1998).

Os objetivos desse estudo foram os seguintes: discutir a inserção da agricultura

familiar no espaço metropolitano onde se pratica agricultura metropolitana; levantar

pontos de sustentabilidade social, econômico, ambiental, cultural e político a partir de

características encontradas nas unidades de produção familiares; e verificar como se dá

a interação entre os nichos agrícolas e os loteamentos populares na área pesquisada.

Na elaboração dessa pesquisa, foi necessário percorrer diversas etapas, que

foram fundamentais no sentido de dar subsídio às análises, discussões e conclusões de

aspectos intrínsecos à temática estudada. Tais etapas foram as seguintes: a)

levantamento bibliográfico sobre agricultura familiar, agricultura metropolitana e

sustentabilidade, seguido de uma discussão teórica sobre os referidos temas; b)

levantamento de dados e informações sobre Mário Campos; c) criou-se o questionário

pelo qual foram realizadas entrevistas para a coleta de dados diretos do campo. Os itens

abordados no questionário e utilizados no estudo são seis: características gerais das

propriedades amostradas, o trabalho nos nichos agrícolas, a influência das tecnologias

agrícolas, o mercado e os nichos agrícolas, interações rurais/urbanas, e água para

irrigação.

Para definir o tamanho da amostra de horticultores, recorreu-se ao técnico da

Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais

(EMATER-MG) de Mário Campos2 que, com base em sua experiência de trabalho no

município, estimou existir cerca de 100 propriedades na localidade de Bom Jardim, em

que se praticam a horticultura. Para dar subsídio à pesquisa, foi retirado deste universo,

por amostragem aleatória, 30 estabelecimentos que representam 30% da amostra.

A aplicação dos questionários, realizada por meio de entrevistas em maio de

2001, teve como público alvo tanto horticultores familiares que são proprietários quanto

agricultores meeiros, uma vez que esses são os personagens que cultivam a terra e são

responsáveis por uma unidade de produção familiar. Estão excluídos da amostra os

donos das propriedades dos meeiros amostrados, porque eles não cultivam hortaliças,

2 Entrevista realizada com o técnico da EMATER-MG em Mário Campos, em agosto de 2000.

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mas trabalham na administração das meações, compra de insumos e na comercialização

da produção. As pessoas que iniciaram na horticultura e não obtiveram êxito também

ficaram fora da amostra, limitando-se, portanto, aos horticultores bem sucedidos na

prática de tal atividade.

2. Bases Teórico-Metodológicas

2.1 O enfoque teórico da agricultura familiar

Nessa pesquisa, optou-se pela visão de LAMARCHE (1998) para embasar o

estudo. Isto se deve ao fato de que sua concepção aproxima-se mais das características

dos produtores familiares de hortaliças da área pesquisada, que possuem caráter familiar

muito forte no desenvolvimento de suas atividades e total dependência em relação ao

mercado.

A visão de LAMARCHE (1998) é centrada no que ele chama de lógicas

produtivas. Essas lógicas produtivas derivam duas noções importantes para o

entendimento da teorização do autor sobre agricultura familiar: a noção de lógica

familiar e a noção de dependência.

A primeira noção das lógicas produtivas está centrada na lógica familiar. A

lógica familiar significa participação da família no funcionamento da unidade de

produção, podendo esta, desempenhar papel muito importante, em alguns casos, ou

pouco importante em outros.

Essa noção de lógica familiar se divide em três temas: terra, trabalho/família e

reprodução do estabelecimento. Em relação à terra, há três variáveis importantes a

serem enfatizadas: a propriedade fundiária familiar, a importância dada à propriedade

fundiária e o apego à terra. A propriedade fundiária familiar considera ao mesmo tempo

a propriedade individual do responsável pelo estabelecimento e a propriedade dos

outros membros da família. A importância dada à propriedade fundiária leva em conta a

possibilidade do agricultor, com suas economias, investir em terra e a probabilidade de

ampliar a área da propriedade. Quanto ao apego à terra, o autor levanta as possibilidades

em que o agricultor venderia sua terra: falta de sucessores, mudança de profissão, ajudar

os filhos a se estabelecerem, investir na terra ou em outro lugar se for mais vantajoso.

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No que diz respeito à relação trabalho/família, vale ressaltar que ela corresponde

à maneira como se dá a divisão das tarefas entre os membros das famílias e a utilização

de mão-de-obra externa para o funcionamento das unidades de produção. Desta forma, a

participação dos integrantes das famílias varia muito. Em algumas situações há maior

participação da força de trabalho familiar, enquanto em outras ocorre o predomínio do

trabalho assalariado (assalariados permanentes, temporários ou sazonais). Outro aspecto

importante dessa relação é a opinião dos agricultores sobre a importância de ter ou não

família numerosa para se alcançar o êxito na agricultura.

Quanto à reprodução do estabelecimento, são levantadas três variáveis de grande

relevância. A primeira delas é a situação profissional dos filhos, relacionada ao tipo de

trabalho desenvolvido por eles e à ligação deste tipo de trabalho à atividade agrícola. A

segunda variável corresponde ao que os pais desejam para seus filhos em termos

profissionais, se é ou não profissão ligada à atividade agrícola. A terceira diz respeito

aos destinos que o produtor daria a possíveis investimentos. Tais destinos podem ser os

mais variados: uma das possibilidades seria o agricultor pretender investir na melhoria

da unidade de produção, por exemplo, na compra de máquinas ou de mais terras;

enquanto a outra possibilidade seria em relação ao destino dos investimentos para

prioridades fora da agricultura, como equipamentos domésticos, moradia, instalação dos

filhos e lazer.

A segunda noção das lógicas produtivas é a de dependência. A noção de

dependência é de grande importância, tendo em vista que a agricultura familiar insere-se

no contexto de suas relações com a economia de mercado. E estando na economia de

mercado, o produtor está vulnerável às mudanças ocorridas nesse mercado. Se ele não

conseguir se adaptar a tais alterações, poderá passar por conseqüências que podem

dificultar ou até mesmo inviabilizar o andamento das atividades em sua unidade de

produção.

Essa noção de dependência se divide em três parâmetros: dependência

tecnológica, dependência financeira e dependência do mercado.

Em relação à dependência tecnológica, são levantadas duas variáveis: as técnicas

de produção utilizadas e a assistência técnica.

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Quanto à utilização de técnicas agrícolas, LAMARCHE (1998:65) salienta que

“Os sistemas de produção implementados caracterizam-

se geralmente pelas técnicas utilizadas. Entre um país e outro,

uma região e outra, um município e outro, mas também dentro

de um mesmo vilarejo, nem todos os produtores utilizam as

mesmas técnicas de produção.”

Já a assistência técnica está ligada às técnicas de ponta, que levam o agricultor a

ter maior dependência externa.

Na dependência financeira são trabalhadas, também, duas variáveis: o grau de

endividamento e a importância que os produtores dão à utilização do crédito.

A dependência financeira varia de acordo com o sistema de produção

implementado, mais ou menos intensivo. É essa intensidade que irá determinar a

necessidade de financiamento ou autofinanciamento e, conseqüentemente, a

dependência financeira.

No que concerne à dependência do mercado, são levantadas duas variáveis: a

dependência alimentar e a importância da produção agrícola vendida.

Quanto ao grau de integração ao mercado, é importante salientar que os

produtores comercializam sua produção de diferentes maneiras. Há produtores

diretamente ligados ao mercado, pois vendem toda sua produção agrícola. Outros

produtores vendem parte da produção e ainda destinam uma certa quantia ao

autoconsumo. Há também aqueles que não tem ligação com o mercado, destinando sua

produção para o consumo próprio (LAMARCHE, 1998).

Quanto à participação do trabalho familiar, as unidades de produção agrícolas

são muito heterogêneas. Em certos casos, conforme LAMARCHE (1998), a

participação de membros da família desempenha papel essencial para a atividade

agrícola; em outras situações, ela é pouco significativa e até mesmo ausente. E, entre

essas duas situações opostas, há certamente grande variação da participação do papel da

família na produção agrícola.

Sobre o trabalho nas unidades de produção existem dois tipos principais. De

acordo com LAMARCHE (1998), o primeiro tipo seria aquele em que o trabalho é

exercido principalmente pelos membros da família; no segundo tipo, a forma de

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trabalho predominante seria aquela baseada no trabalho assalariado, podendo este ser

permanente, sazonal ou temporário.

A partir dos conceitos de lógica familiar e de dependência, LAMARCHE (1998)

definiu quatro diferentes modelos teóricos de funcionamento das unidades de produção:

empresa, empresa familiar, agricultura camponesa e de subsistência, e agricultura

familiar moderna.

Quanto ao modelo empresa, verifica-se que ele apresenta duas vertentes: a

primeira é marcada pelo sistema pouco familiar e a segunda é caracterizada pelo sistema

dependente. A primeira vertente – sistema pouco familiar – apresenta quatro

características: a) além da exploração da terra diretamente pelo proprietário, pode

também ocorrer arrendamento, ou ainda as duas coisas; b) é grupo pouco ligado à noção

de patrimônio familiar; c) o trabalho familiar ainda permanece bastante presente,

podendo-se limitar ao trabalho do responsável pelo estabelecimento; d) é utilizada

regularmente a mão-de-obra externa.

A segunda vertente – sistema dependente – possui três características: a) os

produtores recorrem abundantemente aos empréstimos para financiar seus

investimentos; b) produzem exclusivamente para o mercado; c) os objetivos da unidade

de produção são produzir para vender e obter lucro ou pelo menos remuneração

adequada da mão-de-obra.

No que diz respeito ao modelo empresa familiar, vale ressaltar que ele apresenta

cinco características. Tais características são as seguintes: a) a organização do trabalho é

baseada principalmente na mão-de-obra familiar; b) o patrimônio é exclusivamente

familiar; c) o futuro da unidade de produção é pensado em termos de reprodução

familiar; d) a produção da unidade é pensada em termos de renda agrícola e o trabalho

em termos de salário, embora em contexto familiar; e) as noções de remuneração e de

produtividade do trabalho estão muito presentes.

Sobre o modelo agricultura camponesa e de subsistência, vale destacar que ele

possui duas características. Essas características são as seguintes: a) as unidades de

produção produzem pouco e utilizam técnicas bastante tradicionais; b) o objetivo

principal é satisfazer as necessidades familiares.

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No que concerne ao modelo agricultura familiar moderna, vale ressaltar que ele

se organiza em torno de dois aspectos bastante interligados. De um lado, está a busca da

diminuição constante do papel da família nas relações de produção; de outro, a busca

pela maior autonomia possível. Enfim, esse modelo já teria se libertado

simultaneamente de dois aspectos: o das limitações materiais, principalmente de origens

morais e ideológicas; e o das dependências tecnológicas e econômicas.

Esses modelos não são absolutos. Permanecem virtuais para a população de

agricultores estudada e não representam, em nenhum caso, a realidade concreta. São

modelos puros, modelos de referências, em direção aos quais há tendência

(LAMARCHE, 1998).

2.2 O enfoque teórico da agricultura metropolitana

A agricultura metropolitana é bastante estudada mundialmente, havendo sido

realizados estudos para metrópoles da Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Austrália.

No caso de Brasil, BICALHO (1992) realizou trabalhos para o Rio de Janeiro e

TUBALDINI & RODRIGUES (2000) realizaram estudos em Ibirité, na RMBH.

A agricultura metropolitana, conforme BRYANT & JOHNSTON (1992),

corresponde à agricultura praticada no interior das metrópoles ou em áreas próximas a

elas – até o raio de 80 a 100 km de distância do centro metropolitano – em que haja

forte interação entre usos do solo rural e urbano.

As áreas metropolitanas possuem afinidade com a horticultura. De acordo com

LAWRENCE (1988), isso se deve às próprias características das hortaliças que, em

áreas relativamente pequenas, produzem quantidades relativamente elevadas. Já

BICALHO (1996) lembra que, mesmo que a melhoria das estradas, transportes e

armazenagem tenham criado a possibilidade de se cultivar produtos agrícolas perecíveis

em áreas localizadas mais distantes do mercado consumidor metropolitano, tais

produtos continuam sendo cultivados na periferia dos centros metropolitanos.

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O espaço onde ocorre a agricultura metropolitana é bastante peculiar. Assim:

Hoje, observa-se que a metropolização do espaço é muito

mais complexa do que um mero avanço urbano sobre o campo,

dando origem a espaços interativos do urbano com o rural nos

quais mantêm-se atividades agrícolas dinâmicas. Esta é uma

realidade marcante nos países pós-industriais e com exemplos

nas regiões metropolitanas do Brasil. (BICALHO, 1996:11).

Outro aspecto de grande relevância, presente na agricultura metropolitana, é a

multifuncionalidade do espaço.

“… aponta-se para a interação multifuncional do

produtor e sua família com atividades agrícolas e não-agrícolas,

internas e externas à produção rural, decorrente da natureza do

ambiente simultaneamente rural e urbano que oferece

oportunidades em setores econômicos diferenciados”

(BICALHO, 1996:15).

Ao contrário de BICALHO (1996) que usa o termo multifuncional, SILVA

(2000) usa o termo pluriatividade para se referir às atividades também praticadas pelos

agricultores e que não são ligadas à agricultura. De acordo com SILVA (2000:4), a

pluriatividade pode se apresentar de duas formas:

“… a) através de um mercado de trabalho relativamente

indiferenciado, que combina desde a prestação de serviços

manuais até o emprego temporário nas indústrias tradicionais

(agroindústrias, têxtil, vidro, bebidas, etc.);

b) através da combinação de atividades tipicamente

urbanas do setor terciário com o “management” das atividades

agropecuárias”.

Em determinados locais, nas áreas metropolitanas, segundo TUBALDINI &

RODRIGUES (2000:1), “… há predominância do uso do solo com horticultura, no qual,

também, há convivência complementar, conflitantes ou meramente justapostas, de

atividades e serviços voltados a interesses e necessidades tanto rurais quanto urbanos.”

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A respeito das mudanças na agricultura situada em áreas metropolitanas,

BICALHO (1996) lembra que hoje não existe mais a idéia de que as áreas agrícolas vão

sendo substituídas pelo simples avanço das áreas urbanas. Segundo a autora, o que

ocorre é a interação entre usos do solo agrícola e usos urbanos e, como resultado dessa

interação, pode ocorrer ou não o desaparecimento dos nichos agrícolas.

Os produtos hortifrutigranjeiros são alternativas para a sustentabilidade das

unidades de produção familiares em áreas metropolitanas, contribuindo para a

sustentabilidade metropolitana. Eles contribuem na geração de emprego e renda,

especialmente para as populações menos favorecidas economicamente, que, em geral,

encontram dificuldade de conquistar emprego em atividades tipicamente urbanas. É de

grande relevância a participação do poder público principalmente em situações que a

população local ainda não despertou para o potencial econômico da agricultura.

Segundo SANTOS (1997), a disseminação dos meios de transporte e de

comunicação proporcionou o surgimento do fenômeno chamado especialização

produtiva. Esse autor afirma que a especialização produtiva corresponde à possibilidade

existente em determinada região de se especializar na produção de certo tipo de produto,

que pode ser um tipo de cultivo. O autor lembra ainda que isso somente foi possível

porque tal região não precisa produzir para sua subsistência, pois ela pode comprar os

produtos que não produz em outra região dentro ou até fora do país, uma vez que os

meios de transporte e as comunicações tornaram-se muito ágeis.

2.3 O enfoque teórico da sustentabilidade

Nas últimas décadas, um dos grandes desafios colocados para a humanidade é

conciliar o desenvolvimento e a preservação ambiental: a proposta mais recente é pelo

desenvolvimento sustentável. Sendo assim, todas as atividades econômicas

desenvolvidas pelo homem devem ser reavaliadas sob a luz desse novo paradigma.

Assim, a atividade agrícola, como tantas outras, tem o desafio de encontrar estratégias

viáveis para a caminhada em direção à sociedade sustentável.

Esse estudo emprega a concepção teórica de desenvolvimento sustentável

formulada nas últimas décadas pelo economista e cientista social Ignacy Sachs. De

acordo com SACHS (1985:135), o conceito de desenvolvimento sustentável é “a

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tentativa de definir estratégias de desenvolvimento que sejam socialmente úteis,

ecologicamente sustentáveis e economicamente viáveis…”.

Essa concepção de desenvolvimento leva em consideração a escala global; no

entanto, para buscar alcançar tal escala, é necessária a implementação de inúmeras

estratégias de operacionalização dos critérios de sustentabilidade em escala local.

SACHS (2000) levanta diversos critérios de sustentabilidade e, para cada

critério, aponta alguns princípios básicos. Quanto à sustentabilidade social, o autor

apresenta quatro princípios básicos: a obtenção de patamar aceitável de igualdade

social, distribuição de renda justa, a existência de emprego pleno e/ ou autônomo de tal

forma que permita haver qualidade de vida satisfatória, e igualdade quanto ao acesso

aos recursos e serviços sociais.

No que concerne à sustentabilidade cultural, são apresentados três componentes

básicos: realização de mudanças que tenham como objetivo a busca de equilíbrio entre o

respeito à tradição e inovação, autonomia suficiente para elaboração de projeto nacional

integrado e voltado para interesses internos, e autoconfiança com abertura para o

exterior.

Sobre a sustentabilidade ecológica são apresentados dois princípios básicos:

preservação do potencial do capital natureza na sua produção de recursos renováveis e

criação de restrições ao uso de recursos não-renováveis.

No que diz respeito a sustentabilidade ambiental, o autor cita um princípio geral.

Esse princípio consiste na necessidade de considerar e avivar a capacidade de

autodepuração dos ecossistemas naturais.

No que concerne à sustentabilidade do ponto de vista econômico, esse autor

aponta cinco componentes básicos. Estes princípios são os seguintes: desenvolvimento

econômico intersetorial equilibrado, segurança alimentar, conseguir estar sempre

modernizando os instrumentos de produção, razoável autonomia na pesquisa científica e

tecnológica, e ingresso de forma soberana na economia internacional.

Quanto à sustentabilidade política/nacional, são apresentados três princípios

básicos: democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos,

desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional em

parceria com todos os empreendedores, e razoável coesão social.

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Ao comparar a concepção de desenvolvimento sustentável de SACHS (1985) e

de SACHS (2000), verifica-se que o autor incorporou novos critérios de

sustentabilidade como, por exemplo, o político.

Atualmente, a agricultura está diante de novas exigências de produção derivadas

de operacionalizar o conceito de desenvolvimento sustentável. Embora ainda se tenham

relativamente poucas experiências e elas se apresentem de forma pontual no espaço,

existe a possibilidade de que, no futuro, essas experiências sejam estendidas a toda a

agricultura.

3. Considerações sobre a área de estudo

3.1 O município de Mário Campos: espaço fruto do processo de metropolização

A formação histórica de Mário Campos está ligada a Ibirité, pois desmembrou-

se desta cidade; é importante colocar que:

Sua identidade se formou pela superposição de formas

urbanas representativas de dois processos básicos: a formação

dos núcleos tradicionais da sede municipal e de Sarzedo, no

contexto de uma economia local apoiada na agropecuária e na

extração mineral, e, posteriormente, o processo de

industrialização do setor Oeste da Aglomeração, que repercute

em Ibirité através do intenso parcelamento do solo e dos

assentamentos de população de baixa renda. Assim, além da

perda de terras aptas à produção agrícola, grande parte deste

espaço, inclusive a sede municipal, se converte em área

dormitório dos centros produtivos regionais, marcada pela

descontinuidade do tecido urbano e pela presença de

loteamentos de baixo padrão urbanístico, desarticulados entre si

e com vínculos muito frágeis com a sede. (PLAMBEL,

1980:81).

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O processo de metropolização na RMBH, ao qual a área de estudo está

submetida, pode ser definido da seguinte forma:

Além do inchamento urbano, o processo de

metropolização implica o estreitamento das relações cotidianas

entre os diversos lugares e os principais centros de atividades,

com ampliação dos movimentos pendulares entre esses pontos,

sobrecarga do sistema de transporte intra-regional e

congestionamento do centro de Belo Horizonte, seu pólo

articulador (PLAMBEL, 1986:90).

Por ter sido influenciado pela implementação da Cidade Industrial em

Contagem, na década de 40, e pela proximidade do núcleo metropolitano, Mário

Campos pode ser considerado município-dormitório. Essa característica é explicada da

seguinte maneira:

Entende-se por municípios-dormitório aqueles que

tiveram o crescimento de sua população diretamente ligado à

expansão de áreas de moradia para alojar, principalmente, a

população de baixa-renda… (BÓGUS, 1992:37).

A região horticultura de Bom Jardim especializou-se na produção de hortaliças

de folhas para atender à demanda metropolitana. A produção agrícola na área

pesquisada se baseava no cultivo de milho, feijão, cana, para a subsistência das famílias.

Posteriormente, a horticultura tornou-se a principal atividade econômica

desenvolvida no município de Mário Campos. Segundo a EMATER-MG (1999:4),

“… a agricultura do município envolve

aproximadamente 1.200 trabalhadores (meeiros, parceiros,

arrendatários, proprietários, diaristas, atravessadores) que estão

diretamente ligados à produção agrícola, garantindo a

sobrevivência de 235 famílias”.

Além de ser especializado na produção de hortaliças de folhas, o município de

Mário Campos é local para a moradia de populações de baixa renda que trabalham no

aglomerado metropolitano e que adquiriram casa própria alí.

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A população de Mário Campos dobrou na última década. Passou de 5.081

habitantes, em 1991, para 7.247, em 1996 (FJP, 1998). Em 2000, a população mário-

campista já era de 10.525 habitantes (IBGE, 2000).

Em 2000, verifica-se grande predomínio da população urbana sobre a rural. Dos

10.525 habitantes, 7.945 são considerados população urbana e 2.580 população rural.

No município, 75,9% da população é urbana (IBGE, 2000).

Mário Campos apresentou taxa de crescimento anual bastante acentuada no

período de 1991 a 1996, se comparada aos outros municípios que compõem a RMBH.

Sua taxa foi de 7,36% no período em questão, sendo superado apenas por dois

municípios da RMBH: São José da Lapa, com 12,21%, e Betim, com 7,88% (FJP,

1998).

No período de 1996 a 2000, a taxa de crescimento anual de Mário Campos foi a

maior entre os municípios da RMBH: 9,7. Em seguida vêm os municípios de São

Joaquim de Bicas, com 8,38; e Sarzedo, com 8,2. Portanto, na porção sudoeste da

RMBH, o crescimento populacional é muito intenso, se comparado ao crescimento

anual de Belo Horizonte, que foi de 1,61 (IBGE, 2000).

Segundo COSTA (1994:74),

Assim, os resultados do censo de 1991 mostram com

clareza que vários municípios da periferia da Região

Metropolitana vêm apresentando taxas de crescimento

extremamente elevadas ao longo dos anos 80. Alguns deles,

como Betim, Ibirité, Igarapé, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e

Vespasiano cristalizam evidências de crescimento, em torno de

7% ao ano, já presentes na década de 70. Já Belo Horizonte

cresceu apenas 1,28% ao ano, sugerindo a intensificação de usos

não / residenciais.

3.2 A área pesquisada: espaço marcado pela convivência entre nichos agrícolas e

loteamentos populares

No núcleo de Bom Jardim, os loteamentos em sua quase totalidade são

populares. Os loteamentos populares, conforme COSTA (1985), atendem à populações

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de baixo poder aquisitivo que estão em busca da casa própria, possuem precária infra-

estrutura, carência de asfalto, ausência de rede de esgoto e áreas de lazer.

Os loteamentos populares, mesmo com problemas relacionados à precária infra-

estrutura, possuem função social muito importante. Neste sentido, COSTA (1985:128)

lembra que “… a compra de um lote seguida da autoconstrução se constitui em

praticamente a única forma em princípio possível de acesso à propriedade para a maior

parte da população.”

Na área estudada, os loteamentos Bom Jardim, Palmeiras, Tangará e Bela Visa

são populares. No bairro Bom Jardim, aprovado em 1954, muitos sítios foram

incorporados às áreas loteadas, sem nenhum sistema de arruamento no interior deles,

apenas o havendo nas bordas, e esta é uma estratégia do loteador de ir incorporando

novas áreas à área loteada, deixando de cumprir exigências legais quanto à infra-

estrutura. O bairro Palmeiras, que já existia em 1977, possui sistema de arruamento

traçado ao acaso. Parte do bairro assemelha-se a uma vila, há ruas muito estreitas com

várias casas pequenas muito próximas umas das outras. O bairro Tangará, com

aproximadamente 20 anos, foi sendo loteado aos poucos, segundo os relatos de um

morador. Quase todas as casas são simples e ainda estão em processo de

autoconstrução. O mais novo bairro da região de Bom Jardim é o Bela Vista, com lotes

de 250 m2. É um loteamento criado em 1997, portanto imediatamente após a

emancipação. Por exigências da nova legislação, as ruas desse bairro estão todas

asfaltadas.

Há também dois loteamentos que não são populares: as Chácaras Maria

Antonieta e as Chácaras Joaquina Maria. O primeiro é marcado pelo planejamento

quanto ao traçado das ruas. O outro loteamento não possui sistema de arruamento em

seu interior, e o acesso só pode ser feito por duas ruas.

4. A organização dos nichos agrícolas na área estudada

4.1 Características gerais das propriedades amostradas

A agricultura familiar da área pesquisada é composta por proprietários e

meeiros. Nessas duas condições a família participa da produção. Os proprietários estão,

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teoricamente, entre os modelos empresa familiar e agricultura familiar moderna de

LAMARCHE (1998).

A participação do meeiro enquanto sujeito no processo de produção da

horticultura, na área estudada, é muito significativa, encontrando teoricamente, em

LAMARCHE (1998), a explicação para defini-lo no modelo empresa familiar no que se

refere à dependência do trabalho familiar e do mercado, excetuando-se quanto à posse

da terra.

Há uma ligeira maioria de meeiros (56,67%) sobre o número de proprietários

(43,33%). Isso indica que a propriedade da terra, na área estudada, não é fator tão

importante como propõe LAMARCHE (1998) em sua concepção de agricultura

familiar; entretanto, em outros quesitos mencionados por esse autor, como a

dependência do trabalho familiar e do mercado, os meeiros se igualam aos proprietários.

Quanto ao tamanho das propriedades amostradas na área estudada, é importante

mencionar que elas diferenciam-se muito. As áreas das propriedades que estão afastadas

dos loteamentos são maiores que aquelas que estão situadas no interior deles. Estas

últimas, recebem, conforme TUBALDINI & RODRIGUES (2000), a denominação

local de “hortas de fundo de quintal”.

Os agricultores que estão em propriedades menores em termos de área

geralmente recorrem a outra fonte de renda fora das hortas para complementar o

orçamento familiar. Desta forma, quanto maior o tamanho do estabelecimento, mais

importante se torna a sua sustentabilidade socioeconômica para as famílias de

horticultores.

Uma outra característica das propriedades é o policultivo de hortaliças; estratégia

esta utilizada por 90% dos horticultores da área pesquisada, com o objetivo de garantir

maior sustentabilidade econômica. Esta alternativa, adotada pelo agricultor familiar,

representa forma de sustentabilidade econômica porque, quando determinado tipo de

hortaliça está ruim para a comercialização, ele tem a oportunidade de substituí-lo por

outro que tenha melhor aceitação no mercado.

Os tipos de hortaliças mais cultivados na área estudada são alface e couve,

presentes em 56,66% dos estabelecimentos. Em seguida, mostarda e salsa, em 50% das

hortas; e, cebolinha e almeirão, em 46,66% das unidades de produção. Esses cultivos

16

são mais freqüentes em virtude dos hábitos alimentares do mercado consumidor

metropolitano.

4.2 O trabalho nos nichos agrícolas

A participação dos filhos nas etapas de manejo nas unidades de produção

familiares é muito significativa. Evidência disto é o fato de que metade dos horticultores

entrevistados possui filhos que os ajudam na horticultura.

Em relação à participação da mão-de-obra das esposas dos horticultores,

verificou-se que, além de trabalhar em casa, mais da metade delas ajudam no trabalho

nas unidades de produção familiares. São várias as atividades por elas desenvolvidas:

algumas apenas amarram cebolinha e salsa, outras ajudam somente na colheita, há

também aquelas que ajudam em todas as etapas da produção das hortaliças.

Na área pesquisada, é comum a mão-de-obra dos membros da família não ser

suficiente para desempenhar todas as atividades nas unidades de produção; nestas

situações os horticultores recorrem ao trabalho de diaristas.

Esse é o contexto das lógicas familiares de LAMARCHE (1998); seu aspecto

central é a participação de membros da família na produção.

Na área estudada, parte significativa dos horticultores, 26,67%, possui fonte de

renda fora das hortas (serviços de vigilante, por exemplo) sendo, portanto, uma

evidência tanto do conceito de pluriatividade de SILVA (2000) como de

multifuncionalidade de BICALHO (1996). Essa pluriatividade, típica de áreas

metropolitanas, é estratégia de sustentabilidade econômica dos horticultores.

A área de estudo recebe trabalhadores de outros locais para ingressar na

horticultura: 50% da amostra (15 entrevistas) são migrantes. A maior parte dos

migrantes, 73,33%, são originários da RMBH; destes, 33,33% são oriundos do

município de Belo Horizonte. Outros vêm de áreas mais distantes como é o caso de

migrantes que deixam o Alto Jequitinhonha.

Quanto à migração de trabalhadores para a área pesquisada, identificaram-se

várias causas que os levaram a tomar tal decisão. Estas causas podem ser resumidas em

seis grupos: 1) Fugir dos altos alugueis em Belo horizonte; 2) Busca por trabalho; 3)

Deixaram o cultivo de hortas em outros locais e foram para Bom Jardim – Mário

17

Campos; 4) Atração pela horticultura; 5) Motivos religiosos; 6) Mudar da agricultura de

subsistência para a horticultura.

O município que mais enviou migrantes para a área estudada foi Belo Horizonte.

Chegando em Bom Jardim, eles tornaram-se proprietários de lotes onde aprenderam e

passaram a cultivar hortaliças, ao contrário dos migrantes oriundos do Alto

Jequitinhonha, que começaram a trabalhar nas hortas e depois compraram lotes. Do

ponto de vista da sustentabilidade, estes migrantes encontraram melhores condições de

renda para a família e socialmente sentem-se mais adaptados ao novo meio onde

passaram a residir.

4.3 A influência das tecnologias agrícolas

Para a maioria dos horticultores, 60%, houve mudanças nas técnicas de manejo,

desde que iniciaram na horticultura. Essas mudanças aconteceram nas seguintes etapas:

preparo do solo, sistema de irrigação, mudas de estufa e adubações.

Mudanças ocorridas nas técnicas de preparo do solo foram mencionadas por

36,66% dos entrevistados. Suas respostas apontam para a introdução do uso do trator no

manejo das hortaliças.

Apenas 26,66% dos horticultores adotam algum tipo de prática de combate a

erosão. Isso é muito importante porque é evidência da adoção de técnicas agrícolas

sustentáveis, estando, portanto, ligado a um dos princípios de sustentabilidade ecológica

apresentado por SACHS (2000:86): “preservação do potencial do capital natureza na

sua produção de recursos renováveis”.

As mudanças nas técnicas de irrigação foram citadas por 36,66% dos

horticultores. Suas respostas enfatizam a passagem do uso de regadores e mangueiras

para o uso de aspersores no processo de irrigação das hortaliças.

No plantio de hortaliças, houve implementação de mudas de estufas em

substituição ao uso de mudas preparadas pelo produtor familiar. Esta mudança foi

mencionada por 13,33% dos horticultores. No entanto, metade da amostra, 15

entrevistados, disse usar mudas de estufa. Esta etapa constitui-se na entrada de outro

elemento no processo de produção, que é negativo para os produtores muito pequenos,

pois sente-se uma coerção ao pequeno produtor adquirir mudas de estufas.

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Muitas mudanças também aconteceram no processo de adubação. Exemplos de

tais mudanças foram citados por 13,33% dos horticultores entrevistados. Suas respostas

são todas no sentido de que o processo de adubação, que antes se limitava ao uso de

esterco e que era mais sustentável do ponto de vista da manutenção e fertilidade do solo,

teve o acréscimo de adubos químicos. Esse uso intensivo de adubos químicos é reflexo

da aplicação dos insumos agrícolas da modernização conservadora.

4.4 O mercado e a produção nas unidades familiares da agricultura metropolitana

Aspecto muito importante para entender a horticultura da área estudada é o

destino da produção. Esta informação é importante tanto para a concepção de

agricultura familiar de LAMARCHE (1998) no que diz respeito à integração da unidade

de produção ao mercado quanto a concepção de agricultura metropolitana de BICALHO

(1996) no que se refere a proximidade ao mercado.

Os destinos da produção de hortaliças são bastante variados (sacolões, Centrais

de Abastecimento de Minas Gerais, restaurantes e feiras), mas voltados para os três

principais municípios do aglomerado metropolitano: Belo Horizonte, Contagem e

Betim. O aspecto mais favorável nesse sentido é a grande proximidade do mercado, que

é um ponto de sustentabilidade econômica.

A maior parte dos horticultores entrevistados, 66,66%, vende suas hortaliças

para compradores da área estudada, chamados de atravessadores. O fato de muitos

compradores serem da área de estudo demonstra que a horticultura gera também muitos

empregos nessa etapa da comercialização.

Uma das estratégias de comercialização utilizadas pelos horticultores é o

Programa Direto da Roça, uma iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte em parceria

com a EMATER-MG e produtores. No entanto, o número de entrevistados que participa

desse programa é pequeno, apenas 10%; e a produção deles não é toda vendida no

programa, sendo necessário que eles recorram também a outros compradores. Segundo

a EMATER-MG (1999), 19 horticultores do município de Mário Campos participam do

programa.

O Programa Direto da Roça está totalmente ligado às diversas dimensões da

sustentabilidade: social, econômica, ambiental, cultural, política e, consequentemente, a

19

metropolitana. Esse programa é exemplo de política pública regional que está

melhorando as condições de vida de muitas famílias de agricultores.

4.5 Interações rurais/urbanas

A quase totalidade dos horticultores pesquisados, 93,34%, vê o fato de os nichos

agrícolas estarem situados próximo ao centro metropolitano como aspecto positivo. A

principal justificativa por eles apresentada foi a proximidade do mercado consumidor,

mencionada por 73,33% da amostra.

Essa proximidade do mercado é característica intrínseca da agricultura

metropolitana. Isto é reforçado pelo grande vínculo espacial entre o núcleo

metropolitano e sua periferia, que estimula os agricultores familiares a vender

exclusivamente para o mercado. Essa proximidade é também importante ponto de

sustentabilidade econômica para os nichos agrícolas, que desencadeia as outras

dimensões da sustentabilidade (social, ambiental, cultural e política).

A maioria dos horticultores, 56,66%, considera muito vantajoso o fato de as

hortas dividirem o espaço com os loteamentos ou estarem próximas a eles. Uma das

razões é a facilidade de providenciar mão-de-obra assalariada para determinadas

atividades nas unidades de produção familiares. Tudo isso é evidência principalmente

de um ponto de sustentabilidade social, pois contratar o trabalhador depende antes de

tudo do agricultor saber se relacionar no local em que reside.

Um outro aspecto da interação rural/urbana são as condições de moradia. A

grande maioria dos horticultores pesquisados, 70%, possui casa própria; apenas um

deles comprou o imóvel com a edificação concluída; havendo, portanto, sinais da

existência de forte comércio de lotes na área pesquisada.

4.6 Água para irrigação: um grande desafio para a horticultura

Em relação à origem da água destinada à irrigação, verificou-se que quase

metade dos horticultores pesquisados, 46,66%, usa água oriunda de poços

comuns/cisternas, que situam-se junto à horta. Outros 23,33% utilizam água retirada de

córrego. Já a água originada de mina/nascente é utilizada por 20% dos entrevistados,

20

enquanto apenas 10% deles utilizam água extraída de poços artesianos. Para transportar

a água da fonte até a horta, o recurso utilizado é a bomba elétrica. O acesso dos

horticultores à água para irrigação é imprescindível para a sustentabilidade da própria

horticultura, que, sem água, deixaria de existir.

Dos dois córregos que cortam a região, um é intermitente, portanto parte

significativa da área pesquisada não tem a opção de usar água oriunda de curso d’água,

devido à distância; além do mais, a água desse córrego é insuficiente para atender à

demanda de todos os estabelecimentos situados em suas proximidades.

A perfuração de poços comuns ou cisternas é bastante utilizada porque grande

número de hortas estão localizadas em locais afastados dos cursos d’água. Isso

demonstra que a horticultura na área pesquisada é pouco dependente das águas

superficiais, como córregos; e muito dependente das águas subterrâneas, de poucos

metros até dezenas de metros abaixo da superfície.

Quanto à qualidade da água em bom Jardim – Mário Campos, a questão maior é

o risco de poluição dos lençóis freáticos de onde são retiradas as águas subterrâneas –

que podem estar interligando-se às fossas cépticas domésticas, o que seria um ponto de

insustentabilidade.

5. Considerações Finais

Concluiu-se que os agricultores familiares da área estudada têm características

de dois modelos de LAMARCHE (1998): o modelo empresa familiar e o modelo

agricultura familiar moderna. Tais modelos consideram a importância do trabalho

exercido pelos membros das famílias dos agricultores e também a acentuada

dependência do mercado.

A especialização produtiva de uma área, conforme SANTOS (1997), só é

possível devido ao estímulo do centro consumidor urbano e as facilidades de acesso,

que são viabilizadas pelo Estado pela implementação de infra-estrutura. Foi isso que

aconteceu na área pesquisada.

A agricultura da região de Bom Jardim é familiar, mas nem sempre os membros

da família conseguem desempenhar todas as atividades no estabelecimento. Nestes

casos, os horticultores recorrem aos serviços dos trabalhadores diarista, sendo esta uma

21

estratégia para conseguirem melhores resultados financeiros na unidade de produção,

aumentando a velocidade e volume produzidos, tornando-a sustentável

economicamente.

Constatou-se que as concepções teóricas de agricultura familiar e de agricultura

metropolitana se complementam. O aspecto principal da agricultura familiar é o

trabalho de membros da família, e o aspecto principal da agricultura metropolitana é a

proximidade do centro metropolitano e o mosaico multivariado de atividades resultado

disso; essas duas situações foram constatadas na área de estudo.

Metade dos agricultores familiares entrevistados morava fora da área pesquisada

e para lá se mudou. Os migrantes do Alto Jequitinhonha foram trabalhar na horticultura

e compraram lote, e os migrantes oriundos de Belo Horizonte foram porque

conseguiram comprar um lote e depois iniciaram na horticultura. Isto pode ser

considerado um ponto de sustentabilidade sociocultural para as unidades de produção

familiares, pois os migrantes fundaram uma nova unidade de produção, não tendo mais

que pagar aluguel e também se adaptaram a cultura local.

As técnicas usadas na horticultura estão longe de se aproximar da concepção de

sustentabilidade trabalhada por SACHS (1985). A busca da sustentabilidade na área

estudada se baseia no esforço de buscar estratégias de desenvolvimento que apresentem

simultaneamente resultados positivos dos pontos de vistas social, econômico, ambiental,

cultural e político.

Quanto ao fator água, a estratégia dos horticultores de perfurarem poços comuns

(ou cisternas) é ponto de sustentabilidade econômica, que desencadeia outras dimensões

(social, ambiental e cultural). A disponibilidade de água, mesmo sendo subterrânea,

garante essas várias dimensões de sustentabilidade. Caso essa água subterrânea venha a

ser poluída, por exemplo, pelos esgotos oriundos das fossas sépticas, uma vez que na

região não há redes de esgoto, aí sim, essas dimensões da sustentabilidade estariam

ameaçadas. Diante disso, torna-se importante o posicionamento do Estado no sentido de

monitorar a qualidade dessa água, assim como regulamentar seu uso, pois se a pressão

sobre esse recurso natural for muito excessiva, ele poderá deixar de estar disponível, o

que significaria tornar impraticável a horticultura.

Constatou-se que, na área pesquisada, há diversos pontos de sustentabilidade na

convivência entre os nichos agrícolas e os loteamentos populares. Fato que engloba as

22

dimensões econômica e, conseqüentemente, social, ambiental e cultural da

sustentabilidade, nas unidades de produção familiares, é a existência de grandes áreas

plantadas, o que demonstra que a horticultura está fortalecida. Ponto de sustentabilidade

sociocultural é o fato de muitos agricultores familiares estarem esperançosos de

conseguir ampliar a área plantada; desta forma, eles conseguem aumentar a renda e

permanecem na tradição agrícola. Ponto de sustentabilidade cultural é a forte tradição

agrícola passada de pais para filhos, que é importantíssima para que a horticultura

continue desempenhando seu papel, que é o de gerar renda para a sobrevivência de

muitas famílias.

Uma das características da agricultura metropolitana na área pesquisada é o fato

de os nichos agrícolas estarem situados em áreas urbanas. Eles estão situados no interior

do novo perímetro urbano criado pela prefeitura de Mário Campos em 1999. Isso cria,

conforme BICALHO (1996), a situação em que os usos agrícolas estão lado a lado com

os usos urbanos, em convivência. O fato de essa convivência existir é importante porque

engloba diferentes pontos de sustentabilidade ligados às suas diversas dimensões

(social, econômica, ambiental, cultural e política).

Finalmente, mesmo que as unidades de produção familiares não apresentem

sustentabilidade sob todos os pontos de vistas, foi possível encontrar pontos de

sustentabilidade inseridos no processo de produção, nas relações entre nichos agrícolas

e loteamentos populares e no interior da agricultura, enquanto familiar e metropolitana,

na área estudada.

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