A Imprensa recifense e a luta contra os regimes de exceção no século XX

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A Imprensa recifense e a luta contra os regimes de exceção no século XX Aline Maria Grego LINS – doutora - Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP/PE [email protected] - [email protected] Ana Paula Araújo de LIRA – graduanda (IC) – Universidade Católica de Pernambuco/PE [email protected] Resumo: A imprensa pernambucana, em especial a recifense, viveu no século XX momentos de euforia, com a abertura e expansão de jornais dos mais diversos segmentos sociais, bem como momentos de terror, com a censura e as perseguições impostas a jornalistas e aos jornais pelos regimes de exceção, a exemplo do Estado Novo e da ditadura militar. Dos quase 100 jornais diários e semanários, de diferentes linhas editoriais, que circularam no Recife nas primeiras décadas do século XX, apenas dez conseguiram chegar ao ano de 1940, entre eles o jornal mais antigo em circulação hoje na América Latina, o Diário de Pernambuco. Essa história de ganhos e perdas é, também, uma história de luta, tanto pela liberdade de imprensa quanto pela defesa dos direitos civis. O objetivo da nossa pesquisa foi não só registrar os jornais impressos que circularam no Recife no século passado, mas, sobretudo, resgatar parte do percurso de uma história marcada, sobretudo, pela resistência. Palavras-chave: jornalismo impresso – imprensa recifense - censura

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A Imprensa recifense e a luta contra os regimes de exceção no século XX

Aline Maria Grego LINS – doutora - Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP/[email protected] - [email protected] Paula Araújo de LIRA – graduanda (IC) – Universidade Católica de Pernambuco/[email protected]

Resumo: A imprensa pernambucana, em especial a recifense,

viveu no século XX momentos de euforia, com a abertura e

expansão de jornais dos mais diversos segmentos sociais, bem

como momentos de terror, com a censura e as perseguições

impostas a jornalistas e aos jornais pelos regimes de

exceção, a exemplo do Estado Novo e da ditadura militar. Dos

quase 100 jornais diários e semanários, de diferentes linhas

editoriais, que circularam no Recife nas primeiras décadas do

século XX, apenas dez conseguiram chegar ao ano de 1940,

entre eles o jornal mais antigo em circulação hoje na América

Latina, o Diário de Pernambuco. Essa história de ganhos e

perdas é, também, uma história de luta, tanto pela liberdade

de imprensa quanto pela defesa dos direitos civis. O objetivo

da nossa pesquisa foi não só registrar os jornais impressos

que circularam no Recife no século passado, mas, sobretudo,

resgatar parte do percurso de uma história marcada,

sobretudo, pela resistência.

Palavras-chave: jornalismo impresso – imprensa recifense -

censura

A censura não escolhe ideologia

Entre os quase cem periódicos que foram fundados, no

Recife, nas duas primeiras décadas do século XX, apenas dez

chegaram até 1940. Neste período, houve uma renovação da

imprensa local, com a abertura de novos periódicos, sobretudo

os que eram organizados e mantidos por jornalistas e

intelectuais da esquerda brasileira. Contudo, os regimes de

exceção acabaram impedindo a circulação dos jornais e a

atividade dos profissionais da imprensa, de maneira que

quando houve a abertura política, em 1985, apenas três

jornais de grande porte circulavam no Recife e a imprensa

alternativa batalhava para não ser dizimada.

As duas primeiras décadas do século XX, em Recife, foram

marcadas por intensas lutas políticas, travadas por

representantes das oligarquias locais, como a dos Rosa e

Silva, e políticos ligados às forças armadas, a exemplo do

General Dantas Barreto, ministro da guerra do governo Hermes

da Fonseca, que desejavam ocupar os cargos de maior destaque

no Governo de Pernambuco. Na época, os jornais de grande

circulação, na capital pernambucana, seguiam a mesma

tendência que os do restante do país: ou pertenciam a grupos

políticos ligados a essas oligarquias ou eram formados por

opositores.

Havia jornais apartidários, mas não se encontravam em

Recife jornais que se intitulassem neutros. A idéia de

imparcialidade, até 1950, não figurava nas páginas dos

impressos recifenses das duas primeiras décadas do século XX.

Se não defendiam partidos, ou grupos políticos, os impressos

eram elaborados com o intuito de defender alguma classe

social, criticando abertamente políticas e autoridades que,

de posse de cargos governamentais, iam de encontro aos

interesses daqueles que diziam representar.

Contudo, como é observado em toda a trajetória da

imprensa no mundo, o debate político extrapolou as páginas

dos jornais e, em muitos casos, foi responsável pela

perseguição e morte de jornalistas e empastelamentos das

redações. Um dos primeiros casos que abalou a capital

pernambucana ocorreu em 1913, quando o jornalista Trajano

Chacon foi assassinado na saída de um teatro por policiais à

paisana. Chacon era redator de Pernambuco, jornal fundado em

1908, que defendeu durante muito tempo a candidatura do

general Dantas Barreto ao governo estadual. Na época, Rosa e

Silva chegou a vencer as eleições, mas o opositor foi

empossado e reconhecido pela Assembléia Legislativa local.

Chacon, então, foi convidado a ocupar um cargo na Polícia nos

primeiros anos do mandato de Barreto (1911 – 1915). No

entanto, divergências surgiram e o jornalista, além de deixar

o cargo, começou a questionar a administração em artigos

opinativos. Estes teriam motivado sua morte, a pauladas, na

frente do Teatro Helvética, no Recife.

Embora nos relatos envolvendo o jornal Pernambuco,

Nascimento (1967) afirme que em conversas particulares Dantas

Barreto chegou a comentar que a única maneira de conter

Trajano Chacon seria a morte, os amigos do jornalista

acusavam a Chefia de Polícia de ter articulado a morte de

Chacon junto com os defensores da administração dantista, que

dirigiam o jornal A República. A suspeita não foi verificada

posteriormente. No entanto, os policiais acusados de matar o

repórter foram absolvidos em março de 1914, para revolta dos

dirigentes de Pernambuco, que em dezembro do mesmo ano

fechariam o periódico.

O episódio envolvendo Trajano Chacon serve para

exemplificar que estas práticas de censura aos profissionais

da imprensa, que seriam utilizadas largamente no Estado Novo

e no Regime Militar, eram incorporadas pelas instâncias

policiais, em alguns governos, como uma atividade de rotina.

Como expressa a coluna do jornalista Mário Melo, na Folha da

Manhã, em 1951, bastava um questionamento da atividade

governamental para que o repórter e o jornal sofressem

coação. É interessante verificar que não foram apenas em

regimes de exceção que o aparato policial, destinado

originalmente para garantir a segurança da população, era

usado como segurança particular dos governantes e repressores

da atividade jornalística de grande e pequeno porte.

A Hora Social, jornal organizado pela Federação da Classe

Operária de Pernambuco, foi um dos primeiros jornais

proletários da cidade, apoiado por jovens intelectuais

socialistas e operários, como afirma Sodré (1999), e um dos

mais vigiados pelas instâncias policiais. O diário possuía

oficina própria, e depois de ter em sua direção

representantes dos movimentos socialista e anarquista foi

dirigido pelo gráfico Sindulfo Correia Josué que trouxe para

as páginas de A Hora Social o lema “Órgão do Povo e Para o

Povo”. Os artigos e reportagens publicados no periódico

forçavam os redatores a comparecerem com freqüência ao

edifício da polícia para prestar esclarecimentos. Até que a

edição de 26 de outubro de 1920 foi o estopim para a

deflagração de uma greve. O governo local respondeu invadindo

e quebrando a redação, de modo que A Hora Social de tão marcada

pelas investidas da polícia acabou fechando as portas em 11

de dezembro do mesmo ano, como conta Nascimento (1967).

A situação na cidade, na virada da década de 1920 era

tão conflituosa, que Sodré (1999) assim descreve a rotina

recifense:

O ambiente na cidade é tormentoso, com desordens de rua,morrendo nelas o linotipista de A Província, Edgard de Oliveira.(...) Em maio de 1922 dá-se a ocupação militar na capitalpernambucana, a redação do Diário do Povo é atacada a bala, acirculação do Diario de Pernambuco e do Jornal do Recife é suspensa, obacharel Tomás Coelho é assassinado por uma patrulha, osórgãos governistas A Província e Jornal do Comércio recebem garantiasmilitares para o privilégio de circular. (...) Eram sinais

das paixões políticas desencadeadas, abrindo no paísprolongado período de turbulência. (SODRÉ, 1999, p. 356).

Essa turbulência foi reforçada com a eleição do mineiro

Artur Bernardes para a Presidência da República, em 1922

(Sodré, 1999). O quadriênio governado por Bernardes se

caracterizou, na história brasileira, pelo constante Estado

de Sítio. A perda das garantias individuais acabou criando

uma situação peculiar para a imprensa recifense. Entre 1922 e

1926, nenhum jornal diário conseguiu abrir as portas e se

firmar na capital pernambucana. O último a ser fundado foi o

Jornal do Commercio, em 1919, ainda durante o período de

Epitácio Pessoa na Presidência da República. O mandato de

Artur Bernardes a sua sucessão por Washington Luis acentuaram

o descontentamento de grupos políticos pernambucanos, que

representavam as oligarquias da cana-de-açúcar, com a chamada

política café-com-leite, que caracterizou o sistema de

alternância presidencial entre candidatos paulistas e

mineiros.

Em Recife, a família Lima Cavalcanti fundou o Diario da

Manhã, em abril de 1927, com objetivo claro de incentivar

quaisquer iniciativas que visassem interromper este processo.

Para eles e o líder político gaúcho, Assis Brasil, a quebra

com os regimes antidemocráticos deveriam ser incentivados

pela imprensa. Assim, na ocasião de fundação do jornal, Assis

Brasil enviou um artigo opinativo em que dizia:

Da imprensa partiram os primeiros gritos de alarma pelaurgência de remodelação nacional. Sem a sua doutrinação nuncateriam soado os primeiros estampidos das carabinaslibertadoras, cujos saudáveis efeitos são mais eficazesdepois que elas emudecem. Estamos em uma dessas passagenshistóricas! A suspensão do fogo convida o povo e governo àreflexão e à ação prudente para evitar a renovação da crisesangrenta. O Brasil civilizado e pacífico (...) continua aver na imprensa a bússola do seu roteiro e o íman poderoso deatração afetiva e racional entre os vastos elementos de suaestrutura colossal, que os bárbaros déspotas estão sempre atentar dispensar. (NASCIMENTO, 1967, p. 276).

No entanto, não foi com modos pacíficos que as críticas

ao ex-presidente Artur Bernardes foram recebidas pelo governo

pernambucano. Na passagem de Bernardes por Recife, um mês

depois, a sede do jornal seria cercada pela cavalaria e

qualquer pessoa que saísse ou entrasse no Diário da Manhã era

revistada. As criticas, que apareciam em artigos assinados e

charges, acabaram levando os redatores a comparecer na

Chefatura de Polícia para dar explicações. A partir deste

dia, o Diario da Manhã teria em sua rotina o constante

acompanhamento da polícia local, que chegou a prender o

repórter Hamilton Ribeiro, por publicar uma matéria falando

sobre o fechamento do Ambulatório Público, que o governo

estadual queria manter em segredo.

Segundo Nascimento (1967), no começo da década de 1930,

o jornal alertou os leitores de que até o serviço telegráfico

que recebia estava sendo censurado, por causa do apoio dado

pela direção do jornal ao Movimento Revolucionário, de

Getúlio Vargas. A sede do jornal serviu como espaço de

reunião para a cúpula do movimento, em Pernambuco, e no dia

26 de julho de 1930, horas depois de sair do DM, João Pessoa

seria assassinado na Confeitaria Glória, no Centro do Recife.

O jornal foi imediatamente censurado pelo governo local e a

situação foi normalizada, apenas, quando Vargas assumiu o

poder e Carlos de Lima Cavalcanti virou governador

provisório, o Diário da Manhã, assim deixou sua condição de

oposicionista.

A posição foi assumida pelo Jornal do Commercio, que ainda

na manhã da revolução, teve o edifício invadido e a redação

quebrada, empastelada e incendiada, voltando a circular

quatro anos depois, quando a família Pessoa de Queiroz, de

volta do exílio, conseguiu recompor o edifício, a gráfica e a

redação. A volta do jornal levantou diversos questionamentos

sobre as práticas adotadas pelos partidários de Getúlio

Vargas e pela maneira como a Lei de Imprensa vinha sendo

reformulada e aplicada. Em artigo intitulado “A Mais Infame”,

o repórter Nehemias Gueiros comenta:

A lei infame substituiu o arbítrio dos interventores. Jornaise jornalistas eram tratados como os políticos da repúblicavelha: o único direito que lhes assistia era não ter direitonenhum. De todos os ângulos do país levantou-se o enormeclamor contra os atentados à liberdade de opinião. Jornaissuspensos, redatores presos e deportados. E enquanto naAssembléia Constituinte se discutiam os princípios orgânicosda Nova Carta, aos jornais sob o guante da censura era vedadaa transcrição dos debates travados no recinto. Não seriapossível imaginar semelhante cúmulo de violência, denunciadoda tribuna da Assembléia. (NASCIMENTO, 1967, p. 177).

O governo de Getúlio Vargas, que foi apoiado pelos Lima

Cavalcanti como a esperança de dias melhores para o país,

acabou sendo responsável por um dos momentos mais difíceis da

imprensa brasileira. Os jornais oposicionistas, sobretudo da

imprensa alternativa, popular, proletária e comunista, foram

perseguidos ainda antes do Estado Novo. Em Recife, em 10 de

julho de 1935, Osório de Lima e o escritor Rubem Braga

colocaram na rua o jornal Folha do Povo. O vespertino

independente, segundo Nascimento (1967), era simpatizante de

Prestes e das causas da recém extinta Aliança Nacional

Libertadora (ANL). A postura ideológica do veículo rendeu

perseguição constante, forçando os redatores Rubem Braga e

Mota Cabral a andarem com hábeas-corpus preventivos, fornecidos

pelo juiz João Tavares. Em novembro de 1935, pouco tempo

antes de fechar pela primeira vez, o jornal recebeu

manifestações de apoio de jornais cariocas, da Associação da

Imprensa de Pernambuco (AIP) e da Associação Brasileira de

Imprensa (ABI) por conta da violência com que os redatores,

diretores e gráficos eram tratados pelos órgãos policiais.

Porém, na manhã do dia 24 de novembro, ao iniciar a rebelião

comunista de 1935, no Rio Grande do Norte e em Recife, a Folha

do Povo foi invadida e empastelada, ficando todo o restante da

Era Vargas sem circular.

A instituição do Estado Novo dois anos depois, em 1937,

trouxe censura até para os antigos aliados de Getúlio Vargas.

O próprio Carlos de Lima Cavalcanti acabou vitimado quando

divulgou a manchete PRORROGAÇÃO DOS MANDATOS É USURPAÇÃO DOS

DIREITOS DO POVO. A amizade com o presidente não o impediu

de perder o cargo, sendo substituído pelo Coronel Azambuja e,

depois, por Agamenon Magalhães, que assumiu como interventor

e provocou o fechamento do Diário da Manhã durante tempo

suficiente para o jornal perder o espaço conquistado na

esfera pública.

Foi no período de Getúlio Vargas que ocorreu a criação

do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que, além de

fazer a publicidade governamental, era utilizado como

instrumento de controle da atividade jornalística

(Sodré,1999). Além disso, na mesma época foi criada a

Diretoria de Ordem e Política Social (DOPS), que se

configurou um verdadeiro pesadelo na vida dos profissionais

da imprensa. Qualquer repórter que publicasse material

considerado impróprio pelo DOPS era fichado e submetido a

constantes fiscalizações por parte da polícia política, que

colocou as redações sob vigília a partir do Estado Novo.

A maioria dos jornais locais de pequeno porte,

contrários ao governo, foi fechado. O panorama da imprensa

recifense melhorou um pouco quando a Era Vargas estava

chegando ao fim. Entre 1945 e 1947, seis jornais foram

fundados no Recife. Os semanários O Rebate, A Ordem, Jornal do Povo

e O Momento; o quinzenário Voz Operária, que era escrito e

produzido unicamente por operários; e a Folha do Povo, que

voltou a circular como uma das integrantes da rede de

comunicação organizada pelo Partido Comunista do Brasil

(PCB). Naquela época, a imprensa comunista não tinha grande

estrutura, mas tinha a segunda maior rede de imprensa do

país, com jornais, revistas, editora e agência de notícias,

perdendo apenas para os Diários Associados, de Assis

Chateubriand.

(...) oito diários nos principais estados brasileiros: TribunaPopular, no Distrito Federal; Hoje, de São Paulo; O Momento, daBahia; Folha do Povo, de Pernambuco; O Democrata, do Ceará;Tribuna Gaúcha, do Rio Grande do Sul; O Estado, de Goiás; e FolhaCapixaba, do Espírito Santo. Criou até uma agência de notíciasprópria, a Interpress; através da qual realizava a distribuiçãodas informações para publicações do partido em todoterritório nacional e alimentava pequenos jornais do interiorque não eram ligados ao Partido Comunista (...) (BUONICORE,2005).

O crescimento da imprensa comunista foi dado pela

legalidade que o Partido Comunista readquiriu em 1945, no fim

do Governo Vargas. No entanto, esta liberdade foi apenas

provisória. Por ter apoiado o engenheiro Yêdo Fiúza para a

presidência e abrir espaço para pautas que enfocavam as

dificuldades da população e as reivindicações dos movimentos

sociais, o impresso passou a acumular novas visitas

policiais, processos, interdições e empastelamentos. Para se

proteger, os jornalistas, além de andar com hábeas-corpus

preventivo no bolso, alternavam as funções dos funcionários

quase que diariamente no cabeçalho do jornal. O uso de

pseudônimos, que sempre foi um dos artifícios usados pelos

jornalistas para se proteger, eram pouco utilizados. No

entanto, os redatores evitavam assinar as matérias e

reportagens para se proteger.

As investidas na Folha do Povo tornaram-se mais violentas

quando ela começou uma verdadeira campanha pela liberdade de

imprensa, em suas páginas, denunciando os abusos sofridos por

seus jornalistas e por repórteres de outros periódicos da

cidade e do país (Nascimento,1967). A partir daí, a justiça

local, não informando se a mando do então presidente, Eurico

Gaspar Dutra ou do governador local, Otávio Correia de

Araújo, determinou que o jornal não poderia circular em

períodos eleitorais e deveria ser fechado sempre que se

considerasse que ele incitava a desordem pública. Assim, em

17 de abril de 1948 foi suspenso por quinze dias. Lutou para

publicar mais alguns exemplares, sendo impedido de vez no dia

19 de maio do mês, com a prisão de seus redatores.

Os profissionais que se mantiveram em liberdade,

antevendo que a suspensão seria longa, transformaram A Luta,

que vinha circulando desde janeiro, em substituto oficial da

Folha do Povo, com o que restava da equipe e com a mesma linha

editorial. O impresso passou a ser o novo alvo da polícia

política e foi fechado em 28 de agosto de 1948. Incansáveis e

decididos a resistir de qualquer maneira, os gráficos,

intelectuais e jornalistas que não tinham sido capturados

pelas forças policiais colocaram na rua O Popular. Nascimento

(1967) cita que na edição de 14 de agosto de 1948, o jornal

divulgou uma moção do Sindicato dos Jornalistas Profissionais

de Recife contra os processos por “delito de opinião”, a que

foram submetidos os jornalistas Rui Antunes e Alderico

Toribio, pela Lei de Segurança Nacional. A Folha do Povo

voltaria a circular em novembro de 1948 e impedida em

setembro de 1951, por motivos eleitorais, quando foi

substituída por A Hora. Até o fechamento definitivo, na década

de 1960, o jornal nunca passou mais de um ano sem ter a sede

visitada pela polícia, que acusava o jornal de defender o

partido comunista, que havia sido caçado novamente, em 1947,

durante o governo Eurico Gaspar Dutra.

Além do DIP e do DOPS, o governo Dutra herdou da Era

Vargas uma crise econômica, que afetou os jornais por meio do

aumento constante do papel-imprensa. Esta crise acabou

fechando diversos jornais de pequeno porte, ao longo da

década de 1950. Em contrapartida, as grandes empresas

jornalísticas, apesar da dificuldade, continuavam funcionando

e investindo em melhorias gráficas. Em Recife, a empresa

Jornal do Commercio S/A abriu o Diário da Noite, em 1946, e nas

décadas seguintes passou a investir em seções coloridas e na

diagramação, seguindo a reestruturação que foi encabeçada

pelo Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.

As melhorias em determinadas redações provocou a

reflexão do jornalista Fernando Segismundo, de que as taxas

impostas ao papel podiam estar sendo usadas pelos governos

para determinar quem poderia ou não sobreviver na imprensa

brasileira. O discurso é citado por Sodré (1999) em História da

Imprensa no Brasil:

(...) A supressão dos preços diferenciais do papel favorece aconcentração da atividade industrial jornalística, age nosentido de criar novo e odioso privilégio, qual seja o delimitar a liberdade de imprensa àqueles que têm bastantedinheiro. O fortalecimento do monopólio de informações e deopinião restringe, automaticamente, o campo de escolha dediferentes setores sociais e econômicos: leitores,anunciantes e profissionais de imprensa que vêem na lei daoferta e da procura sofrer assustadora modificação a seudesfavor (...) (SODRÉ, 1999, p.410)

O alerta de Segismundo evidenciou a prática de

intervenção dos governos federais e estaduais no

favorecimento de jornais aliados. Outro exemplo de boicote à

imprensa é desencorajar o investimento em publicidade nos

jornais opositores. Sodré (1999) afirma que com a

consolidação do formato de empresa jornalística, até a década

de 1950, e a extinção de parcela significativa de jornais

artesanais e de pequeno porte, manter um impresso sem

financiamento era quase impossível. Como as receitas dos

jornais eram sustentadas basicamente pela publicidade, os

jornais fechavam. A intervenção financeira, citada por Sodré

(1999), é uma maneira mais requintada das práticas citadas

por Thompson (2002), em Londres, no século XVII, e que foram

bastante utilizadas na Ditadura Militar.

Em Recife, no entanto, o jornalista Marcelo Mário de

Melo afirma que a situação se antecipou, e que a partir de

1961 a capital pernambucana começou a viver o que ele chamou

de “ensaios do Golpe”.

Quando houve a renúncia de Jânio Quadros ocorreu uma ‘amostragrátis´ do Golpe de 1964 aqui. Cid Sampaio era governador ehouve prisão, censura em todos os órgãos de imprensa, rádio etv. A redação do jornal A Hora, que era no edifício Vieira daCunha, foi invadida. A gráfica foi ocupada. Os grandesjornais daqui, Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco viveram sobcensura. (MELO, 2005) 1

Três anos depois, o Regime Militar se instaurou no país,

em 1 de abril de 1964. Uma das primeiras providências do

regime militar foi mandar fechar o jornal Última Hora, fundado

na década de 1950, por Samuel Wainer. Em Recife, o jornalista

Carlos Garcia trabalhava na sucursal do jornal, que foi

fechado pela polícia.

No início, eu fui punido por ser da Última Hora (...) Havia umaordem aos jornais locais, que eram muito dóceis, para nãoempregar ninguém que era da Última Hora. Por isso, toda umageração de jornalistas foi embora daqui em 1964, mas eufiquei. Então, Esmaragdo Marroquim, que era diretor do Jornal doCommercio teve coragem de me chamar e me entregar a diretoriado Diário da Noite, que era um vespertino do Jornal do Commércio.(GARCIA, 2005)2

No comando do Diário da Noite, o jornalista foi detido e

chamado para depor porque não aceitava a censura imposta

pelos militares, que foi fortalecida com o Ato Institucional

nº 5 (AI-5), em 1968. Entre 1972 e 1975, a censura federal

1 Entrevista de Marcelo Mário Melo a pesquisadora Ana Paula Lira, em novembro de 2005.2 Entrevista de Carlos Garcia a pesquisadora Ana Paula Lira, em novembro de 2005

enviou mais de 300 comunicados aos grandes jornais

brasileiros, proibindo assuntos relacionados à sucessão

presidencial, manifestações estudantis, abertura política,

choques entre as forças do governo e os cidadãos considerados

“subversivos”, denúncias da igreja contra os atentados aos

diretos humanos, críticas à política econômica do governo e

entrevistas dos ex-ministros de Estado.

Em 1974, trabalhando na sucursal do Estado de São Paulo,

em Recife, Carlos Garcia divulgou a notícia da prisão do

vereador e presidente do MDB, Marcos Cunha, e pouco tempo

depois, foi levado pela polícia onde foi preso e torturado

por agentes do DOI/CODI.

Eu era uma pessoa marcada. Eu tinha feito, dias antes, umapalestra sobre o trabalho de uma sucursal de jornal e tinhatransformado a palestra em um protesto contra a censura.(...) Isso gerou um mal estar com o homem encarregado demanter a censura aqui. (...) Ele já me deteve e me interrogoudurante algumas horas. Mas o pingo d´água teria sido anotícia da prisão de Marcus Cunha. (...) Aquelebrasilianista, Thomas Skidmore, acha que eu fui preso comobode expiatório da luta entre a linha dura e os que queriam aabertura. Os da linha dura me prenderam para provocar Geisel.(GARCIA, 2005)3

A situação vivida por Garcia, na grande imprensa,

mostrou que o poderio econômico dos jornais não foi

suficiente, durante o período, para evitar a censura e as

perseguições. O que diferencia a Ditadura Militar de outros

períodos de perseguição aos jornais, é que a proibição era

para todos os impressos pernambucanos e não apenas para os

3 idem.

opositores. Os periódicos que simpatizavam ou apoiavam as

práticas dos militares não podiam tocar no nome de pessoas,

como Dom Helder Câmara, mesmo que a matéria ou nota fosse

favorável ao regime.

A tese de Skidmore, de que os militares da ala mais

conservadora das Forças Armadas estavam promovendo atentados

para evitar a abertura é plausível, uma vez que Geisel, em

1975, suspendeu a censura direta aos órgãos de imprensa e, no

final de seu período cancelaria, também, a censura prévia aos

jornais da imprensa alternativa, como cita Aquino et all em

Sociedade Brasileira: uma história através dos movimentos sociais. No entanto,

o fim da censura não chegou à prática jornalística por

decreto. Entre 1979 e 1985, quando encerrou o Regime Militar,

os jornais ainda recebiam advertência policial e os da

imprensa alternativa eram perseguidos e fechados.

Em Recife, os jornais O Povão e Folhetim Humorial, fundados

em 1980, e Papa-Figo – que começou como uma página de humor no

Jornal da Semana (1972 – 1983) e com o fechamento do jornal

virou jornal independente em 1984 –, foram perseguidos e

censurados mesmo depois da anistia e da suspensão da censura.

O Folhetim Humorial era editado pelo cartunista Lailson, com

ajuda de outros artistas gráficos, como Clériston e Humberto,

e dedicava suas páginas a satirizar a rotina das autoridades

econômicas e políticas locais e nacionais. Fechou após quatro

meses, por causa da censura. O Papa-Figo, apesar das

perseguições, circula até hoje, mas não com o requinte que

tinha na década de 1980.

O Povão era um jornal alternativo quinzenal, de cunho

político, mantido por jornalistas que migraram para o Partido

dos Trabalhadores, na década de 1980. Ele era editado pelos

jornalistas Paulo Santos e Marcelo Mário de Melo e circulou

quinzenalmente até meados de 1981, com uma tiragem inicial de

15 mil exemplares, em caráter nacional, que depois foi

reduzida para dez mil. Melo conta como foi o processo de

perseguição e censura a O Povão:

Naquele momento os grupos de extrema direita estavam botandobomba em bancas de jornais e revista que vendiam jornais daimprensa alternativa, e editoras.(...) Quando houve aexpulsão do Padre Vito Miracapillo, por iniciativa deSeverino Cavalcanti, que era deputado estadual aqui, PadreReginaldo Veloso fez um hino de solidariedade a VitoMiracapillo e eu publiquei trechos deste hino no jornal. Ojornal foi recolhido nas bancas. A Policia Federal chegou epegou os jornais. (...) A gente tinha distribuído menos demil nas bancas e eu estava com os 14 mil. Eu peguei o vigiado jornal e mandei esconder. Quando a Polícia Federal chegounão tinha mais nada. A gente distribuiu depois, por fora(MELO, 2005).

Por fazer parte da imprensa alternativa e ter sido

integrante do Partido Comunista Revolucionário Brasileiro

(PCBR), Marcelo Melo foi condenado à prisão por crime de

imprensa. Ele descobriu que havia sido julgado quando saiu da

prisão, em 1980, onde passou oito anos detido, e decidiu

cursar jornalismo. No meio do curso soube que não poderia ter

o registro de jornalista por ter sido condenado pela Lei de

Imprensa. Dos oito anos em que passou na Prisão de Itamaracá,

três teriam sido por causa da sua atuação em jornais. A

trajetória de Marcelo Melo serve para exemplificar as

conseqüências do Regime Militar na carreira de um

profissional que tentasse exercer com liberdade o direito de

informação nos chamados períodos de exceção.

Quando houve a abertura política, em 1985, o saldo para

a imprensa recifense era negativo. Havia apenas três jornais

de grande circulação na cidade Diario de Pernambuco, Jornal do

Commercio e Diario da Manhã, além do Diário Oficial de Pernambuco,

órgão do governo estadual. O Jornal do Commercio e o Diario de

Pernambuco sobreviveram por se inserirem em uma estrutura

empresarial de comunicação. O DP foi incorporado, no século

XX, aos Diários Associados, hoje é reconhecido como o jornal mais

antigo em circulação na América Latina. O Jornal do Commercio

cancelou o vespertino Diario da Noite por motivos financeiros,

mas fundou o Sistema Jornal do Comércio de Comunicação, agregando

rádio, televisão e Internet. O Diario da Manhã entrou em

declínio em meados dos anos 40, mas retornou com nova direção

na década de 1960, apoiando a Ditadura Militar. O jornal, no

entanto, nunca mais conseguiu o prestígio firmado na década

de 1930.

Considerações Finais

O século XX, em Recife, foi um período de intensa luta

pela liberdade de imprensa, tanto nas redações da imprensa

industrial de grande porte quanto nos jornais alternativos,

independentes, partidários e populares. É possível observar

que a censura não escolhe ideologia e tem sido aplicada de

maneira direta e indireta em períodos de exceção e em regimes

considerados democráticos.

O que diferenciou, basicamente, a censura nestes dois

modelos de governo é que nos regimes supostamente

democráticos, a coerção da atividade jornalística foi

aplicada aos opositores, enquanto nos períodos ditatoriais,

como o Estado Novo e o Regime Militar, a censura, em

Pernambuco, atingiu jornais opositores, como a Folha do Povo,

jornais simpatizantes, a exemplo do Diário da Manhã em sua

terceira fase, na década de 1960, e demais veículos da grande

e pequena imprensa.

Os jornais, por sua vez, procuravam resistir apelando

para a justiça, suprimindo a identificação dos redatores –

com o uso de pseudônimos, a troca de nomes no expediente ou a

supressão das assinaturas nas matérias –, burlando os fiscais

da censura, alertando a população – através da publicação de

notas, na primeira metade do século, ou dos espaços em branco

e das receitas de bolo, depois da década de 1960 –, e até

mesmo resistindo fisicamente, o que rendia aos repórteres e

dirigentes pancadarias, tortura e morte.

O caso da Folha do Povo é interessante, não apenas por ser

um jornal da imprensa comunista, mas por trazer a marca da

resistência, ao publicar sempre um novo jornal quando o

original era fechado pelos órgãos censores. Os exemplos

citados neste artigo mostram, também, que a suspensão oficial

da censura, no final da década de 1970, não significou a

liberdade real. Os jornais, sobretudo os da imprensa

alternativa, continuaram sofrendo atentados e perseguição,

evidenciando que a coerção a jornalistas, muitas vezes,

acaba sendo incorporada às atividades da rotina policial,

mesmo que a determinação governamental tenha cessado.

Este panorama acabou por trazer um saldo negativo para a

imprensa local, que perdeu mais de 90% de seus veículos

durante o século XX, fosse por coerção declarada nas

investidas policiais ou por censura indireta através da

inviabilização financeira dos periódicos. A consolidação do

formato de imprensa como empresa jornalística, além de

dificultar a continuidade dos pequenos jornais, serviu muito

aos interesses dos censores governamentais, que passaram a

manipular a vida dos impressos por meio de suas receitas

financeiras, ao desencorajar anunciantes e praticar altas

taxas de câmbio para compra do papel-imprensa, na tentativa

de decidir quem circularia ou não.

Estas práticas de controle foram verificadas por

Thompson (2002) no nascedouro dos primeiros jornais

informativos, no século XVII na europa, e foram aperfeiçoadas

e aplicadas aos jornais e profissionais da imprensa

brasileira, conseqüentemente da recifense ao longo do século

XX, mostrando que a luta pela liberdade de imprensa é

concomitante ao exercício do jornalismo, em qualquer época.

Referências

BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica - história daimprensa brasileira. 4. ed. São Paulo. Editora Ática.1990

BUONICORE, Augusto. Comunistas, Cultura e Intelectuais entreos anos de 1940 e 1950. Revista Espaço Acadêmico. n 32.Janeiro. 2004. Disponível emhttp://www.espacoacademico.com.br/032/32cbuonicore.htm Acesso13 abr. 2005 20:59:00 MELO, José Marques de. Sociologia da Imprensa Brasileira: Aimplantação. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1973.

NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco(1821 – 1954). Vol. 3. Recife. Imprensa Universitária,1967.

NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco (1821– 1954). Vol. 10. Recife. Ed. Universitária da UFPE, 1997.

MORAIS, Fernando. Chatô, O Rei do Brasil. 3. ed. Rio deJaneiro: Companhia das Letras, 1994.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil.4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. 5. ed. Petrópolis:Vozes, 2002.