Uma Proposta de Algoritmo Baseado em Cone de Preferência ...
A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS
Transcript of A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROPUR - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL
A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE
COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS
- Uso das técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference) em Corredor Urbano de Transporte Coletivo por Ônibus de Porto Alegre.
Jáckson S. De Toni
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re-gional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRE EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL.
Orientador: Prof. L.A. Lindau
Porto Alegre - PROPUR/UFRGS - 1994
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROPUR - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL
A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE
COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS
- Uso das técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference) em Corredor Urbano de Transporte Coletivo por Ônibus de Porto Alegre.
Jáckson S. De Toni
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re-gional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRE EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL.
Aprovada em _____de______________________de 1994
Banca Examinadora:_________________________________________ __________________________________________ __________________________________________
Agradecimentos:
A atividade de pesquisa e elaboração teórica nem sempre podem ser
realizadas em condições ideais, nas circunstâncias em que este trabalho foi realizado
a contribuição de colegas, professores e instituições foi fundamental para vencer os
inúmeros obstáculos enfrentados ao longo da jornada.
Neste sentido devo registrar um especial agradecimento aos
Professores L.A. Lindau (Orientador) e, particularmente, ao Professor L.A.S. Senna,
do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRGS (PPGEP),
pela orientação, estímulo e paciência em inúmeras horas de debates sobre as
questões envolvidas neste trabalho ao longo dos últimos meses.
Agradeço também a diversos técnicos em Transporte que, de uma
forma ou outra, contribuíram com informações valiosas sobre o Sistema de Transporte
em Porto Alegre e outros dados relevantes: Arq. Maria do Carmo Boklage e ao Econ.
Alexandre Gomide, da Secretaria Municipal dos Transportes, ao Eng. Mogli Veiga,
Eng. Luis C. Bertotto e a Enga Cristina Piovezan.
À Secretaria Municipal dos Transportes de Porto Alegre,
particularmente à Supervisão de Planejamento, especialmente à Mauri Cruz, pelo
apoio na realização da pesquisa de campo.
Aos colegas e professores da Turma XI do PROPUR, pelo incentivo
e amizade e, particularmente, ao Arq. Ricardo Rabeno, pelos desenhos do
questionário elaborados com a precisão e qualidade desejadas.
À CAPES pelo apoio financeiro.
À minha família, Ziza e Giovanni, pela paciência e compreensão sem
limites.
RESUMO
Este trabalho enfoca o comportamento de usuários de ônibus de parte do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Porto Alegre a partir dos elementos comportamentais da Demanda. A Demanda é analisada através dos Modelos Comportamentais Desagregados com a utilização de técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference).
Na contextualização do Transporte Coletivo dentro da questão urbana mais ampla, são analisados o processo de urbanização brasileiro segundo a lógica dos transportes e a, nível intra-urbano, as relações entre os elementos de circulação e os padrões de uso do solo. Identifica-se que outros fatores, além dos espaciais, podem ter significativa influência sobre a Demanda pelo transporte coletivo. Um deles é a preferência dos usuários, objeto deste estudo.
As técnicas de Preferência Declarada (PD) objetivam a estimação das utilidades ou preferências dos consumidores em relação aos atributos que compõem o Nível de Serviço no Sistema de Transportes. Baseadas na Teoria da Utilidade Microeconômica, estas técnicas são utilizadas, também, para estimar o valor monetário de variáveis quase sempre intangíveis nos estudos urbanos e de trans-portes (tempo, conforto, etc.).
Com o objetivo de explorar a validade metodológica de tais instrumentos, as técnicas de PD foram aplicadas aos usuários de um Corredor de Transporte Urbano de Porto Alegre (Assis Brasil) considerando as viagens motivo-trabalho. O experimento foi desenvolvido com as variáveis Conforto e Tempo de Viagem.
Conclui-se que estas técnicas podem ser satisfatoriamente utilizadas em Planejamento Urbano e de Transportes, apresentando resultados mais confiáveis e com menor custo, em relação à quantificação de atributos ou qualidades pelos usuários, normalmente consideradas intangíveis no processo de planejamento.
ABSTRACT
This dissertation focuses on user’s behavior of the Urban Public Transportation System of Porto Alegre based on the behavioral elements of the Demand. The demand is analysed through the Disagragate Behavioral Models, based on the use of techniques of the Stated Preference.
In the context of Public Transportation in the broader urban issue, two aspects are analysed: the Brazilian urbanisation according to the logic of the means of transportation and, at an intra-urban level, the relations between the circulation elements and the land use patterns. It is possible to identify some factors which, besides the spatial ones, can have a significant influence on Demand for public transportation. One of them is the preference of the users, object of this study.
Stated Preference (SP) Techniques aim at the estimation of the the consumers utility function based on attributes that make up the Level of Service in Transport System. Based on the Theory of Microeconomic Utility, these techniques are also used to estimate the monetary value of variables almost always intangible in the urban and transportation studies (time, comfort, etc.).
Aiming at exploring the methodological validity of such instruments, the techniques of SP have been applied to the users of an Urban Transportation Corridor in Porto Alegre (Assis Brasil), operating on a seggregate way, taking into account the motive-work travels. The experiment was carried out with the variables Comfort and Travel Time.
Some of the main conclusions are that these techniques can be satisfactory used in Urban and Transportation Planning, presenting more reliable results and lower costs, in relation to the quantification of attributes or qualities by the users, usualy considered intangible in the process of planning.
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................10
CAPÍTULO I .............................................................................................................................................................14
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA ..................................................................14
I.1) O PROCESSO HISTÓRICO DA URBANIZAÇÃO......................................................................................................14 I.2) A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA .............................................................................................................................18 I.3) A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NACIONAL: A LÓGICA ECONÔMICA E OS TRANSPORTES..........................................23
CAPÍTULO II............................................................................................................................................................28
AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES ENTRE O TRANSPORTE E O ESPAÇO URBANO ........................28
II.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................................................................28 II.2) A ESTRUTURA URBANA E O TRANSPORTE.........................................................................................................31 II.3) AS INFLUÊNCIAS MÚTUAS ENTRE TRANSPORTE E USO DO SOLO URBANO NA ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE...47
CAPÍTULO III ..........................................................................................................................................................64
OS DESLOCAMENTOS URBANOS: O SISTEMA DE TRANSPORTE E A CIRCULAÇÃO
NA CIDADE .............................................................................................................................................................64
III.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................................................64 III.2) A NATUREZA E A DINÂMICA DOS DESLOCAMENTOS URBANOS ......................................................................66 III.3) O TRANSPORTE COLETIVO URBANO ...............................................................................................................72
CAPÍTULO IV ........................................................................................................................................................113
O TRANSPORTE COLETIVO URBANO EM PORTO ALEGRE ..................................................................113
IV.1) CONSIDERAÇÃO INICIAIS. ...............................................................................................................................113 IV.2) OS TRANSPORTES E O MODELO URBANO ......................................................................................................116 IV.3) OS CORREDORES DE ÔNIBUS ..........................................................................................................................125
CAPÍTULO V..........................................................................................................................................................130
A MODELAGEM URBANA, O CASO DOS TRANSPORTES.........................................................................130
V.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................................................130 V.2) OS MODELOS EM PLANEJAMENTO URBANO ...................................................................................................133 V.3) OS MODELOS EM TRANSPORTE .......................................................................................................................140 V.4) USO E APLICABILIDADE DE MODELOS .............................................................................................................146
CAPÍTULO VI ........................................................................................................................................................150
AS TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (STATED PREFERENCE) ...........................................150
VI.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..............................................................................................................................150
VI.3) AS TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (PD) .......................................................................................154 VI.4) DIFERENÇAS ENTRE PREFERÊNCIA REVELADA E DECLARADA ....................................................................158 VI.5) APLICABILIDADE DAS TÉCNICAS DE PD.........................................................................................................161
CAPÍTULO VII.......................................................................................................................................................165
A TÉCNICA APLICADA: A PREFERÊNCIA DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO EM PORTO ALEGRE...................................................................................................................................................165
VII.1) CARACTERIZAÇÃO DO CORREDOR DE TRANSPORTE ESTUDADO.................................................................165 VII.2) DEFINIÇÃO DO DESIGN E COMPLEXIDADE DA PESQUISA ..............................................................................170 VII.3) OS RESULTADOS DA PESQUISA .....................................................................................................................181
CAPÍTULO VIII .....................................................................................................................................................198
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .............................................................................................................198
VIII.1) PROBLEMAS OPERACIONAIS E METODOLÓGICOS ......................................................................................198 VIII.2) CONSEQÜÊNCIAS PARA O PLANEJAMENTO URBANO E DE TRANSPORTES .................................................201
ANEXOS ..................................................................................................................................................................204
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:.......................................................................................................................234
LISTA DE TABELAS: TABELA 1 SERVIÇO DE ÔNIBUS E LOTAÇÃO EM PORTO ALEGRE ...........................................................................119 TABELA 2 OFERTA E DEMANDA DE TRANSPORTE EM PORTO ALEGRE..................................................................119 TABELA 3 EVOLUÇÃO DA DEMANDA NAS LINHAS TRANSVERSAIS ..........................................................................120 TABELA 4 CORREDORES DE ÔNIBUS EM PORTO ALEGRE .......................................................................................128 TABELA 5 CRESCIMENTO POPULACIONAL EM 1980/91 NA ZONA NORTE ..............................................................167 TABELA 6 VELOCIDADE NOS CORREDORES.............................................................................................................168 TABELA 7 PASSAGEIROS EMBARCADOS POR ESTAÇÃO...........................................................................................169 TABELA 8 MODELOS ESTIMADOS NO PRIMEIRO GRUPO ........................................................................................183 TABELA 9 MODELOS ESTIMADOS NO SEGUNDO GRUPO .........................................................................................185 TABELA 10 MODELOS ESTIMADOS NO TERCEIRO GRUPO......................................................................................186
LISTA DE GRÁFICOS: GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DA FROTA DE VEÍCULOS EM PORTO ALEGRE ................................................................118 GRÁFICO 2 - PROBABILIDADE VARIANDO CONFORTO ............................................................................................194 GRÁFICO 3 - PROBABILIDADE VARIANDO TEMPO ...................................................................................................195 GRÁFICO 4 - PROBABILIDADE VARIANDO TARIFA...................................................................................................196 GRÁFICO 5 - PROBABILIDADE VARIANDO TEMPO E CONFORTO.............................................................................197
LISTA DE FIGURAS: FIGURA 1 RELAÇÃO USO DO SOLO E DEMANDA POR TRANSPORTES.......................................................................57 FIGURA 2 REPRESENTAÇÃO DOS NÍVEIS DE CONFORTO ..........................................................................................171
10
INTRODUÇÃO{ TC "INTRODUÇÃO" \f C \l "1" }
Esta dissertação analisa o Transporte Coletivo Urbano,
particularmente os aspectos relacionados à Demanda no Transporte. O Transporte
Coletivo é abordado como um dos Sistemas inerentes à condição urbana, isto é,
entende-se o processo de urbanização e caracterização da produção do espaço como
fortemente relacionado às dinâmicas de circulação e de fluxos de pessoas e
mercadorias.
Sabe-se que a Demanda por Transporte Coletivo, particularmente o
transporte de passageiros, é fortemente influenciada pelos padrões de uso do solo
urbano, em termos de fatores de atração ou geração de viagens. Entretanto, há outros
elementos condicionantes da demanda que nem sempre estão presentes nos estudos
tradicionais em Planejamento Urbano, nem no Planejamento de Transportes. Estes
elementos dizem respeito à preferência dos usuários, ou seja, ao grau de
“adequabilidade” do serviço ofertado à população.
Neste sentido objetiva-se, em primeiro lugar, explorar as
possibilidades metodológicas de utilização de técnicas de estimação conhecidas como
Stated Preference, ou Preferência Declarada. Estas técnicas são utilizadas a fim de
mensurar valores e atributos referentes à qualidade do transporte, que nem sempre
são facilmente quantificados, dificultando sua manipulação no processo de
Planejamento Urbano. Elas estão inseridas dentro dos modelos de segunda geração
em transportes, isto é, os Modelos Comportamentais Desagregados ou Modelos de
Escolha Discreta. Estes modelos, baseados na Teoria da Utilidade Microeconômica,
vêm sendo amplamente utilizados, pois possibilitam simulações mais confiáveis que
as propiciadas pelos modelos tradicionais conhecidos como "quatro etapas".
11
A metodologia analisada foi aplicada a um Corredor Urbano de
Transportes em Porto Alegre (Corredor Assis Brasil), através de pesquisa de campo
executada junto aos usuários do corredor nos locais de trabalho. O segundo objetivo,
subordinado ao primeiro, é, através do uso destas técnicas, mensurar os valores
monetários que os usuários atribuem ao CONFORTO e TEMPO DE VIAGEM no modo
ônibus, nas viagens por motivo-trabalho.
No Capítulo I é analisado o processo de urbanização de um modo
geral, particularmente no contexto brasileiro, com ênfase na influência do Sistema de
Transportes. Parte-se do pressuposto de que é preciso entender o contexto em que foi
efetivada a urbanização brasileira para, após esta compreensão, analisar o papel dos
transportes na formação e evolução das próprias cidades.
Após a contextualização geral do processo urbano brasileiro, no
Capítulo II são analisadas as principais interfaces entre a questão urbana e a questão
dos transportes. Esta análise é feita pela revisão teórica das principais variáveis que
influenciam mutuamente os padrões de uso do solo e o sistema de circulação,
privilegiando o aspecto intra-urbano e o transporte de passageiros. Para entender
estas interações foi necessário retomar o conceito de Estrutura Urbana e o quanto
esta é influenciada pelos fluxos urbanos. As Teorias Locacionais constituíram outra
fonte para elucidar melhor estas relações, particularmente na definição da
Acessibilidade como conceito-chave. A partir do sistema circulatório urbano, pode-se
compreender o modo de organização do espaço predominante em nossa sociedade.
Abordada a problemática e a complexidade destas relações
biunívocas, é possível analisar mais detidamente os deslocamentos urbanos
enquanto tais: suas características, padrões de funcionamento, as várias dimensões
do problema e, especialmente, a questão da Demanda por Transporte. A Demanda é
estudada privilegiando-se o enfoque comportamental sem, contudo, aprofundar as
principais abordagens existentes a nível teórico. Isto é feito no Capítulo III.
12
No Capítulo IV é analisado o sistema de Transporte existente em
Porto Alegre, particularmente, sua relação com o processo de Planejamento Urbano,
no que diz respeito às concepções dos modelos urbanos adotados pelo município.
No Capítulo V, após o aprofundamento da temática dos transportes
em si, são introduzidas algumas considerações sobre o tema da modelagem urbana e
de transportes. Este capítulo se torna indispensável para a compreensão dos objetivos
do trabalho, já que se propõe a analisar a validade metodológica de pressupostos
teóricos que se expressam fundamentalmente através de modelos matemáticos. São
abordadas as vantagens e desvantagens no uso de modelos em Planejamento Urbano
e de Transportes e, principalmente, seu uso e aplicabilidade de modo a colocá-los no
seu justo lugar dentro do processo de Planejamento. Em outras palavras, não podem
ser considerados como "soluções universais", nem desprezados como ferramentas do
Planejamento, pelo simples fatos de serem modelos.
As Técnicas de Preferência Declarada são detalhadas no Capítulo
VI quanto aos seus pressupostos teóricos, suas vantagens e desvantagens em
relação aos métodos tradicionais, as diferenças com outras técnicas usadas em
Modelos Comportamentais e seu uso e aplicabilidade em Planejamento Urbano e de
Transportes.
No Capítulo VII são apresentados os resultados da aplicação das
técnicas de Preferência Declarada ao objeto de pesquisa mencionado anteriormente.
São estimados os valores dos atributos CONFORTO e TEMPO DE VIAGEM,
apresentados os modelos estimados com a respectiva análise dos resultados e é
debatida a validade e a significância dos resultados gerais obtidos.
Na última parte desta dissertação, o Capítulo VIII, são apresentadas
as conclusões segundo dois aspectos. O primeiro diz respeito aos problemas
metodológicos e operacionais encontrados na aplicação destas técnicas, ocorridas
basicamente devido ao caráter exploratório e ao ineditismo do trabalho realizado. O
13
segundo, sobre as possíveis conseqüências de seu uso no Planejamento Urbano e
Regional. Nas conclusões afirma-se a plena validade metodológica das técnicas de
PD, inclusive, a nível de sua potencialidade e utilização no Planejamento Urbano e
Regional.
14
CAPÍTULO I
{ TC "CAPÍTULO I" \f C \l "1" }
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA{ TC
"A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA" \f C \l "1" }
I.1) O Processo Histórico da Urbanização{ TC "I.1) O Processo
Histórico da Urbanização" \f C \l "2" }
Historicamente, o processo de urbanização tem sido explicado pela
geração de um excedente alimentar que permite a uma parte da população viver
aglomerada dedicando-se à atividades não-agrícolas. A produção primária, portanto, é
uma condição necessária mas não suficiente para o surgimento da cidade. Será
preciso o surgimento de instituições sociais e uma relação de dominação que transfira
o excedente agrícola para a cidade. Isto significa que a existência da cidade
pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e
distribuição, ou seja, uma sociedade dividida em classes sociais, segundo a posição
de seus membros na estrutura produtiva (Singer, 1987).
Um outro momento do processo de urbanização é assim, a divisão
social do trabalho entre campo e cidade. Neste caso, a diferenciação social entre
classes precedeu historicamente a diferenciação puramente espacial-ecológica. A
história das civilizações antigas demonstrou que uma classe, ou casta, acumulou
funções primordiais não-produtoras (administração, guerra, assuntos religiosos, etc.),
possibilitando sua segregação espacial em relação aos demais segmentos.
Outra suposição, complementar à primeira, é o surgimento das
cidades em função do desenvolvimento comercial. Isto pressupõe a existência de uma
15
Cidade-Estado que proteja os mercadores contra o roubo e a fraude em troca de taxas
e tributos cobrados. A cidade não inventou o comércio, apenas o tornou regular, fixo e
estável, possibilitando sua evolução e sofisticação. Viabilizando a troca generalizada
de mercadorias, a cidade cria, também, condições favoráveis para a universalização
da moeda, como equivalente universal de troca.
O surgimento da cidade representou a um só tempo, um novo modo
de dominação e uma nova forma de organização da produção. Gradativamente, de
centros de comércio, as cidades foram adquirindo características de centros
produtores. Vários fatores, entre eles o crescimento demográfico urbano, a ampliação
da população dedicada às funções políticas, religiosas e bélicas vinculadas à classe
dominante e a acumulação crescente de capital comercial, estiveram na base deste
processo.
Surge uma nova classe de produtores urbanos, saídos do campo e
desprovidos de seus meios de trabalho originalmente ligados à economia natural.
Segundo Singer, "nesta nova fase a cidade deixa de ser meramente a sede da antiga
classe dominante para tornar-se o centro de uma nova classe rival de mercadores,
usurários, especuladores, coletores de impostos, etc. Não se trata do capitalismo
ainda, pois sua existência depende, no fundo, da simbiose entre as novas e as velhas
relações de exploração"1. É a cidade das corporações artesanais, aglomerando ainda,
uma parcela muito pequena das populações.
Ao aglomerar cada vez mais a população, as necessidades de
divisão e especialização social do trabalho também se ampliam na proporção do
tamanho do mercado influenciado pela cidade. Surgem novas técnicas produtivas e
novos materiais (metalurgia, cerâmica, vidraria, etc.). O maior obstáculo para a
expansão urbana, nesta época histórica (Idade Antiga), continua sendo a barreira dos
transportes não-mecanizados. A expansão é predominantemente intramuros, pela
1 Singer, P. (1987), Economia Política da Urbanização, Ed. Brasiliense, São Paulo, SP, pág 18.
16
concentração de produtores e consumidores no espaço urbano permitindo uma
crescente diversificação e aprimoramento das forças produtivas. É nesta conjuntura
que uma verdadeira "revolução urbana" se processa.
No contexto europeu clássico, o processo de unificação política de
regiões dispersas em Cidade-Estados permitiu a constituição de uma precária rede ur-
bana e a especialização entre centros urbanos. Isto ampliou o horizonte comercial e
impulsionou mais ainda as forças produtivas. O exemplo da "paz romana", durante
mais de dois séculos, e o respectivo florescimento urbano na Gália (França e Bélgica),
Britânia (Inglaterra) e Alemanha, confirmam esta evolução. O surgimento e
consolidação de uma economia tipicamente urbana coincidiu com o surgimento dos
Estados Nacionais europeus. Nesta altura, o processo produtivo não só passa pela ci-
dade, mas nela se completa. O campo passa a ser consumidor de produtos urbanos.
A expansão da manufatura e da acumulação de capital, pelos
mercadores e comerciantes supera, gradualmente, os obstáculos colocados pelas
"corporações de ofício" e pelo sistema autocrático feudal, baseado na servidão. Surge
a possibilidade de separação entre o produtor e as condições de produção, o inves-
timento nos instrumentos de produção passa a ser mais lucrativo que o investimento
na matéria-prima, ou no produto acabado do sistema anterior. Aparece a figura do
fabricante saído das classes comerciais e mercantis, motivado unicamente a valorizar
seu capital mediante técnicas cada vez mais intensivas de produção (energia a vapor,
tear mecânico, etc.). Por outro lado, estas técnicas permitem a incorporação massiva
de camponeses e ex-artesões como empregados, despossuídos de seus instrumentos
e meios de produção, aptos a vender seu trabalho em troca dos meios de sua sub-
sistência (dá-se início ao ciclo de reprodução da força de trabalho). Este fenômeno - o
surgimento da unidade fabril de produção, foi um fenômeno essencialmente urbano.
A urbanização impulsionou o sistema fabril, e vice-versa. A fábrica
requer proximidade dos operários, infra-estrutura para armazenar, transportar e
17
distribuir a produção, energia suficiente para movimentar as máquinas, etc. Em muitos
casos, se a fábrica não surge na cidade, é a cidade que se forma a sua volta. A cidade
industrial impõe-se ao campo, não mais pelo poderio bélico, pela tributação ou pelo
controle administrativo, mas pela sua produtividade superior, pela capacidade de gerar
mais renda e atrair população.
Já no século XIX, a Revolução Industrial ampliou significativamente o
investimento em capital fixo urbano e na produção em larga escala, para amortizar tais
investimentos. Ela produziu modificações radicais na relação do campo com a cidade.
Para que a produção se generalizasse em escalas cada vez maiores, foi necessário
ampliar o mercado consumidor de produtos industriais. O camponês se tornou um
agricultor especializado dependendo de insumos e instrumentos urbanos. Este
processo de penetração das relações sociais da economia urbano-industrial no campo
produziu dois efeitos principais: eliminou completamente a produção de subsistência
(nos países industrializados), ou seja, parcela significativa da produção agrícola é pro-
cessada no meio urbano e permitiu um aumento significativo da produtividade na
agricultura (Singer, 1987). Assim, a penetração das relações capitalistas no campo
gerou fatores de expulsão da força-de-trabalho agrícola para os centros urbanos
industrializados. Parte destes migrantes foram absorvidos pela indústria fabril, parte se
tornaram estoques reguladores da mão-de-obra.
O processo de urbanização está, portanto, intimamente ligado à
lógica econômica do desenvolvimento capitalista, de uma economia baseada na troca
de mercadorias. A cidade tornou-se o local privilegiado de reprodução do capital e da
força-de-trabalho. A partir daí, pode-se analisar o investimento do Estado na infra-
estrutura básica (incluindo o aspecto circulatório: vias e modos de transporte) e dos
equipamentos urbanos. Já no século XX a progressiva especialização e divisão do
trabalho levaram à concentração e centralização do capital em grandes unidades
produtivas. Estas exigiram readequações espaciais para sua funcionalidade no meio
urbano. Neste sentido, as indústrias tenderam a se localizar no entorno urbano
18
próximas às concentrações habitacionais de baixa renda. As áreas centrais
monopolizaram as atividades comerciais e de serviços especializados, enquanto as
residências de alta renda localizaram-se em locais privilegiados.
I.2) A Urbanização Brasileira{ TC "I.2) A Urbanização Brasileira" \f
C \l "2" }
A industrialização e urbanização, nos países dependentes
economicamente, ocorreu de forma muito mais violenta e drástica que na Europa. O
processo migratório do campo para a cidade deu-se muito mais por expulsão dos
contingentes rurais e pela estagnação da produtividade agrícola, do que pela atração
exercida por melhores empregos no meio urbano. Por outro lado a migração rural-
urbano nas condições brasileiras não aumentou a demanda por produtos urbanos
(caso clássico). Pelo contrário, sem poder aquisitivo e reproduzindo na cidade, as
formas tradicionais de sobrevivência (subsistência informal), o contingente de migran-
tes só aumentou a pressão sobre os serviços públicos sem contrapartida fiscal ou
tributária. Este processo explica, em parte, o padrão de crescimento periférico das
grandes e médias cidades brasileiras, que tem na favelização (habitação irregular,
clandestina e precária) sua face mais dramática.
Dentro de um contexto marcadamente agro-exportador da economia
brasileira até meados deste século, foram as crises internacionais, em relação as
quais o país esteve sempre muito vulnerável, que alavancaram a industrialização. A
Crise de 1929 e a II Guerra Mundial caracterizam-se como momentos de substituição
de importações e de restrições às exportações agrícolas. Desde os anos trinta, o
Estado brasileiro cumpriu papel essencial ao ajudar a centralização de capitais
agrícolas e bancários em direção à indústria, na regulamentação do mercado de
trabalho, na manutenção de relativa estabilidade política e no bom relacionamento
19
internacional. Os investimentos públicos em infra-estrutura foram também marcantes.
Podem ser citados os serviços de água e esgoto, a encampação das ferrovias na
década de quarenta, assim como os serviços telefônicos e o de produção e
distribuição de energia, como alguns exemplos. O baixo poder aquisitivo dos salários e
a necessidade de manter altas taxas de lucro para o capital privado, estão na base da
necessidade dos investimentos públicos na manutenção destes serviços subsidiados.
A expansão rápida das cidades ocorrida a partir da metade deste
século, desencadeou iniciativas estatais de estancamento do crescimento urbano.
Tais iniciativas se concentraram basicamente nas políticas urbanas voltadas apenas
para as cidades, ignorando um dos fatores estruturais do processo urbanizador no
Brasil: a migração rural. Neste contexto, surgem os Códigos de Posturas, as
campanhas higienistas, os Códigos de Obras, de Edificações e Uso do Solo (Malta
Campos, 1989). Uma legislação urbana rigorosa e exigente foi implantada,
encarecendo o preço da produção de lotes urbanos. Isto determinou, entre outros
fatores, a ocupação urbana periférica pelas populações de baixa renda.
A partir dos anos cinqüenta, o processo brasileiro de industrialização
e urbanização é fortemente acelerado pela implantação de indústrias de base,
apoiadas em investimentos privados externos que são avalizados pelo Estado. Nas
palavras de Malta Campos, "a urbanização superacelerada resulta de um modo
particular de industrialização que, ao mesmo tempo que, no campo, sobremecaniza a
produção agrícola em propriedades de dimensões cada vez maiores, na cidade
sobrecapitaliza a produção industrial e de serviços. A conjunção desses dois fatores
amplia a migração campo-cidade, ao mesmo tempo que reduz, proporcionalmente ao
capital investido, a oferta de empregos no chamado mercado formal urbano, gerando
um crescimento exagerado do mercado urbano informal de empregos, do
subemprego, reduzindo a capacidade de barganha política dos trabalhadores por
maiores salários e melhores condições de vida nas cidades"2. Nesta fase, a ação do
2 Malta Campos, C. (1989). Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos, Ed. Nobel, São Paulo, pág. 38 e 39.
20
Estado viabilizou o processo de urbanização em âmbito regional materializado em
grandes obras (especialmente sistema viário e energético), ainda com poucas re-
percussões sobre o aspecto intra-urbano.
A concentração de renda, outra característica do modelo
desenvolvimentista implantado no Brasil, gerou, no processo de urbanização, uma
forte concentração espacial nas áreas mais centrais das cidades, manifestada na
excessiva verticalização das metrópoles brasileiras. A verticalização, por seu turno,
tende a diluir os custos unitários e aumentar a lucratividade do capital imobiliário.
A especulação imobiliária é outra característica da urbanização
brasileira. Representa uma transferência de renda dos setores produtivos (pela
redução de espaço e pelo "desvio" de investimentos) para os setores especulativos
não-produtivos. Além de provocar um custo social elevado, pois encarecem a ma-
nutenção de infra-estrutura básica, obriga a população de baixa renda à condições de
moradia precárias e periféricas. Na periferia a maior parcela da mão-de-obra urbana
fica distante dos serviços urbanos mais qualificados, do comércio mais barato, das
opções de lazer e cultura, etc.
Outros elementos caracterizadores da urbanização brasileira
descritos por Malta Campos (1989) são os seguintes:
(a) brutal déficit acumulado de serviços públicos: que provoca
uma exacerbação da renda diferencial imobiliária já que os melhores serviços estão
nas melhores áreas (que são melhores exatamente pela maior disponibilidade dos
mesmos);
(b) crescimento dos vazios urbanos: elevam o custo social nas
cidades, pois, em média, representam a metade do espaço urbanizado na médias e
grandes cidades brasileiras; oneram diversos serviços urbanos como: implantação e
operação das redes de água e esgoto, iluminação pública, canalização das águas de
21
chuva e dos córregos e rios urbanos, implantação e operação da rede de energia
elétrica e de transporte coletivo;
(c) maior parte do espaço intra-urbano é de origem irregular: a
expansão horizontal tem sido feita através de loteamentos clandestinos sem o
atendimento da legislação urbanística ou normas sanitárias elementares (áreas
insalubres, inundáveis, grande declividade, encostas, etc.). Depois que estas áreas se
consolidam, os custos de sua integração ao tecido urbano regular se tornam absurdos
e inviáveis.
(d) elevação constante do preço da terra: fruto do caráter de
monopólio que se reveste a terra urbana, e do caráter de bem sem substitutos (cada
gleba de terra é única na cidade), os terrenos urbanos se valorizam imensamente. Em
Belo Horizonte o índice de preços dos terrenos urbanos com base 100, em 1950,
passaram para 856, em 1979; no Rio de Janeiro variaram de 100, em 1957, para 376,
em 1976; e em São Paulo de 100, em 1903, para 867, em 1978. (Malta Campos,
1987). Além disso, em São Paulo, a proporção do custo do terreno no preço final da
habitação passou de 10% a 15%, no início dos anos setenta, para 30% a 40%, em
1986.
Pode-se concluir, portanto, que a urbanização no Brasil foi um
instrumento de integração capitalista do país como uma estratégia de modernização
sustentada pelo Estado ancorado no importante papel da indústria. Neste processo o
espaço passa a ter uma importância crucial para o desenvolvimento econômico.
Segundo Davidovich (1984), o Estado desempenhou um papel
crescente na urbanização brasileira. Investindo fortemente na ação centralizadora,
deslocou oligarquias regionais e tradicionais, esvaziando a esfera de poder estadual
nos principais Estados agrários (São Paulo e Minas Gerais). As condições
conjunturais, para que o Estado assumisse este papel, residiram basicamente no
investimento transnacional no Brasil ocorrido a partir dos anos cinqüenta e na
22
incapacidade relativa do capital nacional investir em bens de capital e absorver as
inovações tecnológicas exigidas pela industrialização em larga escala. Além disso,
havia a necessidade de coordenação da complexa relação entre o capital oligopolista
estrangeiro e a empresa privada nacional. A ação estatal voltou-se para a remoção de
obstáculos materiais à reprodução capitalista do espaço, através de grandes
investimentos em obras públicas urbanas e regionais, que representaram significativas
economias para as empresas, e transferência do valor da infra-estrutura para o valor
dos bens e serviços produzidos. Várias iniciativas demonstram este caráter da
intervenção estatal, entre elas a autora cita a fundação de cidades interioranas em
iniciativas de colonização, a consolidação de uma rede urbana, o programa de cidades
de porte médio, o incentivo aos Distritos Industriais ("desconcentração concentrada"),
a criação das Regiões Metropolitanas, etc.
Neste processo, as cidades brasileiras vão compondo um estranho
padrão morfológico de ocupações distintivas do solo (Santos,1988-b), resultados im-
perfeitos e ecléticos da mesclagem de modelos de pensamento urbano vigentes.
Segundo o autor, os recursos alocados (pelo Governo) para a urbanização, foram
aplicados para facilitar o acesso de bens, matérias-primas e pessoas; também para
proporcionar bases que permitissem a maximização dos núcleos urbanos como "má-
quinas produtivas". As vertentes predominantes de pensamento urbano neste
processo foram o ”Culturalismo” - assumido pelo capital imobiliário na proposta dos
"Jardins" em novos bairros para os ricos, por exemplo - e o “Progres-
sismo/Racionalismo” - adotado pelos Governos e cujo maior produto foi a criação de
Brasília.
23
I.3) A Produção do Espaço Nacional: a lógica econômica e os Transportes{
TC "I.3) A Produção do Espaço Nacional: a lógica econômica e os
Transportes" \f C \l "2" }
No âmbito desta dissertação é oportuno verificarmos, ainda que
brevemente, a influência deste processo sobre os Transportes. E é sob o enfoque da
economia que estas influências podem ser melhor identificadas e correlacionadas
entre si. Esta análise é apoiada nas conclusões do trabalho desenvolvido por Natal
(1991).
A ocupação do espaço nacional determinou a constituição de suas
vias de transporte, não como uma rede integrada, mas como caminhos dispersos no
território. Esta característica deriva, basicamente, do processo de fixação da
população no território no período colonial (1500-1822). A partir de uma estreita faixa
de território litorâneo, a ocupação portuguesa produziu "ilhas de povoamento" em
pontos de apoio na costa brasileira. A distância entre as áreas de povoamento mais
intensas são marcadas por vazios territoriais e demográficos imensos. Criaram-se
verdadeiros "bolsões econômico-populacionais" quase autárquicos entre si. Esta ca-
racterística se estende à toda ocupação ibérica no continente, com a diferença que
aqui surgiu um único grande país (com diferenças regionais gritantes), enquanto nos
territórios de colonização espanhola cada realidade determinou um país diferente. Já
ocupação dos Estados Unidos foi essencialmente diferente, na medida em que os
colonos americanos ocuparam densamente o litoral leste para, só depois, expandirem
rumo a oeste; este adensamento inicial proporcionou melhores condições para ge-
ração de um mercado interno territorialmente integrado. Além disso, por características
históricas e políticas, a ocupação inglesa foi feita por colonizadores e não "conquista-
24
dores" como o ocorrido na expansão colonial da América Latina por Portugal e
Espanha.
A partir da Revolução Industrial na última metade do século XIX e do
simultâneo avanço na tecnologia dos transportes, o tipo de ocupação anglo-saxônica
revelou-se mais vantajoso para integração das ex-colônias ao mercado mundial. Na
medida em que este tipo de ocupação territorial exigiu maiores investimentos em
portos, infra-estrutura, energia e estradas. As maiores densidades repercutiram
positivamente sobre os custos de implantação da infra-estrutura e, conseqüentemente,
nos menores custos (e preços) das mercadorias produzidas (café, algodão, borracha,
etc.).
No contexto de mercantilização crescente da Europa pós-Revolução
Industrial, o modo de transporte predominante foi o ferroviário. Ele potencializou a
acumulação de capital através da sensível redução do tempo entre a produção e o
consumo. Integrou mercados, reduziu custos de mão-de-obra, possibilitou a formação
de estoques, homogeneizou economicamente regiões e países. Nas ex-colônias
inglesas, a ferrovia também se tornou o modo principal. Ela permitiu a circulação de
mercadorias com maior volume, como o algodão e o café. No Brasil, as ferrovias salta-
ram de 14,5 quilômetros de extensão em 1854 para 13.980,6 quilômetros em 1899, no
início da República (Silva, 1973).
Se a Revolução Industrial expandiu e barateou os meios de
transporte, por sua vez, estes mudaram as relações econômicas entre colônias e os
países centrais. Estas mudanças passaram pela constituição de mercados integrados
e adaptados à competitividade internacional. No Brasil, estas condições não estavam
dadas inicialmente, já que a dispersão do povoamento e ocupação do espaço foi
dispersa, tornando impossível a viabilização econômica de uma rede de transporte ba-
seada no modo ferroviário. A construção de estradas de ferro isoladas (e com bitolas
diferenciadas) ligando portos a centros no interior, acabou confirmando a ocupação
25
dispersa e o caráter insular do desenvolvimento econômico-territorial brasileiro. Esta
política pública (financiada pelo capital inglês) só não foi mais prejudicial porque, até
os anos trinta deste século, as regiões econômicas, de fato, eram voltadas mais para
o mercado externo que para um mercado nacional, ainda inexistente.
Enquanto as ferrovias se vinculavam aos fluxos internacionais, nos
sentidos "litoral-interior" e "interior-litoral", respectivamente, a navegação costeira
vinculava as regiões aos portos das principais aglomerações urbanas.
A crise do padrão de desenvolvimento nacional, observada nos anos
trinta, marcou um aumento significativo do mercado interno pelo comércio intra-
regional, particularmente. A intervenção estatal, a situação internacional (Crise de
1929, Guerras Mundiais, etc.) e a situação cambial do país, protegeram a indústria
nacional da concorrência internacional. A extensão e dispersão do país tornava,
entretanto, complexa a questão dos transportes. O alto custo de superação dos vazios
demográficos e territoriais acabou desempenhando papel semelhante às tarifas
protecionistas. Se, por um lado, ajudou ao desenvolvimento independente de centros
econômicos protegidos da concorrência predatória do capital internacional em
expansão, por outro, favoreceu a formação de mecanismos cartoriais, de monopólios e
a manutenção do atraso tecnológico e gerencial das empresas. De fato, os principais
corredores de transporte até os anos cinqüenta (as ferrovias), não se ligavam
longitudinalmente, com exceção para o tronco Rio-São Paulo.
Dada a incapacidade das ferrovias em viabilizar a integração plena
dos mercados, emerge um novo padrão de transportes assentado no rodoviarismo-
automobilismo. Com menor custo que as ferrovias e com maior flexibilidade de
implantação (o trem precisa de uma via própria) e de operação (problemas das bitolas
das vias diferenciadas, concessões à empresas estrangeiras, etc.) este padrão se
torna rapidamente hegemônico. Outras razões que fogem ao escopo desta
dissertação também foram fundamentais, como a própria pressão das montadoras
26
estrangeiras, em uma conjuntura internacional de migração da indústria para o
Terceiro Mundo.
O transporte rodoviário, a despeito dos seus custos operacionais
superiores à ferrovia por unidade de carga ou passageiro transportado, representou
uma opção de organização do espaço nacional adequada ao modelo
desenvolvimentista do pós-guerra. A construção de Brasília no meio de um vazio, por
exemplo, teve impacto significativo na construção das redes de rodovias ligando o
Centro-Oeste com o Norte, Sudeste e as capitais nordestinas. Estas ligações só foram
possíveis com a produção e adoção em larga escala do rodoviarismo como meio
dominante de transporte e mesmo como principal âncora da industrialização brasileira,
pois também estas redes viabilizaram a integração entre os diversos mercados
regionais, então organizados em "arquipélagos econômicos", segundo Barat (apud
Natal, 1991).
Assim como as cidades brasileiras foram sendo moldadas para o
automóvel em estruturas radio-concêntricas (dentro da lógica da maior acessibilidade
e do "urbanismo viarista"), a produção do espaço nacional foi sendo moldada pela
integração a partir das redes rodoviárias. Estas redes que acabaram reforçando a
centralidade econômica no Sul-Sudeste em detrimento das outras regiões.
Pode-se dizer que, de modo geral, a estrutura urbana predominante
nas cidades brasileiras foi aquela moldada historicamente pelo princípio da
acessibilidade. Neste sentido, a forma radio-concêntrica dominante constituiu-se
naturalmente dos caminhos que conectavam, entre si, as atividades econômicas a
partir de pólos de irradiação, os seus centros. Este desenho, entretanto, vêem
sofrendo pontos de estrangulamento desde os anos sessenta pelo crescimento dos
fluxos urbanos, especialmente após a consolidação do uso do automóvel. Nos
grandes centros urbanos, isso provoca diferentes adaptações do espaço urbano em
termos de escalas - geração de "unidades de vizinhança" formadas pelo cruzamento
27
das vias arteriais de grande capacidade; densidades - verticalização planejada
combinada com baixas densidades; e usos diferenciados do solo - ocupação do
entorno de estações, pólos comerciais e de serviços linearizados nos corredores, etc.
28
CAPÍTULO II
{ TC "CAPÍTULO II" \f C \l "1" }
AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES ENTRE O TRANSPORTE E O ESPAÇO URBANO{
TC "AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES ENTRE O TRANSPORTE E O ESPAÇO
URBANO" \f C \l "1" }
II.1) Considerações Iniciais{ TC "II.1) Considerações Iniciais" \f C
\l "2" }
Por Sistema Urbano entende-se o conjunto de elementos (fluxos,
formas e funções), que configuram as estruturas espaciais das cidades. Utiliza-se o
conceito de Sistema Urbano análogo ao de Estrutura Urbana, na medida em que o
modo como se arranjam os elementos urbanos os tornam indissociáveis, como partes
componentes de um único todo, complexo e multifacetado.
O Sistema Urbano é um sistema aberto que se relaciona com outros
sistemas conformando situações de maior ou menor complexidade de relações em
nível Regional, Nacional e também em âmbito Mundial. Só é possível falar de um
Sistema Urbano concreto na medida em que lhe conferimos determinada historicidade,
base sócio-econômica e meio natural sobre o qual se desenvolve e se transforma.
Neste sentido, o Sistema Urbano implica (e significa) uma determinada Estrutura
Urbana que é profundamente determinada pela circulação de mercadorias e pessoas.
Circulação esta que "aparece", materializa-se e concretiza-se, através de um Sistema
de Circulação (Transportes).
A cidade, assim, é sempre o produto histórico de uma Formação
Social específica e de Relações Sociais determinadas por diversos Sistemas que
29
interagem permanentemente entre si, tais como um (Sub)Sistema Político, Ideológico,
Econômico, Social e assim por diante. Na cidade, a espacialização destes vários
Sistemas depende da natureza de cada atividade e da função urbana a ela
correspondente: industrial, comercial, residencial, serviços, lazer, etc. Na Sociedade
Capitalista, a alocação espacial das atividades urbanas é coordenada pela existência
de um Mercado Fundiário, regulado pela lógica da valorização dos capitais fundiários
que transforma cada "local" num ponto singular, fonte de valorização absoluta
(tamanho da área, por exemplo) e relativa (infra-estrutura disponível, acessibilidade,
construtibilidade, etc.) conferindo Economias de Urbanização ou Localização
conforme a situação locacional de cada atividade.
Já o Sistema de Transportes se relaciona com o Sistema Urbano na
medida em que ele operacionaliza e possibilita a concretização dos fluxos
permanentes ou ocasionais (de passageiros, bens e serviços) que resultam, em
última instância, na consolidação de um tecido urbano heterogêneo em usos, funções
e formas e, portanto, na própria estruturação do tecido urbano. O Sistema de
Transporte Público por ônibus é composto pelos equipamentos viários necessários à
sua execução, pelo material rodante e pelos fluxos de passageiros. Este Sistema
interage com as demais atividades urbanas, na medida em que estas são capazes de
gerar e atrair viagens. É o que acontece, por exemplo, com os deslocamentos
residência-trabalho, envolvendo duas funções distintas no meio urbano: local de
trabalho e local de moradia (espaço de produção e espaço de consumo,
respectivamente).
Os fluxos do Transporte urbano podem ser classificados em diversos
motivos como o trabalho, o lazer, o estudo e outros. O predominante é o deslocamento
por motivo trabalho, tendo como referência de origem ou destino a residência e o local
de trabalho dos usuários. O fluxo de passageiros é determinado por vários fatores,
entre eles o nível de renda, a concentração espacial da população (densidade), as
condições de oferta do Sistema de Transporte Urbano, o ordenamento da malha
30
viária, etc. Há ainda o fluxo de bens e serviços, não menos importante. Pode-se,
inclusive, considerar o tipo de deslocamento predominante dos passageiros como um
fluxo da "mercadoria força-de-trabalho". Deste modo, os fluxos de bens podem ser
divididos em fluxos que garantem a circulação de insumos para a produção e aqueles
que viabilizam a distribuição de bens e serviços ao longo da malha urbana,
concretizando um ciclo de "produção-distribuição-consumo".
Assim como o Sistema Urbano o Sistema de Transportes é aberto e
dinâmico, isto é, influencia e é influenciado, em um circuito nem sempre virtuoso3, pelo
meio urbano no qual está inserido. A evolução das cidades tem mostrado que a
constante transformação urbana modifica usos e formas construídas, criando tensões
potenciais nas quais as estruturas físicas nem sempre correspondem a novas
condições e requerimentos físico-espaciais do sistema produtivo, cultural, político,
social ou ideológico.
Os desequilíbrios causados pelas atividades especulativas do Capital
fundiário (principal ator no Mercado Fundiário) na valorização de terras ociosas como
os "Vazios Urbanos" são, por excelência, exemplos clássicos destas contradições com
influências negativas sobre o Sistema de Transporte.
As acessibilidades de cada ponto no espaço estão, assim, em
permanente mutação de acordo com interesses e disputas pela melhor localização
das atividades urbanas, geralmente orientadas pela minimização dos custos
locacionais (aluguéis, infra-estrutura disponível, proximidade dos mercados, etc.).
O aprofundamento teórico do papel que o Sistema de Transporte tem
em relação à configuração de um padrão de urbanização exige um detalhamento
maior do que se entende por Estrutura Urbana e sua dinâmica. A seguir são
apresentadas algumas teorizações existentes sobre estes temas.
3 os meios e a realização da circulação urbana estão submetidos à severas restrições de ordem físico-espacial e tecnológica na medida em que as funções
urbanas se complexificam e densificam sem o correspondente aperfeiçoamento dos Sistemas de Circulação intra-urbana; os frequentes congestionamentos nas grandes cidades são o melhor exemplo desta situação.
31
II.2) A Estrutura Urbana e o Transporte{ TC "II.2) A Estrutura
Urbana e o Transporte" \f C \l "2" }
O conceito de Estrutura Urbana não é unívoco, assume vários
significados dependendo do conteúdo que se atribui ao conjunto de pontos, linhas e
fluxos que compõe uma dada territorialidade, construída como Capital Fixo 4 e
depende, também, da intencionalidade metodológica do pesquisador. O conceito de
Estrutura Urbana tem sido usado exaustivamente, desde os geógrafos que
territorializam sua dimensão, aos economistas como designação da posição relativa
dos agentes concorrentes por estoques espaciais no mercado de terras. Pode-se
entender por Estrutura a totalidade das interações existentes entre os elementos dos
conjuntos, entre as classes dos conjuntos e o conjunto dos pontos do espaço conside-
rado (Serra, 1987). A Estrutura Urbana, assim, se confunde com o conceito de
Sistema Urbano (interdependência entre as partes) e de Organismo Urbano. A seguir,
são descritas brevemente algumas abordagens sobre a Estrutura Urbana, muito mais
para confirmar o sentido plural deste termo (e sua íntima relação com o aspecto
circulatório), do que para adotar um único enfoque como verdadeiro. Além disso, o
objetivo é apreender o problema do Transporte em particular e da Circulação em geral
nestas abordagens.
Dentro de uma definição mais ampla de "espaço social" o conceito
de Estrutura Urbana pode ser incorporado como uma das dimensões constituintes da
cidade: forma, estrutura e função, segundo Santos (1986). Forma e Função seriam
4 A cidade é como uma mercadoria peculiar sendo um meio de produção e simultaneamente um meio de consumo coletivo, valor "fixado" nas construções como
objetivação da força-de-trabalho (capital "circulante").
32
conceitos que interagem entre si modelando determinada estrutura espacial: "a totali-
dade supõe um movimento comum da estrutura, da função e da forma, é dialética e
concreta. Para estudá-la é preciso levar-se em consideração todas as estruturas que a
formam e que em conjunto ou isoladamente, a reproduzem"5. O mesmo autor (Santos,
1988-a) afirma que a configuração territorial de determinado espaço é determinada por
“Fixos” e “Fluxos”. Os elementos “Fixos” são os instrumentos de trabalho e as forças
produtivas, incluindo a massa de trabalhadores, enquanto os elementos “Fluxos” são a
circulação de capital e de trabalho. Segundo o autor, a Estrutura Urbana pode ser
explicada pelas articulações entre estes elementos. Estas articulações implicam em
determinada organização espacial, quando determinada forma de organização deixa
de ser eficaz (para o modo dominante de Relações Sociais) há uma ruptura, crise e
passagem para outra forma de estruturação espacial, de arranjo físico do espaço.
Castells (1983), define Estrutura Urbana através da composição de
vários conceitos: a articulação do sistema econômico com o espaço, a organização
institucional do espaço, o simbólico urbano e a centralidade urbana. No âmbito desta
dissertação cabe reter as definições quanto ao primeiro conceito. Castells define a
articulação do sistema econômico com o espaço a partir de três elementos: Produção,
Consumo e Relações de Circulação. A Produção é o conjunto de realizações es-
paciais derivadas do processo social de Reprodução dos Meios de Produção e do ob-
jeto do Trabalho, o Consumo é o conjunto das realizações espaciais derivadas do
processo social de Reprodução da Força de Trabalho (simples no caso da Moradia ou
ampliada no caso de ambientes sócio-culturais) e as Relações de Circulação entre
estas esferas que é o elemento da "troca" como articulador entre Produção e
Consumo.
Quanto ao espaço como "Relações de Circulação", como troca,
intercâmbio e fluxo, Castells (1983), afirma que a análise da circulação urbana deve
ser entendida como uma especificação de uma teoria mais geral da troca entre os
5 Santos, Milton (1986). Pensando o Espaço do Homem, Ed. Hucitec, São Paulo, pág. 39.
33
componentes do sistema urbano e, que esta é definida por "conteúdos circulantes"
que diferem quanto à direção, a intensidade e a conjuntura dos meios de circulação,
entre os quais, os Sistemas de Transporte. Entretanto, para Castells, os meios de
circulação não articulam o conjunto dos elementos da Estrutura Urbana, apenas
derivam destes, os consolidam mais do que os precedem.
Um elemento presente em Castells para definição de Estrutura
Urbana é marcante: não há qualquer autonomia entre "Sistema de Formas do Espaço"
(Forma como Estrutura) e o campo das práticas sociais. É a especificidade da
instância ideológica sobre o espaço que aparece no conteúdo simbólico das formas
construídas. Cada elemento da Estrutura Urbana teria, assim, uma utilização como
emissores, transmissores e receptores de "práticas ideológicas gerais". É um enfoque
eminentemente sócio-ideológico sobre o espaço construído e sua estruturação no
meio urbano.
Um outro enfoque sobre Estrutura Urbana pode ser encontrado em
Lynch (1960). A partir da preocupação com a "legibilidade" do espaço, o autor trabalha
o conceito de "imagibilidade" do espaço urbano pelos seus habitantes. Decompõe a
imagem urbana em identidade, estrutura e significado, e pelos seguintes elementos:
vias - ou canais que contém os fluxos urbanos, limites - as fronteiras abstratas dos
elementos urbanos, bairros - regiões urbanas com especificidades sócio-espaciais,
cruzamentos - pontos estratégicos, nós viários, entroncamentos, pontos de con-
centração e integração (centros), pontos marcantes - são referências físicas da
cidade, edifícios singulares, elementos topográficos, etc. Ao contrário da abordagem
geográfica de Santos (1988-a) ou sócio-ideológica de Castells (1983), Lynch (1960)
estrutura a cidade ckmo cidade formal, percebida e codificada por seus habitantes
como uma representação quase emocional e afetiva da "cidade ideal", com forte apelo
estético.
34
Lynch, (1960), atribui às vias uma função organizadora (no sentido
de “trama urbana”) e de interação entre todos os demais elementos (bairros, sentidos,
direções, lugares, etc.). Elas "constituem os meios mais significativos, através dos
quais o todo pode ser organizado"6. O autor enfatiza a "qualidade cinestésica" do
sistema viário, a sensação de deslocamento (fluxo, movimento, circulação) e indica,
como uma das qualidades do design urbano, a "consciência do movimento". O habi-
tante/usuário da cidade a apreende através do movimento, interagindo com a
percepção de direção, localização e sentido dentro do meio urbano.
Poder-se-ia classificar as abordagens sobre a estruturação intra-
urbana em diversas escolas (Clark, 1985): Ecológica, Livre-Comércio, Análise da Área
Social, Conflito/Administração e Marxista. Veremos rapidamente os argumentos de
cada uma delas.
A Escola Ecológica é baseada na idéia de que as residências e
instituições espalham-se a partir do centro da cidade enquanto as atividades
comerciais concentram-se nos pontos de maior acessibilidade junto ao centro. A
Estrutura Urbana seria modificada por sucessivos movimentos de invasão, dominância
e sucessão de usos do solo urbano (Modelo de Círculos Concêntricos de Burgess). As
divisões sociais existentes no meio urbano seriam explicadas, assim, pelo circuito
invasão-sucessão e assimilação-segregação urbana.
A Escola do Livre-Comércio pressupõe que todos os proprietários
procuram minimizar custos de localização considerando os custos com Transportes e
as margens de lucro em cada posição. Os modelos de interação espacial concebem o
espaço homogêneo economicamente, liberdade absoluta de concorrência e co-
nhecimento perfeito do mercado. Esta Escola assume ainda que os custos do
Transporte aumentam proporcionalmente em relação à distância ao centro. Ocorreria
uma compensação entre ganhos ou perdas em acessibilidade e ganhos ou perdas
6 Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade, Ed. Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, sd, pág. 108.
35
com custos residenciais (aluguéis): maior acessibilidade, maior o custo residencial e
vice-versa.
A Escola de Análise da Área Social define Estrutura Urbana a partir
da divisão da cidade em anéis de "status familiar" (enfoque social), por cunhas de
status sócio-econômico e por grupos étnicos - estes três níveis estariam se
sobrepondo no espaço concreto da cidade.
A cidade se estrutura pelo movimento combinado dos usos que
demandam acessibilidade (que criam externalidades positivas) e dos usos que
demandam distância (que criam externalidades negativas), esta é a definição da
Escola do Conflito/administração, segundo Clark (1985). Ela centra sua análise nas
tensões existentes entre os agentes envolvidos no processo de produção,
comercialização e consumo da terra urbana: empreendedores, incorporadores,
promotores imobiliários, loteadores, construtores, funcionários públicos, etc.
Já a Escola Marxista tem a idéia do conflito como base explicativa
das relações sociais, enquanto que as anteriores enfatizam basicamente o equilíbrio
entre os elementos que compõe a Estrutura Urbana. Para esta abordagem, o preço do
solo urbano não é determinado pelo seu uso (demanda), mas pela manipulação social
dos aluguéis pelas classes proprietárias (oferta). Assim, da propriedade da terra surge
uma Renda Absoluta, derivada do monopólio. O capitalismo dissocia valor de uso (uso
efetivo) do valor de troca (para a venda, o comércio) da terra urbana; as áreas de-
cadentes e desvalorizadas na cidade decorrem da própria lógica do mercado fundiário
urbano.
Para os marxistas a Estrutura Urbana deve ser compreendida
através do conceito de “totalidade”. O conhecimento de uma “totalidade”, concreta e
dialética, supõe um movimento de Estrutura, Forma e Função, ou seja, a Estrutura
Urbana decorre de “múltiplas determinações” e combinações de vários níveis e
escalas.
36
Já Lobato (1987), afirma que a Estrutura Urbana não constitui uma
exterioridade imediata, ela é subjacente à forma urbana, como uma matriz onde é
gerada. A Estrutura Urbana seria, assim, a natureza social e econômica de uma
sociedade, em um dado momento no tempo.
Em Berry (1971) a análise da Estrutura interna das cidades deve ser
feita considerando as diversas situações de desenvolvimento urbano, decorrentes dos
padrões locacionais: (a) cidades como sítios de funções especializadas, (b) como
decorrência do traçado e da rede de transportes e (c) como lugares centrais em
relação à região. A Estrutura interna, segundo o autor, está fortemente influenciada
pelas funções comerciais e pela localização do “Centro de Negócios” (CBD). Os
principais elementos componentes da Estrutura (Comercial) da cidade são: a
hierarquia dos “Centros de Negócios”, as Áreas Especializadas, os Transportes e as
Artérias Comerciais.
Entre as várias Escolas Teóricas enumeradas (Clark, 1985) e os
demais autores analisados, os elementos referentes à circulação urbana e ao
Transporte são significativos e muitas vezes determinantes para o modelo teórico que
explica a Estrutura Urbana das cidades. Quer sejam analisados sob o enfoque dos
"fluxos" que articulam "forma e função" no urbano (Santos, 1988-a), das "Relações
de Circulação" que articulam Produção e Consumo (Castells, 1983) ou a importância
das vias e da "consciência do movimento" para a compreensão da cidade (Lynch,
1960), a importância do Sistema de Circulação Urbana e dentro deste, do Sistema de
Transporte, parece inequívoca, condição essencial para a compreensão da
complexidade urbana.
Pode-se dizer que o princípio da acessibilidade, influenciando
combinações (padrões) diferenciadas de escalas, densidades e usos do solo urbano,
é um elemento comum destas abordagens. A idéia da acessibilidade como variável
determinante para compreensão do espaço urbano foi aprofundada e melhor
37
incorporada pela teorias da Economia Urbana. Particularmente pelas Teorias
Locacionais, que serão vistas na seção seguinte.
II.2.1) As teorias da Economia Urbana e Regional: o problema da localização das
atividades.
Os clássicos da Economia Política estudaram os problemas relativos
aos conflitos de interesse entre proprietários rurais e capitalistas na Inglaterra do
século XVIII e XIX, formulando a Teoria da Renda da Terra7. A partir de alguns
pressupostos destas teorias, surgiram os primeiros estudos a respeito da "lógica de
localização" das atividades econômicas no espaço. Não é objetivo desta dissertação
analisar ou revisar a problemática das Teorias da Renda, pretende-se, apenas,
assinalar a matriz teórica que embasou, posteriormente, as principais abordagens
clássicas sobre o tema da localização das atividades econômicas no espaço.
Passa-se, então, para a abordagem das teorias regionais de
localização e, após, seu desdobramento a nível intra-urbano, de particular interesse
neste trabalho.
O primeiro destes estudos foi feito por Von Thünen (1826),
proprietário e produtor agrícola da região de Hamburgo na Prússia (Alemanha) do
século XIX. Seus pressupostos eram: a existência de um Estado isolado dos demais,
tendo um único centro urbano abastecido pelas regiões agrícolas e com produtividade
7 Ricardo criou o conceito de "Renda Diferencial" baseado nos diferentes graus de fertilidade e da distância do cultivo ao centro consumidor, para explicar
diferenças de custos de produção (e de renda auferida), mais tarde Marx introduz o conceito de "Renda Absoluta" (derivada da propriedade privada) e “Renda de Monopólio”. A Escola Marginalista utilizaria os mesmos pressupostos, posteriormente, para explicar a remuneração do fator terra pela sua “Produtividade Marginal”.
38
homogênea da terra. Von Thünen afirmou o princípio de que, quanto maior o volume
da produção agrícola a transportar, maior seria a proximidade do centro consumidor e
vice-versa. Considerando os custos de Transporte proporcionais à distância ele
elaborou um diagrama de círculos concêntricos em torno da cidade no qual se estrutu-
rariam os tipos de produção agrícola. Apesar da abstração equivocada sobre as con-
dições naturais e as relações econômicas com outros países, o mérito fundamental foi
considerar o fator Transporte como essencial para a localização territorial agrícola.
Launhardt (apud La Torre, 1974), acrescentará às teorizações de Von Thünen a
importância da distância das fontes de matéria-prima e do centro consumidor para a
indústria em relação à equivalência dos custos de Transporte, que por sua vez,
continuava a ser um critério fundamental para a decisão locacional, desta vez, da
indústria
Weber (1909) (apud La Torre, 1974), considerou o Transporte,
juntamente com a força de trabalho e as características de aglomeração, como os
fatores fundamentais para a localização industrial. Weber afirmou que o ponto ótimo
de localização é aquele em que há um custo mínimo com Transporte. Sua teoria
também é conhecida como "Teoria dos Custos Mínimos". Qualquer discrepância em
relação a este "ponto de custo mínimo" é considerada como um desvio da localização
ideal. Neste caso, admite que a localização ocorre pela equivalência entre custo
mínimo de Transporte e as vantagens oferecidas por regiões de mais baixos salários
e/ou regiões onde as características aglomerativas (concentração de indústria,
serviços, capital, etc.) sejam melhores. Partindo do peso das matérias-primas, tem-se
as indústrias "orientadas para as matérias primas", por tipo de produto (perecível ou
não); de acordo com a flutuação da demanda, tem-se as indústrias "orientadas para o
mercado" e de acordo com o nível de custos com mão-de-obra na composição final do
preço dos produtos, tem-se as indústrias "orientadas para a mão-de-obra".
Os pressupostos de Weber são bastante irreais, tais como a
ausência de restrição de mão-de-obra e tarifas de Transporte equivalentes em
39
qualquer ponto. Apesar disto, a definição do ponto de custos mínimos de Transporte é
perfeitamente válida como uma das variáveis fundamentais para localização industrial
até nossos dias.
Weber foi importante porque sistematizou as teorias de localização
anteriores consolidando-as em relação à localização industrial. Também, porque,
juntamente com o fator Transporte, introduziu outras variáveis independentes, como o
custo da mão-de-obra, matérias-primas e forças aglomerativas (externalidades
positivas) simultaneamente na Análise Locacional.
Christaller (1933) (apud La Torre, 1974), conhecido pela Teoria dos
Lugares Centrais, onde trabalhou a temática da hierarquia entre centros urbanos de
diferentes tamanhos, aparece também o "Princípio do Transporte". Por este princípio a
organização espacial da Rede Urbana é "de tal modo que existe uma minimização do
número de vias de circulação: os principais centros alinham-se ao longo de poucas
rotas..."8. É a idéia básica e comprovada empiricamente por diversos estudos
conhecidos de Estrutura Urbana, sobre o papel indutor de ocupação (e urbanização)
representado pelas vias e rotas de Transporte.
Já Lösch (1954) (apud La Torre, 1974), definiu que não só a oferta
(custos de Transporte) determinam a localização ótima, mas a demanda dos centros
consumidores. A definição locacional vai ficar por conta da "Área de Mercado",
influenciado pelos trabalhos de Christaller (1933). Cada unidade produtiva possui sua
"Área de Mercado" que é definida pela área limite onde o custo do Transporte agre-
gado aos preços não resulta em queda da demanda de modo a provocar redução dos
lucros aceitáveis ou prejuízo. Além da incorporação dos pressupostos dos demais,
Lösch admite que os consumidores tenham curvas de demandas idênticas (o que é
irreal) e que o grau de monopólio depende da proximidade do consumidor. Mais uma
vez, o custo com Transporte é fundamental, neste caso, para definir a área de
8 Lobato Corrêa,R. (1989), A Rede Urbana, Ed. Ática, São Paulo, SP, pág. 30.
40
mercado, pois a demanda por determinado produto seria inversamente proporcional à
distância entre Produção e Consumo. Outros autores tentaram resolver, após Lösch,
algumas lacunas teóricas dos Economistas Urbanos, como Berry (1971), mantendo,
entretanto, a mesma base de pressupostos teóricos.
As críticas aos pressupostos destas teorias são bastante
contundentes. Serão vistas algumas delas, baseadas nas considerações teóricas de
Smolka (1983, 1984). As críticas às Teorias de Localização regional valem também
para o âmbito intra-urbano já que as segundas derivaram teoricamente das primeiras.
Estas teorias, consideradas “clássicas” dentro dos estudos de
Economia Urbana e Regional, na sua maioria tem origem na Economia neoclássica
(Walras, Marshall, etc.). Ao adotar o paradigma da "concorrência perfeita" (livre
mobilidade dos capitais, conhecimento perfeito do mercado, preços livres equilibrando
oferta e procura, etc.) transferindo-o e "territorializando-o" para o estudo espacial
considera-se o "espaço isotrópico", ou seja, o espaço-plano, homogêneo, onde os
custos de Transporte só dependem da distância. O espaço é visto como que
esvaziado de conteúdo social e geográfico, segundo Smolka (1984).
A idéia básica neoclássica é que o Mercado distribui espacialmente
todos os recursos produtivos através do mecanismo de preços na interação entre a
Oferta e a Demanda por bens e serviços. O Transporte, numa situação de equilíbrio de
mercado, tem a função de igualar a "taxa de desconto" na demanda por espaço, assim
como a Taxa de Juros é associada à taxa de desconto no tempo em relação à
demanda por Capital. A produtividade do Transporte estaria associada à distribuição
desigual de recursos naturais, e à possibilidade de diminuir as deseconomias
decorrentes da aglomeração excessiva. A aplicação do insumo-transporte tende a
alongar espacialmente a produção (área de mercado), maximizando o lucro até o
ponto em que os rendimentos seriam decrescentes e ocorreria um efeito de
substituição do insumo-transporte por outros fatores.
41
Para a teoria neoclássica, a economia é concebida como um
conjunto de mercados interrelacionados, onde indivíduos e empresas se encontram
como ofertantes ou demandantes de mercadorias. O processo de urbanização resulta
da realocação da população rural para a indústria e serviços, que tem produtividade
maior e, por isso, geram mais renda e níveis superiores de bem-estar no meio urbano,
tornando-o mais atrativo. Segundo Smolka (1984), a análise neoclássica do Espaço
incorpora-o apenas como uma variável física-geométrica, sem levar em conta uma
"inserção social" do mesmo. Esta análise "espacialista" permitiria a ilusão de que
simples estratégias espaciais poderiam ser empregadas para modificar a estrutura
alocativa de firmas e indivíduos. Desta concepção determinística derivariam os
incentivos à ocupação de regiões afastadas ou das fronteiras agrícolas tão comuns na
história do desenvolvimento econômico brasileiro.
Entretanto, apesar das críticas aos modelos de localização regional,
ainda não há modelos teóricos alternativos a estes. A crítica marxista (à qual Smolka
se filia), por exemplo, não chegou ao ponto de formular novos modelos, apenas
acrescentou variações ou impôs severas restrições à sua utilização a-histórica sem,
contudo, anulá-los completamente.
A partir da mesma Escola Neoclássica, do final do século XIX,
desenvolveram-se, também, várias teorias sobre o espaço intra-urbano. Construíram-
se abordagens teóricas voltadas para a estrutura das cidades, com a preocupação de
buscar o "ótimo locacional" das atividades econômicas no meio urbano. Nas cidades
a produtividade da terra não seria mais função das condições naturais de fertilidade do
solo (caso agrícola), mas derivaria da sua localização. A cidade passa a ser uma
"fonte de externalidades", ou seja, fatores diversos como disponibilidade de infra-
estrutura, equipamentos urbanos, acesso a mercados (consumidores ou fornecedores
de insumos) definiriam os pontos de menor custo de implantação e localização, isto
estabeleceria diferentes graus de aglomeração e o próprio crescimento urbano
(Carrion, 1987).
42
Segundo estas teorias, a cidade está submetida a um gradiente de
renda que relaciona os custos de localização como inversamente proporcionais à
distância ao centro de negócios. A distância organiza o espaço urbano e pode ser
medida por unidade de tempo ou por dispêndio monetário associado aos custos com
Transporte. Cada ponto no espaço urbano possui diferentes graus de acessibilidade,
as localizações mais próximas ao Centro de Negócios (CBD, Central Business District)
tem maior preferência dos indivíduos e das firmas, portanto são mais valorizadas.
Valorização que surge, pois, basicamente de vantagens aglomerativas.
O equilíbrio do consumidor é atingido quando este consegue
maximizar sua satisfação através da ponderação entre os custos de deslocamento e
os custos de localização (aluguel), da substituição entre os dois fatores. Haig (1926)
(apud Carrion, 1987) desenvolveu a idéia do "custo de atrito" a partir das imperfeições
criadas pelo espaço à mobilidade de pessoas e mercadorias. Ele seria composto pelo
custo com Transporte e aluguel, e seria mínimo para os pontos ideais de localização.
Wingo (1961), considerou constante a soma dos gastos com
transporte e aluguel em qualquer localização considerando os custos com Transporte
a partir do valor do tempo dos deslocamentos e dos gastos monetários. A utilização
mais intensa do solo urbano permitiria minimizar os gastos com transporte e moradia.
O central é a preferência por acessibilidade, mediada pelas preferências por
densidade, lazer e outras amenidades e devidamente diferenciada pelos estratos de
renda (Abramo, 1988).
Alonso (1964) (apud Carrion, 1987), ampliou a análise de Wingo para
estabelecer uma teoria mais universal, capaz de explicar o comportamento locacional,
não só de atividades residenciais, mas de indústrias e do setor terciário (serviços),
através de um modelo geral de análise. Não são somente os ganhos com a
urbanização e a acessibilidade que definem o ótimo locacional, mas um conjunto de
itens que compõe a "cesta de consumo", gerando portanto, um sistema de equações.
43
Já Richardson (1971), criticando os "modelos de barganha"
(transporte/aluguel), afirma que o custo de atrito não é o mais importante, mas outros
elementos de natureza comportamental, capazes de maximizar a satisfação do
consumidor, tais como: qualidade do bairro e da vizinhança, aprazibilidade do local,
tipo de habitação, clima, meio-ambiente, etc. Os gastos com habitação e Transporte
entrariam no modelo apenas como variáveis restritivas e não determinantes.
Ampliando o “enfoque da acessibilidade”, vamos encontrar, também,
Lowry (1964). Segundo Lowry, o determinante para a localização residencial é a
proximidade das fontes espaciais de emprego nas atividades básicas (indústria). O
Transporte é importante para minimizar os gastos com deslocamento, mas não é o
motivo central de localização.
Isard (1961) (apud Delle Donne, 1979) adotou como parâmetro para
a localização urbana o fator Produção implicando na interligação dos componentes
espaciais. Isard definiu melhor as Economias de Aglomeração dividindo-as em
Economias de Localização - as que surgem quando atividades semelhantes se
concentram num único local - e Economias de Urbanização - que derivam da
justaposição de atividades diferentes. As Economias de Transporte, o acesso fácil à
procura local, relativo aos produtos de todas as empresas, as modificações nos custos
administrativos da cidade, calculados com base nas empresas, e as economias de
mercado, seriam os componentes básicos das Economias de Aglomeração. Isard
adotou as técnicas de programação linear (input-output) para prever qual as atividades
prováveis de especialização das regiões metropolitanas, baseando-se na disponi-
bilidade de recursos nos setores-chave da economia, e especialmente, de sua
capacidade de exportação e expansão das atividades secundárias e terciárias. Alguns
dos seus critérios de escolha estão baseados nos custos mínimos de Transporte para
a Produção, no raio espacial máximo de desenvolvimento da região estudada e na
capacidade fiscal máxima de arrecadação dos governos envolvidos.
44
Estes modelos baseiam-se na busca do máximo benefício individual
pelo consumidor visto como portador de um comportamento basicamente racional. Os
limites para a racionalidade na escolha locacional, segundo as críticas mais comuns,
estariam na própria estruturação da cidade capitalista, com seus mercados urbanos
imperfeitos. A autonomia do consumidor está restringida pelo modo como se forma a
renda urbana na cidade: mercado oligopolizado, oferta especulativa de terra,
parcialidade de informações. Outro condicionante que limitaria o comportamento
racional, em termos de "preferência por acessibilidade", é o próprio padrão de organi-
zação e uso do espaço que, por separar usos e funções urbanas espacialmente, gera
a necessidade por acessibilidade. Poder-se-ia pensar, alternativamente, em outras
formas de organização espacial de modo a diminuir a intensidade (e a necessidade)
dos fluxos urbanos, diminuindo assim, o papel representado pela busca à
acessibilidade.
Há também outros elementos importantes na explicação dos padrões
locacionais urbanos que não teriam a devida importância na abordagem neoclássica.
Tais elementos se amparam na suposição básica de que o espaço não é o simples
plano geométrico, suporte de atividades, mas o resultado-produto no espaço do modo
como a Sociedade produz e reproduz suas condições de existência. Estes outros
fatores seriam, por exemplo, a estrutura de propriedade, a política e a legislação
urbanística (papel do Estado), funcionamento do mercado imobiliário, dinâmica das
classes sociais, divisão técnica e especialização do trabalho no espaço, etc...
As alterações na forma espacial (estrutura) das cidades decorrem do
sucessivo desenvolvimento da economia de mercado e dos requerimentos da
produção e do consumo sobre o espaço. Pode-se pensar na cidade como, por
exemplo, o local privilegiado de reprodução da força-de-trabalho pela disponibilidade
de equipamentos coletivos e infra-estrutura básica "socializada" como a habitação, o
Transporte, o saneamento básico e demais serviços públicos urbanos. Na fase
concorrencial do capitalismo, as caraterísticas da unidades fabris impuseram
45
condicionantes diferentes de localização da fase monopolista. A cidade foi-se
moldando ao desenvolvimento produtivo; cada fase deste desenvolvimento gerou um
padrão próprio de Estrutura Urbana. A localização na periferia das Vilas Operárias
para maximizar a disponibilidade de mão-de-obra industrial, por exemplo, foi uma
característica típica das economias do pós-guerra, juntamente com a oligopolização
dos mercados, o aumento das escalas produtivas e a concentração e centralização de
capitais.
A configuração espacial está associada, portanto, à forma da
sociedade se estruturar e organizar. Por sua vez, o espaço construído oferece uma
resistência à esta evolução da organização e produção social, pois as imobilizações
realizadas (prédios e construções), tanto pelo seu ciclo de vida útil como pela natureza
do investimento que representam (de longo prazo e com baixa rotação de capital),
estabelecem uma "inércia espacial". Isto acaba conferindo um papel ativo (não inerte)
à configuração espacial que é, portanto, resultado e condição da evolução social.
Sintetizando, pode-se separar as críticas mais comuns aos modelos
neoclássicos em duas ordens de questões:
(1) Relativas aos seus pressupostos:
* a cidade tem topografia regular e plana (espaço homogêneo);
* o Transporte é possível em todas as direções e seu custo depende
exclusivamente da distância a um único centro;
* os empregos, a produção de bens e serviços e as facilidade
urbanas (equipamentos, infra-estrutura) estão centralmente localizados;
* o preço do solo urbano é função inversa da distância ao centro ou é
função direta da acessibilidade e
46
* o mercado de terras opera sob regime de concorrência perfeita, há
um perfeito conhecimento, por parte do indivíduo, das suas condições de
funcionamento.
Estes pressupostos, quando não irreais, são restritivos para a
transposição imediata da teoria à realidade que se pretende explicar. A rigor não estão
errados, mas insuficientes por não considerar outros elementos que fogem da
racionalidade individual puramente econômica e fatores sociais e ideológicos
abordados anteriormente (Carrion, 1987).
(2) Relativas à lógica interna:
* a autonomia e racionalidade do consumidor está condicionada e
restringida pelo padrão existente de configuração espacial que, por sua vez,
corresponde aos requerimentos históricos e sociais de cada etapa do desenvolvimento
da economia de mercado (modo de produção baseado no capital). Poder-se-ia falar,
talvez, numa "autonomia restrita ou relativa";
* a cidade não é só uma "fonte de externalidades" (economias de
urbanização: sinergias criadas por investimentos públicos no ambiente construído),
mas o resultado de um processo contínuo de "produção social", no qual interagem
diversos Atores Sociais de modo conflitivo pela apropriação da Renda Urbana;
* em relação às chamadas "Economias de Aglomeração", poder-se-
ia argumentar que: a necessidade do Capital em controlar o processo de produção é
superior ao efeito de concentrar o processo de produção espacialmente (Economias
de Escala), que a reunião de várias firmas da mesma indústria tem provocado au-
mento de custos da força-de-trabalho pelo poder de barganha dos assalariados
sindicalizados (Economias de Localização) e há grande dificuldade em se estabelecer
critérios econômicos de custo e benefício para os investimentos públicos na cidade
(Economias de Urbanização). Portanto, é difícil definir teoricamente o limite sob o qual
47
pode-se distinguir uma situação positiva ou negativa gerada pelos efeitos
aglomerativos sobre a taxa da lucro (economias ou deseconomias) no meio urbano.
Pode-se concluir que o entendimento do padrão locacional das
atividades urbanas, como é abordado pelas Teorias Locacionais, aprofunda sua
dependência em relação ao princípio da acessibilidade na definição conceitual de
Estrutura Urbana. Os diversos autores analisados, a pesar das diferenças de foco
sobre o mesmo tema, tem em comum a visão de que a função de circulação e os
fluxos urbanos, estando associados ao problema da acessibilidade, são elementos
indispensáveis para a explicação da dinâmica urbana e, portanto, de seu papel
relevante na Teoria Urbana mais geral.
Como esta questão conduz diretamente ao estudo das influências
mútuas entre o transporte e o uso do solo na estruturação da cidade, este tema será
analisado na próxima seção.
II.3) As influências mútuas entre Transporte e Uso do Solo Urbano na
estruturação da Cidade{ TC "II.3) As influências mútuas entre Transporte e Uso
do Solo Urbano na estruturação da Cidade" \f C \l "2" }
Os primeiros estudos teóricos que apontavam a influência mútua
entre transporte e uso do solo foram os realizados por Mitchell e Rapkin (1968) na
década de cinqüenta nos Estados Unidos. Diversos estudos foram executados
naqueles anos nas principais cidades americanas como Chicago, Detroit, Boston, New
York, Pittsburgh e outras comprovando a conexão existente a nível empírico. Após
sua realização, estabeleceu-se um padrão metodológico que rapidamente se
generalizou a nível mundial e predomina até hoje.
48
Mitchell e Rapkin (1968), concluíram que o solo urbano tinha uma
natureza eminentemente mutável e, que por trás das estruturas visíveis da cidade
como os edifícios, as ruas, as instalações comerciais e os espaços abertos, havia
sistemas econômicos, políticos e sociais dentro dos quais se organizavam as pessoas.
Um avanço importante destes primeiros estudos foi perceber que a tese liberal, de que
o simples comportamento e uso privado e individual do solo urbano conduziria ao
equilíbrio e benefício máximo da comunidade, era insuficiente. Não havia nenhuma
base empírica para comprovar o laissez-faire espacial; ao contrário, as práticas pú-
blicas de zoneamento de uso, regulamentação das edificações e ordenamento viário
eram indispensáveis para o funcionamento de uma comunidade urbana. A concepção
básica de que a previsão dos volumes de tráfego futuro entre determinadas zonas
urbanas só poderia ser estimada com relativa precisão a partir da previsão dos usos
futuros do solo e da produção de viagens associadas aos mesmos, resulta destes
primeiros estudos.
Estes autores (incluindo Wingo, 1961) construíram os primeiros
conceitos de conexão e dependência do uso do solo urbano, da dinâmica de mudança
das cidades pelo transporte, das intervenções de longo prazo com impacto na
circulação e mobilidade urbana, do embasamento dos planos estratégicos de transpor-
tes e uso do solo e das primeiras críticas ao transporte privado (Richardson, 1978;
Mitchell & Rapkin, 1968).
A seguir são detalhados os argumentos teóricos componentes deste
"padrão metodológico" de análise uso do solo/transportes formulados a partir destes
anos.
Como já foi visto, o Transporte se relaciona com o uso do solo em
determinado contexto urbano de maneira circular e aberta. Isto é, influencia padrões e
intensidades de uso, induzindo este ou aquele tipo de uso e, ao mesmo tempo, é
49
influenciado pelo modo como evolui a Estrutura Urbana, a sucessão de padrões de
uso do solo na cidade.
Como estas relações são abertas, evidentemente existem outros
fatores que influenciam os Transportes que não estão ligados diretamente à evolução
dos padrões de uso do solo urbano, como as mudanças tecnológicas, a gestão
operacional, o preço dos combustíveis, as especificidades do sistema viário, etc. O
tipo de uso do solo urbano também é influenciado por causas não relacionadas
diretamente ao Transporte, como é o conjunto de regulamentações urbanas ou os
investimentos em Projetos de Habitação e Renovação Urbana, por exemplo.
Sabe-se que as cidades podem ter diversos padrões de utilização do
espaço urbano, que fundamenta diversos tipos de Estrutura Urbana (Mello e
Clichevsky, 1980):
a) Padrão Concentrado: existência de um centro altamente
densificado que concentra a maioria das atividades econômicas, são comuns as
estruturas radiais-monocêntricas;
b) Padrão Disperso: dispersão da população no sítio urbano, densi-
dade homogênea com áreas centrais pouco desenvolvidas;
c) Padrão de Centros Múltiplos: existência de uma área central
bem desenvolvida com centros de bairros estruturados descentralizadamente,
atividades econômicas mais dispersas, e equilíbrio maior na estrutura urbana;
d) Padrão de Corredores Radiais: área central bem definida com
alta densidade e expansão das atividades econômicas ao longo de corredores (pólos
linearizados) de Transporte, que interligam a área central e a cidade com outras
regiões de influência próxima em âmbito urbano e metropolitano.
Entretanto, estes padrões não ocorrem de forma "pura" na realidade
empiricamente observável. Além disso, cada tipo tem uma caracterização específica
50
de localização ótima das atividades econômicas e residenciais, e também de Sistema
de Transporte, de acordo com a configuração urbana existente.
O que explica os graus diferentes de aglomeração na malha urbana,
de densidades, de usos e naturezas diferenciadas seria, como foi visto nas Teorias
Locacionais, as vantagens e desvantagens locacionais de cada ponto como a
proximidade de infra-estrutura, de equipamentos urbanos, aprazibilidade de certas
regiões, etc. Cada ponto no espaço urbano seria, portanto, singular em relação a sua
capacidade de produzir e se beneficiar de externalidades ou "efeitos de
transbordamento" em relação a outras atividades no meio urbano.
A maioria dos modelos de localização das atividades urbanas, se
baseiam na associação do preço do solo com diferentes graus de acessibilidade ao
centro onde estão aglomeradas as principais atividades, fontes das externalidades
mais positivas como os serviços financeiros, equipamentos para o lazer, comércio,
prestação de serviços, etc. Estas externalidades se realizam, se estabelecem e são
modificadas pela dinâmica imobiliária na cidade que elimina e cria diferentes tipos de
configuração urbana, mais concentrada ou dispersa, unipolarizada ou multipolarizada.
Cada configuração gera, e se apoia simultaneamente, num padrão de transporte. Por
exemplo, o padrão de crescimento dos subúrbios de classe média das cidades
americanas nos anos cinqüenta e sessenta foi fortemente apoiado nas facilidades
para os automóveis (auto-estradas e estacionamentos) que, ao mesmo tempo,
incrementou extraordinariamente sua utilização, diminuindo dramaticamente a de-
manda dos meios públicos de transporte, devido à dispersão territorial, ao aumento de
custos e a baixa densidade de viagens.
Neste mercado, a oferta e a procura de terra urbana realiza-se de
modo imperfeito, isto é, há situações em que predominam estruturas oligopolizadas
que provocam distorções nos níveis de renda urbana, preço do solo e tipo de uso. As
glebas de terra sem ocupação em áreas urbanizadas ou o uso residencial de áreas
51
periféricas, de risco ou insalubres pela população de baixa renda são exemplos claros
destas imperfeições: de um lado, excedente e do outro, escassez de terra urbana. O
mercado fundiário raramente apresenta situações reais de equilíbrio entre a demanda
e oferta de terra urbana.
Estas imperfeições do mercado fundiário urbano revelam uma lógica
aparentemente "caótica" de crescimento e metropolização das cidades. Na verdade,
por trás do "caos urbano" funcionam os mecanismos de valorização da terra e dos
imóveis regidos pela maximização dos lucros individuais, sem qualquer preocupação
com externalidades negativas, com custos que são socializados no conjunto da
comunidade. Neste aspecto, ganham relevância as críticas feitas pela tese do "não-
transporte". Esta argumentação afirma que o espaço pessoal dos cidadãos teria sido
dissolvido e fragmentado em centros distintos e distanciados uns dos outros como a
casa, o trabalho, os serviços e o lazer. Separando estes locais somente espaços
mortos e degradados, estética e ambientalmente. A capacidade autônoma individual
de acesso à cidade dependeria dos meios de transporte e da "mobilidade disponível"
oferecida (ou não) pelos meios disponíveis, prioritariamente aos usuários financeira-
mente capazes. A configuração espacial seria, assim, apenas a prolongação da
desintegração do homem que começa na divisão do trabalho dentro da fábrica, que
divide o indivíduo em "rodelas e fatias", que o faz perder a noção de totalidade e de
vida em comunidade.9
Nem todas as variáveis associadas ao Sistema de Transporte, ou à
dinâmica de uso e ocupação do solo urbano, são mutuamente determinadas e
interdependentes. Somente algumas variáveis possuem esta propriedade. Como
vimos em relação ao Transporte, somente aquelas variáveis associadas às modifi-
cações dos padrões de ACESSIBILIDADE urbana são relevantes, já que determinam
parcela significativa do Valor de Troca (e também do Valor de Uso) da terra urbana e
9 estas idéias foram sistematizadas pela Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP e apresentadas no Congresso Anual da entidade em 1989 no Rio de
Janeiro. Além da priorização dos meios não-motorizados de transporte, da criação de "ilhas urbanas" quase autônomas (o que mais parece uma re-edição da utopia urbana culturalista das garden cities de Howard) e da priorização do transporte coletivo este trabalho faz uma crítica radical dos paradigmas e metodologias das pesquisas de transporte, direcionadas sempre para "criar mais oferta".
52
estão associadas à relação "distância/tempo" dos deslocamento, que particularizam
qualquer ponto do espaço.
Já em relação à Estrutura Urbana, o fator chave é a capacidade
que determinada atividade, processo ou situação urbana tem na GERAÇÃO ou
ATRAÇÃO de viagens. Diferentes graus de intensidade do processo de circulação e
diferentes tipos de fluxos exigidos por cada atividade urbana também estão presentes
em todo o espaço urbano, pois não há uma "autonomização espacial" entre os
elementos “fixos” e as funções urbanas na cidade.
A divisão social entre produção e consumo que, no espaço, gera
também uma divisão territorial do Trabalho que segrega, separa e divide locais de
produção dos locais de consumo (Habitação/Emprego, p.ex.), produz um espaço
urbano altamente dependente de externalidades geradas por outras funções e proces-
sos urbanos circundantes, interligados e conectados física e socialmente. Portanto,
podemos considerar os fatores de Geração e Atração de deslocamentos Urbanos
como características essenciais do espaço urbano na sociedade capitalista
contemporânea, a despeito das críticas feitas pelos defensores do “não-transporte”.
Considerando a acessibilidade como atributo mais significativo da
influência do Transporte sobre o Solo Urbano, pode-se identificar diversas variáveis
associadas ao Transporte Público e Coletivo (Comissão de Circulação e Urbanismo da
ANTP, 1989), que interferem nas condições de acesso: freqüência, velocidade,
capacidade ofertada, comodidade ou proteção dos bens, custo, rigidez dos itinerários,
desenho e capacidade da rede, tipo de pavimento (iluminação e sinalização),
velocidade permitida e capacidade de estacionamento nos terminais.
No caso das variáveis relativas à geração e atração de viagens, elas
mudam de acordo com o tipo de uso do solo, existente ou futuro. Em relação ao uso
industrial, as variáveis significativas seriam as seguintes: tamanho, ramo, localização
dos funcionários, regime de horários e tecnologia utilizada. Já para o uso habitacional,
53
as variáveis seriam as seguintes: níveis de renda, tipo (unifamiliar ou multifamiliar),
propriedade e padrões culturais. Para o uso Comercial (atacado e varejo), os itens a
serem analisados seriam a dimensão dos estabelecimentos, a especialidade, o horário
de funcionamento e os níveis de renda dos clientes para o comércio varejista.
Pode-se apontar uma série de ações com repercussões diretas no
Uso do Solo ou no Transporte, e vice-versa (Mello e Clichevsky, 1980). Por exemplo, a
extensão de linhas de Transporte teria repercussões sobre os subsistemas da Indús-
tria, Habitação, Saúde, Educação, Recreativo, Serviços Permanentes e Comércio,
bem como, sobre o próprio Sistema de Transportes. Já a criação de novas
modalidades de Transporte (Metrô, trem suburbano, etc.) repercutiria sobre todos os
subsistemas urbanos, enquanto outras ações como alteração da freqüência ou do
ponto de transbordo repercutiriam basicamente sobre a localização industrial e
habitacional.
No trabalho de investigação realizado no início da década de oitenta
(Mello e Clichevsky, 1980), analisou-se a interdependência entre os fatores Transporte
e Uso do Solo na estruturação das cidades de Porto Alegre, Caxias do Sul, Joinville,
Cuiabá, Maceió e Fortaleza para o período de 1950 à 1977. Cabe relatar, no âmbito
desta dissertação, as principais conclusões daquele trabalho, já que exemplificam
claramente a influência mútua entre o Sistema de Transporte e a Estruturação do
espaço Urbano.
O período analisado foi caracterizado pela industrialização acelerada
do centro-sul do país, pelo desenvolvimento dos transportes interurbanos e intra-
urbanos, que deram suporte ao processo de industrialização e urbanização da
população e pela crescente intervenção do Estado na tentativa de regulamentação do
espaço visando sua adaptação à evolução dos processos econômicos,
particularmente, no enfrentamento dos problemas gerados pela urbanização
descontrolada e caótica da população.
54
Em geral, o comportamento locacional para o setor industrial
pesquisado ficou em torno de diferentes combinações de três fatores: demandas por
quantidade de espaço, demandas por qualidade do espaço (basicamente infra-
estrutura instalada) e demanda por acessibilidade geral a nível regional (estrutura
viária, transporte de carga e passageiros, acesso à mercados).
Em relação ao uso habitacional ou residencial do solo urbano, a
referida pesquisa identificou também, no nível metodológico, a utilização dos três
fatores (qualidade, quantidade e acessibilidade), para analisar a estruturação urbana.
A conclusão foi de que o melhor equacionamento destes três fatores é diretamente
proporcional ao nível de renda das camadas sociais: os pobres só podem buscar uma
acessibilidade mínima ao local de emprego ignorando quantidade e qualidade do solo
urbano; a classe média melhora seu posicionamento optando por qualidade de
espaço, se localizando na área de influência próxima aos centros e pólos de serviço;
já os ricos podem comprar quantidade e qualidade, para estes a acessibilidade é
relativamente menos importante, porque refere-se basicamente aos meios privados de
deslocamento e a relações diferenciadas com o mercado de trabalho. Pode-se ver que
a acessibilidade (ao trabalho) tende a ser mais valorizada quanto menor for a renda
dos indivíduos. O equacionamento destes três fatores próximo à situação ideal tem
levado os setores de alta renda para a periferia urbana onde a acessibilidade é
garantida pela expansão do sistema viário e do transporte individual, há relativa
quantidade disponível de terra urbanizada e a qualidade de infra-estrutura é viabili-
zada pela pressão sobre os Governos e/ou pelo investimento dos próprios moradores.
Em relação ao uso comercial e terciário do espaço urbano, a
pesquisa concluiu pelo papel determinante da acessibilidade urbana e,
secundariamente, pela qualidade do espaço demandado por estas atividades. Já o
Comércio Varejista, valoriza muito a acessibilidade de clientes e fornecedores bem
como qualidades do espaço não limitadas à disponibilidade de infra-estrutura, mas
também à qualidades de aprazibilidade, valor histórico, paisagismo, áreas verdes,
55
equipamentos de lazer e diversão, etc. Daí a busca por economias de aglomeração
junto à corredores urbanos, centros de bairro, entroncamentos da rede, etc.
A abertura de vias no período analisado (1950/77) indicou, em
primeiro plano, que não há uma prática de vincular o planejamento viário ao
planejamento do solo urbano e da evolução da Estrutura Urbana. É comum a
ocorrência de taxas de utilização das vias superiores as de projeto e em alguns casos
o contrário, a subtilização do equipamento viário. A construção de vias alterou o mapa
de acessibilidades urbanas; quando isto ocorre os usos do solo começam a
reacomodar-se. Os usos mais sensíveis ao fator acessibilidade (comércio varejista, as
residências médias e os serviços menos especializados) reagem mais rapidamente à
tais modificações na rede viária. Estas "transferências" de acessibilidade ao longo do
tecido urbano geram efeitos sucessivos, por sua vez, sobre a malha viária e os Trans-
portes.
Por fim, o estudo chega a conclusões gerais sobre a influência mútua
entre Sistema de Transporte e Uso do Solo Urbano: (a) nem tudo o que é projetado
pelo Estado é materializado em termos concretos no meio urbano (leis de
zoneamento, etc.); (b) nem tudo que é executado é utilizado plenamente
(equipamentos, obras, etc.) e (c) todas as materializações no meio urbano, em termos
de Projetos públicos ou privados, provocam mudanças em outros aspectos territoriais,
além do objeto para o qual foi inicialmente previsto. Assim, os investimentos para
aumentar a capacidade de transporte de determinada cidade ou bairro não resolvem
apenas as pressões da demanda, mas atuam sobre ela mesma modificando-a.
Um outro estudo mais recente abordou o papel dos transportes
coletivos na organização e transformação do espaço urbano para o caso do Trem
Metropolitano (TRENSURB) num trecho da linha compreendendo três estações
localizadas no município de Canoas na Região Metropolitana de Porto Alegre (Gelpi &
Schaffer, 1990). Entre outras conclusões, este estudo indicou repercussões na área
56
de influência das estações (característica dos modos ferroviários): reorientação geral
da circulação de pedestres no entorno das estações com impactos positivos no
comércio lindeiro às estações, mudança de uso residencial para comercial,
valorização dos terrenos aparentemente pelo aumento da acessibilidade gerada pelo
trem, e reforço da centralidade urbana. Embora limitado, este trabalho confirmou, no
âmbito da Região Metropolitana de Porto Alegre, algumas das premissas teóricas mais
gerais sobre a influência mútua entre transporte e uso do solo, abordadas an-
teriormente.
É necessário afirmar, entretanto, que as influências das modificações
do transporte sobre o uso do solo nem sempre podem ser precisadas com exatidão.
Não apenas porque o "tempo de resposta" de tais modificações no meio urbano são
de médio e longo prazo, quase imperceptíveis muitas vezes. O problema metodológico
central é que estes impactos não podem ser analisados como "experimentos
controlados". A maioria dos estudos do tipo "antes e depois", tendem a desconsiderar
o fato de que muitas modificações espaciais não derivam de transformações nos
meios de circulação simplesmente.
Em estudos realizados nos Estados Unidos, por exemplo, durante os
anos setenta, ficou demonstrado que, dado o grau de dispersão territorial provocado
pelo uso intensivo do automóvel, a implantação de metrôs produziu um "efeito líquido"
muito pequeno sobre a concentração de empregos, e em relação à concentração
residencial, o efeito foi o oposto ao esperado, isto é, velocidades mais rápidas
permitiram, de um modo geral, maiores distanciamentos dos locais de trabalho das
moradias (Germani, 1979).
Pode-se representar o ciclo dinâmico entre transportes e uso do solo
urbano ou regional, demonstrando o caráter interativo e de realimentação de seus
componentes, através do seguinte esquema:
57
Figura 1
Relação Uso do Solo e Demanda por Transportes{ TC "Figura 1
Relação Uso do Solo e Demanda por Transportes" \f A \l "1" }
Uso do Solo
Tendências de Movimentos Valor da Terra
Demanda por Transportes Aumento da Acessibilidade
Mudanças Tecnológicas Oferta de Transportes
II.3.1) O Fator Acessibilidade na organização do Espaço Urbano
Sabemos que todas as atividades urbanas exigem certos requisitos
locacionais para sua implantação: o espaço físico, proximidade do mercado
consumidor e de fornecimento de insumos, etc.
58
Segundo Wingo (1961), todo solo urbano possui duas qualidades
essenciais: uma derivada de sua condição natural (características topográficas e
geológicas) e outra derivada de sua situação com respeito às demais atividades
econômicas. Esta "qualidade de situação" é chamada de acessibilidade e constitui o
fator dominante na determinação do uso do solo e de sua intensidade. A
acessibilidade constituiria, assim, a qualidade relativa que favorece uma parcela do
solo em virtude de sua relação com o sistema de Transporte que opere em
determinado nível de serviço. A acessibilidade estaria intimamente associada ao nível
de serviço oferecido, que poderia ser reduzido a um custo monetário associado à
cada localização específica na cidade. Para este autor o nível de serviço é definido
como o reflexo da quantidade de serviço oferecidos pelo Sistema de Transporte e a
demanda que incide sobre ele, ou em outras palavras, é uma medida de eficiência do
Sistema dada pela relação oferta/demanda.
Derycke (1971), define a acessibilidade como o conjunto das
facilidades de acesso e de proximidades requeridas para otimizar a atividade
econômica. Distinguindo dois tipos: para o Centro, de importância secundária, e para o
local de emprego, de maior importância a depender da duração dos deslocamentos e
da possibilidade de voltar à residência para o almoço. A acessibilidade ao local de
emprego, apesar de determinante, dentro de uma unidade familiar com mais de um
membro empregado, é quase impossível de ser obtida em condições ideais. Este autor
afirma, também, que a influência da acessibilidade ao centro (na localização
residencial) varia de acordo com o modo de vida e o nível de renda. Nas grandes
cidades a acessibilidade à espaços verdes periféricos ou centros e pólos comerciais
descentralizados é tão importante quanto ao Centro congestionado.
Já Buchanan (1973) define acessibilidade simplesmente como
"facilidades de acesso", definindo como critérios para sua avaliação a capacidade de
deslocamento pela cidade com segurança e velocidades razoáveis e a possibilidade
de chegar até o destino final das viagens sem restrições. É um conceito adaptado à
59
visão do Transporte motorizado individual, que era o objeto da pesquisa levada a cabo
em 1961 pelo Ministério dos Transportes inglês (conhecido como "Relatório
Buchanan"). Este autor afirma que dentro de qualquer zona urbana o estabelecimento
de normas para as zonas circundantes determina automaticamente a acessibilidade e
esta pode crescer em função da modificação das formas materiais, ou seja, através de
modificações do desenho urbano, particularmente do sistema viário. Desta concepção
derivam suas propostas sobre a cidade "celular" entrelaçada por vias de distribuição
(ou Corredores de Tráfego) e estruturada em redes hexagonais formando sucessivos
laços viários. O objetivo central seria evitar o tráfego estranho à zona e a disfunção
entre capacidade do sistema viário e intensidade do fluxo existente, que provocaria
uma descaracterização da "área ambiental" e de sua "capacidade ambiental".
Poder-se-ia ainda dividir a acessibilidade em dois níveis diferentes
de realização (Vasconcellos,1991). O primeiro seria a Macroacessibilidade derivada
dos conceitos de Buchanan em relação as condições de acesso ao espaço urbano
como um todo. Esta acessibilidade implicaria em alta disponibilidade de dois equipa-
mentos: vias e modos de Transporte e diferenciação, portanto, de sua disponibilidade
de acordo com a renda das pessoas. Ela poderia ser representada pela densidade das
redes viárias e de Transporte, pelo nível de integração espacial e pelas condições
relativas de acesso aos equipamentos e serviços urbanos por parte dos usuários.
Um outro nível de acessibilidade seria a Microacessibilidade
referindo-se à maior ou menor facilidade em atingir o destino final dos deslocamentos
desejados. Para o usuário de automóvel, isto diz respeito à disponibilidade de
estacionamentos e para o usuário de Transporte público à proximidade e área de in-
fluência dos pontos de parada (estações e terminais) em relação aos locais de
emprego, moradia, lazer, educação, etc. A acessibilidade (macro e micro), a fluidez, a
segurança e a qualidade de vida seriam, segundo este autor, os principais critérios
metodológicos para compreensão do fenômeno da circulação urbana e das políticas
de sua regulamentação.
60
II.3.1.1) As Medidas da Acessibilidade
Segundo Pirie (1979), pode-se agrupar as medidas de acessibilidade
urbana em quatro grandes grupos: medidas de distância, medidas topológicas,
medidas gravitacionais e medidas de oportunidade acumulada.
(a) As medidas de Distância representam a separação entre duas
atividades que pode ser aferida pela distância, tempo ou custo de deslocamentos (que
o autor adota como equivalentes). Um mapa de acessibilidades implicaria, neste caso,
em medir ponto a ponto na malha viária a partir de centróides em cada zona, o tempo,
custo ou distância de deslocamento entre os centros. Cada modo de transporte
(ônibus, trem, a pé, etc.) possuiria um mapa de acessibilidades específico já que,
associado a cada modo, podemos estabelecer um custo e tempo de deslocamento e a
distância varia também na medida que se utilizam de diferentes vias.
A aferição pelo item dos custos de deslocamento pode representar
dificuldades na medida em que nem todos os custos econômicos envolvidos no
deslocamento urbano podem ser facilmente mensurados pelas metodologias
tradicionais; em relação à distância pode-se dizer que depende do meio de transporte
utilizado. O tempo seria a mais útil e conveniente variável como elemento de análise
neste primeiro grupo, pois ele reflete as conseqüências da distância, da tecnologia
empregada e permite qualificações relativas aos diferentes modos de transporte
existentes e disponíveis.
61
(b) As medidas Topológicas levam em conta o número de ligações
(links) associados a cada ponto (nó) não considerando as distâncias associadas a
cada ligação ou ponto. Utilizando técnicas da Teoria dos Grafos é possível a
construção dos índices de acessibilidade. O índice em questão representa sim-
plesmente a quantidade de ligações associadas a cada nó ponderado pela média de
ligações existentes em todos os nós da rede viária em questão.
(c) As medidas Gravitacionais relacionam a distância, o tempo ou o
custo de deslocamento entre dois pontos e a intensidade das atividades no destino e
origem do deslocamento. Estas medidas teriam como pressupostos os seguintes
argumentos:
(c.1) a freqüência dos deslocamentos tem uma propensão à
decrescer com o aumento da distância, a taxa de decréscimo (função) é definida por
processo de ajustamento e calibração;
(c.2) adota-se uma hipótese probabilística a cerca da distribuição de
viagens segundo a variável distância, tempo ou custo e verifica-se a ocorrência desta
distribuição;
(d) As medidas de Oportunidade Acumulada definem a quantidade
de oportunidades (empregos, serviços, equipamentos públicos,etc.) possíveis de
serem acessadas segundo diversos tempos ou distâncias de deslocamentos urbanos.
Quanto maior a distância a partir de um ponto ou do tempo de viagem, por exemplo,
maior seria o grau de oportunidades disponíveis. A deficiência deste tipo de medida é
a determinação dos intervalos de tempo ou distância para comparação entre diversos
pontos.
Normalmente os estudos em transporte mensuram a
acessibilidade, entre dois pontos aleatórios, a partir de dois fatores: (a) características
do transporte e (b) variedade (atratividade) das opções de destino. Estes dois fatores
62
podem ser representados, por exemplo, para um indivíduo residente na zona “i” que
deseje se deslocar para um local de emprego, pela seguinte expressão (OECD, 1974):
Ai = Σ(Ej kij) (2.1)
onde:
Ej = é o número de empregos disponíveis na zona “j”;
kij = é um coeficiente relacionado ao transporte (geralmente o tempo
ou custo da viagem entre as zonas ij). Poder-se-ia mensurar, ainda, a acessibilidade
diferenciando uma acessibilidade “relativa”, que seria a relação entre dois pontos; e
uma acessibilidade “integral”, que seria a relação entre um ponto e todos os demais
pontos, dentro de uma área (Allen et alii, 1993).
II.3.1.2) O fator Tempo e a Acessibilidade
A maioria das definições sobre acessibilidade urbana relacionadas à
dinâmica do Sistema de Transporte (vias, material rodante, fluxos, etc...) levam em
consideração as variáveis velocidade e distância como essenciais para sua análise e
classificação.
Estes dois aspectos, a distância que separa diferentes usos e
atividades urbanas, e a velocidade dos meios de Transportes, podem ser
representados operacionalmente pela variável "tempo de deslocamento". Cada
localização urbana, residencial ou comercial, por exemplo, estaria associada a um
valor médio de tempo de deslocamento em relação às demais localizações. Quanto
menor este valor maior o grau de acessibilidade de determinada localização.
63
A adoção do tempo de deslocamento das viagens urbanas como a
variável principal para explicação da acessibilidade, implica nos seguintes
pressupostos: que o custo do tempo de deslocamento seja um fator fundamental para
a localização urbana e que o tempo de viagem reflita satisfatoriamente as condições
gerais de tráfego e circulação urbana, considerando os diversos modos existentes.
O tempo de deslocamento sintetizaria, assim, um conjunto de
múltiplas determinações das quais depende o nível de acessibilidade urbana: a
tecnologia empregada, os diferentes modos de Transporte, o desenho do sistema
viário, as normas reguladoras sobre a circulação urbana, etc.
64
CAPÍTULO III
{ TC "CAPÍTULO III" \f C \l "1" }
OS DESLOCAMENTOS URBANOS: O SISTEMA DE TRANSPORTE E A CIRCULAÇÃO NA
CIDADE{ TC "OS DESLOCAMENTOS URBANOS: O SISTEMA DE TRANSPORTE E A
CIRCULAÇÃO NA CIDADE" \f C \l "1" }
III.1) Considerações Iniciais{ TC "III.1) Considerações Iniciais" \f
C \l "2" }
Nos dois capítulos anteriores foi visto como a cidade, sua estrutura
interna e dinâmica de produção, estão intimamente relacionadas com as funções de
circulação urbana. Foram vistos também modelos locacionais que procuram
relacionar o uso do solo urbano com o Transporte através dos fatores de Geração e
Atração de viagens (a partir da configuração urbana) e da Acessibilidade (a partir do
Sistema de Transportes que engloba, também, a estrutura viária). Agora serão
aprofundados nos aspectos da Circulação de pessoas no meio urbano.
A movimentação de pessoas e mercadorias é uma característica das
sociedades humanas desde os tempos que antecedem a história registrada. Na
produção material das condições próprias de sobrevivência, a necessidade de
deslocamentos pode ser considerada como natural e indispensável, tanto se
pensarmos no nomadismo primitivo quanto no deslocamento de materiais e pessoas
para a construção dos monumentos religiosos em todas as épocas.
Na sociedade capitalista, o deslocamento de pessoas deixa de ser
uma "característica natural", para ser enquadrado como um fenômeno
multidimensional subordinado à lógica de produção de valores para o mercado. Esta
65
subordinação se materializa em vários níveis: na forma como é articulada a0produção
na Indústria de Transportes, na aproximação entre mercados produtores e
consumidores, no "encurtamento" do ciclo produção-consumo, etc. A principal
característica é a necessidade intrínseca da "circulação de mercadorias",
historicamente determinada pela passagem do estágio manufatureiro-artesanal para a
economia fabril.
Os meios de transportes representaram uma das bases técnicas
(condições gerais de produção) mais importantes para a generalização do modo de
produção de mercadorias baseado no Capital. Este papel primordial e histórico,
desempenhado pelos Transportes, possibilitou a formação de estoques, o comércio
atacadista e a aceleração da acumulação de capitais (Natal, 1991).
Com o aperfeiçoamento dos transportes, a unidade produtiva diminui
progressivamente a dependência do consumo final e do fornecimento de insumos em
mercados que ficam espacialmente próximos. O desenvolvimento dos meios e
condições gerais de deslocamentos de pessoas e mercadorias contribui, assim, para o
encurtamento do ciclo de rotação da produção, do tempo de circulação das
mercadorias o que foi, e ainda é, um dos elementos micro-econômicos fundamentais
para a lucratividade de qualquer empresa na economia capitalista.
Em relação ao deslocamento de pessoas, o Sistema de Transporte
possibilita a reprodução da força de trabalho na medida em que viabiliza o
deslocamento de milhares de trabalhadores nos centros urbanos. Além deste aspecto,
os transportes possibilitam o "consumo" de equipamentos e edificações urbanas,
desde o ponto-de-vista do uso de serviços públicos e privados destinados à manu-
tenção da qualidade de vida urbana e individual, até atividades de lazer e recreação.
O deslocamento e movimento urbano são característicos da cidade
desde seus primórdios. Não é possível pensar, de fato, a constituição da vida urbana
sem o fenômeno dos deslocamentos intra e interurbanos. Até o início deste século, os
66
deslocamentos urbanos eram feitos predominantemente a pé, o que limitava
evidentemente a circulação de grandes volumes, as grandes distâncias e a própria
expansão das cidades. O traçado ortogonal em malha foi o que mais se adaptou a
este modo de transporte, pela minimização das distâncias a serem percorridas entre
seus pontos. Em seguida, surgiram os veículos de tração animal, sob rodas ou trilhos
(os primeiros bondes), o trem (com o surgimento da máquina à vapor) e o sistema
viário precisou ser alargado e readaptado às novas condições do tráfego urbano.
O ônibus e o automóvel, modos hoje predominantes de transporte,
só surgiram com o aperfeiçoamento do motor de combustão interna no início deste sé-
culo. Sua generalização permitiu maior flexibilidade de localização das residências e
locais de emprego, na medida em que não estavam "presos" aos itinerários fixos como
os modos ferroviários dos bondes elétricos, comuns até o início dos anos cinqüenta.
Na maioria dos países industrializados o automóvel como veículo privado de
deslocamento urbano atingiu a hegemonia nos anos sessenta, enquanto que em
países como o Brasil apesar da predominância de um modelo "rodoviarista" baseado
no automóvel e no transporte privado, a maioria dos deslocamentos urbanos ainda
hoje são realizados por ônibus.
III.2) A Natureza e a Dinâmica dos Deslocamentos Urbanos{ TC
"III.2) A Natureza e a Dinâmica dos Deslocamentos Urbanos" \f C \l "2" }
No espaço urbano manifestam-se fluxos de diversas ordens,
materiais e imateriais, de informações, de bens e serviços, de mercadorias e
indivíduos. Nos interessa particularmente o fluxo de indivíduos que, na condição de
pessoas "em deslocamento", serão denominadas de “passageiros”, nos diversos
modos de transporte e segundo os diversos motivos e características que assumem
suas viagens.
67
Como é conhecido a partir do estudo das influências mútuas exis-
tentes entre os transportes e o solo urbano, não existe um "problema dos
Transportes", de maneira isolada ou autônoma. Como afirmou Dyckman (1968), o
"problema do transporte" não é senão o problema da organização espacial das
atividades humanas, das adaptações no espaço, embora o habitante comum veja os
problemas do transporte muito mais como problemas de capacidade viária ou sim-
plesmente de tráfego e menos como problemas de traçado, tecnologia ou de
planejamento urbano. A natureza dos deslocamentos urbanos depende, portanto, do
grau de consolidação e evolução de determinada configuração urbana. Esta
configuração se relaciona, por sua vez, com o grau de divisão social do trabalho
vigente na sociedade.
Mitchell & Rapkin (1968) dividiram os movimentos de passageiros em
três momentos: de concentração em pontos no tecido urbano, de dispersão e de
movimentos casuais. Um exemplo do primeiro tipo seria o movimento "de casa para o
trabalho", enquanto que o segundo seria o contrário, "do trabalho para casa". Segundo
estes autores o movimento de mercadorias é unidirecional na cidade, isto é, tem início
e fim, não se repete, enquanto que o movimento de pessoas é pendular, há uma "volta
ao ponto de origem" dos passageiros urbanos.
Outros autores, como Daniels & Warnes (1983), afirmam que só o
conhecimento dos motivos, estímulos e possibilidades dos movimentos urbanos
possibilitará estabelecer as funções e limitações de um Sistema de Transporte. Estes
autores distinguem os deslocamentos urbanos pelos motivos das viagens realizadas o
que necessariamente não se confunde com os "destinos" das viagens, pois podem,
em tese, ser diferentes. As atividades determinariam os tipos de deslocamento.
Definiriam-se as atividades de caráter econômico para a produção ou consumo
(viagens a trabalho e para compras), atividades sociais (viagens para contatos sociais
e familiares), atividades educativas (viagens relacionados à escola), atividades
recreativas e de ócio (viagens recreacionais e de lazer) e, por fim, atividades culturais
68
(viagens que incluem deste atividades culturais até reuniões políticas). Segundo
pesquisa realizada na Inglaterra, em meados dos anos setenta, 38% do "tempo ativo"
de um trabalhador (média de 16 horas por dia) correspondia a atividades que exigiam
deslocamentos e, destes, 75% correspondiam à deslocamentos ligados ao trabalho
(Daniels & Warnes, 1983).
Apesar do relativo grau de arbitrariedade desta e de outras
eventuais classificações sobre a natureza dos movimentos urbanos, é necessário
reconhecer que suas causas são múltiplas e de natureza complexa, dependem das
características pessoais dos passageiros, do local residencial, da renda percebida, da
estrutura urbana, da tecnologia ofertada pelo Sistema de Transportes, etc.10
Alguns
fatores influenciam de forma imediata - como a preferência dos usuários - e outros de
forma estruturante e indireta - como a configuração espacial ou a localização de
residências ou equipamentos de uso coletivo.
Parece mais simples e válido explicar os deslocamentos urbanos
segundo dois fluxos básicos: de produção e de consumo (Clichevsky & Carrión, 1981).
O primeiro englobando os deslocamentos de insumos e de trabalho e, o segundo
compreendendo os deslocamentos de bens e serviços (mercadorias) e de consumi-
dores. Os deslocamentos por motivos recreacionais, de lazer, ou de natureza
interpessoal poderão ser assimilados pelos deslocamentos de consumo já que se
assemelham ao consumo de lazer, por exemplo.
Seguindo esta tipologia podemos detalhar e entender melhor os
fluxos urbanos segundo os comentários a seguir (Clichevsky & Carrion, 1981):
(1) Fluxos de Produção: produzem os deslocamentos re-
presentados pelo exercício de uma atividade profissional ou produtiva.
Tradicionalmente estes deslocamentos respondem pela maioria absoluta dos
10 um outro autor, Kutter (1973), apud Daniels e Warnes (1983), após pesquisar o comportamento de 2.536 usuários de transporte em cidades da Alemanha no
início dos anos setenta apontou que 93% da duração das atividades correspondia à trabalho, educação, compras, assuntos pessoais, atividades sociais , ócio e recreação. Kutter dividiu a sociedade em 24 categorias segundo o tipo de movimento, logo depois foram reduzidas para três: escolares e estudantes, donas de casa, aposentados e inválidos e empregados regulares.
69
deslocamentos urbanos, particularmente os deslocamentos envolvendo a residência
como origem pela manhã no início da jornada, e como destino no final, à tarde, para a
imensa maioria dos usuários. Há diversos fatores que influenciam este movimento: a
possibilidade ou não de retorno ao meio-dia, o tipo de atividade desempenhada, a
idade, a estrutura e renda familiar, etc. Sinteticamente, pode-se dizer que há fatores
que condicionam estes fluxos a nível do sistema de transporte (qualidade da oferta,
tecnologia empregada, etc.), a nível da configuração urbana (regime urbanístico,
posição da residência, etc.) e a nível da atividade produtiva em si (carga e regime ho-
rário, nível de renda, etc.).
Os fluxos de produção geram deslocamentos específicos. Estes são
condicionados pela natureza da atividade exercida (comercial, industrial ou de
serviços) e pela estrutura da empresa (número de empregados, nível salarial, etc.). A
proximidade, ou não, dos serviços de apoio ao trabalho como creches, refeitórios,
centros de treinamento, atendimento médico ou postos de abastecimento influencia
significativamente o volume de viagens. Quando existem estes equipamentos e
serviços próximos ao local de trabalho os deslocamentos podem adquirir múltiplos mo-
tivos incluindo o consumo de serviços.
(2) Fluxos de Consumo: produzem os deslocamentos residência -
consumo/relações interpessoais - residência. Entende-se por "consumo" a utilização
regular ou eventual de um equipamento público ou privado de uso coletivo
representado, por exemplo, por um estabelecimento escolar, um posto de saúde ou
uma biblioteca pública, necessários à reprodução da força de trabalho. Os principais
fatores condicionantes dos deslocamentos gerados pelos fluxos de consumo são: a
localização residencial, o padrão de ocupação espacial e de localização das
atividades, o nível sócio-econômico do consumidor, e a disponibilidade de transporte
individual, a estrutura e organização dos equipamentos e serviços públicos e o horário
de funcionamento dos mesmos.
70
Pode-se dividir, ainda, os deslocamentos para consumo em dois
tipos distintos: (a) destinados ao consumo habitacional de longo prazo e dependente
basicamente do funcionamento do mercado fundiário e imobiliário urbano e da renda
dos consumidores e (b) destinados ao consumo de bens e serviços em geral que se
diferenciam segundo o tipo de comércio (ocasional ou regular, especializado ou
diversificado, etc.), o tipo de serviço (com destaque para a educação), sua dimensão,
gratuidade ou não, se é público ou privado, etc. Inúmeros e complexos são os fatores
que influenciam o volume, as características, a distribuição temporal e espacial e a
qualidade dos deslocamentos para consumo urbano.
As relações interpessoais (visitas familiares, por exemplo) tem
comportamento semelhante às viagens de lazer, por isso são abordadas como
deslocamentos de consumo. Entretanto, deve-se tomar cuidado para não reduzir a
dinâmica social que é essencialmente criativa e subjetiva à esfera puramente
econômica (produção e consumo), embora toda classificação em especial dos tipos
básicos de deslocamentos urbanos nos conduza a uma simplificação didaticamente
necessária. As autoras (Clichevsky & Carrion, 1981) apresentam, ainda, a existência
de um terceiro tipo de fluxo e deslocamento urbano: o fluxo integrado, resultante da
combinação dos dois fluxos anteriores gerando os deslocamentos residência -
trabalho - consumo - residência. A identificação deste fluxo passa pela identificação de
deslocamentos com múltiplos motivos, geralmente associados às viagens por motivo
trabalho como o motivo que predomina. Constituem muito mais uma combinação dos
dois deslocamentos básicos do que uma categoria distinta.
Entre os deslocamentos urbanos, o principal é o deslocamento
originado pelos fluxos de produção, particularmente aquele denominado "residência-
trabalho-residência" ou "domicílio-trabalho-domicílio", podendo sofrer variações para
incorporar/assumir secundariamente outro motivo a nível de consumo (educação,
compras, visitas familiares, etc.).
71
Mesmo se for considerado o nível interurbano, particularmente nas
Regiões Metropolitanas e áreas conurbadas, este deslocamento representa índices
significativos no total das viagens intra-urbanas. Mesmo entre os municípios da Região
Metropolitana de Porto Alegre, cuja rede urbana é mais equilibrada (o fenômeno das
"cidades-dormitório" é menos intenso que em outras Regiões Metropolitanas), a título
de exemplo, o percentual de viagens por motivo trabalho em todos os modos e em
dias úteis era de 27%, correspondendo, segundo a Enquete Domiciliar de 1986, a
890.191 viagens diárias intermunicipais na sua maioria com destino à Porto Alegre
(68% dos destinos).
Nos estudos de transporte, os deslocamentos urbanos são
quantificados e tipificados pelas entrevistas de Origem e Destino, conhecidas como
pesquisas O/D. A cidade, ou região a ser analisada, é dividida em Zonas de Tráfego
(as ZTs) de acordo com o traçado viário, os setores censitários, a densidade demográ-
fica ou outro critério relevante para segmentação do tecido urbano pesquisado. A
seguir, a partir da definição de uma amostra, se coletam os dados com os usuários
definindo a geração e atração de viagens (de base domiciliar ou não) em cada ZT e,
se estimam os fluxos entre as zonas constituindo uma matriz de origem e destino que
pode ser segmentada por modo (ônibus, trem, automóvel,etc.) e por motivo (trabalho,
estudo, residência, etc.).
O quociente entre o total de viagens produzidas por todos os modos
e motivos, e a população, indica o nível de mobilidade. No Brasil, o índice de
mobilidade estimado pela GEIPOT (Empresa Brasileira de Planejamento de
Transportes) para o final desta década varia de 1,7 para as Regiões Metropolitanas
até 2,2 viagens/hab./dia nas cidades de porte médio (com o distrito-sede acima de 100
mil habitantes), apresentando significativo crescimento em relação a 1980, 31% e 22%
respectivamente (dados da Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP, 1989).
72
A taxa de mobilidade também reflete a situação sócio-econômica do
usuário: quanto mais pobre, menor é a disponibilidade de meios de deslocamento,
menor é a mobilidade por meios motorizados e maiores e mais freqüentes são as
viagens a pé. Uma pesquisa O/D realizada pela Cia. do Metropolitano de São Paulo e
Emplasa em 1977 demonstrou que a taxa de mobilidade para 3 a 5 salários era de
1,33 viagens/dia, 1,68 viagens/dia para 5 e 10 Salários-Mínimos e 2,2 viagens/dia
acima de 20 Salários (Vasconcellos, 1993). Nos últimos quinze anos de recessão
econômica esta diferenciação deve ter se aprofundado em maior grau, ainda mais se
for pensado nas crescentes facilidades para o transporte privado (sistema viário,
estacionamentos, subsídios ao consumo e produção, combustível barato, etc.) e a
perda progressiva de qualidade dos meios públicos de transporte.
Os deslocamentos urbanos podem ser feitos por diversas
modalidades, por meios mecânicos ou não, motorizados ou não. No Brasil, em 117
cidades pesquisadas com mais de cem mil habitantes, tem-se um total de 90 milhões
de viagens por dia, das quais 56% (ou mais de 50 milhões) são por ônibus, cerca de
6% (ou 5,6 milhões) sejam realizadas pelo modo ferroviário, 32% (ou 28,8 milhões)
para o automóvel e os restantes 6% por outros modos (Wright & Sant'Anna, 1989). Os
deslocamentos públicos são largamente majoritários e dentro destes predomina a
utilização do ônibus por ser mais adaptado operacionalmente às condições urbanas
brasileiras (para os deslocamentos intra-urbanos e/ou bairro-a-bairro). Pelo seu papel
predominante, será dado maior atenção ao transporte coletivo urbano, que pode
abranger várias modalidades com características diferenciadas.
III.3) O Transporte Coletivo Urbano{ TC "III.3) O Transporte
Coletivo Urbano" \f C \l "2" }
III.3.1) Considerações Iniciais
73
Por diversos e complexos fatores já analisados os centros urbanos
brasileiros constituíram-se em fortes pontos de atração no território, gerando
importantes economias de aglomeração e urbanização. O processo de crescimento foi
extremamente polarizado e desequilibrado a nível regional, entre Sul-Sudeste e
Norte-Nordeste e entre o campo e a cidade. Foi visto que o processo de formação
das cidades foi caracterizado pela segregação espacial de um lado e pela
concentração de atividades do outro. Estes dois fenômenos conjugados imprimiram
genericamente um padrão de "crescimento periférico", horizontalizado com altas den-
sidades nas favelas, cortiços e habitações precárias na periferia e verticalizado com
baixas densidades em moradias de alta renda, próximas aos lugares de maior
centralidade e mobilidade urbana.
Este padrão urbano se consolidou com grande rapidez, ao ponto do
Censo do IBGE de 1991 apontar 76% do total da população brasileira vivendo em
cidades(110 milhões de habitantes), com 12 cidades com mais de um milhão de
habitantes onde moram 26% da população, com 30 cidades superando a marca dos
300 mil habitantes e outras 150 com mais de cem mil habitantes. Em pouco mais de
duas décadas a população brasileira tornou-se urbana, e a partir dos anos setenta,
começou a se metropolizar rapidamente atingindo, em 1991, quase um terço da
população. Na maioria destes grandes centros urbanos quase um terço da população
mora em favelas.
Proporcional ao crescimento urbano foi também o crescimento da de-
manda por transporte e da estrutura viária nas cidades. Este crescimento tem
conduzido à densificação da malha viária, à redução das velocidades médias, enfim,
ao crescimento de externalidades negativas ou deseconomias externas. Segundo
algumas estimativas, o transporte coletivo urbano por ônibus, por exemplo, crescerá a
nível geral tem cerca de 22,7 milhões de viagens/dia a mais até o final desta década.
A taxa média de crescimento anual será de 1,8% para as Regiões Metropolitanas,
74
3,67% para as capitais de Estados e 2,6% nas cidades de porte médio (Severo, 1991-
a).
A política de transportes urbanos, implantada a partir do pós-guerra,
nunca privilegiou o transporte local, mas sim a melhoria das ligações de longo e médio
curso em direção às zonas de fronteira agrícola, privilegiando os investimentos rodo-
viários que acabaram por mudar a matriz de transporte em direção ao rodoviarismo. A
partir dos anos cinqüenta com a criação, em 1956, do Grupo Executivo da Indústria
Automobilística e com a produção de trinta mil veículos no ano seguinte, abrem-se as
perspectivas para a dominância do modo rodoviário nas cidades brasileira com impac-
tos relevantes para a própria evolução urbana desde então. Nos vinte anos
imediatamente posteriores ao início da indústria automobilística, o número de ha-
bitantes por automóveis caiu 5,3 vezes, de 124,3 habitantes/automóvel em 1960 este
índice passou para 23,5 em 1980 (Barat, 1978, 1979; Cornejo, 1983).
O Estado, particularmente o governo federal através da EBTU,
Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (1975-1990), sempre interveio na
regulamentação, na transferência e suporte tecnológico, na formação de recursos
humanos setoriais e em programas de melhoria e racionalização operacional. Um
exemplo disso foram as estratégias implementadas para a racionalização do consumo
de derivados do petróleo, a partir das crises de energia no final dos anos setenta. A
implementação de corredores exclusivos para ônibus, o apoio à eletrificação dos
transportes coletivos (tróleibus), a implantação e conclusão dos metros das cidades
do Rio de Janeiro e São Paulo, e a modernização dos trens suburbanos, foram
algumas iniciativas tomadas nos anos setenta e oitenta com impactos positivos.
III.3.2) As várias dimensões do Transporte e as principais modalidades
existentes
75
Na medida em que as cidades crescem moldadas inclusive pelas
redes viárias e de transportes que vão se formando, o transporte público (no caso
brasileiro) vai adquirindo relevância fundamental para o processo produtivo, segundo
Sant’Anna e Lima (1990), por três aspectos:
(a) se constitui um "insumo do processo produtivo", como
elemento essencial para a produção assegurando a presença da força de trabalho nos
locais de produção, sob este ângulo passa a ser tão importante quanto às matérias-
primas para a indústria ou a própria mão-de-obra, por exemplo;
(b) a indústria do transporte representa a produção de um serviço
altamente perecível, a viagem, onde o momento da produção e do consumo se
confundem, não sendo possível a formação de estoques; e
(c) o aspecto social que cabe ao transporte é insubstituível, na
medida em que garante e facilita a absoluta maioria dos deslocamentos urbanos, que
possibilitam, em última instância, o funcionamento de uma coletividade urbana.
O primeiro aspecto vem sendo debatido com maior freqüência,
principalmente, porque a identificação dos setores produtivos, das fábricas, lojas,
bancos, etc., como beneficiários indiretos do sistema de transporte, pode criar bases
diferenciadas para o financiamento do sistema por ônibus que é, atualmente, com-
pletamente custeado pelas tarifas pagas pelos usuários diretos. Ao garantir a
presença do trabalhador no local de trabalho, o transporte possibilita o distanciamento
da unidade de produção do local de moradia do trabalhador. Diferente da época em
que, à volta das indústrias têxteis, por exemplo, se situavam invariavelmente "vilas
operárias", em precárias condições de existência. A criação dos centros comerciais,
dos Distritos Industriais nas regiões metropolitanas e de conjuntos residenciais na
periferia das cidades, nos anos setenta e oitenta, reforçaram o papel dos transportes
públicos, praticamente a única opção de deslocamento para a população de baixa
renda, cativa do sistema.
76
Os limites na capacidade de pagamento dos usuários, e as
deficiências de operação do sistema, levaram muitas empresas, particularmente no
setor secundário, a criar seus próprios meios de transporte através do que se conhece
como "fretamento", que em algumas cidades, como Campinas-SP chega a um terço
de toda a oferta. No meio rural, acontece algo semelhante com o transporte de boias-
frias durante a época das safras.
O transporte de passageiros agrega custos ao preço final das
mercadorias, não diretamente como o transporte das próprias mercadorias (transporte
de carga), mas indiretamente, ao influenciar sobre a produtividade do trabalhador,
sobre o cumprimento da jornada de trabalho e em relação à quantidade demandada
dos produtos (escala de produção).
Quanto à dimensão do processo produtivo em si, algumas grandes
diferenças distanciam o transporte coletivo dos demais setores e ramos econômicos. A
força de trabalho está dispersa no território, os meios de produção (meios de
transporte e infra-estrutura viária e equipamentos de apoio) não são fixos e tem exclu-
sividade de uso (um ônibus só produz viagens). A natureza jurídica combina formas
híbridas de propriedade: frotas privadas operadas por concessão ou permissão
pública, enquanto que o sistema viário é do Estado, assim como as linhas e as rotas
percorridas pelos ônibus. Outra peculiaridade é a formação de preços do setor que é
controlada diretamente pelo Estado com base nos custos de produção que podem ser
calculados com base quilométrica, pelo Custo Marginal, pelo Custo Médio, pelo valor
do Serviço, etc.11
. Como não há possibilidade de "estocar viagens", a realização da
produção no setor de transportes (considerado parte do setor terciário) depende direta
e imediatamente da "venda" quase simultânea da "mercadoria". É por isso que a
ociosidade da frota nos períodos de entre-pico acarreta custos elevados à operação
11 sobre os vários tipos de cálculo tarifário existem inúmeros trabalhos, um deles aborda várias formas de cálculo dos serviço de transporte, é de Jether Abreu,
Os Problemas da Tarifa de Transporte por ônibus, EDUSP, São Paulo, 1985, pág. 51 a 106.
77
do sistema. Não havendo "consumo" de viagens, não há cobertura de custos
correspondentes à capacidade produtiva instalada (a oferta de lugares ou viagens).
A função social do transporte diz respeito à própria condição
humana, que é objeto de sua produção como setor econômico. É o passageiro a ser
transportado o objetivo final, que deve ser socialmente analisado. Na maioria dos
casos, há uma contradição latente entre a qualidade da viagem real e a esperada
pelo usuário. Quanto maior o número de passageiros e menor a quilometragem
percorrida (menos viagens, menos frota) maior será o lucro empresarial, porém pior o
nível de serviço ofertado ao usuário. Em muitos casos, a existência sempre polêmica
dos subsídios ao transporte coletivo urbano pode amenizar a contradição entre a
busca de lucros pelo operador privado e a busca de qualidade pelo usuário.
Portanto, pela ótica da função social do transporte, e pela ótica do
insumo do processo produtivo, deve-se considerá-lo, de fato, como um bem público,
indivisível, garantido pelo Estado e de natureza eminentemente coletiva, já que dele
depende grande parte da capacidade de reprodução da sociedade urbana moderna.
O Transporte Coletivo Urbano pode ser realizado por diversos meios
ou modos, com diferentes tecnologias operacionais e impactos. A seguir, expõe-se as
principais características de cada modo de transporte típicos do meio urbano.
(1) Metrô: meio de transporte de alta capacidade com exclusividade
de uso da via. O fato de ser subterrâneo garante segurança contra acidentes e
elimina o problema da intrusão visual e do ruído; também não há emissão de po-
luentes, pois sua tração é elétrica. Em termos de conforto, rapidez, segurança e
confiabilidade é um dos melhores meios de transporte. Operando com composições
de seis carros levando entre 1.500 e 2.500 passageiros, com intervalos médios entre
os trens de 2 minutos, o metrô pode suportar uma demanda por volta de 70.000
pass./h/sentido em cada direção com uma velocidade média, incluindo o tempo de
parada, de 30 a 35 km/h (Armostrong-Wright, 1986).
78
A grande desvantagens do metrô são seus custos de implantação
devido à vários fatores, entre eles, a complexidade da obra de engenharia civil
necessária para construir a rede subterrânea, remoção de terra, readequação das
redes de infra-estruturas da cidade, construção das estações, etc. Além disso, apesar
de ser enterrado, ele exige desapropriações significativas. O metrô de Caracas, por
exemplo, exigiu a desapropriação de cerca de 900 edificações, incluindo prédios altos.
O metrô exige também sofisticados equipamentos de controle de tráfego, sinalização,
bilhetagem, conserto e reposição de peças e para a operação destes equipamentos,
mão-de-obra especializada com altos salários. O custo por passageiro é aproximada-
mente três vezes superior ao ônibus em geral e o usuário paga apenas uma pequena
parte do custo, o resto é subsidiado pelo Estado (Wright, 1988). Em 1980 existiam
metrôs em apenas 51 cidades do mundo, mais 15 em fase de implantação e 9 em fase
de Projeto (Brinco, 1985). Outra complicação é a adequação entre os efeitos urbanos
da sua implantação e o planejamento do uso do solo na cidade e na área de influência
das linhas e estações, pois ocorre uma valorização imobiliária imediata alterando
significativamente, assim, o tecido urbano. Em muitos casos, também, o metrô "ajuda"
a reforçar a centralidade urbana pré-existente, quando deveria fazer exatamente o
contrário.
(b) Trem de superfície (tipo sub-urbano): meio mais tradicional de
transporte ligado à formação histórica de muitas cidades brasileiras, a partir de redes
originalmente regionais que propiciaram a base para implantação e modernização dos
atuais trens de passageiros. Normalmente as redes de vias férreas constituíram eixos
de crescimento urbano em volta dos quais se expandiram e consolidaram as
atividades urbanas. Quando a linha não tem a interferência de trens de carga e de
passagens em nível, possuindo equipamentos modernos e boas estações, o seu
desempenho se assemelha ao metrô, atingindo velocidades médias entre 45 e 55
Km/h. Podem carregar de 10 a 20 mil pass./h/sentido dependendo de características
operacionais tais como a existência de integrações com outros modos. Seu custo varia
79
muito, basicamente pela pré-existência ou não de antigos leitos de vias férreas que
podem ser aproveitados implicando em poucas desapropriações e baixo volume de
obra civil. Normalmente o custo por passageiro transportado é 50% maior que no
modo ônibus, havendo, na maioria dos casos, subsídios governamentais.
(c) Bonde: compreende um amplo leque de tipos de transportes que
usam tração elétrica, desde os bondes tradicionais como os que circularam em Porto
Alegre a partir de 1908 até os modernos pré-metrôs; são também conhecidos com
VLT, Veículos Leves sobre Trilhos. São transportes ferroviários leves com custos
superiores ao modal ônibus, embora inferiores aos metrôs. As características que
distinguem os VLTs são as seguintes: os passageiros acessam as unidades a partir do
nível da rua ou de plataformas baixas de embarque, os veículos operam sozinhos, ou
em trens com composições pequenas a baixa velocidade e as vias podem ser divi-
didas com outros meios de transporte, mas pode haver vias com direitos reservados
ou exclusivos, o que aumenta muito sua capacidade, velocidade e economia. O VLT
constitui-se de carros mono ou bi-articulados, podendo atingir em comboio o compri-
mento de 55 metros, ligado à rede elétrica através dos pantógrafos fixados no teto dos
veículos. Sua velocidade máxima pode chegar a 70 km/h, o custo de um veículo vai
até US$ 900 mil e a vida útil por volta de 30 anos (Lindau, 1992). Segundo Armstrong-
Wright (1986), o VLT pode carregar de 20 a 36 mil pass./h por sentido, a depender do
grau de exclusividade de uso sobre a via.
(d) ônibus: pode levar de 12 (micro-ônibus) a 240 passageiros
(articulado), suportar um carregamento de até 10 mil pass./h por sentido em ônibus de
oitenta lugares ou 15 mil para carros com maior capacidade e possui velocidade
operacional por volta de 12 km/h (Lindau, 1992). Em operação segregada, reservada
ou exclusiva de uso da via, em comboios ordenados, com plataformas de embarque
no mesmo nível das estações, com cobrança externa das tarifas, portas mais largas e
outras alterações tecnológicas e operacionais a capacidade pode elevar-se para cerca
de 20 mil pass./h/sentido. O preço dos veículos varia de US$ 25 mil para um micro-
80
ônibus até US$ 175 mil para um ônibus articulado com vida útil de dez anos nas con-
dições brasileiras. Ainda existem os troleibus, os "ônibus elétricos", semelhantes aos
ônibus só que com tração elétrica, sua vantagem principal é a redução drástica da po-
luição atmosférica e a redução significativa da poluição sonora, porém do mesmo
modo que os modos ferroviários, o troleibus tem pouca flexibilidade para
desdobramentos, novos ramais ou mudanças de itinerários, além da dependência do
instável fornecimento de energia elétrica.
O ônibus é o meio de transporte mais difundido no mundo. Isto se
deve à flexibilidade, à capacidade de desdobrar-se e ampliar suas ramificações, à
simplicidade tecnológica, à facilidade de instalação de novos serviços, ao menor custo
do veículo, ao baixo custo, à rapidez de implantação e operação, e ao valor alto de
revenda do material rodante. Além disso, pode ser operado facilmente pelo capital
privado sob regulamentação pública e as tarifas praticadas cobrem normalmente os
custos evitando subsídios públicos, se excluídos os custos das vias de circulação.
(Severo, 1991).
Os Corredores de Circulação representam vias segregadas obtidas
através da implantação de faixas exclusivas para ônibus. Nas cidades de Porto Alegre,
Curitiba, São Paulo e Goiânia, os corredores tendem a se localizar junto aos canteiros
centrais das avenidas, separados longitudinalmente dos automóveis. Os cruzamentos
são em nível, e os pedestres podem transpor os corredores nos pontos de travessia
mediante sinalização gráfica e semafórica apropriada. Um carregamento por volta de
20 mil pass./h./sentido pode ser obtido em corredores com funcionamento de
comboios ordenados (cada ônibus para num ponto pré-determinado/ordenado na
estação), para diminuir o tempo de embarque como é caso do Corredor Assis Brasil
em Porto Alegre ou com permissão de ultrapassagens como na cidade de São Paulo
(Lindau, 1992). As principais vantagens das faixas segregadas (canaletas) no centro
da via seriam a obtenção de maior velocidade comercial para os ônibus, melhores
condições de priorização nos sistemas de controle e implantação de semáforo só para
81
ônibus. Estas vantagens se refletiriam na maior confiabilidade, segurança e menor
poluição, com tarifas menores para o usuário; a maior dificuldade para a implantação
de tal sistema é a exigência de ruas largas superior a 21 metros (Mercedes-Benz do
Brasil S.A., 1987).
Segundo o Banco Mundial (Armstrong-Wright, 1986), a construção
de vias exclusivas com cruzamentos em desnível pode custar de US$ 2 a 7 milhões
por quilômetro, o que é ainda elevado para países do Terceiro Mundo, porém bem
abaixo do custo por passageiro em relação ao VLT (bonde moderno) ou ao Metrô de
superfície, se considerarmos os custos adicionais das redes de energia, estações ou
desapropriações. Segundo a mesma fonte, o custo máximo por passageiro/km deveria
ser para o ônibus em via segregada, o VLT e o Metrô em superfície o valor de US$
0.05, US$ 0.10 e US$ 0.15, respectivamente.
Os Corredores de ônibus representam soluções apropriadas para
cidades do Terceiro Mundo, particularmente por dois motivos: exigem baixos
investimentos em tecnologia, em relação a outros modos de maior capacidade, e com
algumas modificações operacionais podem suportar demandas aproximadas ao VLT,
bondes, pré-metrôs ou sistemas similares.
III.3.3) A Concorrência do Transporte Privado com o ônibus
Apesar da importância vital do transporte público para as cidades em
um padrão de urbanização segregado e concentrador, vigente no Brasil, o sistema por
ônibus tem sofrido fortemente com a concorrência do transporte individual. Sobre este
tema, já clássico na literatura especializada sobre transportes, parece-nos proveitoso
registrar breves comentários.
82
Vasconcellos (1993) argumenta que há três visões sobre o uso do
automóvel: a "antropológica" - baseada na simbologia de riqueza e poder pessoal - a
"política" - correspondente à simbologia de privacidade e liberdade, de circulação livre
e desimpedida, do automóvel como uma extensão do espaço privado de existência - e
a visão "psicológica" - ligada às idéias de juventude e esportividade, auto-afirmação e
deleite pessoal. Aliada a estas razões, o autor acrescentara outros argumentos que
estão na base do privilégio dado ao automóvel como meio de circulação das camadas
médias da sociedade.
Com o processo de concentração de renda promovido
particularmente pela política econômica dos governos militares, grande parcela da
classe média teve acesso, via consórcio ou financiamento, ao uso do automóvel. As
cidades aos poucos foram se remodelando para absorver a crescente frota de
veículos, especialmente na sua infra-estrutura viária (túneis, elevadas, alargamento de
pistas, novas ruas e estacionamentos, etc.). Só em São Paulo, a frota de automóveis
cresceu mais de 1.000% de 1960 à 1979 (Vasconcellos, 1993). Partindo do
pressuposto de que o direito de circular (ou a disponibilidade de transporte / mobili-
dade pessoal) está condicionado pela situação sócio-econômica da pessoa, e que as
camadas médias da sociedade tem grande influência e pressão sobre as políticas
públicas de transporte, fecha-se um círculo vicioso de pressão das camadas médias
==> favorecimento do transporte privado ==> apoio político ao Estado, que estabelece,
deste modo, a "cidade da classe média".
É necessário dizer que esta teia de relações e dependências
políticas se origina, principalmente, do complexo industrial-comercial ancorado na
indústria automobilística, eixo de desenvolvimento desde o Plano de Metas na década
de cinqüenta. O transporte tornou-se com o decorrer dos anos um instrumento de
reprodução da própria classe média enquanto classe. É por isso que qualquer
tentativa de limitar ou restringir o uso do automóvel é prontamente repudiada e rejei-
83
tada por amplos setores da sociedade que foram, historicamente, privilegiados na
distribuição de acessibilidade urbana promovida pelas políticas do Estado.
Seria ingenuidade, entretanto, ignorar que o automóvel não tem
vantagens (não só simbólicas) em relação a alguns atributos, se comparado com o
transporte público. Algumas vantagens como o transporte porta-a-porta, a eliminação
dos transbordos, a rapidez e conforto individual, por exemplo, se analisadas de modo
absoluto são nitidamente superiores ao transporte público, ainda mais em países
subdesenvolvidos onde os serviços públicos de modo geral são precários. Segundo
Wright (1988), para distâncias superiores a 400 metros o automóvel é o modo que
oferece o melhor conjunto de tempo de deslocamento, padrão de conforto, ambiente
psicossocial, flexibilidade, facilidade de transportar embrulhos e compras, pontua-
lidade e freqüência.
Contudo, pesados os prós e contras, o uso do veículo privado para a
maioria dos deslocamentos urbanos, particularmente para aquelas viagens pendulares
por motivo trabalho, acarreta várias externalidades negativas, ou "custos marginais so-
ciais" para o conjunto da sociedade. Pode-se classificá-los nas seguintes dimensões:
(a) Custos Econômicos: o transporte privado é em média 1,2 vezes
mais caro que o transporte público para o passageiro, além de consumir
proporcionalmente 10 vezes mais energia, (Figueroa, 1993). Os congestionamentos e
acidentes provocam prejuízos da ordem de 25 bilhões de dólares/ano na Grã-Bretanha
e de 500 milhões de dólares/ano em São Paulo, por exemplo, além de aumentarem o
nível de emissão de poluentes (dados da Comissão de Circulação e Urbanismo da
ANTP, 1989). Outro custo econômico é aquele derivado dos acidentes provocados
pelo transporte privado; no mundo todo, cerca de 50 mil pessoas morrem por ano em
acidentes, e além de motoristas e passageiros envolvidos, os pedestres também
participam. Em Porto Alegre, no ano de 1992, por exemplo, ocorreram 2.188
84
atropelamentos, 2.054 pedestres feridos e 149 mortes, 30% dos acidentes e 55% das
mortes ocorridas vitimaram pedestres (SMT/PMPA, 1993);
(b) Custos Ecológicos: o transporte privado polui 25 vezes mais que
o público. Nos Estados Unidos, por exemplo, o automóvel era responsável por 42% da
poluição atmosférica geral (Brinco, 1985); podemos imputar ao automóvel, também, a
poluição sonora (acima de 85 decibéis) e a intrusão visual;
(c) Custos Urbanos: um motorista precisa 13 vezes mais espaço
físico, para se movimentar na rede viária, que um passageiro de ônibus; as cidades
são obrigadas a reservar, em média, a metade do seu espaço urbano disponível para
estradas, estacionamentos e equipamentos de apoio para meios de transporte, na
sua grande maioria privados. No centro de Los Angeles, por exemplo, esta cifra atinge
70% do espaço (Wright, 1988), que poderia ser utilizado para outras funções urbanas.
O que agrava esta situação é a tendência, já vista, de aumentar o espaço viário na
proporção do crescimento das necessidades de circulação do automóvel. Existe uma
espécie de "Lei de Say",12 acomodando o uso à oferta de solo urbano só para a
circulação: as adaptações adicionais para atender o automóvel acabam criando
tráfego adicional, e o problema permanece insolúvel (e maior). Segundo Dyckman
(1968), ao criticar as ações do organismo americano Bureau of Public Roads nos anos
50 e 60, afirma que a abertura de uma auto-pista projetada para satisfazer a demanda
existente pode, com o tempo, aumentar a demanda até que o congestionamento na
auto-pista aumente a duração do deslocamento até o valor anterior a sua existência.
Quando se constróem os metrôs, pensando em reduzir os congestionamentos, o que
acontece, em vários casos, é apenas o crescimento do espaço ocupado por
automóveis, no lugar de outros modos cuja demanda foi, total ou parcialmente,
absorvida pelo metrô (Lindau, 1992).
12 Jean-Batiste Say (1767-1832), economista francês, argumentava que um acréscimo de oferta criaria uma demanda da mesma magnitude regulando
automaticamente os mercados, não haveria risco de superprodução ou depressão no sistema capitalista. Este princípio - a oferta cria sua própria demanda - ficou conhecido como "Lei de Say" ou "Lei dos Mercados", foi duramente criticada por economistas de várias escolas, entre eles Malthus, Bentham, Marx e Keynes.
85
Além do uso intensivo do espaço urbano, que poderia ser destinado
ao transporte coletivo ou ao lazer e recreação da população, o transporte privado gera
atrasos no próprio sistema por ônibus ao disputar as mesmas vias em tráfegos mistos.
Não é por outro motivo que faixas reservadas para o ônibus permitem um aumento
das velocidades operacionais a patamares geralmente superiores a 18 Km/h,
permitindo transportar de 15 a 20 mil passageiros por hora-pico/sentido. Além disso, o
aumento da velocidade provoca diminuição dos custos de operação por quilômetro
devido à melhor utilização dos ônibus.
III.3.4) O Problema da Demanda no Transporte de Passageiros
No Capítulo II abordou-se a relação biunívoca existente entre o
transporte e o uso do solo urbano, particularmente os efeitos das mudanças de
acessibilidade sobre os preços fundiários e assim, sobre a reestruturação dinâmica
dos padrões de ocupação urbana. Foi visto também, que a outra parte desta relação
circular - os impactos do uso do solo sobre o transporte - ocorre principalmente
quando modificações determinadas na localização de atividades urbanas alteram os
fatores de Geração e Atração, ou a Produção de Viagens. Estes fatores incidem no
que denominou-se de "Demanda de Transporte", ou seja, as alterações nas
necessidades de deslocamento das pessoas produzem efeitos diretos sobre a capa-
cidade do sistema absorver ou não tais impactos, gerando, na maioria das cidades,
padrões mais ou menos regulares no comportamento da demanda. Nesta seção será
analisado melhor o problema da demanda, suas características básicas e as questões
envolvidas no Sistema de Transporte Coletivo Urbano.
Na teoria Microeconômica, a demanda é a quantidade de um bem ou
serviço que um consumidor deseja e está disposto a adquirir por determinado preço
em determinado momento. Em termos gerais, a demanda depende de fatores como a
86
preferência do consumidor, o poder de compra, os preços dos outros bens substitutos
ou complementares, o preço do bem ou serviço em questão, sendo que a quantidade
demandada normalmente guarda uma relação inversa com o preço do bem ou serviço,
da qualidade do bem e das expectativas do consumidor quanto a sua renda pessoal e
os preços futuros. Em termos macroeconômicos, utiliza-se o conceito de Demanda
Agregada que é a totalidade das demandas individuais somadas. Além dos fatores
condicionantes da demanda individual, a demanda agregada depende também do nú-
mero de compradores do bem ou serviço. Utiliza-se também, em Economia, o conceito
de Demanda Complementar, que é caracterizada pela procura de bens que tem
complementariedade entre si, como os automóveis e o consumo de combustível; a
demanda por um gera a procura por outro, simultaneamente. As variações na de-
manda conjunta, entretanto, podem não ser iguais para ambos os bens em questão,
pois uma mudança nos hábitos do consumidor ou inovações tecnológicas podem
alterar o caráter de interdependência entre ambos. Um outro termo freqüente
relacionado às questões de demanda é o termo Demanda Efetiva. É aquela demanda
para o qual existe capacidade de pagamento, é a demanda efetiva, geralmente inferior
à demanda real decorrente das necessidades da população.
A demanda individual pode ser representada matematicamente por
uma equação do tipo:
Qi = f (P1,...Pn, R, H, t) (3.1)
onde:
Qi = quantidade procurada de um bem ou serviço
P1 = preço do bem ou serviço procurado
P1...n = preços de outros bens ou serviços
relacionados ao bem procurado
R = renda disponível do indivíduo
87
H = hábitos e preferências do indivíduo
t = período de tempo correspondente à especificação da demanda.
Segundo Bodmer (1984), podemos dividir em três os componentes
fundamentais para a definição da demanda:
(a) "Componentes objetivos: disponibilidade de bens ou de serviços e
a capacidade do consumidor em adquirí-los;
(b) Componentes subjetivos: participação subjetiva do consumidor,
traduzida em seus desejos e necessidades e que depende do seu nível de percepção
quanto às utilidades dos bens ou serviços colocados no mercado, e
(c) Componentes condicionantes: um conjunto de variáveis mais
importantes e que condicionam uma decisão sobre a compra, principalmente em
relação ao preço e ao tempo."
Na Economia, o estudo da demanda objetiva constituir teorias e
modelos correspondentes no sentido de previsão qualitativa e quantitativa das
demandas futuras por determinados bens ou serviços, quando uma ou mais variáveis
forem modificadas. Tais estudos andam pari i passu com os estudos sobre a Oferta
nos diversos tipos de mercado, concorrencial, monopólico ou oligopólico.
Particularmente no âmbito Microeconômico, persegue-se uma situação ideal de
equilíbrio entre estas duas forças de mercado: quantidade ofertada versus quantidade
demandada (ou procurada). A situação de Equilíbrio microeconômico, estático ou
dinâmico, parcial ou geral, implica no ajustamento e equalização das funções
correspondentes em determinado período de tempo, e é extremamente complexa
devido à inúmera quantidade de incógnitas envolvidas. O próprio tema (e hipótese
teórica) do "equilíbrio econômico" real, está envolto, há décadas, em profundos
debates e conclusões conflitantes, segundo as diversas Escolas de Pensamento
88
Econômico que se tome como referência, particularmente entre o pensamento
Neoclássico e o Marxista ou Keneysiano, e suas inúmeras derivações existentes.13
Um dos estudos pioneiros sobre transporte e uso do solo, de Wingo
(1961), classifica a demanda por transportes em quatro tipos:
(a) Demanda de movimento: é a demanda mais elementar, se baseia
na necessidade de intercâmbio e comunicação dos indivíduos na sociedade urbana e
compreende o deslocamento entre diversos pontos no território. Pode ser mensurada
pelo volume de viagens por indivíduo e é fortemente influenciada pelo avanço tecno-
lógico e pela realocação das atividades no território;
(b) Demanda de tráfego: no sentido espacial, é a demanda de
movimento sob a ótica da geografia das origens e destinos das viagens. Compreende
as "linhas de desejo" e é influenciada diretamente pela distribuição no espaço das
residências e empregos. Pode ser dividida em movimentos radiais - em direção ao
centro urbano - e movimentos circulares, com destino fora do centro. Geralmente a
demanda de tráfego se caracteriza pelas viagens motivo-trabalho com um padrão
radial-concêntrico de deslocamento. Na medida em que os empregos forem se
descentralizando o padrão de deslocamento circular tende a ser mais importante;
(c) Demanda de movimento no tempo: expressa o carregamento do
sistema ao longo do tempo e, pode ser medida pelo "fator de carga" que relaciona a
hora-pico de maior carregamento com o volume médio de passageiros horários. O
"fator de carga" expressa o problema da concentração temporal da demanda
principalmente nas viagens a trabalho; e
(d) Demanda de fluxos: que representa a distribuição do movimento
no tempo e no espaço. Este tipo de demanda permite a classificação em padrões de
determinados tipos de movimentos regulares no espaço e tempo, enquanto outros são
não-regulares. Esta demanda é a mais importante porque representa a síntese entre a 13 ver o resumo das diferentes posições sobre este tema no Dicionário das Teorias e Mecanismos Econômicos (1988) de Alan Gélédan e Janine Brémond, Livros
Horizonte, Lisboa, pág. 57 a 66.
89
influência da distribuição no espaço do emprego e das residências (demanda de
tráfego), e as características temporais dos deslocamento, sua periodicidade, duração
e simultaneidade (demanda de movimento).
Segundo Novaes (1986), a Demanda em transportes é de
fundamental importância sob o aspecto preditivo, isto é, a quantificação da demanda
que envolve a previsão da "resposta" do usuário mediante variações nos atributos dos
sistemas de transportes. Neste sentido há três tipos de previsões:
(a) previsões de curto prazo: o estudo se restringe a projeções de
curto prazo com levantamentos diretos de informações onde não são feitas previsões
desagregadas de população, empregos ou uso do solo. A premissa básica neste tipo é
de que a distribuição espacial das atividades altera fatores de produção e atração de
viagens, e as variáveis sócio-econômicas dos usuários permanecerão inalteradas,
isto é, constantes;
(b) previsões de médio e longo prazo: sem envolver efeitos sócio-
econômicos ou espaciais; envolvem projeções detalhadas e cuidadosas das variáveis
sócio-econômicas, incluindo atividades espaciais (residência, emprego, serviços, etc.).
Estuda-se a evolução destas variáveis por zona, incluindo restrições de capacidade
(densidades), políticas de zoneamento, de desenvolvimento, etc. Não se estabelece,
entretanto, processos de retroalimentação entre os fluxos de transporte projetados e
seus efeitos nas atividades básicas; e
(c) previsões de médio e longo prazo: com avaliação dos efeitos nas
atividades sócio-econômicas e espaciais; estudos que envolvem hibridamente
planejamento de transportes e planejamento urbano e regional.
Cada tipo de estudo origina modelos teóricos determinados que
podem ter, não necessariamente, uma expressão matemática ou computacional.
90
Respectivamente aos tipos de previsões, segundo Novaes, correspondem os Modelos
Convencionais Empíricos, os Modelos Comportamentais e os Modelos Atitudinais.14
Para Bodmer (1984), a demanda em transportes deve ser
caracterizada diferentemente da demanda pelos demais bens e serviços devido a suas
particularidades quanto à motivação para o consumo. A demanda por transporte é
dependente, em último grau, da demanda por outros bens e serviços, cujo sistema de
transporte é requisito de mobilidade para serem acessados pelos consumidores. Além
disso, esta demanda depende da localização das atividades no espaço e de dispêndio
de tempo. A quantidade demandada de transportes é entendida como o número de
pessoas transportadas ou o número de viagens realizadas. O consumo deste serviço é
um consumo aberto composto por várias combinações de atributos diferentes em
natureza e magnitude como o modo, horário, destino, freqüência, etc. Para a autora,
os fatores condicionantes da demanda, em transporte de passageiro, são o preço e o
nível de serviço, sendo que a variável mais significante para a definição de um nível de
serviço é o tempo de viagem.
Argumentos semelhantes aos apresentados por estes autores,
aparecem no estudo TRRL (1980), para caracterizar as especificidades da demanda
no transporte de passageiros. Este trabalho sistematiza quatro características
básicas:
(a) a viagem de transporte não pode ser analisada simplesmente
pelo modo escolhido ou por outras características da viagem em si, mas pelo propósito
em que é realizada. As diferentes intenções que determinam as viagens são como
diferentes "bens" no mercado. Um dos problemas na análise da demanda é como
agregar a diversidade de propósitos segundo os diferentes tipos de viagens que
podem ser feitas;
14 a problemática do uso de modelos em Transporte será abordada no Capítulo V desta dissertação.
91
(b) o "custo" para o passageiro de transporte público não diz respeito
somente ao nível das tarifas, mas à quantidade de tempo, esforço dispendido e o
desconforto a que é ou pode ser submetido, pois há limitações físicas para a
quantidade de tempo que pode ser dispendida em viagens. Também porque muitos
bens e serviços são ofertados em determinadas horas durante o dia que podem ou
não ser convenientes para os usuários e isto impõe mais limites à demanda por
transporte, particularmente nas viagens à trabalho;
(c) muitos fatores que influenciam a demanda podem, também,
serem afetados por ela, embora alguns possam ser sentidos mais rapidamente do que
outros; por outro lado, estes fatores podem afetar também a oferta de transportes.
Assim, a interação entre demanda e oferta deve ser sempre considerada. Por
exemplo, o nível de tarifas cobradas terá um impacto direto sobre a demanda, mas o
número de pessoas que usa o serviço e seu padrão de viagens por sua vez, terá um
forte impacto no custo para transportar cada passageiro e, portanto, no que pode ser
cobrado ou no serviço a ser oferecido. Esta interpenetração de efeitos múltiplos se
torna mais complexa quando a demanda é analisada em função das mudanças nos
padrões de uso do solo. Assim, as interações que determinam a demanda por
transporte público formam um sistema completamente interrelacionado;
(d) muitas vezes o transporte é considerado um "bem social" tendo
que satisfazer vários requisitos sociais (diferentes de princípios apenas comerciais),
que não são prontamente e claramente traduzidos na operação do sistema. Por causa
disto, é difícil descrever o comportamento da oferta de transporte em termos de
relações quantitativas;
III.3.4.1) Influência do comportamento do consumidor na determinação da
demanda por Transporte
92
Os modelos explicativos tradicionais, e quase todas as explicações
sobre os fatores condicionantes da demanda em transportes, se referem a fatores
físico-espaciais, ou seja, sobre o impacto das mudanças na localização das atividades
que produzem viagens. Poucas são as abordagens que inserem, além dos fatores
espaciais estruturantes, outros fatores, como o comportamento dos
consumidores, considerados como indivíduos, isto é, desagregadamente.
O estudo do comportamento dos indivíduos, em relação ao mercado,
pode, e deve, ser abordado com o apoio de várias disciplinas teóricas como a
Psicologia, a Economia, a Sociologia, e segundo uma base quantitativa-metodológica
também, como é o caso da Econometria, Estatística, Matemática, etc. Não cabe aqui
aprofundar exaustivamente o que cada uma delas tem a dizer sobre o comportamento
individual no mercado (de transporte), apenas serão resumidas as principais
características de algumas escolas e aprofundados alguns aspectos no capítulo V,
quando serão analisados os Modelos em Transporte.
Neste sentido, segundo Bodmer (1984), pode-se dividir as principais
"linhas de pensamento" nos seguintes categorias disciplinares:
(a) Teoria Econômica: formulada inicialmente por Marshall, da Escola
Marginalista inglesa, Böhm-Bawerk, Von Wieser , o primeiro a empregar o conceito de
utilidade, e Pareto. Baseia-se na afirmação de que o indivíduo leva em consideração
fatores racionais no processo de escolha. A Demanda teria uma relação inversa com
os preços dos produtos, e o indivíduo opera sob determinadas restrições de renda
monetária. A medida da satisfação do indivíduo pode ser obtida quantitativamente
através da utilidade. A composição das utilidades fornece uma escala de preferência
que combina quantidades de bens e serviços consumidos em relação à diferentes
utilidades proporcionadas. Nesta abordagem, o objetivo do consumidor é atingir o
estado de equilíbrio, quando gasta sua renda de tal forma que a satisfação ou utilidade
da última unidade monetária gasta nas várias mercadorias seja a mesma. Deste
93
modo, considerando que o objetivo racional é obter a máxima satisfação (utilidade)
dentro de uma cesta de consumo, pode-se deduzir uma Curva de Demanda individual
que relaciona preços e quantidades demandadas.
Um indivíduo consumiria quantidades de determinado bem ou
serviço até chegar a um ponto de saturação, onde sua utilidade fosse total e a
utilidade marginal igual a zero. Além disso - para a maioria dos bens - pode ocorrer
um "efeito substituição", quando o indivíduo substitui o consumo de um determinado
bem quando seu preço sobe, ou um "efeito renda", quando alteram-se as quantidades
consumidas de acordo com variações na renda.
A abordagem do comportamento do consumidor pela utilidade -
também conhecida como Teoria Cardinal da Utilidade - foi aperfeiçoada mais tarde
pela Abordagem pela "Curva de Indiferença" ou Teoria Ordinal da Utilidade. A
diferença básica entre as duas são as suposições mais realísticas da segunda, na
medida em que esta se preocupa basicamente com a percepção do consumidor na
maximização da utilidade entre diferentes cestas de mercadorias, e requer apenas
uma medida ordinal da satisfação e não cardinal com a primeira. A Curva de
Indiferença é uma representação geométrica do nível de satisfação (utilidade) do
consumidor variando entre dois bens ou cestas de mercadorias ou serviços (Salvatore,
1984).
Segundo a abordagem da Teoria da Utilidade (teoria clássica), a
condição de máxima utilidade (ponto de equilíbrio) pode ser descrita matematicamente
como segue:
UMx / Px = UMy / PK (3.2)
onde:
UMn= utilidade marginal (da última unidade monetária gasta);
Pn = preço das mercadorias;
94
x e y = mercadorias;
sujeito à restrição orçamentária:
PxQx + PyQy = R (3.3)
onde:
Qn = Quantidade demandada de um bem;
R = renda monetária do indivíduo;
Pela abordagem da Curva de Indiferença, ou Teoria Ordinal da
Utilidade, a situação ideal buscada pelo comportamento do consumidor teria a
seguinte expressão genérica:
TMxy = Px / Py (3.4)
onde:
TMxy = Taxa marginal de substituição da mercadoria(s) "x" pela(s)
mercadoria(s) "y"; sujeita à mesma restrição orçamentária (que se graficada ganha o
nome de "reta orçamentária" ou "linha dos preços") como na formulação anterior.
Lancaster (1966; 1971) analisou a preferência do consumidor a partir
do conjunto de características e atributos destes bens ou serviços, considerando a
produção de externalidades e não simplesmente dos bens em si mesmo como nos
enfoques mais tradicionais da Teoria do Consumidor (na Microeconomia). Este autor
trabalhou dentro dos seguintes pressupostos: (a) o bem não gera utilidade em si
mesmo, mas suas características sim; (b) um bem pode assumir mais de uma
característica e elas poderão ser atribuídas a mais de um bem; (c) a combinação de
várias mercadorias possui qualidades diferentes se consideradas separadamente. Os
modelos formulados a partir deste enfoque são, evidentemente, mais complexos,
porque pressupõem comparações entre atributos de bens diversos e, por isso, são
mais adequados à realidade tendo maior poder explicativo que outros modelos.
95
A expressão geral da Função Utilidade, segundo Lancaster seria:
Ui = f( Ci1, Ci2,...,Cin) (3.5)
onde:
Ui = utilidade do morador urbano "i"
Cij = são os atributos (características) do transporte urbano
A utilidade do consumidor/usuário é condicionada não só pelo
consumo, mas pelo resultado do consumo de outros agentes num processo de
interações, como o são os casos dos congestionamentos e da poluição urbana. Esta
teoria ficou conhecida com o Teoria da Utilidade Multiatributiva (ou de Múltiplos
Atributos).
(b) Teoria Sócio-Psicológica: desenvolvida a partir da crítica do homo
oeconomicus, representação típica do Marginalismo, particularmente do americano.
Rejeita o enquadramento do comportamento humano apenas nos termos do que
chamou de "lucro pecuniário", afirmando que os fatos econômicos tem a influência
dos "hábitos de pensamento" e da força das instituições condicionantes dos
indivíduos, estas, sempre em mutação e evolução. Pressupõe a influência do
ambiente social na determinação do comportamento humano, sendo que, os
indivíduos procuram agrupar-se na sociedade na busca da similaridade do seus
comportamentos.
(c) Teoria da Aprendizagem: a partir dos estudos iniciais sobre a
ação dos estímulos repetidos e reações condicionadas dos animais, originaram-se
diversos estudos abordando o fenômeno da aprendizagem envolvendo a capacidade
de discriminação e de esquecimento. Os conceito de impulsos, sugestões, reações e
reforço podem ser utilizados na análise dos hábitos de consumo de bens e serviços.
Estes conceitos foram desenvolvidos pela Escola Behaviorista. Segundo esta escola,
o comportamento pode ser reflexo/respondente ou operante. O comportamento reflexo
96
está vinculado diretamente a um processo de condicionamento através de estímulos
externos como a ação da propaganda. O Comportamento operante é o que exerce
influência sobre o ambiente, e é influenciado pelos "reforços" que são sinônimos de
"recompensas". Isto é, o indivíduo pode ser positiva ou negativamente recompensado
para manter ou modificar determinado comportamento. Outra teoria, a Gestalt, afirma
que o comportamento se vincula a um processo psicológico de percepção. Esta
percepção tem os seguintes postulados: (a) o todo é percebido de maneira distinta da
soma das características do seus componentes - o usuário de ônibus não "percebe"
este ou aquele atributo no serviço, mas a "soma de suas partes" - (b) no processo
perceptivo, o campo estimulatório é entendido como constituído de fenômenos,
necessariamente ligados, e não como partes isoladas, mas unidas por associação -
por exemplo, o uso do automóvel é associado comumente à status social - e (c) o
campo perceptivo é organizado e esta organização se dá da melhor forma permitida
pelo campo estimulatório, isto é, a ação da mídia é "perfeita e acabada", organizada
de tal modo a não permitir a percepção crítica e reflexiva sobre o produto que ser quer
vender. O Ato Cognitivo, segundo a teoria gestaltiana, é influenciado por "fatores de
estímulo" e "fatores pessoais". Os primeiros dizem respeito à natureza do objeto
estimulador externo, como a freqüência (apelos repetidos para o consumo),
intensidade, movimento e mudança, etc., enquanto os segundos se relacionam ao
alcance da apreensão dos indivíduos, de sua sensibilidade seletiva para determinados
elementos e aspectos parciais do objeto de consumo, que dependem de sua predispo-
sição mental para a escolha, costumes e valores morais (Lazzarotto e Rossi, 1991).
(d) Teoria Psicanalítica: baseada nos estudos de Freud, esta teoria
leva em conta a participação do inconsciente no processo de decisão e das
motivações para o comportamento individual relacionadas não só aos interesses
econômicos e racionais, mas ligados ao ego dos indivíduos.
(e) Teoria da Hierarquização: partindo de Maslow (apud Bodmer,
1984), afirma-se que o consumidor estabelece uma "hierarquia de necessidades" em
97
três níveis: necessidades físicas, sociais e da satisfação do ego - segundo uma ordem
determinada de graus de satisfação.
Como pode-se identificar, há várias Escolas e disciplinas teóricas
que estudam o comportamento do consumidor frente ao ato de consumir. Em relação
ao Transporte Coletivo de passageiros, diversos modelos estão baseados nestas
teorias, geralmente sobre as teorias econômicas e menos em relação às relacionadas
com a Psicologia Social ou Psicanalítica, que são mais difíceis de mensurar
quantitativamente.
De qualquer forma, fica evidente que podemos analisar a demanda
em transporte a partir da percepção dos usuários em relação ao conjunto de atributos
que compõe o nível de serviço ofertado. Para que a viabilidade de tal enfoque se torne
possível é necessário, em primeiro plano, definir os atributos mais significativos que se
quer investigar, e a seguir, estabelecer um procedimento metodológico adequado, não
só para sua qualificação (que as Análises Socio-Psicológicas e outras fazem
normalmente), como também para sua quantificação.
Prosseguindo nos objetivos deste trabalho, serão focalizados dois
atributos fundamentais nos estudos da demanda de transportes: o fator Tempo e o
fator Conforto, aprofundados na próxima seção.
III.3.5) O Tempo e o Conforto no Transporte Coletivo Urbano por Ônibus
Nas grandes metrópoles, o tempo de deslocamento parece ser a
variável que mais representa o agravamento e a deterioração geral das condições da
mobilidade urbana15
. Pesquisas realizadas no início da década de oitenta, por
exemplo, apontavam um gasto de tempo médio da ordem de 2 horas e 30 minutos nas
15 em 1991 a ANTP promoveu uma pesquisa sobre a imagem do Transporte Coletivo na grande São Paulo, o resultado foi o seguinte: 62% dos entrevistados
apontaram a oferta com preocupação, 15% com conforto, 13% como segurança e a tarifa com 15% das respostas.
98
viagens pendulares dos trabalhadores de São Paulo e Recife, (Lamounier &
Rodrigues, 1992). Em 1987, uma Pesquisa Origem/Destino realizada pelo Metrô de
São Paulo concluiu que o tempo médio de deslocamento no transporte coletivo ainda
era demasiado: de 140 minutos, ou 2 horas e 20 minutos. Em 1989, a Comissão de
Circulação e Urbanismo da Associação Nacional de Transportes Públicos afirmou que,
se acrescentarmos o tempo médio que um trabalhador paulista precisa trabalhar para
pagar o transporte ao tempo médio que ele necessita para fazer seus deslocamentos,
chega-se ao resultado de 3 horas e 37 minutos, considerando um salário de três
Salários Mínimos e um gasto com transporte de 12%. Este tempo foi denominado de
"tempo generalizado". Este conceito foi criado por Illich e Dupuy (apud Comissão de
Circulação e Urbanismo da ANTP, 1989) e é considerado uma estimativa mais
realística de medição do tempo gasto em deslocamentos.16
O efeito do tempo em deslocamento se faz sentir com maior
intensidade sobre aqueles setores que possuem poucas condições de aumentar sua
mobilidade através do uso de outros modos de transporte, como o automóvel. São as
camadas de baixa renda as que se submetem diariamente aos meios de transporte
coletivo. As atuais condições médias de operação do transporte coletivo associadas
ao processo brasileiro de ocupação e estruturação urbana, fazem com que os tempos
e as distâncias a serem vencidas nas viagens para o trabalho e de volta para o
domicílio sejam absurdas, implicando não só em altas tarifas mas também na
exploração das capacidades físicas e psíquicas da força de trabalho. É um verdadeiro
"empobrecimento pelo tempo" (Trani, 1986).
O tempo excessivo gasto no transporte refere-se ao tempo total de
movimento, incluindo a caminhada até as estações e, destas aos locais de
trabalho/domicílio, bem como o tempo de espera nas estações. Em todo o modo de
transportes, o tempo é conseqüência básica da rapidez da viagem (que depende da
16 dados extraídos do artigo "Não-Transporte, a Reconquista do Espaço e do Tempo Social" da Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP, Relatórios
Técnicos do 7 Congresso Brasileiro de Transportes Públicos, Rio de Janeiro, 1989, pág. 56.
99
distância a ser percorrida). Entretanto, não é em todo o modo de transporte que o atri-
buto "tempo de viagem" é o mais importante no deslocamento. No caso do Metrô de
São Paulo, por exemplo, o tempo era "dilatado" pela espera nas bilheterias e
passagem pelos bloqueios e não pela duração da viagem em si, na visão dos usuários
pesquisados (Cardoso & Pinheiro, 1989).
Especialmente no transporte por ônibus, o tempo "perdido" é
subtraído do convívio familiar, das horas de descanso para reposição de energias
gastas durante a jornada de trabalho e é também o tempo retirado das estratégias de
sobrevivência dos trabalhadores para complementação da renda, para os mutirões de
auto-construção da casa e até para compras e lazer.
Se forem analisados os tempos de deslocamento vigentes na
realidade urbana brasileira pela ótica da unidade produtiva, da empresa, pode-se ver
que o excesso de tempo repercute negativamente na produtividade, embora não
hajam dados estatísticos e estudos detalhados sobre o tema. Junto com o fator tempo,
o passageiro do transporte atribui grande valor ao conforto oferecido nos coletivos,
tendo sido este, um dos motivos mais freqüêntes nas lutas dos movimentos populares
em transporte, nos anos oitenta (Affonso, 1987).
Sob o enfoque do Nível de Serviço (NS), talvez para a maioria dos
usuários de ônibus seja o conforto aquela variável que mais facilmente é associada à
qualidade do transporte que é ofertado. Manhein (1979), trabalhando a partir da Teoria
Microeconômica, enfatizou duas premissas básicas: que o sistema de transporte não
pode ser visto com um simples sistema multimodal e que as considerações sobre um
sistema de transportes não podem ser feitas separadamente das condições sociais,
econômicas e políticas da região. Prosseguindo este raciocínio, o autor afirma que os
consumidores consideram diferentemente os atributos dos serviços de transporte
porque têm diferentes preferências e condições sócio-econômicas, afirmando que
algumas variáveis como a percepção de segurança ou conforto não são facilmente
100
quantificáveis. Manhein define a variável tempo a partir das seguintes características:
tempo total de viagem, confiabilidade (variabilidade do tempo de viagem), tempo de
transferência, freqüência do serviço e programação horária; quanto às característica
de conforto tem-se: distância de caminhada, número de trocas de veículos, conforto fí-
sico, conforto psicológico, amenidades, prazer da viagem e experiências estéticas.
Ainda sobre a variável conforto em transportes Neveu (1979), nas
conclusões sobre uma pesquisa que mapeou a percepção dos usuários sobre a
importância do conforto, conveniência e confiabilidade, trabalhou com os seguintes
atributos da variável conforto: proteção contra as chuvas, limpeza dos carros e
estações, sentimento de fadiga na viagem, controle do ambiente imediato, sentimento
de segurança pessoal e sentimento de privacidade. Vuchic (1981) define conforto
como uma das variáveis participantes da categoria "qualidade do serviço" que,
juntamente com as categorias de "desempenho dos elementos que afetam os usuá-
rios" (velocidade, confiabilidade e segurança) e "preço", definiriam os principais
elementos do que seria o conceito de Nível de Serviço. Já Santana (1984) define
conforto como "um sentimento sobre uma situação onde o indivíduo gosta ou não da
mesma. Depende de dois fatores: o primeiro é a situação ou ambiente e, o segundo é
a experiência pessoal durante a situação". Ele agrega outras características à variável
conforto, tais como: densidade de passageiros no veículo, tipo de assento, condições
de viagem de pé, temperatura, ventilação, odores, nível de ruído, vibrações, acele-
ração/desaceleração, visualização do exterior, etc.
Nesta dissertação é adotada a densidade de passageiros por
veículo ou a lotação como uma das variáveis principais para definir conforto.17
Uma definição mais abrangente e completa de tempo e conforto
como atributos essenciais para caracterizar a qualidade e o Nível de Serviço de um
sistema de transporte (metroferroviário, neste caso) é dada por Veiga (1991). Este
17 A ANTP afirma que "...a lotação do veículo é a variavel que melhor reflete o equilíbrio entre a oferta e a demanda no transporte coletivo", este equilíbrio é a
situação ideal buscada pelo conjunto de técnicas de Planejamento do transporte coletivo. Gerenciamento de Transporte Público Urbano, Instruções Básicas, Volume 1, Módulo 3: Dimensionamento de Linhas de ônibus, ANTP, 1990, pág. 23.
101
autor classifica as características que possuem influência direta sobre a variável
tempo e conforto. Elas poderiam ser genericamente adotadas para a análise da
demanda do transporte de passageiro do seguinte modo:
(a) TEMPO:
* "tempo de deslocamento no interior do veículo: o tempo gasto no
interior do veículo em deslocamento, desde o embarque no ponto de origem ao
desembarque no ponto de destino;
* confiabilidade: a variância do tempo de viagem realizada, o qual
representa o desejo do usuário em partir no horário programado e ter certeza de
chegar ao destino no horário previsto;
* tempo de transbordo: o tempo gasto nas transferências intra ou
intermodal;
* tempo de espera nas estação: o tempo gasto no ponto de parada à
espera do trem, desde a chegada à plataforma de embarque, até o momento em que o
mesmo parte da estação;
* freqüência: é a quantidade de trens que passam por uma
determinada estação em um determinado intervalo de tempo;
* programação horária: a relação dos horários de partida e chegada
dos trens nos pontos terminais;
* intervalo entre dois veículos consecutivos: é o intervalo de tempo
decorrido entre a passagem de dois trens consecutivos por uma mesma estação
determinada;
102
* tempo de acesso ao modo: tempo gasto no deslocamento do ponto
de origem (residência, por exemplo) até à plataforma de embarque da estação." e
(b) CONFORTO:
* "distância de caminhada até a estação: a distância percorrida entre
o ponto de origem até a estação;
* quantidade de transbordo: o número de transferências realizadas
intra ou intermodal, durante o deslocamento, da origem até o destino final;
* quantidade de estações intermediárias: o número de estações
existentes ao longo do trecho, nas quais o trem executa paradas;
* distância média entre estações: o comprimento médio do trecho
existente entre duas estações consecutivas;
* conforto físico: são as condições ambientais sob as quais é
realizada a viagem, expresso por: temperatura no interior do trem e estação, limpeza
dos trens e estações, proteção à exposição de intempéries, controle do nível de ruído
interno no trem e estação, disponibilidade de assento, densidade de passageiros no
interior de trem e na plataforma de embarque/desembarque, aproveitamento da
viagem para leitura, trabalho, etc.
* conforto psicológico: são as condições psicológicas percebidas pelo
usuário, como status, privacidade, etc.;
* controle de acesso: sistema de venda e arrecadação de bilhetes, o
qual permite o acesso sem dificuldade ou obstáculos"; (este item poderia ser
transposto para as estações de transbordo ou embarque com cobrança externa no
caso ônibus, p.ex.).
Além de tempo e conforto, o autor agrega as variáveis conveniência
(cobertura da rede, informações, disponibilidade, etc.), segurança e custo como
componentes básicos do Nível de Serviço. A interdependência entre estas
103
características, como o tempo de espera, o intervalo entre os carros e a programação
horária, caracterizaria a natureza dinâmica do Nível de Serviço em transportes.
Analisando os efeitos da qualidade do serviço sobre a demanda em
transporte de passageiros, o estudo The Demand for Public Transport, TRRL (1980),
aponta que, na maioria das análises, deve-se levar em conta que a percepção do con-
forto e do tempo no transporte depende, também, de outros fatores externos ao
serviço em si. Depende do tipo de passageiro quanto à idade, sexo, incapacidade,
estágio no ciclo de vida ou grupo sócio-econômico; quanto ao tipo de viagem pelo
motivo, duração, hora do dia, se é regular ou ocasional, se é usado transporte público
ou não. Assim, diferentes tipos de usuários, viagens ou clima condicionarão diferentes
prioridades quanto ao transporte. Também porque a combinação de vários tipos de
usuários varia nas diferentes horas do dia, em tese cada categoria tem percepção
própria do valor do tempo e do conforto.
É relevante mencionar que nos programas de qualidade e
produtividade, que vêem crescentemente sendo implantados nas empresas
operadoras e órgãos de gerência, os atributos conforto e tempo de viagem aparecem
com valores significativos de preocupação dos agentes envolvidos no sistema de
transporte coletivo urbano.
Em pesquisa de âmbito nacional finalizada em 1993, (Comissão
Técnica de Qualidade e Produtividade da ANTP, 1993), concluiu-se que 28% das
empresas operadoras privadas entrevistadas, consideram a lotação do veículo um dos
cinco principais indicadores de qualidade, enquanto a limpeza de ônibus e terminais
tem 64% das respostas e a duração total da viagem, 12%. Já para as empresas
operadoras públicas, a lotação do veículo tem 22,2% das respostas e a variação do
tempo de viagem 11,1%. Para as empresas metroferroviárias, a lotação dos carros é
considerada por 30% das entrevistadas (em quarto lugar) e a duração do tempo de
viagem tem 20% das respostas. Outro dado interessante da mesma pesquisa é o fato
104
de que, das 55,5% do total de empresas públicas que utilizam indicadores para aferir o
andamento dos programas de qualidade, metade delas utilizam o índice "média de
passageiros por veículo", que se relaciona com o atributo "lotação do veículo"
(conforto). Para os próprios trabalhadores rodoviários do Distrito Federal entrevistados
(480 trabalhadores), 58,1% declararam ser um problema a excessiva lotação dos
veículos (Comissão Técnica de Qualidade e Produtividade da ANTP, 1993).
A busca do peso relativo que as diversas categorias de usuários
atribuem aos vários níveis constantes do nível de serviço ofertado é essencial para os
programas de qualidade. Pois, o primeiro postulado da qualidade é a busca constante
dos fornecedores (operadores) pelo atendimento da satisfação dos clientes (usuários).
Todas as propostas de modernização do gerenciamento e da produção dos serviços
de transporte público, segundo Lindau & Rosado (1993), deve passar por um
entendimento claro do que os usuários em potencial querem, como principal elemento
no cenário da qualidade.
III.3.5.1) O problema da quantificação dos atributos
Um dos principais problemas, no Planejamento de transportes, é a
dificuldade de mensuração dos itens do Nível de Serviço ao usuário, que influenciam a
demanda por transportes, particularmente o tempo de viagem e o conforto. Tanto as
pesquisas de Avaliação do serviço, quanto as pesquisas de Expectativa, apenas
elencam e hierarquizam os valores de cada atributo ou variável do nível de serviço. A
metodologia adotada por Cardoso & Pinheiro (1989), por exemplo, em relação ao
Metrô de São Paulo, evolui para a definição de um Índice de Avaliação (escala de 1 a
5) e pondera o resultado através de um Índice Relativo. O Índice de Avaliação consiste
na diferença entre as proporções de opiniões positivas (bom e muito bom) e negativas
(ruim e muito ruim), desprezando-se as neutras (resposta indiferente), enquanto que o
105
Índice Relativo é o quociente (a proporção) entre o Índice de Avaliação de cada
atributo (lotação, limpeza, iluminação, ventilação, etc.) e o Índice de Avaliação médio
do conjunto da variável (conforto). Nesta pesquisa (realizada pelo Metrô de São Paulo
em 1989), no conceito Conforto a lotação de trens foi o atributo que mais interferiu
negativamente na avaliação geral, obtendo um Índice Relativo de -51, para um índice
médio positivo de avaliação de 33.
Outras metodologias utilizam o marco referencial dado pelas teorias
da Psicofísica, que abordam as relações entre os estímulos e as respostas dos
usuários (Faria, 1985). Estas teorias entendem a percepção do usuário como função
das características do estímulo, do estado psicológico e do mecanismo fisiológico de
quem recebe. A atitude dos usuários é abordada segundo seu aspecto cognitivo,
comportamental e afetivo, que devem apresentar coerência entre si. Para que se
tenha uma atitude em relação à um objeto, é necessário que se tenha alguma
representação cognitiva do objeto. Esta representação pode ser captada
quantitativamente através de Escalas de Atitudes, que consistem em instrumentos de
auto-avaliação, cujo objetivo é posicionar a pessoa num contínuo que varia desde a
atitude extremamente favorável à determinado objeto, até a atitude extremamente
desfavorável. Estas técnicas quantificam a importância de determinada variável do
Nível de Serviço em relação as demais e não propriamente o valor monetário destes
atributos.18
Já segundo o estudo The Demand for Public Transport , TRRL
(1980), vários motivos contribuem para a definição quantitativa. Entre eles pode-se
citar:
(a) os passageiros tendem naturalmente a identificar os aspectos da
viagem como sendo importantes quando a magnitude de sua variação é grande, por
exemplo, o tempo dentro do veículo é mais provavelmente julgado como importante
18 a aplicação das Escalas de Atitudes pode ser melhor analisada na pesquisa realizada por Faria (1985), onde foram analisadas a percepção dos usuários
quanto ao tempo de viagem, ao desempenho do sistema e ao conforto, nas cidades de Araraquara, Uberlândia e São Carlos.
106
quando é mais longo que o esperado, para o operador, entretanto, interessa saber o
efeito no comportamento dos passageiros de pequenas mudanças, mais fáceis de
fazer que grandes alterações;
(b) na definição de uma hierarquia entre diferentes fatores, o
passageiro tende a escolher baseando-se na possibilidade realística de melhoria em
cada atributo ou variável. Por exemplo, se a confiabilidade é colocada em primeiro
lugar, ele mentalmente compara a obtenção de um serviço completamente confiável
com pequenas mudanças nas tarifas. Entretanto, raros são os estudos que perguntam
ao usuário para relacionar melhorias nos atributos relacionadas a acréscimos ou
decréscimos correspondentes em outros como a freqüência ou tarifas;
(c) a aparente importância de um atributo pode não referir-se,
simplesmente, ao "tamanho" mas ao "valor" do atributo, por exemplo, o usuário pode
rejeitar um tempo de espera de dez minutos mais que uma viagem de mesma
duração, isto significa que, apesar do tempo físico ser o mesmo, a "valorização" do
tempo de espera é maior, geralmente o dobro;
(d) diferentes tipos de usuários estão relacionados à diferentes
importâncias de vários aspectos da qualidade. Deve haver uma correspondência,
neste caso, entre os estudos qualitativos e os valores ou magnitudes encontradas
pelos modelos quantitativos. Por exemplo, usuários de renda mais alta tendem a va-
lorizar mais a qualidade do serviço mensurado pelo tempo de viagem, enquanto que
os usuários de baixa renda atribuem um peso maior para o nível das tarifas que pode
ser mensurado pelo custo da viagem; os usuários que viajam regularmente entre a
moradia e o trabalho ou escola (commuters) valorizam o "não atraso" na viagem para
o trabalho, mensurado através do tempo de viagem e da confiabilidade; e
(e) em alguns casos, os usuários podem descrever um aspecto
particular como importante por causa do "conteúdo emocional" da palavra, como
"segurança", mesmo que este atributo contribua pouco para sua escolha no momento.
107
A relação entre demanda e níveis de conforto, particularmente
quando se trata da freqüência dos serviços e das tarifas, também tem sido aferida por
estudos que calculam a elasticidade entre estas variáveis e os níveis de demanda. A
elasticidade é um número que representa o impacto da variação em uma variável
independente em relação a uma variável dependente (é medida de sua sensibilidade,
portanto), geralmente a demanda por transporte. Se o valor for negativo, há uma
relação inversa entre as variáveis; se for positivo, uma relação direta. Por exemplo, se
a elasticidade da demanda em relação a tarifa (var. independente) for -0,3 então para
cada acréscimo de 1% nas tarifas a demanda diminuirá 0,3%. Também é utilizada
para descrever a relação entre a demanda, que pode ser representada
matematicamente por uma função, e fatores não ligados ao serviço, como a
propriedade de veículo particular ou o nível de renda do usuário. Quando ela relaciona
a demanda de um meio de transporte com atributos de outro modo, é denominada de
"elasticidade cruzada" (cross-elasticity), em relação ao um mesmo modo é chamada
de "elasticidade direta". A elasticidade descreve relações, sensibilidades mútuas,
porém não quantifica a "magnitude" ou o "peso" dos diversos atributos que compõe o
conforto, por exemplo.
Ainda em relação à mensurabilidade do conforto, outros estudos
atribuem arbitrariamente valores e rankings para definir o nível de serviço. Um deles é
o de Alter (1993), ao afirmar que a "densidade de passageiros" (lotação) pode ser
hierarquizada em 6 níveis distintos de serviço (qualidade), sendo que o ideal é a
proporção 1:1 entre número de assentos e passageiros, este é o nível A. Os demais
níveis dependem da qualidade do assento (estofados são melhores que assentos
"moldados") e de um índice de ocupação (m2/pessoa) que vai de 0,46 m2/pessoa para
o nível C; 0,18 a 0,46 m2/pess. para o nível D (até 110% da lotação sentada); 0,19 a
0,28 m2/pess. para o nível E (até 125% da lotação sentada); 0,19 m2/pess. ou menos
e para o nível F correspondendo, também, a até 125% da lotação de sentados. Este
autor, como os demais, também não propõe uma metodologia para obter-se o valor
108
monetário em si do atributo conforto medido pela importância que o passageiro atribui
aos diferentes níveis de lotação no veículo.
Em relação à variável tempo de viagem, tenta-se estabelecer o que
em média uma pessoa se dispõe a pagar pelo gasto de tempo. O valor a ser
considerado depende das circunstâncias particulares e das escolhas disponíveis para
o passageiro. Nas viagens por motivo trabalho, o valor é equivalente a 25% até 50%
do salário médio do usuário, enquanto que na viagem à negócios ou trabalho o valor é
igual ao salário por hora (TRRL, 1980). Este valor pode variar em períodos de pico,
quando é maior, e períodos fora do pico. Similarmente supõe-se que o valor do tempo
gasto em situações desconfortáveis como o tempo de espera ou viagens com
desconforto seja maior. O valor do tempo também é utilizado dentro dos Modelos
Gravitacionais, quando quer se determinar a "impedância" ou "custo generalizado", em
substituição à distância entre dois pontos, para demonstrar a resistência ao
deslocamento. Neste caso, o valor do tempo entra como uma variável independente
na função, como no exemplo simplificado abaixo:
CG = w1.c + w2.tv + w3.tE (3.6)
onde:
CG = Custo Generalizado, em valores monetários
c = custo direto de viagem (realização da viagem)
tv = tempo gasto dentro do veículo
tE = tempo total de espera e transferência
w1,w2 e w3 são os pesos (coeficientes) das variáveis
Nesta expressão, o parâmetro w2 seria igual ao custo atribuído a um
minuto do tempo do usuário (que ele estivesse disposto a pagar) e w3 igual ao dobro
de w2 (Novaes, 1986).
109
Segundo o Banco Mundial (Armstrong-Wright, 1986), nos estudos de
viabilidade econômica de diferentes sistemas, para os países ditos "em
desenvolvimento", o principal benefício para o usuário é o ganho de tempo nas via-
gens. Outros benefícios como a conveniência, conforto, segurança e a redução do
impacto ambiental necessitam ser considerados, mas para serem considerados
necessitam de estudos de viabilidade específicos. Neste caso, a magnitude dos
benefícios depende do número de passageiros e o valor definido para os ganhos de
tempo. Segundo este autor, algumas autoridades consideram que não se deve atribuir
um valor monetário ao tempo ganho em viagens que não sejam por motivo “negócio”,
enquanto outras sugerem que seja equivalente a 25% até 30% da renda ganha. Para
as viagens motivo-trabalho, sugere-se a adoção do valor do tempo com equivalência
integral à renda. O autor recomenda, por fim, que se adote um valor do tempo
equivalente a 50% dos salários médios.
Partindo desta suposição, Armstrong-Wright relaciona, com base nos
ganhos de tempo, qual seria a renda anual necessária por pessoa, onde o valor do
tempo ganho (com sistemas mais modernos) se equiparasse ao valor extra (tarifa) de
implantação e operação do novo sistema, por passageiro, por dia. A conclusão é de
que a cada dólar de aumento da tarifa (em viagens completas de 10 km), o valor do
tempo ganho proporcionalmente (considerando o valor de uma hora de viagem como
metade da renda no mesmo tempo), seria igual a US$ 1,00 para uma renda de US$
4.000/ano. Ou seja, para usuários até esta faixa de renda os ganhos líquidos seriam
nulos pois o custo adicional da nova tecnologia se igualaria ao tempo ganho, acima
desta renda os ganhos com a economia de tempo passam a ser maiores que os
aumentos proporcionais das tarifas. Em outro estudo do Banco Mundial, Armstrong-
Wright & Thiriez (1987), afirma-se que onde altas rendas induzem ao aumento da
utilização dos veículos privados, os usuários geralmente estão dispostos a pagar mais
por níveis de conforto, por outro lado, onde os usuários estão dispostos a sacrificar
conforto em troca de baixas tarifas, os serviços tendem a níveis inferiores de qualidade
110
Como conclusão da abordagem sobre o problema do Tempo e do
Conforto no Transporte Coletivo de passageiros pode-se afirmar que:
(a) estes atributos ou aspectos de uma viagem típica são
extremamente importantes, se considerada a função social e o transporte como um
bem público, pois representam maior ou menor qualidade de vida para o usuário, bem
como, influenciam na sua disposição para a produtividade a nível da produção
econômica e para o desempenho das demais atividades essenciais ao ser humano
como é o caso do tempo "roubado" ao convívio familiar, ao lazer, à cultura, etc.;
(b) a despeito de sua importância, raramente o planejamento do
transporte elaborado pelos técnicos, de um lado, e a compreensão do cidadão comum,
por outro, têm meios e capacidade para quantificá-los monetariamente com certa
precisão, pois em última instância, representam custos que são, na maioria das vezes,
socializados em detrimento daqueles usuários cativos do transporte público e em
benefício do transporte privado individual; e
(c) os modelos quantitativos tradicionais, as técnicas de pesquisa de
opinião e as teorias de transporte, ou arbitram seus valores, ou os consideram
somente a nível qualitativo (quando os consideram); se faz necessário, portanto, a
investigação de outras técnicas capazes de captar a percepção real do usuário e a
partir daí, reorientar a intervenção das políticas públicas e privadas no setor. A
utilização das técnicas de Preferência Declarada procuram preencher estas
necessidades.
III.3.6) Qualidade da vida e o Transporte Coletivo
Robbins (1979), afirmou que a locomoção e a mobilidade são, por
excelência, os "índices de vida civilizada". Também, que viajar era uma coisa boa em
111
si mesmo, o oposto das teses do "não-transporte". Robbins associou, assim, quali-
dade de vida com taxa de mobilidade: "... o modo como o transporte (ou os diferentes
modos de transporte) pode afetar, na prática, a qualidade de vida nas cidades. O
conceito de "qualidade de vida", de que muito se tem falado ultimamente, exige um
esclarecimento, a fim de se chegar a um consenso maior sobre a idéia que a
expressão encerra. Tentei demonstrar que a mobilidade, talvez melhor, a facilidade de
acesso, é um elemento importante"19
.
Passados quase vinte anos desta afirmação, o conceito de
"qualidade de vida" foi ampliado consideravelmente englobando um conjunto de
fatores associados geralmente à qualidade do meio ambiente, particularmente do meio
ambiente urbano. Segundo Balassiano et alii (1993), a qualidade de vida pode ser
influenciada por diversos fatores, depende da percepção individual das pessoas, do
ciclo de vida em que se encontram, de uma comunidade para outra, e de um grupo
ecológico para outro. Qualidade de vida poderia ser entendida, portanto, como a
resultante das condições materiais, culturais, espirituais e outras, que possibilitam, ou
ao menos favorecem, a conquista de um estado de bem estar geral. Assim, quanto
maior a qualidade de vida, maior os níveis de bem estar pessoal e coletivo.
O conceito tradicional que o aumento da mobilidade e acessibilidade
melhoram a qualidade de vida permanece válido. Porém uma abordagem mais
holística e globalizante permite ver, agora, uma série de "efeitos colaterais" da
melhoria do transporte, tais como: problemas à saúde, desconforto, irritação,
frustração, medo, intimidação, abalo psicológico, fadiga, exposição ao risco, perda de
vidas, atrasos, degradação ambiental, etc. Considerando que os diversos agentes
envolvidos no transporte mudam constantemente de papel no meio urbano (motoristas
se tornam passageiros eventuais, pedestres se tornam motoristas), gerando um
conflito permanente de interesses, é difícil estabelecer ganhos absolutos na qualidade
de vida na ótica do transporte. Estes autores propõe que a contribuição relativa à
19 ROBBINS, R. (1979). O Transporte Público e a Qualidade de Vida nas Cidades. Revista dos Transportes Públicos, ANTP, Ano 1, n. 4, São Paulo.
112
oferta de transportes na qualidade de vida seja o valor teórico obtido a partir da soma
de todas as externalidades positivas e negativas percebidas pela comunidade,
ponderadas pelo número de pessoas afetadas e pelo grau de sensibilidade das
mesmas em relação aos impactos verificados.
Caso se adote o raciocínio a partir do entendimento da qualidade de
vida como obtenção de níveis mais altos de satisfação e bem estar coletivos, e se for
considerado que não só os "impactos das externalidades" são importantes, mas os
efeitos que o transporte causa sobre seus próprios usuários diretamente, pode-se
complementar a argumentação com os efeitos "internalizados" no próprio sistema de
Transporte. Sob este modo de ver o problema, os atributos que expressam a
qualidade do serviço - como aqueles objeto desta dissertação - o tempo e o conforto,
passam a ser tão importantes quanto os efeitos "externos" para determinação da
qualidade de vida urbana.
Torna-se necessário, não só para renovar os tradicionais estudos de
custo/benefício nesta área, mas para avaliar precisamente os impactos "endógenos"
do transporte na qualidade de vida urbana, a utilização de metodologias baseadas no
comportamento dos indivíduos, que objetivem a quantificação das variações destes
atributos. Pode-se comparar, por exemplo, o valor que os usuários atribuem ao
conforto e estão dispostos a pagar para incrementá-lo, e o impacto quantitativo e
qualitativo positivo, nas condições gerais de qualidade de vida individual e coletiva.
113
CAPÍTULO IV
{ TC "CAPÍTULO IV" \f C \l "1" }
O TRANSPORTE COLETIVO URBANO EM PORTO ALEGRE{ TC
"O TRANSPORTE COLETIVO URBANO EM PORTO ALEGRE" \f C \l "1" }
IV.1) Consideração Iniciais.{ TC "IV.1) Consideração Iniciais." \f C
\l "2" }
Em 1900 Porto Alegre contava com 73 mil habitantes e um ativo
parque industrial que crescia em função do mercado próximo e da integração com o
mercado nacional. Em 1914 iniciava a construção do cais do porto, em 1940 é aberta
a avenida Farrapos e desde 1937 começam a ser construídas e pavimentadas as
principais estradas metropolitanas. A abertura da Av. Farrapos (já prevista pelo Plano
Maciel de 1914) foi particularmente importante, porque induziu a ocupação do eixo
norte da cidade e pela ligação com a BR-116, construída em 1938, propiciou me-
lhores condições para o uso industrial do solo lindeiro à via.
Na primeira metade deste século, diversas vias foram alargadas com
a Protásio Alves, Borges de Medeiros, Azenha e João Pessoa, outras foram
pavimentadas, Voluntários da Pátria, Lima e Silva e Demétrio Ribeiro, por exemplo. No
final deste período, as indústrias se deslocam, em função das cheias (1941), para o
Passo D'Areia (Assis Brasil), mantendo seu funcionamento ao longo do eixo norte.
Deve-se considerar que a cidade se pré-figura e estrutura-se, a partir do sistema
viário: um sistema de radiais em forma de leque e perimetrais, fazendo com que a
influência do desenho viário abrangesse (e definisse) toda a mancha urbana. Pela
ocupação peninsular original, não havia outra alternativa para a evolução viária e
114
urbana, não é por acaso que a 1a. Perimetral, executada nos anos setenta, tenha sido
prevista em 1858 pelo Eng. Heydtmann (Souza & Müller, 1978).
A evolução de Porto Alegre pode ser entendida nos argumentos de
Martin & Echenique (1975), a trama de ruas e parcelas que compõe uma cidade é
como uma rede situada ou fixada sobre o território. Isto pode ser denominado de "a
trama da urbanização". “Esta trama segue sendo o fator de controle da forma em que
nós a construímos, tanto se é artificial, regular e preconcebida, com orgânica e
distorcida, por acidentes históricos ou o crescimento natural. A forma que construímos
pode tanto limitar, como abrir novas possibilidades a forma na qual nós elegemos para
viver”. Segundo estes autores, a configuração da trama viária é uma espécie de
"tabuleiro" sobre o qual se estabelecem as regras do "jogo urbano". Resta à habilidade
dos jogadores (os Atores Sociais Urbanos), em tirar melhor proveito do traçado pré-
existente, seja ele ortogonal ou orgânico. Segundo os autores, a malha urbana em
condições ideais não deve significar uma restrição para a expansão urbana, por ex-
tensão do perímetro ou intensificação do uso do solo.
Porto Alegre parece confirmar a idéia do traçado como ordenador
urbano, principalmente se for considerado os primeiros caminhos radiais a partir da
península de ocupação central e inicial, ligando arraiais ao povoado, fluxos iniciais de
mercadorias e habitantes. Foi por estes eixos que a cidade se estruturou, e os ca-
minhos de então se tornaram os corredores urbanos, pólos horizontalizados na
cidade, onde a pressão por acesso aos mercados, verticalizou boa parte das
edificações, ao longo dos pólos iniciais da Azenha, 4o. Distrito, Assis Brasil, Baltazar
de Oliveira Garcia, Independência, etc...
A partir do pós-guerra, Porto Alegre consolida progressivamente
seu perfil metropolitano, a população que em 1950 era de 380 mil habitantes passa,
em 1960, para 626 mil, 885 mil em 1970 (auge da migração: 81% são migrantes), 1,1
milhão, em 1980, e em 1991, a Capital atinge 1,28 milhão de habitantes, diminuído o
115
ritmo de crescimento dos anos sessenta e setenta. É neste período que vão se
implantar ou readequar, face à demanda por moradia, as principais redes de infra-
estrutura e equipamentos urbanos. O sistema viário estende sua influência em áreas
ganhas ao rio, áreas saneadas e áreas interligadas, que antes eram de difícil acesso,
devido às condições topográficas. Foi nesta época que muitas indústrias começaram a
se expandir ao longo da BR-116, no eixo norte metropolitano, enquanto formavam-se
núcleos comerciais fortes na Assis Brasil.
A cidade se expandiu através de loteamentos quase sem a
interferência do Estado, muitos em lugares impróprios para moradia, com deficiência
de serviços de infra-estrutura urbana, inadequação da estrutura viária e precariedade
dos serviços de transporte. Ao longo dos anos 50, diversas leis de loteamentos (lei de
Porto Alegre data de 1954), encareceram o preço da terra urbana em Porto Alegre,
forçando a ocupação periférica pela população de baixa renda nos municípios
vizinhos, assim, a expansão a partir da metade dos anos cinqüenta aumenta na di-
reção leste-nordeste, em Viamão (Vila Passo do Feijó/Alvorada) e Gravataí (Distrito de
Cachoeirinha) (Carrion, 1989). O padrão de ocupação determinado pelo sistema viário
radial e pelas condições topográficas do sítio escolhido, marcou o tecido urbano com
grandes "vazios" desde o século XIX. Estes "vazios urbanos" ainda hoje são um
problema, particularmente para o sistema de transporte em algumas áreas da zona sul
da cidade, menos densamente povoadas. Segundo Oliveira et alii (1989), a área
central de Porto Alegre poderia abrigar até 60% da população de sua periferia, além
disto, deve-se reconhecer que os vazios urbanos não decorrem só de condições
topográficas-históricas, mas do processo de concentração e valorização fundiária: 1%
dos proprietários detém cerca de 50% dos Vazios Urbanos em Porto Alegre.
116
IV.2) Os Transportes e o Modelo Urbano{ TC "IV.2) Os
Transportes e o Modelo Urbano" \f C \l "2" }
O Transporte Coletivo em Porto Alegre iniciou com a primeira linha
de bonde com tração animal, em 1864, fazendo a ligação entre a atual Avenida João
Pessoa e o bairro Menino Deus, partia do aterro da Praça do Quartel (Praça
Argentina), seguia pela rua da Várzea (João Pessoa), Azenha, Botafogo, Getúlio
Vargas com terminal em frente à igreja Menino Deus (esq. da Getúlio Vargas com
José de Alencar). Em 1873 a concessão foi dada à Companhia Carris de Ferro
Portoalegrense e, em 1888, com quatro linhas, os bondes transportavam 40 mil
pessoas, mensalmente. Em 1906 os bondes passaram a ter tração elétrica e, em
1928, tem-se o primeiro decreto regulamentando o serviço de ônibus na capital, que
só vieram a superar os bondes definitivamente nos anos sessenta (Canton, 1993). Em
1963, 105 bondes transportavam 46% dos usuários e 800 ônibus e microônibus já
transportavam 54% da demanda existente. Dez anos após, em 1974, 66,5% das
viagens eram feitas por ônibus, 27,5% com automóvel privado, 1,56% táxis e 1,3% a
pé, os bondes já haviam passado para a memória da cidade desde o ano de 1970.
A expansão do sistema por ônibus atendia, sobretudo, as zonas mais
periféricas ou acidentadas, enquanto os bondes se limitavam às áreas mais centrais.
A ocupação periférica de zonas residenciais, que acompanhavam a intensificação da
industrialização, foi um dos principais fatores de expansão do ônibus na periferia, ao
longo do eixo Norte. Na Assis Brasil, este processo foi particularmente importante para
consolidação das moradias de baixa renda. Enquanto a frota de ônibus aumentava
cerca de 1.400% (1948/60) e surgiam 13 novos itinerários (1950/54), o maior número
117
de loteamentos residenciais em Porto Alegre ocorreu exatamente no mesmo período,
diminuindo com a Lei de Loteamentos de 1954 (Carrion, 1989).
Atualmente, diferentes modalidades de transporte operam em
Porto Alegre e em sua Região Metropolitana, pode-se classificá-las em dois tipos
básicos (Turkienicz et alii, 1994):
(a) sobre trilhos: o TRENSURB, trem metropolitano de superfície que
atende o eixo norte da RMPA, operando desde 1985, com capacidade para 300 mil
passageiros/dia atende atualmente uma demanda bem inferior. Futuramente a linha
atual será estendida até a cidade de São Leopoldo e há estudos iniciais para eventual
criação de um ramal ao nordeste ao longo da Assis Brasil; ainda há o Aeromóvel, que
trafega em via elevada e em trecho experimental com estudos para sua implantação
inicial ligando o Centro da cidade ao bairro Azenha para estimular o desenvolvimento
urbano na orla do rio próxima ao Centro e ao longo da Avenida Ipiranga, o projeto está
parada há anos por falta de recursos;
(b) sobre pneus: são dois sistemas operando no transporte coletivo:
ônibus e táxi-lotação. Este último tem funcionado como serviço ora alternativo, ora
complementar aos ônibus conforme as condições operacionais, hora do dia ou iti-
nerário, operam com veículos de 17 lugares e em condições de tráfego misto. Estima-
se que o sistema de Táxi-lotação possa transportar cerca de 2.000
pass./h/faixa/sentido de deslocamento. O sistema de ônibus tem itinerários,
freqüências, tarifas e condições operacionais determinadas e fiscalizadas pelo Poder
Concedente, a Administração Pública Municipal. Os ônibus operam de diversas formas
em relação ao direito de circulação viária. Em vários corredores radiais eles trafegam
com direito segregado de circulação. Estes corredores são obtidos com a introdução
de faixas exclusivas junto aos canteiros centrais das avenidas, como no caso das
cidades de Curitiba, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. A circulação dos ônibus fica
longitudinalmente separada dos demais veículos sobre rodas, os cruzamentos são em
118
nível e não existem barreiras físicas intransponíveis para os pedestres que atravessam
as avenidas. Como nos Corredores de ônibus das Avenidas Farrapos, Assis Brasil,
Protásio Alves, Bento Gonçalves, Érico Veríssimo e João Pessoa com cerca de 30
quilômetros de linhas. Particular destaque possuem os Corredores Farrapos (4,7 Km)
e Assis Brasil (4,9 Km) por possuírem velocidades operacionais elevadas - cerca de
19 e 21 Km/h - associadas a capacidades elevadas acima de 250 veículo por
hora/sentido no pico da tarde. O sistema de Porto Alegre realiza cerca de 610 mil
viagens mensais distribuídas em 245 linhas convencionais (radiais) mais 7 linhas
transversais e 1.500 veículos que percorrem cerca de 8,4 milhões de quilômetros
mensais transportando cerca de 25,3 milhões de passageiros/mês. A relação habi-
tante/automóvel é significativa, em 1991 havia 474 mil veículos registrados para 1,2
milhão de habitantes. A taxa de motorização no período 1970/1990 cresceu 387% em
Porto Alegre. A frota de veículos cresceu significativamente na capital, como pode-se
observar no gráfico a seguir
Gráfico 1
Evolução da Frota de Veículos em Porto Alegre{ TC "Gráfico
1 - Evolução da Frota de Veículos em Porto Alegre" \f E \l "1" }
119
Fonte: Turkienicz et alli (1994)
As duas tabelas a seguir mostram uma comparação geral entre o
transporte por ônibus e Lotação e a desproporção existente entre o transporte radial e
o transversal, em termos de oferta e demanda dos usuários.
Tabela 1 Serviço de ônibus e Lotação em Porto Alegre{ TC "Tabela 1
Serviço de ônibus e Lotação em Porto Alegre" \f F \l "1" }
Serviço\modo ônibus lotação
Empresas 15 277*
linhas 245 40
Viagens/dia 10.520 4.913
Pass./dia 1.034.720 53.630
Frota 1.450 403 Fonte: SMT/SECAR (1993) * número de permissões
Tabela 2 Oferta e Demanda de Transporte em Porto Alegre{ TC "Tabela 2
Oferta e Demanda de Transporte em Porto Alegre" \f F \l "1" }
120
Oferta-Demanda\linhas L.radiais L.transversais Oferta atual
90% 10%
Demanda atual
70% 30%
Taxa Cresc. a.a.
1,5% 5%
Fonte: PMPA, SMT/SECAR (1993)
A próxima tabela exemplifica a evolução da demanda nas linhas
transversais, desde 1988. De um modo geral, são as linhas que mais crescem na
cidade. Observa-se que a T1, T5 e T6, com influência no Eixo norte apresentam altas
taxas de crescimento anual.
Tabela 3 Evolução da demanda nas linhas Transversais{ TC "Tabela 3
Evolução da demanda nas linhas Transversais" \f F \l "1" }
linha 1989 1990 1991 1992 1993 T -0,7% 4,4% -9,4% -2,1% -2,2% T1 -4,4% -0,6% 3,8% 5,3% 0,8% T2 -2,8% 1,1% 4,4% 13,9% 7,2% T3 -2,6% 2,8% 3,7% 0,7% 1,8% T4 -3,9% 4,1% 4,1% -2,0% -2,2% T5 n.d. n.d. 36,5% 23,9% 11,2% T6 n.d. n.d. 14,1% 12,9% 6,2%
Fonte: Carris (1994)
Os projetos urbanísticos para Porto Alegre possuíram todos um
cunho viarista, seja na abertura de novas vias, na pavimentação ou em novas
soluções de tráfego, a preocupação com o aspecto da circulação urbana foi uma
constante. Assim foram as de Heydtman (1859), o "Plano de Melhoramentos" de
Maciel (1914) e o "Expediente Urbano" de Paiva (1943), Souza & Müller, (1978).
Todos eles tiveram um cunho setorializado, de caráter mais estético e higienista. Foi
121
somente com o Plano Diretor de 1959 (Lei 2.046), que se constituiu uma visão mais
globalizante da cidade. Entre outras políticas, o Plano de 1959 estabeleceu o zo-
neamento de uso (residencial, comercial e industrial), as reservas para áreas públicas,
definiu o sistema viário principal (radiais e perimetrais) e o regime urbanístico para os
loteamentos (altura, ocupação e aproveitamento). O Plano ficava restrito ao perímetro
fixado pela III Perimetral; mais tarde foram incorporadas outras regiões da cidade
como "anexos" ao Plano original.
Em 1979 surgia, a partir da reavaliação do Plano Diretor, o I Plano de
Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre (PDDU, 1980), pela Lei Complementar 43,
que aprofundou a linha normativa do plano anterior trazendo, subjacentemente, um
modelo de estruturação urbana baseado na multipolarização de atividades ou "modelo
policêntrico". Esta orientação teve conseqüências importantes para o sistema de
transportes na medida em que redistribuiu densidades e induziu novos traçados
viários que passaram a "transversalizar" os itinerários de transporte coletivo.
Os "Pólos de Comércio e Serviços" como foram chamados pelo I
PDDU são áreas territoriais que, pela predominância das atividades comerciais ou de
serviços, se caracterizam como espaços urbanos especializados no atendimento das
necessidades da população no seu raio de influência, ou da cidade em geral conforme
o grau de especialização de seus serviços. Entre as políticas de viabilização dos Pólos
(controle das edificações, implantação de serviços públicos, etc.), podemos identificar
a clara intencionalidade de implantar a rede viária e de transporte de forma a
proporcionar acesso adequado aos pólos, prescrevendo, inclusive, tráfego prioritário
de pedestres e estacionamentos em seu interior. Os Pólos poderiam ser ainda de
forma "linear" ou de "superfície".
Até aproximadamente 1940, o único pólo existente era o próprio
centro peninsular da cidade. A partir daí foram surgindo espontaneamente
aglomerações urbanas ao longo dos principais vias, os eixos radiais da cidade. Existia,
122
por parte do poder Executivo, a intenção de gerar efeitos aglomerativos
descentralizados, com resultados positivos sobre os custos das redes de infra-
estrutura mantidos pelo Poder Público, melhorar a qualidade de vida ao proporcionar
maior acessibilidade a bens e serviços, e tornar mais equilibrada a ocupação urbana,
equacionar melhor a expansão horizontal e a crescente verticalização central da ci-
dade. O I PDDU se propunha criar ou consolidar 35 pólos desta natureza. Muitos
locais já exerciam naturalmente certa polarização sobre o território, como é o caso da
Assis Brasil no trecho entre o Viaduto Obirici, o Centro Comercial e adjacências, ou a
Av. Azenha, por exemplo.
Em relação aos Transportes, antes do I PDDU já se elaboravam
estudos a partir do Grupo Executivo da Região Metropolitana (GERM) em convênio
com uma agência de cooperação alemã. Destes estudos resultou o Plano Diretor
Metropolitano (PDM) em 1973 que, a partir da inclusão do GEIPOT (Empresa
Brasileira de Planejamento dos Transportes), sinalizou as grandes linhas para o
Transporte Coletivo na Região Metropolitana. Em 1976, era concluído o Plano Diretor
Metropolitano de Transportes para a Região, o PLAMET, com Programas específicos:
o TRANSCOL, TRENSURB e COMET (PDM, 1973). O TRANSCOL definia o modelo
"tronco-alimentador" baseado em seis corredores de ônibus, oito linhas complementa-
res, sendo cinco transversais (T a T4), uma auxiliar, duas circulares e nove
alimentadoras de cabeceira dos corredores (terminal Bairro). As linhas transversais
interceptariam as radiais, e as circulares operariam na zona central. O TRENSURB
preconizava a criação de um modo de alta capacidade - metrô de superfície - na faixa
de domínio da antiga via férrea, para suprir a demanda do eixo norte com integração
modal nas estações, o que de fato quase inexiste passados dez anos do início da
operação. O COMET, COMET/PA (1981), tratava da implantação dos Corredores
Metropolitanos, que significava a extensão dos corredores da capital para os muni-
cípios fronteiriços. Outros projetos menores decorrentes do PLAMET foram o POI
(Projeto Operação Integrada, 1981) que implantava o modelo "tronco-alimentador"
123
somente no Corredor da Bento Gonçalves em 1982, desativado em 1987, e o
PRODESCOL, um incentivo fiscal para renovação da frota através do BRDE e com
isenção de ISSQN para os Operadores privados (Almeida,1990).
A última tentativa de Planejamento global de transportes em Porto
Alegre iniciou em 1986 através das pesquisas origem-destino (Pesquisas EDOM)
realizadas pelo Programa de "EBTU-BIRD IV" (SMT/SECAR, 1993). O principal
resultado efetivo deste Programa foi a sugestão para a implantação de três novas esta
última ainda não implantada. A extinção da EBTU, a partir de 1988, encerrou pre-
maturamente as atividades. Desde o Programa "EBTU-BIRD IV", as atividades de
linhas transversais, a T-5 (integrada com o Trensurb), a T-6 ligando o bairro Rubem
Berta com a Azenha e a T-7 ligando o Aeroporto ao Terminal Antônio de Carvalho,
Planejamento de Transportes (ou de Planejamento Urbano com ênfase em
Transportes) tem um caráter episódico e eventual, focalizando aspectos não menos
relevantes para o transporte, embora parciais e localizados como a racionalização de
itinerários em algumas regiões, melhoria dos sistemas de controle, refinamento do
cálculo tarifário, etc.
Estes Projetos e "princípios" de desenvolvimento urbano vêem
orientando a ação do Poder Público e condicionando a atuação dos Operadores
privados de transporte desde então. Não cabe aqui aprofundar o mérito destas
propostas, entretanto parece clara a dissociação, inclusive temporal, entre o "grande"
planejamento estratégico de transportes e o planejamento urbano-regional global da
cidade e RMPA. Alguns autores entendem que a orientação básica do PLAMET, como
pressuposto teórico e realização concreta através dos corredores de ônibus, reforçou
a estrutura urbano-metropolitana existente, ao utilizar, para os corredores de trans-
porte coletivo, os mesmos eixos viários historicamente mais carregados - o eixo norte
e as radiais, secundarizando, portanto, a utilização do transporte como indutor da
ocupação do espaço regional, como instrumento de planejamento urbano (Almeida,
124
1990). O PLAMET continha, segundo outros, uma tendência centralizante que foi con-
traposta pelos princípios descentralizadores do I PDDU (Pholmann, 1993).
Caso se faça um balanço dos resultados concretos do PLAMET,
quase vinte anos após sua elaboração, fica evidente que a maioria das propostas foi
implantada de maneira parcial, comprometendo o Planejamento realizado. Por
exemplo, a eficácia esperada na implantação das vias segregadas - os corredores -,
foi bastante reduzida pela não implementação do modelo "tronco/alimentador". Apesar
das vantagens evidentes20
, linhas paralelas e concorrentes, com terminal-bairro na
periferia, da cidade continuam se deslocando até o centro, saturando o sistema viário
e os próprios corredores, do eixo norte, além de obrigarem os usuários à transbordos
compulsórios no centro da cidade (20% dos usuários), e tempos excessivos de
viagem. Este problema contribui, também, para que o trem metropolitano mantenha
relativa ociosidade em relação à sua capacidade teórica, acarretando custos
operacionais elevados para um modal já subsidiado.
Além disso, outros fatores "externos" ao Sistema de Transporte
acabam influenciando negativamente no planejamento de transportes, tais como a
descontinuidade político-administrativa nos Governos, o desmonte da estrutura de
planejamento a nível federal, a crise financeira do Estado (déficit fiscal, endividamento
externo, descontrole administrativo), o complexo processo decisório entre as Pre-
feituras da RMPA em temas de comum interesse, etc.
Apesar desta breve avaliação apontar um saldo não tão favorável
para o resultado dos Planos de Transporte e sua influência na mudança do modelo
urbano monocêntrico, algumas medidas tiveram impactos significativos na qualidade
de vida urbana em Porto Alegre. Uma delas foi a implantação dos Corredores de
ônibus que vamos analisar mais detidamente no próximo segmento.
20 segundo Pholmann (1993) se os corredores não tivessem sido implantados a frota necessária para operar naqueles itinerários seria três vezes maior para
atender à demanda atual de passageiros.
125
IV.3) Os Corredores de Ônibus{ TC "IV.3) Os Corredores de
Ônibus" \f C \l "2" }
Normalmente as cidades originadas junto à barreiras físicas difíceis
de transpor, como rios e o mar, acabam consolidando uma forma espacial monocên-
trica, particularmente se a mancha urbana evolui a partir de uma península com foi o
caso de Porto Alegre. A ocupação inicial se consolida a partir de um centro de
negócios (mercado, alfândega, administração pública, etc.), a seguir, ao longo das
vias radializadas, na forma de um semi-círculo ou em leque, por exemplo. Na medida
em que a cidade cresce, segundo os padrões do Terceiro Mundo, a população de
baixa renda é induzida à ocupação residencial periférica e a indústria
progressivamente se descentraliza buscando maiores economias de aglomeração ao
longo dos principais eixos viários. Naturalmente, o crescimento do tráfego nestes eixos
impõe custos sociais crescentes até o ponto em que o transporte público passa a ser
priorizado através do direito reservado, segregado ou exclusivo de circulação na via.
Nos países “em desenvolvimento”, dada a reduzida capacidade de investimento do
Estado, as vias priorizadas em diferentes níveis para o modo rodoviário constituem
uma solução mais funcional, pois tem reduzidos custos de implantação e manutenção
se comparadas a substituição tecnológica pelos modos metro-ferroviários. Além disso,
com a implantação de medidas de sinalização apropriadas (semáforos autuados,
p.ex.), comboios ordenados ou veículos articulados de maior capacidade, o nível
suportável de demanda pode aumentar significativamente (ver seção III-3).
A implantação de linhas de transporte de massa, radiais, como os
corredores (vias de direito segregado de circulação), acaba cristalizando a forma
espacial monocêntrica, embora o efeito do transporte sobre o uso do solo seja lento e
difuso. Quando o processo de Planejamento de Transportes segue uma lógica
diferenciada do Planejamento Urbano e Regional, este efeito é acentuado.
126
Os impactos dos corredores urbanos de transporte de massa, se-
gundo a United Nations (1993), podem ser classificados em níveis distintos: para os
usuários, para os operadores, para os não-usuários, para o desenvolvimento urbano e
"outros impactos".
(a) Usuários: são os maiores beneficiários, particularmente os
usuários do transporte público. Apesar da redução substancial do tempo de viagem,
resultado do aumento da velocidade operacional, que em algumas cidades da América
do Norte e da Europa chega a 50% (VLTs), não há evidências de transferência modal
dos usuários de automóvel principalmente, entre outros fatores, pelo conforto e
conveniência do transporte privado;
(b) Operadores: o principal impacto é a redução da frota necessária
para operar com o mesmo intervalo entre paradas (headway). Há redução de custos e
também economias de escala pois veículos de maior capacidade podem ser utilizados,
bem como melhoria da freqüência e da confiabilidade do serviço. Em Porto Alegre, o
aumento da velocidade teria sido da ordem de 40%, enquanto que, em Belo Horizonte,
a redução de consumo de óleo diesel foi de 20% com a operação nos corredores;
(c) Não-Usuários: Os não-usuários dos corredores, particularmente
os proprietários de automóveis, têm sido beneficiados pelo aumento das velocidades
nas vias onde antes havia o tráfego misto; entretanto isto só tem acontecido efeti-
vamente quando os Corredores propiciam uma transferência real do transporte privado
para o transporte público. Nestes casos as limitações à circulação de automóveis têm
sido mais aceitáveis pela população, além do que a abertura de novas vias de acesso
às zonas centrais tem limites concretos na indisponibilidade de solo urbano. Um efeito
negativo, contudo, relacionado à melhoria da velocidade dentro e fora dos corredores,
é a diminuição das segurança para pedestres, especialmente na travessia da via,
considerando que os corredores são implantados (ou induzem) o uso intensivo do
solo, portanto, com concentração de pedestres. Outros problemas relacionados à
127
tecnologia utilizada são relativos à poluição atmosférica e sonora, que podem ser
minimizados com a eletrificação dos corredores (bondes e VLTs);
(d) desenvolvimento urbano: aqui estão envolvidos uma variedade de
efeitos sobre a cidade, mas basicamente os corredores melhoram o fator
acessibilidade que produz diretamente um incremento das atividades, seja na
concentração de atividades seja na sua dispersão ao longo da malha viária projetada
e existente. Alguns projetos de vias segregadas (LRT em Manila, p.ex.) têm provocado
intenso crescimento urbano ao longo de suas rotas e aproveitado a sobre-valorização
do solo urbano para seu próprio auto-financiamento.
(e) outros impactos: um dos efeitos sociais da melhoria da
acessibilidade, através das vias segregadas, é a elevação da taxa de mobilidade da
população de baixa renda que, de outra forma a não ser o transporte público, não teria
tal oportunidade. A melhoria da mobilidade se reveste de especial importância quando
diz respeito diretamente ao acesso aos locais de emprego e de educação. Outro efeito
diz respeito aos estímulos à indústria de transportes e de engenharia civil, já que a
tecnologia dos Corredores é relativamente universalizada, não requerendo maior
dependência do capital externo.
Algumas características dos Corredores são comuns a muitas
cidades de diferentes países. No caso de Porto Alegre, a partir das diretrizes do Plano
Nacional de Viação de 1973 (Lei 5.917), do PLAMET e TRANSCOL de 1976 (já vistos
neste trabalho), e das diretrizes de circulação do I PDDU de 1979, a Prefeitura
Municipal elaborou um Programa de Ação para transportes com as seguintes linhas
básicas: racionalização do uso do sistema viário, racionalização do sistema de
transportes, restrições ao uso do veículo particular e redistribuição temporal da
demanda. A implantação dos Corredores foi o exemplo mais concreto destas políticas
(Transporte e Uso do Solo, 1981).
128
O projeto inicial dos Corredores (também chamados de Pré-
Corredores), em Porto Alegre, continha características que nunca foram executadas,
tais como, (SMT, 1980):
* terminais de bairro definidos por áreas com tratamento físico
especial, de forma a permitir a integração das linhas principais com as linhas alimenta-
doras de cabeceira;
* pontos de parada localizados ao longo dos corredores, permitindo a
transferência dos passageiros para as linhas complementares (transversais, auxiliares
e alimentadoras);
* frota de coletivos de maior capacidade, de 102 lugares;
* operação do eixo por uma única empresa concessionária
Apesar destas medidas não terem sido implementadas na sua
totalidade, os Corredores Urbanos transportam grande quantidade de passageiros
como está demonstrado na tabela a seguir:
Tabela 4 Corredores de ônibus em Porto{ TC "Tabela 4 Corredores de
ônibus em Porto Alegre" \f F \l "1" } Alegre1
Corredor Extensão(Km) Pass./dia Assis Brasil 4,9 370.000 Farrapos 4,7 310.000 João Pessoa 1,4 190.000 Protásio Alves
5,7 150.000
Bento Gonçalves
6,7 110.000
Total 23,4 1.130.0002
Fonte: SMT/SECAR (1993) 1 no pico da manhã em 1989 (Fonte: SMT/PMPA) 2 deve-se considerar a superposição de passageiros em alguns corredores complementares (Farrapos/A.Brasil,p.ex.)
129
Apesar da existência de poucos levantamentos a posteriori à
implantação dos corredores e de alguns dados existentes contraditórios, pode-se dizer
seguramente que a experiência de Porto Alegre foi bem sucedida, contribuindo com a
redução do tempo de viagem e aumento da confiabilidade para parte significativa dos
usuários e reforçando, a nível espacial, a consolidação de "pólos lineares". Embora
seja difícil afirmar com precisão, os efeitos benéficos dos corredores parecem ter
superado os eventuais impactos negativos na estrutura urbana (reforço da
"radialização").
130
CAPÍTULO V
{ TC "CAPÍTULO V" \f C \l "1" }
A MODELAGEM URBANA, O CASO DOS TRANSPORTES{ TC "A
MODELAGEM URBANA, O CASO DOS TRANSPORTES" \f C \l "1" }
V.1) Considerações Iniciais{ TC "V.1) Considerações Iniciais" \f C
\l "2" }
O objetivo deste capítulo é fornecer elementos teóricos para uma
compreensão geral sobre a problemática do uso de modelos em Planejamento
Urbano, e segundo o escopo deste trabalho, especialmente, em Planejamento de
Transportes. Não pretende-se esgotar a complexa controvérsia acerca dos
pressupostos teóricos e metodológicos que envolvem a modelagem urbana e de
transportes. Propõe-se fornecer uma "visão geral", suficiente para a compreensão
mais ampla da utilização dos Modelos Comportamentais Desagregados em Transporte
em cuja abrangência se enquadram as Técnicas de Preferência Declarada (Stated
Preference).
Há, na literatura urbana, diversas caracterizações sobre o que são e
quais as funções dos modelos. Segundo Reif (1978), os modelos podem se
entendidos simplesmente como uma representação do nosso nível de conhecimento
de uma situação concreta correspondente. Esta situação pode ser um objeto, um
acontecimento, um processo ou um sistema. Assim, a criação de um modelo supõe
uma redução do grau de variabilidade, desde o nível máximo correspondente a um
sistema real sobre o qual se constrói um modelo ao nível muito menor do próprio mo-
delo. Só são representados, no modelo, os aspectos ou propriedades relevantes da
131
situação real. A condição de relevância depende fundamentalmente dos objetivos, da
intencionalidade do pesquisador e de suas condições de observação.
Hagget e Chorley (1971) definem os modelos como aproximações
seletivas que, graças a eliminação de detalhes episódicos e circunstanciais, permitem
apreender de forma global alguns aspectos fundamentais, relevantes ou interessantes
do mundo real.
Segundo Echenique (1975), se supõe que a realidade pode ser
conhecida através de processos de observação e abstração, mas estes processos são
subjetivos na medida em que o observador - ao fazer suas observações - possui
certas intenções e usa seus próprios sentidos para avaliar a realidade. Ou seja,
supõe-se a existência de uma única realidade totalizante e intrínseca e diversas
"realidades" parciais que dependem de cada observador e suas intenções. Os
problemas para os quais se desenha um modelo determinam as caraterísticas parciais
a serem escolhidas, neste caso a própria escolha do objeto de estudo também revela
uma intencionalidade do observador.
Um modelo deve ser suficientemente simples para sua manipulação
e compreensão por parte de quem o usa, suficientemente representativo em toda
gama de implicações que possa ter e suficientemente complexo para representar fiel-
mente o sistema estudado (Chorafas, 1965 apud Echenique, 1975).
A respeito das funções dos modelos Reif (1978) e Echenique (1975),
baseando-se em Hagget e Chorley (1971), sistematizam da seguinte forma:
(a) função psicológica: ao possibilitar a visualização e compreensão
de determinados grupos de fenômenos que não são abordados de outro modo por
causa de sua complexidade ou magnitude;
(b) função de assimilação/aquisitiva: o modelo fornece um marco de
referência estrutural em que se pode definir, recolher e ordenar uma grande
quantidade de informações;
132
(c) função lógica: ao contribuir para explicar a mecânica de
funcionamento de um fenômeno concreto;
(d) função normativa: no sentido de que proporciona uma visão da
realidade possível de ser comparada com outros fenômenos mais familiares ou
conhecidos.
Ainda pode-se atribuir uma função de: sistematização - visão da
realidade como sistemas interconectados; cognocitiva -, ao promover a comunicação
de teorias e idéias científicas e finalmente, uma função construtiva - ao se constituírem
em pontos de apoio nos processos de elaboração de leis e teorias.
Quanto à classificação dos tipos de modelos, Echenique (1975)
sugere uma sistematização ampla, utilizada também por outros autores. Os modelos
podem ser classificados segundo três condições: (a) segundo a finalidade que são
produzidos, (b) segundo os meios com os quais é produzido e (c) segundo o
tratamento do fator tempo.
A primeira condição estabelece os modelos descritivos, preditivos,
exploratórios e de planejamento. Os descritivos são fundamentais para os demais,
procuram explicar o fenômeno como ele acontece, suas interações mais relevantes.
Os preditivos procuram estabelecer uma imagem futura do sistema, podendo ser
extrapolativos (prolongamento da tendência atual) e condicionais (relações de causa e
efeito). Os exploratórios procuram predizer situações futuras pela manipulação das va-
riáveis básicas dos modelos descritivos. Os modelos de planejamento utilizam
instrumentos analógicos que simulam os efeitos no sistema de diferentes decisões
sobre suas variáveis, por exemplo, a localização de indústrias visando minimizar os
custos com transporte de matéria prima, onde o custo de transporte é uma variável
relevante. Nos modelos de Planejamento busca-se geralmente uma solução ótima
para as equações, sob certas condições ou restrições.
133
A segunda condição - os meios de construção de modelos - divide os
modelos em Modelos Físicos e Conceituais. Os Modelos Físicos representam as
características físicas da realidade por meio das próprias características ou análogas.
Eles se subdividem, então, em modelos icônicos, em que as propriedades físicas são
representadas simplesmente pela mudança (redução) de escala e os modelos
analógicos, em que as propriedades físicas são representadas por outras
propriedades mediante certos processos de transformação, como os gráficos ou a
representação de um sistema elétrico por um sistema hidráulico. Já nos modelos
conceituais as propriedades do fenômeno observado são representadas por conceitos
lingüísticos - no caso dos modelos verbais - ou por conceitos simbólicos - como é o
caso dos modelos matemáticos que, por sua vez, poderiam ser subdivididos, quanto
ao seu caráter probabilístico, em determinísticos ou estocásticos.
O modelo Conceitual Simbólico ou Matemático, segundo Reif (1978),
"consiste em um grupo de equações cuja solução explica ou prediz mudanças no
estado do sistema...são de grande importância no planejamento urbano e regional, em
particular porque são muito abstratos, facilmente manejáveis e precisos do ponto de
vista da informação que produzem".
A terceira, e última, condição diz respeito ao tratamento do fator
tempo. Nesta ótica, os modelos podem ser divididos em estáticos e dinâmicos. Os
estáticos representam as relações entre as variáveis endógenas e exógenas num
determinado instante temporal, enquanto que os dinâmicos procuram captar a
evolução temporal das variáveis e suas interações.
V.2) Os Modelos em Planejamento Urbano{ TC "V.2) Os Modelos
em Planejamento Urbano" \f C \l "2" }
134
A maioria dos Modelos estão baseados na Teoria dos Sistemas21
,
isto é, a utilização de modelos na abordagem do fenômeno urbano se dá a partir da
introdução de métodos sistêmicos no âmbito do planejamento urbano e os modelos
matemáticos como representação do funcionamento e comportamento do Sistema
Urbano e seus conexos subsistemas (de Transporte, Econômico, Populacional, etc.).
O paradigma sistêmico orienta, por um lado, a incorporação de conceitos da
cibernética na fundamentação do planejamento, fundada na noção de controle e auto-
regulação do Sistema Urbano (a cidade) e, por outro lado, como base da concepção
do processo de planejamento, programas e políticas. O enfoque sistêmico objetiva a
determinação da localização mais adequada para as atividades urbanas consideradas
as demais, sendo que todas as atividades podem ser agregadas, desagregadas e
inter-conectadas sistemicamente (Mota, 1983).
Segundo sua base teórica, os modelos urbanos podem ser
classificados em modelos de enfoque Econômico ou modelos de Comportamento,
Macro-enfoque ou Física Social e enfoque de Simulação (Echenique, 1975).
Os de enfoque econômico/comportamental introduzem os elementos
teóricos da Economia Neoclássica na explicação dos fenômenos urbanos; os de
enfoque com base na física social derivam da analogia à física e pretendem explicar o
comportamento de grupos de pessoas no meio urbano; já os de simulação "explicam"
diretamente os fenômenos como uma "hipótese desenhada para adequar-se a dados
experimentais".
Os modelos econômicos ou comportamentais têm como pedra
angular os custos de transporte. Aqui se inserem os trabalhos pioneiros de Von
Thünen, Weber, Christaller, Lösch, Wingo e Alonso já analisados nesta dissertação.
Os problemas conceituais do primeiro enfoque dizem respeito aos
mesmos problemas encontrados nas premissas teóricas que os embasam, a
21 para aprofundar a contribuição da Teoria de Sistemas ao Planejamento Urbano consultar a I Parte do livro de Benjamin Reif (1978), pág. 21 a 86.
135
economia neoclássica, particularmente o pressuposto da racionalidade do consumidor
e da existência de mercados em concorrência perfeita. Echenique critica também a
natureza "metafísica de circularidade" do conceito de utilidade, mas reconhece que, do
ponto de vista teórico, este enfoque é o mais coerente para a explicação do
comportamento individual. As críticas aos modelos urbanos econômicos foram
aprofundadas no Capítulo II em relação às Teorias de Localização.
O enfoque da "física social", como o nome revela, deriva das
analogias às ciência físicas e à mecânica newtoniana. Esta linha, muito criticada por
seu "mecanicismo", parte da hipótese geral de que se um fenômeno físico tem certos
atributos similares a um fenômeno social, é possível que outros atributos também
sejam similares. O melhor exemplo são os modelos gravitacionais que relacionam o
fluxo de passageiros entre duas zonas (Fij) como diretamente proporcionais à
população das zonas (Pi e Pj) - a massa - e inversamente à distância (dij), tal qual a
Lei da Gravidade da física newtoniana. A forma geral de representação simbólica
destas relação é a seguinte:
Fij = k Ai.Aj / cij. β (5.1)
onde:
Fij = fluxo entre a zona i e j
Ai = atividade localizada em i
cij = custo de transporte
k = constante de proporcionalidade (parâmetro)
β = parâmetro que indica a "impedância" do custo de viajar
Outro conceito utilizado é o da "maximização da entropia". O modelo
procura maximizar a entropia de um sistema, restrita às informações disponíveis sobre
o mesmo; a entropia é uma "medida de incerteza" probabilística.
136
Os modelos Urbanos podem se diferenciar também, quanto ao nível
de agregação. Um primeiro nível de desagregação estabelece que o sistema total
pode ser subdividido em diversas atividades humanas e estoques espaciais, onde elas
se realizam, bem como, as relações entre estas duas grandezas. Um segundo nível de
desagregação está relacionado com a possibilidade de divisão das atividades em
"localizadas" e "fluxos". Cada tipo teria seu estoque espacial apropriado, tais com
edificações (estudo, trabalho, residência) ou o sistema viário (deslocamentos
urbanos). Neste nível, se encontram os modelos de transportes que procuram predizer
os fluxos futuros entre duas zonas ou atividades.
Um terceiro nível de desagregação subdivide as atividades
"localizadas" em diferentes tipos e estabelece uma relação entre elas. Os modelos de
acessibilidade entram neste nível, ao vincular localização de empregos à zonas
residenciais, como faz o modelo de Lowry (1964). Este modelo estabelece que dada
uma localização do emprego básico (exportador de bens para fora do sistema) é
possível prever a distribuição de residências e na seqüência, dos serviços, até que se
estabeleça o equilíbrio entre empregos industriais, residências e serviços. A forma
funcional geral (equação) é similar a anterior.
As relações entre a configuração espacial e a funcionalidade de
determinada zona urbana são modeladas, também, segundo o enfoque metodológico
conhecido como "Sintaxe Urbana", conforme proposta por Hillier (apud Silveira, 1994).
Os modelos de acessibilidade, sob este enfoque, são construídos a partir da análise
dos eixos viários em sua dimensão longitudinal, isto é‚ uma análise axial. Outra
dimensão analisada, em espaços localizados, são as larguras, denominada análise
da convexidade.
Parte-se do sistema viário para constituir um "mapa de axialidades",
compondo a configuração dos diversos eixos viários da cidade. O modelo concebe
esta "rede de eixos" através de indicadores quantitativos, tais como: a conectividade, o
137
controle local, a escolha global e a integração. Tais medidas se aplicam ao eixo na
sua totalidade, ou aos espaços localizados em seu entorno. A "conectividade",
representa o número de conexões do eixo com os demais, revelando a dimensão de
sua acessibilidade na configuração urbana. O "controle local" é um indicador da
atratividade do eixo em relação aos demais, na medida em que representa a
probabilidade de acesso dos eixos vizinhos ao eixo considerado. A "escolha global" é
o número de vezes que um eixo serve de passagem considerando as ligações entre
todos os eixos da rede, revela o grau de utilização do eixo e também sua
acessibilidade (uso). E a medida de "integração" representa a acessibilidade de
espaços específicos em relação aos demais, é calculada com base no número de
espaços existentes no entorno do eixo considerado.
O resultado do modelo é a relação quantitativa entre estas medidas,
ou "índices de configuração da rede" (variável explicativa), e indicadores de uso do
solo (variável dependente).
Sem dúvida, os modelos matemáticos no Planejamento Urbano são
dominados pelos modelos ditos "de interação espacial", ou modelos gravitacionais.
Eles podem ser "duplamente restritos", quando supõem conhecidos o total de
deslocamentos originados e terminados em cada zona e estimam a distribuição destes
deslocamentos para cada par de zona, ou "simplesmente restritos", quando visam
distribuir o total de viagens com destino a uma zona nas zonas de origem (atração
restrita) ou visam distribuir o total de viagens com origem numa zona nas zona de
destino (produção restrita). A distância é o princípio ordenador da estrutura urbana
(Mota, 1983). Diversos sub-modelos parciais derivam deste macro-enfoque: modelos
de localização residencial, localização industrial, etc.
Há porém, modelos gerais, como o de Lowry (1964) ou de Forrester
(1969). O modelo de Lowry é constituído por subsistemas, cada um possuindo seus
próprios parâmetros, variações e restrições e dirigidos para um estado de equilíbrio.
138
As variáveis fundamentais são: empregos básicos (industriais), sistema de transporte
e crescimento da população. Os "inputs" (as entradas) são geradas pelo setor básico
exógeno ao modelo (indústria), pela distribuição dos setores de serviços e residencial
(endógena). O "output" (a saída), é a redistribuição das localizações derivadas dos
dados de transporte, em dados de distância, pois o tempo de percurso é ignorado,
sendo definido por meio do cálculo da interdependência entre residências e empregos
de serviços (magnitude e localização de ambas). O modelo avalia o potencial de cada
localização como residencial ou lugar de serviços. As restrições são dadas pelas limi-
tações legais. No modelo as condições topológicas ou sociológicas são praticamente
ignoradas, as zonas, áreas ou distritos são arbitrados através de uma mera "malha
quadriculada", traçada sobre o território isomórfico. Alguns autores classificam o
modelo de Lowry como o mais representativo dos modelos de primeira geração
entendidos com "instrumentos de realimentação", (Blikstein, 1983).
Os modelos de segunda geração são entendidos como "instrumentos
de pré-alimentação". São apoiados em atividades modeladas e suas in-
terdependências numa única estrutura, como modelos dinâmicos (e não de equilíbrio
estático), e as restrições de regulação e faseamento são integradas aos modelos. O
modelo que mais exemplifica estas características é o "Industrial Dynamics" e o
"Urban Dynamics" de Forrester (1969), que descreve uma visão macro-econômica
sobre o crescimento, estagnação e decadência das cidades ao longo do tempo. Para
Forrester a cidade é um sistema fechado determinado pela evolução de três
componentes principais: indústrias, moradias e população. Ele descreve um ciclo de
vida de 250 anos para uma cidade, supondo a existência de um equilíbrio dinâmico
entre as várias atividades. Seu objetivo é indicar como e quando se pode interferir
para evitar a estagnação e a decadência, por exemplo, através de programas de
"renovação" urbana, geração de empregos, etc.
A modelagem urbana vem contribuindo desde os anos sessenta,
especialmente, para resolver problemas cuja solução no passado era
139
fundamentalmente baseada na experiência e intuição dos técnicos e planejadores
urbanos. Embora não sejam decisivos para o processo de Planejamento, ajudam a
compreender os fatores que influenciam a evolução da estrutura urbana e do uso do
solo, servem como testes para avaliação dos resultados esperados e realizados no
Planejamento Urbano e ampliam a confiabilidade das políticas prognosticadas para a
cidade (Reif, 1978).
Segundo Krafta (1993), os modelos em planejamento urbano, sob o
enfoque sistêmico, tem sido utilizados como forma de introduzir maior rigor e
qualidade analítica e avaliativa. A modelagem tem sido, assim, um meio para tornar
inteligível o fenômeno urbano complexo, através da representação formal de variáveis,
relações e processos, dos “mecanismos que sustentam e alteram a cidade moderna”.
Este autor sugere a utilização de modelos numérico como verdadeiros “projeto de
cidade”, diminuindo a importância dos planos prescritivos tradicionais, como o são a
maioria dos Planos Diretores urbanos. Os modelos, neste caso, podem propiciar o
controle contínuo das variáveis urbanas, da avaliação dos impactos, no
monitoramento e simulações das situações sociais, econômicas e urbanas. Uma das
principais vantagens dos recursos aportados pela modelagem urbana seria a
eliminação do hiato existente, no processo convencional de planejamento, entre o
momento da institucionalização do plano e um outro, idealizado, de sua realização
efetiva e concreta.
Deve-se, entretanto, perceber que os modelos baseados no enfoque
sistêmico, parcial ou geral, se preocupam muito mais em analisar o comportamento
dos fenômenos urbanos, suas regularidades e interações, e menos em compreender
porque ocorrem tais fenômenos, como se constitui o processo de decisão, ou seja, as
relações de poder entre os diversos atores sociais no meio urbano. Estes são seus
maiores limites .
140
V.3) Os Modelos em Transporte{ TC "V.3) Os Modelos em
Transporte" \f C \l "2" }
Novaes (1986) entende o conceito de modelo como "um enfoque
bem definido e consistente, um quadro bem estruturado, que possa ser justificado com
o apoio de alguma teoria ou de princípios técnico-econômicos universalmente aceitos".
Partindo desta concepção do termo o autor classifica os modelos de transportes em
três categorias principais:
(a) modelos convencionais empíricos: são os modelos mais
tradicionais utilizados em Transportes, chamados de "modelos de quatro etapas" ou
MUT (Modelo de Uso do Solo e Transportes). Constituídos geralmente por quatro sub-
modelos aplicados seqüencialmente: geração de viagens (atração e produção),
distribuição, divisão modal e alocação dos fluxos à rede de transportes;
(b) modelos comportamentais: trabalham com fatores
motivacionais dos usuários em relação aos atributos (que compõe o nível de serviço)
dos sistemas de transporte. Vão além do aspecto descritivo-normativo dos modelos
anteriores e procuram saber o processo de decisão do usuário de transporte. As
relações básicas no processo de decisão são enfocadas a partir da teoria
Microeconômica do consumidor, associada ao conceito de utilidade (vista no Cap. III).
Os modelos comportamentais podem ser simples ou encadeados; desdobram as
decisões do usuário de modo a construir uma "arvore" de decisões seqüenciais:
primeiro o usuário decide fazer ou não a viagem, fazendo a viagem opta pelo modo,
depois pelo destino, depois pelas variáveis do serviço oferecido, e assim por diante;
141
com um pequeno número de variáveis obtém-se grande variedade de combinações,
por isso, os modelos comportamentais encadeados são compostos de vários sub-
modelos seqüenciais, supondo uma estrutura hierárquica de decisão em "cascata",
cada "passo" do usuário corresponde a um modelo específico;
(c) modelos atitudinais: procuram captar as reações dos usuários
não compreendidas pelos modelos anteriores. Partem da suposição que as atitudes
concretas dos indivíduos nem sempre traduzem corretamente os seus comporta-
mentos, ou seja, ocorre a interferência de inúmeros e complexos fatores subjetivos
ligados à percepção ou aspectos culturais, psicológicos, hábitos consolidados, etc. Os
modelos atitudinais, ao contrário de invalidar os esquemas racionais de decisão
(suposição nos modelos comportamentais), complementam este processo na medida
em que identificam estes fatores subjetivos, auxiliares na decisão. Os dados são
obtidos com entrevistas diretas através de questionários detalhados de modo a captar
(quantificar, inclusive) o sentimento, as preferências e a percepção do usuário em
relação à características existentes do transporte. Estes modelos servem também para
instrumentalizar campanhas de imagem sobre alterações no serviço, como sistemas
integrados ou novas tecnologias, analisam e comparam as variáveis comportamentais,
e as atitudes para comprovar ou não a coerência entre estes dois fatores.
Até o final dos anos setenta, os modelos convencionais tinham sido
aplicados em mais de 350 áreas metropolitanas em todo o mundo (GEIPOT/MIT,
1982). As principais etapas destes modelos convencionais, também chamados de
"primeira geração", são as seguintes:
(a) Geração de Viagens: a área urbana é dividida em zonas e a cada
uma são atribuídas características sócio-econômicas, de transportes e uso do solo
homogêneas. Normalmente o modelo de geração é constituído por uma ou mais
equações que procuram explicar o número de viagens por unidade de tempo geradas
142
(produzidas e atraídas) em determinada zona. Isto é obtido através de uma função do
tipo:
Fi = f( Si, Usi) (5.2)
Onde:
Fi = fluxo gerado na zona "i";
Si = variáveis sócio-econômicas;
USi = características de uso do solo;
Os coeficientes para as variáveis independentes desta função são
obtidos por meio do método estatístico denominado Análise de Regressão (Múltipla),
que procura predizer o valor de uma variável dadas outras variáveis associadas.
Os limites dos modelos de geração de viagens são os seguintes: as
previsões independem da existência, da qualidade e do nível dos serviços oferecidos
(GEIPOT/MIT, 1982), tem natureza estática e não incorporam o resultado dos impac-
tos das intervenções do poder público nos transportes como as vias segregadas, a
melhoria do conforto ou as restrições ao automóvel (Novaes, 1986). Um exemplo
simples de modelo de geração de viagens, é o que foi utilizado na avaliação da
implantação do metrô do Rio de Janeiro (Mello, 1975):
Yi = 9058 +0,4663x1i +2,2817x2i + 1,6221x3i +3,9380x4i (5.3)
onde x1i é a população, x2i empregos no comércio e serviços, x3i
empregos industriais e x4i matrículas escolares, todas variáveis da zona "i", e Y
representa o total de viagens geradas na zona Y, por período de tempo.
(b) distribuição espacial de viagens: definida a matriz de viagens
(matriz Fij), a partir dos modelos de geração, é feita a distribuição dos volumes de
tráfego entre cada zona de origem e as demais. Há vários tipos de modelos e métodos
143
para obter-se a distribuição de viagens estimada. Alguns se baseiam em Fatores de
Expansão ou Crescimento, representados pelos métodos Fratar, Detroit, Fator Médio
ou Fator Uniforme (distribuição do tipo heurístico). Há também métodos mais
convencionais, como o modelo de gravidade, que pode ser calibrado também por
Análise de Regressão. O denominador da equação dos modelos de gravidade pode
ser a distância entre duas zonas, o tempo de viagem, o custo ou funções compostas
denominadas de impedância, custo generalizado, etc. Um exemplo simples de modelo
gravitacional para estimar a distribuição de viagens é o seguinte (Mello, 1975):
Tij = 0,34 (Pi . Pj)0,61 / (Dij)1,72 (5.4)
onde Tij é o tráfego diário médio de veículos entre duas cidades, Pi e
Pj é a população das duas cidades e Dij a distância que as separa.
(c) divisão ou repartição modal: estes modelos objetivam desagregar
as viagens entre cada para de zonas nos diversos modais de transporte. As funções
logística e logit são utilizadas em modelos de divisão modal, e os coeficientes obtidos
por Regressão Múltipla, onde o custo generalizado, o tempo de deslocamento ou
variáveis sócio-econômicas poderão ser as variáveis independentes no modelo.
Um exemplo de modelo de divisão modal pode ser encontrado em
Novaes, 1986:
PO / PA = exp [ a0 + a1 (CO
- CA
)] (5.5)
onde:
PO = passageiros que optam por ônibus;
PA = passageiros que optam por automóvel;
a0 , a1 = parâmetros obtidos por calibração;
CO = custo generalizado do modo ônibus;
CA = custo generalizado do modo automóvel.
144
A calibração de um modelo de divisão modal, representado por uma
função logística, pode ser feita por Regressão Linear, aplicando-se logaritmos
neperianos à expressão anterior.
(d) alocação de tráfego: definida a geração de viagens em cada
zona, sua distribuição entre todas as zonas, a repartição modal, o próximo passo será
a alocação dos fluxos às redes de transportes. Os modelos neste último estágio consi-
deram basicamente duas variáveis, o tempo (e/ou custo) de deslocamento para cada
caminho e a capacidade das ligações. Segundo Novaes (1986), o critério para excluir
caminhos sem interesse para alocação do fluxo é o de garantir o decréscimo
sistemático do custo generalizado faltante até a zona de destino.
Nos últimos anos, tentativas para tornar os modelos convencionais
mais flexíveis e realísticos têm combinado técnicas típicas dos modelos
desagregados. A introdução de um mecanismo de retro-alimentação para permitir
captar dinamicamente as mudanças no uso do solo, e técnicas de estimação e ca-
libração dos modelos comportamentais, são alguns exemplos destas tentativas.
Segundo Ortúzar & Willumsen (1990), os modelos podem ser
definidos como simples representações de partes do mundo real que são objetos de
interesse e que contém elementos considerados importantes pelo analista, de acordo
com seu ponto de vista particular. O processo de modelagem depende da base teórica
adotada, particularmente a interpretação de seus resultados, por exemplo, formas
similares de modelos gravitacionais podem ser derivadas de acordo com a analogia à
física, de acordo com o enfoque da máxima entropia ou da teoria da utilidade,
dependendo da base teórica que se adote.
Ao utilizar variáveis dependentes (ou exógenas) dadas certas
variáveis independentes (ou explicativas), as técnicas adotadas para a coleta e
sistematização dos dados para cada tipo de variável determina a relevância e a
complexidade do modelo. Questões como a definição dos grupos ou segmentos da
145
população que serão trabalhados, o nível de detalhe utilizado na mensuração de
certas variáveis, e o detalhamento dos fatores espaciais (origem/destino) na definição
do comportamento dos usuários, devem ser considerados.
Os modelos em transporte podem ser classificados, também,
segundo o nível de agregação dos dados. Os modelos de primeira geração (modelos
convencionais: 4 etapas, elasticidades, etc.) geralmente apresentam variáveis com
certo nível de agregação. Já os modelos de segunda geração (modelos de escolha
discreta, comportamentais) trabalham com informações desagregadas a nível do
indivíduo. Os modelos de primeira geração foram utilizados até o final dos anos
setenta, e não raro, o nível de agregação significava resultados válidos para popu-
lações inteiras indiscriminadamente. Já os modelos desagregados, que surgiram e se
disseminaram a partir dos anos oitenta, apresentaram vantagens no estudo e
modelagem na previsão da demanda futura a partir do comportamento dos usuários,
embora alguns requeiram maiores conhecimentos estatísticos e econométricos que os
primeiros.
Os modelos desagregados de Escolha Discreta postulam que a
probabilidade de um indivíduo escolher uma dada opção é uma função de suas carac-
terísticas sócio-econômicas e da relativa "atratividade" da opção. Para representar a
"atratividade" é utilizado o conceito de utilidade. Para predizer se uma alternativa será
escolhida em detrimento de outra, o valor da utilidade da escolha em questão deve ser
comparado com a utilidade das demais alternativas envolvidas22
e transformado num
valor probabilístico entre 0 e 1. Para obter este valor, existem vários meios estatísticos
entre os quais se destacam o modelo Logit e o Probit.
As técnicas de Preferência Revelada e Preferência Declarada
pertencem aos modelos de segunda geração e começaram a ser utilizadas em
transporte no início dos anos oitenta a partir dos estudos de marketing. Utilizam os
22 Como o conceito de utilidade é uma grandeza subjetiva, só interessa em termos relativos, comparando com outros valores (de utilidade) que correspondem a
outras escolhas (alternativas) dos usuários.
146
mesmos modelos de estimação estatística vistos no parágrafo anterior; quando é
possível linearizar as funções logísticas aplica-se a Análise de Regressão para obter
os coeficientes; caso contrário, outros métodos são utilizados para otimizar a função
através da maximização de uma função de verossimilhança ou minimização da soma
dos desvios. Há softwares específicos para realizar estas tarefas, tais como: LIMDEP
(Econometric Software, 1992), ALOGIT (Hague Consulting Group, the Netherlands),
BLOGIT (Intitute of Transport Studies, University of Sydnei), NTELOGIT (Intelligent
Marketing Systems) e HLOGIT (ITS, Sydnei), segundo Hensher (1993).
Resumindo, pode-se dizer que os modelos matemáticos em
transportes podem ser utilizados para ajudar a entender como um sistema funciona a
nível das relações entre oferta e demanda. Possibilitam prever a demanda e o
desempenho de um sistema de transportes, ajudam a projetar e gerenciar serviços
como a freqüência dos ônibus, e ajudam a avaliar as possíveis alternativas de in-
vestimentos, como novas modalidades (Faé et alii, 1993). Já nos modelos mais gerais
e estratégicos, o uso do solo é uma variável importante, existindo modelos que inte-
gram a problemática do transporte como um dos campos do Planejamento Urbano.
V.4) Uso e aplicabilidade de Modelos{ TC "V.4) Uso e
aplicabilidade de Modelos" \f C \l "2" }
O uso de modelos, tanto em Planejamento Urbano como em
Planejamento de Transportes, tem sido objeto de grandes controvérsias na
comunidade técnica durante os últimos anos. Alguns críticos partem diretamente da
crítica à Teoria dos Sistemas, afirmando que a mesma não resolve o problema central
em planejamento urbano, que seriam as “relações de poder”, entre os diversos Atores
Sociais envolvidos, e que a abordagem sistêmica não investiga, apenas descreve
seus efeitos (Rattner, 1979).
147
Quanto aos modelos de interação espacial, segundo Mota (1983), o
fato de sua elaboração supor uma intelecção prévia da realidade, um processo sele-
tivo, condicionado por seus pressupostos metodológicos revelam hipóteses sobre a
estruturação da sociedade subjacente aos modelos. Estas hipóteses teóricas não são
refletidas suficientemente nos modelos, dado que ele está restrito apenas a apreensão
do objeto às suas dimensões factuais observáveis (empirismo). Por outro lado, estes
modelos desenvolvem teorias sobre o espaço à margem da teoria geral sobre a
sociedade, conferindo uma "autonomia" espacial não-realista, uma dimensão a-
histórica. Segundo este autor, os limites dos modelos evidenciam sua insuficiência
como instrumentos de elaboração teórica: a reconstrução conceitual sobre os
fenômenos espaciais, realizada pelos modelos, não alcança a identificação de como
se produzem os fenômenos que pretendem explicar. Assim, seria necessário a
recuperação dos modelos urbanos quantitativos no Planejamento, a partir de uma
teoria urbana que contemplasse o papel do Estado, como parte de uma teoria geral
sobre a sociedade. Evitando, deste modo, a análise pura das "manifestações es-
paciais" dos fenômenos sociais, sem que os últimos fossem situados como tal. As
soluções de planejamento, o aspecto preditivo dos modelos espaciais, fica
comprometida na medida em que o "ambiente externo" aos modelos, como o
funcionamento do mercado imobiliário, considerado sob ceteris paribus, não é
apreendido como condicionante do fator distância/acessibilidade.
Segundo uma coletânea de artigos realizada por Atkins (1986), os
modelos em transportes tem tradicionalmente se caracterizado por serem caros, muito
complexos, insensíveis às políticas efetivadas, inflexíveis e dependentes de
suposições restritivas, que impedem sua utilização fora dos contextos de origem. Este
autor afirma que, durante os anos setenta e até meados dos anos oitenta, os modelos
convencionais (tipo “quatro etapas”) produziram substanciais erros de previsão.
Estimativas de volumes de tráfego em algumas cidades européias, por exemplo, entre
algumas zonas tiveram erros “de até 200%” em relação aos carregamentos previstos.
148
O autor aponta algumas fontes destes erros na definição das amostras pesquisadas,
os métodos de coletas de dados, muitas vezes desatualizados, apresentam erros de
medição que acabam afetando os resultados. Outra fonte de erros é a escolha das
unidades básicas de análise, as zonas de tráfego, que pode não representar a
situação real da rede de transporte existente; ou os métodos de calibração, nem
sempre confiáveis. Os modelos seriam manifestações do conhecimento, mais do que
instrumentos de conhecimento. Os modelos não “resolveriam” problemas, mas devem
contribuir para aumentar o conhecimento sobre eles.
Para evitar alguns destes problemas, deve-se observar na
modelagem urbana algumas regras de procedimento, tal como nos aponta Mohan
(1976), particularmente para os modelos orientados para as Políticas de
Planejamento: correspondência com a realidade, resultados particularizados em
aspectos urbanos específicos, resultados de caráter positivo e normativo, clareza de
objetivos, coerência e clareza nos supostos teóricos, custos e complexidades de
manipulação reduzidos e flexibilidade. Poder-se-ía acrescentar ainda, o cuidado com o
nível de detalhamento, que determina a complexidade, o teste de validação que
procura "negar" seus pressupostos, a obtenção de maior número de “saídas”, para
dadas “entradas” (maximizando a eficácia do modelo), deve-se ter a sensibilidade
adequada para acusar as mínimas variações da realidade, especialmente nos
modelos estruturais topológicos.
O uso e aplicabilidade dos modelos depende também, de quanto
lógicos e transparentes sejam suas estruturas, que devem ser claramente explicadas.
Outro problema que contribui para a controvérsia sobre o uso de modelos é sua
transferibilidade (Faé et alii, 1993). Ou seja, a utilização de modelos fora de contextos
de origem a nível temporal, espacial ou cultural. Para que tal transferência ocorra, é
necessário o perfeito conhecimento das hipóteses que o fundamenta e das realidades
(contextos) que estão sendo comparadas. Apesar das vantagens de menor tempo e
custo implícitas na utilização de modelos já prontos, deve-se evitar seu uso como
149
receitas genéricas. Além disso, deve-se considerar que a "importação" de modelos do
Primeiro Mundo normalmente está associada à preponderância tecnológica destes
países e mesmo à formação técnica da maioria dos especialistas no Terceiro Mundo
que se tornam seus usuários.
Segundo estes autores últimos autores, e o que parece fun-
damental, os modelos não devem ser excessivamente considerados nem tampouco
desprezados pelo simples fato de serem modelos. São apenas ferramentas para
produzirem referenciais de suporte à tomada de decisão.
De um modo geral os modelos tem sido utilizados, particularmente
em transportes, para analisar cenários futuros cuja complexidade impede análises
simplificadas. Modelos são ferramentas para avaliar a sensibilidade, a intensidade
relativa, da reação do sistemas enquanto um todo articulado, às alterações nos seus
parâmetros; enquanto tais são poderosos instrumentos de simulação, controle e
monitoramento de qualquer sistema.
150
CAPÍTULO VI
{ TC "CAPÍTULO VI" \f C \l "1" }
AS TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (Stated Preference){ TC "AS
TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (Stated Preference)" \f C \l "1" }
VI.1) Considerações Iniciais{ TC "VI.1) Considerações Iniciais" \f
C \l "2" }
Nas metodologias de planejamento do Transporte Coletivo Urbano,
uma das questões mais estratégicas para o sucesso das soluções propostas ou
executadas, é a correta previsão do comportamento da demanda nos vários sistemas
envolvidos
Os modelos convencionais vêm sendo criticados pela sua incapa-
cidade de captar a diversidade no comportamento da demanda por transporte,
inerente à complexificação do ambiente urbano e das novas tecnologias utilizadas.
Diversos autores tem se posicionado criticamente a respeito de suas limitações,
Novaes (1986), por exemplo apresenta as seguintes críticas:
(a) os modelos tradicionais não prevêem a possibilidade do usuário
fazer ou não determinado deslocamento, em virtude dos atributos do sistemas de
transporte como nas viagens de natureza recreativa ou de lazer;
(b) eles tendem a não incorporar variáveis que possam simular e
refletir intervenções do Poder Público, como a alteração das tarifas e as
conseqüências sobre os níveis de demanda e conforto, ou os efeitos das integrações
e vias segregadas, por exemplo;
151
(c) a natureza estática destes modelos impede que ocorram
mecanismos de retroalimentação, gerados pela influência de atributos que compõe a
qualidade do serviço, sobre a geração e atração de viagens.
Já segundo o já referido estudo da GEIPOT/MIT (1982), as principais
desvantagens dos modelos convencionais em transportes seriam: a estanqueidade na
análise dos diferentes momentos, a falta de retroalimentação entre os sub-modelos do
modelo "quatro etapas" e a ausência de variáveis de níveis de serviço, fazendo com
que, na maioria dos casos, esta análise se torne descritiva e não-causal, mecanicista
e não probabilística e comportamental, expressando apenas uma projeção da situação
existente, e dificultando a análise de políticas que contemplem mudanças na
qualidade dos serviço de Transporte Urbano.
Com base na necessidade de explicar com mais realismo e
fidedignidade o comportamento da demanda, se desenvolveram os Modelos
Comportamentais, desagregados a nível do indivíduo, usuário dos transportes.
Enquanto nos anos setenta os modelos eram orientados para previsões de demanda,
para os vinte anos seguintes, por exemplo, a partir dos anos oitenta, e principalmente
na atual década, a modernização das empresas e a necessidade de maior
produtividade e qualidade dos serviços favoreceu a ampla utilização de modelos
comportamentais, tanto de Preferência Revelada como Preferência Declarada.
Em relação aos transportes, diversas intervenções do poder público
ou das empresas operadoras privadas não podem ter um caráter "experimental"; é
necessário, portanto, a utilização de modelos que estimem o impacto na demanda ex
ante, em relação, por exemplo, a mudanças modais, melhoramentos de estações,
freqüência dos veículos, nível de conforto, aumento de tarifas, etc. Os métodos de PD
(Preferência Declarada) vêem preenchendo esta necessidade, analítica e
ferramental, no processo de planejamento moderno.
152
Estes modelos baseiam-se na compreensão do indivíduo como
consumidor dos serviços de transporte. O pressuposto básico é de que ele busque a
máxima satisfação, dentro dos limites sócio-econômicos a que está submetido. Estes
modelos orientam-se pela maximização da Função Utilidade de cada indivíduo, função
esta que se ampara na teoria Microeconômica, particularmente na Teoria do
Consumidor.
VI.2) A Maximização da Utilidade
A maximização da utilidade implica na combinação ótima (sob
restrições orçamentárias do indivíduo) de diversas variáveis, como o destino, a
freqüência, o tempo de deslocamento, conforto, custo pago pela viagem, etc. Esta
escolha estará submetida não só à capacidade monetária, à solvência financeira do
usuário, mas também a sua localização residencial, localização da oferta de empregos
e, outras restrições de ordem mais subjetiva como os gostos, preferências, e fatores
psicológicos diversos.
Parte-se do pressuposto que é o indivíduo-usuário que estabelece,
objetiva e subjetivamente, um elenco de opções alternativas de escolha, entre os
diversos níveis de atributos que o sistema de transporte lhe oferece. Sob certas
condições, estes padrões de "preferência" são constantes para todos os usuários. O
consumo de serviço de transporte no meio urbano, considerando-se a multiplicidade
de opções de deslocamentos, é sempre um "consumo aberto". Isto é, o usuário opta
por combinações singulares entre diversos fatores: destinos, modos, custos, conforto,
etc. Cada opção individualizada é sempre uma combinação de valores relativos a
outras combinações de outros usuários, comparativamente, e dentro de cada atributo,
relativa aos diversos valores que ele pode assumir concretamente: mais ou menos
153
conforto, ou mais ou menos tempo de viagem, com diversas combinações de custos a
serem desembolsados em cada opção.
Matematicamente, a escolha do usuário pode ser representada pela
Função Utilidade. Esta função relaciona as variações nos atributos utilizados (conforto
e tempo de viagem, p.ex.) e a repercussão sobre a utilidade da alternativa escolhida.
Este resultado só é válido em termos relativos, isto é, só se pode comparar situações,
entre opções realizadas ou declaradas pelo usuário. Portanto, o "valor numérico" da
utilidade só tem significância se inserido comparativamente, em relação às demais al-
ternativas (combinações de conforto, tempo e custo, por exemplo), probabilis-
ticamente.
Pode-se descrever, simplificadamente, esta função com a seguinte
notação:
U = a0 + a1xX1 + ... + anxXn (6.1)
onde "U" representa o valor algébrico da utilidade de determinada
combinação de atributos (alternativa escolhida pelo usuário); "Xn" é um vetor (o
resultado combinado) das variáveis que expressam o nível de serviço oferecido pelo
transporte e "anx" o conjunto dos parâmetros - estimados por métodos econométricos -
e “a0“ uma constante que representa todos aqueles fatores aleatórios que podem
influenciar a utilidade, mas que não estão explícitos no modelo. O modelo aditivo,
descrito pela função acima, tem uma natureza tem uma característica compensativa,
isto é, pode-se melhorar um atributo (conforto, p.ex.) e piorar outra (tarifa, p.ex.),
mantendo-se os mesmos níveis de satisfação, ou utilidade.
O objetivo maior de uma pesquisa desta natureza é obter um valor
mais real, e mais confiável possível, destes parâmetros, pois eles expressam, numeri-
camente, a relação existente entre todas as variáveis de serviço e a opção realizada
pelo usuário.
154
As técnicas de Preferência Declarada pertencem ao campo dos
Modelos Comportamentais Desagregados ao nível do indivíduo, também chamados de
Modelos de Escolha Discreta. Estas técnicas extraem muitas informações de cada
indivíduo, em pequenas amostras, ao contrário dos modelos convencionais, que
obtinham poucas informações de amostras maiores. Sinteticamente, podería-se dizer
que elas constituem um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos, que
objetivam identificar as variações no comportamento dos consumidores, resultantes de
mudanças em atributos ou características dos produtos vendidos. Neste caso o
"consumidor" é o usuário do Transporte Coletivo Urbano, o "produto vendido" é a
oferta de transporte e os "atributos do produto", são aquelas variáveis arbitradas pelo
pesquisador, relacionadas à qualidade do transporte, tais como o conforto ofertado, o
tempo de deslocamento, as comodidades da viagem ou das estações, as facilidades
dentro do veículo, o conforto psicológico, as possibilidade de integrações, etc. Cada
nível, de cada atributo, está associado a um respectivo valor monetário, a ser desem-
bolsado.
VI.3) As Técnicas de Preferência Declarada (PD){ TC "VI.3) As
Técnicas de Preferência Declarada (PD)" \f C \l "2" }
Inicialmente os Modelos de escolha discreta utilizavam a observação
direta dos usuários através das técnicas de Preferência Revelada. Mais tarde, a partir
dos estudos de Marketing, utilizam-se modelos baseados nas preferências não-vividas
dos usuários, isto é, sobre hipóteses em relação ao futuro que ficaram conhecidas
como técnicas de Preferência Declarada.
O enfoque de Preferência Declarada permite que variáveis
qualitativas sejam incorporadas na análise com maior flexibilidade, oferecendo
reduções no volume de dados necessários para os modelos.
155
Pode-se classificar sob a abrangência destas técnicas qualquer
pesquisa que trate de comportamento esperado, mais do que o comportamento real
ou observado. Pode-se identificar quatro grandes grupos metodológicos com este
enfoque (Jones, 1991):
(a) Pesquisas de Opinião: procuram conhecer a opinião dos
usuários sobre situações existentes, ou futuras, de modo direto com perguntas, por
exemplo, relacionando o uso do automóvel em detrimento do serviço público.
Entretanto, elas podem induzir à erro, tanto na interpretação das perguntas como nas
respostas;
(b) Técnicas de Simulação: baseadas na Teoria dos Jogos,
realizam-se longas entrevistas com o objetivo de simular reações a possíveis medidas
nos transportes, através do processo decisório, que opera na vida real. Os resultados
podem ser quantitativos, quando identificam fatores essenciais nos impactos
provocados a partir de uma intervenção nos serviços, e serem utilizados na
modelagem, ou qualitativos, quando geram iniciativas e recomendações no âmbito das
políticas sobre os sistemas;
(c) Enfoque do Orçamento Restrito: é uma técnica que procura
identificar a preferência dos usuários sobre o melhor ambiente, ou nível de serviço;
dado um orçamento fixo a ser gasto em cada nível, ou combinação de facilidades.
Utilizando algumas formas de "quadro de jogos", onde os atributos são mostrados em
um eixo e na outra dimensão, os diferentes níveis para cada um. Por exemplo, numa
ferrovia o atributo “comodidade” pode estar representado, entre outras características,
por um serviço de bebidas a bordo até restaurantes completos. A cada melhoria são
associados o custo incremental, para cada nível apresentado. O usuário recebe um
orçamento fixo e deve "distribuí-lo" no conjunto de alternativas ofertadas, de modo a
maximizar o valor total;
156
(d) Experimentos de Escolha: ao invés de construírem suas
próprias combinações de atributos, com seus níveis diferenciados (pacotes), os
usuários são estimulados a escolherem entre diferentes conjuntos completos de
atributos e "rankings". Este enfoque de PD tem sido utilizado para escolha entre
modos alternativos, rotas, níveis de serviços que podem ser caracterizados através de
níveis de tarifas, freqüências, tempo de viagem no veículo ou tempo de acesso.
Normalmente, os Modelos Comportamentais Desagregados
utilizavam técnicas de Preferência Revelada para aferir as tendências de consumo. A
grande limitação é que estas técnicas só podem ser aplicados em relação à
características existentes, enquanto em PD pode-se simular escolhas hipotéticas. A
tendência mais recente é a utilização de pesquisas como dados mistos de PD e PR
(Preferência Revelada).
Os passos metodológicos mais comuns a serem dados num
experimento em PD são os seguintes:
(a) Definição da forma e complexidade do experimento: decisões
básicas têm que ser tomadas sobre quais atributos e em que níveis estarão
distribuídos. Quanto mais atributos e níveis de escolha, mais complexa será toda a
pesquisa. Deve-se procurar simplificar a escolha do entrevistado através do limite de
atributos e níveis: entre 3 ou 4 atributos e 2 ou 3 níveis em cada um, manter constante
um dos atributos na maior parte das alternativas e proporcionar escolhas interme-
diárias na escala de preferências. Deve-se lembrar, sempre, que os limites do “output”
são dados pelos “input”, isto é, a validade e a aplicabilidade do modelo estimado, a
partir das respostas/escolhas de PD, depende muito da escala e níveis utilizados para
os atributos (Jones, 1991). É importante ainda preservar o grau de independência dos
atributos, para evitar os efeitos de colinearidade (distorção estatística que associa a
mesma variação, para duas variáveis independentes diferentes);
157
(b) Definição da Amostra: a nível qualitativo, a definição de quem
entrevistar depende de quais atributos estão sendo investigados e quais tipos de
alternativas serão oferecidas para a escolha. Os objetivos do experimento podem
delimitar uma zona, segmento ou eixo de transporte urbano. Em termos quantitativos,
o tamanho da amostra (3% a 5% do universo pesquisado), geralmente, é menor que a
utilizada nas pesquisas tradicionais de transporte. Na realização desta pesquisa de
campo, o tamanho da amostra ideal deveria ser por volta de 500 indivíduos; o que
corresponderia a 3% de uma demanda na hora-pico de 16 mil passageiros; entretanto,
optou-se por um número inferior de entrevistas (181 usuários), dada a limitação dos
recursos disponíveis e o caráter exploratório do uso desta metodologia.
(c) Realização de Entrevistas: é a aplicação dos questionários.
Existem várias combinações de custo e eficácia, desde o preenchimento assistido pelo
entrevistador diretamente em domicílio, no local de trabalho ou dentro do veículo, até a
utilização do correio e telefone para distribuição e recebimento das perguntas.
Cuidados sobre a inteligibilidade, a extensão dos questionários, e o momento de
aplicá-los devem ser considerados e dependem, basicamente, do público-alvo que se
quer atingir, do contexto particular da entrevista e da complexidade dos
atributos/níveis envolvidos; a "clientelização", isto é, segmentação dos questionários
por renda, modo, tempo de viagem, etc., contribui para superar estas dificuldades e
obter respostas mais realísticas e precisas.
(d) Medição da Preferência: existem três formas de realizar esta
atividade: (a) construindo um ranking, ordenando as opções de acordo com a ordem
de preferência do usuário, geralmente através da combinação de cartões (que podem
ser coloridos ou não), representando cada atributo e valor; (b) combinação entre duas
escolhas apenas (A ou B), distribuídas em até cinco níveis de escolha, desde o nível
"indiferente" até "definitivamente prefiro alternativa A" ou (c) montagem de um escore
para cada alternativa, sobre uma determinada escala ou definir perguntas, especi-
158
ficando a "transferência" de preferência entre tempo e custo, por exemplo. Neste
último caso, mensura-se a utilidade ganha (ou perdida), numa ou em outra alternativa;
(e) Análise dos dados: há dois procedimentos mais comuns para
estimação em PD. Em modelos linearizados, procede-se uma Análise de Regressão
Múltipla, utilizando atributos do serviço e variáveis sócio-econômicas como variáveis
independentes, para estimar as funções-utilidade para cada entrevistado (ou grupo de
entrevistados). Atenção especial deve ser dada ao aspecto de converter a escala
subjetiva de dados para a forma probabilística, sem afetar a precisão dos coeficientes
utilizados, daí a importância fundamental do Projeto do questionário e da escala
realística dos atributos (maiores detalhes serão vistos na seção VII.2). O outro meio é
a utilização do modelos que requerem funções logísticas (logit multinomial, por
exemplo), onde os dados são convertidos em seqüências de conjuntos de escolha
(mapas de preferência) probabilísticas, o processo de calibragem e validação deste
modelo é feito através de métodos estatísticos de otimização, como a “maximização
de uma função de verossimilhança”, utilizando-se recursos computacionais
apropriados (algoritmos). Neste último caso procura-se encontrar coeficientes “an”
que, ao serem multiplicados pelos valores de cada atributo (ou alternativa escolhida),
geram probabilidades que maximizam a possibilidade de reproduzir as escolhas
observadas através das entrevistas.
VI.4) Diferenças entre Preferência Revelada e Declarada{ TC
"VI.4) Diferenças entre Preferência Revelada e Declarada" \f C \l "2" }
As técnicas de PR permitem conhecer a eleição de cada indivíduo e
determinar, por meio de técnicas estatísticas apropriadas, as decisões em escolha
discreta como em PD. Entretanto, podem apresentar algumas limitações (Ortúzar &
Garrido, 1992):
159
(a) ao observar a realidade, pode-se detectar variações insuficientes
para a adequada calibração do modelo, para que ele possa incorporar todas as
variáveis de interesse do modelador;
(b) as variáveis explicativas (independentes) de maior interesse
podem estar correlacionadas (como tempo e custo de viagem), o que dificulta obter o
impacto individualizado de cada atributo;
(c) as técnicas de PR não podem ser utilizadas na modelação da
demanda em alternativas que não estejam disponíveis no ano-base. Esta é a maior
limitação para avaliação de impactos de projetos que contemplem a introdução de
novas alternativas de transporte, como a introdução de novos modos de maior
capacidade;
(d) os métodos de PR requerem que as variáveis independentes
sejam expressas quantitativamente, o que dificulta a possibilidade de considerar
atributos mais subjetivos como segurança, comodidade, conforto, confiabilidade, etc.;
(f) podem existir importantes erros de medição nos dados utilizados,
porque, nem sempre, se dispõe de informações completas sobre o conjunto de
alternativas de escolha dos indivíduos.
Frente a estas limitações, as técnicas de PD apresentam as
seguintes vantagens:
(1) o “ranking” de variação dos atributos (variáveis explicativas) pode
ser estendido ao nível requerido ou desejado pelos objetivos do experimento;
(2) é possível construir cenários que reduzam completamente a
correlação entre variáveis independentes, precisando o impacto de cada uma na
variável dependente;
(3) é possível incorporar fatores e alternativas que não estejam
presentes no ano-base do estudo (isto é, escolhas hipotéticas);
160
(4) os efeitos das variáveis de interesse podem ser isolados
totalmente, inclusive, em variáveis normalmente não quantificáveis, porém de valor
relevante, como o conforto;
(5) o conjunto de alternativas disponíveis pode ser pré-estabelecido
de acordo com o objetivo do estudo;
(6) de acordo com os métodos utilizados na estimação dos
coeficientes de cada variável independente, reduz-se a possibilidade de erros de
medição.
A nível operacional, as técnicas de PD apresentam vantagens quanto
à redução de custos e tempo de trabalho, pois as variáveis necessárias para
modelação são aquelas definidas a priori pelo modelador.
Uma das principais (e não desprezível) desvantagem dos dados
obtidos em PD, consiste em que poderão existir diferenças entre o que os indivíduos
declaram (suas escolhas) e o seu comportamento definitivo, quando tais escolhas
puderem ser realizadas. Existem, dentro desta questão, diversos tipos de desvios que
podem distorcer ou diminuir a capacidade preditiva em PD. Algumas pesquisas
procuram diminuir estes "desvios" através da utilização conjunta das duas técnicas.
Estes desvios (ou viéses) podem se classificados como:
(a) de afirmação: o indivíduo entrevistado pode, consciente ou
inconscientemente, responder de acordo com o que imagina que o entrevistador
deseja receber;
(b) de racionalização: o entrevistado pode fornecer respostas falsas
ao procurar mentalmente racionalizar seu comportamento normal e habitual;
(c) de política: o entrevistado pode influenciar deliberadamente de
forma distorcida, a fim de influir na política de transporte que ele acredita decorrente
da entrevista;
161
(d) de restrição: se o entrevistado não considera como deve suas
restrições (orçamentárias), pode responder incorretamente as perguntas.
Para evitar ou minimizar tais possibilidades de distorção das
respostas, alguns cuidados devem ser tomados, principalmente na construção dos
formulários para as entrevistas, como por exemplo: definir atributos relevantes para o
usuário, escolher níveis realísticos de variações dos mesmos, para possibilitar
escolhas (trading-offs) ativas dos usuários, definir a representação visual (gráfica ou
pictórica) adequada, para possibilitar a real percepção do usuário a respeito da
escolha que irá fazer. Também, deve-se segmentar os questionários a nível sócio-
econômico aproximando, assim, o conjunto de escolhas terá uma contextualização
efetiva dos hábitos, orçamento e características pessoais.
VI.5) Aplicabilidade das Técnicas de PD{ TC "VI.5) Aplicabilidade
das Técnicas de PD" \f C \l "2" }
As Técnicas de PD têm sido aplicadas nos estudos que envolvem a
quantificação de variáveis como conforto ou segurança e, principalmente, antes da
realização de melhoramentos no serviço ou grandes investimentos, como a
implantação de VLT ou pré-metrôs, objetivando prever as reações dos futuros usuários
(o comportamento da demanda).
As técnicas se aplicam a contextos amplos na pesquisa e
planejamento de transportes, como por exemplo: na avaliação de prioridades dos
passageiros, na estimativa das elasticidades-preço da demanda em vários atributos do
serviço, nos estudos de escolha de rota, nos estudos sobre o valor do tempo, nos
estudo de divisão de mercado, etc., (Kroes & Sheldon, 1988).
162
Preferência Declarada é utilizada, especialmente, para superar a
falta de informações sobre novos serviços de transporte, ou quaisquer outros produtos
no mercado. Quando se pretende, por exemplo, estabelecer um novo serviço de
ônibus com vantagens diferenciadas para o usuário (menor tempo de viagem,
comodidade do veículo ou itinerários mais atrativos), as informações disponíveis
sobre seu atual comportamento se tornam irrelevantes, pois necessariamente,
deverão ser observadas novas reações diante das mudanças. Por outro lado, as
pesquisas de imagem ou opinião, tradicionais, apresentam resultados fora do contexto
do usuários, sem considerar o conjunto de possibilidades do novo produto ou as
restrições sócio-econômicas dos diferentes grupos de usuários ou consumidores.
Desde os anos oitenta estas técnicas estão em constante
aperfeiçoamento, para descrever alguns exemplos práticos de sua aplicação em
diversas situações, pode-se citar os seguintes casos, conforme Willumsen & Vicuña
(1990):
(a) Avaliação da Demanda por um serviço de transbordo rápido em
Cook Straits, Nova Zelândia: este estudo compreendeu três etapas; estudo de
viabilidade técnica, avaliação econômica e análise de mercado. Na última etapa se
realizaram estudos específicos utilizando técnicas de PD;
(b) Estudo sobre freqüência, destino e modo de viagem em Londres,
Inglaterra: neste projeto foram utilizadas técnicas de PD e PR (Preferência Revelada)
para desenvolver modelos de escolha discreta entre estes três fatores e segundo
quatro motivos de viagem: ao trabalho, de compras, ao aeroporto (Heathrow) e
“outros”. As entrevistas de PD foram feitas utilizando computadores portáteis;
(c) Estudo para modelagem do transporte público de Hong Kong: as
técnicas de PD foram utilizadas conjuntamente com modelos estratégicos de
transportes para estimar valores da Demanda de passageiros e o modo de transporte
entre a ilha e o continente;
163
(d) Estudo sobre as escolhas do modo de transporte para a
Netherland Railway, Holanda: objetivando estudar os fatores capazes de influenciar os
passageiros das viagens interurbanas, a nível de mudança do modo de transporte, o
estudo incluiu os seguintes atributos: tarifa, tempo de viagem, número de transbordos
e nível de conforto. As entrevistas foram realizadas por meio de computadores
portáteis;
(e) Estudo do estado de limpeza no metro de Londres, feito pela
empresa London Underground, Londres, Inglaterra: objetivava avaliar a percepção e a
atitude dos passageiros diante a distintos estados de limpeza do metrô. Uma pesquisa
tipo “antes e depois”, foi efetivada em cinco estações que passaram por um programa
especial de limpeza. Os atributos considerados foram: tarifa, presenças de guardas
nas estações, poluição visual e grau de limpeza. As entrevistas foram realizadas nas
estações e para evitar demoras, foram utilizados computadores;
(f) Estudo de Marketing de cargas refrigeradas, CSVA, Chile: as
técnicas de PD foram utilizadas para uma sondagem de possíveis mercados para
exportação de produtos chilenos não-tradicionais, através de navios. O estudo
entrevistou produtores e exportadores, envolvendo atributos como: tarifa, tempo de
viagem, serviço intermodal de transporte, tipo de embarque de mercadorias, etc. Este
estudo permitiu calcular que incremento da tarifa poderia ser feito se fosse oferecido
um melhor serviço de embarque das mercadorias, sem reduzir a demanda.
(g) Estudo das atitudes dos usuários de “bilhete de temporada” ao
modificar-se as tarifas entre os serviços locais e interurbanos, Britsh Rail, Inglaterra:
devido ao congestionamento de passageiros nas horas de pico a empresa ferroviária
britânica decidiu investigar as mudanças prováveis da demanda com a modificação do
sistema de tarifas. As tarifas para “bilhetes de temporada” seriam aumentadas,
enquanto que as tarifas locais permaneceriam as mesmas. As entrevistas de PD,
feitas pelo correio com usuários registrados na empresa, contemplaram os seguintes
164
fatores: tarifa diferenciada (quatro níveis) e capacidade dos trens locais (dois níveis).
O usuário foi estimulado a escolher em qual caso usaria o serviço interurbano e foram
utilizadas fotografias para ilustrar os diferentes tipos de trens. O estudo permitiu prever
a futura demanda, considerando aumentos de 30% a 40% da tarifa, com alto grau de
precisão.
(h) Sistema de Transporte Público alternativo em Leeds, Inglaterra: o
conselho municipal da cidade pretendia implementar um sistema de transporte público
completamente automático, em via elevada. As entrevistas foram feitas nas casas dos
usuários, que foram perguntados sobre diferentes níveis de custos de viagem (tarifas),
para o automóvel e para o novo serviço projetado. Os modelos calibrados permitiram
concluir que o novo modo proposto não iria atrair suficientes passageiros para
assegurar sua viabilidade econômica.
Estes exemplos mostram claramente a validade destas técnicas ao
simular o resultado de políticas públicas efetivas em transporte. Evitando erros muito
comuns nos projetos de transportes e nos métodos de avaliação tradicionais, tipo
custo-benefício.
165
CAPÍTULO VII
{ TC "CAPÍTULO VII" \f C \l "1" }
A TÉCNICA APLICADA: A PREFERÊNCIA DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO
EM PORTO ALEGRE{ TC "A TÉCNICA APLICADA: A PREFERÊNCIA DOS USUÁRIOS NO
TRANSPORTE COLETIVO EM PORTO ALEGRE" \f C \l "1" }
VII.1) Caracterização do Corredor de Transporte estudado.{ TC
"VII.1) Caracterização do Corredor de Transporte estudado." \f C \l "2" }
Optou-se por realizar um estudo de caso, para verificação da
validade metodológica das Técnicas de Preferência Declarada, no Corredor Assis
Brasil. A decisão baseou-se em dois motivos:
(1) é o principal eixo de expansão urbana-metropolitana dos últimos
quarenta anos, sendo o eixo estruturador da parte com maior dinamismo econômico
de Porto Alegre, a Região Norte-nordeste;
(2) por ser o corredor com maior demanda, apresentando uma
situação de quase-saturação e gerando, por isso mesmo, um volume considerável de
debates entre técnicos, usuários e operadores sobre as eventuais "soluções" a serem
adotadas;
Um dos pontos nevrálgicos destes debates, tem sido o atual nível de
serviço oferecido à população e sua influência sobre a qualidade de vida. Neste as-
pecto particular, os atributos selecionados - conforto e tempo de viagem - incidem
diretamente sobre o tema.
166
A atual Avenida Assis Brasil tem origem histórica nos caminhos que
ligavam o povoamento inicial de Porto Alegre aos lagunenses, que vinham do litoral,
passando por Santo Antônio da Patrulha. Conhecida como a "Estrada de Gravataí" ou
"do Passo da Areia". Em 1943 ela ainda se encontrava despovoada, com exceção de
um pequeno núcleo na vila Floresta. Nesta época, a avenida era uma faixa asfaltada
de 6 metros de largura com 20 metros de reserva. Na década de 50, sofreu sucessivas
pavimentações e alargamentos que estabeleceram uma pista asfaltada de 7,20 m. e,
até a conclusão da freeway, foi o único caminho para o nordeste do Estado pelo
litoral, com exceção da estrada para Viamão.
O povoamento da Assis Brasil ocorreu a partir da Vila Floresta e do
IAPI, este último - um conjunto residencial - concluído em 1950. Após a enchente de
1941, diversas empresas, como a Wallig (fogões), Tintas Renner e a estamparia
Matarazzo, se deslocaram para a região. A maioria das residências foram, e são até
hoje, de renda média e inferior, com exceção das áreas residenciais ao norte da Assis
Brasil que tem renda média superior, como é o caso do bairro Jardim Lindóia.
O núcleo comercial histórico esteve localizado entre o atual Viaduto
Obirici e a Estrada do Forte, sofrendo poucas modificações em termos locacionais
desde então. O fator preponderante de ocupação e desenvolvimento da Assis Brasil (e
da Farrapos) foi seu papel de ligação viária e acesso à estradas federais e estaduais
(BR-116, BR 290/BR 101). A área da Avenida só foi objeto de regulamentação
urbanística a partir do Decreto Lei 2.872 de 1964 (complementar ao Plano Diretor de
1959), quando foram estabelecidas algumas regras de zoneamento consagrando sua
função comercial e residencial mista, permitindo comércio ao varejo e pequenas
indústrias. Com a revisão do Plano em 1979 (I PDDU), reforçou-se a Assis Brasil como
um "Pólo e Corredor de Comércio e Serviços", já que apenas 10% das áreas
contíguas (como a Vila IAPI), não se enquadraram nesta condição. O Índice de
Aproveitamento (I.A.) estabelecido pelo I PDDU para Comércio e Serviços chegou até
3,4, enquanto a atividade residencial, entre 1,0 e 1,2, anteriormente existia um I.A.
167
uniforme de 2,0. Esta política urbana favoreceu, evidentemente, a construção civil e o
incremento geral de atividades na área.
Relacionado com estes incentivos ao comércio e aos conjuntos
habitacionais, está o significativo crescimento populacional de alguns bairros e
municípios metropolitanos daquela região, como podemos ver na Tabela 5.
Tabela 5 Crescimento Populacional em 1980/91 na Zona Norte{ TC
"Tabela 5 Crescimento Populacional em 1980/91 na Zona Norte" \f F \l "1" }
Local 1980/91 Densidade (1991)
B.Rubem Berta
151,2% 82,4
B. Humaitá 131,6% 25,8
B. Sarandi 6,1% 58,4
Alvorada 53,2% nd
Cachoeirinha 39,4% nd
Gravataí 68,4% nd
P.Alegre 12,2% 27,3
RMPA 32,5% nd RGS
17,9% nd
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1980 e Dados Preliminares de 1991. * Habitante/Km2 nd = não disponível
Enquanto isso, bairros na área central de Porto Alegre, como o Cen-
tro, Bom Fim ou Cidade Baixa apresentaram crescimento negativo no mesmo período.
A Avenida Assis Brasil teve seu corredor inaugurado em 30 de
Janeiro de 1981, após quase três anos de obras que provocaram enormes transtornos
para a população local. Em 1980, calculou-se em 378 mil passageiros urbanos e
168
interurbanos se deslocando pelo eixo da Assis Brasil e uma população na área de
influência dos corredores Assis Brasil e Farrapos, em aproximadamente 349 mil
habitantes.
Atualmente existem 119 linhas metropolitanas que utilizam o
Corredor Assis Brasil, perfazendo um total de 2.105 viagens diárias e movimentando
157.177 passageiros. No pico matutino, 95% destas viagens tem destino no Centro de
Porto Alegre, embora contenham, em média, 50% dos usuários com destino final no
Corredor Assis Brasil, 15% no Corredor Farrapos e apenas 35% na área central da ci-
dade.
Apesar destes problemas do atual modelo operacional de transporte
rodoviário urbano, e de uma série de medidas previstas e não executadas desde 1976,
uma das maiores vantagens dos corredores do eixo norte foi ter aumentado, em
média, a velocidade comercial dos ônibus e, assim, ter reduzido o tempo total de
viagem (ver Tabela 6).
Tabela 6 Velocidade nos Corredores (Km/h){ TC "Tabela 6 Velocidade
nos Corredores" \f F \l "1" } *
Assis Brasil no ônibus Farrapos no ônibusano
ônibus carros hora-pico ônibus carros hora-pico
1978 12,6 24,0 218 16,4 21,9 442 1981 13,6 28,5 300 14,1 18,0 454 1985 20,2 26,8 n.d. 15,7 25,5 n.d. 1987 14,4 n.d. n.d. 16,2 n.d. 272 1990 19,0 n.d n.d. 17,5 n.d n.d.
Fonte: Lindau (1987) e Gardner (1990), entre as 18h. e 19h., sentido C-B n.d.: não disponível
169
Um dos trechos mais críticos do corredor é o existente entre o
Viaduto Obirici e a rua Francisco Trein. Neste trecho ocorre o maior carregamento
proporcional, em um único trecho, entre as radiais urbanas: 40.444 passageiros, das
17h às 20h, no sentido C-B. Desde 1986, uma pesquisa EDOM identificava a concen-
tração de passageiros neste segmento do corredor, como mostra a Tabela 7.
Tabela 7 Passageiros Embarcados por Estação{ TC "Tabela 7
Passageiros Embarcados por Estação" \f F \l "1" }*
Estação Pass.Urbanos Interurbanos
Obirici 3.264 2.207
C. Comercial 1.789 962
Cristo
Redentor 1.649 1.234
Fonte: SMT, Pesq. EDOM, 1986 * pico da tarde, das 17h às 20 horas.
Apesar da relativa defasagem no tempo, este quadro não mudou
muito nos dias de hoje. Em termos proporcionais, estas três estações (das oito
existentes), detém uma fatia de 49% dos passageiros urbanos e 47% dos passageiros
interurbanos do total do corredor.
A Estação Obirici, junto ao Viaduto do mesmo nome, merece um
destaque especial. Recente estudo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
(SMT/SECAR, 1993), assinala que os tempos de embarque chegam, em determinados
momentos, a 10,4 segundos por passageiro, contra aceitáveis 2 segundos, o que
prolonga o tempo de viagem pelo atraso na partida dos veículos. Outro dado
interessante, é a existência de uma virtual integração radial-transversal e isomodal
entre o eixo da Assis Brasil e a linha transversal T1. Por levantamentos O/D, reali-
170
zados pela SMT/PMPA, identificou-se que 83% dos passageiros embarcados no
terminal da linha T1 tem origem na estação Obirici, que funcionaria, neste caso, como
uma estação de transbordo, mesmo sem as mínimas condições físicas para cumprir
este papel.
Se estes problemas perdurarem por mais tempo, e mesmo
atualmente, as condições de conforto dos passageiros e o tempo total de viagem no
Corredor Assis Brasil tendem a deteriorar-se inexoravelmente. Vários sintomas mais
visíveis desta situação podem ser constatados pela simples observação atenta da
operação no Corredor, na hora-pico (matutina ou vespertina): a excessiva lotação de
muitos veículos, contrastando com a baixa ocupação de outros, o excessivo tempo de
embarque nas estações (Obirici, p.ex.) ou o desnecessário número de percursos
interurbanos ao centro.
É necessário, portanto, que se desenvolvam técnicas e metodologias
apropriadas - como as técnicas de Preferência Declarada -, para contribuir na solução
destes problemas, capazes de prever o comportamento da demanda, caso se alterem
algumas variáveis fundamentais do nível de serviço.
VII.2) Definição do Design e complexidade da pesquisa{ TC
"VII.2) Definição do Design e complexidade da pesquisa" \f C \l "2" }
(a) DEFINIÇÃO DOS ATRIBUTOS: O objetivo da pesquisa foi
verificar o valor que os usuários atribuíam ao conforto e ao tempo de viagem no
Corredor Assis Brasil. Para estimar tais valores, foram utilizadas as técnicas de
Preferência Declarada, conforme a abordagem teórica do Capítulo VI.
Em relação ao atributo CONFORTO, foi adotado o conceito de
"lotação do veículo", medido através do número de passageiros por metro quadrado
171
de área útil (densidade), como a representação mais usual e significativa para os
usuários e nos estudos de demanda em transportes (ver seção III.5). Quanto ao
atributo TEMPO DE VIAGEM, foi adotado o significado de "tempo total de viagem",
isto é, o somatório entre o tempo de acesso ao terminal de origem, o tempo de espera
pelo ônibus, o tempo dentro do veículo e o tempo de acesso ao local de trabalho a
partir do terminal de destino. O valor do tempo estimado nesta concepção se
relaciona, portanto, não só ao sistema de transporte em si, como também à própria
localização residencial e a área de influência do corredor norte - Av. Assis Brasil.
Para assegurar que o usuário percebesse claramente os diversos
níveis de conforto e tivesse condições de optar claramente entre duas alternativas,
(com os respectivos tempos de viagem e tarifas cobradas) optou-se pela visualização
através de um desenho dos veículos com diferentes níveis de ocupação: 2, 3, 5, 7 e 8
pass./m2. Os desenhos foram baseados no modelo de um ônibus urbano OF 1315,
carroceria Torino e chassis Mercedes-Benz, com lotação sentada de 45 pessoas mais
8,66 m2 de área útil, por ser um dos tipos predominantes na frota de ônibus da cidade.
Assim, aproximou-se bastante da realidade, a nível da visualização da lotação do
veículo. Por exemplo, um veículo com o pior conforto, 8 pass./m2, corresponde à
lotação completa de banco e todo a área restante ocupada densamente; enquanto que
um veículo com o melhor conforto, 2 pass./ m2, corresponde a todos passageiros
sentados, com alguns assentos ainda disponíveis. A visualização dos vários níveis de
ocupação foi dada pela Figura a seguir.
Figura 2
Representação dos níveis de Conforto{ TC "Figura 2
Representação dos níveis de conforto" \f A \l "1" }
8 pass/m2
172
7 pass./m2
5 pass./m2
3 pass./m2
2 pass./m2
b) DEFINIÇÃO DOS NÍVEIS PARA CADA ATRIBUTO: a variação
dos níveis de CONFORTO, entre duas alternativas, foi estabelecida em: 0 pass./m2
(variação nula), 2 pass./m2 (variação baixa), 4 pass./m
2 (variação média) e 6 pass./m
2
173
(variação alta). O item TEMPO DE VIAGEM foi dividido em três níveis de variabilidade:
0 (nulo), 5 (baixo) e 15 (alto) minutos para usuários com tempo atual aproximado de
15 minutos; 0, 10 e 20 minutos para usuários com tempo atual aproximado de 30
minutos; e 0, 15 e 25 para usuários com tempo atual aproximado de 45 minutos.
A definição de 4 níveis de conforto e 3 níveis de tempo de viagem
fixou em 12 combinações possíveis entre estes atributos em pares de alternativas.
Como em uma das escolhas a variação do conforto e do tempo de viagem eram
simultaneamente zero, restaram 11 escolhas possíveis (11 "cartões" com duas
alternativas). Cada escolha implicava em optar entre a Alternativa "A" com um nível de
conforto, um nível de tempo e uma tarifa associada e uma Alternativa "B" com outros
níveis de conforto, tempo e tarifa associados (ver modelo-padrão do Questionário, em
Anexo).
(c) SEGMENTAÇÃO DA AMOSTRA: as variações do tempo de
viagem aproximado (em 15, 30 e 45 minutos), correspondem à um nível de
segmentação das entrevistas, o outro nível de segmentação corresponde às
diferenças salariais dos usuários: usuários ganhando 1 salário mínimo, 3 salários-
mínimos e com 9 salários-mínimos. Estes valores correspondiam, no mês da
pesquisa, a aproximadamente: CR$ 75.000,00, CR$ 225.000,00 e CR$ 675.000,00
(Cruzeiros Reais, em valores de Abril de 1994).
Assim, cada indivíduo entrevistado recebeu um questionário (com 11
escolhas a definir), com valores próximos e mais adequados ao seu tempo atual de
viagem e ao seu salário. Isto foi feito para tornar as respostas (as escolhas hi-
potéticas), mais realísticas e minimizar a possibilidade de distorções.
As entrevistas foram realizadas com indivíduos que utilizam o
Corredor Assis Brasil (inclusive como destino, não importando a origem), para a
realização de viagens matutinas por motivo-trabalho. Neste tipo de viagem, motivo-
trabalho com origem no domicílio, o valor do tempo tende a ser mais real que em
174
outros motivos ou horários, onde o usuário “flexibilizaria” o valor atribuído ao tempo de
viagem, como nas viagens motivo-trabalho de volta para casa, no final do dia.
(d) DEFINIÇÃO DO VALOR DO TEMPO: conforme a argumentação
teórica vista na seção III.5.1, adotou-se um valor do tempo equivalente a 50% da
renda monetária dos indivíduos correspondendo à CR$ 3,00, 9,00 e 27,00 cruzeiros
por minuto (valores de Abril/94), respectivamente para as três faixas salariais. Este
valor foi arbitrado, devendo ou não ser comprovado pelos resultados do modelo.
Considerou-se, para esta definição preliminar do Valor do Tempo (VT), uma jornada
de oito horas diárias de 26 dias mensais; os valores das faixas salariais foram
arredondados, iguais aqueles adotados na segmentação da amostra.
(e) DEFINIÇÃO DOS CUSTOS (TARIFAS) NAS ESCOLHAS: cada
escolha implica em duas alternativas que combinam níveis diferenciados de tempo de
viagem (de acordo com a segmentação definida) e de conforto, além de um custo
específico que neste caso, foi considerado igual a tarifa cobrada dos usuários. A
alternativa de menor (ou igual) conforto, ou maior (ou igual) tempo de viagem, foi
associada com o valor vigente à época, correspondente a CR$ 340,00, enquanto que
a tarifa associada à alternativa de maior conforto e menor tempo de viagem foi fixada
em valores superiores. A tarifa da “alternativa B” aumenta proporcionalmente ao valor
do tempo atribuído em cada faixa salarial (CR$ 3, 9 e 27 p/min.), e aumenta, também,
de acordo com a magnitude das diferenças de tempo e conforto entre as alternativas.
Pode-se observar melhor estas variações, através da relação de valores utilizados em
todos os tipos de questionários, em Anexo.
Os valores foram calculados a partir do conceito de “Valores Limites”,
que é o valor limite de utilidade de um atributo em relação ao outro (Fowkes, 1991).
Este número expressa a taxa de substituição de um valor pelo outro. Seria o "ponto de
indiferença", onde o grau de satisfação do usuário (utilidade) é o mesmo em relação a
dois atributos diferentes. Admita-se, por exemplo, os coeficientes a1 e a2 como os
175
parâmetros dos atributos "T" (Tempo de viagem em minutos) e "Conf" (Conforto em
pass/m2), respectivamente. Dada a função utilidade:
U = a1.T + a2.Conf (7.1)
a diferença entre duas alternativas (opções para o usuário), seria
expressa, então, por:
UA - UB = a1(TA - TB) + a2(ConfA - ConfB) (7.2)
no ponto geométrico onde fosse indiferente a escolha entre as duas
alternativas, ter-se-ía:
-a1(TA - TB) = a2(ConfA - ConfB) ou
a1/a2 = (ConfA - ConfB) / (TA - TB) (7.3)
Então o Valor Limite (VL) do Tempo, expresso em termos de
Conforto, poderia ser expresso da seguinte forma:
VLTA = (ConfA - ConfB) / (TA - TB) (7.4)
e o inverso:
VLConfB = (TA - TB) / (ConfA - ConfB) (7.5)
Os Valores-Limites podem ser Fixos, por exemplo, quando em
determinada escolha só varia o tempo, o conforto permanece igual. Neste caso, o
incremento na tarifa será causado somente pela variação do tempo, e vice e versa; ou
podem ser Variáveis quando os dois atributos variam simultaneamente. Neste último
caso, definiu-se cinco proporções numéricas de equivalência (que são hipóteses a
serem verificadas), relacionando o Valor do Tempo com o Valor do Conforto, ou seja,
supõe-se que o Valor do Tempo possa ser de um terço até três vezes maior que o
Valor do Conforto, conforme a expressão abaixo:
VTA = k ( VConfA )
onde k = {0,3, 0,5, 1, 2, 3}
176
Todos os questionários, em todas as segmentações por tempo
aproximado de viagem e renda dos usuários (considerada como o salário), têm os
mesmos níveis de variação do conforto já mencionados. O que muda são os níveis de
variação do tempo; quanto maior o tempo atual de viagem, maior é a amplitude entre
as diferenças, pois 5 minutos a mais ou a menos de tempo, produz impactos
diferentes entre indivíduos habituados a dispender 15 ou 45 minutos de casa até o
local de emprego. Mudam também, proporcionalmente, os Valores do Tempo (VT) em
relação à renda dos usuários. Como muda o valor do tempo e ampliam-se as
diferenças de tempo entre as escolhas, naturalmente, os valores tarifários crescem
proporcionalmente atingindo em seu ponto máximo (25 minutos de diferença, para os
usuários com 45 minutos, máxima renda (9 SMs) e diferença de 6 pass./m2 entre as
alternativas), aproximadamente quatro vezes os valores da tarifa vigente do modo
ônibus.
(f) A MODELAGEM DOS DADOS: em termos gerais, os usuários
preferem "menos" transporte à "mais" transporte, implicando no conceito de
(des)utilidade. Desta forma, pode-se representar sua função objetivo segundo a forma
geral da função utilidade como:
Min U = f(X) (7.6)
Sujeito a R
onde “U” é a função de (des)utilidade, “X” é o vetor de atributos e “R” as restrições,
normalmente a limitação orçamentária (Senna et alii, 1994). Como o que interessa,
sempre, é a diferença de utilidade entre duas alternativas e três atributos (conforto,
tempo de viagem e custo), pode-se representar a equação (7.6) do seguinte modo:
UA-UB = + a1(TA-TB) + a2(ConfA-ConfB) + a3(CA-CB) (7.7)
onde:
177
UA-UB = ∆U = diferença de utilidade entre as duas alternativas "A"
e "B";
a1, a2, a3 = são os parâmetros a serem estimados;
T, Conf, C = são as variáveis explicativas do modelo,
respectivamente, tempo de viagem (em minutos), conforto (em pass./m2) e custo
(tarifas).
Como pressupõe-se que o processo de escolha dos usuários
envolve uma parcela de racionalidade, que há um componente de subjetividade na
decisão e que cada indivíduo reage de maneira diferente às alternativas que lhe são
oferecidas, devemos adotar uma função probabilística para a demanda. Assim a
probabilidade de escolher a alternativa "A", p.ex., em detrimento da "B", é expressa
por:
PA = prob [UA≥ UB] (7.8)
Admitindo-se que a utilidade das alternativas (UA e UB) sejam
variáveis aleatórias (probabilísticas), elas podem ser decompostas em dois elementos
básicos: um componente sistemático e um componente aleatório. Sendo assim a
expressão (7.8) poderia ser escrita de outra forma:
PA = prob [ (VA - ε A) ≥ (VB - ε B )] (7.9)
Onde "VA" é o elemento sistemático - traduzindo o comportamento
racional do usuário; e "ε B" o elemento aleatório - que representa o componente de
subjetividade de sua decisão. O que importa é a magnitude da diferença entre os
elementos sistemáticos em relação aos termos aleatórios (ou termos de perturbação),
assim poderíamos reescrever a expressão (7.9) da seguinte forma:
PA = prob [ (VA-VB) ≥ (ε A - ε B )] (7.10)
Sabe-se que as probabilidades de escolha não são afetadas quando
adicionamos ou multiplicamos as diferentes utilidades por uma constante. Sendo
178
assim, torna-se necessário estabelecer uma escala relacionada à parte sistemática
(VA e VB) da função, isto é, fazer com que as perturbações tenham o mesmo valor
para o conjunto de utilidades. Para fazer isto, basta assumir uma determinada
distribuição de probabilidade23
para a diferença entre os termos de perturbação (ε A -
ε B ), segunda parte da expressão anterior. Como os elementos de perturbação
expressam erros de diversas origens, diferentes tipos de distribuições de
probabilidade determinam os modelos a serem escolhidos. Esta escolha é arbitrária e
depende de qual delas se ajusta melhor à perturbações verificadas no processo de
estimação. Pode-se adotar uma distribuição Normal (no caso do modelo probit) ou
uma distribuição de Weibull ou Gumbel no caso do modelo logit (Novaes, 1986).
Em uma formulação menos rigorosa, pode-se interpretar os
elementos sistemáticos da expressão (7.10) como as médias da função utilidade,
como a apresentada em (7.6). Estes elementos, assim, seriam aproximações da
própria função utilidade, eles são compostos de atributos que caracterizam o sistema
e pelas características sócio-econômicas, eventualmente agregadas como variáveis
explicativas (GEIPOT/MIT, 1982).
A modelagem da estrutura de decisão dos usuários, em termos
probabilísticos, é normalmente feita com base no modelo logit (Wardman, 1988;
Senna, 1993 e 1994), cuja forma funcional para o caso multinomial é:
e-UA
PA = (7.11)
Σ e-UB
B=1,n
23 A distribuição de probabilidade de uma variável é uma função que representa o conjunto de ocorrências de todos os valores de uma variável em termos de
probabilidades cuja soma é sempre 1. No caso de variáveis discretas ela é denominada de "função densidade de probabilidade". A mais conhecida é a "distribuição normal de probabilidade" (ou distribuição de Gauss) que se graficada dá origem à "curva normal" (simétrica em forma de "sino"), a área sob a curva representa o espaço total de probabilidades de ocorrência da variável dependente (x).
179
Onde PA é a Probabilidade do usuário escolher a alternativa "A", "e"
é o logaritmo de base neperiano (e=2,7183) e UB a soma do valor das utilidades das
demais alternativas "B" envolvidas. Uma das propriedades mais importantes deste
modelo é a “Independência de Alternativas Irrelevantes (IAI)”. Esta propriedade é
formulada nos seguintes termos: "quando duas alternativas quaisquer tiverem
probabilidade de serem escolhidas, a relação entre a probabilidade de uma sobre a
outra não é afetada pela ausência ou presença de qualquer alternativa adicional ao
conjunto escolhido" (Ben Akiva e Lerman, 1985). Isto significa, em outras palavras,
que para um indivíduo o quociente das probabilidades entre duas alternativas é
independente e não é afetado pelas utilidades de todas as outras alternativas, no
conjunto possível de escolha. Outra propriedade importante diz respeito à
consideração dos termos de perturbação como independentes e identicamente
distribuídos.
A estimação da utilidade é feita através de modelos comportamentais
específicos para funções logísticas (modelos Logit e Probit e suas variações), tanto
para dados de PD quanto de RP. No caso da forma binomial do modelo logit, pode-se
linearizá-lo, através do uso de logaritmos, e estimar os parâmetros por meio de
Regressão Linear Múltipla24
. A forma linearizada da equação (7.7) seria expressa
como:
log [PA/(1-PA)] = a1 (TA-TB) + a2 (ConfA-ConfB) + a3 (CA-CB) (7.12)
onde:
an = coeficientes estimados por Regressão Múltipla;
log [PA/(1-PA)] = é a probabilidade de escolher a “alternativa A”
sobre a probabilidade de não escolher a “alternativa A”; 24 o objetivo principal de uma Análise de Regressão é predizer o valor da variável dependente dadas outras variáveis ditas independentes. A equação de
regressão é a forma algébrica pela qual se determina este valor. As hipóteses da Regressão são: a variável dependente deve ser sempre aleatória, a relação entre as variáveis é linear e as variâncias (medida de variabilidade em relação à média) das distribuições condicionais das variáveis independentes são todas iguais (homoscedasticidade), no caso de uma distribuição normal.
180
Esta expressão acima é considerada a variável dependente e
representa a escolha que os usuários fazem, de acordo com valores de
probabilidades, previamente arbitrados numa escala de cinco níveis (Bates, 1984;
MVA et alii, 1987). Ou seja, em cada par de alternativas (num total de 11 escolhas),
define-se a resposta como "indiferente" para uma probabilidade de escolha de 0,5
(50% de chance para cada alternativa) e simetricamente para cada alternativa:
"certamente escolho A" como 0,9 (90%), "provavelmente escolho A" com 0,7 (70%),
numa direção; e "certamente escolho B" com 0,3 (30%) e "provavelmente escolho B"
com 0,1 (10%), na outra direção. Deve-se lembrar que a alternativa "A" sempre está
associada aos menores valores de custo (e maiores ou iguais valores de tempo e de
pass./m2 - desconforto), em relação à alternativa "B".
(g) MONTAGEM DO QUESTIONÁRIO: o questionário foi dividido em
duas partes. A primeira contendo perguntas sobre dados sócio-econômicos e outras
características: uso de Vale-Transporte, idade, sexo, renda familiar aproximada, posse
de automóvel, natureza do horário de trabalho (fixo ou não), freqüência de uso do
ônibus (“todos ou quase todos os dias”, “somente às vezes” e “raramente”), quantas
pessoas moram na residência do entrevistado, quantas pessoas, destas, estão traba-
lhando, e o bairro e cidade de residência atual do entrevistado (ver modelo-padrão do
questionário, em Anexo).
Estas questões foram inseridas para possibilitar a estimação dos
modelos, considerando o efeito de algumas variáveis sobre o valor do tempo e do
conforto dados pelos usuários, como também, para possibilitar o desenvolvimento de
estudos posteriores a partir de um banco de dados já sistematizado. Algumas
hipóteses podem ser formuladas em relação às variáveis, por exemplo: (1) usuários
que usam Vale-Transporte25
poderão estar dispostos a pagar mais por mais conforto e
menos por tempo de viagem que os não-usuários de VT; (2) usuários com horário fixo
25 O Vale Transporte foi implantado a partir de 1985 e constitui-se basicamente da compra pelo empregador das passagens necessárias para o empregado se
deslocar até o emprego, sendo que até uma faixa de 3 SM o limite máximo de desconto no salário é de 6%, constitui um benefício econômico para as faixas de baixa renda e como é utilizado na forma de fichas (tickets) facilita, também, o embarque de passageiros e o controle da arrecadação dos veículos. Em Porto Alegre corresponde a cerca de 40% dos passageiros transportados.
181
para iniciar o trabalho tendem a pagar mais por menos tempo de viagem que outros;
(3) a valorização do nível de serviço (tempo e conforto, neste caso) deve crescer
proporcionalmente à renda percebida, e assim por diante.
Na segunda parte do questionário foram apresentados os 11 pares
("cartões") de escolhas conforme o design de Preferência Declarada. Foi adotado o
tipo "fatorial fracionado", que são combinações sucessivas e relacionadas das três
variáveis e a escala semântica de preferências (Fowkes and Wardman, 1988). O
tamanho do questionário foi de 8 páginas; na primeira página no canto superior
esquerdo se identificou a faixa de renda e o tempo de viagem aproximado, conforme a
segmentação definida, para facilitar a manipulação dos pesquisadores, ao abordarem
os entrevistados. Todos os valores numéricos das escolhas em relação à tarifa da
alternativa "B" foram arredondados para facilitar a compreensão do entrevistado.
VII.3) Os Resultados da Pesquisa{ TC "VII.3) Os Resultados da
Pesquisa" \f C \l "2" }
(1) APLICAÇÃO E VALIDAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS: Após a
definição da estrutura do questionário, foram realizadas as entrevistas com 181
usuários do Corredor Assis Brasil, no local de trabalho na área de influência do
corredor (na Avenida Assis Brasil e ruas adjacentes). O trecho pesquisado foi
delimitado pela Estação Obirici, ao sul, e pela estação Cristo Redentor, ao norte,
passando pela estação Centro Comercial, porque neste trecho concentra-se a maior
parte dos destinos no corredor e o uso do solo é relativamente homogêneo.
Predominam o pequeno e médio comércio varejista (vestuário, eletrodomésticos,
alimentação, mobiliário, etc.) e alguns serviços.
182
O trabalho de campo foi realizado com a ajuda de 10 pesquisadores
da Secretaria Municipal de Transportes (PMPA), habituados à pesquisas neste
corredor. As entrevistas foram realizadas no período de 23 a 27 de Maio de 1994.
Na análise preeliminar dos questionários aplicados foram validados
134, semi-validados 13 e invalidados 34. Os principais motivos de rejeição foram
causados pela não-variabilidade das respostas dos usuários ao longo das 11 escolhas
solicitadas (50%, ou mais, de respostas iguais), isto é, não se efetivaram os trade offs
esperados, o que tornaria irreal e distorceria o valor estimado dos atributos. Optou-se
por trabalhar com 134 questionários válidos, que propiciaram, assim, o significativo
volume de 1.474 observações (respostas) para estimar os coeficientes do modelo
segundo a equação (7.12).
(2) ESTIMAÇÃO DOS COEFICIENTES DE REGRESSÃO PAR-
CIAIS: Através de softwares disponíveis para organização de bancos de dados
relacionais e cálculos estatísticos de Regressão Múltipla, definiu-se os modelos de
acordo com as várias combinações possíveis. Ao invés de se considerar a variável
custo (diferenciação de custos entre as alternativas), foi utilizada uma variável que
combina custo e renda (divisão da tarifa pela renda do usuário), pois esta é a forma
para incorporar explicitamente, na especificação do modelo, os efeitos produzidos
pelas restrições de renda, ainda mais em contextos onde predominam baixos salários
como é o caso desta pesquisa (Senna et alii, 1994).
Considerando os objetivos desta dissertação - de exploração e
verificação da validade metodológica das técnicas de PD - foram exploradas na
estimação dos modelos apenas algumas combinações possíveis dos três atributos
(tempo, conforto, e Custo/Renda), com as variáveis apresentadas na Parte I do
questionário. Foram montados arbitrariamente três tipos de agrupamentos de variáveis
independentes, com o auxílio de variáveis dummy 26, e, além disso, considerou-se
26 a variável dummy é uma variável discreta que pode assumir valores 1 e 0 e auxilia na melhoria do processo de estimação.
183
como renda predominante dos empregados (usuários de ônibus) naquele trecho do
corredor, o valor de três Salários Mínimos (faixa intermediária da segmentação).
Foram estimados 28 modelos, subdivididos em três grupos de
variáveis explicativas, de modo a alcançar os melhores resultados, em termos de
significância estatística e capacidade explicativa da preferência dos usuários
(Coeficiente de Determinação, r2)27.
Na primeira coluna das tabelas a seguir (Tabelas 8, 9 e 10) estão o
nome das variáveis utilizadas. As variáveis CONFORTO, TEMPO e CUSTO/RENDA
(tarifa/renda) estão presentes nos três grupos. Na primeira linha das mesmas tabelas
está o número de identificação dos modelos ( das equações de regressão múltipla) e
abaixo dos coeficientes (entre parênteses) o valor da estatística t 28
.
Grupo (1): Envolvendo as variáveis explicativas Conforto, Tempo,
Tarifa, Custo/Renda (tarifa/renda) e as variáveis dummy "DummyRenda" e
"DummyTempo".
Tabela 8 Modelos Estimados no PRIMEIRO GRUPO{ TC "Tabela 8
Modelos Estimados no Primeiro Grupo" \f F \l "1" }
Modelos Estimados
(1) (2) (3) (4)
1) Conforto -0,1495 -0,1523 -0,1424 -0,1326 (-10,54) (-11,01) (-10,93) (-10,65) 2) Tempo 0,0096 0,0092 0,012 -0,0012 (1,85) (2,5) (2,5) (-6,75) 3) Tarifa -0,0008 -0,0082 -0,0008 ---- (-3,63) (-3,57) (-3,41) 4) Custo/Renda ---- ---- ---- ---- 5) DummyRenda 0,0996 ---- ---- ----
27 o coeficiente de determinação múltipla (ou correlação) varia de entre 0 e 1 (quanto maior o valor, maior é a correlação) e indica a proporção de variância da
variável dependente que pode ser estatisticamente atribuída ao conhecimento das variáveis independentes, a proporção explicada da variável dependente é medida aproximadamente pelo quadrado do coeficiente; quando há efeitos de colinearidade (alta correlação entre as variáveis independentes) ou autocorrelação (ausência de independência na amostragem da variável dependente Y), o coeficiente r2 perde seus significado.
28 a estatística t é um teste estatístico dos coeficientes de regressão estimados baseados na distribuição de Student. Fixa-se um nível de significância de 5% ou 10%,p.ex., e os graus de liberdade (n-2) decorrentes do número de observações para definir o valor de t , que delimita a região crítica. A “Região Crítica” representa o espaço de pbrobabilidade onde r2 é um valor não-nulo. A seguir calcula-se a variância e o t crítico, tc.
184
(1,26) 6) DummyTempo
---- 0,1629 ---- ----
(2,1)
r2 0,0638 0,0656 0,0634 0,0607
Modelos
Estimados (5) (6) (7) (8)
1) Conforto -0,1558 -0,1523 -0,1744 -0,1829 (-10,55) (-11,01) (-8,15) (-8,57) 2) Tempo ---- 0,0094 -0,0209 -0,0244 (1,86) (-1,13) (-1,32) 3) Tarifa -0,0008 -0,0008 ---- ---- (-3,05) (-3,57) 4) Custo/Renda -321,156 ---- -1001,92 -1048,24 (-2,9) (-2,41) (-2,53) 5) DummyRenda ---- ---- 0,0359 ---- (0,47) 6) DummyTempo
---- 0,1629 ---- 0,1549
(2,1) (2,0)
r2 0,0648 0,0638 0,0615 0,0617
(cont.)
Modelos Estimados
(9) (10) (11) (12)
1) Conforto -0,1631 -0,1574 -0,1553 -0,1824 (-10,68) (-10,2) (-10,7) (-8,38) 2) Tempo ----- ----- 0,0008 -0,0242 (1,58) (-1,31) 3) Tarifa ----- ----- -0,0008 ----- (-3,63) 4) Custo/Renda -509,369 -540,667 ----- -1045,92 (-6,03) (-6,38) (-2,52) 5) DummyRenda ----- 0,0255 0,057 -0,0093 (0,34) (0,89) (-0,11) 6) DummyTempo
0,1421 ----- 0,1469 0,1576
(1,86) (1,82) (1,95)
r2 0,0617 0,05288 0,0653 0,0661
(cont.)
Modelos Estimados
(13)
1) Conforto -0,17167
185
(-8,33) 2) Tempo -0,01986 (-1,08) 3) Tarifa ----- 4) Custo/Renda -988,91438 (-2,39) 5) DummyRenda ----- 6) DummyTempo -----
r2 0,059646
Grupo (2): Envolvendo as variáveis explicativas Conforto, Tempo,
Tarifa, Custo/Renda, Vale-Transporte e Horário de início do trabalho.
Tabela 9 Modelos Estimados no SEGUNDO GRUPO{ TC "Tabela 9
Modelos Estimados no Segundo Grupo" \f F \l "1" }
Modelos Estimados
(1) (2) (3) (4)
1) Conforto -0,1329 -0,1345 -0,1281 -0,1641 (-9,87) (-10,06) (-9,56) (-7,77) 2) Tempo 0,0111 0,0105 0,0103 -0,0178 (2,51) (2,19) (2,17) (-0,97) 3) Tarifa -0,0009 -0,0010 -0,0011 ----- (-4,04) (-4,6) (-4,74) 4) Custo/Renda ----- ----- ----- -987,034 (-2,33) 5)Vale-Transp. -0,2318 ----- -0,1002 -0,1333 (-2,75) (-1,13) (-1,63) 6) Horário ---- -0,5883 -0,5472 ----- (-5,38) (-4,75)
186
r2 0,0676 0,0809 0,0811 0,0607
Modelos
Estimados (5) (6)
1) Conforto -0,1582 -0,1578 (-7,64) (-7,5) 2) Tempo -0,0157 -0,0155 (-0,86) (-0,85) 3) Tarifa ----- ----- 4) Custo/Renda -938,47 -937,45 (-2,28) (-2,27) 5) Vale-Transp. ----- -0,0089 (-1,1) 6) Horário -0,4647 -0,46052 (-4,35) (-4,02)
r2 0,07097 0,0703
Grupo (3): Envolvendo as variáveis explicativas Conforto, Tempo,
Custo/Renda, Vale-Transporte, Horário, as variáveis dummy "DummyRenda" e
"DummyTempo".
Tabela 10 Modelos Estimados no TERCEIRO GRUPO{ TC "Tabela 10
Modelos Estimados no Terceiro Grupo" \f F \l "1" }
Modelos Estimados
(1) (2) (3) (4)
1) Conforto -0,1671 -0,0216 -0,1753 -0,1682 (-7,65) (-7,24) (-8,02) (-7,83) 2) Tempo -0,0189 -0,0183 -0,0223 -0,0197 (-1,02) (-0,82) (-1,21) (-1,07) 3) Custo/Renda -981,653 -931,936 -1025,84 -990,579 (-2,36) (-2,26) (-2,47) (-2,4) 4) DummyRenda 0,0412 -0,0169 ----- ----- (0,54) (-0,22) 5) DummyTempo ----- ----- 0,1589 0,1324 (1,96) (1,71) 6) Vale-Transp. -0,1351 ----- 0,1294 ----- (-1,66) (-1,59)
187
7) Horário ----- -0,4685 ----- -0,4521 (-4,32)
(-4,23)
r2 0,0603 0,0704 0,0625 0,0719
Modelos
Estimados (5) (6) (7) (8) (9)
1) Conforto -0,1752 -0,1646 -0,1678 -0,1566 -0,1645 (-7,88) (-7,47) (-7,69) (-7,47) (-7,39) 2) Tempo -0,0222 -0,0184 -0,0196 -0,0151 -0,0184 (-1,2) (-1) (-1,07) (-0,82) (-0,99) 3) Custo/Renda -1025,16 -974,358 -989,56 -931,40 -974,199 (-1,2) (-2,36) (-2,4) (-2,25) (-2,36) 4) DummyRenda -0,0029 -0,0593 ------ 0,0162 -0,0591 (-2,47) (-0,74) (-0,21) (-0,73) 5) DummyTempo
0,1527 0,1495 0,1324 ----- 0,1494
(-0,03) (1,85) (1,71) (1,85) 6) Vale-Transp 0,1293 ----- -0,0090 -0,0070 0,0002 (1,88) (-0,1) (-0,08) (-0,02) 7) Horário ----- -0,4638 -0,4478 -0,4650 -0,4628 (-4,28) (-3,91) (-3,99) (-3,97) r2 0,0619 0,0719 0,0747 0,06974 0,0712
(2.1) ANÁLISE DOS RESULTADOS: Para serem válidos, os
coeficientes devem ser significativos (considerando um tc, t crítico, de 1,96). Quanto
ao coeficiente de determinação (r2) ele deve ser o melhor possível, pois mensura a
capacidade explicativa das variáveis independentes em relação as variações da
variável dependente (utilidade). O baixo valor encontrado de r2 não chega a constituir
um problema significativo, pois embora seja menor que em outros experimentos de
PD, ele ainda pode ser considerado aceitável, uma vez que se trabalha com uma
quantidade de 3 variáveis, em vez de duas, como é mais usual nas pesquisas de PD
(Wardman, 1991). Os sinais esperados dos atributos pesquisados devem ser
negativos, pois expressam a relação inversa entre as variáveis explicativas e a
variável dependente. Isto é, quanto mais aumenta o número de pass./m2
((des)conforto), o tempo de viagem (variável Tempo) e a tarifa (variável Custo/Renda),
menor será o grau de satisfação /utilidade (variável dependente). Quando o sinal do
188
coeficiente não é o esperado (sinal positivo), sua aceitação ou rejeição depende do
nível de significância (t crítico) associado à variável; quanto maior a significância de
um parâmetro com sinal incorreto (nesta caso, sinal positivo) , maior será a
possibilidade de rejeição da variável (Ortúzar & Willmsen, 1990).
O Primeiro Grupo incluiu, além das variáveis centrais (Conforto,
Tempo e Custo/Renda), a variável Tarifa (não relacionada à renda), e duas variáveis
dummy. Os modelos mais significativos - em termos de estatística t, coef. de determi-
nação, sinais e valor dos coeficientes - foram o (7), (12) e o (13). Este último modelo
foi utilizado para calcularmos o valor do Tempo de viagem e do conforto dos usuários,
nas unidades de medida especificadas (em minutos e pass./m2). Observe-se que o
coeficiente da variável TEMPO, neste primeiro grupo de modelos, não é significativo
para um nível de confiança de 95% (com um t crítico = 1,96). Isto pode ter acontecido,
talvez, porque a visualização dos níveis de conforto produziu um impacto maior na
percepção dos entrevistados. Ou porque, a diminuição do tempo de viagem
proporciona uma satisfação menor que a diminuição da lotação dos veículos
((des)conforto) para estes usuários, assim os usuários estariam dispostos a pagar
mais pela melhoria deste atributo.
No Segundo Grupo de modelos, onde foi introduzida a variável
"Vale-Transporte" e "Horário", os modelos mais significativos foram o (2) e o (5).
Ambos apresentaram r2 mais altos que a média dos anteriores. Porém no modelo (2),
o sinal da var. "Tempo" foi positivo (significando que quanto mais tempo de viagem,
maior seria a utilidade, o que é ilógico), além disto, este modelo não contemplou a var.
"Custo/Renda", que é fundamental para o objetivo deste trabalho. Já no modelo (5), a
estatística t da variável "Tempo" foi muito baixa, de -0,86, o que revela pouca
significância desta variável.
189
O modelo (5), entretanto, mostrou a importância da variável "Horário"
( classificado em “fixo” e “não fixo”, para começar a jornada de trabalho), na influência
sobre a preferência dos usuários:
Modelo (5):
U = -0,15826 (Conf) -0,01572 (T) -938,47 (Cust/Ren) -0,46475 (Hor) (-7,64) (-0,86) (-2,28) (-4,35)
A introdução da utilização ou não do Vale-Transporte não foi
significativa na maioria dos modelos, com exceção ao modelo (1), que incluiu como
var. explicativas também o conforto, o tempo e tarifa, rejeitando a var. Tempo, pois o
sinal está incorreto, teríamos o seguinte modelo:
Modelo (1):
U = - 0,13291 (Conf) - 0,00096 (Tar) - 0,2318 (Vale Transporte) (-9,87) (-4,04) (-2,75)
Observe-se que, neste modelo, a influência da tarifa (não
relacionada à renda) tem um coeficiente muito baixo, quase desprezível.
No Terceiro Grupo de modelos, foi eliminada a var. "Tarifa" e
utilizadas duas variáveis dummy, em relação à Renda e ao Tempo, na tentativa de
melhorar os resultados. Entretanto, a var. "Tempo" continuou não sendo significativa e
as variáveis "Horário" e "Vale Transporte" não alteraram significativamente o valor dos
coeficientes em relação aos modelos anteriores.
(3) O VALOR DO TEMPO E O CONFORTO: o valor do tempo pode
ser definido como a disposição do consumidor em pagar pela economia de uma
unidade marginal de tempo, durante uma viagem. Similarmente, o valor do conforto
190
pode ser definido com a disposição do consumidor em pagar para economizar uma
unidade marginal de (des)conforto durante uma viagem. Isto é, procura-se saber,
quantitativamente, quanto os usuários estão dispostos a pagar para diminuir 1 minuto
no tempo de viagem e diminuir em 1 pass./m2, na lotação do veículo.
Matematicamente, o Valor do Tempo (VT) é definido pela derivada
da função utilidade em relação ao tempo, pela derivada da função utilidade em relação
ao Custo ( ou Custo/Renda):
∂ U /∂ T VT = x Renda (7.13) ∂ U /∂ C
e para o Conforto:
∂ U / ∂ Conf VConf = x Renda (7.14) ∂ U / ∂ C
Aplica-se as expressões (7.13) e (7.14), então, ao melhor modelo
encontrado com os atributos Tempo de Viagem e Conforto.
O modelo (13) é o seguinte:
U = - 0,17167 (Conf) - 0,01986 (T) - 988,91438 (Cust/Ren) (-8,33) (-1,08) (-2,39)
Deve-se lembrar que a variável "tarifa" está incluída, considerando a
influência de uma renda predominante de 3 SMs (variável "Cust/Ren"). Os valores
encontrados para esta faixa de renda foram os seguintes:
191
VT = Cr$ 4,51 por minuto a menos de viagem;
VConf = Cr$ 39,06 por pass./m2 a menos no veículo;
Se for incluída influência do horário da jornada de trabalho, conforme
o Modelo (5) do Grupo 2, tem-se:
VT = Cr$ 3,77 p/min. e VConf = Cr$ 37,94 por pass/m2
O Valor do Conforto diminuiu 3% em relação ao Modelo (13)
(Conforto, Tempo e Custo/Renda), porém, o valor do tempo também diminuiu em 19%,
então é provável que a percepção do questionário em relação à variabilidade de tempo
entre as escolhas foi certamente desproporcional em relação ao conforto. Deve-se
observar que não estimou-se modelos somente com usuários "com tempo fixo" e "sem
tempo fixo", entretanto, pela amostra pesquisada, pode-se constatar que a maioria dos
entrevistados tem um horário fixo para iniciar a jornada. Por isso, a variação
significativamente menor do valor atribuído ao tempo não deve ser real, já que,
supostamente, usuários com tempo mais “rígido” para iniciar a jornada de trabalho
deveriam valorizar mais o tempo dispendido na viagem.
Para verificar a influência do Vale-Transporte, pode-se utilizar o
Modelo (4) do Grupo 2 (ver Tabela 9), tem-se:
VT = Cr$ 4,13 p/min. e VConf = 38,18 por pass/m2
Neste caso, o valor atribuído ao Tempo foi 9% menor e o atribuído ao
conforto 2% menor que o encontrado no Modelo (13), mas superiores em relação ao
modelo anterior, significando que a utilização do Vale-Transporte (maioria dos
entrevistados), faz com que o usuário se disponha a pagar mais por melhorias no
conforto, do que pagar mais por redução no tempo de viagem. O uso (ou não) do Vale
Transporte, não modificou essencialmente, entretanto, a relação verificada nos demais
modelos.
192
Apesar de não terem sido calibrados modelos específicos, de acordo
com cada condição ou restrição dos usuários aferidas na pesquisa, obteve-se
resultados concretos na mensuração do valor do tempo e do conforto. O valor
hipotético, inicialmente previsto, de Cr$ 9,00 por minuto de viagem (para a faixa
aproximada de 3 SMs), ficou bem acima do declarado pelos usuários. Isto sinaliza
para que, em futuros experimentos, se adote um valor inicial mais realístico, de modo
a tornar mais eficiente o processo de escolha. Quanto ao valor do conforto ( 1
pass./m2), que correspondeu a aproximadamente 10% do valor da tarifa vigente na
época (Cr$ 340,00), pode-se afirmar que esteja levemente superestimado, em função
dos problemas de percepção em relação ao questionário. De qualquer forma, ficou
demonstrado a possibilidade de medir quantitativamente, através de métodos mais
confiáveis, a preferência (e o valor) que o usuário dá a este atributo.
(4) A PROJEÇÃO DA DEMANDA: a possibilidade de projetar a
demanda em transporte utilizando o enfoque probabilístico de PD é dada pela
aplicação da equação (7.11). A probabilidade do usuário realizar a viagem é expressa
pela relação entre o valor da utilidade de determinada alternativa em relação ao valor
das utilidades das demais alternativas em questão.
Para exemplificar, suponha-se que, no Corredor Assis Brasil, as
condições atuais de operação em relação ao conforto oferecido na hora-ponta
matutina, o tempo médio de viagem motivo-trabalho dos usuários com destino na
Estação Obirici e a tarifa cobrada sejam, respectivamente: 7 pass./m2 (ônibus lotado),
20 minutos de viagem e R$ 0,37 (em Reais); o salário na faixa de R$ 210,00. Por
hipótese, imagine-se que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deseje a implantação
de um modo de maior capacidade, como o VLT ( ou ‘bonde moderno”), por exemplo.
Este modo, em condições satisfatórias de operação, poderia operar (no mesmo
corredor), com os seguintes valores hipotéticos: 3 pass./m2 (lotação de banco e alguns
em pé), 15 minutos de viagem e uma tarifa de $ 0,44 (20% maior). Utilizando o
Modelo (13), ter-se-ía um valor para a (des)utilidade no "modo ônibus" de -3,412 e no
193
"modo VLT", de -2,424. Note-se que a (des)utilidade do segundo é significativamente
menor.
Aplicando o modelo logit, conforme a expressão (7.11), tería-se uma
probabilidade do usuário realizar a viagem em VLT de 61,22%, e de realizar a viagem
por ônibus, de 38,78%, definida pela expressão:
e-Uonib
Ponib = (7.15)
e-Uonib + e-Uvlt
Onde "Ponib" é a probabilidade do usuário utilizar o modo ônibus,
onde “-Uonib", é a função utilidade correspondente e "-Uvlt", a função utilidade do VLT
hipotético.
Pode-se estimar o impacto de Políticas Públicas, como no exemplo a
seguir. Por hipótese, o modo VLT tivesse subsídio à tarifa (como é comum em modos
metro-ferroviários), reduzindo a tarifa de R$ 0,44 para R$ 0,25, a probabilidade de
usar VLTsubiria para 79,43%, e a probabilidade de usar ônibus diminuiria para
20,57%, mantidos os demais valores.
Note-se que estes valores podem estar levemente subestimados,
devido à pouca significância do fator "Tempo", como analisou-se anteriormente. Além
disso, em um projeto prático e concreto, outras características relevantes (e
favoráveis) em relação ao "bonde moderno", poderiam ser significativas na preferência
do usuário por este modo, tais como: facilidades nas estações, possibilidade de
integração, conforto interno dos vagões, menor variabilidade do tempo de viagem,
menores níveis de ruído e poluição, etc. Nestas circunstâncias, estes atributos
deveriam ser incluídos em um estudo de Preferência Declarada. Quanto mais
194
variáveis relevantes forem inseridas e estimadas, mais realista deverá ser o valor da
utilidade encontrado.
Se forem aplicados estes percentuais à demanda existente, podería-
se ajustar melhor o modelo, pois certamente haveria algum nível de distorção, devido
aos termos de perturbação analisados anteriormente (ver seção VII.2,(f)).
A previsão da demanda, de acordo com os modelos estimados,
poderia ser realizada considerando inúmeros fatores, isolados ou combinados entre
si, tais como, diferentes níveis de conforto, tempo, renda familiar, horários de trabalho,
tarifas diferenciadas, posse do automóvel, freqüência de uso do ônibus, sexo, idade,
etc.
Pode-se ainda, representar graficamente as elasticidades existentes
dos atributos Tempo de Viagem e Conforto, em relação à probabilidade do usuário
escolher entre as alternativas oferecidas. Suponha-se um modo de transporte,
denominado de Modo 1, cujas características básicas sejam: um nível de conforto de
2 pass./m2, uma tarifa de $ 0,37 e um tempo médio de viagem de 15 minutos. Em
relação a esta alternativa, supõe-se a existência de um Modo 2 de transporte, onde a
densidade (conforto), o tempo de viagem e a tarifa possam variar simultânea ou
isoladamente. Estas variações são ilustradas nos gráficos a seguir. Utiliza-se o modelo
(13) para estimar as utilidades e a expressão (7.11) para calcular as preferências
(probabilidades).
No Gráfico 2, pode-se observar o aumento da probabilidade de
utilização do Modo 1 (ou alternativa 1), na medida em que aumenta a densidade no
interior do veículo do outro modo, mantidas as tarifas e o tempo de viagem constate e
iguais ao Modo 1. Ou seja, quanto mais (des)conforto no modo 2, maior é a chance do
usuário optar pelo modo 1, com 2 pass./m2 .
Gráfico 2{ TC "Gráfico 2 - Probabilidade variando Conforto"
\f E \l "1" }
195
Prob. variando o Conforto no Modo 2
Prob. de uso do Modo 1 (%)
0
2
4
6
8
10
No Gráfico 3, a variação da probabilidade pode ser verificada de
acordo com a variação nos tempos de viagens do Modo 2, mantido o conforto e a
tarifa iguais ao modo 1. Cada intervalo corresponde a uma variação de 5 minutos a
mais de viagem no modo 2. Percebe-se que a variação do tempo de viagem no
modelo estimado tem menor influência na preferência do usuário, que a variação no
conforto, em termos de probabilidade de escolha.
Gráfico 3 { TC "Gráfico 3 - Probabilidade variando Tempo “ \f E \l "1" }
196
No Gráfico 4, observa-se a variação da probabilidade de escolha,
agora em relação ao aumento na tarifa do modo 2, mantidos os níveis de conforto e
tempo de viagem iguais ao modo 1. A Tarifa varia de $ 0,37 até $ 0,47. Observe-se
que, para um valor de $ 0,37, cobrado no modo 2 (sobre o eixo Y), a probabilidade de
escolha entre as duas alternativas é indiferente, ou 50%, pois as tarifas são iguais, a
partir deste ponto a probabilidade de uso do Modo 1 cresce proporcionalmente ao
aumento da tarifa no Modo 2..
Gráfico 4{ TC "Gráfico 4 - Probabilidade variando Tarifa" \f E \l "1" }
Prob. variando a Tarifa no Modo 2
Prob. de uso do Modo 1 (%)
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
No Gráfico 5, observa-se o efeito acumulado na probabilidade de
escolha do Modo 1 se, simultaneamente, forem majoradas os níveis tarifários e os
níveis de desconforto do Modo 2. Observe-se que, para valores de tempo de viagem
197
de 65 minutos e densidades de 10 pass./m2 , a probabilidade de escolher a outra
alternativa (Modo 1), chega a 86%.
Gráfico 5 { TC "Gráfico 5 - Probabilidade variando Tempo e Conforto" \f E \l "1" }
Prob. variando Tempo e Conforto noModo 2
Prob. de uso do Modo 1
010203040506070
Obs.: a primeira linha representa a variação no tempo de viagem e
a segunda, a variação nos níveis de conforto do Modo 2.
198
CAPÍTULO VIII
{ TC "CAPÍTULO VIII" \f C \l "1" }
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES{ TC "CONCLUSÕES E
RECOMENDAÇÕES" \f C \l "1" }
VIII.1) Problemas Operacionais e Metodológicos{ TC "VIII.1)
Problemas Operacionais e Metodológicos" \f C \l "2" }
O caráter pioneiro da presente pesquisa apresentou algumas
limitações que devem ser consideradas, em futuras aplicações de Stated Preference,
em nosso contexto sócio-econômico e de transportes. Pode-se dividir esta questão em
dois níveis: (a) problemas na percepção do usuário vinculados ao desenho do
questionário e sua aplicação e (b) problemas na contextualização da população-alvo
a nível sócio-econômico e de transportes.
No primeiro aspecto, ficou evidente que alguns fatores podem ter
prejudicado a capacidade de previsão dos modelos. Pode-se citar, por exemplo, a
representação do conforto na forma de um desenho que preenchia a maior parte do
campo visual dos usuários, enquanto o tempo de viagem foi representado apenas em
números. Ainda em relação ao desenho do questionário, a definição de 11 escolhas,
combinando as variáveis utilizadas, determinou um número talvez, excessivo de
escolhas. Embora o experimento siga o padrão recomendado, para muitos, pode ter
sido uma tarefa fatigante responder todo questionário; pois, a partir de determinado
ponto do questionário, pode-se deixar de dar a atenção devida ao conjunto das
respostas.
Quanto à operacionalização da pesquisa, isto é, à aplicação concreta
dos questionários, algumas dificuldades foram observadas. As entrevistas foram
199
realizadas no local de trabalho dos usuários, enquanto a maioria das pesquisas em
transporte ou são domiciliares, ou executadas nos terminais e interior do veículo. Esta
escolha estava relacionada ao tipo de amostra definida de viagens por motivo-trabalho
no Corredor Assis Brasil e, neste sentido, mostrou-se vantajosa em relação a outros
tipos de pesquisa. Contudo, muitas vezes encontrou-se dificuldades, junto aos
entrevistados, em preencher com calma e ponderadamente as respostas. O tipo de
atividade predominante (comércio varejista intenso), certamente contribuiu para que
isto ocorresse. Outro problema relevante foi a não dissociação, em alguns casos, das
escolhas hipotéticas e, portanto, não-existentes, a serem feitas, e a situação real
vivida dos usuários, no sentido do viés de "racionalização" dos comportamentos habi-
tuais.
Em relação à segmentação por renda da amostra escolhida,
apresentou-se ocasionalmente um viés entre a renda ganha e renda declarada. Alguns
tendem a super-dimensionar seu salário, quando ganham pouco ou muito pouco, ou-
tros fazem exatamente o contrário pelo motivo inverso.
O fato da amostra ser constituída basicamente por trabalhadores no
comércio, agravou ainda mais a identificação da renda real por pergunta direta, na
medida em que freqüentemente há um sistema de abonos, percentuais sobre vendas
e outros mecanismos flutuantes e sazonais de incremento salarial. Além disso, no mo-
mento da pesquisa vigorava uma Política Salarial no país com base num indexador
diário denominado URV (Unidade Real de Valor), portanto, o valor monetário, em
cruzeiros reais, mudava diariamente, enquanto que as tarifas do transporte público
permaneceram constantes. Algumas perguntas, como a posse de automóvel,
freqüência de uso do ônibus, número de domiciliados que trabalham, etc., poderiam
ter servido para inferir a renda real; entretanto, pela dificuldade adicional que
acarretariam, por exemplo, em termos acréscimo no tempo de preenchimento do
questionário, não chegou-se a realizar tal tentativa.
200
No segundo aspecto de problemas, as possíveis soluções
envolveriam alguns "artifícios" metodológicos. O sistema de transportes de Porto
Alegre, como de resto em todo o país, é fortemente regulamentado e funciona na
forma de oligopólio, ou monopólio se dividirmos o mercado segundo suas linhas ou
itinerários. A tarifa, por exemplo, é única e há poucas operadoras em cada corredor.
Isto faz com que o usuário não esteja habituado a realizar escolhas, ou trade offs,
como a técnica utilizada pressupõe. Ou seja, ao associar diferentes níveis de serviço
com diferentes tarifas cobradas, o usuário tende a superestimar, ou subestimar, o
valor do tempo ou do conforto, um problema comumentemente enfrentado em outras
pesquisas com PD, em transporte rodoviário inter-urbano (Carvalho, 1993). Há que se
desenvolver técnicas e procedimentos mais eficazes para aumentar a capacidade de
abstração dos entrevistados. Em próximas pesquisas, para superar este viés, talvez
seja necessário a aplicação de técnicas que estimem a função utilidade a partir do
comportamento passado dos usuários (Preferência Revelada), conjuntamente com
Preferência Declarada, no transporte coletivo urbano de passageiros.
Outra dificuldade diz respeito à conjuntura econômica vivida pelo
País. Aqui, reporta-se ao problema, então recorrente, dos altos índices inflacionários,
que não existem nos países de origem das técnicas utilizadas. No mês da pesquisa
(maio/94), os índices inflacionários atingiram a marca de 45%, que corresponde a uma
desvalorização diária do poder aquisitivo de quase 2%. A literatura econômica aponta
para uma perda da noção de "preços relativos" e até das funções normais da moeda
em tais situações (Mollo, 1993). Em outras palavras, a percepção do que é "caro" ou
"barato" se torna confusa, e a tendência é atribuir um valor proporcionalmente menor
ao dinheiro ao longo do mês. Provavelmente uma pesquisa no início do mês, numa
conjuntura inflacionária, estimaria uma modificação a maior nos valores do tempo e
conforto encontrados. E, em condições de estabilidade monetária, os parâmetros
estimados provavelmente seriam mais apropriados.
201
O caráter exploratório, da aplicação das técnicas de PD no trans-
porte coletivo de Porto Alegre, demonstrou que diversos aspectos operacionais e
metodológicos devem ser corrigidos em estudos futuros. Observando-se as
circunstâncias em que a pesquisa foi realizada e a ausência de estudos anteriores
utilizando estas técnicas em tais situações, considera-se plenamente satisfatório o
resultado alcançado e, particularmente, a demonstração concreta da validade
metodológica dos valores obtidos com dados de Preferência Declarada.
VIII.2) Conseqüências para o Planejamento Urbano e de Transportes{ TC "VIII.2) Conseqüências para o Planejamento Urbano e de Transportes" \f C \l "2" }
Viu-se nos capítulos iniciais desta dissertação, que a produção do
espaço urbano está intimamente vinculada ao sistema de transportes, e vice-versa.
Pôde-se identificar esta relação biunívoca e complexa tanto nas teorizações existentes
sobre a estrutura do espaço urbano, quanto nas teorias locacionais. Em Porto Alegre,
especialmente, estas relações se manifestam de forma contundente ao se considerar
a própria evolução da mancha urbana, ao longo dos principais eixos radiais de
transporte, desde o povoamento inicial até os dias de hoje.
Os modelos comportamentais desagregados, particularmente os que
utilizam dados de PD, podem se revelar de extrema utilidade com instrumentos
capazes de ajudar no processo de Planejamento Urbano. Na medida em que
fornecem estimativas mais desagregadas, tornam-se mais flexíveis para análise e
estudos de regiões específicas da cidade, corredores, bairros, etc. Isto torna o
método mais apto para captar as variações da demanda ocasionadas a curto prazo.
Variações, estas, que não necessariamente são causadas só por modificações
endógenas ao sistema de transportes, como a mudança de modalidade ou melhoria
operacional, mas, também, pela transformação do espaço em si.
202
Estas técnicas podem ser aplicadas na análise dos impactos das
Políticas Públicas sobre as modificações no uso do solo a médio e longo prazo, dado
que a preferência dos usuários pode depender da distância de seus domicílios aos
locais de trabalho, ou da existência de grandes equipamentos urbanos sob a influência
dos itinerários existentes. Neste sentido, se poderá evoluir para a incorporação de
variáveis explicativas do comportamento dos usuários, relacionadas à projetos
urbanísticos, de modo a captar os impactos destes projetos na evolução futura da
demanda por transporte. Assim, pode-se relacionar, inclusive quantitativamente,
diferentes simulações de padrões de uso futuro do solo na cidade, com diferentes
impactos prováveis sobre a preferência dos usuários e, a partir daí, reformular os
aspectos críticos dos projetos urbanos no que tange aos elementos de circulação e
deslocamento urbano. Seria oportuno saber, por exemplo, quais seriam os impactos
sobre a demanda por transporte se determinada política urbana tendesse a aproximar
os locais de emprego e moradia (alterando os atuais mapas de acessibilidade), do
ponto-de-vista da preferência dos usuários.
Outra aplicação metodológica possível, dentro do Planejamento
Urbano, seria a possibilidade de quantificarem-se atributos (qualidades) associados à
fatores espaciais ou das edificações, em relação à preferência (utilidade) dos
indivíduos. Por exemplo, a localização residencial, além de depender dos fatores
tradicionais como a acessibilidade e o preço do imóvel, depende de inúmeros outros
fatores, supostamente intangíveis e não-quantificáveis, como a aprazibilidade do local,
paisagismo, nível de poluição, estilo arquitetônico, luminosidade, vizinhança, etc. Com
o uso das técnicas de Preferência Declarada, poder-se-ía estimar qual o valor
monetário que os indivíduos estariam dispostos a pagar por estas qualidades ou
atributos e, também, quais seriam as variações na demanda por determinada
localização (ou tipo de residência), caso fossem provocadas mudanças em alguns
fatores. De igual maneira, para analisar e prever o comportamento da demanda por
203
localização comercial e industrial na cidade, em relação à preferência das empresas
ou do capital imobiliário, o uso destas técnicas poderia ser de grande valia.
Em relação ao Planejamento de Transportes, esta metodologia pode
reproduzir, com relativa confiabilidade, os resultados das políticas públicas em relação
às mais diversas variáveis envolvidas. Além das vantagens já analisadas
anteriormente, estas técnicas requerem amostras bem menores que as tradicionais
Entrevistas Domiciliares (EDOM), por exemplo. Os instrumentos estatísticos e
econométricos são mais simplificados e disponíveis, e os tempos de execução mais
curtos, resultando em menores custos globais na obtenção de resultados mais
qualificados. Atualmente, o comportamento da demanda de transporte ou é desconsi-
derado, sob o enfoque da qualidade dos transportes, ou é estimado por métodos
absolutamente não confiáveis, como a simples projeção da população a partir de
determinado ano-base. Pesquisas tem demonstrado que a preocupação predominante
dos usuários não tem sido com a tarifa, mas como a oferta do sistema, com seu
conforto e segurança.
A ausência de métodos confiáveis para aferição das reações efetivas
dos usuários de transportes é ainda menos justificada nos dias de hoje, quando o
transporte passa a ser visto sob a ótica da qualidade e produtividade, como um serviço
que influencia diretamente a vida de milhares de cidadãos, cativos ou não do sistema.
204
ANEXOS{ TC "ANEXOS" \f C \l "1" }:
I - Relação dos valores aplicados em cada segmentação nos questionários da pesquisa.
II - Modelo do Questionário Utilizado na Pesquisa.
III - Características da amostra pesquisada.
IV - Área Pesquisada (Corredor Assis Brasil - Eixo Norte).
205
ANEXO I
Relação dos valores aplicados em cada segmentação nos questionários da Pesquisa
Salário até Cr$ 75.000,00 Tempo de Viagem de 15 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 10 10 340 346
2 7 3 20 20 340 352
3 8 2 15 15 340 358
4 5 5 15 10 340 355
5 5 3 20 15 340 357
6 7 3 15 10 340 361
7 8 2 20 15 340 373
8 5 5 25 10 340 385
9 5 3 25 10 340 397
10 7 3 25 10 340 421
11 8 2 25 10 340 403
206
Salário até Cr$ 75.000,00 Tempo de Viagem de 30 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 30 30 340 346
2 7 3 35 35 340 352
3 8 2 25 25 340 358
4 5 5 35 25 340 370
5 5 3 35 25 340 372
6 7 3 35 25 340 376
7 8 2 35 25 340 388
8 5 5 40 20 340 400
9 5 3 40 20 340 412
10 7 3 40 20 340 436
11 8 2 40 20 340 418
207
Salário até Cr$ 75.000,00 Tempo de Viagem de 45 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 45 45 340 346
2 7 3 40 40 340 352
3 8 2 50 50 340 358
4 5 5 55 40 340 385
5 5 3 45 30 340 387
6 7 3 50 35 340 391
7 8 2 55 30 340 403
8 5 5 55 30 340 415
9 5 3 55 30 340 427
10 7 3 55 30 340 451
11 8 2 55 30 340 433
208
Salário até Cr$ 225.000,00 Tempo de Viagem de 15 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 10 10 340 358
2 7 3 20 20 340 376
3 8 2 15 15 340 394
4 5 5 15 10 340 385
5 5 3 20 15 340 390
6 7 3 15 10 340 403
7 8 2 20 15 340 439
8 5 5 25 10 340 475
9 5 3 25 10 340 511
10 7 3 25 10 340 583
11 8 2 25 10 340 529
209
Salário até Cr$ 225.000,00 Tempo de Viagem de 30 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 30 30 340 358
2 7 3 35 35 340 376
3 8 2 25 25 340 394
4 5 5 35 25 340 430
5 5 3 35 25 340 435
6 7 3 35 25 340 448
7 8 2 35 25 340 484
8 5 5 40 20 340 520
9 5 3 40 20 340 556
10 7 3 40 20 340 628
11 8 2 40 20 340 574
210
Salário até Cr$ 225.000,00 Tempo de Viagem de 45 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 45 45 340 358
2 7 3 40 40 340 376
3 8 2 50 50 340 394
4 5 5 55 40 340 475
5 5 3 45 30 340 480
6 7 3 50 35 340 493
7 8 2 55 30 340 529
8 5 5 55 30 340 565
9 5 3 55 30 340 601
10 7 3 55 30 340 673
11 8 2 55 30 340 619
211
Salário até Cr$ 675.000,00 Tempo de Viagem de 15 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 10 10 340 394
2 7 3 20 20 340 448
3 8 2 15 15 340 502
4 5 5 15 10 340 475
5 5 3 20 15 340 491
6 7 3 15 10 340 529
7 8 2 20 15 340 637
8 5 5 25 10 340 745
9 5 3 25 10 340 853
10 7 3 25 10 340 1069
11 8 2 25 10 340 907
212
Salário até Cr$ 675.000,00 Tempo de Viagem de 30 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 30 30 340 394
2 7 3 35 35 340 448
3 8 2 25 25 340 502
4 5 5 35 25 340 610
5 5 3 35 25 340 626
6 7 3 35 25 340 664
7 8 2 35 25 340 772
8 5 5 40 20 340 880
9 5 3 40 20 340 988
10 7 3 40 20 340 1204
11 8 2 40 20 340 1042
213
Salário até Cr$ 675.000,00 Tempo de Viagem de 45 minutos
Cartão Conforto
(pass/m2)
Tempo
(min.)
Custo
(em Cr$)
Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B
1 5 3 45 45 340 394
2 7 3 40 40 340 448
3 8 2 50 50 340 502
4 5 5 55 40 340 745
5 5 3 45 30 340 761
6 7 3 50 35 340 799
7 8 2 55 30 340 907
8 5 5 55 30 340 1015
9 5 3 55 30 340 1123
10 7 3 55 30 340 1339
11 8 2 55 30 340 1177
222
ANEXO III
Características da amostra pesquisada
Grafico 1 - Residência dos Entrevistados
Grafico 2 - Uso do Vale-Transporte
Grafico 3 - Salário dos Entrevistados
Grafico 4 - Idade dos Entrevistados
Grafico 5 - Posse do Automóvel
Grafico 6 - Freqüência de uso do ônibus
Grafico 7 - Horário de Início do Trabalho
Grafico 8 - Entrevistados por Sexo
Grafico 9 - Numero de Residentes no Domicílio
234
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