Relações Internacionais do Médio Oriente
MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1º ANO
ANO LETIVO 2014-2015
As Relações Síria-Rússia no Contexto da
Guerra Civil Síria
Docente: Maria do Céu Pinto
Mestrando: Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias - pg26702
23 de Junho
2015
Abstract
A temática que se propõe abordar ao longo deste exercício prende-se
com a necessidade de responder às razões que levam a Rússia a defender o
regime de Bashar Al-Assad e qual o impacto que isso teve até aqui no
desenrolar do conflito sírio. A relevância deste tema está relacionada com a
necessidade de entender melhor a relações entre estes dois Estados, como
forma de também entender melhor o que tem ajudado o governo sírio a
manter-se no poder até aqui e o que impossibilitou uma intervenção
externa no conflito em favor dos rebeldes que se opõem a Al-Assad. Apesar
de ser um tema bastante comentado em termos de comunicação social,
carece de análises mais cuidadas, tendo sido até aqui pouco abordado em
termos académicos. Daí o interesse deste estudo nesta área em concreto e
que se espera que possa elucidar algo mais acerca da Guerra Civil Síria.
Palavras-Chave: Assad; Guerra Civil; Relações diplomáticas; Rússia; Síria;
Índice
Introdução ..................................................................................................................................... 1
Breve Histórico das Relações Síria-Rússia ..................................................................................... 2
As relações Rússia-Síria no contexto da Guerra Civil Síria ............................................................ 3
Conclusão .................................................................................................................................... 10
Referências Bibliográficas ........................................................................................................... 13
1
Introdução
As relações entre a Síria e a Rússia remontam ao período soviético,
durante os anos 40 do século XX e com um aprofundamento considerável
após a tomada do poder por Hafez Al-Assad em 1970. Estas relações
mantiveram-se até hoje, mesmo com o fim da União Soviética em 1991 e
com a diminuição da influência geopolítica da Federação Russa no Médio
Oriente durante os anos 90. A chegada ao poder na Rússia de Vladimir Putin
em 2000, no mesmo ano em que Bashar Al-Assad subiria ao poder, traria
uma maior aproximação entre os dois países e que se revelaria fundamental
no percurso que a Guerra Civil Síria tomaria, evitando até agora uma
intervenção externa no conflito.
É esta temática que se propõe abordar ao longo deste exercício,
procurando responder às razões que levam a Rússia a tomar a posição de
defender o regime de Bashar Al-Assad e qual o impacto que isso teve até
aqui no desenrolar do conflito sírio. Como tal, a questão de partida que se
procura aqui ver respondida será:
Qual o papel da Federação Russa para o conflito sírio?
A relevância deste tema prende-se com a necessidade de entender
melhor a relações entre estes dois Estados, como forma de também
entender melhor o que tem ajudado o governo sírio a manter-se no poder
até aqui e o que impossibilitou uma intervenção externa no conflito em
favor dos rebeldes que se opõem a Al-Assad. Apesar de ser um tema
bastante comentado em termos de comunicação social, carece de análises
mais cuidadas, tendo sido até aqui pouco abordado em termos académicos.
Daí o interesse deste estudo nesta área em concreto e que se espera que
possa elucidar algo mais acerca da Guerra Civil Síria.
Para tal será feita inicialmente uma breve descrição histórica das
relações entre os dois países desde a segunda metade do século XX.
Posteriormente serão enumeradas algumas das razões, assim como o seu
peso e importância, que poderão explicar a posição russa relativamente ao
conflito e que serão fundamentais no entendimento da nossa questão de
2
partida. Por fim procurar-se-á entender o impacto que esta relação entre os
dois países possui no desenrolar do conflito e na manutenção do regime de
Al-Assad na Síria. A metodologia deste trabalho procurará usar
essencialmente fontes de carácter qualitativo e linguísticas, sendo estas
últimas nomeadamente de cariz jornalístico.
Breve Histórico das Relações Síria-Rússia
As relações entre os dois Estados recuam ao período da Guerra Fria e
da União Soviética, logo a partir do momento prévio à independência do
Estado sírio. Com a subida ao poder do partido Baas em 1954 e o
desenrolar do conflito Israelo-Árabe, as relações entre os dois países iam-se
fortalecendo a cada novo evento, sendo que a ajuda militar, económica,
diplomática, entre outros, por parte da URSS era fulcral para a
sobrevivência da Síria face a Israel. Em 1970, Hafez Al-Assad torna-se
presidente da Síria e seria um novo marco importante no estreitamento de
relações com a URSS, aumentando a cooperação entre os dois países. Logo
no ano seguinte a URSS estabeleceria uma base naval em Tartus, na Síria,
base essa que se mantém até hoje. Todavia esta relação era
essencialmente de interdependência estratégica e não ideológica, dado
existirem sérias diferenças entre ambos os países nesta área e serem
considerados psicologicamente distantes (Allison 2013, 801). Após o final
da Guerra Fria e com a desintegração da URSS, a Federação Russa recuaria
a sua zona de influência geopolítica, deixando de prestar auxílio à Síria
como anteriormente, passando a ter relações diplomáticas meramente
formais.
O ano de 2000 marcaria novamente um ponto fulcral nas relações
entre os dois países, com Bashar Al-Assad, filho de Hafez, a tornar-se
presidente da Síria e Vladimir Putin a tornar-se presidente da Federação
Russa no mesmo ano. Desde então as relações entre os dois voltam a ser
retomadas, aumentando a cooperação a vários níveis, num momento em
que a Rússia tenta recuperar a sua influência geopolítica no Médio Oriente e
3
no mundo, procurando reaver o seu estatuto de grande potência. Desde
2011 e com o despoletar da Guerra Civil na Síria, a Rússia tem
desempenhado um papel importante na manutenção do governo de Al-
Assad no poder e em particular após os eventos na Líbia, tema que mais à
frente será aprofundado. Passemos então à análise das razões que levam a
Rússia a tomar uma posição de defesa de Al-Assad, tal como a sua
importância para o desenrolar dos acontecimentos (Aghayev e Katman,
2012; Trenin 2013, 7-8).
As relações Rússia-Síria no contexto da Guerra Civil Síria
Desde o início do conflito sírio, que a posição russa não se tem
alterado, mantendo a sua postura da necessidade do conflito cessar por
ambas as partes, resolvendo as questões de forma pacífica, sem pressões,
precondições ou intervenção externa de qualquer tipo (Bagdonas 2012, 57).
Esta posição evidencia de forma bem patente o objectivo russo de
manutenção do status quo relativamente à Síria, tal como do próprio
regime sírio. Esta posição deriva fortemente dos resultados do caso líbio,
em que a instauração de uma ‘zona de exclusão aérea’ foi imposta, partindo
da decisão do Conselho de Segurança da ONU em Março de 2011 e no qual
a Rússia se absteve, dando assim autorização tácita à operação que se
seguiria. Contudo, a forma que esta operação tomaria, seria considerada
pela Rússia como uma interpretação sui generis e abusiva, tendo em conta
o comportamento dos países ocidentais que a conduziram, e que serviria
claramente para suportar os rebeldes líbios, procedendo ao
bombardeamento de posições e alvos do governo de Khaddafi, como forma
de influenciar na mudança de regime. Isto seria considerado pela Rússia
como um atentado à autoridade do Conselho de Segurança da ONU e a si
própria (Bagdonas 2012, 57; Trenin 2013, 4-6; Gorenburg 2012, 4; Allison
2013, 797)) e Putin compararia esta operação com ‘uma cruzada medieval’
(Governo da Federação Russa 2011).
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É, antes de mais, necessário entender a perspectiva russa de
responsabilidade de proteger, ou seja, a intervenção militar externa, sob a
égide da ONU, deveria ter como objectivo último fazer valer os direitos
humanos. Esta teoria é aceite em princípio e foi mesmo invocada em 2008,
durante a guerra com a Geórgia para uma intervenção militar russa, sob o
pretexto de defender a população osseta do Sul. Porém, tal como durante
este conflito, a percepção russa centra-se meramente na necessidade de
proteger as populações civis e não como método para depor o regime
vigente (Trenin 2013, 9; Gorenburg 2012, 1; Allison 2013, 796). Também
central no conceito russo de responsabilidade de proteger é a necessidade
de aprovação do Conselho de Segurança da ONU para agir, contudo aqui a
Rússia parece reconhecer excepções à regra, dado que em 2008 tal não
aconteceu e contudo a Rússia avançou de qualquer maneira, mostrando
assim as incoerências da sua posição (Trenin 2013, 9-10).
Partindo do pressuposto que a intenção dos países ocidentais seria
repetir o método de acção na Síria, então a Rússia rejeitaria qualquer tipo
de intervenção externa. Por conseguinte, todos os esforços seriam
desenvolvidos para que tal não se repetisse. Numa primeira fase seria
apenas um mero apoio moral ao regime de Assad, saudando as iniciativas
de colocar fim ao estado de emergência, a dissolução do Supremo Tribunal
de Segurança do Estado, novas leis para eleições e sistema multipartidário,
entre outras (Bagdonas 2012, 58). Assim o período entre Março de 2011 e
Junho de 2012 foi essencialmente para proteger o governo de Assad de
pressões externas, sendo que para isso a Rússia faria sérios esforços
diplomáticos junta da China e de vários países da Liga Árabe (Bagdonas
2012, 60). Em Junho de 2011 afirmaria que o conflito não representava
uma ameaça à paz e segurança internacional, porém uma intervenção
externa poderia resultar em sérias consequências para a região envolvente
(Allison 2013, 798). Continuando desde então a bloquear quaisquer sansões
ao governo sírio, assim como qualquer tipo de intervenção externa. Não
obstante a sua intervenção foi essencial no processo de desmantelamento e
destruição do arsenal químico sírio (Sputnik 2015), um processo que
resultou de um acordo firmado entre os EUA e a Rússia em 2013, aprovado
pelo Conselho de Segurança da ONU e com o consentimento da Síria, para
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que esta colocasse sobre jurisdição internacional o seu arsenal para futura
destruição, tendo o processo sido concluído em Fevereiro de 2015. Da
mesma forma existe também por parte da Rússia a ideia de que a
deposição de Al-Assad não significaria o fim da guerra, mas apenas a
passagem à fase seguinte, em que haveria uma troca de posições entre os
apoiantes de Al-Assad e os opositores, e se tornaria num conflito inter-
étnico e inter-religioso (Allison 2013, 812).
Mas será que o interesse russo nesta questão se fica apenas pela
amizade que possui com a Síria, ou será que existem outras razões que
expliquem esta posição perante o conflito? Várias razões são normalmente
apontadas como estando na base desta posição. As mais comentadas são
os interesses militares russos na região, nomeadamente relacionados com a
permanência da base naval de Tartus, que ficaria em risco caso o regime de
Al-Assad perdesse o poder; o comércio de armas entre os dois países; os
interesses económicos em geral; religião; medo do aumento do
fundamentalismo islâmico; e ganhos e perdas estratégicos com implicações
externas e internas. Iremos então desenvolver estes tópicos, para entender
o seu peso relativamente à posição russa e tentar compreender se de facto
são elementos fundamentais para analisar esta questão.
Interesses militares
Comecemos por analisar os interesses militares russos na região.
Como referido anteriormente a base naval de Tartus foi estabelecida em
1971, com o objectivo de servir o Esquadrão Mediterrânico Soviético, porém
após o fim da URSS este esquadrão foi eliminado e desde então a base
apenas tem servido para suprimento logístico de navios de guerra em baixa
frequência, possuindo apenas cinquenta pessoas de serviço (Bagdonas
2012, 61). No entanto esta base naval é a única fora do espaço da
Comunidade de Estados Independentes e a sua relevância aparenta ser
sobrestimada, tal como apontado por vários autores (Bagdonas 2012, 61-
63; Trenin 2013, 12-13; Allison 2013, 807). Apesar de permitir a operação
de navios russos na região, de momento não passam apenas de operações
simbólicas de afirmação de presença (Bagdonas 2012, 62) e mostra disso
são as várias visitas feitas por navios russos desde 2011 ou o exercício
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naval de 2013 (Trenin 2013, 12). Mesmo uma possível importância que a
base poderia vir adquirir no futuro, visto o crescente investimento feito pela
Rússia na sua Marinha de Guerra, é duvidoso, dado que a maior parte desse
investimento é feito nas frotas do Norte e do Pacífico (Bagdonas 2012, 63)
e investimento futuro em Tartus foi cancelado (Allison 2013, 807). Tal como
durante a era soviética o esquadrão do Mediterrâneo não passava de uma
força simbólica.
Interesses no comércio de armas
Analisemos agora a questão relativa ao comércio de armas. Esta é
outra das razões especulada para a posição russa. Contudo, também esta é
altamente contestada por vários autores que afirmam que estes ‘interesses
não são substanciais para oferecer uma explicação credível quanto à
posição russa na crise síria’ (Allison 2013, 805). Porém esta relação pesa
mais para a Síria, cuja Rússia representa cerca de 72% do seu mercado de
importações de armas, do que para a Rússia. Isto porque a Síria surge
apenas em décimo lugar como mercado de exportação para a Rússia, no
período de 1991-2012 (Katz e Casula 2013, 8) e com sérias dificuldades nos
pagamentos do material adquirido (Allison 2013, 805; Bagdonas 2012, 66).
Para isso a Rússia chegou mesmo a perdoar $10 mil milhões de $13 mil
milhões da dívida síria (Trenin 2013, 8). Sendo assim, a Síria surge apenas
como um modesto mercado de armas para a Rússia, apenas com futuras
perspectivas de emergir com mais força, mas condicionado sempre pelo
resultado do corrente conflito. No entanto, mesmo durante este período, o
fornecimento de armas à Síria não cessou, tendo sido apenas restrito em
alguns materiais em específico. Esta acção é justificada pela Rússia como
legítima, pois trata-se de suportar o governo legítimo do país e não a sua
oposição (Trenin 2013, 21).
Interesses económicos
Igualmente as questões de interesses económicos em geral são
apontadas e em particular as relacionadas com os recursos energéticos.
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Esta razão talvez aparente ser a mais importante e credível, contudo talvez
seja melhor escrutiná-la um pouco mais. As relações económicas entre
ambos os países são de facto bem desenvolvidas e em constante
crescimento, sendo comparadas em termos de volume de comércio àquelas
que a Rússia possui com o Egipto ou com Israel, totalizando cerca de $20
mil milhões (Gorenburg 2012, 2). Contudo é bastante menor do que as
relações existentes entre a Rússia e a Turquia, China ou EU, resumindo-se
essencialmente a contratos de exportação de derivados de petróleo pela
Rússia e maquinaria, tal como na construção de infraestruturas relacionadas
com a extração e processamento de petróleo na Síria (Bagdonas 2012, 64;
Gorenburg 2012, 2). Porém estes contratos são essencialmente
estabelecidos entre os dois governos ou empresas públicas, o que
significaria que em caso de mudança de regime ficariam seriamente
ameaçados, traçando também aqui um paralelismo com o que se passou na
Líbia. Esta surge como uma das razões mais importantes a apontar.
Interesses religiosos
A religião é outra das razões apontadas para a protecção conferida
pela Rússia ao governo de Al-Assad. Com a crescente influência que a
religião assume dentro da Rússia, com vista à construção de uma
identidade nacional perdida após o fim da URSS, o peso que a igreja Cristã
Ortodoxa possui dentro do governo russo é bastante considerável. Dado o
medo existente desde o início que o conflito sírio fizesse surgir dentro da
oposição movimentos fundamentalistas islâmicos, e como se veio a
comprovar mais tarde com o Estado Islâmico, considerava-se que estes
poderiam tornar-se uma ameaça para as comunidades cristãs na região.
Apesar de a Rússia não se considerar uma defensora da igreja Ortodoxa
além-fronteiras, a relevância que a religião tem dentro da forma de pensar
dos seus governantes é de facto significativa (Trenin 2013, 13-14). Dentro
desta lógica o regime de Al-Assad demonstrou ao longo do tempo ser um
garante da protecção das minorias religiosas (Allison 2013, 804).
Conquanto esta questão surge com um significado pouco aparente para
explicar a posição russa.
8
Fundamentalismo Islâmico
Desde o início que a Rússia expressou receio que a oposição Síria
possuía facções que incluíam elementos fundamentalistas islâmicos ligados
às facções sunitas ou que fossem essas mesmas facções representativas de
ideias fundamentalistas (Trenin 2013, 18). Estes receios estendiam-se a
todas as revoluções saídas da ‘Primavera Árabe’ e temia-se que pudessem
aumentar a sua influência no Cáucaso Norte, tornando assim a situação
naquela região ainda mais frágil. Esta ideia tem particular relevância se
tivermos em conta que muitos opositores de Al-Assad nasceram na Rússia e
que quando o conflito terminar poderão regressar a casa para continuar a
combater pelos mesmos ideais (Carbonnel 2013). São conhecidas as
ramificações que as organizações extremistas islâmicas possuem e daí a
Rússia ter sempre condenado a oposição como sendo composta largamente
por terroristas e criticado os governos ocidentais por não fazerem o mesmo.
Este discurso tem ganho peso ao longo do tempo, particularmente com a
crescente influência de grupos como Jabhat al-Nusra, Al-Qaeda (Allison
2013, 810), mas em particular com o surgimento do EI como actor
fundamental na oposição ao regime de Al-Assad e expandindo a sua
influência também ao Iraque. Porém é reforçada a ideia que o combate aos
grupos fundamentalistas não deve servir de desculpa para bombardear
posições do governo sírio, em particular depois de missões de
bombardeamento terem sido iniciadas na zona do Iraque (Lavrov in Russia
Today 2014). Da mesma forma é apontado que a entrega de armas
sofisticadas à oposição síria apenas servirá para reforçar estes grupos
islâmicos e as consequências futuras que poderão ter (Allison 2013, 811;
Cheriet 2014, 3-4).
Interesses estratégicos
Por fim consideremos um importante motivo que ajuda a explicar a
opção russa. Entendendo o interesse russo de se voltar a afirmar como
potência capaz de actuar à escala global e cujos interesses devem ser
9
considerados. Isso significa, na maioria das vezes, ser um contrapeso à
hegemonia norte-americana, seguindo uma perspectiva de sistema
internacional multipolar. E sem dúvida que a posição de membro
permanente do Conselho de Segurança da ONU, aliado a uma forte
capacidade militar e crescente capacidade económica têm vindo a dar uma
nova voz à Rússia (Bagdonas 2012, 67; Gorenburg 2012, 3-4). Dentro
desta lógica existe um interesse russo em expandir a sua influência no
Médio Oriente, região para a qual a Síria desempenha um importante ponto
estratégico.
É necessário entender aqui também que a Rússia não pretende ver
legitimada uma estratégia de mudança de regimes, que possa levar a
ameaça para junto das suas fronteiras, ou até mesmo para dentro delas.
Seguindo esta perspectiva, existe por parte da Rússia a crença que o
ocidente se encontra relacionado com a oposição síria e que esta foi criada
e fomentada por ele (Trenin 2013, 10). A aceitação por parte do Kremlin de
golpes de Estado semelhantes poderia legitimar de alguma forma a
oposição interna ou de outros países próximos à Rússia e que não seguem
uma orientação política liberal. Em particular quando a Rússia segue cada
vez mais um caminho de autoritarismo político (Nizameddin 2012, 3-5).
Esta explicação clarificaria facilmente o porquê de a Rússia apoiar desde o
início, e de forma tão rápida, o regime de Al-Assad, desde o momento em
que começou a repressão sobre os primeiros protestos (Allison 2013, 819).
Poder-se-ia pensar que a intensão russa seria defender Al-Assad
apenas, porém seria enganador tomar essa posição de uma forma tão
simples e o Ministro dos Negócios Estrageiros russos, Sergei Lavrov, deixa
isso bem claro ao afirmar que ‘a posição da Rússia não é predeterminada no
suporte a personalidades; é ditada pela preocupação acerca do destino do
povo sírio, nosso amigo e parceiro de longa data, e pelo destino de um país
que tem uma história muito longa’ (Lavrov in Sputnik 2013). Apesar de
poder haver realmente uma preocupação com o povo sírio, não se deve no
entanto tomar esta afirmação de uma forma tão literal, sendo necessário
escrutiná-la além do aparente. A nossa percepção deve ir para a defesa do
regime sírio per se, como garante da manutenção dos interesses russos na
região. Contudo importa também entender que o regime sírio é
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personificado pelo clã Al-Assad, e é difícil discernir a possibilidade de
continuidade do regime sem ele (Allison 2013, 804). Outro aspecto curioso
relacionado com esta ideia é a Rússia considerar fazer parte de uma missão
de paz internacional, no âmbito da ONU e debaixo do consentimento do
governo sírio (Allison 2013, 822), o que serviria apenas para a manutenção
do status quo no país e seria mais uma forma de segurar o regime sírio. Tal
como é reforçada a ideia de que estão dispostos a trabalhar com Bashar Al-
Assad, com o objectivo de resolver a situação, contudo esta afirmação
refere que o processo criaria as ferramentas para uma ‘transformação
política’ (Sputnik 2015b), o que leva a crer que existiria um processo de
transição controlado e que o regime actual é já insustentável. Desta forma
criar-se-iam as condições para que a Rússia não perdesse a sua importância
na região, ajudando a escolher a negociar um futuro regime que lhe fosse
também favorável.
Conclusão
Observámos nesta análise o histórico de relacionamento entre a
Rússia e a Síria desde meados do século XX até aos inícios do conflito. Esta
observação permitiu-nos compreender um pouco melhor quais as raízes da
relação entre estes dois países e o que leva a Rússia a defender o regime
sírio, tomando uma perspectiva dialéctica e contínua da História, em que os
seus acontecimentos estão interligados e encadeados. De seguida passámos
para uma investigação das relações entre os dois países desde que o
conflito se encetou, abordando para isso as várias dinâmicas e
acontecimentos relevantes desde então e procurando entender quais as
razões por detrás do apoio russo ao governo de Al-Assad.
Observando os motivos estudados vemos que nem todos aqueles que
são apontados comummente pela comunicação social, desempenham o
papel mais relevante para explicar as verdadeiras intenções russas no
conflito. Descartam-se principalmente as razões de cariz militar e religioso,
e que apesar de possuírem o seu peso, quando considerando todos os
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motivos como um todos, de forma individual carecem de relevância para
explicar a atitude russa. Ainda mais se tivermos em conta os riscos
diplomáticos que Moscovo assume ao defender um regime que não é
consensual perante a comunidade internacional, e que menos ainda ficou
após a forma como reprimiu os primeiros protestos que se desenrolaram no
país.
Sem dúvida que as razões de carácter económico parecem elucidar
de forma mais evidente a relevância que a Rússia deposita neste conflito e
que a levam a defender o regime sírio. Apesar de a Síria não fazer parte dos
principais parceiros de comércio com a Rússia, e menos ainda após o início
das hostilidades, o volume de negócios entre ambos é ainda assim
significativo. E dada a sua tendência crescente até 2011, seria de esperar
que continuaria a aumentar a sua importância e o aprofundamento das
relações comerciais entre ambos perduraria por mais tempo. Tal apenas
poderá ser possível no futuro com a manutenção do actual regime, ou com
uma transição política favorável a Moscovo, e seria de todo impossível no
caso do regime de Al-Assad ser derrubado no conflito, em que o resultado
mais provável seria a ascensão ao poder de uma força política totalmente
contrária aos interesses russos na região.
Outro dos motivos abordados neste trabalho, e que se considera
fundamental para a posição russa, é sem dúvida os interesses estratégicos
e políticos russos, quer externos, quer internos. Como aqui vimos a Rússia
procura afirmar-se de novo como uma grande potência mundial, capaz de
se opor ao sistema hegemónico liderado pelos Estados Unidos da América,
procurando a formação de um sistema internacional multipolar. Para tal é
essencial a presença em várias regiões do globo, mantendo e fazendo
aumentar a sua influência, junto de países que lhe sejam favoráveis, como
é o caso da Síria. Da mesma forma o conflito sírio possui um impacto
indirecto sobre a política interna russa, que à primeira vista talvez não seja
tão evidente. Este impacto manifesta-se em duas dimensões concretas, a
primeira está relacionada com a necessidade de evitar a legitimação, em
termos internacionais, de intervenções externas ou internas, para depor
regimes que alegadamente não cumpram os direitos humanos ou que sejam
de cariz autoritário. Assim, a Rússia protege não só vários dos países que
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orbitam a sua esfera de influência, como protege o seu próprio regime, que
como vimos assume cada vez mais uma posição autoritária no cenário
interno. A segunda dimensão correlaciona-se com a expansão da ameaça
do fundamentalismo islâmico e o potencial de crescente influência que
poderá ter no Cáucaso Norte, aumentando as chamas de um conflito de
baixa intensidade dentro das fronteiras da própria Rússia.
Sem dúvida que desde o momento inicial do conflito sírio, até à
actualidade, foi observada uma mudança drástica na oposição síria. E se
inicialmente esta era alegadamente composta e dominada por sectores
‘moderados’ da oposição, actualmente é largamente dominada por facções
com ligações ao extremismo religioso, como o caso do Estado Islâmico, e
que constituem as principais forças da oposição. Neste aspecto a análise
russa veio a confirmar-se, mesmo quando existe um aparente fechar de
olhos por parte dos países ocidentais, que continuam a procurar caracterizar
as forças de oposição no geral como ‘moderadas’, negando-se a retratar
várias como ‘terroristas’, exceptuando o EI.
Esta análise permite-nos concluir que de facto, os factores com maior
importância para explicar a posição russa, se prendem com questões de
interesses políticos e estratégicos, com um maior impacto do que qualquer
outro dos motivos ou interesses latentes, poderia aparentar possuir à
primeira vista. Estes factores possuem um valor consideravelmente mais
relevante do que os meros $20 mil milhões de volume de negócios existente
entre os dois países, ou os quase insignificantes interesses militares na
região. Estes são elementos que ultrapassam a relação dos dois países,
tendo como objecto último a segurança da própria Rússia, do seu regime e
da sua população. A Síria assume assim uma importância para a Rússia de
contenção de males maiores que se possam espalhar até às suas próprias
fronteiras. E isto ajuda-nos a explicar o porquê de a Rússia se opor a
qualquer tipo de intervenção externa no conflito e vetar isso mesmo no
Conselho de Segurança da ONU. Ao procurar defender os seus interesses
internos, olhando para um possível futuro, a Rússia acaba por assumir uma
posição de elevada importância no desenrolar da Guerra Civil Síria e da
manutenção do governo de Al-Assad.
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