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REFLEXÕES SÔ8KE A TEORIA DO .. DESVIO DE PODER " EM DIREITO ADMINISTRATIVO

AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ

REFLEXÕES SÔ8RE A TEORIA

DO DESVIO DE PODER EM DIREITO AD MINISTRATIV O

Coimbra Editora , L i mitada - 1940

Estado-Policia, Estado de Direito, e Poder discricionário

Ê muito corrente a afirmaçAo de que no regime do .. Estado-Pollcia.t o poder d iscricionário, a discrici01laridade, foi a mais extensa. Idéa que entre os do juristas, rusto­riadores;fil6sofos, encontra traduçllo e também entre certos escritores de direito público, mesmo entre aqueles que ao tema do poder discricionário têm dedicado estudos especiais. É que, na verdade, essa idéa tem facilidade em impor-se.

É sabido que princípio característico e essencial do Es­tado de Direito é precisamente o de que o Es$ado se c""Omporta em relação aos particnlares na forma do direito, quere dizer, ligado pela, florma, jurídica" qualquer que seja a sua fonle; e que, diversa e. opostamente, no Estado-Polícia a activi­dade do Estado, incluindo aquela que está. em imediata rela­çllo com os particulares, não se encontra sujeita, vinculada a qualquer regra juridica de que os mesmos particulares pos­sam elti~ir o cumprimento. Sendo assim, conclui-se, é no regime do Est8do-PoHcia que existe para os governantes no máximo grau um poder discricionário, isto é, um poder n§.o ligado à. observância de normas jurídicas. É o que, parece, nlto podérá dispensar-se de concluir.quem, por exem-

_ p io, adapte a. definiçllo de poder djscrioionário que nos dá MIOROT,!D, e, na esteira dMe, muitos outros autores: .. há poder discricioDl\rio lôdas as vezes que uma autoridade ',age livre-

mente, sem que a co nduta a obser var lhe seja ditada ante­cipadamente por uma regra de direito. 1.

Faz propender paraconclus!.o idêntica aaceitaçl.o da defi· niçlo de BDHLER': causência de direito I!ubjectivo público (subjektilJet' Rechtsanspruch) a um determinado comporta­mento da autoridade, no sujeito estranho a administraç!.o (der Bürger) em relação ao Estado~, visto como segunda nota essencial do regime do Estado·PoUcia é a inexistência de direitos subjectivoB públicos por parte dos particulares a um comportamento determinado da administração. O regime do Estado moderno, ou o Estado de Direito, ao mesmo tempo que trouxe garantias aos particulares relativamente ao agir da adm inistraç!.o, isto é. ao mesmo tempo que fez dos admi· nistrados titulares de direitos subjectivos públicos, reduziu na mesma medida as facu ldades discricionárias daquela. Onde há direito a um determinado comportamento da admi· nistraç!.o cessa para esta o poder discricionário. Direito sub­jectivo e poder discricionário alo conceitos antitéticos.

 mesma conclnsl.o parece induzir a conC6pç!.o de R. v. L AUN I, segundo a qual o poder discricionário con­siste na possibilidade de escolha dos· fins imediatos do seu agir por parte da administraç!.o. É também característica

1 Clr. t'ud, ,ur I, pout:Oir di.crtlionltair, de /' Adntinit/ral ion, 191 3, pAg. IO.

! erro I)i. '!Úljekliun ãfferdlichetl Rci:lllf, 191', pAgo ,U. 3 erro Do. (r, i, Erntetun I4ltd "in, Gnnun, 1910; Do. , icll ler­

liell . Ertllu.1ttI bel Vorlel114nl1 der H(lI'Idd.bllc.htr, publicado em Zril­.chrift du deul.elte" ZiçilpronueI, 42.° ano, 1912; Z .. ", Proble", dtt (,flàsn Entlll.flft., publicado em Fu' lthrifl ZieWmantl, 1913; Kale­gori.ch. "nd di.jwtlklin Norltlen, publicado no Arc.\ill dtt DfTlttllli. ellftl Rultl., 3'.° an o, 1915; Zwr Lehre ~Oltl (reien Ertltn'fl lil dfl' (iffmo lliehfl lil Orl10lile, publicado em JUr ilfirch. Bldlfer, ano 60.°, 1931; Le. adel d. 110u~8Ttlemen l, publicado em Anllwa irll d. VIn.lilNt Inler· nalional d. Droit Publie, 1931 , e e m separata ; L'autonomia dd d i,illo, publicado em SI"di itl ollore di a real. Batlfllldli, li , 1931; Dflr Wandel dflr l delttl .SI06I und Volk ai, A.UllflrNng du Wellg,u:ill'ft., 1933; lA p OUlIOir di.trt lionn(l ir,. publicado no Atln N(l ir. d. l'In.til"' da Droi t Public, 1935, e em separala. .

..sempre assi"nlLlada do Estado-PolIcia a liberdade de o admi­nistrador assumir sempre novos fins, novos objectivos e procurar ' realizá-los fora do quadro de qualquer norma legal, para a prosperidade da comunidade, o seu bem estar . .. O principe-escreve O. MAYER l _ no Estado-Polícia, tinha o direito de realizar sem pre novos fins que Ale pr6prio deli­mitava» '.

Se, do mesmo modo, na esteira de PRESUTT[ (onde nos .parece encontrar-se uma influência da célebre obra de THON,

Reeh.lan01'm u nd Subjeklives R eeM, 1878), fizermos equivaler di~cricionaridade a insindicabilidade (impossibilidade de oontrole judiciário) mediante petição dos administrados a,

'resulta ainda plenamente compreensível que a discriciona­'lidade se aponte como a essência do Estado-Polícia, já que -como nota W. JELLINEK, e é de resto idéa bem conhe­·cida - a administraçAo no Estado-Polícia ... "befreite sich von reichsgerichtlichen Bindung' " ao menos nas matérias estranhas ao cfisco. , ou seja, a actividade patrimonial do Estado.

À face da letra das definições a que acabamos de alu­dir, o poder discricionário deverá. parecer qualquer coisa de muito extenso no Estado-Policia, mas não deixará de -existir também no Estado de Direito, embora em medida

I err. ~ Droil Admi .. i.lralif AIlemand, 1903, pAgo 31. I À face da primitiva tese de LA.llN, DfU frei .. Enneue .. " .. ã uine

·Grenn .. , parece mesmo ser BUli. Idéa que o podor i1im itll.do do prin­cipo, como adm in is trador, no Estado-PoHoia - der o l<fgf kld rle Ab.o­·lwlir,"w. -, era um verdadeiro poder discriclonârio em sentido 16coico. O autor fala dAte CO mO . freies Ermessen. (pâg.20), ou seja, t~cnicamento 'poder discricionário.. ~la 8, à face das mai a reccntea exposições da sua doutrina, LAUIf , para determinar o conceito d o

poder discricionârio, pressupõe 8 tripartição dos poderes e a supe­rioridade do legiail!.livo. Na primi ti va tese, LAUN aflrm a não inllis­tir na hist6ria do poder dlacrlclonârio no EBtado-Policia, porque. sendo êle ai ilimitado, seria insusceplf"el de tratamento cienU· fl co. e rro pAgs. 20 e 21 .

8 erro I li,"iIti !UI .illdacalo di fel1itimifà, 19t1, pAgs. 5 e 6. , efr. VerttlGllwlIg.rechl, 1928, pAgo 8 1.

muito mais restrita: a ·actividade administrativa nlio á pura­mente executiva, puramente ligada à execução de normas de difeito; quere dizer, dentro de certos limites a lei con· cede liberdade à. administração; nem sempre existe para os administrados um direito a determinado comportamento· por parte da autoridade. Por vezes os órgãos administrati­vos podem escolher, dentro de vários fins imediatos, dentro de certa categoria. de fins próximos, um para o · seú agír concretoj em muitos casos, e quanto a certos poutos, quanto a certos elementos dos aotos administrativos, no Estado de direito é também negada a possibilidade de um controlejndi. tiMio '" Mas, tudo isto, a titulo de excepçfio.

Ora precisamente, há quem tenha negadp que no regime­do Estado de Direito exista qualquer liberdade para a admi-

. nistrasão, e combata as concepçõss do poder discricioná.rio que levam a manter zonas de liberdade na actividade a.dmi­nistrativa, zonas que seriam cO irredutível bastilto ao' abso­lutismo autoritário no Estado de Direito const.itucionah i. Onde o Estado de .Direito á o sistema constituoional·admi­nistrativo vigente, nlo se poderá conceber a existênoia de um poder discricionário, de uma livre actuaçilo por part-e de· qualquer autoridade. O ,Estado de direito regula tôda a actividade de administração com normas ;urldicaa (veremos mais tarde em que sentido se pode falar de normas jurídi­cas para esta concepçli.o), .providas da correspondente sançio, quer em relaç!to ao acto, quer ao agente, para o caso de serem violadas pelos fu ncionarios. E, 'para citar apenas outro nome representativo, veremos que D UGUIT ~ çonsidera> que no modernó direito francês (de qualquer modo para­

_digOla do Estado de Direito moderno), nllo há lu,gar ao que. se tem chamado 'poder discricionário» I.

I efr. TEZII'ER, Da. {rei. Errnuu" d,r V,r MJII""Q'.b,II6 rd •• 1924, pág.29 .

• err. TrQit~ de droif CDIt.tiI"t io",,,I, 11, 8.- ed., 1929, pAgo 378 e flegfl.

3 La limitation de la compétence, noo leulement quant à.

Mas, a noção de poder discricionário - deve isso acen­tuar-ae-é uma "quaestio diabolicu ,I e é-o também de certo modo a DO\'lIo de hlstado de Direit.o. Nlo se deve, pois, .estranhar que se tenba escrito, quási paradoxalmente, que a discriciondrid.lde reina por Uda a parte no Estado de Direito, <lomo necessária enquadração de motivos extra-jurídicos .(autónomos), nas progressivas e g raduais concretizações de um Direito primário e helerónomo que é como que a abóbada do edifício do Estado de Direito; e &ssim, a acti­vidade administrativa não difere da actividade de g ray. .imediatamente superior-a legislativa ordinária -senlio em ·que os s'uj eitos 'que a realizam são livres e necessàriamente livres de juntar à lei alg uma coisa de extra-jurídico, "un nouvel apporb, um "aliquid novi~ , já que 8e nAo consegue uma rígida execução da norma beterónoma. O poder dis­oricionário aparece, assim, como necessário elemento na gradual formação do direito, ou das normas ju·rí.dicas; é êle q ue as torna sucessivamente mais concretas. Se a sua substância é a mesma, pode tomar todavia vários nomes­e será; poder discricionário propriamente dito na Adminis­traçlio e na Legislação; são-arbítrio do juiz na Jurisdiçãoj autonomia da vontade na contratação privada. Em todo o caso, o que ressalta, à face desta co ncepção do poder disori­cionário, e que neste momento nos interessa evidenciar, é a afirmaçAo da discriciODRridade como consubstanciai do Esta,do de Direito, como seu element.o absolutamente necessário, Dito limitado a zonas isoladas, mas largo e generalizado a tôda a ordem jurídica como ordem dinãmica, isto é, como ordem que se realiza. Terá sido fáoil reconhecer aqui, pre·

I'objact da t 'acl, mais ancora quan t au but qui le déterm ina, con stl· tua une gara ntie trés torta con tra l'arbilralra dell agenls publica. La conaéquenoe en aal, en atret, que rien n'ast plus laiasé ll'appré. ciation discrétionnaira de I'agant admlnllltralit. Clr. ibid. , pA/{B. 296 a 296, 11, 2.· ed., 1923.

1 ZORN, KritiMJh. S tMdiBPI eM r VernoalfMIIQ'geriehlfbarkeit, publl. -cado no Vfr,tt1a tl .... g'~rMiv, 11, (1894), pág. 82.

cisamente, as vistas da chamada St.ulentheoris, de KELSEN 1.­

ds MER.x..L I e de V.ERUROSS 3_4.

Ocorre realmente saber se o conceito de Estado de Direito constitui ou 0110 o pressuposto da determinaçllo do· conceito de diecricionaridade em sentido técnico, de Corma.. que tenha de facto de ser utilizado para bem se apreender tôda a essência do poder discricionário. Requere·se, antea. de mais. saber c'om precisA0 o que por Estado de Direito se deva entender. A expreeslo remonta, como está averi· guado 6, a v. MOHL, para quem o Rech"taat é uma verda­deira categoria da doutrina do Estado encarada no aspecto histórico ' , e Coi sucessivamente empregada por Ü'ITo BAIIR 7,.

GNE.1ST e e STAHL li.

1 Crr. B/lNplPTobl,rn, der SIaat.reehlll.An, 1.&ed., 1911, páge. 499· e aegs. Clr. ainda Allg8nt,in, Sloal,reehl,ltllre, 1925 e Irad. esp.; Rein, Ruldllehr,. 1934, e trad. port; Zwr !.tAr. der óf(.nllich'R Ver/rag. io Arehio dea 6f{.Plflicll,PI RecAI" ano 31.°, 1915.

I Clr. AI/g,m,in, V'NtI{IIIJlng,lehr,. 1927, pig. 142. a Cfr. Del, ETobl,m dea frei," Ennultn, Nnd di. F.,ir"h"­

b'lO.gJlPlg. publicado na Ouf,,.,.iclli,ch, Z.i/,ch,if' filr liff.tdlichu Bech/,19U.

, Cfr. sôbre 'eata doutrina: BOltltARD, l..G III ~rie d, 1(1 fOf'rrleI­lion dM droi' par dtgr~. dan, l'CI!IUVf" d'Adolf N"kl, in /Uvu. du droif public, 1928, pága. 668 e sega.; WEYR, La doelr'"' àt Ad",lf N.,kl, in RII~'II' lnferRellional d, 'a Ih4ori, du droi', 1927·28, piga. 215 e aega.; CARRt DE MALBERO, COPlfrOJlf<NiOIl d. Ia Ih~orj. d, la forma­lion du droi' pelr dtgri., etc., 1938.

fi crr. HICIJAIID TIIOMA, Ruht .. laal. id., Jllld V,rtllalfulIg"ecÃl.· ftJiu'II,cllaf/, no Jahrbudl rU, õff",flichen RuM, der Gegunoarl, IV, 1910, especialmente a piga. 214; a SERGIO PANVNZIO, Lo S fa/{) di diritlo, I, 1922, piga. 7 e segs.

• R V. MOHl't Di. Polise i ",iuen,claaf/ lIa.ch dm Gnlnd,all=,n dei· Rtchlu'fJ,J/" 1832. MOIlL dis tingue histOricamente cinco rormas de Estado: Estado Patriarcal, Estado Patrimonial, Estado Taocrtilico, ESlado DespótiCo.) (dia Despolie) e Estado de Direito. Para MItRK I..,.

00. cit, pAgo 70, o Polizelstaai é .ein rechtlichet Typus., e o moamo­ao pode dizer do Hecht88taat.

1 Der Rtclalulaal, 1864. B Der Reehu.aal, 1879. 8 Ruhl,-Jl .. " Sloal,l.hrt~ 1856.

o ponto de vista de Mou1.. àcêrca do R~chllltaat, como ccategoria hist6rico-jurídica:t , n1[o deixou mais de ser aceite no domínio especial de investigaçlSes para que especialmente o autor alemio o destinou. Haja em vista as grandes obras de Gn:RxE, Althusius UM di8 Entwicklun9 der natuN'echt­lichnl Stoot8theorien, 1902, e Natural Law anel the theMy oI 80ciety, 1934; Orro MAYER, Le Droit Admini81ratil dllemand, 1903, em tMa a primei!'l\ parte do primeiro volume, e depois FLEINER, 111stitucume8 d8 mecho adminiBlraliuo, 1933, pá.gs. 8 e sega. e paBsim, 'VALTF.B JELLLNEIt, ~-erwallung".ec"t,

págs. 84 e sega., e MERllL, 00. cit, págs. 60 e sega. ::\Ias na doutrina do Estado a f6rmula por muitos ~

reduzida à. idéa dum Jultizstaat, para se opor ao Ver­waltU?lg88taat, e para outroa filiada e mantida no domínio do penaamento político individualista: uma individUf,d i­ItÍBche Recht88laataidee .. Por um lado, fazer equivaler Reches-8taat a JUltuslaat s6 ~ possível partindo de premi8SB.8 individualistas: contrôle de tôda a adroiniatraçlto pelos tri­bun"is como meio de garantir 08 cidadlos contra qual­quer arbitrariedade. E, como veremos, o Rechll.taat deve antes reconduzir·se à idéa do domínio de um sistema de normas jurídicas (direito constitucional e administrativo), controláveis jurisdicionalmente, na medida. em que normas juddicas existam ou possam existir. Na realidade, por~m, o RechtBBtaat pode conformar-se com um alargamento, para fora destes limites, dos principios do Judi.slaal I .

Por outro lado, o problema do conceito do Estado de Direito nlto se relaciona com o problema dos fins do Estado. Quando a Estado de Direito se contrapõe hoje uma 000-

cepçio de Estado f~lico, ~ sempre uma .indilJidUtlli.ti8cl,~ RecJatl8ÚJatsidee, que se tem em vista. Estado de Direito COD ­

trapõe.se a Estado-PoHcia, mas nAo a Estado de Cultura ou a Estado Ético I. OU, 8e se quiser, há uma epoliti8che, e

1 efr. sóbre &s Idél8 de JU Stlutlat e Verwaltungl6tlll, ~KRKL,

ob. d i., pAgs. 65 88egs. t Como lambém nio 58 contrapOC a . lIacht8st .. t •. efr. BINDER,

S".f,/ft dt, R"hl'Pltilo,oplti., 1937, pAgo 330.

uma cformal'iuriatiaeM R edl!adaat8'idee,. É esta quo inte· ressa à ciência do direito público,

Quando ORLAN DO diz que co li:stado de Direito ni o é uma noção secundária e tran scurável, mas essencial, primária, um postulado, um pressuposto teórico do direito püblico>, não se pode entender que se queira referir à primeira, mas sim à segunda das noções do Estado de Direito. A fórmula t Estado de Direito» nlio a queremos, pois, empregar para na c1.'eori" do Estado. designar um tipo d'e Estado que assuma como único- fim a realizaçto do direitoj porque entio ela, fora de outros defeitos, teria o de estar em contraste com a reali· dade do Estado moderno, que é Estado de Cultura, sem deixar de ser Estado de Direito. Parà nós, como conooite dêsse tipo de Estado, vale o de SUllL: c O Estado deve ser Estado de Direito . .. deve assegurar inviolàvelmente e perfeitamente determinar os confins e limites da sua actividade e as esferas de liberdade dos seus cidadlios na forma do Direito .. 1. O Estado de Direito é, para STAUL ,

de certo modo, um conceito formal , e é nesta medida q ue na ciência. do direito públicõ deve ser 'acolhido. Tôdas as funções do Estado - e a administrativ~ in apeeie

. - se devem realizar na forma do Direito e as normas do Direito são o quadro da actividade do próprio ~stado, O ~stado de Direito pode, no ponto de v ista da extensão e número das suas finalidades, obedecer a vistas kantianas, hum~oldtianas, ou então ficbteanas ou hegelianas. Nenhuma delas, porém, lhe é conatural. Só W OLFF ou PUPENDORP lhe repug nam. Aqu ilo que o Estado de Direito é forçosamente, é MONTESQUlEU e Rouss:F.AU, talvez mais ROU8SEAU que M ONTES­

oQUI'EU I . O Estado de Direito não é fórmula, no nosso ponto

1 • Clr. Ru hlHI"d Sfaaldehn, 1856, Vol. li, pAgs_ 137. I ULRICH SCHI!:Ul'I' KR , in Zur FrQ,(J~ der Gre"e~" der Nachp'iJfulIQ

• du E ...... uu". dureh die Geriehlt, pu blicado na V.rwo; lI""(J.arehi ll, 33.°, 19\18, pAg, 71, afl.rma que a nossa concepção do Estado de Direito deriva menos de MONT&SQUU'm do que de ROUIISAO : . NichtMontes­quieu's Inh&ltlicbeTrennung der Gcwalten,8ondornRousseau's Herr­scbart des GemelnwiLIens, des Gesetzes,liegt unserer SIaalsaufra88ung 'Zugrunde., Mas, MONT&8QO I80 tem sido ,'lriamanle int\!rpretado,

de vista j que exclua fins económicos, sociais, de oultura, ou ~ticos. O Estado de Direito pode ser Estado Etico e hoje ~-o cada vez m"ais. A fó rmula de STAHL, que perfilhamos, permite dizer que os fins do Estado devem ct&ônioizar-se nas formas do Direito~ (RAVÀ) e é o que se do passa no outro tipo técnico' e histórico, o chamado Estado-Policia, que por isso se opõe como «categoria., como cespécie fixa logicamente . (PANUNZIO), ao Estado de Direito.

Portanto: o Estado do Direito Publico D}oderno 'é o Estado de Direito. A sua actividade Tilaliza-se dentro de normas, e precisamente de normas jurídicasj assim a Jus­tiça I como a Administração t"

logo a partir da Revolução t rancesa. Ora, pareee-n08 que a idéa rou8seauniana da ' upu ioridade da lei (\'oolade geral) postula a exis tência duma repartição orgAn ica d!8 tu nçOe8 do EStado, pois só SI concebe que a lei 8cjn revestida de superioridade quando há órg ão' que na realização das sua8 tunçQeli lhe de \'am obediência, Querl dizor: ROUSSIU,tJ é insuftcienle por si, e só ao lado de 'MONTKSQUI EC

o seu pensamento adquire re lev,ância para a c iência do direito ..po'blico. Crr. neste scn lido FUINBR, ob •. cil., pãg. 9.

1 Não n09 cabe aqui deter· nos a debater o problema interes· sante de saber se existe, e em que medida. poder discricionário na actividade j urisdicional. O assun lo pOderia ser encarado, ou em estudo especial, ou então num trabalho sóbre a discriclonaridade no .Estado moderno. de um modo geral. Para uós, o ' problema 'pOe-se dum modo idén tico num como noutro seCIor da aClividade executiva do Estado: • Verdadeiro poder discricionário existe também na Jus· t iça; o j uiz é li vre, tal como o é o funcioná rio ad'min istrativo •. (Crr. W. J XLLlNEK, Geub, Geuleanwendutll/' lIliut ZWfckma"ig.hilurwa"ulIg. 1913, págs, 190 e 7). ,Para a construção j urfdica não oonslilu i qual. q uer diterença relevante saber 6e o poder discricionário compele a um órgão jurisdicional ou a um órgão administrativo. Em ambas as tormas do executivo o poder dl sorloionirio é o mesmo; são pos­sheis IOdu as espécies de poder discricionirio. (KEL8EN, Hczupt­problfM/j cit" pág. 5(6), ,A J urisdição, da mesma manl'lira quo a Admi nistração, é uma concretização de normas legais abstraclas e portanto existe para e la tan ia espaço de poder disoric:'.nário como para a Administração> (MERKt., ob. cil., pág. 144). Clr. ainda BERNAT'

.ZIK, Rechlupreclll,ftl!1 u/\Iã lII(1ferieUe Recnf.kr(l{l, 1886, pág. 43; ZOlm, '00. c;f. pág. 1<12, LAUN, Da. (rei. E."neuen. cit., pAgs. 57,61 e 77.

B Ocorreria pregunlarmos o que de\'e passar·se para a pri-

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A actividade administrativa no Estado de Direito rea­liza-se por intermédio de órglloB próprios, regulado o seu

meira das funções do E~llIdo-a Legislação. ;. ESlá esta submetida ao Direito? Não cabe noa limites dês tc. trabalho tratar dêst& importante problema extensamente. i. Estão o órgão legislativo ou o órgão constituinte ligados a normas Jurfdioll.8 que devam ser obser\'adas? Aqui enxerta-so o problema do poder d iscricioná· rio no exerc[cio da função legislativa e da função constituinte. Afi rma a possibilidade de existência dum poder discricionário na legislação (.in frti .. E",.uun der Vcr(afl',"g), e cODseqllenle possibilidade da 8ua 8ub~i88ão ao direi to (di. Bindwng 1'011 Gualzen aI' Geul,., di, BindwIID d er Queul1ehlldt n G~Jt)(JII) v. LAVI'f (In ob. cit., págs. 15 a 17), quando na orgauização constitucional se pode fller a distinção entre leis constitucionais e le is ordinárias, pois que poder discricionário ' exisle sempre que de dois poderes, um superior, o oulro inferior, um concede a oUlro pleoos poderoll. - . Quand OOUll parloos de pouvoir dlscréUonnaire, nous enlendons par lã une relallon entre deu,," sujeta agissao ta, l'uII oclroysot les ple ins pouvoirs, et I'aulre les rece\'anh (u pOlu:oir diler~jio1tait8, cil., separata, pág. 11). Quere dizer que o verdadeiro órgão soberano, niosubordinado a nenhum outro, como será selnpre o órgão constituinte, ã face da leoria de LAUN, não pode, ê88e, ser um órgão ligado, como em relação a êle, mlllali. mwla"di,. se não pode falar de poder discricionário. No mesmo sentido de LAUN, KKL8BN: .No Estado eonstllucional, os 6rgãos e também O·

órgão superior, o Monarca, silo ligados, nas suas especrflcas fun ções de órgãos, pela lei, de forma que éles s6 podem realizar aquilo que o Estado exactamente quis •. Cfr. Hawpfproblemt, págs. 492. Confira· também, nes ta ordem de idéas, MERKL, ob. df., pág. 142.

Limites jurrdl cos à actividade legislativa deverão também e\·en· tualmente residir em preceitos de di reito internacional, desde que se aceite o pr imado da ordemj urfdica internacional. Segundo & informa· ção de ALEBBANDRO Lltvl (in AlIl"ild leei la i1tdj"jdu~Jleed nlli1!ild di,ere­eio1ln/, 0,ulllini61rofieo, 1I0a Slwdi i1l 011011 di Federico COIII"'tO, 11, 1933, pág. 90), uma parle da doutrina sUBteota que nos siBtemBB de consti· tuição flex"'el, o legis lador encon tra limites;u,ídico, nos _princlpios fundamentais da organização do .Estado., princfpiosqueo poder legis. lativo s6 d, (aclo, e não de jurt, poderia modincar. SObre êste tema, que, como dissemos, não pretendemos desenvolver aqui, para não nos afastarmos multo do quadro do nosso estudo, cfr. sobretudo W. JELLlNEK: Gnnll1t dt, Vt,(o .. wnfl'fltf~f'flt/.lun(1, 1931; CRISCUOLI,

La d i.cruionolilu. "di. (wn~ilm i collihuio"oli, io A,,"oli ddlo R. U"jl!. di Perwgia, ano 33.°, 1921, série 4.· ; KUBElf, Hanplprobleme cit.,_ págs. 245 e 8egB. e 440 e segs.; e W. lIERK, Ver(o .. w"g"ehwl., 1935 ..

\I

exercício pela lei. . .este prinoipio da suhmisslo à lei por­parte da Administraçfi.o é o fundamento do Estado de Direito moderno ) I , É o que na literatura jurídica se

1 Cfr. T UOAU., ob. ti!., pág. 204. Também ScHBUN&R, oh. ti!., pAgo 71: .A Jurisdição e a Admini stração lIio da mesma maneira ex~ cução da leio; W. JI':l.LINEK, VrnvallunD.neh l, cit., pág. H: • .. . pre­gu nta-s6 se e:!dste e qual 6 a diferença enlre 08 poderes do Estado. ~ coiss assen le que a relação enlre a Legislação dum lado, e a Jus­tiça e a Administ rAção do OU lro, 6 sem dt\vida a df' uma supra­para uma Infra-ordenação.; FUINER, ob. eit., pâg. S: . Eu el Estado de Derenho 8010 S6 concibe una Admi niatraoión con forme a la ley.; EOUARD J ÔlIIl, Di. tllrfD(llf""D'Il~richUiehll Ueberp rilf"" u du aami­ni,lral iuPl E""UUPl5: . 0 Estado de Direito encerra a totalidade da vida estadual, o com eia lamuém a Administração, 80b a alta VOD- '

tade da leio. Ainda no mesmo sen tido, entre 011 alemiUs, KAll F.\lA.l·IN,

no S leIlQtl·Plfi.eh'lflllPlPl Warle,bweh du $Iaa"-wnd V" wall,mQ" reeM, 1914, lU, pAgo 696; Orro MAYBn, 00. cál., pAgo 102; flKRRN RI1T,

G,undleh,~n du V~.walhmQ.neh l" 1921, pág.l 8 lIegll.8 23 8 segll.; KIU..sZN, AlIgllPleiPle SlGal.,·tch/. lrh~" 1926, pégll. 2:n e segll., e ob. eil., pég.491; ' nóS oremos que, m(lderllamente, dum modo espeeial squela psrte do executivo que não é jurisdição, ou seja li Administração em sentido estrito, devo ser olhada preferentemente como uma mera realizsção ("h ufüh,wnQ) da leio; e, desde alltlgo, BERN.4.TZIK, 00. eil., pAgo 37 e aegs.: _uma exeeução da lei 6 lanto li. juri sd ição como a Admi nistrAção., e especilllmente TEZN8R, om tOdas B8 obras citadas.

Em .França, confira por todoa DllGll IT, 00. e 100. ci!., e C.4.Rut DI!: l IAL.B8 RO, CON(ron/alion, cil., pAgo " e segs. : _ •.. toul ce qu i n'e!!t pas legisllltir doi l, du moins, Alre 16gal. c'eat·à·dire, raU en \'ertu de la . \'OIOn lé genérale ou ex·lege •. Em lIAtia, Z.4.NOBINI, Co,.o di di,illo omllliPli.lrotivo, 1936, I, pAgs. 21 e segs.: . Mentre, rispetto a i aingoli e alie persone giuridicbe privale, la legge i:l volonl à externa e Iras­cenden te, per lo Slllo e88a rappresenll la sua slessl voloolA: volontA, interna ed immaneole . ; L'all iflità alPllPlil1 i,',af,~a 8 la " QQt, in Rilli,/a di Dirillo Pubblieo, 1924, I , pAgs. 881 e segs. Em sentido a lgum lanlo diferente, em ltUia, ltAN'NELETTI, PriPlcipii di diri/lo alPl",ilti,'ra/ivo. 1917, pâgs. 268 e 272, LA guannliQie dslla fliw. l i.ia Ple/la pubb/ica alllmiPli.lratione, 5.' ed., 1937, pAga. 27 e segs.; SANTI ROMANO, CorlO di diri/w alPltlliPlitlralivo, pAgo 3-' (1930); F. C .... MMEO, Cor.o de diri llo Gmmini.lralivo, 19i.f, pégs. 28 e sogs., etc. Em seolido, porém, abso· lutamente oposto, \'or. L. R.4.00 1, li polire difcn.eional. , la (aeullà­r'Qolalllenlarej A. DE VALLES, 1 fe rviz; pubb/iei; LABAND, SIaaur u:ht d. d. Rsieh., pAga. 199; ARDNT, Da •• db.tândiQ' Vt rordnunQlrtcht, e~

acima de todos UÂHR, ob. d I ., pAgs. 52 e segs.

12

~h'8ma o princípio da. Administraçl0 legal- geaetzmlUlt'le Verwaltung, ou rechtlstaatlio/i.e Verwaltung I , Em suma, o

·conceito de Estado de Direito na ciência do direito admi­nistrativo é útil, enquanto ' nos' fornece, como Bua determi­naçllo própria para esta ciência, o (:onooito de Administraçiio 'legal ou duma qesetzma88ige .Verwaltung.

E o problema põe-se agora com clara acuIdade: depois do que fica dito sObre os conceitos de Estado ' de Direito como expresslo conceitual de Estado moderno, e 'de Admi· nistraçAo legal, lcomo se poderá continuar a falar de poder d iscricionário?

O que se segue visa exactamente a explicaçlo da exis­tência de facu ldades discricionárias na Administração, assim

. 'como o esclarecimento do problema da noç§.o de «discricio­Daridade~. A justificaçAo de incluirmos os dois problemas num único número resultarA de que, em teoria, na nossa

-conElruçlio, êles se omcontram muito próximos um do outro.

I crr. KELSt:N. IIo.uplprotllent!, pAgo 511 ; FL.EII'IKlI. bUllil,,'ionen -dei de" l.d,elt Verlto.l(1lnq.ruhl •• 1928,pé.g. l30 e ed. espanhola. pAgo 107, · onde inexpressiva mente, ou melhor, incorreclamente. aquela e:lpres· sio se verleu para . Admln istraci6n reglada., Que correspoode a . Bin­

-dung der Verwaltung •. SObre a diferença duma e outra 8:lpressOes. veremos adiante; mas consulte desdejA JOHR, 00. cil., pAgs. 45 e "8.49;

·e MBRK .... 00. cjl., pAgs. 157 e segs.

Il

A justifi cação ç a noçAo do poder discrfclónári9

1 - Logo 8 partir do momento em que "na realidade da, vida jurídico-polftica, se- procurou instaurar aquilo que o. liberalismo jusnaturalista jdealizou como sistema de protéc­ç!o e garantia dos direitos individuais em relaçlo &0 poder executivo (sujeitando êste poder a . uma nor mlL eminente, s Lei, e assegurando a . observância .,.des.ta por meio de uma jU"isdiçdo, seja ela a dos tribunais ordinários, ou a de tribunais administrativos especiais, oU' simultAneamente de u ns e outros) - a partir do momento em que na vida jurídica S8 instauraram o sistema montesquieuano dadivisli.o dos pod,.. res e a idéa rnuS8euaniana da superioridade da lei (da legis­lação) em relaçlio às outras funções ou poderes estadusis ­a partir dai deixou de ser posslvel reduzir a funÇlo exe­cutiva a uma actividade puramente mecâ.nica de traduçlo em acto de imperativos legais, e dêste modo deixou de ser possivel submetê-la a um completo e total oontrOle juris­dicional. Da! uma hesitaçlio d'o 6rgllo ou órgll.08 j urisw- . oionais encarregados dêsse co~trôle l . Na evoluçll.o jurfdiqa.. da épooa moderna.. pode considerar-se capital o momento em que se verificou essa impossibilidade, quanto às suas oonseqUências na vida jurfdica prática e também, e sobre-

I _Era abaoluta mente compreenslvel que o Conselho de Estado, tornando·ae prõprlamente uma jurledlçllio Independente, tlve88e um Instante que besltar sObre a exteosilo do seu poder., Clr. JiSJ. lf LUDO­VICI, in lJ~t!Ohdio" d, lo. PloUem d, p<ll.twi .. 'di,ercllionPllli .. " 1937 ... plg.l8.

" -tudo, quanto às teóricas, pois veio oferecer à reflexão dos juristas um tort.urante problema I . Por todo o tempo que

· 0 Eslado·Polícia regeu na Europa a vida administrativa, o problema ulio se pôs, e 010 podia pôr-se: esta não se desen­volvia em obedi~ncia a08 ditâmes duma nor~a geral e abs­tracta com eficácia legal, mas sim subordinada à vontade soberana do Principe, aetuando por meio de ordens e ins­truções sem eficácia .. bilateral. (JIlERINO).

Vamos nós aqui, esboçando uma teoria do poder discri· cionário, assistir desde agora à dissecaçlio da estrutura desta categoria do pensamento lógico.jurídico - a lei, a norma-, dando, assim, clareza racional aos motivos da crise do pen­samento revolucionário sõbre o cmonopole exc1usif de la loi ».

Nós vimos que no Estado de Direito moderno a Admi­nistraçlo se dev.e considerar regulada pela Legislação. O órgão

'legislativo formula as directivas da actividade da Adminis-

1 Ta h'ez que a solução da Assembiea Constituinte de 1783, em Françs, de a(ular do conhecimento dos tribunais ordinários a enorme soma das queslOes do contencioso administrativo, seja um resultado, entre outros moth'os correntemente 18sinaladoê (Clr. DUGU IT, Lo .~paralion du poul"Oira d I'Jh .. mWÜ National. d. 1789, In R~l'u, If&onomj. Poliliqu" 1893; Trail~ d. droit ecNttitulion".t, 1923, 11, pág, 516; J. LAPFKRR IERK, Lu rai.o". d. la p. oclamotiOl'J dt la rigl. d. la uporatiott d .. autoriU. adminitJratit·,. fi judiciain. par I' An.m· blul ecn.tituant., in N~lanfltl Paul Nf(J N/ •• ec, 1935), da constataçilo emplrica da impossibilidade de redu7. ir tOda a administração ao cumprimento estrito e total da lei. Os tribunais poderiam - e have­ria que temê·lo - iotrometer·se, a tHulo de julga r a Administração nas suas rolações oom B lei, naquele domlnio que se pressentia mas que se não ousllva ainda dennlr, onde a Admin istração nio estA, porque não pode estar, ligada a Imperativos legsia abso lutamente determinados (para mais, naquela altura em que vigorava incontras· tada a teoria da Interpretação literal da lei-MoNTESQUI&U), Porque, naquele momento, uma denn ição suncien temente clara dos dois domínloa era ape!l18 IlfeSSentid!l, a Assemblea - mais que por con­aideraçõesdoutrináriaa(aplioaQ40da doutrina d. aeparação dos pode· reI de MONT&SQUlEU, razão dada por exemplo por AuOOO, COftf~r~"u • ... r I'Ad",jttjalralion ., I. droil admj,.i,'ra/i(, 1885, I, pãg, 56) que no fu ndo le inspiravam nas melmll8 ralões prátiCIS- adoptou uma lolu­

-9i10 radical, se bem que empfrica : a inalndlcabllldade da administra,

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tração. Essas directiv8S elio tlOrtllal. Ora, existem limites naturais, limites lógicos, no que respeita. à possibilidade de regular tMa a vida administrativa. Na norma jurídica há necessàriamente uma enumeração de «mdif6e' tU fachJ que elo, como condiçliea de aplicaçlo da norma, a t11tima juati­ficaçlo da nllo arbitrariedade deB6ll aplicaçlo; quere dizer, alio a razlo da sua própria «normatividade.. No caso da actividade administrativa, a norma ó antes de mais dirigida como comando a08 6rgios ou autoridades que constituem o elemento pessoal da grande corporação designada pelo nome de Adminulração. :esse comando é sempre um comando de aqir, positiva, ou negativamente. Nisto se distinguem as DormM de direito público administrativo das normu de direito privado, dirigidas aos indivíduos como particulares, que s6 exoepcionalmente representAm para os destinllU,rios

çlo por uma verdadeira e pr<iprla jurildiçio (leis de22 de Dexembro de 1789, 8 de Janeiro de 1790, 16 e 24 de AgOsto de 1790, 7 e 11 de Setembro de 1790, 7 e 14 de Outubro de 1790 e 27 de Abril e 25 de lIalo de 1791). ·VAssemblée constituinte ne voulsit pas que l'au­torité sdmlnlstrative pOI !ltre dlrigée par d'autres ' qua pa r alie . (Aucoc, ob. til., vol. cil., pAgo 4S8). Quando em França se In stituiu, com o andar do tempo, uma " erdadeira jurisdiçlo, dita jurisdi~i1o administrativa, ° legislador recusou·le sempre (erro E. ). AFKRKII:RK, Trai" d. la jwridit:lioll adllti"ujrldlH ri du rttOllr. oolttflttift/2C, 2.- ed., pAgo S, I, 1896) a definir o que entendia por matérias contenciosas, em oposiçio a matérias nio contenciosas ou gracioslS, li a ruio foi que essa distin~lo era extremamente difrcil, apenas ent revista. E o deputado OD ILON BAR ROT, traduxi ndo o aent ir do tempo, declarava, perante a Câmara doa Deputados, em 27 de Feverei ro de 1845, que e ra Aste -o mais vaato probtema que \lh'ex le tenha apresenlado nio a6 ao legislador, maa aoa publlciatlil " _um problema que se nlo resolve lenlo em nllaçlo a cada queatão, pelo senso in limo do juit., pela nllurua, que infinita mente 18 modiflu , das con testações e dos Iitfgios adminlalrativos •. (Cil. por E. LAFl'tRRIKR&, ob, til., vol. cit., pAg.4). Aninala com muita precislo a .Iese revoluclonAri., segundo a qu.l a lel6 bl8l.n le para tudo" CAIIRt DE MALBI:RO(COII(rOldalio,," cit., pAgs. 77 e SOgl.), assim como o poaterior e progrosslvo protesto dCHI factos contra eata . virtude transoondenle.,êste .monopóllo exolu· sivo . da lei, firmada numa concopçio . qui faisait oolnclder lo drolt 1V9C co qui tlt edict6 par 101 lols>.

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uma obrigaçlo de agir, quer positiva, quer negativamente. Ninguém tem obrigaçllo de contratar, de dispor por testa­mento, de exercer o seu direito de propriedade li quando um particular deve agir, realizar obrigatoriamente um par. ticular complexo de interêsS8a alheios, devemos crer que Me realiza uma funçlio especificamente pública'. A essência do­direito privado está na autonomia da vontade dos respectivos sujeitos; a essência do direito público, do direito adminis­trativ,o itt Bpecie~ está na obrigaç.ão para os respectivos agen­tes de realjzarem os interêsses que 8S leis lhes entregam para que dêles curem ' . ..Atinge êste fim, fundado nesta

1 <- Valerá esta aflrms(:ão para os chamados direitos de ra mflia ? Quere dizer : ;'8110 08 direito! de f.mflla di re itos pri vados? Parece diflcll aflrmi-Io, e a razão esti em que a maioria dos institu tos do di reito de famma não são verdadelramênte institu tos de direito privado, são an tee ins titutos de di rei to !'it'iblico (excluldo8 segura­mente 08 direitos de tamnia patrimoniais) que t radicionalmente são­estudados pela ciência pr.ivatfstica, cleade uma época em que o direito pOblico, como ciência, não estava conati tuldo. 'Não é 86-neste dornfn io que 8e veriflca a intromiaBio da ciência do direito ' privado em domfnlos que teõricamente lhe são vedados. Cfr. Cleu .. Il dir il/o di F/)miulia, 1914, pAgo 2~; .11 diritto di famiglis li da parai aceanto a i dl ritto pubblico, e non ai di ri tto privato; poichb' anche in eBSO II escluaa la Iibertl deU individuo di porre e perse-guire flni propril,.. '

I Pode acontecer que nem por i8S0 adquira a qualidade de' ó'ulio da Admio i8traçi:lo, no sentido que esta palavra tem na literatura­jurfdica italiana ,. e que se trale apenu de um PfI, tiClllfl , a quem­incumba o n:erdeio de uma função pt"lblica. Cfr. ZANOHINI, L'u~r­eirio prit(llo ddle (v"tioni e dei u't;ri pvbbliei. in Primo Tr(lllfltl)< eotltptdo di Dir illo Ammini,'ralito 1I(lliono, de V, E. ORLANDO, \'01. Il .. parte 111, pAg8.105 e 8eg8. • -

S í'.ANOBIH' , rala (io L'(I/lirli,à am,"i .. i,/ra/it(l fi Ir. I"uuf, cit. .. pig. 390). como .tzdllflito dos entes ptlbllcoa . de .. uma obrigaçio legal de prosseguir 08 próprioll flns •. Crt. também POlllPKO BIOHD' , La I"oria gen,ral. della di.ernionalifà "~lfa dol/,in" ' delta 510/0· moduno, in NlIo!;, S/lIdi . di Dirillo, Econo,"ia fi Pollliea, 1933, IV,. pAgo 359: ·onde existe uma obrig(lç40 fixada pelo legislador, ti quer seja o destinatãrio um p.ar ticular ou um Orgio, n inguém pode duvi­dar de que se trate de direito público.. R. RESTÁ, L'oller. di bKOn(lo amminid'lldon~, extrato d08 Se,iIIi l1illridiei in Ollore di Sflnli Romano,.

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"norma:t, Não sem intençlo di.zemos que esta é a essência, quere dizer, o que há de irredutivel em qualquer Dor,ma de direito administrativo: esta supoo sem pre um agente, um órgllo, e atribui· lhe uma função 1, ou seja, atribui-lhe alg uns

1939, pAgs. 12 e segs.: _I 8ctivldade administrativa nunca é pUra­mente Ueita, mas essencialmente jurídico.fln a l, viato que a vontade que lhe determina OI! flos e lhe impOe a consecu8sào necessária e 8specIHc8, (, li vontade do legislador. Umll vez demareado o fim, nasce para a Admini stração pt'lbliea o dever de o atingi r •. Cfr. tam­bém S"~I ROllfA.~O, Con o d, Di, illo Co"illI,ioRa l~. 4," 00., J9SS, pAgs . 7 e saga. No direito privado há também, ao lado das normas puramente dispositivlI.$, aplicáveis a re!açõ<:s que podem ser di\'6r­eamen le reguladaa pela vootade pri vada. normas obrigatórias, ditaa de inter6sso e o rdem pObHca, mas em que l odatria Hca à vontade dOI particulares a fa culdade de ocas ionar um faoto diverso, ou uma diversa ai tuaçio, e, oomo CQ>lUqllbICi", uma diversa reg ulação. Cfr. EHRLlOu, Da. tltl i'IU '>ld. "nd lIicht,,.,i"U.,,d. R~cht, 1889.

1 Fu!.llu:R, 00. cil., pig. 76, dil que um ó rgão ou cargo pdblico estA limitado pelo diroito pOblico ao ol rou lo de negóolos do Estado que estão agrupados numa unidade técnics. W. JELLI NEK adopta quAli as mesmas expressões e fala de um .Kreis '·00 Tiligkeiteoa, conHadas a um órgão, singu la r ou colectivo, o rgan izado numa uni· dade - <organisatorische Ein heit •. Cfr. 00. cit., pAgo 347. ;\Ias 68te cIrculo de acth'idades 6, por SI:!U turno, limitado; constitui para o ó rgão um poder. ou, Jle se q uiser, um direito, mas um direi to que é também um de,·er - .eio Roch! und eine Püiich t. - Cfr. KARL v. STK..'!G EL, io úhrbllch de. dtllt.dtll Vult1fJ/lllllunuhl" 1896, pAgo 165. Esta idéa é também coDugrada por KEL8KN (Hallptprobl~m,. cit., pâg. 4fiO), que apenas ressalva o carActer teleológico, ou reaHstico, não jurldico portanto, de tOda a definiçiio qUI:! fale de fin s, interêsses, acU\'idades. Para ê le, como se sabe, o fun d lllllen lal é a norma, . der Rechtssa lz •. Mas contra Kt:LSRN, com a generslidade da doulrinll, aceitamos R solução que redu nda em colooa r o fim ao Isdo do poder e de'·er, como e lemen to da conslrução dos co nceitus de órgão o de competência. Um gru po de In te rêssell de terminados especif!.cada­mente como poder e como obrigação COII~ ti lUe uma fu nção, &

enquanto at r ibufdo a uma pes80a ou conju nto do pessoa.!! que lêm obr igação de o realizar, forma uma unidade orgânica, um órgão em sentido objecti\"o. Os fin a fu ncionam aqui como princ'pillltt i>ld ivid" atio"i,. ~ 6ste um tipo de construção jurldica, onde se lem de faz er recu rilO a elementos formais (norm as), como a elemen toll aubstallciaia (Hns), tipo a quo aliAs alude o próprio KKLSIN; .eslieg l

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;ntert88es 6spec{ficos, um ou alguns fins CODcretos, uma ou algumas actividades determinadas. Interêss6, fim, actividade. seto, alio termos que se identificam, e são a matéria que a norma de direito circunscreve e individualizEI. l,

Ora bem. Esta soma de funções, de fins, que a lei atri­bui a cada 6rglto, marca as situações de facto em que êSS6S

órglios devem agir I, Se uma norma, por exemplo, designa o Governador Civil como competen te para emanar 8S pro­vidências necessária.s para manter a ordem e a tranqtlilidade pública e fazer reprim.ir 08 setos contrários à. moral e à. decência pública (art. 3õl.° do Código Administrativo), essa norma "marca uma das atn"buJçõea do Governador Oi vil, uma parcela da sua competencia; mas ao mesmo tempo marca 8 S

oondiç6es defacto em face das quais a autoridade referida deve agir. Essas condiQÔes, no nosso exemplo, serão: um turba· mentodaordem ou tranqüilidade pública, ou previsiodêle, um acto contrá.rio à moral e à decência plíblica. Ora, se as coisas sucedem dêste modo, ou seja, segundo o princípio da cgesetz ­massige Verwaltung., a lei assim como nii.o deixa em nenhum caso de marcar as atribuIções dum órgão, assim mesmo não deixa de aludir às situações de facto, à. verificaçio das quais

hie r dorselbe Typus juri sliseher Begritrs bildung \'or, der 8ich aIs Verquickung des forma len mil dem substantielien Elemen to cha· rakter isiert •..• (pAg. 0I 56).

1 crI'. J ÔUR, 00. eit., pig. 37, MASBI)!O S. GIANNINI, L'inlerpn ta· fio ... deU 0.110 Ilmm;nitlnJlivo t la leo~ia (lill~;r1ica gmem/. de/r inter_ pntafio",e, 1939, piga. 261-262, AU;SSANORO L~" I , 00. eit ., pága. 98·99, e fin almente W. J!LLIN8K , Gne/e Cil., pág. 77: . Zweck bedeulel so viel wie Aufgabe, Geschliflskreis, ZUSllindigkeit.oo.

t crI'. DUOUIT, TraiU ci t., 2.- ed., pig. 772, onde se fala, em idêntico senti do, da regra da .especilllidade das habilitações, . OARnfc DIt ~IALBflRO, oh. d t., pág. '8, a ftrma que Oflla regra implica a precizaçào por pa rte da lei duma habili taçiio, ou pelo menos das um/lla/idade, na pre\'isão du quais os poderes concedidos na realidade o são ,. E, pig. 51, o poder executÍ\'o . é um poder cujas in te rvençõe8 e aClOS necessitam de hab ililaç0e8 especiai8, isto é, Iimilad88, quer quanto" maléria a que se pode referir o acto, quer quanto 18 medidl9 que terá compelênela para adaptar, quer pelo m8fto. qual1to às circuns· tâncias por ocasião de cuja voriftcação o poder poder! ser exerci tado ••

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'fõe deve ligar o agi!' da. Administração. A actividade da Administraçlo é uma. actividade de subsumpçlo dos factos da vida real às categorias legais. O Administrador realiza uma função neste ponto de todo em todo idêntica à do juiz {V. supra, n," 1). A grande massa das disposiç5ss de direito privado, na medida em que estas são dirigidas ao juiz 6 lhe enunciam 08 pressupostos do seu agir, nlio é mais que uma série de comandos públicos, nlo é mais que direito público 1,

Eis, pois, o que a lei nii.o se esquece mais de indicar: 8S condiçl'ies de facto em que a Administraç!o deve agir. O agir da Administraçllo está sempre ligado à verificação de determinados factos ou situações a que a norma adminis· trativa alude.

E já vimos que estes factos, a competªncia e os fios ou atribuIçóes da administração, 85.0 essencialmente uma e a. mesma coisa', Sli.o formas ou modos de ser duma. mesma rea­lidade, ou dum mesmo conceito jurídico que se costuma divi­dir e subdividir, quási se diria para obscurecer obstinadamente os problemas do direito administrativo, E diga-se entre parên­tesis que é por isso que se pode constatai hoje que tôda a <:lássica teoria 'da estrutura do acto administrativo, que dis­tingue neste fases ou momentos diversos, tal como foi ·elaborada pela doutrina sobretudo francesa em face da juris­prudência do Conselho do Estado, está em crise. Os mais conhecidos autores do direito administrativo francês denun­ciam a g rande incerteza, o marcado empirismo (derivado especialmente da introduçli.o do psicologismo na construçlio da leoria do acto administrativo) que tem presidido 8. cons-

1 .0 direito civil contóm uma determinação de direito pQblico. A regra de direito civil tem sempre dois efeitos ao mesmo tempo •. -err, Ü'M'O MAVF.R, 00. t t;o l cit., pAgo 102 e segs.

2 Esta correlação entre fim e condições de facto, apercelle-se tam bém em SOHlI:llN'ER, 00. cit., pág. 85, em STAM:IILEII, Theoris der Red.t''''i,ult.cha(t, pAg8. 326,609 e 620, onde as condições ou pressu­postos do facto do tomadas como. Verkõrperungen und ais Aus, druck des Zweckes •. JÕIIR flll 8 (ob. d t., pig. 212 e scgs.) da .Ver­kettung von VOr808lletzuog und Zwack einer Handlung . , entre os quais _aine direkte bl(lrifflich. Deziehung be8lehh.

2.

truçAo teórico-jurídica da estrutura do aeto administrativo. Um chama causs ao que outro chama fim ou motivo, outro competªncia ao que aquêle chama motivo, outro chama mo· tivo aos antecedentes de facto do Reto, outro ainda dá. êste nome a considerações irrelevantes tidas em conta pelo­agente ... Mas ê, que é a causa, que é a competência, que é o objecto, que é o fim, que é o motivo?

A doutrina francesa, representada pelos nomes de HAU­

RICU, DI,l'QUIT, J t.ZE, BONNARD e R toLAD&, além de outros, nio dá. resposta concordante. No entanto: o empirismo é um& intulção da verdade, e assim. temos que: 1) D UQUIT diz a ver­dade quando afirma, em h'armonia com o nosso ponto de vista, que os factos materiais sito as condições legais de emissão dss decisõesj quere dizer, reconduzem- s8, ou sio uma Cace da compeMnct.4 ( . .. ce sont les Caita existant8 qui déterminent l'étendue de la compétence - TraiU, u , pAgo 400); 2) HAU' RIaU suetenta a nominatiuidade da actividade administrativa. A norma que atribui uma competência marca a causa ou' motivo de Cacto e implicitamente a categoria legal dentro­da qual o acto deve caber, o~, ao invés, a categorilt, a que· só pode corresponder uma determinada causa. Esta uniito de causa e categoria não é senio a uniito, identificaçio, entre o facto e a competência, entre o facto B a atribuição; 3) J:izE,

no seu ES8ai à'une thMrie génêrale sur l'influence des »10-

ti!s déterminants BUr la validiU des actes juridique, en droit· public trançais (Réu. Dr. Pub. , 1922), considera as condi· ções de facto como o motivo dos actos administrativos. l cQu'est-ceque le motiC déterminant?-pregunta êle. cCesont les considérations de fait ou de droit qui poussent un individu à accomplir certains actes juridiques~. E, em direito público, o motivo determinante nllo é deixado à. livre determinaçito das. partesj é precedentemente determinado pela lei - o que condiz absolutamente com a nOssa co nstrução; 4) R. BON­N ARD (in Le pouvoir discrétumnaire de, auloriU, adminis­trative! et le reoour8 pour exces de pouvoir, in Rev. de Dr. Pub., 1933, pAga. 836 e sega., eLe Conlrôle ;uridictionel de l'adminiBtralion, 1934, pAgs. õ6 e sega.), sustenta que ca exis­tência e o objecto de tôda a actividade sito e88etICialmente·

" <condicionadas pelos motivos que slo a base deeta activi. dade ... ; se em conseqüência da existência de certos moti­vos, uma certa Rclividade ss produz, esta actividade &erA e deverá ser aquela que impõe em si mesma ou Das 8U8S

modalidades 08 mot.ivos que estio na sua base. Noutros ter­m08: co certos motivos existentes, deverá t:MTespondsr uma cerla ·dada IJctividaàe 6 ndo outra_; 5) RtoLADE, na Rev. de Dr. Pub., 1933 (Du préteMu contróls ;uridj/ltionel de l'oppor­t",nite en matiere de recour, pour exUB de pouvoir, pAgo 413), sustenta, como DUOUlT. que a existência do motivo é uma daa condiç&s tine qua non da existência da competência, e isto por virtude duma cregr& racionah.'

Ora entre a norma e a situaçllo de facto, entre a norma e a realidade, interpõe-se o agente, que, lendo-as a ambas ante si- a norma e a 8ua enunciação dos faotos, e 08 faotos mesmos-está. pOsto na necessidade, no dever, de tirar a con­seqüência, isto é, de agir, de praticar êste ou aquêle seto. Em direito público o aoto funciona como conseqüência jurí­dica (Recht9íolge), enctamente porque é obrigatório. Por sua vez, a norma é obra de um leqialador, e seria insensato negar que a êste legislador é impossivel, material e logica­mente impossível, para muiUssimas hipóteses, transmitir ao agente mais do que ordens e enunciar os factos com con­ceitoB de carácter em certa medida vago e incerto, de tal maneira que o agente ao executar essas ordena e interpretar êasea conceitoa deve fixar-ae, devendo agir, em uma dentre várias interpretaçl;ea p088Íveia dêstes últimos.

Aquilo que o agente deve fazer está prescrito na norma, invariAvelmente-cdas cd4a. musa stets im Gesetze zu findeo -fiSin Ij kann der Staat nur cwollen . und handeln was in der Rechtsordnung st8tuiert iat " das Staatsorgao setzt oie­mais die Zwecke, die es mit seioer Organtãtigkeit reali­serh ' - e é s6 sob eata condição que determinado seto pode ser imputado ao Estado, ou, mais precisamente, A Admiois-

1 KELSEN, Ha .. plprobl'Itt. cit., pég. 492. Idem, pAgo 499. Idem, pAgo .99.

" traç!o. As condições de facto que a norma. aponta, 85.0 pois as. condições de imputabilidade (Zurechenbarkeit8bedingungen - KF.L8EN, J ÕHR) de qualquer &eto à Administraçãoi são o mínimo exigível para que um aeto à Administração se im­pute I, Ante estas condições que vlto sintetizadas no con· ceito geral de competência e designam o próprio conteúdo da actividade administrativa tal como a ordem jurídica a delinia, o agente desenvolve primeiro uma. actividade inter­pretativa, e, vist.o como a norma realmente, por impossibili­dade lógico-natural, Dio consegue tudo regular em forma absolutamente especificada e detalhada, a actividade inter­pretativa. do agent~ administrativo, socorrida de todos 08

meios que indique uma correcta teoria da interllretação das leis administrativas, chega a um ponto em que nlio tem mais que verificar a incerteea da vontade legal (Ungewissheit über den Gesetzesinhalt) ' . No fim de contas, decorrido o processo interpretativo, fica sempre ao órg!loum campo circunscrito de liberdade quanto à determinaçAo da sua competência, e por­tanto também do conteúdo do seu agir, A interpretaçll.o defronta-se com duas espécies terminológicas e conceituais: conceitos de significação definível , e conceitos de significa" çlo exacta indeterminada I, Estes últimos são mais correc­tamente designáveis por conceitos cplurisignificativosl­cmehrdeutigel -, pois comportam um número limitado de· significações igualmente possfveis, e nito um número inde­finido delas. Saber até onde vai eS8& liberdade, é questlio a tratar mais adiante, assim como a determinaçlio do con­ceito e da substância da mesma.

Nilo tratamos de saber se, dum ponto de vista de poli· tica administrativa, essa liberdade é ou nlo desejável, se o

1 Clr. J ÔH R, 00. cil., pAgo 38. I SCIll~tlNgR, ob. cil ., pAgo 73: .. o legislador não limita a·

regulamentação em fu or do órgão, mas procede à regulamentação tio insuficientemente que a sua interpretação olerooe especiais difi· culdade! ... •.

S . Beatimmte uml unbe!timmte Begritre •. Clr. W. J.!LLINEI4 ob. cit" pAgo 30.

os

legislador deve substituir à sua a apreciaçlto da Adminis· traçA0', Nós encaramos aquêle Estado (que é precisamente o Estado de Direito, onde vigora a Administraçio legal), onde a determinação dos conceitos jurídicos se mistura em maior ou menor medida, por variadas razoes extra-jurídi­cas \l, com conceitos de significação indeterminada. Há, porém,

1 PRESUTTI, (1/). cit., sustenta a existência duma discricionafi­dade dita pllfP. para os CIIS08 em que não exista uma norma juríd ica a regular a actividade da Administrado, diacricionaridade 6sta (pAg. 16) que seria conatu ral 80 organismo estadual, enquanto a discricionaridade cha mada Ucniw (que se verifica nos casos de normas Impreoisas) seda um instituto histórico, contingente, não ainda elimi nado, mas que tende a restringir-se cada \'ez mais, qual­quer ceisa cerne um resfduo do Estado-PoUcia. Para nós o conceito de diacricionalidade pura, n08 lermos em (Iue o delilJia PRESUTTI, não tem correspondência na rea lidade. Não existe, nem comO' 'IOr»lul, nem CGffiO u~pciomsl, uma actividade administrativa li.".. de qualquer norma jurldica. HaverA, necessàriamen te, ao menos uma norma com conceitos imprecisos, mas impreciSG8 dentro de certos limites jurldicos. TOda esta teoria se recondux. àquela con­cepção da Administração que nós refutAmos, e que cGnsiste em compBur a aClividade administr8liva à acti\'idade dos indivlduos, IiHe de normas jurIdicss, "erdadeiramente HulónGma na criação dOH seus flna, na mesma medida elll que am direito pri vadO' se laia de au tonomia da '·Gnlada.

i Razões e:dra.jurldic88 que se reduzem fUlldamenta lmente a uma: a necessidade de garant ir mais ou menos a Ifu"ratlça jurldica, nu m determinado plano de conformldado com a ju. tiça, ~ 8. neces· /lidade social de harmonizar a segu rança CGm a justiça que regula ou deve regular O' guu de precisão das norm88 jurfdicss, lato diz o mesmo que é gera lmente apontadO' pau justificar o poder discricio­nário: dar possibilidade de maleabilidade à Admillistração, incon­"eniéncia de uma rigorosa pormenorizaçiiG das normas legsis. O nGSSO pGnto de \'ista, porém, é de que, haver' sempre, ain da que 8e nio desej6sse, uma i,ndlllíul margem de discriciGnaridade na execu~ào das leis. Cfr. R. DUIIO IS-RIOII AII.OS, La .. ai,otl de "roil d la orai,o" d'Elalo, d,,», It ,4uime admi,li,'ralif rra,,~ai., in Sludi i" onor. di li'ed~ri~o Camm!o, 11, pAgo 485: til y li. dans loule fonc· tion adminislrative uno pari d'aulori t6 discrótionnaire irróduli· ble •. E lembremos que KI':L8EN' e :\h:nKL. cGnstr6iem o pGder discri. cion6.rio como a "seu.ária di ferença enlre o conleCldo duma norma abslracta e a concrela Bua execução.

um limite para a determinaçlo dos conceitos utilizados pelas normas, além do qual não há. legislador que, em quanto tal, possa ir, sob pena de passar da abltracção à indilJidualieação, da norma abslracta à. ordem individualizada: quere dizer, sob pena de abandonar o objectivo do próprio Estado de Direito.

Se não fôsse impossível, porque contraditório, definir com tôda a precislo e rigor de detalhes as condições do sgir dos órgAos adminil1:tralivos, não se vê porque não devesse o legislador proceder com essa possível precisão, que daria ao órgão a estrita obrigação de, uma vez deter· minada a premissa da sua actividade, agir pelo modo que a lei prescrevesse para todos os casos em que aquela pre· missa se efectivasse na realidade da vida administrativa. Quere dizer: à incontrastabilidade das premissas de facto seguir-se-ia um acto ou série de actos que a lei preveria para os casos em que essas premissas se verificassem; e é, de facto, assim, que a lei procede quando as premissas de facto são de ordem a ser previstas na sua exacta configu. ração. Quando, ao invés, essas premissas não slo previsí. veis em forma incontrastável, ou não slo de facto assim previstas, e a lei, por conseguinte, não pode formu lar ou não formula a seu respeito um conceito que seja, se bem que necessAriamente abstracto, a mais ou menos clara (sempre clara no final do processo interpretativo) configuração pré­via das premissas do agir, ent.fi.o é logicamente necessário que, nos limites da incerteza conceitual, o agente deva fixar-se, êle próprio, numa das várias interpretações possí­veis, e, tendo-a fixado, deva agir conseqüentemente. Dora· -avante-quere dizer, depois da fixação duma interpreta­çlio - até ao procedimento concreto, já nllo é a liberdade que funciona, mas a necessidade '. Donde se conclui que nUa é o

1 Dada a nooeslIAria relaçlo conceitual entre pnrnina d~ (ac/o e fim, uma \·e2. precisado um, fixado estã o outro. E flxado o Hm, os meios para o atingir 810 necessàrismente tais ou tais: .wer einen Zweck erreichen will, will auch 9ie M.ittel, die zum Zwecke fOhren' . Clr. W. JELLINEK, ob. cif., pAgo 77. Por seu lado, Hxada a premissa de (acto o meio idóneo decorrI'! como c:o"nqtl~nci(l Jurldica. V, II UpU.

wze,;o que se es(:olhe : é um conceito que se fixa, quê se elege de ntro de vários possíveis. Suponhamos o caso da mais lata discricionaridade: aquêle em que, na diçAo ordinária, para a realizaçli.o da .determinado fim ou serviço a. Admi· nistraçli.o tem a (acuidade de agir ou nlio agir. A lei dá. umá de6óiç!0 vaga da.s premissas (e fala-se no cinterêsse público", na «moralidade pública., etc.), e, dentro doslimi­tas de comprool!sã.o dêsses conceitos, o agonte firma·se numa ·determinada concepçlto (do einterêsse público», da emorali­·dade pública», etc.), na 8U4 própn'a cot1cepção I. Essa sua. própria concepçã.o serÁ. de ordam precisamente a fazê· lo agir, ou, pelo contrário, a manter-se em reserva-forma ·esta úHima que é também umA. forma de acção, parA. certos ·casos a ún ica id6nea para se atingir o «interêse6 público»,

1 Resiste, pois, a tOdas as criticas a fórmula célebre de BP;R­NATZIK, in ob. cil., pâg. 46: .tua was du glaubst, dasll 011 dureh dl8 ,õtfcn lliche Wohl booingt ist. -desde que se interprete em barmonia com 88 noss9.8 vistas. Primeiro que tudo, tem quo supor'lIe um .pl1blico bem. ou . inter/lsse pllbllco determi nado . dentro de certos limites, e não a categoria genérica e prAticamen te ilimitada do Inte­rêsse pl1blieo. e. s6 nos limites da incartela conceitua l, nOIl limites, portanto, em que o inlcrêsse pClblico, ou fim pClblico, ou simples· mente o .flm. ou o .interêsse ' , não conseguem uma deftniçãoprecisa, ·que o agente tem a faculdade de se fixar soberanamente nums dada sua interpretação e agi r em harmonia com ela. A mesma idea em LAUN: -. .. mas no domfnio do poder discricionário o órgão execu· tivo é, ~lll prdprio, o perito do .interêsse pl1blico. da .sall'sção pOblica., da _razão ~e Estado., e, "o,/i,"ilu ds esfera do seu poder discricionário, 6, por assim dizer, IlIe próprio o legislador. (in Lepou· ,,'(lir diecrtlio""aire,lIeparata cit., pága, 65-56). c rI'. também M ICHOllO,

ob. dt., pâg. 21 onde se fala de um _blanc.seing. deixado li. Admi. ·nistração pelo legisladnr; M. S. GUNNINI, Il polen di,crteiollalll della .pllbblica a,"mi"i,'ra,io"lI, 1989 (pAg. 51 e passim), que fala de .un mar· .gi ne libero •. E Kg/..SgN, Havplproblemll cit., pago 506.,. exprime idên· ·tica idéa, escre\'endo que em certos casos .der Rechtssatz iat eio mehr oder wenlger weitgehencles Bi(ll,kell, dessen AusfOllung glelch· sam der F.xck utlve rkielliert ist., e com precisão, refere·ae BOS

-conceitos cujo conteCldo 6 preciso aigniOcado não são exactamente -determinados pela norma, .sondern notwendig \'00 der 'lIbjllkti_ ..An,chavvIIlI du Or"a .. , abhãngen ••

tal como o agente o concebe, ou-dito de um modo mais gerai-o fim apontado um tanto vagamente pela norma ~ já. concretizado pela interpretaç1io 6ubjeotiva do adminis­trador. Quando se chegou ao ponto de considerar como verificada na realidade a interpreLaç10 subjectiva do COn­ceito maill ou menos vago (em certos limites) dilS condições ou premiss88 de ' aoto postas pelas normas, resulta como necessá.rio, primeiro que tudo, agir ou nlo agir, e depois agir desta ou daquela forma, segundo êste ou aquêle prn­cesso, realizar êste ou aquêle acto administrativo. As duas fórmulas reconduzem-se a uma só, e exacUmente à. última I,

visto que, como sustentAmos, nlo agir, é também agir, (nio auto rizar, é decidir oito autorizar) t. Sustentamos, pois, a necessidade lógica de idontificaçlio dos três campos da dis­criciooaridade - al1 s, quià e quomoào, e rtlduzimo· los à. discricionaridade na interpretaç1io da competência.

O legislador, para S 8 manter tal, tem, pois, que deixar à Administraçlo uma certa margem de discricionaridade. Pode, sim, fazê-la desapàrecer, mas para isso tem de sacri­ficar .. a sua própria qualidade de legislador! Isso é o que nlo viu um dia o cGosotzosrationalismus» revolucio· nário, que interpretou a discriciODaridade sempre como coisa

1 . der Ver\\'a llu ngllbeam le muss handeln •. Cfr. W. JII:LI.I NEK, ob. cit., pág. 166.

• Entendamo·nos! ilullomos o caso de inacçlo resultanto do so tor verificado na realidade, e segundo a interpretlçlo lubjoctlva do órgio nos limites do concolto legal, I premill.a que conduz nece8-&lrlamente l ab81om;:lo; e nlo o caao de na realidade &O veriftcar um ficto que nio cabe em qualquer das iuterprelaç0e8 posslvell da norma, e que, portanto, nlo lollclta qualquer aten\,io do admlnl ... trador, o qual, por conleguinte, so mantém inactivo. O admlnI8tra.­dor, por não estar em tren te de qualquer atitude que 8e p01l11 Inter· pretar como tll)tl do funclonArio, claro que nlo decide aplicar-lhe qua lquer pena discipli nar, ncm decide nlo aplicar. Iha. Mas, nelHOs CIIIOS, niio se pode 1 .. lar de discrlcionarldade, oportu nidade do abstenção: é a própria norma vi nculante, clara, precisa, que nio permi te uma ICçãO.

, 3 Que abrange também a determinaçlo do momento do ema­natio do acto. Clr. G IA!UWH, L'Ílllerp. oh., pág. $5.

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contingente; esta opinilo veio depois propagando-se até· nOS80S dias, de forma insistente, já quando 8. própria con­fiança na omnipotência da lei se desvaneceu.

Estes são 09 esclarecimentos acêrca da justificação do poder discricionário que é possível oferecer antes da deter­minaçllo da sua noç!o. taBa deverll.o adquirir maior fôrça de evidência, à medida que formos debatendo o problema em segundo lugar enunciado.

2 - A norma que atribui a um determinado 6rglio uma fnnção-dissemo-Io já-fá-Io na pressuposição de que esta. função apenas serA exercida quando no mundo dtul realida­des certa ou certas situações de facto se verifiquem. :esses factos, cuja existência o 6rgAo referido deverá ter em coo ta, pertencem a qualquer dos mundos, da natureza ou da cul­tura, da causalidade ou do valor. Para se referir aos pri­meiros, a lei (que é a traduçlio de conceitos) faz recurso a conceitos que lhe slio fornecidos por qualquer daI! ciências baseadas no valor teorético verdade, e que, portanto, pressu· poem o principio causalista, as categorias de espaço e tempo, ou o conceito de número (quantidade). Sõbre estes factos, e sõbre estes conceitos, ao fim e ao cabo, decorrido o pro­cesso interpretativo, não pode existir como verdade mais do que uma exacta formulaçlio. Sôbrt! êles verifica-se uma iden­tidade universal de pareceres, ou, pelo menos, estes são sus­ceptíveis dessa identidade. Slio só êsses os conceitos em que se pode fazer incidir inequivocamente uma concepção idên­tica da totalidade da comunidade, cGesammtanschauung:. . São os conceitos das ciênoias empírico-matemáticas, de con­tornos absolutamente individualizáveis, com valor objectivo e universal. Se a lei recorre a estes conceitos nlio deixa discricionaridade 11. Administraçlio. Pode deixar margem a dúvidas, que, porém, o intérprete tem sempre meio de· desfazer, utilizando 08 processos de hermen êutica adminis­trativa 1. A discricionaridade surge, assim, circunscrita 80S

1 Nio hi, em direito administrstivo, lugar para lac.,ft(J', nem para a cooseqDente integraçio com recurso à eqDidade, ao menos DO>

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o(:onceitoe de val or utilizados na norma jurídica, aos concei­tos pratico. (nlio teoréticos).

Estado de Direito, onde a lei nio pode dei:ur de, ela própria, mar­ear em lôda a r::.;I".oo e amplil1lde a acti'l'ldade da ad ministração. Dissemos que o legislador menciODa sempre 08 faclos em qu e ds\"s 89sentar cada um dos aetoa administrativos que lhes estão ligado! como conseqllêncisa jurldiol8, de formtl que aqueles sio, alsim, pelo nexo que os liga 108 fact08 ou condiçôCs, in divid ualizados pela ordem jurfdica. Uma lacuna, ao m enos no conceito doutrinai cor· rentemente aoeite, nio 6 mais do que um ca80 invol untàriamente não previsto pelo legislador ti necessitando de ser regulado, urna au sência nio querida d e precei to legislativo. Crr. H ECK, Gurl:all'· 11/1""/1 ""d [1I/~n"f'ljur;,prlld," ~, 191 4, pégs. 161·162. Mas o carécle r do di reito pllblico 6 o de - vlmo·lo lambém - obriUar a uma RCti·

vidade (função positiva), e onde, por ausência de preceito, e portanto de previsão do raOIO ou s ituação, essa obrigação não exiSla, então 6 que se tra ia de acVvidade tora do direito pllblico, sObre a qual, pelo ·mQnos ainda não recaiu o sou inlerAsse, o interêsse ou von tade do legis lador. Por isso não existem 'lacunas no di rei to penal (normas penais de incrimin ação, de term inação de penas e causas de ag rna· ção); nem no direi to internacionll- onde os Estados ostiro obrigados apenas para 08 casos em que contrataram ou em que oxista costume- ; nem no direito proces8ual - onde erradam ente 8e fa la mu itas vezeB

-de lacunas para caSOB onde se estA perante a possibilidade de uma interpretação extensiva ou analógioa (a analogia é um processo de i"/l!rprelaçdo: Olr. CAftSELOTl'I, Si"e",a di Dir illo Prou .. "a/e Civil" 1936, I , pig. 11 2 e segs)-; nem no direito cons titucional- onde s cons· IituTção represeota um pensamento in tegral, que cabe ao legislador ordinário tradu7,ir em leie. Lacuna e di rei to po.blico são conceitos antitét icos. Parecem admiti r lacunss no direito administrativo, SANTI ROMANO, Co"o cit., I, pAgs. '16 e segs.; C. VITTA, nos casos em que se não trate do normas restritivas da liberdade, Diritto Ã",,,,j·

"i./ra tim, " 1933, págs. 72 e segs.; ZANOlllNI, Cor,o cil. , I, pigs. 107 e segs.; D'A.U:SSIO, [di/"eio", di dirjllo a .. ,,"ilti.lra/i11O ila/iaftO, 1936, I ,

pigs. 156 e segs.; F. CUIMBO, ob. cit., I, pégs. 315 e sega.; J. C. PISA· t;BLLI, ob. ci/. , pág. 76; MARC'F.LO C.\ln'ANO, Maltlial dll Dinilo Ad",i· tti.lra ti ro, 1936, pAgo 68; ScU!I;VNBUR, ob. cR, pAgo 84. Com a noasa solução convém : W. J&LLINItK, ob. c,t , pAgo 177: ,Der Richter muss imm er wieder auf den eigenllichen Sin n des Geaetzes zurOckge­hen . ; Vllr1!1allw"g,rula/, cit., pág. 147: ' ... glbt es nicht Lncken \'om

:8tandpu nkte des geltend en Rechtes.; FlBINER, ob. ci/., pigs. 45 o .segs.; J ÕIIR, ob. cil., pAgo 130.

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A norma administrativa impõe como dever a. um órglo · uma determinada actividllde que êste fica obrigado a reali­zar, sem pre que no mundo das realidades um Cf:I"rto faoto ou­oondiçlio S8 verifique. A estes factos ou condições do m nndo real refere-se-lhes a 'oorma 80b a forma de conceitos, isto é, de abstracç1l88. Mas êssea factos, e portanto êSS8S conceitos, podem pertencer ou ao mundo dito da realidade empírica, e entAo êsses conceitos, embora Decessàriamente abstractos, podem e devem ssr inequivocamente individualizados, de­tal modo que é sempre teàricamtmte pos;;Ivel afirmar o carão­ter necessário, assertórico, do juizo de 8U bsum pçlo de um deter­minado facto num determinado conceito, com a mesma fOrça. de evidência que tem para qualquer homem uma. lei lóg ica, uma lei natural ou mat.emática. Ou podem pertencer ao , mundo ou sector da realidade contrapõsto a êste, isto é, 11.0 ,

mundd da BetiBibilidade, ao mundo da razlo prática, onde do­mina a incerteza, o parecer de cada um, onde nio existe uma.· lógica de valor universal, mas concepções in dividuais, a-cien- • tificas, subjectivas (individuelle Anlworte), e enlio ajuízo de subsumpçio não mantém já o mesmo carácter de necessidade lógica, de categoricidade 1, Esta diversidade de conceitos, a

1 Quer, portanto, os conceitos teóricos, quer 08 práticos, silo de caricler ab,l,aelo. A discriclOllarl dade nio nasce, como sustonta . a Slu(, ltlheOri" como necesdrJa conseql1Gncia do carácter abslracto do jM' 11'","018, Nesto ostá ou a dlscrlolonaridado ou a vinculaçio, flOn rarmo se trate de uma abltrlcçio tradu~ida em concoltos prá­ticos, ou de uma abstracçilo tradu:tida em conceitos teor6tiC08. O . etwas Neues., que constituiria, segu ndo MBRXL (ob. ci!., pAga. 1<12· -17$) e KI'ILSEN (Twria "",eral. dei E.lado, págll. 301 e sega., e jA, em RaMplprooleINt, pAg. 504 e segs.),. necessária con tribuTçlo Indh'ldual dos órgãos sim uhllneameote executivos o criadores do Direito, oio representa o que tllcnicamente 8e pode chamar poder dlscricionlrJo (freies Ermessen), maa apOlls8 a necesHAria relati\'j(lade e Imperrei . çio de todo o conhecimento hum ano, que, executando uma ol"dem, ou norma estranha, tem que a fn8r próp ria; . Wenn man daher auch zweksmll.ssigerweise von el nem gebetzlichen Willen spricht, ao muss man sich doch darllber im klaren seio, dlss der Verwal­tUlIgsbllamte, wenn ar ei n Oes81z \'Olllielll, illt Gr ... "d. genommeo nicht nur dem Willeo des Geseb"a nachlebt, ,oNd.rN a NCA d,,,, ,

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\])srfszer aestrutura da norma, nli.o pode deixar de existir, como nRexo dos dois mundos em que S6 divide a realidade à qual a -norma se dirige t . A norma adopta necessàriamente conceitos derivados do sêr e do dever-seri a norma é, pode dizer-se, sêr e dever-ser ao mesmo tempo - da, Recltt ist Salim Uflti Sein I,

Willen. den e,. dIH,1: ffilllr Inlellia",I, uiner Bildl/l'lf1, .ei"l' Obrrrm· """D, de'" Gu,'.' ,ubjrkfil1 tn"ltlllftlll 1101 d{Jrf~" glaubt., .• , erro JõnFt, 011. cil., pAgs. 32 e lIeg8, e também EOllUl'w MU6XR, Der BrlJ,iff d~r Rtehl.qwtlle, in FUfgo.b. (ar PJr.ilipp Hrdc, .VQZ RU"'I­lin. Arlllu,. BnUlo SchIMid', 1931: • Rechtsanwendung iat Rechl88chõp. fung o (pig ... O). As diHculdadC8 reBullam, primeiro que tudo, da impossibilidade de uma . conceitu ação e Cltprss8ão perfeita­mente formuladas •. Cfr. HKCK, ob. eil. , pAgo 20. F': o coeficiente de êrro, aquela .dificuldade. psicológica, ou .complicação., (schwie· rige geistige Arbeit), quo pode sempre exist ir na intorpretaç!lO duma vontade cstranha, nomeadamente na da lei. A St,,(,nlhto­ri, contribui apenas para evidenciar êste faclo, maa ê inoperante na definição do . poder discricionArlo, e ds sua posição no sistema do Estado moderno, ou Estado de Direho. Regeita-se, aqui, a incisi\'8 definição de KI':LflBI'I, na obra tl ltimamente citada: '0 poder discri· cionA.rio dos órgãos do E~lBdo não ê outra coisa senfio s neceSllâria diferença entre o conteQdo da vontade flbstracta estadua l na ordem jurfd lca e o acto concreto estadual na Administração, na execução· . Trata-se duma con tuRio que a pr6pria doutrina germânica jA. notou ent re .freies Ermessen, e • Erme88en. simples, .ErwAgen . , ou seja, aqu ela determinada medida de aubjectiva aotivldade de completa. mento ou intcgração (Ergll.ntungat!tig keit) do tunoionArio executor, ligada à execução da ordem ju rfdica. Cfr. J ÔIIR, ob. cil., pAgo SO.

A Slu(trllhtori. erra ai nda qusndo crê que ontre poder diacri­cionârio e podor ligado n1l0 existe nenhunla oposição conceitual mar· cada(keinen prinzipiellen Gegenaatz zwichen beidl!n)." mesmaobjcc· ção se pode fazer a BER:."ATZIK, enquanto êste fsz coincid ir d, plano d.iscricionaridade (técnica) com indctermina('ilo dos conceitos nor· mativoa referentes IIs premissas de fscto (tatsAchlichen Prll.missen). Por iaso pOde escrever BERNATZIK : '0 poder discricionArlo e o poder

.ligado não silo espécies diferentes de activldade eepiritualo, pAg. 42. 1 EO.lfUNO MUGKR, D.r 8ttJrif( d,r Rtchl.qutllt, in Fe"(lClb •

. (ar l'hilipp /lld, etc., 1931, pAg. 42, fala em .kogniti\·e, rationale und irrationsle, al80 wissenachaflliche un d unwiasenschaftllche Ele­mente . , no conhecimen to jurldi co. • Der Gcaetzgeber ist kein Fana· tiker der Logik., apregOa também a .Tnbinger Schule. (ou da lnte·

.reaaenjuriaprudenz). . , ALFRED ~fANIOK, Nlllbau dt, Prioolredsl" 1938, pAga. 66 e sega.

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QUllndo, pois, o conceito legal relativo às condições-de-facto requeridae para o exercício duma determinada compeMncia, é um conceito prático, susceptível duma série mais ou menos determinada de sentidos entre si difenmtes, estamos no domí­nio da competência discricionária dos órgll.os administrativos. Essas condições-do-facto podem ser, é claro, apenas impIl­citamente exigidas, e nlio expressamente, pela lei. Quando essas condições, pelo contrá.rio, alio enunciadas em conceitos teoréticos (supondo uma .Gesetzlichkeib da natureza), enULo incumbe ao órgiio adm inistrativo determinar exactamente o conceito e os factos, e s6 quando a subsumpçllo dos factos no conceito legal fôr precisa êle deverá agir: a sua competên­cia está vinculada à verificação no domínio da realidade Datu­ral dlJm facto cujos contornos são exactamente os implícita. ou expllcit&mente delineados nesse conceito. É a interpre­taçAo juddica do órgito administrativo que, na execuçlo do direito, disting uirá os dois campos diferentes da sua activi­dade, distinguindo as duas diferentes esferas de conceitos. O problema do poder discricionário é problema de interpre­tação (das Ermessen ist cine Auslegungsfrage) 1.

SObre os conceitos de valor prãtico, que definem· o poder discricionãrio da Administração, pode dizer-se, como BP.:RN ATZIlC. a respeito dos conceitos vagos (c Kalegorien de, teehnuehen Erme8sens, ob. cit., pága. 42 e sega.), mas sem aceitar a sua construçlo, que, oa sua execuçAo existe cum limite além do qual nunca terceiros podem verificar a exac­tidão ou oito exaotidlto da concluslio atingida. Pode dar· se que terceiros sejam de outra opioilio, mas nlio podem pre­tender que só êles estejam na verdade, e que os outros tenham uma opin ilio falsa. I . SObre êles, a generalidade das pessoas não fo rma senllo casualmente o mesmo juízo.

1 Ufr. ScIlKUNEUR, 00. ti l., pAgs. 81 a sap., J ÔHII. ob. til., pAgs. 170 a segs.

S •... e ine Grenze, nber welcbe hinaus Dritte die Richligkeit oder Unrlcbtigkei l der gezogeneo Schlnsse nicbt mehr konstatierao kõnn an. EI kônoan dan o Dritte anderer Anlicht seio, l ie kOnnen aber nichl bebauplen, sie aUei n hátteo die richtige Aoslcht, dia des Andern sei ralach., pAgo 43.

" W. JELLlNEK admite a po88ibilidade de delimitaçlo rigo-­

r osa de muitos dêstes conceitos por meio daquilo a que chama a ccncepção da 80ciedtuk (Aoschanung der Gesellschart), redu~ zindo o poder discricionário a muito mais modestos limites I ,

Mas é olaramente errada esta posiçllo, porque, mosmo que sObr& muitos conceitos nlio teoréticos existisse uma inequívoCA eOD' cepçl10 por parte da comunidade (o que é contestabilíssimo), ela 010 poderia ser Benlo uma norma, um conjunto de concei~

tos, que, por sU,a vez, teriam de ser su\metidos ã interpretaç10 dum 6rgio, e sempre poderá fi car como resíduo um conjunto de conceitos práticos imprecisáveis. Admite W. J J:LLlNEK a possibilidade de precisA0 dos conceitos estéticos, separando·os nitidamente, quanto a essa possibilidade, dos práticos pro­priamente d itos - cauí die Frage, ob etw8s sehr hiisslich oder sehr schün sei, gibt die GesellschaIt eine ziem licb sichere Antworb , (pAgs. 61 e segs.)'. Só no domínio estri·

1 Cfr. aUde cit., pigs. 380 e segs. -O jui:r. precill de uma resposta determinada, s ella resposta di-a a sociedade., pAgo 39 • • A' lei pode remeter tamb6m para a sociedade e querer que valba aquilo que pelo PO\·o li en tendido . , pig. 46.

I A história, e talve:r. ainda mais o tompo presente, dia multi· forme desmentido l a nrmaçio dos \'llores estéticos como va loreB de conhecimento. Nio sio valores de conhecimento (kognllil'o Wertungen), não silo também fenômenos prAticas, no sentido de fenómenos relativos à c:o,. tad, (WiIlensentscheid ungen) : alo lenOme­DOS de emoção. ~ prAtico o valor e816tico, só 110 8en tldo de que nin di :r. respeito ao conhecimen to. Em sentido, porém, radica lmente­contrArio, A. ),IA :iIGK, 0&. eit., pAgo 56: · existem também valofel puramen te de conhecimento, por exemplo, os estéticos>. Indica exemplos na j urlsprudênoia do Q. V. G. alemio, sObre I. aprecil.l:io jllrisdiclonal dos conceitos flfI tétlcos, W. J U Ll NIK, Oenlecll, pAgo 62, A jurispru dência do Co,.nil d'etal, é, a partir dum célebre arrll Gomei, de " de Abril de 1914 (Sirey, 17.3-925)-nola Ihll ltlo u - pola possibilidade de cont rOle jurisdicional dlll' decisões dali prefeitos de Parie em mat6ris do .perspecti vos monumentslee et d08 s itM', quore di:r.er sObre conceitos de ordem est6tics. Ma8, ella Qh imll jurisprudência tom si do oorreota rr:.onte caraoteri:r.ada, na 8ellda do HAUlUOU, como manifestaçio do carActer pretoriano da jurispru­dência daquele tri bunal admi ll iatrstlvo, que control. , um I)()UOO conforme 15 neceuldades do equillbrio entre 08 direitoa da Admi~

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taroente prático - do . bom» e do «mau» - campo de apre­ciações inquestionàvelmente subjectiv8.s, pode assentar o poder discricionário, segundo o autor alemito I , É s6 neste capítulo que a palavra . valor. tem sentido para JgLLINOL.

«Bom, vale tanto como cvalou (\Vert); emal. tanto como co1LO-valon (Unwert). Compreender·se-á agora (não fazendo reparo nos elementos da definição relativos mais 80 pro­blema dos limites do poder discricionário do que à. sua noçlo), a sua célebre definiç1i.o: «poder discricionário é a concepção individual sôbre o valor ou desvalor dum comportamento, formada correctamente, sem atitude faltosa e dentro dum poder de competênciu I, OU, mais concisamente: cpoder discricionário é o mesmo que fixaç10 feita por um indivíduo de um conceito indeterminado, especialmente dum conceito de valor prático, no campo marcado pelos seus próprios limites .. 5. Oremos que, no po nto de visLa rigorosamente jurídico, o' poder discricionário da Administraç.iio se devo estender a todos os conceitos nao teoréticos, e niio apenas

nistração e os dircitos dos administrados, a mora lidade, a oportuni. dade de certas decisões adminislrativaa. O que li o mesmo quo reconhecer que 80 eSIA no domínio do poder discricionário, logo que sc discutsm conceitos de ordem estélica, Entre os comentsdo­res da jurisprudência rranccss sôbre Oste mesmo ponto, rooo­ohecendo o carActer pretoriano dêsso contrÔle, podo ver·se Lgo GOL­UENDRRO, Le Conuil d'E/al jNrJ. dN (ail, t932, pAgs. 230 e segs.; GZOR' GE!! VIlD!':L, Ellai 'Nr la nolio" de C(JU" ell droil admini.lrali{ lran. çai" 1934, pAgs. 64 e 92 e segs,; e H .o\URIOU, na nOla ao arr~1 citado. Mas, conlràriamente, em França sustentam que o Conselho de Estado não controla j urisdicionalmente o poder discricionllrio em nenhum csso, BONNARO, o/). cil.; ROOL.\DF., o/) . cit" eto. Viãe infra.

1 Expressamen te: .nicht die Abgrenzung eines unbeslimm ten Begrilrs scblechlhin macht den Typus des fre ieo J<:rmessenB aus, sOndern in lel:l.:ter Linie die Abgren:l.:ung der llegrifre gMI und ,chlfcl,Io (pág. 89).

! • Freies Ermessen ist d ic vom Hccbt millIusgebUchkeit aus· gestatlete, tehlerfrei zustandegekommene, ind ividuelle Ansohauung Ober den inneren Wort oder Unwert oinor Verwirklichung. (pAg. 89).

S • Freies Ermessen ist soviel alsoi neindividuelleAbgrenzung oines UnbeSlimmlcn Bogrilrs, in ~besondero eines praklisohen Werl­begriffs, innerhalb aeinar Grenzen . (pAg. 167).

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a08 conceitos práticos, no sen tido que a esta eXl)l'ossão dá J ELLINEI\. A tentativa quo êsto faz, para co nsiderar g rande número de conceitos nlo teoréticos como determináveis, delimitáveis, com referência, nio às concepçBos individuais do órglio agente, mas à concepçlto geral da comunidade, a uma communi. opinio, represe nta, seg undo nós, um equí­voco, embora destinado a satisfazer exigências da vida jurídica individualista que postulam uma .régression du pouvoir (liscrétionnairo:t. A verdade é que, 8e a jurisdição administrativa pretende consag rar a legalidade, definindo certos conceitos DitO teoréticos, que fazem parte da 8stru­tura das normas administrativas, à face de pretensas con­cepçBoa sociais unlvacas, no fundo DitO faz mais do que intrometer-se no domínio da Administrat raçlo activa, no domfnio do poder discricionário. Será o caso de uma característica eDoppelverwaltung . (cfr. BERNATZIK, 00. eil., pág •. 46).

A con cep~·li.o de SOHEUNER (ob. cit.), por sua vez, embora forneça preciosa!> sugestões quanto ao nosso problema, espe­cialmente quando o reduz a um problema de in terpret.ação, também 010 esclarece satisfatoriamente o ponto fundam en­tal: o de saber ati onde pode chegar a ioterpretaçllo, até onde será possível determinar sentidos, significaç-Zies preci­sas numa norma. Dizer que o problema do poder discri­cionário é um problema de interpretação, corresponde a pouco mais que dizer (como faz a generalidade da doutrin a francesa, espanhola e portuguesa) que o problema do poder discriciodrio é o problema da distinç10 en tre a legalidade e a oportunidade - tudo estando, porém, em sabAr como se distinguem. E a resposta cont.inua a ser aquela antiga de Mlououn: .há poder discricionário lõdas as vezes que uma autoridade age livremente, sem que a cond uta a seguir lhe lenha sido ditada antecipadamente por uma regra de direito . (00 . oi'., pag.. 10) '.

I Crr. um dos mais recentes estudos da litoratura franceu sObre d nosso problema,de .-\S"ORil: HAURI OU, Wpolftojrdl.e,~lio""aj,. d ,a j ".Ii/kGtion. in .M~/angu R. Carr~ tU Nalbrrg. , 1933:'0 poder

.. Tiio pouco 008 dá a cs~ência do poder discricionário aquela

auLra concepçlio, segl\ndo " qual êsle poder valeria tanto como & ausência de um direito ,ubjeclivo do admin istrado â um determinado comportamento por parte da Administração I ,

O p róprio conceito de direito·,ubjectioo-público é, porém,campo de largas discussões e chega a Bor negado. Se neste assinalar· moa o elemento que tôdas 8S doutrinas julgam essencial à. existência dum direito subj ectivo-no n 08SO caso o 8.IIpecto de pretensiio (Aospruch, Uoch tsaospruch) do particular admi­nistrado a um dado comportamento do poder público, garan­tido por uma norma juddica-será. fácil notar que a esfera do poder ligado nem sempre coiocide com a do direito 8ubjectivo t, Há hugas esferas de poder ligado por normas juddicas, sem que para os administrados exista o direito de

,\iscriclon'rio da AdmiDiatraclo surge· nol como Iquela parto da in iciativa e di independência jurldicls di Adminll traçilo que Dia foi limitada pela lei e pelu reg ra. de direi to " pAgo 237.

1 Nelta orien taçào, al6m do já ci tado B OHL.I!:R, LEIlfAYKR, .4po­l&gtli,~h, Sludi", tU , V.,lNllwng.ge, ichl.oor /ctil, in Grlinhw" Zei/­,çhri fl, vai. 22.°, 1896, pága. H6-447 ; TBZN~R, eapecialmentc DO cscrito .Da. Delow",eme,d de powllOi , w"d di. !Uw/.ch. Rechtlbe_ .e.lltl>trd • • , in JoltrbNch du ~fTntllielll" RIChI., \'01. v, 1911 , pág. 86. Qualquer du obrai dAli tes autores contêm móltlplll interpnltaçÕ81 no estudo do problema do poder discrlcionirio, e melhor leri dizer que aquela queconailte em ideotlHcar .poder ligado. com atribuTçlo la admini strado de um direito l ubjecth'o póbli co. é spenas um IÓ

dOI IBpeelos do seu respectivo pen9lmento . .A88im, TSZNRR tem, na história do problema do poder dilcriciooArlo, importfl.ncla eBpecial, 0 10 Deste, maa em outrOI dOI seus pontol de vis tl.

I err, B ERNAT'.I:l K. in G' iltlltld. Z.il,eJr.rifl, vaI. XV Ul , 1891, pá­g ina 157; W. JILLINKK, Gudt, clt. , pág. 116 e V.,lI:OlIwlIlI'.r.eltl, clt., pág. 2Q; LAlll'f, Da. {reie ErlllUfC", clt .. pág •. 31 e 10gl.; HIRRl'fRIT, 00. cit., pAg. 300; JHÔR, 00. cil. , págs. 59 e segs.; SCHBllNt:.R, 00. cit, pAgo 7ü; implicita mente, B01fN'ARD, IA oo'''r61., clt. , P'il. 51 e segs. Da 6xpoalçlo dês to Oltimo resu lta I não coi ncidênola en tre poder ligado e direi to 8ubjecti \'0, porqye, pa ra êste-e:dstir, roquera-se, (lUm do poder ligado, um interêue partioular: -o dirolto sUbJectlvo nlo eIÍate senlo quando a OO , iQar40 administrativa foi lalllbt", e8tabele­cida em vis ta de certos i,u.,u ... pa,licldaru" pig. 63; M. S. GIAN· Nun, L'i,derp, tttuio"., cit., pig8. 215-216.

" exigir perante os tribunais administrativos a obsorvação dessas regras I, Lratando-se apenas de uma vinculação em vista do interêsse geral. Isto mostra-nos quanto ó absoluta­mente cabida aqui a critica de LAUN', segundo o qual esta doutrina substitui a·final à questlio de saber quando estamos na presença de um poder discricionário a de saber quando estamos em presença dum direito Bubjectivo: eao Stelle der l!'rage, wann freies Errness6n vorliege, tritt dia andere, wan n eio Bubjektives Recht gegeben sei» (Das freie Erme88en, cit., págs, 31-32). No fundo é a nossa crítica fundamental: esta doutrina nlio nos dá a e8sbJcúJ do poder discricionário 3.

1 A 'Ioção popu lar. , DOS pafs6s om que ó admitida, nunca poderá ser considerada uma forma de con tencioso sUbjectivo, quere dizer, traduzir um djrei lo d Itfl(lljdode por parle do admin islrado. Trata-se segu ramente de uma forma de contencioso obiteli'llO, à seme· Ihança da aeção penal pública. etr. R. BONNAttu, lA amlr61e cit., pAgo 71 e sega. 00 mesmo modo, e com muito maior e\' idéncia, n08 casoa de .acção pública admin istrativa •.

2 Todavia as observações do LAUN (ob. di., pág. 31 e segs.) o J ÔHR (ob. eit" pága. 65-56) sôbre a evolução dsjurisprudência frsn cesa que deixou, desde o Rm do século XIX, de e:ll"igir a \'iolação de um dir eito adqMirirJ.o como condição do recurso por excel:lllO de poder - conten­tando-se hoje com a simples vlola~\ãode um in'er"upessoalell.'gltimo (omquanto que, anteriormente, esta distinção entre direito e iuterêsse correspondia à das matérias contenciosas e não contenciosas, do poder ligado e do poder discricionário) psra demonstrarem quo direito e podor ligado não coincidem - são improcodentes; por· quanto, quando anles se falava de direito adquirido, t inha-so om vista conceito diferen te daquele que a doutrina que encaramos considera. Cfr. L. GOLOgNB8RO, ob. ci l. , pãg. 12-1 o segil. A jurisprudência fran ­cesa nio fszia mais do que dar expreasão prática à teoria, seg un/lo a qual entre Administração e Justiça há uma diforeoça fundamenlal: uma .realh:a o interéase gera", outra dooide sObre as <violações de direitos privados,: . die Verwa ltung \'erJngt im loteresse d68 Gemelnwohles, die Justiz entschoidot nber Verletzung \'0 /1 Privai' recbten " Conforme demonstra GOI.nENHSRG, os droilt aequi. eram essencis lmente direitos privados. A teoria a quo n08 ref'lrimos 00

tO:'l:lO, ao falar em di rei to, refere-se a di reitos 8ubjecti \'08 pnblicos. Off, /também BKHNA1ZIK, ob. d I., pág. 1-1.

3 Poderia pensar-se em condoo.!" ao megmo tempo a dOutrina que assimila direito subjectivo e poder ligado e a doutrina que iden-

Aprofundou também muito o problema da essência do poder discricionário e do poder vinculado o j! referido LAUN. No seu ensaio de 1910 (Dal freie .Ermeu en UM ,eine Grmem) o professor de Hamburgo sustentou uma tese que se podo resumir nos termos seguint08. A actividade dos órg!tos administrativos é delimitada por normas, as quais têm um maior ou menor g rau de precisão. Para a execuçAo dessas norm as requere-ae, primeiro que tudo, a sua inter­pretaçAo. N08SR interpretaçlio, porque ae trata do conhe­cimento duma norma abstracta, h! sempre, porém, qual­quer contribulçlio da personalidade do intérprtlte, quere dizer, do órgão executivo. Com efeito, c ... von einer mecha­nischen An wendung des Rechtes kann nicht die Rede sein :. (pAga. 47 a 49). Noutros tormos: a interpretaçlf.o dos con­ceitos normativos, dum modo geral , e portanto a sua exe­cuçlio, post.ula sem pre aquilo a que em alemlto se chama . hlrmessen ' (apreciaçJio) do órgio intérprete. Mas, em regra, nlto se trata ainda .do poder discricionário do órgão, do seu cfreies Ermessen:t. Trata-se de um 'gebundene8 ErmssseD:t (págs. 50) - uma apreciaçlto não livre, vinculada. A pala­vra cErmessen, quere apenas sign ificar que é deixada uma certa margem ao juízo individual do órglio sgentei a pala­vra .gebunden. significa qUI! no entretanto tem também lugar uma vinculação à vontade da lei. O órg!o nlo tem mais do que procurar averigusr a vontade do legislador, ; sua inhmçàtJ. o seu fim, o ,entido e e8pínto da lei. Estea são perfeitamento determinados, nas hipóteses que estamos oncarando - ulie Enl:scheidung ist etets theoretisch ein­deutig best.immb (páge. 00 a 59). Se a norma rÔsse tAo

ti nca inlulceptlbllidade de contrõloj ur ildlciooal e dlscriclooarldade, associando-as, ou melhor, iden tincando-u. De facto, . nlaht jeder unkontrollierbareSllll tsakti st ei n Aktdel treieo Ermellllen8. (W. Ju· LIHKK, autl', cl t. , pAgo 114; Idem LA UN, oI! . cit, pAgo 32); e, 8e o acto 6 incontrolAvel, quere dh:er que nlo hA direito BUbjecUvo a um com­portamento. Mil pode havereontr6le juriBdlcion.1 qUlndo 010 existe direito 8ubjecti vo a 6SSB con trOle: lilo 08 01101 de aaçAo popular e de .ação pObllol ad miniltrativa.

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precisa que DIo admitisse a mínima contribuIção pessoal do agente na sua interpretação, então seria o caso de se faJar de uma cstrikte gesetzliche GebundeDheit~, que, no entanto, não soria logicamente diferente do . gobundenes Ermessen:t (pAga. 61). Uma e outt:0 formam a categoria da "gesetzli. cha Gebundenheit:t, .ou soja, do poder ligado ou vinculado propriamente dito (págs. 47 e sega.).

Casos há, porém, segundo LAUN, em que o intérprete, ou seja, o agente, nlio encontra prefixados nem Il vontade, Dem

a intenção, nem os fine do legislador, ou, mais concretamente, os seus fins imedt"aws (unm ittelbare, Düchs~e Zwecke) 1, e é por isso autorizado a determinar, êle próprio, quais devam ser os fins próximos do seu agir. O legislador deixa então ao órg1io a determinaçlo do que, em cada um dêsses casOl'l, deve considerar· se o cintorêsse público. a atingir, embora essa determinaç!o deva ser feita cen toute co nscience. (nach ihrer eigenen pflioht.massigen An sichi. und ihrem eigenen pflicht· müssigen Wollen). Nestes casos estamos, assim, perante espé­cies que autorizam um poder discricioné.rio ao órgão estadual.

Se o fim é determinado, pode porém ainda restar o poder da escolha (Ermessenswahl) do meio mais apto para conse­guI· lo. Mas neste caso tnta-se ainda do poder de escolher o meio maia apto e melhor. El9tamoS perante um poder vin­culado de escolha, perante cein gebundenes Ermessen . , e nlio perante um poder discricioné.rio, livre, de escolha do fins - cein freies Ermesson l .

Para que haja tfreies Ermessen . requere-se, portanto, que estejamos perante uma escolha, não iofluenciada polo legislador, do fim imediato a atingir (págs. 61 e 62). É esta. a essência do poder discricionário, segundo LAUN.

E lque dizer desta doutrina? Poderia parecer, ao pri­meiro exame, que as esferas do poder ligado e do poder

1 ' Os flns superiores e gere!s do Estado, que cada acto do Estado em últ ima alliUise serve - a conservação e manà lenção do Estado, o vslor das tormas de Govil rlJO, da ordem socisl e da pro­priedade, elc. - deve o órgão administrativo considerá-los como dados defin iti vamente e inalteráveis. (Pág.64).

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discricionário, tais como alio delineadas por R. LAUN, coin~ cidem com 08 campos que nós lhes assinah\mos já. Mas 08

exemplos que apresenta desvanecem esta impressão. l!:ases exemplos e sobretudo a sua t-eoria dos limites do poder dis­cricionário," que adiante aludiremos, mostram·nos que LAUN

está influenciado também por um "GeseLzesrazionalismUSf. Adm ite que se está perante conceitos unívocos, sempre que numa norma jurídica fala de ediligentia diligentis patris ramil ia8~, de c boa fé", e de outros semelhantes conceitos prá­ticos l , que nós arrumamos na esfera do poder discricionário; o que desde logo nos faz pro pender a crer que êste autor nAo tenha conseguido mais do que uma vislio empírica dos con­ceitos fundamentais destinados a determinar a essência do poder discricionário. E empírica é também a sua concepç'o dos índices do podor discricionário, (averiguAvel em cada caso~, segundo as expressões usadas pelo legislador (inte­rêase público, necessidade, perigo, etc. - cfr. pága. 79 e sega.). Isto por um lado. Por outro, não nos fornece também LAUN

uma análise do conceito do fim imediato; do nos diz se cfim~ é uma categoria psicológica (motivo), ou uma categoria objec­tiva (funçlto). Quanto ao qualificativo de imediato, nota-se que .qualquer fim é imediato em relaçlio fi, outros mais pró ­ximos à csusa eficiente) (M. S. GUNNINI, II potere, etc., cit., pAg. 3 l ). A verdade é, pois, que o conceito de fim, nii.o pre­cedido da determinação do seu exacto significado, é estéril na determinaçlto do conceito de poder discricionárioj e isto, de certo modo, o próprio LAON o reconheceu qusndo, mais tarde, veio a introduzir modificações na sua doutrina primi­tiva. J .... AUN acentuou menos que JELLlNEK que o problema do Pl?der discricionál'io é de interpret.a.ç§.o de conceitos sôbre 8S pro~issas do agir administrativo, deslocando assim o pro­blem& para uma escolha de fins . Ontros (MICBOUD, Ft.zÀS VITAL, etc.) o deslocariam para uma escolha de meios.

No entanto, crêmos que LAUN entreviu o conceito de podor discricionário, ao defini-lo como .livre escolha de fins:>.

I Cfr.plig. 62. No me!moson lido.W.J~LJ.I NICK.ti ' •• pág8.6Ge7S.

<o

Acentuou que uma. esfera ex iste em que reina uma deter­minada liberdade para o agente estadual. Acentuou ainda que, quando rigorosamente o órgão administrativo deve realizar um fim (objectivo) individualizado, a. escolha do meio não é livre, ou apenas o ó aparentemente. S6 é legal um comportamento: aquêle que é inteiramente apto para realizar êsse objectivo. E acentuou, finalmente, que, pelo contrário, se os fins nlio slio indívidualizauos, fica ao 6rgio o dever de, dentro duma liberdade circunscrita a certos limi­tes, se decidir por um fim entre vários, 0, depois de o fazer, adaptar o meio idóneo para realizá·lo.

Simplesmente: semelhante term inologia é muitíssimo incerta e fAcilmente induz em equivoco, equivoco que leva 8. assacar-Ihe defeitos que a teoria realmente n!io possui , como tem acontecido a partir de 'l'r.ZNEIt e de AlteRouu. O próprio LAUN sentiu a insuficiência da sua doutrina, especialmente no ponto de vista da determinação da nota essencial caracterís­tica do poder discricionário em relação ao poder ligado, e por isso, em escritos sucessivos, introd uziu notáveis modificações no sou . conceito primitivo. ~ssas modificações alio as que constam sinteticamente do citado Rapport, de 1934, sôbre Le pouvoir diBCrt!tionnaire. Neste último trabalho, LAUN

procede, antes de mais, a uma análise lóg ica da normajurí­dica, para demonstrar que nela existem combinados, em proporções variáveis, conceitos vinculantes e conceitos nlio vinculantes que nos deixam duas ou mais alternativas. Os primoiros são conceitos categóricos, os segundos conceitos dijuntivos. Aqui termina o que há de verdade em L AUN.

As conclusões posteriores afastam-se, porém, do caminho certo. Não procura fornecer-nos o critério mais profundo para distinguir uns dêst6s conceitos dos outros; quero dizer, nlto nos dá a essência última. do poder ligado e do ' poder disoricionário. Prefere retomar as linhas mestras da mono­grafia de 1910, especialmente quanto ao equivoco conceito de fim, que ainda desta. vez não se afadiga em definir. O poder ligado continua a significar para êle, como sempre, uma subordinação categórica do órgio à execuçlío dum fim ou duma relação de fins, expressa ou impUcitameote assina-

" lados pelo legislador. A idéa inexplicada de fim continua a estar no primeiro plano.

Em resumo: também a teoria de LAUN é insuficiente para determinar a 6ssãncia do poder discricionário e do poder ligado.

U m autor que desenvolve idéss em certK medida pró­ximas das D0881\8 é R. BONNARO. De facto, poderíamos su.hscrever muitas das suas afirmações. ,Pode dizer,s6-escreve o autor franc~s- que o poder discricionário existe em relação a um e a um só dos elementos do aeto: êsLe elemento é o objecto :o 1, Mas c8 existência e o objecto de qualquer actividade sito essencialmente condicionados e determinados pelos motivos que estão na base desta acti· vidade~ . ..A determinados motivos exÍstentes deverá corresponder umR certa determinada actividade e nlio qual­quer outra . (págs. 60 e 61), Quere dizer: nestes casos não haverá poder discricionário, Mas l quando surge então o poder discricionário? Em dois casos, Vejamos como so verificam, no critério de BONNARD.

Pode suceder que t:as leis ou regulamentos, quando for­mulam os motivos dos actos administrativos, os formulem duma maneira mais ou menos precisa. Por vezes mesmo, a sua expressão é extremamente vaga ...• , Ora t: ... pode dizer·se que os motivos formulados serão suficientes para ligar o poder da Administração, sempre que forem constitui­dos por factos tais que apenas haja lugar para os declarar existentes, por uma constatação da sua existência material. Pelo contrário, nlto existi rllo elementos suficientes para a vinculaçlo da Administração quando a existência dos factos enunciados como motivos nlo puder ser estabelecida senão depois de determinadas apreciações livres, de qualidade e de valor. . ~ enUo Ilstaremos no domínio e88encial do poder discricionário. (págs. 61 ·62).

flste é um dos casos. O outro verifica-se, segundo BoN­NARD, se .a lei ou regulamento previrem uma competência

1 ÚCCH,,./J/e,pâg.58.

sem indicar os motivos em virtude dos quais esta competência será exercida, (pág. 61). Quanto a n6s, podm, esta última hipótese jámaisse ver~fica, dadas as relações lóg icas que esta­belecemOS'en tre condições-de:facto antecedentes (a que BON­NA.RI) chama motivos), objecto e fim do acto. As condições­-de-facto, como o fllll , são sampre postuladas pela norma, ao menos de modo implícito, o descobrem-se mediante inter­pretaçio. O que pode suceder é que a co ndição-da-facto seja enunciada, ou de qualquer modo implloitamenh' prevista, como condição prática ou de vaiar, sôbre a qual nilo pode auceder outra coisa que nlio seja ter o 6rgão agente de for­mular a sua concepção. Se a nossa lei, por exemplo (C6d. Adm., art. 12.°), prescreve que . é da com petência do Govêrno ... n.o 1: - mudar as sedes dos concelhos 11 fregue­sias, alterar os seus nomes e os das povoaçõea ~ , e não indica explicitamente os faclos em que o Govêrno se deve basear para mudar a sede dum concelho ou de uma freguesia, ou alterar os respectivos nomes, a interpretação jurídica con­duzir-nos-á a afirmar que o motivo implícito, ou condição­-de-facto, consistirá neste caso em c.a conveniência, a utili­dade, O in terêsse público, na mudança de uma sede de concelho ou freguosia.. É ê-ste um motivo, ou condi ção­. de-facto, de ordem essencialmente prática, cuja verificação o agente administrativo tem forçosamente de interpretar com liberdade apenas limitada num cerlo sen tido (na medida em que fôr examinado).

Mas, fora dêstc ponto, em relação ao qual é cabida a observação que acabamos de fazer, há porém que notar que a análise de BONNARD se orienta por caminhos que não podllm fornecer solução para o nosso problema (análise dos elemen­tos do acto jurídico, análise psicologista), porquanto n1l:0 insisto no ponto capital, que é a disquisiçiio sôbre os ele· mentos conceituais, lógioos (nlto psicológicos) da norma (e do do acto). Ora sôbre estes elementos, deve reconhecer·se que ela nlto nos fornece mais do que uma fugidia aludo, como acabamoa de ver.

TEZNER nega a possibilidade da existência, na imensi­dade dos conceitos abstractos da orJem jurídica, de quais-

" quer conceitos que tenham um significado absolutamente certo e determinado e que representem uma inteira iguala­çlto a08 ren6menos da v ida realj admitir uma livre aprecia­ção e determinação (freios Erm sssen) de alguos dêlss, é Bupo r que em ralaçAo a todos êlea nlo haj a sempre uma margem de discutibilidade, uma difiçuldade de 8ubsumpçlto (cfr, Die deut8chen Theorien der Verwaltungarechtspflege, cit., pl\g. 537) I ,

'rodos 06 conceitos normativos são co nceitosjurfdicoB, e li irre­levante a questão de saber S6 o seu conteúdo ó determinAvel com base na experiência comum, ou. só com a ajuda de cerla8 ciênciRS técnicas especiais I, Não exiete, pois, para a Admi­nist.ração qualquer liberdade (freies Ermessen) na apreciaçlo dos conceitos que a lei encorpora em si. Nos casos em que essa liberdade parece existi r, por restar à. Administraçlto a faouldade de escolher uma de duas at.itudos, ai nda ai, ela está vinculada por um interêsse público específi co. O in te­rêsse público, como qualquer outro conceito jurídico, é uma categoria delimitada. O legislador marca, na categoria objectiva do in terêsso púbJico, a medida que deve ser tomada como única legal. Como categoria, como conceito, que, portanto, retrata factos ou sit.uações, o inlerêsse pt1blico e a sua qualificação s1l:0 sempre atribu'içlto do ju iz. Qualquer comportamento da Administração represe nta a actullç.ão duma norma precisa ou precisável-actuaçAo que, por isso, é controlável pela jurisdiç-ão competente. Apenas quando faltar um direito Bubjectivo do particutar .0. legali­dade de um com portamento da Administraçtto a, conse­qfientemente, os tribunais (administrativos) forem incompe­tentes, se poderá ralar de um poder discricionário j ou, a~nda,

I Estas observaçGea aio feitu por TBZ~KR em forma de critica l doutrina do ' I&eh niachea Ermeaaen. , de BIUI NATZ IK. que fa :da coincidi r poder discrlelonirio com . conceltos vagos •. Compreendi· das I osla luz, la obaervlçOea do T.cZl'i'lR sio cabidas, poia aquelo li lovado, oomo êle bem observa, a dar uma extando In defl nlda ao podor discriolonArio. Noste ponto, a doutrina da escola de Viena, jA expolla e apreciada, li bem a l ucessora da do gran do mostre que no flm do s60ulo XI X ensinou na oap ilal do Império AU8lrlaco.

I Z*l r Ld., . tOIlt ',eittt Erlltu'tII, oi l., pig. 121.

.. quando a lei expresaamente estabelece essa incompetência em relaçlto a. casos determinados, por julgar as autoridades administrativas mais bem colocadas, pelo seu saber técnico, para a interpretação de certos conceitos e qualificaçlto de certos factos (subsumpçllo) - .. der Ausdruck freies Ermes­seu der Behürden, wia ar zugleich mit der Schsffung der Verwaltunsgerichte entstanden ist, bedeutet im System der Recht.sbeschwerde 80 vie} ais Gerichtsfreiheit oder F reiheit vam richt.erlichen Kontrolle~ (Das dlUourmtment, cit., pág. 86).

J ÕHR parte de um ponto de vista muito próximo do de 'rEZNEH. Para o escritor suíço, com efeito, é necessário garantir os cidadiio8 contra 8..8 prepolências ou simples êrros da Administração relativamente à sua liberdade e proprie­dade, e os tribunais administrativos faltariam à. sua misslio natural, se nl'to controlassem, definindo-os, todos os elemen­t08 juridicos (rechUiche Momente) dos actos administrativos, ­começando polas condições-de-facto cuja verificaç/io ó necos­sária para a validade do acto (Gil.ltigkeiteerfort:krnisee, tatea­chliche Verhaltnisse); como,-por exemplo, o cinterêsse público. numa expropriaç./io desta natureza_ É êste o g rande e fun­damental princípio da jurisdição administrativa, a razlio do seu aparecimenl.o. Aos 6rgliosadministrativos compete cuni­camente assegurar a rmbsumpção de uma espécie concreta numa norma .. , e aos órglios jurisdicionais administrativos verificar a legalidade desta subsumpçio. cQualquer condi­ção-de-facto, postulada pela lei para o agir da Administração, surga·nos clarament.e como uma questão de direito definida pela lei, e portanto controlável, quer ela seja formulada em forma. concreta quer em forma abstracta •. A interpretaçi\o dos conceitos, porventura vagos e imprecisos, com os quais a norma se refere IlOS pressupostos de facto, efectiva-S8 com o auxilio da directiva (Richtlinie) que é a ratio legis. Assim se chega à conclusão de que existe cvinculação legal em todos 08 Cas08 do chamado poder discricionário, quanto it.s condiç6es-de-fllcto ( Tatbestandsermesj(efi) . ; e assim se revela quanto é inevitável a disparidade de soluções (poder ligado, ou poder discricionário?) em face dos exemplos dos autores e da jurisprudência, quando se admita uma faculdade de

livre interpretação (freies Ermessen) para os conceitos vagos relativos às premissas' de facto dos actos administrativos. Bata solução é ainda, além do mais, segundo também JÕUR,

1\ que melhor sslva as exigãncias do moderno Estado do Direito, e aquela que melhor estabelece uma colaboraçli.o entre as duas funções estadullis: Administraçllo e Justiça.

Em concluslio : o poder discricionário da Administra­cio nunca é uma livre escolha ou uma liure actividade. 8, pelo menos, sem pre limitado,. dir igido, regulado, ligado, pelo fim da lei, pela ratio legis, fim que jAmais falta, contra o que pensa LAUN, pois que ceioe Rechtsnorm ohne Zweck ist ein Unding,. 1. este fim é verdadeiramente um climite int-erno,. à aparente liberdade dos órgãos administrativos, que permite b.lar de uma Zloeckgebundenheit des behõrdli­chetl WilletlS, como tal controlável pela jurisdiçAo compe­tente. cNa república da Adminislraçli.o nlio há. lugar para quaisquer poderes independentes da lei ou da constituiçio" Aquêle que se poderá chamar poder discricionário é afinal sempre um poder ligado, porque co fim de uma. norma ó sempre imanente., porque a directiva cJim» ex iste sempre. I'l, em suma, só qU/lndo ela exishL é que se poderá. falar, e a jurisprudêncilll.em falado, de' um poder discricionário. Sllber se só essa dirootiva existe, e se, portanto, existe poder dis­cricionário, é essa uml\ questão de interpretação '.

As teorias de TF.ZNEB e Jõua alio de matiz retinlamente liberal·individualista, emquanto que as de BERNATZ[X I,

MERK I. e KEL8EN são mais caracteristicamente de tom demo· crAlico. As primeiras procuram garantias estritas para uma esfera individual de liberdade e propriedll.do dos adminis· trados -o nlio moslnuu grande confiançl\ na simples garantia

t Em sentido idêntico, OUGU IT, TraiU, li, pligll. 378 o lIt'gs. e 390 " Stgll ; e SClU:UNr.I\, ob. eil., I'lig. 85.

~ e rro JÕII Il, ob.cll., pég_ &8 e segs. 3 Note-se qut, eomo teremos linda de rertrir, 1h;.RN,\T2IK mo­

di l\cou sob o influxo das crllicu de TKZSEII, IS lIullldeaa slIbre I

pO~lIibHi dlde do contrõte do .techniehclI ErmelllOoo, em Hde jurls­dicionl l, ill G,.iPlItwI. Z,ibcll.,if/, \'01. XVIII, 1891, pAgo 148 e sega.

hierá.rquica ou política, isto é, governamental ou parlamen­tarj as segundas pendem mais pll.\a a tendência oposta, fi liada directamente nas idéas revolucionárias francesas, de uma. esfera de .. administration pU/'e- (nito é outra coisa o tecknicMs Et'messen de BEIWATZIK, ou o (etwas neues», autÓ· nomo, de KELS'EN e MERKL).

Estas doutrinas, pois, ditadas por considerações políti· cas, ou por exigências sociais e jurídicas de épocas ou palses determinados, a que primeiro atendeu a jurisprudência­tais como: terminar com o irredutível bastiito do absolu­tismo antoritário no Estado de Direito constitncional (TEZ­NER), salvar as exigências do Estado de Direito (JÕUR) ­todas conduzem, explícita ou impllcitamente, mais do que a uma reqréSBion do poder discricionário da Administração, à sua completa eliminaçAo. "GIaube an die Gerechtigkeih!..., mas mais ainda: .GIaube an die Geset.zlichkeit . ! Trata-se,

. em resamo, sempre de um Gesetzesrazionalismus : des­conheoimento da verdadeira natureza e estrutura da norma jurídica, e, em especiül, da norma administrativa, na qUl!I, necessáriamente, se reúnem sempre, embora em propo rções variáveis, elementos lógicos e elementos valorativos não dom i­náveis pela. lógica das ciências empJ rico ·matemátiCRs, To · ma-se, por assim dizer, uma posiçAo neutral perante as neces· sidades e os interêsses da vida. Pensa-se que só o direilo como norma, como mundo próprio, nos interessa: ..- das Recht dient nur sich selbst, weil es selbst die "\Velt ist I,. Reco­nhece-se a discricionaridade onde ela exista, só onde ela exista, mas sempre que exista! E, se o direito positivo estatuir uma contl'Olabilidade dessa facu ldade, nlio se vá inventar uma constr ução tal que conduza a transformar Il discricionaritlade em legalidade, só porque se parte do principio de que aos tribunais apenas pertence .controlar a legalidade : uma divisiio material das funções do Estado á possivel , como é possível uma distinçoo formal ou orgâ­nica 'j uma decisão jurisdicional pode ser materitLlmente

1 Cfr, WALTUEIl SCHÜNFELU, in Von dllr RechllllrknmlJli" 193 1.

! SObre êste problema, erro R. BONNAMD , 14 coll l, 6Ie, cit.,

um acto Ildministrativo, (o l'malmen~ revestido da especial eficácia dos aclos jurisdicionais, e isso sucede precisamente nos CMOS em que os t ribunais adm inistrativos controhun o poder discricionárirt da AdOlinislraçlo, e na medida em que o controlam. Em li'nnça, como na Alemanha e na Áustria, e também entre n6s, tem·se negado-e é a corrente mais geral -que o direito positivo autori7.e um contrôle, embora limitado, do poder discricionário. E, para tudo reduzir à legalidade, ou se nega a disc ricionaridade, ou se restringe o contrõle jurisdicional aos limites legais dessa discriciona· ridade. Ora a6 &oluções de Tr.zNER e de J õnR nlo fazem mais do que exprimir a primeira destas duas tendências.

O fim é sem pre dado, implícita ou explicitamente, escreveu J ÕIIR. O fim vincula o administrador. Mas, esque· co·se que o lim do aeto, a ser dado, é dado sempre por uma uonlla, que essa norma precisaria de ser interpretada, e que esta interpretaçlo pode sempre'" deixar aqnal de contas um resto leorcticamenle ininterpretável l . Com isto queremos sign ificar que não aceitamos a conhecida e normalmente seguida concepç!o sõbre o alcance da interpretaç!o do direito, que tom8 o fim do direito - der richtige Zweck­como um elemento lógieo -teore#co, com o auxíl io do qual se chegaria, dum modo gorai, em tôda a ordem jurídica, a pretlncher tõdM as suas lacunliS. Conhece-se a história desta co ncepç!o. Em 189 1, G. RO»ELlN, no seu d iscurso reitora) nli Universidade de Fribu rgo, lVerturteife u rld JVil· le llBtIItscheidulIgen im ZilJilrecht, sustentava, indo na senda do posit ivismo jurídico, que a interpret.aç!o nito era mais

p'g. 8 e segl.i o CARKI: u~ l l." .l:ItIiO, TII40 ~ie Gt lltrgl, de I'el/JI. I, pég. G91 e segs.

I ~ IIcs ta medida que '·~ m o. ser "ordade o que do fim diz ScIIÕSFKLD, ob. cil., pég. 31: • _,. discorre r acêrCl do fim das normas o das leis Ó em Ollima anál ieo uma questão do j nfzo estimativo e cs lcu lstórlo; jlodêmo· lo a folçoar o encarar como quiaermos . :

.. ilber den ZlI'ock "on Normon und Goselzen nachdllnkcn. ist l el~ich oi De Angelogonheit dea rochnenden und prQrenden Ver&lan· dos, mio mag os d reheo uod wenden, wle man ..... 111 •.

.. que um processo lógico estendido a todo o direito. Bem 80

podia então falar de uma cLnckenlosigl_eit :t de lodo o direito, do uma sua .Geschlossenheit.. Esta fé no conhe­cimento lógico, que era também fé na lei como lI. nica ver­dadeira fonte de direito, sofreu , porém, rudos golpes no fim do século XIX e 008 princípios do actua!. l!-'oi primeiro a teoria de J IJ t:RlNO sObre o fim no direito, e depois a luta das escolas subjectivista e objeotivista de interpretaçlo, e especialmente as obras ds J UN(l (Die loqueM GeBchloBBe1lheit des Rechta, 19(0), de EHlH.101J (Freie Rechl8findung umdfreie Rechtlluiuen8chaft, 19(3), e sobretudo a de Z ITELlU.NN (LiieJ:en im Recht, 19(3), que vieram mostrar o infundado dessa fé.

O positivismo jurídico viu-se, pois, constrangido a tomar outra forma, sem abandonar a sua It: as aparentes lacunas do direito passaram entllo a anular-se com o recurso a elementos desta vez teleológicos. Julg:-r contin.UJI. a s~r, pur~ e simples­mente, o mesmo t}.ue subsumlr, no ID8.lS estrlto sentJdo da pala­vra.. O direito continua a ser tuma ordem matemáücu j os cconceitos de direito alto números ..... ; o método interpretativo continua a ser a dedução. O lim juddico ó um elemento vinculativo, um elemento lógico da norma, determinável pelo método dedutivo. Estamos aqui sob o im pério da chamada jurisprudência conceptualista, a que hoje se opõe, como se sabe, uma cjurisprudência de interesses .. (H.wK, MAX ROMI';­LU., etc.). Esta, reconhecendo li existência de conceitos nlto teoréticos no direito, recorre, por seu turno, para os inter­pretar, a elementos nllo já lógicos, nem teleológicos, mas sociológicos, como vimos que em g rande parte fi zeram BERNATZLK e W. JY.LLINliK. A lnlereBsenjurisprudenz nlto repr&86nta, porém, o têrmo desta. e volução do pensamento teórico sôbre êste problema, que caminhou, como se sabe, até à escola do direito livre. E l onde a soluçlo?

A solução está, para nós, numa síntese dêstes dois opos­tos pontos de vista. Com efeito, há no direito conceitos teoréticos e conceitos de pu ro valor. Os primeiros alto interpretáveis logicamente, conceitualmente. É quanto a estes que se pode discutir um critério, umlL leoria interpre­tatiVIL, puramente formalistas, deduüvistas, mesmo que aju-

.. dados por elementos teleol6gico8. 08 segundos, porém, alo inin terpNltáveis, e é mérito evidente da Interel8enjurilpru­de7u ter sido ela li. chamar insistentemente para êles a aten­ção da doutrina. Reputamos, em todo o caBO, grave falta BUa, o querer interpretá--106, por Bua vez, com o auxilio de elementos, embora nAo lógicos, todavia sociológioos. A res­peito dêstes elemen tos nA.o lógicos, 010 deve falar-se de uma Intere66enjumprudem, mas sim de uma Gefühl8)"uriaprudene (SoõaNt'ELD), de uma Her6enljurilpTUden., ou seja, duma Jurisprudência do .. . senLimento, ou ainda duma Jurispru­dência do coração! Tendo perante si conceitos dessa ordem, o j uiz ou o administrador procederlo como devia proceder um legislador sensato, prudente - C'wie aio verstiindiger Gssstz­gaber verCahren mUBa .. - procurando aetuar 08 prinoipios fundamentais informadores da conoopçito política do Estado que se considera I . A graduaçiio das instânoias na (unçl.o jurisdicional, a hierarquia dos funcionários na Administra­çlo, assegllram na medida do possivel a obediência a êsses prinoipios. Na obediência a êles é que consiste efectiva­mente o sentimento do direito, .das Rechtsge/ühh, que, dêste modo, não é assim um ilimitado subjectivismo.

A concepção poUtica do Estado, o lVertu,..teãl clu Geaete· gebers, e não apenas cos valores ~ em geral, é que serlo os orientadores do órglo exeoutivo, administrativo, ou jurisdi­cional t.

Existem, pois, em concluelo, nas normas juddicas a executar, conceitos não apenas vagos e imprecisos, mas que, por se referirem a. valores nAo teoréticos, 0(0 encerram uma s6 significação, mas várias', sôbre uma das quais o agente

1 Sugeativ .. ide .. sObre êste ponto, em Jo~IUTZ VAN CALK!.R, Ree/ll wtld Wt lla ft.cha",.ng, 1926. Cfr. também E. VON HII' I'8L, Urr. t lr.ucAwngt rr &Um Problt m dtt (ehl,rhafitn Staalfakf., 193 1.

11 Cfr. Ed. MV;OKK, ob. cit.; RIKZL~!M, Da. Rn:/allg.(iJhl, 1921. 3 O exemplo de ,'on HIPPEL, 00. cil ., pAgo 37, dizendo que o 0(10·

celto de _bona costumes. e muitos ou tros _sind nur mit ZuhUfenahme des üelQhls, nicM aber mi l Wahrnehmen oder Denken l U 108eo., é do. mais expressivos.

se fixará, obedecendo na sua escolha aos princípios orienta-. dores do Estado de que é serviClor. O conceito de poder discricionário (que aliás não pode ser dado sem a discussão da matéria do número seguinte), resume-se nisto: trata-se de uma faculdade de escolher uma entre várias sign ifica­ções contidas num conceito normativo prát.ico, relativo às condições-de-facto do agir arlmin islrativo - escolha feita sempre dentro dos limites da lei (cfr. número seguinte). Esta escolha é livremente feita pela Administração ., enten­dendo-se aqui por liberdade aquilo que vimos de exp6r.

Ora bem: o conceito de fim do !loto, na nossa concepçAo, nlio é forçosamente um conceito de valor: pode ser um con­ceito de valor; como quando a actividade competente age para reprimir .. aelos contrários à moral e à decência pública :. (art. 351.0 do Código administrativo) - mas pode também ser um ' conceito teorético, porque derivado das ciências do 'ser

I Assim, poderia parecer que se conseg ue uma slntese do con· ceito legalista da Administraçàó, a que Ihernos referência no pri. ' melro nOmero, e do eonceito op08l0 susten tado por vou BAUR, 011. cit, loco eil.; L"B"NO, 011. ei/., ' Ioc. ci/,: ••• :Staalsverwaltung kann mau deftnieren ais die frei. Tãtigkeit dei' Stllltsregierung beh ufs Durcb· fObrung dei' s laatlicben Aufgaben innerha lb der von der Rechtsor­rlnung des Staates gestecktan Grenzen.; ANSCHQTZ, io Krili.ch. Slu· dis .. , cit., pág. 53; ./?rti. Tiitigkcit der r,wcckbewu9t durch ihreOrgane handelnden SI98tapersônlicbkeil, frei vom Zwange des Rechtes, aber ionerhalb eeinor $cbnnken - so s tellt aich der Verwahungsbegritr dar, wie Ihm rnoderna Slaalswissenchaft, über den einseiligen Voll­úahungsbegria weit hinausgehend, ausgeprãgi !lal.; GEORO MI!:YttR, D~ul&chu Slaallrechl, pág, 6~9; LÕSN ING, DSld,chu VstfIKIllu"D"echl, pág. 2; R. BONrfARO, lA ~o"ttólt, ci t., pág. 19: .Sur lo plan de la fonc­lioo administrativa, iI a'offre un cortain parallélisme entre I'activité de l'EtSl et celle das particuliers .• ; '., ,il n'y a gui)ro de ditférences maleriollea anlro I'activi té administratil'a ell'activilé privée»j e G. C. PIBA NELLI, 011 , cit" pAgs. 71 o segs.

Só que, qusndo aqui se fala em limilu da lei, so deveria enten­der osla Oltima palavra no sentido dos conceitos.norrnati vos indivi· dualizáveis, Mas essa slule8e não é posslvel, porque quando a teoria que acabamos de expÕr fala em lib~rdadt, 6 a uma liberdade da po,;ç/fo da. pttmiua, do agir edministl9livo que 8e refero, " essa, vimo-lo nós, nio existe nunca.

" OU artes correspondent98; como quando a autoridade pode praticar certõs &OOOS de polfcia " mikír1a, quere dizer, com um fim higiénico·sanitário. Sendo assim, torna-se portanto desde já plenamenle claro que considerar absolutamente o 'fim como elemento vincullmle da AdministraçAo em tõdaa as hipóteses, como fazem JÕHB e D OOUIT, é exagerado. O instituto do cdesvio de podop, logicamente, 010 seria mais do , que uma modalidade do vIcio genérico chamado cviolaçlo de leh, ' CODS6Cus sIo de um fim objectivo diferente duquele que a lei explícita ou implicitamente marca ao agente. Todo o cont rOle jurisdicional se reCeriria, assim, à legalidade, e s6 .. legalidade I , Mas êste é um problema que examinaremos seguidamente, tratAndo doe limites do poder discricionário.

1 . 0 contrOle do desvio de poder nio 6 um contrOle dos motivo! subjectivos, mil um , exame dos fins objectlvol e legall " Orr. J6HR, 06. eil., plg. 201 e pa"im.

III

o problema dos limites do poder discrlcioné.rio

Vimos que o poder discricionArio se Sitl18 exaotamente no campo em que o legislador utiliza conceitos 010 teoré­ticos, deixando A AdministrsçM a faculdade de, ao agir, fixar a significaçAo que o sentimento do direito lhe ditar. Vimos que o legislador, quando procede como tal, isto é, quando formula regras gerais e abstractas, tem necessaria­mente de utilizar, em proporçl:ies variáveis conforme a maté­ria a regular, conceitos do mundo do sêr e cooCilitos do mundo do dev6N.er. Que no domíoio dos primeiros eslÁ situado o poder vinculado, a compet.ência ligada, é lambem óbvio. Trata·se de saber se no domínio dos segundos o agente, que executa a norma, é inteiramente livre, ou se êle se Bcha de qualquer modo e em qualquer medida também vinculado.

Nós já excluimos aquelas doutrinas que aceitam a idáa. de que a AdministraçAo oompreende duas partes : uma vin· culada (aquela em que oxista qualquer eapecie dIJ norma a r egular a conduta dos agentes administrativos), e outra lÚW6, ou discricionária (aquola em que não exi.ta qualquer norma a regular essa conduta). Na verdade, esta SOlUçA0 pode conduzir a admitir uma e&fera fiA0 excepcional de actividade livre da Administraçlo dentro dos limites da lei, isto ~, na medida em que a. lei DAo formule normu proibi­tivas da actividade da Administraç1o: onde nAo exÜite proi. biçllo existe liberdade. ~ esta, porem, uma soluçlo diíCoil ou mesmo impossível de harmonizar com as exigênoias do moderno Estado de Direito, segundo o qua l tôda a aotivi­dade dos órgAos do legislativos é executiva - sem que execuçlo queira dizer efeotivaçio mecAnica e irracional de

" ordens ou comandos estranhos. Do administrador S6 pode dizer o que do juiz diz HEOI\.: <der Richter ist nicht bloss eio Subsuotionsapparat, aio Automab (pAg. 22). Tôda a vida do Estado representa a actuaçlio de um programa e de uma concepçlo superior, legislativa ; parte dêsse programa é for­mulado com normas, com conceitos teoréticos, parte com conceitos práticos, o que é da natureza das coisas. Os pri­meiros pode dizer-se que alio executáveis unlvocamente, 08

segundos admitem várias interpretações, das quais s6 uma, ou algumas, ou tOdas, se harmonizam com o programa ou concepç§.o legislativa, ou do regime, 00 C8.S0 que 8e considera.

Os conceitos práticos slio antes de mais nada conceitos. U m conceito tem limites, de contrário nAo seria um conceito 1.

Um conceito prático, ou referido a realidades do mundo do dever.ser, tem como limites os próerios limites do dever ser, isto é, o próprio sêr, a realidade em pírica. Se alei fala de uma (falta grave. de um funcionário, o conceito de qravidade (conceito prático) é limitado por estes dois conceitos teoré­ticos: o de (falta ~ e o de ,funcionário»_ Quere dizer: se se nlo tratar de qualquer coisa, de qualquer materialidade que seja uma falta, e se nlo se tratar também de um fun ­cionário, nlo será o caso de se falar de gravidade. S6 nos limites de uma falta dum funcionário pode o agente compe­tente apreciar e definir, segundo o seu sentimento do direito, guiado pelas exigências da concepç!lo do Estado no caso concreto, a gravidade dessa falta. É, portanto, plenamente aceitável a doutrina segundo a qua.! a materialidade dos factos e a sua qualificaçli.o jurídica, slto elementos da legali­dade e nlio da oportunidade ou moralidade administrativa. Um êrro sôbre os factos ou sÔbre o direito (qualificação) é uma questlo de legalidade. Mas já oito é um elemento da legalidade o saber determinar a g ravidade da falta, ou seja, a sua qualificação prática; aqui trata-se de um elemento de disCl'icionaridade. Na verificação da existência dos factos e na sua q ualificaçlo j ucídica em harmonia com conceitos

1 err. W. JELL1NEK, Gnfl" ci!., pág. 37.

normativos teoréticos, trabalha·se com juízos IUlsertóricos­sichere, Qssertorische Urteile-; na sua qualiJicaçti.o juddico­prática, ou discricionária, com juízos dijuntivos. . Mas, já se vê como o nosso ponto de v~sta difere, na definiçAo dos limites do poder discricionário, da concepção do poder discricionário como dum poder só livre para fora dos limit-es (das proIbições) da lei. No nosso ponto de vista, o poder discricionário existe apenas nos limites (preceptivos, positivos) da lei. Nem podemo~ dizer que seja regra, nem que seja excepçlo: apenas que tem limiles variáveis em exten­são, conforme a natureza das matérias a regular, ou seja, das condiçõl's do agir administrativo.

Fica.nos, pois, uma esfera de discricionaridade. lLimi· tada de (ne modo? Se ' supusermos um sistema de garan­tias jurisdicionais referido a tudo, ou só a parte, do que na vida do direito diga respeito à legalidade, isto é, aos elementos normativos de significaç!to nnívoca, teremos que os órgMs jurisdicionais nlo podem apreciar seja o que rôr do que diga respeito à. discricionaridade. Suponhamos, entAo, um sistema como êsse. lQuais serlo os limites do poder discricionário da Administração? Os limites slo os da própria loi. O limite é a Illgalidade, e só a legalidade. Os limites do poder discricionário serlio aqueles comandos legais que vedem certas interpretações das condições do agir e imponham certas outras - .. was vorboten ist, sagt das Gesetz allein:o (SCHEtlNER). Ntio haverá mais que averiguar em lhda a sua extenslto e profundidade as limitações proi­bitivas e positivas contidas nas normas legais, limitaçõos que só podem consistir em conceitos teoréticos.

Escritores de tendências liberais procuraram sistemas de limitações dilerentes destas. Primeiro que todos, o próprio BtRNATZIK. Tendo reconheoido a existência de uma assás extensa esfera de poder discricionário na Administração (con­ceitos vagos, poder discricionário técnico), aceitou que nesta esfera os agentes procediam como peritos, como técnicos do int&rêsse público: daí a sua conhecida fórmula, a vigorar nos domínios do techniches Ermessen: Tue was du glaubsl, da88&J dure! das ôlfentliche lVohl bedingt isto Mas; agir segundo a

" convioçli.o que 8e tem acêrca do melhor modo de atingir o interêsse público, é um devt7", e um dever jurídico (Rechu­pfiichl), e alio apenas um simples dever ético: quando a lei con­fere ésso techniches Erme8sen às autoridades administrativas, impt1e·l}U!8 que o utilizem na forma sobredita. Se assim do . procedem, violam o direito, violam a lei (Pflichtverletzutlg= Rechtaverleteung). Essa atitude culposa. ou dolosa pode deduzir-S8 do factQ de o comportamento no CRSO considerado

' não estar em harmonia com a conoepçl'i.o geral da com uni­dade, com o juízo da OeBattla,eit. A violação dêste dever "juddico, nA. primitiva exposição de B ERNATZIK (in Rechts-8pr8chung und materielle Rechlskraft, cil, pAga. 44, 45), não dava origem à anulação do Reto praticado, mas apenas a uma responsabilidade penal ou disciplinar do agente admini st1'8tivo. Quere dizer, sôbre o poder discricionário poderia efectivar-se ~um controle disciplinar ou penal, mas não um controle propriamente jurídico ou de anulação (Rechtlkotltrolle): cnl\6 questõ{ls do poder discricionário tãc­

' nico é impensável, na medida. em que êsle reina, um controle de anulação pela..-juiz administrativo •. Perante criticas repe· tidas e insiste ntes, BEIlNATZIK (in Zeitsch1'i{t, cit, pAgo 148), vem, porém, fi. conceder que um co ntrols jurídi.:-o de atlu­loção (e do apenas de respon sabilidade) pode, oos casos indicados, ser exercido pelos tribunais do con tencioso admi-nislrativo.

Em sub!ltâ n~ia,conclui- se que, na sua primitiva formula· ção, a doutrina de BERNATZlK redundava em elevar o co ntrole hierárquico à categoria de limite do poder discricionário:~ mas as l imi tações internas do poder hisrárquico nlo são um seu limite jurídico, porque o controle não é fsito it vista de

. oórma..s, mas sim de directivll.s de boa administração, pre­sumidamente mais conhecidas pelos g raus superiores da hierarquia administrativaj por outras palavras: o controle hierárquico em ass untos de poder discricionário sxeree-se discriciotldriamente - .der Dienstgewalt bsdsutet keins Ein­schrãnknng des Ermessens. (SOHEUlfER). De mais, como nota LAUN, os órgãos superiores e inferiores, hierâ,rquiCltrDente ligados, constituem uma unidade, Na- sua. formuIaçlio pogo.

terior, a doutrina de BERNATZIK. reduz-se a admitir o con­trole jurisdicional do poder discricionário, o que nlio é admissivel num sistema de direito onde exista uma separa­çli.o material dllS competências dos órgãos administrativos e dos órgãos jurisdicionais com baso no próprio conceito de discricionaridado, COmOBI1:RNATZlJ{ rcconhece na primeira das duas citadas obras.

Nós vimos que, para LAuN, nos casos de verdadeiro poder discricionário, o legislador deixa ao agente a deter­minaçlo do que, om cada um dêsses casos, deve conside­rar-se o fim imediato a atingir. Mas absolutamente arbi· trário nas suas decisBes só poderá ser o monarca absoluto. N!o podendo ser absolutamente arbitrário, devorá saber·se de que modo é limitado (gebunden).

Primeiro que tudo, alio limitea do poder discricionário os chamados por LAUN limites externos: a competência, a forma e os pressupostos de facto (materiellrecntliche Voraus­aeteungen). Mas, além dêstes, existem os que se podem chamar limites internos do poder discricionário, que devem também ser respeitados pelos agentes da AdministraçAo. Limites internos, porque se referem ao exercício da própria faculdade discricionária, ,à. escolha dos fins imediatoe do pro­cedimento administrativo. Antes de mais nada, essa esco­lha tem de ser feita tendo em vista o interêsse público. Se assim nlio fôsse, _não se estaria perante poder discricio· nário, mas perante o arbitrio juridicamente permitido ~ . O agente só pode agir, no exercício do seu poder discricio­nário, tendo em vista o interêsse público, E LAUN con-

, corda com BERNATZIK expressamente, no ponto em que êste a6rmo. que os agentes estão ligados à. norma jurídica: clue was du glaubBt, MSS es dut'ch das offentliche Wohl bedingt ist,. É uma norma que resulta da natureza das coisas. Mas a conseqüência da violaçAo desta norma é diferente em LAUN. Para êste só é relevante a hipótese de uma intencional deso­bediência à. norma do interêsse público na escolha dos 6ns, e não uma simples falta ou êrro culposo. Se essa falta intencional se verifica, o funcionário praticou uma cfslta pessoa!., e o acta nlio pode considerar-StI como scta do

" Estado; perde o 8eu carAoter administrativo. cUma pessoa que intencionalmente age contra a sua funçAo, contra o iole­rêsse pdblico, DitO pode ser considerada pelo Estado como seu órgão, e n!o pode ser coberta com a sua autoridade_, O FuncionArio apenas pode ser nesta hipótese civil e penal­mente responsável. O seu aeto deve considerar·se como absolutamente nulo, nichliq, o que pode ser verificado pelo juiz administrativo ou pelo civil ou penal. As conseqüên­cias alo, portanto, duas: nulidade do aeto e responsabilidade do funcionário. Ã viola çli.o dolosa da regra do público bem que preside à escolha dos fins da Administraçi.o, dá origem a uma figura de desvio de p~der chamada abuso do poder (discricionário)-.FJrmeaatnnniBsbraueh. Quando o funcioná· rio crb realizar o interêsse público, embora o nlo realize, por ignorância ou êrro, nlo estamos perante êste vício I.

Estamos peranto um vicio subje~titJo (referido ao doto). como violaçAo de um limite interno subjeclivo do poder discri­cionário.

Mas, além dêsoo limite interno subjectivo, LAUN constrói também uma teoria do limite interno objectivo do poder dis­cricionário. Os agentes administrativos, no exercício do seu poder discricionário, isto é, na escolha dos fins, devem ater-se apenas aos fins permitidos, nlio aos fins prolbidos. Se pro­cederem inversamente, excedem o seu poder (discricionArio): estamos entAo perante um desvio de poder (Ermessemüber­sMreitung). Ora a pro'ibiçii.o de realizar certos fins pode ser violada pelo agente de duas maneiras. Por um lado, o agente pode, na convicçii.o de que assim realiza o interêsse público, pretender atingir um fim proibido, guiar-se por um motivo vedado- cliegt hier der Feh ler lediglich in den Motiven des handolnden Organs ) i prossegue-se um fim que nlto deve prosseguir-se. NIio se trata de um abuso de poder, porque se

1 .Akte des freieo Ermeeseos, welche keine s01lsllgeo voo der Rechlsordouog gezogenoo Schnokeo uber8ch réiteo, 8lnd also Im­roer dano uod nur nichtig, weon das behõrdliche Drgao vOfsAlz­IIch gegoo dss ôfJentliche Interesse gehaodolt halo. efr. 0/:1. ci'-. pâg.l83.

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supôo que o agente procede na melhor das intenç6es : sim­plesmente, DitO age nos limites do poder discrioionário quo

. o leg islador lhe conferiu. A figura de desvio de poder que aqui nos aparece é aquela que L Al' N chama Did:retionsver­lelrung, violaçlo do poder díscricionário. Ílste um dos mo­dos. O ouLro verifica-se quando o Agen~, por incuria, vem, com o ·seu Reto, a consegui r um efeito vedado que alio dese· java atingir, mas que o Reto, por sua natureza, tal como foi praticado, at.inge forçosamente. Trata-se enLlio de um cdes­caminho do poder discricionário:>, uma Enllel86fll1uerirrunq.

São estes motivos de nulidade do acto, como violações dos limiteaiurldicoI do poder discricionário, plenamen te con­troláveis pela jurisdiçlo competente. cCom efeito, torna-se culpado de uma violação da lei aquêle funcionário que com um acto do seu poder discricionário procura realizar um fim proíbido:t. Por isso " ... neoossitam os tribunais administra­tivos de ser competentes para examinar se 08 aotos admi­nistrativos excedem os limites internos do seu poder discri­cionário ou nlo:t . É outra. a quesllo de sabsr como, nos casos de uma falta subjeotiva (que são os primeiros dois), será possível provar essa falta. Se nlo resultam dOB motivos do próprio acto, ou se a parle nio consegue evidenciá-IoB, será impossível o seu contrOle. O último vicio, quanto à prova, nlo oferece dificuldades "

A teoria de LAUN uma objecçio fundamental se deve fazer ; e é que, depois de ter circun scrito a esfera do poder discricionário da Adminislraçli.o, e de a ter definido como uma zona de liberdade do mesmo teor que a liberdade do legis· lador na enunoiaçlio da sua vontade, obedecendo a necessi · dades de ordem politica liberal (as necessidades do que se chama o moderno Estado de Direito), vem a introduzir pr6-t.:Insos limites jurldicoa a e88& liberdade; quere dizer: vem a iliminá-la quási totalmente. Limites juridicos, segundo LAUN,

.nos mais próprio ti extenso significado da pahLVra, pois

I Sôbre IMII eSla matéri a dos limites do poder discricionario segundo LAUN, crr. • s ua obra, Da. , •• i. E,."'UUII, ci t., de pags. 113 at6 final. ~

" podem 08 particulares administrados exigir o 86U respeito perante, nlio só 08 magistrados civis ou criminais, mas ainda o juízo administrativo de anulação. Ora nós mostd.mos já que nos limites do seu poder discricionário, o agente é intei­ramente livre, num Estado com um sistema jurisdicional do garantias organizado na forma em que o aupuzemoa, ou seja, controlando apenss o que há de puramente juddico (i. é, teorético) na Rctividade executiva. Um contrõle da própria actividade discricionária e da sua correcç1io em relaçio a critérios de eqnidade, justiça, oportunidade ou conveniência, nlio é, neste sentido, um contrõle jurídico. Pode, sim, juris­dicionalizar-s8 o contrOle 010 jurídico, e de· facto certos sis­temas jurídicos positivos o fizeram. Mas, onde disposiçio adequada nlto exista, a jurisdiçito do poderá. ultrapassar os seus limites naturais, ou de definiçito (juB-dicere). Saber se uma dilijlosiçAo, como a suposta, é ou niio útil, é probloma que não cabe ao jurista como tal discutirj é um problema político que se define como problema da delimitaçio legisla­tiva da competência dos tribunais da justiça anministrativ&.

A forma de desvio de poder que, segundo LAUN, é a violsçAo intencional da regra do interêsse público (abuso do poder) nlo ó, caracteristicamente, um vício jurídico, mas um vício de 1D0ralidade administrativa, para empregar a expres­são de HAURlOU '. Quanto a08 vícios internos objectivos, a sua definiç10 só é coerente com o conceito de poder discri­cionário defendido por LAUNj mas, para. nós, êles alio srio mais- qud formas de incompetência do órglio, nu ent1i.o 'oio alio nada. erma autoridade que prossegue finS ou intorêsses que aio 8io 08 <lue a lei lhe comete, é claro <lue age nunl domínio em que é perfeitamente incompetente~.

I erro no mesmo sentido, .... OOL.OKN'S8RG, ob. rit, pig. 79. E. razão, rado clara, 6 que, julgando-o, os tribu'lais condenam não o objeclivo apartamento do fi m (como nus outros ,,[cioM), mlS a Iwbj~ lú,idad, (Inlell(.lo) com que o agen le se afastou do m./hor fim.

t Nem todo! os três limites internos, pois, implicam um con· Irôle do poder tU scricionirio, como afirma OOLDINI:I'IKO, 00. ri!., loe. tit, mil IpenlS o limite Interno sUbjecth'o. Secundlrlamente, tem

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N 68 vimos fam bém que W. J ELLINEK re8trin~ demasiado o conceito de poder discricionário, fllzendo-o inoidir apenas DOS chamados conceitos de vaJor prá.tico ,tricto Btn'u e excluindo-o de todos 08 oulros conceitos de valor, que, segundo êS8e autor, slo susceptíveis de ums interpretação noivou, estável, com base n08 critérios sociais vigentes numa determinada comunidade. Vimos também quo, ainda mesmo n08 limitoR apertados do sou poder discrioionário, o agente nlo poderá agir arbitràriamente, já que o poder discricionário é .die von Recht mit Maalgeblichkeit ausge· stattete, fehlerfrei zustandegekommene inruvidueUe Abgren­zung" pelo funcionário dos valores ou nlo valores práticos a que 88 normas recorrem. Como se vê, na conoepçll.o de W. JELLINEK, a lei autoriza apen!l.S as decisôes administrati­vas que nAo forem viciada,. Mas, evidentemente, nAo se t rata de um vício ;urldico, de um vicio legal, o que nlio impede que, segundo W. JZLUNEK. seja susoeptivel de uma aprociaçAo por parte do 6rglo jurisdicional t. J ELUNEK apresenta nove tipos de falta ou vIcio do poder discricionário, entre os quais, todavia, se encontram alguns CASOS de verdadeira e pr6pria vio­laçA0 da legalidade-como sucede quando a. Administração se engana quanto à. extensllo dos seus poderes, ou quando con­sidera ex.istente um facto inexistente. Todos os verdadeiros tipos de falta no exercício do poder discricionário repre­sentam, na. concepçlo do nosso autor, como que uma bar­reira contra a arbitrarndade na Administraçlio, cuja defesa é confiada à. justiça administrativa.

Também aqui, subrepticia e nlio desejada pelo autor, se introduz a idéa de atribuir aos 6rgliosjurisdicionais adminis­trativos a faculdade de controlar a correcçlo. sob o ponto de vista da eqi\idade e outros critérios de valor, da activi-

ImportAnoia a observação dllste autor, segundo I qual . 6 contradi­tório tlllr de li",ile ill'er"o: 1180 equlveleril I dizer que exlsle no inlerior dum pOder qUllquer ooisl que lhe 6 exterior -o que 6ev i· denlemenle impornlvelo.

1 err .• Obre AIIle pontn Gude, cit, p6g. 831 e sega., e V_f. tN_"",eeltt, riL, p6g. S5 e Bega.

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dade da Administraçlo, embora nNo a titulo de que 8pTe­eiarNo verdadeiros limites jurídicos. Se, até aqui, o êrro estava em considerar limites juridicos aqueles que eram simples critérios de valor, conveniência ou eqüidade, agora o €Irra está em se considerar natural e exigido pelo sistema do Estado de Di reito, de um modo geral, o controle de vIcios confessadamente n!o jurídicos; isto é: o êrro está em con­fundir Rechtaalaat com Juatiestaat. É JELLlNEK que contra­põe o Erme88enajehler à Rechtawidrigkeit.

Perfeitamente no termo da evoluçlio geral da literatura germânica àcêrca do problema dos limites do poder discri· cionário, encontra-se TEZNER. Vimos que, indo na senda do racionali smo legalista, êsse autor concluiu pela aboliçlo quási completa do poder discricionário na Administraçlo. No seu já citado escrito de 1911 1 Das detournetlletlt de poutJoi,. und die deutsche Rechlsbeschwerde, conclui l conseqüentemente, pela eliminação em termos absolutos do instituto do cdesvio de podon, e por um alargamento do da cviolaçlo da lei.. Os tribunais do contencioso administrativo terAo perante si ques­tóes de direito e questões de facto , e nada mais. Nilo há, segundo 'l 'EZNER, nenhuma necessidade de introduzir na prá­tica o instituto criado peJa jurisprudência do Conselho de Estado francês. TEZNER acentua também o carácter objectitJo dessa censura do contencioso administrativo, enquanto pro­curá' motivos puramente jurídicos, contidos na lei e determi­náveis por meio da interpretaçio: co juiz administrativo não tem de ocupar·se com um exame do acto administrativo sob o ponto de vista do seu motivo imanente. A sua misslo limita· se a determinar se um acto administrativo é ou não viciado no ponto de vist.ajurídico objectivo.. Nlto desem­penha nenhum papel a questão de saber f;e foram determinan­tes na sua emanação motivos condenáveis no ponto de vista disciplinar ou penal. Corresponda o acto administrativo em questão, a todos 0 8 respeitos, à acçlo legal, e será rue jurídicamente inimpugnáveh '. O juiz administrativo DIto

1 CU. 'por JÔHR, ob. oit, pág. 18J·182.

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é nenhum detective, investigador das intenções e íntimos objectivoB da moral dos funcionários.

A doutrina francesa, por sua vez, nlio procura mais do que teorizar as decisões da jurisprudência administrativa, para sôbre elas proceder il. cODstruçlojurídicacorrespondente; doutrina e jurisprudência têm pois de ser avaliadas em con­junto. Na falta de textoslegislll.tivos, construiu-se tõda uma teoria das causas de anulação dos actoa administrativos 1, que, na sua formaacluaI, se resume em admitir os vícios de: incom· p~tence, violation des formes, violation de la loi e dttournement de poulJoir I. Mas, uma grave dúvida S6 levanta na dou­trina francesa: l6stamos nós em qualquer destes casos perante uma ofensa à legalidade? A opini!lo tradicional, filiada nas tradições do legalismo revolucionário, é a de que, de facto, cada um dêsses vicios representa a violaçlto de uma nonlla: .deve·se, pois, conservando a c19,ssificaçio tradicional, pre­cisar·lhe alguma coisa os termos, e exprimi. la como segue; violaçlo de uma lei de competência; violaçAo de uma lei de forma; violação de uma lei de fundo; violação de uma lei de fim (détournement de pouvoir)" s. ", Nós cremos que todo o excesso de poder se resume numa violação da lei,, ' , Mas, se esta concepçlio nllo custa a aceitar em relaçlio aos três primeiros vícios, é absolutamente discutivel> quanto ao

I Diz.se Indiferentemente .Ies vico! constl lulifs de I'excêa de pouvoir., .Iea cauaos d'lInnulalion., ou . Ies ouverlu rea à recours •. Cfr. JI!:AN AI'I'Lg'TQN, TraiU 414men/ai,. du con/em:i~ug;: adlflini,' ra'i(. 1927, pig, 591.

I Cfr. ApPLETON, oh. cil., pig! . 591 e 592. JtzE, deade 1911 ( R.v. d. Droil ~b1ic, pig. 286), admilia uma quinta abertura, o arro de facto, que outros onquadram na violação da lei, e outroa ainda no .détournement . (moralidade administrativa).

S CCr. MICHOun, ob. cil., pig. 77. , Cfr. AI'I'LETON, ob. cil., pig. 592. C(r. tambérfl BONHAMO,

a rt igo citado, pig. 366, ando afirma que nos recentes desonvolvl­mentos do recurso por excesao de podflr _noa man temos absoluta­mente no controle da lE"galidade, pois que o Conselho de Estado apenas intervem no domfoio da competência ligada •. Clr. ainda RtGLADE, artigo citado, pig. 427; DUGUlT, Troi t4, 11, 3." ed., pág. 390.

.. quarto, o d~Wu",ement de pouwir. Vejamos como se pl.ie a questlo.

Começa-se, na doutrina francesa tradicional, p<ir a:aina. lar que a Administraçlo é detentora de certas f"ouldadas discrioionárias, mas quo 68868 po<leros nla sito DelD podem ser, no Estado moderno, arbitrários. Tem limites, tem res­trições impostas pela lei: lei de competência, de forma, de fundo, de fim', Mas, lhA realmente uma limitaçlo 1~9al do poder discricionário, pelo lado dos fins da actividade admi­nislntivft? Em França começou a pôr-s6 o caso em dlivids, sobretudo a partir de HAURIOO' e a 8 ua escola, nomeada­mente com H. W F.L-TEIt' e L. GOLOENB&RO·,

HAURIOU parte de uma análise do conceito de coxees de pouvoiu, em geral, e da Bua origem histórica. cJ!lste recurso é contencioso, porque é levado li presença de um juiz público, o Conselho de Kstado .. . , mas, em si, é um recurso hierárquico, primitivamente levado perante o Rei, que confiava o seu exame ao Conselho, e que, em seguida, se tornou contencioso. . . A jurisdiçlo do exC9UO de poder ... 6 uma espeoie de jurisdiçAo pretoriana, que, misturando a RCçãO hierárquica a aeção contenciosa, ligando a moral e o direito, criou direito, 5 . cO excesso de poder 6 uma espécie de delito profiseional, cometido nlo em rela­çio à lei, mas em relaçlo a máximas pronuionais, oujos postulados podem ir muito mais além do que as prescriçlSes da lei . . A noçAo de eXCesso de poder 6 muito mAis extensa que a de legalidade; corresponde à. moral que 6

I Sóbre esta rorma ~o pOr o problema, conflra, por exemplo 1hollOUD, ob.cit., pAga. 76 e aege.; 1IARO.K.LL.K. WALUIK, NOII.uliUm'lI· Ioir. d. Orai' Adminirtroli{, 2.- ed., 1939, pAgo 165 o aega .

• J á em nOl8 no R. Si"" 17, S, 26,80 arrê l Gomel de4 de Abril de 1914; Palie. j .. ridiqw. ti f.olld d .. droil, in R."", T,iMUj,idl, dM DroU Cid/" 1926; P,ici. tf4m''' 'ai,. d, Droil Adlni"i,/rQ.lir. 4," ed., revista por A. HA URIOU.

S In lA rOIl/rÓ/. j .. ,idicjio""ei d. Ia mora/itl admin'dratiN, 1929. • Ob. cit., pAgs, 11 9 .ltegeitamos, seguindo HA URIOO, a anUlae

exclusiva mente legaUatl do coD trole juriadioioDll •• ~ HAURIOO, P,ki,. 011., P'S9, 267·68.

.. mais extensa que o direito) I , O pensamento de H AURIOU,

part indo desta premissa, tem tido várias formulações, bem diversas por vezes. Assim, por exemplo, Da nota ao carrêb, GOIIIEL enquadrava na. moralidade admini strativa, além do détournernent de pouvoir, uma ccin quieme ouverture au reeoura pour exces de pouvoin: o êrro de facto . Quanto ao Précis cit., od. cit., o conceito de moralidade administra­tiva encontra-se no détournement de pouvoir e na incom· petência rationae ttkl teYiae; e os vícios de violaçAo da lei du forma, incompetência rationae per8onae, e violaçlio da lei, dizem respeito à violação do direito existente.

Mas, precisamente, lem que consiste esta moralidade administrativa? lNllo é ela constituída por um domínio legal, pelos fins da lei ? Responde-nos HAUlUOU que nlto, porque &0 espírito da loi é o limite a impor aos direitos no interêsse da justiça, o espírito da moralidade é a directiva a impõr aos deveres no interêsse do bem, havendo assim uma nítida distinção entre o que é justo e o que é bom) ~.

Os diferentes víoios, ou couvertures au recours pour exces de pouvoír) silo, na literatura francesa, a partir de MrOBOUD, encarados como limites ao poder discricionário, e precisamente a inovaçli.o de H AURIOU consiste em ver, pelo menos em alguns dêsses víoios, e nomeadamente no détoutne­ment de pouvoir, qualquer coisa que ultrapassa a legalidade. A jurisprudência francesa, mais liberal que a legislação em que rigorosamente deveria basear-se, arranjara subtilmente um limite ao poder discricionário pelo lado dos fins, dos mo· tivos ou móbeis da AdlI!.inistraç!o a. A doutrina, perante êste comportamento da jurisprudência, procurou explicá lo , e, sem que com tal devamos surpreender. nos, pois obede­ceu ao espírito da época, que, j á apontámos em outra altura, considerou o domínio dos fin s, como Um domínio próprio

1 HAURIOU, nota cito j HAURIOU, Prki., ed. de 1927, pAgo 419. S Clr. GOLDt; NB EIHl, ob. cit., pAgs. 16S·164: .Não é apODas uma

idéa de moralidade, é tam bém uma concepção liberal que inspira esta jurisprudência. O individuo é o seu grande beneficiAria. ,

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da lei, plenamente intelectualizável, um domínio de certeza racionalista. Os fins foram considerados como fins legais, como matéria de legalidade. Ora, a verdade é qúe, no exer. cicio do poder discricionário e dentro da sua esfera-a DM· -legalidade -limites legais DM existem, porque discricio­naridade já quere dizer: não legalidade. O détcurnement de pouvoir apareceu, assim, lôgicamente, a HA URlOU, com qual­quer coisa de estranho à, legalidade, de pertencente ao próprio domínio da Administração e da sua conduta - da morali­dade administrativa 1. Ou seja, em termos ainda mais claros, ao domínio da própria discricionaridade I. Sôbre esta, nesse

1 .0 dêtournement de pouvoir. 'consiste DO raoto de uma auto­ridade admi nistrativa, que pratica um 8eto da sua competência,obsar· . ando aa formalidades, não cometendo qualquer violação da loi, usar do sou poder para fln s e em vista de motivos diferentes daque­les para os quais e em vista dos quais êste podor lhe fo i conferido, Isto é, diferen/u daqudu qUI! '''''põe a Moralidad. adlllinidra/ivu •.. ~ uma violação da boa fé, porque a Administração devo agir de boa fé, o i8S0 faz parlO da sua moral •. Crr. Pr~ci' , ed. A. HAVRIOV, pAgo 269.

t WI!.LTER disting uo na acti vidade administrativa três doml­nios : o da I'galidllde, o da mor alidade, e o da "PO,t"ttidadl!. Clr. 00. cit., pAga. 14 e sogs. Primeiramente, .(, evidente que, para sar regular, o acto admini strati vo não deve ir contra as regras estabele· cidas pelo direito posith'o, e também que, pelo seu objocto, deveri. em principio, aor sempre conforme As prescrições das leis e regula­mentos ,. Sóbre a moralidade : .11. apreciação aeêrca do flm seguido por uma vontade livre, capu: de dist inguir entro o bem e o mal, apresenta, antea de mais, o carActer de um ju (zo de moralidade. A preponderância do elemento fiM é tão marcada, qúe devemos admi­ti r (Iue, logo quo a Ad ministração S8 limita pu ra e simplesmente a prosseguir a real ização dos seus flns próprios, den tro daa form aU­dades requeridas, e pelos processos ad.ministra tivos regulares, a sua aoção se impOe em certas circunstAncias ~ excepcionais, é certo ~ (ora dI! qualquer con.idera~ão d. j'ga/idadl! da deci8ão tomada pelo agente administrati\'o •. • Enflm, . .. o aelo adm inistrati vo ... deve também ser oportu no.. A oportunidade do lIeto dependerA geral­mente da habi lidade eda .hardiesse . doadmini8trador ,. , No estado .ctual do nOS80 di reito, não existe nenhuma sanção jurisd icional da oportun idade dos aClO8 admin istrativos.. A dist inção enlre a opor­tunidade e li moralid ade admi nlstrativa8, proposta por WII:LTI!:R, não se nos apresenta suflclentemente esclarecida. ,são se pode des·

.. caso também, exerce-S8 um contrôlejurisdicional. A atitude da jurisprudência, imiscuindo-se no domínio dos m6beis da Administraçlo, sem que texto legal algum lho permitisse e obedecendo apenas a exigências sociais e jurídicas, praticou verdadeiramente o «coup de barre hardi l , de que fa1aHA tJ­Rl0U 1. E o que DitO dizem expUcitamente nem HAURlOU nem "\V:ELTER, podemos todavia vê-lo afirmado claramente, na obra já várias vezes citada de LEO GOLDENBERO: co cootrôle do détournement de pouvoir impliM, as mau das vezes, para o juie o neJ'dcio de um poder discricionário.. . .Com efeito, quando S8 diz que a autoridade administrativa do pode servir-se do seu poder senlto para o fim, em vista do qual êle lhe foi conferido, fica por dizer qual A ~88e fim, e é ao juiz que pertence fazê-Io, porque a lei é quási sempre omissa a êsse respeito:. '.

Em ltAlia susteeta·se também que o poder discricioná­rio não oorresponde a puro arbítrio, que se trata de uma liberdade climitadu, condicionada. Por um lado, deve obedecer a todos os principias de legalidade (legittimitiL), sem o respeito dos quais se origina o vício de cincompet.enza, e de cviolazione di legge" cujas definições 81.0 de certo modo idênticas às dos correspondentes vícios no direito adminis-

cobri r como 6 que. não sendo os li'" enunciados pela lei, nem sequer de modo implfcito, se possa afirmar que à ·Adminlstraçio nio cabe a escolha livre dos fin s; e mais: que se fale em .rêgles de but •. Mais que em quslquer outro autor, a noçio de fim 6 em WUTER vaga e equIvoca. De-realo, a sua construção parte de uma teoria muito ' discutlvel: a teoria da . Institulção., de GEOROlta RL'iARD. Entre a legalidade e a discricionaridade nio existe terceiro genero: a legalidade repreaenta·se pelos conceitos legais teor6t1eos, a discri· clonaridade pelos conceitos legais prttlcos. Cfr. sObre a doutrina de WEUSR, GOLDB~BSRG, 00. cil., pAgs. 117-118, em sentido seme­lhante ao nosso. Para WZLTI!:R, cabem no conceito de moralidade admin.istrativa, o d~jou",_.,.' dfl poullOÍr, o êrro de racto e a incom­petência ratiOtlafl Maltriafl.

1 Crr. HA(lRIOU, nota ao . ar rêt_ Grazietti, Sirey, 03. 8.113. 3 Clr. GOLDK~BII:RG, 00. d i ., pAgs. 164-165. Clr. no mesmo seno

tido, a obra mais recente de LAClfARRlil.:RE, LfI oonlrÓI. hiflr"a,ehiqM, d.l'ad",i"i.l,.aliOll ~". la (O,.", . jl4ridiclionflU" 1988, pAgo 102.

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trativo francês. Mas a lei italiana do contencioso adminis· trativo (art. 26.0 do t.exto único de 26 de J unho de 1926, 0,° 10M, das leis sôbre o Consiglio di Stato) admite ainda um recurso fora dêstes fundamentos: um recurso com base em c&Ceasso di petare». lQual o significado dêste vício? .lDiz êle também, e só, respeito à degittimilà»?

Ora, primeiro que tudo, sempre se entendeu que dentro do cece8sso di potere ~ cabe o chamado cstraripa­mento di polere' j ou, por outras . palavras, sempre se enten­den que O cstran"pamento di potere. fôsse uma forma ain­tom!ltica do «eceasso di patera.. O «aceesao di potera., neste sentido, define--o a doutrina italiana como a «usurpa­ção de um dos poderes do Estado para além dos limites assinalados pela ordem j uridica, como exercício de poderes atribuídos a órgãos de outra funç!o do Estado ou nio consentidos a nenhum dos poderes do Estado 1. í:ste foi o significado originário da expressão ceceasso di potere .. , e por certo tempo o único que lhe foi atribuldo. :à1as a jurisprudência italiana foi progressivamente alargando o significado da expressão, excogitAndo várias outras cÍor· mas sintomáticas:. do ceccesso d i potere:., que são outros tantos , limites .. do poder discricionário. E é assim que o Conselho de Estado italiano, seguido pela doutrina, con­sidera abrangido na noçio de ceceesso di potere:. , além do csviamento di potere., o clraviaamento dei latei:. , o cdi/etto di motivaeione:. , a ciiwqicitd della moeivaeiotae., a cingiusti· S!;ia manifesta., 1\ ccontradittorietd con anterWri provedimenti nela dessa materia . t.

De todos estes vícios, incluidos no ceccesso di potere:.,

I Crr., por exemplo, O. RANKLLE1TI, LA QwaranliQilll cit., 4 .• 00., 1934, pág. 9ã.

I Cfr. RANELLI:TTI, 00. cit., págs. 96 e segs. ; FRANCE!lOO RovKLLI, Lo .malllmto di pol,",., in ltlJCtlOlla di Serill i di Dintlo pubblico i" OtlOrlll di Oiom""1 Vattloelli, 1938, págs. 453-54. Mas a enu mera­ção das . formas s intomáticas> do .eccasso di petere_ não é concorda na doutrina e najurlsprudllnci •. Alguns indicam menoa, pcrexem­pio, ZANOBINI, Corto cit., I, pligs. 343 e sogs.; outrós mais, per ex., C. VITTA, 00. cil ., " plig. 378 e segs.

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diz a doutrina dominante que êle8 alio formas de ilegalidade, tillegitimità" do acto administrativo. E a rado dada é que cada uma destas figuras constitui, 8. seu modo, um ~vício da causa,. do BCto administrativo I , Porém, a noção de _causa,. do Beto administrativo, que em Itália foi pela. pri­meira vez profundamente analisada por CAU)IF.O, é das mais discutidas pela doutrina. Uma corrente subjectivista con­sidera causa do aeto o último dos seus motivosj uma cor­rente objectivista toma-a pelo , fim prático e concreto . de cada um dos aetos administrativos. Neste sentido a tomou, C AMMF.O, o qual pôde dizer que, enquanto tradução de um& causa própria, todos 08 aetos administrativos são cupicas. (t ipicidade dos aetos administrativos) I, Mas começou-se já a reconhecer que a DOção de causa, para explicar que o ,&ccesso di potere» se reconduz à «illegitimith, é insufi­ciente ' , Chega-se hoje, dada a insuficiência desta explica­çlo, a revolucionar tôda a eonstruçlo tradicional do .. eccesso di potore», Assim, um autor dos mais clarividentes, ana­lisando as figuras até hoje englobadas nesse vIcio genérico, conclui que certas dela.s devem ser transferidas para &

«violazione di legge., enquanto que as outras que 8e possam reduzir a um vIcio quanto ao .firo :. do aeto, permanecerão no· . ecce880 di potere., na sua figura de .aviamento di potere . '.

1 erro por e:x:emplo, VIlTA, 00, O tIOl. ci l., pAgo 378i CUIIIlII:O, Cora0, T, pig. 448; S.U .KM I, Lo giN. Ii.ia alll lllini,lrah'm, 1938, pig, 225; R01l81, Lo g;I<";,;(& IJ",,,,in;.lrIJlim, 1938, Vig. 42; RSSTA, Lo. nIJll<ra giNridiC(J dtll'f«U'o di polua CO"" a.io dtl1/i IJUi IJ"'III;"i, 'rIJlivi, in AnnIJli deUa &l1iIJ Unit,'e r.ilà di MIJCUIJIIJ , vol. VIII, 1932, pAgs. 48 e Begs.; PA I't'ALIúIDO, L'teeU.o d; PIHU' IJ",miPli, lrIJI;ro 'tcO"do la l1iN' ri,p'Nden,a de' Con.ig'io di Slalo, in S /"di i n _';one dei Ctn/,nIJ­r io, 1932, voI. 11 , pig. 429 e 8eg8.; eto.

t SCibre a discussão à voUa da noção de causa na doutrina itali ana, P. 8000A, Lo no.ione di <:aN' a giN,idkG del/a tft(Z"ifu/IJ.ion, di ""Ionló. "f' diNl/o a "'mi"i" rIJUw , 1933; na doutrina (rancesa, efr . VKDII:L, 8110.; .. " la IIOUO" de <:a" .. da"." droil IJd",ini,'rali{, 1934.

3 Cfr. neste sen Ti dO, ROVEloLl ob. til., Vig. 45'1 ; M. S . GUHNINT, llpole", cit. , pig.181. .

, Ofr, GWSEI'I'INO TRKVF.S, La p,""neilm' di 1~í1iltimilà d8fl1i alli a,"lHill i,lral i~j, 1936, pigs. 43 e segs.: -o excesso de poder ita·

G9

t &.Ssim, ainda, que um dos autores italianos mais rapu­tados pôde escrever que entre 08 vicios dos aetos adminis­trativos ",alguns dizem respeito à. causa jurídica, ontros aos motivos, outros à.determinaçAo concreta,; que centre os vícios que dizem respeito ao, motivos, assume DO direito adminis­trativo importância decisiva o ceccesso di potere ~. E abso­lutamente fora da doutrina dominante, p()e a cingiustizia manifesta. fora dos vícios da legalidade, para a englobar DOS

vicios «di merito., isto é, de oportunidade, de discriciona­cidade 1. E quatulo se nla OUS8 dizer o mesmo do «8via­

mento di potere. t, convém-s8 no entant-ú em que cnou si puo negare oha si trata di una eotla di confine. ~.

Finalmente, lcomo se pode resolver o problema A face do nosso direito BotUal? •

O nosso Código administrativo de 1896. no seu art. 326.-, estabelecia que ~ nllo é permitido aos tribunais do conten­cioso administrativo julgar, principal ou incidentemente, questões sôbre a conveniência ou inconveniência das deli­berações dos corpos e corporações administrativas:. . Consa­grava-se assim o principio geral da insindica bilidade do poder discricionário da Administraçli.o. tSS8 mesmo artigo rere-

liano corresponde flnieamente ao .dêtournement., quere dh:er, Iden­tiflca·se com o . sviam ento . italiano, que, todavia na prãtiea tem • assu mido aspectos diversos do francês. err. tamb6m ORLANOO, Giw.li~ia """",óllj./raliM, no sou Tratatlo, e D'ALdSIO, TII.lilwziOlti, cit., pág. 122. .

1 Cfr. Z"NOBINI, 00. cil., t'ol. cit., pág1l. 34 1 e segs. ! S-Obre o .eece880 di potere. in genere, cfr. LUlGI R"oGl, in

lliri/lo A", ... i .. illrali.:o, I, 1938, pAgtI. 164: .SObre o significado desta torçeira categoria de vlclos chegou·se boje na doutrina a uma idéa univoca, fazendo entrar nela a falta ou falsidade, ou ainda a ilicitude, da causa e o êrro nos motivos do aelo administrativo. E.lu impli­cam (I ~tc ... idad, d, wm u::a",s no ",tirito do aoto administrativo, enquanto que, para estabeleoer se realmente existia falta de causa ou êrro nos motivos, OCOrre passsr ao exame das representações subjec­tivas do órgAo que emanou o aolo •. EslA aqui o termo de uma evo­'J uçA,)1

s Cfr. G. TRBVkS, 00. cit. , pAgo 51 e ainda o recenle trabalho, ji citado, de ROVXLLI.

7.

ria-se a dois limites à insindicabilidade jurisdicional do poder discricionário: a incomp~ttncia da entidade que ema­nasse o aeto, 6 a vwlação das leis ou regulamentos adminis­trativos.

O vício chamado «desvio de poden nlio era referido peltL nossa lei administrativa. Mas ajurisprudência, seguindo o exemplo doa tribunais franceses do contencioso adminis­trativo, acabou por reconhecê-lo num caso ou noutro I, com aplauso da doutrina 1, até que a propria lei (Dec. 0.0 18:017, de 28 de Fevereiro de 1930, art. 1.0, § 2.'t,"Il,o 2.°, a Reg. do S upremo Conselho de Administraçlo Pública, aprovado pelo Decreto 0,° 19:243 de 16 de Janeiro de 1931, art . 1.0, § 2.°) o consagrou explicitamente. Depreende.se dêstes textos que o conceito de desvio de pQder seria o seguinte: um vício próprio do exercício das cfaculdades discricionárias,., consist indo no uso destas cfora do seu objecto e fim,.. Ao mesmo tempo, os diplomas ultimamente citados f!lencavam também os vícios possíveis dos actos administrat.ivoB de um modo geral, e Calavam, lLBSim, de .. incompetência), cexcesso de poden, t violaçio de lei- e .. ofensas de direitos Cunda· dos em leis, regulamentos ou contratos de natureza admi­nistrativa» (Dec. n.o 18:017, art. 1.0; Reg. citado, art. 1.0, D.o 3) '. Referência aos três primeiros vícios fazem-na também o Decreto n.- 28;006, de 1 de Outubro de 1937,

• o Regimento do Conselho do I mpério Colonial , artigo 6.°, n.o 3, e o aatual Código Administrativo no seu artigo 69õ.O 4.

Estes vícios foram definidos pela doutrina, nomeada-mente pelo Pror: ~}tZÁ8 VITAL. .

1 Clr. MAGALHla COLAÇQ, in Bo/eUm da }rruJ. de Direito de­Cot.bra, ano 11, pág8. 444 e 8eg8.

S Cfr. autor cit., 00. eil'J pAga. UI e 88g8., O Direi lo, ano õ5.0, pág. 55.

, De r6ll to, a exemplo de leis an teriores, nomeadamente o Código de 1896, em vários artigos.

, SObre se a _ofensa de direitos. constitui um vfcio caracie­rfs tico doa act08 administ ra tivos, clr. MARCELO CABTAMO, Alallt4alcit .• pág.504.

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Qualquer dos três vícios pode afectar um Beto prati­cado no exercício das faculdades discricionárias. Isto é: êsse exercício estA sujeito a determinados limites de oom­petência, de lei de fundo ou de forma, e, finalmente, ao limite que consiste em nNo ser afedado de cexcesso de poden. Tal como a jurisprudência e doutrina italianas, a nossa doutrina e jurisprudência consideram que no excesso de poder se compreende, antes de mais, a ",usurpação de poderes., ou seja, a prática pela autoridade administrativa de um seto absolutamente estranho às atribu'içães da admi· nistração, considerada Bata como uma das funções do Estado I. Como ",usurpação de poderes., o cexcesso de poder:. é ainda um vício susceptível de se encontrar em qualquer aeto administrativo no qual S8 exerçam ou Dl0 faculdados discri· cionárias- é um vício genérico. Mas, a doutrina portuguesa e a jurisprudênoia têm também entendido, e hoje com claro apoio da lei (§ 2.° do art. 1.0 do Reg. do Supremo Conselho de Administraç!o Pública), que O vício de cexcesso de poder. é um vicio complexo, que, além da cusurpaçlo de poderes., compreende ainda o chamado .. desvio de poden'. E êste já. não será um vício genérico, comum a todos os actos admi­nistrativos, mas especial para aqueles em que a autoridade beneficie de faculdades discricionárias. Trata-se, pois, de um limite ao exeroício do poder discricionário, considerado, assim, como não inteiramente livre e arbitrário. cA mais lata discricionaridade nunca dispensa a autoridade que dela. disfruta de prosseguir o interêsse geral. Todos os poderes na administraç!o correspondem ao dever de servir a colec­tividll.de:t a. lO 8Cto discricioná.rio só é válido, se prosseguir uI? fim de int6rêsse público, e precisamente aquêle fim que

1 Clr. F:t;zÁs VITAL -Os conceitos de incompetência, excesso de poder e violação de lei, DO direito adminiSlrativo português, In R" . a. lAfI . • dt Jfl rUp., ano 55.0

, pága. 177 e sega.; MARCELO CAETANO, Manual cit., pága. 606 e sega.

I efr. Reli. d. Lefl. , d, J",.i,p., ano 55.0, pAgo 178 e aega., MAR­(l!U.O eAKTANO, 00. cil., pAgo 007 e lIega.

3 Cfr. MAR(l!U.O eAKTANO, oh. cil., pAgo 498 e aeg.

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a lei teve em vista ao conferir o poder ao órglo que o pra­ticon~ I. O desvio de poder consiste exactamente .. no exar­eleio pela Ildmioistraçlo de um poder discricionário, com fim diverso daquele para que a lei o cODcedeu» "

Ora, icomo r esolve a doutrina em Portugal a q U6S&

da natureza juddica do .. desvio de poder,.? Cremos que sem discrepância a doutrina em Portugal se inclina para a solução segundo a qual o desvio de poder é um vício que diz respeito à le9,llidade dos aetos administrativos. ::húoA­t.UÃES GoLAQO sustentou, logo que o problema do desvio de poder tomou importância entre oó@, que o desvio de poder ~ uma verdadeira ilegalidade, "'para nlio dizer mesmo, como me inclino aliás a sustentar, que êle é uma. verdadeira ' 8

simples hipótese de vwlação fk lei,. . O fim da lei é o mesmo que O seu e8plrito, e o espírito da lei faz parte da lei mesma, já que ta lei uão é apenas, impassivelmente, o seu texto defi· nitivo~. ..O espírito da lei, o fim da lei, forma com o seu texto um todo harmónico e indestrutível, e a tal ponto, que nunca poderemos estar seguros do alcance da norma, se n!lo interpretarmos o texto da lei de acôrdo com o espírito da leh. ;cPara que o acto dum funcionário seja irrepreens[vel sob o ponto de vista jurídico, torna-se indispensável que do tenha havido vício no fim que o agente se propôs ao praticar êsse aeto; torna-se indispensável que o verdadeiro fim da lei tenha sido a causa da prática do acto~ . ..Se êsse fim não se verificou, se o aeto foi determinado exclusiva­mente por um fim diverso daquele que a lei teve em vista, ainda mesmo que o fim visado pelo autor não tenha sido um fim reprovado pelo direito, ou imoral, o acto será viciado de desvio de poder» (in Boletim cito pág. 442 e seg.).

F. VITAL sustenta doutrina de certo modo idêntica. cO desvio de poder viola a lei no seu espírito, na sua lina· lidade, distinguindo·se da cviolação da lei. como vicio espa-

1 Cfr. MARcn.o CABTANO, 00. cil. , pAgo ",99 e seg. S Clr. M. CASTANO. 00. di., 607, e .. Notas sObre I jurisprudência

Idministrltiva: O desvio de poder . , In O Dir,i/o, Ino 71.°, pAg. 19 ....

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~Ifico - desde que se trate da violação de uma lei de Cundo -em que o acto viciado é-o, neste caso, olio no &eu fim, mas no contetido, no seu objecto, e seja qual fôr o motivo deter­minante~ . O fim do acto deve coincidir com o fim ou espírito da lei. Ê8S8 fim encrespando ao para qu~ do lacto e consiste na convicçlio existente no 8splrito do sujeito, de que, quando o aeto judaico fOr executado, nascerA para éle ou para outra pessoa uma situaçilo que lhe facilitari. nu assegurará a realizaçAo dum certo querer anterior ou poste.­rior. E portanto um elemento de ordem pUf1lmente psi­cológica e subjectiva, uma representaç'o, uma convicçlto, uma imagem, verdadeira ou falsa. Fim é o mesmo que motivo determinante 1.

Finalmente, MAROla..o CAJlJ'TANO diz· nos que "0 acto viciado de desvio de poder é aparentemente regular: o único dos seus elementos essenciais atingidos pela i l,gali­dade é o fim, qne nlto é o visado pela lei, Violou.se o eqin'to da lei:. , cDe certo que os desígnios pessoais, os cAlculas ambiciosos, as previsões que o agente faz, de si para si, no momento em que se determina a exprimir a vontade administrativa, para nada nos importam, uma vez que não desvirtuem o acto ns sua finalid~e (d.igamos) objectiva, Diferentemente sucede quando' o acto, aparen­temente regular, se revela, pelos motivos oo nhecidos e demonstrados, contd.rio ao espírito da lei e guiado por um fim que não é o do interêsse público inspirador do poder exercido:. '. O fim é, pois, aquéle inf.erêsse público .cuja realizaçlLo a lei tem em vista ao conceder a uma determi· nada autoridade um certo poder de agir.

A nossa lei faz hoje exoepçlo àquele tipo de sistemas de direito positivo mais comum, em que se nlto prescreve expressamente o contrôle jurisdicional do desvio de poder. E uma vez estabelecido legalmente êsse contrôle, piSe-se -o problema de determinar a sua natureza jurídica, tal

1 Clr. R.\'. d. úg •• dI: JUrilp., &UO 56.·, pAgo 178 e sega, t Clr. MARCELO CAeTANO, .IIa"lUZl rot., pig. 507 e .99.

qualmente se p~e naqueles sistemas que, como o francês ou o ita.liano, nlio presorevem expli citamente o contrMe refe­rido, ma.s onde as respectiva.s jurisprudências, secundadas por parte da doutrina, o admitem.

A demonstraçio tentada entre n6s, no seguimento de part-e da. doutrina. francesa e italiana, de que o contróle do desvio de poder é um contrMe de estrita legalidade, é assaz pouco con'0ncente. Se, com CoLAço, se afirma que o fim da lei é um elemento de pr6pria lei, afirma-se muito e demons­tra-se pouco. Parece que a melhor doutrina sóbre o fim da. lei, a ratio legis, consiste em considerá-Ia como lI.quêle con_ junto de int8rêsS8s, exigências, relações, necessidades ou cir­cunstãn"ias sociais em vista das quais a lei foi emanada, ou que a lei tem em vista, considerada objectivamellte, e cujo conhecimento serA porventura necessário para determinar o verdadeito alcance da lei ' . f: apena.s um recurso da inter­pretação da lei I, de nenhum modo um elemento da pr6-pria lei . E, de duas uma: ou estamos, de facto, perante uma. norma, embora de alcance difícil de determinar, e então o­fim da norma, o fim tido em vista pelo legislador, ou o quadro dos interêsses que a norma deve juatamente regular, vêm, como elemento extrínseco, meta-jurídico, ajudar a determi­nar-lhe o exacto comando; ou nlto 68t.amos perante uma norma de sentido estável, estamos perante uma lacuna, ou perante uma região de discricionaridade, e nesse caso niio ae pode falar de fim da lei. Lei, a bem dizer, nesse caso, nlio existe: o juiz ou o administrador socorrer-ae-lio, tendo de julgar ou agir, do seu sen timento do direito, na forma a que em outro lugar aludimos: julgarão pela. forma. ma.is razoá­vel, agirAo da forma que julgarem mais conveniente e opor­tuna s. No caso da administraç1i.o: aqui vigora a sua liber­dade, o seu justo e bem orientado arbítrio. Aqui é a região

1 Cfr. Dr. IthNVII:L Pio: ANPRAD8, prefAcio à sua tradução da bderprelação e aplicação da. lei,. de F. FtatRARA, 1934, pig. 12, nota.

t Cfr. Dr. MANUIIL Dt; ANDRADa, E",aio .6bre a 1"' ff"prda,40 dai lei., 1984, pAg.28.

3 Crr. tlmbém Dr. MANUBL D~ ANORADE, 06. ril., pAgo 123 eseg.

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onde vigoram normas, mas normas ntlo jurídicas 1, iUBUS­

ceptJveis de contrôle jurisdicional, a do Ber que a lei (ou qualquar outra fonte de direito) o consinta. NIto & a. DOssa uma doutrina de «ceticismo exoessivo . , na expressão de P18ANELLI a respeito da muito IDeDOS cética doutrina de W. JELLlNEK. E que o fôsse, Dlo seria êsse um defeito, desde que aceitemos que em muitas coisas a melhor posiçllo de verdade ainda é o ceticismo.

As idéas do professor F. VITAL sôbre o desvio de poder nlLo diferem, literalmente, muito dssde M. CoLAQo. f': le fala também do . fim da l ei:>, do «espírito da lei . , e não S8 lhe pode por isso, opõr Dada de novo. Apenas se deve atentar em um ponto. Nós encontramos na sua exposiçlio uma noç1o de tim, e esS& noçAo é a noçli.o de DUQUIT (TraiU, vaI. li, págs. 292 e sega.), S, tal como neste autor, o fim é uma idéa, uma l"9presentação, ou seja, um elemento paicoló9ico (Rev. de Leg. 8 de Juritrp., pág. 129 do ano 61,0); e nlto se compreende muito bem como um elemento psicológico do sujeito possa também constituir o _fim da lei. . Da teoria assim formulada não se percebe com que coerência se pode chegar a uma vinculaçlio da acti vidade discricion6.ria. O fim nlio é uma representaçlio, é um velor, pelo menos em certa medida. O professor português, indo na esteira. de DUQUIT, B ONNARD

e \ VALINt:, parte duma análise dos elementos do acto admi­nistrativo, pura ver em relaçlio a quais dentre êles é possí­velo exercício de facnldades discricionárias, e conclui que quanto ao fim (salvo na hipótese de certos actos em relaçlio aos quaid o ilustre professor se conserva na dúvida - ReviBta cit., págs. 145-146) niio pode falar-se de poder discricion6.rio. A conclusão lógica seria a de negar a discricionaridade, como facu ldade de lilffe apreciaçlio, em todo o direito administra-

1 e rr., ~m sentido algum lanlO diferente, G. CoDACCI,PIZAtU:LLI,

L'j1ltl(llidit6 00"" ,antio ... di ,.0,..,.,' 110ft giurididte, 1939, paaaim. O Dl'. MANuaL DE ANORADS, EMaio .ób,.. a itllerprtlaç40 da. lei.~

(pAg. 66, nola), para ca808 de um mod,o geral idênliC08, fala vaga· mente de uma limitação pelas . diaciplinaa do eaplrlto., que excluem o mero arbflrio.

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tivo, em t{)dos os Retos da administraçlo, visto que, se os ele­mentos se podem dissociar para uma análise intelectual , na prática fo rmam um todo. Jamais se pode pensar em um .acto reCerindo o nosso pensamento apenas ao seu objeoto, porque o objecto supoe ttm fim: 010 S8 pode supor uma dis­cricionaridade quanto 80 objecto e uma vinculaçii.o quanto ao fim : se o fim é imposto, é tal ou tal, o objecLo será também imposto, s6 podendo querer· se aquêle ohjecto, aquêIe con­teúdo que conduza à realização do fim. l!: 010 se diga que nAo tem de escolher o conteúdo que conduZA a uma melhor r aalizaçJ.o do fi m, que basta realizar o fim ; pois que, se po­dendo fazer-se o melhor, alio se quere fazê- lo, comete-se um desvio de poder. Se há. sim ples êrro na apreciação do fim melhor, a lógica da teoria do desvio de poder, como simples ilegalidade (objectiva), deverá conduzir também à anulabilidade. Quere dizer, em suma : a discricionaridade, na lógica da teoria do desvio de poder, tal como é apresen· tada pelo Prof. FF.ZÁB VtTAL, DIa deve existir em direito administrativo. É, de--resto, o que à face da mesma noçll.o de fim, sustenta, em forma algum tanto equivoca (questllo diabólica é a do poder discricionário ... ) D UOUIT, num texto já em outro lugar citado: .:esta limitaçll.o da competência nlo só quanto ao objecto do acto, mas também quanto ao fim que o determina, constitui uma garantia muito forte contra a arbitrariedade dos agentes públicos. A conseqüAn· cia é, com efeito, que nada mais ~ deixaM à aprecitzção dis­cricionária do a9611te administrativo» (Trait~. n, págs. 295-296). Mas esta parece nlo ser, de facto, a conclusão do Prof. VITAL.

Por último, a definiçi\o de desvio de poder, como limite do poder discricionário, oferecida pelo P rof. MAROELO C.u:­TANO, clara em si, como as dos anteriores autOres portu­gueses aos quais vimos de nos referir ligeiramente, suscita desde logo a mesma critica que acabamos de fazer ao Pro­fessor VITAL. t;le parte também de uma diferenciação dos elementos do aoto adm inistrativo, e, segu ndo o seu conceito, ':0. competência de um órgllo pode compor-se de poderes vinculados e de poderes disoricionários, e até no mesmo acto pode haver discricionaridade quanto a cerlos elementos e

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vinculaçli.o quanto a08 outros_o Por sua vez, c& discrioio­naridade consiste numa faculdade de livrB apreciaçlo ' sôbre a conveniência e a oportunidade do acto, Bua execnç1o, sua forma ou seu conteúdo . . O poder discricionário permite uma aprecia.çlio pessoal do agonte a respeito dos motivoB que o levam a agir, ou a dispensa de motivação expreSSA, deixada ao critérW M agentll. Nlo há, pois, caminho mar­eado para 8 formaçAo da vontade administrativa, que liure­tltentl nasce segundo o juizo que, sôbre a conveniência e 8-

oportunidade do Ilgir, for ma o indivíduo investido da fun­ç5.0_ (ob. cit., pág. 498). Mas eis que há. um elemento, o elemento final, que DitO pode ser livremente escolhido . .. Um aeto discricionário só é válido S6 prosseguir um fim de interêsS8 público, e precisamente aquêle fim que a lei teve em vista ao conferir o poder ao órglio que o praticou . (pág. 499). Mas, em nosso par&Cilr, n10 se pode fa lar ao mesmo tempo e quanto ao meamo aeta, em liberdade, ares· peita de cerlos elementos, e de vinculação quanto ao ele · men.to tinal. A vinculaçlio deve teflectic-se sObre todos os juizos a fazer na elaboração do acto, e outro tanto se pode dizer da liberdade. A doutrina exposta, nlto é, pois, coerente.

E tanto o Prof. F. VITAL como o Prol. MA.lloELO CAE· TANO sustentam, como se viu, a incluslo do vício do desvio de poder na categoria clegalidade. I. Ambos partem do principio a que POlll'W BIONOI chama da cespecializaçAo funcionah t. O órglio administrativo nasce para realizar ctinalidades eSp&CiaHssimas . do Eatadoj é escolhido e seleo· cionado tendo em vista a realizaçlo de poderes e interêsses espeoiais. Tem cadaacto um fim preciso, cnominal •. Escreve o Prof. VITAL: cé evidente que tIio ilegal se deve considerar a decisão tomada por uma autoridade fora das condições de que a lei faz depender a aua legitimidade, como a tomada por uma autoridade em vista de interêsses cuja defesa a lei

I erro respectivamente, R~IIi./fJ de úuõ,la,40 I di JMrilprMd~"· cia, ano 61.°, pAga. 81 e aoga., e N:aftMal, ciL, pAgo Ml8.

I erro Lo I«)"a UfJtlral. fUllo di'Cf'uiOllolild ",lia dol/rifta dtllo S'a/o 1IIOd,,""o, cit., pAgo 3.for,.

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lhe Dlo confiou, ou, confiando-Iha, o fez mediante a entrega de outros meios. Se, como diz HAUlUOU, cchaque pouvoir administratif 6St enferm é dane la poursuite de 800 but pro­pre~, a ilegalidade do fim implicarA necessAriamente a ile­galidade do Reto ou decislo, visto o fim ser, com o objecto, um elemento essencial de todo o Beto voluntário e indispen­sável à apreciaçlto do seu valor social e jurídico. (Revista cit., ano 56,°, pAg. 179). Isto quere dizer, portanto, que o aeto .feotado de desvio de poder é um aeto ilegal, e ilegal por­que o agente do prossegUfl; o fim elpeeifioo imposto pela lei, aquela determinada categoria tU interl88e público tida em vista pelo legislador ao conferir à autoridade 08 poderes necessá­rios para a-emanaçlo do aeto. A doutrina. portuguesa vem, pois, assim, & encontrar-se perante 8S mesmas dificuldades que se levantam hoje na doutrina aleOll, francesa e italiana, e a que já aludimos.

Vimos como a orientaçlo mais recente na doutrina francesa e italiana é a de coosiderar o desvio de poder colocado DUOJa zona frooteiriça. entre a legalidade e a discricionaridade, que em }I"ranÇ& 86 chama em oralidade administrativu, ou mesmo a de o considerar incluido na discricionaridade. Mas sgora chega o OJomento de n6s, tendo em conta a consagraçlo legal do vJcio do desvio de poder pelo n0880 direito administrativo, darmos dMe uma constrnç1o adequada, que responda a tôdaa as dúvidas levantadas.

Recordemos as idéas que expusemos sõbre os conceitos de legalidad6 e discricÍ<Jnaridade, categorias irreduUveis e que enquadram, sem possibilidade de um terceiro género, tOdas 8S variantes de conceitos j urídicos, quere dizer, todo o direito fonnulado. Vimos como a legalidade se refere aos concei­~s legais teorét.icos, e a discricionaridade aos outros con­ceitos, ú nicos existentes além daqueles, os conceitos prá­ticos ou de vs.lor, que têm de existir nas normas para que estas sejam tais, isto é, gerais e abstractaa. Recordemos a n088a noçAo de compeltncia. Vimos que a competência duma autoridade era um conjunto de interêsses, de atribuições que a lei lhe faz na forma de direitos e de deveres, e s6 essas.

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cKompetenz ist das Recht und dia P8icht eine8 Beamten oder ainsl' Behürde. inoerhalb s inas bestim mten Wirknngs­kreises, staatliche Befugnias8 aU8zunbenJo '. A competên­cia é um poder e um deve,. de realizar certas esferas ou cir­culos de a.ctividadss, de interêsS8S públicos. Bem entendido, âSS8S poderes e deveres sIo conferidos pela lei, por uma t'lOrnla. Ora, êSS8S cIroulos legais de Bctividades e interêsses &lo definidos por conoeitos e por éles delimitados. NILo pode deix lLl' de ser assim: t rata-se de normas, ti as normas, como sa­bemos, aio a expresslo de conceitos. Na medida em que êsses conceitos s!o conceitos teoréticos, a competência do órgio é uma competência absolutamente determinada em ampli­tude e extenslto. O círculo de interêss6S, todavia, pode do estar estritamente delimitado. A lei pode referir-se-lhes com expressõsR vagas que traduzam conceitos de ordem prá.tica, e eotáo nlto pode falar·se em interêsse pdblico pre­ciso, nominal, categoria!. A autoridade age com extensa liberdade, c1iberdade intelectual de apreciaçlto:. .i o interêsse público 6 susceptível de tomar feições diversíssimas e tõdas elas da competência da autoridade considerada. 8e 6 per· feitamente definível, por ex., o conceito de .. e.alubridade~ ,

nlto o éjá, por ex., o conceito de «perspectiva monumental • . Aqui só 8e pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas nii.o o que êle compreenda. Todo o conceito prático tem os seus limites, preoisamente porque se trata de um co n· ceito. A competênoia definida por meio dêstes conceitos somente pode ser delimitada por forma negativa, e nlto por forma positiva, como no outro caso. Quere dizer: a com· pett;ncia é, no primeiro caso, limitad1ssima, no 88gundo mais ou menos extensa; no primeiro pode dizer·se o que ela é, no segundo apenas o que ela oito é. Limites estreitos, inte· rêsses perfeitamen te indicados e circunscritos, por um lado, limites largos, afastados, interêsses latissimos, puluriformes,

1 G. ?!lBT"lR e G. AN8QU OTZ, In W6rlerbuch du deul.eh.t1I SIao/,· ..... d V.,.ft)(llluN9,rechU, de STICIfOItL e FLKI80HM ... NIf, 111, pAg. 1026.

• Clr . CHIOVItNO .... hineipii di Dirillo prooe".uale dtritc, 1923. § l S,pAg.m.

ao

ioo:ro~:7t~,~::' ~~!:~i=:~'~ ~a~:~~ t~~:~, :~!: que 08 limites da competência, tais como os definimos, estão compreendidos no conceito de legalidade. Mais : a compe­t ência é tôda a legalidade : «jade Verwaltungsrecht.snorm erteilt-como nota Ú1To MAYIUt-einem Organ gewiS86 Befu­gnisse zum Handeln.,. t Eis, pois, que o vício do desvio de poder, para que possa enquadrar-se exclusivamente na lega. lidade, deverá dizer respeito caos limites" da competência, nu à. cmatéria,. desta quando definida por conceitos teorélicos.

Ora, exactamente, 010 é nova a teoria que reconduz o vicio do desvio de poder à incompetência. Recoroemo8 um& passagem da monografia de MIOItOUD sôbre o poder discri· cionário muito exprss8iva a êsto respeito : co Conselho de Balado, de-resto, nAo limitou o exame do fim apenas li. ques­tIo do fim de interêsse geral. O administrador, a seus olhos, comete uma ilegalidade, ntio apenas quando age num in!e­r êsse privado, mas também quando age em vista de um interêsS6 colectivo diferente daquele que tinha o dever de prosseguir. Ai também o limite é um limite de legalidade, porque resulta de regras legais precisas, que silo as regra. de compeUncia. Se, conforme a feliz expresslo de H AU· RlOU, cada poder administrativo está limitado à prosseouçAo do seu fim próprio, enUo ó que não lhe t permitido di.por da .ua compeMncia para a obtençlio de um fim que nela nllo está contido:. (ob. cit., págs. 89 e 90). E talvez que a teoria, assim subrepUcia e involuntàriamente introduzida no meio de considerações destinadas a provar uma tese diversa, se pudesse filiar, maia remotamente, em Aucoc e LAF&KartlU':.

Vamos, porim, mais adiante. Escreve J.':zg: cnl10 se pode pre-

t Cito por JÔlIlt, 0/1. (;;1., plg. 190. A competência tem, aSSim, o valor que outros diio à .vlolaçllo da lei., de "Ieio genêrlco. Sem· pre se exclui o ~\' Icio de forma>. Os liPllile" note·se, da competên­cia é que sio questão de legalidade. MIIII na pr6pria tIIal~ria da eompetêncla h', em certas hl póteseB, como acaba mos de \'er, larga margem de discricionaridadc, e iato deve reter-se cuidadosamente. Pode diter·se, pois: . na competência está tOda a legalidade •.

8'

sumir que os agentes públicos usem dos seus poderes para. atingir um fim diferente do que é visado pela lei orgA.nica da sua oompettnd1'a ,. (R~f). du Droit Public, 1922, pAg. 620). E BONNARD: f quando Il lei estabelece uma competência, fixa sem pre duma maneira mais ou menos expHcita o fim em ' vista do qual essa competência poderá ser exercida, (Rtv . du Droit Public, 1923, pág. 391). Por sua vez, escreve ApPLETON: cquando um admin istrador ao tomar uma decislo visa. um fim diferente daquele em vista do qual 08 S8US

poderes lhe 8No conferidos, sai verdadeiramente da 8ua com· petbncia ) (ab. cit. , pág. 622). Incisivamente, R. AUBERT:

evondo as coisas bem de perto, o desvio de poder é uma espécie de incompetência.- t. 'rambém J ÕSR: , também pelo lado dos fins a competência de uma autoridade é limitada. (ob. cit., pAg. 193).

Esta doutrina harmoniza-se perfeitamente com a con­cepção do «fim» do acto oomo «circulo objectivo de inte­rêsses :t , «parcela. do interêsse público" como ccaUSIU, Assim como também à face dela se compr. nde que, para que 8e anule um acto por «desvio de poden, seja suficiente uma viola~ objecliva da lei de fim. tal como se postula para a lei atri­butiva de com petênciaj compreende-se que, tratando·se de uma ilegalidade, para que esta 8e verifique seja suficien te o objecuvo desprêso da1ei - resultado ds intençA.o ou de mera culpa ou êrro t. Nada mais há a fazer do que observar o acto no seu conteúdo e na sua motiva~o, e verificar se existe uma violação objectiva da norma que marca as finalidades da scti­vidade admin istrativa, demonstrar que c a autoridade nla tomou fi, decislio determinada pelo fim que a lei teve em vista ao atribuir-lhe a competência , (prova negativa),

Mas, se o desvio de poder é uma forma da incompe-

1 e fr. La ~onlrM8 juridicliolmel de I' A.dmini,'ralion ou tnoyen d" r~oun p(lur t:u~. cU poul"oir, 1926, pãg. 2S6.

I e fr. M. HAURIOU o GU ILI.AUME DI: BtzIN, La dklaralilm de IIOlon/~ dan. /8 droil admi'li,ha fif franca i" in R~r>. lTitn. d. droil civi l, 1903, págs. 647 o sogs.; J ÕUIl., ob. cil., pAgo 201; ALIBERT, 00. cil., plig. 268; li F. V ITAL, Reli, de úg. ti J, Juri,p., ano 55.°, pág. 196.

tência, do se vê qual o interêsse da jurisprudência dos vários palses, e entre nós também uo próprio legislador, em enunciá·lo como vício aut.6nom~, compreendido no «excesso de poder •. Paralie Calar de competência ou do seu conlrário, a

"incompetência, é claro que é mister encontrarmo-nos pe!"ante interlsses públicos, isto é, interêsses que a lei con60u a qual· quer das grandes funções do Estado: a legislação, a juris­diçli:o, ou a execuçW>. Se, além de um espeQial ' intertase ' público, a autoridade realiza também um intertsse particular, seu ou de outrem, nlto éjá incompetentei.nesse caso realiz,a uma duplioidade dJl interêsses: realiza um in terêsse particular acessório, decorrente da realização de um interêsse público. Em tôda. a. actividade administrativa, como actividade püblica, há isto de caracter.ístico: existe em ben6Íício da comuni­dade e, portanto, dos administrados. O inLerêsse ptlblico vai partilhar.se entre os particulares, difunde-se sob a. forma de vantagens si"ngulares. O funcionário deve agir na zona do interêsse püblico que lhe ó confiada, e aqui deve ainda agir, por assim diz~r, seIIP 11- c(mscitncia de que o interêsse pl\blico se difunda parcialmente, injustamente, sem a inten· çiio, sem o fim de beneficiar mais êste ou aquêle. Claro que a lei nio pode ter mio na sua consciência, no seu pensamen to, a nio _ser ·para o punir. A lei nio pode regular a sua moral, a zona dos motivos do seu agir: pode, sim, confiar a outros agentes o poder de veri6car até que ponto se afastam da cboa e justa administração., da «moralidade administrativa ~

e discricionàriamente anular os actos com cujos motivos nio se hatDloniz~ a justiça. A zooa dos t: motivos~, dos c fins~ , assim definida, é uma zona iocerta, daquele gênero de incer­teza que nós caracterizamos já como o Ín~is próprio domí­nio da discricionaridade.

O desvio de~ poder cinde·se, pois, numa' dupla natureza jurídica: ou cabe na incompetência,. e se situa no .domínio da ilegalidade (e é o caso, por ex., do desvio com objectivos ou interêsses financeiros ou fiscais, por parte de uma auto­ridade com poderes de polloia, isto é, com poderes relativos a fins de poUcia) j ou se refere à discriciollaridade (e é o caso de desvio de poder com um fim de a"nimosidade pes.

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soai, de can\cter privadô, eto.). No primeiro caso a autori­dade é i,ncompetontej no segundo é competente, mas-à lei (ou outra fonte de direito) preocupa-ae com os motivos à f!l.Ce dos quais' se usa da competência conferida, concedendo a determinados agentes, com funções fundsq16.ntalmente hierárquicas, mas decidindo em forma contenciosa, o poder de vigiar a adaptaçlto da act.ividade administrativa a certas

. normas nlio jurídicas, a que se pode chamar normas de mo­raliclãde administrativa, ou de boa e justa admioislraçlio.

A primeira forma de desvio de poder compreende-se que seja, como a incompetência de um modo geral e a violaçlio de lei, um vício objectivo, isto é, que S6 pode verificar independentemente : das intenções do agente. O segundo, vício moral , deve ligar- se à intenção, ao com­portament.o doloso do agente. A prova deve ser desti­nada, no segundo caso, a demonstrar positivamente que o agente 'agiu por um motivo administrativamente imoral; no primeiro, basta provar que o acto não teve ellJ vista o inte­rêsse público específico, enunciado pelo legislador : basta uma prova ne9ativa. ~sse ioterêsse público constitutivo da competência tem uma tradução em motivos do facto, pres· supostos ou condições do agir, que terão de realizar-se efec· tivamente, sob pena de nulidade do aeto ou procedimento. A segunda forma de desvio de poder pode verificar-se, ou pela afirmação exponlãnea dêsse desvio no dossier do proce­dimento, ou será aparente através de formalidades prévias, informaçõ~s, fundamentação. No direito administrativo francês, informa-nos HAURlOU do início de uma jurispru­dência segundo a qual o Conselho de Estado pode ordenar um inquérito adminislrativo 1.1.

1 crr. HAURIQU, ed. ai '., pág. 269. t A nossa doutrina sôbre o des~' io de poder está contida em

germe na..pl9Bagem soguin le de M. WAI.1NK, onde se vê que afloram do.vidas semelhantes às nOllsas acê.rca da sua naturezs: .HA de certo modo dois g raus na apreciação reita pela administração quanto ao seu papel: 1.0 nunca deve esquecer-se de que 6 uma missão pClblica ou de interêsse público q ue lhe estA conftada, e deve res­peitar a dist inçio de que ralâmos entre poder discricionârio e poder

.. A n08S& j urisprudência tem aplicado com mais ou

menos taeto a dout.rina fraDCAsa de desvio de poder, que em Portugal fo i exposta pelos autores que referimos. Sabre a quesUio de saber se a intenção é essencial para que se verifique o desvio de poder, ou se basta a culpa ou êrro, a j urisprudência não se decidiu, porém, ai nda co ncreLamente I,

Quando o 0.° 2.° do § 2.0 do artigo 1.0 do Decreto 0.° 18:017 já citado, que consagra expressamente o desvio de poder entre nós, o define como o cexerclcio de faculdades discricionárias fora do seu objectQ e fim~, n6s poderemos, se bem o desejarmos, encontrar nesse texto apoio para a nossa doutrina do desvio de poder. Ou, por outra: devemos crer que ela se encontra consagradR pelas palavras dêsse texto legal. ~le quere dizer, sim plesmente, que as autoridades administrativas devem agir apCntlS dentro do objecto estricto da sua competência, isto é, prosseguir a esfera do intert8se públioo que a lei lhes conferiu. ~ não só isso, mas que também necessitam de nlio toma!', como jim, ou seja, (:Orn o mobil, um interêsse de (leterminados pH.rticulares - um inte­rêsse particular de qualquer oretem.

Em teoria, seria mais lógica mesmo a dout.rina segundo a qual essa vinculação ao objecto e ao fim legais- isto é, ao interêsse público G ao fim público - se pode enten­der como própria de tôda a actividade administrativa: todos 08 actos administrativos têm de ser pratictld08 pela

arbi' rário. Em oaso algum de"erá prosseguir um interêsse privado ou uma "inga nça peuoal; 2.0 niio é bastante que prossiga um fim p6.blicoj não estáenoarregado, erecti\'ameote, de prosseguir qualquer fim pdblicoj Ala eSlá oa admi nistração espeoialmenle encarregado de tal ou tal mlssilo precisa, definida pela sua competência. A primeira "'l1rl) t '1)1tc1onada pIla anufaçM co," ban em deu,io d. poder (mobil pessoal ou mobll polftico)j a Ul1undr" pela anN/aCM com (uPldOlnen/o eM inCOfltpeltnc;a OI' duvio d. poder (mobil fiscal, détournement do procédure) ou en fim com fu ndamen to em "iollção de lei (Arro de direito). Cfr . • lA Powooir Di.crtlionnair. d. j'Admini,' ra lion fi .a fjINila lioll par I. ~nl, /}[e j llridic/io"ntl, in Ru. du n ,oil l 'u!Jlic, 1930, pág.215.

1 Cfr. M. C, .... TA:..O, in O Direi/o, ano 71.°, artigo ci t. , pág, 194.

autoridade wmpetentll e sem motivos de moral adm inistra­tiva reprovAveis, NAo porque em lodos ê!es haja uma mar­gem de poder discricionário, mas porque todos os actos admini l!l"rativos têm de completamente ob86rvar a lei e a moral administrativa - a primeira b.l como os tribunais a interpretam, 11. segunda tal como os tribunais a definem I,

Poderíamos pensar que a lei portuguesa consagra esta doutrina. Mas a verdade é que hA que faze r-lhe res­trições_ Seria supor que ela quis quebrar os laços do paren­tesco que a ligam aos sisumas Crancês e italiano, taitl como comummente slo entendidos. Nestes, o desvio de poder é um vício caraoteristico e próprio do poder discricionário I. A nossa lei em prega a ex presalio ",exercício de faculdades discricionárias». Uma interpreLaç!o só, excluída aquela, é possível , e deve considerar- se como R consagrada pela nossa jurisprudência': a lei portuguesa confere a08 tribunais administrativos o contrôle contencioso, quanto ao fim não público dll. actividade administrativa, sÓ quando esta se blU!eia em normas de competência de contet1do ou matéria discricionária - ou seja, normas que encorporam conceitos práticos ou de valor, de limites jurídicos bastante largos ­e nNo em todos 08 casos de competência, e também portanto de competência vinculada. 1'êm êsses tribunais a {acuIdade

t A doulrioa tradiclon.l, segundo a qual o desylo de poder 6 um ylcio oaracterlalico e próprio do poder discricionário, r88ulla, assim, dum mau entendimento dAale (iltimo. O desvio de poder nasceu cOlUoli mi le juriaprudencl. l 1 teoria dosactol dApura.dm i. nlstraçio, ou sclos oilcrlcionArloa (crr. JEAN LUnQ'I ICI, L'~t'61ul;0"

d. Ia "oliO" d. Po.u:,oir di'Cf'~liOI"'air., 1937, pAgs. 41 e 78). QUlndo depoia le reconheceu que nlo hA actol purlmente dlscrlclonáriol, mil sim uma certa margem variiyel de diacricionari dade em lod08 OI aetol, aquêle \'Iclo pauou dOI <actos discriclonArlos . plra o .poder dilcricionário •. A yinculac:ilo pelo .Hm do aClo ., c,uclerfstica (I a leoria do desvio rle poder, dtmuncll a sua antiga origem.

t Conin , crr. F. WODTKIC, Der .rlcour, polU' ,:tU. d. poullOir . , 1912, que, numa InAli1l6 exaustiva da j urisprudência frl ncesl, con­clui por admitir que o Conselho de Estado anulA com base em des­vio de poder no exercfcio da compelêncl. ligada.

, Clr. M. C.H'TANO, artigo cl l., pAgo cil.

de apreciar êsses limites jurídicos - no que julgam sôbre legalidade ou competência (objecto) propriamente di~ (1." (orma do desvio de poder) - e de reprimir, anulan­do-as, as decisões tomadas co m apreciaçlio livre, disoricio­nária, pela au toridade nos limites da sua competência, desde que se mostre eviden te, pela forma d ita, que ela se decidiu com um mobil (fim) nlio público (2,· forma de desvio de p~der), ~te último conlrôle é, como vimos, puramente discricionário, e representa um a eDoppelverwaltung •. Tra­ta-se de um limite estatuído, nlio natural , do poder discri­cionário. Donde resulta que oStli mites jurisdicionais pró­prios do poder discricionário, que são apenas aqueles que uma exaustiva interpretação das normas legais pode deter': minar (os conceitos legais teoreticos, a lei - SOHT.UNER),

podem ser alterados pelos vários sistemas de direito admi­nistrativo, e foram-no, de facto, pelo nosso 1.

Verdadeiramente, deve dizer-se que onde começam os limites acaba o que é li mitado: se há propriamente um~ limitação ao mesmo tempo discrioionária e jurisdiciopal do poder discricionário além ·11os seus limites naturais, entlio isso significa que o poder discricionário termina realmente para as autoridados admi nistrativas aclivas mais aquém do que poderia naturalmente terminar: êsse, porém, que lhes tiram, vai para a administração contenciosa; muda de titular.

Em conclusio: o poder discricionário-a discricionari­dade - tem uma dimenslo natural, que pode ser reduzida pelos vários sistemas positivos, mediante a criaçlo de deter· minadas limitações; essas limitações sito, materialmente, de natureza l:.ierárquico·administrativa interna; formalmente, jurisdicionais. Um dêsses limites é uma das formas do des­vio de poder, no sistema administrativo português.

I Seria interessan te fazer a aproximação da nossa doutr ina, traçada A face do direito positivo, com a doutrins de l.A.UN, traçada, esse, como doutrine melhor. Verificar·se.ia, se aaproximaç1io fOsse feita, o Beu intimo parentesco.