Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de CiênciasSociais e Humanas
História da Arte do Século XX
Ernst Ludwing Kirchner, Marcella
Maria Silva, nº 37846
Maio 2015
INDICE
I. INTRODUÇÃO
II. MARCELLA
II.I. CONTEXTUALIZAÇÃO
II.II. ANÁLISE DA OBRA
II.III. COMPARAÇÕES COM OUTRAS OBRAS
III. CONCLUSÕES
IV. BIBLIOGRAFIA
I. INTRODUÇÃO
“A painter paints the appearance of things, not their objective correctness, in
fact he creates new appearances of things.”1- Kirchner
O presente estudo tem como tema central a análise da obra pictórica executada
por Kirchner, Marcella. A leitura que se pretende abordar vai ao encontro daquelas que
são as principais premissas do Expressionismo como uma das grandes tendências
artísticas do século XX. O discurso que se desenvolverá terá presente a relação que a
produção desta obra teve no contexto artístico e cultural da época, como também o
pensamento que se estabeleceu nos anos da sua produção. O Expressionismo foi uma
tendência artística que se deu entre os anos de 1905 e 1913 e que se estabeleceu em
diversos polos artísticos, sendo os mais importantes o de Dresden, Viena e Munique.2
Marcella é uma obra que pertence ao contexto de Dresden, mas de modo a não isolá-la
da restante produção artística, serão estabelecidas algumas comparações com outras
obras executadas nos mesmos anos, como também de anos anteriores ou sucessivos,
estabelecendo assim uma relação com outros autores que são essenciais para a
compreensão da linguagem de Kirchner. Neste sentido, e sempre a partir da análise da
obra, serão ainda referidos os aspetos que mais contribuíram para a formação da sua
linguagem, como também a ligação que os mesmos tiveram com o pensamento da
época. Para além de se observarem inúmeras influências de outras tendências artísticas
que foram surgindo no início do século XX, a que mais ressalta à vista e que surge ao
mesmo tempo que o Expressionismo alemão é o Fauvismo. De modo a compreender
alguns aspetos da estética expressionista, será importante observar qual o impacto que o
Fauvismo teve na obra de Kirchner, assim como na obra de outros artistas da mesma
expressão artística.
Marcella, surge assim como uma obra-chave nesta produção, nomeadamente
através daquele que é considerado um dos principais artistas do Expressionismo.
1 http://www.theartstory.org/artist-kirchner-ernst-ludwig.htm 2 Em Dresden, o Expressionismo em Dresden foi fortemente impulsionado pelo trabalho de Kirchner, em
1905; em Viena por Oskar Kokoschka e Egon Schiele, em 1908; e em Munique por Kandinsky, em 1911.
II. MARCELLA
II.I. CONTEXTUALIZAÇÃO
A obra Marcella, da autoria de Ernst Ludwig Kirchner, foi
realizada entre 1909 e 1910. O polo artístico em que se desenvolve
corresponde, tal como se referiu acima, ao contexto de Dresden, no
qual se afirma o grupo Die Brucke. Este grupo foi formado por estudantes de arquitetura
como Ernst Ludwig Kirchner, Fritz Bleyel, Erich Heckel, Karl Schmidt-Rottluff,
Pechstein e Otto Muller.
O principal fundamento para a formação do grupo Die Brucke vai ao encontro da
mudança intelectual que se estabelece no início do século XX e que se afirma através de
diversas tendências artísticas, como é o caso do Fauvismo que analisaremos mais à
frente. É preciso ter em conta que esta mudança da mentalidade social não se dá apenas
ao nível das Artes, mas também ao nível da Literatura, que estará bastante associada ao
desenvolvimento da primeira. A este nível serão recuperadas duas personagens muito
importantes para o desenvolvimento do pensamento do Expressionismo. Uma delas é a
figura de Bergson, que defende que a consciência humana deve ser expressa através dos
meios artísticos, havendo uma estreita relação entre estes e o sujeito que os trabalha. O
outro pensador é Nietzsche, que defende igualmente que a consciência humana é em si
mesma um modo de existência, e que esta precisa de ser exercitada sem normas
externas que modifiquem a sua veracidade (ARGAN; 2002; p.118). Esta mudança
cultural surge como forma de ir contra àquelas que eram as regras clássicas
estabelecidas pela Academia com base no Positivismo do século anterior. Para os
expressionistas, as tendências artísticas como o Naturalismo e o Impressionismo que
estavam totalmente relacionadas com um modo de produção racional que derivava deste
pensamento, apenas se debruçavam sobre “the visual world «superficial»”, dando
primazia a questões como as mudanças atmosféricas ao longo do dia ao invés de
explorarem o interior do ser humano/o interior individual do artista (FIGURA;
JELAVICH; 2011; p. 36). Contrariamente, tal como refere Deborah Wye (s.d.; p. 19)
a tendência expressionista “(…) can be understood as part of a Romantic tradition, as
opposed to classical directions that embrace ideas of balance and harmony.” Para além
de impulsionar a captação da liberdade interior do artista, o modo como se expressa vai
também ao encontro da crítica que se coloca perante a sociedade capitalista e burguesa
desses tempos. Como impulso destas ideias surgem nestes anos e, ligados a cada um dos
polos artísticos em que se desenvolve o Expressionismo, associações artísticas às quais
se deram o nome de Secessões (Berlim, Munique e Viena). A Secessão de Berlim, à
qual pertence Kirchner, foi fundada em 1898 sob a presidência de Max Libermann.3 O
seu aparecimento vinha assim ajudar ao empenho do grupo naquela que seria a sua
expressão máxima artística, ou seja: “the subjective sense of color, light and movement
meant everything to them, while the rigid conventions of perspective and form meant
nothing.”4 A intervenção social e a mudança dos padrões estabelecidos que se queriam
mudar, faz com que o grupo Die Brucke seja o responsável pela criação de um impulso
coletivo ou seja “aqui a arte desemboca no ético, no político”(MOURA; s.d.; p.247);
“La storia dell’espressionismo è la storia di questa ‘rivolta’ lungo il ventennaio 1905-
1925.” (MITNER; 2005; p. 18).
II.II ANÁLISE DA OBRA
Incidindo agora o discurso sobre a análise da obra Marcella, é preciso ter em
conta alguns aspetos importantes que a associam à restante produção artística da época.
A composição em que se insere esta obra é um espaço interior. As composições
executadas em espaços que simulam grande ambiência privada são um marco comum
durante os anos de 1908-1910, principalmente na obra de Kirchner.5 No entanto, a par
desta característica compositiva, é igualmente importante a representação da figura
humana, o que para os artistas de Die Brucke se torna fundamental, sendo esse o seu
maior ponto de referência artística. A figura humana, especialmente o nu feminino, era
inserida por Kirchner e pelos seus colegas em diversos tipos de paisagens, como é o
caso das paisagens naturais nos lagos próximos de Schloss Moritzburg em Dresden, das
ruas de Dresden ou ainda em espaços interiores como o atelier de Kirchner ou de
Heckel, em Dresden. Umas das personagens que mais figuram individualmente neste
tipo de composições são as irmãs Marcella e Franzi, que eram uma presença comum nos
3 http://dicionario.sensagent.com/Expressionismo/pt-pt/#Die_Br.C3.BCcke 4 http://www.atlantic-times.com/archive_detail.php?recordID=233
5http://www.moma.org/collection//browse_results.php?criteria=O%3AAD%3AE%3A3115%7CA%3AA
R%3AE%3A1&page_number=3&template_id=6&sort_order=1§ion_id=T046698
ateliers dos artistas expressionistas, servindo como grandes modelos.6 Tal como refere
Kirchner na obra que escreve em 1913, Chronik der KG Brücke, a necessidade de
representar a figura a partir do nu torna-se fundamentalmente importante para a
emancipação do seu radicalismo social e artístico, na medida em que “Here they had
the opportunity to study the nude, the foundation of all visual art, in a free, natural
state.”7
Marcella torna-se desse modo um dos grandes exemplos para demonstrar aquela
que foi a linguagem do grupo expressionista de Dresden. Esta composição não faz uso
de qualquer referência perspética o que a leva à dimensão da bidimensionalidade
concretizada apenas a partir da sobreposição cromática. É através da paleta que o artista
define os diferentes planos interiores (MOELLER; 1999; pp.21-22). O forte
cromatismo observado nesta obra é uma das máximas da pintura expressionista, mas
também da pintura fauvista, como veremos mais à frente. No entanto, é preciso referir
que a partir da cor, Kirchner começou a incluir linhas compositivas horizontais,
verticais ou diagonais a partir de 1910 e que o mesmo é observado pelos seus colegas.
Este aspeto é visível na obra de Marcella através da linha vertical que se encontra no
fundo e que, de certa forma, acompanha a linha vertical do corpo da figura; ou através
da ligeira torção angular do corpo em consonância com a diagonal que é criada no
assento azul com riscas pretas muito expressivas (FRANCO, 1986, p. 101). Por sua
vez, a linha de contorno deixa de ter o seu caráter de forte expressão a partir das obras
de 1910, fundindo-se assim com a própria cor (IBIDEM, p. 103). A figura em si
apresenta-se sob um modo muito simplificado e até desproporcional. A pincelada
utilizada tem um caráter espontâneo e é produzida a partir de rápidos e impulsivos
movimentos, sendo esta uma das principais características observadas nas obras destes
anos. Este aspeto é importante na medida em que a figura feminina é apenas
reconhecida como uma jovem adolescente pelas suas formas corporais e faciais pouco
definidas, assim como através do forte efeito que a cor sugere na maquilhagem.8 A
representação da figura feminina utiliza segundo Argan (2002, p.124) uma “belleza
quase demoniaca” que deriva do traço e da cor. Este tipo de expressão, tal como indica
o mesmo autor, é o que corresponde à poética expressionista, uma poética “del brutto:
6 WOLF, Norbert - “Ernst Ludwig Kirchner 1880-1938: on the Edge of the Abyss of Time” – Taschen,
Hohenzollernring, 2003 – p. 37 7http://www.moma.org/collection//browse_results.php?criteria=O%3AAD%3AE%3A3115%7CA%3AA
R%3AE%3A1&page_number=3&template_id=6&sort_order=1§ion_id=T046698 8 http://www.bruecke-museum.de/bridge.htm
ma il brutto non è altro che un bello caduto e degradato.” Segundo o mesmo autor, a
expressão do “brutto”9 é aquilo que representa a própria sociedade do tempo, havendo
em artistas como Kirchner quase uma satirização da mesma.
Estabelecendo uma relação direta com o seu tempo, Kirchner pretende
demonstrar em Marcella uma personagem real contemporânea, banalizando o tema do
nu. O que importava a Kirchner era representar o caráter psicológico da vida moderna
através de um dramatismo dinâmico e vital. Nesta obra está implícita uma provocação
às inúmeras instituições e grupos sociais/políticos na medida em que, locais como a
Igreja criticavam o aspeto sexual e desprendido das raparigas do tempo. O mesmo
espírito provocatório que se observa na obra Marcella surge noutras obras em que o
artista representa as figuras femininas como se fossem parte da própria sociedade
burguesa, como é o caso daquelas nas ruas de Berlim. Este aspeto da vida
contemporânea que se queria ver representada, dramatizada e problematizada vai ao
encontro da expressão ‘spirit of the time’/’zeitgeist’ (WING, 2003, p.1), na medida em
que a partir daí o artista sugere novas experimentações do seu âmbito cultural e
individual que estarão fortemente associadas a outras experimentações como é o caso do
Fauvismo.
II.III COMPARAÇÕES COM OUTRAS OBRAS
A linguagem artística adotada por Kirchner teve como base algumas influências
igualmente importantes tanto para os membros de Die Brücke, como também para
artistas de outras tendências como os Fauvistas, os Cubistas, os Dadaístas. Em comum,
todas estas tendências artísticas tinham a máxima de quebrar as regras impostas pela
Academia em prol de uma representação que expressasse os valores individuais do
artista, agindo diretamente sobre a sociedade do tempo de modo a que esta tivesse uma
consciência e um papel mais ativo nessa problemática.
Uma das principais comparações que deve ser feita entre Marcella e outras obras
do autor é aquela com a obra 15-Minutes Nudes, onde o artista trabalha em conjunto
com Max Pechstein e com Heckel através de um tipo de pincelada rápido e espontâneo
9 Significa “feio”.
a figura feminina de aspeto muito infantil e com um erotismo um tanto naive. Este facto
vai muito ao encontro daquilo que podemos observar na figura de Marcella.
Outras comparações podem ser estabelecidas com outros artistas que pertenciam
ao grupo Die Brücke, como é o caso de Heckel que representa Franzi com a boneca
(1910) e que, tal como a obra Marcella, a figura de contornos simplificados destacados
pelo uso do negro é um nu feminino colocado num espaço interior. Também aqui se
apresenta paleta quente e forte que é utilizada para a marcação do espaço compositivo.
Exterior ao grupo de Kirchner, uma das
primeiras referências artísticas que influenciou
fortemente a linguagem do Expressionismo é a arte
primitiva, nomeadamente a arte africana com a qual o
grupo teve um forte contacto a partir do Museu
Etnográfico de Dresden. Outras influências primitivas
provêm da própria arte germânica desenvolvida no tempo de Dürer com o recurso à
xilogravura, técnica que será muito desenvolvida no Expressionismo, principalmente
com Kirchner, mas também a influência da arte naive que, a partir de formas
simplificadas e exageradas atribui um caráter inocente à obra, não deixando de a inserir
no seu contexto efémero do mundo moderno (Ibidem; p.3). Outras referências de
influência podem ser nominadas, como é o caso de Vicent Van Gogh, do qual Kirchner
adquiriu a forte expressão da pincelada, assim como o uso de
cores com um caráter texturado. No entanto, é a figura de
Edward Munch que mais influencia a sua obra. Nesse âmbito
pode ser estabelecida uma relação comparativa entre a obra que
Kirchner, Marcella (1909-10), e a obra que Munch produzira
anos antes, Puberty (1892). Apesar de não haver qualquer
relação ao nível da cor e ao nível da expressão do traço, tanto
uma como outra representam uma figura feminina adolescente,
nua, situada num espaço interior. A sua posição frontal
demonstra que também a obra de Munch pode ter sido
produzida a partir de um modelo real. Com a mesma postura e
com o traço estilístico mais próximo daquela que fora a
produção de Marcella é a obra executada por André Derain em
1906, The Dancer. Este será um dos pontos de referência que se
pode estabelecer entre o Expressionismo e o Fauvismo como duas tendências artísticas
que se influenciaram mutuamente. Tal como se pode observar nestas duas obras, cada
uma representa uma figura feminina, sedutora, inserida num espaço interior
esquemático. A figura que Kirchner representa é colocada frontalmente ao invés da de
Derain, que adquire uma posição angular. Este aspeto torna-se muito interessante na
medida em que se pode observar uma diferenciação da classe social da figura
representada ou até da sua idade. Sem qualquer base bibliográfica que possa sustentar
esta ideia, sugere-se que seja feita uma leitura neste sentido. No entanto, seguindo a
leitura crítica de Argan o mesmo faz uma distinção entre as figuras, referindo que a
figura de Marcella apresenta um desequilíbrio em si mesma com o destaque para o uso
do negro nos grandes olhos, a boca e o volume do cabelo. Este aspeto pode estar de
alguma maneira ligado ao facto de a juventude ser um estado de grande inquietude
interior, podendo ter sido essa a ideia do artista quando representou esta figura. Ao
invés, a figura representada por Derain já demonstra alguma segurança no modo como
coloca o seu corpo com as pernas cruzadas e a mão a segurar a cabeça (ARGAN, 2002,
p.130). Apesar de poder ser feita este tipo de análise, é preciso lembrar que a obra de
Kirchner estava fortemente influenciada pela xilogravura, o que leva a que a mesma
adquira um traço mais mecanizado, de maior pressão, reforçado pelo uso de linhas
quase retas, ao invés de Derain que faz uso da linha curva o que, em consonância com
as fortes cores, acaba por dinamizar ainda mais a composição.10 O mesmo tipo de obra
representa Vlaminck em La danseuse du Rat Mort que, segundo algumas teorias é o
mesmo modelo que Derain utilizou para a obra acima
analisada.11 Neste contexto, Vlaminck apresenta-nos uma figura
sentada, tal como as restantes observadas, e é a partir do forte
uso da cor aplicada espontaneamente e em camadas que compõe
o espaço interior. Sabe-se que era um espaço interior porque há
registos de que esta obra foi executada no atelier do artista
Derain.12 Em comparação com Marcella de Kirchner, também
esta figura feminina faz um forte uso da maquilhagem.
Pode-se ainda comparar a obra Marcella com as obras executadas por Matisse,
como é o caso de Portrait de Madame Matisse (1905) ou Femme au chapeau (1905), na
medida em que todas fazem um forte uso da cor. É importante referir que Kirchner teve
10 André Derain. Le peintre du «trouble modern».- Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, Paris,
1995 – p. 12 11 Ibidem – p. 132 12 Ibidem
um grande contacto com a obra de Matisse, mas também com outros artistas fauvistas, a
partir de 1908 quando assistiu a uma exposição no Salão de Arte Ricther, em Dresden,
na qual figuravam obras de Marquet, de Vlaminck, de Guérin; como também no ano
seguinte quando visita o seu colega e amigo Pechstein a Paris e vai à Galeria de Paul
Cassirer que apresentava uma exposição com pinturas, desenhos e esculturas de Matisse
(MOELLER, 1999, p. 22).
Este relacionamento entre o Expressionismo e o Fauvismo tem desenvolvido
inúmeros estudos, como aqueles de Argan, onde o mesmo defende que ambos fazem
parte de uma mesma tendência artística. Segundo este autor, a tendência fauvista
pertence ao Expressionismo, sendo um polo localizado em França, a par com aquele que
situou em Munique de onde resulta o Abstracionismo (ARGAN, 2002, p. 118). Argan
utiliza o conceito de que fazem parte de uma mesma expressão, pois o seu principal
objetivo é a contradição da arte do Impressionismo, por exemplo. No entanto, é preciso
ter em conta que outras tendências artísticas evoluíram no mesmo sentido, pelo que não
se pode afirmar que tenham feito parte de um mesmo movimento artístico.
III. CONCLUSÕES
Em conclusão, pode-se referir que Marcella é uma das muitas obras que se podem
observar naquele que foi o contexto do século XX. Se por um lado é uma obra com uma
forte crítica social implícita, tanto pelo uso do nu feminino, como pela representação de
uma jovem, por outro permite distinguir os diferentes meios artísticos que o artista
desenvolveu ao longo dos anos. Em 1910, a sua expressão artística concentrava-se num
percurso diferente, mas não distante, daquele que foi a xilogravura, por exemplo. A
expressão que é possível encontrar em Kirchner foi o desenvolvimento de um
conhecimento maturado das obras do Fauvismo, nomeadamente dos artistas que foram
referidos e com quem este teve um forte contacto.
Por meio da comparação com outras obras é ainda possível observar o facto de que
os artistas dos mesmos anos, que tanto pertenciam ao grupo Die Brücke, como aqueles
que pertenciam ao Fauvismo, fazerem uso dos mesmos temas, ou seja, a figura feminina
que surge desnudada numa posição de provocação. O modo como estas obras se
caracterizam são sempre expressões individuais de cada artista, pois apesar de terem
semelhanças compositivas, não há nenhuma que seja igual. Marcella apresenta-se com
um caráter um tanto agressivo, sendo que esse aspeto vai ao encontro daquilo que o
artista pretende afrontar na sociedade do seu tempo. Igualmente uma fonte de
provocação e de aproximação à mentalidade contemporânea é o facto de estes artistas
fazerem uso de modelos reais do tempo atual. Aquilo que o Expressionismo pretendia
demonstrar era uma arte do seu tempo, que não precisava de qualquer programa artístico
para se desenvolver, apenas a consciência individual de cada artista e a sua própria
criação (FRANCO; 1986; p. 90). Desse modo, se para caracterizar a sociedade
burguesa e mercantil não fizessem uso de figuras contemporâneas, então o impacto não
seria o mesmo e a mensagem que queriam transmitir não seria recebida com tanto
impacto. Como refere Argan, o Expressionsmo nasce como que para autenticar o
progresso da Arte, concentrando-se sobretudo nos problemas da Razão e da função que
a Arte deve ter.13
13 “L’Espressionismo non nasce in contrasto con le correnti moderniste, ma all’interno di esse, come
superamento del loro eclettismo, discriminazione delle spinte autenticamente progressive, e talvolta
eversive, dalla rettorica progressista, concentrazione della ricerca sul problema specifico della ragion
d’essere e della funzione dell’arte.” – ARGAN, Giulio Carlo - L’Arte moderna 1770-1970. Libri S.p.A.,
Milano, 2002, p. 118
IV. BIBLIOGRAFIA
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