A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ARQUITETURA PROPUR - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS - Uso das técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference) em Corredor Urbano de Transporte Coletivo por Ônibus de Porto Alegre. Jáckson S. De Toni Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re- gional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRE EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Orientador: Prof. L.A. Lindau Porto Alegre - PROPUR/UFRGS - 1994

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE ARQUITETURA

PROPUR - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL

A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE

COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS

- Uso das técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference) em Corredor Urbano de Transporte Coletivo por Ônibus de Porto Alegre.

Jáckson S. De Toni

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re-gional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRE EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL.

Orientador: Prof. L.A. Lindau

Porto Alegre - PROPUR/UFRGS - 1994

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE ARQUITETURA

PROPUR - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL

A PREFERÊNCIA E O CONFORTO DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE

COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS

- Uso das técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference) em Corredor Urbano de Transporte Coletivo por Ônibus de Porto Alegre.

Jáckson S. De Toni

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re-gional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRE EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL.

Aprovada em _____de______________________de 1994

Banca Examinadora:_________________________________________ __________________________________________ __________________________________________

Agradecimentos:

A atividade de pesquisa e elaboração teórica nem sempre podem ser

realizadas em condições ideais, nas circunstâncias em que este trabalho foi realizado

a contribuição de colegas, professores e instituições foi fundamental para vencer os

inúmeros obstáculos enfrentados ao longo da jornada.

Neste sentido devo registrar um especial agradecimento aos

Professores L.A. Lindau (Orientador) e, particularmente, ao Professor L.A.S. Senna,

do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRGS (PPGEP),

pela orientação, estímulo e paciência em inúmeras horas de debates sobre as

questões envolvidas neste trabalho ao longo dos últimos meses.

Agradeço também a diversos técnicos em Transporte que, de uma

forma ou outra, contribuíram com informações valiosas sobre o Sistema de Transporte

em Porto Alegre e outros dados relevantes: Arq. Maria do Carmo Boklage e ao Econ.

Alexandre Gomide, da Secretaria Municipal dos Transportes, ao Eng. Mogli Veiga,

Eng. Luis C. Bertotto e a Enga Cristina Piovezan.

À Secretaria Municipal dos Transportes de Porto Alegre,

particularmente à Supervisão de Planejamento, especialmente à Mauri Cruz, pelo

apoio na realização da pesquisa de campo.

Aos colegas e professores da Turma XI do PROPUR, pelo incentivo

e amizade e, particularmente, ao Arq. Ricardo Rabeno, pelos desenhos do

questionário elaborados com a precisão e qualidade desejadas.

À CAPES pelo apoio financeiro.

À minha família, Ziza e Giovanni, pela paciência e compreensão sem

limites.

RESUMO

Este trabalho enfoca o comportamento de usuários de ônibus de parte do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Porto Alegre a partir dos elementos comportamentais da Demanda. A Demanda é analisada através dos Modelos Comportamentais Desagregados com a utilização de técnicas de Preferência Declarada (Stated Preference).

Na contextualização do Transporte Coletivo dentro da questão urbana mais ampla, são analisados o processo de urbanização brasileiro segundo a lógica dos transportes e a, nível intra-urbano, as relações entre os elementos de circulação e os padrões de uso do solo. Identifica-se que outros fatores, além dos espaciais, podem ter significativa influência sobre a Demanda pelo transporte coletivo. Um deles é a preferência dos usuários, objeto deste estudo.

As técnicas de Preferência Declarada (PD) objetivam a estimação das utilidades ou preferências dos consumidores em relação aos atributos que compõem o Nível de Serviço no Sistema de Transportes. Baseadas na Teoria da Utilidade Microeconômica, estas técnicas são utilizadas, também, para estimar o valor monetário de variáveis quase sempre intangíveis nos estudos urbanos e de trans-portes (tempo, conforto, etc.).

Com o objetivo de explorar a validade metodológica de tais instrumentos, as técnicas de PD foram aplicadas aos usuários de um Corredor de Transporte Urbano de Porto Alegre (Assis Brasil) considerando as viagens motivo-trabalho. O experimento foi desenvolvido com as variáveis Conforto e Tempo de Viagem.

Conclui-se que estas técnicas podem ser satisfatoriamente utilizadas em Planejamento Urbano e de Transportes, apresentando resultados mais confiáveis e com menor custo, em relação à quantificação de atributos ou qualidades pelos usuários, normalmente consideradas intangíveis no processo de planejamento.

ABSTRACT

This dissertation focuses on user’s behavior of the Urban Public Transportation System of Porto Alegre based on the behavioral elements of the Demand. The demand is analysed through the Disagragate Behavioral Models, based on the use of techniques of the Stated Preference.

In the context of Public Transportation in the broader urban issue, two aspects are analysed: the Brazilian urbanisation according to the logic of the means of transportation and, at an intra-urban level, the relations between the circulation elements and the land use patterns. It is possible to identify some factors which, besides the spatial ones, can have a significant influence on Demand for public transportation. One of them is the preference of the users, object of this study.

Stated Preference (SP) Techniques aim at the estimation of the the consumers utility function based on attributes that make up the Level of Service in Transport System. Based on the Theory of Microeconomic Utility, these techniques are also used to estimate the monetary value of variables almost always intangible in the urban and transportation studies (time, comfort, etc.).

Aiming at exploring the methodological validity of such instruments, the techniques of SP have been applied to the users of an Urban Transportation Corridor in Porto Alegre (Assis Brasil), operating on a seggregate way, taking into account the motive-work travels. The experiment was carried out with the variables Comfort and Travel Time.

Some of the main conclusions are that these techniques can be satisfactory used in Urban and Transportation Planning, presenting more reliable results and lower costs, in relation to the quantification of attributes or qualities by the users, usualy considered intangible in the process of planning.

S U M Á R I O

INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................10

CAPÍTULO I .............................................................................................................................................................14

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA ..................................................................14

I.1) O PROCESSO HISTÓRICO DA URBANIZAÇÃO......................................................................................................14 I.2) A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA .............................................................................................................................18 I.3) A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NACIONAL: A LÓGICA ECONÔMICA E OS TRANSPORTES..........................................23

CAPÍTULO II............................................................................................................................................................28

AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES ENTRE O TRANSPORTE E O ESPAÇO URBANO ........................28

II.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................................................................28 II.2) A ESTRUTURA URBANA E O TRANSPORTE.........................................................................................................31 II.3) AS INFLUÊNCIAS MÚTUAS ENTRE TRANSPORTE E USO DO SOLO URBANO NA ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE...47

CAPÍTULO III ..........................................................................................................................................................64

OS DESLOCAMENTOS URBANOS: O SISTEMA DE TRANSPORTE E A CIRCULAÇÃO

NA CIDADE .............................................................................................................................................................64

III.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................................................64 III.2) A NATUREZA E A DINÂMICA DOS DESLOCAMENTOS URBANOS ......................................................................66 III.3) O TRANSPORTE COLETIVO URBANO ...............................................................................................................72

CAPÍTULO IV ........................................................................................................................................................113

O TRANSPORTE COLETIVO URBANO EM PORTO ALEGRE ..................................................................113

IV.1) CONSIDERAÇÃO INICIAIS. ...............................................................................................................................113 IV.2) OS TRANSPORTES E O MODELO URBANO ......................................................................................................116 IV.3) OS CORREDORES DE ÔNIBUS ..........................................................................................................................125

CAPÍTULO V..........................................................................................................................................................130

A MODELAGEM URBANA, O CASO DOS TRANSPORTES.........................................................................130

V.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................................................130 V.2) OS MODELOS EM PLANEJAMENTO URBANO ...................................................................................................133 V.3) OS MODELOS EM TRANSPORTE .......................................................................................................................140 V.4) USO E APLICABILIDADE DE MODELOS .............................................................................................................146

CAPÍTULO VI ........................................................................................................................................................150

AS TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (STATED PREFERENCE) ...........................................150

VI.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..............................................................................................................................150

VI.3) AS TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (PD) .......................................................................................154 VI.4) DIFERENÇAS ENTRE PREFERÊNCIA REVELADA E DECLARADA ....................................................................158 VI.5) APLICABILIDADE DAS TÉCNICAS DE PD.........................................................................................................161

CAPÍTULO VII.......................................................................................................................................................165

A TÉCNICA APLICADA: A PREFERÊNCIA DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO EM PORTO ALEGRE...................................................................................................................................................165

VII.1) CARACTERIZAÇÃO DO CORREDOR DE TRANSPORTE ESTUDADO.................................................................165 VII.2) DEFINIÇÃO DO DESIGN E COMPLEXIDADE DA PESQUISA ..............................................................................170 VII.3) OS RESULTADOS DA PESQUISA .....................................................................................................................181

CAPÍTULO VIII .....................................................................................................................................................198

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .............................................................................................................198

VIII.1) PROBLEMAS OPERACIONAIS E METODOLÓGICOS ......................................................................................198 VIII.2) CONSEQÜÊNCIAS PARA O PLANEJAMENTO URBANO E DE TRANSPORTES .................................................201

ANEXOS ..................................................................................................................................................................204

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:.......................................................................................................................234

LISTA DE TABELAS: TABELA 1 SERVIÇO DE ÔNIBUS E LOTAÇÃO EM PORTO ALEGRE ...........................................................................119 TABELA 2 OFERTA E DEMANDA DE TRANSPORTE EM PORTO ALEGRE..................................................................119 TABELA 3 EVOLUÇÃO DA DEMANDA NAS LINHAS TRANSVERSAIS ..........................................................................120 TABELA 4 CORREDORES DE ÔNIBUS EM PORTO ALEGRE .......................................................................................128 TABELA 5 CRESCIMENTO POPULACIONAL EM 1980/91 NA ZONA NORTE ..............................................................167 TABELA 6 VELOCIDADE NOS CORREDORES.............................................................................................................168 TABELA 7 PASSAGEIROS EMBARCADOS POR ESTAÇÃO...........................................................................................169 TABELA 8 MODELOS ESTIMADOS NO PRIMEIRO GRUPO ........................................................................................183 TABELA 9 MODELOS ESTIMADOS NO SEGUNDO GRUPO .........................................................................................185 TABELA 10 MODELOS ESTIMADOS NO TERCEIRO GRUPO......................................................................................186

LISTA DE GRÁFICOS: GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DA FROTA DE VEÍCULOS EM PORTO ALEGRE ................................................................118 GRÁFICO 2 - PROBABILIDADE VARIANDO CONFORTO ............................................................................................194 GRÁFICO 3 - PROBABILIDADE VARIANDO TEMPO ...................................................................................................195 GRÁFICO 4 - PROBABILIDADE VARIANDO TARIFA...................................................................................................196 GRÁFICO 5 - PROBABILIDADE VARIANDO TEMPO E CONFORTO.............................................................................197

LISTA DE FIGURAS: FIGURA 1 RELAÇÃO USO DO SOLO E DEMANDA POR TRANSPORTES.......................................................................57 FIGURA 2 REPRESENTAÇÃO DOS NÍVEIS DE CONFORTO ..........................................................................................171

10

INTRODUÇÃO{ TC "INTRODUÇÃO" \f C \l "1" }

Esta dissertação analisa o Transporte Coletivo Urbano,

particularmente os aspectos relacionados à Demanda no Transporte. O Transporte

Coletivo é abordado como um dos Sistemas inerentes à condição urbana, isto é,

entende-se o processo de urbanização e caracterização da produção do espaço como

fortemente relacionado às dinâmicas de circulação e de fluxos de pessoas e

mercadorias.

Sabe-se que a Demanda por Transporte Coletivo, particularmente o

transporte de passageiros, é fortemente influenciada pelos padrões de uso do solo

urbano, em termos de fatores de atração ou geração de viagens. Entretanto, há outros

elementos condicionantes da demanda que nem sempre estão presentes nos estudos

tradicionais em Planejamento Urbano, nem no Planejamento de Transportes. Estes

elementos dizem respeito à preferência dos usuários, ou seja, ao grau de

“adequabilidade” do serviço ofertado à população.

Neste sentido objetiva-se, em primeiro lugar, explorar as

possibilidades metodológicas de utilização de técnicas de estimação conhecidas como

Stated Preference, ou Preferência Declarada. Estas técnicas são utilizadas a fim de

mensurar valores e atributos referentes à qualidade do transporte, que nem sempre

são facilmente quantificados, dificultando sua manipulação no processo de

Planejamento Urbano. Elas estão inseridas dentro dos modelos de segunda geração

em transportes, isto é, os Modelos Comportamentais Desagregados ou Modelos de

Escolha Discreta. Estes modelos, baseados na Teoria da Utilidade Microeconômica,

vêm sendo amplamente utilizados, pois possibilitam simulações mais confiáveis que

as propiciadas pelos modelos tradicionais conhecidos como "quatro etapas".

11

A metodologia analisada foi aplicada a um Corredor Urbano de

Transportes em Porto Alegre (Corredor Assis Brasil), através de pesquisa de campo

executada junto aos usuários do corredor nos locais de trabalho. O segundo objetivo,

subordinado ao primeiro, é, através do uso destas técnicas, mensurar os valores

monetários que os usuários atribuem ao CONFORTO e TEMPO DE VIAGEM no modo

ônibus, nas viagens por motivo-trabalho.

No Capítulo I é analisado o processo de urbanização de um modo

geral, particularmente no contexto brasileiro, com ênfase na influência do Sistema de

Transportes. Parte-se do pressuposto de que é preciso entender o contexto em que foi

efetivada a urbanização brasileira para, após esta compreensão, analisar o papel dos

transportes na formação e evolução das próprias cidades.

Após a contextualização geral do processo urbano brasileiro, no

Capítulo II são analisadas as principais interfaces entre a questão urbana e a questão

dos transportes. Esta análise é feita pela revisão teórica das principais variáveis que

influenciam mutuamente os padrões de uso do solo e o sistema de circulação,

privilegiando o aspecto intra-urbano e o transporte de passageiros. Para entender

estas interações foi necessário retomar o conceito de Estrutura Urbana e o quanto

esta é influenciada pelos fluxos urbanos. As Teorias Locacionais constituíram outra

fonte para elucidar melhor estas relações, particularmente na definição da

Acessibilidade como conceito-chave. A partir do sistema circulatório urbano, pode-se

compreender o modo de organização do espaço predominante em nossa sociedade.

Abordada a problemática e a complexidade destas relações

biunívocas, é possível analisar mais detidamente os deslocamentos urbanos

enquanto tais: suas características, padrões de funcionamento, as várias dimensões

do problema e, especialmente, a questão da Demanda por Transporte. A Demanda é

estudada privilegiando-se o enfoque comportamental sem, contudo, aprofundar as

principais abordagens existentes a nível teórico. Isto é feito no Capítulo III.

12

No Capítulo IV é analisado o sistema de Transporte existente em

Porto Alegre, particularmente, sua relação com o processo de Planejamento Urbano,

no que diz respeito às concepções dos modelos urbanos adotados pelo município.

No Capítulo V, após o aprofundamento da temática dos transportes

em si, são introduzidas algumas considerações sobre o tema da modelagem urbana e

de transportes. Este capítulo se torna indispensável para a compreensão dos objetivos

do trabalho, já que se propõe a analisar a validade metodológica de pressupostos

teóricos que se expressam fundamentalmente através de modelos matemáticos. São

abordadas as vantagens e desvantagens no uso de modelos em Planejamento Urbano

e de Transportes e, principalmente, seu uso e aplicabilidade de modo a colocá-los no

seu justo lugar dentro do processo de Planejamento. Em outras palavras, não podem

ser considerados como "soluções universais", nem desprezados como ferramentas do

Planejamento, pelo simples fatos de serem modelos.

As Técnicas de Preferência Declarada são detalhadas no Capítulo

VI quanto aos seus pressupostos teóricos, suas vantagens e desvantagens em

relação aos métodos tradicionais, as diferenças com outras técnicas usadas em

Modelos Comportamentais e seu uso e aplicabilidade em Planejamento Urbano e de

Transportes.

No Capítulo VII são apresentados os resultados da aplicação das

técnicas de Preferência Declarada ao objeto de pesquisa mencionado anteriormente.

São estimados os valores dos atributos CONFORTO e TEMPO DE VIAGEM,

apresentados os modelos estimados com a respectiva análise dos resultados e é

debatida a validade e a significância dos resultados gerais obtidos.

Na última parte desta dissertação, o Capítulo VIII, são apresentadas

as conclusões segundo dois aspectos. O primeiro diz respeito aos problemas

metodológicos e operacionais encontrados na aplicação destas técnicas, ocorridas

basicamente devido ao caráter exploratório e ao ineditismo do trabalho realizado. O

13

segundo, sobre as possíveis conseqüências de seu uso no Planejamento Urbano e

Regional. Nas conclusões afirma-se a plena validade metodológica das técnicas de

PD, inclusive, a nível de sua potencialidade e utilização no Planejamento Urbano e

Regional.

14

CAPÍTULO I

{ TC "CAPÍTULO I" \f C \l "1" }

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA{ TC

"A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA" \f C \l "1" }

I.1) O Processo Histórico da Urbanização{ TC "I.1) O Processo

Histórico da Urbanização" \f C \l "2" }

Historicamente, o processo de urbanização tem sido explicado pela

geração de um excedente alimentar que permite a uma parte da população viver

aglomerada dedicando-se à atividades não-agrícolas. A produção primária, portanto, é

uma condição necessária mas não suficiente para o surgimento da cidade. Será

preciso o surgimento de instituições sociais e uma relação de dominação que transfira

o excedente agrícola para a cidade. Isto significa que a existência da cidade

pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e

distribuição, ou seja, uma sociedade dividida em classes sociais, segundo a posição

de seus membros na estrutura produtiva (Singer, 1987).

Um outro momento do processo de urbanização é assim, a divisão

social do trabalho entre campo e cidade. Neste caso, a diferenciação social entre

classes precedeu historicamente a diferenciação puramente espacial-ecológica. A

história das civilizações antigas demonstrou que uma classe, ou casta, acumulou

funções primordiais não-produtoras (administração, guerra, assuntos religiosos, etc.),

possibilitando sua segregação espacial em relação aos demais segmentos.

Outra suposição, complementar à primeira, é o surgimento das

cidades em função do desenvolvimento comercial. Isto pressupõe a existência de uma

15

Cidade-Estado que proteja os mercadores contra o roubo e a fraude em troca de taxas

e tributos cobrados. A cidade não inventou o comércio, apenas o tornou regular, fixo e

estável, possibilitando sua evolução e sofisticação. Viabilizando a troca generalizada

de mercadorias, a cidade cria, também, condições favoráveis para a universalização

da moeda, como equivalente universal de troca.

O surgimento da cidade representou a um só tempo, um novo modo

de dominação e uma nova forma de organização da produção. Gradativamente, de

centros de comércio, as cidades foram adquirindo características de centros

produtores. Vários fatores, entre eles o crescimento demográfico urbano, a ampliação

da população dedicada às funções políticas, religiosas e bélicas vinculadas à classe

dominante e a acumulação crescente de capital comercial, estiveram na base deste

processo.

Surge uma nova classe de produtores urbanos, saídos do campo e

desprovidos de seus meios de trabalho originalmente ligados à economia natural.

Segundo Singer, "nesta nova fase a cidade deixa de ser meramente a sede da antiga

classe dominante para tornar-se o centro de uma nova classe rival de mercadores,

usurários, especuladores, coletores de impostos, etc. Não se trata do capitalismo

ainda, pois sua existência depende, no fundo, da simbiose entre as novas e as velhas

relações de exploração"1. É a cidade das corporações artesanais, aglomerando ainda,

uma parcela muito pequena das populações.

Ao aglomerar cada vez mais a população, as necessidades de

divisão e especialização social do trabalho também se ampliam na proporção do

tamanho do mercado influenciado pela cidade. Surgem novas técnicas produtivas e

novos materiais (metalurgia, cerâmica, vidraria, etc.). O maior obstáculo para a

expansão urbana, nesta época histórica (Idade Antiga), continua sendo a barreira dos

transportes não-mecanizados. A expansão é predominantemente intramuros, pela

1 Singer, P. (1987), Economia Política da Urbanização, Ed. Brasiliense, São Paulo, SP, pág 18.

16

concentração de produtores e consumidores no espaço urbano permitindo uma

crescente diversificação e aprimoramento das forças produtivas. É nesta conjuntura

que uma verdadeira "revolução urbana" se processa.

No contexto europeu clássico, o processo de unificação política de

regiões dispersas em Cidade-Estados permitiu a constituição de uma precária rede ur-

bana e a especialização entre centros urbanos. Isto ampliou o horizonte comercial e

impulsionou mais ainda as forças produtivas. O exemplo da "paz romana", durante

mais de dois séculos, e o respectivo florescimento urbano na Gália (França e Bélgica),

Britânia (Inglaterra) e Alemanha, confirmam esta evolução. O surgimento e

consolidação de uma economia tipicamente urbana coincidiu com o surgimento dos

Estados Nacionais europeus. Nesta altura, o processo produtivo não só passa pela ci-

dade, mas nela se completa. O campo passa a ser consumidor de produtos urbanos.

A expansão da manufatura e da acumulação de capital, pelos

mercadores e comerciantes supera, gradualmente, os obstáculos colocados pelas

"corporações de ofício" e pelo sistema autocrático feudal, baseado na servidão. Surge

a possibilidade de separação entre o produtor e as condições de produção, o inves-

timento nos instrumentos de produção passa a ser mais lucrativo que o investimento

na matéria-prima, ou no produto acabado do sistema anterior. Aparece a figura do

fabricante saído das classes comerciais e mercantis, motivado unicamente a valorizar

seu capital mediante técnicas cada vez mais intensivas de produção (energia a vapor,

tear mecânico, etc.). Por outro lado, estas técnicas permitem a incorporação massiva

de camponeses e ex-artesões como empregados, despossuídos de seus instrumentos

e meios de produção, aptos a vender seu trabalho em troca dos meios de sua sub-

sistência (dá-se início ao ciclo de reprodução da força de trabalho). Este fenômeno - o

surgimento da unidade fabril de produção, foi um fenômeno essencialmente urbano.

A urbanização impulsionou o sistema fabril, e vice-versa. A fábrica

requer proximidade dos operários, infra-estrutura para armazenar, transportar e

17

distribuir a produção, energia suficiente para movimentar as máquinas, etc. Em muitos

casos, se a fábrica não surge na cidade, é a cidade que se forma a sua volta. A cidade

industrial impõe-se ao campo, não mais pelo poderio bélico, pela tributação ou pelo

controle administrativo, mas pela sua produtividade superior, pela capacidade de gerar

mais renda e atrair população.

Já no século XIX, a Revolução Industrial ampliou significativamente o

investimento em capital fixo urbano e na produção em larga escala, para amortizar tais

investimentos. Ela produziu modificações radicais na relação do campo com a cidade.

Para que a produção se generalizasse em escalas cada vez maiores, foi necessário

ampliar o mercado consumidor de produtos industriais. O camponês se tornou um

agricultor especializado dependendo de insumos e instrumentos urbanos. Este

processo de penetração das relações sociais da economia urbano-industrial no campo

produziu dois efeitos principais: eliminou completamente a produção de subsistência

(nos países industrializados), ou seja, parcela significativa da produção agrícola é pro-

cessada no meio urbano e permitiu um aumento significativo da produtividade na

agricultura (Singer, 1987). Assim, a penetração das relações capitalistas no campo

gerou fatores de expulsão da força-de-trabalho agrícola para os centros urbanos

industrializados. Parte destes migrantes foram absorvidos pela indústria fabril, parte se

tornaram estoques reguladores da mão-de-obra.

O processo de urbanização está, portanto, intimamente ligado à

lógica econômica do desenvolvimento capitalista, de uma economia baseada na troca

de mercadorias. A cidade tornou-se o local privilegiado de reprodução do capital e da

força-de-trabalho. A partir daí, pode-se analisar o investimento do Estado na infra-

estrutura básica (incluindo o aspecto circulatório: vias e modos de transporte) e dos

equipamentos urbanos. Já no século XX a progressiva especialização e divisão do

trabalho levaram à concentração e centralização do capital em grandes unidades

produtivas. Estas exigiram readequações espaciais para sua funcionalidade no meio

urbano. Neste sentido, as indústrias tenderam a se localizar no entorno urbano

18

próximas às concentrações habitacionais de baixa renda. As áreas centrais

monopolizaram as atividades comerciais e de serviços especializados, enquanto as

residências de alta renda localizaram-se em locais privilegiados.

I.2) A Urbanização Brasileira{ TC "I.2) A Urbanização Brasileira" \f

C \l "2" }

A industrialização e urbanização, nos países dependentes

economicamente, ocorreu de forma muito mais violenta e drástica que na Europa. O

processo migratório do campo para a cidade deu-se muito mais por expulsão dos

contingentes rurais e pela estagnação da produtividade agrícola, do que pela atração

exercida por melhores empregos no meio urbano. Por outro lado a migração rural-

urbano nas condições brasileiras não aumentou a demanda por produtos urbanos

(caso clássico). Pelo contrário, sem poder aquisitivo e reproduzindo na cidade, as

formas tradicionais de sobrevivência (subsistência informal), o contingente de migran-

tes só aumentou a pressão sobre os serviços públicos sem contrapartida fiscal ou

tributária. Este processo explica, em parte, o padrão de crescimento periférico das

grandes e médias cidades brasileiras, que tem na favelização (habitação irregular,

clandestina e precária) sua face mais dramática.

Dentro de um contexto marcadamente agro-exportador da economia

brasileira até meados deste século, foram as crises internacionais, em relação as

quais o país esteve sempre muito vulnerável, que alavancaram a industrialização. A

Crise de 1929 e a II Guerra Mundial caracterizam-se como momentos de substituição

de importações e de restrições às exportações agrícolas. Desde os anos trinta, o

Estado brasileiro cumpriu papel essencial ao ajudar a centralização de capitais

agrícolas e bancários em direção à indústria, na regulamentação do mercado de

trabalho, na manutenção de relativa estabilidade política e no bom relacionamento

19

internacional. Os investimentos públicos em infra-estrutura foram também marcantes.

Podem ser citados os serviços de água e esgoto, a encampação das ferrovias na

década de quarenta, assim como os serviços telefônicos e o de produção e

distribuição de energia, como alguns exemplos. O baixo poder aquisitivo dos salários e

a necessidade de manter altas taxas de lucro para o capital privado, estão na base da

necessidade dos investimentos públicos na manutenção destes serviços subsidiados.

A expansão rápida das cidades ocorrida a partir da metade deste

século, desencadeou iniciativas estatais de estancamento do crescimento urbano.

Tais iniciativas se concentraram basicamente nas políticas urbanas voltadas apenas

para as cidades, ignorando um dos fatores estruturais do processo urbanizador no

Brasil: a migração rural. Neste contexto, surgem os Códigos de Posturas, as

campanhas higienistas, os Códigos de Obras, de Edificações e Uso do Solo (Malta

Campos, 1989). Uma legislação urbana rigorosa e exigente foi implantada,

encarecendo o preço da produção de lotes urbanos. Isto determinou, entre outros

fatores, a ocupação urbana periférica pelas populações de baixa renda.

A partir dos anos cinqüenta, o processo brasileiro de industrialização

e urbanização é fortemente acelerado pela implantação de indústrias de base,

apoiadas em investimentos privados externos que são avalizados pelo Estado. Nas

palavras de Malta Campos, "a urbanização superacelerada resulta de um modo

particular de industrialização que, ao mesmo tempo que, no campo, sobremecaniza a

produção agrícola em propriedades de dimensões cada vez maiores, na cidade

sobrecapitaliza a produção industrial e de serviços. A conjunção desses dois fatores

amplia a migração campo-cidade, ao mesmo tempo que reduz, proporcionalmente ao

capital investido, a oferta de empregos no chamado mercado formal urbano, gerando

um crescimento exagerado do mercado urbano informal de empregos, do

subemprego, reduzindo a capacidade de barganha política dos trabalhadores por

maiores salários e melhores condições de vida nas cidades"2. Nesta fase, a ação do

2 Malta Campos, C. (1989). Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos, Ed. Nobel, São Paulo, pág. 38 e 39.

20

Estado viabilizou o processo de urbanização em âmbito regional materializado em

grandes obras (especialmente sistema viário e energético), ainda com poucas re-

percussões sobre o aspecto intra-urbano.

A concentração de renda, outra característica do modelo

desenvolvimentista implantado no Brasil, gerou, no processo de urbanização, uma

forte concentração espacial nas áreas mais centrais das cidades, manifestada na

excessiva verticalização das metrópoles brasileiras. A verticalização, por seu turno,

tende a diluir os custos unitários e aumentar a lucratividade do capital imobiliário.

A especulação imobiliária é outra característica da urbanização

brasileira. Representa uma transferência de renda dos setores produtivos (pela

redução de espaço e pelo "desvio" de investimentos) para os setores especulativos

não-produtivos. Além de provocar um custo social elevado, pois encarecem a ma-

nutenção de infra-estrutura básica, obriga a população de baixa renda à condições de

moradia precárias e periféricas. Na periferia a maior parcela da mão-de-obra urbana

fica distante dos serviços urbanos mais qualificados, do comércio mais barato, das

opções de lazer e cultura, etc.

Outros elementos caracterizadores da urbanização brasileira

descritos por Malta Campos (1989) são os seguintes:

(a) brutal déficit acumulado de serviços públicos: que provoca

uma exacerbação da renda diferencial imobiliária já que os melhores serviços estão

nas melhores áreas (que são melhores exatamente pela maior disponibilidade dos

mesmos);

(b) crescimento dos vazios urbanos: elevam o custo social nas

cidades, pois, em média, representam a metade do espaço urbanizado na médias e

grandes cidades brasileiras; oneram diversos serviços urbanos como: implantação e

operação das redes de água e esgoto, iluminação pública, canalização das águas de

21

chuva e dos córregos e rios urbanos, implantação e operação da rede de energia

elétrica e de transporte coletivo;

(c) maior parte do espaço intra-urbano é de origem irregular: a

expansão horizontal tem sido feita através de loteamentos clandestinos sem o

atendimento da legislação urbanística ou normas sanitárias elementares (áreas

insalubres, inundáveis, grande declividade, encostas, etc.). Depois que estas áreas se

consolidam, os custos de sua integração ao tecido urbano regular se tornam absurdos

e inviáveis.

(d) elevação constante do preço da terra: fruto do caráter de

monopólio que se reveste a terra urbana, e do caráter de bem sem substitutos (cada

gleba de terra é única na cidade), os terrenos urbanos se valorizam imensamente. Em

Belo Horizonte o índice de preços dos terrenos urbanos com base 100, em 1950,

passaram para 856, em 1979; no Rio de Janeiro variaram de 100, em 1957, para 376,

em 1976; e em São Paulo de 100, em 1903, para 867, em 1978. (Malta Campos,

1987). Além disso, em São Paulo, a proporção do custo do terreno no preço final da

habitação passou de 10% a 15%, no início dos anos setenta, para 30% a 40%, em

1986.

Pode-se concluir, portanto, que a urbanização no Brasil foi um

instrumento de integração capitalista do país como uma estratégia de modernização

sustentada pelo Estado ancorado no importante papel da indústria. Neste processo o

espaço passa a ter uma importância crucial para o desenvolvimento econômico.

Segundo Davidovich (1984), o Estado desempenhou um papel

crescente na urbanização brasileira. Investindo fortemente na ação centralizadora,

deslocou oligarquias regionais e tradicionais, esvaziando a esfera de poder estadual

nos principais Estados agrários (São Paulo e Minas Gerais). As condições

conjunturais, para que o Estado assumisse este papel, residiram basicamente no

investimento transnacional no Brasil ocorrido a partir dos anos cinqüenta e na

22

incapacidade relativa do capital nacional investir em bens de capital e absorver as

inovações tecnológicas exigidas pela industrialização em larga escala. Além disso,

havia a necessidade de coordenação da complexa relação entre o capital oligopolista

estrangeiro e a empresa privada nacional. A ação estatal voltou-se para a remoção de

obstáculos materiais à reprodução capitalista do espaço, através de grandes

investimentos em obras públicas urbanas e regionais, que representaram significativas

economias para as empresas, e transferência do valor da infra-estrutura para o valor

dos bens e serviços produzidos. Várias iniciativas demonstram este caráter da

intervenção estatal, entre elas a autora cita a fundação de cidades interioranas em

iniciativas de colonização, a consolidação de uma rede urbana, o programa de cidades

de porte médio, o incentivo aos Distritos Industriais ("desconcentração concentrada"),

a criação das Regiões Metropolitanas, etc.

Neste processo, as cidades brasileiras vão compondo um estranho

padrão morfológico de ocupações distintivas do solo (Santos,1988-b), resultados im-

perfeitos e ecléticos da mesclagem de modelos de pensamento urbano vigentes.

Segundo o autor, os recursos alocados (pelo Governo) para a urbanização, foram

aplicados para facilitar o acesso de bens, matérias-primas e pessoas; também para

proporcionar bases que permitissem a maximização dos núcleos urbanos como "má-

quinas produtivas". As vertentes predominantes de pensamento urbano neste

processo foram o ”Culturalismo” - assumido pelo capital imobiliário na proposta dos

"Jardins" em novos bairros para os ricos, por exemplo - e o “Progres-

sismo/Racionalismo” - adotado pelos Governos e cujo maior produto foi a criação de

Brasília.

23

I.3) A Produção do Espaço Nacional: a lógica econômica e os Transportes{

TC "I.3) A Produção do Espaço Nacional: a lógica econômica e os

Transportes" \f C \l "2" }

No âmbito desta dissertação é oportuno verificarmos, ainda que

brevemente, a influência deste processo sobre os Transportes. E é sob o enfoque da

economia que estas influências podem ser melhor identificadas e correlacionadas

entre si. Esta análise é apoiada nas conclusões do trabalho desenvolvido por Natal

(1991).

A ocupação do espaço nacional determinou a constituição de suas

vias de transporte, não como uma rede integrada, mas como caminhos dispersos no

território. Esta característica deriva, basicamente, do processo de fixação da

população no território no período colonial (1500-1822). A partir de uma estreita faixa

de território litorâneo, a ocupação portuguesa produziu "ilhas de povoamento" em

pontos de apoio na costa brasileira. A distância entre as áreas de povoamento mais

intensas são marcadas por vazios territoriais e demográficos imensos. Criaram-se

verdadeiros "bolsões econômico-populacionais" quase autárquicos entre si. Esta ca-

racterística se estende à toda ocupação ibérica no continente, com a diferença que

aqui surgiu um único grande país (com diferenças regionais gritantes), enquanto nos

territórios de colonização espanhola cada realidade determinou um país diferente. Já

ocupação dos Estados Unidos foi essencialmente diferente, na medida em que os

colonos americanos ocuparam densamente o litoral leste para, só depois, expandirem

rumo a oeste; este adensamento inicial proporcionou melhores condições para ge-

ração de um mercado interno territorialmente integrado. Além disso, por características

históricas e políticas, a ocupação inglesa foi feita por colonizadores e não "conquista-

24

dores" como o ocorrido na expansão colonial da América Latina por Portugal e

Espanha.

A partir da Revolução Industrial na última metade do século XIX e do

simultâneo avanço na tecnologia dos transportes, o tipo de ocupação anglo-saxônica

revelou-se mais vantajoso para integração das ex-colônias ao mercado mundial. Na

medida em que este tipo de ocupação territorial exigiu maiores investimentos em

portos, infra-estrutura, energia e estradas. As maiores densidades repercutiram

positivamente sobre os custos de implantação da infra-estrutura e, conseqüentemente,

nos menores custos (e preços) das mercadorias produzidas (café, algodão, borracha,

etc.).

No contexto de mercantilização crescente da Europa pós-Revolução

Industrial, o modo de transporte predominante foi o ferroviário. Ele potencializou a

acumulação de capital através da sensível redução do tempo entre a produção e o

consumo. Integrou mercados, reduziu custos de mão-de-obra, possibilitou a formação

de estoques, homogeneizou economicamente regiões e países. Nas ex-colônias

inglesas, a ferrovia também se tornou o modo principal. Ela permitiu a circulação de

mercadorias com maior volume, como o algodão e o café. No Brasil, as ferrovias salta-

ram de 14,5 quilômetros de extensão em 1854 para 13.980,6 quilômetros em 1899, no

início da República (Silva, 1973).

Se a Revolução Industrial expandiu e barateou os meios de

transporte, por sua vez, estes mudaram as relações econômicas entre colônias e os

países centrais. Estas mudanças passaram pela constituição de mercados integrados

e adaptados à competitividade internacional. No Brasil, estas condições não estavam

dadas inicialmente, já que a dispersão do povoamento e ocupação do espaço foi

dispersa, tornando impossível a viabilização econômica de uma rede de transporte ba-

seada no modo ferroviário. A construção de estradas de ferro isoladas (e com bitolas

diferenciadas) ligando portos a centros no interior, acabou confirmando a ocupação

25

dispersa e o caráter insular do desenvolvimento econômico-territorial brasileiro. Esta

política pública (financiada pelo capital inglês) só não foi mais prejudicial porque, até

os anos trinta deste século, as regiões econômicas, de fato, eram voltadas mais para

o mercado externo que para um mercado nacional, ainda inexistente.

Enquanto as ferrovias se vinculavam aos fluxos internacionais, nos

sentidos "litoral-interior" e "interior-litoral", respectivamente, a navegação costeira

vinculava as regiões aos portos das principais aglomerações urbanas.

A crise do padrão de desenvolvimento nacional, observada nos anos

trinta, marcou um aumento significativo do mercado interno pelo comércio intra-

regional, particularmente. A intervenção estatal, a situação internacional (Crise de

1929, Guerras Mundiais, etc.) e a situação cambial do país, protegeram a indústria

nacional da concorrência internacional. A extensão e dispersão do país tornava,

entretanto, complexa a questão dos transportes. O alto custo de superação dos vazios

demográficos e territoriais acabou desempenhando papel semelhante às tarifas

protecionistas. Se, por um lado, ajudou ao desenvolvimento independente de centros

econômicos protegidos da concorrência predatória do capital internacional em

expansão, por outro, favoreceu a formação de mecanismos cartoriais, de monopólios e

a manutenção do atraso tecnológico e gerencial das empresas. De fato, os principais

corredores de transporte até os anos cinqüenta (as ferrovias), não se ligavam

longitudinalmente, com exceção para o tronco Rio-São Paulo.

Dada a incapacidade das ferrovias em viabilizar a integração plena

dos mercados, emerge um novo padrão de transportes assentado no rodoviarismo-

automobilismo. Com menor custo que as ferrovias e com maior flexibilidade de

implantação (o trem precisa de uma via própria) e de operação (problemas das bitolas

das vias diferenciadas, concessões à empresas estrangeiras, etc.) este padrão se

torna rapidamente hegemônico. Outras razões que fogem ao escopo desta

dissertação também foram fundamentais, como a própria pressão das montadoras

26

estrangeiras, em uma conjuntura internacional de migração da indústria para o

Terceiro Mundo.

O transporte rodoviário, a despeito dos seus custos operacionais

superiores à ferrovia por unidade de carga ou passageiro transportado, representou

uma opção de organização do espaço nacional adequada ao modelo

desenvolvimentista do pós-guerra. A construção de Brasília no meio de um vazio, por

exemplo, teve impacto significativo na construção das redes de rodovias ligando o

Centro-Oeste com o Norte, Sudeste e as capitais nordestinas. Estas ligações só foram

possíveis com a produção e adoção em larga escala do rodoviarismo como meio

dominante de transporte e mesmo como principal âncora da industrialização brasileira,

pois também estas redes viabilizaram a integração entre os diversos mercados

regionais, então organizados em "arquipélagos econômicos", segundo Barat (apud

Natal, 1991).

Assim como as cidades brasileiras foram sendo moldadas para o

automóvel em estruturas radio-concêntricas (dentro da lógica da maior acessibilidade

e do "urbanismo viarista"), a produção do espaço nacional foi sendo moldada pela

integração a partir das redes rodoviárias. Estas redes que acabaram reforçando a

centralidade econômica no Sul-Sudeste em detrimento das outras regiões.

Pode-se dizer que, de modo geral, a estrutura urbana predominante

nas cidades brasileiras foi aquela moldada historicamente pelo princípio da

acessibilidade. Neste sentido, a forma radio-concêntrica dominante constituiu-se

naturalmente dos caminhos que conectavam, entre si, as atividades econômicas a

partir de pólos de irradiação, os seus centros. Este desenho, entretanto, vêem

sofrendo pontos de estrangulamento desde os anos sessenta pelo crescimento dos

fluxos urbanos, especialmente após a consolidação do uso do automóvel. Nos

grandes centros urbanos, isso provoca diferentes adaptações do espaço urbano em

termos de escalas - geração de "unidades de vizinhança" formadas pelo cruzamento

27

das vias arteriais de grande capacidade; densidades - verticalização planejada

combinada com baixas densidades; e usos diferenciados do solo - ocupação do

entorno de estações, pólos comerciais e de serviços linearizados nos corredores, etc.

28

CAPÍTULO II

{ TC "CAPÍTULO II" \f C \l "1" }

AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES ENTRE O TRANSPORTE E O ESPAÇO URBANO{

TC "AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES ENTRE O TRANSPORTE E O ESPAÇO

URBANO" \f C \l "1" }

II.1) Considerações Iniciais{ TC "II.1) Considerações Iniciais" \f C

\l "2" }

Por Sistema Urbano entende-se o conjunto de elementos (fluxos,

formas e funções), que configuram as estruturas espaciais das cidades. Utiliza-se o

conceito de Sistema Urbano análogo ao de Estrutura Urbana, na medida em que o

modo como se arranjam os elementos urbanos os tornam indissociáveis, como partes

componentes de um único todo, complexo e multifacetado.

O Sistema Urbano é um sistema aberto que se relaciona com outros

sistemas conformando situações de maior ou menor complexidade de relações em

nível Regional, Nacional e também em âmbito Mundial. Só é possível falar de um

Sistema Urbano concreto na medida em que lhe conferimos determinada historicidade,

base sócio-econômica e meio natural sobre o qual se desenvolve e se transforma.

Neste sentido, o Sistema Urbano implica (e significa) uma determinada Estrutura

Urbana que é profundamente determinada pela circulação de mercadorias e pessoas.

Circulação esta que "aparece", materializa-se e concretiza-se, através de um Sistema

de Circulação (Transportes).

A cidade, assim, é sempre o produto histórico de uma Formação

Social específica e de Relações Sociais determinadas por diversos Sistemas que

29

interagem permanentemente entre si, tais como um (Sub)Sistema Político, Ideológico,

Econômico, Social e assim por diante. Na cidade, a espacialização destes vários

Sistemas depende da natureza de cada atividade e da função urbana a ela

correspondente: industrial, comercial, residencial, serviços, lazer, etc. Na Sociedade

Capitalista, a alocação espacial das atividades urbanas é coordenada pela existência

de um Mercado Fundiário, regulado pela lógica da valorização dos capitais fundiários

que transforma cada "local" num ponto singular, fonte de valorização absoluta

(tamanho da área, por exemplo) e relativa (infra-estrutura disponível, acessibilidade,

construtibilidade, etc.) conferindo Economias de Urbanização ou Localização

conforme a situação locacional de cada atividade.

Já o Sistema de Transportes se relaciona com o Sistema Urbano na

medida em que ele operacionaliza e possibilita a concretização dos fluxos

permanentes ou ocasionais (de passageiros, bens e serviços) que resultam, em

última instância, na consolidação de um tecido urbano heterogêneo em usos, funções

e formas e, portanto, na própria estruturação do tecido urbano. O Sistema de

Transporte Público por ônibus é composto pelos equipamentos viários necessários à

sua execução, pelo material rodante e pelos fluxos de passageiros. Este Sistema

interage com as demais atividades urbanas, na medida em que estas são capazes de

gerar e atrair viagens. É o que acontece, por exemplo, com os deslocamentos

residência-trabalho, envolvendo duas funções distintas no meio urbano: local de

trabalho e local de moradia (espaço de produção e espaço de consumo,

respectivamente).

Os fluxos do Transporte urbano podem ser classificados em diversos

motivos como o trabalho, o lazer, o estudo e outros. O predominante é o deslocamento

por motivo trabalho, tendo como referência de origem ou destino a residência e o local

de trabalho dos usuários. O fluxo de passageiros é determinado por vários fatores,

entre eles o nível de renda, a concentração espacial da população (densidade), as

condições de oferta do Sistema de Transporte Urbano, o ordenamento da malha

30

viária, etc. Há ainda o fluxo de bens e serviços, não menos importante. Pode-se,

inclusive, considerar o tipo de deslocamento predominante dos passageiros como um

fluxo da "mercadoria força-de-trabalho". Deste modo, os fluxos de bens podem ser

divididos em fluxos que garantem a circulação de insumos para a produção e aqueles

que viabilizam a distribuição de bens e serviços ao longo da malha urbana,

concretizando um ciclo de "produção-distribuição-consumo".

Assim como o Sistema Urbano o Sistema de Transportes é aberto e

dinâmico, isto é, influencia e é influenciado, em um circuito nem sempre virtuoso3, pelo

meio urbano no qual está inserido. A evolução das cidades tem mostrado que a

constante transformação urbana modifica usos e formas construídas, criando tensões

potenciais nas quais as estruturas físicas nem sempre correspondem a novas

condições e requerimentos físico-espaciais do sistema produtivo, cultural, político,

social ou ideológico.

Os desequilíbrios causados pelas atividades especulativas do Capital

fundiário (principal ator no Mercado Fundiário) na valorização de terras ociosas como

os "Vazios Urbanos" são, por excelência, exemplos clássicos destas contradições com

influências negativas sobre o Sistema de Transporte.

As acessibilidades de cada ponto no espaço estão, assim, em

permanente mutação de acordo com interesses e disputas pela melhor localização

das atividades urbanas, geralmente orientadas pela minimização dos custos

locacionais (aluguéis, infra-estrutura disponível, proximidade dos mercados, etc.).

O aprofundamento teórico do papel que o Sistema de Transporte tem

em relação à configuração de um padrão de urbanização exige um detalhamento

maior do que se entende por Estrutura Urbana e sua dinâmica. A seguir são

apresentadas algumas teorizações existentes sobre estes temas.

3 os meios e a realização da circulação urbana estão submetidos à severas restrições de ordem físico-espacial e tecnológica na medida em que as funções

urbanas se complexificam e densificam sem o correspondente aperfeiçoamento dos Sistemas de Circulação intra-urbana; os frequentes congestionamentos nas grandes cidades são o melhor exemplo desta situação.

31

II.2) A Estrutura Urbana e o Transporte{ TC "II.2) A Estrutura

Urbana e o Transporte" \f C \l "2" }

O conceito de Estrutura Urbana não é unívoco, assume vários

significados dependendo do conteúdo que se atribui ao conjunto de pontos, linhas e

fluxos que compõe uma dada territorialidade, construída como Capital Fixo 4 e

depende, também, da intencionalidade metodológica do pesquisador. O conceito de

Estrutura Urbana tem sido usado exaustivamente, desde os geógrafos que

territorializam sua dimensão, aos economistas como designação da posição relativa

dos agentes concorrentes por estoques espaciais no mercado de terras. Pode-se

entender por Estrutura a totalidade das interações existentes entre os elementos dos

conjuntos, entre as classes dos conjuntos e o conjunto dos pontos do espaço conside-

rado (Serra, 1987). A Estrutura Urbana, assim, se confunde com o conceito de

Sistema Urbano (interdependência entre as partes) e de Organismo Urbano. A seguir,

são descritas brevemente algumas abordagens sobre a Estrutura Urbana, muito mais

para confirmar o sentido plural deste termo (e sua íntima relação com o aspecto

circulatório), do que para adotar um único enfoque como verdadeiro. Além disso, o

objetivo é apreender o problema do Transporte em particular e da Circulação em geral

nestas abordagens.

Dentro de uma definição mais ampla de "espaço social" o conceito

de Estrutura Urbana pode ser incorporado como uma das dimensões constituintes da

cidade: forma, estrutura e função, segundo Santos (1986). Forma e Função seriam

4 A cidade é como uma mercadoria peculiar sendo um meio de produção e simultaneamente um meio de consumo coletivo, valor "fixado" nas construções como

objetivação da força-de-trabalho (capital "circulante").

32

conceitos que interagem entre si modelando determinada estrutura espacial: "a totali-

dade supõe um movimento comum da estrutura, da função e da forma, é dialética e

concreta. Para estudá-la é preciso levar-se em consideração todas as estruturas que a

formam e que em conjunto ou isoladamente, a reproduzem"5. O mesmo autor (Santos,

1988-a) afirma que a configuração territorial de determinado espaço é determinada por

“Fixos” e “Fluxos”. Os elementos “Fixos” são os instrumentos de trabalho e as forças

produtivas, incluindo a massa de trabalhadores, enquanto os elementos “Fluxos” são a

circulação de capital e de trabalho. Segundo o autor, a Estrutura Urbana pode ser

explicada pelas articulações entre estes elementos. Estas articulações implicam em

determinada organização espacial, quando determinada forma de organização deixa

de ser eficaz (para o modo dominante de Relações Sociais) há uma ruptura, crise e

passagem para outra forma de estruturação espacial, de arranjo físico do espaço.

Castells (1983), define Estrutura Urbana através da composição de

vários conceitos: a articulação do sistema econômico com o espaço, a organização

institucional do espaço, o simbólico urbano e a centralidade urbana. No âmbito desta

dissertação cabe reter as definições quanto ao primeiro conceito. Castells define a

articulação do sistema econômico com o espaço a partir de três elementos: Produção,

Consumo e Relações de Circulação. A Produção é o conjunto de realizações es-

paciais derivadas do processo social de Reprodução dos Meios de Produção e do ob-

jeto do Trabalho, o Consumo é o conjunto das realizações espaciais derivadas do

processo social de Reprodução da Força de Trabalho (simples no caso da Moradia ou

ampliada no caso de ambientes sócio-culturais) e as Relações de Circulação entre

estas esferas que é o elemento da "troca" como articulador entre Produção e

Consumo.

Quanto ao espaço como "Relações de Circulação", como troca,

intercâmbio e fluxo, Castells (1983), afirma que a análise da circulação urbana deve

ser entendida como uma especificação de uma teoria mais geral da troca entre os

5 Santos, Milton (1986). Pensando o Espaço do Homem, Ed. Hucitec, São Paulo, pág. 39.

33

componentes do sistema urbano e, que esta é definida por "conteúdos circulantes"

que diferem quanto à direção, a intensidade e a conjuntura dos meios de circulação,

entre os quais, os Sistemas de Transporte. Entretanto, para Castells, os meios de

circulação não articulam o conjunto dos elementos da Estrutura Urbana, apenas

derivam destes, os consolidam mais do que os precedem.

Um elemento presente em Castells para definição de Estrutura

Urbana é marcante: não há qualquer autonomia entre "Sistema de Formas do Espaço"

(Forma como Estrutura) e o campo das práticas sociais. É a especificidade da

instância ideológica sobre o espaço que aparece no conteúdo simbólico das formas

construídas. Cada elemento da Estrutura Urbana teria, assim, uma utilização como

emissores, transmissores e receptores de "práticas ideológicas gerais". É um enfoque

eminentemente sócio-ideológico sobre o espaço construído e sua estruturação no

meio urbano.

Um outro enfoque sobre Estrutura Urbana pode ser encontrado em

Lynch (1960). A partir da preocupação com a "legibilidade" do espaço, o autor trabalha

o conceito de "imagibilidade" do espaço urbano pelos seus habitantes. Decompõe a

imagem urbana em identidade, estrutura e significado, e pelos seguintes elementos:

vias - ou canais que contém os fluxos urbanos, limites - as fronteiras abstratas dos

elementos urbanos, bairros - regiões urbanas com especificidades sócio-espaciais,

cruzamentos - pontos estratégicos, nós viários, entroncamentos, pontos de con-

centração e integração (centros), pontos marcantes - são referências físicas da

cidade, edifícios singulares, elementos topográficos, etc. Ao contrário da abordagem

geográfica de Santos (1988-a) ou sócio-ideológica de Castells (1983), Lynch (1960)

estrutura a cidade ckmo cidade formal, percebida e codificada por seus habitantes

como uma representação quase emocional e afetiva da "cidade ideal", com forte apelo

estético.

34

Lynch, (1960), atribui às vias uma função organizadora (no sentido

de “trama urbana”) e de interação entre todos os demais elementos (bairros, sentidos,

direções, lugares, etc.). Elas "constituem os meios mais significativos, através dos

quais o todo pode ser organizado"6. O autor enfatiza a "qualidade cinestésica" do

sistema viário, a sensação de deslocamento (fluxo, movimento, circulação) e indica,

como uma das qualidades do design urbano, a "consciência do movimento". O habi-

tante/usuário da cidade a apreende através do movimento, interagindo com a

percepção de direção, localização e sentido dentro do meio urbano.

Poder-se-ia classificar as abordagens sobre a estruturação intra-

urbana em diversas escolas (Clark, 1985): Ecológica, Livre-Comércio, Análise da Área

Social, Conflito/Administração e Marxista. Veremos rapidamente os argumentos de

cada uma delas.

A Escola Ecológica é baseada na idéia de que as residências e

instituições espalham-se a partir do centro da cidade enquanto as atividades

comerciais concentram-se nos pontos de maior acessibilidade junto ao centro. A

Estrutura Urbana seria modificada por sucessivos movimentos de invasão, dominância

e sucessão de usos do solo urbano (Modelo de Círculos Concêntricos de Burgess). As

divisões sociais existentes no meio urbano seriam explicadas, assim, pelo circuito

invasão-sucessão e assimilação-segregação urbana.

A Escola do Livre-Comércio pressupõe que todos os proprietários

procuram minimizar custos de localização considerando os custos com Transportes e

as margens de lucro em cada posição. Os modelos de interação espacial concebem o

espaço homogêneo economicamente, liberdade absoluta de concorrência e co-

nhecimento perfeito do mercado. Esta Escola assume ainda que os custos do

Transporte aumentam proporcionalmente em relação à distância ao centro. Ocorreria

uma compensação entre ganhos ou perdas em acessibilidade e ganhos ou perdas

6 Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade, Ed. Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, sd, pág. 108.

35

com custos residenciais (aluguéis): maior acessibilidade, maior o custo residencial e

vice-versa.

A Escola de Análise da Área Social define Estrutura Urbana a partir

da divisão da cidade em anéis de "status familiar" (enfoque social), por cunhas de

status sócio-econômico e por grupos étnicos - estes três níveis estariam se

sobrepondo no espaço concreto da cidade.

A cidade se estrutura pelo movimento combinado dos usos que

demandam acessibilidade (que criam externalidades positivas) e dos usos que

demandam distância (que criam externalidades negativas), esta é a definição da

Escola do Conflito/administração, segundo Clark (1985). Ela centra sua análise nas

tensões existentes entre os agentes envolvidos no processo de produção,

comercialização e consumo da terra urbana: empreendedores, incorporadores,

promotores imobiliários, loteadores, construtores, funcionários públicos, etc.

Já a Escola Marxista tem a idéia do conflito como base explicativa

das relações sociais, enquanto que as anteriores enfatizam basicamente o equilíbrio

entre os elementos que compõe a Estrutura Urbana. Para esta abordagem, o preço do

solo urbano não é determinado pelo seu uso (demanda), mas pela manipulação social

dos aluguéis pelas classes proprietárias (oferta). Assim, da propriedade da terra surge

uma Renda Absoluta, derivada do monopólio. O capitalismo dissocia valor de uso (uso

efetivo) do valor de troca (para a venda, o comércio) da terra urbana; as áreas de-

cadentes e desvalorizadas na cidade decorrem da própria lógica do mercado fundiário

urbano.

Para os marxistas a Estrutura Urbana deve ser compreendida

através do conceito de “totalidade”. O conhecimento de uma “totalidade”, concreta e

dialética, supõe um movimento de Estrutura, Forma e Função, ou seja, a Estrutura

Urbana decorre de “múltiplas determinações” e combinações de vários níveis e

escalas.

36

Já Lobato (1987), afirma que a Estrutura Urbana não constitui uma

exterioridade imediata, ela é subjacente à forma urbana, como uma matriz onde é

gerada. A Estrutura Urbana seria, assim, a natureza social e econômica de uma

sociedade, em um dado momento no tempo.

Em Berry (1971) a análise da Estrutura interna das cidades deve ser

feita considerando as diversas situações de desenvolvimento urbano, decorrentes dos

padrões locacionais: (a) cidades como sítios de funções especializadas, (b) como

decorrência do traçado e da rede de transportes e (c) como lugares centrais em

relação à região. A Estrutura interna, segundo o autor, está fortemente influenciada

pelas funções comerciais e pela localização do “Centro de Negócios” (CBD). Os

principais elementos componentes da Estrutura (Comercial) da cidade são: a

hierarquia dos “Centros de Negócios”, as Áreas Especializadas, os Transportes e as

Artérias Comerciais.

Entre as várias Escolas Teóricas enumeradas (Clark, 1985) e os

demais autores analisados, os elementos referentes à circulação urbana e ao

Transporte são significativos e muitas vezes determinantes para o modelo teórico que

explica a Estrutura Urbana das cidades. Quer sejam analisados sob o enfoque dos

"fluxos" que articulam "forma e função" no urbano (Santos, 1988-a), das "Relações

de Circulação" que articulam Produção e Consumo (Castells, 1983) ou a importância

das vias e da "consciência do movimento" para a compreensão da cidade (Lynch,

1960), a importância do Sistema de Circulação Urbana e dentro deste, do Sistema de

Transporte, parece inequívoca, condição essencial para a compreensão da

complexidade urbana.

Pode-se dizer que o princípio da acessibilidade, influenciando

combinações (padrões) diferenciadas de escalas, densidades e usos do solo urbano,

é um elemento comum destas abordagens. A idéia da acessibilidade como variável

determinante para compreensão do espaço urbano foi aprofundada e melhor

37

incorporada pela teorias da Economia Urbana. Particularmente pelas Teorias

Locacionais, que serão vistas na seção seguinte.

II.2.1) As teorias da Economia Urbana e Regional: o problema da localização das

atividades.

Os clássicos da Economia Política estudaram os problemas relativos

aos conflitos de interesse entre proprietários rurais e capitalistas na Inglaterra do

século XVIII e XIX, formulando a Teoria da Renda da Terra7. A partir de alguns

pressupostos destas teorias, surgiram os primeiros estudos a respeito da "lógica de

localização" das atividades econômicas no espaço. Não é objetivo desta dissertação

analisar ou revisar a problemática das Teorias da Renda, pretende-se, apenas,

assinalar a matriz teórica que embasou, posteriormente, as principais abordagens

clássicas sobre o tema da localização das atividades econômicas no espaço.

Passa-se, então, para a abordagem das teorias regionais de

localização e, após, seu desdobramento a nível intra-urbano, de particular interesse

neste trabalho.

O primeiro destes estudos foi feito por Von Thünen (1826),

proprietário e produtor agrícola da região de Hamburgo na Prússia (Alemanha) do

século XIX. Seus pressupostos eram: a existência de um Estado isolado dos demais,

tendo um único centro urbano abastecido pelas regiões agrícolas e com produtividade

7 Ricardo criou o conceito de "Renda Diferencial" baseado nos diferentes graus de fertilidade e da distância do cultivo ao centro consumidor, para explicar

diferenças de custos de produção (e de renda auferida), mais tarde Marx introduz o conceito de "Renda Absoluta" (derivada da propriedade privada) e “Renda de Monopólio”. A Escola Marginalista utilizaria os mesmos pressupostos, posteriormente, para explicar a remuneração do fator terra pela sua “Produtividade Marginal”.

38

homogênea da terra. Von Thünen afirmou o princípio de que, quanto maior o volume

da produção agrícola a transportar, maior seria a proximidade do centro consumidor e

vice-versa. Considerando os custos de Transporte proporcionais à distância ele

elaborou um diagrama de círculos concêntricos em torno da cidade no qual se estrutu-

rariam os tipos de produção agrícola. Apesar da abstração equivocada sobre as con-

dições naturais e as relações econômicas com outros países, o mérito fundamental foi

considerar o fator Transporte como essencial para a localização territorial agrícola.

Launhardt (apud La Torre, 1974), acrescentará às teorizações de Von Thünen a

importância da distância das fontes de matéria-prima e do centro consumidor para a

indústria em relação à equivalência dos custos de Transporte, que por sua vez,

continuava a ser um critério fundamental para a decisão locacional, desta vez, da

indústria

Weber (1909) (apud La Torre, 1974), considerou o Transporte,

juntamente com a força de trabalho e as características de aglomeração, como os

fatores fundamentais para a localização industrial. Weber afirmou que o ponto ótimo

de localização é aquele em que há um custo mínimo com Transporte. Sua teoria

também é conhecida como "Teoria dos Custos Mínimos". Qualquer discrepância em

relação a este "ponto de custo mínimo" é considerada como um desvio da localização

ideal. Neste caso, admite que a localização ocorre pela equivalência entre custo

mínimo de Transporte e as vantagens oferecidas por regiões de mais baixos salários

e/ou regiões onde as características aglomerativas (concentração de indústria,

serviços, capital, etc.) sejam melhores. Partindo do peso das matérias-primas, tem-se

as indústrias "orientadas para as matérias primas", por tipo de produto (perecível ou

não); de acordo com a flutuação da demanda, tem-se as indústrias "orientadas para o

mercado" e de acordo com o nível de custos com mão-de-obra na composição final do

preço dos produtos, tem-se as indústrias "orientadas para a mão-de-obra".

Os pressupostos de Weber são bastante irreais, tais como a

ausência de restrição de mão-de-obra e tarifas de Transporte equivalentes em

39

qualquer ponto. Apesar disto, a definição do ponto de custos mínimos de Transporte é

perfeitamente válida como uma das variáveis fundamentais para localização industrial

até nossos dias.

Weber foi importante porque sistematizou as teorias de localização

anteriores consolidando-as em relação à localização industrial. Também, porque,

juntamente com o fator Transporte, introduziu outras variáveis independentes, como o

custo da mão-de-obra, matérias-primas e forças aglomerativas (externalidades

positivas) simultaneamente na Análise Locacional.

Christaller (1933) (apud La Torre, 1974), conhecido pela Teoria dos

Lugares Centrais, onde trabalhou a temática da hierarquia entre centros urbanos de

diferentes tamanhos, aparece também o "Princípio do Transporte". Por este princípio a

organização espacial da Rede Urbana é "de tal modo que existe uma minimização do

número de vias de circulação: os principais centros alinham-se ao longo de poucas

rotas..."8. É a idéia básica e comprovada empiricamente por diversos estudos

conhecidos de Estrutura Urbana, sobre o papel indutor de ocupação (e urbanização)

representado pelas vias e rotas de Transporte.

Já Lösch (1954) (apud La Torre, 1974), definiu que não só a oferta

(custos de Transporte) determinam a localização ótima, mas a demanda dos centros

consumidores. A definição locacional vai ficar por conta da "Área de Mercado",

influenciado pelos trabalhos de Christaller (1933). Cada unidade produtiva possui sua

"Área de Mercado" que é definida pela área limite onde o custo do Transporte agre-

gado aos preços não resulta em queda da demanda de modo a provocar redução dos

lucros aceitáveis ou prejuízo. Além da incorporação dos pressupostos dos demais,

Lösch admite que os consumidores tenham curvas de demandas idênticas (o que é

irreal) e que o grau de monopólio depende da proximidade do consumidor. Mais uma

vez, o custo com Transporte é fundamental, neste caso, para definir a área de

8 Lobato Corrêa,R. (1989), A Rede Urbana, Ed. Ática, São Paulo, SP, pág. 30.

40

mercado, pois a demanda por determinado produto seria inversamente proporcional à

distância entre Produção e Consumo. Outros autores tentaram resolver, após Lösch,

algumas lacunas teóricas dos Economistas Urbanos, como Berry (1971), mantendo,

entretanto, a mesma base de pressupostos teóricos.

As críticas aos pressupostos destas teorias são bastante

contundentes. Serão vistas algumas delas, baseadas nas considerações teóricas de

Smolka (1983, 1984). As críticas às Teorias de Localização regional valem também

para o âmbito intra-urbano já que as segundas derivaram teoricamente das primeiras.

Estas teorias, consideradas “clássicas” dentro dos estudos de

Economia Urbana e Regional, na sua maioria tem origem na Economia neoclássica

(Walras, Marshall, etc.). Ao adotar o paradigma da "concorrência perfeita" (livre

mobilidade dos capitais, conhecimento perfeito do mercado, preços livres equilibrando

oferta e procura, etc.) transferindo-o e "territorializando-o" para o estudo espacial

considera-se o "espaço isotrópico", ou seja, o espaço-plano, homogêneo, onde os

custos de Transporte só dependem da distância. O espaço é visto como que

esvaziado de conteúdo social e geográfico, segundo Smolka (1984).

A idéia básica neoclássica é que o Mercado distribui espacialmente

todos os recursos produtivos através do mecanismo de preços na interação entre a

Oferta e a Demanda por bens e serviços. O Transporte, numa situação de equilíbrio de

mercado, tem a função de igualar a "taxa de desconto" na demanda por espaço, assim

como a Taxa de Juros é associada à taxa de desconto no tempo em relação à

demanda por Capital. A produtividade do Transporte estaria associada à distribuição

desigual de recursos naturais, e à possibilidade de diminuir as deseconomias

decorrentes da aglomeração excessiva. A aplicação do insumo-transporte tende a

alongar espacialmente a produção (área de mercado), maximizando o lucro até o

ponto em que os rendimentos seriam decrescentes e ocorreria um efeito de

substituição do insumo-transporte por outros fatores.

41

Para a teoria neoclássica, a economia é concebida como um

conjunto de mercados interrelacionados, onde indivíduos e empresas se encontram

como ofertantes ou demandantes de mercadorias. O processo de urbanização resulta

da realocação da população rural para a indústria e serviços, que tem produtividade

maior e, por isso, geram mais renda e níveis superiores de bem-estar no meio urbano,

tornando-o mais atrativo. Segundo Smolka (1984), a análise neoclássica do Espaço

incorpora-o apenas como uma variável física-geométrica, sem levar em conta uma

"inserção social" do mesmo. Esta análise "espacialista" permitiria a ilusão de que

simples estratégias espaciais poderiam ser empregadas para modificar a estrutura

alocativa de firmas e indivíduos. Desta concepção determinística derivariam os

incentivos à ocupação de regiões afastadas ou das fronteiras agrícolas tão comuns na

história do desenvolvimento econômico brasileiro.

Entretanto, apesar das críticas aos modelos de localização regional,

ainda não há modelos teóricos alternativos a estes. A crítica marxista (à qual Smolka

se filia), por exemplo, não chegou ao ponto de formular novos modelos, apenas

acrescentou variações ou impôs severas restrições à sua utilização a-histórica sem,

contudo, anulá-los completamente.

A partir da mesma Escola Neoclássica, do final do século XIX,

desenvolveram-se, também, várias teorias sobre o espaço intra-urbano. Construíram-

se abordagens teóricas voltadas para a estrutura das cidades, com a preocupação de

buscar o "ótimo locacional" das atividades econômicas no meio urbano. Nas cidades

a produtividade da terra não seria mais função das condições naturais de fertilidade do

solo (caso agrícola), mas derivaria da sua localização. A cidade passa a ser uma

"fonte de externalidades", ou seja, fatores diversos como disponibilidade de infra-

estrutura, equipamentos urbanos, acesso a mercados (consumidores ou fornecedores

de insumos) definiriam os pontos de menor custo de implantação e localização, isto

estabeleceria diferentes graus de aglomeração e o próprio crescimento urbano

(Carrion, 1987).

42

Segundo estas teorias, a cidade está submetida a um gradiente de

renda que relaciona os custos de localização como inversamente proporcionais à

distância ao centro de negócios. A distância organiza o espaço urbano e pode ser

medida por unidade de tempo ou por dispêndio monetário associado aos custos com

Transporte. Cada ponto no espaço urbano possui diferentes graus de acessibilidade,

as localizações mais próximas ao Centro de Negócios (CBD, Central Business District)

tem maior preferência dos indivíduos e das firmas, portanto são mais valorizadas.

Valorização que surge, pois, basicamente de vantagens aglomerativas.

O equilíbrio do consumidor é atingido quando este consegue

maximizar sua satisfação através da ponderação entre os custos de deslocamento e

os custos de localização (aluguel), da substituição entre os dois fatores. Haig (1926)

(apud Carrion, 1987) desenvolveu a idéia do "custo de atrito" a partir das imperfeições

criadas pelo espaço à mobilidade de pessoas e mercadorias. Ele seria composto pelo

custo com Transporte e aluguel, e seria mínimo para os pontos ideais de localização.

Wingo (1961), considerou constante a soma dos gastos com

transporte e aluguel em qualquer localização considerando os custos com Transporte

a partir do valor do tempo dos deslocamentos e dos gastos monetários. A utilização

mais intensa do solo urbano permitiria minimizar os gastos com transporte e moradia.

O central é a preferência por acessibilidade, mediada pelas preferências por

densidade, lazer e outras amenidades e devidamente diferenciada pelos estratos de

renda (Abramo, 1988).

Alonso (1964) (apud Carrion, 1987), ampliou a análise de Wingo para

estabelecer uma teoria mais universal, capaz de explicar o comportamento locacional,

não só de atividades residenciais, mas de indústrias e do setor terciário (serviços),

através de um modelo geral de análise. Não são somente os ganhos com a

urbanização e a acessibilidade que definem o ótimo locacional, mas um conjunto de

itens que compõe a "cesta de consumo", gerando portanto, um sistema de equações.

43

Já Richardson (1971), criticando os "modelos de barganha"

(transporte/aluguel), afirma que o custo de atrito não é o mais importante, mas outros

elementos de natureza comportamental, capazes de maximizar a satisfação do

consumidor, tais como: qualidade do bairro e da vizinhança, aprazibilidade do local,

tipo de habitação, clima, meio-ambiente, etc. Os gastos com habitação e Transporte

entrariam no modelo apenas como variáveis restritivas e não determinantes.

Ampliando o “enfoque da acessibilidade”, vamos encontrar, também,

Lowry (1964). Segundo Lowry, o determinante para a localização residencial é a

proximidade das fontes espaciais de emprego nas atividades básicas (indústria). O

Transporte é importante para minimizar os gastos com deslocamento, mas não é o

motivo central de localização.

Isard (1961) (apud Delle Donne, 1979) adotou como parâmetro para

a localização urbana o fator Produção implicando na interligação dos componentes

espaciais. Isard definiu melhor as Economias de Aglomeração dividindo-as em

Economias de Localização - as que surgem quando atividades semelhantes se

concentram num único local - e Economias de Urbanização - que derivam da

justaposição de atividades diferentes. As Economias de Transporte, o acesso fácil à

procura local, relativo aos produtos de todas as empresas, as modificações nos custos

administrativos da cidade, calculados com base nas empresas, e as economias de

mercado, seriam os componentes básicos das Economias de Aglomeração. Isard

adotou as técnicas de programação linear (input-output) para prever qual as atividades

prováveis de especialização das regiões metropolitanas, baseando-se na disponi-

bilidade de recursos nos setores-chave da economia, e especialmente, de sua

capacidade de exportação e expansão das atividades secundárias e terciárias. Alguns

dos seus critérios de escolha estão baseados nos custos mínimos de Transporte para

a Produção, no raio espacial máximo de desenvolvimento da região estudada e na

capacidade fiscal máxima de arrecadação dos governos envolvidos.

44

Estes modelos baseiam-se na busca do máximo benefício individual

pelo consumidor visto como portador de um comportamento basicamente racional. Os

limites para a racionalidade na escolha locacional, segundo as críticas mais comuns,

estariam na própria estruturação da cidade capitalista, com seus mercados urbanos

imperfeitos. A autonomia do consumidor está restringida pelo modo como se forma a

renda urbana na cidade: mercado oligopolizado, oferta especulativa de terra,

parcialidade de informações. Outro condicionante que limitaria o comportamento

racional, em termos de "preferência por acessibilidade", é o próprio padrão de organi-

zação e uso do espaço que, por separar usos e funções urbanas espacialmente, gera

a necessidade por acessibilidade. Poder-se-ia pensar, alternativamente, em outras

formas de organização espacial de modo a diminuir a intensidade (e a necessidade)

dos fluxos urbanos, diminuindo assim, o papel representado pela busca à

acessibilidade.

Há também outros elementos importantes na explicação dos padrões

locacionais urbanos que não teriam a devida importância na abordagem neoclássica.

Tais elementos se amparam na suposição básica de que o espaço não é o simples

plano geométrico, suporte de atividades, mas o resultado-produto no espaço do modo

como a Sociedade produz e reproduz suas condições de existência. Estes outros

fatores seriam, por exemplo, a estrutura de propriedade, a política e a legislação

urbanística (papel do Estado), funcionamento do mercado imobiliário, dinâmica das

classes sociais, divisão técnica e especialização do trabalho no espaço, etc...

As alterações na forma espacial (estrutura) das cidades decorrem do

sucessivo desenvolvimento da economia de mercado e dos requerimentos da

produção e do consumo sobre o espaço. Pode-se pensar na cidade como, por

exemplo, o local privilegiado de reprodução da força-de-trabalho pela disponibilidade

de equipamentos coletivos e infra-estrutura básica "socializada" como a habitação, o

Transporte, o saneamento básico e demais serviços públicos urbanos. Na fase

concorrencial do capitalismo, as caraterísticas da unidades fabris impuseram

45

condicionantes diferentes de localização da fase monopolista. A cidade foi-se

moldando ao desenvolvimento produtivo; cada fase deste desenvolvimento gerou um

padrão próprio de Estrutura Urbana. A localização na periferia das Vilas Operárias

para maximizar a disponibilidade de mão-de-obra industrial, por exemplo, foi uma

característica típica das economias do pós-guerra, juntamente com a oligopolização

dos mercados, o aumento das escalas produtivas e a concentração e centralização de

capitais.

A configuração espacial está associada, portanto, à forma da

sociedade se estruturar e organizar. Por sua vez, o espaço construído oferece uma

resistência à esta evolução da organização e produção social, pois as imobilizações

realizadas (prédios e construções), tanto pelo seu ciclo de vida útil como pela natureza

do investimento que representam (de longo prazo e com baixa rotação de capital),

estabelecem uma "inércia espacial". Isto acaba conferindo um papel ativo (não inerte)

à configuração espacial que é, portanto, resultado e condição da evolução social.

Sintetizando, pode-se separar as críticas mais comuns aos modelos

neoclássicos em duas ordens de questões:

(1) Relativas aos seus pressupostos:

* a cidade tem topografia regular e plana (espaço homogêneo);

* o Transporte é possível em todas as direções e seu custo depende

exclusivamente da distância a um único centro;

* os empregos, a produção de bens e serviços e as facilidade

urbanas (equipamentos, infra-estrutura) estão centralmente localizados;

* o preço do solo urbano é função inversa da distância ao centro ou é

função direta da acessibilidade e

46

* o mercado de terras opera sob regime de concorrência perfeita, há

um perfeito conhecimento, por parte do indivíduo, das suas condições de

funcionamento.

Estes pressupostos, quando não irreais, são restritivos para a

transposição imediata da teoria à realidade que se pretende explicar. A rigor não estão

errados, mas insuficientes por não considerar outros elementos que fogem da

racionalidade individual puramente econômica e fatores sociais e ideológicos

abordados anteriormente (Carrion, 1987).

(2) Relativas à lógica interna:

* a autonomia e racionalidade do consumidor está condicionada e

restringida pelo padrão existente de configuração espacial que, por sua vez,

corresponde aos requerimentos históricos e sociais de cada etapa do desenvolvimento

da economia de mercado (modo de produção baseado no capital). Poder-se-ia falar,

talvez, numa "autonomia restrita ou relativa";

* a cidade não é só uma "fonte de externalidades" (economias de

urbanização: sinergias criadas por investimentos públicos no ambiente construído),

mas o resultado de um processo contínuo de "produção social", no qual interagem

diversos Atores Sociais de modo conflitivo pela apropriação da Renda Urbana;

* em relação às chamadas "Economias de Aglomeração", poder-se-

ia argumentar que: a necessidade do Capital em controlar o processo de produção é

superior ao efeito de concentrar o processo de produção espacialmente (Economias

de Escala), que a reunião de várias firmas da mesma indústria tem provocado au-

mento de custos da força-de-trabalho pelo poder de barganha dos assalariados

sindicalizados (Economias de Localização) e há grande dificuldade em se estabelecer

critérios econômicos de custo e benefício para os investimentos públicos na cidade

(Economias de Urbanização). Portanto, é difícil definir teoricamente o limite sob o qual

47

pode-se distinguir uma situação positiva ou negativa gerada pelos efeitos

aglomerativos sobre a taxa da lucro (economias ou deseconomias) no meio urbano.

Pode-se concluir que o entendimento do padrão locacional das

atividades urbanas, como é abordado pelas Teorias Locacionais, aprofunda sua

dependência em relação ao princípio da acessibilidade na definição conceitual de

Estrutura Urbana. Os diversos autores analisados, a pesar das diferenças de foco

sobre o mesmo tema, tem em comum a visão de que a função de circulação e os

fluxos urbanos, estando associados ao problema da acessibilidade, são elementos

indispensáveis para a explicação da dinâmica urbana e, portanto, de seu papel

relevante na Teoria Urbana mais geral.

Como esta questão conduz diretamente ao estudo das influências

mútuas entre o transporte e o uso do solo na estruturação da cidade, este tema será

analisado na próxima seção.

II.3) As influências mútuas entre Transporte e Uso do Solo Urbano na

estruturação da Cidade{ TC "II.3) As influências mútuas entre Transporte e Uso

do Solo Urbano na estruturação da Cidade" \f C \l "2" }

Os primeiros estudos teóricos que apontavam a influência mútua

entre transporte e uso do solo foram os realizados por Mitchell e Rapkin (1968) na

década de cinqüenta nos Estados Unidos. Diversos estudos foram executados

naqueles anos nas principais cidades americanas como Chicago, Detroit, Boston, New

York, Pittsburgh e outras comprovando a conexão existente a nível empírico. Após

sua realização, estabeleceu-se um padrão metodológico que rapidamente se

generalizou a nível mundial e predomina até hoje.

48

Mitchell e Rapkin (1968), concluíram que o solo urbano tinha uma

natureza eminentemente mutável e, que por trás das estruturas visíveis da cidade

como os edifícios, as ruas, as instalações comerciais e os espaços abertos, havia

sistemas econômicos, políticos e sociais dentro dos quais se organizavam as pessoas.

Um avanço importante destes primeiros estudos foi perceber que a tese liberal, de que

o simples comportamento e uso privado e individual do solo urbano conduziria ao

equilíbrio e benefício máximo da comunidade, era insuficiente. Não havia nenhuma

base empírica para comprovar o laissez-faire espacial; ao contrário, as práticas pú-

blicas de zoneamento de uso, regulamentação das edificações e ordenamento viário

eram indispensáveis para o funcionamento de uma comunidade urbana. A concepção

básica de que a previsão dos volumes de tráfego futuro entre determinadas zonas

urbanas só poderia ser estimada com relativa precisão a partir da previsão dos usos

futuros do solo e da produção de viagens associadas aos mesmos, resulta destes

primeiros estudos.

Estes autores (incluindo Wingo, 1961) construíram os primeiros

conceitos de conexão e dependência do uso do solo urbano, da dinâmica de mudança

das cidades pelo transporte, das intervenções de longo prazo com impacto na

circulação e mobilidade urbana, do embasamento dos planos estratégicos de transpor-

tes e uso do solo e das primeiras críticas ao transporte privado (Richardson, 1978;

Mitchell & Rapkin, 1968).

A seguir são detalhados os argumentos teóricos componentes deste

"padrão metodológico" de análise uso do solo/transportes formulados a partir destes

anos.

Como já foi visto, o Transporte se relaciona com o uso do solo em

determinado contexto urbano de maneira circular e aberta. Isto é, influencia padrões e

intensidades de uso, induzindo este ou aquele tipo de uso e, ao mesmo tempo, é

49

influenciado pelo modo como evolui a Estrutura Urbana, a sucessão de padrões de

uso do solo na cidade.

Como estas relações são abertas, evidentemente existem outros

fatores que influenciam os Transportes que não estão ligados diretamente à evolução

dos padrões de uso do solo urbano, como as mudanças tecnológicas, a gestão

operacional, o preço dos combustíveis, as especificidades do sistema viário, etc. O

tipo de uso do solo urbano também é influenciado por causas não relacionadas

diretamente ao Transporte, como é o conjunto de regulamentações urbanas ou os

investimentos em Projetos de Habitação e Renovação Urbana, por exemplo.

Sabe-se que as cidades podem ter diversos padrões de utilização do

espaço urbano, que fundamenta diversos tipos de Estrutura Urbana (Mello e

Clichevsky, 1980):

a) Padrão Concentrado: existência de um centro altamente

densificado que concentra a maioria das atividades econômicas, são comuns as

estruturas radiais-monocêntricas;

b) Padrão Disperso: dispersão da população no sítio urbano, densi-

dade homogênea com áreas centrais pouco desenvolvidas;

c) Padrão de Centros Múltiplos: existência de uma área central

bem desenvolvida com centros de bairros estruturados descentralizadamente,

atividades econômicas mais dispersas, e equilíbrio maior na estrutura urbana;

d) Padrão de Corredores Radiais: área central bem definida com

alta densidade e expansão das atividades econômicas ao longo de corredores (pólos

linearizados) de Transporte, que interligam a área central e a cidade com outras

regiões de influência próxima em âmbito urbano e metropolitano.

Entretanto, estes padrões não ocorrem de forma "pura" na realidade

empiricamente observável. Além disso, cada tipo tem uma caracterização específica

50

de localização ótima das atividades econômicas e residenciais, e também de Sistema

de Transporte, de acordo com a configuração urbana existente.

O que explica os graus diferentes de aglomeração na malha urbana,

de densidades, de usos e naturezas diferenciadas seria, como foi visto nas Teorias

Locacionais, as vantagens e desvantagens locacionais de cada ponto como a

proximidade de infra-estrutura, de equipamentos urbanos, aprazibilidade de certas

regiões, etc. Cada ponto no espaço urbano seria, portanto, singular em relação a sua

capacidade de produzir e se beneficiar de externalidades ou "efeitos de

transbordamento" em relação a outras atividades no meio urbano.

A maioria dos modelos de localização das atividades urbanas, se

baseiam na associação do preço do solo com diferentes graus de acessibilidade ao

centro onde estão aglomeradas as principais atividades, fontes das externalidades

mais positivas como os serviços financeiros, equipamentos para o lazer, comércio,

prestação de serviços, etc. Estas externalidades se realizam, se estabelecem e são

modificadas pela dinâmica imobiliária na cidade que elimina e cria diferentes tipos de

configuração urbana, mais concentrada ou dispersa, unipolarizada ou multipolarizada.

Cada configuração gera, e se apoia simultaneamente, num padrão de transporte. Por

exemplo, o padrão de crescimento dos subúrbios de classe média das cidades

americanas nos anos cinqüenta e sessenta foi fortemente apoiado nas facilidades

para os automóveis (auto-estradas e estacionamentos) que, ao mesmo tempo,

incrementou extraordinariamente sua utilização, diminuindo dramaticamente a de-

manda dos meios públicos de transporte, devido à dispersão territorial, ao aumento de

custos e a baixa densidade de viagens.

Neste mercado, a oferta e a procura de terra urbana realiza-se de

modo imperfeito, isto é, há situações em que predominam estruturas oligopolizadas

que provocam distorções nos níveis de renda urbana, preço do solo e tipo de uso. As

glebas de terra sem ocupação em áreas urbanizadas ou o uso residencial de áreas

51

periféricas, de risco ou insalubres pela população de baixa renda são exemplos claros

destas imperfeições: de um lado, excedente e do outro, escassez de terra urbana. O

mercado fundiário raramente apresenta situações reais de equilíbrio entre a demanda

e oferta de terra urbana.

Estas imperfeições do mercado fundiário urbano revelam uma lógica

aparentemente "caótica" de crescimento e metropolização das cidades. Na verdade,

por trás do "caos urbano" funcionam os mecanismos de valorização da terra e dos

imóveis regidos pela maximização dos lucros individuais, sem qualquer preocupação

com externalidades negativas, com custos que são socializados no conjunto da

comunidade. Neste aspecto, ganham relevância as críticas feitas pela tese do "não-

transporte". Esta argumentação afirma que o espaço pessoal dos cidadãos teria sido

dissolvido e fragmentado em centros distintos e distanciados uns dos outros como a

casa, o trabalho, os serviços e o lazer. Separando estes locais somente espaços

mortos e degradados, estética e ambientalmente. A capacidade autônoma individual

de acesso à cidade dependeria dos meios de transporte e da "mobilidade disponível"

oferecida (ou não) pelos meios disponíveis, prioritariamente aos usuários financeira-

mente capazes. A configuração espacial seria, assim, apenas a prolongação da

desintegração do homem que começa na divisão do trabalho dentro da fábrica, que

divide o indivíduo em "rodelas e fatias", que o faz perder a noção de totalidade e de

vida em comunidade.9

Nem todas as variáveis associadas ao Sistema de Transporte, ou à

dinâmica de uso e ocupação do solo urbano, são mutuamente determinadas e

interdependentes. Somente algumas variáveis possuem esta propriedade. Como

vimos em relação ao Transporte, somente aquelas variáveis associadas às modifi-

cações dos padrões de ACESSIBILIDADE urbana são relevantes, já que determinam

parcela significativa do Valor de Troca (e também do Valor de Uso) da terra urbana e

9 estas idéias foram sistematizadas pela Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP e apresentadas no Congresso Anual da entidade em 1989 no Rio de

Janeiro. Além da priorização dos meios não-motorizados de transporte, da criação de "ilhas urbanas" quase autônomas (o que mais parece uma re-edição da utopia urbana culturalista das garden cities de Howard) e da priorização do transporte coletivo este trabalho faz uma crítica radical dos paradigmas e metodologias das pesquisas de transporte, direcionadas sempre para "criar mais oferta".

52

estão associadas à relação "distância/tempo" dos deslocamento, que particularizam

qualquer ponto do espaço.

Já em relação à Estrutura Urbana, o fator chave é a capacidade

que determinada atividade, processo ou situação urbana tem na GERAÇÃO ou

ATRAÇÃO de viagens. Diferentes graus de intensidade do processo de circulação e

diferentes tipos de fluxos exigidos por cada atividade urbana também estão presentes

em todo o espaço urbano, pois não há uma "autonomização espacial" entre os

elementos “fixos” e as funções urbanas na cidade.

A divisão social entre produção e consumo que, no espaço, gera

também uma divisão territorial do Trabalho que segrega, separa e divide locais de

produção dos locais de consumo (Habitação/Emprego, p.ex.), produz um espaço

urbano altamente dependente de externalidades geradas por outras funções e proces-

sos urbanos circundantes, interligados e conectados física e socialmente. Portanto,

podemos considerar os fatores de Geração e Atração de deslocamentos Urbanos

como características essenciais do espaço urbano na sociedade capitalista

contemporânea, a despeito das críticas feitas pelos defensores do “não-transporte”.

Considerando a acessibilidade como atributo mais significativo da

influência do Transporte sobre o Solo Urbano, pode-se identificar diversas variáveis

associadas ao Transporte Público e Coletivo (Comissão de Circulação e Urbanismo da

ANTP, 1989), que interferem nas condições de acesso: freqüência, velocidade,

capacidade ofertada, comodidade ou proteção dos bens, custo, rigidez dos itinerários,

desenho e capacidade da rede, tipo de pavimento (iluminação e sinalização),

velocidade permitida e capacidade de estacionamento nos terminais.

No caso das variáveis relativas à geração e atração de viagens, elas

mudam de acordo com o tipo de uso do solo, existente ou futuro. Em relação ao uso

industrial, as variáveis significativas seriam as seguintes: tamanho, ramo, localização

dos funcionários, regime de horários e tecnologia utilizada. Já para o uso habitacional,

53

as variáveis seriam as seguintes: níveis de renda, tipo (unifamiliar ou multifamiliar),

propriedade e padrões culturais. Para o uso Comercial (atacado e varejo), os itens a

serem analisados seriam a dimensão dos estabelecimentos, a especialidade, o horário

de funcionamento e os níveis de renda dos clientes para o comércio varejista.

Pode-se apontar uma série de ações com repercussões diretas no

Uso do Solo ou no Transporte, e vice-versa (Mello e Clichevsky, 1980). Por exemplo, a

extensão de linhas de Transporte teria repercussões sobre os subsistemas da Indús-

tria, Habitação, Saúde, Educação, Recreativo, Serviços Permanentes e Comércio,

bem como, sobre o próprio Sistema de Transportes. Já a criação de novas

modalidades de Transporte (Metrô, trem suburbano, etc.) repercutiria sobre todos os

subsistemas urbanos, enquanto outras ações como alteração da freqüência ou do

ponto de transbordo repercutiriam basicamente sobre a localização industrial e

habitacional.

No trabalho de investigação realizado no início da década de oitenta

(Mello e Clichevsky, 1980), analisou-se a interdependência entre os fatores Transporte

e Uso do Solo na estruturação das cidades de Porto Alegre, Caxias do Sul, Joinville,

Cuiabá, Maceió e Fortaleza para o período de 1950 à 1977. Cabe relatar, no âmbito

desta dissertação, as principais conclusões daquele trabalho, já que exemplificam

claramente a influência mútua entre o Sistema de Transporte e a Estruturação do

espaço Urbano.

O período analisado foi caracterizado pela industrialização acelerada

do centro-sul do país, pelo desenvolvimento dos transportes interurbanos e intra-

urbanos, que deram suporte ao processo de industrialização e urbanização da

população e pela crescente intervenção do Estado na tentativa de regulamentação do

espaço visando sua adaptação à evolução dos processos econômicos,

particularmente, no enfrentamento dos problemas gerados pela urbanização

descontrolada e caótica da população.

54

Em geral, o comportamento locacional para o setor industrial

pesquisado ficou em torno de diferentes combinações de três fatores: demandas por

quantidade de espaço, demandas por qualidade do espaço (basicamente infra-

estrutura instalada) e demanda por acessibilidade geral a nível regional (estrutura

viária, transporte de carga e passageiros, acesso à mercados).

Em relação ao uso habitacional ou residencial do solo urbano, a

referida pesquisa identificou também, no nível metodológico, a utilização dos três

fatores (qualidade, quantidade e acessibilidade), para analisar a estruturação urbana.

A conclusão foi de que o melhor equacionamento destes três fatores é diretamente

proporcional ao nível de renda das camadas sociais: os pobres só podem buscar uma

acessibilidade mínima ao local de emprego ignorando quantidade e qualidade do solo

urbano; a classe média melhora seu posicionamento optando por qualidade de

espaço, se localizando na área de influência próxima aos centros e pólos de serviço;

já os ricos podem comprar quantidade e qualidade, para estes a acessibilidade é

relativamente menos importante, porque refere-se basicamente aos meios privados de

deslocamento e a relações diferenciadas com o mercado de trabalho. Pode-se ver que

a acessibilidade (ao trabalho) tende a ser mais valorizada quanto menor for a renda

dos indivíduos. O equacionamento destes três fatores próximo à situação ideal tem

levado os setores de alta renda para a periferia urbana onde a acessibilidade é

garantida pela expansão do sistema viário e do transporte individual, há relativa

quantidade disponível de terra urbanizada e a qualidade de infra-estrutura é viabili-

zada pela pressão sobre os Governos e/ou pelo investimento dos próprios moradores.

Em relação ao uso comercial e terciário do espaço urbano, a

pesquisa concluiu pelo papel determinante da acessibilidade urbana e,

secundariamente, pela qualidade do espaço demandado por estas atividades. Já o

Comércio Varejista, valoriza muito a acessibilidade de clientes e fornecedores bem

como qualidades do espaço não limitadas à disponibilidade de infra-estrutura, mas

também à qualidades de aprazibilidade, valor histórico, paisagismo, áreas verdes,

55

equipamentos de lazer e diversão, etc. Daí a busca por economias de aglomeração

junto à corredores urbanos, centros de bairro, entroncamentos da rede, etc.

A abertura de vias no período analisado (1950/77) indicou, em

primeiro plano, que não há uma prática de vincular o planejamento viário ao

planejamento do solo urbano e da evolução da Estrutura Urbana. É comum a

ocorrência de taxas de utilização das vias superiores as de projeto e em alguns casos

o contrário, a subtilização do equipamento viário. A construção de vias alterou o mapa

de acessibilidades urbanas; quando isto ocorre os usos do solo começam a

reacomodar-se. Os usos mais sensíveis ao fator acessibilidade (comércio varejista, as

residências médias e os serviços menos especializados) reagem mais rapidamente à

tais modificações na rede viária. Estas "transferências" de acessibilidade ao longo do

tecido urbano geram efeitos sucessivos, por sua vez, sobre a malha viária e os Trans-

portes.

Por fim, o estudo chega a conclusões gerais sobre a influência mútua

entre Sistema de Transporte e Uso do Solo Urbano: (a) nem tudo o que é projetado

pelo Estado é materializado em termos concretos no meio urbano (leis de

zoneamento, etc.); (b) nem tudo que é executado é utilizado plenamente

(equipamentos, obras, etc.) e (c) todas as materializações no meio urbano, em termos

de Projetos públicos ou privados, provocam mudanças em outros aspectos territoriais,

além do objeto para o qual foi inicialmente previsto. Assim, os investimentos para

aumentar a capacidade de transporte de determinada cidade ou bairro não resolvem

apenas as pressões da demanda, mas atuam sobre ela mesma modificando-a.

Um outro estudo mais recente abordou o papel dos transportes

coletivos na organização e transformação do espaço urbano para o caso do Trem

Metropolitano (TRENSURB) num trecho da linha compreendendo três estações

localizadas no município de Canoas na Região Metropolitana de Porto Alegre (Gelpi &

Schaffer, 1990). Entre outras conclusões, este estudo indicou repercussões na área

56

de influência das estações (característica dos modos ferroviários): reorientação geral

da circulação de pedestres no entorno das estações com impactos positivos no

comércio lindeiro às estações, mudança de uso residencial para comercial,

valorização dos terrenos aparentemente pelo aumento da acessibilidade gerada pelo

trem, e reforço da centralidade urbana. Embora limitado, este trabalho confirmou, no

âmbito da Região Metropolitana de Porto Alegre, algumas das premissas teóricas mais

gerais sobre a influência mútua entre transporte e uso do solo, abordadas an-

teriormente.

É necessário afirmar, entretanto, que as influências das modificações

do transporte sobre o uso do solo nem sempre podem ser precisadas com exatidão.

Não apenas porque o "tempo de resposta" de tais modificações no meio urbano são

de médio e longo prazo, quase imperceptíveis muitas vezes. O problema metodológico

central é que estes impactos não podem ser analisados como "experimentos

controlados". A maioria dos estudos do tipo "antes e depois", tendem a desconsiderar

o fato de que muitas modificações espaciais não derivam de transformações nos

meios de circulação simplesmente.

Em estudos realizados nos Estados Unidos, por exemplo, durante os

anos setenta, ficou demonstrado que, dado o grau de dispersão territorial provocado

pelo uso intensivo do automóvel, a implantação de metrôs produziu um "efeito líquido"

muito pequeno sobre a concentração de empregos, e em relação à concentração

residencial, o efeito foi o oposto ao esperado, isto é, velocidades mais rápidas

permitiram, de um modo geral, maiores distanciamentos dos locais de trabalho das

moradias (Germani, 1979).

Pode-se representar o ciclo dinâmico entre transportes e uso do solo

urbano ou regional, demonstrando o caráter interativo e de realimentação de seus

componentes, através do seguinte esquema:

57

Figura 1

Relação Uso do Solo e Demanda por Transportes{ TC "Figura 1

Relação Uso do Solo e Demanda por Transportes" \f A \l "1" }

Uso do Solo

Tendências de Movimentos Valor da Terra

Demanda por Transportes Aumento da Acessibilidade

Mudanças Tecnológicas Oferta de Transportes

II.3.1) O Fator Acessibilidade na organização do Espaço Urbano

Sabemos que todas as atividades urbanas exigem certos requisitos

locacionais para sua implantação: o espaço físico, proximidade do mercado

consumidor e de fornecimento de insumos, etc.

58

Segundo Wingo (1961), todo solo urbano possui duas qualidades

essenciais: uma derivada de sua condição natural (características topográficas e

geológicas) e outra derivada de sua situação com respeito às demais atividades

econômicas. Esta "qualidade de situação" é chamada de acessibilidade e constitui o

fator dominante na determinação do uso do solo e de sua intensidade. A

acessibilidade constituiria, assim, a qualidade relativa que favorece uma parcela do

solo em virtude de sua relação com o sistema de Transporte que opere em

determinado nível de serviço. A acessibilidade estaria intimamente associada ao nível

de serviço oferecido, que poderia ser reduzido a um custo monetário associado à

cada localização específica na cidade. Para este autor o nível de serviço é definido

como o reflexo da quantidade de serviço oferecidos pelo Sistema de Transporte e a

demanda que incide sobre ele, ou em outras palavras, é uma medida de eficiência do

Sistema dada pela relação oferta/demanda.

Derycke (1971), define a acessibilidade como o conjunto das

facilidades de acesso e de proximidades requeridas para otimizar a atividade

econômica. Distinguindo dois tipos: para o Centro, de importância secundária, e para o

local de emprego, de maior importância a depender da duração dos deslocamentos e

da possibilidade de voltar à residência para o almoço. A acessibilidade ao local de

emprego, apesar de determinante, dentro de uma unidade familiar com mais de um

membro empregado, é quase impossível de ser obtida em condições ideais. Este autor

afirma, também, que a influência da acessibilidade ao centro (na localização

residencial) varia de acordo com o modo de vida e o nível de renda. Nas grandes

cidades a acessibilidade à espaços verdes periféricos ou centros e pólos comerciais

descentralizados é tão importante quanto ao Centro congestionado.

Já Buchanan (1973) define acessibilidade simplesmente como

"facilidades de acesso", definindo como critérios para sua avaliação a capacidade de

deslocamento pela cidade com segurança e velocidades razoáveis e a possibilidade

de chegar até o destino final das viagens sem restrições. É um conceito adaptado à

59

visão do Transporte motorizado individual, que era o objeto da pesquisa levada a cabo

em 1961 pelo Ministério dos Transportes inglês (conhecido como "Relatório

Buchanan"). Este autor afirma que dentro de qualquer zona urbana o estabelecimento

de normas para as zonas circundantes determina automaticamente a acessibilidade e

esta pode crescer em função da modificação das formas materiais, ou seja, através de

modificações do desenho urbano, particularmente do sistema viário. Desta concepção

derivam suas propostas sobre a cidade "celular" entrelaçada por vias de distribuição

(ou Corredores de Tráfego) e estruturada em redes hexagonais formando sucessivos

laços viários. O objetivo central seria evitar o tráfego estranho à zona e a disfunção

entre capacidade do sistema viário e intensidade do fluxo existente, que provocaria

uma descaracterização da "área ambiental" e de sua "capacidade ambiental".

Poder-se-ia ainda dividir a acessibilidade em dois níveis diferentes

de realização (Vasconcellos,1991). O primeiro seria a Macroacessibilidade derivada

dos conceitos de Buchanan em relação as condições de acesso ao espaço urbano

como um todo. Esta acessibilidade implicaria em alta disponibilidade de dois equipa-

mentos: vias e modos de Transporte e diferenciação, portanto, de sua disponibilidade

de acordo com a renda das pessoas. Ela poderia ser representada pela densidade das

redes viárias e de Transporte, pelo nível de integração espacial e pelas condições

relativas de acesso aos equipamentos e serviços urbanos por parte dos usuários.

Um outro nível de acessibilidade seria a Microacessibilidade

referindo-se à maior ou menor facilidade em atingir o destino final dos deslocamentos

desejados. Para o usuário de automóvel, isto diz respeito à disponibilidade de

estacionamentos e para o usuário de Transporte público à proximidade e área de in-

fluência dos pontos de parada (estações e terminais) em relação aos locais de

emprego, moradia, lazer, educação, etc. A acessibilidade (macro e micro), a fluidez, a

segurança e a qualidade de vida seriam, segundo este autor, os principais critérios

metodológicos para compreensão do fenômeno da circulação urbana e das políticas

de sua regulamentação.

60

II.3.1.1) As Medidas da Acessibilidade

Segundo Pirie (1979), pode-se agrupar as medidas de acessibilidade

urbana em quatro grandes grupos: medidas de distância, medidas topológicas,

medidas gravitacionais e medidas de oportunidade acumulada.

(a) As medidas de Distância representam a separação entre duas

atividades que pode ser aferida pela distância, tempo ou custo de deslocamentos (que

o autor adota como equivalentes). Um mapa de acessibilidades implicaria, neste caso,

em medir ponto a ponto na malha viária a partir de centróides em cada zona, o tempo,

custo ou distância de deslocamento entre os centros. Cada modo de transporte

(ônibus, trem, a pé, etc.) possuiria um mapa de acessibilidades específico já que,

associado a cada modo, podemos estabelecer um custo e tempo de deslocamento e a

distância varia também na medida que se utilizam de diferentes vias.

A aferição pelo item dos custos de deslocamento pode representar

dificuldades na medida em que nem todos os custos econômicos envolvidos no

deslocamento urbano podem ser facilmente mensurados pelas metodologias

tradicionais; em relação à distância pode-se dizer que depende do meio de transporte

utilizado. O tempo seria a mais útil e conveniente variável como elemento de análise

neste primeiro grupo, pois ele reflete as conseqüências da distância, da tecnologia

empregada e permite qualificações relativas aos diferentes modos de transporte

existentes e disponíveis.

61

(b) As medidas Topológicas levam em conta o número de ligações

(links) associados a cada ponto (nó) não considerando as distâncias associadas a

cada ligação ou ponto. Utilizando técnicas da Teoria dos Grafos é possível a

construção dos índices de acessibilidade. O índice em questão representa sim-

plesmente a quantidade de ligações associadas a cada nó ponderado pela média de

ligações existentes em todos os nós da rede viária em questão.

(c) As medidas Gravitacionais relacionam a distância, o tempo ou o

custo de deslocamento entre dois pontos e a intensidade das atividades no destino e

origem do deslocamento. Estas medidas teriam como pressupostos os seguintes

argumentos:

(c.1) a freqüência dos deslocamentos tem uma propensão à

decrescer com o aumento da distância, a taxa de decréscimo (função) é definida por

processo de ajustamento e calibração;

(c.2) adota-se uma hipótese probabilística a cerca da distribuição de

viagens segundo a variável distância, tempo ou custo e verifica-se a ocorrência desta

distribuição;

(d) As medidas de Oportunidade Acumulada definem a quantidade

de oportunidades (empregos, serviços, equipamentos públicos,etc.) possíveis de

serem acessadas segundo diversos tempos ou distâncias de deslocamentos urbanos.

Quanto maior a distância a partir de um ponto ou do tempo de viagem, por exemplo,

maior seria o grau de oportunidades disponíveis. A deficiência deste tipo de medida é

a determinação dos intervalos de tempo ou distância para comparação entre diversos

pontos.

Normalmente os estudos em transporte mensuram a

acessibilidade, entre dois pontos aleatórios, a partir de dois fatores: (a) características

do transporte e (b) variedade (atratividade) das opções de destino. Estes dois fatores

62

podem ser representados, por exemplo, para um indivíduo residente na zona “i” que

deseje se deslocar para um local de emprego, pela seguinte expressão (OECD, 1974):

Ai = Σ(Ej kij) (2.1)

onde:

Ej = é o número de empregos disponíveis na zona “j”;

kij = é um coeficiente relacionado ao transporte (geralmente o tempo

ou custo da viagem entre as zonas ij). Poder-se-ia mensurar, ainda, a acessibilidade

diferenciando uma acessibilidade “relativa”, que seria a relação entre dois pontos; e

uma acessibilidade “integral”, que seria a relação entre um ponto e todos os demais

pontos, dentro de uma área (Allen et alii, 1993).

II.3.1.2) O fator Tempo e a Acessibilidade

A maioria das definições sobre acessibilidade urbana relacionadas à

dinâmica do Sistema de Transporte (vias, material rodante, fluxos, etc...) levam em

consideração as variáveis velocidade e distância como essenciais para sua análise e

classificação.

Estes dois aspectos, a distância que separa diferentes usos e

atividades urbanas, e a velocidade dos meios de Transportes, podem ser

representados operacionalmente pela variável "tempo de deslocamento". Cada

localização urbana, residencial ou comercial, por exemplo, estaria associada a um

valor médio de tempo de deslocamento em relação às demais localizações. Quanto

menor este valor maior o grau de acessibilidade de determinada localização.

63

A adoção do tempo de deslocamento das viagens urbanas como a

variável principal para explicação da acessibilidade, implica nos seguintes

pressupostos: que o custo do tempo de deslocamento seja um fator fundamental para

a localização urbana e que o tempo de viagem reflita satisfatoriamente as condições

gerais de tráfego e circulação urbana, considerando os diversos modos existentes.

O tempo de deslocamento sintetizaria, assim, um conjunto de

múltiplas determinações das quais depende o nível de acessibilidade urbana: a

tecnologia empregada, os diferentes modos de Transporte, o desenho do sistema

viário, as normas reguladoras sobre a circulação urbana, etc.

64

CAPÍTULO III

{ TC "CAPÍTULO III" \f C \l "1" }

OS DESLOCAMENTOS URBANOS: O SISTEMA DE TRANSPORTE E A CIRCULAÇÃO NA

CIDADE{ TC "OS DESLOCAMENTOS URBANOS: O SISTEMA DE TRANSPORTE E A

CIRCULAÇÃO NA CIDADE" \f C \l "1" }

III.1) Considerações Iniciais{ TC "III.1) Considerações Iniciais" \f

C \l "2" }

Nos dois capítulos anteriores foi visto como a cidade, sua estrutura

interna e dinâmica de produção, estão intimamente relacionadas com as funções de

circulação urbana. Foram vistos também modelos locacionais que procuram

relacionar o uso do solo urbano com o Transporte através dos fatores de Geração e

Atração de viagens (a partir da configuração urbana) e da Acessibilidade (a partir do

Sistema de Transportes que engloba, também, a estrutura viária). Agora serão

aprofundados nos aspectos da Circulação de pessoas no meio urbano.

A movimentação de pessoas e mercadorias é uma característica das

sociedades humanas desde os tempos que antecedem a história registrada. Na

produção material das condições próprias de sobrevivência, a necessidade de

deslocamentos pode ser considerada como natural e indispensável, tanto se

pensarmos no nomadismo primitivo quanto no deslocamento de materiais e pessoas

para a construção dos monumentos religiosos em todas as épocas.

Na sociedade capitalista, o deslocamento de pessoas deixa de ser

uma "característica natural", para ser enquadrado como um fenômeno

multidimensional subordinado à lógica de produção de valores para o mercado. Esta

65

subordinação se materializa em vários níveis: na forma como é articulada a0produção

na Indústria de Transportes, na aproximação entre mercados produtores e

consumidores, no "encurtamento" do ciclo produção-consumo, etc. A principal

característica é a necessidade intrínseca da "circulação de mercadorias",

historicamente determinada pela passagem do estágio manufatureiro-artesanal para a

economia fabril.

Os meios de transportes representaram uma das bases técnicas

(condições gerais de produção) mais importantes para a generalização do modo de

produção de mercadorias baseado no Capital. Este papel primordial e histórico,

desempenhado pelos Transportes, possibilitou a formação de estoques, o comércio

atacadista e a aceleração da acumulação de capitais (Natal, 1991).

Com o aperfeiçoamento dos transportes, a unidade produtiva diminui

progressivamente a dependência do consumo final e do fornecimento de insumos em

mercados que ficam espacialmente próximos. O desenvolvimento dos meios e

condições gerais de deslocamentos de pessoas e mercadorias contribui, assim, para o

encurtamento do ciclo de rotação da produção, do tempo de circulação das

mercadorias o que foi, e ainda é, um dos elementos micro-econômicos fundamentais

para a lucratividade de qualquer empresa na economia capitalista.

Em relação ao deslocamento de pessoas, o Sistema de Transporte

possibilita a reprodução da força de trabalho na medida em que viabiliza o

deslocamento de milhares de trabalhadores nos centros urbanos. Além deste aspecto,

os transportes possibilitam o "consumo" de equipamentos e edificações urbanas,

desde o ponto-de-vista do uso de serviços públicos e privados destinados à manu-

tenção da qualidade de vida urbana e individual, até atividades de lazer e recreação.

O deslocamento e movimento urbano são característicos da cidade

desde seus primórdios. Não é possível pensar, de fato, a constituição da vida urbana

sem o fenômeno dos deslocamentos intra e interurbanos. Até o início deste século, os

66

deslocamentos urbanos eram feitos predominantemente a pé, o que limitava

evidentemente a circulação de grandes volumes, as grandes distâncias e a própria

expansão das cidades. O traçado ortogonal em malha foi o que mais se adaptou a

este modo de transporte, pela minimização das distâncias a serem percorridas entre

seus pontos. Em seguida, surgiram os veículos de tração animal, sob rodas ou trilhos

(os primeiros bondes), o trem (com o surgimento da máquina à vapor) e o sistema

viário precisou ser alargado e readaptado às novas condições do tráfego urbano.

O ônibus e o automóvel, modos hoje predominantes de transporte,

só surgiram com o aperfeiçoamento do motor de combustão interna no início deste sé-

culo. Sua generalização permitiu maior flexibilidade de localização das residências e

locais de emprego, na medida em que não estavam "presos" aos itinerários fixos como

os modos ferroviários dos bondes elétricos, comuns até o início dos anos cinqüenta.

Na maioria dos países industrializados o automóvel como veículo privado de

deslocamento urbano atingiu a hegemonia nos anos sessenta, enquanto que em

países como o Brasil apesar da predominância de um modelo "rodoviarista" baseado

no automóvel e no transporte privado, a maioria dos deslocamentos urbanos ainda

hoje são realizados por ônibus.

III.2) A Natureza e a Dinâmica dos Deslocamentos Urbanos{ TC

"III.2) A Natureza e a Dinâmica dos Deslocamentos Urbanos" \f C \l "2" }

No espaço urbano manifestam-se fluxos de diversas ordens,

materiais e imateriais, de informações, de bens e serviços, de mercadorias e

indivíduos. Nos interessa particularmente o fluxo de indivíduos que, na condição de

pessoas "em deslocamento", serão denominadas de “passageiros”, nos diversos

modos de transporte e segundo os diversos motivos e características que assumem

suas viagens.

67

Como é conhecido a partir do estudo das influências mútuas exis-

tentes entre os transportes e o solo urbano, não existe um "problema dos

Transportes", de maneira isolada ou autônoma. Como afirmou Dyckman (1968), o

"problema do transporte" não é senão o problema da organização espacial das

atividades humanas, das adaptações no espaço, embora o habitante comum veja os

problemas do transporte muito mais como problemas de capacidade viária ou sim-

plesmente de tráfego e menos como problemas de traçado, tecnologia ou de

planejamento urbano. A natureza dos deslocamentos urbanos depende, portanto, do

grau de consolidação e evolução de determinada configuração urbana. Esta

configuração se relaciona, por sua vez, com o grau de divisão social do trabalho

vigente na sociedade.

Mitchell & Rapkin (1968) dividiram os movimentos de passageiros em

três momentos: de concentração em pontos no tecido urbano, de dispersão e de

movimentos casuais. Um exemplo do primeiro tipo seria o movimento "de casa para o

trabalho", enquanto que o segundo seria o contrário, "do trabalho para casa". Segundo

estes autores o movimento de mercadorias é unidirecional na cidade, isto é, tem início

e fim, não se repete, enquanto que o movimento de pessoas é pendular, há uma "volta

ao ponto de origem" dos passageiros urbanos.

Outros autores, como Daniels & Warnes (1983), afirmam que só o

conhecimento dos motivos, estímulos e possibilidades dos movimentos urbanos

possibilitará estabelecer as funções e limitações de um Sistema de Transporte. Estes

autores distinguem os deslocamentos urbanos pelos motivos das viagens realizadas o

que necessariamente não se confunde com os "destinos" das viagens, pois podem,

em tese, ser diferentes. As atividades determinariam os tipos de deslocamento.

Definiriam-se as atividades de caráter econômico para a produção ou consumo

(viagens a trabalho e para compras), atividades sociais (viagens para contatos sociais

e familiares), atividades educativas (viagens relacionados à escola), atividades

recreativas e de ócio (viagens recreacionais e de lazer) e, por fim, atividades culturais

68

(viagens que incluem deste atividades culturais até reuniões políticas). Segundo

pesquisa realizada na Inglaterra, em meados dos anos setenta, 38% do "tempo ativo"

de um trabalhador (média de 16 horas por dia) correspondia a atividades que exigiam

deslocamentos e, destes, 75% correspondiam à deslocamentos ligados ao trabalho

(Daniels & Warnes, 1983).

Apesar do relativo grau de arbitrariedade desta e de outras

eventuais classificações sobre a natureza dos movimentos urbanos, é necessário

reconhecer que suas causas são múltiplas e de natureza complexa, dependem das

características pessoais dos passageiros, do local residencial, da renda percebida, da

estrutura urbana, da tecnologia ofertada pelo Sistema de Transportes, etc.10

Alguns

fatores influenciam de forma imediata - como a preferência dos usuários - e outros de

forma estruturante e indireta - como a configuração espacial ou a localização de

residências ou equipamentos de uso coletivo.

Parece mais simples e válido explicar os deslocamentos urbanos

segundo dois fluxos básicos: de produção e de consumo (Clichevsky & Carrión, 1981).

O primeiro englobando os deslocamentos de insumos e de trabalho e, o segundo

compreendendo os deslocamentos de bens e serviços (mercadorias) e de consumi-

dores. Os deslocamentos por motivos recreacionais, de lazer, ou de natureza

interpessoal poderão ser assimilados pelos deslocamentos de consumo já que se

assemelham ao consumo de lazer, por exemplo.

Seguindo esta tipologia podemos detalhar e entender melhor os

fluxos urbanos segundo os comentários a seguir (Clichevsky & Carrion, 1981):

(1) Fluxos de Produção: produzem os deslocamentos re-

presentados pelo exercício de uma atividade profissional ou produtiva.

Tradicionalmente estes deslocamentos respondem pela maioria absoluta dos

10 um outro autor, Kutter (1973), apud Daniels e Warnes (1983), após pesquisar o comportamento de 2.536 usuários de transporte em cidades da Alemanha no

início dos anos setenta apontou que 93% da duração das atividades correspondia à trabalho, educação, compras, assuntos pessoais, atividades sociais , ócio e recreação. Kutter dividiu a sociedade em 24 categorias segundo o tipo de movimento, logo depois foram reduzidas para três: escolares e estudantes, donas de casa, aposentados e inválidos e empregados regulares.

69

deslocamentos urbanos, particularmente os deslocamentos envolvendo a residência

como origem pela manhã no início da jornada, e como destino no final, à tarde, para a

imensa maioria dos usuários. Há diversos fatores que influenciam este movimento: a

possibilidade ou não de retorno ao meio-dia, o tipo de atividade desempenhada, a

idade, a estrutura e renda familiar, etc. Sinteticamente, pode-se dizer que há fatores

que condicionam estes fluxos a nível do sistema de transporte (qualidade da oferta,

tecnologia empregada, etc.), a nível da configuração urbana (regime urbanístico,

posição da residência, etc.) e a nível da atividade produtiva em si (carga e regime ho-

rário, nível de renda, etc.).

Os fluxos de produção geram deslocamentos específicos. Estes são

condicionados pela natureza da atividade exercida (comercial, industrial ou de

serviços) e pela estrutura da empresa (número de empregados, nível salarial, etc.). A

proximidade, ou não, dos serviços de apoio ao trabalho como creches, refeitórios,

centros de treinamento, atendimento médico ou postos de abastecimento influencia

significativamente o volume de viagens. Quando existem estes equipamentos e

serviços próximos ao local de trabalho os deslocamentos podem adquirir múltiplos mo-

tivos incluindo o consumo de serviços.

(2) Fluxos de Consumo: produzem os deslocamentos residência -

consumo/relações interpessoais - residência. Entende-se por "consumo" a utilização

regular ou eventual de um equipamento público ou privado de uso coletivo

representado, por exemplo, por um estabelecimento escolar, um posto de saúde ou

uma biblioteca pública, necessários à reprodução da força de trabalho. Os principais

fatores condicionantes dos deslocamentos gerados pelos fluxos de consumo são: a

localização residencial, o padrão de ocupação espacial e de localização das

atividades, o nível sócio-econômico do consumidor, e a disponibilidade de transporte

individual, a estrutura e organização dos equipamentos e serviços públicos e o horário

de funcionamento dos mesmos.

70

Pode-se dividir, ainda, os deslocamentos para consumo em dois

tipos distintos: (a) destinados ao consumo habitacional de longo prazo e dependente

basicamente do funcionamento do mercado fundiário e imobiliário urbano e da renda

dos consumidores e (b) destinados ao consumo de bens e serviços em geral que se

diferenciam segundo o tipo de comércio (ocasional ou regular, especializado ou

diversificado, etc.), o tipo de serviço (com destaque para a educação), sua dimensão,

gratuidade ou não, se é público ou privado, etc. Inúmeros e complexos são os fatores

que influenciam o volume, as características, a distribuição temporal e espacial e a

qualidade dos deslocamentos para consumo urbano.

As relações interpessoais (visitas familiares, por exemplo) tem

comportamento semelhante às viagens de lazer, por isso são abordadas como

deslocamentos de consumo. Entretanto, deve-se tomar cuidado para não reduzir a

dinâmica social que é essencialmente criativa e subjetiva à esfera puramente

econômica (produção e consumo), embora toda classificação em especial dos tipos

básicos de deslocamentos urbanos nos conduza a uma simplificação didaticamente

necessária. As autoras (Clichevsky & Carrion, 1981) apresentam, ainda, a existência

de um terceiro tipo de fluxo e deslocamento urbano: o fluxo integrado, resultante da

combinação dos dois fluxos anteriores gerando os deslocamentos residência -

trabalho - consumo - residência. A identificação deste fluxo passa pela identificação de

deslocamentos com múltiplos motivos, geralmente associados às viagens por motivo

trabalho como o motivo que predomina. Constituem muito mais uma combinação dos

dois deslocamentos básicos do que uma categoria distinta.

Entre os deslocamentos urbanos, o principal é o deslocamento

originado pelos fluxos de produção, particularmente aquele denominado "residência-

trabalho-residência" ou "domicílio-trabalho-domicílio", podendo sofrer variações para

incorporar/assumir secundariamente outro motivo a nível de consumo (educação,

compras, visitas familiares, etc.).

71

Mesmo se for considerado o nível interurbano, particularmente nas

Regiões Metropolitanas e áreas conurbadas, este deslocamento representa índices

significativos no total das viagens intra-urbanas. Mesmo entre os municípios da Região

Metropolitana de Porto Alegre, cuja rede urbana é mais equilibrada (o fenômeno das

"cidades-dormitório" é menos intenso que em outras Regiões Metropolitanas), a título

de exemplo, o percentual de viagens por motivo trabalho em todos os modos e em

dias úteis era de 27%, correspondendo, segundo a Enquete Domiciliar de 1986, a

890.191 viagens diárias intermunicipais na sua maioria com destino à Porto Alegre

(68% dos destinos).

Nos estudos de transporte, os deslocamentos urbanos são

quantificados e tipificados pelas entrevistas de Origem e Destino, conhecidas como

pesquisas O/D. A cidade, ou região a ser analisada, é dividida em Zonas de Tráfego

(as ZTs) de acordo com o traçado viário, os setores censitários, a densidade demográ-

fica ou outro critério relevante para segmentação do tecido urbano pesquisado. A

seguir, a partir da definição de uma amostra, se coletam os dados com os usuários

definindo a geração e atração de viagens (de base domiciliar ou não) em cada ZT e,

se estimam os fluxos entre as zonas constituindo uma matriz de origem e destino que

pode ser segmentada por modo (ônibus, trem, automóvel,etc.) e por motivo (trabalho,

estudo, residência, etc.).

O quociente entre o total de viagens produzidas por todos os modos

e motivos, e a população, indica o nível de mobilidade. No Brasil, o índice de

mobilidade estimado pela GEIPOT (Empresa Brasileira de Planejamento de

Transportes) para o final desta década varia de 1,7 para as Regiões Metropolitanas

até 2,2 viagens/hab./dia nas cidades de porte médio (com o distrito-sede acima de 100

mil habitantes), apresentando significativo crescimento em relação a 1980, 31% e 22%

respectivamente (dados da Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP, 1989).

72

A taxa de mobilidade também reflete a situação sócio-econômica do

usuário: quanto mais pobre, menor é a disponibilidade de meios de deslocamento,

menor é a mobilidade por meios motorizados e maiores e mais freqüentes são as

viagens a pé. Uma pesquisa O/D realizada pela Cia. do Metropolitano de São Paulo e

Emplasa em 1977 demonstrou que a taxa de mobilidade para 3 a 5 salários era de

1,33 viagens/dia, 1,68 viagens/dia para 5 e 10 Salários-Mínimos e 2,2 viagens/dia

acima de 20 Salários (Vasconcellos, 1993). Nos últimos quinze anos de recessão

econômica esta diferenciação deve ter se aprofundado em maior grau, ainda mais se

for pensado nas crescentes facilidades para o transporte privado (sistema viário,

estacionamentos, subsídios ao consumo e produção, combustível barato, etc.) e a

perda progressiva de qualidade dos meios públicos de transporte.

Os deslocamentos urbanos podem ser feitos por diversas

modalidades, por meios mecânicos ou não, motorizados ou não. No Brasil, em 117

cidades pesquisadas com mais de cem mil habitantes, tem-se um total de 90 milhões

de viagens por dia, das quais 56% (ou mais de 50 milhões) são por ônibus, cerca de

6% (ou 5,6 milhões) sejam realizadas pelo modo ferroviário, 32% (ou 28,8 milhões)

para o automóvel e os restantes 6% por outros modos (Wright & Sant'Anna, 1989). Os

deslocamentos públicos são largamente majoritários e dentro destes predomina a

utilização do ônibus por ser mais adaptado operacionalmente às condições urbanas

brasileiras (para os deslocamentos intra-urbanos e/ou bairro-a-bairro). Pelo seu papel

predominante, será dado maior atenção ao transporte coletivo urbano, que pode

abranger várias modalidades com características diferenciadas.

III.3) O Transporte Coletivo Urbano{ TC "III.3) O Transporte

Coletivo Urbano" \f C \l "2" }

III.3.1) Considerações Iniciais

73

Por diversos e complexos fatores já analisados os centros urbanos

brasileiros constituíram-se em fortes pontos de atração no território, gerando

importantes economias de aglomeração e urbanização. O processo de crescimento foi

extremamente polarizado e desequilibrado a nível regional, entre Sul-Sudeste e

Norte-Nordeste e entre o campo e a cidade. Foi visto que o processo de formação

das cidades foi caracterizado pela segregação espacial de um lado e pela

concentração de atividades do outro. Estes dois fenômenos conjugados imprimiram

genericamente um padrão de "crescimento periférico", horizontalizado com altas den-

sidades nas favelas, cortiços e habitações precárias na periferia e verticalizado com

baixas densidades em moradias de alta renda, próximas aos lugares de maior

centralidade e mobilidade urbana.

Este padrão urbano se consolidou com grande rapidez, ao ponto do

Censo do IBGE de 1991 apontar 76% do total da população brasileira vivendo em

cidades(110 milhões de habitantes), com 12 cidades com mais de um milhão de

habitantes onde moram 26% da população, com 30 cidades superando a marca dos

300 mil habitantes e outras 150 com mais de cem mil habitantes. Em pouco mais de

duas décadas a população brasileira tornou-se urbana, e a partir dos anos setenta,

começou a se metropolizar rapidamente atingindo, em 1991, quase um terço da

população. Na maioria destes grandes centros urbanos quase um terço da população

mora em favelas.

Proporcional ao crescimento urbano foi também o crescimento da de-

manda por transporte e da estrutura viária nas cidades. Este crescimento tem

conduzido à densificação da malha viária, à redução das velocidades médias, enfim,

ao crescimento de externalidades negativas ou deseconomias externas. Segundo

algumas estimativas, o transporte coletivo urbano por ônibus, por exemplo, crescerá a

nível geral tem cerca de 22,7 milhões de viagens/dia a mais até o final desta década.

A taxa média de crescimento anual será de 1,8% para as Regiões Metropolitanas,

74

3,67% para as capitais de Estados e 2,6% nas cidades de porte médio (Severo, 1991-

a).

A política de transportes urbanos, implantada a partir do pós-guerra,

nunca privilegiou o transporte local, mas sim a melhoria das ligações de longo e médio

curso em direção às zonas de fronteira agrícola, privilegiando os investimentos rodo-

viários que acabaram por mudar a matriz de transporte em direção ao rodoviarismo. A

partir dos anos cinqüenta com a criação, em 1956, do Grupo Executivo da Indústria

Automobilística e com a produção de trinta mil veículos no ano seguinte, abrem-se as

perspectivas para a dominância do modo rodoviário nas cidades brasileira com impac-

tos relevantes para a própria evolução urbana desde então. Nos vinte anos

imediatamente posteriores ao início da indústria automobilística, o número de ha-

bitantes por automóveis caiu 5,3 vezes, de 124,3 habitantes/automóvel em 1960 este

índice passou para 23,5 em 1980 (Barat, 1978, 1979; Cornejo, 1983).

O Estado, particularmente o governo federal através da EBTU,

Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (1975-1990), sempre interveio na

regulamentação, na transferência e suporte tecnológico, na formação de recursos

humanos setoriais e em programas de melhoria e racionalização operacional. Um

exemplo disso foram as estratégias implementadas para a racionalização do consumo

de derivados do petróleo, a partir das crises de energia no final dos anos setenta. A

implementação de corredores exclusivos para ônibus, o apoio à eletrificação dos

transportes coletivos (tróleibus), a implantação e conclusão dos metros das cidades

do Rio de Janeiro e São Paulo, e a modernização dos trens suburbanos, foram

algumas iniciativas tomadas nos anos setenta e oitenta com impactos positivos.

III.3.2) As várias dimensões do Transporte e as principais modalidades

existentes

75

Na medida em que as cidades crescem moldadas inclusive pelas

redes viárias e de transportes que vão se formando, o transporte público (no caso

brasileiro) vai adquirindo relevância fundamental para o processo produtivo, segundo

Sant’Anna e Lima (1990), por três aspectos:

(a) se constitui um "insumo do processo produtivo", como

elemento essencial para a produção assegurando a presença da força de trabalho nos

locais de produção, sob este ângulo passa a ser tão importante quanto às matérias-

primas para a indústria ou a própria mão-de-obra, por exemplo;

(b) a indústria do transporte representa a produção de um serviço

altamente perecível, a viagem, onde o momento da produção e do consumo se

confundem, não sendo possível a formação de estoques; e

(c) o aspecto social que cabe ao transporte é insubstituível, na

medida em que garante e facilita a absoluta maioria dos deslocamentos urbanos, que

possibilitam, em última instância, o funcionamento de uma coletividade urbana.

O primeiro aspecto vem sendo debatido com maior freqüência,

principalmente, porque a identificação dos setores produtivos, das fábricas, lojas,

bancos, etc., como beneficiários indiretos do sistema de transporte, pode criar bases

diferenciadas para o financiamento do sistema por ônibus que é, atualmente, com-

pletamente custeado pelas tarifas pagas pelos usuários diretos. Ao garantir a

presença do trabalhador no local de trabalho, o transporte possibilita o distanciamento

da unidade de produção do local de moradia do trabalhador. Diferente da época em

que, à volta das indústrias têxteis, por exemplo, se situavam invariavelmente "vilas

operárias", em precárias condições de existência. A criação dos centros comerciais,

dos Distritos Industriais nas regiões metropolitanas e de conjuntos residenciais na

periferia das cidades, nos anos setenta e oitenta, reforçaram o papel dos transportes

públicos, praticamente a única opção de deslocamento para a população de baixa

renda, cativa do sistema.

76

Os limites na capacidade de pagamento dos usuários, e as

deficiências de operação do sistema, levaram muitas empresas, particularmente no

setor secundário, a criar seus próprios meios de transporte através do que se conhece

como "fretamento", que em algumas cidades, como Campinas-SP chega a um terço

de toda a oferta. No meio rural, acontece algo semelhante com o transporte de boias-

frias durante a época das safras.

O transporte de passageiros agrega custos ao preço final das

mercadorias, não diretamente como o transporte das próprias mercadorias (transporte

de carga), mas indiretamente, ao influenciar sobre a produtividade do trabalhador,

sobre o cumprimento da jornada de trabalho e em relação à quantidade demandada

dos produtos (escala de produção).

Quanto à dimensão do processo produtivo em si, algumas grandes

diferenças distanciam o transporte coletivo dos demais setores e ramos econômicos. A

força de trabalho está dispersa no território, os meios de produção (meios de

transporte e infra-estrutura viária e equipamentos de apoio) não são fixos e tem exclu-

sividade de uso (um ônibus só produz viagens). A natureza jurídica combina formas

híbridas de propriedade: frotas privadas operadas por concessão ou permissão

pública, enquanto que o sistema viário é do Estado, assim como as linhas e as rotas

percorridas pelos ônibus. Outra peculiaridade é a formação de preços do setor que é

controlada diretamente pelo Estado com base nos custos de produção que podem ser

calculados com base quilométrica, pelo Custo Marginal, pelo Custo Médio, pelo valor

do Serviço, etc.11

. Como não há possibilidade de "estocar viagens", a realização da

produção no setor de transportes (considerado parte do setor terciário) depende direta

e imediatamente da "venda" quase simultânea da "mercadoria". É por isso que a

ociosidade da frota nos períodos de entre-pico acarreta custos elevados à operação

11 sobre os vários tipos de cálculo tarifário existem inúmeros trabalhos, um deles aborda várias formas de cálculo dos serviço de transporte, é de Jether Abreu,

Os Problemas da Tarifa de Transporte por ônibus, EDUSP, São Paulo, 1985, pág. 51 a 106.

77

do sistema. Não havendo "consumo" de viagens, não há cobertura de custos

correspondentes à capacidade produtiva instalada (a oferta de lugares ou viagens).

A função social do transporte diz respeito à própria condição

humana, que é objeto de sua produção como setor econômico. É o passageiro a ser

transportado o objetivo final, que deve ser socialmente analisado. Na maioria dos

casos, há uma contradição latente entre a qualidade da viagem real e a esperada

pelo usuário. Quanto maior o número de passageiros e menor a quilometragem

percorrida (menos viagens, menos frota) maior será o lucro empresarial, porém pior o

nível de serviço ofertado ao usuário. Em muitos casos, a existência sempre polêmica

dos subsídios ao transporte coletivo urbano pode amenizar a contradição entre a

busca de lucros pelo operador privado e a busca de qualidade pelo usuário.

Portanto, pela ótica da função social do transporte, e pela ótica do

insumo do processo produtivo, deve-se considerá-lo, de fato, como um bem público,

indivisível, garantido pelo Estado e de natureza eminentemente coletiva, já que dele

depende grande parte da capacidade de reprodução da sociedade urbana moderna.

O Transporte Coletivo Urbano pode ser realizado por diversos meios

ou modos, com diferentes tecnologias operacionais e impactos. A seguir, expõe-se as

principais características de cada modo de transporte típicos do meio urbano.

(1) Metrô: meio de transporte de alta capacidade com exclusividade

de uso da via. O fato de ser subterrâneo garante segurança contra acidentes e

elimina o problema da intrusão visual e do ruído; também não há emissão de po-

luentes, pois sua tração é elétrica. Em termos de conforto, rapidez, segurança e

confiabilidade é um dos melhores meios de transporte. Operando com composições

de seis carros levando entre 1.500 e 2.500 passageiros, com intervalos médios entre

os trens de 2 minutos, o metrô pode suportar uma demanda por volta de 70.000

pass./h/sentido em cada direção com uma velocidade média, incluindo o tempo de

parada, de 30 a 35 km/h (Armostrong-Wright, 1986).

78

A grande desvantagens do metrô são seus custos de implantação

devido à vários fatores, entre eles, a complexidade da obra de engenharia civil

necessária para construir a rede subterrânea, remoção de terra, readequação das

redes de infra-estruturas da cidade, construção das estações, etc. Além disso, apesar

de ser enterrado, ele exige desapropriações significativas. O metrô de Caracas, por

exemplo, exigiu a desapropriação de cerca de 900 edificações, incluindo prédios altos.

O metrô exige também sofisticados equipamentos de controle de tráfego, sinalização,

bilhetagem, conserto e reposição de peças e para a operação destes equipamentos,

mão-de-obra especializada com altos salários. O custo por passageiro é aproximada-

mente três vezes superior ao ônibus em geral e o usuário paga apenas uma pequena

parte do custo, o resto é subsidiado pelo Estado (Wright, 1988). Em 1980 existiam

metrôs em apenas 51 cidades do mundo, mais 15 em fase de implantação e 9 em fase

de Projeto (Brinco, 1985). Outra complicação é a adequação entre os efeitos urbanos

da sua implantação e o planejamento do uso do solo na cidade e na área de influência

das linhas e estações, pois ocorre uma valorização imobiliária imediata alterando

significativamente, assim, o tecido urbano. Em muitos casos, também, o metrô "ajuda"

a reforçar a centralidade urbana pré-existente, quando deveria fazer exatamente o

contrário.

(b) Trem de superfície (tipo sub-urbano): meio mais tradicional de

transporte ligado à formação histórica de muitas cidades brasileiras, a partir de redes

originalmente regionais que propiciaram a base para implantação e modernização dos

atuais trens de passageiros. Normalmente as redes de vias férreas constituíram eixos

de crescimento urbano em volta dos quais se expandiram e consolidaram as

atividades urbanas. Quando a linha não tem a interferência de trens de carga e de

passagens em nível, possuindo equipamentos modernos e boas estações, o seu

desempenho se assemelha ao metrô, atingindo velocidades médias entre 45 e 55

Km/h. Podem carregar de 10 a 20 mil pass./h/sentido dependendo de características

operacionais tais como a existência de integrações com outros modos. Seu custo varia

79

muito, basicamente pela pré-existência ou não de antigos leitos de vias férreas que

podem ser aproveitados implicando em poucas desapropriações e baixo volume de

obra civil. Normalmente o custo por passageiro transportado é 50% maior que no

modo ônibus, havendo, na maioria dos casos, subsídios governamentais.

(c) Bonde: compreende um amplo leque de tipos de transportes que

usam tração elétrica, desde os bondes tradicionais como os que circularam em Porto

Alegre a partir de 1908 até os modernos pré-metrôs; são também conhecidos com

VLT, Veículos Leves sobre Trilhos. São transportes ferroviários leves com custos

superiores ao modal ônibus, embora inferiores aos metrôs. As características que

distinguem os VLTs são as seguintes: os passageiros acessam as unidades a partir do

nível da rua ou de plataformas baixas de embarque, os veículos operam sozinhos, ou

em trens com composições pequenas a baixa velocidade e as vias podem ser divi-

didas com outros meios de transporte, mas pode haver vias com direitos reservados

ou exclusivos, o que aumenta muito sua capacidade, velocidade e economia. O VLT

constitui-se de carros mono ou bi-articulados, podendo atingir em comboio o compri-

mento de 55 metros, ligado à rede elétrica através dos pantógrafos fixados no teto dos

veículos. Sua velocidade máxima pode chegar a 70 km/h, o custo de um veículo vai

até US$ 900 mil e a vida útil por volta de 30 anos (Lindau, 1992). Segundo Armstrong-

Wright (1986), o VLT pode carregar de 20 a 36 mil pass./h por sentido, a depender do

grau de exclusividade de uso sobre a via.

(d) ônibus: pode levar de 12 (micro-ônibus) a 240 passageiros

(articulado), suportar um carregamento de até 10 mil pass./h por sentido em ônibus de

oitenta lugares ou 15 mil para carros com maior capacidade e possui velocidade

operacional por volta de 12 km/h (Lindau, 1992). Em operação segregada, reservada

ou exclusiva de uso da via, em comboios ordenados, com plataformas de embarque

no mesmo nível das estações, com cobrança externa das tarifas, portas mais largas e

outras alterações tecnológicas e operacionais a capacidade pode elevar-se para cerca

de 20 mil pass./h/sentido. O preço dos veículos varia de US$ 25 mil para um micro-

80

ônibus até US$ 175 mil para um ônibus articulado com vida útil de dez anos nas con-

dições brasileiras. Ainda existem os troleibus, os "ônibus elétricos", semelhantes aos

ônibus só que com tração elétrica, sua vantagem principal é a redução drástica da po-

luição atmosférica e a redução significativa da poluição sonora, porém do mesmo

modo que os modos ferroviários, o troleibus tem pouca flexibilidade para

desdobramentos, novos ramais ou mudanças de itinerários, além da dependência do

instável fornecimento de energia elétrica.

O ônibus é o meio de transporte mais difundido no mundo. Isto se

deve à flexibilidade, à capacidade de desdobrar-se e ampliar suas ramificações, à

simplicidade tecnológica, à facilidade de instalação de novos serviços, ao menor custo

do veículo, ao baixo custo, à rapidez de implantação e operação, e ao valor alto de

revenda do material rodante. Além disso, pode ser operado facilmente pelo capital

privado sob regulamentação pública e as tarifas praticadas cobrem normalmente os

custos evitando subsídios públicos, se excluídos os custos das vias de circulação.

(Severo, 1991).

Os Corredores de Circulação representam vias segregadas obtidas

através da implantação de faixas exclusivas para ônibus. Nas cidades de Porto Alegre,

Curitiba, São Paulo e Goiânia, os corredores tendem a se localizar junto aos canteiros

centrais das avenidas, separados longitudinalmente dos automóveis. Os cruzamentos

são em nível, e os pedestres podem transpor os corredores nos pontos de travessia

mediante sinalização gráfica e semafórica apropriada. Um carregamento por volta de

20 mil pass./h./sentido pode ser obtido em corredores com funcionamento de

comboios ordenados (cada ônibus para num ponto pré-determinado/ordenado na

estação), para diminuir o tempo de embarque como é caso do Corredor Assis Brasil

em Porto Alegre ou com permissão de ultrapassagens como na cidade de São Paulo

(Lindau, 1992). As principais vantagens das faixas segregadas (canaletas) no centro

da via seriam a obtenção de maior velocidade comercial para os ônibus, melhores

condições de priorização nos sistemas de controle e implantação de semáforo só para

81

ônibus. Estas vantagens se refletiriam na maior confiabilidade, segurança e menor

poluição, com tarifas menores para o usuário; a maior dificuldade para a implantação

de tal sistema é a exigência de ruas largas superior a 21 metros (Mercedes-Benz do

Brasil S.A., 1987).

Segundo o Banco Mundial (Armstrong-Wright, 1986), a construção

de vias exclusivas com cruzamentos em desnível pode custar de US$ 2 a 7 milhões

por quilômetro, o que é ainda elevado para países do Terceiro Mundo, porém bem

abaixo do custo por passageiro em relação ao VLT (bonde moderno) ou ao Metrô de

superfície, se considerarmos os custos adicionais das redes de energia, estações ou

desapropriações. Segundo a mesma fonte, o custo máximo por passageiro/km deveria

ser para o ônibus em via segregada, o VLT e o Metrô em superfície o valor de US$

0.05, US$ 0.10 e US$ 0.15, respectivamente.

Os Corredores de ônibus representam soluções apropriadas para

cidades do Terceiro Mundo, particularmente por dois motivos: exigem baixos

investimentos em tecnologia, em relação a outros modos de maior capacidade, e com

algumas modificações operacionais podem suportar demandas aproximadas ao VLT,

bondes, pré-metrôs ou sistemas similares.

III.3.3) A Concorrência do Transporte Privado com o ônibus

Apesar da importância vital do transporte público para as cidades em

um padrão de urbanização segregado e concentrador, vigente no Brasil, o sistema por

ônibus tem sofrido fortemente com a concorrência do transporte individual. Sobre este

tema, já clássico na literatura especializada sobre transportes, parece-nos proveitoso

registrar breves comentários.

82

Vasconcellos (1993) argumenta que há três visões sobre o uso do

automóvel: a "antropológica" - baseada na simbologia de riqueza e poder pessoal - a

"política" - correspondente à simbologia de privacidade e liberdade, de circulação livre

e desimpedida, do automóvel como uma extensão do espaço privado de existência - e

a visão "psicológica" - ligada às idéias de juventude e esportividade, auto-afirmação e

deleite pessoal. Aliada a estas razões, o autor acrescentara outros argumentos que

estão na base do privilégio dado ao automóvel como meio de circulação das camadas

médias da sociedade.

Com o processo de concentração de renda promovido

particularmente pela política econômica dos governos militares, grande parcela da

classe média teve acesso, via consórcio ou financiamento, ao uso do automóvel. As

cidades aos poucos foram se remodelando para absorver a crescente frota de

veículos, especialmente na sua infra-estrutura viária (túneis, elevadas, alargamento de

pistas, novas ruas e estacionamentos, etc.). Só em São Paulo, a frota de automóveis

cresceu mais de 1.000% de 1960 à 1979 (Vasconcellos, 1993). Partindo do

pressuposto de que o direito de circular (ou a disponibilidade de transporte / mobili-

dade pessoal) está condicionado pela situação sócio-econômica da pessoa, e que as

camadas médias da sociedade tem grande influência e pressão sobre as políticas

públicas de transporte, fecha-se um círculo vicioso de pressão das camadas médias

==> favorecimento do transporte privado ==> apoio político ao Estado, que estabelece,

deste modo, a "cidade da classe média".

É necessário dizer que esta teia de relações e dependências

políticas se origina, principalmente, do complexo industrial-comercial ancorado na

indústria automobilística, eixo de desenvolvimento desde o Plano de Metas na década

de cinqüenta. O transporte tornou-se com o decorrer dos anos um instrumento de

reprodução da própria classe média enquanto classe. É por isso que qualquer

tentativa de limitar ou restringir o uso do automóvel é prontamente repudiada e rejei-

83

tada por amplos setores da sociedade que foram, historicamente, privilegiados na

distribuição de acessibilidade urbana promovida pelas políticas do Estado.

Seria ingenuidade, entretanto, ignorar que o automóvel não tem

vantagens (não só simbólicas) em relação a alguns atributos, se comparado com o

transporte público. Algumas vantagens como o transporte porta-a-porta, a eliminação

dos transbordos, a rapidez e conforto individual, por exemplo, se analisadas de modo

absoluto são nitidamente superiores ao transporte público, ainda mais em países

subdesenvolvidos onde os serviços públicos de modo geral são precários. Segundo

Wright (1988), para distâncias superiores a 400 metros o automóvel é o modo que

oferece o melhor conjunto de tempo de deslocamento, padrão de conforto, ambiente

psicossocial, flexibilidade, facilidade de transportar embrulhos e compras, pontua-

lidade e freqüência.

Contudo, pesados os prós e contras, o uso do veículo privado para a

maioria dos deslocamentos urbanos, particularmente para aquelas viagens pendulares

por motivo trabalho, acarreta várias externalidades negativas, ou "custos marginais so-

ciais" para o conjunto da sociedade. Pode-se classificá-los nas seguintes dimensões:

(a) Custos Econômicos: o transporte privado é em média 1,2 vezes

mais caro que o transporte público para o passageiro, além de consumir

proporcionalmente 10 vezes mais energia, (Figueroa, 1993). Os congestionamentos e

acidentes provocam prejuízos da ordem de 25 bilhões de dólares/ano na Grã-Bretanha

e de 500 milhões de dólares/ano em São Paulo, por exemplo, além de aumentarem o

nível de emissão de poluentes (dados da Comissão de Circulação e Urbanismo da

ANTP, 1989). Outro custo econômico é aquele derivado dos acidentes provocados

pelo transporte privado; no mundo todo, cerca de 50 mil pessoas morrem por ano em

acidentes, e além de motoristas e passageiros envolvidos, os pedestres também

participam. Em Porto Alegre, no ano de 1992, por exemplo, ocorreram 2.188

84

atropelamentos, 2.054 pedestres feridos e 149 mortes, 30% dos acidentes e 55% das

mortes ocorridas vitimaram pedestres (SMT/PMPA, 1993);

(b) Custos Ecológicos: o transporte privado polui 25 vezes mais que

o público. Nos Estados Unidos, por exemplo, o automóvel era responsável por 42% da

poluição atmosférica geral (Brinco, 1985); podemos imputar ao automóvel, também, a

poluição sonora (acima de 85 decibéis) e a intrusão visual;

(c) Custos Urbanos: um motorista precisa 13 vezes mais espaço

físico, para se movimentar na rede viária, que um passageiro de ônibus; as cidades

são obrigadas a reservar, em média, a metade do seu espaço urbano disponível para

estradas, estacionamentos e equipamentos de apoio para meios de transporte, na

sua grande maioria privados. No centro de Los Angeles, por exemplo, esta cifra atinge

70% do espaço (Wright, 1988), que poderia ser utilizado para outras funções urbanas.

O que agrava esta situação é a tendência, já vista, de aumentar o espaço viário na

proporção do crescimento das necessidades de circulação do automóvel. Existe uma

espécie de "Lei de Say",12 acomodando o uso à oferta de solo urbano só para a

circulação: as adaptações adicionais para atender o automóvel acabam criando

tráfego adicional, e o problema permanece insolúvel (e maior). Segundo Dyckman

(1968), ao criticar as ações do organismo americano Bureau of Public Roads nos anos

50 e 60, afirma que a abertura de uma auto-pista projetada para satisfazer a demanda

existente pode, com o tempo, aumentar a demanda até que o congestionamento na

auto-pista aumente a duração do deslocamento até o valor anterior a sua existência.

Quando se constróem os metrôs, pensando em reduzir os congestionamentos, o que

acontece, em vários casos, é apenas o crescimento do espaço ocupado por

automóveis, no lugar de outros modos cuja demanda foi, total ou parcialmente,

absorvida pelo metrô (Lindau, 1992).

12 Jean-Batiste Say (1767-1832), economista francês, argumentava que um acréscimo de oferta criaria uma demanda da mesma magnitude regulando

automaticamente os mercados, não haveria risco de superprodução ou depressão no sistema capitalista. Este princípio - a oferta cria sua própria demanda - ficou conhecido como "Lei de Say" ou "Lei dos Mercados", foi duramente criticada por economistas de várias escolas, entre eles Malthus, Bentham, Marx e Keynes.

85

Além do uso intensivo do espaço urbano, que poderia ser destinado

ao transporte coletivo ou ao lazer e recreação da população, o transporte privado gera

atrasos no próprio sistema por ônibus ao disputar as mesmas vias em tráfegos mistos.

Não é por outro motivo que faixas reservadas para o ônibus permitem um aumento

das velocidades operacionais a patamares geralmente superiores a 18 Km/h,

permitindo transportar de 15 a 20 mil passageiros por hora-pico/sentido. Além disso, o

aumento da velocidade provoca diminuição dos custos de operação por quilômetro

devido à melhor utilização dos ônibus.

III.3.4) O Problema da Demanda no Transporte de Passageiros

No Capítulo II abordou-se a relação biunívoca existente entre o

transporte e o uso do solo urbano, particularmente os efeitos das mudanças de

acessibilidade sobre os preços fundiários e assim, sobre a reestruturação dinâmica

dos padrões de ocupação urbana. Foi visto também, que a outra parte desta relação

circular - os impactos do uso do solo sobre o transporte - ocorre principalmente

quando modificações determinadas na localização de atividades urbanas alteram os

fatores de Geração e Atração, ou a Produção de Viagens. Estes fatores incidem no

que denominou-se de "Demanda de Transporte", ou seja, as alterações nas

necessidades de deslocamento das pessoas produzem efeitos diretos sobre a capa-

cidade do sistema absorver ou não tais impactos, gerando, na maioria das cidades,

padrões mais ou menos regulares no comportamento da demanda. Nesta seção será

analisado melhor o problema da demanda, suas características básicas e as questões

envolvidas no Sistema de Transporte Coletivo Urbano.

Na teoria Microeconômica, a demanda é a quantidade de um bem ou

serviço que um consumidor deseja e está disposto a adquirir por determinado preço

em determinado momento. Em termos gerais, a demanda depende de fatores como a

86

preferência do consumidor, o poder de compra, os preços dos outros bens substitutos

ou complementares, o preço do bem ou serviço em questão, sendo que a quantidade

demandada normalmente guarda uma relação inversa com o preço do bem ou serviço,

da qualidade do bem e das expectativas do consumidor quanto a sua renda pessoal e

os preços futuros. Em termos macroeconômicos, utiliza-se o conceito de Demanda

Agregada que é a totalidade das demandas individuais somadas. Além dos fatores

condicionantes da demanda individual, a demanda agregada depende também do nú-

mero de compradores do bem ou serviço. Utiliza-se também, em Economia, o conceito

de Demanda Complementar, que é caracterizada pela procura de bens que tem

complementariedade entre si, como os automóveis e o consumo de combustível; a

demanda por um gera a procura por outro, simultaneamente. As variações na de-

manda conjunta, entretanto, podem não ser iguais para ambos os bens em questão,

pois uma mudança nos hábitos do consumidor ou inovações tecnológicas podem

alterar o caráter de interdependência entre ambos. Um outro termo freqüente

relacionado às questões de demanda é o termo Demanda Efetiva. É aquela demanda

para o qual existe capacidade de pagamento, é a demanda efetiva, geralmente inferior

à demanda real decorrente das necessidades da população.

A demanda individual pode ser representada matematicamente por

uma equação do tipo:

Qi = f (P1,...Pn, R, H, t) (3.1)

onde:

Qi = quantidade procurada de um bem ou serviço

P1 = preço do bem ou serviço procurado

P1...n = preços de outros bens ou serviços

relacionados ao bem procurado

R = renda disponível do indivíduo

87

H = hábitos e preferências do indivíduo

t = período de tempo correspondente à especificação da demanda.

Segundo Bodmer (1984), podemos dividir em três os componentes

fundamentais para a definição da demanda:

(a) "Componentes objetivos: disponibilidade de bens ou de serviços e

a capacidade do consumidor em adquirí-los;

(b) Componentes subjetivos: participação subjetiva do consumidor,

traduzida em seus desejos e necessidades e que depende do seu nível de percepção

quanto às utilidades dos bens ou serviços colocados no mercado, e

(c) Componentes condicionantes: um conjunto de variáveis mais

importantes e que condicionam uma decisão sobre a compra, principalmente em

relação ao preço e ao tempo."

Na Economia, o estudo da demanda objetiva constituir teorias e

modelos correspondentes no sentido de previsão qualitativa e quantitativa das

demandas futuras por determinados bens ou serviços, quando uma ou mais variáveis

forem modificadas. Tais estudos andam pari i passu com os estudos sobre a Oferta

nos diversos tipos de mercado, concorrencial, monopólico ou oligopólico.

Particularmente no âmbito Microeconômico, persegue-se uma situação ideal de

equilíbrio entre estas duas forças de mercado: quantidade ofertada versus quantidade

demandada (ou procurada). A situação de Equilíbrio microeconômico, estático ou

dinâmico, parcial ou geral, implica no ajustamento e equalização das funções

correspondentes em determinado período de tempo, e é extremamente complexa

devido à inúmera quantidade de incógnitas envolvidas. O próprio tema (e hipótese

teórica) do "equilíbrio econômico" real, está envolto, há décadas, em profundos

debates e conclusões conflitantes, segundo as diversas Escolas de Pensamento

88

Econômico que se tome como referência, particularmente entre o pensamento

Neoclássico e o Marxista ou Keneysiano, e suas inúmeras derivações existentes.13

Um dos estudos pioneiros sobre transporte e uso do solo, de Wingo

(1961), classifica a demanda por transportes em quatro tipos:

(a) Demanda de movimento: é a demanda mais elementar, se baseia

na necessidade de intercâmbio e comunicação dos indivíduos na sociedade urbana e

compreende o deslocamento entre diversos pontos no território. Pode ser mensurada

pelo volume de viagens por indivíduo e é fortemente influenciada pelo avanço tecno-

lógico e pela realocação das atividades no território;

(b) Demanda de tráfego: no sentido espacial, é a demanda de

movimento sob a ótica da geografia das origens e destinos das viagens. Compreende

as "linhas de desejo" e é influenciada diretamente pela distribuição no espaço das

residências e empregos. Pode ser dividida em movimentos radiais - em direção ao

centro urbano - e movimentos circulares, com destino fora do centro. Geralmente a

demanda de tráfego se caracteriza pelas viagens motivo-trabalho com um padrão

radial-concêntrico de deslocamento. Na medida em que os empregos forem se

descentralizando o padrão de deslocamento circular tende a ser mais importante;

(c) Demanda de movimento no tempo: expressa o carregamento do

sistema ao longo do tempo e, pode ser medida pelo "fator de carga" que relaciona a

hora-pico de maior carregamento com o volume médio de passageiros horários. O

"fator de carga" expressa o problema da concentração temporal da demanda

principalmente nas viagens a trabalho; e

(d) Demanda de fluxos: que representa a distribuição do movimento

no tempo e no espaço. Este tipo de demanda permite a classificação em padrões de

determinados tipos de movimentos regulares no espaço e tempo, enquanto outros são

não-regulares. Esta demanda é a mais importante porque representa a síntese entre a 13 ver o resumo das diferentes posições sobre este tema no Dicionário das Teorias e Mecanismos Econômicos (1988) de Alan Gélédan e Janine Brémond, Livros

Horizonte, Lisboa, pág. 57 a 66.

89

influência da distribuição no espaço do emprego e das residências (demanda de

tráfego), e as características temporais dos deslocamento, sua periodicidade, duração

e simultaneidade (demanda de movimento).

Segundo Novaes (1986), a Demanda em transportes é de

fundamental importância sob o aspecto preditivo, isto é, a quantificação da demanda

que envolve a previsão da "resposta" do usuário mediante variações nos atributos dos

sistemas de transportes. Neste sentido há três tipos de previsões:

(a) previsões de curto prazo: o estudo se restringe a projeções de

curto prazo com levantamentos diretos de informações onde não são feitas previsões

desagregadas de população, empregos ou uso do solo. A premissa básica neste tipo é

de que a distribuição espacial das atividades altera fatores de produção e atração de

viagens, e as variáveis sócio-econômicas dos usuários permanecerão inalteradas,

isto é, constantes;

(b) previsões de médio e longo prazo: sem envolver efeitos sócio-

econômicos ou espaciais; envolvem projeções detalhadas e cuidadosas das variáveis

sócio-econômicas, incluindo atividades espaciais (residência, emprego, serviços, etc.).

Estuda-se a evolução destas variáveis por zona, incluindo restrições de capacidade

(densidades), políticas de zoneamento, de desenvolvimento, etc. Não se estabelece,

entretanto, processos de retroalimentação entre os fluxos de transporte projetados e

seus efeitos nas atividades básicas; e

(c) previsões de médio e longo prazo: com avaliação dos efeitos nas

atividades sócio-econômicas e espaciais; estudos que envolvem hibridamente

planejamento de transportes e planejamento urbano e regional.

Cada tipo de estudo origina modelos teóricos determinados que

podem ter, não necessariamente, uma expressão matemática ou computacional.

90

Respectivamente aos tipos de previsões, segundo Novaes, correspondem os Modelos

Convencionais Empíricos, os Modelos Comportamentais e os Modelos Atitudinais.14

Para Bodmer (1984), a demanda em transportes deve ser

caracterizada diferentemente da demanda pelos demais bens e serviços devido a suas

particularidades quanto à motivação para o consumo. A demanda por transporte é

dependente, em último grau, da demanda por outros bens e serviços, cujo sistema de

transporte é requisito de mobilidade para serem acessados pelos consumidores. Além

disso, esta demanda depende da localização das atividades no espaço e de dispêndio

de tempo. A quantidade demandada de transportes é entendida como o número de

pessoas transportadas ou o número de viagens realizadas. O consumo deste serviço é

um consumo aberto composto por várias combinações de atributos diferentes em

natureza e magnitude como o modo, horário, destino, freqüência, etc. Para a autora,

os fatores condicionantes da demanda, em transporte de passageiro, são o preço e o

nível de serviço, sendo que a variável mais significante para a definição de um nível de

serviço é o tempo de viagem.

Argumentos semelhantes aos apresentados por estes autores,

aparecem no estudo TRRL (1980), para caracterizar as especificidades da demanda

no transporte de passageiros. Este trabalho sistematiza quatro características

básicas:

(a) a viagem de transporte não pode ser analisada simplesmente

pelo modo escolhido ou por outras características da viagem em si, mas pelo propósito

em que é realizada. As diferentes intenções que determinam as viagens são como

diferentes "bens" no mercado. Um dos problemas na análise da demanda é como

agregar a diversidade de propósitos segundo os diferentes tipos de viagens que

podem ser feitas;

14 a problemática do uso de modelos em Transporte será abordada no Capítulo V desta dissertação.

91

(b) o "custo" para o passageiro de transporte público não diz respeito

somente ao nível das tarifas, mas à quantidade de tempo, esforço dispendido e o

desconforto a que é ou pode ser submetido, pois há limitações físicas para a

quantidade de tempo que pode ser dispendida em viagens. Também porque muitos

bens e serviços são ofertados em determinadas horas durante o dia que podem ou

não ser convenientes para os usuários e isto impõe mais limites à demanda por

transporte, particularmente nas viagens à trabalho;

(c) muitos fatores que influenciam a demanda podem, também,

serem afetados por ela, embora alguns possam ser sentidos mais rapidamente do que

outros; por outro lado, estes fatores podem afetar também a oferta de transportes.

Assim, a interação entre demanda e oferta deve ser sempre considerada. Por

exemplo, o nível de tarifas cobradas terá um impacto direto sobre a demanda, mas o

número de pessoas que usa o serviço e seu padrão de viagens por sua vez, terá um

forte impacto no custo para transportar cada passageiro e, portanto, no que pode ser

cobrado ou no serviço a ser oferecido. Esta interpenetração de efeitos múltiplos se

torna mais complexa quando a demanda é analisada em função das mudanças nos

padrões de uso do solo. Assim, as interações que determinam a demanda por

transporte público formam um sistema completamente interrelacionado;

(d) muitas vezes o transporte é considerado um "bem social" tendo

que satisfazer vários requisitos sociais (diferentes de princípios apenas comerciais),

que não são prontamente e claramente traduzidos na operação do sistema. Por causa

disto, é difícil descrever o comportamento da oferta de transporte em termos de

relações quantitativas;

III.3.4.1) Influência do comportamento do consumidor na determinação da

demanda por Transporte

92

Os modelos explicativos tradicionais, e quase todas as explicações

sobre os fatores condicionantes da demanda em transportes, se referem a fatores

físico-espaciais, ou seja, sobre o impacto das mudanças na localização das atividades

que produzem viagens. Poucas são as abordagens que inserem, além dos fatores

espaciais estruturantes, outros fatores, como o comportamento dos

consumidores, considerados como indivíduos, isto é, desagregadamente.

O estudo do comportamento dos indivíduos, em relação ao mercado,

pode, e deve, ser abordado com o apoio de várias disciplinas teóricas como a

Psicologia, a Economia, a Sociologia, e segundo uma base quantitativa-metodológica

também, como é o caso da Econometria, Estatística, Matemática, etc. Não cabe aqui

aprofundar exaustivamente o que cada uma delas tem a dizer sobre o comportamento

individual no mercado (de transporte), apenas serão resumidas as principais

características de algumas escolas e aprofundados alguns aspectos no capítulo V,

quando serão analisados os Modelos em Transporte.

Neste sentido, segundo Bodmer (1984), pode-se dividir as principais

"linhas de pensamento" nos seguintes categorias disciplinares:

(a) Teoria Econômica: formulada inicialmente por Marshall, da Escola

Marginalista inglesa, Böhm-Bawerk, Von Wieser , o primeiro a empregar o conceito de

utilidade, e Pareto. Baseia-se na afirmação de que o indivíduo leva em consideração

fatores racionais no processo de escolha. A Demanda teria uma relação inversa com

os preços dos produtos, e o indivíduo opera sob determinadas restrições de renda

monetária. A medida da satisfação do indivíduo pode ser obtida quantitativamente

através da utilidade. A composição das utilidades fornece uma escala de preferência

que combina quantidades de bens e serviços consumidos em relação à diferentes

utilidades proporcionadas. Nesta abordagem, o objetivo do consumidor é atingir o

estado de equilíbrio, quando gasta sua renda de tal forma que a satisfação ou utilidade

da última unidade monetária gasta nas várias mercadorias seja a mesma. Deste

93

modo, considerando que o objetivo racional é obter a máxima satisfação (utilidade)

dentro de uma cesta de consumo, pode-se deduzir uma Curva de Demanda individual

que relaciona preços e quantidades demandadas.

Um indivíduo consumiria quantidades de determinado bem ou

serviço até chegar a um ponto de saturação, onde sua utilidade fosse total e a

utilidade marginal igual a zero. Além disso - para a maioria dos bens - pode ocorrer

um "efeito substituição", quando o indivíduo substitui o consumo de um determinado

bem quando seu preço sobe, ou um "efeito renda", quando alteram-se as quantidades

consumidas de acordo com variações na renda.

A abordagem do comportamento do consumidor pela utilidade -

também conhecida como Teoria Cardinal da Utilidade - foi aperfeiçoada mais tarde

pela Abordagem pela "Curva de Indiferença" ou Teoria Ordinal da Utilidade. A

diferença básica entre as duas são as suposições mais realísticas da segunda, na

medida em que esta se preocupa basicamente com a percepção do consumidor na

maximização da utilidade entre diferentes cestas de mercadorias, e requer apenas

uma medida ordinal da satisfação e não cardinal com a primeira. A Curva de

Indiferença é uma representação geométrica do nível de satisfação (utilidade) do

consumidor variando entre dois bens ou cestas de mercadorias ou serviços (Salvatore,

1984).

Segundo a abordagem da Teoria da Utilidade (teoria clássica), a

condição de máxima utilidade (ponto de equilíbrio) pode ser descrita matematicamente

como segue:

UMx / Px = UMy / PK (3.2)

onde:

UMn= utilidade marginal (da última unidade monetária gasta);

Pn = preço das mercadorias;

94

x e y = mercadorias;

sujeito à restrição orçamentária:

PxQx + PyQy = R (3.3)

onde:

Qn = Quantidade demandada de um bem;

R = renda monetária do indivíduo;

Pela abordagem da Curva de Indiferença, ou Teoria Ordinal da

Utilidade, a situação ideal buscada pelo comportamento do consumidor teria a

seguinte expressão genérica:

TMxy = Px / Py (3.4)

onde:

TMxy = Taxa marginal de substituição da mercadoria(s) "x" pela(s)

mercadoria(s) "y"; sujeita à mesma restrição orçamentária (que se graficada ganha o

nome de "reta orçamentária" ou "linha dos preços") como na formulação anterior.

Lancaster (1966; 1971) analisou a preferência do consumidor a partir

do conjunto de características e atributos destes bens ou serviços, considerando a

produção de externalidades e não simplesmente dos bens em si mesmo como nos

enfoques mais tradicionais da Teoria do Consumidor (na Microeconomia). Este autor

trabalhou dentro dos seguintes pressupostos: (a) o bem não gera utilidade em si

mesmo, mas suas características sim; (b) um bem pode assumir mais de uma

característica e elas poderão ser atribuídas a mais de um bem; (c) a combinação de

várias mercadorias possui qualidades diferentes se consideradas separadamente. Os

modelos formulados a partir deste enfoque são, evidentemente, mais complexos,

porque pressupõem comparações entre atributos de bens diversos e, por isso, são

mais adequados à realidade tendo maior poder explicativo que outros modelos.

95

A expressão geral da Função Utilidade, segundo Lancaster seria:

Ui = f( Ci1, Ci2,...,Cin) (3.5)

onde:

Ui = utilidade do morador urbano "i"

Cij = são os atributos (características) do transporte urbano

A utilidade do consumidor/usuário é condicionada não só pelo

consumo, mas pelo resultado do consumo de outros agentes num processo de

interações, como o são os casos dos congestionamentos e da poluição urbana. Esta

teoria ficou conhecida com o Teoria da Utilidade Multiatributiva (ou de Múltiplos

Atributos).

(b) Teoria Sócio-Psicológica: desenvolvida a partir da crítica do homo

oeconomicus, representação típica do Marginalismo, particularmente do americano.

Rejeita o enquadramento do comportamento humano apenas nos termos do que

chamou de "lucro pecuniário", afirmando que os fatos econômicos tem a influência

dos "hábitos de pensamento" e da força das instituições condicionantes dos

indivíduos, estas, sempre em mutação e evolução. Pressupõe a influência do

ambiente social na determinação do comportamento humano, sendo que, os

indivíduos procuram agrupar-se na sociedade na busca da similaridade do seus

comportamentos.

(c) Teoria da Aprendizagem: a partir dos estudos iniciais sobre a

ação dos estímulos repetidos e reações condicionadas dos animais, originaram-se

diversos estudos abordando o fenômeno da aprendizagem envolvendo a capacidade

de discriminação e de esquecimento. Os conceito de impulsos, sugestões, reações e

reforço podem ser utilizados na análise dos hábitos de consumo de bens e serviços.

Estes conceitos foram desenvolvidos pela Escola Behaviorista. Segundo esta escola,

o comportamento pode ser reflexo/respondente ou operante. O comportamento reflexo

96

está vinculado diretamente a um processo de condicionamento através de estímulos

externos como a ação da propaganda. O Comportamento operante é o que exerce

influência sobre o ambiente, e é influenciado pelos "reforços" que são sinônimos de

"recompensas". Isto é, o indivíduo pode ser positiva ou negativamente recompensado

para manter ou modificar determinado comportamento. Outra teoria, a Gestalt, afirma

que o comportamento se vincula a um processo psicológico de percepção. Esta

percepção tem os seguintes postulados: (a) o todo é percebido de maneira distinta da

soma das características do seus componentes - o usuário de ônibus não "percebe"

este ou aquele atributo no serviço, mas a "soma de suas partes" - (b) no processo

perceptivo, o campo estimulatório é entendido como constituído de fenômenos,

necessariamente ligados, e não como partes isoladas, mas unidas por associação -

por exemplo, o uso do automóvel é associado comumente à status social - e (c) o

campo perceptivo é organizado e esta organização se dá da melhor forma permitida

pelo campo estimulatório, isto é, a ação da mídia é "perfeita e acabada", organizada

de tal modo a não permitir a percepção crítica e reflexiva sobre o produto que ser quer

vender. O Ato Cognitivo, segundo a teoria gestaltiana, é influenciado por "fatores de

estímulo" e "fatores pessoais". Os primeiros dizem respeito à natureza do objeto

estimulador externo, como a freqüência (apelos repetidos para o consumo),

intensidade, movimento e mudança, etc., enquanto os segundos se relacionam ao

alcance da apreensão dos indivíduos, de sua sensibilidade seletiva para determinados

elementos e aspectos parciais do objeto de consumo, que dependem de sua predispo-

sição mental para a escolha, costumes e valores morais (Lazzarotto e Rossi, 1991).

(d) Teoria Psicanalítica: baseada nos estudos de Freud, esta teoria

leva em conta a participação do inconsciente no processo de decisão e das

motivações para o comportamento individual relacionadas não só aos interesses

econômicos e racionais, mas ligados ao ego dos indivíduos.

(e) Teoria da Hierarquização: partindo de Maslow (apud Bodmer,

1984), afirma-se que o consumidor estabelece uma "hierarquia de necessidades" em

97

três níveis: necessidades físicas, sociais e da satisfação do ego - segundo uma ordem

determinada de graus de satisfação.

Como pode-se identificar, há várias Escolas e disciplinas teóricas

que estudam o comportamento do consumidor frente ao ato de consumir. Em relação

ao Transporte Coletivo de passageiros, diversos modelos estão baseados nestas

teorias, geralmente sobre as teorias econômicas e menos em relação às relacionadas

com a Psicologia Social ou Psicanalítica, que são mais difíceis de mensurar

quantitativamente.

De qualquer forma, fica evidente que podemos analisar a demanda

em transporte a partir da percepção dos usuários em relação ao conjunto de atributos

que compõe o nível de serviço ofertado. Para que a viabilidade de tal enfoque se torne

possível é necessário, em primeiro plano, definir os atributos mais significativos que se

quer investigar, e a seguir, estabelecer um procedimento metodológico adequado, não

só para sua qualificação (que as Análises Socio-Psicológicas e outras fazem

normalmente), como também para sua quantificação.

Prosseguindo nos objetivos deste trabalho, serão focalizados dois

atributos fundamentais nos estudos da demanda de transportes: o fator Tempo e o

fator Conforto, aprofundados na próxima seção.

III.3.5) O Tempo e o Conforto no Transporte Coletivo Urbano por Ônibus

Nas grandes metrópoles, o tempo de deslocamento parece ser a

variável que mais representa o agravamento e a deterioração geral das condições da

mobilidade urbana15

. Pesquisas realizadas no início da década de oitenta, por

exemplo, apontavam um gasto de tempo médio da ordem de 2 horas e 30 minutos nas

15 em 1991 a ANTP promoveu uma pesquisa sobre a imagem do Transporte Coletivo na grande São Paulo, o resultado foi o seguinte: 62% dos entrevistados

apontaram a oferta com preocupação, 15% com conforto, 13% como segurança e a tarifa com 15% das respostas.

98

viagens pendulares dos trabalhadores de São Paulo e Recife, (Lamounier &

Rodrigues, 1992). Em 1987, uma Pesquisa Origem/Destino realizada pelo Metrô de

São Paulo concluiu que o tempo médio de deslocamento no transporte coletivo ainda

era demasiado: de 140 minutos, ou 2 horas e 20 minutos. Em 1989, a Comissão de

Circulação e Urbanismo da Associação Nacional de Transportes Públicos afirmou que,

se acrescentarmos o tempo médio que um trabalhador paulista precisa trabalhar para

pagar o transporte ao tempo médio que ele necessita para fazer seus deslocamentos,

chega-se ao resultado de 3 horas e 37 minutos, considerando um salário de três

Salários Mínimos e um gasto com transporte de 12%. Este tempo foi denominado de

"tempo generalizado". Este conceito foi criado por Illich e Dupuy (apud Comissão de

Circulação e Urbanismo da ANTP, 1989) e é considerado uma estimativa mais

realística de medição do tempo gasto em deslocamentos.16

O efeito do tempo em deslocamento se faz sentir com maior

intensidade sobre aqueles setores que possuem poucas condições de aumentar sua

mobilidade através do uso de outros modos de transporte, como o automóvel. São as

camadas de baixa renda as que se submetem diariamente aos meios de transporte

coletivo. As atuais condições médias de operação do transporte coletivo associadas

ao processo brasileiro de ocupação e estruturação urbana, fazem com que os tempos

e as distâncias a serem vencidas nas viagens para o trabalho e de volta para o

domicílio sejam absurdas, implicando não só em altas tarifas mas também na

exploração das capacidades físicas e psíquicas da força de trabalho. É um verdadeiro

"empobrecimento pelo tempo" (Trani, 1986).

O tempo excessivo gasto no transporte refere-se ao tempo total de

movimento, incluindo a caminhada até as estações e, destas aos locais de

trabalho/domicílio, bem como o tempo de espera nas estações. Em todo o modo de

transportes, o tempo é conseqüência básica da rapidez da viagem (que depende da

16 dados extraídos do artigo "Não-Transporte, a Reconquista do Espaço e do Tempo Social" da Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP, Relatórios

Técnicos do 7 Congresso Brasileiro de Transportes Públicos, Rio de Janeiro, 1989, pág. 56.

99

distância a ser percorrida). Entretanto, não é em todo o modo de transporte que o atri-

buto "tempo de viagem" é o mais importante no deslocamento. No caso do Metrô de

São Paulo, por exemplo, o tempo era "dilatado" pela espera nas bilheterias e

passagem pelos bloqueios e não pela duração da viagem em si, na visão dos usuários

pesquisados (Cardoso & Pinheiro, 1989).

Especialmente no transporte por ônibus, o tempo "perdido" é

subtraído do convívio familiar, das horas de descanso para reposição de energias

gastas durante a jornada de trabalho e é também o tempo retirado das estratégias de

sobrevivência dos trabalhadores para complementação da renda, para os mutirões de

auto-construção da casa e até para compras e lazer.

Se forem analisados os tempos de deslocamento vigentes na

realidade urbana brasileira pela ótica da unidade produtiva, da empresa, pode-se ver

que o excesso de tempo repercute negativamente na produtividade, embora não

hajam dados estatísticos e estudos detalhados sobre o tema. Junto com o fator tempo,

o passageiro do transporte atribui grande valor ao conforto oferecido nos coletivos,

tendo sido este, um dos motivos mais freqüêntes nas lutas dos movimentos populares

em transporte, nos anos oitenta (Affonso, 1987).

Sob o enfoque do Nível de Serviço (NS), talvez para a maioria dos

usuários de ônibus seja o conforto aquela variável que mais facilmente é associada à

qualidade do transporte que é ofertado. Manhein (1979), trabalhando a partir da Teoria

Microeconômica, enfatizou duas premissas básicas: que o sistema de transporte não

pode ser visto com um simples sistema multimodal e que as considerações sobre um

sistema de transportes não podem ser feitas separadamente das condições sociais,

econômicas e políticas da região. Prosseguindo este raciocínio, o autor afirma que os

consumidores consideram diferentemente os atributos dos serviços de transporte

porque têm diferentes preferências e condições sócio-econômicas, afirmando que

algumas variáveis como a percepção de segurança ou conforto não são facilmente

100

quantificáveis. Manhein define a variável tempo a partir das seguintes características:

tempo total de viagem, confiabilidade (variabilidade do tempo de viagem), tempo de

transferência, freqüência do serviço e programação horária; quanto às característica

de conforto tem-se: distância de caminhada, número de trocas de veículos, conforto fí-

sico, conforto psicológico, amenidades, prazer da viagem e experiências estéticas.

Ainda sobre a variável conforto em transportes Neveu (1979), nas

conclusões sobre uma pesquisa que mapeou a percepção dos usuários sobre a

importância do conforto, conveniência e confiabilidade, trabalhou com os seguintes

atributos da variável conforto: proteção contra as chuvas, limpeza dos carros e

estações, sentimento de fadiga na viagem, controle do ambiente imediato, sentimento

de segurança pessoal e sentimento de privacidade. Vuchic (1981) define conforto

como uma das variáveis participantes da categoria "qualidade do serviço" que,

juntamente com as categorias de "desempenho dos elementos que afetam os usuá-

rios" (velocidade, confiabilidade e segurança) e "preço", definiriam os principais

elementos do que seria o conceito de Nível de Serviço. Já Santana (1984) define

conforto como "um sentimento sobre uma situação onde o indivíduo gosta ou não da

mesma. Depende de dois fatores: o primeiro é a situação ou ambiente e, o segundo é

a experiência pessoal durante a situação". Ele agrega outras características à variável

conforto, tais como: densidade de passageiros no veículo, tipo de assento, condições

de viagem de pé, temperatura, ventilação, odores, nível de ruído, vibrações, acele-

ração/desaceleração, visualização do exterior, etc.

Nesta dissertação é adotada a densidade de passageiros por

veículo ou a lotação como uma das variáveis principais para definir conforto.17

Uma definição mais abrangente e completa de tempo e conforto

como atributos essenciais para caracterizar a qualidade e o Nível de Serviço de um

sistema de transporte (metroferroviário, neste caso) é dada por Veiga (1991). Este

17 A ANTP afirma que "...a lotação do veículo é a variavel que melhor reflete o equilíbrio entre a oferta e a demanda no transporte coletivo", este equilíbrio é a

situação ideal buscada pelo conjunto de técnicas de Planejamento do transporte coletivo. Gerenciamento de Transporte Público Urbano, Instruções Básicas, Volume 1, Módulo 3: Dimensionamento de Linhas de ônibus, ANTP, 1990, pág. 23.

101

autor classifica as características que possuem influência direta sobre a variável

tempo e conforto. Elas poderiam ser genericamente adotadas para a análise da

demanda do transporte de passageiro do seguinte modo:

(a) TEMPO:

* "tempo de deslocamento no interior do veículo: o tempo gasto no

interior do veículo em deslocamento, desde o embarque no ponto de origem ao

desembarque no ponto de destino;

* confiabilidade: a variância do tempo de viagem realizada, o qual

representa o desejo do usuário em partir no horário programado e ter certeza de

chegar ao destino no horário previsto;

* tempo de transbordo: o tempo gasto nas transferências intra ou

intermodal;

* tempo de espera nas estação: o tempo gasto no ponto de parada à

espera do trem, desde a chegada à plataforma de embarque, até o momento em que o

mesmo parte da estação;

* freqüência: é a quantidade de trens que passam por uma

determinada estação em um determinado intervalo de tempo;

* programação horária: a relação dos horários de partida e chegada

dos trens nos pontos terminais;

* intervalo entre dois veículos consecutivos: é o intervalo de tempo

decorrido entre a passagem de dois trens consecutivos por uma mesma estação

determinada;

102

* tempo de acesso ao modo: tempo gasto no deslocamento do ponto

de origem (residência, por exemplo) até à plataforma de embarque da estação." e

(b) CONFORTO:

* "distância de caminhada até a estação: a distância percorrida entre

o ponto de origem até a estação;

* quantidade de transbordo: o número de transferências realizadas

intra ou intermodal, durante o deslocamento, da origem até o destino final;

* quantidade de estações intermediárias: o número de estações

existentes ao longo do trecho, nas quais o trem executa paradas;

* distância média entre estações: o comprimento médio do trecho

existente entre duas estações consecutivas;

* conforto físico: são as condições ambientais sob as quais é

realizada a viagem, expresso por: temperatura no interior do trem e estação, limpeza

dos trens e estações, proteção à exposição de intempéries, controle do nível de ruído

interno no trem e estação, disponibilidade de assento, densidade de passageiros no

interior de trem e na plataforma de embarque/desembarque, aproveitamento da

viagem para leitura, trabalho, etc.

* conforto psicológico: são as condições psicológicas percebidas pelo

usuário, como status, privacidade, etc.;

* controle de acesso: sistema de venda e arrecadação de bilhetes, o

qual permite o acesso sem dificuldade ou obstáculos"; (este item poderia ser

transposto para as estações de transbordo ou embarque com cobrança externa no

caso ônibus, p.ex.).

Além de tempo e conforto, o autor agrega as variáveis conveniência

(cobertura da rede, informações, disponibilidade, etc.), segurança e custo como

componentes básicos do Nível de Serviço. A interdependência entre estas

103

características, como o tempo de espera, o intervalo entre os carros e a programação

horária, caracterizaria a natureza dinâmica do Nível de Serviço em transportes.

Analisando os efeitos da qualidade do serviço sobre a demanda em

transporte de passageiros, o estudo The Demand for Public Transport, TRRL (1980),

aponta que, na maioria das análises, deve-se levar em conta que a percepção do con-

forto e do tempo no transporte depende, também, de outros fatores externos ao

serviço em si. Depende do tipo de passageiro quanto à idade, sexo, incapacidade,

estágio no ciclo de vida ou grupo sócio-econômico; quanto ao tipo de viagem pelo

motivo, duração, hora do dia, se é regular ou ocasional, se é usado transporte público

ou não. Assim, diferentes tipos de usuários, viagens ou clima condicionarão diferentes

prioridades quanto ao transporte. Também porque a combinação de vários tipos de

usuários varia nas diferentes horas do dia, em tese cada categoria tem percepção

própria do valor do tempo e do conforto.

É relevante mencionar que nos programas de qualidade e

produtividade, que vêem crescentemente sendo implantados nas empresas

operadoras e órgãos de gerência, os atributos conforto e tempo de viagem aparecem

com valores significativos de preocupação dos agentes envolvidos no sistema de

transporte coletivo urbano.

Em pesquisa de âmbito nacional finalizada em 1993, (Comissão

Técnica de Qualidade e Produtividade da ANTP, 1993), concluiu-se que 28% das

empresas operadoras privadas entrevistadas, consideram a lotação do veículo um dos

cinco principais indicadores de qualidade, enquanto a limpeza de ônibus e terminais

tem 64% das respostas e a duração total da viagem, 12%. Já para as empresas

operadoras públicas, a lotação do veículo tem 22,2% das respostas e a variação do

tempo de viagem 11,1%. Para as empresas metroferroviárias, a lotação dos carros é

considerada por 30% das entrevistadas (em quarto lugar) e a duração do tempo de

viagem tem 20% das respostas. Outro dado interessante da mesma pesquisa é o fato

104

de que, das 55,5% do total de empresas públicas que utilizam indicadores para aferir o

andamento dos programas de qualidade, metade delas utilizam o índice "média de

passageiros por veículo", que se relaciona com o atributo "lotação do veículo"

(conforto). Para os próprios trabalhadores rodoviários do Distrito Federal entrevistados

(480 trabalhadores), 58,1% declararam ser um problema a excessiva lotação dos

veículos (Comissão Técnica de Qualidade e Produtividade da ANTP, 1993).

A busca do peso relativo que as diversas categorias de usuários

atribuem aos vários níveis constantes do nível de serviço ofertado é essencial para os

programas de qualidade. Pois, o primeiro postulado da qualidade é a busca constante

dos fornecedores (operadores) pelo atendimento da satisfação dos clientes (usuários).

Todas as propostas de modernização do gerenciamento e da produção dos serviços

de transporte público, segundo Lindau & Rosado (1993), deve passar por um

entendimento claro do que os usuários em potencial querem, como principal elemento

no cenário da qualidade.

III.3.5.1) O problema da quantificação dos atributos

Um dos principais problemas, no Planejamento de transportes, é a

dificuldade de mensuração dos itens do Nível de Serviço ao usuário, que influenciam a

demanda por transportes, particularmente o tempo de viagem e o conforto. Tanto as

pesquisas de Avaliação do serviço, quanto as pesquisas de Expectativa, apenas

elencam e hierarquizam os valores de cada atributo ou variável do nível de serviço. A

metodologia adotada por Cardoso & Pinheiro (1989), por exemplo, em relação ao

Metrô de São Paulo, evolui para a definição de um Índice de Avaliação (escala de 1 a

5) e pondera o resultado através de um Índice Relativo. O Índice de Avaliação consiste

na diferença entre as proporções de opiniões positivas (bom e muito bom) e negativas

(ruim e muito ruim), desprezando-se as neutras (resposta indiferente), enquanto que o

105

Índice Relativo é o quociente (a proporção) entre o Índice de Avaliação de cada

atributo (lotação, limpeza, iluminação, ventilação, etc.) e o Índice de Avaliação médio

do conjunto da variável (conforto). Nesta pesquisa (realizada pelo Metrô de São Paulo

em 1989), no conceito Conforto a lotação de trens foi o atributo que mais interferiu

negativamente na avaliação geral, obtendo um Índice Relativo de -51, para um índice

médio positivo de avaliação de 33.

Outras metodologias utilizam o marco referencial dado pelas teorias

da Psicofísica, que abordam as relações entre os estímulos e as respostas dos

usuários (Faria, 1985). Estas teorias entendem a percepção do usuário como função

das características do estímulo, do estado psicológico e do mecanismo fisiológico de

quem recebe. A atitude dos usuários é abordada segundo seu aspecto cognitivo,

comportamental e afetivo, que devem apresentar coerência entre si. Para que se

tenha uma atitude em relação à um objeto, é necessário que se tenha alguma

representação cognitiva do objeto. Esta representação pode ser captada

quantitativamente através de Escalas de Atitudes, que consistem em instrumentos de

auto-avaliação, cujo objetivo é posicionar a pessoa num contínuo que varia desde a

atitude extremamente favorável à determinado objeto, até a atitude extremamente

desfavorável. Estas técnicas quantificam a importância de determinada variável do

Nível de Serviço em relação as demais e não propriamente o valor monetário destes

atributos.18

Já segundo o estudo The Demand for Public Transport , TRRL

(1980), vários motivos contribuem para a definição quantitativa. Entre eles pode-se

citar:

(a) os passageiros tendem naturalmente a identificar os aspectos da

viagem como sendo importantes quando a magnitude de sua variação é grande, por

exemplo, o tempo dentro do veículo é mais provavelmente julgado como importante

18 a aplicação das Escalas de Atitudes pode ser melhor analisada na pesquisa realizada por Faria (1985), onde foram analisadas a percepção dos usuários

quanto ao tempo de viagem, ao desempenho do sistema e ao conforto, nas cidades de Araraquara, Uberlândia e São Carlos.

106

quando é mais longo que o esperado, para o operador, entretanto, interessa saber o

efeito no comportamento dos passageiros de pequenas mudanças, mais fáceis de

fazer que grandes alterações;

(b) na definição de uma hierarquia entre diferentes fatores, o

passageiro tende a escolher baseando-se na possibilidade realística de melhoria em

cada atributo ou variável. Por exemplo, se a confiabilidade é colocada em primeiro

lugar, ele mentalmente compara a obtenção de um serviço completamente confiável

com pequenas mudanças nas tarifas. Entretanto, raros são os estudos que perguntam

ao usuário para relacionar melhorias nos atributos relacionadas a acréscimos ou

decréscimos correspondentes em outros como a freqüência ou tarifas;

(c) a aparente importância de um atributo pode não referir-se,

simplesmente, ao "tamanho" mas ao "valor" do atributo, por exemplo, o usuário pode

rejeitar um tempo de espera de dez minutos mais que uma viagem de mesma

duração, isto significa que, apesar do tempo físico ser o mesmo, a "valorização" do

tempo de espera é maior, geralmente o dobro;

(d) diferentes tipos de usuários estão relacionados à diferentes

importâncias de vários aspectos da qualidade. Deve haver uma correspondência,

neste caso, entre os estudos qualitativos e os valores ou magnitudes encontradas

pelos modelos quantitativos. Por exemplo, usuários de renda mais alta tendem a va-

lorizar mais a qualidade do serviço mensurado pelo tempo de viagem, enquanto que

os usuários de baixa renda atribuem um peso maior para o nível das tarifas que pode

ser mensurado pelo custo da viagem; os usuários que viajam regularmente entre a

moradia e o trabalho ou escola (commuters) valorizam o "não atraso" na viagem para

o trabalho, mensurado através do tempo de viagem e da confiabilidade; e

(e) em alguns casos, os usuários podem descrever um aspecto

particular como importante por causa do "conteúdo emocional" da palavra, como

"segurança", mesmo que este atributo contribua pouco para sua escolha no momento.

107

A relação entre demanda e níveis de conforto, particularmente

quando se trata da freqüência dos serviços e das tarifas, também tem sido aferida por

estudos que calculam a elasticidade entre estas variáveis e os níveis de demanda. A

elasticidade é um número que representa o impacto da variação em uma variável

independente em relação a uma variável dependente (é medida de sua sensibilidade,

portanto), geralmente a demanda por transporte. Se o valor for negativo, há uma

relação inversa entre as variáveis; se for positivo, uma relação direta. Por exemplo, se

a elasticidade da demanda em relação a tarifa (var. independente) for -0,3 então para

cada acréscimo de 1% nas tarifas a demanda diminuirá 0,3%. Também é utilizada

para descrever a relação entre a demanda, que pode ser representada

matematicamente por uma função, e fatores não ligados ao serviço, como a

propriedade de veículo particular ou o nível de renda do usuário. Quando ela relaciona

a demanda de um meio de transporte com atributos de outro modo, é denominada de

"elasticidade cruzada" (cross-elasticity), em relação ao um mesmo modo é chamada

de "elasticidade direta". A elasticidade descreve relações, sensibilidades mútuas,

porém não quantifica a "magnitude" ou o "peso" dos diversos atributos que compõe o

conforto, por exemplo.

Ainda em relação à mensurabilidade do conforto, outros estudos

atribuem arbitrariamente valores e rankings para definir o nível de serviço. Um deles é

o de Alter (1993), ao afirmar que a "densidade de passageiros" (lotação) pode ser

hierarquizada em 6 níveis distintos de serviço (qualidade), sendo que o ideal é a

proporção 1:1 entre número de assentos e passageiros, este é o nível A. Os demais

níveis dependem da qualidade do assento (estofados são melhores que assentos

"moldados") e de um índice de ocupação (m2/pessoa) que vai de 0,46 m2/pessoa para

o nível C; 0,18 a 0,46 m2/pess. para o nível D (até 110% da lotação sentada); 0,19 a

0,28 m2/pess. para o nível E (até 125% da lotação sentada); 0,19 m2/pess. ou menos

e para o nível F correspondendo, também, a até 125% da lotação de sentados. Este

autor, como os demais, também não propõe uma metodologia para obter-se o valor

108

monetário em si do atributo conforto medido pela importância que o passageiro atribui

aos diferentes níveis de lotação no veículo.

Em relação à variável tempo de viagem, tenta-se estabelecer o que

em média uma pessoa se dispõe a pagar pelo gasto de tempo. O valor a ser

considerado depende das circunstâncias particulares e das escolhas disponíveis para

o passageiro. Nas viagens por motivo trabalho, o valor é equivalente a 25% até 50%

do salário médio do usuário, enquanto que na viagem à negócios ou trabalho o valor é

igual ao salário por hora (TRRL, 1980). Este valor pode variar em períodos de pico,

quando é maior, e períodos fora do pico. Similarmente supõe-se que o valor do tempo

gasto em situações desconfortáveis como o tempo de espera ou viagens com

desconforto seja maior. O valor do tempo também é utilizado dentro dos Modelos

Gravitacionais, quando quer se determinar a "impedância" ou "custo generalizado", em

substituição à distância entre dois pontos, para demonstrar a resistência ao

deslocamento. Neste caso, o valor do tempo entra como uma variável independente

na função, como no exemplo simplificado abaixo:

CG = w1.c + w2.tv + w3.tE (3.6)

onde:

CG = Custo Generalizado, em valores monetários

c = custo direto de viagem (realização da viagem)

tv = tempo gasto dentro do veículo

tE = tempo total de espera e transferência

w1,w2 e w3 são os pesos (coeficientes) das variáveis

Nesta expressão, o parâmetro w2 seria igual ao custo atribuído a um

minuto do tempo do usuário (que ele estivesse disposto a pagar) e w3 igual ao dobro

de w2 (Novaes, 1986).

109

Segundo o Banco Mundial (Armstrong-Wright, 1986), nos estudos de

viabilidade econômica de diferentes sistemas, para os países ditos "em

desenvolvimento", o principal benefício para o usuário é o ganho de tempo nas via-

gens. Outros benefícios como a conveniência, conforto, segurança e a redução do

impacto ambiental necessitam ser considerados, mas para serem considerados

necessitam de estudos de viabilidade específicos. Neste caso, a magnitude dos

benefícios depende do número de passageiros e o valor definido para os ganhos de

tempo. Segundo este autor, algumas autoridades consideram que não se deve atribuir

um valor monetário ao tempo ganho em viagens que não sejam por motivo “negócio”,

enquanto outras sugerem que seja equivalente a 25% até 30% da renda ganha. Para

as viagens motivo-trabalho, sugere-se a adoção do valor do tempo com equivalência

integral à renda. O autor recomenda, por fim, que se adote um valor do tempo

equivalente a 50% dos salários médios.

Partindo desta suposição, Armstrong-Wright relaciona, com base nos

ganhos de tempo, qual seria a renda anual necessária por pessoa, onde o valor do

tempo ganho (com sistemas mais modernos) se equiparasse ao valor extra (tarifa) de

implantação e operação do novo sistema, por passageiro, por dia. A conclusão é de

que a cada dólar de aumento da tarifa (em viagens completas de 10 km), o valor do

tempo ganho proporcionalmente (considerando o valor de uma hora de viagem como

metade da renda no mesmo tempo), seria igual a US$ 1,00 para uma renda de US$

4.000/ano. Ou seja, para usuários até esta faixa de renda os ganhos líquidos seriam

nulos pois o custo adicional da nova tecnologia se igualaria ao tempo ganho, acima

desta renda os ganhos com a economia de tempo passam a ser maiores que os

aumentos proporcionais das tarifas. Em outro estudo do Banco Mundial, Armstrong-

Wright & Thiriez (1987), afirma-se que onde altas rendas induzem ao aumento da

utilização dos veículos privados, os usuários geralmente estão dispostos a pagar mais

por níveis de conforto, por outro lado, onde os usuários estão dispostos a sacrificar

conforto em troca de baixas tarifas, os serviços tendem a níveis inferiores de qualidade

110

Como conclusão da abordagem sobre o problema do Tempo e do

Conforto no Transporte Coletivo de passageiros pode-se afirmar que:

(a) estes atributos ou aspectos de uma viagem típica são

extremamente importantes, se considerada a função social e o transporte como um

bem público, pois representam maior ou menor qualidade de vida para o usuário, bem

como, influenciam na sua disposição para a produtividade a nível da produção

econômica e para o desempenho das demais atividades essenciais ao ser humano

como é o caso do tempo "roubado" ao convívio familiar, ao lazer, à cultura, etc.;

(b) a despeito de sua importância, raramente o planejamento do

transporte elaborado pelos técnicos, de um lado, e a compreensão do cidadão comum,

por outro, têm meios e capacidade para quantificá-los monetariamente com certa

precisão, pois em última instância, representam custos que são, na maioria das vezes,

socializados em detrimento daqueles usuários cativos do transporte público e em

benefício do transporte privado individual; e

(c) os modelos quantitativos tradicionais, as técnicas de pesquisa de

opinião e as teorias de transporte, ou arbitram seus valores, ou os consideram

somente a nível qualitativo (quando os consideram); se faz necessário, portanto, a

investigação de outras técnicas capazes de captar a percepção real do usuário e a

partir daí, reorientar a intervenção das políticas públicas e privadas no setor. A

utilização das técnicas de Preferência Declarada procuram preencher estas

necessidades.

III.3.6) Qualidade da vida e o Transporte Coletivo

Robbins (1979), afirmou que a locomoção e a mobilidade são, por

excelência, os "índices de vida civilizada". Também, que viajar era uma coisa boa em

111

si mesmo, o oposto das teses do "não-transporte". Robbins associou, assim, quali-

dade de vida com taxa de mobilidade: "... o modo como o transporte (ou os diferentes

modos de transporte) pode afetar, na prática, a qualidade de vida nas cidades. O

conceito de "qualidade de vida", de que muito se tem falado ultimamente, exige um

esclarecimento, a fim de se chegar a um consenso maior sobre a idéia que a

expressão encerra. Tentei demonstrar que a mobilidade, talvez melhor, a facilidade de

acesso, é um elemento importante"19

.

Passados quase vinte anos desta afirmação, o conceito de

"qualidade de vida" foi ampliado consideravelmente englobando um conjunto de

fatores associados geralmente à qualidade do meio ambiente, particularmente do meio

ambiente urbano. Segundo Balassiano et alii (1993), a qualidade de vida pode ser

influenciada por diversos fatores, depende da percepção individual das pessoas, do

ciclo de vida em que se encontram, de uma comunidade para outra, e de um grupo

ecológico para outro. Qualidade de vida poderia ser entendida, portanto, como a

resultante das condições materiais, culturais, espirituais e outras, que possibilitam, ou

ao menos favorecem, a conquista de um estado de bem estar geral. Assim, quanto

maior a qualidade de vida, maior os níveis de bem estar pessoal e coletivo.

O conceito tradicional que o aumento da mobilidade e acessibilidade

melhoram a qualidade de vida permanece válido. Porém uma abordagem mais

holística e globalizante permite ver, agora, uma série de "efeitos colaterais" da

melhoria do transporte, tais como: problemas à saúde, desconforto, irritação,

frustração, medo, intimidação, abalo psicológico, fadiga, exposição ao risco, perda de

vidas, atrasos, degradação ambiental, etc. Considerando que os diversos agentes

envolvidos no transporte mudam constantemente de papel no meio urbano (motoristas

se tornam passageiros eventuais, pedestres se tornam motoristas), gerando um

conflito permanente de interesses, é difícil estabelecer ganhos absolutos na qualidade

de vida na ótica do transporte. Estes autores propõe que a contribuição relativa à

19 ROBBINS, R. (1979). O Transporte Público e a Qualidade de Vida nas Cidades. Revista dos Transportes Públicos, ANTP, Ano 1, n. 4, São Paulo.

112

oferta de transportes na qualidade de vida seja o valor teórico obtido a partir da soma

de todas as externalidades positivas e negativas percebidas pela comunidade,

ponderadas pelo número de pessoas afetadas e pelo grau de sensibilidade das

mesmas em relação aos impactos verificados.

Caso se adote o raciocínio a partir do entendimento da qualidade de

vida como obtenção de níveis mais altos de satisfação e bem estar coletivos, e se for

considerado que não só os "impactos das externalidades" são importantes, mas os

efeitos que o transporte causa sobre seus próprios usuários diretamente, pode-se

complementar a argumentação com os efeitos "internalizados" no próprio sistema de

Transporte. Sob este modo de ver o problema, os atributos que expressam a

qualidade do serviço - como aqueles objeto desta dissertação - o tempo e o conforto,

passam a ser tão importantes quanto os efeitos "externos" para determinação da

qualidade de vida urbana.

Torna-se necessário, não só para renovar os tradicionais estudos de

custo/benefício nesta área, mas para avaliar precisamente os impactos "endógenos"

do transporte na qualidade de vida urbana, a utilização de metodologias baseadas no

comportamento dos indivíduos, que objetivem a quantificação das variações destes

atributos. Pode-se comparar, por exemplo, o valor que os usuários atribuem ao

conforto e estão dispostos a pagar para incrementá-lo, e o impacto quantitativo e

qualitativo positivo, nas condições gerais de qualidade de vida individual e coletiva.

113

CAPÍTULO IV

{ TC "CAPÍTULO IV" \f C \l "1" }

O TRANSPORTE COLETIVO URBANO EM PORTO ALEGRE{ TC

"O TRANSPORTE COLETIVO URBANO EM PORTO ALEGRE" \f C \l "1" }

IV.1) Consideração Iniciais.{ TC "IV.1) Consideração Iniciais." \f C

\l "2" }

Em 1900 Porto Alegre contava com 73 mil habitantes e um ativo

parque industrial que crescia em função do mercado próximo e da integração com o

mercado nacional. Em 1914 iniciava a construção do cais do porto, em 1940 é aberta

a avenida Farrapos e desde 1937 começam a ser construídas e pavimentadas as

principais estradas metropolitanas. A abertura da Av. Farrapos (já prevista pelo Plano

Maciel de 1914) foi particularmente importante, porque induziu a ocupação do eixo

norte da cidade e pela ligação com a BR-116, construída em 1938, propiciou me-

lhores condições para o uso industrial do solo lindeiro à via.

Na primeira metade deste século, diversas vias foram alargadas com

a Protásio Alves, Borges de Medeiros, Azenha e João Pessoa, outras foram

pavimentadas, Voluntários da Pátria, Lima e Silva e Demétrio Ribeiro, por exemplo. No

final deste período, as indústrias se deslocam, em função das cheias (1941), para o

Passo D'Areia (Assis Brasil), mantendo seu funcionamento ao longo do eixo norte.

Deve-se considerar que a cidade se pré-figura e estrutura-se, a partir do sistema

viário: um sistema de radiais em forma de leque e perimetrais, fazendo com que a

influência do desenho viário abrangesse (e definisse) toda a mancha urbana. Pela

ocupação peninsular original, não havia outra alternativa para a evolução viária e

114

urbana, não é por acaso que a 1a. Perimetral, executada nos anos setenta, tenha sido

prevista em 1858 pelo Eng. Heydtmann (Souza & Müller, 1978).

A evolução de Porto Alegre pode ser entendida nos argumentos de

Martin & Echenique (1975), a trama de ruas e parcelas que compõe uma cidade é

como uma rede situada ou fixada sobre o território. Isto pode ser denominado de "a

trama da urbanização". “Esta trama segue sendo o fator de controle da forma em que

nós a construímos, tanto se é artificial, regular e preconcebida, com orgânica e

distorcida, por acidentes históricos ou o crescimento natural. A forma que construímos

pode tanto limitar, como abrir novas possibilidades a forma na qual nós elegemos para

viver”. Segundo estes autores, a configuração da trama viária é uma espécie de

"tabuleiro" sobre o qual se estabelecem as regras do "jogo urbano". Resta à habilidade

dos jogadores (os Atores Sociais Urbanos), em tirar melhor proveito do traçado pré-

existente, seja ele ortogonal ou orgânico. Segundo os autores, a malha urbana em

condições ideais não deve significar uma restrição para a expansão urbana, por ex-

tensão do perímetro ou intensificação do uso do solo.

Porto Alegre parece confirmar a idéia do traçado como ordenador

urbano, principalmente se for considerado os primeiros caminhos radiais a partir da

península de ocupação central e inicial, ligando arraiais ao povoado, fluxos iniciais de

mercadorias e habitantes. Foi por estes eixos que a cidade se estruturou, e os ca-

minhos de então se tornaram os corredores urbanos, pólos horizontalizados na

cidade, onde a pressão por acesso aos mercados, verticalizou boa parte das

edificações, ao longo dos pólos iniciais da Azenha, 4o. Distrito, Assis Brasil, Baltazar

de Oliveira Garcia, Independência, etc...

A partir do pós-guerra, Porto Alegre consolida progressivamente

seu perfil metropolitano, a população que em 1950 era de 380 mil habitantes passa,

em 1960, para 626 mil, 885 mil em 1970 (auge da migração: 81% são migrantes), 1,1

milhão, em 1980, e em 1991, a Capital atinge 1,28 milhão de habitantes, diminuído o

115

ritmo de crescimento dos anos sessenta e setenta. É neste período que vão se

implantar ou readequar, face à demanda por moradia, as principais redes de infra-

estrutura e equipamentos urbanos. O sistema viário estende sua influência em áreas

ganhas ao rio, áreas saneadas e áreas interligadas, que antes eram de difícil acesso,

devido às condições topográficas. Foi nesta época que muitas indústrias começaram a

se expandir ao longo da BR-116, no eixo norte metropolitano, enquanto formavam-se

núcleos comerciais fortes na Assis Brasil.

A cidade se expandiu através de loteamentos quase sem a

interferência do Estado, muitos em lugares impróprios para moradia, com deficiência

de serviços de infra-estrutura urbana, inadequação da estrutura viária e precariedade

dos serviços de transporte. Ao longo dos anos 50, diversas leis de loteamentos (lei de

Porto Alegre data de 1954), encareceram o preço da terra urbana em Porto Alegre,

forçando a ocupação periférica pela população de baixa renda nos municípios

vizinhos, assim, a expansão a partir da metade dos anos cinqüenta aumenta na di-

reção leste-nordeste, em Viamão (Vila Passo do Feijó/Alvorada) e Gravataí (Distrito de

Cachoeirinha) (Carrion, 1989). O padrão de ocupação determinado pelo sistema viário

radial e pelas condições topográficas do sítio escolhido, marcou o tecido urbano com

grandes "vazios" desde o século XIX. Estes "vazios urbanos" ainda hoje são um

problema, particularmente para o sistema de transporte em algumas áreas da zona sul

da cidade, menos densamente povoadas. Segundo Oliveira et alii (1989), a área

central de Porto Alegre poderia abrigar até 60% da população de sua periferia, além

disto, deve-se reconhecer que os vazios urbanos não decorrem só de condições

topográficas-históricas, mas do processo de concentração e valorização fundiária: 1%

dos proprietários detém cerca de 50% dos Vazios Urbanos em Porto Alegre.

116

IV.2) Os Transportes e o Modelo Urbano{ TC "IV.2) Os

Transportes e o Modelo Urbano" \f C \l "2" }

O Transporte Coletivo em Porto Alegre iniciou com a primeira linha

de bonde com tração animal, em 1864, fazendo a ligação entre a atual Avenida João

Pessoa e o bairro Menino Deus, partia do aterro da Praça do Quartel (Praça

Argentina), seguia pela rua da Várzea (João Pessoa), Azenha, Botafogo, Getúlio

Vargas com terminal em frente à igreja Menino Deus (esq. da Getúlio Vargas com

José de Alencar). Em 1873 a concessão foi dada à Companhia Carris de Ferro

Portoalegrense e, em 1888, com quatro linhas, os bondes transportavam 40 mil

pessoas, mensalmente. Em 1906 os bondes passaram a ter tração elétrica e, em

1928, tem-se o primeiro decreto regulamentando o serviço de ônibus na capital, que

só vieram a superar os bondes definitivamente nos anos sessenta (Canton, 1993). Em

1963, 105 bondes transportavam 46% dos usuários e 800 ônibus e microônibus já

transportavam 54% da demanda existente. Dez anos após, em 1974, 66,5% das

viagens eram feitas por ônibus, 27,5% com automóvel privado, 1,56% táxis e 1,3% a

pé, os bondes já haviam passado para a memória da cidade desde o ano de 1970.

A expansão do sistema por ônibus atendia, sobretudo, as zonas mais

periféricas ou acidentadas, enquanto os bondes se limitavam às áreas mais centrais.

A ocupação periférica de zonas residenciais, que acompanhavam a intensificação da

industrialização, foi um dos principais fatores de expansão do ônibus na periferia, ao

longo do eixo Norte. Na Assis Brasil, este processo foi particularmente importante para

consolidação das moradias de baixa renda. Enquanto a frota de ônibus aumentava

cerca de 1.400% (1948/60) e surgiam 13 novos itinerários (1950/54), o maior número

117

de loteamentos residenciais em Porto Alegre ocorreu exatamente no mesmo período,

diminuindo com a Lei de Loteamentos de 1954 (Carrion, 1989).

Atualmente, diferentes modalidades de transporte operam em

Porto Alegre e em sua Região Metropolitana, pode-se classificá-las em dois tipos

básicos (Turkienicz et alii, 1994):

(a) sobre trilhos: o TRENSURB, trem metropolitano de superfície que

atende o eixo norte da RMPA, operando desde 1985, com capacidade para 300 mil

passageiros/dia atende atualmente uma demanda bem inferior. Futuramente a linha

atual será estendida até a cidade de São Leopoldo e há estudos iniciais para eventual

criação de um ramal ao nordeste ao longo da Assis Brasil; ainda há o Aeromóvel, que

trafega em via elevada e em trecho experimental com estudos para sua implantação

inicial ligando o Centro da cidade ao bairro Azenha para estimular o desenvolvimento

urbano na orla do rio próxima ao Centro e ao longo da Avenida Ipiranga, o projeto está

parada há anos por falta de recursos;

(b) sobre pneus: são dois sistemas operando no transporte coletivo:

ônibus e táxi-lotação. Este último tem funcionado como serviço ora alternativo, ora

complementar aos ônibus conforme as condições operacionais, hora do dia ou iti-

nerário, operam com veículos de 17 lugares e em condições de tráfego misto. Estima-

se que o sistema de Táxi-lotação possa transportar cerca de 2.000

pass./h/faixa/sentido de deslocamento. O sistema de ônibus tem itinerários,

freqüências, tarifas e condições operacionais determinadas e fiscalizadas pelo Poder

Concedente, a Administração Pública Municipal. Os ônibus operam de diversas formas

em relação ao direito de circulação viária. Em vários corredores radiais eles trafegam

com direito segregado de circulação. Estes corredores são obtidos com a introdução

de faixas exclusivas junto aos canteiros centrais das avenidas, como no caso das

cidades de Curitiba, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. A circulação dos ônibus fica

longitudinalmente separada dos demais veículos sobre rodas, os cruzamentos são em

118

nível e não existem barreiras físicas intransponíveis para os pedestres que atravessam

as avenidas. Como nos Corredores de ônibus das Avenidas Farrapos, Assis Brasil,

Protásio Alves, Bento Gonçalves, Érico Veríssimo e João Pessoa com cerca de 30

quilômetros de linhas. Particular destaque possuem os Corredores Farrapos (4,7 Km)

e Assis Brasil (4,9 Km) por possuírem velocidades operacionais elevadas - cerca de

19 e 21 Km/h - associadas a capacidades elevadas acima de 250 veículo por

hora/sentido no pico da tarde. O sistema de Porto Alegre realiza cerca de 610 mil

viagens mensais distribuídas em 245 linhas convencionais (radiais) mais 7 linhas

transversais e 1.500 veículos que percorrem cerca de 8,4 milhões de quilômetros

mensais transportando cerca de 25,3 milhões de passageiros/mês. A relação habi-

tante/automóvel é significativa, em 1991 havia 474 mil veículos registrados para 1,2

milhão de habitantes. A taxa de motorização no período 1970/1990 cresceu 387% em

Porto Alegre. A frota de veículos cresceu significativamente na capital, como pode-se

observar no gráfico a seguir

Gráfico 1

Evolução da Frota de Veículos em Porto Alegre{ TC "Gráfico

1 - Evolução da Frota de Veículos em Porto Alegre" \f E \l "1" }

119

Fonte: Turkienicz et alli (1994)

As duas tabelas a seguir mostram uma comparação geral entre o

transporte por ônibus e Lotação e a desproporção existente entre o transporte radial e

o transversal, em termos de oferta e demanda dos usuários.

Tabela 1 Serviço de ônibus e Lotação em Porto Alegre{ TC "Tabela 1

Serviço de ônibus e Lotação em Porto Alegre" \f F \l "1" }

Serviço\modo ônibus lotação

Empresas 15 277*

linhas 245 40

Viagens/dia 10.520 4.913

Pass./dia 1.034.720 53.630

Frota 1.450 403 Fonte: SMT/SECAR (1993) * número de permissões

Tabela 2 Oferta e Demanda de Transporte em Porto Alegre{ TC "Tabela 2

Oferta e Demanda de Transporte em Porto Alegre" \f F \l "1" }

120

Oferta-Demanda\linhas L.radiais L.transversais Oferta atual

90% 10%

Demanda atual

70% 30%

Taxa Cresc. a.a.

1,5% 5%

Fonte: PMPA, SMT/SECAR (1993)

A próxima tabela exemplifica a evolução da demanda nas linhas

transversais, desde 1988. De um modo geral, são as linhas que mais crescem na

cidade. Observa-se que a T1, T5 e T6, com influência no Eixo norte apresentam altas

taxas de crescimento anual.

Tabela 3 Evolução da demanda nas linhas Transversais{ TC "Tabela 3

Evolução da demanda nas linhas Transversais" \f F \l "1" }

linha 1989 1990 1991 1992 1993 T -0,7% 4,4% -9,4% -2,1% -2,2% T1 -4,4% -0,6% 3,8% 5,3% 0,8% T2 -2,8% 1,1% 4,4% 13,9% 7,2% T3 -2,6% 2,8% 3,7% 0,7% 1,8% T4 -3,9% 4,1% 4,1% -2,0% -2,2% T5 n.d. n.d. 36,5% 23,9% 11,2% T6 n.d. n.d. 14,1% 12,9% 6,2%

Fonte: Carris (1994)

Os projetos urbanísticos para Porto Alegre possuíram todos um

cunho viarista, seja na abertura de novas vias, na pavimentação ou em novas

soluções de tráfego, a preocupação com o aspecto da circulação urbana foi uma

constante. Assim foram as de Heydtman (1859), o "Plano de Melhoramentos" de

Maciel (1914) e o "Expediente Urbano" de Paiva (1943), Souza & Müller, (1978).

Todos eles tiveram um cunho setorializado, de caráter mais estético e higienista. Foi

121

somente com o Plano Diretor de 1959 (Lei 2.046), que se constituiu uma visão mais

globalizante da cidade. Entre outras políticas, o Plano de 1959 estabeleceu o zo-

neamento de uso (residencial, comercial e industrial), as reservas para áreas públicas,

definiu o sistema viário principal (radiais e perimetrais) e o regime urbanístico para os

loteamentos (altura, ocupação e aproveitamento). O Plano ficava restrito ao perímetro

fixado pela III Perimetral; mais tarde foram incorporadas outras regiões da cidade

como "anexos" ao Plano original.

Em 1979 surgia, a partir da reavaliação do Plano Diretor, o I Plano de

Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre (PDDU, 1980), pela Lei Complementar 43,

que aprofundou a linha normativa do plano anterior trazendo, subjacentemente, um

modelo de estruturação urbana baseado na multipolarização de atividades ou "modelo

policêntrico". Esta orientação teve conseqüências importantes para o sistema de

transportes na medida em que redistribuiu densidades e induziu novos traçados

viários que passaram a "transversalizar" os itinerários de transporte coletivo.

Os "Pólos de Comércio e Serviços" como foram chamados pelo I

PDDU são áreas territoriais que, pela predominância das atividades comerciais ou de

serviços, se caracterizam como espaços urbanos especializados no atendimento das

necessidades da população no seu raio de influência, ou da cidade em geral conforme

o grau de especialização de seus serviços. Entre as políticas de viabilização dos Pólos

(controle das edificações, implantação de serviços públicos, etc.), podemos identificar

a clara intencionalidade de implantar a rede viária e de transporte de forma a

proporcionar acesso adequado aos pólos, prescrevendo, inclusive, tráfego prioritário

de pedestres e estacionamentos em seu interior. Os Pólos poderiam ser ainda de

forma "linear" ou de "superfície".

Até aproximadamente 1940, o único pólo existente era o próprio

centro peninsular da cidade. A partir daí foram surgindo espontaneamente

aglomerações urbanas ao longo dos principais vias, os eixos radiais da cidade. Existia,

122

por parte do poder Executivo, a intenção de gerar efeitos aglomerativos

descentralizados, com resultados positivos sobre os custos das redes de infra-

estrutura mantidos pelo Poder Público, melhorar a qualidade de vida ao proporcionar

maior acessibilidade a bens e serviços, e tornar mais equilibrada a ocupação urbana,

equacionar melhor a expansão horizontal e a crescente verticalização central da ci-

dade. O I PDDU se propunha criar ou consolidar 35 pólos desta natureza. Muitos

locais já exerciam naturalmente certa polarização sobre o território, como é o caso da

Assis Brasil no trecho entre o Viaduto Obirici, o Centro Comercial e adjacências, ou a

Av. Azenha, por exemplo.

Em relação aos Transportes, antes do I PDDU já se elaboravam

estudos a partir do Grupo Executivo da Região Metropolitana (GERM) em convênio

com uma agência de cooperação alemã. Destes estudos resultou o Plano Diretor

Metropolitano (PDM) em 1973 que, a partir da inclusão do GEIPOT (Empresa

Brasileira de Planejamento dos Transportes), sinalizou as grandes linhas para o

Transporte Coletivo na Região Metropolitana. Em 1976, era concluído o Plano Diretor

Metropolitano de Transportes para a Região, o PLAMET, com Programas específicos:

o TRANSCOL, TRENSURB e COMET (PDM, 1973). O TRANSCOL definia o modelo

"tronco-alimentador" baseado em seis corredores de ônibus, oito linhas complementa-

res, sendo cinco transversais (T a T4), uma auxiliar, duas circulares e nove

alimentadoras de cabeceira dos corredores (terminal Bairro). As linhas transversais

interceptariam as radiais, e as circulares operariam na zona central. O TRENSURB

preconizava a criação de um modo de alta capacidade - metrô de superfície - na faixa

de domínio da antiga via férrea, para suprir a demanda do eixo norte com integração

modal nas estações, o que de fato quase inexiste passados dez anos do início da

operação. O COMET, COMET/PA (1981), tratava da implantação dos Corredores

Metropolitanos, que significava a extensão dos corredores da capital para os muni-

cípios fronteiriços. Outros projetos menores decorrentes do PLAMET foram o POI

(Projeto Operação Integrada, 1981) que implantava o modelo "tronco-alimentador"

123

somente no Corredor da Bento Gonçalves em 1982, desativado em 1987, e o

PRODESCOL, um incentivo fiscal para renovação da frota através do BRDE e com

isenção de ISSQN para os Operadores privados (Almeida,1990).

A última tentativa de Planejamento global de transportes em Porto

Alegre iniciou em 1986 através das pesquisas origem-destino (Pesquisas EDOM)

realizadas pelo Programa de "EBTU-BIRD IV" (SMT/SECAR, 1993). O principal

resultado efetivo deste Programa foi a sugestão para a implantação de três novas esta

última ainda não implantada. A extinção da EBTU, a partir de 1988, encerrou pre-

maturamente as atividades. Desde o Programa "EBTU-BIRD IV", as atividades de

linhas transversais, a T-5 (integrada com o Trensurb), a T-6 ligando o bairro Rubem

Berta com a Azenha e a T-7 ligando o Aeroporto ao Terminal Antônio de Carvalho,

Planejamento de Transportes (ou de Planejamento Urbano com ênfase em

Transportes) tem um caráter episódico e eventual, focalizando aspectos não menos

relevantes para o transporte, embora parciais e localizados como a racionalização de

itinerários em algumas regiões, melhoria dos sistemas de controle, refinamento do

cálculo tarifário, etc.

Estes Projetos e "princípios" de desenvolvimento urbano vêem

orientando a ação do Poder Público e condicionando a atuação dos Operadores

privados de transporte desde então. Não cabe aqui aprofundar o mérito destas

propostas, entretanto parece clara a dissociação, inclusive temporal, entre o "grande"

planejamento estratégico de transportes e o planejamento urbano-regional global da

cidade e RMPA. Alguns autores entendem que a orientação básica do PLAMET, como

pressuposto teórico e realização concreta através dos corredores de ônibus, reforçou

a estrutura urbano-metropolitana existente, ao utilizar, para os corredores de trans-

porte coletivo, os mesmos eixos viários historicamente mais carregados - o eixo norte

e as radiais, secundarizando, portanto, a utilização do transporte como indutor da

ocupação do espaço regional, como instrumento de planejamento urbano (Almeida,

124

1990). O PLAMET continha, segundo outros, uma tendência centralizante que foi con-

traposta pelos princípios descentralizadores do I PDDU (Pholmann, 1993).

Caso se faça um balanço dos resultados concretos do PLAMET,

quase vinte anos após sua elaboração, fica evidente que a maioria das propostas foi

implantada de maneira parcial, comprometendo o Planejamento realizado. Por

exemplo, a eficácia esperada na implantação das vias segregadas - os corredores -,

foi bastante reduzida pela não implementação do modelo "tronco/alimentador". Apesar

das vantagens evidentes20

, linhas paralelas e concorrentes, com terminal-bairro na

periferia, da cidade continuam se deslocando até o centro, saturando o sistema viário

e os próprios corredores, do eixo norte, além de obrigarem os usuários à transbordos

compulsórios no centro da cidade (20% dos usuários), e tempos excessivos de

viagem. Este problema contribui, também, para que o trem metropolitano mantenha

relativa ociosidade em relação à sua capacidade teórica, acarretando custos

operacionais elevados para um modal já subsidiado.

Além disso, outros fatores "externos" ao Sistema de Transporte

acabam influenciando negativamente no planejamento de transportes, tais como a

descontinuidade político-administrativa nos Governos, o desmonte da estrutura de

planejamento a nível federal, a crise financeira do Estado (déficit fiscal, endividamento

externo, descontrole administrativo), o complexo processo decisório entre as Pre-

feituras da RMPA em temas de comum interesse, etc.

Apesar desta breve avaliação apontar um saldo não tão favorável

para o resultado dos Planos de Transporte e sua influência na mudança do modelo

urbano monocêntrico, algumas medidas tiveram impactos significativos na qualidade

de vida urbana em Porto Alegre. Uma delas foi a implantação dos Corredores de

ônibus que vamos analisar mais detidamente no próximo segmento.

20 segundo Pholmann (1993) se os corredores não tivessem sido implantados a frota necessária para operar naqueles itinerários seria três vezes maior para

atender à demanda atual de passageiros.

125

IV.3) Os Corredores de Ônibus{ TC "IV.3) Os Corredores de

Ônibus" \f C \l "2" }

Normalmente as cidades originadas junto à barreiras físicas difíceis

de transpor, como rios e o mar, acabam consolidando uma forma espacial monocên-

trica, particularmente se a mancha urbana evolui a partir de uma península com foi o

caso de Porto Alegre. A ocupação inicial se consolida a partir de um centro de

negócios (mercado, alfândega, administração pública, etc.), a seguir, ao longo das

vias radializadas, na forma de um semi-círculo ou em leque, por exemplo. Na medida

em que a cidade cresce, segundo os padrões do Terceiro Mundo, a população de

baixa renda é induzida à ocupação residencial periférica e a indústria

progressivamente se descentraliza buscando maiores economias de aglomeração ao

longo dos principais eixos viários. Naturalmente, o crescimento do tráfego nestes eixos

impõe custos sociais crescentes até o ponto em que o transporte público passa a ser

priorizado através do direito reservado, segregado ou exclusivo de circulação na via.

Nos países “em desenvolvimento”, dada a reduzida capacidade de investimento do

Estado, as vias priorizadas em diferentes níveis para o modo rodoviário constituem

uma solução mais funcional, pois tem reduzidos custos de implantação e manutenção

se comparadas a substituição tecnológica pelos modos metro-ferroviários. Além disso,

com a implantação de medidas de sinalização apropriadas (semáforos autuados,

p.ex.), comboios ordenados ou veículos articulados de maior capacidade, o nível

suportável de demanda pode aumentar significativamente (ver seção III-3).

A implantação de linhas de transporte de massa, radiais, como os

corredores (vias de direito segregado de circulação), acaba cristalizando a forma

espacial monocêntrica, embora o efeito do transporte sobre o uso do solo seja lento e

difuso. Quando o processo de Planejamento de Transportes segue uma lógica

diferenciada do Planejamento Urbano e Regional, este efeito é acentuado.

126

Os impactos dos corredores urbanos de transporte de massa, se-

gundo a United Nations (1993), podem ser classificados em níveis distintos: para os

usuários, para os operadores, para os não-usuários, para o desenvolvimento urbano e

"outros impactos".

(a) Usuários: são os maiores beneficiários, particularmente os

usuários do transporte público. Apesar da redução substancial do tempo de viagem,

resultado do aumento da velocidade operacional, que em algumas cidades da América

do Norte e da Europa chega a 50% (VLTs), não há evidências de transferência modal

dos usuários de automóvel principalmente, entre outros fatores, pelo conforto e

conveniência do transporte privado;

(b) Operadores: o principal impacto é a redução da frota necessária

para operar com o mesmo intervalo entre paradas (headway). Há redução de custos e

também economias de escala pois veículos de maior capacidade podem ser utilizados,

bem como melhoria da freqüência e da confiabilidade do serviço. Em Porto Alegre, o

aumento da velocidade teria sido da ordem de 40%, enquanto que, em Belo Horizonte,

a redução de consumo de óleo diesel foi de 20% com a operação nos corredores;

(c) Não-Usuários: Os não-usuários dos corredores, particularmente

os proprietários de automóveis, têm sido beneficiados pelo aumento das velocidades

nas vias onde antes havia o tráfego misto; entretanto isto só tem acontecido efeti-

vamente quando os Corredores propiciam uma transferência real do transporte privado

para o transporte público. Nestes casos as limitações à circulação de automóveis têm

sido mais aceitáveis pela população, além do que a abertura de novas vias de acesso

às zonas centrais tem limites concretos na indisponibilidade de solo urbano. Um efeito

negativo, contudo, relacionado à melhoria da velocidade dentro e fora dos corredores,

é a diminuição das segurança para pedestres, especialmente na travessia da via,

considerando que os corredores são implantados (ou induzem) o uso intensivo do

solo, portanto, com concentração de pedestres. Outros problemas relacionados à

127

tecnologia utilizada são relativos à poluição atmosférica e sonora, que podem ser

minimizados com a eletrificação dos corredores (bondes e VLTs);

(d) desenvolvimento urbano: aqui estão envolvidos uma variedade de

efeitos sobre a cidade, mas basicamente os corredores melhoram o fator

acessibilidade que produz diretamente um incremento das atividades, seja na

concentração de atividades seja na sua dispersão ao longo da malha viária projetada

e existente. Alguns projetos de vias segregadas (LRT em Manila, p.ex.) têm provocado

intenso crescimento urbano ao longo de suas rotas e aproveitado a sobre-valorização

do solo urbano para seu próprio auto-financiamento.

(e) outros impactos: um dos efeitos sociais da melhoria da

acessibilidade, através das vias segregadas, é a elevação da taxa de mobilidade da

população de baixa renda que, de outra forma a não ser o transporte público, não teria

tal oportunidade. A melhoria da mobilidade se reveste de especial importância quando

diz respeito diretamente ao acesso aos locais de emprego e de educação. Outro efeito

diz respeito aos estímulos à indústria de transportes e de engenharia civil, já que a

tecnologia dos Corredores é relativamente universalizada, não requerendo maior

dependência do capital externo.

Algumas características dos Corredores são comuns a muitas

cidades de diferentes países. No caso de Porto Alegre, a partir das diretrizes do Plano

Nacional de Viação de 1973 (Lei 5.917), do PLAMET e TRANSCOL de 1976 (já vistos

neste trabalho), e das diretrizes de circulação do I PDDU de 1979, a Prefeitura

Municipal elaborou um Programa de Ação para transportes com as seguintes linhas

básicas: racionalização do uso do sistema viário, racionalização do sistema de

transportes, restrições ao uso do veículo particular e redistribuição temporal da

demanda. A implantação dos Corredores foi o exemplo mais concreto destas políticas

(Transporte e Uso do Solo, 1981).

128

O projeto inicial dos Corredores (também chamados de Pré-

Corredores), em Porto Alegre, continha características que nunca foram executadas,

tais como, (SMT, 1980):

* terminais de bairro definidos por áreas com tratamento físico

especial, de forma a permitir a integração das linhas principais com as linhas alimenta-

doras de cabeceira;

* pontos de parada localizados ao longo dos corredores, permitindo a

transferência dos passageiros para as linhas complementares (transversais, auxiliares

e alimentadoras);

* frota de coletivos de maior capacidade, de 102 lugares;

* operação do eixo por uma única empresa concessionária

Apesar destas medidas não terem sido implementadas na sua

totalidade, os Corredores Urbanos transportam grande quantidade de passageiros

como está demonstrado na tabela a seguir:

Tabela 4 Corredores de ônibus em Porto{ TC "Tabela 4 Corredores de

ônibus em Porto Alegre" \f F \l "1" } Alegre1

Corredor Extensão(Km) Pass./dia Assis Brasil 4,9 370.000 Farrapos 4,7 310.000 João Pessoa 1,4 190.000 Protásio Alves

5,7 150.000

Bento Gonçalves

6,7 110.000

Total 23,4 1.130.0002

Fonte: SMT/SECAR (1993) 1 no pico da manhã em 1989 (Fonte: SMT/PMPA) 2 deve-se considerar a superposição de passageiros em alguns corredores complementares (Farrapos/A.Brasil,p.ex.)

129

Apesar da existência de poucos levantamentos a posteriori à

implantação dos corredores e de alguns dados existentes contraditórios, pode-se dizer

seguramente que a experiência de Porto Alegre foi bem sucedida, contribuindo com a

redução do tempo de viagem e aumento da confiabilidade para parte significativa dos

usuários e reforçando, a nível espacial, a consolidação de "pólos lineares". Embora

seja difícil afirmar com precisão, os efeitos benéficos dos corredores parecem ter

superado os eventuais impactos negativos na estrutura urbana (reforço da

"radialização").

130

CAPÍTULO V

{ TC "CAPÍTULO V" \f C \l "1" }

A MODELAGEM URBANA, O CASO DOS TRANSPORTES{ TC "A

MODELAGEM URBANA, O CASO DOS TRANSPORTES" \f C \l "1" }

V.1) Considerações Iniciais{ TC "V.1) Considerações Iniciais" \f C

\l "2" }

O objetivo deste capítulo é fornecer elementos teóricos para uma

compreensão geral sobre a problemática do uso de modelos em Planejamento

Urbano, e segundo o escopo deste trabalho, especialmente, em Planejamento de

Transportes. Não pretende-se esgotar a complexa controvérsia acerca dos

pressupostos teóricos e metodológicos que envolvem a modelagem urbana e de

transportes. Propõe-se fornecer uma "visão geral", suficiente para a compreensão

mais ampla da utilização dos Modelos Comportamentais Desagregados em Transporte

em cuja abrangência se enquadram as Técnicas de Preferência Declarada (Stated

Preference).

Há, na literatura urbana, diversas caracterizações sobre o que são e

quais as funções dos modelos. Segundo Reif (1978), os modelos podem se

entendidos simplesmente como uma representação do nosso nível de conhecimento

de uma situação concreta correspondente. Esta situação pode ser um objeto, um

acontecimento, um processo ou um sistema. Assim, a criação de um modelo supõe

uma redução do grau de variabilidade, desde o nível máximo correspondente a um

sistema real sobre o qual se constrói um modelo ao nível muito menor do próprio mo-

delo. Só são representados, no modelo, os aspectos ou propriedades relevantes da

131

situação real. A condição de relevância depende fundamentalmente dos objetivos, da

intencionalidade do pesquisador e de suas condições de observação.

Hagget e Chorley (1971) definem os modelos como aproximações

seletivas que, graças a eliminação de detalhes episódicos e circunstanciais, permitem

apreender de forma global alguns aspectos fundamentais, relevantes ou interessantes

do mundo real.

Segundo Echenique (1975), se supõe que a realidade pode ser

conhecida através de processos de observação e abstração, mas estes processos são

subjetivos na medida em que o observador - ao fazer suas observações - possui

certas intenções e usa seus próprios sentidos para avaliar a realidade. Ou seja,

supõe-se a existência de uma única realidade totalizante e intrínseca e diversas

"realidades" parciais que dependem de cada observador e suas intenções. Os

problemas para os quais se desenha um modelo determinam as caraterísticas parciais

a serem escolhidas, neste caso a própria escolha do objeto de estudo também revela

uma intencionalidade do observador.

Um modelo deve ser suficientemente simples para sua manipulação

e compreensão por parte de quem o usa, suficientemente representativo em toda

gama de implicações que possa ter e suficientemente complexo para representar fiel-

mente o sistema estudado (Chorafas, 1965 apud Echenique, 1975).

A respeito das funções dos modelos Reif (1978) e Echenique (1975),

baseando-se em Hagget e Chorley (1971), sistematizam da seguinte forma:

(a) função psicológica: ao possibilitar a visualização e compreensão

de determinados grupos de fenômenos que não são abordados de outro modo por

causa de sua complexidade ou magnitude;

(b) função de assimilação/aquisitiva: o modelo fornece um marco de

referência estrutural em que se pode definir, recolher e ordenar uma grande

quantidade de informações;

132

(c) função lógica: ao contribuir para explicar a mecânica de

funcionamento de um fenômeno concreto;

(d) função normativa: no sentido de que proporciona uma visão da

realidade possível de ser comparada com outros fenômenos mais familiares ou

conhecidos.

Ainda pode-se atribuir uma função de: sistematização - visão da

realidade como sistemas interconectados; cognocitiva -, ao promover a comunicação

de teorias e idéias científicas e finalmente, uma função construtiva - ao se constituírem

em pontos de apoio nos processos de elaboração de leis e teorias.

Quanto à classificação dos tipos de modelos, Echenique (1975)

sugere uma sistematização ampla, utilizada também por outros autores. Os modelos

podem ser classificados segundo três condições: (a) segundo a finalidade que são

produzidos, (b) segundo os meios com os quais é produzido e (c) segundo o

tratamento do fator tempo.

A primeira condição estabelece os modelos descritivos, preditivos,

exploratórios e de planejamento. Os descritivos são fundamentais para os demais,

procuram explicar o fenômeno como ele acontece, suas interações mais relevantes.

Os preditivos procuram estabelecer uma imagem futura do sistema, podendo ser

extrapolativos (prolongamento da tendência atual) e condicionais (relações de causa e

efeito). Os exploratórios procuram predizer situações futuras pela manipulação das va-

riáveis básicas dos modelos descritivos. Os modelos de planejamento utilizam

instrumentos analógicos que simulam os efeitos no sistema de diferentes decisões

sobre suas variáveis, por exemplo, a localização de indústrias visando minimizar os

custos com transporte de matéria prima, onde o custo de transporte é uma variável

relevante. Nos modelos de Planejamento busca-se geralmente uma solução ótima

para as equações, sob certas condições ou restrições.

133

A segunda condição - os meios de construção de modelos - divide os

modelos em Modelos Físicos e Conceituais. Os Modelos Físicos representam as

características físicas da realidade por meio das próprias características ou análogas.

Eles se subdividem, então, em modelos icônicos, em que as propriedades físicas são

representadas simplesmente pela mudança (redução) de escala e os modelos

analógicos, em que as propriedades físicas são representadas por outras

propriedades mediante certos processos de transformação, como os gráficos ou a

representação de um sistema elétrico por um sistema hidráulico. Já nos modelos

conceituais as propriedades do fenômeno observado são representadas por conceitos

lingüísticos - no caso dos modelos verbais - ou por conceitos simbólicos - como é o

caso dos modelos matemáticos que, por sua vez, poderiam ser subdivididos, quanto

ao seu caráter probabilístico, em determinísticos ou estocásticos.

O modelo Conceitual Simbólico ou Matemático, segundo Reif (1978),

"consiste em um grupo de equações cuja solução explica ou prediz mudanças no

estado do sistema...são de grande importância no planejamento urbano e regional, em

particular porque são muito abstratos, facilmente manejáveis e precisos do ponto de

vista da informação que produzem".

A terceira, e última, condição diz respeito ao tratamento do fator

tempo. Nesta ótica, os modelos podem ser divididos em estáticos e dinâmicos. Os

estáticos representam as relações entre as variáveis endógenas e exógenas num

determinado instante temporal, enquanto que os dinâmicos procuram captar a

evolução temporal das variáveis e suas interações.

V.2) Os Modelos em Planejamento Urbano{ TC "V.2) Os Modelos

em Planejamento Urbano" \f C \l "2" }

134

A maioria dos Modelos estão baseados na Teoria dos Sistemas21

,

isto é, a utilização de modelos na abordagem do fenômeno urbano se dá a partir da

introdução de métodos sistêmicos no âmbito do planejamento urbano e os modelos

matemáticos como representação do funcionamento e comportamento do Sistema

Urbano e seus conexos subsistemas (de Transporte, Econômico, Populacional, etc.).

O paradigma sistêmico orienta, por um lado, a incorporação de conceitos da

cibernética na fundamentação do planejamento, fundada na noção de controle e auto-

regulação do Sistema Urbano (a cidade) e, por outro lado, como base da concepção

do processo de planejamento, programas e políticas. O enfoque sistêmico objetiva a

determinação da localização mais adequada para as atividades urbanas consideradas

as demais, sendo que todas as atividades podem ser agregadas, desagregadas e

inter-conectadas sistemicamente (Mota, 1983).

Segundo sua base teórica, os modelos urbanos podem ser

classificados em modelos de enfoque Econômico ou modelos de Comportamento,

Macro-enfoque ou Física Social e enfoque de Simulação (Echenique, 1975).

Os de enfoque econômico/comportamental introduzem os elementos

teóricos da Economia Neoclássica na explicação dos fenômenos urbanos; os de

enfoque com base na física social derivam da analogia à física e pretendem explicar o

comportamento de grupos de pessoas no meio urbano; já os de simulação "explicam"

diretamente os fenômenos como uma "hipótese desenhada para adequar-se a dados

experimentais".

Os modelos econômicos ou comportamentais têm como pedra

angular os custos de transporte. Aqui se inserem os trabalhos pioneiros de Von

Thünen, Weber, Christaller, Lösch, Wingo e Alonso já analisados nesta dissertação.

Os problemas conceituais do primeiro enfoque dizem respeito aos

mesmos problemas encontrados nas premissas teóricas que os embasam, a

21 para aprofundar a contribuição da Teoria de Sistemas ao Planejamento Urbano consultar a I Parte do livro de Benjamin Reif (1978), pág. 21 a 86.

135

economia neoclássica, particularmente o pressuposto da racionalidade do consumidor

e da existência de mercados em concorrência perfeita. Echenique critica também a

natureza "metafísica de circularidade" do conceito de utilidade, mas reconhece que, do

ponto de vista teórico, este enfoque é o mais coerente para a explicação do

comportamento individual. As críticas aos modelos urbanos econômicos foram

aprofundadas no Capítulo II em relação às Teorias de Localização.

O enfoque da "física social", como o nome revela, deriva das

analogias às ciência físicas e à mecânica newtoniana. Esta linha, muito criticada por

seu "mecanicismo", parte da hipótese geral de que se um fenômeno físico tem certos

atributos similares a um fenômeno social, é possível que outros atributos também

sejam similares. O melhor exemplo são os modelos gravitacionais que relacionam o

fluxo de passageiros entre duas zonas (Fij) como diretamente proporcionais à

população das zonas (Pi e Pj) - a massa - e inversamente à distância (dij), tal qual a

Lei da Gravidade da física newtoniana. A forma geral de representação simbólica

destas relação é a seguinte:

Fij = k Ai.Aj / cij. β (5.1)

onde:

Fij = fluxo entre a zona i e j

Ai = atividade localizada em i

cij = custo de transporte

k = constante de proporcionalidade (parâmetro)

β = parâmetro que indica a "impedância" do custo de viajar

Outro conceito utilizado é o da "maximização da entropia". O modelo

procura maximizar a entropia de um sistema, restrita às informações disponíveis sobre

o mesmo; a entropia é uma "medida de incerteza" probabilística.

136

Os modelos Urbanos podem se diferenciar também, quanto ao nível

de agregação. Um primeiro nível de desagregação estabelece que o sistema total

pode ser subdividido em diversas atividades humanas e estoques espaciais, onde elas

se realizam, bem como, as relações entre estas duas grandezas. Um segundo nível de

desagregação está relacionado com a possibilidade de divisão das atividades em

"localizadas" e "fluxos". Cada tipo teria seu estoque espacial apropriado, tais com

edificações (estudo, trabalho, residência) ou o sistema viário (deslocamentos

urbanos). Neste nível, se encontram os modelos de transportes que procuram predizer

os fluxos futuros entre duas zonas ou atividades.

Um terceiro nível de desagregação subdivide as atividades

"localizadas" em diferentes tipos e estabelece uma relação entre elas. Os modelos de

acessibilidade entram neste nível, ao vincular localização de empregos à zonas

residenciais, como faz o modelo de Lowry (1964). Este modelo estabelece que dada

uma localização do emprego básico (exportador de bens para fora do sistema) é

possível prever a distribuição de residências e na seqüência, dos serviços, até que se

estabeleça o equilíbrio entre empregos industriais, residências e serviços. A forma

funcional geral (equação) é similar a anterior.

As relações entre a configuração espacial e a funcionalidade de

determinada zona urbana são modeladas, também, segundo o enfoque metodológico

conhecido como "Sintaxe Urbana", conforme proposta por Hillier (apud Silveira, 1994).

Os modelos de acessibilidade, sob este enfoque, são construídos a partir da análise

dos eixos viários em sua dimensão longitudinal, isto é‚ uma análise axial. Outra

dimensão analisada, em espaços localizados, são as larguras, denominada análise

da convexidade.

Parte-se do sistema viário para constituir um "mapa de axialidades",

compondo a configuração dos diversos eixos viários da cidade. O modelo concebe

esta "rede de eixos" através de indicadores quantitativos, tais como: a conectividade, o

137

controle local, a escolha global e a integração. Tais medidas se aplicam ao eixo na

sua totalidade, ou aos espaços localizados em seu entorno. A "conectividade",

representa o número de conexões do eixo com os demais, revelando a dimensão de

sua acessibilidade na configuração urbana. O "controle local" é um indicador da

atratividade do eixo em relação aos demais, na medida em que representa a

probabilidade de acesso dos eixos vizinhos ao eixo considerado. A "escolha global" é

o número de vezes que um eixo serve de passagem considerando as ligações entre

todos os eixos da rede, revela o grau de utilização do eixo e também sua

acessibilidade (uso). E a medida de "integração" representa a acessibilidade de

espaços específicos em relação aos demais, é calculada com base no número de

espaços existentes no entorno do eixo considerado.

O resultado do modelo é a relação quantitativa entre estas medidas,

ou "índices de configuração da rede" (variável explicativa), e indicadores de uso do

solo (variável dependente).

Sem dúvida, os modelos matemáticos no Planejamento Urbano são

dominados pelos modelos ditos "de interação espacial", ou modelos gravitacionais.

Eles podem ser "duplamente restritos", quando supõem conhecidos o total de

deslocamentos originados e terminados em cada zona e estimam a distribuição destes

deslocamentos para cada par de zona, ou "simplesmente restritos", quando visam

distribuir o total de viagens com destino a uma zona nas zonas de origem (atração

restrita) ou visam distribuir o total de viagens com origem numa zona nas zona de

destino (produção restrita). A distância é o princípio ordenador da estrutura urbana

(Mota, 1983). Diversos sub-modelos parciais derivam deste macro-enfoque: modelos

de localização residencial, localização industrial, etc.

Há porém, modelos gerais, como o de Lowry (1964) ou de Forrester

(1969). O modelo de Lowry é constituído por subsistemas, cada um possuindo seus

próprios parâmetros, variações e restrições e dirigidos para um estado de equilíbrio.

138

As variáveis fundamentais são: empregos básicos (industriais), sistema de transporte

e crescimento da população. Os "inputs" (as entradas) são geradas pelo setor básico

exógeno ao modelo (indústria), pela distribuição dos setores de serviços e residencial

(endógena). O "output" (a saída), é a redistribuição das localizações derivadas dos

dados de transporte, em dados de distância, pois o tempo de percurso é ignorado,

sendo definido por meio do cálculo da interdependência entre residências e empregos

de serviços (magnitude e localização de ambas). O modelo avalia o potencial de cada

localização como residencial ou lugar de serviços. As restrições são dadas pelas limi-

tações legais. No modelo as condições topológicas ou sociológicas são praticamente

ignoradas, as zonas, áreas ou distritos são arbitrados através de uma mera "malha

quadriculada", traçada sobre o território isomórfico. Alguns autores classificam o

modelo de Lowry como o mais representativo dos modelos de primeira geração

entendidos com "instrumentos de realimentação", (Blikstein, 1983).

Os modelos de segunda geração são entendidos como "instrumentos

de pré-alimentação". São apoiados em atividades modeladas e suas in-

terdependências numa única estrutura, como modelos dinâmicos (e não de equilíbrio

estático), e as restrições de regulação e faseamento são integradas aos modelos. O

modelo que mais exemplifica estas características é o "Industrial Dynamics" e o

"Urban Dynamics" de Forrester (1969), que descreve uma visão macro-econômica

sobre o crescimento, estagnação e decadência das cidades ao longo do tempo. Para

Forrester a cidade é um sistema fechado determinado pela evolução de três

componentes principais: indústrias, moradias e população. Ele descreve um ciclo de

vida de 250 anos para uma cidade, supondo a existência de um equilíbrio dinâmico

entre as várias atividades. Seu objetivo é indicar como e quando se pode interferir

para evitar a estagnação e a decadência, por exemplo, através de programas de

"renovação" urbana, geração de empregos, etc.

A modelagem urbana vem contribuindo desde os anos sessenta,

especialmente, para resolver problemas cuja solução no passado era

139

fundamentalmente baseada na experiência e intuição dos técnicos e planejadores

urbanos. Embora não sejam decisivos para o processo de Planejamento, ajudam a

compreender os fatores que influenciam a evolução da estrutura urbana e do uso do

solo, servem como testes para avaliação dos resultados esperados e realizados no

Planejamento Urbano e ampliam a confiabilidade das políticas prognosticadas para a

cidade (Reif, 1978).

Segundo Krafta (1993), os modelos em planejamento urbano, sob o

enfoque sistêmico, tem sido utilizados como forma de introduzir maior rigor e

qualidade analítica e avaliativa. A modelagem tem sido, assim, um meio para tornar

inteligível o fenômeno urbano complexo, através da representação formal de variáveis,

relações e processos, dos “mecanismos que sustentam e alteram a cidade moderna”.

Este autor sugere a utilização de modelos numérico como verdadeiros “projeto de

cidade”, diminuindo a importância dos planos prescritivos tradicionais, como o são a

maioria dos Planos Diretores urbanos. Os modelos, neste caso, podem propiciar o

controle contínuo das variáveis urbanas, da avaliação dos impactos, no

monitoramento e simulações das situações sociais, econômicas e urbanas. Uma das

principais vantagens dos recursos aportados pela modelagem urbana seria a

eliminação do hiato existente, no processo convencional de planejamento, entre o

momento da institucionalização do plano e um outro, idealizado, de sua realização

efetiva e concreta.

Deve-se, entretanto, perceber que os modelos baseados no enfoque

sistêmico, parcial ou geral, se preocupam muito mais em analisar o comportamento

dos fenômenos urbanos, suas regularidades e interações, e menos em compreender

porque ocorrem tais fenômenos, como se constitui o processo de decisão, ou seja, as

relações de poder entre os diversos atores sociais no meio urbano. Estes são seus

maiores limites .

140

V.3) Os Modelos em Transporte{ TC "V.3) Os Modelos em

Transporte" \f C \l "2" }

Novaes (1986) entende o conceito de modelo como "um enfoque

bem definido e consistente, um quadro bem estruturado, que possa ser justificado com

o apoio de alguma teoria ou de princípios técnico-econômicos universalmente aceitos".

Partindo desta concepção do termo o autor classifica os modelos de transportes em

três categorias principais:

(a) modelos convencionais empíricos: são os modelos mais

tradicionais utilizados em Transportes, chamados de "modelos de quatro etapas" ou

MUT (Modelo de Uso do Solo e Transportes). Constituídos geralmente por quatro sub-

modelos aplicados seqüencialmente: geração de viagens (atração e produção),

distribuição, divisão modal e alocação dos fluxos à rede de transportes;

(b) modelos comportamentais: trabalham com fatores

motivacionais dos usuários em relação aos atributos (que compõe o nível de serviço)

dos sistemas de transporte. Vão além do aspecto descritivo-normativo dos modelos

anteriores e procuram saber o processo de decisão do usuário de transporte. As

relações básicas no processo de decisão são enfocadas a partir da teoria

Microeconômica do consumidor, associada ao conceito de utilidade (vista no Cap. III).

Os modelos comportamentais podem ser simples ou encadeados; desdobram as

decisões do usuário de modo a construir uma "arvore" de decisões seqüenciais:

primeiro o usuário decide fazer ou não a viagem, fazendo a viagem opta pelo modo,

depois pelo destino, depois pelas variáveis do serviço oferecido, e assim por diante;

141

com um pequeno número de variáveis obtém-se grande variedade de combinações,

por isso, os modelos comportamentais encadeados são compostos de vários sub-

modelos seqüenciais, supondo uma estrutura hierárquica de decisão em "cascata",

cada "passo" do usuário corresponde a um modelo específico;

(c) modelos atitudinais: procuram captar as reações dos usuários

não compreendidas pelos modelos anteriores. Partem da suposição que as atitudes

concretas dos indivíduos nem sempre traduzem corretamente os seus comporta-

mentos, ou seja, ocorre a interferência de inúmeros e complexos fatores subjetivos

ligados à percepção ou aspectos culturais, psicológicos, hábitos consolidados, etc. Os

modelos atitudinais, ao contrário de invalidar os esquemas racionais de decisão

(suposição nos modelos comportamentais), complementam este processo na medida

em que identificam estes fatores subjetivos, auxiliares na decisão. Os dados são

obtidos com entrevistas diretas através de questionários detalhados de modo a captar

(quantificar, inclusive) o sentimento, as preferências e a percepção do usuário em

relação à características existentes do transporte. Estes modelos servem também para

instrumentalizar campanhas de imagem sobre alterações no serviço, como sistemas

integrados ou novas tecnologias, analisam e comparam as variáveis comportamentais,

e as atitudes para comprovar ou não a coerência entre estes dois fatores.

Até o final dos anos setenta, os modelos convencionais tinham sido

aplicados em mais de 350 áreas metropolitanas em todo o mundo (GEIPOT/MIT,

1982). As principais etapas destes modelos convencionais, também chamados de

"primeira geração", são as seguintes:

(a) Geração de Viagens: a área urbana é dividida em zonas e a cada

uma são atribuídas características sócio-econômicas, de transportes e uso do solo

homogêneas. Normalmente o modelo de geração é constituído por uma ou mais

equações que procuram explicar o número de viagens por unidade de tempo geradas

142

(produzidas e atraídas) em determinada zona. Isto é obtido através de uma função do

tipo:

Fi = f( Si, Usi) (5.2)

Onde:

Fi = fluxo gerado na zona "i";

Si = variáveis sócio-econômicas;

USi = características de uso do solo;

Os coeficientes para as variáveis independentes desta função são

obtidos por meio do método estatístico denominado Análise de Regressão (Múltipla),

que procura predizer o valor de uma variável dadas outras variáveis associadas.

Os limites dos modelos de geração de viagens são os seguintes: as

previsões independem da existência, da qualidade e do nível dos serviços oferecidos

(GEIPOT/MIT, 1982), tem natureza estática e não incorporam o resultado dos impac-

tos das intervenções do poder público nos transportes como as vias segregadas, a

melhoria do conforto ou as restrições ao automóvel (Novaes, 1986). Um exemplo

simples de modelo de geração de viagens, é o que foi utilizado na avaliação da

implantação do metrô do Rio de Janeiro (Mello, 1975):

Yi = 9058 +0,4663x1i +2,2817x2i + 1,6221x3i +3,9380x4i (5.3)

onde x1i é a população, x2i empregos no comércio e serviços, x3i

empregos industriais e x4i matrículas escolares, todas variáveis da zona "i", e Y

representa o total de viagens geradas na zona Y, por período de tempo.

(b) distribuição espacial de viagens: definida a matriz de viagens

(matriz Fij), a partir dos modelos de geração, é feita a distribuição dos volumes de

tráfego entre cada zona de origem e as demais. Há vários tipos de modelos e métodos

143

para obter-se a distribuição de viagens estimada. Alguns se baseiam em Fatores de

Expansão ou Crescimento, representados pelos métodos Fratar, Detroit, Fator Médio

ou Fator Uniforme (distribuição do tipo heurístico). Há também métodos mais

convencionais, como o modelo de gravidade, que pode ser calibrado também por

Análise de Regressão. O denominador da equação dos modelos de gravidade pode

ser a distância entre duas zonas, o tempo de viagem, o custo ou funções compostas

denominadas de impedância, custo generalizado, etc. Um exemplo simples de modelo

gravitacional para estimar a distribuição de viagens é o seguinte (Mello, 1975):

Tij = 0,34 (Pi . Pj)0,61 / (Dij)1,72 (5.4)

onde Tij é o tráfego diário médio de veículos entre duas cidades, Pi e

Pj é a população das duas cidades e Dij a distância que as separa.

(c) divisão ou repartição modal: estes modelos objetivam desagregar

as viagens entre cada para de zonas nos diversos modais de transporte. As funções

logística e logit são utilizadas em modelos de divisão modal, e os coeficientes obtidos

por Regressão Múltipla, onde o custo generalizado, o tempo de deslocamento ou

variáveis sócio-econômicas poderão ser as variáveis independentes no modelo.

Um exemplo de modelo de divisão modal pode ser encontrado em

Novaes, 1986:

PO / PA = exp [ a0 + a1 (CO

- CA

)] (5.5)

onde:

PO = passageiros que optam por ônibus;

PA = passageiros que optam por automóvel;

a0 , a1 = parâmetros obtidos por calibração;

CO = custo generalizado do modo ônibus;

CA = custo generalizado do modo automóvel.

144

A calibração de um modelo de divisão modal, representado por uma

função logística, pode ser feita por Regressão Linear, aplicando-se logaritmos

neperianos à expressão anterior.

(d) alocação de tráfego: definida a geração de viagens em cada

zona, sua distribuição entre todas as zonas, a repartição modal, o próximo passo será

a alocação dos fluxos às redes de transportes. Os modelos neste último estágio consi-

deram basicamente duas variáveis, o tempo (e/ou custo) de deslocamento para cada

caminho e a capacidade das ligações. Segundo Novaes (1986), o critério para excluir

caminhos sem interesse para alocação do fluxo é o de garantir o decréscimo

sistemático do custo generalizado faltante até a zona de destino.

Nos últimos anos, tentativas para tornar os modelos convencionais

mais flexíveis e realísticos têm combinado técnicas típicas dos modelos

desagregados. A introdução de um mecanismo de retro-alimentação para permitir

captar dinamicamente as mudanças no uso do solo, e técnicas de estimação e ca-

libração dos modelos comportamentais, são alguns exemplos destas tentativas.

Segundo Ortúzar & Willumsen (1990), os modelos podem ser

definidos como simples representações de partes do mundo real que são objetos de

interesse e que contém elementos considerados importantes pelo analista, de acordo

com seu ponto de vista particular. O processo de modelagem depende da base teórica

adotada, particularmente a interpretação de seus resultados, por exemplo, formas

similares de modelos gravitacionais podem ser derivadas de acordo com a analogia à

física, de acordo com o enfoque da máxima entropia ou da teoria da utilidade,

dependendo da base teórica que se adote.

Ao utilizar variáveis dependentes (ou exógenas) dadas certas

variáveis independentes (ou explicativas), as técnicas adotadas para a coleta e

sistematização dos dados para cada tipo de variável determina a relevância e a

complexidade do modelo. Questões como a definição dos grupos ou segmentos da

145

população que serão trabalhados, o nível de detalhe utilizado na mensuração de

certas variáveis, e o detalhamento dos fatores espaciais (origem/destino) na definição

do comportamento dos usuários, devem ser considerados.

Os modelos em transporte podem ser classificados, também,

segundo o nível de agregação dos dados. Os modelos de primeira geração (modelos

convencionais: 4 etapas, elasticidades, etc.) geralmente apresentam variáveis com

certo nível de agregação. Já os modelos de segunda geração (modelos de escolha

discreta, comportamentais) trabalham com informações desagregadas a nível do

indivíduo. Os modelos de primeira geração foram utilizados até o final dos anos

setenta, e não raro, o nível de agregação significava resultados válidos para popu-

lações inteiras indiscriminadamente. Já os modelos desagregados, que surgiram e se

disseminaram a partir dos anos oitenta, apresentaram vantagens no estudo e

modelagem na previsão da demanda futura a partir do comportamento dos usuários,

embora alguns requeiram maiores conhecimentos estatísticos e econométricos que os

primeiros.

Os modelos desagregados de Escolha Discreta postulam que a

probabilidade de um indivíduo escolher uma dada opção é uma função de suas carac-

terísticas sócio-econômicas e da relativa "atratividade" da opção. Para representar a

"atratividade" é utilizado o conceito de utilidade. Para predizer se uma alternativa será

escolhida em detrimento de outra, o valor da utilidade da escolha em questão deve ser

comparado com a utilidade das demais alternativas envolvidas22

e transformado num

valor probabilístico entre 0 e 1. Para obter este valor, existem vários meios estatísticos

entre os quais se destacam o modelo Logit e o Probit.

As técnicas de Preferência Revelada e Preferência Declarada

pertencem aos modelos de segunda geração e começaram a ser utilizadas em

transporte no início dos anos oitenta a partir dos estudos de marketing. Utilizam os

22 Como o conceito de utilidade é uma grandeza subjetiva, só interessa em termos relativos, comparando com outros valores (de utilidade) que correspondem a

outras escolhas (alternativas) dos usuários.

146

mesmos modelos de estimação estatística vistos no parágrafo anterior; quando é

possível linearizar as funções logísticas aplica-se a Análise de Regressão para obter

os coeficientes; caso contrário, outros métodos são utilizados para otimizar a função

através da maximização de uma função de verossimilhança ou minimização da soma

dos desvios. Há softwares específicos para realizar estas tarefas, tais como: LIMDEP

(Econometric Software, 1992), ALOGIT (Hague Consulting Group, the Netherlands),

BLOGIT (Intitute of Transport Studies, University of Sydnei), NTELOGIT (Intelligent

Marketing Systems) e HLOGIT (ITS, Sydnei), segundo Hensher (1993).

Resumindo, pode-se dizer que os modelos matemáticos em

transportes podem ser utilizados para ajudar a entender como um sistema funciona a

nível das relações entre oferta e demanda. Possibilitam prever a demanda e o

desempenho de um sistema de transportes, ajudam a projetar e gerenciar serviços

como a freqüência dos ônibus, e ajudam a avaliar as possíveis alternativas de in-

vestimentos, como novas modalidades (Faé et alii, 1993). Já nos modelos mais gerais

e estratégicos, o uso do solo é uma variável importante, existindo modelos que inte-

gram a problemática do transporte como um dos campos do Planejamento Urbano.

V.4) Uso e aplicabilidade de Modelos{ TC "V.4) Uso e

aplicabilidade de Modelos" \f C \l "2" }

O uso de modelos, tanto em Planejamento Urbano como em

Planejamento de Transportes, tem sido objeto de grandes controvérsias na

comunidade técnica durante os últimos anos. Alguns críticos partem diretamente da

crítica à Teoria dos Sistemas, afirmando que a mesma não resolve o problema central

em planejamento urbano, que seriam as “relações de poder”, entre os diversos Atores

Sociais envolvidos, e que a abordagem sistêmica não investiga, apenas descreve

seus efeitos (Rattner, 1979).

147

Quanto aos modelos de interação espacial, segundo Mota (1983), o

fato de sua elaboração supor uma intelecção prévia da realidade, um processo sele-

tivo, condicionado por seus pressupostos metodológicos revelam hipóteses sobre a

estruturação da sociedade subjacente aos modelos. Estas hipóteses teóricas não são

refletidas suficientemente nos modelos, dado que ele está restrito apenas a apreensão

do objeto às suas dimensões factuais observáveis (empirismo). Por outro lado, estes

modelos desenvolvem teorias sobre o espaço à margem da teoria geral sobre a

sociedade, conferindo uma "autonomia" espacial não-realista, uma dimensão a-

histórica. Segundo este autor, os limites dos modelos evidenciam sua insuficiência

como instrumentos de elaboração teórica: a reconstrução conceitual sobre os

fenômenos espaciais, realizada pelos modelos, não alcança a identificação de como

se produzem os fenômenos que pretendem explicar. Assim, seria necessário a

recuperação dos modelos urbanos quantitativos no Planejamento, a partir de uma

teoria urbana que contemplasse o papel do Estado, como parte de uma teoria geral

sobre a sociedade. Evitando, deste modo, a análise pura das "manifestações es-

paciais" dos fenômenos sociais, sem que os últimos fossem situados como tal. As

soluções de planejamento, o aspecto preditivo dos modelos espaciais, fica

comprometida na medida em que o "ambiente externo" aos modelos, como o

funcionamento do mercado imobiliário, considerado sob ceteris paribus, não é

apreendido como condicionante do fator distância/acessibilidade.

Segundo uma coletânea de artigos realizada por Atkins (1986), os

modelos em transportes tem tradicionalmente se caracterizado por serem caros, muito

complexos, insensíveis às políticas efetivadas, inflexíveis e dependentes de

suposições restritivas, que impedem sua utilização fora dos contextos de origem. Este

autor afirma que, durante os anos setenta e até meados dos anos oitenta, os modelos

convencionais (tipo “quatro etapas”) produziram substanciais erros de previsão.

Estimativas de volumes de tráfego em algumas cidades européias, por exemplo, entre

algumas zonas tiveram erros “de até 200%” em relação aos carregamentos previstos.

148

O autor aponta algumas fontes destes erros na definição das amostras pesquisadas,

os métodos de coletas de dados, muitas vezes desatualizados, apresentam erros de

medição que acabam afetando os resultados. Outra fonte de erros é a escolha das

unidades básicas de análise, as zonas de tráfego, que pode não representar a

situação real da rede de transporte existente; ou os métodos de calibração, nem

sempre confiáveis. Os modelos seriam manifestações do conhecimento, mais do que

instrumentos de conhecimento. Os modelos não “resolveriam” problemas, mas devem

contribuir para aumentar o conhecimento sobre eles.

Para evitar alguns destes problemas, deve-se observar na

modelagem urbana algumas regras de procedimento, tal como nos aponta Mohan

(1976), particularmente para os modelos orientados para as Políticas de

Planejamento: correspondência com a realidade, resultados particularizados em

aspectos urbanos específicos, resultados de caráter positivo e normativo, clareza de

objetivos, coerência e clareza nos supostos teóricos, custos e complexidades de

manipulação reduzidos e flexibilidade. Poder-se-ía acrescentar ainda, o cuidado com o

nível de detalhamento, que determina a complexidade, o teste de validação que

procura "negar" seus pressupostos, a obtenção de maior número de “saídas”, para

dadas “entradas” (maximizando a eficácia do modelo), deve-se ter a sensibilidade

adequada para acusar as mínimas variações da realidade, especialmente nos

modelos estruturais topológicos.

O uso e aplicabilidade dos modelos depende também, de quanto

lógicos e transparentes sejam suas estruturas, que devem ser claramente explicadas.

Outro problema que contribui para a controvérsia sobre o uso de modelos é sua

transferibilidade (Faé et alii, 1993). Ou seja, a utilização de modelos fora de contextos

de origem a nível temporal, espacial ou cultural. Para que tal transferência ocorra, é

necessário o perfeito conhecimento das hipóteses que o fundamenta e das realidades

(contextos) que estão sendo comparadas. Apesar das vantagens de menor tempo e

custo implícitas na utilização de modelos já prontos, deve-se evitar seu uso como

149

receitas genéricas. Além disso, deve-se considerar que a "importação" de modelos do

Primeiro Mundo normalmente está associada à preponderância tecnológica destes

países e mesmo à formação técnica da maioria dos especialistas no Terceiro Mundo

que se tornam seus usuários.

Segundo estes autores últimos autores, e o que parece fun-

damental, os modelos não devem ser excessivamente considerados nem tampouco

desprezados pelo simples fato de serem modelos. São apenas ferramentas para

produzirem referenciais de suporte à tomada de decisão.

De um modo geral os modelos tem sido utilizados, particularmente

em transportes, para analisar cenários futuros cuja complexidade impede análises

simplificadas. Modelos são ferramentas para avaliar a sensibilidade, a intensidade

relativa, da reação do sistemas enquanto um todo articulado, às alterações nos seus

parâmetros; enquanto tais são poderosos instrumentos de simulação, controle e

monitoramento de qualquer sistema.

150

CAPÍTULO VI

{ TC "CAPÍTULO VI" \f C \l "1" }

AS TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (Stated Preference){ TC "AS

TÉCNICAS DE PREFERÊNCIA DECLARADA (Stated Preference)" \f C \l "1" }

VI.1) Considerações Iniciais{ TC "VI.1) Considerações Iniciais" \f

C \l "2" }

Nas metodologias de planejamento do Transporte Coletivo Urbano,

uma das questões mais estratégicas para o sucesso das soluções propostas ou

executadas, é a correta previsão do comportamento da demanda nos vários sistemas

envolvidos

Os modelos convencionais vêm sendo criticados pela sua incapa-

cidade de captar a diversidade no comportamento da demanda por transporte,

inerente à complexificação do ambiente urbano e das novas tecnologias utilizadas.

Diversos autores tem se posicionado criticamente a respeito de suas limitações,

Novaes (1986), por exemplo apresenta as seguintes críticas:

(a) os modelos tradicionais não prevêem a possibilidade do usuário

fazer ou não determinado deslocamento, em virtude dos atributos do sistemas de

transporte como nas viagens de natureza recreativa ou de lazer;

(b) eles tendem a não incorporar variáveis que possam simular e

refletir intervenções do Poder Público, como a alteração das tarifas e as

conseqüências sobre os níveis de demanda e conforto, ou os efeitos das integrações

e vias segregadas, por exemplo;

151

(c) a natureza estática destes modelos impede que ocorram

mecanismos de retroalimentação, gerados pela influência de atributos que compõe a

qualidade do serviço, sobre a geração e atração de viagens.

Já segundo o já referido estudo da GEIPOT/MIT (1982), as principais

desvantagens dos modelos convencionais em transportes seriam: a estanqueidade na

análise dos diferentes momentos, a falta de retroalimentação entre os sub-modelos do

modelo "quatro etapas" e a ausência de variáveis de níveis de serviço, fazendo com

que, na maioria dos casos, esta análise se torne descritiva e não-causal, mecanicista

e não probabilística e comportamental, expressando apenas uma projeção da situação

existente, e dificultando a análise de políticas que contemplem mudanças na

qualidade dos serviço de Transporte Urbano.

Com base na necessidade de explicar com mais realismo e

fidedignidade o comportamento da demanda, se desenvolveram os Modelos

Comportamentais, desagregados a nível do indivíduo, usuário dos transportes.

Enquanto nos anos setenta os modelos eram orientados para previsões de demanda,

para os vinte anos seguintes, por exemplo, a partir dos anos oitenta, e principalmente

na atual década, a modernização das empresas e a necessidade de maior

produtividade e qualidade dos serviços favoreceu a ampla utilização de modelos

comportamentais, tanto de Preferência Revelada como Preferência Declarada.

Em relação aos transportes, diversas intervenções do poder público

ou das empresas operadoras privadas não podem ter um caráter "experimental"; é

necessário, portanto, a utilização de modelos que estimem o impacto na demanda ex

ante, em relação, por exemplo, a mudanças modais, melhoramentos de estações,

freqüência dos veículos, nível de conforto, aumento de tarifas, etc. Os métodos de PD

(Preferência Declarada) vêem preenchendo esta necessidade, analítica e

ferramental, no processo de planejamento moderno.

152

Estes modelos baseiam-se na compreensão do indivíduo como

consumidor dos serviços de transporte. O pressuposto básico é de que ele busque a

máxima satisfação, dentro dos limites sócio-econômicos a que está submetido. Estes

modelos orientam-se pela maximização da Função Utilidade de cada indivíduo, função

esta que se ampara na teoria Microeconômica, particularmente na Teoria do

Consumidor.

VI.2) A Maximização da Utilidade

A maximização da utilidade implica na combinação ótima (sob

restrições orçamentárias do indivíduo) de diversas variáveis, como o destino, a

freqüência, o tempo de deslocamento, conforto, custo pago pela viagem, etc. Esta

escolha estará submetida não só à capacidade monetária, à solvência financeira do

usuário, mas também a sua localização residencial, localização da oferta de empregos

e, outras restrições de ordem mais subjetiva como os gostos, preferências, e fatores

psicológicos diversos.

Parte-se do pressuposto que é o indivíduo-usuário que estabelece,

objetiva e subjetivamente, um elenco de opções alternativas de escolha, entre os

diversos níveis de atributos que o sistema de transporte lhe oferece. Sob certas

condições, estes padrões de "preferência" são constantes para todos os usuários. O

consumo de serviço de transporte no meio urbano, considerando-se a multiplicidade

de opções de deslocamentos, é sempre um "consumo aberto". Isto é, o usuário opta

por combinações singulares entre diversos fatores: destinos, modos, custos, conforto,

etc. Cada opção individualizada é sempre uma combinação de valores relativos a

outras combinações de outros usuários, comparativamente, e dentro de cada atributo,

relativa aos diversos valores que ele pode assumir concretamente: mais ou menos

153

conforto, ou mais ou menos tempo de viagem, com diversas combinações de custos a

serem desembolsados em cada opção.

Matematicamente, a escolha do usuário pode ser representada pela

Função Utilidade. Esta função relaciona as variações nos atributos utilizados (conforto

e tempo de viagem, p.ex.) e a repercussão sobre a utilidade da alternativa escolhida.

Este resultado só é válido em termos relativos, isto é, só se pode comparar situações,

entre opções realizadas ou declaradas pelo usuário. Portanto, o "valor numérico" da

utilidade só tem significância se inserido comparativamente, em relação às demais al-

ternativas (combinações de conforto, tempo e custo, por exemplo), probabilis-

ticamente.

Pode-se descrever, simplificadamente, esta função com a seguinte

notação:

U = a0 + a1xX1 + ... + anxXn (6.1)

onde "U" representa o valor algébrico da utilidade de determinada

combinação de atributos (alternativa escolhida pelo usuário); "Xn" é um vetor (o

resultado combinado) das variáveis que expressam o nível de serviço oferecido pelo

transporte e "anx" o conjunto dos parâmetros - estimados por métodos econométricos -

e “a0“ uma constante que representa todos aqueles fatores aleatórios que podem

influenciar a utilidade, mas que não estão explícitos no modelo. O modelo aditivo,

descrito pela função acima, tem uma natureza tem uma característica compensativa,

isto é, pode-se melhorar um atributo (conforto, p.ex.) e piorar outra (tarifa, p.ex.),

mantendo-se os mesmos níveis de satisfação, ou utilidade.

O objetivo maior de uma pesquisa desta natureza é obter um valor

mais real, e mais confiável possível, destes parâmetros, pois eles expressam, numeri-

camente, a relação existente entre todas as variáveis de serviço e a opção realizada

pelo usuário.

154

As técnicas de Preferência Declarada pertencem ao campo dos

Modelos Comportamentais Desagregados ao nível do indivíduo, também chamados de

Modelos de Escolha Discreta. Estas técnicas extraem muitas informações de cada

indivíduo, em pequenas amostras, ao contrário dos modelos convencionais, que

obtinham poucas informações de amostras maiores. Sinteticamente, podería-se dizer

que elas constituem um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos, que

objetivam identificar as variações no comportamento dos consumidores, resultantes de

mudanças em atributos ou características dos produtos vendidos. Neste caso o

"consumidor" é o usuário do Transporte Coletivo Urbano, o "produto vendido" é a

oferta de transporte e os "atributos do produto", são aquelas variáveis arbitradas pelo

pesquisador, relacionadas à qualidade do transporte, tais como o conforto ofertado, o

tempo de deslocamento, as comodidades da viagem ou das estações, as facilidades

dentro do veículo, o conforto psicológico, as possibilidade de integrações, etc. Cada

nível, de cada atributo, está associado a um respectivo valor monetário, a ser desem-

bolsado.

VI.3) As Técnicas de Preferência Declarada (PD){ TC "VI.3) As

Técnicas de Preferência Declarada (PD)" \f C \l "2" }

Inicialmente os Modelos de escolha discreta utilizavam a observação

direta dos usuários através das técnicas de Preferência Revelada. Mais tarde, a partir

dos estudos de Marketing, utilizam-se modelos baseados nas preferências não-vividas

dos usuários, isto é, sobre hipóteses em relação ao futuro que ficaram conhecidas

como técnicas de Preferência Declarada.

O enfoque de Preferência Declarada permite que variáveis

qualitativas sejam incorporadas na análise com maior flexibilidade, oferecendo

reduções no volume de dados necessários para os modelos.

155

Pode-se classificar sob a abrangência destas técnicas qualquer

pesquisa que trate de comportamento esperado, mais do que o comportamento real

ou observado. Pode-se identificar quatro grandes grupos metodológicos com este

enfoque (Jones, 1991):

(a) Pesquisas de Opinião: procuram conhecer a opinião dos

usuários sobre situações existentes, ou futuras, de modo direto com perguntas, por

exemplo, relacionando o uso do automóvel em detrimento do serviço público.

Entretanto, elas podem induzir à erro, tanto na interpretação das perguntas como nas

respostas;

(b) Técnicas de Simulação: baseadas na Teoria dos Jogos,

realizam-se longas entrevistas com o objetivo de simular reações a possíveis medidas

nos transportes, através do processo decisório, que opera na vida real. Os resultados

podem ser quantitativos, quando identificam fatores essenciais nos impactos

provocados a partir de uma intervenção nos serviços, e serem utilizados na

modelagem, ou qualitativos, quando geram iniciativas e recomendações no âmbito das

políticas sobre os sistemas;

(c) Enfoque do Orçamento Restrito: é uma técnica que procura

identificar a preferência dos usuários sobre o melhor ambiente, ou nível de serviço;

dado um orçamento fixo a ser gasto em cada nível, ou combinação de facilidades.

Utilizando algumas formas de "quadro de jogos", onde os atributos são mostrados em

um eixo e na outra dimensão, os diferentes níveis para cada um. Por exemplo, numa

ferrovia o atributo “comodidade” pode estar representado, entre outras características,

por um serviço de bebidas a bordo até restaurantes completos. A cada melhoria são

associados o custo incremental, para cada nível apresentado. O usuário recebe um

orçamento fixo e deve "distribuí-lo" no conjunto de alternativas ofertadas, de modo a

maximizar o valor total;

156

(d) Experimentos de Escolha: ao invés de construírem suas

próprias combinações de atributos, com seus níveis diferenciados (pacotes), os

usuários são estimulados a escolherem entre diferentes conjuntos completos de

atributos e "rankings". Este enfoque de PD tem sido utilizado para escolha entre

modos alternativos, rotas, níveis de serviços que podem ser caracterizados através de

níveis de tarifas, freqüências, tempo de viagem no veículo ou tempo de acesso.

Normalmente, os Modelos Comportamentais Desagregados

utilizavam técnicas de Preferência Revelada para aferir as tendências de consumo. A

grande limitação é que estas técnicas só podem ser aplicados em relação à

características existentes, enquanto em PD pode-se simular escolhas hipotéticas. A

tendência mais recente é a utilização de pesquisas como dados mistos de PD e PR

(Preferência Revelada).

Os passos metodológicos mais comuns a serem dados num

experimento em PD são os seguintes:

(a) Definição da forma e complexidade do experimento: decisões

básicas têm que ser tomadas sobre quais atributos e em que níveis estarão

distribuídos. Quanto mais atributos e níveis de escolha, mais complexa será toda a

pesquisa. Deve-se procurar simplificar a escolha do entrevistado através do limite de

atributos e níveis: entre 3 ou 4 atributos e 2 ou 3 níveis em cada um, manter constante

um dos atributos na maior parte das alternativas e proporcionar escolhas interme-

diárias na escala de preferências. Deve-se lembrar, sempre, que os limites do “output”

são dados pelos “input”, isto é, a validade e a aplicabilidade do modelo estimado, a

partir das respostas/escolhas de PD, depende muito da escala e níveis utilizados para

os atributos (Jones, 1991). É importante ainda preservar o grau de independência dos

atributos, para evitar os efeitos de colinearidade (distorção estatística que associa a

mesma variação, para duas variáveis independentes diferentes);

157

(b) Definição da Amostra: a nível qualitativo, a definição de quem

entrevistar depende de quais atributos estão sendo investigados e quais tipos de

alternativas serão oferecidas para a escolha. Os objetivos do experimento podem

delimitar uma zona, segmento ou eixo de transporte urbano. Em termos quantitativos,

o tamanho da amostra (3% a 5% do universo pesquisado), geralmente, é menor que a

utilizada nas pesquisas tradicionais de transporte. Na realização desta pesquisa de

campo, o tamanho da amostra ideal deveria ser por volta de 500 indivíduos; o que

corresponderia a 3% de uma demanda na hora-pico de 16 mil passageiros; entretanto,

optou-se por um número inferior de entrevistas (181 usuários), dada a limitação dos

recursos disponíveis e o caráter exploratório do uso desta metodologia.

(c) Realização de Entrevistas: é a aplicação dos questionários.

Existem várias combinações de custo e eficácia, desde o preenchimento assistido pelo

entrevistador diretamente em domicílio, no local de trabalho ou dentro do veículo, até a

utilização do correio e telefone para distribuição e recebimento das perguntas.

Cuidados sobre a inteligibilidade, a extensão dos questionários, e o momento de

aplicá-los devem ser considerados e dependem, basicamente, do público-alvo que se

quer atingir, do contexto particular da entrevista e da complexidade dos

atributos/níveis envolvidos; a "clientelização", isto é, segmentação dos questionários

por renda, modo, tempo de viagem, etc., contribui para superar estas dificuldades e

obter respostas mais realísticas e precisas.

(d) Medição da Preferência: existem três formas de realizar esta

atividade: (a) construindo um ranking, ordenando as opções de acordo com a ordem

de preferência do usuário, geralmente através da combinação de cartões (que podem

ser coloridos ou não), representando cada atributo e valor; (b) combinação entre duas

escolhas apenas (A ou B), distribuídas em até cinco níveis de escolha, desde o nível

"indiferente" até "definitivamente prefiro alternativa A" ou (c) montagem de um escore

para cada alternativa, sobre uma determinada escala ou definir perguntas, especi-

158

ficando a "transferência" de preferência entre tempo e custo, por exemplo. Neste

último caso, mensura-se a utilidade ganha (ou perdida), numa ou em outra alternativa;

(e) Análise dos dados: há dois procedimentos mais comuns para

estimação em PD. Em modelos linearizados, procede-se uma Análise de Regressão

Múltipla, utilizando atributos do serviço e variáveis sócio-econômicas como variáveis

independentes, para estimar as funções-utilidade para cada entrevistado (ou grupo de

entrevistados). Atenção especial deve ser dada ao aspecto de converter a escala

subjetiva de dados para a forma probabilística, sem afetar a precisão dos coeficientes

utilizados, daí a importância fundamental do Projeto do questionário e da escala

realística dos atributos (maiores detalhes serão vistos na seção VII.2). O outro meio é

a utilização do modelos que requerem funções logísticas (logit multinomial, por

exemplo), onde os dados são convertidos em seqüências de conjuntos de escolha

(mapas de preferência) probabilísticas, o processo de calibragem e validação deste

modelo é feito através de métodos estatísticos de otimização, como a “maximização

de uma função de verossimilhança”, utilizando-se recursos computacionais

apropriados (algoritmos). Neste último caso procura-se encontrar coeficientes “an”

que, ao serem multiplicados pelos valores de cada atributo (ou alternativa escolhida),

geram probabilidades que maximizam a possibilidade de reproduzir as escolhas

observadas através das entrevistas.

VI.4) Diferenças entre Preferência Revelada e Declarada{ TC

"VI.4) Diferenças entre Preferência Revelada e Declarada" \f C \l "2" }

As técnicas de PR permitem conhecer a eleição de cada indivíduo e

determinar, por meio de técnicas estatísticas apropriadas, as decisões em escolha

discreta como em PD. Entretanto, podem apresentar algumas limitações (Ortúzar &

Garrido, 1992):

159

(a) ao observar a realidade, pode-se detectar variações insuficientes

para a adequada calibração do modelo, para que ele possa incorporar todas as

variáveis de interesse do modelador;

(b) as variáveis explicativas (independentes) de maior interesse

podem estar correlacionadas (como tempo e custo de viagem), o que dificulta obter o

impacto individualizado de cada atributo;

(c) as técnicas de PR não podem ser utilizadas na modelação da

demanda em alternativas que não estejam disponíveis no ano-base. Esta é a maior

limitação para avaliação de impactos de projetos que contemplem a introdução de

novas alternativas de transporte, como a introdução de novos modos de maior

capacidade;

(d) os métodos de PR requerem que as variáveis independentes

sejam expressas quantitativamente, o que dificulta a possibilidade de considerar

atributos mais subjetivos como segurança, comodidade, conforto, confiabilidade, etc.;

(f) podem existir importantes erros de medição nos dados utilizados,

porque, nem sempre, se dispõe de informações completas sobre o conjunto de

alternativas de escolha dos indivíduos.

Frente a estas limitações, as técnicas de PD apresentam as

seguintes vantagens:

(1) o “ranking” de variação dos atributos (variáveis explicativas) pode

ser estendido ao nível requerido ou desejado pelos objetivos do experimento;

(2) é possível construir cenários que reduzam completamente a

correlação entre variáveis independentes, precisando o impacto de cada uma na

variável dependente;

(3) é possível incorporar fatores e alternativas que não estejam

presentes no ano-base do estudo (isto é, escolhas hipotéticas);

160

(4) os efeitos das variáveis de interesse podem ser isolados

totalmente, inclusive, em variáveis normalmente não quantificáveis, porém de valor

relevante, como o conforto;

(5) o conjunto de alternativas disponíveis pode ser pré-estabelecido

de acordo com o objetivo do estudo;

(6) de acordo com os métodos utilizados na estimação dos

coeficientes de cada variável independente, reduz-se a possibilidade de erros de

medição.

A nível operacional, as técnicas de PD apresentam vantagens quanto

à redução de custos e tempo de trabalho, pois as variáveis necessárias para

modelação são aquelas definidas a priori pelo modelador.

Uma das principais (e não desprezível) desvantagem dos dados

obtidos em PD, consiste em que poderão existir diferenças entre o que os indivíduos

declaram (suas escolhas) e o seu comportamento definitivo, quando tais escolhas

puderem ser realizadas. Existem, dentro desta questão, diversos tipos de desvios que

podem distorcer ou diminuir a capacidade preditiva em PD. Algumas pesquisas

procuram diminuir estes "desvios" através da utilização conjunta das duas técnicas.

Estes desvios (ou viéses) podem se classificados como:

(a) de afirmação: o indivíduo entrevistado pode, consciente ou

inconscientemente, responder de acordo com o que imagina que o entrevistador

deseja receber;

(b) de racionalização: o entrevistado pode fornecer respostas falsas

ao procurar mentalmente racionalizar seu comportamento normal e habitual;

(c) de política: o entrevistado pode influenciar deliberadamente de

forma distorcida, a fim de influir na política de transporte que ele acredita decorrente

da entrevista;

161

(d) de restrição: se o entrevistado não considera como deve suas

restrições (orçamentárias), pode responder incorretamente as perguntas.

Para evitar ou minimizar tais possibilidades de distorção das

respostas, alguns cuidados devem ser tomados, principalmente na construção dos

formulários para as entrevistas, como por exemplo: definir atributos relevantes para o

usuário, escolher níveis realísticos de variações dos mesmos, para possibilitar

escolhas (trading-offs) ativas dos usuários, definir a representação visual (gráfica ou

pictórica) adequada, para possibilitar a real percepção do usuário a respeito da

escolha que irá fazer. Também, deve-se segmentar os questionários a nível sócio-

econômico aproximando, assim, o conjunto de escolhas terá uma contextualização

efetiva dos hábitos, orçamento e características pessoais.

VI.5) Aplicabilidade das Técnicas de PD{ TC "VI.5) Aplicabilidade

das Técnicas de PD" \f C \l "2" }

As Técnicas de PD têm sido aplicadas nos estudos que envolvem a

quantificação de variáveis como conforto ou segurança e, principalmente, antes da

realização de melhoramentos no serviço ou grandes investimentos, como a

implantação de VLT ou pré-metrôs, objetivando prever as reações dos futuros usuários

(o comportamento da demanda).

As técnicas se aplicam a contextos amplos na pesquisa e

planejamento de transportes, como por exemplo: na avaliação de prioridades dos

passageiros, na estimativa das elasticidades-preço da demanda em vários atributos do

serviço, nos estudos de escolha de rota, nos estudos sobre o valor do tempo, nos

estudo de divisão de mercado, etc., (Kroes & Sheldon, 1988).

162

Preferência Declarada é utilizada, especialmente, para superar a

falta de informações sobre novos serviços de transporte, ou quaisquer outros produtos

no mercado. Quando se pretende, por exemplo, estabelecer um novo serviço de

ônibus com vantagens diferenciadas para o usuário (menor tempo de viagem,

comodidade do veículo ou itinerários mais atrativos), as informações disponíveis

sobre seu atual comportamento se tornam irrelevantes, pois necessariamente,

deverão ser observadas novas reações diante das mudanças. Por outro lado, as

pesquisas de imagem ou opinião, tradicionais, apresentam resultados fora do contexto

do usuários, sem considerar o conjunto de possibilidades do novo produto ou as

restrições sócio-econômicas dos diferentes grupos de usuários ou consumidores.

Desde os anos oitenta estas técnicas estão em constante

aperfeiçoamento, para descrever alguns exemplos práticos de sua aplicação em

diversas situações, pode-se citar os seguintes casos, conforme Willumsen & Vicuña

(1990):

(a) Avaliação da Demanda por um serviço de transbordo rápido em

Cook Straits, Nova Zelândia: este estudo compreendeu três etapas; estudo de

viabilidade técnica, avaliação econômica e análise de mercado. Na última etapa se

realizaram estudos específicos utilizando técnicas de PD;

(b) Estudo sobre freqüência, destino e modo de viagem em Londres,

Inglaterra: neste projeto foram utilizadas técnicas de PD e PR (Preferência Revelada)

para desenvolver modelos de escolha discreta entre estes três fatores e segundo

quatro motivos de viagem: ao trabalho, de compras, ao aeroporto (Heathrow) e

“outros”. As entrevistas de PD foram feitas utilizando computadores portáteis;

(c) Estudo para modelagem do transporte público de Hong Kong: as

técnicas de PD foram utilizadas conjuntamente com modelos estratégicos de

transportes para estimar valores da Demanda de passageiros e o modo de transporte

entre a ilha e o continente;

163

(d) Estudo sobre as escolhas do modo de transporte para a

Netherland Railway, Holanda: objetivando estudar os fatores capazes de influenciar os

passageiros das viagens interurbanas, a nível de mudança do modo de transporte, o

estudo incluiu os seguintes atributos: tarifa, tempo de viagem, número de transbordos

e nível de conforto. As entrevistas foram realizadas por meio de computadores

portáteis;

(e) Estudo do estado de limpeza no metro de Londres, feito pela

empresa London Underground, Londres, Inglaterra: objetivava avaliar a percepção e a

atitude dos passageiros diante a distintos estados de limpeza do metrô. Uma pesquisa

tipo “antes e depois”, foi efetivada em cinco estações que passaram por um programa

especial de limpeza. Os atributos considerados foram: tarifa, presenças de guardas

nas estações, poluição visual e grau de limpeza. As entrevistas foram realizadas nas

estações e para evitar demoras, foram utilizados computadores;

(f) Estudo de Marketing de cargas refrigeradas, CSVA, Chile: as

técnicas de PD foram utilizadas para uma sondagem de possíveis mercados para

exportação de produtos chilenos não-tradicionais, através de navios. O estudo

entrevistou produtores e exportadores, envolvendo atributos como: tarifa, tempo de

viagem, serviço intermodal de transporte, tipo de embarque de mercadorias, etc. Este

estudo permitiu calcular que incremento da tarifa poderia ser feito se fosse oferecido

um melhor serviço de embarque das mercadorias, sem reduzir a demanda.

(g) Estudo das atitudes dos usuários de “bilhete de temporada” ao

modificar-se as tarifas entre os serviços locais e interurbanos, Britsh Rail, Inglaterra:

devido ao congestionamento de passageiros nas horas de pico a empresa ferroviária

britânica decidiu investigar as mudanças prováveis da demanda com a modificação do

sistema de tarifas. As tarifas para “bilhetes de temporada” seriam aumentadas,

enquanto que as tarifas locais permaneceriam as mesmas. As entrevistas de PD,

feitas pelo correio com usuários registrados na empresa, contemplaram os seguintes

164

fatores: tarifa diferenciada (quatro níveis) e capacidade dos trens locais (dois níveis).

O usuário foi estimulado a escolher em qual caso usaria o serviço interurbano e foram

utilizadas fotografias para ilustrar os diferentes tipos de trens. O estudo permitiu prever

a futura demanda, considerando aumentos de 30% a 40% da tarifa, com alto grau de

precisão.

(h) Sistema de Transporte Público alternativo em Leeds, Inglaterra: o

conselho municipal da cidade pretendia implementar um sistema de transporte público

completamente automático, em via elevada. As entrevistas foram feitas nas casas dos

usuários, que foram perguntados sobre diferentes níveis de custos de viagem (tarifas),

para o automóvel e para o novo serviço projetado. Os modelos calibrados permitiram

concluir que o novo modo proposto não iria atrair suficientes passageiros para

assegurar sua viabilidade econômica.

Estes exemplos mostram claramente a validade destas técnicas ao

simular o resultado de políticas públicas efetivas em transporte. Evitando erros muito

comuns nos projetos de transportes e nos métodos de avaliação tradicionais, tipo

custo-benefício.

165

CAPÍTULO VII

{ TC "CAPÍTULO VII" \f C \l "1" }

A TÉCNICA APLICADA: A PREFERÊNCIA DOS USUÁRIOS NO TRANSPORTE COLETIVO

EM PORTO ALEGRE{ TC "A TÉCNICA APLICADA: A PREFERÊNCIA DOS USUÁRIOS NO

TRANSPORTE COLETIVO EM PORTO ALEGRE" \f C \l "1" }

VII.1) Caracterização do Corredor de Transporte estudado.{ TC

"VII.1) Caracterização do Corredor de Transporte estudado." \f C \l "2" }

Optou-se por realizar um estudo de caso, para verificação da

validade metodológica das Técnicas de Preferência Declarada, no Corredor Assis

Brasil. A decisão baseou-se em dois motivos:

(1) é o principal eixo de expansão urbana-metropolitana dos últimos

quarenta anos, sendo o eixo estruturador da parte com maior dinamismo econômico

de Porto Alegre, a Região Norte-nordeste;

(2) por ser o corredor com maior demanda, apresentando uma

situação de quase-saturação e gerando, por isso mesmo, um volume considerável de

debates entre técnicos, usuários e operadores sobre as eventuais "soluções" a serem

adotadas;

Um dos pontos nevrálgicos destes debates, tem sido o atual nível de

serviço oferecido à população e sua influência sobre a qualidade de vida. Neste as-

pecto particular, os atributos selecionados - conforto e tempo de viagem - incidem

diretamente sobre o tema.

166

A atual Avenida Assis Brasil tem origem histórica nos caminhos que

ligavam o povoamento inicial de Porto Alegre aos lagunenses, que vinham do litoral,

passando por Santo Antônio da Patrulha. Conhecida como a "Estrada de Gravataí" ou

"do Passo da Areia". Em 1943 ela ainda se encontrava despovoada, com exceção de

um pequeno núcleo na vila Floresta. Nesta época, a avenida era uma faixa asfaltada

de 6 metros de largura com 20 metros de reserva. Na década de 50, sofreu sucessivas

pavimentações e alargamentos que estabeleceram uma pista asfaltada de 7,20 m. e,

até a conclusão da freeway, foi o único caminho para o nordeste do Estado pelo

litoral, com exceção da estrada para Viamão.

O povoamento da Assis Brasil ocorreu a partir da Vila Floresta e do

IAPI, este último - um conjunto residencial - concluído em 1950. Após a enchente de

1941, diversas empresas, como a Wallig (fogões), Tintas Renner e a estamparia

Matarazzo, se deslocaram para a região. A maioria das residências foram, e são até

hoje, de renda média e inferior, com exceção das áreas residenciais ao norte da Assis

Brasil que tem renda média superior, como é o caso do bairro Jardim Lindóia.

O núcleo comercial histórico esteve localizado entre o atual Viaduto

Obirici e a Estrada do Forte, sofrendo poucas modificações em termos locacionais

desde então. O fator preponderante de ocupação e desenvolvimento da Assis Brasil (e

da Farrapos) foi seu papel de ligação viária e acesso à estradas federais e estaduais

(BR-116, BR 290/BR 101). A área da Avenida só foi objeto de regulamentação

urbanística a partir do Decreto Lei 2.872 de 1964 (complementar ao Plano Diretor de

1959), quando foram estabelecidas algumas regras de zoneamento consagrando sua

função comercial e residencial mista, permitindo comércio ao varejo e pequenas

indústrias. Com a revisão do Plano em 1979 (I PDDU), reforçou-se a Assis Brasil como

um "Pólo e Corredor de Comércio e Serviços", já que apenas 10% das áreas

contíguas (como a Vila IAPI), não se enquadraram nesta condição. O Índice de

Aproveitamento (I.A.) estabelecido pelo I PDDU para Comércio e Serviços chegou até

3,4, enquanto a atividade residencial, entre 1,0 e 1,2, anteriormente existia um I.A.

167

uniforme de 2,0. Esta política urbana favoreceu, evidentemente, a construção civil e o

incremento geral de atividades na área.

Relacionado com estes incentivos ao comércio e aos conjuntos

habitacionais, está o significativo crescimento populacional de alguns bairros e

municípios metropolitanos daquela região, como podemos ver na Tabela 5.

Tabela 5 Crescimento Populacional em 1980/91 na Zona Norte{ TC

"Tabela 5 Crescimento Populacional em 1980/91 na Zona Norte" \f F \l "1" }

Local 1980/91 Densidade (1991)

B.Rubem Berta

151,2% 82,4

B. Humaitá 131,6% 25,8

B. Sarandi 6,1% 58,4

Alvorada 53,2% nd

Cachoeirinha 39,4% nd

Gravataí 68,4% nd

P.Alegre 12,2% 27,3

RMPA 32,5% nd RGS

17,9% nd

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1980 e Dados Preliminares de 1991. * Habitante/Km2 nd = não disponível

Enquanto isso, bairros na área central de Porto Alegre, como o Cen-

tro, Bom Fim ou Cidade Baixa apresentaram crescimento negativo no mesmo período.

A Avenida Assis Brasil teve seu corredor inaugurado em 30 de

Janeiro de 1981, após quase três anos de obras que provocaram enormes transtornos

para a população local. Em 1980, calculou-se em 378 mil passageiros urbanos e

168

interurbanos se deslocando pelo eixo da Assis Brasil e uma população na área de

influência dos corredores Assis Brasil e Farrapos, em aproximadamente 349 mil

habitantes.

Atualmente existem 119 linhas metropolitanas que utilizam o

Corredor Assis Brasil, perfazendo um total de 2.105 viagens diárias e movimentando

157.177 passageiros. No pico matutino, 95% destas viagens tem destino no Centro de

Porto Alegre, embora contenham, em média, 50% dos usuários com destino final no

Corredor Assis Brasil, 15% no Corredor Farrapos e apenas 35% na área central da ci-

dade.

Apesar destes problemas do atual modelo operacional de transporte

rodoviário urbano, e de uma série de medidas previstas e não executadas desde 1976,

uma das maiores vantagens dos corredores do eixo norte foi ter aumentado, em

média, a velocidade comercial dos ônibus e, assim, ter reduzido o tempo total de

viagem (ver Tabela 6).

Tabela 6 Velocidade nos Corredores (Km/h){ TC "Tabela 6 Velocidade

nos Corredores" \f F \l "1" } *

Assis Brasil no ônibus Farrapos no ônibusano

ônibus carros hora-pico ônibus carros hora-pico

1978 12,6 24,0 218 16,4 21,9 442 1981 13,6 28,5 300 14,1 18,0 454 1985 20,2 26,8 n.d. 15,7 25,5 n.d. 1987 14,4 n.d. n.d. 16,2 n.d. 272 1990 19,0 n.d n.d. 17,5 n.d n.d.

Fonte: Lindau (1987) e Gardner (1990), entre as 18h. e 19h., sentido C-B n.d.: não disponível

169

Um dos trechos mais críticos do corredor é o existente entre o

Viaduto Obirici e a rua Francisco Trein. Neste trecho ocorre o maior carregamento

proporcional, em um único trecho, entre as radiais urbanas: 40.444 passageiros, das

17h às 20h, no sentido C-B. Desde 1986, uma pesquisa EDOM identificava a concen-

tração de passageiros neste segmento do corredor, como mostra a Tabela 7.

Tabela 7 Passageiros Embarcados por Estação{ TC "Tabela 7

Passageiros Embarcados por Estação" \f F \l "1" }*

Estação Pass.Urbanos Interurbanos

Obirici 3.264 2.207

C. Comercial 1.789 962

Cristo

Redentor 1.649 1.234

Fonte: SMT, Pesq. EDOM, 1986 * pico da tarde, das 17h às 20 horas.

Apesar da relativa defasagem no tempo, este quadro não mudou

muito nos dias de hoje. Em termos proporcionais, estas três estações (das oito

existentes), detém uma fatia de 49% dos passageiros urbanos e 47% dos passageiros

interurbanos do total do corredor.

A Estação Obirici, junto ao Viaduto do mesmo nome, merece um

destaque especial. Recente estudo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre

(SMT/SECAR, 1993), assinala que os tempos de embarque chegam, em determinados

momentos, a 10,4 segundos por passageiro, contra aceitáveis 2 segundos, o que

prolonga o tempo de viagem pelo atraso na partida dos veículos. Outro dado

interessante, é a existência de uma virtual integração radial-transversal e isomodal

entre o eixo da Assis Brasil e a linha transversal T1. Por levantamentos O/D, reali-

170

zados pela SMT/PMPA, identificou-se que 83% dos passageiros embarcados no

terminal da linha T1 tem origem na estação Obirici, que funcionaria, neste caso, como

uma estação de transbordo, mesmo sem as mínimas condições físicas para cumprir

este papel.

Se estes problemas perdurarem por mais tempo, e mesmo

atualmente, as condições de conforto dos passageiros e o tempo total de viagem no

Corredor Assis Brasil tendem a deteriorar-se inexoravelmente. Vários sintomas mais

visíveis desta situação podem ser constatados pela simples observação atenta da

operação no Corredor, na hora-pico (matutina ou vespertina): a excessiva lotação de

muitos veículos, contrastando com a baixa ocupação de outros, o excessivo tempo de

embarque nas estações (Obirici, p.ex.) ou o desnecessário número de percursos

interurbanos ao centro.

É necessário, portanto, que se desenvolvam técnicas e metodologias

apropriadas - como as técnicas de Preferência Declarada -, para contribuir na solução

destes problemas, capazes de prever o comportamento da demanda, caso se alterem

algumas variáveis fundamentais do nível de serviço.

VII.2) Definição do Design e complexidade da pesquisa{ TC

"VII.2) Definição do Design e complexidade da pesquisa" \f C \l "2" }

(a) DEFINIÇÃO DOS ATRIBUTOS: O objetivo da pesquisa foi

verificar o valor que os usuários atribuíam ao conforto e ao tempo de viagem no

Corredor Assis Brasil. Para estimar tais valores, foram utilizadas as técnicas de

Preferência Declarada, conforme a abordagem teórica do Capítulo VI.

Em relação ao atributo CONFORTO, foi adotado o conceito de

"lotação do veículo", medido através do número de passageiros por metro quadrado

171

de área útil (densidade), como a representação mais usual e significativa para os

usuários e nos estudos de demanda em transportes (ver seção III.5). Quanto ao

atributo TEMPO DE VIAGEM, foi adotado o significado de "tempo total de viagem",

isto é, o somatório entre o tempo de acesso ao terminal de origem, o tempo de espera

pelo ônibus, o tempo dentro do veículo e o tempo de acesso ao local de trabalho a

partir do terminal de destino. O valor do tempo estimado nesta concepção se

relaciona, portanto, não só ao sistema de transporte em si, como também à própria

localização residencial e a área de influência do corredor norte - Av. Assis Brasil.

Para assegurar que o usuário percebesse claramente os diversos

níveis de conforto e tivesse condições de optar claramente entre duas alternativas,

(com os respectivos tempos de viagem e tarifas cobradas) optou-se pela visualização

através de um desenho dos veículos com diferentes níveis de ocupação: 2, 3, 5, 7 e 8

pass./m2. Os desenhos foram baseados no modelo de um ônibus urbano OF 1315,

carroceria Torino e chassis Mercedes-Benz, com lotação sentada de 45 pessoas mais

8,66 m2 de área útil, por ser um dos tipos predominantes na frota de ônibus da cidade.

Assim, aproximou-se bastante da realidade, a nível da visualização da lotação do

veículo. Por exemplo, um veículo com o pior conforto, 8 pass./m2, corresponde à

lotação completa de banco e todo a área restante ocupada densamente; enquanto que

um veículo com o melhor conforto, 2 pass./ m2, corresponde a todos passageiros

sentados, com alguns assentos ainda disponíveis. A visualização dos vários níveis de

ocupação foi dada pela Figura a seguir.

Figura 2

Representação dos níveis de Conforto{ TC "Figura 2

Representação dos níveis de conforto" \f A \l "1" }

8 pass/m2

172

7 pass./m2

5 pass./m2

3 pass./m2

2 pass./m2

b) DEFINIÇÃO DOS NÍVEIS PARA CADA ATRIBUTO: a variação

dos níveis de CONFORTO, entre duas alternativas, foi estabelecida em: 0 pass./m2

(variação nula), 2 pass./m2 (variação baixa), 4 pass./m

2 (variação média) e 6 pass./m

2

173

(variação alta). O item TEMPO DE VIAGEM foi dividido em três níveis de variabilidade:

0 (nulo), 5 (baixo) e 15 (alto) minutos para usuários com tempo atual aproximado de

15 minutos; 0, 10 e 20 minutos para usuários com tempo atual aproximado de 30

minutos; e 0, 15 e 25 para usuários com tempo atual aproximado de 45 minutos.

A definição de 4 níveis de conforto e 3 níveis de tempo de viagem

fixou em 12 combinações possíveis entre estes atributos em pares de alternativas.

Como em uma das escolhas a variação do conforto e do tempo de viagem eram

simultaneamente zero, restaram 11 escolhas possíveis (11 "cartões" com duas

alternativas). Cada escolha implicava em optar entre a Alternativa "A" com um nível de

conforto, um nível de tempo e uma tarifa associada e uma Alternativa "B" com outros

níveis de conforto, tempo e tarifa associados (ver modelo-padrão do Questionário, em

Anexo).

(c) SEGMENTAÇÃO DA AMOSTRA: as variações do tempo de

viagem aproximado (em 15, 30 e 45 minutos), correspondem à um nível de

segmentação das entrevistas, o outro nível de segmentação corresponde às

diferenças salariais dos usuários: usuários ganhando 1 salário mínimo, 3 salários-

mínimos e com 9 salários-mínimos. Estes valores correspondiam, no mês da

pesquisa, a aproximadamente: CR$ 75.000,00, CR$ 225.000,00 e CR$ 675.000,00

(Cruzeiros Reais, em valores de Abril de 1994).

Assim, cada indivíduo entrevistado recebeu um questionário (com 11

escolhas a definir), com valores próximos e mais adequados ao seu tempo atual de

viagem e ao seu salário. Isto foi feito para tornar as respostas (as escolhas hi-

potéticas), mais realísticas e minimizar a possibilidade de distorções.

As entrevistas foram realizadas com indivíduos que utilizam o

Corredor Assis Brasil (inclusive como destino, não importando a origem), para a

realização de viagens matutinas por motivo-trabalho. Neste tipo de viagem, motivo-

trabalho com origem no domicílio, o valor do tempo tende a ser mais real que em

174

outros motivos ou horários, onde o usuário “flexibilizaria” o valor atribuído ao tempo de

viagem, como nas viagens motivo-trabalho de volta para casa, no final do dia.

(d) DEFINIÇÃO DO VALOR DO TEMPO: conforme a argumentação

teórica vista na seção III.5.1, adotou-se um valor do tempo equivalente a 50% da

renda monetária dos indivíduos correspondendo à CR$ 3,00, 9,00 e 27,00 cruzeiros

por minuto (valores de Abril/94), respectivamente para as três faixas salariais. Este

valor foi arbitrado, devendo ou não ser comprovado pelos resultados do modelo.

Considerou-se, para esta definição preliminar do Valor do Tempo (VT), uma jornada

de oito horas diárias de 26 dias mensais; os valores das faixas salariais foram

arredondados, iguais aqueles adotados na segmentação da amostra.

(e) DEFINIÇÃO DOS CUSTOS (TARIFAS) NAS ESCOLHAS: cada

escolha implica em duas alternativas que combinam níveis diferenciados de tempo de

viagem (de acordo com a segmentação definida) e de conforto, além de um custo

específico que neste caso, foi considerado igual a tarifa cobrada dos usuários. A

alternativa de menor (ou igual) conforto, ou maior (ou igual) tempo de viagem, foi

associada com o valor vigente à época, correspondente a CR$ 340,00, enquanto que

a tarifa associada à alternativa de maior conforto e menor tempo de viagem foi fixada

em valores superiores. A tarifa da “alternativa B” aumenta proporcionalmente ao valor

do tempo atribuído em cada faixa salarial (CR$ 3, 9 e 27 p/min.), e aumenta, também,

de acordo com a magnitude das diferenças de tempo e conforto entre as alternativas.

Pode-se observar melhor estas variações, através da relação de valores utilizados em

todos os tipos de questionários, em Anexo.

Os valores foram calculados a partir do conceito de “Valores Limites”,

que é o valor limite de utilidade de um atributo em relação ao outro (Fowkes, 1991).

Este número expressa a taxa de substituição de um valor pelo outro. Seria o "ponto de

indiferença", onde o grau de satisfação do usuário (utilidade) é o mesmo em relação a

dois atributos diferentes. Admita-se, por exemplo, os coeficientes a1 e a2 como os

175

parâmetros dos atributos "T" (Tempo de viagem em minutos) e "Conf" (Conforto em

pass/m2), respectivamente. Dada a função utilidade:

U = a1.T + a2.Conf (7.1)

a diferença entre duas alternativas (opções para o usuário), seria

expressa, então, por:

UA - UB = a1(TA - TB) + a2(ConfA - ConfB) (7.2)

no ponto geométrico onde fosse indiferente a escolha entre as duas

alternativas, ter-se-ía:

-a1(TA - TB) = a2(ConfA - ConfB) ou

a1/a2 = (ConfA - ConfB) / (TA - TB) (7.3)

Então o Valor Limite (VL) do Tempo, expresso em termos de

Conforto, poderia ser expresso da seguinte forma:

VLTA = (ConfA - ConfB) / (TA - TB) (7.4)

e o inverso:

VLConfB = (TA - TB) / (ConfA - ConfB) (7.5)

Os Valores-Limites podem ser Fixos, por exemplo, quando em

determinada escolha só varia o tempo, o conforto permanece igual. Neste caso, o

incremento na tarifa será causado somente pela variação do tempo, e vice e versa; ou

podem ser Variáveis quando os dois atributos variam simultaneamente. Neste último

caso, definiu-se cinco proporções numéricas de equivalência (que são hipóteses a

serem verificadas), relacionando o Valor do Tempo com o Valor do Conforto, ou seja,

supõe-se que o Valor do Tempo possa ser de um terço até três vezes maior que o

Valor do Conforto, conforme a expressão abaixo:

VTA = k ( VConfA )

onde k = {0,3, 0,5, 1, 2, 3}

176

Todos os questionários, em todas as segmentações por tempo

aproximado de viagem e renda dos usuários (considerada como o salário), têm os

mesmos níveis de variação do conforto já mencionados. O que muda são os níveis de

variação do tempo; quanto maior o tempo atual de viagem, maior é a amplitude entre

as diferenças, pois 5 minutos a mais ou a menos de tempo, produz impactos

diferentes entre indivíduos habituados a dispender 15 ou 45 minutos de casa até o

local de emprego. Mudam também, proporcionalmente, os Valores do Tempo (VT) em

relação à renda dos usuários. Como muda o valor do tempo e ampliam-se as

diferenças de tempo entre as escolhas, naturalmente, os valores tarifários crescem

proporcionalmente atingindo em seu ponto máximo (25 minutos de diferença, para os

usuários com 45 minutos, máxima renda (9 SMs) e diferença de 6 pass./m2 entre as

alternativas), aproximadamente quatro vezes os valores da tarifa vigente do modo

ônibus.

(f) A MODELAGEM DOS DADOS: em termos gerais, os usuários

preferem "menos" transporte à "mais" transporte, implicando no conceito de

(des)utilidade. Desta forma, pode-se representar sua função objetivo segundo a forma

geral da função utilidade como:

Min U = f(X) (7.6)

Sujeito a R

onde “U” é a função de (des)utilidade, “X” é o vetor de atributos e “R” as restrições,

normalmente a limitação orçamentária (Senna et alii, 1994). Como o que interessa,

sempre, é a diferença de utilidade entre duas alternativas e três atributos (conforto,

tempo de viagem e custo), pode-se representar a equação (7.6) do seguinte modo:

UA-UB = + a1(TA-TB) + a2(ConfA-ConfB) + a3(CA-CB) (7.7)

onde:

177

UA-UB = ∆U = diferença de utilidade entre as duas alternativas "A"

e "B";

a1, a2, a3 = são os parâmetros a serem estimados;

T, Conf, C = são as variáveis explicativas do modelo,

respectivamente, tempo de viagem (em minutos), conforto (em pass./m2) e custo

(tarifas).

Como pressupõe-se que o processo de escolha dos usuários

envolve uma parcela de racionalidade, que há um componente de subjetividade na

decisão e que cada indivíduo reage de maneira diferente às alternativas que lhe são

oferecidas, devemos adotar uma função probabilística para a demanda. Assim a

probabilidade de escolher a alternativa "A", p.ex., em detrimento da "B", é expressa

por:

PA = prob [UA≥ UB] (7.8)

Admitindo-se que a utilidade das alternativas (UA e UB) sejam

variáveis aleatórias (probabilísticas), elas podem ser decompostas em dois elementos

básicos: um componente sistemático e um componente aleatório. Sendo assim a

expressão (7.8) poderia ser escrita de outra forma:

PA = prob [ (VA - ε A) ≥ (VB - ε B )] (7.9)

Onde "VA" é o elemento sistemático - traduzindo o comportamento

racional do usuário; e "ε B" o elemento aleatório - que representa o componente de

subjetividade de sua decisão. O que importa é a magnitude da diferença entre os

elementos sistemáticos em relação aos termos aleatórios (ou termos de perturbação),

assim poderíamos reescrever a expressão (7.9) da seguinte forma:

PA = prob [ (VA-VB) ≥ (ε A - ε B )] (7.10)

Sabe-se que as probabilidades de escolha não são afetadas quando

adicionamos ou multiplicamos as diferentes utilidades por uma constante. Sendo

178

assim, torna-se necessário estabelecer uma escala relacionada à parte sistemática

(VA e VB) da função, isto é, fazer com que as perturbações tenham o mesmo valor

para o conjunto de utilidades. Para fazer isto, basta assumir uma determinada

distribuição de probabilidade23

para a diferença entre os termos de perturbação (ε A -

ε B ), segunda parte da expressão anterior. Como os elementos de perturbação

expressam erros de diversas origens, diferentes tipos de distribuições de

probabilidade determinam os modelos a serem escolhidos. Esta escolha é arbitrária e

depende de qual delas se ajusta melhor à perturbações verificadas no processo de

estimação. Pode-se adotar uma distribuição Normal (no caso do modelo probit) ou

uma distribuição de Weibull ou Gumbel no caso do modelo logit (Novaes, 1986).

Em uma formulação menos rigorosa, pode-se interpretar os

elementos sistemáticos da expressão (7.10) como as médias da função utilidade,

como a apresentada em (7.6). Estes elementos, assim, seriam aproximações da

própria função utilidade, eles são compostos de atributos que caracterizam o sistema

e pelas características sócio-econômicas, eventualmente agregadas como variáveis

explicativas (GEIPOT/MIT, 1982).

A modelagem da estrutura de decisão dos usuários, em termos

probabilísticos, é normalmente feita com base no modelo logit (Wardman, 1988;

Senna, 1993 e 1994), cuja forma funcional para o caso multinomial é:

e-UA

PA = (7.11)

Σ e-UB

B=1,n

23 A distribuição de probabilidade de uma variável é uma função que representa o conjunto de ocorrências de todos os valores de uma variável em termos de

probabilidades cuja soma é sempre 1. No caso de variáveis discretas ela é denominada de "função densidade de probabilidade". A mais conhecida é a "distribuição normal de probabilidade" (ou distribuição de Gauss) que se graficada dá origem à "curva normal" (simétrica em forma de "sino"), a área sob a curva representa o espaço total de probabilidades de ocorrência da variável dependente (x).

179

Onde PA é a Probabilidade do usuário escolher a alternativa "A", "e"

é o logaritmo de base neperiano (e=2,7183) e UB a soma do valor das utilidades das

demais alternativas "B" envolvidas. Uma das propriedades mais importantes deste

modelo é a “Independência de Alternativas Irrelevantes (IAI)”. Esta propriedade é

formulada nos seguintes termos: "quando duas alternativas quaisquer tiverem

probabilidade de serem escolhidas, a relação entre a probabilidade de uma sobre a

outra não é afetada pela ausência ou presença de qualquer alternativa adicional ao

conjunto escolhido" (Ben Akiva e Lerman, 1985). Isto significa, em outras palavras,

que para um indivíduo o quociente das probabilidades entre duas alternativas é

independente e não é afetado pelas utilidades de todas as outras alternativas, no

conjunto possível de escolha. Outra propriedade importante diz respeito à

consideração dos termos de perturbação como independentes e identicamente

distribuídos.

A estimação da utilidade é feita através de modelos comportamentais

específicos para funções logísticas (modelos Logit e Probit e suas variações), tanto

para dados de PD quanto de RP. No caso da forma binomial do modelo logit, pode-se

linearizá-lo, através do uso de logaritmos, e estimar os parâmetros por meio de

Regressão Linear Múltipla24

. A forma linearizada da equação (7.7) seria expressa

como:

log [PA/(1-PA)] = a1 (TA-TB) + a2 (ConfA-ConfB) + a3 (CA-CB) (7.12)

onde:

an = coeficientes estimados por Regressão Múltipla;

log [PA/(1-PA)] = é a probabilidade de escolher a “alternativa A”

sobre a probabilidade de não escolher a “alternativa A”; 24 o objetivo principal de uma Análise de Regressão é predizer o valor da variável dependente dadas outras variáveis ditas independentes. A equação de

regressão é a forma algébrica pela qual se determina este valor. As hipóteses da Regressão são: a variável dependente deve ser sempre aleatória, a relação entre as variáveis é linear e as variâncias (medida de variabilidade em relação à média) das distribuições condicionais das variáveis independentes são todas iguais (homoscedasticidade), no caso de uma distribuição normal.

180

Esta expressão acima é considerada a variável dependente e

representa a escolha que os usuários fazem, de acordo com valores de

probabilidades, previamente arbitrados numa escala de cinco níveis (Bates, 1984;

MVA et alii, 1987). Ou seja, em cada par de alternativas (num total de 11 escolhas),

define-se a resposta como "indiferente" para uma probabilidade de escolha de 0,5

(50% de chance para cada alternativa) e simetricamente para cada alternativa:

"certamente escolho A" como 0,9 (90%), "provavelmente escolho A" com 0,7 (70%),

numa direção; e "certamente escolho B" com 0,3 (30%) e "provavelmente escolho B"

com 0,1 (10%), na outra direção. Deve-se lembrar que a alternativa "A" sempre está

associada aos menores valores de custo (e maiores ou iguais valores de tempo e de

pass./m2 - desconforto), em relação à alternativa "B".

(g) MONTAGEM DO QUESTIONÁRIO: o questionário foi dividido em

duas partes. A primeira contendo perguntas sobre dados sócio-econômicos e outras

características: uso de Vale-Transporte, idade, sexo, renda familiar aproximada, posse

de automóvel, natureza do horário de trabalho (fixo ou não), freqüência de uso do

ônibus (“todos ou quase todos os dias”, “somente às vezes” e “raramente”), quantas

pessoas moram na residência do entrevistado, quantas pessoas, destas, estão traba-

lhando, e o bairro e cidade de residência atual do entrevistado (ver modelo-padrão do

questionário, em Anexo).

Estas questões foram inseridas para possibilitar a estimação dos

modelos, considerando o efeito de algumas variáveis sobre o valor do tempo e do

conforto dados pelos usuários, como também, para possibilitar o desenvolvimento de

estudos posteriores a partir de um banco de dados já sistematizado. Algumas

hipóteses podem ser formuladas em relação às variáveis, por exemplo: (1) usuários

que usam Vale-Transporte25

poderão estar dispostos a pagar mais por mais conforto e

menos por tempo de viagem que os não-usuários de VT; (2) usuários com horário fixo

25 O Vale Transporte foi implantado a partir de 1985 e constitui-se basicamente da compra pelo empregador das passagens necessárias para o empregado se

deslocar até o emprego, sendo que até uma faixa de 3 SM o limite máximo de desconto no salário é de 6%, constitui um benefício econômico para as faixas de baixa renda e como é utilizado na forma de fichas (tickets) facilita, também, o embarque de passageiros e o controle da arrecadação dos veículos. Em Porto Alegre corresponde a cerca de 40% dos passageiros transportados.

181

para iniciar o trabalho tendem a pagar mais por menos tempo de viagem que outros;

(3) a valorização do nível de serviço (tempo e conforto, neste caso) deve crescer

proporcionalmente à renda percebida, e assim por diante.

Na segunda parte do questionário foram apresentados os 11 pares

("cartões") de escolhas conforme o design de Preferência Declarada. Foi adotado o

tipo "fatorial fracionado", que são combinações sucessivas e relacionadas das três

variáveis e a escala semântica de preferências (Fowkes and Wardman, 1988). O

tamanho do questionário foi de 8 páginas; na primeira página no canto superior

esquerdo se identificou a faixa de renda e o tempo de viagem aproximado, conforme a

segmentação definida, para facilitar a manipulação dos pesquisadores, ao abordarem

os entrevistados. Todos os valores numéricos das escolhas em relação à tarifa da

alternativa "B" foram arredondados para facilitar a compreensão do entrevistado.

VII.3) Os Resultados da Pesquisa{ TC "VII.3) Os Resultados da

Pesquisa" \f C \l "2" }

(1) APLICAÇÃO E VALIDAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS: Após a

definição da estrutura do questionário, foram realizadas as entrevistas com 181

usuários do Corredor Assis Brasil, no local de trabalho na área de influência do

corredor (na Avenida Assis Brasil e ruas adjacentes). O trecho pesquisado foi

delimitado pela Estação Obirici, ao sul, e pela estação Cristo Redentor, ao norte,

passando pela estação Centro Comercial, porque neste trecho concentra-se a maior

parte dos destinos no corredor e o uso do solo é relativamente homogêneo.

Predominam o pequeno e médio comércio varejista (vestuário, eletrodomésticos,

alimentação, mobiliário, etc.) e alguns serviços.

182

O trabalho de campo foi realizado com a ajuda de 10 pesquisadores

da Secretaria Municipal de Transportes (PMPA), habituados à pesquisas neste

corredor. As entrevistas foram realizadas no período de 23 a 27 de Maio de 1994.

Na análise preeliminar dos questionários aplicados foram validados

134, semi-validados 13 e invalidados 34. Os principais motivos de rejeição foram

causados pela não-variabilidade das respostas dos usuários ao longo das 11 escolhas

solicitadas (50%, ou mais, de respostas iguais), isto é, não se efetivaram os trade offs

esperados, o que tornaria irreal e distorceria o valor estimado dos atributos. Optou-se

por trabalhar com 134 questionários válidos, que propiciaram, assim, o significativo

volume de 1.474 observações (respostas) para estimar os coeficientes do modelo

segundo a equação (7.12).

(2) ESTIMAÇÃO DOS COEFICIENTES DE REGRESSÃO PAR-

CIAIS: Através de softwares disponíveis para organização de bancos de dados

relacionais e cálculos estatísticos de Regressão Múltipla, definiu-se os modelos de

acordo com as várias combinações possíveis. Ao invés de se considerar a variável

custo (diferenciação de custos entre as alternativas), foi utilizada uma variável que

combina custo e renda (divisão da tarifa pela renda do usuário), pois esta é a forma

para incorporar explicitamente, na especificação do modelo, os efeitos produzidos

pelas restrições de renda, ainda mais em contextos onde predominam baixos salários

como é o caso desta pesquisa (Senna et alii, 1994).

Considerando os objetivos desta dissertação - de exploração e

verificação da validade metodológica das técnicas de PD - foram exploradas na

estimação dos modelos apenas algumas combinações possíveis dos três atributos

(tempo, conforto, e Custo/Renda), com as variáveis apresentadas na Parte I do

questionário. Foram montados arbitrariamente três tipos de agrupamentos de variáveis

independentes, com o auxílio de variáveis dummy 26, e, além disso, considerou-se

26 a variável dummy é uma variável discreta que pode assumir valores 1 e 0 e auxilia na melhoria do processo de estimação.

183

como renda predominante dos empregados (usuários de ônibus) naquele trecho do

corredor, o valor de três Salários Mínimos (faixa intermediária da segmentação).

Foram estimados 28 modelos, subdivididos em três grupos de

variáveis explicativas, de modo a alcançar os melhores resultados, em termos de

significância estatística e capacidade explicativa da preferência dos usuários

(Coeficiente de Determinação, r2)27.

Na primeira coluna das tabelas a seguir (Tabelas 8, 9 e 10) estão o

nome das variáveis utilizadas. As variáveis CONFORTO, TEMPO e CUSTO/RENDA

(tarifa/renda) estão presentes nos três grupos. Na primeira linha das mesmas tabelas

está o número de identificação dos modelos ( das equações de regressão múltipla) e

abaixo dos coeficientes (entre parênteses) o valor da estatística t 28

.

Grupo (1): Envolvendo as variáveis explicativas Conforto, Tempo,

Tarifa, Custo/Renda (tarifa/renda) e as variáveis dummy "DummyRenda" e

"DummyTempo".

Tabela 8 Modelos Estimados no PRIMEIRO GRUPO{ TC "Tabela 8

Modelos Estimados no Primeiro Grupo" \f F \l "1" }

Modelos Estimados

(1) (2) (3) (4)

1) Conforto -0,1495 -0,1523 -0,1424 -0,1326 (-10,54) (-11,01) (-10,93) (-10,65) 2) Tempo 0,0096 0,0092 0,012 -0,0012 (1,85) (2,5) (2,5) (-6,75) 3) Tarifa -0,0008 -0,0082 -0,0008 ---- (-3,63) (-3,57) (-3,41) 4) Custo/Renda ---- ---- ---- ---- 5) DummyRenda 0,0996 ---- ---- ----

27 o coeficiente de determinação múltipla (ou correlação) varia de entre 0 e 1 (quanto maior o valor, maior é a correlação) e indica a proporção de variância da

variável dependente que pode ser estatisticamente atribuída ao conhecimento das variáveis independentes, a proporção explicada da variável dependente é medida aproximadamente pelo quadrado do coeficiente; quando há efeitos de colinearidade (alta correlação entre as variáveis independentes) ou autocorrelação (ausência de independência na amostragem da variável dependente Y), o coeficiente r2 perde seus significado.

28 a estatística t é um teste estatístico dos coeficientes de regressão estimados baseados na distribuição de Student. Fixa-se um nível de significância de 5% ou 10%,p.ex., e os graus de liberdade (n-2) decorrentes do número de observações para definir o valor de t , que delimita a região crítica. A “Região Crítica” representa o espaço de pbrobabilidade onde r2 é um valor não-nulo. A seguir calcula-se a variância e o t crítico, tc.

184

(1,26) 6) DummyTempo

---- 0,1629 ---- ----

(2,1)

r2 0,0638 0,0656 0,0634 0,0607

Modelos

Estimados (5) (6) (7) (8)

1) Conforto -0,1558 -0,1523 -0,1744 -0,1829 (-10,55) (-11,01) (-8,15) (-8,57) 2) Tempo ---- 0,0094 -0,0209 -0,0244 (1,86) (-1,13) (-1,32) 3) Tarifa -0,0008 -0,0008 ---- ---- (-3,05) (-3,57) 4) Custo/Renda -321,156 ---- -1001,92 -1048,24 (-2,9) (-2,41) (-2,53) 5) DummyRenda ---- ---- 0,0359 ---- (0,47) 6) DummyTempo

---- 0,1629 ---- 0,1549

(2,1) (2,0)

r2 0,0648 0,0638 0,0615 0,0617

(cont.)

Modelos Estimados

(9) (10) (11) (12)

1) Conforto -0,1631 -0,1574 -0,1553 -0,1824 (-10,68) (-10,2) (-10,7) (-8,38) 2) Tempo ----- ----- 0,0008 -0,0242 (1,58) (-1,31) 3) Tarifa ----- ----- -0,0008 ----- (-3,63) 4) Custo/Renda -509,369 -540,667 ----- -1045,92 (-6,03) (-6,38) (-2,52) 5) DummyRenda ----- 0,0255 0,057 -0,0093 (0,34) (0,89) (-0,11) 6) DummyTempo

0,1421 ----- 0,1469 0,1576

(1,86) (1,82) (1,95)

r2 0,0617 0,05288 0,0653 0,0661

(cont.)

Modelos Estimados

(13)

1) Conforto -0,17167

185

(-8,33) 2) Tempo -0,01986 (-1,08) 3) Tarifa ----- 4) Custo/Renda -988,91438 (-2,39) 5) DummyRenda ----- 6) DummyTempo -----

r2 0,059646

Grupo (2): Envolvendo as variáveis explicativas Conforto, Tempo,

Tarifa, Custo/Renda, Vale-Transporte e Horário de início do trabalho.

Tabela 9 Modelos Estimados no SEGUNDO GRUPO{ TC "Tabela 9

Modelos Estimados no Segundo Grupo" \f F \l "1" }

Modelos Estimados

(1) (2) (3) (4)

1) Conforto -0,1329 -0,1345 -0,1281 -0,1641 (-9,87) (-10,06) (-9,56) (-7,77) 2) Tempo 0,0111 0,0105 0,0103 -0,0178 (2,51) (2,19) (2,17) (-0,97) 3) Tarifa -0,0009 -0,0010 -0,0011 ----- (-4,04) (-4,6) (-4,74) 4) Custo/Renda ----- ----- ----- -987,034 (-2,33) 5)Vale-Transp. -0,2318 ----- -0,1002 -0,1333 (-2,75) (-1,13) (-1,63) 6) Horário ---- -0,5883 -0,5472 ----- (-5,38) (-4,75)

186

r2 0,0676 0,0809 0,0811 0,0607

Modelos

Estimados (5) (6)

1) Conforto -0,1582 -0,1578 (-7,64) (-7,5) 2) Tempo -0,0157 -0,0155 (-0,86) (-0,85) 3) Tarifa ----- ----- 4) Custo/Renda -938,47 -937,45 (-2,28) (-2,27) 5) Vale-Transp. ----- -0,0089 (-1,1) 6) Horário -0,4647 -0,46052 (-4,35) (-4,02)

r2 0,07097 0,0703

Grupo (3): Envolvendo as variáveis explicativas Conforto, Tempo,

Custo/Renda, Vale-Transporte, Horário, as variáveis dummy "DummyRenda" e

"DummyTempo".

Tabela 10 Modelos Estimados no TERCEIRO GRUPO{ TC "Tabela 10

Modelos Estimados no Terceiro Grupo" \f F \l "1" }

Modelos Estimados

(1) (2) (3) (4)

1) Conforto -0,1671 -0,0216 -0,1753 -0,1682 (-7,65) (-7,24) (-8,02) (-7,83) 2) Tempo -0,0189 -0,0183 -0,0223 -0,0197 (-1,02) (-0,82) (-1,21) (-1,07) 3) Custo/Renda -981,653 -931,936 -1025,84 -990,579 (-2,36) (-2,26) (-2,47) (-2,4) 4) DummyRenda 0,0412 -0,0169 ----- ----- (0,54) (-0,22) 5) DummyTempo ----- ----- 0,1589 0,1324 (1,96) (1,71) 6) Vale-Transp. -0,1351 ----- 0,1294 ----- (-1,66) (-1,59)

187

7) Horário ----- -0,4685 ----- -0,4521 (-4,32)

(-4,23)

r2 0,0603 0,0704 0,0625 0,0719

Modelos

Estimados (5) (6) (7) (8) (9)

1) Conforto -0,1752 -0,1646 -0,1678 -0,1566 -0,1645 (-7,88) (-7,47) (-7,69) (-7,47) (-7,39) 2) Tempo -0,0222 -0,0184 -0,0196 -0,0151 -0,0184 (-1,2) (-1) (-1,07) (-0,82) (-0,99) 3) Custo/Renda -1025,16 -974,358 -989,56 -931,40 -974,199 (-1,2) (-2,36) (-2,4) (-2,25) (-2,36) 4) DummyRenda -0,0029 -0,0593 ------ 0,0162 -0,0591 (-2,47) (-0,74) (-0,21) (-0,73) 5) DummyTempo

0,1527 0,1495 0,1324 ----- 0,1494

(-0,03) (1,85) (1,71) (1,85) 6) Vale-Transp 0,1293 ----- -0,0090 -0,0070 0,0002 (1,88) (-0,1) (-0,08) (-0,02) 7) Horário ----- -0,4638 -0,4478 -0,4650 -0,4628 (-4,28) (-3,91) (-3,99) (-3,97) r2 0,0619 0,0719 0,0747 0,06974 0,0712

(2.1) ANÁLISE DOS RESULTADOS: Para serem válidos, os

coeficientes devem ser significativos (considerando um tc, t crítico, de 1,96). Quanto

ao coeficiente de determinação (r2) ele deve ser o melhor possível, pois mensura a

capacidade explicativa das variáveis independentes em relação as variações da

variável dependente (utilidade). O baixo valor encontrado de r2 não chega a constituir

um problema significativo, pois embora seja menor que em outros experimentos de

PD, ele ainda pode ser considerado aceitável, uma vez que se trabalha com uma

quantidade de 3 variáveis, em vez de duas, como é mais usual nas pesquisas de PD

(Wardman, 1991). Os sinais esperados dos atributos pesquisados devem ser

negativos, pois expressam a relação inversa entre as variáveis explicativas e a

variável dependente. Isto é, quanto mais aumenta o número de pass./m2

((des)conforto), o tempo de viagem (variável Tempo) e a tarifa (variável Custo/Renda),

menor será o grau de satisfação /utilidade (variável dependente). Quando o sinal do

188

coeficiente não é o esperado (sinal positivo), sua aceitação ou rejeição depende do

nível de significância (t crítico) associado à variável; quanto maior a significância de

um parâmetro com sinal incorreto (nesta caso, sinal positivo) , maior será a

possibilidade de rejeição da variável (Ortúzar & Willmsen, 1990).

O Primeiro Grupo incluiu, além das variáveis centrais (Conforto,

Tempo e Custo/Renda), a variável Tarifa (não relacionada à renda), e duas variáveis

dummy. Os modelos mais significativos - em termos de estatística t, coef. de determi-

nação, sinais e valor dos coeficientes - foram o (7), (12) e o (13). Este último modelo

foi utilizado para calcularmos o valor do Tempo de viagem e do conforto dos usuários,

nas unidades de medida especificadas (em minutos e pass./m2). Observe-se que o

coeficiente da variável TEMPO, neste primeiro grupo de modelos, não é significativo

para um nível de confiança de 95% (com um t crítico = 1,96). Isto pode ter acontecido,

talvez, porque a visualização dos níveis de conforto produziu um impacto maior na

percepção dos entrevistados. Ou porque, a diminuição do tempo de viagem

proporciona uma satisfação menor que a diminuição da lotação dos veículos

((des)conforto) para estes usuários, assim os usuários estariam dispostos a pagar

mais pela melhoria deste atributo.

No Segundo Grupo de modelos, onde foi introduzida a variável

"Vale-Transporte" e "Horário", os modelos mais significativos foram o (2) e o (5).

Ambos apresentaram r2 mais altos que a média dos anteriores. Porém no modelo (2),

o sinal da var. "Tempo" foi positivo (significando que quanto mais tempo de viagem,

maior seria a utilidade, o que é ilógico), além disto, este modelo não contemplou a var.

"Custo/Renda", que é fundamental para o objetivo deste trabalho. Já no modelo (5), a

estatística t da variável "Tempo" foi muito baixa, de -0,86, o que revela pouca

significância desta variável.

189

O modelo (5), entretanto, mostrou a importância da variável "Horário"

( classificado em “fixo” e “não fixo”, para começar a jornada de trabalho), na influência

sobre a preferência dos usuários:

Modelo (5):

U = -0,15826 (Conf) -0,01572 (T) -938,47 (Cust/Ren) -0,46475 (Hor) (-7,64) (-0,86) (-2,28) (-4,35)

A introdução da utilização ou não do Vale-Transporte não foi

significativa na maioria dos modelos, com exceção ao modelo (1), que incluiu como

var. explicativas também o conforto, o tempo e tarifa, rejeitando a var. Tempo, pois o

sinal está incorreto, teríamos o seguinte modelo:

Modelo (1):

U = - 0,13291 (Conf) - 0,00096 (Tar) - 0,2318 (Vale Transporte) (-9,87) (-4,04) (-2,75)

Observe-se que, neste modelo, a influência da tarifa (não

relacionada à renda) tem um coeficiente muito baixo, quase desprezível.

No Terceiro Grupo de modelos, foi eliminada a var. "Tarifa" e

utilizadas duas variáveis dummy, em relação à Renda e ao Tempo, na tentativa de

melhorar os resultados. Entretanto, a var. "Tempo" continuou não sendo significativa e

as variáveis "Horário" e "Vale Transporte" não alteraram significativamente o valor dos

coeficientes em relação aos modelos anteriores.

(3) O VALOR DO TEMPO E O CONFORTO: o valor do tempo pode

ser definido como a disposição do consumidor em pagar pela economia de uma

unidade marginal de tempo, durante uma viagem. Similarmente, o valor do conforto

190

pode ser definido com a disposição do consumidor em pagar para economizar uma

unidade marginal de (des)conforto durante uma viagem. Isto é, procura-se saber,

quantitativamente, quanto os usuários estão dispostos a pagar para diminuir 1 minuto

no tempo de viagem e diminuir em 1 pass./m2, na lotação do veículo.

Matematicamente, o Valor do Tempo (VT) é definido pela derivada

da função utilidade em relação ao tempo, pela derivada da função utilidade em relação

ao Custo ( ou Custo/Renda):

∂ U /∂ T VT = x Renda (7.13) ∂ U /∂ C

e para o Conforto:

∂ U / ∂ Conf VConf = x Renda (7.14) ∂ U / ∂ C

Aplica-se as expressões (7.13) e (7.14), então, ao melhor modelo

encontrado com os atributos Tempo de Viagem e Conforto.

O modelo (13) é o seguinte:

U = - 0,17167 (Conf) - 0,01986 (T) - 988,91438 (Cust/Ren) (-8,33) (-1,08) (-2,39)

Deve-se lembrar que a variável "tarifa" está incluída, considerando a

influência de uma renda predominante de 3 SMs (variável "Cust/Ren"). Os valores

encontrados para esta faixa de renda foram os seguintes:

191

VT = Cr$ 4,51 por minuto a menos de viagem;

VConf = Cr$ 39,06 por pass./m2 a menos no veículo;

Se for incluída influência do horário da jornada de trabalho, conforme

o Modelo (5) do Grupo 2, tem-se:

VT = Cr$ 3,77 p/min. e VConf = Cr$ 37,94 por pass/m2

O Valor do Conforto diminuiu 3% em relação ao Modelo (13)

(Conforto, Tempo e Custo/Renda), porém, o valor do tempo também diminuiu em 19%,

então é provável que a percepção do questionário em relação à variabilidade de tempo

entre as escolhas foi certamente desproporcional em relação ao conforto. Deve-se

observar que não estimou-se modelos somente com usuários "com tempo fixo" e "sem

tempo fixo", entretanto, pela amostra pesquisada, pode-se constatar que a maioria dos

entrevistados tem um horário fixo para iniciar a jornada. Por isso, a variação

significativamente menor do valor atribuído ao tempo não deve ser real, já que,

supostamente, usuários com tempo mais “rígido” para iniciar a jornada de trabalho

deveriam valorizar mais o tempo dispendido na viagem.

Para verificar a influência do Vale-Transporte, pode-se utilizar o

Modelo (4) do Grupo 2 (ver Tabela 9), tem-se:

VT = Cr$ 4,13 p/min. e VConf = 38,18 por pass/m2

Neste caso, o valor atribuído ao Tempo foi 9% menor e o atribuído ao

conforto 2% menor que o encontrado no Modelo (13), mas superiores em relação ao

modelo anterior, significando que a utilização do Vale-Transporte (maioria dos

entrevistados), faz com que o usuário se disponha a pagar mais por melhorias no

conforto, do que pagar mais por redução no tempo de viagem. O uso (ou não) do Vale

Transporte, não modificou essencialmente, entretanto, a relação verificada nos demais

modelos.

192

Apesar de não terem sido calibrados modelos específicos, de acordo

com cada condição ou restrição dos usuários aferidas na pesquisa, obteve-se

resultados concretos na mensuração do valor do tempo e do conforto. O valor

hipotético, inicialmente previsto, de Cr$ 9,00 por minuto de viagem (para a faixa

aproximada de 3 SMs), ficou bem acima do declarado pelos usuários. Isto sinaliza

para que, em futuros experimentos, se adote um valor inicial mais realístico, de modo

a tornar mais eficiente o processo de escolha. Quanto ao valor do conforto ( 1

pass./m2), que correspondeu a aproximadamente 10% do valor da tarifa vigente na

época (Cr$ 340,00), pode-se afirmar que esteja levemente superestimado, em função

dos problemas de percepção em relação ao questionário. De qualquer forma, ficou

demonstrado a possibilidade de medir quantitativamente, através de métodos mais

confiáveis, a preferência (e o valor) que o usuário dá a este atributo.

(4) A PROJEÇÃO DA DEMANDA: a possibilidade de projetar a

demanda em transporte utilizando o enfoque probabilístico de PD é dada pela

aplicação da equação (7.11). A probabilidade do usuário realizar a viagem é expressa

pela relação entre o valor da utilidade de determinada alternativa em relação ao valor

das utilidades das demais alternativas em questão.

Para exemplificar, suponha-se que, no Corredor Assis Brasil, as

condições atuais de operação em relação ao conforto oferecido na hora-ponta

matutina, o tempo médio de viagem motivo-trabalho dos usuários com destino na

Estação Obirici e a tarifa cobrada sejam, respectivamente: 7 pass./m2 (ônibus lotado),

20 minutos de viagem e R$ 0,37 (em Reais); o salário na faixa de R$ 210,00. Por

hipótese, imagine-se que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deseje a implantação

de um modo de maior capacidade, como o VLT ( ou ‘bonde moderno”), por exemplo.

Este modo, em condições satisfatórias de operação, poderia operar (no mesmo

corredor), com os seguintes valores hipotéticos: 3 pass./m2 (lotação de banco e alguns

em pé), 15 minutos de viagem e uma tarifa de $ 0,44 (20% maior). Utilizando o

Modelo (13), ter-se-ía um valor para a (des)utilidade no "modo ônibus" de -3,412 e no

193

"modo VLT", de -2,424. Note-se que a (des)utilidade do segundo é significativamente

menor.

Aplicando o modelo logit, conforme a expressão (7.11), tería-se uma

probabilidade do usuário realizar a viagem em VLT de 61,22%, e de realizar a viagem

por ônibus, de 38,78%, definida pela expressão:

e-Uonib

Ponib = (7.15)

e-Uonib + e-Uvlt

Onde "Ponib" é a probabilidade do usuário utilizar o modo ônibus,

onde “-Uonib", é a função utilidade correspondente e "-Uvlt", a função utilidade do VLT

hipotético.

Pode-se estimar o impacto de Políticas Públicas, como no exemplo a

seguir. Por hipótese, o modo VLT tivesse subsídio à tarifa (como é comum em modos

metro-ferroviários), reduzindo a tarifa de R$ 0,44 para R$ 0,25, a probabilidade de

usar VLTsubiria para 79,43%, e a probabilidade de usar ônibus diminuiria para

20,57%, mantidos os demais valores.

Note-se que estes valores podem estar levemente subestimados,

devido à pouca significância do fator "Tempo", como analisou-se anteriormente. Além

disso, em um projeto prático e concreto, outras características relevantes (e

favoráveis) em relação ao "bonde moderno", poderiam ser significativas na preferência

do usuário por este modo, tais como: facilidades nas estações, possibilidade de

integração, conforto interno dos vagões, menor variabilidade do tempo de viagem,

menores níveis de ruído e poluição, etc. Nestas circunstâncias, estes atributos

deveriam ser incluídos em um estudo de Preferência Declarada. Quanto mais

194

variáveis relevantes forem inseridas e estimadas, mais realista deverá ser o valor da

utilidade encontrado.

Se forem aplicados estes percentuais à demanda existente, podería-

se ajustar melhor o modelo, pois certamente haveria algum nível de distorção, devido

aos termos de perturbação analisados anteriormente (ver seção VII.2,(f)).

A previsão da demanda, de acordo com os modelos estimados,

poderia ser realizada considerando inúmeros fatores, isolados ou combinados entre

si, tais como, diferentes níveis de conforto, tempo, renda familiar, horários de trabalho,

tarifas diferenciadas, posse do automóvel, freqüência de uso do ônibus, sexo, idade,

etc.

Pode-se ainda, representar graficamente as elasticidades existentes

dos atributos Tempo de Viagem e Conforto, em relação à probabilidade do usuário

escolher entre as alternativas oferecidas. Suponha-se um modo de transporte,

denominado de Modo 1, cujas características básicas sejam: um nível de conforto de

2 pass./m2, uma tarifa de $ 0,37 e um tempo médio de viagem de 15 minutos. Em

relação a esta alternativa, supõe-se a existência de um Modo 2 de transporte, onde a

densidade (conforto), o tempo de viagem e a tarifa possam variar simultânea ou

isoladamente. Estas variações são ilustradas nos gráficos a seguir. Utiliza-se o modelo

(13) para estimar as utilidades e a expressão (7.11) para calcular as preferências

(probabilidades).

No Gráfico 2, pode-se observar o aumento da probabilidade de

utilização do Modo 1 (ou alternativa 1), na medida em que aumenta a densidade no

interior do veículo do outro modo, mantidas as tarifas e o tempo de viagem constate e

iguais ao Modo 1. Ou seja, quanto mais (des)conforto no modo 2, maior é a chance do

usuário optar pelo modo 1, com 2 pass./m2 .

Gráfico 2{ TC "Gráfico 2 - Probabilidade variando Conforto"

\f E \l "1" }

195

Prob. variando o Conforto no Modo 2

Prob. de uso do Modo 1 (%)

0

2

4

6

8

10

No Gráfico 3, a variação da probabilidade pode ser verificada de

acordo com a variação nos tempos de viagens do Modo 2, mantido o conforto e a

tarifa iguais ao modo 1. Cada intervalo corresponde a uma variação de 5 minutos a

mais de viagem no modo 2. Percebe-se que a variação do tempo de viagem no

modelo estimado tem menor influência na preferência do usuário, que a variação no

conforto, em termos de probabilidade de escolha.

Gráfico 3 { TC "Gráfico 3 - Probabilidade variando Tempo “ \f E \l "1" }

196

No Gráfico 4, observa-se a variação da probabilidade de escolha,

agora em relação ao aumento na tarifa do modo 2, mantidos os níveis de conforto e

tempo de viagem iguais ao modo 1. A Tarifa varia de $ 0,37 até $ 0,47. Observe-se

que, para um valor de $ 0,37, cobrado no modo 2 (sobre o eixo Y), a probabilidade de

escolha entre as duas alternativas é indiferente, ou 50%, pois as tarifas são iguais, a

partir deste ponto a probabilidade de uso do Modo 1 cresce proporcionalmente ao

aumento da tarifa no Modo 2..

Gráfico 4{ TC "Gráfico 4 - Probabilidade variando Tarifa" \f E \l "1" }

Prob. variando a Tarifa no Modo 2

Prob. de uso do Modo 1 (%)

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

No Gráfico 5, observa-se o efeito acumulado na probabilidade de

escolha do Modo 1 se, simultaneamente, forem majoradas os níveis tarifários e os

níveis de desconforto do Modo 2. Observe-se que, para valores de tempo de viagem

197

de 65 minutos e densidades de 10 pass./m2 , a probabilidade de escolher a outra

alternativa (Modo 1), chega a 86%.

Gráfico 5 { TC "Gráfico 5 - Probabilidade variando Tempo e Conforto" \f E \l "1" }

Prob. variando Tempo e Conforto noModo 2

Prob. de uso do Modo 1

010203040506070

Obs.: a primeira linha representa a variação no tempo de viagem e

a segunda, a variação nos níveis de conforto do Modo 2.

198

CAPÍTULO VIII

{ TC "CAPÍTULO VIII" \f C \l "1" }

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES{ TC "CONCLUSÕES E

RECOMENDAÇÕES" \f C \l "1" }

VIII.1) Problemas Operacionais e Metodológicos{ TC "VIII.1)

Problemas Operacionais e Metodológicos" \f C \l "2" }

O caráter pioneiro da presente pesquisa apresentou algumas

limitações que devem ser consideradas, em futuras aplicações de Stated Preference,

em nosso contexto sócio-econômico e de transportes. Pode-se dividir esta questão em

dois níveis: (a) problemas na percepção do usuário vinculados ao desenho do

questionário e sua aplicação e (b) problemas na contextualização da população-alvo

a nível sócio-econômico e de transportes.

No primeiro aspecto, ficou evidente que alguns fatores podem ter

prejudicado a capacidade de previsão dos modelos. Pode-se citar, por exemplo, a

representação do conforto na forma de um desenho que preenchia a maior parte do

campo visual dos usuários, enquanto o tempo de viagem foi representado apenas em

números. Ainda em relação ao desenho do questionário, a definição de 11 escolhas,

combinando as variáveis utilizadas, determinou um número talvez, excessivo de

escolhas. Embora o experimento siga o padrão recomendado, para muitos, pode ter

sido uma tarefa fatigante responder todo questionário; pois, a partir de determinado

ponto do questionário, pode-se deixar de dar a atenção devida ao conjunto das

respostas.

Quanto à operacionalização da pesquisa, isto é, à aplicação concreta

dos questionários, algumas dificuldades foram observadas. As entrevistas foram

199

realizadas no local de trabalho dos usuários, enquanto a maioria das pesquisas em

transporte ou são domiciliares, ou executadas nos terminais e interior do veículo. Esta

escolha estava relacionada ao tipo de amostra definida de viagens por motivo-trabalho

no Corredor Assis Brasil e, neste sentido, mostrou-se vantajosa em relação a outros

tipos de pesquisa. Contudo, muitas vezes encontrou-se dificuldades, junto aos

entrevistados, em preencher com calma e ponderadamente as respostas. O tipo de

atividade predominante (comércio varejista intenso), certamente contribuiu para que

isto ocorresse. Outro problema relevante foi a não dissociação, em alguns casos, das

escolhas hipotéticas e, portanto, não-existentes, a serem feitas, e a situação real

vivida dos usuários, no sentido do viés de "racionalização" dos comportamentos habi-

tuais.

Em relação à segmentação por renda da amostra escolhida,

apresentou-se ocasionalmente um viés entre a renda ganha e renda declarada. Alguns

tendem a super-dimensionar seu salário, quando ganham pouco ou muito pouco, ou-

tros fazem exatamente o contrário pelo motivo inverso.

O fato da amostra ser constituída basicamente por trabalhadores no

comércio, agravou ainda mais a identificação da renda real por pergunta direta, na

medida em que freqüentemente há um sistema de abonos, percentuais sobre vendas

e outros mecanismos flutuantes e sazonais de incremento salarial. Além disso, no mo-

mento da pesquisa vigorava uma Política Salarial no país com base num indexador

diário denominado URV (Unidade Real de Valor), portanto, o valor monetário, em

cruzeiros reais, mudava diariamente, enquanto que as tarifas do transporte público

permaneceram constantes. Algumas perguntas, como a posse de automóvel,

freqüência de uso do ônibus, número de domiciliados que trabalham, etc., poderiam

ter servido para inferir a renda real; entretanto, pela dificuldade adicional que

acarretariam, por exemplo, em termos acréscimo no tempo de preenchimento do

questionário, não chegou-se a realizar tal tentativa.

200

No segundo aspecto de problemas, as possíveis soluções

envolveriam alguns "artifícios" metodológicos. O sistema de transportes de Porto

Alegre, como de resto em todo o país, é fortemente regulamentado e funciona na

forma de oligopólio, ou monopólio se dividirmos o mercado segundo suas linhas ou

itinerários. A tarifa, por exemplo, é única e há poucas operadoras em cada corredor.

Isto faz com que o usuário não esteja habituado a realizar escolhas, ou trade offs,

como a técnica utilizada pressupõe. Ou seja, ao associar diferentes níveis de serviço

com diferentes tarifas cobradas, o usuário tende a superestimar, ou subestimar, o

valor do tempo ou do conforto, um problema comumentemente enfrentado em outras

pesquisas com PD, em transporte rodoviário inter-urbano (Carvalho, 1993). Há que se

desenvolver técnicas e procedimentos mais eficazes para aumentar a capacidade de

abstração dos entrevistados. Em próximas pesquisas, para superar este viés, talvez

seja necessário a aplicação de técnicas que estimem a função utilidade a partir do

comportamento passado dos usuários (Preferência Revelada), conjuntamente com

Preferência Declarada, no transporte coletivo urbano de passageiros.

Outra dificuldade diz respeito à conjuntura econômica vivida pelo

País. Aqui, reporta-se ao problema, então recorrente, dos altos índices inflacionários,

que não existem nos países de origem das técnicas utilizadas. No mês da pesquisa

(maio/94), os índices inflacionários atingiram a marca de 45%, que corresponde a uma

desvalorização diária do poder aquisitivo de quase 2%. A literatura econômica aponta

para uma perda da noção de "preços relativos" e até das funções normais da moeda

em tais situações (Mollo, 1993). Em outras palavras, a percepção do que é "caro" ou

"barato" se torna confusa, e a tendência é atribuir um valor proporcionalmente menor

ao dinheiro ao longo do mês. Provavelmente uma pesquisa no início do mês, numa

conjuntura inflacionária, estimaria uma modificação a maior nos valores do tempo e

conforto encontrados. E, em condições de estabilidade monetária, os parâmetros

estimados provavelmente seriam mais apropriados.

201

O caráter exploratório, da aplicação das técnicas de PD no trans-

porte coletivo de Porto Alegre, demonstrou que diversos aspectos operacionais e

metodológicos devem ser corrigidos em estudos futuros. Observando-se as

circunstâncias em que a pesquisa foi realizada e a ausência de estudos anteriores

utilizando estas técnicas em tais situações, considera-se plenamente satisfatório o

resultado alcançado e, particularmente, a demonstração concreta da validade

metodológica dos valores obtidos com dados de Preferência Declarada.

VIII.2) Conseqüências para o Planejamento Urbano e de Transportes{ TC "VIII.2) Conseqüências para o Planejamento Urbano e de Transportes" \f C \l "2" }

Viu-se nos capítulos iniciais desta dissertação, que a produção do

espaço urbano está intimamente vinculada ao sistema de transportes, e vice-versa.

Pôde-se identificar esta relação biunívoca e complexa tanto nas teorizações existentes

sobre a estrutura do espaço urbano, quanto nas teorias locacionais. Em Porto Alegre,

especialmente, estas relações se manifestam de forma contundente ao se considerar

a própria evolução da mancha urbana, ao longo dos principais eixos radiais de

transporte, desde o povoamento inicial até os dias de hoje.

Os modelos comportamentais desagregados, particularmente os que

utilizam dados de PD, podem se revelar de extrema utilidade com instrumentos

capazes de ajudar no processo de Planejamento Urbano. Na medida em que

fornecem estimativas mais desagregadas, tornam-se mais flexíveis para análise e

estudos de regiões específicas da cidade, corredores, bairros, etc. Isto torna o

método mais apto para captar as variações da demanda ocasionadas a curto prazo.

Variações, estas, que não necessariamente são causadas só por modificações

endógenas ao sistema de transportes, como a mudança de modalidade ou melhoria

operacional, mas, também, pela transformação do espaço em si.

202

Estas técnicas podem ser aplicadas na análise dos impactos das

Políticas Públicas sobre as modificações no uso do solo a médio e longo prazo, dado

que a preferência dos usuários pode depender da distância de seus domicílios aos

locais de trabalho, ou da existência de grandes equipamentos urbanos sob a influência

dos itinerários existentes. Neste sentido, se poderá evoluir para a incorporação de

variáveis explicativas do comportamento dos usuários, relacionadas à projetos

urbanísticos, de modo a captar os impactos destes projetos na evolução futura da

demanda por transporte. Assim, pode-se relacionar, inclusive quantitativamente,

diferentes simulações de padrões de uso futuro do solo na cidade, com diferentes

impactos prováveis sobre a preferência dos usuários e, a partir daí, reformular os

aspectos críticos dos projetos urbanos no que tange aos elementos de circulação e

deslocamento urbano. Seria oportuno saber, por exemplo, quais seriam os impactos

sobre a demanda por transporte se determinada política urbana tendesse a aproximar

os locais de emprego e moradia (alterando os atuais mapas de acessibilidade), do

ponto-de-vista da preferência dos usuários.

Outra aplicação metodológica possível, dentro do Planejamento

Urbano, seria a possibilidade de quantificarem-se atributos (qualidades) associados à

fatores espaciais ou das edificações, em relação à preferência (utilidade) dos

indivíduos. Por exemplo, a localização residencial, além de depender dos fatores

tradicionais como a acessibilidade e o preço do imóvel, depende de inúmeros outros

fatores, supostamente intangíveis e não-quantificáveis, como a aprazibilidade do local,

paisagismo, nível de poluição, estilo arquitetônico, luminosidade, vizinhança, etc. Com

o uso das técnicas de Preferência Declarada, poder-se-ía estimar qual o valor

monetário que os indivíduos estariam dispostos a pagar por estas qualidades ou

atributos e, também, quais seriam as variações na demanda por determinada

localização (ou tipo de residência), caso fossem provocadas mudanças em alguns

fatores. De igual maneira, para analisar e prever o comportamento da demanda por

203

localização comercial e industrial na cidade, em relação à preferência das empresas

ou do capital imobiliário, o uso destas técnicas poderia ser de grande valia.

Em relação ao Planejamento de Transportes, esta metodologia pode

reproduzir, com relativa confiabilidade, os resultados das políticas públicas em relação

às mais diversas variáveis envolvidas. Além das vantagens já analisadas

anteriormente, estas técnicas requerem amostras bem menores que as tradicionais

Entrevistas Domiciliares (EDOM), por exemplo. Os instrumentos estatísticos e

econométricos são mais simplificados e disponíveis, e os tempos de execução mais

curtos, resultando em menores custos globais na obtenção de resultados mais

qualificados. Atualmente, o comportamento da demanda de transporte ou é desconsi-

derado, sob o enfoque da qualidade dos transportes, ou é estimado por métodos

absolutamente não confiáveis, como a simples projeção da população a partir de

determinado ano-base. Pesquisas tem demonstrado que a preocupação predominante

dos usuários não tem sido com a tarifa, mas como a oferta do sistema, com seu

conforto e segurança.

A ausência de métodos confiáveis para aferição das reações efetivas

dos usuários de transportes é ainda menos justificada nos dias de hoje, quando o

transporte passa a ser visto sob a ótica da qualidade e produtividade, como um serviço

que influencia diretamente a vida de milhares de cidadãos, cativos ou não do sistema.

204

ANEXOS{ TC "ANEXOS" \f C \l "1" }:

I - Relação dos valores aplicados em cada segmentação nos questionários da pesquisa.

II - Modelo do Questionário Utilizado na Pesquisa.

III - Características da amostra pesquisada.

IV - Área Pesquisada (Corredor Assis Brasil - Eixo Norte).

205

ANEXO I

Relação dos valores aplicados em cada segmentação nos questionários da Pesquisa

Salário até Cr$ 75.000,00 Tempo de Viagem de 15 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 10 10 340 346

2 7 3 20 20 340 352

3 8 2 15 15 340 358

4 5 5 15 10 340 355

5 5 3 20 15 340 357

6 7 3 15 10 340 361

7 8 2 20 15 340 373

8 5 5 25 10 340 385

9 5 3 25 10 340 397

10 7 3 25 10 340 421

11 8 2 25 10 340 403

206

Salário até Cr$ 75.000,00 Tempo de Viagem de 30 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 30 30 340 346

2 7 3 35 35 340 352

3 8 2 25 25 340 358

4 5 5 35 25 340 370

5 5 3 35 25 340 372

6 7 3 35 25 340 376

7 8 2 35 25 340 388

8 5 5 40 20 340 400

9 5 3 40 20 340 412

10 7 3 40 20 340 436

11 8 2 40 20 340 418

207

Salário até Cr$ 75.000,00 Tempo de Viagem de 45 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 45 45 340 346

2 7 3 40 40 340 352

3 8 2 50 50 340 358

4 5 5 55 40 340 385

5 5 3 45 30 340 387

6 7 3 50 35 340 391

7 8 2 55 30 340 403

8 5 5 55 30 340 415

9 5 3 55 30 340 427

10 7 3 55 30 340 451

11 8 2 55 30 340 433

208

Salário até Cr$ 225.000,00 Tempo de Viagem de 15 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 10 10 340 358

2 7 3 20 20 340 376

3 8 2 15 15 340 394

4 5 5 15 10 340 385

5 5 3 20 15 340 390

6 7 3 15 10 340 403

7 8 2 20 15 340 439

8 5 5 25 10 340 475

9 5 3 25 10 340 511

10 7 3 25 10 340 583

11 8 2 25 10 340 529

209

Salário até Cr$ 225.000,00 Tempo de Viagem de 30 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 30 30 340 358

2 7 3 35 35 340 376

3 8 2 25 25 340 394

4 5 5 35 25 340 430

5 5 3 35 25 340 435

6 7 3 35 25 340 448

7 8 2 35 25 340 484

8 5 5 40 20 340 520

9 5 3 40 20 340 556

10 7 3 40 20 340 628

11 8 2 40 20 340 574

210

Salário até Cr$ 225.000,00 Tempo de Viagem de 45 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 45 45 340 358

2 7 3 40 40 340 376

3 8 2 50 50 340 394

4 5 5 55 40 340 475

5 5 3 45 30 340 480

6 7 3 50 35 340 493

7 8 2 55 30 340 529

8 5 5 55 30 340 565

9 5 3 55 30 340 601

10 7 3 55 30 340 673

11 8 2 55 30 340 619

211

Salário até Cr$ 675.000,00 Tempo de Viagem de 15 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 10 10 340 394

2 7 3 20 20 340 448

3 8 2 15 15 340 502

4 5 5 15 10 340 475

5 5 3 20 15 340 491

6 7 3 15 10 340 529

7 8 2 20 15 340 637

8 5 5 25 10 340 745

9 5 3 25 10 340 853

10 7 3 25 10 340 1069

11 8 2 25 10 340 907

212

Salário até Cr$ 675.000,00 Tempo de Viagem de 30 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 30 30 340 394

2 7 3 35 35 340 448

3 8 2 25 25 340 502

4 5 5 35 25 340 610

5 5 3 35 25 340 626

6 7 3 35 25 340 664

7 8 2 35 25 340 772

8 5 5 40 20 340 880

9 5 3 40 20 340 988

10 7 3 40 20 340 1204

11 8 2 40 20 340 1042

213

Salário até Cr$ 675.000,00 Tempo de Viagem de 45 minutos

Cartão Conforto

(pass/m2)

Tempo

(min.)

Custo

(em Cr$)

Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B Alt. A Alt. B

1 5 3 45 45 340 394

2 7 3 40 40 340 448

3 8 2 50 50 340 502

4 5 5 55 40 340 745

5 5 3 45 30 340 761

6 7 3 50 35 340 799

7 8 2 55 30 340 907

8 5 5 55 30 340 1015

9 5 3 55 30 340 1123

10 7 3 55 30 340 1339

11 8 2 55 30 340 1177

214

ANEXO II

Modelo do Questionário Utilizado na Pesquisa

215

216

217

218

219

220

221

222

ANEXO III

Características da amostra pesquisada

Grafico 1 - Residência dos Entrevistados

Grafico 2 - Uso do Vale-Transporte

Grafico 3 - Salário dos Entrevistados

Grafico 4 - Idade dos Entrevistados

Grafico 5 - Posse do Automóvel

Grafico 6 - Freqüência de uso do ônibus

Grafico 7 - Horário de Início do Trabalho

Grafico 8 - Entrevistados por Sexo

Grafico 9 - Numero de Residentes no Domicílio

223

224

225

226

227

228

229

230

231

232

ANEXO IV

Área Pesquisada (Corredor Assis Brasil - Eixo Norte)

233

234

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