A Imprensa recifense e a luta contra os regimes de exceção no século XX
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A Imprensa recifense e a luta contra os regimes de exceção no século XX
Aline Maria Grego LINS – doutora - Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP/[email protected] - [email protected] Paula Araújo de LIRA – graduanda (IC) – Universidade Católica de Pernambuco/[email protected]
Resumo: A imprensa pernambucana, em especial a recifense,
viveu no século XX momentos de euforia, com a abertura e
expansão de jornais dos mais diversos segmentos sociais, bem
como momentos de terror, com a censura e as perseguições
impostas a jornalistas e aos jornais pelos regimes de
exceção, a exemplo do Estado Novo e da ditadura militar. Dos
quase 100 jornais diários e semanários, de diferentes linhas
editoriais, que circularam no Recife nas primeiras décadas do
século XX, apenas dez conseguiram chegar ao ano de 1940,
entre eles o jornal mais antigo em circulação hoje na América
Latina, o Diário de Pernambuco. Essa história de ganhos e
perdas é, também, uma história de luta, tanto pela liberdade
de imprensa quanto pela defesa dos direitos civis. O objetivo
da nossa pesquisa foi não só registrar os jornais impressos
que circularam no Recife no século passado, mas, sobretudo,
resgatar parte do percurso de uma história marcada,
sobretudo, pela resistência.
Palavras-chave: jornalismo impresso – imprensa recifense -
censura
A censura não escolhe ideologia
Entre os quase cem periódicos que foram fundados, no
Recife, nas duas primeiras décadas do século XX, apenas dez
chegaram até 1940. Neste período, houve uma renovação da
imprensa local, com a abertura de novos periódicos, sobretudo
os que eram organizados e mantidos por jornalistas e
intelectuais da esquerda brasileira. Contudo, os regimes de
exceção acabaram impedindo a circulação dos jornais e a
atividade dos profissionais da imprensa, de maneira que
quando houve a abertura política, em 1985, apenas três
jornais de grande porte circulavam no Recife e a imprensa
alternativa batalhava para não ser dizimada.
As duas primeiras décadas do século XX, em Recife, foram
marcadas por intensas lutas políticas, travadas por
representantes das oligarquias locais, como a dos Rosa e
Silva, e políticos ligados às forças armadas, a exemplo do
General Dantas Barreto, ministro da guerra do governo Hermes
da Fonseca, que desejavam ocupar os cargos de maior destaque
no Governo de Pernambuco. Na época, os jornais de grande
circulação, na capital pernambucana, seguiam a mesma
tendência que os do restante do país: ou pertenciam a grupos
políticos ligados a essas oligarquias ou eram formados por
opositores.
Havia jornais apartidários, mas não se encontravam em
Recife jornais que se intitulassem neutros. A idéia de
imparcialidade, até 1950, não figurava nas páginas dos
impressos recifenses das duas primeiras décadas do século XX.
Se não defendiam partidos, ou grupos políticos, os impressos
eram elaborados com o intuito de defender alguma classe
social, criticando abertamente políticas e autoridades que,
de posse de cargos governamentais, iam de encontro aos
interesses daqueles que diziam representar.
Contudo, como é observado em toda a trajetória da
imprensa no mundo, o debate político extrapolou as páginas
dos jornais e, em muitos casos, foi responsável pela
perseguição e morte de jornalistas e empastelamentos das
redações. Um dos primeiros casos que abalou a capital
pernambucana ocorreu em 1913, quando o jornalista Trajano
Chacon foi assassinado na saída de um teatro por policiais à
paisana. Chacon era redator de Pernambuco, jornal fundado em
1908, que defendeu durante muito tempo a candidatura do
general Dantas Barreto ao governo estadual. Na época, Rosa e
Silva chegou a vencer as eleições, mas o opositor foi
empossado e reconhecido pela Assembléia Legislativa local.
Chacon, então, foi convidado a ocupar um cargo na Polícia nos
primeiros anos do mandato de Barreto (1911 – 1915). No
entanto, divergências surgiram e o jornalista, além de deixar
o cargo, começou a questionar a administração em artigos
opinativos. Estes teriam motivado sua morte, a pauladas, na
frente do Teatro Helvética, no Recife.
Embora nos relatos envolvendo o jornal Pernambuco,
Nascimento (1967) afirme que em conversas particulares Dantas
Barreto chegou a comentar que a única maneira de conter
Trajano Chacon seria a morte, os amigos do jornalista
acusavam a Chefia de Polícia de ter articulado a morte de
Chacon junto com os defensores da administração dantista, que
dirigiam o jornal A República. A suspeita não foi verificada
posteriormente. No entanto, os policiais acusados de matar o
repórter foram absolvidos em março de 1914, para revolta dos
dirigentes de Pernambuco, que em dezembro do mesmo ano
fechariam o periódico.
O episódio envolvendo Trajano Chacon serve para
exemplificar que estas práticas de censura aos profissionais
da imprensa, que seriam utilizadas largamente no Estado Novo
e no Regime Militar, eram incorporadas pelas instâncias
policiais, em alguns governos, como uma atividade de rotina.
Como expressa a coluna do jornalista Mário Melo, na Folha da
Manhã, em 1951, bastava um questionamento da atividade
governamental para que o repórter e o jornal sofressem
coação. É interessante verificar que não foram apenas em
regimes de exceção que o aparato policial, destinado
originalmente para garantir a segurança da população, era
usado como segurança particular dos governantes e repressores
da atividade jornalística de grande e pequeno porte.
A Hora Social, jornal organizado pela Federação da Classe
Operária de Pernambuco, foi um dos primeiros jornais
proletários da cidade, apoiado por jovens intelectuais
socialistas e operários, como afirma Sodré (1999), e um dos
mais vigiados pelas instâncias policiais. O diário possuía
oficina própria, e depois de ter em sua direção
representantes dos movimentos socialista e anarquista foi
dirigido pelo gráfico Sindulfo Correia Josué que trouxe para
as páginas de A Hora Social o lema “Órgão do Povo e Para o
Povo”. Os artigos e reportagens publicados no periódico
forçavam os redatores a comparecerem com freqüência ao
edifício da polícia para prestar esclarecimentos. Até que a
edição de 26 de outubro de 1920 foi o estopim para a
deflagração de uma greve. O governo local respondeu invadindo
e quebrando a redação, de modo que A Hora Social de tão marcada
pelas investidas da polícia acabou fechando as portas em 11
de dezembro do mesmo ano, como conta Nascimento (1967).
A situação na cidade, na virada da década de 1920 era
tão conflituosa, que Sodré (1999) assim descreve a rotina
recifense:
O ambiente na cidade é tormentoso, com desordens de rua,morrendo nelas o linotipista de A Província, Edgard de Oliveira.(...) Em maio de 1922 dá-se a ocupação militar na capitalpernambucana, a redação do Diário do Povo é atacada a bala, acirculação do Diario de Pernambuco e do Jornal do Recife é suspensa, obacharel Tomás Coelho é assassinado por uma patrulha, osórgãos governistas A Província e Jornal do Comércio recebem garantiasmilitares para o privilégio de circular. (...) Eram sinais
das paixões políticas desencadeadas, abrindo no paísprolongado período de turbulência. (SODRÉ, 1999, p. 356).
Essa turbulência foi reforçada com a eleição do mineiro
Artur Bernardes para a Presidência da República, em 1922
(Sodré, 1999). O quadriênio governado por Bernardes se
caracterizou, na história brasileira, pelo constante Estado
de Sítio. A perda das garantias individuais acabou criando
uma situação peculiar para a imprensa recifense. Entre 1922 e
1926, nenhum jornal diário conseguiu abrir as portas e se
firmar na capital pernambucana. O último a ser fundado foi o
Jornal do Commercio, em 1919, ainda durante o período de
Epitácio Pessoa na Presidência da República. O mandato de
Artur Bernardes a sua sucessão por Washington Luis acentuaram
o descontentamento de grupos políticos pernambucanos, que
representavam as oligarquias da cana-de-açúcar, com a chamada
política café-com-leite, que caracterizou o sistema de
alternância presidencial entre candidatos paulistas e
mineiros.
Em Recife, a família Lima Cavalcanti fundou o Diario da
Manhã, em abril de 1927, com objetivo claro de incentivar
quaisquer iniciativas que visassem interromper este processo.
Para eles e o líder político gaúcho, Assis Brasil, a quebra
com os regimes antidemocráticos deveriam ser incentivados
pela imprensa. Assim, na ocasião de fundação do jornal, Assis
Brasil enviou um artigo opinativo em que dizia:
Da imprensa partiram os primeiros gritos de alarma pelaurgência de remodelação nacional. Sem a sua doutrinação nuncateriam soado os primeiros estampidos das carabinaslibertadoras, cujos saudáveis efeitos são mais eficazesdepois que elas emudecem. Estamos em uma dessas passagenshistóricas! A suspensão do fogo convida o povo e governo àreflexão e à ação prudente para evitar a renovação da crisesangrenta. O Brasil civilizado e pacífico (...) continua aver na imprensa a bússola do seu roteiro e o íman poderoso deatração afetiva e racional entre os vastos elementos de suaestrutura colossal, que os bárbaros déspotas estão sempre atentar dispensar. (NASCIMENTO, 1967, p. 276).
No entanto, não foi com modos pacíficos que as críticas
ao ex-presidente Artur Bernardes foram recebidas pelo governo
pernambucano. Na passagem de Bernardes por Recife, um mês
depois, a sede do jornal seria cercada pela cavalaria e
qualquer pessoa que saísse ou entrasse no Diário da Manhã era
revistada. As criticas, que apareciam em artigos assinados e
charges, acabaram levando os redatores a comparecer na
Chefatura de Polícia para dar explicações. A partir deste
dia, o Diario da Manhã teria em sua rotina o constante
acompanhamento da polícia local, que chegou a prender o
repórter Hamilton Ribeiro, por publicar uma matéria falando
sobre o fechamento do Ambulatório Público, que o governo
estadual queria manter em segredo.
Segundo Nascimento (1967), no começo da década de 1930,
o jornal alertou os leitores de que até o serviço telegráfico
que recebia estava sendo censurado, por causa do apoio dado
pela direção do jornal ao Movimento Revolucionário, de
Getúlio Vargas. A sede do jornal serviu como espaço de
reunião para a cúpula do movimento, em Pernambuco, e no dia
26 de julho de 1930, horas depois de sair do DM, João Pessoa
seria assassinado na Confeitaria Glória, no Centro do Recife.
O jornal foi imediatamente censurado pelo governo local e a
situação foi normalizada, apenas, quando Vargas assumiu o
poder e Carlos de Lima Cavalcanti virou governador
provisório, o Diário da Manhã, assim deixou sua condição de
oposicionista.
A posição foi assumida pelo Jornal do Commercio, que ainda
na manhã da revolução, teve o edifício invadido e a redação
quebrada, empastelada e incendiada, voltando a circular
quatro anos depois, quando a família Pessoa de Queiroz, de
volta do exílio, conseguiu recompor o edifício, a gráfica e a
redação. A volta do jornal levantou diversos questionamentos
sobre as práticas adotadas pelos partidários de Getúlio
Vargas e pela maneira como a Lei de Imprensa vinha sendo
reformulada e aplicada. Em artigo intitulado “A Mais Infame”,
o repórter Nehemias Gueiros comenta:
A lei infame substituiu o arbítrio dos interventores. Jornaise jornalistas eram tratados como os políticos da repúblicavelha: o único direito que lhes assistia era não ter direitonenhum. De todos os ângulos do país levantou-se o enormeclamor contra os atentados à liberdade de opinião. Jornaissuspensos, redatores presos e deportados. E enquanto naAssembléia Constituinte se discutiam os princípios orgânicosda Nova Carta, aos jornais sob o guante da censura era vedadaa transcrição dos debates travados no recinto. Não seriapossível imaginar semelhante cúmulo de violência, denunciadoda tribuna da Assembléia. (NASCIMENTO, 1967, p. 177).
O governo de Getúlio Vargas, que foi apoiado pelos Lima
Cavalcanti como a esperança de dias melhores para o país,
acabou sendo responsável por um dos momentos mais difíceis da
imprensa brasileira. Os jornais oposicionistas, sobretudo da
imprensa alternativa, popular, proletária e comunista, foram
perseguidos ainda antes do Estado Novo. Em Recife, em 10 de
julho de 1935, Osório de Lima e o escritor Rubem Braga
colocaram na rua o jornal Folha do Povo. O vespertino
independente, segundo Nascimento (1967), era simpatizante de
Prestes e das causas da recém extinta Aliança Nacional
Libertadora (ANL). A postura ideológica do veículo rendeu
perseguição constante, forçando os redatores Rubem Braga e
Mota Cabral a andarem com hábeas-corpus preventivos, fornecidos
pelo juiz João Tavares. Em novembro de 1935, pouco tempo
antes de fechar pela primeira vez, o jornal recebeu
manifestações de apoio de jornais cariocas, da Associação da
Imprensa de Pernambuco (AIP) e da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) por conta da violência com que os redatores,
diretores e gráficos eram tratados pelos órgãos policiais.
Porém, na manhã do dia 24 de novembro, ao iniciar a rebelião
comunista de 1935, no Rio Grande do Norte e em Recife, a Folha
do Povo foi invadida e empastelada, ficando todo o restante da
Era Vargas sem circular.
A instituição do Estado Novo dois anos depois, em 1937,
trouxe censura até para os antigos aliados de Getúlio Vargas.
O próprio Carlos de Lima Cavalcanti acabou vitimado quando
divulgou a manchete PRORROGAÇÃO DOS MANDATOS É USURPAÇÃO DOS
DIREITOS DO POVO. A amizade com o presidente não o impediu
de perder o cargo, sendo substituído pelo Coronel Azambuja e,
depois, por Agamenon Magalhães, que assumiu como interventor
e provocou o fechamento do Diário da Manhã durante tempo
suficiente para o jornal perder o espaço conquistado na
esfera pública.
Foi no período de Getúlio Vargas que ocorreu a criação
do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que, além de
fazer a publicidade governamental, era utilizado como
instrumento de controle da atividade jornalística
(Sodré,1999). Além disso, na mesma época foi criada a
Diretoria de Ordem e Política Social (DOPS), que se
configurou um verdadeiro pesadelo na vida dos profissionais
da imprensa. Qualquer repórter que publicasse material
considerado impróprio pelo DOPS era fichado e submetido a
constantes fiscalizações por parte da polícia política, que
colocou as redações sob vigília a partir do Estado Novo.
A maioria dos jornais locais de pequeno porte,
contrários ao governo, foi fechado. O panorama da imprensa
recifense melhorou um pouco quando a Era Vargas estava
chegando ao fim. Entre 1945 e 1947, seis jornais foram
fundados no Recife. Os semanários O Rebate, A Ordem, Jornal do Povo
e O Momento; o quinzenário Voz Operária, que era escrito e
produzido unicamente por operários; e a Folha do Povo, que
voltou a circular como uma das integrantes da rede de
comunicação organizada pelo Partido Comunista do Brasil
(PCB). Naquela época, a imprensa comunista não tinha grande
estrutura, mas tinha a segunda maior rede de imprensa do
país, com jornais, revistas, editora e agência de notícias,
perdendo apenas para os Diários Associados, de Assis
Chateubriand.
(...) oito diários nos principais estados brasileiros: TribunaPopular, no Distrito Federal; Hoje, de São Paulo; O Momento, daBahia; Folha do Povo, de Pernambuco; O Democrata, do Ceará;Tribuna Gaúcha, do Rio Grande do Sul; O Estado, de Goiás; e FolhaCapixaba, do Espírito Santo. Criou até uma agência de notíciasprópria, a Interpress; através da qual realizava a distribuiçãodas informações para publicações do partido em todoterritório nacional e alimentava pequenos jornais do interiorque não eram ligados ao Partido Comunista (...) (BUONICORE,2005).
O crescimento da imprensa comunista foi dado pela
legalidade que o Partido Comunista readquiriu em 1945, no fim
do Governo Vargas. No entanto, esta liberdade foi apenas
provisória. Por ter apoiado o engenheiro Yêdo Fiúza para a
presidência e abrir espaço para pautas que enfocavam as
dificuldades da população e as reivindicações dos movimentos
sociais, o impresso passou a acumular novas visitas
policiais, processos, interdições e empastelamentos. Para se
proteger, os jornalistas, além de andar com hábeas-corpus
preventivo no bolso, alternavam as funções dos funcionários
quase que diariamente no cabeçalho do jornal. O uso de
pseudônimos, que sempre foi um dos artifícios usados pelos
jornalistas para se proteger, eram pouco utilizados. No
entanto, os redatores evitavam assinar as matérias e
reportagens para se proteger.
As investidas na Folha do Povo tornaram-se mais violentas
quando ela começou uma verdadeira campanha pela liberdade de
imprensa, em suas páginas, denunciando os abusos sofridos por
seus jornalistas e por repórteres de outros periódicos da
cidade e do país (Nascimento,1967). A partir daí, a justiça
local, não informando se a mando do então presidente, Eurico
Gaspar Dutra ou do governador local, Otávio Correia de
Araújo, determinou que o jornal não poderia circular em
períodos eleitorais e deveria ser fechado sempre que se
considerasse que ele incitava a desordem pública. Assim, em
17 de abril de 1948 foi suspenso por quinze dias. Lutou para
publicar mais alguns exemplares, sendo impedido de vez no dia
19 de maio do mês, com a prisão de seus redatores.
Os profissionais que se mantiveram em liberdade,
antevendo que a suspensão seria longa, transformaram A Luta,
que vinha circulando desde janeiro, em substituto oficial da
Folha do Povo, com o que restava da equipe e com a mesma linha
editorial. O impresso passou a ser o novo alvo da polícia
política e foi fechado em 28 de agosto de 1948. Incansáveis e
decididos a resistir de qualquer maneira, os gráficos,
intelectuais e jornalistas que não tinham sido capturados
pelas forças policiais colocaram na rua O Popular. Nascimento
(1967) cita que na edição de 14 de agosto de 1948, o jornal
divulgou uma moção do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
de Recife contra os processos por “delito de opinião”, a que
foram submetidos os jornalistas Rui Antunes e Alderico
Toribio, pela Lei de Segurança Nacional. A Folha do Povo
voltaria a circular em novembro de 1948 e impedida em
setembro de 1951, por motivos eleitorais, quando foi
substituída por A Hora. Até o fechamento definitivo, na década
de 1960, o jornal nunca passou mais de um ano sem ter a sede
visitada pela polícia, que acusava o jornal de defender o
partido comunista, que havia sido caçado novamente, em 1947,
durante o governo Eurico Gaspar Dutra.
Além do DIP e do DOPS, o governo Dutra herdou da Era
Vargas uma crise econômica, que afetou os jornais por meio do
aumento constante do papel-imprensa. Esta crise acabou
fechando diversos jornais de pequeno porte, ao longo da
década de 1950. Em contrapartida, as grandes empresas
jornalísticas, apesar da dificuldade, continuavam funcionando
e investindo em melhorias gráficas. Em Recife, a empresa
Jornal do Commercio S/A abriu o Diário da Noite, em 1946, e nas
décadas seguintes passou a investir em seções coloridas e na
diagramação, seguindo a reestruturação que foi encabeçada
pelo Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.
As melhorias em determinadas redações provocou a
reflexão do jornalista Fernando Segismundo, de que as taxas
impostas ao papel podiam estar sendo usadas pelos governos
para determinar quem poderia ou não sobreviver na imprensa
brasileira. O discurso é citado por Sodré (1999) em História da
Imprensa no Brasil:
(...) A supressão dos preços diferenciais do papel favorece aconcentração da atividade industrial jornalística, age nosentido de criar novo e odioso privilégio, qual seja o delimitar a liberdade de imprensa àqueles que têm bastantedinheiro. O fortalecimento do monopólio de informações e deopinião restringe, automaticamente, o campo de escolha dediferentes setores sociais e econômicos: leitores,anunciantes e profissionais de imprensa que vêem na lei daoferta e da procura sofrer assustadora modificação a seudesfavor (...) (SODRÉ, 1999, p.410)
O alerta de Segismundo evidenciou a prática de
intervenção dos governos federais e estaduais no
favorecimento de jornais aliados. Outro exemplo de boicote à
imprensa é desencorajar o investimento em publicidade nos
jornais opositores. Sodré (1999) afirma que com a
consolidação do formato de empresa jornalística, até a década
de 1950, e a extinção de parcela significativa de jornais
artesanais e de pequeno porte, manter um impresso sem
financiamento era quase impossível. Como as receitas dos
jornais eram sustentadas basicamente pela publicidade, os
jornais fechavam. A intervenção financeira, citada por Sodré
(1999), é uma maneira mais requintada das práticas citadas
por Thompson (2002), em Londres, no século XVII, e que foram
bastante utilizadas na Ditadura Militar.
Em Recife, no entanto, o jornalista Marcelo Mário de
Melo afirma que a situação se antecipou, e que a partir de
1961 a capital pernambucana começou a viver o que ele chamou
de “ensaios do Golpe”.
Quando houve a renúncia de Jânio Quadros ocorreu uma ‘amostragrátis´ do Golpe de 1964 aqui. Cid Sampaio era governador ehouve prisão, censura em todos os órgãos de imprensa, rádio etv. A redação do jornal A Hora, que era no edifício Vieira daCunha, foi invadida. A gráfica foi ocupada. Os grandesjornais daqui, Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco viveram sobcensura. (MELO, 2005) 1
Três anos depois, o Regime Militar se instaurou no país,
em 1 de abril de 1964. Uma das primeiras providências do
regime militar foi mandar fechar o jornal Última Hora, fundado
na década de 1950, por Samuel Wainer. Em Recife, o jornalista
Carlos Garcia trabalhava na sucursal do jornal, que foi
fechado pela polícia.
No início, eu fui punido por ser da Última Hora (...) Havia umaordem aos jornais locais, que eram muito dóceis, para nãoempregar ninguém que era da Última Hora. Por isso, toda umageração de jornalistas foi embora daqui em 1964, mas eufiquei. Então, Esmaragdo Marroquim, que era diretor do Jornal doCommercio teve coragem de me chamar e me entregar a diretoriado Diário da Noite, que era um vespertino do Jornal do Commércio.(GARCIA, 2005)2
No comando do Diário da Noite, o jornalista foi detido e
chamado para depor porque não aceitava a censura imposta
pelos militares, que foi fortalecida com o Ato Institucional
nº 5 (AI-5), em 1968. Entre 1972 e 1975, a censura federal
1 Entrevista de Marcelo Mário Melo a pesquisadora Ana Paula Lira, em novembro de 2005.2 Entrevista de Carlos Garcia a pesquisadora Ana Paula Lira, em novembro de 2005
enviou mais de 300 comunicados aos grandes jornais
brasileiros, proibindo assuntos relacionados à sucessão
presidencial, manifestações estudantis, abertura política,
choques entre as forças do governo e os cidadãos considerados
“subversivos”, denúncias da igreja contra os atentados aos
diretos humanos, críticas à política econômica do governo e
entrevistas dos ex-ministros de Estado.
Em 1974, trabalhando na sucursal do Estado de São Paulo,
em Recife, Carlos Garcia divulgou a notícia da prisão do
vereador e presidente do MDB, Marcos Cunha, e pouco tempo
depois, foi levado pela polícia onde foi preso e torturado
por agentes do DOI/CODI.
Eu era uma pessoa marcada. Eu tinha feito, dias antes, umapalestra sobre o trabalho de uma sucursal de jornal e tinhatransformado a palestra em um protesto contra a censura.(...) Isso gerou um mal estar com o homem encarregado demanter a censura aqui. (...) Ele já me deteve e me interrogoudurante algumas horas. Mas o pingo d´água teria sido anotícia da prisão de Marcus Cunha. (...) Aquelebrasilianista, Thomas Skidmore, acha que eu fui preso comobode expiatório da luta entre a linha dura e os que queriam aabertura. Os da linha dura me prenderam para provocar Geisel.(GARCIA, 2005)3
A situação vivida por Garcia, na grande imprensa,
mostrou que o poderio econômico dos jornais não foi
suficiente, durante o período, para evitar a censura e as
perseguições. O que diferencia a Ditadura Militar de outros
períodos de perseguição aos jornais, é que a proibição era
para todos os impressos pernambucanos e não apenas para os
3 idem.
opositores. Os periódicos que simpatizavam ou apoiavam as
práticas dos militares não podiam tocar no nome de pessoas,
como Dom Helder Câmara, mesmo que a matéria ou nota fosse
favorável ao regime.
A tese de Skidmore, de que os militares da ala mais
conservadora das Forças Armadas estavam promovendo atentados
para evitar a abertura é plausível, uma vez que Geisel, em
1975, suspendeu a censura direta aos órgãos de imprensa e, no
final de seu período cancelaria, também, a censura prévia aos
jornais da imprensa alternativa, como cita Aquino et all em
Sociedade Brasileira: uma história através dos movimentos sociais. No entanto,
o fim da censura não chegou à prática jornalística por
decreto. Entre 1979 e 1985, quando encerrou o Regime Militar,
os jornais ainda recebiam advertência policial e os da
imprensa alternativa eram perseguidos e fechados.
Em Recife, os jornais O Povão e Folhetim Humorial, fundados
em 1980, e Papa-Figo – que começou como uma página de humor no
Jornal da Semana (1972 – 1983) e com o fechamento do jornal
virou jornal independente em 1984 –, foram perseguidos e
censurados mesmo depois da anistia e da suspensão da censura.
O Folhetim Humorial era editado pelo cartunista Lailson, com
ajuda de outros artistas gráficos, como Clériston e Humberto,
e dedicava suas páginas a satirizar a rotina das autoridades
econômicas e políticas locais e nacionais. Fechou após quatro
meses, por causa da censura. O Papa-Figo, apesar das
perseguições, circula até hoje, mas não com o requinte que
tinha na década de 1980.
O Povão era um jornal alternativo quinzenal, de cunho
político, mantido por jornalistas que migraram para o Partido
dos Trabalhadores, na década de 1980. Ele era editado pelos
jornalistas Paulo Santos e Marcelo Mário de Melo e circulou
quinzenalmente até meados de 1981, com uma tiragem inicial de
15 mil exemplares, em caráter nacional, que depois foi
reduzida para dez mil. Melo conta como foi o processo de
perseguição e censura a O Povão:
Naquele momento os grupos de extrema direita estavam botandobomba em bancas de jornais e revista que vendiam jornais daimprensa alternativa, e editoras.(...) Quando houve aexpulsão do Padre Vito Miracapillo, por iniciativa deSeverino Cavalcanti, que era deputado estadual aqui, PadreReginaldo Veloso fez um hino de solidariedade a VitoMiracapillo e eu publiquei trechos deste hino no jornal. Ojornal foi recolhido nas bancas. A Policia Federal chegou epegou os jornais. (...) A gente tinha distribuído menos demil nas bancas e eu estava com os 14 mil. Eu peguei o vigiado jornal e mandei esconder. Quando a Polícia Federal chegounão tinha mais nada. A gente distribuiu depois, por fora(MELO, 2005).
Por fazer parte da imprensa alternativa e ter sido
integrante do Partido Comunista Revolucionário Brasileiro
(PCBR), Marcelo Melo foi condenado à prisão por crime de
imprensa. Ele descobriu que havia sido julgado quando saiu da
prisão, em 1980, onde passou oito anos detido, e decidiu
cursar jornalismo. No meio do curso soube que não poderia ter
o registro de jornalista por ter sido condenado pela Lei de
Imprensa. Dos oito anos em que passou na Prisão de Itamaracá,
três teriam sido por causa da sua atuação em jornais. A
trajetória de Marcelo Melo serve para exemplificar as
conseqüências do Regime Militar na carreira de um
profissional que tentasse exercer com liberdade o direito de
informação nos chamados períodos de exceção.
Quando houve a abertura política, em 1985, o saldo para
a imprensa recifense era negativo. Havia apenas três jornais
de grande circulação na cidade Diario de Pernambuco, Jornal do
Commercio e Diario da Manhã, além do Diário Oficial de Pernambuco,
órgão do governo estadual. O Jornal do Commercio e o Diario de
Pernambuco sobreviveram por se inserirem em uma estrutura
empresarial de comunicação. O DP foi incorporado, no século
XX, aos Diários Associados, hoje é reconhecido como o jornal mais
antigo em circulação na América Latina. O Jornal do Commercio
cancelou o vespertino Diario da Noite por motivos financeiros,
mas fundou o Sistema Jornal do Comércio de Comunicação, agregando
rádio, televisão e Internet. O Diario da Manhã entrou em
declínio em meados dos anos 40, mas retornou com nova direção
na década de 1960, apoiando a Ditadura Militar. O jornal, no
entanto, nunca mais conseguiu o prestígio firmado na década
de 1930.
Considerações Finais
O século XX, em Recife, foi um período de intensa luta
pela liberdade de imprensa, tanto nas redações da imprensa
industrial de grande porte quanto nos jornais alternativos,
independentes, partidários e populares. É possível observar
que a censura não escolhe ideologia e tem sido aplicada de
maneira direta e indireta em períodos de exceção e em regimes
considerados democráticos.
O que diferenciou, basicamente, a censura nestes dois
modelos de governo é que nos regimes supostamente
democráticos, a coerção da atividade jornalística foi
aplicada aos opositores, enquanto nos períodos ditatoriais,
como o Estado Novo e o Regime Militar, a censura, em
Pernambuco, atingiu jornais opositores, como a Folha do Povo,
jornais simpatizantes, a exemplo do Diário da Manhã em sua
terceira fase, na década de 1960, e demais veículos da grande
e pequena imprensa.
Os jornais, por sua vez, procuravam resistir apelando
para a justiça, suprimindo a identificação dos redatores –
com o uso de pseudônimos, a troca de nomes no expediente ou a
supressão das assinaturas nas matérias –, burlando os fiscais
da censura, alertando a população – através da publicação de
notas, na primeira metade do século, ou dos espaços em branco
e das receitas de bolo, depois da década de 1960 –, e até
mesmo resistindo fisicamente, o que rendia aos repórteres e
dirigentes pancadarias, tortura e morte.
O caso da Folha do Povo é interessante, não apenas por ser
um jornal da imprensa comunista, mas por trazer a marca da
resistência, ao publicar sempre um novo jornal quando o
original era fechado pelos órgãos censores. Os exemplos
citados neste artigo mostram, também, que a suspensão oficial
da censura, no final da década de 1970, não significou a
liberdade real. Os jornais, sobretudo os da imprensa
alternativa, continuaram sofrendo atentados e perseguição,
evidenciando que a coerção a jornalistas, muitas vezes,
acaba sendo incorporada às atividades da rotina policial,
mesmo que a determinação governamental tenha cessado.
Este panorama acabou por trazer um saldo negativo para a
imprensa local, que perdeu mais de 90% de seus veículos
durante o século XX, fosse por coerção declarada nas
investidas policiais ou por censura indireta através da
inviabilização financeira dos periódicos. A consolidação do
formato de imprensa como empresa jornalística, além de
dificultar a continuidade dos pequenos jornais, serviu muito
aos interesses dos censores governamentais, que passaram a
manipular a vida dos impressos por meio de suas receitas
financeiras, ao desencorajar anunciantes e praticar altas
taxas de câmbio para compra do papel-imprensa, na tentativa
de decidir quem circularia ou não.
Estas práticas de controle foram verificadas por
Thompson (2002) no nascedouro dos primeiros jornais
informativos, no século XVII na europa, e foram aperfeiçoadas
e aplicadas aos jornais e profissionais da imprensa
brasileira, conseqüentemente da recifense ao longo do século
XX, mostrando que a luta pela liberdade de imprensa é
concomitante ao exercício do jornalismo, em qualquer época.
Referências
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BUONICORE, Augusto. Comunistas, Cultura e Intelectuais entreos anos de 1940 e 1950. Revista Espaço Acadêmico. n 32.Janeiro. 2004. Disponível emhttp://www.espacoacademico.com.br/032/32cbuonicore.htm Acesso13 abr. 2005 20:59:00 MELO, José Marques de. Sociologia da Imprensa Brasileira: Aimplantação. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
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THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. 5. ed. Petrópolis:Vozes, 2002.