Sentimentalidades

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Sentimentalidades É tão difícil escrever coisas sentimentais são tão cotidianas triviais Resplendem nos menores acontecimentos: - Bom dia!, o sol acordando sempre, a relva engolindo a cerração o padeiro com pão quentinho os badalos de sino da igreja - que nem sei donde vem o ranger Zen das janelas alegres o cheiro bom do café torrado feito agorinha a mãe que anuncia o raiar... Mesmo em coisas despidas de ação: a cadeira de balanço vazia a mesa posta o piano reclamando Chopin o olhar e o beijo imaginado dela, silêncio matinal - um convite ao amor.

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Sentimentalidades

É tão difícil escrever coisas sentimentaissão tão cotidianastriviaisResplendem nos menores acontecimentos:

- Bom dia!, o sol acordando sempre,a relva engolindo a cerraçãoo padeiro com pão quentinhoos badalos de sino da igreja - que nem sei donde vemo ranger Zen das janelas alegreso cheiro bom do café torrado feito agorinhaa mãe que anuncia o raiar...

Mesmo em coisas despidas de ação:

a cadeira de balanço vaziaa mesa postao piano reclamando Chopino olhar e o beijo imaginado dela,silêncio matinal - um convite ao amor.

 

Poesia, te queria pura

espectral, essencial

sem carne nem ossatura

te queria simples

modesta econômica

sem arroubos nem caudal

poesia, te queria poesia

isto mesmo que és

antes de te desprenderes do limbo,

natural

[nem ideal nem real]

te queria como a vigília extática

do dervixe após longa noite

de dança e procura e entrega

te queria espelho de mim

[e não me afogaria sem os

encantos de Narciso,

que não tenho, mas

tampouco

trasnsubstanciar-me-ia flor]

Des(Iterações)

O Vazio,que preenchea roda,está em tudoe em nenhum lugar.

Que se move em inércia, Que vibra estaticamente.

Transcende a tudoem que é imanentee é imanente em tudo a que transcende.

Progride sem caminhare caminha sobre si mesmo,imóvel.

Não é, não foi,nem será.Sem todavia,jamais ter deixado de Ser.

O movimento no Vazioé o Vazio,o movimento do Vazioé o Vazio.O tempo

é movimentono Vazio.O movimento do Vazionão é o movimento no Vazio.[Este final, um Koan.]

Afinidades

Ressoemos,juntos, à mesma frequênciavibremos!RessôoRessonuávamosao mesmo tempono mesmo ritmono mesmo embalançar,amávamos...

METAPOÉTICA

Uma régua, um esquadroUm compasso... aparênciasgeometrizantesnada valem por siVale a matemáticasob o recôndito das formasatingidas.

Flor de Lótus – Tributo inverso a João Cabral de Melo Neto

Não nego a água, poisorigino-me dela, rejeitoa pura água, poisfeito sou de barro,água-pedra[miúda esfarelando]

Sou o Golem, denem muito mole - água que descenem pura seca - água que sobe.

Difícil viver na pedraAcostumei-me à água,anfíbio que sou

[pelos regatos descendodas encostas em Minas,lama que tornei-me]Regai o quintal!Água mole...pedra dura...Dói[terra horizontal, água vertical - cruz!]O puro vapor que se depuraem pó sólido,O cadinho dosertãoem todoo mundo...Enfie a Estrela de Davigoela adentro, eselai com o Nome Santo:Que pinte Michelângelo!

Síntese

Há poetas destros,canhotos,ambidestros,horizontais, verticais, transversais...Euo que desejoé a escrita pura[integral]aquém e além de mim mesmo[se me for possível]o que transcende

[ou, a quem desagrade o platonismo,ultrapassa o sensitivo, as impressõessem se embaraçar no inteligívelnem na dualidade isto - não isto[interior – exterior]mas o composto simbióticose interpretando o mundopelo que o mundo ésabendo que tambémo mundo está em mim e eu sou mundo.

Eufonia: Amor e Ódio ao mesmo tempo, cinestesia, suspiro....o roçar de corpos amantes

vulva volve voltavolva voltevem vulva, vaivolta volúvel

avultaavoluma volúpiavem volve vai voltevoltarevolutea volívelvulgívaga vultosaenvultavaivemvouvunzar[vem-vai vulvar]

Filosofia Concreta

A mão e a luvaos pés e as meias...Qual a relação poética

entre o homem e o mundosenão a utilidade?Tudo existe[e tudo o que existe]para o homem o éPor que, pois, tecerelocubrações sobre oque existesenão sobre o fima que tudo se destina?

 

 

 

 

 

 

 

 

Propaganda de Massa - agora mudado para Engenharia Social

Nãonão se solte nãomantenha os nós-marinheiroas ataduras, as correntes maispesadas[ligamente constituídas]arraste!

Nãonão se solte nãopara que se dar ao trabalhoteu fardo é o de muitos

Nãonão se soltepor que ser diferenteDeixe de se contraporà ordem das coisasESTABELECIDAS

Nãonão rasgue o testamento de teus paisou serás um merohomem à margem- indivíduo!

escuridãoo breu me cobrecorpo inteironenhuma voznem ser vivoo que há é ummonte de estrelas salpicadasem matizes azuis sobreum manto de pichesem lua

Pérolas esquecidas

Uma porta fechadao que se encontrará quando for destrancada?Que haverá no salão contíguo a mim?

Estranhamente, há um mundo, vasto Universona teia desconhecida da realidade aceitae vivo num meupróprio e pequenouniverso

Destrancando todas as portasencontrarei euo sentido de minha Busca?Ou a Busca em si é o sentido?

Mas minhas vistas só alcançam um grão de areiana imensa enseada do OceanoBuscaria eu pérolas em dunas volantes?ouro de tolo?

Com tanto universo, este Universoo devir das dunas...

sou o grão de areiaora me acho aquiora acolá

sobre, sob, aqui, ali, acolá....

Como encontrar o centro da esferaem que me acho engastado?

sempre ausência de referênciais[aqui, ali, acolá...

Há uma Busca, egrãos de areia, edunas,pérolas, eum sentido

[uma ciência de epistemologia complexa,equações com variáveis dinâmicas]

Extático, Contemplando a essência mesma da areiapercebo seu potencial de espelhoEspelho de mimdo Oceanodo Céu azul, eestrelado, eespelho de todo grão de areia

Cada grão de areiaé um espelhoem potencialcabe polir-lhe as facespara refletir a pérolao Todoque é a razão de Serdo mesmo Todo.

Solidão de Nada

Caminho pelas ruas da cidadesinto o cheiro do orvalho no chão negroas últimas estrelas arredias em se pôr...De uma arfada, engulo uma coluna de arExpiro,Liberdade...Liderdad...Liberda...Liberd...Liber...Libe...Lib...Li...L...... Amanhece.

lá se foi a liberdadetriste, solitária, estrangulada pela multidão.Saudoso ficoesperando ditosa presença...Presença ou ausência?

Diante de mim uma estrada sem fimque, tão reta, cruza o orbe do horizonteNa retaguarda, cidades, carros, o burburinho do modernismo...Olho com desatino à procura de um sinalNão sou daqui, não pertenço a este mundo.Tateando no escuro de minhas impressões, desfaleço,tanta confusão, loucura...há uma voz que clame mais alto que os motores truculentos?uma candeia que desvaneça a cegueira dos auto-faróis?

A turba se forma novamenteespremendo, espreitando.Sobre minha face, corações indiferentes.O sofrimento dualista adormece a consciênciajá não sei se sou homem ou mutantecaminhando sob esta sufocante selva de cimento armado.

Criação livre

Faço versoscomo quem faz amor.Sem retoques,técnicas ou melindres.Faço versoscomo o homem sobre o corpo da amadasem o mundo lá de fora,sem razão, sem pensamentosfilosofia ou ideologiaMeu verso é só sensação.

Nirvana é Samsara, Samsara é Nirvana

Certa vez, tive um sonho.

do muito caminhar

de sonho em sonho

de sono em sono

despertei

no cume de alta montanha

havia uma pequena choupana

poucos homens

em silêncio

e um senhor de etnia chinesa

com grande e pontiaguda barba branca

Entendi que ele era o Cuidador do local

e fui lhe fazendo várias perguntas

emendadas uma na outra

sobre Nirvana, Moksha, Iluminação....

Levando o dedo indicador à boca

emitiu um som: Shiiiiiiii.....

que ecoou pelas montanhas e vales

e me disse: você não entendeu nada ainda,

olhe à sua volta, sinta e seja!

Percebi os tons de verde, as pequenas flores

enfeitando a paisagem, as pedras dispostas

em escadaria

uma cachoeira da qual não se ouvia o som

e uma luminosidade rara,

que não saberia dizer se era crepúsculo ou aurora

uma luz que permeava tudo

translúcida

como uma bruma azul, aurora boreal

Senti ali,

mais Zen que em todo templo

Zen

Zazen onírico

Enfim, ao final uma voz

interior me calou:

o Nirvana está em tudo, e

tudo está em Nirvana.

 

Pura Água - discurso da Gnose

Ouça o salmista!Desentronizai a Deusa da Razão[de vosso templo]expulsai e destruí,iconoclasticamente,e, juntos,velemos sob o Sinai.

 

 

 

 

Réplica a João Cabral de M. Neto

Palavras soltas vêmcomo rios corremno (oculto) leito íntimo[arrastando segredos marginais]que resvalam pro(fundo)

bem fundo...do inaudito,abstrusa e incomunicávelnão nítida e precisa.

Destransfiguração

Poesia, agnosia?

B'reschit

No princípio,os deusesfaziam amor ese faziam amar, eShakespeare aindanem pensava em Ser,porque éramos Ser,[seres essenciais]

minha miopia malpermite trespassar aaura das lamparinas à óleoque trepidam ao vento surdo.Aqui, nesta clausura, de meu corpo,o que posso ver é o que sinto,nada mais.Os sentidosjá foram entorpecidos pelanostalgia.Sentado neste banco durocurto a saudade.Solidão de mim.

 

Con(Siderações)

o verbo pede verso

cor cheiro tato voz

crescer subir

existência

ser não-ser

fogo vermelho, alaranjando, amarelando

águas claras, azul, mar

verde-lodo

a luz difundindo perde

essência

imagem imprópria

luz difusa que penetra

minha alma, e

cega.

Sonho, espero

Vi uma criançae fui lhe perguntarque cidade era aquelame disse: NoruegaComenteiestranhandomas vc fala espanhol...“é assim agora!Desde a Revolução”não perguntei, penseia União Européiase uniu ao mundotodo...

vi na estradauma cidade novatalvez não tão modernaconstruções em andamentomas em volta grandes casasabandonadas

cenário feio e tristerepulsivo

passando pela estrada,vi um cãozinho nas mãos de um menininhoe um enorme cão soltofoi em direção ao meninoe às ocultas de uma rochaforçou o fim da vida do pequeninoa lei dos fortes

a força da Feracomandao que ninguém mais comanda

enfim, vi à beira da estradauma pequena reentrânciapara o mar,fiquei contenteteria um refrigério de corpo e almamas as águas estavam enegrecidas, torpesparadasO grande mar, Oceano, parado!senti uma água sem vida, pútridamorta, morta, mortao pior sentimento que sentiraespero que seja reflexo de minha psique fragmentada ou de outra esfera inferior da realidadepois se for profeciapreferiria não ser profeta....

Imagens da psique criptografada

Esta noite sonhei em ter algo só meu

Sonhei uma casa

Em que colecionava rãs e papagaios

Mas não havia aquário, nem gaiolas

Do lado de fora, brinquedos antigos

Um golfinho de pelúcia, sombrinhas infantis

Um espaço para sauna,

Obstruído por muitos tanques de lavar roupa

De toda a área pretendia fazer uma piscina

No canto de entrada, ainda sem porta,

Um pequeno poço com torneira e um recado:

lave os pés antes de entrar.

Na casa, havia de tudo, menos gente

Tudo era um convite aos amigos.