Para onde vais, Comunicação para o Desenvolvimento? Rádios Comunitárias: projectos com...

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Cidadania Democrática Consumo Responsável Hernâni Veloso Neto Sandra Lima Coelho (Eds.) Inclusão Social Direitos umanos RESPONSABILIDADE SOCIAL, , RESPEITO E ETICA NA VIDA EM SOCIEDADE ÉtlC Pelas pessoas, pelo conhecimento Moral Valores eiver; publishing INSTITUTO DE SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE DO POR' ASSOCIAÇÃO REVIRAVOLTA http://civemorum.com.pt instituto SOCIOLOGIA [lPORTOI POBT REITORIA FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia MIN1~nRIO no. FOU(,"Ç"O F nhno\ o '~Gl eiveri publishing

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CidadaniaDemocrática

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RESPONSABILIDADE SOCIAL,,RESPEITO E ETICA

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PARA ONDE V AIS, COMUNICAÇÃO P ARA O DESENVOLVIMENTO?

Para onde vais, Comunicação para o Desenvolvimento? RádiosComunitárias: projectos com compromisso!

Patrícia Mata Paula 68

Centro de Estudos Sociais (CES), Universidade de Coimbra

A Globalização tem agravado o fosso entre países desenvolvidos e

em vias de desenvolvimento, com impacto na exclusão social e ameaçaà sua identidade e capacidade de crescimento equitativo. África

enfrenta o desafio do desenvolvimento sustentável e da modernização,esforços que esbarram na invisibilidade das zonas periurbanas e rurais.Uma «comunicação para o desenvolvimento» eficiente e eficaz é, hoje,fundamental para reduzir a infoexclusão e aproximar os decisores da

periferia. As rádios comunitárias e as novas tecnologias possibilitamabordagens alternativas de construção sustentada do desenvolvimento,

onde redesenhar estratégias de participação social é condiçãoindispensável à boa-governação e à efectivação dos Direitos Humanos.

1. IntroduçãoO presente capítulo coloca no centro da análise as Rádios

Comunitárias da Guiné-Bissau e de Moçambique enquanto agentes dedesenvolvimento em prol dos direitos humanos e liberdades

fundamentais. Um estudo comparado cuja pesquisa no terreno remete

para 2003, 2004, 2007 e 2009, respectivamente. O texto realça,também, a tensa relação entre poder político e rádios comunitáriasatravés de uma revisão teórica de dois conceitos emergentes:

«Comunicação para o Desenvolvimento» e «Glocalização». Umainvestigação elaborada no âmbito da minha tese de doutoramento que

68 Licenciada em Ciências da Comunicação (Jornalismo), pós·graduada em JornalismoInternacional, mestre em Estudos Africanos, Doutorada em Ciências da Comunicação peloISCTE·lUL e pós-doutoranda no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de

Coimbra, com um projecto intitulado: "Comunicação para o Desenvolvimento na Agenda daONU: o que mudou desde 19607 O caso da UNESCO". Perita em «Comunicação de Suporteao Desenvolvimento em África», com artigos científicos publicados em revistas indexadas a

nível nacional e internacional (http://revistas.javeriana.edu.co/index.php/signoypensamiento/article/viewI2450/1724). Jornalista africanista desde ] 999, docente e

investigadora universitária e membro da Rede Mundial de Comunicação para oDesenvolvimento (C4D).

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PARA ONDE VAIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO?

visa: L Explicar o papel destes instrumentos de proximidade naconstrução de uma cidadania inclusiva, exigente e participativa; 2.Expor os perigos que ameaçam a sua sustentabilidade(constrangimentos humanos, materiais e financeiros); 3. Distinguir osdiferentes formatos que caracterizam estes países da África Negra.

Objectivo geral da análise: averiguar, num cenário de democraciaparticipativa, inclusiva e pluralista (instaurado, em ambos os casos,pela Constituição de 1990 e pela Lei de Imprensa de 1991) quecondições devem ser satisfeitas para que a informação comunitáriaconstitua um instrumento de emancipação das comunidades rurais,pobres e marginalizadas. Objectivos específicos do texto: identificarsimilitudes e discrepâncias, discutir problemáticas e propor soluçõesexequíveis rumo à uniformização de critérios e definições.

Questões às quais me proponho responder: como definir estes

media, alternativos às rádios comercial e estatal? Que oportunidadesencerram? Que valores difundem? Que temáticas abordam? Porquelegislação se regem? Que recursos humanos, materiais e financeiros

mobilizam? Que problemas comprometem a sua sobrevivência?Soluções teórico-práticas a implementar no terreno visandoidentificar/valorizar as lideranças locais?

2. Globalização: fenómeno castrado r dos Direitos Humanos?Nas últimas décadas, o mundo testemunhou uma evolução notável

rumo à garantia dos Direitos e Liberdades Humanas, nomeadamente:

direito à liberdade de expressão, direito à liberdade de informação ­informar e ser informado -, direito à liberdade de imprensa, direito àliberdade de opinião e de consciência, direito à liberdade de

associação, direito à liberdade de circulação, etc. Valores fundamentaisque inspiram a existência e o funcionamento dos meios de

comunicação comunitários em África. O impulso por trás destaevolução emanou de anos de discussão, planeamento e negociação(local, regional, nacional e internacional) e pode ser percepcionadonuma variedade de instrumentos político-Iegislativos convergentes ­aprovados e adoptados progressivamente ao longo das últimas décadaspor organizações multilaterais visando colocar a pessoa humana nocentro das estratégias de desenvolvimento - de que são exemplo: a

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PARA ONDE V AIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO?

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Carta Africana

dos Direitos Humanos e dos Povos - conhecida por Carta de Banjul ­(1981), a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito aoDesenvolvimento Sustentável (1986), a Declaração de Windhoek emprol de uma Imprensa Africana Independente, Diversificada ePluralista (1991), a Declaração do Milénio das Nações Unidas (2000),a Carta Africana da Radiodifusão que apela à valorização RádiosComunitárias (2001), a Declaração da SADC sobre Informação eTecnologias de Informação (2001), a Declaração de Princípios sobre«Liberdade de Expressão em África» (2002) e a Carta Africana sobre

Democracia, Eleições e Governação que invoca a pertinência do«acesso à informação em democracia» (2007),

Por razões históricas amplamente conhecidas (colonização, lutasde libertação, guerras civis), e apesar dos avanços inerentes à

ratificação destes «Instrumentos de Advocacia dos Media», tem sidoparticularmente difícil para África progredir em termos de «acesso à

informação», realidade espelhada no Índice Mundial da Liberdade de

Imprensa 2013, dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que mede o graude liberdade dos jornalistas e das empresas jornalísticas bem como o

respeito pelas liberdades fundamentais supracitadas, em 179 países:"Guinea-Bissau (92nd, -17) fell sharply because the armyoverthrew the govemment between the first and second rounds ofa presidential election and imposed military censorship on themedia, In Mali (99th, -74), a military coup fuelled tension, manyjoumalists were physically attacked in the capital and the armynow controls the state-owned media, This index does not reflectthe January 2013 turmoil in the Central African Republic (65th, ­3) but its impact on media freedom is already a source of extreme

,,69concern

Neste índice, encontramos a Guiné-Bissau na 92a posição eMoçambique no 73° lugar (quando em 2011 ocupavam a 75" e a 66a

posições, respectivamente). Retrocesso esperado já que, na últimadécada e meia, o continente africano tem vivenciado uma série de

problemas sensíveis (jornalistas presos e espancados, órgãos decomunicação social censurados e encerrados, directores destituídos

69 In: http://en.rsf.org/press-freedom-index-20l3,1054.htrnl (consultado a5/612013).

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sem aviso prévio e impedidos de exercerem as suas funções) esituações graves que, no limite, acabaram na morte implacável dejornalistas, Segundo o barómetro de 2011: desde 2002, já morrerammais de 600 jornalistas em 7070 países, entre os quais figuram 19países africanos, Destaco: Egipto, Líbia, Nigéria, Uganda, Somália,República Democrática do Congo e Angola:

"Crackdown was the word of the year in 2011, Never hasfreedom of information been so closely associated withdemocracy, Never have joumalists, through their reporting, vexedthe enemies of freedom so much Never have acts of censorshipand physical attacks on joumalists seemed so numerous, Theequation is simple: the absence or suppression of civil libertiesleads necessarily to the suppression of media freedom.Dictatorships fear and ban information, especially when it mayundermine them ,,7/.

A que se deve esta dificuldade na efectivação dos direitos e liberdadeshumanas? Para José Saramago, a Globalização é inconciliável com osdireitos humanos: "Não tem sentido continuar a falar de democracia

quando se sabe (ou se finge ignorar) que o poder real, efectivo, o poderque determina de forma autoritária as nossas vidas não é democrático.O que temos chamado de «poder político» converteu-se em mero«comissário político» do poder económico"n. Ignácio Ramonet reiteraa ideia supracitada: "Longe de enriquecer todo o Planeta, aglobalização induz um grande número de efeitos perversos, fazendoexacerbarem-se as desigualdades. O desenvolvimento da pobreza jánão está apenas concentrado nuns poucos sectores esquecidos, tornou-....,. I' . ,,73se um lenomeno p anetano .

Urge, pois, colocar algumas questões: Será a Globalização umaestratégia política das nações industrializadas para explorar os Paísesem Vias de Desenvolvimento (PVD) ou tratar-se-á apenas de umprocesso de evolução por seleção natural? Estaremos perante uma nova

etapa do capitalismo que ficará marcada pela emergência do poder de

70 In: http://es.rsf. orgl el- baro metro-de-la -li bertad -de- pren sa-peri odis tas- muertos.htrnl (consultado a 14/6/2013).

7] In: http://en.rsf.org/press-freedom-index-2011-20l2,1043.htrnl (Idem).

72 José Saramago in Revista Visão n° 437, p. 66.

73 Ignácio Ramonet in Atlas da Globalização, p. 48.

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PARA ONDE V AIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO? PARA ONDE V AIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO"

Gráfico 1 - Utilizadores de Internet no Mundo 2012

Gráfico 2 - Penetração Mundial da Internet 2012

World Internet Penetration Ratesby Geographic Regions - 2012 Q2

.Asifl 44.8%

IIIEurope 11.5%

Itlorth Americ<l 11.4%

ILill.AmtCal'ibb 10.4%

IAfrica 1.U%

I Míddle Ellst 3.7%I Oceilflia i Austrl1lill 1.(1%

Asia

World,Alig.

Midclle Eafilt

tiofth Arnefk:a

Europe

O.teilnia IAUSiÜalia

Source: InternetWorld St,lS - www.internetworldstals.comlstats.hlm

Basls: 2,405,5tS,376Internelusers onJune 30. 2012

CoPVnght© 20t 2. Miniwatls Marketing Group

Internet Users in the World

Distribution by World Regions - 2012 Q2

Penetn~iOllRilite

Source: Internet World Stats - w.w.'if.internetNorlclstsls.comtslZ1ts.htm

Ptin'Õ!tration Rat~s ,Hê based on a wQrld population of 7,01 7.846.92~

and ~.405.518,376 estimated Internet users on June 30, ~01 :2

Copyrigl11 © :2011, Miniwatts Mark~ling GrQup

tatinArnericiliCaribbean

diminutas - ou inexistentes - e as que circulam têm um carácterintermitente).

Televisão (meio dispendioso, logo supérfluo, e o serviço nacionalnão abrange a totalidade dos territórios). Conclusão: em áreas de

grandes grupos económicos que gradualmente se sobrepõem aosEstados-Nação? As suas vantagens - ao contribuírem para alargar asoportunidades de crescimento económico e a eventual cascata de

benefícios sociais - neutralizam os efeitos perversos de ordemeconómica, política, social e cultural?

Apesar do carácter extremamente subjectivo das respostaspossíveis, Mário Soares, ex-Presidente da República Portuguesa,remete-nos para algumas dimensões do fenómeno em África "(",) é ocontinente onde os índices de desenvolvimento são mais baixos, ondeas populações mais sofrem e têm uma esperança de vida menor, onde

epidemias, como a SIDA, mais progridem, onde conflitos sangrentosse perpectuam - perante a indiferença dos «grandes» ou o seu silêncio

cúmplice quanto aos maus governos, à corrupção ou mesmo aodespotismo" (Soares, 2000: 172).

Também Aminata Traoré, antiga Ministra da Cultura do Mali,

descreve exemplarmente a realidade africana: "A globalização dá

continuidade à dominação cultural imposta pela colonização. (... )através das instituições internacionais financeiras e comerciais, os

nossos antigos donos e senhores continuam a pensar e a decidir pelosnossos povos, como no passado, com a diferença de que já não temos

liberdade nem legitimidade para os interpelar e condenar, uma vez que1 . d d t ,,74rec amamos ser lO epen en es .

A dimensão informacional e/ou tecnológica da globalização está,e estará, cada vez mais, no epicentro das agendas locais, regionais,nacionais e supranacionais. Porquê? Constatam-se profundas

desigualdades no impacto das Novas Tecnologias de Informação eComunicação (NTIC), quer no interior dos países quer entre eles,nomeadamente no que respeita ao uso e à penetração da Internet(Gráficos le 2), situação que gera novas clivagens, dependênciaspermanentes e sérios constrangimentos a longo prazo. Infelizmente, emÁfrica, os problemas ao nível da Comunicação Social não se limitam à

esfera tecnológica: imprensa escrita (o analfabetismo e os problemasde distribuição colocam-na ao alcance de uma pequena parcela dapopulação. Apenas os fenómenos de passagem de mão em mão e as

leituras colectivas lhe conferem algum peso. As publicações são

74 In: Jornal Le Monde Diplomatique, Maio de 2004, p. 9.

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PARA ONDE VAlS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO?

elevado grau de iliteracia, ainda é a Rádio - com os seus baixos custosde produção e elevadas taxas de difusão/recepção, e agora a beneficiartambém da sua distribuição via Internet - o meio que mais eficazmenteserve a comunicação do centro para a extensa periferia através dacomunicação intercomunitária e intracomunitária. Todavia, a eficáciado meio Rádio para fins de desenvolvimento apenas será conseguida seela for utilizada para transmissão e interatividade das informaçõesnecessárias, oportunas e pertinentes aos objetivos do desenvolvimento,através de linguagens moldadas aos públicos-alvo e às suasnecessidades diárias, Em suma:

"O Terceiro Mundo não consegue controlar nem sequerinfluenciar a circulação internacional de infonnação, mesmo aque versa os seus próprios problemas, É apenas o receptorpassivo de uma infonnação de 2° mão, alheia aos seus interesses,No entanto, a independência em matéria de fontes de informaçãoé tão decisiva no crescimento político e económico como aindependência técnica. Se a actual situação da Comunicação nomundo não for alterada é a própria capacidade de crescimentoautónomo destes povos que está em questão" (Peixeiro &Ferreira, 2002: 193),

A realidade supracitada alerta para a necessidade de adoptar umnovo paradigma comunicacional que vise transformar a informaçãonum activo patrimonial acessível a todos, daí a popularizaçãomassificada das Rádios Comunitárias (RC) nas últimas décadas,

verdadeiras marcas identitárias nacionais que visam: dar «voz aos semvoz», valorizar as competências humanas, combater a pobrezaextrema, resgatar o património cultural e motivar uma participaçãocívica activa, esclarecida e interventiva,

Perante os desafios da «Globalização da Informação», Castells ­na obra O Poder da Identidade - sugere três alternativas: la)Revitalizar a democracia local, fortalecendo as autoridades locais e

regionais e incluindo os cidadãos na definição dos rumos dessademocracia, 2a) Aproveitar os benefícios das NTIC para incentivar aparticipação políiica e a comunicação online entre cidadãos, agora com

maior acesso a informações que possibilitam decisões informadas; 3a)Estimular a mobilização de base em tomo, por exemplo, de questõesambientais, inclusive por via eletrónica (embora o autor admita que

muitos cidadãos estão, à partida, excluídos deste processo por não

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terem acesso à Internet): "these gaps will be defined less and less bygeography (industrialized versus Third World nations) or bytransnational economie structures, but rather by a digital divide, i.e"

those with access to cyberspace and others without such access"(Melkote & Steeves, 2001: 173),

3. Sociedade da Informação: o motor do desenvolvimentosustentável

Como ultrapassar este fosso informacionaUtecnológico Norte­SuVUrbano-Rural? É essencial que os executivos e/ou decisores

africanos apostem na construção de uma Sociedade da Informação (SI)democrática, competitiva, livre, transparente, justa, impulsionadora das

capacidades nacionais, contribuindo para a diminuição das assimetriaslocais e globais, Uma SI baseada no paradigma: "Pensar Global, AgirLocal,,75, um modelo de evolução que alia o desenvolvimento

económico ao progresso social, salvaguardando o ambiente e osrecursos naturais, visando o bem-estar das gerações vindouras,Bernardo Kliksberg, assessor internacional das Nações Unidas, é

peremptório quanto à necessidade de ampliação e institucionalizaçãoda participação social:

"A política social é um agente estratégico do fi/turo emsociedades tão atingidas pela pobreza, Quando a sociedade emseu conjunto tem uma visão apropriada de seu papel, adoptando­se as medidas apropriadas e sendo estas supervisionadas comeficiência, sua contribuição pode ser fundamental. Quando, aocontrário, a visão é equivocada e dá lugar a medidas débeis e

isoladas, a deteriorafão social continua a aumentar, com gravesriscos de implosão,,7 ,

Em pleno século XXI, o progresso das Nações repousa na

inteligência, no saber, na informação, na pesquisa, na capacidade deinovação, nas redes colaborativas e em meios de comunicação que se

75 "Pensar Global, Agir Local" é o lema do Plano de Acção Global "Agenda 21"(adoptado por 179 nações) e cujo programa assenta numa forte parceria entreactores locais (associações de base, ONG, empresas, sindicatos) visando umdesenvolvimento sustentado e sustentável para o século XXI.

76 Agenda Social e combate à pobreza: sociedade, cultura, democracia e liberdadesindi viduais, Pág. 151.

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instituam como agentes de mudança. E porque «informação», per si,

não é «conhecimento», os países do Sul devem elaborar uma EstratégiaNacional de Comunicação para o Desenvolvimento (ENCD), cujachave-mestra e/ou suporte vital sejam as Rádios Comunitárias:

instrumentos de participação cívica imprescindíveis à boa-governaçãodemocrática, Os PVD devem fazer uma avaliação da situação nacionalem termos de «Comunicação para o Desenvolvimento» visandoelaborar um quadro de referência evolutivo e flexível que mobilizediásporas, decisores (Governos), executantes (ONG's) e beneficiários(Comunidades), num cenário de confiança e transparência mútuas,

"Development communication should be practiced not as amessage communication but rather as emancipatory dialogue, aparticular form of non-exploitative, egalitarian dialogue, which iscarried out in an atmosphere of profound love and humility andwhich progressively examines contexts and experiences ofopression" (Freire, 1970, cited in Melkote & Steeves, 2001: 299).

Defendo que o desenvolvimento sustentado e sustentável das

sociedades depende de uma democracia comunicacional alicerçada na'G localização da Informação' , estratégia que visa conferir à

Globalização um cariz multidimensional (presença da dimensão local

na produção de uma cultura global), Por «glocal» entende-se aqui«Rádios Comunitárias», sinónimo de cidadãos comprometidos com osdestinos das suas sociedades (dimensão colectiva, solidária,agregadora, empreendedorista e desenvolvimentista), Uma ideiatambém patente nas palavras do Papa Bento XVI, durante a missa deencerramento do sínodo para a África, em 2009, no Vaticano: "O

modelo de desenvolvimento global deve ser revisto e corrigido paraincluir todos os povos e não apenas os que estão melhor equipadospara beneficiar do mesmo", O líder da igreja católica destacou aindaque o desenvolvimento económico e humano do continente deverespeitar as culturas locais e o ambiente,

4. Rádios Comunitárias: mobilidade, conectividade e legitimidadeJá há mais de 15 anos que instituições internacionais de auxílio ao

desenvolvimento, ONG, activistas de media e académicos

mundialmente reconhecidos fazem campanha pelo direito à criação deRádios Comunitárias sustentadas e sustentáveis em África, Capacitar

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as populações rurais, pobres e marginalizadas para a compreensão dosassuntos sociais constitui o objectivo geral destes instrumentos decidadania, cuja criação surgiu no âmbito das abordagens participativaspara o desenvolvimento (Paula, 2011: 283). Mefalopulos (2008: 192­93) garante tratar-se de propostas sérias de desenvolvimentocomunitário:

"Across many countries and in dif.ferent regions, communityradio stations foster community participation and create anappetite for transparent and accountable governance, even inchallenging regulatory environments, Good governance andeffective leadership, especially in impoverished communities, arecollective processes, which depend on the development of anengaged, analytical, informed, and robust civil society".

No decorrer da lO" Conferência Mundial das Rádios Comunitárias

(AMARClO, 8-13 Novembro de 2010, La Plata, Argentina), foramapresentadas algumas definições de RC interessantes: "espaços deagregação e confrontação de ideias, depositárias de um direitocolectivo, movimentos pela democratização da comunicação, propostassérias de transformação social, plataformas de fortalecimento dasestruturas democráticas, instrumentos que permitem um maior

conhecimento situado, instâncias criativas que permitem ouvir oOUTRO, interlocutores essenciais entre a sociedade civil e o poderpolítico, apóstolas da paz", Eu diria que são verdadeiros bastiões da

liberdade, sítios onde a palavra corre invulgarmente livre em África,instrumentos de contra-poder (considerados "subversivos" pelosdecisores políticos que tardam em promulgar molduras institucionais

viáveis) intrinsecamente ligados a múltiplos conceitos-chave:identidade nacional, boa-governação, desenvolvimento sustentável,

cidadania activa, opinião pública, capital humano, capacitação cívica,democracia inclusiva, sociedade da informação, mobilidade,conectividade, poder societal e direitos humanos:

"With the proliferation of community radios in most parts of theThird World, ir is possible to use these as local conscientizingagents. Besides providing much needed information to the localaudiences, it can focus on local problems with a certaincommirment, Local radio can transform communiries by giving avoice to the people, increasing the free flow of accurateinformation, and celebrating local cu/ture in music, songs, andstory-telling. " (Srampickal, 2006: 10),

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Infelizmente, a maioria destes instrumentos de prossecução dosObjectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) vêem a suasustentabilidade ameaçada por constrangimentos: 1. Humanos(ausência de formação adequada e instabilidade de quadros - trabalhovoluntário gera elevada rotatividade); 2. Materiais (problemas técnicosde reparação e manutenção de equipamentos); e 3. Financeiros(ausência de receitas uniformes e problemas de acesso a fontes de

energia renováveis). A par destes, figuram outros desafios imponentes:monopólio de meios de comunicação hegemónicos (públicos eprivados), prossecução e censura por parte de governos autocráticos

que dificultam o acesso ao espectro radioeléctrico (precariedade naatribuição e regulação de frequências), legislação desapropriada (geraconcessão de alvarás provisórios e crescente clandestinidade),

disparidade no acesso aos meios (zonas rurais desprivilegiadas),mulheres excluídas do conhecimento (NTIC estimulam a sua inserção),ausência de instrumentos de medição e/ou indicadores estatísticos (taiscomo: impacto na educação, níveis de engajamento, número deparcerias e de planos de desenvolvimento integrados, sustentabilidadeorganizativa, qualidade dos conteúdos difundidos, etc.) e conceitobanalizado (modelos hierarquizados: top-down).

5. Moçambique: um exemplo com casos híbridos

O busílis da questão em Moçambique - que muita fricção internatem provocado - reside nas rádios do Instituto da Comunicação Social(ICS) que, a meu ver, pelas características que apresentam ­divergentes do modelo bottom-up da Associação Mundial das RádiosComunitárias (AMARC) - são, indubitavelmente, rádios estatais locais

e não comunitárias. Ei-Ias: 1. Propriedade do Estado, representado noterreno pelo ICS, criado em 1977 para a promoção da comunicação nodesenvolvimento rural; 2. Geridas centralmente a partir da Direcção doICS através das delegações provinciais; 3. Financiadas pelo Estado,

através do seu Orçamento Geral. Por conseguinte, desprovidas deautonomia jurídica, financeira, patrimonial e editorial. Entrevistada em2009, Sofia Ilale, Directora-Geral do ICS, tem uma posição contrária:

"As nossas rádios são todas comunitárias. Estão instaladas na

comunidade, são geridas pela comunidade, são pertença dacomunidade, os programas são definidos pela comunidade, só o

-- .-J256

PARA ONDE VAIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO?

título da propriedade é que é estatal. É da responsabilidade doEstado educar os cidadãos. Existe um comité de gestão querepresenta o povo. O financiamento é descentralizado, não existeum fundo estatal especifico para as RC, daí a importância de umaLei da Radiodifusão para legislar o sector".

Esta representante do Governo afirma, categoricamente, que asobrevivência destes media depende exclusivamente do Estado e

critica as ONG por criarem rádios e depois se retirarem semcumprirem "com aquilo que é o Plano do Governo", revelando "falta

de seriedade". A verdade é que, para muitos peritos em comunicação

comunitária, posição na qual me revejo, esta multiplicidade de estaçõesestatais locais - consideradas comunitárias pelos Estados - promove abanalização do conceito existente. Uma problemática deverascomplexa, abordada na AMARClO por Jim Ellinger (Austin Airwaves,EUA), para quem a multiplicidade de realidades a nível mundial,

origina exemplos híbridos e difíceis de categorizar:"As coisas não são todas a preto e branco, há zonas cinzentas ...o que não implica excluir e/ou negligenciar estes projetos menosdigeríveis do ponto de vista da «liberdade de expressão». Mesmosendo propriedade do Estado ou da Igreja, elas continuam aservir as comunidades, envolvendo mais pessoas no processo decomunicação. Significativo, em países onde a democracia nãoestá cem por cento consolidada. Passo a passo, elas acabarãopor se mover na direção correta".

6. Rádio Maria Moçambique: comunitária ou nem por isso?Mas, em Moçambique, as incongruências e as discordâncias não

se verificam apenas ao nível das rádios ICS. Um dos membros doFórum Nacional das Rádios Comunitárias (FORCOM), a Rádio Maria

(1995, Machava), faz parte de uma "família mundial" espalhada pormais de 50 países de todos os continentes, é pertença da Igreja Católica(embora não esteja sob a alçada de nenhuma diocese), tem por missão

evangelizar os leigos, detém equipamento de última geração, emiteprogramas intercontinentais e "não difunde conteúdos que firam amoralidade católica, como o uso do preservativo na prevenção do HIV­SIDA". Isto é: ausência de autonomia editorial, a comunidade está

sujeita ao que a Igreja Católica considera veiculável. Em 2009, a

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grelha de programação falava por si: Arte de Viver o Evangelho, Umano a caminhar com S. Paulo, Missa do Dia, Encontro com o Senhor,

Leituras Bíblicas em Português, Chope e Ronga, etc. Programasverdadeiramente comunitários contavam-se nove, espalhados pelossete dias da semana: Magazine Cultural, Canal Juvenil, DireitosHumanos, Economia Doméstica, Sintonia Escolar, Você e a Saúde,Avisos Comunitários, Mensagens e Dedicatórias. Até a música é

"variada religiosa", Em entrevista presencial, o Director, Padre AlbertoBuque, argumentou:

"Somos uma rádio comunitária de educação cristã. A mensagemde Deus não ê só para os católicos, usamos todos a mesmaSagrada Escritura que é Bíblia. É uma rádio de paz,tranquilidade e meditação transcendental. Promovemos orespeito pela mulher dentro de casa, a justiça, a honestidade, aeducação e a saúde. Há muito espaço para a defesa de valoresque são de todos, da Humanidade ".

Pergunto: será a Rádio Maria comunitária? E os membros da

comunidade que não desejam ser evangelizados ou que são ateus,ficam excluídos desta linha editorial? Em entrevista presencial, SteveBuck1ey, Presidente cessante da AMARC, assumiu tratar-se de uma

questão sobre a qual nunca se posicionaram de forma clara:

"A Igreja procura muitas vezes operar rádios argumentando quesão comunitárias porque servem uma «comunidade de fé»específica com interesses próprios, o que é discutível e confuso. Oprocesso «bottom-up» significa inexistência de uma entidadesuperior (Estado/Igreja), a gestão e a propriedade pertencem àcomunidade. Por conseguinte, a Rádio Maria é impeifeita.Contudo, as Redes/os Fóruns nacionais têm total autoridade paraescolher os seus membros. A AMARC não pode, autoritária eunilateralmente, definir um conjunto de balizas fixas quando asespecificidades dos países - em termos de organização do sector- são distintas. É mais tangível definir objectivos claros,identificar boas práticas, elaborar declarações de intenções,garantir workshops a nível regional e trabalhar com aspopulações locais ".

Embora concorde com a necessidade de implementar estratégiasmais orgânicas e menos normativas; embora concorde que a AMARCnão possa "cair" lá de pára-quedas, tipo polícia internacional, e dizer«perceberam tudo mal»; embora concorde com a impossibilidade de

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impor templates externos, a verdade é que, ano após ano, o conceito deRC cresce desmesuradamente e mais rádios - que pouco ou nada têmde comunitário - vão cabendo nesse saco gigantesco que parece não terfundo. Soluções? Os países africanos devem adoptar legislaçãoespecífica para estes instrumentos de empowerment (como fez oUruguai, em 2007) e Códigos de Conduta (à semelhança da Austrália,em 2008) rumo à homogeneização de práticas e conceitos. Mais,África deve seguir os passos da Nigéria, cujas RC obtiveram licençaspara emitir em Outubro de 2010. Um passo gigante na direção correta.

7. Perspectiva comparada «versus» Caminhos a seguir ...A África de hoje - seja quais forem as diferenças dos países em

termos de localização geográfica e/ou geopolítica, dimensão,densidade populacional, património natural ou herança cultural ­caracteriza-se por uma crise desenvolvimentista cujo resultado directoé: pobreza estrutural e consequente exclusão social. Os PVD são,certamente, os principais perdedores desta globalização assimétrica.No Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, intitulado "A

Ascensão do Sul: Progresso Humano num Mundo Diversificado",Guiné-Bissau e Moçambique ocupam os 1760 e 1850 lugares,respectivamente, num total de 187 países, figurando na lista dos maispobres do mundo. Situação que, a meu ver, justifica o facto de seremsociedades extremamente activas em termos de «Comunicação para oDesenvolvimento», apostando numa dialéctica de correspondênciaentre macro e micro (necessidade estratégica endógena).

Embora a Guiné-Bissau seja o País Africano de Língua OficialPortuguesa (PALOP) precursor da radiofonia comunitária (Rádio Voz

de Quelélé, 1994), os números demonstram uma maior pujança dosector moçambicano. Hoje, a Rede Nacional das Rádios Comunitárias

(RENARC), guineense, tem 28 RC filiadas e o FORCOM,moçambicano, 41 (números actualizados no primeiro trimestre de2013). Porque é o PALOP com o maior número de RC e,consequentemente, alvo de maior atenção (projectos feitos à medida) eajuda financeira por parte das NU, Moçambique é, também, o PALOPonde se verifica maior diversificação, quer em termos de propriedade

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destes media, quer ao nível do número de actores sociais locais,regionais, nacionais e transnacionais envolvidos.

Boas notícias: a governo moçambicano iniciou, em finais de2007, o processo de preparação da futura Lei da Radiodifusão,primeira neste domínio desde a independência do país em 1975,destinada a regulamentar a actividade da radiodifusão sonora e

televisiva, "Como sucedânea da Lei de Imprensa (nOI8/91 de 10 deAgosto), esta Lei tomou-se necessária para responder ao crescimentodo sector nos últimos 10 anos e também a um comando da

Constituição da República de 2004, que manda regulamentar, em leiordinária, as liberdades de expressão e de imprensa e o direito à

informação" (Mário, 2008: 21).Segundo o Gabinete de Informação do Estado (Gabinfo), o ante­

projecto da Lei da Radiodifusão está concluído. A ser aprovada peloParlamento, esta Lei (ainda em fase de debate público) preenche oactual vazio legislativo e corrobora a ideia-chave do presente capítulo:"A popular Government without popular information or the means of

acquiring it, is but a Prologue to a Farce or a Tragedy or perhaps both.Knowledge will forever govern ignorance, and a people who mean tobe their own Governors, must arm themselves with the powerknowledge gives" 77.

Ao contrário da América Latina, as RC africanas surgiram a partirde processos exógenos, daí alguma falta de engajamento daspopulações, sobretudo em Moçambique, onde denotei um menordinamismo na produção de programas próprios e na procura deinformações nas tabancas, centrando-se os blocos informativos quaseexclusivamente na retransmissão dos noticiários da Rádio

Moçambique (estatal).a seçtor guineense está mais organizado/balizado, a maioria das

RC produzem conteúdos próprios em benefício das comunidades,

actuando como verdadeiros agentes de desenvolvimento. De realçar otrabalho da RC Voz de Djalicunda [instalada em 2001 na região de

aio, com propriedade e gestão asseguradas pela KAFa (FederaçãoCamponesa com 18 mil membros), apoiada pela aNG Swissaid,

conhecida pela produção de programas transfronteiriços para

77 JAMES MADlSON PROJECT. ln: http://www.jamesmadisonproject.org/press.php?press_id=18 (consultado a 11/6/2013.

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apicultores e pescadores e pelo excelente trabalho deconsciencialização sobre a exploração do fosfato].

8. Conhecimento como dimensão da sustentabilidade

No que conceme à interrogação que corporiza o título deste

capítulo, arrisco-me a apontar um caminho desejável e premente:incorporação das vertentes«Informação/Comunicação/Conhecimento/NTIC» no conceito de«Sustentabilidade» que, em 2002, em Joanesburgo, foi explicitado num

tripé: Proveitos (viabilidade económica), Planeta (preservaçãoambiental) e Pessoas (coesão/justiça social). A «teoria dos 3P's», comoé conhecida, está, a meu ver, incompleta pois desconsidera totalmentea importância destas dimensões para o progressso das sociedades emvias de desenvolvimento bem como ignora a importância vital dosmedia. a Desenvolvimento Sustentável clama pela integração de novas

respostas aos desafios suprareferidos, ideia reforçada por Díaz­Bordenave (1989: 3):

"The need to think, express oneself, belong to a group, berecognized as a person, be appreciated and respected, and havesome say in crucial decisions affecting one 's life, are as essentialto the development of an individual as eating, drinking, andsleeping. Participation is not a fringe benefit that authorities mayGrant as a concession but every human being 's birthright that noauthority may deny or prevent".

No âmbito destas preocupações, Ignacio Ramonet apela, emmuitos dos seus artigos, à "Altermundialização" «por uma

globalização alternativa ao modelo neoliberal em curso» através deestratégias e esferas de actuação alternativas que respondamcriativamente aos efeitos nefastos da Globalização. Após 10 anos decontacto directo com as RC africanas, apraz-me saber que as diversas

agências das Nações Unidas as consideram instrumentos privilegiadosde «Comunicação para o Desenvolvimento», isto é, opções reais detransformação política, social, económica e cultural. Porquê? Facilitamo combate à obesidade mental, permitem reescrever a história do papeldos Media na modernização, são sinónimo de empreendedorismosocial e instituem uma comunicação participativa centrada nodesenvolvimento humano local.

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PARA ONDE V AIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO?PARA ONDE VAIS, COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO?

Figura 1 - 21 Objectivos de Desenvolvimento, CONCORD

EUROPEAN tASK fORCE PROPOSEO GLOBAL GOALSSUMMARY tABLE

78 In: http://www.concordeurope.org/233-new-framework -for-beyond20 15(consultado a 27/5/2013).

Qtla!i'ly€I'dUCIi1lti.:>nand !<f"skills tor all""'" _ W~. ~ " .. ~"4'11 - •••

Univer$!l.l çoverag<> of and aecess to quality heatthcare to maximiseheaflual

Adequa\<; lisustainable tood productio~::~en)sAccess ta aM availabilify oi wsfainlibla c!ean _ler and ~onfor ali

\jveabla habitats which are socially, l'cooomical!y and

envircn~ntally sustailláble _

Oeceot work. and so(a ••!pcotectíon for ali~ ~ ~~ •• ~--~#,

GeRder equality and girts' anel women's ernpowerm.enl iRali spneres~ -~Fre~om frorn aI! forms of violenee through compcehansiva nalional

protec:tion sysmms __

financial sy$tem serves people and respecw re.sourçe threenold~. ~." o/iI'X~~~

Tradl' poliey anel praelice promote sustainab\l' human developmant

Goal6~~Goal7

Gpal5

Goal8

Goal3

Goal4

Goal1

Goal2

Goal9

Goal10

008111

Políticas para o desenvolvimento (sustentável); 6. Moldura Universalcom Metas Universais e 7. Responsabilidade comum mas diferenciada.

"Human rights and a focus on the multidimensional scope ofpoverty should be at the centre of the agenda that replaces theMillennium Development Goals - due to expire in less than two

years' time - according to a new position from CONCORD 'sBeyond 2015 European Taskforce. The report was presented tothe European Commissioner for Development Andris Piebalgs,and the European Commissioner for the Environment JanezPotocnik on 2 May in Brussels ,,78.

Embora pouco assertivos, estes 21 Objectivos de Desenvolvimento

representam um avanço sem precedentes e vêm corroborar: 1, Anecessidade de incluir as populações na gestão da coisa pública, 2. A

urgência de as ouvir no que concerne à definição da sua própria agendadesenvolvimentista (objectivos, necessidades, aspirações e

constrangimentos) e 3. A premência do 'glocal' na realização e

aplicação progressiva dos Direitos Humanos.

9. Portugal rumo à Cooperação para o Desenvolvimento via RCA Câmara Municipal de Cascais (CMC) inaugurou, a 16 de Março

de 2013, uma biblioteca multimédia na cidade de Bolama, na Guiné­

Bissau, equipada com 50 mil livros, fotocopiadora, computador e salasde leitura, Um investimento de aproximadamente 62 mil euros numaestrutura que é já "a maior do país e a primeira municipal", segundo aAssociação para o Desenvolvimento de Bolama (Pró-Bolama), parceira

da autarquia portuguesa nesta iniciativa de contornos inéditos.Em entrevista presencial, Alexandre Faria, vereador da CMC,

acrescentou: "será inaugurada a Rua de Cascais, na mesma artéria onde

fica a biblioteca, um edifício antigo que foi reabilitado e que será auto­sustentável, já que dispõe de painéis solares e está devidamente

equipado". Segundo o autarca, a CMC vai ainda investir quase 37 mileuros na criação de uma Rádio Comunitária em Bolama (capital dopaís até 1941) que funcionará no mesmo edifício, que tambémalbergará a sede da Pró-Bolama. Na Proposta 35-2013, de 21/01/2013,o Município de Cascais e o seu pelouro das Relações Internacionaisidentifica como prioridades:

"o apoio a projectos internacionais de educação, de direitoshumanos e de cidadania. Com a instalação de uma RC pretende­se promover a sensibilização sobre a necessidade da promoçãodos valores da equidade através da voz de líderes e peritos namatéria, assim como a realização de debates radiofónicos - paraque haja um desenvolvimento harmonioso em proveito de todosos necessitados e de cada cidadão, com especial enfoque naformação, educação e saúde".

10. Objectivos de Desenvolvimento Pós-2015: novidades?

Num relatório intitulado "Putting people and planet first Businessas usual is not an option", a Confederação de ONG europeias para o

Auxílio e Desenvolvimento (CONCORD) apresenta 21 Objectivos deDesenvolvimento Pós-2015 (Figura 1), no âmbito dos quais elegecomo prioritários sete princípios-chave: 1. A realização e aplicaçãoprogressiva dos Direitos Humanos (igualdade e não-discriminação,participação efectiva e empoderamento das pessoas, responsabilidade eresponsabilização); 2. O bem-estar como medida do progressoindividual e nacional (ir para além do PIE); 3. Focus na MudançaEstrutural; 4. Sustentabilidade, agora e no futuro; 5, Coerência das

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Fonte: http://www.concordeurope.org/233-new-framework_ for -beyond20 15

De realçar os Objectivos 7 (igualdade de gênero e empowermentde meninas e mulheres em todas as esferas societais); 8 (sistemas de

protecção nacionais abrangentes contra todas as formas de violência);9 (sistema financeiro que sirva as pessoas e respeite a exeguidade dosrecursos), 18 (govemação democrática: realidade em todos os países);19 (corrupção zero em todas as esferas) e 20 (acesso universal a um

sistema judicial independente, contra a impunidade). Tudo em prol deum desenvolvimento social inclusivo (Figura 2).

Figura 2 - Moldura Desenvolvimentista Pós-2015, CONCORD

Fonte: http://www.concordeurope.orgI233-new-framework -for-beyond20 15~~~~~~-------------------~-j264

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Tambêm a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável(SDSN) publicou, em Junho de 2013, um relatório intitulado "AnAction Agenda for Sustainable Development", onde corrobora aCONCORD:

"A sustainable development path builds on a global frameworkfor cooperation to address the four dimensions of sustainabledevelopment and should be based on four related normativeconcepts: (i) the right to development for every country, (ii)human rights and social inclusion, (iii) convergence of livingstandards across countries, and (iv) shared responsibilities and

.. ,,79opportunztzes .

A SDSN defende que, para ser eficaz, uma moldura comum para odesenvolvimento sustentável deve mobilizar o mundo em tomo de um

número limitado de prioridades e objectivos agregados "provavelmentenão mais do que dez" pelo que identificou os seguintes desafiosprioritários (interligados, embora cada um contribua, per si, para asquatro dimensões do desenvolvimento sustentável: económica, social,ambiental e govemativa, incluindo a paz e a segurança). Ei-los: 1.Acabar com a pobreza extrema, incluindo a fome; 2. Alcançar odesenvolvimento dentro dos limites planetários; 3. Garantir umaaprendizagem eficaz para todas as crianças e jovens, em termos de vida

e subsistência; 4. Alcançar igualdade de gênero, inclusão social edireitos humanos para todos; 5. Alcançar saúde e bem-estar em todasas idades; 6. Melhorar os sistemas agrícolas em prol da prosperidade

rural; 7. Capacitar cidades inclusivas, produtivas e resistentes; 8.Limitar/refrear as mudanças climáticas induzidas pelo homem e

garantir energia sustentável; 9. Garantir ecos sistemas saudáveis e abiodiversidade, e assegurar uma boa gestão da água e de outrosrecursos naturais; 10. Transformar a govemação em prol de umDesenvolvimento Sustentável (ex: melhorar níveis de acesso à

informação ):"These ten sustainable development challenges must beaddressed at global, regional, national, and local scales. Theymay form a plausible basis for framing the SustainableDevelopment Goals (SDG) to trigger practical solutions thatgovernments, businesses, and civil society can pursue with high

79 In: http://unsdsn.org/fiIes/20 13/06/1 306 I 3-SDSN-An-Action-Agenda-for -Sustainable-Developrnent-FINAL.pdf (consultado a 15/6/2013).

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priority. Some issues like gender equality and human rights cutacross all priorities, but since they require social mobilizationand political leadership, we recommend highlighting them undera dedicated goal ,,soo

À guisa de conclusão, defendo que as RC - pelas temáticas que

abordam - são recursos societais valiosos que se instituem, hoje, como

«instrumentos de educação para o desenvolvimento sustentável», vitaisem várias áreas:

- educação para a gestão equilibrada dos recursos disponíveis;

educação para a solidariedade intergeracional e para a

multiculturalidade;

- educação para a prevenção e tratamento de doenças;

- educação para a democracia representativa;

- educação para a alteridade social (planear e organizar a mudança);

- educação para a paternidade/maternidade responsáveis;

- educação para o ecumenismo (aproximação das religiões à escala

local);

- educação para a autonomia colectiva e para o voluntariado social;

- educação para um desenvolvimento económico humanista;

- educação para a organização comunitária: articulação dinâmica de

meios materiais, humanos, técnicos e financeiros "susceptíveis de criar

condições a um determinado conjunto social para que se transforme

numa comunidade" (Carmo, 2007: 82).

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Díaz-Bordenave, Juan E. (1989). Participative Communication as aPart of the Building of a Participative Society. Paper prepared for theseminar, Participation: A Key Concept in Communication forChange and Development, Pune, Índia.

80 ln: http://unsdsn.org/files/20 13/06/130613-SDSN-An-Action-Agenda-for-Sustainab1e-Development-FlNAL.pdf (consultado a 17/6/2013).

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