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1.1 PARA QUE SERVE A FSICA?A cincia desempenha um papel muito importante no mundo contemporneo. No era assim h poucas geraes: o desenvolvimento cientfico tem-se acelerado enormemente. Tornou-se lugar comum dizer que vivemos numa sociedade tecnolgica e medir o pro-gresso pelo grau de desenvolvimento tecnolgico. A tecnologia depende crucialmente da cincia para renovar-se, e tambm contribui para ela, mas no devem ser confundidas.Sem dvida, nossas vidas so profundamente afetadas pela tecnologia, e de forma que, muitas vezes, est longe de ser benfica. Basta lembrar os problemas da poluio e do aquecimento global. Os cientistas so frequentemente responsabilizados pelos as-pectos negativos decorrentes de suas descobertas, embora o uso que delas se faz depen-da de fatores polticos e econmicos alheios a sua vontade. Por mais benfica que seja a inteno original, ela frequentemente deturpada. Por isso mesmo, os cientistas devem ter conscincia de sua responsabilidade.Vrios problemas cruciais de nossa poca dependem para sua soluo de avanos cientficos e tecnolgicos, inclusive aqueles que se originam direta ou indiretamente desses avanos. Os problemas da energia e do meio ambiente adquiriram uma impor-tncia vital.A reao anticientfica existiu desde os primrdios da histria da fsica. Basta lem-brar o exemplo de Galileu. Goethe atacou Newton por sua teoria das cores, dizendo que a essncia das cores se percebe num pr do sol, e no fazendo experimentos com um prisma. preciso reconhecer que a viso cientfica do mundo no exclui nem invalida outras variedades da experincia. Podemos aplicar a acstica, a neurofisiologia e a psicologia ao estudo das sensaes provocadas pela audio de uma sonata de Mozart, mas ainda es-taramos omitindo provavelmente o aspecto mais importante.A conscincia das limitaes do mtodo cientfico no nos deve impedir de apre-ciar sua imensa contribuio ao conhecimento da natureza. A motivao bsica da cincia sempre tem sido a de entender o mundo. a mesma curiosidade que leva um menino a desmontar um relgio para saber como funciona. De que so feitas as coisas?16Curso de fsica bsicaComo e por que se movem os corpos celestes? Qual a natureza da eletricidade e do magnetismo? O que a luz? Qual a origem do universo? Estas so algumas das grandes questes que tm sido abordadas pelos fsicos.A experincia tem demonstrado que o trabalho de pesquisa bsica, motivado exclu-sivamente pela curiosidade, leva com frequncia a aplicaes inesperadas de grande importncia prtica. Conta-se que o grande experimentador Michael Faraday, questio-nado pelo primeiro-ministro da Inglaterra sobre para que serviria sua recente desco-berta do fenmeno da induo eletromagntica, teria respondido: Quem sabe um dia ser taxado pelo governo. Quase todas as aplicaes que fazemos hoje em dia da ener-gia eltrica decorrem do efeito descoberto por Faraday. O transistor, o laser, os compu-tadores resultaram de pesquisas bsicas em fsica.O trabalho de muitas geraes demonstrou a existncia de ordem e regularidade nos fenmenos naturais, daquilo que chamamos de leis da natureza. O estudo que ora iniciamos pode ser empreendido pelos mais diversos motivos, mas uma de suas maiores recompensas uma melhor apreciao da simplicidade, beleza e harmonia dessas leis. uma espcie de milagre, como disse Einstein: O que a natureza tem de mais incom-preensvel o fato de ser compreensvel.1.2 RELAES ENTRE FSICA E OUTRAS CINCIASA fsica , em muitos sentidos, a mais fundamental das cincias naturais, e tambm aquela cuja formulao atingiu o maior grau de refinamento.Com a explicao da estrutura atmica fornecida pela mecnica quntica, a qumi-ca pode ser considerada at certo ponto como um ramo da fsica. A fsica forneceu a explicao da ligao qumica, e a estrutura e as propriedades das molculas podem ser calculadas em princpio resolvendo problemas de fsica. Isso no significa que o sejam na prtica, exceto em alguns casos extremamente simples. De fato, na imensa maioria dos casos, os sistemas qumicos so demasiado complexos para serem tratveis fisica-mente, mesmo com auxlio dos computadores mais poderosos disponveis, o que signifi-ca que os mtodos especficos extremamente engenhosos elaborados pelos qumicos para tratar esses problemas continuam sendo indispensveis. Entretanto, no temos razes para duvidar de que as interaes bsicas responsveis pelos processos qumicos sejam j conhecidas e reduzidas a termos fsicos.A situao com respeito biologia at certo ponto anloga, se bem que a compreen-so em termos de leis fsicas se encontre ainda num estgio menos desenvolvido. Muitas das peculiaridades dos sistemas biolgicos resultam de ser fruto de uma evoluo histri-ca a teoria de Darwin da evoluo fundamental na biologia. Esse fator no usualmen-te considerado para sistemas fsicos. certo que na cosmologia a evoluo do universo a partir de sua origem um tema central, mas no no sentido de evoluo darwiniana. Os avanos recentes da biologia molecular vm atuando no sentido de estabelecer uma apro-ximao cada vez maior entre a biologia e a fsica.A fsica deve grande parte de seu sucesso como modelo de cincia natural ao fato de que sua formulao utiliza uma linguagem que , ao mesmo tempo, uma ferramentaCaptulo 1 Introduo17muito poderosa: a matemtica. Na expresso de Galileu, A cincia est escrita neste grande livro colocado sempre diante de nossos olhos o universo mas no podemos l-lo sem apreender a linguagem e entender os smbolos em termos dos quais est escri-to. Este livro est escrito na linguagem matemtica. importante compreender bem as relaes entre fsica e matemtica. Bertrand Russell definiu a matemtica como: A cincia onde nunca se sabe de que se est falan-do nem se o que se est dizendo verdade para caracterizar o mtodo axiomtico: tudo deduzido de um conjunto de axiomas, mas a questo da validade desses axiomas no mundo real no se coloca. Hilbert, ao axiomatizar a geometria, disse que nada deveria se alterar se as palavras ponto, reta, plano fossem substitudas por mesa, cadeira, copo. Conforme o conjunto de axiomas adotado, obtm-se a geometria euclidiana ou uma das geometrias no euclidianas, mas no tem sentido perguntar, do ponto de vista da matemtica, qual delas verdadeira.Na fsica, como cincia natural, essa pergunta faz sentido: qual a geometria do mundo real? A experincia mostra que, na escala astronmica, aparecem desvios da geometria euclidiana.A fsica muitas vezes classificada como cincia exata, para ressaltar seus aspec-tos quantitativos. J no sculo VI a. C., a descoberta pela Escola Pitagrica de algumas das leis das cordas vibrantes, estabelecendo uma relao entre sons musicais harmonio-sos e nmeros inteiros (proporo entre comprimentos de cordas que emitem tons mu-sicais), levou convico de que: Todas as coisas so nmeros.Embora a formulao em termos quantitativos seja muito importante, a fsica tam-bm lida com muitos problemas interessantes de natureza qualitativa. Isso no significa que no requerem tratamento matemtico: algumas das teorias mais difceis e elabora-das da matemtica moderna dizem respeito a mtodos qualitativos.Neste curso, a nfase no ser no tratamento matemtico, e sim nos conceitos fsicos. Alguns dos conceitos matemticos bsicos que vamos empregar sero introduzidos medi-da que se tornarem necessrios. Tambm exemplificaremos algumas aplicaes biologia.A natureza ignora as distines que estabelecemos entre diferentes disciplinas. A pes-quisa cientfica de fronteira requer cada vez mais uma abordagem interdisciplinar.1.3 O MTODO CIENTFICONo se pode codificar um conjunto de regras absolutas para a pesquisa. Cabem apenas algumas observaes sobre esse tema.Observao e experimentao: so o ponto de partida e, ao mesmo tempo, o teste crucial na formulao das leis naturais. A fsica, como as demais cincias naturais, uma cincia experimental. Assim, o bom acordo com a experincia o juiz supremo da validade de qualquer teoria cientfica. O dilogo Hegeliano, S pode haver sete planetas. Mas isso contradiz os fatos! Tanto pior para os fatos!, representa o oposto da atitude cientfica. A nica autoridade reconhe-cida como rbitro decisivo da validade de uma teoria a verificao experi-mental de suas consequncias. Se no est de acordo com a experincia, tem de ser descartada. 18Curso de fsica bsicaEntretanto, embora a cincia se construa com dados experimentais, da mesma forma que uma casa se constri com tijolos, uma coleo de dados experimentais ainda no cincia, da mesma forma que uma coleo de tijolos no uma casa (Poincar).Abstrao, induo: J se disse que a primeira lei da ecologia : Tudo depende de tudo; por isso que problemas ecolgicos so to complexos. Em certa medi-da, o mesmo vale para a fsica ou qualquer outra cincia natural. Quando uma ma cai da rvore, o movimento da Terra sofre uma (pequenssima!) perturba-o, e ele tambm afetado pelo que acontece em galxias extremamente dis-tantes. Entretanto, seria impossvel chegar formulao de leis naturais se pro-curssemos levar em conta desde o incio, no estudo de cada fenmeno, todos os fatores que possam influenci-lo, por menor que seja essa influncia. O primeiro passo no estudo de um fenmeno natural consiste em fazer abstrao de um grande nmero de fatores considerados inessenciais, concentrando a ateno apenas nos aspectos mais importantes. O julgamento sobre o que ou no importante j envolve a formulao de modelos e conceitos tericos, que representam, segundo Einstein, uma livre criao da mente humana.Um bom exemplo o conceito de partcula na mecnica. Na geografia, em que o globo terrestre o principal objeto de estudo, preciso, para muitos fins, levar emconta as irregularidades da crosta terrestre. Ao estudar o movimento de rotao daTerra em torno de seu eixo, podemos consi-der-la, em primeira aproximao, como umaesfera rgida uniforme. J quando estuda-mos o movimento de translao da Terra emtorno do Sol, considerando que o dimetroda Terra menor que um dcimo-milsimode sua distncia ao Sol, podemos desprezarsuas dimenses, tratando-a como uma par-Figura 1.1Estgios sucessivos de abstraotcula ou ponto material. Temos assim es-na representao da Terra.tgios sucessivos de abstrao (Figura 1.1)na representao de nosso planeta.A arte do terico est em julgar o que e como abstrair, o que essencial e o que acessrio. O experimentador enfrenta problemas anlogos: eliminar efeitos esprios e medir apenas o efeito desejado extremamente difcil. S recentemente se desco-briu que o universo inteiro atravessado por radiao eletromagntica, proveniente da Grande Exploso da qual se teria originado, e que pode produzir efeitos importan-tes na escala quntica.Uma vez atingido certo estgio no desenvolvimento de conceitos e modelos, pode-se procurar, por meio de um processo indutivo, formular leis fenomenolgicas, ou seja, obtidas diretamente a partir dos fenmenos observados, como forma sinttica e mais econmica de descrev-los. Convm frisar que esse apenas um de muitos processos possveis que tm sido empregados na formulao de leis fsicas.Leis e teorias fsicas: Um exemplo clssico desse processo, que ser discutido no Captulo 10, foi a formulao das leis de Kepler do movimento planetrio Captulo 1 Introduo19a partir das observaes feitas por Tycho Brahe. Neste caso, a etapa ulterior, que culminou na obra de Newton, foi a formulao das leis gerais do movimen-to e da lei da gravitao universal. O resultado foi a elaborao de uma nova teoria fsica, a teoria da gravitao, situada dentro de uma teoria mais ampla, a mecnica clssica.Esse exemplo ilustra algumas das caractersticas importantes de uma boa teoria: a) Deve ser capaz de reduzir grande nmero de fenmenos diversos a um pequeno n-mero de leis simples, mostrando que podem ser deduzidos matematicamente a partir dessas leis bsicas; b) Deve ter poder preditivo: a partir das leis bsicas, deve ser poss-vel predizer fenmenos novos que possam ser comparados com a experincia. Uma teo-ria deve sempre ser explorada em todas as direes possveis, no sentido de verificao de suas previses. Um dos maiores triunfos da teoria da gravitao universal foi a pre-dio da existncia de Netuno, feita por Adams e Leverrier em 1846.Domnio de validade: Todas as teorias fsicas conhecidas sempre tm repre-sentado aproximaes aplicveis num certo domnio da experincia. Assim, por exemplo, as leis da mecnica clssica so aplicveis aos movimentos usuais de objetos macroscpicos, mas deixam de valer: (i) para velocidades comparveis com a velocidade da luz, quando aparecem efeitos relativsticos; (ii) para obje-tos na escala atmica, quando temos de empregar a mecnica quntica. Entretanto, uma revoluo cientfica raramente inutiliza por completo as teorias precedentes. A validade aproximada dessas teorias no domnio em que j haviam sido testadas experimentalmente garante, em geral, sua sobrevivncia nesse domnio. As-sim, a mecnica clssica continua sendo aplicvel a uma grande variedade de movimen-tos macroscpicos.Uma nova teoria representa em regra uma generalizao da antiga, estendendo-a a um domnio mais amplo, mas contendo-a muitas vezes como caso particular ou caso--limite, vlido aproximadamente no domnio anterior. Isso no impede que os conceitos bsicos da nova teoria possam diferir radicalmente dos anteriores.O processo de seleo natural pelo qual passam as teorias cientficas exige que sejam sempre submetidas a uma ampla crtica pela comunidade cientfica internacional e ao maior nmero possvel de testes experimentais. Por isso, o segredo e o dogma so inimigos da cincia e a liberdade de comunicao e de pesquisa so vitais para o seu florescimento.Poderia parecer conveniente iniciar desde logo o estudo da fsica pelas leis mais exatas conhecidas, uma vez que contm as formulaes anteriores como caso-limite ou caso particular. Entretanto, isso no seria recomendvel, e nem mesmo possvel, por muitas razes. Do ponto de vista pedaggico, importante comearmos pelo domnio de fenmenos que nos so mais familiares. A fsica clssica, que compreende a maior parte do nosso curso, tem um extenso domnio de aplicabilidade, na escala de nossa experincia cotidiana, e uma boa compreenso da mesma tem importncia fundamen-tal para a prpria formulao da mecnica quntica. Entretanto, convm no perder de vista os limites de aplicabilidade das teorias que vamos estudar. Sempre que possvel, chamaremos a ateno sobre esses limites.20Curso de fsica bsica1.4 ORDENS DE GRANDEZA. ALGARISMOS SIGNIFICATIVOSConta-se que o astrnomo ingls Arthur Eddington iniciou uma de suas aulas, em certa ocasio dizendo: Acredito que o nmero total de eltrons no universo (igual ao nmero de prtons) dado por 15. 747. 724. 136. 275. 002. 577. 605. 653. 961. 181. 555. 468. 044. 717. 914. 527. 116. 709. 366. 231. 425. 076. 185. 631. 031. 296. Na opinio dele, esse n-mero representaria uma constante fundamental da natureza, dedutvel teoricamente.Embora as ideias numerolgicas de Eddington no tenham encontrado receptivida-de, esse exemplo serve pelo menos para ilustrar o fato de que na fsica frequente ter-mos de lidar com nmeros muito grandes ou muito pequenos, uma vez que ela abrange o estudo de fenmenos que vo desde a escala subatmica at a escala do universo. Torna-se necessrio assim o uso de uma notao conveniente.O nmero de Eddington igual a 2 136 2256, o que ilustra a vantagem da notao exponencial. Convm lembrar algumas regras simples da potenciao:a p a q = a p + qa p = 1 / a p( a p )q = a pqUsualmente trabalhamos com potncias de 10. A tabela abaixo d as abreviaes usadas junto aos nomes das unidades para potncias decrescentes e crescentes de 10.101decada101decid102hectoh102centic103kilok103milim106megaM106micro109gigaG109nanon1012teraT1012picop1015petaP1015femtof1018exaE1018attoa1021zettaZ1021zeptoz1024yottaY1024yoctoyExemplo: A velocidade da luz no vcuo aproximadamentec 300. 000 km / s = 3 105 km / sonde significa: aproximadamente igual a.1 km = 10 3 m = 105 cm c 3 1010 cm / sO nmero de Eddington, nesta notao, 1,6 1079. Embora no levemos a srio seus argumentos numerolgicos, a ordem de grandeza concorda bastante bem com as estimativas atuais sobre o nmero total de tomos (dominado pelos de hidrognio) no universo.Captulo 1 Introduo21Algarismos significativos: Na estao ferroviria de Campos do Jordo (SP), uma tabuleta com o nome da cidade continha aproximadamente a seguinte informao: Al-titude: 1.698,73567 m. Mesmo sem levar em conta o problema da preciso da medida, bvio que no tem sentido definir a altitude de uma cidade com preciso de 102 mm! Tambm no teria sentido dizer que o peso de uma pessoa de 75,342846 kg!Embora o absurdo seja patente nesses exemplos, um erro muito comum, especial-mente para principiantes, manipular dados numricos preservando um nmero exces-sivo de algarismos. Alm de sobrecarregar inutilmente as operaes com estes nme-ros, acarretando grande perda de tempo, e aumentando a probabilidade de erro, isso leva muitas vezes a resultados to absurdos como os acima citados.Toda medida feita com certa margem de preciso, e o resultado s deve ser indi-cado at o ltimo algarismo significativo. Assim, se o resultado da medida de compri-mento de uma sala for indicado como sendo 7 m, deve-se subentender uma preciso na medida de 0,5 m, ou seja, o resultado obtido foi 7, mas, devido incerteza, s podemos dizer que est entre 6,5 m e 7,5 m. Se indicarmos o resultado como 7,00 m, subentende--se uma medida muito mais precisa, com preciso de 0,005 m, ou seja, o resultado deve estar entre 6,995 m e 7,005 m.Note que 0,0001 s tem um algarismo significativo, ao passo que 0,1000 tem quatro. mais conveniente escrevermos 1 104 no primeiro caso, e 1,000 101 no segundo, empregando sempre nmeros compreendidos entre 1 e 10 seguidos de uma potncia apropriada de 10. Com essa notao, o nmero de algarismos do coeficiente da potncia de 10 ser o nmero de algarismos significativos.Em operao com dados de precises diversas, no tem sentido manter mais alga-rismos significativos do que os de nmero conhecido com menor preciso.Assim, se as dimenses de uma sala so dadas como comprimento = 7 m; largura = 5,23 m, no tem sentido calcular o permetro como 2 7 + 2 5,23 = 24,46 m: os dois algarismos decimais no so significativos, uma vez que o comprimento s conhecido com preciso de 0,5 m. Devemos usar para o clculo 2 7 + 2 5 = 24 m.A preciso de uma medida tambm pode ser indicada explicitamente: por exemplo, 26,2 0,3 m significa que o resultado obtido foi 26,2, mas levando em conta a preciso da medida, poderia estar compreendido entre 25,9 m e 26,5 m.Um conceito mais importante que o de preciso o de acurcia de uma medida, que mede quanto o resultado se aproxima do valor real da grandeza medida. Por exemplo, uma pesagem feita com uma balana de preciso pode fornecer um valor incluindo at dcimos de grama, mas, caso a balana no esteja bem calibrada, o resultado no ter uma acurcia correspondente, podendo ser bastante diverso do valor verdadeiro. de grande importncia para um fsico saber fazer rapidamente estimativas de ordens de grandeza, onde em geral no se mantm mais do que um nico algarismo significativo: o importante obter a potncia de 10 correta.Exemplos:1) De que ordem de grandeza o nmero de segundos em 1 ano?1 ano 12 30 = 3 ,6 102 dias22Curso de fsica bsicaonde ~ significa: da ordem de1 dia = 24 60 60 8 ,6 104 s 1 ano 8 ,6 3 ,6 106 s 3 107 s Em astronomia, emprega-se frequentemente como unidade de distncia o ano--luz, a distncia percorrida pela luz em 1 ano. ano luz 3 105 km / s 3 107 s 9 1012 km 9 1015 m De que ordem de grandeza o nmero de clulas contidas no corpo humano? Podemos estimar o dimetro mdio de uma clula lembrando que os menores obje-tos visveis num bom microscpio tico tm dimenses da ordem de 1 m (= 1 microme-tro, ou micron = 106 m) da o nome do aparelho (um fsico se lembraria disso por ser a ordem de grandeza dos comprimentos de onda da luz visvel; a relao entre estes dois fatos ser discutida no curso de tica). Sabemos que o dimetro mdio de uma clula algumas vezes maior, digamos, da ordem de 10 m = 105 m. O volume mdio de uma clula ser ento da ordem de (105 m)3 = 1015 m3. A ordem de grandeza do volume do corpo humano pode ser estimada como um cilindro de dimetro ~ 40 cm e altura ~ 1,70 m, o que d um volume da ordem de (0,2)2 1,70 ~101 m3 (note que no tem sentido preocupar-se com um fator ~ 2 numa estimativa como essa). Conclumos ento que o nmero total de clulas do corpo humano deve ser da ordem de 101/1015 = 1014. Esse resultado pode estar errado por um fator da ordem de 10 ou 102 para mais ou para me-nos, de modo que no faria sentido dar uma resposta como 3,7 1014, conservando fato-res numricos que no merecem nenhuma confiana, dada a impreciso dos dados de que partimos. O que deve ser estimado com o mximo cuidado neste caso (e em qual-quer problema de fsica) a potncia de 10.1.5 MEDIDAS DE COMPRIMENTO(a) UnidadesO mtodo mais simples de medir uma grandeza fsica por meio da comparao direta com um padro de medida adotado como unidade. Entretanto, isso geralmente s possvel em casos muito especiais e dentro de um domnio de valores bastante limitado. Fora deste domnio, preciso recorrer a mtodos indiretos de medio.O primeiro padro relativamente preciso de medida de comprimento s foi introdu-zido aps a Revoluo Francesa, para atender s necessidades da navegao e da carto-grafia. O metro foi ento definido como sendo 107 da distncia do Polo Norte ao Equador, ao longo do meridiano de Paris. Aps um sculo, para aumentar a preciso, introduziu-se o metro-padro, distncia entre dois traos numa barra mantida de forma a minimizar efeitos de dilatao trmica, no Ofcio Internacional de Pesos e Medidas em Paris. R-plicas deste prottipo eram utilizadas para calibrao.Em 1960, foi adotada uma definio muito mais satisfatria e precisa, em termos de um padro associado a uma grandeza fsica fundamental: o comprimento de onda de umaCaptulo 1 Introduo23radiao luminosa caracterstica emitida por tomos de criptnio 86 (86Kr), um gs raro existente na atmosfera. Quando a luz emitida numa descarga gasosa analisada num espectroscpio, observa-se um espectro de raias, caracterstico da substncia. Uma raia espectral representa luz monocromtica, de comprimento de onda bem definido. Foi escolhida uma raia alaranjada do 86Kr; em termos de seu comprimento de onda Kr, de-finiu-se o metro por 1 m = 1.650.763,73 Kr. Note que essa definio implica na possibi-lidade de medir comprimentos com preciso de 1 parte em 109! Isto se faz atravs de mtodos interferomtricos, que sero discutidos no curso de tica.Em 1983, decidiu-se adotar um novo esquema, mantendo o prottipo da unidade de tempo baseado no relgio atmico (Se. 1.7), mas substituindo o padro de comprimen-to por um padro de velocidade, baseado em outra constante universal, a velocidade da luz no vcuo, c. Por definio, o valor exato de c c = 299. 792. 458 m / so que, indiretamente, fixa a definio do metro em termos da definio do segundo: a distncia percorrida pela luz em 1/c segundos.Na prtica, para reproduzir o metro com alta preciso, continuam sendo emprega-dos mtodos baseados em comprimentos de onda de raias espectrais, utilizando radia-o laser.Informaes atualizadas sobre o Sistema Internacional (SI) de unidades de medida e os valores das constantes fundamentais da fsica esto disponveis na Internet, no portal do National Institute of Standards and Technology: http:// physics.nist.gov.(b) Medio de distncias muito pequenas ou muito grandesA Tabela 1.1 d uma ideia da escala de distncias abrangidas pela fsica, com alguns exemplos tpicos ilustrativos de ordens de grandeza.Mtodos de medio realmente diretos s so aplicveis dentro de uma faixa de quatro ou cinco ordens de grandeza em torno de nossa escala de tamanho (1 m). Como se medem distncias menores ou maiores?Distncias pequenasDistncias menores, at valores da ordem dos comprimentos de onda da luz visvel (al-guns dcimos de m), podem ser medidas por mtodos visuais mais ou menos diretos, com o auxlio de um microscpio tico de aumento conhecido.Distncias ainda menores, at valores da ordem de 108 m, que correspondem ao tamanho de cadeias moleculares grandes, como os vrus, podem ser medidas por mi-croscopia eletrnica.Conforme ser visto mais tarde, o microscpio eletrnico anlogo ao microscpio tico, mas permite atingir aumentos maiores porque emprega, em lugar de um feixe de luz, um feixe de eltrons rpidos, que, segundo a mecnica quntica, tambm tm pro-priedades ondulatrias, mas de comprimento de onda bem menor que o da luz visvel.24Curso de fsica bsicaTABELA 1.1 Escala de Distncias (em metros).Unidades1025Raio do universoderivadasObjeto mais distante j fotografadoDistncia galxia mais prxima(Grande Nebulosa de Andrmeda)1020Distncia ao centro de nossa galxia (Via Lctea)1 A.L. (Ano-Luz)Distncia estrela mais prxima ( -Centauri) 9. 5 1015 m1015Distncia a Pluto1 U.A. (UnidadeDistncia Terra-SolAstronmica)1010 1,5 1011 mDistncia Terra-Lua(~ 1 segundo-luz)1 km105Dimetro da TerraAltura de um homem1 m1001 cmInsetos1 mm105Bactrias1 m (micron)= 106 mVrus1 (ngstrom)Dimenses moleculares1010Raio atmico= 108 cm1015Raio nuclear1 F (Fermi)= 1013 cm Mtodo de medidaLuminosidadeParalaxe astronmicaMtodos visuais diretosMicroscopiaticaMtodos indiretosMicroscopiaeletrnicaAbaixo desses valores, entramos na regio das dimenses tpicas moleculares e atmicas. Os mtodos de medida aqui so inteiramente indiretos, baseados na anlise terica dos fenmenos observados. Um deles emprega radiao eletromagntica, ou seja, de mesma natureza que a luz visvel, mas de comprimentos de onda da ordem das distncias interatmicas: so os raios X. Instrumentos inventados recentemente, o mi-croscpio de varredura por tunelamento e o microscpio de fora atmica, permitem observar a superfcie de materiais na escala atmica. Os fenmenos que ocorrem neste domnio de distncias s podem ser analisados com o auxlio da mecnica quntica.Em particular, a natureza ondulatria dos objetos atmicos introduz limitaes no prprio conceito de tamanho de um objeto e na preciso com que o tamanho pode ser definido, ligadas ao chamado princpio de incerteza de Heisenberg.Captulo 1 Introduo25As dimenses nucleares so medidas de forma totalmente indireta. Um mtodo importante de obter informaes neste domnio o bombardeio de ncleos com part-culas nucleares aceleradas a energias elevadas; a eficcia de difuso dessas partculas pelos ncleos depende do seu tamanho.Recentemente, a regio de tamanhos da ordem de nanmetros (1 nm = 109 m) adquiriu grande importncia, gerando a nova rea da nanocincia e nanotecnologia. Isto se deve possibilidade de construir e manipular objetos dessas dimenses, com o auxlio de instrumentos como o microscpio de fora atmica.Distncias grandesDistncias maiores que algumas dezenas de me-tros no se medem usualmente por comparaodireta com um metro. Um mtodo usado com fre-Cquncia a triangulao, que requer uma distn-cia conhecida para servir de base e um instrumen-to que permita mirar objetos distantes e medir ongulo entre a direo da mira e a linha da base,como o teodolito.A Figura 1.2 mostra como se poderia usar estexmtodo para medir a distncia de um ponto A de90um terreno a um objeto C inacessvel (por exemplo,do outro lado de um rio). A base AB seria a distn-AdBcia d entre duas estacas fincadas no terreno e o teo-(Base)dolito seria usado para medir os ngulos dos vrti-Figura 1.2 Triangulao.ces A e B do tringulo ABC. Tomando AB de formaque BC = 90 e medindo o ngulo = A C, a distncia incgnita x = AC dada porx = d tg (1.5.1) fcil estender o mtodo ao caso em que BC um ngulo qualquer, medido pelo teodolito (verifique!). Para objetos distantes, estaremos lidando sempre com a medida de ngulos prximos de 90, e pequenos erros na medida dos ngulos podem levar a erros grandes na distncia, o que limita o alcance do mtodo ( fcil ver isto no caso da (1.5.1)).Uma variante deste mtodo foi usada por Eratstenes no sculo III a.C. para medir o raio da Terra. A ideia de que a Terra tem a forma esfrica j era corrente nessa poca: Aristteles havia citado como argumento a sombra circular projetada pela Terra sobre a Lua sempre que se interpe entre o Sol e esse satlite.O mtodo de Eratstenes est ilustrado na Figura 1.3. No dia do solstcio de vero (o dia mais longo do ano), na cidade de Siene (atual Aswan), ao meio-dia, os raios sola-res eram exatamente verticais, o que se verificava pela ausncia de sombra de uma es-taca vertical (direo de um fio de prumo).26Curso de fsica bsicaAlexandriaRaiosssolaresORSiene (Aswan)Figura 1.3 Como Eratstenes estimou o raio da Terra.s = _ = 7. 2 2R 360 360 No mesmo dia, e na hora em que a sombra de uma estaca verti-cal era a mais curta, em Alexan-dria, que fica ao norte de Siene sobre o mesmo meridiano, os raios solares faziam um ngulo 7,2 com a vertical. Conhecendo a dis-tncia s entre Alexandria e Siene, Eratstenes determinou a circun-ferncia C = 2 R da Terra pela ex-presso= 1 50o que d C = 2 R = 50 s. O valor de s usado por Eratstenes foi 5.000 stadia, levando aC = 250.000 stadia.Uma estimativa moderna do stadium (unidade de comprimento grega) que equivalia a 157 metros, o que dariaC = 39.250 kmem lugar de 40.000 km, um erro < 2%!Aproximadamente na mesma poca, o grande astrnomo grego Aristarco de Samos determinou a distncia Terra-Lua, com preciso comparvel. Para isto, baseou-se tambm na sombra circular projetada pela Terra sobre a Lua por ocasio de um eclipse da Lua. Comparando o raio aparente da sombra com o raio aparente da Lua, e conhecendo pelo resultado de Eratstenes o raio da Terra, determina-se o raio verdadeiro da Lua RL. Medin-do o dimetro angular aparente L da Lua (ngulo subtendido pelo disco lunar visto da Terra), obtm-se ento a distncia D da Terra Lua pela relao: 2RL = L D (L em radia-nos). O valor atualmente aceito para a distncia mdia da Terra Lua de 384.400 km.Como a velocidade da luz no vcuo de 300.000 km/s, vemos que D corresponde a pouco mais de 1 segundo-luz. Nas comunicaes com os astronautas na Lua, havia um intervalo de um pouco mais de 2 s entre a emisso de um sinal e a recepo da resposta. Os astronautas montaram na Lua um refletor que foi utilizado para refletir pulsos de luz emitidos da Terra por um laser. O intervalo de tempo entre um pulso emitido e o rece-bimento do eco pode ser medido com grande preciso, o que permitiu determinar a distncia instantnea Terra-Lua com preciso de 15 cm, ou seja, menor que 1 parte em 1 bilho! um mtodo anlogo ao radar.A determinao razoavelmente precisa da escala do Sistema Solar (distncias entre Terra, Sol e outros planetas) s foi alcanada no sculo XVIII, empregando um mtodo proposto por Halley, em que a passagem da rbita de Vnus projetada sobre o disco solar era acompanhada por observadores em latitudes diferentes. Pareceria mais simples usar o mtodo de triangulao, com a observao simultnea de um planeta como MarteCaptulo 1 Introduo27por dois observadores em pontos diferentes da Terra, separados por uma distncia (base) conhecida. A grande dificuldade deste mtodo estava em garantir a simultanei-dade das observaes, ou seja, na sincronizao dos relgios dos dois observadores, que, conforme veremos adiante, s se tornou possvel na 2a metade do sculo XVIII. Depois disso, o mtodo da triangulao permitiu determinaes bastante precisas da escala do Sistema Solar. Recentemente, o mtodo do radar foi aplicado para determinar com grande preciso a distncia Terra-Vnus.O raio mdio da rbita (elptica) da Terra em torno do Sol tomado como definindo 1 Unidade Astronmica (U.A.): 1 U.A. 149,60 106 km 1,5 1011 m.A primeira determinao de distncia fora do Sistema Solar foi feita pelo astrno-mo alemo Bessel em 1838, pelo mtodo da paralaxe estelar, que nada mais do que o mtodo de triangulao, tomando como base o dimetro da rbita terrestre. A para-laxe mede a variao da direo em que vistauma estrela a partir de diferentes pontos da rbi-Estrelata da Terra. Um intervalo de 6 meses entre as ob-servaes corresponde a tomar como base o di-2 metro d da rbita, conforme mostra a Figura 1.4(o ngulo de paralaxe definido como a metadedo ngulo subtendido entre essas duas posiesTerrada Terra). Mesmo para a estrela mais prxima da6 mesesmaisTerra, Centauri, que est a 4,3 A.L. (Anos-tardeTerrad-Luz) de distncia, j extremamente pequeno,da ordem de 0,76 (segundos de arco). Como muito difcil medir ngulos to pequenos comFigura 1.4 Paralaxe estelar.preciso, este mtodo s aplicvel s estrelasmais prximas, no mximo at distncias de algumas dezenas de A.L. Para uma es-trela a 30 A.L. da Terra, a paralaxe seria da ordem de 0,1, o ngulo subtendido por uma moeda de 1 cm de raio situada a ~ 40 km de distncia! H apenas da ordem de 104 estrelas fora do sistema solar (dentro de ~ 102 A.L.) cujas distncias so conhecidas com erro inferior a 10%, medidas pelo mtodo da paralaxe.Distncias maiores so medidas por mtodos bem mais indiretos, baseados na rela-o entre a luminosidade aparente da estrela (que podemos medir), sua luminosidade intrnseca (que temos de inferir) e a distncia. Para uma dada luminosidade intrnseca, a luminosidade aparente cai com o inverso do quadrado da distncia, de modo que o problema se reduz ao de determinar a luminosidade intrnseca. como se medssemos a distncia a uma lmpada de 100 W (luminosidade conhecida) pela sua luminosidade aparente a essa distncia. A luminosidade intrnseca corresponde aos 100 W da lm-pada. Para muitas estrelas, podemos determin-la por meio de uma relao que se des-cobriu existir entre a luminosidade intrnseca e a cor (espectro da radiao da estrela, que pode ser determinado).Um mtodo adicional faz uso de estrelas conhecidas como Cefeidas variveis, cuja luminosidade tem oscilaes peridicas mensurveis, de perodo diretamente re-lacionado com a luminosidade absoluta. Este mtodo permite determinar as distncias28Curso de fsica bsicaa muitas galxias fora da Via Lctea. Finalmente, pode-se inferir dessa maneira a rela-o entre luminosidade intrnseca e tipo de toda uma galxia (somente a nossa gal-xia, a Via Lctea, contm ~ 1011 estrelas), e us-las para determinar distncias s gal-xias mais longnquas conhecidas, situadas a mais de 109 A.L. de distncia. Apenas uma ordem de grandeza acima se situa o assim chamando raio do universo, cujo significa-do ser discutido mais tarde. Progressos recentes em cosmologia decorreram do em-prego de um novo mtodo, utilizando a luminosidade mxima das exploses de uma classe de estrelas chamadas supernovas do tipo Ia. importante em todos estes mtodos que a passagem de um mtodo a outro faz uso, para calibrao, de distncias j determinadas por um mtodo anterior.O carter extremamente indireto na medio de distncias muito grandes res-ponsvel pela incerteza na determinao de um parmetro fundamental em cosmolo-gia, a constante de Hubble, relacionada com a idade do universo.1.6 SISTEMAS DE COORDENADASDistncias e ngulos so utilizados para fixar a posio de um ponto no espao, em relao a um dado referencial.y1x = 2xO1y = 1P(2, 1)Figura 1.5 Coordenadas cartesianas. P(r, )r xOFigura 1.6 Coordenadas polares. O caso mais simples o de um ponto sobre uma superfcie plana. Supomos familiaridade com o sistema de coordenadas cartesianas (Figura 1.5), definido por uma origem O e dois eixos orto-gonais, em relao ao qual a posio de um ponto P definida por suas coordenadas x (abscissa) e y (ordenada): P(x,y). Um sistema deste tipo em-pregado correntemente para localizar uma rua na planta de uma cidade, ou uma cidade num atlas geogrfico.No sistema de coordenadas polares (Figura 1.6), definido por uma origem O e uma direo de referncia Ox, a posio de um ponto P fixada pela sua distncia r origem e pelo ngulo que a direo OP faz com Ox: P(r, ). Assim, quando di-zemos que Bragana Paulista fica a 60 km ao norte de So Paulo, temos r = 60 km e = 90 em relao direo de referncia Oeste Leste.Para fixar a posio de um ponto no espao, precisamos de 3 coordenadas, que podem ser, por exemplo, suas coordenadas cartesianas (x, y, z) em relao a um siste-ma de 3 eixos ortogonais. Podemos empregar tambm em 3 dimenses um sistema anlogo s coordenadas polares (que discutiremos em detalhe mais tarde). Conhecida a distncia r do ponto P a uma origem O, sabemos que ele est sobre uma esfera de centro O e raio r, e podemos fixar a posio de P sobre a superfcie curva da esfera atravsCaptulo 1 Introduo29de dois ngulos. Um sistema deste tipo bem co-RotaoNMeridianonhecido empregado sobre a superfcie da Terra, da Terradefixando-se a posio de um ponto atravs de suaGreenwichlatitude e longitude.O ngulo de latitude varia entre 0 e 90 aoOLN ou ao S do equador, e o ngulo de longitude varia entre 0 e 180 a L ou O do meridiano deGreenwich. Para a cidade de So Paulo, por exem-Equadorplo, = 2333 S e = 4639 O (Figura 1.7). A la-So PauloStitude e longitude de um ponto sobre a superfcieFigura 1.7 Latitude e longitude.da Terra so dados fundamentais para a navega-o. Como se determinam?O problema fundamental, devido rotao da Terra, o de encontrar direes de referncia fixas no espao. A direo do eixo de rotao da Terra (aproximadamente, conforme veremos depois) uma tal direo, e podemos determin-la por observaes astronmicas.Se tirarmos uma fotografia de longa exposio(algumas horas) do cu noturno, com a cmera apon-tada para o Norte (no Hemisfrio Norte) ou para oSul (no Hemisfrio Sul), o aspecto ser semelhanteao da Figura 1.8. Cada estrela parece descrever umarco de crculo (de comprimento proporcional aotempo de exposio), com os crculos tendo todosum centro comum, o ponto em que a direo doeixo de rotao da Terra atravessa a esfera celeste.No Hemisfrio Norte, h uma estrela bem visvelprxima deste ponto: Polris, a Estrela Polar ouFigura 1.8 Foto de longa exposioEstrela do Norte, que j era conhecida pelos nave-do cu noturno (hemisfrio norte).gadores desde a mais remota antiguidade, e era poreles empregada para determinar a latitude.DireoDireoAssim, para medir a latitude no Hemisfriode Polrisde PolrisNorte, basta medir o ngulo entre a direo emNque Polris observada e a vertical local (Figura Vertical1.9); a latitude dada por = 90 (1.6.1)O ngulo chamado de colatitude.OLOPara a longitude, o problema era bem mais di-EquadorEixo defcil, porque no se dispunha de nenhum objetorotao daceleste fixo sobre o meridiano de Greenwich, ouTerraseja, que acompanhe a rotao da Terra (hoje emSdia, existem satlites geoestacionrios). A relaoFigura 1.9 Colatitude .30Curso de fsica bsicabem conhecida entre longitude e fusos horrios mostra que o problema se reduz com-parao entre a hora local e a hora de Greenwich, ou seja, a um problema de sincro-nizao de relgios. Veremos na prxima seo como este problema foi resolvido.1.7 MEDIDA DO TEMPODa mesma forma que uma rgua permite medir distncias marcando intervalos iguais de comprimento, um relgio qualquer instrumento que permita medir o tempo, mar-cando intervalos de tempo iguais.Qualquer fenmeno peridico, ou seja, que se repete sem alterao cada vez que transcorre um intervalo de tempo determinado (perodo), pode em princpio ser asso-ciado com um relgio. Assim um dos relgios mais antigos foi provavelmente associa-do com o nascer do sol, definindo o intervalo de um dia. Galileu utilizou como relgio as suas pulsaes (batimentos cardacos).Como sabemos que os intervalos de tempo marcados por um relgio so efetiva-mente iguais? A resposta que no sabemos. No adianta invocarmos a sensao sub-jetiva da passagem do tempo (tempo psicolgico), que est associado a um relgio biolgico, definido pelo ritmo de nosso metabolismo. Sentimos o tempo passar bem mais depressa em companhia de uma pessoa atraente do sexo oposto do que numa sala de aula, por exemplo! Sabemos tambm que os dias medidos pelo mtodo do nascer do sol tm durao varivel conforme as estaes.Tudo que podemos fazer comparar relgios diferentes e decidir, atravs de tais comparaes e de argumentos tericos sobre as leis que governam o fenmeno peridico qual relgio merece maior grau de confiana. Assim, ao definir a durao do dia pelo pe-rodo de rotao da Terra, temos a possibilidade de comparar este movimento peridico com outros relgios astronmicos: os perodos de rotao da Terra em torno do Sol, da Lua em torno da Terra, de Mercrio e Vnus em torno do Sol, dos satlites de Jpiter em torno do planeta. Observaes muito precisas mostraram concordncia destes outros re-lgios entre si e pequenas discrepncias com a rotao da Terra, levando concluso de que esta rotao sujeita a pequenas irregularidades, da ordem de 1 parte em 108. Um dos fatores responsveis por elas o efeito de atrito associado com as mars.Atribuindo agora palavra relgio o sentido especfico de um instrumento cons-trudo para medida do tempo, os relgios mais antigos conhecidos so os relgios de sol, que ainda so encontrados em nossos dias ornamentando jardins. Os mais simples deles baseiam-se no comprimento da projeo da sombra de uma estaca sobre uma es-cala graduada. O quadrante solar, um pouco mais elaborado, projeta a sombra de um ponteiro sobre um quadrante graduado. Os relgios solares apresentam o inconveniente de s poderem funcionar durante o dia e de marcarem horas no muito iguais.No antigo Egito e Babilnia j eram empregados relgios de gua (clepsidras), baseados no escoamento de um filete de gua, atravs de um pequeno orifcio no fundo de um recipiente, para outro recipiente contendo uma escala graduada (Figura 1.10). Um dispositivo semelhante foi utilizado por Galileu em experincias bsicas de mecni-ca. Os relgios de areia (ampulhetas), baseados num princpio anlogo, tambm so empregados at hoje.Captulo 1 Introduo31Nenhum mtodo mais preciso de medir pe-quenos intervalos de tempo era conhecido at 1581,quando Galileu, comparando as oscilaes de umcandelabro da Catedral de Pisa com o ritmo de seupulso, descobriu o isocronismo das oscilaes dopndulo, ou seja, que o perodo das oscilaes per-manecia o mesmo, embora a sua amplitude fossediminuindo (Galileu, que naquela poca tinha 17Figura 1.10 Relgio de gua.anos e era estudante de medicina, aplicou logoesse resultado em sentido inverso, construindo um pulsmetro, pndulo de compri-mento-padro destinado a tomar o pulso do paciente em hospitais). A partir dessa po-ca, comearam a ser construdos relgios de pndulo, acionados por pesos, e tambm relgios acionados por uma mola espiral, antecessores dos atuais.O estmulo principal para a construo de relgios mais precisos veio do problema da determinao da longitude. Conforme j foi mencionado, este problema se reduz di-retamente ao de comparar a hora local com a hora de Greenwich. Como a Terra gira em torno de seu eixo de 360 em 24 h, uma variao de 1h da hora local corresponde a um deslocamento de 15 de longitude (= 360/24), ou seja, cada grau de longitude equi-vale a uma variao de 4 minutos da hora local. Levando em conta o sentido de rotao da Terra (Figura 1.7), vemos, por exemplo, que, quando meio-dia em Greenwich, a hora local verdadeira em So Paulo (longitude 46 39O) alguns minutos antes das nove horas da manh (para fins prticos, toma-se a mesma hora local convencional em todos os pontos de um mesmo fuso horrio; no caso, a diferena de hora local conven-cional seria de 3 horas).Para determinar a longitude na navegao, bastaria portanto transportar a bordo do navio um relgio acertado pela hora de Greenwich, e compar-lo, por exemplo, com o meio-dia local (sol a pino). Mas isto requer um relgio de grande preciso, pois um erro de 1 minuto no tempo equivale a (1/4) = 104 km/360 28 km. Logo, se um navega-dor quisesse determinar a longitude com erro menor que 0,5 ( 56 km) depois de uma viagem de 6 semanas, o relgio no poderia adiantar ou atrasar mais do que 2 min em 42 dias, ou seja, 3 segundos por dia!A importncia prtica do problema pode ser ilustrada pelo fato de que um Tratado como o de Tordesilhas (1493), dividindo as terras do globo entre Portugal e Espanha, tinha efeitos meramente acadmicos enquanto no se pudesse determinar que terras estavam situadas a leste ou a oeste de um dado meridiano. Em 1714,o Parlamento ingls ofereceu o maior prmio jamais oferecido at quela poca ( 20.000) a quem inventas-se um mtodo prtico de determinao da longitude com erro < 0,5. Newton, Huygens, Leibnitz e outros cientistas ilustres no haviam conseguido resolver o problema.Finalmente, ele foi resolvido por um carpinteiro ingls chamado John Harrison, com a construo de seu cronmetro martimo. O problema mais difcil era o de com-pensar os efeitos da dilatao da mola espiral devido a variaes de temperatura. Aps mais de 30 anos de trabalho, Harrison chegou a seu Modelo 4, que foi testado em 1761, numa viagem de Portsmouth Jamaica. Decorridos mais de 5 meses de viagem, o relgio32Curso de fsica bsicas se tinha desviado de 1 min 53 1/2 s, satisfazendo amplamente s condies exigidas. Assim mesmo, o prmio no foi pago! Harrison s recebeu a metade em 1765, aps um segundo teste, em que o erro foi < 0,1 segundo por dia em 156 dias. Acabou recebendo a segunda metade em 1777, por interveno direta do rei George III.A preciso do cronmetro martimo de Harrison era da ordem de 1 parte em 105, comparvel preciso de um moderno relgio eltrico, baseado nas vibraes de um diapaso e nas oscilaes eltricas de um circuito. Um relgio de pulso de quartzo, ba-seado em oscilaes de um cristal de quartzo submetido a um campo eltrico, tem usualmente uma preciso da ordem de 1s por ms, ou seja, ~ 3 partes em 107, mas rel-gios mais sofisticados baseados em osciladores de quartzo atingem uma preciso da ordem de 1 parte em 108.Num relgio atmico, utiliza-se como padro de frequncia uma frequncia caracte-rstica associada a uma radiao (na regio de micro-ondas) emitida por tomos de csio 133, que por sua vez controla oscilaes eletromagnticas na regio de micro-ondas e um oscilador de quartzo. A preciso do atual padro primrio de tempo (NIST F1) de 2 partes em 1015 (1s em 20 milhes de anos!).Com o relgio atmico, tornou-se fcil detectar as irregularidades da rotao da Terra j mencionadas (da ordem de 1 parte em 108). At 1956, a definio da unidade de tempo (1s) se fazia em termos do dia solar mdio, a mdia sobre um ano da durao do dia (de meio-dia a meio-dia), com 1s = 1/86.400 do dia solar mdio. Em 1956, tendo em vista as irregularidades na rotao da Terra, adotou-se uma definio baseada na durao do ano (perodo de revoluo da Terra em torno do Sol), mas, levando em con-ta que esta tambm varivel (de forma conhecida com grande preciso), relativa du-rao do ano tropical 1900 (1 ano tropical o intervalo entre duas passagens consecu-tivas do Sol pelo equincio de primavera). Assim, 1 segundo das efemrides foi definido como a frao 1/31.556.925,9747 do ano trpico 1900. Finalmente, em 1967, foi decidido definir tambm o segundo (como o metro) em termos de uma radiao atmica caracterstica. A definio atual do segundo : 1 s a durao de 9.162.631.770 perodos da radiao caracterstica do csio 133 que empregada no relgio atmico.A Tabela 1.2. d uma ideia da escala de tempos abrangidos pela fsica. Como se medem tempos extremamente pequenos e extremamente longos, como os indicados nessa tabela?Medida de tempos muito curtosOs mtodos diretos de medida de tempos muito curtos so mtodos eletrnicos. Um dos instrumentos mais importantes para este fim o osciloscpio.xO relgio do osciloscpio um circuito eletr-nico oscilante que aplica um sinal oscilatrio a umfeixe de eltrons, fazendo-o varrer a tela do oscilos-cpio de um lado para outro Figura 1.11) com velo-cidade uniforme conhecida ( um princpio seme-Figura 1.11Varredura.lhante ao empregado num aparelho de televiso).Captulo 1 Introduo33TABELA 1.2 Escala de Tempo (em segundos).Unidades1018Idade do universoderivadasIdade do sistema solar1015Aparecimento da vida na TerraAparecimento do homem na Terra1010Aparecimento da agriculturaDurao mdia da vida humana1 a (ano)Perodo da rbita da Terra em torno do Sol= 3.1 107 s105Perodo de rotao da Terra1 d (dia)= 8,6 104 sTempo levado pela luz do Sol at a Terra1 batimento cardaco1 s1001 ms103Perodo mdio de ondas sonoras audveis1 s105106Perodo tpico de ondas de rdio1 ns109Tempo levado pela luz para percorrer 1 m10101 ps1012Pulsos mais curtos produzidos por lasers1 fs1015Perodo caracterstico das oscilaes1020atmicas e da luz visvelPerodo de vibraes nucleares1024Tempo levado pela luz para atravessarum ncleo Mtodo de medidaDataoRadioativaMedida direta com relgiosMtodoseletrnicosMtodosindiretosPodemos calibrar o aparelho diretamente em ter-mos do tempo levado pelo feixe para percorrer cada graduao. Para alguns dos osciloscpios mais rpi-dos atuais, este tempo da ordem de 109 s por cm.Se aplicarmos um impulso eltrico s placas defletoras verticais do osciloscpio, desviando o feixe de eltrons de sua trajetria horizontal, o pul-so aparecer na tela (Figura 1.12), e sua durao poder ser medida diretamente em termos do n-mero de graduaes e da calibrao. Durao t do pulsoFigura 1.12 Pulso visto num osciloscpio.34Curso de fsica bsicaA durao de pulsos luminosos de picossegundos pode ser medida fotografando o pulso e medindo o seu comprimento, uma vez que a velocidade da luz conhecida. Di-versas das assim chamadas partculas elementares tm vidas mdias da ordem de 1024 s, que so medidas por mtodos indiretos, baseados na interpretao terica das interaes observadas dessas partculas.Medida de tempos muito longosQue sentido tem falarmos em medir tempos da ordem de milhes de anos? Tem um sentido histrico referente ao passado, ou seja, podemos tentar determinar a idade de objetos ou materiais (poca em que foram formados), ou a poca no passado em que ocorreram eventos de interesse.O principal mtodo empregado para este fim o da datao radioativa. A ideia bsica do mtodo muito simples, e pode ser compreendida pela seguinte analogia. Se tivermos sobre uma chama uma chaleira com gua, e conhecermos a quantidade de gua na chaleira no instante em que se inicia a ebulio, bem como a quantidade vapo-rizada por unidade de tempo, podemos determinar o tempo transcorrido desde o incio da ebulio medindo a quantidade de gua que resta na chaleira.Um relgio natural deste tipo so as substncias radioativas. A radioatividade foi descoberta por acaso por Henri Becquerel em 1896, pela sensibilizao de chapas foto-grficas que haviam sido guardadas numa gaveta onde havia sais de urnio. Foi desco-berto posteriormente que o urnio emite radiaes que o fazem passar por uma srie de transmutaes radioativas (em elementos diferentes), at chegar a um elemento estvel, o chumbo. Descobriu-se tambm a existncia de um grande nmero de outros elemen-tos radioativos.O decrscimo com o tempo da quantidade restante de um elemento radioativo no proporcional ao tempo transcorrido, como no exemplo da chaleira, mas obedece assim chamada lei exponencial da desintegrao radioativa. Para entend-la, vamosde novo recorrer a uma analogia.Consideremos um pas hipottico800Valor da moedaonde a taxa de inflao seja 100%ao ano (o Brasil ultrapassou essataxa na dcada de 80). O grficoda Figura 1.13 mostra como evo-luiria em funo do tempo o valor400aquisitivo de uma soma fixa dessamoeda, equivalente a 800 unida-des no ano de 1970. Ao fim de200cada ano, o valor se ter reduzido100 metade do valor no ano anterior.50AnoO valor aps x anos ser uma fra-o do valor inicial dada por1970 71 72 73 74 75 76 77 78Figura 1.13 Decaimento exponencial.Captulo 1 Introduo351valor aps x anos1x=1==(1.7.1)valor inicial22xSe conhecermos , podemos ento determinar o tempo decorrido x, em anos, por:( x)anos = log2 (1.7.2)O tempo que leva para se passar de um dado valor metade desse valor chama-se meia-vida. No exemplo acima, a meia-vida do poder aquisitivo da moeda de um ano.O nmero N de tomos numa amostra de uma substncia radioativa tambm obe-dece lei exponencial de desintegrao, com meias-vidas que podem variar desde fra-es de segundo at bilhes de anos, conforme a substncia. Costuma-se designar porT1/2 a meia-vida; por exemplo, para U238 (urnio 238), T1/2 4,5 109 anos. Se N0 a po-pulao inicial de tomos radioativos (nmero inicial na amostra), aps decorrido umtempo t, que corresponde ax = t / T1 / 2 meias vidas(1.7.3)a populao ter se reduzido a uma frao1=N (t)(1.7.4)N0do valor inicial, onde N(t) o nmero de tomos radioativos no instante t. Combinando as equaes acima, obtemos o valor do tempo decorrido t :t = T1/2log2[N0/ N(t)](1.7.5)Na aplicao do mtodo de datao radioativa medida de tempos muito remotos no passado, tem importncia fundamental o fato de que os tomos radioativos so rel-gios de muita confiana, prova de choques, porque as amostras analisadas tero sido submetidas a tremendas variaes de presso, temperatura e outras condies ambien-tais. A meia-vida da desintegrao radioativa no afetada por esses fatores, porque depende apenas de processos envolvendo foras de interao e energias nucleares, mui-to maiores do que as que esto associadas s flutuaes do ambiente.Datao geolgica pelo K40Um dos mtodos mais empregados de datao geolgica baseia-se nas propriedades de um istopo radioativo do potssio, o K40. O istopo de ocorrncia mais comum, que estvel, o K39, e a abundncia relativa atual numa amostra de potssio de 1 tomo de K40 para cada 8.400 tomos de K39.A meia-vida de K40 : T1/2 = 1,3 109 anos. Como sabemos disto? No esperando um bilho de anos para ver uma populao inicial reduzir-se a cerca da metade! A meia-vidade uma substncia radioativa pode ser medida detectando as radiaes por ela emiti-das; o nmero de contagens do detector permite medir a frao dos tomos que se36Curso de fsica bsicadesintegram por segundo, determinando assim T1/2. Para uma amostra macroscpica, em que a populao de tomos radioativos pode ser da ordem de 1020 tomos, isto leva a um nmero de contagens por segundo facilmente detectvel, mesmo para meias-vidas to longas como a do K40.O K40 se desintegra de duas maneiras diferentes, que mantm propores fixas entre si: 12% dos tomos de K40 se desintegram em argnio 40 (A40), e os 88% restantes em clcio 40 (Ca40). O argnio um gs nobre, ou seja, quimicamente inerte (no se combina com outras substncias), e fica preso nos interstcios do material que continha o K40, de modo que preservado aps a sua formao. Isto j no acontece com o clcio, que forma vrios compostos qumicos.Suponhamos, por exemplo, que a anlise qumica de uma amostra de rocha de 1g revele a presena de 4,21 102 g de potssio (39 + 40) e 9,02 107 g de argnio (40). O clcio no precisa ser analisado. Qual a idade da amostra?Podemos obter o nmero de tomos atual de cada elemento na amostra a partir das quantidades em gramas lembrando que o n de tomos em 1 mol de K ou A o nmero de Avogadro,6 ,02 1023 tomos / mol,e que as massas atmicas so: K39 39,10; A40 39,95. Assim, 39,1g de K39 equivalem a 6,02 1023 tomos de K39, e 39,95 g de A40 a 6,02 1023 tomos de A40. Os dados acima revelam ento que h atualmente na amostra 6,48 1020 tomos de potssio e 1,36 1016 tomos de argnio. Dada a abundncia relativa de K40, o nmero de tomos de K40 atual :N (t) =6 ,48 1020= 7 ,71 1016 tomos 8. 400Por outro lado, todos os tomos de A40 na amostra provm de desintegrao do K40, mas s se formam 12 tomos de A40 para cada 100 desintegraes de K40 (as restantes levam ao Ca40). Logo, o nmero total de tomos de K40 que se desintegraram deve ser100 1 ,36 1016 = 1 ,133 1017 12e a populao inicial de K40 na amostra eraN0 = 11 ,33 1016 + 7 ,71 1016 = 1 ,90 1017Levando estes resultados na (1.7.5), obtemos a idade da amostra:91 ,90t = 1 ,3 10log 2anos,0 ,771_______log10 (2 ,46 ) / log10 2 =1 ,3ou seja, a idade da rocha t 1,7 109 anos. Que significa esta idade? O instante 0 deve ser interpretado como aquele em que a rocha se formou, ou seja, se solidificou pela lti-ma vez a partir de material derretido. A maior parte das rochas da crosta terrestre passaram por este processo mais de uma vez.Captulo 1 Introduo37Alm do K40, outros istopos radioativos de vida longa so tambm empregados nadatao geolgica, por exemplo, o U238, com T1/2 = 4,5 109 anos, e o Rb87, com T1/2 = 5,0 1010 anos. Quando podemos datar a mesma amostra com base em vrios istopos dife-rentes, os resultados concordam muito bem entre si, justificando a confiana no mtodo e nas hipteses em que se baseia.As rochas mais antigas encontradas na Terra tm idades da ordem de 3,5 109 anos; fsseis nelas encontrados indicam que as formas mais primitivas de vida j tinham aparecido cerca de 108 anos aps a solidificao da crosta terrestre.A idade da Terra, que podemos identificar com a idade do sistema solar, pode ser estimada aplicando o mtodo de datao radioativa a amostras que no tenham passado pelos processos de transformao a que foi sujeita a crosta terrestre. Os meteoritos mais antigos j encontrados tm 4,7 109 anos. As rochas lunares mais antigas trazidas pelos astronautas tm 4,6 109 anos. O acordo e a consistncia entre dados de fontes diferentes permitem interpretarmos estes nmeros como definindo aproximadamente a idade do sistema solar, e portanto tambm da Terra.Datao com carbono radioativoNo por coincidncia que os radioistopos que ocorrem naturalmente nas rochas so aqueles com T1/2 109 anos. simplesmente porque radioistopos de vidas mais curtas j se desintegram praticamente em sua totalidade desde a poca em que as rochas se formaram.Entretanto, existem processos naturais que levam formao contnua de radioi-stopos. Conforme foi descoberto por Hess em 1911, a Terra continuamente submeti-da ao bombardeio de partculas de energias extremamente elevadas, os raios csmicos. A interao dessas partculas com a atmosfera d origem formao contnua de diver-sos radioistopos. Um deles, o carbono 14 (C14), desempenha um papel importante na datao de eventos ocorridos at 20.000 anos atrs, ou seja, na Histria da Civiliza-o. A meia-vida do C14 T1 / 2 = 5.730 anosO C14 formado na atmosfera a partir do nitrognio (N14) submetido ao bombardeio dos raios csmicos. Por sua vez, a desintegrao do C14 leva a formao de N14, de modo que se estabelece um equilbrio dinmico entre formao e desintegrao,N14 _ C14levando a uma abundncia relativa fixa e bem definida do C14 na atmosfera em relao ao istopo estvel de carbono, C12 (a proporo de 1 tomo de C14 para 7,8 1011 to-mos de C12). O carbono formado entra rapidamente em combinao com oxignio na atmosfera, para formar CO2 radioativo.Se considerarmos agora o efeito sobre a biosfera, vemos que as plantas assimilam CO2 da atmosfera na fotossntese e exalam CO2 na respirao; as plantas, por sua vez, so assimiladas por animais e o CO2 tambm trocado com a atmosfera no metabolismo38Curso de fsica bsicaanimal. Logo, todos os seres vivos esto em equilbrio com a atmosfera e contm CO2 radioativo (com C14) na mesma proporo que a atmosfera enquanto permanecem vivos.Isto deixa de valer, porm, quando o ser vivo morre, deixando de trocar CO2 com a atmosfera. A populao N0 de C14 que ele contm ao morrer desintegra-se a partir de ento sem que haja novo C14 introduzido, de modo que a populao N(t) cai com o tempo t decorrido aps a morte segundo a (1.7.5). Comparando a abundncia relativa C14 / C12 numa amostra (fssil de planta ou animal) com o valor de equilbrio na biosfera (ou comparando as radioatividades correspondentes), pode-se ento determinar o valor de t.As hipteses necessrias para a validade do mtodo (por exemplo, que a abundncia relativa C14 / C12 na biosfera no se alterou significativamente desde a poca correspondente ao tempo t) podem ser testadas aplicando-o a amostras de idade conhecida (por exemplo, fragmentos de rvores cuja idade pode ser determinada pela contagem de anis no tronco). Os resultados mostram que o mtodo de confiana desde que se tome um certo nmero de precaues.Entre os resultados de grande valor para os historiadores obtidos por este mtodo podemos citar: amostras de carvo das cavernas de Lascaux (onde foram encontradas pinturas pr-histricas) datam de 15.500 900 anos atrs; os pergaminhos do Mar Morto datam de 1.917 200 anos atrs; h indcios de civilizao no Mxico datando de 1.500 a. C., o que constituiu uma grande surpresa para os historiadores, recuando de 1.000 anos a poca das primeiras civilizaes conhecidas no Mxico.O tempo absoluto de NewtonEm seu grande tratado Os Princpios Matemticos da Filosofia Natural, publicado em 1.687, Newton introduziu o conceito de tempo absoluto, definindo-o da seguinte ma-neira: O tempo absoluto, verdadeiro e matemtico, por si s e por sua prpria natureza, flui uniformemente, sem relao com nenhuma coisa externa, e tambm chamado de durao.Um dos objetivos da discusso detalhada feita acima sobre a medida do tempo foi tornar patente o fato de que o tempo fsico definido em termos de relgios, que so objetos concretos, sujeitos s leis fsicas, como qualquer outro objeto. A atitude expressa por Newton ignorando este fato foi em parte responsvel, dada a autoridade de que se revestia, pelo preconceito de que o tempo no poderia ser afetado por qualquer condi-o fsica.No podemos saber, a priori, como o andamento de um relgio afetado por condi-es fsicas extremas, muito remotas de nossa experincia quotidiana, por exemplo, pelo transporte do relgio a velocidades extremamente elevadas (comparveis velocidade da luz), ou pela presena de campos gravitacionais extremamente intensos. A experincia mostra que tais condies de fato afetam a marcha do relgio (efeitos da relatividade res-trita e da relatividade geral, respectivamente), de forma que hipteses no fsicas sobre o tempo, como a de Newton, tm de ser revistas nessas condies.Captulo 1 Introduo39PROBLEMASNos problemas abaixo sobre estimativas, trata-se de estimar ordens de grandeza tpi-cas. Consulte fontes externas (biblioteca, Internet) para obter dados auxiliares. Expli-que sempre o raciocnio empregado para justificar cada estimativa.Estime o nmero de fios de cabelo que voc tem na sua cabea. Estime o nmero de folhas de uma rvore. Estime o volume ocupado pelo nmero de notas de R$ 1,00, correspondente d-vida externa do Brasil. Se pudessem ser empilhadas, que altura atingiria a pilha? Estime o nmero mdio de gotas de chuva que caem sobre uma rea de 1 Km2 para uma precipitao de 1 cm de chuva. (a) Estime o nmero de gros de areia da praia de Copacabana (ou de outra que voc conhea melhor). (b) Estime o nmero de tomos contido num gro de areia. Compare as duas estimativas. Em cada inspirao, absorvemos cerca de 15% do oxignio que penetra em nos-sos pulmes. Num tpico elevador lotado de um prdio de apartamentos, preso entre dois andares, quanto tempo levaria para que 10% do oxignio contido na cabine fosse consumido? Quanto tempo leva a luz do Sol para chegar at a Terra? E at Pluto? Estima-se que a densidade mdia de matria no universo corresponde a da ordem de 0,2 tomos de hidrognio por m3. (a) Estime a massa total contida dentro do raio do universo; (b) Estime o nmero total de ncleons (neutrons e prtons) contido nesse volume; (c) Compare a densidade mdia de matria no universo com a densidade tpica no interior do ncleo atmico. A populao atual (2012) da Terra da ordem de 7 bilhes de pessoas, e duplicou em menos de 50 anos. Se a populao continuar duplicando a cada 50 anos, qual ser a ordem de grandeza da populao da Terra no ano 3.000? Qual seria a rea da su-perfcie da Terra disponvel por habitante nessa poca, com as mesmas hipteses? Segundo o fsico ingls James Jeans, em cada inspirao, h uma probabilidade aprecivel de que penetre em nossos pulmes uma molcula de ar remanescente do ltimo suspiro exalado por Jlio Csar. Verifique essa estimativa. Quando o Sol se pe, decorrem aproximadamente 2 minutos entre o instante em que o disco solar encosta no horizonte e sua ocultao completa. A partir deste dado, estime o dimetro angular aparente do Sol visto da Terra, em graus e em radianos. Um parsec definido como a distncia a partir da qual uma unidade astronmica (distncia mdia Terra-Sol) seria vista subtendendo um ngulo (paralaxe) de 1 segundo. Calcule 1 parsec em m e em anos-luz. Admitindo que a idade do universo da ordem de 10 bilhes de anos, que frao do U238 inicialmente formado j se desintegrou? Curso de fsica bsica Analisando uma amostra de rocha, verifica-se que ela contm 1,58 mg de U238 e 0,342 mg de Pb206, que o produto final estvel da desintegrao do U238. Admi-tindo que todo o Pb206 encontrado provm da desintegrao do U238 originalmente contido na amostra, qual a idade da rocha? No sculo III a. C., o astrnomo grego Aris- tarco de Samos estimou a razo dS /dL entreSolLuaa distncia dS da Terra ao Sol e a distnciadL da Terra Lua medindo o ngulo en-tre as direes em que a Lua e o Sol sodLvistos da Terra quando a Lua est exata-dSmente meio cheia (metade do disco lunariluminado: veja a Figura). O valor que ob-Terrateve foi = 87. (a) encontre a estimativade Aristarco para dS /dL. (b) Com base nosvalores atualmente conhecidos, dS /dL 389. Ache o valor real de e critique o mtodo de Aristarco.Em seu tratado Clculos com Areia, Arquimedes inventou uma notao para exprimir nmeros muito grandes e usou-a para estimar o nmero de gros de areia que caberiam no universo da sua poca, cujo raio era identificado com a distncia da Terra ao Sol. O nmero que encontrou, em notao moderna, seria inferior a 1051. Verifique a estimativa de Arquimedes.