A escrita da história: a natureza da representação histórica (2a Ed.), de Frank Ankersmit...

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Editora da Universidade Estadual de Londrina

Berenice Quinzani Jordão

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A611e Ankersmit, Franklin Rudolf.A escrita da história : a natureza da representação histórica / Franklin Rudolf Ankersmit ; tradutores: Jonathan Menezes...[et al.]. – Londrina : Eduel, 2016.394 p.

Coletânea de textos originais de Franklin Rudolf Ankersmit.ISBN 978-85-7216-735-2

1. Historiografia. 2. Linguagem e história. 3. Escrita – História. 4. História – Filosofia. I. Título.

CDU 930.2

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Agradecimentos

Abaixo endereçamos alguns agradecimentos a instituições e pessoas pela sessão dos direitos de ensaios do autor não publicados originalmente neste livro.

O capítulo 1, “O uso da linguagem na escrita da história”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. History and tropology: the rise and fall of metaphor. Los Angeles, EUA: University of California Press, 1994, capítulo 3, p. 75-96.

O capítulo 2, “A Virada Linguística, teoria literária e teoria da história”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. Historical representation. Stanford, California, EUA: Stanford University Press, 2001, capítulo 1, p. 29-74.

O capítulo 3, “Da linguagem para a experiência”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. Sublime historical experience. Stanford, California, EUA: Stanford University Press, 2005, capítulo 2, p. 69-108.

O capítulo 4, “Experiência histórica: além da Virada Linguística”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. Meaning, truth and reference in historical representation. Nova Iorque, EUA: Cornell UP, 2012.

O capítulo 5, “Representação e referência”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. Representation and reference. In: Journal of the Philosophy of History 4 (2010), p. 374-408.

O capítulo 6, “Verdade na história e na literatura”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. Meaning, truth and reference in historical representation. Nova Iorque, EUA: Cornell UP, 2012.

O capítulo 7, “Sobre o tempo e a história”, foi originalmente publicado em: ANKERSMIT, Frank. Meaning, truth and reference in historical representation. Nova Iorque, EUA: Cornell UP, 2012.

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O apêndice, “A trajetória intelectual de Frank Ankersmit”, escrito por Alfredo dos Santos Oliva e Jonathan Menezes, foi originalmente publicado na Revista Antítese, v. 6, n. 12, 2013, p. 468-488.

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Sumário

Apresentação ..............................................................................................9

Preface ......................................................................................................17

Prefácio ....................................................................................................25

O uso da linguagem na escrita da história ...........................................35

A Virada Linguística, teoria literária e teoria da história ...................69

Da linguagem para a experiência ........................................................135

Experiência histórica: além da Virada Linguística............................199

Representação e referência ...................................................................243

Verdade na história e na literatura ......................................................289

Sobre o tempo e a história ....................................................................327

Entrevista com F. R. Ankersmit ...........................................................345

Apêndice .................................................................................................363

Tradutores ...............................................................................................393

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Apresentação

No ano de 2009, organizamos uma série de seminários, nos quais historiadores e participantes do grupo de pesquisa em Epistemologias e Metodologias da História eram convidados a oferecer, cada um à sua maneira, uma resposta aos desafios da teoria da história e da historiografia contemporânea. O resultado desse trabalho foi publicado, em 2011, num livro nomeado Epistemologias da história: verdade, linguagem, realidade, interpretação e sentido na pós-modernidade. Percebemos que importantes temas da historiografia contemporânea foram ressaltados nesta obra coletiva, bem como as principais referências teóricas a eles pertinentes. E foram esses temas e referências que reconhecemos circulando no pensamento e nos textos do historiador holandês Frank R. Ankersmit.

Propusemos a ele uma entrevista que deveria ser publicada, inicialmente, como apêndice ao livro supracitado. Posteriormente, o projeto editorial e de pesquisa ganhou uma nova dimensão, a tal ponto que criamos um grupo de trabalho para a tradução de uma seleção de textos de Frank Ankersmit. Ao longo dos últimos anos, dedicamo-nos a essa tarefa, sempre em contato com o historiador holandês, que generosamente colaborou o tempo todo, inclusive aprovando e até aplaudindo a escolha dos ensaios, como sendo alguns dos melhores escritos que havia produzido até então.

Já durante o processo de leitura, discussão e tradução dos textos, fomos percebendo que se tratava de uma reunião de sete capítulos bastante significativos e representativos de toda obra desse autor, e que expressam as preocupações mais atuais da escrita da história – acompanhados, aliás, por um prefácio e uma entrevista inéditos, concedidos pelo autor, Frank Ankersmit, especialmente para esta edição. Entendemos que deverá servir não apenas para o leitor que deseja conhecer a obra desse autor, mas também perceber algumas de

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suas mudanças nas décadas de 1990, 2000 até o presente ano de 2012, em que se situa a produção e publicação destes textos.

Os dois primeiros capítulos, por exemplo, têm em comum preocupações concernentes ao papel da linguagem na escrita da história. No primeiro, originalmente publicado no livro History and tropology: the rise the of the metaphor (1994), vê-se um Ankersmit ainda bastante imerso numa fi losofi a da história narrativista (perceptível, aliás, já desde sua primeira obra, Narrative logic, de 1983), com afi rmações tais como a de que as “narrativas são tudo o que temos” e de que a linguagem do historiador é composta não por um contato direto dele com o passado, mas por meio de “substâncias narrativas”, isto é, objetos linguísticos utilizados pelo próprio historiador para falar do passado. Já no segundo capítulo, publicado sete anos depois em seu Historical representation (2001), o leitor poderá observar um Ankersmit buscando um juste millieu entre os pressupostos da Virada Linguística e da Teoria Literária, e as posições que ele defenderá nos ensaios seguintes, em que o autor passava por uma fase intelectual de transição da linguagem para experiência histórica (posição expressa em seu Sublime historical experience, de 2005); de um retorno ao historicismo de Ranke e de Humboldt (defendido em seu Meaning, truth and reference in historical representation, de 2012); e, como o leitor verá no último capítulo, que é a entrevista, de uma saída declarada do pós-modernismo para uma “nova fi losofi a da história”, preocupada com questões tais como a reabilitação da experiência e da presença (do passado) na escrita da história.

É este trabalho que agora apresentamos ao público brasileiro, ao leitor interessado nos principais temas da teoria e da historiografi a contemporânea. Para quem conhecia, unicamente, a produção deste historiador holandês disponível no Brasil até a presente data, se surpreenderá com o Ankersmit desta coletânea. Contudo, o problema posto por ele, desde seus textos mais conhecidos, continua atual, a

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saber: a linguagem tomada como um problema e, mais ainda, um problema que o historiador deve enfrentar. Dito em outras palavras, o problema da narratividade está posto, em Ankersmit, do começo ao fi m. Nesse sentido, podemos dizer que é bastante expressivo o percurso trilhado pelo historiador holandês, ele indica a incorporação intelectual de um racionalismo mais duro, tanto na dimensão da pesquisa quanto da representação. E a forma escolhida por ele para dar expressão ao seu pensamento, particularmente nesta coletânea, é indicativa dessa rigidez. Sabemos que pensar na linguagem como um problema nos sugere, também a pensar na questão de como, afi nal, eu conto uma história. Ankersmit sabe disso, e desse pecado não pode ser acusado. Ele articula, com a intimidade de quem transita há décadas nesses territórios, os problemas da fi losofi a da linguagem com os da historiografi a.

Como uma espécie de guia, oferecemos ao leitor um mapa intelectual dos problemas propostos pelo historiador holandês ao longo deste livro.

Capítulo 1: o uso da linguagem na escrita da história

A partir da questão: como o conhecimento historiográfi co é possível? Que remonta a Kant em seu aporte fi losófi co à epistemologia, porém que a entende como uma pergunta equivocada, Ankersmit não tentará demonstrar a possibilidade do conhecimento histórico, reforçando o status científi co da historiografi a moderna, mas partirá do reconhecimento da inexorável subjetividade do historiador, e de que a história não é uma ciência, nem produz conhecimento no sentido próprio da palavra e, por fi m, de que isso não é tão ruim quanto pode parecer à primeira vista. Isso será linguística que ordinariamente associamos com a expressão do conhecimento científi co) e, segundo, da narrativa histórica (isto é, a forma linguística empregada pelos

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historiadores). Concluir-se-á, assim, que, se a história tem uma epistemologia própria, esta não teria um caráter de conhecimento, mas de uma “organização do conhecimento”, que, por sua vez, traduz-se em uma proposta de como o passado poderia ser visto.

Capítulo 2: virada Linguística, teoria literária e teoria da história

No capítulo seguinte, “Virada Linguística, teoria literária e teoria da história”, Ankersmit permanece ocupando-se do tema transversal da escrita da história, levando agora em consideração a questão da relação entre a chamada Virada Linguística e a introdução à teoria literária como um instrumento para a compreensão da escrita da história. Postula, dessa forma, (1) que há uma assimetria entre as reivindicações da Virada Linguística e os da teoria literária; (2) que a confusão entre esses dois tipos de reivindicação tem sido mais infeliz sob a perspectiva da teoria histórica; e que (3) a teoria literária tem muito a ensinar sobre a escrita da história ao historiador, mas não tem qualquer tipo de infl uência sobre os tipos de problemas que são tradicionalmente investigados pelos teóricos da história. Ainda assim, chega à conclusão de que qualquer um que desejar escrever uma história sobre a escrita da história não deve deixar de fora a questão de sua relação com a teoria literária.

Capítulo 3: da linguagem para a experiência

No capítulo intitulado “Da linguagem para a experiência”, Ankersmit toma como ponto de partida as leituras de Rorty, Gadamer e Derrida a respeito da possibilidade (ou não) da linguagem dar conta da experiência do mundo. Crítico do transcendentalismo linguístico, o autor opta pela experiência como única maneira de se projetar o passado sobre o presente. Para Ankersmit, os acontecimentos passados

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são textos que não possuem signifi cados intrínsecos, tais signifi cados são atribuídos a eles pela mente que lê. Por isso, diz Ankersmit, “[...] a história que o historiador conta sobre a transição de uma maneira de experenciar o mundo para outra mais tardia é uma história que toma lugar no próprio tempo de vida do historiador”. Afi rmativamente, o autor fi naliza seu texto acreditando que depois de jogarmos fora as teorias transcendentalistas de explicação do passado seremos “[...] presenteados com um novo tipo de escrita da história”.

Capítulo 4: experiência histórica: além da Virada Linguística

Diferentemente da ingênua concepção do século XIX de uma historiografi a que pretende provocar a ilusão de que estamos olhando para o próprio passado em vez de um texto, no século XX, particularmente a partir da publicação de Meta-história de Hayden White, entendemos que não olhamos por meio de textos, mas para eles. Essa descoberta abriu caminho para o reconhecimento de que o texto histórico gera signifi cado histórico, ao mesmo tempo em que regulamenta as possibilidades criativas do historiador. A preocupação com a linguagem, principal marca do pensamento historiográfi co contemporâneo, é, ao mesmo tempo, um convite a um olhar não linguístico da história. Buscando ir além, e não contra a Virada Linguística, Ankersmit explora o conceito de experiência histórica. Guerras, revoluções, descobertas científi cas – em suma, grandes acontecimentos que conformam a experiência histórica coletiva – poderiam ser contrastados à experiência cotidiana e ao olhar individual sobre o passado, capaz de subitamente apreender a indelével marca de que as coisas já não são como outrora.

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Capítulo 5: representação e referência

Traçando um paralelo entre metáfora e representação, o pensador holandês sugere que a história possui o poder de caracterizar uma representação do passado como algo. Essa ideia o leva a afi rmar que as criações dos historiadores (como, por exemplo, o Renascimento) nos convidam a ver períodos históricos como aquilo que associamos a esses conceitos. Ou seja, a história representa o passado, criando sentidos que necessariamente exigirão do leitor tomar certa atitude com relação a certos acontecimentos, sujeitos, ou conceitos. Conceber o texto histórico como representação é, para Ankersmit, crucial para uma compreensão adequada da representação histórica, e requer a aceitação de que o passado funciona como uma tela em branco, em que o historiador projeta signifi cados.

Capítulo 6: verdade na história e na literatura

Esse ensaio lida com o papel da narrativa em ambas, fi cção e escrita da história. Admite-se que o tópico não é nada original, pois vem sendo trabalhado por muitos desde Roland Barthes até Hayden White. Ambos endereçam o interesse na dimensão literária da escrita da história. Todavia, aqui se propõe também o caminho inverso: investigar a contribuição da escrita da história para um melhor entendimento do romance, ou pelo menos de algumas variantes dele.

Capítulo 7: sobre história e tempo

Neste capítulo, Ankersmit se dedica a um debate de suma importância para o trabalho historiográfi co, como o título deixa evidente. Diferentemente de grande parte dos historiadores, que considera a questão do tempo de crucial importância para o seu

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trabalho, Ankersmit pensa que a temporalidade é sempre um ponto de partida importante, mas as suas marcas devem desaparecer para que o trabalho do narrador seja considerado bem-sucedido. O tempo teria, assim, um papel paradoxal, pois de um lado ele é imprescindível como ponto de partida da historiografi a, por outro, as suas marcas devem desaparecer do texto para que os demais historiadores reconheçam a competência narrativa de um profi ssional desse campo. Que historiador profi ssional estaria disposto a reconhecer como historiografi a bem feita um trabalho que se limitasse a apresentar uma sequência cronológica de fatos?

Capítulo 8: entrevista com F. R. Ankersmit

A entrevista que realizamos com Ankersmit enriquece por demais a visão que podemos ter de sua perspectiva teórica. Por meio dela, podemos obter esclarecimentos de pontos complexos de seu trabalho, além de sermos introduzidos nos temas mais recorrentes de seus escritos. Poderíamos arriscar a dizer que, à medida que o confrontamos com nossas perguntas e curiosidades, vemos desvelar-se à nossa frente uma faceta surpreendente de nosso personagem. Esperamos que o leitor também seja pego de surpresa com suas respostas!

Gabriel GiannattasioJonathan Menezes

Alfredo Oliva Maria Siqueira Santos

Gisele Lecker de Almeida

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Preface

Hegel once observed that the word ‘history’ has a double meaning in most languages. ‘History’ may refer to both ‘res gestae’ (that is, the past itself) and to ‘historia rerum gestarum’ (that is, the story we may tell about the past). Two kinds of philosophy of history correspond to this double meaning of the word. So-called speculative philosophy of history is a philosophical reflection on the past itself. It takes into account all that happened in the past and then tries to discern some hidden meaning in it. A meaning that is argued to be not accessible to historians themselves, since they are professionally content to describe the past and refuse to speculate about this deeper meaning of the past. This is the kind of philosophy of history that we may find in Hegel, in Marx and in Spengler or Toynbee.

Though we will all be fascinated by the amazing and challenging panorama’s painted by speculative philosophers of history, though we may be deeply impressed by the profundity of the historical insight that is sometimes displayed by these speculative philosophers, this kind of philosophy of history acquired a bad reputation since the 1950s. Speculative philosophy of history was accused of presenting us with a pseudo-knowledge of the past. More specifically, it was pointed out that speculative philosophy of history was a branch of metaphysics, since it claims to knowledge were not so much false as unverifiable. For example, when Kant or Hegel argued that history is the march of Reason through the human past, they took care to formulate their claim in such a way that each potential counter-example could be transformed into a confirmation of their views. Self-evidently, the recognition of this feature of speculative philosophy of history was enough to discredit it in the eyes of the positivist, and scientistically minded theorists of some forty to fifty years ago. And this attack on speculative philosophy of history has been so successful

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that even though metaphysics made a most surprising come-back since the 1970s, speculative philosophy remained an approach to the past shunned by both historians and philosophers.

So this left us with so-called critical philosophy of history drawing its inspiration from a philosophical refl ection on the ‘historia rerum gestarum’, i.e. on how historians may succeed in telling a truthful story about the past. Th is changed philosophy of history into a branch of epistemology. For if the epistemologist asked how knowledge of the world is possible and what requirements have to be met if a statement is to be counted as true, critical philosophy of history investigated how knowledge of the past is possible and how the historian’s language and the past itself are related to each other.

Th ree phases can be discerned in critical philosophy of history as it developed since the 1950s. Th e fi rst phase is to be associated with the by now so infamous ‘covering law model’. One began with the wholly unexceptionable observation that historians not only describe the past but that they also tried to explain it. And then one now asked oneself what formal requirements a valid historical explanation would have to satisfy. Th e idea was, roughly, that for the explanation of a historical event, say E, two things were needed. In the fi rst place a general law of the form x(C1 …. Cn) → xE; next the state of aff airs x(C1 … Cn) should have been observed in actual historical fact. If these demands were met, E (i.e. the consequence to be causally explained) could be logically derived, by means of the modus ponens rule, from the general law and the statement x(C1 … Cn) (i.e. the event’s cause). One could say, fi nally, that the law x(C1 … Cn) → xE ‘covers’ both cause and consequence – hence the model’s peculiar name. Th is undoubtedly was a neat and compelling story about historical explanation. Moreover, it had the advantage of implying that historical writing is (applied) science. Th is seemed to assuage positivist worries about the unity of science. For history could now be claimed to make use of the same methods as the sciences.

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But the problem with the covering law model has always been that an impartial look at what historians are actually doing makes abundantly clear that the model is completely at odds with the practice of historical writing. Th ere simply never is any talk in historical writing about general laws and about how they apply to the past. Worse still, the model makes no sense for the sciences themselves since the scientist does not justify the theories proposed by him by deriving them from ‘covering laws’ that should be previously given to him. And ten to fi ft een years of vain struggle to adapt the covering law model to historical practice did not succeed. So the model was quietly abandoned in the sixties, though it succeeded in continuing its agony down to the present day in the writings of some historical theorists drawing their inspiration from the social sciences, such as sociology or economy.

Th is may explain why historical theorists now turned to hermeneutics in order to account for historical explanation and why historical theory moved to a second stage in the 1960s. Th e crucial assumption in hermeneutics is that historians do not rely on historical laws in order to explain the past; they do so, in the famous words of R.G. Collingwood ‘by re-enacting the past in their own mind’. Th at is to say, they ask themselves what they would have done themselves if they had been in the shoes of the historical agent whose actions they investigate. But this model was not without its problems, too. Covering law modelists were quick to point out that all this is mere heuristics. It may well be that this is how we hit upon our intuitions of what might well be an acceptable explanation of the historical agent’s actions. But, as they went on to argue, aft er you have made this fi rst step, you will have to provide proof that your intuitions about what made a person do something are really correct. And for this, as they eagerly pointed out, you will inevitably need a general law or some statistical generalization about human behavior demonstrating

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that this is how human beings ordinarily behave under the relevant circumstances. Th ough the hermeneutic model was endlessly refi ned – as, for example, in the so-called teleological model and in the ‘logical connection argument’ – hermeneuticists never succeeded in producing a really convincing riposte to the covering law modelist’s queries.

Th is was, more or less, the situation in historical theory when Hayden White published in 1973 his immensely successful Metahistory. Th e historical imagination in nineteenth century Europe and by, doing so, made historical theory enter a third phase and in which we still fi nd ourselves. Two aspects of White’s book deserve our attention here. In the fi rst place, White sidestepped this whole discussion of covering law modelists and of hermeneuticists about historical explanation by emphasizing the cognitive importance of the historical text as a whole. Th at is to say, he reminded us of the fact that we should always discern three levels in the historical text. Th ere is the most elementary level of historical description; i.e. the level where the historian describes individual states of aff airs in the past. Next, there is the level of historical explanation and that had always been at stake in the discussion between the covering law modelists and the hermeneuticists. But, as White went on to demonstrate, there is the still far more important third level, i.e. the level of the historical text as a whole and where the historian presents us with a certain representation of the past. Th ink, for example, of how Burckhardt’s Die Kultur der Renaissance in Italien (Th e Culture of the Renaissance in Italy) presents us with a representation of 15th and 16th century Italian culture as a ‘rebirth’ of classical antiquity. Th e descriptions and explanations we may fi nd in the text are merely the components of the text as whole, and their function is only to contribute to this whole. So what was, in the end, wrong with the discussion between the covering law modelists and the hermeneuticists is that they had

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always remained blind to this third level. And this accusation was all the more pertinent, since from a cognitive point of view this is the level that truly counts. It is no coincidence that historians write books and do not just jot down individual statements about the past or about how two individual events are causally related to each other. Th is is because historians know that it is the book as a whole where they present the essence of their conceptions about the past.

I admit that a certain amount of interpretative benevolence will be needed to discern this claim in White’s Metahistory. But I am nevertheless convinced that the claims has been part of White’s intentions and, moreover, that the claim was completely correct and wholly to the point. Th e claim meant a decisive paradigm-change in historical theory; and it was a tremendous improvement on the rather helpless and fruitless discussions of the covering law modelists and the hermeuticists. I tend to be somewhat more critical, though, about a second aspect of White’s opus magnum. For in order to deal with the historical text as a whole White developed a structuralist grid within which, according to him, all historical texts could be fi tted in one way or another. Th e grid consisted of four tropes, four ‘modes of emplotment’, four ‘modes of argument’ and four ‘modes of ideological implication’. And the idea was that as soon as the historian would have chosen in favor of a certain trope this would compel him to chose for a certain mode of emplotment, argument and ideological implication as well.

Now, one may well have one’s doubts about the merits of the tropological grid as such – but this is an issue that I shall leave aside here. Th ere is, however, a question of a more general theoretical signifi cance that we cannot aff ord to ignore. We should note that White’s theory of history, as developed in Metahistory focuses on the level of the historical text exclusively. Th at is to say, it leaves no room for an analysis of the relationship between the historical text and that

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part of the past itself that is expounded in the text. Consequently, it excludes the possibility of a discussion of the epistemological aspects of this relationship between historical writing and the past. Because of this, we cannot expect from White’s theory of history to inform us about the epistemological problem of why one text may succeed in doing better justice to the past than some other. Or, to put it diff erently, White’s historical theory is indiff erent to the issue of representationalist success. In this way Metahistory has been the counterpart in historical theory of Derrida’s notorious ‘il n’y a pas de hors-texte’ (‘there is nothing outside the text’): for in both cases an exclusive focus on the text invited a neglect of what the text is about and of how the text and the world are related. Th is may also explain why so many commentators have inferred a relativist or scepticist position from White’s historical theory. And, indeed, it is true that White does not clarify why we could justifi ably hold that one historical account is better than some other. But this is not so because White’s theory should explicitly aim at a relativist or scepticist position.

It is, rather, that White simply does not address in any of his writings the issue of how the historical text relates to the past. Th e signifi cance of White’s theory is, therefore, exclusively historiographical. Th at is to say, it may help us understand how meaning is generated in the historical text and how we should therefore read and interpret historical texts once they have come into being. But his theory does not off er us a theoretical guide for how to decide between alternative historical accounts of part of the past – nor has it ever meant to be such a guide. So my view would be that White’s theory of history is immensely valuable for the historian of historical writing – but it will yield no answer to the question for how best to account for the past.

Th is book’s main intention is to remedy this. In the fi rst part the emphasis is on the so-called linguistic turn, that is to say, on the recognition that no account of truth should be taken seriously that

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is blind to what language may bring to truth. Th e linguistic turn was introduced into philosophy of language by Quine. Quine had emphasized that truth claims cannot be decided by comparing bits of language with bits of the world as was suggested by empiricism. Rather, truth claims tend to cluster in theoretical wholes evading a direct confrontation with reality. To put it metaphorically, the coherence of language and its affi nity with linguistic holism challenges the empiricist model of a direct confrontation of language and reality.

Firstly, Quine’s holism is transferred here to the domain of historical writing on the basis of the assumption that historical concepts, such as trade unionism, the industrial revolution or ‘the age of globalism’ also comprise such wholes as expressed by the texts used for presenting individual accounts of trade unionism etc. Hence, the conceptual apparatus developed and used in historical writing can only properly be analyzed in terms of the historical text as a whole of perhaps many thousands of sentences about some part of the past. All understanding of the writing of history is only partial and unsatisfactory as long as it remains blind to the text as a whole – for the text as a whole determines the meaning of historical concepts. And any account of historical truth demands and presupposes an account of how historical concepts come into being and how we decide about their capacity to contribute to our knowledge of the past.

Secondly, the focus on the historical text as a whole eff ects a rapprochement between my argument in the essays presented in this book and Leopold von Ranke’s and Wilhelm von Humboldt’s historicist doctrine of the so-called ‘historical idea’. Th ey conceived of the ‘historical idea’ as a kind of entelechy inhering in historical phenomena themselves and determining how they would develop in the course of their history. Just as Aristotle had argued that we must postulate an entelechy in an acorn that determines its eventual development into a large and mighty oak.

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Admittedly, nobody will nowadays feel any sympathy for Aristotelian entelechies and for how it was put to use in the historicist’s doctrine of the historical idea. It is argued, however, that if we transform Ranke and Humboldt’s notion of the ‘historical idea’ from a theory on historical phenomena into a theory on the historical concepts we use for describing and discussing such phenomena, we will obtain a most successful theory of the practice of historical writing better explaining that practice than any of its rivals.

Th irdly, this historical text is argued to be a representation of the past much in the way that we may say that a portrait is a representation of its sitter or that our parliaments represent the electorate. In all these three cases something that is absent (the past, the person portrayed or the electorate) is made present by the representation. Th e concept of representation has been investigated by several theorists – especially by Arthur Danto in a series of brilliant studies. So what these theorists have written on representation may enable us to obtain a more satisfactory insight into the nature of historical concepts and of how they are used by historians. Indeed, the notion of representation will undoubtedly be our best guide in philosophy of history’s future.

Frank Ankersmit Groningen University

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Prefácio

Hegel certa vez observou que a palavra “História” tem um duplo significado na maioria das línguas, podendo se referir tanto a “re gestae” (isto é, ao passado em si mesmo) quanto a “historia rerum gestarum” (a história que podemos narrar sobre o passado). Dois tipos de filosofia da história correspondem a esse duplo significado da palavra. A chamada filosofia especulativa da história é uma reflexão filosófica sobre o passado em si mesmo. Ela leva em conta tudo o que aconteceu no passado e então tenta encontrar algum significado ali escondido. Um significado que se argumenta não ser acessível aos próprios historiadores, uma vez que eles estão profissionalmente contentes em descrever o passado e se recusam em especular sobre o significado mais profundo do passado. Esse é o tipo de filosofia da história que vamos encontrar em Hegel, Marx, Spengler ou Toynbee.

Embora todos possam ficar fascinados pelo maravilhoso e desafiador panorama pintado pelos filósofos especulativos da história, ainda que fiquemos intensamente impressionados pela profundidade do conhecimento histórico por eles às vezes exibido, esse tipo de filosofia da história adquiriu uma má reputação a partir dos anos 1950. A filosofia especulativa da história foi acusada de nos apresentar um pseudoconhecimento sobre o passado. Mais especificamente, afirmou-se que a filosofia especulativa da história era um ramo da metafísica, uma vez que suas pretensões ao conhecimento não eram tão falsas quanto inverificáveis. Por exemplo, quando Kant ou Hegel defenderam que a história é a marcha da razão por meio do passado humano, eles tiveram o cuidado  de formular  sua alegação  de tal forma que cada potencial contraexemplo poderia ser transformado em uma confirmação de suas opiniões. Evidentemente, o reconhecimento dessa característica da filosofia especulativa da história foi suficiente para desacreditá-la aos olhos dos teóricos positivistas e de mentalidade

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cientifi cista de uns 40 ou 50 anos atrás. E esse ataque tem sido tão bem-sucedido que, mesmo com o surpreendente retorno da metafísica durante os anos 1970, essa se manteve como uma abordagem ao passado a ser evitada tanto por historiadores quanto por fi lósofos.

Isso nos deixa com a chamada fi losofi a crítica da história, inspirada na refl exão fi losófi ca sobre a “historia rerum gestarum”, isto é, em como historiadores podem ser bem-sucedidos em narrar uma história confi ável a respeito do passado. Isso transformou a fi losofi a da história em um ramo da fi losofi a. Pois, se o epistemologista perguntou como um conhecimento do mundo é possível e que requisitos precisa-se encontrar se queremos que uma declaração seja contada como verdadeira, a fi losofi a crítica da história investigou como o conhecimento do passado é possível e como a linguagem do historiador e o passado em si mesmo estão relacionados.

Três fases podem ser discernidas na fi losofi a crítica da história tal como se desenvolveu desde a década de 1950. A primeira fase pode ser associada com o agora infame “modelo de cobertura legal” (covering law model). Começou-se com a irrepreensível observação de que os historiadores não apenas descrevem o passado, mas também tentam explicá-lo. E então alguém se perguntou que requerimentos formais uma explicação histórica válida deve ter para satisfazer. A ideia foi, grosseiramente, que, para a explicação de um evento histórico E, duas coisas seriam necessárias. Em primeiro lugar, uma lei geral da forma x(C1 …. Cn) ® xE; a seguir o estado de coisas x(C1 …. Cn) deveria ser observado em fatos históricos reais. Se essas demandas fossem preenchidas, E (isto é, a consequência a ser causalmente explicada) poderia ser logicamente derivada por meio de uma lei de modus ponens,1 da lei geral e da declaração x(C1 …. Cn) (isto é, a causa do evento). Alguém poderia dizer, fi nalmente, que a lei x(C1 …. Cn) ® xE “cobre” tanto causa como consequência – daí o nome peculiar do 1 Expressão em latim que designa uma lei de inferência, típica da lógica clássica, que consiste

em se afi rmar afi rmando [Nota do tradutor].

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modelo. Essa foi indubitavelmente uma pura e convincente história sobre a explicação histórica. Ademais, ela teve a vantagem de sugerir que a escrita da história é uma ciência (aplicada), o que pareceu amenizar as preocupações positivistas acerca da unidade da ciência. Pois a história então poderia reivindicar o direito de uso dos mesmos métodos das ciências.

O problema com o modelo de cobertura legal sempre foi o de que um olhar imparcial sobre o que os historiadores têm feito, atualmente, mostra muito claramente que este modelo está em completo desacordo com a prática da escrita da história. É simplesmente incomum qualquer conversa na escrita da história sobre leis gerais e sobre como elas se aplicam ao passado. Pior ainda, o modelo não faz sentido também para as ciências, uma vez que o cientista não justifi ca as teorias propostas por ele, derivando-as de uma “cobertura por leis” que deveriam ser dadas previamente a ele. Assim, os dez a quinze anos de luta vã para adaptar o modelo de cobertura legal à prática histórica não foram capazes de fazer com que o modelo parecesse sequer um pouco melhor. Então, o modelo foi silenciosamente abandonado nos anos 1960, embora tenha se perpetuado em sua agonia até o presente nos escritos de alguns teoristas da história, extraindo sua inspiração das ciências sociais, tal como a sociologia ou a economia.

Isso pode explicar a razão pela qual os teoristas da história migraram para a hermenêutica a fi m de prestar contas para a explicação histórica, e por que a teoria da história passou para um segundo estágio nos anos 1960. A suposição crucial na hermenêutica é a de que os historiadores não dependem das leis históricas para explicar o passado; eles o fazem, nas famosas palavras de R. G. Collingwood, “reencenando o passado em sua própria mente”. Isso quer dizer que eles perguntam a si mesmos o que teriam feito se tivessem estado nos passos do agente histórico cujas ações eles investigam. Mas, esse modelo também não esteve livre de problemas. Adeptos do modelo

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de cobertura legal foram rápidos em dizer que isso tudo não passou de mera heurística. Pode bem ser que assim é que batemos em cima de nossas intuições sobre o que poderia muito bem ser uma explicação aceitável  das ações do  agente  histórico. Mas, como eles passaram a argumentar, depois que se dá esse primeiro passo, ter-se-á de provar que suas intuições sobre o que faz uma pessoa fazer alguma coisa estejam corretas. E por isso, como eles ansiosamente pontuaram, você inevitavelmente precisará de uma lei geral ou alguma generalização estatística sobre o comportamento humano, demonstrando que essa é a maneira como seres humanos ordinariamente se comportam sob condições relevantes. Embora o modelo hermenêutico tenha sido infi nitamente mais refi nado – como, por exemplo, no chamado argumento teleológico ou no “argumento de conexão lógica” – os hermeneutas nunca tiveram êxito em produzir um contra-ataque realmente convincente às inquirições dos adeptos do modelo de cobertura legal.

Essa era, mais ou menos, a situação na teoria da história quando Hayden White publicou, em 1973, seu imensamente bem-sucedido livro Meta-História: a imaginação histórica na Europa do século XIX, e, por meio dele, fez a história entrar em uma terceira fase na qual ainda permanecemos.

Dois aspectos do livro de White merecem nossa atenção aqui. Em primeiro lugar, ele evadiu toda essa discussão entre adeptos do modelo de cobertura legal e hermeneutas sobre a explicação histórica, enfatizando a importância cognitiva do texto histórico como um todo. Em outras palavras, ele nos lembrou o fato de que devemos sempre discernir três níveis no texto histórico. Há o mais elementar nível, o da descrição histórica, isto é, o nível no qual o historiador descreve estados de coisas individuais no passado. A seguir, há o nível da explicação histórica, que sempre esteve em jogo na discussão entre adeptos do modelo de cobertura legal e hermeneutas. Mas,

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como White prossegue demonstrando, há um terceiro nível ainda mais importante, que é o nível do texto histórico como um todo, no qual o historiador nos oferece certa representação do passado. Pense, por exemplo, em como o livro de Jacob Burckhardt, A cultura do Renascimento na Itália, propõe uma representação da cultura italiana dos séculos XV e XVI como um “renascer” da Antiguidade Clássica. As descrições e explicações que podemos encontrar no texto são meros componentes deste como um todo, e a função deles é contribuir para esse todo. Então o que havia, no fi m das contas, de errado com a discussão entre adeptos do modelo de cobertura legal e hermeneutas é que eles sempre se mantiveram cegos em relação a esse terceiro nível. E essa acusação foi ainda mais pertinente uma vez que, desde um ponto de vista cognitivo, esse é o nível que realmente conta. Não é coincidência que historiadores escrevam livros e não apenas anotem declarações individuais sobre o passado ou sobre como dois eventos isolados estão causalmente relacionados entre si. Isso porque os historiadores sabem que se trata de um livro como um todo em que eles apresentam a essência de suas concepções sobre o passado.

Eu admito que certa quantidade de benevolência interpretativa seja necessária para discernir tais afi rmações na Meta-História de White. Contudo, estou convencido de que estas fi zeram parte das intenções desse autor e, além disso, de que elas estão corretas e que vão direto ao ponto. Elas signifi caram uma decisiva mudança de paradigma na teoria da história; tratou-se de uma tremenda melhora em relação às inúteis e infrutíferas discussões entre adeptos do modelo de cobertura legal e hermeneutas. Eu tendo a ser, de alguma forma, mais crítico, todavia, em relação a uma segunda parte da opus magnum de White. Pois, a fi m de lidar com o texto histórico como um todo, White desenvolveu uma rede estruturalista dentro da qual, de acordo com ele, todos os textos históricos poderiam se encaixar de um jeito ou de outro. A rede consistiu de quatro tropos, quatro “modos de

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pôr em confl ito”, quatro “modos de argumento” e quatro “modos de implicação ideológica”. E a ideia foi que, tão logo o historiador optasse em favor de um desses tropos, também seria compelido a escolher um tipo de confl ito, argumento e implicação ideológica.

Agora, podemos levantar dúvidas acerca dos méritos dessa rede tropológica como tal – mas essa é uma questão que deixarei de lado neste momento. Existe, contudo, uma questão de maior signifi cância teórica geral que não podemos ignorar. Devemos notar que a teoria da história de White, tal como desenvolvida em seu livro, focaliza exclusivamente o nível do texto histórico, ou seja, ela não deixa espaço para uma análise da relação entre a escrita da história e aquela parte do passado em si que está exposta no texto. Consequentemente, ela exclui a possibilidade de uma discussão de aspectos epistemológicos dessa relação entre a escrita da história e o passado. Por essa causa, não podemos esperar que a teoria da história de White nos informe acerca do problema epistemológico de por que um texto histórico pode fazer melhor justiça ao passado do que outro. Ou, colocando de outro modo, a teoria da história de White é indiferente à questão do sucesso representacionalista. Nesse sentido, a Meta-História de White tem sido uma cúmplice, na teoria da história, da notória concepção de Derrida de que “não há nada fora do texto”, visto que, em ambos os casos, um foco exclusivo no texto convida a uma negligência daquilo sobre o que ele é e de como o texto e o mundo estão relacionados. Isso pode explicar por que tantos comentaristas inferiram uma posição cética ou relativista da teoria da história de White. E, de fato, é verdade que White não esclarece o porquê podemos justifi cadamente sustentar que uma abordagem histórica pode ser melhor do que outra. Mas isso não acontece, pois a teoria de White deveria ser vista explicitamente numa posição cética ou relativista. O fato é que White não direciona nenhum de seus escritos para a questão de como o texto histórico se relaciona com o passado. A signifi cância de sua teoria é, portanto,

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exclusivamente historiográfi ca. Isso para dizer que ela pode nos ajudar a entender como o signifi cado é gerado no texto histórico e como deveríamos ler e interpretar textos históricos na medida em que eles passam a existir. Mas sua teoria não nos oferece um guia sobre como decidir entre abordagens diferentes de uma parte do passado – e nem nunca pretendeu ser tal coisa. Assim, minha visão poderia ser a de que a teoria da história de White é imensamente valorosa ao historiador interessado na escrita da história, mas que não trará nenhuma resposta para a questão da existência de uma melhor forma de explicar o passado.

A intenção principal deste livro é a de remediar esta situação. Na primeira parte, a ênfase recairá na chamada Virada Linguística, ou seja, no reconhecimento de que nenhum aporte à questão da verdade deveria ser levado a sério porque é cego em relação ao que a linguagem pode trazer à verdade. A Virada Linguística foi introduzida na fi losofi a da linguagem por Quine. Ele havia enfatizado que as alegações de verdade não podem ser decididas por meio da comparação de pedaços da verdade com pedaços do mundo, como foi sugerido pelo empirismo. Pelo contrário, as alegações de verdade tendem a se agrupar em conjuntos teóricos que fogem de um confronto direto com a realidade. Metaforicamente falando, a coerência da linguagem e sua afi nidade com o holismo linguístico desafi am o modelo empirista de uma confrontação direta entre linguagem e realidade.

Num primeiro momento, portanto, o holismo de Quine é aqui transferido para o domínio da escrita da história com base na hipótese de que conceitos históricos, tais como o de sindicalismo, o de revolução industrial ou o da “era do globalismo”, compõem esses conjuntos da forma como são expressos pelos textos utilizados para apresentar abordagens individuais do sindicalismo etc. Assim, o aparato conceitual desenvolvido e utilizado na escrita da história pode ser propriamente analisado em termos do texto histórico como

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um todo de, talvez, milhares de sentenças sobre alguma parte do passado. Todo entendimento da escrita da história é apenas parcial e insatisfatório, uma vez que se mantém cego ao texto como um todo – pois o texto como um todo determina o signifi cado de conceitos históricos. E qualquer abordagem da verdade histórica demanda e pressupõe uma análise de como os conceitos históricos vêm à tona e de como decidimos sobre sua capacidade de contribuir para nosso conhecimento do passado.

Em segundo lugar, o foco no texto histórico como um todo efetua uma aproximação entre meu argumento nos ensaios apresentados neste livro e a doutrina historicista de Leopold Von Ranke e Wilhelm Von Humboldt sobre a chamada “ideia histórica”. Eles conceberam a “ideia histórica” como uma espécie de enteléquia,2 inerente em fenômenos históricos, que determina como eles se desenvolvem no decorrer de sua história. Assim como afi rmou Aristóteles que devemos postular uma enteléquia como uma semente de carvalho que determina seu desenvolvimento até se tornar um grande e poderoso carvalho.

Admitidamente, ninguém irá sentir hoje qualquer simpatia pela enteléquia de Aristóteles e por como ela foi posta em uso na doutrina historicista da ideia histórica. Defendo, contudo, que, se transformamos essa noção de Ranke e Humboldt de uma teoria sobre o fenômeno histórico em uma teoria sobre conceitos históricos usados para descrever e discutir tal fenômeno obteremos uma mais bem-sucedida teoria da prática da escrita da história explicando-a melhor do que qualquer um de seus (nossos) rivais.

Em terceiro lugar, este texto histórico é considerado uma representação do passado no sentido em que costumamos dizer que um retrato é uma representação de seu modelo ou que nossos

2 Vem do grego entelecheia, que signifi ca aquilo que é perfeito. No pensamento de Aristóteles se opõe à “potência” (ou seria a sua realização) – daí a diferenciação que ele faz entre potência e realidade. É sinônimo de “ato”, como movimento que tende à sua perfeição [Nota do tradutor].

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parlamentos representam o eleitorado. Em todos os casos, algo que está ausente (o passado, a pessoa retratada ou o eleitorado) passa a estar presente por meio da representação. O conceito de representação tem sido investigado por diversos teoristas – especialmente por Arthur Danto em uma série de estudos brilhantes. O que esses teoristas têm escrito sobre representação pode fazer com que obtenhamos um insight mais satisfatório sobre a natureza dos conceitos históricos e de como eles são utilizados pelos historiadores. De fato, a noção de representação indubitavelmente será nosso melhor guia no futuro da fi losofi a da história.

Frank AnkersmitUniversidade de Groningen, Outubro de 2011