Universidade Federal Fluminense
Instituto de Fısica
Geometria Diferencial de Curvas e
Dinamica da Partıcula
Antonio Duarte Pereira Junior
ORIENTADOR: Nivaldo Agostinho Lemos
Niteroi-RJ
2011
ANTONIO DUARTE PEREIRA JUNIOR
GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS E DINAMICA DA PARTICULA
Trabalho de monografia apresentado ao
curso de graduacao em Fısica -
Bacharelado, da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial a
conclusao do curso.
Orientador: Prof. Dr. NIVALDO AGOSTINHO LEMOS
Niteroi-RJ
2011
Agradecimentos
Depois de pensar muito sobre como expor de uma forma original meus agradecimentos
neste espaco, acabei nao encontrando algo melhor que o cliche. Muitas pessoas foram
fundamentais durante todo o perıodo universitario, de modo que se torna impossıvel
(apesar de injusto) citar todos os nomes. Sendo assim, antes de qualquer injustica, gostaria
de agradecer a todas as pessoas que me ajudaram nesta fase. Evidentemente, alguns
agradecimentos merecem destaque.
Inicio entao, com meus sinceros agradecimentos ao Prof. Nivaldo Lemos, que me
recebeu com muita paciencia e confianca desde o primeiro perıodo da faculdade. Sua
forma de pensar, ensinar e pesquisar foram uma verdadeira inspiracao para minha carreira
cientıfica. Agradeco por tudo nesses quatro anos, desde conversas existenciais ate sua
paciente orientacao. Muito obrigado, professor.
Agradeco tambem a diversos professores do IF-UFF, por diversas conversas, conselhos
e ensinamentos. Aos professores Jorge Sa Martins, Marco Moriconi, Ernesto Galvao,
Rodrigo Sobreiro, Daniel Jonathan, Marcelo Sarandy e Caio Lewenkopf. Sem duvida,
todos me motivaram e serviram de exemplo para minha caminhada ate aqui.
Nao posso deixar de agradecer as funcionarias da biblioteca, pela eficiencia, atencao
e bom humor.
A faculdade foi muito mais legal com os amigos que fiz ao longo desses anos de UFF.
Eles foram fundamentais em todos os momentos, desde crises existenciais ate em conversas
aleatorias sobre tema nenhum. Agradeco a Laıs, Rogerio, Samir, Rosembergue, Claudio
e Gabriel.
Preciso destacar tres pessoas que conheci nesse tempo: Leonardo Silveira, Allan Vieira
e Pedro Rangel. Sem duvida, eles transcederam a categoria de amigos e se tornaram
uma verdadeira famılia. Pessoas que eu posso contar para qualquer coisa, em qualquer
momento. Todas as conversas, salgadinhos e estudos foram sensacionais. Nao teria con-
seguido sem voces. Obrigado, de verdade.
4
As pessoas que me apoiam em qualquer situacao, me lotam de carinho e atencao:
meus pais Therezinha e Antonio, minha irma Carol, minha avo Therezinha, meu primo
Pedro e meus tios Lidia e Antonio. Muito obrigado.
E difıcil agradecer tudo que minha famılia fez por mim durante todos esses anos.
Sempre apoiaram todas as minhas decisoes, me ajudaram em todas as dificuldades e me
incentivaram a seguir “a profissao que queria”. Agradeco demais pelo amor e carinho que
todos tem por mim. Voces sao a base de tudo.
Ha poucos anos, conheci uma pessoa que transformou completamente minha visao
das coisas. Todo seu apoio, companhia, amizade e carinho, me fizeram superar problemas
antigos, enfrentar novos e saber lidar com os atuais. Aprendi a viver. Nao sei como
agradecer. Sou muito feliz com voce, Anna Gabriela Costa.
Adradeco tambem a minha famılia do Engenho do Mato (Itacoatiara), Tereza, An-
tonio, Sandra, Bruna, Liana e Tio Tucao, por terem me recebido com tanto carinho e
amizade. Acho que nunca ri tanto antes.
Aos meus amigos Brenno, Julia, Bruno, Duim, Izabella, Lomelino, Stephanie, Jimmy,
Fred, Victor e Stefan. Eles foram fundamentais antes, durante e certamente serao depois
da vida universitaria. Muito obrigado, por tudo.
Por fim, agradeco ao CNPq e a PROPPI – pelo suporte financeiro durante meu
projeto de iniciacao cientıfica.
Resumo
A geometria diferencial de curvas e aplicada a dinamica de uma partıcula em movimento
no espaco tridimensional. As propriedades geometricas da trajetoria sao expressas em
termos de grandezas dinamicas associadas ao movimento. Estudamos, em particular,
a conexao entre a curvatura, a torcao e a forca a que a partıcula esta sujeita. Sao
encontradas as condicoes gerais que uma forca deve satisfazer para que a trajetoria seja
plana independentemente das condicoes iniciais.
Abstract
The differential geometry of curves is applied to the dynamics of a particle moving in
tridimensional space. The geometric properties of the trajectory are expressed in terms of
dynamical quantities associated with the motion. In particular, we study how curvature
and torsion are connected with the force on the particle. General conditions are found
that a force has to satisfy in order that the trajectory lies on a plane irrespective of the
initial conditions.
Sumario
Agradecimentos 3
Resumo 6
Abstract 7
1 Introducao 10
2 Geometria Diferencial de Curvas 12
12
2.2 Comprimento de Arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2.1 Vetor Tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2.2 Comprimento de Arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.3 Reparametrizacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.4 Teoria Local das Curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.4.1 Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.4.2 Torcao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4.3 Formulas de Frenet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3 Aplicacoes a Mecanica Classica 26
3.1 Conexao entre grandezas dinamicas e a curvatura . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2 Conexao entre grandezas dinamicas e a torcao . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4 Forcas que produzem somente trajetorias planas 31
4.1 Forca independente da velocidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
4.2 Forcas dependentes da velocidade — Caso Eletromagnetico . . . . . . . . . 34
5 Curvas seccionalmente regulares 38
8
Capıtulo 1
Introducao
A fısica teorica contemporanea tem a matematica como algo muito mais profundo
do que simplesmente linguagem. O uso de assuntos sofisticados da matematica tem sido
fundamental para o desenvolvimento da fısica teorica, pois atraves dessa sofisticacao, surge
um mecanismo para criar e responder perguntas que seriam obscuras numa abordagem
menos sofisticada [1, 2].
Um dos assuntos matematicos mais importantes para a fısica contemportanea, cujas
aplicacoes varrem um largo espectro, desde mecanica classica ate a teoria da
relatividade geral de Einstein, e a geometria diferencial. Para a mecanica classica, em
particular, a geometria diferencial de curvas e superfıcies desempenha um papel muito
importante, pois esta e a disciplina matematica adequada para descrever as propriedades
das trajetorias seguidas por partıculas e para descrever os vınculos (superfıcies) aos quais
uma partıcula esta submetida.
Existe uma divisao da geometria diferencial de curvas e superfıcies em dois aspectos:
um, e o que e conhecido na literatura como geometria diferencial classica, onde e feito
o estudo da teoria local das curvas e superfıcies. As propriedades locais sao aquelas que
dependem do comportamento da curva ou da superfıcie em uma certa vizinhanca de um
ponto. O segundo aspecto e o que chamamos de geometria diferencial global, onde e feito
um estudo da influencia das propriedades locais sobre o comportamento da curva ou da
superfıcie como um todo [5].
Desta forma, utilizamos a geometria diferencial classica de curvas no espaco tridimen-
sional para estudar a trajetoria seguida por uma partıcula devido a uma forca. Vemos que
existe uma ıntima relacao entre as caracterısticas geometricas da trajetoria e as grandezas
dinamicas associadas a partıcula.
10
CAPITULO 1. INTRODUCAO 11
Neste trabalho expressamos as propriedades geometricas da trajetoria de uma partıcula
em termos da forca aplicada e de outras grandezas associadas ao movimento. Com essa
conexao estabelecida, encontramos as condicoes que uma forca deve satisfazer para que
as trajetorias geradas por sua aplicacao sejam planas independentemente das condicoes
inicias [8].
Capıtulo 2
Geometria Diferencial de Curvas
2.1 Curvas Parametrizadas1
Uma nocao intuitiva que podemos usar para explicar o que e uma curva e a seguinte:
uma curva e a trajetoria seguida por uma partıcula em movimento. Ainda que nao seja
uma definicao para curvas, a ideia da trajetoria sera extremamente util para o entendi-
mento de alguns conceitos. Apesar de podermos definir curvas no Rn, em geral, nossa
discussao se concentrara nos casos em que n = 2, 3.
Definicao 1. Uma curva parametrizada em Rn e uma aplicacao α : (a, b) → Rn para
−∞ ≤ a < b ≤ ∞. Cabe ressaltar que (a, b) denota um intervalo aberto, i.e., (a, b) =
{t ∈ R|a < t < b}. A variavel t ∈ (a, b) e chamada de parametro da curva e o subconjunto
de Rn de traco da curva.
Obs: (1) Muitas vezes, confundimos uma curva com seu traco. Devemos perceber que
uma curva e uma aplicacao e o traco e um subconjunto de Rn. Seguem alguns exemplos
para ilustrar o que foi dito. (2) Durante nossa discussao sobre os aspectos fundamentais
da geometria diferencial, utilizaremos a notacao α(t) para representar uma curva. Nas
aplicacoes, utilizaremos a notacao preferida pelos fısicos, onde r(t) denota a curva que
representa a trajetoria de uma partıcula.
Exemplo 1. A aplicacao α : R → R2 dada por α(t) = (t3, t2), t ∈ R e uma curva
parametrizada cujo traco esta na figura 1.
1Mais detalhes sobre o assunto podem ser encontrados em [4, 5]
12
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 13
Figura 2.1: Figura 1
Repare que a figura mostra o traco da curva, enquanto α e a curva.
Exemplo 2. A aplicacao α : R→ R2 dada por α(t) = (t3−4t, t2−4), t ∈ R, e uma curva
parametrizada (veja figura 2). Observe que α(2) = α(−2) = (0, 0), isto e, a aplicacao nao
e injetiva.
Figura 2.2: Figura 2
Introduziremos a importante nocao de comprimento de arco. Mas, para isso, pre-
cisamos definir a derivada de uma funcao de valores vetoriais.
Definicao 2. Seja uma aplicacao α : R→ Rn. Definimos a derivada de α em relacao a t
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 14
(denotada por dαdt
) como sendo o limite
limδt→0
α(t+ δt)− α(t)
δt=dα
dt. (2.1)
Uma consequencia disso e que obtemos a derivada de funcoes desse tipo, derivando cada
componente, isto e,dα
dt=
(dα1
dt,dα2
dt, ...,
dαndt
), (2.2)
onde α = (α1(t), α2(t), ..., αn(t)).
Obs: (1) Derivadas de ordens superiores sao obtidas da mesma maneira. (2) Uti-
lizaremos a notacao α para exprimir dαdt
, α para d2αdt2
e assim por diante. (3) Dizemos que
uma curva α e diferenciavel se cada componente de α e diferenciavel.
2.2 Comprimento de Arco
2.2.1 Vetor Tangente
Definicao 3. Se α(t) e uma curva parametrizada, sua primeira derivada dαdt
e chamada
de vetor tangente de α no ponto α(t).
A razao desta terminologia e simples de se entender. Note que o vetor
α(t+ δt)− α(t)
δt
e paralelo a corda que liga os pontos α(t) e α(t+ δt) como mostra a figura 3.
Fica simples de perceber que no limite em que δt → 0 a corda se torna paralela a reta
tangente que passa por α(t). Daı a terminologia vetor tangente.
Teorema 1. Se o vetor tangente de uma curva parametrizada e constante, entao a imagem
da curva e (parte de) uma linha reta.
Demonstracao. Se α(t) = c, ∀t, onde c e um vetor constante, temos que
α(t) =
∫dα
dtdt =
∫cdt = ct+ k, (2.3)
onde k tambem e um vetor constante.
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 15
Figura 2.3: Figura 3
Exemplo 3. O angulo entre α(t) e α(t) e independente de t para a espiral logarıtmica
α(t) = (et cos t, et sin t).
Demonstracao: α(t) = (et cos t, et sin t) e α(t) = (et cos t − et sin t, et sin t + et cos t).
Tomando o produto escalar α(t) · α(t), temos a igualdade:
α(t) · α(t) = e2t cos2 t− e2t sin t cos t+ e2t sin2 t+ e2t sin t cos t = e2t
por outro lado
α(t) · α(t) =√
2e2t cos θ. (2.4)
Assim, cos θ = 1√2.
Obs: A definicao de curvas parametrizadas que foi exposta inclui alguns ”objetos”que
intuitivamente nao classificarıamos como curvas. Um exemplo e o seguinte: seja a curva
parametrizada α(t) = (1, 5). O traco de α e um ponto e com certeza isto nao faz parte
da nossa ideia intuitiva de curvas. Outro exemplo e o de uma trajetoria seguida por uma
partıcula que a partir de um certo instante t fica em repouso durante algum intervalo ∆t
e depois continua o movimento. Se olharmos o ”rastro”deixado pela partıcula conseguire-
mos identificar o traco de alguma curva, mas sabemos que durante um ∆t a aplicacao
α(t) tera de ser igual a um ponto (a, b) fixo. Para eliminarmos tais situacoes faremos uso
do conceito de curva regular.
Definicao 4. Uma curva diferenciavel parametrizada α : I → Rn e chamada regular se
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 16
α(t) 6= 0 para todo t ∈ I.
2.2.2 Comprimento de Arco
Definicao 5. Seja α(t) : I → Rn uma curva parametrizada regular e t0 ∈ I. Define-se
como comprimento de arco a partir de t0 a funcao
s(t) =
∫ t
t0
‖α(t)‖ dt, (2.5)
onde
‖α(t)‖ =√
(α1(t))2 + (α2(t))2 + · · ·+ (αn(t))2. (2.6)
Pelo teorema fundamental do calculo, temos que dsdt
= ‖α(t)‖.E facil de se obter uma motivacao geometrica para a definicao de comprimento de
arco. Seja α(t) uma curva parametrizada regular. Para δt pequeno, os pontos α(t) e
α(t+ δt) podem ser ligados por uma linha reta e seu comprimento e aproximadamente
‖α(t+ δt)− α(t)‖ (2.7)
Para δt suficientemente pequeno, α(t+δt)−α(t)δt
e aproximadamente igual a α(t) e o compri-
mento pode ser aproximado por
‖α(t)‖ δt.
Assim, se quisermos calcular o comprimento de uma parte da imagem da curva, podemos
dividi-la em pequenos segmentos, calcular o comprimento de cada segmento e adicionar
os resultados. Para δt→ 0, esta soma se torna a funcao s(t).
2.3 Reparametrizacao
Seja a parabola y = x2. Vamos encontrar uma parametrizacao α(t) para esta curva.
Como α(t) = (α1(t), α2(t)), temos que as componentes devem satisfazer a seguinte igual-
dade:
α2(t) = (α1(t))2. (2.8)
Uma possıvel parametrizacao e α1(t) = t e α2(t) = t2. Entretanto, podemos tomar outra
parametrizacao, como α(t) = (t3, t6), ou α(t) = (2t2, 4t4), ou seja, a parametrizacao de
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 17
uma curva dada nao e unica. O objetivo desta secao e entender a relacao entre as possıveis
parametrizacoes de uma curva.
Definicao 6. Uma curva parametrizada α : (a, b) → Rn e uma reparametrizacao de
uma curva parametrizada α : (a, b)→ Rn se existe uma aplicacao diferenciavel e bijetiva
φ : (a, b) → (a, b) (a aplicacao de reparametrizacao) tal que a aplicacao inversa φ−1 :
(a, b)→ (a, b) tambem e diferenciavel e
α(t) = α(φ(t)), ∀t ∈ (a, b). (2.9)
Note que, como φ possui inversa diferenciavel, α e uma reparametrizacao de α.
α(φ−1(t)) = α(φ(φ−1(t))) = α(t), ∀t ∈ (a, b). (2.10)
Como essas curvas possuem o mesmo traco, tambem possuem as mesmas propriedades
geometricas.
Exemplo 4. Uma possıvel parametrizacao para o cırculo x2 + y2 = 1 e dada por α(t) =
(cos t, sin t). Uma outra parametrizacao possıvel e α(t) = (sin t, cos t). Para vermos que
α e uma reparametrizacao de α, temos que achar a aplicacao φ tal que
(cosφ(t), sinφ(t)) = (sin t, cos t).
Uma solucao e φ(t) = π2− t.
Teorema 2. Qualquer reparametrizacao de uma curva regular e regular.
Demonstracao. Seja α(t) uma curva parametrizada e α(t) uma reparametrizacao de
α. Sendo assim, t = φ(t) e usaremos ψ = φ−1. Pela nova notacao, temos que t = ψ(t).
Diferenciando a equacao φ(ψ(t)) = t obtemos
dφ
dt
dψ
dt= 1 , (2.11)
ou seja, dφdt6= 0. Como α(t) = α(φ(t)), podemos utilizar a regra da cadeia e obter a
igualdade
dα
dt=dα
dt
dφ
dt, (2.12)
que nos mostra que dαdt6= 0 se dα
dt6= 0.
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 18
Definicao 7. Se α : (a, b) → Rn e uma curva parametrizada e ‖α(t)‖ = 1 ∀t ∈ (a, b),
dizemos que α e uma unit-speed curve.
Teorema 3. Uma curva regular parametrizada pelo comprimento de arco e uma unit-
speed curve.
Demonstracao. Como dsdt
= ‖α(t)‖ e ‖α(t)‖ 6= 0, existe uma reparametrizacao tal
que
α(s(t)) = α(t) . (2.13)
Assim
dα
ds=dα
dt
dt
ds=
α
ds/dt=
α
‖α‖(2.14)
Ou seja ∥∥∥∥dαds∥∥∥∥ =‖α‖‖α‖
= 1 . (2.15)
Exemplo 5. Encontre a parametrizacao pelo comprimento de arco da espiral logarıtmica
α(t) = (et cos t, et sin t).
E bem facil verificar que ‖α‖2 = 2e2t e concluimos, que α e regular, pois a norma
do vetor tangente nunca se anula. Temos
s(t) =
∫ t
t0
‖α‖ du =
∫ t
0
√2eudu =
√2(et − 1) . (2.16)
E assim t = ln(
s√2
+ 1)
. A reparametrizacao pelo comprimento de arco e dada por:
α(s) =
((s√2
+ 1
)cos
(ln
(s√2
+ 1
)),
(s√2
+ 1
)sin
(ln
(s√2
+ 1
))). (2.17)
2.4 Teoria Local das Curvas
Nesta secao discutiremos algumas propriedades locais das curvas, isto e, propriedades
que dependem apenas do comportamento da curva nas proximidades de um ponto dado.
Definiremos duas funcoes escalares (curvatura e torcao) e relacionaremos tais funcoes por
meio das equacoes de Frenet-Serret.
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 19
2.4.1 Curvatura
Definicao 8. Seja α(s) uma curva parametrizada pelo comprimento de arco. A funcao
escalar k(s) = ‖α(s)‖ e chamada de curvatura de α em s.
Obs: (1) A curvatura nos diz o quanto a curva nao esta contida em uma linha reta, isto
e, a curvatura sera igual a zero para retas (ou para ”pedacos de retas”). (2) Como a
curvatura depende apenas do formato da curva, nao faz sentido que ela mude conforme a
parametrizacao adotada (por isso que, restringimos a definicao para curvas parametrizadas
pelo comprimento de arco, isto e, ‖α‖ = 1). (3) Como a curva esta parametrizada pelo
comprimento de arco, a norma da derivada do vetor tangente mede a variacao da sua
direcao.
Exemplo 6. Seja o cırculo centrado em (x0, y0) e de raio R. Sua parametrizacao pelo
comprimento de arco e dada por α(s) =(x0 +R cos s
R, y0 +R sin s
R
). Calcular sua cur-
vatura.
Solucao: Temos que α(s) =(− sin s
R, cos s
R
)e α(s) =
(− 1R
cos sR,− 1
Rsin s
R
). Sendo
assim, a curvatura k(s) e dada por:
k(s) = ‖α(s)‖ =
√(− 1
Rcos
s
R
)2
+
(− 1
Rsin
s
R
)2
=1
R. (2.18)
Obs: Neste exemplo, d/ds foi denotado por um ponto.
A definicao que foi dada para curvatura pressupoe que a curva esteja parametrizada
pelo seu comprimento de arco (ou por qualquer outra unit-speed parametrization). Como
ja foi dito, se uma curva α e regular, entao ela admite uma unit-speed reparametrization
α. Apesar disso, nem sempre e possıvel obter explicitamente a referida reparametrizacao,
daı, a necessidade de termos uma expressao que nos forneca a curvatura de uma curva
com parametrizacao arbitraria.
Teorema 4. Se α(t) e uma curva regular em R3, sua curvatura e dada por
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 20
k =‖α× α‖‖α‖3
. (2.19)
Obs: d/dt foi denotado por um ponto.
Demonstracao. Temos que α(s(t)) = α(t). Derivando em relacao a t, obtemos:
dα
ds
ds
dt= α(t) , (2.20)
tomando a derivada em relacao a t novamente:
d2α
ds2
(ds
dt
)2
+dα
ds
d2s
dt2= α(t) . (2.21)
Utilizando as expressoes anteriores:
α(t)× α(t) =
(dα
ds
ds
dt
)×
(d2α
ds2
(ds
dt
)2
+dα
ds
d2s
dt2
)=
(ds
dt
)3 [dα
ds× d2α
ds2
]. (2.22)
Como α(s) e uma unit-speed parametrisation, temos que∥∥dαds
∥∥ = 1 e consequentemente,
‖α(t)× α(t)‖ =
∣∣∣∣∣(ds
dt
)3∣∣∣∣∣∥∥∥∥d2αds2
∥∥∥∥ . (2.23)
Como k(s(t)) =∥∥∥d2αds2 ∥∥∥ e ds
dt= ‖α(t)‖, temos
k(s(t)) =‖α(t)× α(t)‖‖α(t)‖3
. (2.24)
Exemplo 7. Calcular a curvatura da helice circular α(t) = (R cos t, R sin t, bt), onde R e
b sao constantes e −∞ < t <∞.
Solucao: Utilizaremos a formula do Teorema 4 para calcular a curvatura. Denotando
d/dt por um ponto, temos:
α(t) = (−R sin t, R cos t, b) , (2.25)
e consequentemente
‖α(t)‖ =√
(−R sin t)2 + (R cos t)2 + b2 =√R2 + b2 . (2.26)
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 21
Figura 2.4: Figura 4
Como ‖α(t)‖ 6= 0, ∀t, temos que a curva e regular. Tomando a segunda derivada:
α(t) = (−R cos t,−R sin t, 0) . (2.27)
Devemos calcular o produto vetorial α(t)× α(t) e calcular sua norma:
α(t)× α(t) = (Rb sin t,−Rb cos t, R2) , (2.28)
e sua norma e
‖α(t)× α(t)‖ =√R2b2 sin2 t+R2b2 cos2 t+R4 =
√R2b2 +R4 . (2.29)
Aplicando a formula do teorema 4 :
k =(R2b2 +R4)1/2
(R2 + b2)3/2=
(R2)1/2(b2 +R2)1/2
(R2 + b2)3/2=
|R|R2 + b2
. (2.30)
Observe que a curvatura da helice circular e constante.
Podemos definir um vetor unitario n(s), nos pontos onde k(s) 6= 0, por meio da
equacao d2αds2
= α(s) = k(s)n(s). Atraves de uma conta simples, podemos demonstrar
que n(s) e normal a α(s). (Como α(s) esta parametrizada pelo comprimento de arco,
α · α = 1. Se derivarmos a identidade anterior, temos que α · α = 0, ou seja, α⊥α). Assim,
fica determinado um plano gerado por α(s) e n(s), denominado plano osculador em s.
Uma condicao para prosseguirmos na teoria local e que este vetor normal esteja bem
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 22
definido, ou seja, que k(s) 6= 0. Isto significa que o plano osculador e essencial para nossa
analise. A partir de agora, definiremos um terceiro importante vetor: o vetor binormal.
Para isso, nos restringiremos a curvas parametrizadas pelo comprimento de arco tais que
k(s) 6= 0 ∀s.
Definicao 9. Seja uma curva α(s) e t(s) = dαds
= α(s). Definimos como vetor binormal,
o vetor unitario b(s) = t(s)× n(s).
Obs: (1) O vetor binormal e perpendicular ao plano osculador. (2) Como b(s) e um vetor
unitario, a norma∥∥∥b(s)∥∥∥ mede o quao a curva se afasta, em uma vizinhaca de s, do plano
osculador em s. (3) Como os vetores tangente, normal e binormal sao perpendiculares,
podemos formar um triedro com eles e a figura abaixo ilustra isso.
Figura 2.5: Figura 5
Se tomarmos a derivada de b(s), temos:
b(s) = t(s)× n(s) + t(s)× n(s) = t(s)× n(s) , (2.31)
i.e., b(s) e normal a t(s) (e normal a b(s) por ser unitario). Assim, concluimos que b(s) e
paralelo a n(s) e podemos escrever
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 23
b(s) = τ(s)n(s) , (2.32)
onde τ(s) e uma funcao. Na proxima secao, estudaremos esta funcao, que chamamos de
torcao.
2.4.2 Torcao
Definicao 10. Seja α(s) uma curva parametrizada pelo comprimento de arco. O numero
τ(s) definido por b(s) = τ(s)n(s) e chamado de torcao de α em s.
Obs: Na definicao anterior, devemos considerar que α(s) 6= 0.
Teorema 5. Seja α(t) uma curva regular com k 6= 0, ∀t. Entao, a torcao da curva e dada
por
τ = −(dαdt× d2α
dt2) · d3α
dt3∥∥dαdt× d2α
dt2
∥∥2 . (2.33)
Demonstracao. Consideremos α parametrizada pelo comprimento de arco. Assim,dbds
= τ(s)n(s). Podemos tomar o produto escalar por n(s) e obteremos n(s) · dbds
= τ(s).
Como dbds
= t(s) × dnds
, temos τ(s) = n(s) · (t(s) × dnds
). Por outro lado, sabemos que
n(s) = 1kt(s) = 1
k
(d2αds2
)e assim:
τ =1
k
(d2α
ds2
)·(dα
ds× d
ds
(1
k
(d2α
ds2
))
τ =1
k
(d2α
ds2
)·
(dα
ds×
(1
k
d3α
ds3−
dkds
k2d2α
ds2
)). (2.34)
Utilizando as propriedades de produto misto e dαds· d2αds2
= 0 porque t(s) ·t(s) = 1, chegamos
a
τ = − 1
k2d3α
ds3·(dα
ds× d2α
ds2
). (2.35)
Como α esta parametrizada pelo comprimento de arco,∥∥∥dαds × d2α
ds2
∥∥∥ =∥∥dαds
∥∥∥∥∥d2αds2 ∥∥∥ =∥∥∥d2αds2 ∥∥∥ = k. Assim, a expressao a que chegamos acima e exatamente aquela apresentada
no enunciado do teorema. Para o caso geral, denotaremos d/ds por ′. Sendo assim,
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 24
dα
dt=ds
dtα′ , (2.36)
d2α
dt2=d2s
dt2α′ +
(ds
dt
)2
α′′ , (2.37)
d3α
dt3=d3s
dt3α′ +
d2s
dt2ds
dtα′′ + 2
ds
dt
d2s
dt2α′′ +
(ds
dt
)3
α′′′ ,
d3α
dt3=d3s
dt3α′ + 3
ds
dt
d2s
dt2α′′ +
(ds
dt
)3
α′′′ . (2.38)
Alem disso,
dα
dt× d2α
dt2=
(ds
dt
)3
α′ × α′′ , (2.39)
d3α
dt·(dα
dt× d2α
dt2
)=
(ds
dt
)6
α′′′ · (α′ × α′′) , (2.40)
e concluimos que
d3αdt·(dαdt× d2α
dt2
)∥∥dαds× d2α
dt2
∥∥2 =α′′′ · (α′ × α′′)‖α′ × α′′‖2
. (2.41)
2.4.3 Formulas de Frenet
Ate agora, definimos tres vetores para curvas parametrizadas pelo comprimento de
arco: t(s), n(s) e b(s). As derivadas de t e b, como vimos, estao relacionadas com funcoes
escalares que nos dao informacoes sobre o comportamento da curva em uma vizinhanca
de s. E natural calcularmos dnds
(d/ds sera denotado por ′):
n′(s) = b′(s)× t(s) + b(s)× t′(s) = τ(s)n(s)× t(s) + b(s)× k(s)n(s)
n′(s) = −τ(s)b(s)− k(s)t(s) .
Reunindo as tres equacoes que nos fornecem as derivadas dos vetores t, n e b, temos:
t′ = kn , (2.42)
CAPITULO 2. GEOMETRIA DIFERENCIAL DE CURVAS 25
n′ = −kt− τb , (2.43)
b′ = τn . (2.44)
As equacoes acima sao chamadas de formulas de Frenet. Os vetores t, n e b formam um
triedro chamado de triedro de Frenet-Serret.
Capıtulo 3
Aplicacoes a Mecanica Classica
Nesta secao utilizaremos a formulacao newtoniana da mecanica classica e os resul-
tados das secoes anteriores, para estabelecer uma conexao entre grandezas dinamicas e
entidades geometricas [6].
Sabemos da mecanica newtoniana que, em um referencial inercial, o movimento de
uma partıcula e regido pela equacao
F = mr , (3.1)
onde r e a derivada temporal de segunda ordem do vetor posicao r, F e a forca resul-
tante que atua sobre a partıcula e m e a massa da partıcula. Dado o estado (posicao e
velocidade) inicial da partıcula, e possıvel determinar a posicao como funcao do tempo,
ou seja, a curva descrita pela partıcula. Devido ao teorema de existencia e unicidade de
solucoes de equacoes diferenciais ordinarias, a curva descrita pela partıcula fica univoca-
mente determinada.
Para estabelecer a conexao mencionada, interpretaremos fisicamente o triedro de
Frenet-Serret. E conveniente fazer uma mudanca na notacao que utilizamos anterior-
mente: os vetores que formam o triedro de Frenet-Serret t, n, b serao denotados respec-
tivamente por e(1), e(2), e(3) (nao utilizamos a notacao tradicional de vetores com nomes
encimados por uma seta ou com nomes em negrito anteriormente, por ser algo incomum
nos textos de matematica). Com esta nova notacao, as equacoes de Frenet assumem a
forma
de(1)
ds= ke(2), (3.2)
26
CAPITULO 3. APLICACOES A MECANICA CLASSICA 27
de(2)
ds= −ke(1) − τe(3), (3.3)
de(3)
ds= τe(2). (3.4)
3.1 Conexao entre grandezas dinamicas e a curvatura
Seja r(t) = (x(t), y(t), z(t)) o vetor posicao da partıcula em um instante t. Da
definicao de comprimento de arco, temos que
s = s(t) =
∫ t
t0
∥∥∥∥drdt∥∥∥∥ dt ,
e pelo teorema fundamental do calculo,
ds
dt=
∥∥∥∥drdt∥∥∥∥ = v , (3.5)
onde v denota o modulo da velocidade ou velocidade escalar. Alem disso, como estamos
lidando com curvas regulares, drdt6= 0 ∀t, de modo que ds
dt> 0 ∀t. Como s e uma funcao
estritamente crescente, podemos obter sua inversa e assim
dt
ds=
(ds
dt
)−1.
Por definicao, e(1) = drds
. Utilizando a regra da cadeia temos que
e(1) =dr
ds=dt
ds
dr
dt=
(ds
dt
)−1dr
dt=
1
vv,
onde v e o vetor velocidade e v e o seu modulo.
Utilizando a primeira equacao de Frenet e o resultado acima:
de(1)
ds=dt
ds
de(1)
dt=
1
v
(1
v
dv
dt− dv
dt
v
v2
)=
a
v2− dv
dt
v
v3= ke(2) , (3.6)
onde a e o vetor aceleracao. Desta equacao, podemos obter (como de costume, denotare-
mos d/dt por um ponto):
k2 =a2
v4− 2v
a · vv5
+ v21
v4. (3.7)
CAPITULO 3. APLICACOES A MECANICA CLASSICA 28
A expressao acima relaciona a curvatura com grandezas cinematicas, e o proximo
passo e escrevermos a curvatura em funcao de grandezas dinamicas.
Obs: Ao contrario da velocidade, a aceleracao tem modulo diferente da aceleracao escalar.
ke(2) =a
v2− v v
v3⇒ a = v
v
v+ v2ke(2) ⇒ a = v2ke(2) + ve(1) (3.8)
A expressao acima nos mostra que a aceleracao pode ser decomposta em duas
componentes, uma paralela a e(1) e a outra, paralela a e(2). Alem disso, e possıvel concluir
que a componente paralela a e(1) tem modulo igual a v, ou seja, igual a aceleracao escalar.
A outra componente e conhecida como aceleracao centrıpeta. Como k = 1r, onde r e o
raio de curvatura, a magnitude da aceleracao centrıpeta de uma partıcula e dada pela
formula usual v2/r.
Da expressao
a = ve(1) + v2ke(2),
concluimos que a · v = vv. Utilizando este resultado e o fato de a curvatura ser uma
funcao nao negativa, obtemos
k =
√a2
v4− 2
v2
v4+v2
v4=
1
v2
√a2 − v2 . (3.9)
A partir de agora, faremos algumas manipulacoes algebricas que nos permitirao
escrever a curvatura numa forma mais facil de interpretar do ponto de vista fısico. A
primeira observacao que deve ser feita e que a e o modulo da aceleracao da partıcula e,
pela segunda lei de Newton, podemos escrever que a = Fm
, onde F e o modulo da forca
resultante que atua sobre a partıcula. Alem disso, podemos escrever v2 como ( 12v
ddtv2)2.
Como sabemos, a energia cinetica e definida como T = 12mv2, e com isto, podemos
escrever ( 12v
ddtv2)2 = 1
2mT 2
T. A ultima observacao antes de reescrevermos a expressao para
a curvatura e a seguinte:
dT
dt=
1
2m(2v · a) = ma · v = F · v . (3.10)
Utilizando os resultados anteriores, podemos reescrever a curvatura como
k =1
v2
√F 2
m2− 1
2m
(F · v)2
T=
1
2T
√F 2 − m
2T(F · v)2 , (3.11)
CAPITULO 3. APLICACOES A MECANICA CLASSICA 29
onde alcancamos nosso objetivo de relacionar a curvatura com grandezas dinamicas. Como
um teste, podemos analisar o caso particular de uma forca paralela a velocidade, que como
sabemos gerara um movimento retilıneo, ou seja, a trajetoria tera curvatura nula.
Exemplo 8. Obtenha a curvatura para o caso em que a forca que atua sobre a partıcula
e paralela a velocidade.
Solucao: Para este caso, F · v = ±Fv. Utilizando este resultado na expressao da
curvatura, temos que
k =1
2T
√F 2 − 1
v2F 2v2 = 0 , (3.12)
como esperavamos.
3.2 Conexao entre grandezas dinamicas e a torcao
Quando discutimos o conceito de torcao, deduzimos a equacao
τ = − 1
k2d3r
ds3·(dr
ds× d2r
ds2
), (3.13)
onde r = r(t). Utilizando resultados da secao anterior, podemos calcular drds× d2r
ds2, pois
drds
= vv
e av2− v
v3v. Assim,
dr
ds× d2r
ds2=
v
v×(
a
v2− v
v3v
)=
1
v3v× a . (3.14)
Para o calculo de d3rds3
basta nos preocuparmos com os termos que nao sao colin-
eares a v nem a a, pois v × a e normal a ambos. Assim, e simples concluir que o termo
que nos interessa e av3
. A expressao para a torcao assume a forma
τ = − 1
k2v6(v× a) · a . (3.15)
Utilizando
k =1
2T
√F 2 − m
2
T 2
T, (3.16)
e um exercıcio simples mostrar que
CAPITULO 3. APLICACOES A MECANICA CLASSICA 30
τ = − (P× F) · F
2T(F 2 − m
2T 2
T
) , (3.17)
onde P e o momento linear da partıcula. Novamente, relacionamos uma entidade geometrica
(torcao) com grandezas dinamicas.
Capıtulo 4
Forcas que produzem somente
trajetorias planas
A conexao estabelecida no capıtulo anterior abre portas para perguntas cuja for-
mulacao seria imprecisa e obscura no tratamento convencional. Conhecendo detalhada-
mente a estrutura geometrica das trajetorias seguidas por uma partıcula devido a uma
forca F, podemos responder a seguinte pergunta: quais sao as condicoes que uma forca
F deve satisfazer para que todas as trajetorias produzidas sejam planas? Utilizando a
conexao estabelecida entre a torcao e grandezas dinamicas, responder esta pergunta e algo
absolutamente direto. Para que uma curva seja plana, e necessario e suficiente que sua
torcao seja zero. Concluimos entao, que a trajetoria sera plana se e somente se
(F× F) · v = 0 , (4.1)
onde foi utilizada a invariancia do produto triplo sob permutacoes cıclicas. Podemos
considerar que a pergunta foi respondida: a condicao que uma forca F deve satisfazer
e a expressa pela Eq. (4.1). Contudo, esta condicao envolve a velocidade da partıcula.
E de nosso interesse encontrar as condicoes que devem ser satisfeitas pela forca inde-
pendentemente de condicoes iniciais sobre o movimento da partıcula. Devido ao fato de
envolver uma algebra consideravelmente trabalhosa, dividiremos nossa analise em duas
partes: na primeira parte consideraremos forcas independentes da velocidade e na segunda
parte, consideraremos a forca eletromagnetica — a mais importante forca dependente da
velocidade. Antes de iniciar a discussao, fixaremos a seguinte notacao:
31
CAPITULO 4. FORCAS QUE PRODUZEM SOMENTE TRAJETORIAS PLANAS32
r = (x1, x2, x3) , v = (v1, v2, v3) , F = (F1, F2, F3) , ∂i =∂
∂xi, ∂t =
∂
∂t. (4.2)
A convencao de soma sobre ındices repetidos tambem sera utilizada: para qualquer
repeticao de um ındice, subentende-se uma soma de 1 a 3 no referido ındice.
Os principais resultados obtidos podem ser encontrados em [8].
4.1 Forca independente da velocidade
Se a forca independe da velocidade, isto e, se F = F(r, t), temos
Fi =∂Fi∂x1
dx1dt
+∂Fi∂x2
dx2dt
+∂Fi∂x3
dx3dt
+∂Fi∂t
=⇒ Fi = vl∂lFi + ∂tFi . (4.3)
Podemos expressar o produto vetorial de dois vetores em R3 utilizando o sımbolo de
Levi-Civita εijk na forma
(F× F)i = εijkFjFk . (4.4)
Substituindo as Eqs. (4.3) e (4.4) na Eq. (4.1), obtemos
0 = (F× F) · v = (F× F)ivi =⇒ (εijkFj∂lFk)vivl + (εijkFj∂tFk)vi = 0 . (4.5)
Como desejamos encontrar as condicoes que uma forca deve satisfazer para produzir
somente trajetorias planas independentemente das condicoes iniciais, devemos ter a Eq.
(4.5) satisfeita para quaisquer valores das componentes da velocidade. Sendo assim, os
termos linear e quadratico na velocidade devem ser nulos separadamente. O termo linear
pode ser identificado como o produto vetorial de F com ∂tF. Assim, uma das condicoes
a serem satisfeitas e
F× ∂F
∂t= 0 . (4.6)
O coeficiente do termo quadratico na velocidade, assim como qualquer tensor de
segunda ordem, pode ser decomposto em uma parte simetrica e outra antissimetrica. A
parte antissimetrica da contribuicao nula, pois o produto vivl e simetrico. Sendo assim, a
parte simetrica do coeficiente deve ser nula, isto e,
CAPITULO 4. FORCAS QUE PRODUZEM SOMENTE TRAJETORIAS PLANAS33
εijkFj∂lFk + εljkFj∂iFk = 0 . (4.7)
Concluimos entao, que uma forca que dependa da posicao e explicitamente do tempo
deve satisfazer um conjunto de nove equacoes diferenciais parciais nao-lineares acopladas
de primeira ordem. Explicitamente, as ultimas equacoes sao
F2∂1F3 − F3∂1F2 = 0 , F3∂2F1 − F1∂2F3 = 0 , F1∂3F2 − F2∂3F1 = 0 , (4.8)
F3∂1F1 − F1∂1F3 + F2∂2F3 − F3∂2F2 = 0 , (4.9)
F1∂1F2 − F2∂1F1 + F2∂3F3 − F3∂3F2 = 0 , (4.10)
F1∂2F2 − F2∂2F1 + F3∂3F1 − F1∂3F3 = 0 . (4.11)
Como sao nove as equacoes que devem ser satisfeitas por uma forca para produzir
trajetorias planas independemente das condicoes iniciais, notamos que sao raras essas
forcas. Devido a complexidade das equacoes acima e muito difıcil determinar a solucao
geral do sistema, e portanto, encontrar o conjunto das forcas que produzem somente
trajetorias planas. Apesar disso, podemos usar essas equacoes como um “teste”para
identificar tais forcas.
Um teste simples para as equacoes acima pode ser feito com as forcas centrais. E
conhecido que as orbitas produzidas por forcas centrais sao planas. Isto significa que uma
forca central deve satisfazer o conjunto das Eqs. (4.6), (4.8), (4.9), (4.10) e (4.11).
Uma forca central pode ser escrita na forma
F = f(r, t)r ou Fk = f(r, t)xk , (4.12)
onde r = ‖r‖. Temos que
∂lFk = f(r, t)δkl +f ′(r, t)
rxkxl ,
∂F
∂t= f(r, t)r , (4.13)
onde f ′ = ∂f/∂r e f = ∂f/∂t. Como F e ∂F/∂t sao colineares, temos que a Eq. (4.6) e
satisfeita. Por outro lado, utilizando a Eq. (4.13), obtemos
CAPITULO 4. FORCAS QUE PRODUZEM SOMENTE TRAJETORIAS PLANAS34
εijkFj∂lFk = εijkf2xjδkl +
ff ′
rεijkxjxkxl = εijlf
2xj . (4.14)
O termo cubico se anula pelo fato de εijk ser antissimetrico nos ındices j, k e xjxkxl ser
simetrico nos mesmos ındices. Consequentemente, a Eq. (4.7) se torna
εijkFj∂lFk + εljkFj∂iFk = εijlf2xj + εljif
2xj . (4.15)
Uma permutacao dos ındices i e l no segundo termo no segundo membro conduz a
εijlf2xj − εijlf 2xj = 0 , (4.16)
ou seja, a Eq. (4.7) tambem e satisfeita.
4.2 Forcas dependentes da velocidade — Caso Eletro-
magnetico
Todo o formalismo desenvolvido anteriormente e valido apenas para forcas que nao
dependem da velocidade da partıcula. Quando desenvolvido para forcas gerais que de-
pendem da velocidade, o formalismo toma proporcoes algebricas consideraveis, perdendo
assim, o sentindo de ser um metodo simples e direto de se obter uma forma de equacionar
o problema de forcas que geram somente trajetorias planas. Apesar disso, vale a pena
analisar o caso da forca dependente da velocidade mais importante para Fısica: a forca
eletromagnetica. A expressao para a forca eletromagnetica (ou forca de Lorentz) e dada
por
F = e(E + v ×B) , (4.17)
onde e e a carga eletrica da partıcula.
Mesmo para uma forca particular, iremos alem na nossa simplificacao e admitire-
mos apenas campos E = E(t) e B = B(t). O caso geral, isto e, o caso em que os
campos tambem dependem da posicao envolve uma algebra demasiadamente extensa e
trabalhosa.
Para obter as condicoes gerais que a forca deve satisfazer, devemos aplicar a Eq.
(4.1) para a forca de Lorentz. Temos, portanto,
CAPITULO 4. FORCAS QUE PRODUZEM SOMENTE TRAJETORIAS PLANAS35
e−1F = E + v × B + v ×B = E + v × B +e
m(E + v ×B)×B , (4.18)
onde usamos a segunda lei de Newton v = F/m. O termo que acompanha a razao
carga-massa e/m deve ser nulo separadamente (assim como os outros termos que contem
potencias da velocidade), pois queremos que a forca produza uma trajetoria plana inde-
pendentemente dos valores escolhidos para a carga e para a massa. Utilizando a Eq. (4.1)
obtemos
{(E + v ×B)× [(E + v ×B)×B]} · v = 0 , (4.19)
para o termo que acompanha e/m. Os termos independentes de e/m sao dados por
[(E + v ×B)× (E + v × B)] · v = 0 . (4.20)
Como fizemos anteriormente, devemos tomar todos os coeficientes que acompanham
alguma potencia da velocidade e igualar a zero, para que nao exista nenhuma dependencia
das condicoes iniciais. Seguindo desta maneira, analisemos a Eq. (4.19). Nesta equacao
existem termos de ate terceiro grau na velocidade e devemos igualar todos os coeficientes
a zero. Isto resulta em
[E× (E×B)] · v = 0 , (4.21)
{E× [(v ×B)×B] + (v ×B)× (E×B)} · v = 0 , (4.22)
{(v ×B)× [(v ×B)×B]} · v = 0 . (4.23)
A Eq. (4.22) pode ser reescrita de uma forma mais interessante se utilizarmos a
famosa identidade vetorial
a× (b× c) = (a · c)b− (a · b)c . (4.24)
Utilizando a Eq. (4.24) para o primeiro termo da Eq. (4.22), obtemos
{E× [(v ×B)×B]} · v = {E× [(v ·B)B−B2v]} · v
= {(v ·B)E×B−B2E× v} · v
= (v ·B)v · (E×B) (4.25)
CAPITULO 4. FORCAS QUE PRODUZEM SOMENTE TRAJETORIAS PLANAS36
e, procedendo de maneira analoga,
{(v ×B)× (E×B)} · v = (v ·B)v · (E×B) . (4.26)
A Eq. (4.22) pode ser reescrita como
(E×B) · v (B · v) = 0 , (4.27)
que pode ser expressa em notacao indicial como
(εiklEkBlBj + εjklEkBlBi)vivj = 0 . (4.28)
Fazendo uso da Eq. (4.24) na Eq. (4.23), encontramos
0 = {(v ×B)× [(v ×B)×B]} · v = {[(v ×B) ·B](v ×B)− (v ×B)2B} · v
= −[v2B2 − (v ·B)2](B · v) = −[v2B2(B · v)− (B · v)3] , (4.29)
que em notacao indicial fica
[B2
3(Biδjk +Bjδki +Bkδij)−BiBjBk]vivjvk = 0 . (4.30)
Foi feita uma simetrizacao completa do termo Biδjk, pois vivjvk e simetrico. Devemos
realizar o mesmo procedimento para a Eq. (4.20). Os termos linear, quadratico e cubico
sao, respectivamente,
(E× E) · v = 0 , (4.31)
[(E · B)v − (E · v)B + (E · v)B− (B · E)v] · v = 0 , (4.32)
{[(v ×B) · B]v − [(v ×B) · v]B} · v = (v ×B) · B v2 = (B× B) · v v2 = 0 . (4.33)
Podemos reescrever a Eq. (4.32) em notacao indicial
[(E · B− E ·B)δij +1
2(EiBj + EjBi − EiBj − EjBi)]vivj = 0 (4.34)
CAPITULO 4. FORCAS QUE PRODUZEM SOMENTE TRAJETORIAS PLANAS37
onde foi feita a simetrizacao habitual. Desta maneira, podemos concluir que uma partıcula
seguira uma trajetoria plana independemente das condicoes iniciais se os campos eletrico
e magnetico satisfizerem as seguintes condicoes:
E× (E×B) = 0 , (4.35)
εiklEkBlBj + εjklEkBlBi = 0 , (4.36)
B2
3(Biδjk +Bjδki +Bkδij)−BiBjBk = 0 , (4.37)
E× E = 0 , (4.38)
B× B = 0 , (4.39)
(E · B− E ·B)δij +1
2(EiBj + EjBi − EiBj − EjBi) = 0 . (4.40)
E interessante utilizarmos algum caso especial para realizarmos um teste com as
equacoes obtidas. Consideremos entao um campo magnetico uniforme, ou seja, E = 0 e
B = 0. As Eqs. (4.35), (4.36), (4.38), (4.39) e (4.40) sao trivialmente satisfeitas. Ja da
Eq. (4.37), contraindo os ındices i e j, obtemos
0 =B2
3(Biδik +Biδki +Bkδii)−BiBiBk
=B2
3(Bk +Bk + 3Bk)−B2Bk =
2
3B2Bk =⇒ Bk = 0 . (4.41)
Isto significa que, em geral, para um campo magnetico uniforme e nao nulo, a
trajetoria seguida por uma partıcula nao e plana. Isto nao e surpresa, pois e bem conhecido
que, de maneira geral, a trajetoria seguida por uma partıcula carregada em um campo
magnetico uniforme e uma helice, que nao e plana.
Capıtulo 5
Curvas seccionalmente regulares
As condicoes (4.6) e (4.7) ou as condicoes (4.35)-(4.40) que garatem o fato de a
trajetoria estar confinada em um plano, foram obtidos gracas a teoremas demonstrados
para curvas regulares. O significado fısico de uma curva regular r(t) (onde t e o tempo)
e equivalente a dizer que a velocidade da partıcula nunca se anula. Apesar de nao ser
nenhuma consideracao esquisita do ponto de vista matematico, soa bastante estranho
excluir as situacoes em que a velocidade de uma partıcula se anula instantaneamente.
Sendo assim, e interessante discutir se os resultados obtidos anteriormente podem ser
aplicados para uma classe de curvas chamadas de seccionalmente regulares.
Uma curva r(t) e dita seccionalmente regular se e contınua em toda parte e regular
em intervalos separados por instantes isolados em que a velocidade se anula. Sendo assim,
consideremos um intante t1 em que v(t1) = 0 e (t0, t1) e (t1, t2), dois intervalos nos quais
a curva e regular. Tudo que foi feito anteriormente e valido para os referidos intervalos,
isto e, se as condicoes (4.6) e (4.7) ou as condicoes (4.35)-(4.40) forem verificadas, entao a
trajetoria da partıcula e plana em cada intervalo. Sejam Π1 e Π2 os planos que contem as
trajetorias seguidas em (t0, t1) e (t1, t2) respectivamente. Se Π1 6= Π2, entao a componente
da velocidade normal ao plano Π1 tem que variar descontinuamente de zero para um valor
finito e nao-nulo quando passar pelo instante t1. Para que isto aconteca, a componente
da forca nesta direcao deve ser infinita neste instante. Forcas infinitas nao sao fisicamente
realizaveis, de modo que o plano Π1 deve ser igual ao plano Π2.
Portanto, nossos resultados permanecem validos para curvas seccionalmente regu-
lares.
38
Capıtulo 6
Conclusao
As equacoes (4.6) e (4.7) nos mostram que sao muitas as condicoes que devem ser
satisfeitas por uma forca independente da velocidade para que a trajetoria por ela gerada
seja plana. A complexidade dessas condicoes podem ser explicadas se considerarmos o fato
de que estamos buscando condicoes independentemente de condicoes iniciais da partıcula
(condicoes essas, que se ajustadas adequadamente, podem fazer com que uma partıcula
siga uma trajetoria plana mesmo que a forca nao satisfaca as equacoes aqui deduzidas).
Isso nos faz criar a seguinte pergunta: sera que alem das forcas que conhecemos tais como
as centrais ou constantes, existe alguma outra classe de forcas que vai gerar trajetorias
planas independentemente de condicoes inicias? A resposta para esta pergunta pode ser
dada com a solucao das equacoes (4.6) e (4.7). Como metodos analıticos convencionais nao
se mostram eficientes para a resolucao dessas equacoes, podemos caminhar para solucoes
numericas ou procedimentos de aproximacao.
Como uma perspectiva futura, podemos estabelecer uma conexao analoga, mas con-
siderando o caso relativıstico. Podemos ainda, estudar como as entidades geometricas de
uma superfıcie estao relacionadas com as grandezas dinamicas de uma partıcula que esta
vinculada a essa superfıcie [3].
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Referencias Bibliograficas
[1] B. A. Dubrovin, A. T. Fomenko e S. P. Novikov, Modern Geometry - Methods and
Applications, Part I: The Geometry of Surfaces, Transformation Groups, and Fields
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[2] V. Arnold, Mathematical Methods of Classical Mechanics (Springer, New York, 1989),
2a edicao.
[3] A. Fasano e S. Marmi, Analytical Mechanics (Oxford University Press, Oxford, 2006).
[4] A. Pressley, Elementary Differential Geometry (Springer, London, 2001).
[5] M. P. do Carmo, Geometria Diferencial de Curvas e Superfıcies (Sociedade Brasileira
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[6] J. B. Formiga, Geometria Diferencial de Curvas e Superfıcies no Espaco-Tempo de
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