O Exército Português na Libertação de Espanha em 1813-1814

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1 Publicado em: Portugal na Guerra Peninsular (1812-1815) (2014), Actas do XXII Congresso de História Militar, Lisboa, CPHM, pp. 483- 503. O Exército Português na Libertação de Espanha em 1813-1814 Nuno Lemos Pires 1 https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires Resumo Estiveram pelo menos 30.000 Portugueses a combater em Espanha e França em 1813 e 1814. Estiveram presentes nos principais combates e as baixas foram de vários milhares. Infelizmente os historiadores não lhes deram o crédito merecido. Ficaram esquecidos, pouco referidos e por vezes até deliberadamente apagados dos relatórios. O Tenente-General Francisco da Silveira, que comandou uma das Divisões do Exército Anglo-Português, depois de alcançar a fronteira de França, incomodado com a forma como o enorme esforço português na libertação de Espanha era pouco ou quase nada reconhecido, pediu para voltar a Portugal. A Europa deve muito aos soldados portugueses que lutaram pela liberdade das suas nações e hoje, felizmente, muitos historiadores começam a reparar esse monumental erro de omissão. Portugal e os portugueses merecem ser recordados, distinguidos e devidamente reconhecidos. Palavras-chave : Exército Anglo-Português; Sacrifício, Nação Fiável, Aliados. Abstract 30.000 Portuguese fought in Spain and France in 1813 and 1814. They were present in all main battles and suffered very high number of casualties. Unfortunately the majority of the historians have forgotten to report the 1 Este texto é uma adaptação e resumo do texto publicado em Espanha pelo autor em maio de 2013: El Ejército Portugués en las Campañas de 1813-1814” (2013), em Guerra de la Independencia Española: las últimas campañas en el Norte, 1813-1814, Madrid, Ministerio de Defensa de España, Revista de Historia Militar, número extraordinario, pp. 102-134.

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Publicado em: Portugal na Guerra Peninsular (1812-1815) (2014),

Actas do XXII Congresso de História Militar, Lisboa, CPHM, pp. 483-

503.

O Exército Português na Libertação de Espanha em 1813-1814

Nuno Lemos Pires1

https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires

Resumo

Estiveram pelo menos 30.000 Portugueses a combater em Espanha e França

em 1813 e 1814. Estiveram presentes nos principais combates e as baixas

foram de vários milhares. Infelizmente os historiadores não lhes deram o

crédito merecido. Ficaram esquecidos, pouco referidos e por vezes até

deliberadamente apagados dos relatórios. O Tenente-General Francisco da

Silveira, que comandou uma das Divisões do Exército Anglo-Português,

depois de alcançar a fronteira de França, incomodado com a forma como o

enorme esforço português na libertação de Espanha era pouco ou quase nada

reconhecido, pediu para voltar a Portugal. A Europa deve muito aos

soldados portugueses que lutaram pela liberdade das suas nações e hoje,

felizmente, muitos historiadores começam a reparar esse monumental erro

de omissão. Portugal e os portugueses merecem ser recordados, distinguidos

e devidamente reconhecidos.

Palavras-chave: Exército Anglo-Português; Sacrifício, Nação Fiável,

Aliados.

Abstract

30.000 Portuguese fought in Spain and France in 1813 and 1814. They were

present in all main battles and suffered very high number of casualties.

Unfortunately the majority of the historians have forgotten to report the

1 Este texto é uma adaptação e resumo do texto publicado em Espanha pelo autor em maio

de 2013: “El Ejército Portugués en las Campañas de 1813-1814” (2013), em Guerra de la

Independencia Española: las últimas campañas en el Norte, 1813-1814, Madrid, Ministerio

de Defensa de España, Revista de Historia Militar, número extraordinario, pp. 102-134.

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Portuguese effort. Forgotten, barely reported and, sometimes, deliberately

erased from the official reports. Lieutenant-General Francisco da Silveira

was one of the allied Division commanders that, after reaching the French

border, and tired of seeing a permanent omission of the Portuguese effort on

official reports, decided to ask for his resignation and return to Portugal.

Europe owes their freedom also to the brave Portuguese soldiers that died in

battle overseas and only in nowadays, recent historiography, finally, started

to recognize their effort repairing this monumental error of omission. The

Portuguese deserve to be recognized.

Key-Words: Anglo-Portuguese Army; Sacrifice, Reliable Nation, Allies.

3

1. Introdução

O Exército português em 1813 pouco ou nada se comparava às poucas

forças, caóticas e desorganizadas, que ainda assim, infligiu uma pesada

derrota à Divisão Francesa de Loison em junho de 1808 nas Alturas de

Teixeira, no norte de Portugal. A Batalha da Régua (ou Alturas de Teixeira)

marcou a força da vontade de uma nação em se opor aos desejos de

Napoleão sobre Portugal. Mas também significou que não seria apenas com

voluntarismo e coragem que se derrotariam as melhores forças da Europa.

Nessa Batalha em junho de 1808 coordenava o esfoço dos portugueses

Francisco da Silveira, futuro Conde de Amarante, e que em 1813 estaria a

comandar uma das Divisões do Exército Anglo-Portuguesas. É verdade que

o general francês Loison fora derrotado pelos portugueses em 1808 e teve de

retirar apressadamente para Almeida mas também foi verdade que as

tentativas seguintes de opor forças em campo aberto contra os franceses

tiveram resultados desastrosos.

Em julho de 1808 ficaram na memória dos portugueses os massacres

franceses sobre Évora e Beja. Em agosto de 1808, com os britânicos, foi

possível derrotar, na Roliça e no Vimeiro, os Franceses. Indubitavelmente

seria este o caminho a seguir, combater em conjunto com os aliados de

sempre, a Grã-Bretanha, até à derrota final de França em Toulouse em abril

de 1814. Foi uma boa decisão.

Os portugueses sabiam e estavam determinados a combater, podiam isolar e

travar o avanço francês mas não tinham nem a força, nem os armamentos e

equipamentos, e muito menos a organização e a disciplina suficiente, para

derrotar em campo aberto as fortes Divisões Francesas. A estratégia

britânica contava com o permanente apoio de forças territoriais portuguesas,

que asseguravam a inviolabilidade do território português em todas as suas

fronteiras e, sem estas, nunca Wellington teria tido a liberdade operacional

para travar combates contra os franceses.

Este é um fator fundamental para entender o que sempre esteve em jogo e

que a historiografia nem sempre destaca convenientemente. Só foi possível

ao Exército Anglo-Português atuar livremente na Península Ibérica porque

existiu, desde 1808, um conjunto significativo de forças portuguesas, entre

1ª linha, milícias e ordenanças, que garantiram a defesa de Portugal contra

possíveis incursões, que atacaram as retaguardas e destruíram as

comunicações das forças francesas.

Em 1810 e 1811, as forças do marechal francês André Massena ficaram

isoladas em Portugal pela força deste “exército invisível” na retaguarda.

Marmont ainda tentou entrar de novo em Portugal em 1812 e apenas se

4

defrontou contra forças das milícias porque o Exército Anglo-Português

estava a tentar libertar Badajoz e, mesmo assim, teve de regressar a

Espanha. Em 1812, na segurança de Portugal, preparou-se com

tranquilidade o avanço contra as forças francesas na Península Ibérica.

Em 1813, um Exército Anglo-Português partiu para Espanha para

decisivamente obrigar os franceses a passarem para lá dos Pirenéus. 30.000

portugueses foram neste Exército mas muitos mais ficaram a guardar as

fronteiras de Portugal porque, tal como em 1812, estas forças (pouco

faladas) eram a garantia de haver sempre um “porto seguro” para os aliados

voltarem, tal como tinham feito no ano anterior depois da retirada de

Burgos.

Portugueses, britânicos e espanhóis, juntos, debaixo de uma só autoridade

de comando operacional, a de Wellington, iriam bater-se não só pela

independência dos povos peninsulares mas também pela liberdade das

nações europeias. Uma vitória em Vitória no verão de 1813, a Waterloo do

Sul, foi o passo determinante para a ofensiva global contra Napoleão, que o

levaria assim a enfrentar a derrota e a inevitável abdicação. Mas recuemos

um ano.

Em 1812 Wellington retirara para Portugal e Napoleão voltou para Paris

depois de uma desastrosa Campanha na Rússia. O desgaste francês era

evidente mas o dos britânicos não era muito menor porque, nesse mesmo

ano, entraram numa outra guerra, contra os EUA. Assim também lhes

faltavam os recursos para atacar decisivamente Napoleão na Europa Central.

Talvez por isso, ou melhor, provavelmente por isso mesmo, a ofensiva

britânica, portuguesa e espanhola adquiriu tanta importância em 1813.

“É um facto que por aquele tempo (1813) o exército anglo-luso era

(…) o único recurso para a salvação da península, e recurso aliás

precioso, de que fazia parte importante o exército português, que sem

esse exército nada poderia empreender o governo inglês contra a

França”2.

Por causa da guerra americana os britânicos não tinham força e recursos

para ajudarem os seus aliados do centro da Europa e apostaram tudo na

ofensiva Ibérica. Fizeram bem.

2. Preparando a Ofensiva de 1813

2 SORIANO, Luz: História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar

compreendendo a história diplomática, militar e política deste reino desde 1777 até 1834,

Lisboa, 1876, Tomo IV – Parte I, pp. 375-376.

5

O General Beresford, depois de recuperar dos ferimentos (que recebera em

Salamanca) no Porto voltou a Lisboa no final de setembro de 1812 para

ajudar a reconstruir as unidades portuguesas bastante afetadas pela longa

campanha desse ano. Muito deve este exército a Miguel Pereira Forjaz,

secretário do Governo da Guerra, Marinha e Negócios Estrangeiros. Não foi

por acaso que Wellington disse que Forjaz era o mais “capaz estadista de

Espanha”. Com Forjaz conseguiram-se e mantiveram-se 30.000 militares

portugueses em Espanha e França até abril de 1813. Através de excelentes

oficiais portugueses como Carlos Lecor, Luís do Rego, Hipólito da Costa,

Avillez, Guilherme Stubbs, Vasconcelos, Sá da Bandeira, Saldanha e muitos

outros manteve-se a bravura e a disciplina de uma força, na época,

considerada entre as melhores da Europa. Note-se que os oficiais britânicos

presentes no exército português apenas representavam 1,5 % do total, ou

seja dos 1250 oficiais do exército português apenas 80 eram britânicos.

Mesmo nos postos mais elevados, entre comandantes de Divisão, Brigadas e

Regimentos, 40% eram portugueses 3

.

O Conde de Amarante, Tenente-general Francisco da Silveira, recebeu o

comando da Divisão Portuguesa (Brigadas Portuguesa 2 e 4 – compostas

respetivamente pelos Regimentos de Infantaria 2 e 14, 4 e 10 e do Batalhão

de Caçadores 10; Silveira entregou então o comando das forças de Trás-os-

Montes ao Barão de Eben). Seguiram-se exercícios de campo, treino e

inspeções que levaram as forças portuguesas “a um estado tal de perfeição

militar, que desde então não pôde haver exército algum francês, que com

igualdade de forças as pudesse vencer em campo”4.

Wellington, mormente tenha existido oposição política de parte de alguns

sectores na Inglaterra, conseguiu importantes reforços, em especial um

reforço de verba de 100.000 libras e novos 25.000 milicianos para se

incorporarem no seu exército, além de diverso equipamento como tendas,

trens de pontões, equipagens de artilharia e ainda 1.300 cavalos. Na

primavera de 1813 podiam assim contar-se no exército aliado com “78.000

homens, em que entravam 6.000 de cavalaria e 30.000 portugueses” (os

portugueses organizados em 11 brigadas, estando apenas 3 regimentos fora

do exército aliado: o 5 em Elvas, o 22 em Badajoz e o 20 junto a Cádis), a

que se juntariam depois os “50.000 espanhóis”5. Wellington tinha recebido

3 HENRIQUES, Mendo Castro: Vitória e Pirenéus (1813). Tribuna da História, Lisboa,

2008, pp. 8 e 40. 4 COSTA, Rodrigues da (coord.): Comemoração da Batalha de Vitória ganha pelos

Exércitos Aliados em 21 de junho de 1813. Tipografia Universal, Lisboa, 1914, p. 55 e

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, pp. 377-379. 5 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, pp. 374 y 380-383 e MARTINS, Ferreira:

História do Exército Português. Editorial Inquérito Limitada, Lisboa, 1945, p. 289.

6

ainda a nomeação, em dezembro de 1812 pelo governo de Espanha, de

generalíssimo das tropas espanholas e assim, começou nesse mesmo mês as

coordenações em Cádis para planear a ofensiva conjunta entre portugueses,

britânicos e espanhóis.

Do lado Francês as coisas estavam complicadas, além das notícias (e dos

efeitos) da campanha da Rússia, o Rei José Bonaparte continuava incapaz de

garantir a coerência entre as forças militares na Península e os seus

marechais, além de não lhe obedecerem, mantinham constantes disputas

entre si.

O plano final ficou apenas decidido em Janeiro de 1813 em Freineda,

Portugal, onde se juntaram a Wellington os principais comandantes

militares dos 3 países. As forças aliadas seriam divididas em 4 exércitos: um

primeiro (grande) exército constituído pelo exército da Galiza comandado

pelo General Castaños e o exército Anglo-Português (o conjunto dos dois

exércitos seria comando pessoalmente por Wellington) em direção a

Castilla-la-Vieja; um segundo exército comandado pelo general Hill que

partiria do Alentejo em direção à área da baixa Castela; um terceiro sob as

ordens do Duque del Parque partiria de Córdoba e Serra Morena em direção

à Mancha e, um quarto exército, inicialmente comandado pelo general

Murray (até abril de 1813) e depois por lord Bentinck, desde Alicante em

direção a Valência (com 35.000 a 40.000 homens entre ingleses e sicilianos

– estes últimos 8.000 – onde se incluíram, além de 3 divisões espanholas,

duas baterias de artilheiros portugueses pertencentes aos regimentos 1, 2 e 4

com cerca de 200 elementos)6.

No dia 17 de Janeiro de 1813 Wellington, vestindo o seu uniforme de

Oficial General do Exército Português, foi ao Rossio em Lisboa, para

participar numa reunião do Conselho de Regência (a que pertencia por

nomeação da Rainha de Portugal), oficializar a autorização formal para o

início da campanha em Espanha7. Um dos maiores problemas de Wellington

relacionava-se com a falta de pagamento às forças portuguesas. As forças de

1ª linha tinam mais de 6 meses de atraso nos vencimentos e as milícias um

ano, um problema de difícil resolução uma vez que os cofres portugueses

estavam literalmente vazios. A perda acumulada do comércio com o Brasil e

o elevadíssimo custo da guerra deixara Lisboa sem os recursos necessários

para este gigantesco esforço e a Grã-Bretanha apenas se comprometia a

pagar 30.000 dos portugueses, ficando assim na responsabilidade

6 CHABY, Cláudio de: Excertos Históricos e Coleção de Documentos relativos à Guerra

denominada da Península. Imprensa Nacional, Lisboa, 1875, Vol. IV, p. 674; SORIANO,

Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, pp. 385-386 e MARTINS, Ferreira: op. cit. p 290. 7 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, p 387.

7

portuguesa o pagamento aos restantes 25.000 de 1ª linha e as mais de 40.000

milícias, além dos serviços devidos aos milhares de ordenanças8.

Por seu lado, José Bonaparte, recebeu más notícias do seu irmão quando

este lhe mandou entregar 150 oficiais veteranos de vários batalhões e uma

divisão da nova guarda. Em troca recebeu a reserva de Baiona somando

20.000 recrutas sem nenhuma experiência de combate9. A prioridade de

Napoleão continuava no leste e no norte da Europa e, surpreendentemente,

até obteve duas vitórias decisivas em Lutzen a 2 de maio de 1813 e depois

em Bautzen a 21 e 22 do mesmo mês. Parecia estar a vencer mas

Prussianos, Suecos, Russos e as restantes potências do norte, não só não

desistiram como assistiram ao reforço de mais forças, com a reentrada em

cena do exército austríaco no verão de 1813, mais precisamente em 17 de

agosto. A situação de permanente ameaça sobre Napoleão desde maio, e

depois de efetiva força a partir de agosto de 1813, inviabilizou a esperança

dos franceses na Península Ibérica em receberem reforços significativos

para se oporem aos anglo-portugueses e espanhóis.

Assim, enquanto o exército Anglo-Português melhorava e preparava-se para

a campanha de 1813, os franceses enfraqueciam-se. Além de perderem

efetivos e quadros, sujeitos que estiveram desde Burgos a combates

permanentes das guerrilhas espanhola, iam perdendo a vontade de combater.

Para agravar a situação, um dos melhores Marechais Franceses, Nicholas

Soult, foi chamado por Napoleão em fevereiro de 1813, para marchar desde

a Andaluzia espanhola para a frente Alemã.

O dispositivo francês em Espanha, em março de 1813, era o seguinte10

: o

exército da Andaluzia (agora comandado por Gazan que substituíra Soult)

tinha o Quartel General (QG) em Toledo e ocupava uma área que ia ao

longo do Tejo desde Tarancon até Almaraz tendo sido destacadas uma força

para vigiar os movimentos do Duque del Parque junto à Serra Morena e

outras duas para Talavera e Tietar, junto às pontes sobre o Tejo para vigiar

os movimentos de Murillo, Penne Villemur e de Hill. Na direita deste

exército encontrava-se o exército de Portugal (comandado pelo general

Reille), tinha o QG em Valladolid e ocupava uma área entre o Tormes e o

Douro, incluindo as regiões de Salamanca, Ledesma e Alba, Toro e

Tordesilhas, Benavente e Leão (Astorga estava já nas mãos de espanhóis).

Atrás destes dois exércitos estava o exército do norte (comandado pelo

general Caffarelli, depois substituído por Clausel), o QG em Vitória e com a

8 Ibídem, pp. 404-407.

9 Ibídem, pp. 414-415.

10 Ibídem, pp. 436-437 e CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 670-671.

8

missão de vigiar a marinha britânica na baía de Biscaya e de garantir a

fluidez da linha de comunicação com a França. No outro lado da Península

Ibérica, encontrava-se o exército do marechal Suchet que ocupava uma área

que incluía Valência e a Catalunha e que se opunham às forças aliadas

(anteriormente referidas) sediadas em Alicante.

As forças territoriais portuguesas mantinham um apertado sistema de

vigilância sobre as francesas através um eficaz sistema de informações que

se estendia a todas as regiões de Espanha mas com particular incidência

junto à fronteira. Por exemplo mal os franceses pretenderam fazer uma

incursão junto à fronteira de Trás-os-Montes, Silveira mandou reunir os

Regimentos de Milícias de Bragança e Miranda e preparou uma incursão

contra os franceses. Foi a Cavalaria portuguesa comandada pelo Coronel

Manso a 3 de março de 1813 que terminou com as intenções francesas mas

assim, mais uma vez, provava-se a solidez da defesa da fronteira portuguesa,

assente exclusivamente em forças nacionais, em toda a sua extensão11

.

Os 78.000 homens do exército anglo-português, entre abril e maio de 1813,

com as suas 90 peças de artilharia (reforçados com um novo trem de

pontões português do novo Batalhão de Artífices) juntaram-se aos 40.000

espanhóis para iniciarem a ofensiva contra os 120.000 franceses (reforçados

por 10.000 espanhóis “josefinos”) estacionados, como vimos, no norte da

Península Ibérica12

. O Rei José Bonaparte delegara no Marechal Jourdan a

coordenação do esforço militar francês.

Em número os efetivos eram semelhantes para ambos os lados mas

indubitavelmente que a situação dos aliados era melhor. Descansados que

estavam da sua preparação de inverno, assentes em boas bases logísticas

(Ciudad Rodrigo e Badajoz), linhas seguras de comunicação com Portugal,

um eficaz sistema de informações português, com os necessários meios de

transporte e de passagem de rios, a fluidez e um sustentado apoio logístico e

apoiados (diríamos mesmo mais, protegidos) pelas populações locais (em

Portugal e em Espanha). A Campanha de 1813 podia assim começar.

3. Os primeiros combates de 1813

Não nos referiremos a todos os combates para nos concentrarmos onde o

exército português participou com mais forças mas a primeira das grandes

batalhas de 1813 foi uma vitória aliada do britânico Murray contra o francês

11 HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. pp. 50-52.

12 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, pp. 438-439; os aliados seriam 102.000

combatentes de todas as armas: 48.000 ingleses, 28.000 portugueses e 26.000 espanhóis,

segundo CHABY, Cláudio de, op cit. Vol. IV, p 680.

9

Suchet em Castalla (a norte do Rio Jucar e a sul de Valência e onde

participaram as duas baterias de artilheiros já descritas, comandadas pelo

Capitão Maximiliano Augusto Penedo) a 12 de abril de 1813. Este combate

de “resultados nulos”13

também significou uma certa imobilidade entre as

forças aliadas e francesas nesta região que nem apoiarem nem dificultaram a

avançada de Wellington a partir de Portugal, pelo centro e norte de Espanha.

Acresce dizer que a saída do Rei José Bonaparte com as forças francesas de

Madrid a 18 de março de 1813 (deixando apenas uma divisão sob o

comando do general Laval) em direção a Valladolid, tinham aumentado em

muito o moral das forças aliadas14

.

Resumidamente participaram as seguintes forças portuguesas em outros

combates15

: Caçadores 6 no combate de Bejar a 20 de fevereiro (“a surpresa

não teve efeito [dizia Wellington] e os inimigos foram repelidos com perda,

sendo perseguidos a alguma distância pelo 6 de caçadores”); Artilharia 2

no combate de Alcoy a 28 de março e Artilharia 1, 3 e 4 no cerco a

Tarragona entre 3 a 13 de junho.

Wellington determinou que o general espanhol, conde de L’Abisbal (ou

general D. Henrique O’Donnel) iniciasse o movimento aliado a 23 de abril

de 1813 com os seus 12.000 homens desde Sevilha para a Extremadura.

Seguiu-se a entrada em Espanha das forças do general Hill a 29 de abril, por

Porto de Espada e Valencia de Alcântara. As forças do general Hill tinham a

seguinte constituição16

: a 2ª Divisão composta por 5 brigadas de infantaria

(4 inglesas e 1 portuguesa – esta formada pelos regimentos 6 e 18 e o

batalhão de caçadores 6 sob o comando do brigadeiro Carlos Ashworth); a

Divisão Portuguesa comandada pelo general conde de Amarante (que

substituíra Hamilton) com a constituição já referida de duas brigadas

portuguesas (a 2 comandada pelo brigadeiro Hipólito da Costa e a 4 pelo

brigadeiro Archibald Campbell) e o batalhão de Caçadores 2; o Regimento

de Cavalaria 4 comandado pelo coronel John Campbell.

A meados de maio avançou a esquerda e o centro do exército aliado

baseando-se o deslocamento numa linha a norte do rio Douro (a partir de

Trás-os-Montes em Portugal, tendo a cavalaria anglo-portuguesa partido

diretamente de Bragança onde montara o seu quartel de inverno). Na

esquerda, comandados pelo tenente-general Thomas Graham (incluindo

13 HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. p. 55.

14 “17 de março” segundo CHABY, Cláudio de, op cit. Vol. IV, p 672.

15 CHABY, Cláudio de, op cit. Vol. IV, p 673. Para não tornar a escrita muito extensa

vamos referir sinteticamente os números dos regimentos, ou seja, Regimento de Artilharia

nº1 = Artilharia 1. 16

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, pp. 440-441.

10

20.000 espanhóis do exército da Galiza, do general Castaños) e ao centro o

próprio Wellington que saiu de Freineda no dia 22 de maio e ao passar a

fronteira com Espanha disse bem alto: “Adeus, Portugal, adeus, acabou-se

no teu país a guerra” (na direita já tinha iniciado o deslocamento, como

vimos, as forças de Hill tendo, por exemplo, a Divisão do Conde de

Amarante montado acampamento em Robledo no dia 20 de maio)17

. Importa

dizer que muito do material pesado (artilharia) e grande parte dos

abastecimentos foram do Porto até à confluência do Rio Águeda, na sua

maioria, transportados por barcaças no Rio Douro.

Por uma questão de síntese não iremos referir todo o deslocamento das

forças (bem descritos nas obras de referência, em especial de Soriano e de

Chaby, incluindo mapas detalhados com os itinerários escolhidos) mas

diríamos que 400 granadeiros portugueses comandados pelo general Silveira

foram dos que estiveram na frente da batalha quando, de novo - tal como no

ano anterior - libertaram Salamanca18

, os dragões portugueses dos

regimentos cavalaria 11 e 12 fizeram parte das forças que abriram caminho

para que no final de maio, inícios de junho de 1813, o grosso das forças

aliadas se pudessem reunir a 1 de junho junto à cidade de Zamora e do Toro.

José Bonaparte dera ordens então para se concentrarem as defesas junto às

passagens de Burgos e ali se estabeleceu ele a 6 de junho.

No dia 11 de junho Wellington mandou dar descanso a todas as forças

aliadas exceto ás do general Hill que deveriam continuar o seu movimento

em direção a Burgos. José mandou então abandonar Burgos sem que antes

tivesse mandado destruir o seu castelo onde, pela precipitação em que tudo

ocorreu, “300 a 400 franceses pereceram na explosão”19

. As forças

francesas reuniram então na estrada real de Vitória, que ligava Espanha a

França, com cerca de 55.000 homens. A intenção francesa era clara, assentar

e garantir a defesa do Rio Ebro reunindo assim os vários exércitos ao

exército do norte por detrás de uma forte linha defensiva. A intenção de

Wellington também foi clara, o quanto antes, evitar que os franceses

pudessem estabelecer esta defesa forte.

Das forças portuguesas destacaríamos a passagem do Ebro em Ponte Arenas

pela divisão portuguesa de Silveira “tão a prumo, que para se transportar

por ele a artilharia necessário foi que as carretas fossem na retaguarda

sustidas por grossas cordas (…) tinham sem obstáculo algum ganhado

17 Ibídem, pp. 442-446 e CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 689-691.

18 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, pp. 447-449 e CHABY, Cláudio de, op. cit.

Vol. IV, pp. 690. 19

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, p 454 e CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV,

pp. 694-695.

11

finalmente a margem esquerda do Ebro” 20

. Já no dia 18 de junho merece

destaque a ação de que tomaram parte os batalhões de caçadores 1 e 3 que,

fazendo parte da Divisão Ligeira, capturaram cerca de 300 prisioneiros

franceses de S. Milan. Outra ação importante em que participaram 6.008

portugueses (participaram forças dos regimentos 1, 7, 11 e 12 de cavalaria;

3, 11, 15 e 23 de infantaria; 7 e 8 de caçadores – corpos das brigadas

portuguesas 3 e 9) foi no combate de Osma a 18 de junho. No Combate de

Morillas a 19 de junho tomaram parte 4.779 portugueses (1, 7, 11 e 12 de

cavalaria; 11 e 23 de infantaria; 1, 3 e 7 de caçadores) obrigando os

franceses a retirarem em direção à Biscaya21

.

De 19 para 21 José mandou que 4.000 a 5.000 soldados franceses fossem

para a retaguarda fornecer escolta aos movimentos logísticos em direção a

França enquanto Wellington concentrava 61.487 homens do exército anglo-

português em Zadora prontos para atacar (35.000 ingleses e 26.397

portugueses – o exército anglo-português registava até ao momento cerca de

200 baixas nesta campanha de 1813 e tinha ficado para trás, em Medina del

Pomar, uma divisão aliada com cerca de 6.500 homens na qual se incluía a

brigada portuguesa nº7 com os regimentos de infantaria 8 e 12 e o batalhão

de caçadores nº9) e cerca de 20.000 espanhóis, num total de 81.000 forças

aliadas22

.

Por razões da própria geografia e das passagens do terreno Wellington

determinou o ataque aos franceses por 3 áreas distintas (por isso por vezes

se falara das 3 batalhas na batalha da Vitória)23

. A sul o general Hill contava

com 20.000 homens divididos por 6 brigadas sendo 3 delas portuguesas (a 2

e a 4 na divisão portuguesa de Silveira e a brigada 5 na 2ª Divisão) e com a

Divisão espanhola de D. Pablo Morillo. A norte (na esquerda) as forças do

general Graham compreendiam 2 divisões, a 1ª e a 5ª, estando incluídas

nesta última a brigada portuguesa 3 comandada pelo Brigadeiro Sprye. Com

missões individuais encontravam-se duas brigadas portuguesas, a 1

comandada por Pack e a 10 por Bradford e ainda a divisão espanhola de D.

Francisco Longa e a cavalaria de Anson e Bock (total para Graham – 20.000

homens). A força do centro, diretamente comandada por Wellington

compreendia a Divisão Ligeira (onde se incluía Infantaria 17 e Caçadores 1

e 3), as 3ª, 4ª e 7ª Divisões (na 3ª estava a brigada portuguesa 8 comandada

por Power; na 4ª a brigada 9 de Stubbs e na 7ª a brigada 6 comandada pelo

brigadeiro Carlos Lecor), a cavalaria portuguesa de D’Urban com 3.000

20 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, p 462.

21 Ibídem, p 464-465 e CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 695-698.

22 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, p 467.

23 Ibídem, pp. 470-472.

12

cavalos (Cavalaria 1, 6, 7, 11 e 12), a cavalaria inglesa, a artilharia anglo-

portuguesa num total de 30.000 combatentes. Ir-se-ia dar a Batalha de

Vitória a 21 de junho de 1813.

4. A Batalha de Vitória

Tivemos já oportunidade de descrever a participação portuguesa nesta

batalha24

, pelo que nos concentraremos nos aspetos mais relevantes para

entender a campanha subsequente.

As forças aliadas, sob o comando de Wellington, conseguiram em apenas

seis semanas percorrer “duzentas léguas por um país acidentado. Atravessar

seis grandes rios, indo no fim d’isto ganhar uma batalha decisiva” 25

.

Perante tal desastre Napoleão mandou Soult regressar a Espanha para tentar

salvar o que restava das forças francesas. Em Lisboa e no Rio de Janeiro

foram muitas a celebrações desta vitória. Afinal, entre outros momentos de

glória, tinha sido um sargento português de granadeiros de Infantaria 23,

Cardoso de Meneses, que tinha capturado a única águia Francesa (do 4º

Batalhão do Regimento 100). Lisboa iluminou-se e cantou-se um solene Te

Deum na Sé Catedral e do Rio de Janeiro vieram os maiores elogios da

Corte.

Wellington não poupou elogios aos soldados portugueses: “as tropas

portuguesas (…) marcharam na frente com uma firmeza e galhardia, que

jamais foi excedida em alguma ocasião”. Todas as unidades portuguesas

que participaram na Batalha foram distinguidas por palavras (ordens),

medalhas e condecorações, tanto por Wellington como por Beresford ou

Miguel Pereira Forjaz e, mais tarde, por decreto de 13 de novembro de

1813, pelo próprio príncipe regente a partir do Rio de Janeiro. O oficial

general português mais graduado presente na batalha, tenente-general

Silveira, que fez uma manobra muito relevante e importante para o desfecho

da batalha (embora praticamente não referida em muitos dos relatos

britânicos), foi então agraciado com uma das medalhas de ouro “medalha de

grande oiro” da Vitória26

.

As ações detalhadas de todas as unidades portuguesas estão descritas em

várias obras. Participaram nesta batalha 26.397 portugueses (Artilharia 1 e

2; Cavalaria 1, 6, 7, 11 e 12, Caçadores 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 11;

24 Pires, Nuno Lemos: «La participación portuguesa en la Batalla de Vitoria - 21 de Junio

de 1813» en III foro internacional sobre la Guerra de Independencia. Cuadernos Del

Bicentenario, Nº 2/ Diciembre, Madrid, 2007, pp. 3 – 12. 25

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, p 488. 26

Ibídem, p 489-496, MARTINS, Ferreira: op. cit. p 291 e COSTA, Rodrigues da (coord.):

op. cit. p. 62 e 74.

13

Infantaria 1, 2, 3, 4, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 23 e 24)

tendo perdido a vida 9 oficiais e 229 soldados, foram feridos 44 oficiais e

596 soldados, 39 extraviados. As baixas totais portuguesas atingiram assim

o número de 91727

.

Imediatamente após a Batalha de Vitória houve uma sucessão de pequenos

combates até ao final do mês de junho de que destacaríamos a seguinte

participação de forças portuguesas28

: Infantaria 24 no Combate de Villa

Real a 24 de junho; Caçadores 4 e 5 e Infantaria 1, 13 e 16 no Combate de

Villa Franca de Lascano a 24 de junho (“tal serviço, diz o tenente general

Graham, foi executado da maneira a mais galharda, por estas valorosas

tropas”); Caçadores 4 e 5 e Infantaria 1, 13, 16 e 24 no Combate de Tolosa

a 25 de junho (“Wellington diz (…) dá-me grande satisfação o ver que as

tropas espanholas e portuguesas se conduziram tão bem”).

Enquanto a campanha decorria em Espanha as restantes forças que tinham

ficado em Portugal continuavam a sua preparação para a eventualidade de

serem de novo chamadas a combater29

. Em Mafra foram enviados muitos

dos oficiais de milícias para aperfeiçoarem o treino e os regulamentos e

instruções dos corpos de milícia foram então aperfeiçoados. Embora grande

parte das ordenanças tivessem regressado a suas casas, as companhias de

artilheiros ordenanças prolongaram o seu serviço no provimento de

fortalezas. Também grande importância foi atribuída ao serviço de

transportes embora a principal base logística de apoio ao exército Anglo-

Português passasse agora a ser Santander em vez de Lisboa ou o Porto. Por

fim provia-se o sistema de recompletamento das forças em Espanha de

forma ordenada e sustentada para que os efetivos entretanto perdidos

pudessem ser substituídos.

5. A conquista dos Pirenéus

Entre outras destaca-se a participação portuguesa nos seguintes combates

(que depois iremos descrever os de maior importância)30

: Caçadores 7, 9, 10

e 11 e Infantaria 2, 4, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 21 e 23 no cerco a Pamplona de

30 de junho a 18 de julho; Caçadores 6 e Infantaria 6 no Combate de

Barrueta a 1 de julho; Artilharia 1, 2 e 4 no cerco a Tarragona de 3 a 13 de

julho; Caçadores 6 e Infantaria 6 no Combate de Aniz a 4 de julho;

Caçadores 6 e Infantaria 6 no Combate de Elysondo a 5 de julho; Caçadores

27 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte I, p 496-503 e CHABY, Cláudio de, op. cit.

Vol. IV, pp. 695-748; “26.600 portugueses” em COSTA, Rodrigues da (coord.): op. cit. p.

69. 28

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 742-744. 29

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 750-753. 30

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 754-755.

14

6 e Infantaria 2 e 14 no Combate do Porto da Maya a 7 e 8 de julho;

Artilharia 1 no Combate de S. Bartolomeu a 7 de julho; Caçadores 6 e

Infantaria 6 no Combate de Urdax a 8 de julho; Artilharia 1, Caçadores 4, 5

e 8, Infantaria 1, 3, 13, 15, 16 e 24 no Cerco a S. Sebastião de 9 de julho a

31 de agosto; Caçadores 4 e 5 e Infantaria 13 e 24 no assalto e tomada do

reduto do Convento de S. Bartolomeu de S. Sebastião de Guipúscoa a 17 de

julho.

As forças portuguesas participaram nos primeiros dias do cerco a Pamplona

mas depois continuaram para norte deixando esta difícil tarefa nas mãos dos

espanhóis sob o comando de Abisbal. Na Catalunha as coisas correram mal

para os 206 artilheiros portugueses que fizeram parte do cerco a Tarragona.

Mas foi no cerco a S. Sebastião que o esforço dos soldados portugueses,

presentes desde 28 de junho, foi maior, mais difícil e mais visível.

A praça de S. Sebastião de Guipúscola era muito difícil de conquistar. O

acesso a esta praça com os seus 13.000 habitantes praticamente só se podia

fazer por um acesso por terra e a defesa fazia-se em várias dimensões

apoiados por posições elevadas e preparadas para fazer tiro a quem tentasse

atacar31

. Face à dificuldade em atacar, o tenente general Graham decidiu

começar por atacar as defesas afastadas da praça, começando pelo convento

de S. Bartolomeu e as obras contíguas. O fogo da artilharia começou na

noite de 13 para 14 de julho de 1813. No assalto posterior a esta posição

tomaram parte, na direita, os 150 portugueses do capitão Almeida

pertencentes ao Regimento de Infantaria 13 e na esquerda, 200 do mesmo

regimento comandados pelo major Bradford reforçados com outros 200

portugueses do Batalhão de Caçadores nº 5 do tenente-coronel Cameron. Os

elogios a esta operação foram muitos e foram especialmente distinguidos o

Regimento de Infantaria 13, o capitão Almeida e o tenente Campbell. No

cerco a S. Sebastião importa dizer que estiveram presentes mais portugueses

do que britânicos o que foi uma situação que aconteceu mais vezes e,

infelizmente, é um facto muito esquecido pelos historiadores32

.

Neste ano de 1813, como em muitas ocasiões, costuma-se dizer que no

exército anglo-Português os portugueses constituíam entre 30 a 50 % do

efetivo mas na realidade, o número de portugueses era muitas vezes superior

ao dos britânicos porque, como sabemos, dentro do exército britânico

prestavam serviço militares e forças de muitos países. Entre outras

nacionalidades registam-se forças e unidades de franceses, alemães,

31 Descrição pormenorizada da praça e das suas defesas em CHABY, Cláudio de, op. cit.

Vol. IV, pp. 758-761. 32

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, p 33.

15

italianos, espanhóis, canadianos, suíços, austríacos, holandeses, polacos,

croatas e ucranianos, grandes unidades como as alemãs (King’s German

Legion e Brinswick-Oel Jagers), ou os famosos emigrados franceses dos

Chasseures Britaniques33

. Os portugueses não devem reclamar mais

protagonismo do que efetivamente tiveram mas também é injusto verificar

que em inúmeras obras de história não aparece o proporcional esforço

português e, por vezes, a ausência ou referência aos portugueses é total. Esta

persistente omissão é um insulto e um absurdo que pensamos estar

lentamente a ser corrigido por muitos atuais historiadores de todos os países

envolvidos.

Nos dias seguintes a este assalto foram muitas as ações em que participaram

forças portuguesas34

: Infantaria 24 no Combate de Banca a 23 de julho;

Caçadores 7 e Infantaria 11 e 23 no Combate de Roncesvalles a 25 de julho;

Infantaria 2 e 14 no Combate do Porto de Arriete a 25 de julho; Artilharia 1,

Caçadores 6 e Infantaria 6 e 18 no Combate do Porto da Maya a 25 de julho;

Caçadores 4 e Infantaria 1 e 16 no 1º assalto à praça de S. Sebastião a 25 de

julho; Caçadores 7 e Infantaria 11 no Combate de Viscarrete a 26 de julho;

Caçadores 10 e Infantaria 4 e 10 no Combate junto a Pamplona a 27 de

julho; Artilharia 2, Cavalaria 1, 4, 6, 7, 11 e 12, Caçadores 2, 6, 7, 9, 10 e 11

e Infantaria 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 18, 19, 21 e 23 na Batalha dos

Pirenéus a 28 e 30 de julho; Caçadores 2 no Combate de Lizasso a 29 de

julho; Caçadores 2 e Infantaria 7 e 19 no Combate das alturas de Zarza a 31

de julho; Caçadores 6 e Infantaria 6 e 18 no Combate de Lizasso a 31 de

julho; Caçadores 1 e 3 e Infantaria 17 no Combate das alturas de Santa

Bárbara a 31 de julho; Caçadores 7 e Infantaria 11 e 23 no Combate de S.

Estevan a 1 de agosto; Caçadores 1 e 3 no Combate de Vera a 1 de agosto;

Caçadores 2 e 7 e Infantaria 7, 11, 19 e 23 no Combate de Echalar a 2 de

agosto; Caçadores 6 e Infantaria 6 e 18 no Combate de Urdax a 4 de agosto;

Caçadores 2 e Infantaria 19 no Combate de Zugaramurdi a 13 de agosto.

Os aliados sabiam que a tarefa de expulsar os franceses não seria nada fácil,

ainda para mais desde que tinha sido Soult a assumir o comando. Desta vez,

e se calhar pela primeira vez desde que Napoleão esteve na Península

Ibérica em 1808, havia um comando coerente e unificado das forças

francesas.

Soult unificou de facto os vários exércitos num exército que denominou de

Espanha. Depois, dentro da boa tradição francesa, tentou defender as praças

33 Rui Moura em CENTENO, João: O Exército Aliado Anglo-Português (1808-1814).

Tribuna da História, Lisboa, 2011, p. 16. 34

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 761-762.

16

mais fortes e procurar espaços para batalhas decisivas e nem queria acreditar

quando lhe disseram que já havia aliados em terras francesas: “O Marechal

Soult não podia ver com bons olhos que os aliados, ou antes os portugueses,

estivessem já pisando território francês”35

. O governo britânico ainda

pensou em mudar Wellington para a Alemanha mas decidiu que era na

Península que melhores resultados podiam ser obtidos e assim o Duque de

Vitória, como sempre prudente (alguns dirão sempre demasiado prudente),

atacou onde encontrou oportunidade e gastou imensos recursos, humanos e

materiais, nos assaltos às cidades.

Wellington sabia que o regresso de Soult significaria a tentativa de um

contra-ataque e como tal teria de pensar não apenas na ofensiva mas

também em manter na sua posse o que entretanto já conseguira. No entanto

estando consciente que “não podemos fazer dos Pirenéus o que fizemos em

Portugal entre o Tejo e o mar” teria de ter uma estratégia diferente e mais

agressiva36

. Para tal contava com a bravura e grande disciplina das forças

portuguesa e, como tal, não hesitou em os colocar na vanguarda do esforço

aliado37

.

Registamos aqui um momento importante no comportamento dos

portugueses que teve como consequência o pedido de regresso do marechal

de campo Silveira, o conde de Amarante, para comandar de novo as forças

de Trás-os-Montes em Portugal. O ataque ao Porto da Maya não correu bem

aos aliados mas todos louvaram o esforço das forças da Divisão Portuguesa

sob o comando de Silveira. Todos, mas não o superior de Silveira, general

Stewart, que nos relatórios enviados a Wellington, “se esqueceu” de relatar

a enorme bravura e a ação decisiva das forças portuguesas.

Diríamos que esta foi apenas mais uma “gota de água” num copo demasiado

cheio de omissões e que, infelizmente ainda perduram nas penas de muitos

historiadores da atualidade que insistem em chamar exército inglês a um

exército que foi desde 1809 um exército anglo-português e ignorar

sucessivamente o enorme esforço e sangue derramado, com sacrifício,

enorme competência e valor, pelos soldados de Portugal. Silveira, sendo o

mais graduado ao serviço do Exército Português marcou assim o seu

descontentamento e, para grande embraço dos seus “colegas” britânicos, que

sempre lhe invejaram os feitos, em especial a bravura como defendeu

Portugal de Soult de fevereiro a abril de 1809, voltou para Portugal em

setembro de 1813. O major-general português Carlos Lecor, que comandava

35 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, p 54.

36 Ibídem, pp. 36-37.

37 HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. p. 90.

17

então a 7ª Divisão Aliada anglo-portuguesa viria depois a comandar a

Divisão Portuguesa até ao último dia da campanha em França em 181438

.

Na Batalha dos Pirenéus (também conhecida por Batalha de Souraren ou de

Pamplona) a 28 e 30 de julho, onde estiveram presentes 17.830 portugueses

(110 de artilharia, 1.356 cavaleiros, 16.364 infantaria - dos quais 2.300 eram

Caçadores), puseram à prova a determinação dos contendores. Do esforço

português destacamos a defesa sustentada da infantaria 4 e 10 e caçadores

10 que forçaram a retirada francesa “repeliu à baioneta com o maior

denodo”; a defesa de uma ermida por Caçadores 7; os ataques à baioneta de

Infantaria 20 e 23 que levou Wellington a afirmar “as tropas portuguesas se

comportaram admiravelmente bem” ou noutro momento referindo-se à ação

de Caçadores 7 e Infantaria 11 “obrigaram o inimigo a abandonar uma

posição das mais fortes” o que permitiu “arvorar triunfante a bandeira

portuguesa”, e por fim uma das frases que lhe ficaram mais célebres escritas

em relatório enviado a Lord Liverpool em 25 de julho “os portugueses são

os galos de combate do meu exército”39

.

Mas o preço a pagar pelos aliados foi grande tendo-se registado até este

momento cerca de 6.000 baixas face às 8.000 francesas. As baixas

portuguesas atingiram os 76 Oficiais (17 mortos), 87 Sargentos (12 mortos)

e 1851 (219 mortos) soldados. Um total de baixas portuguesa de 2014 (249

mortos)40

.

Mas os combates estavam longe de ter terminado e a campanha iria

prosseguir com a seguinte participação portuguesa41

: Caçadores 1, 3, 5 e 8 e

Infantaria 3, 11, 13, 15, 17, 23 e 24 no 2º no assalto a S. Sebastião a 31 de

agosto (no cerco ao Castelo de S. Sebastião que se prolongou até 8 de

setembro participaram ainda o Batalhão de Artífices Engenheiros,

Caçadores 4 e 8 e Infantaria 1, 13, 15 e 16); Caçadores 9 e Infantaria 8 e 12

no Combate das alturas de Urdax a 31 de agosto; Caçadores 2 e Infantaria 7

e 19 no Combate de Zugaramurdi a 31 de agosto; Caçadores 1 e 3 e

38 Lecor Comandou a 7ª Divisão de outubro a novembro de 1813 e a Divisão Portuguesa de

3 de dezembro de 1813 até ao final de abril de 1814; Francisco da Silveira comandou a

Divisão Portuguesa de fevereiro a 3 de setembro de 1813, em CENTENO, João: op. cit. pp.

85-87; HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. p. 111 e SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV,

Parte II, pp. 64-65; polémica de Silveira também presente em COSTA, Rodrigues da

(coord.): op. cit. pp. 73-74. 39

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 770-773 e SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV,

Parte II, pp. 70-76; HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. p. 10; “The fighting cocks of the

Army” em MARTINS, Ferreira: op. cit. p 296. 40

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 776-777 ou entre 1.732 a 2.164 de acordo com

os relatórios consultados (Wellington e Beresford) em HENRIQUES, Mendo Castro: op.

cit. p 108. 41

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 790-791.

18

Infantaria 17 no Combate de Vera a 31 de agosto e a 1 de setembro;

Caçadores 7 e Infantaria 11 e 23 no Combate das alturas do Salin a 31 de

agosto.

A conquista final de S. Sebastião foi muito difícil. Entre a determinação

francesa na defesa da praça e a maré a subir que podia encurralar os aliados,

contou-se com um evento que em tudo fazia lembrar a tomada, de má

memória para os portugueses, de Almeida em agosto de 1810 pelas forças

do Marechal Massena. Tal como em Almeida foi uma terrível explosão que

levou à derrota dos defensores da praça. Infelizmente, tal como em Badajoz

em 1812, também se seguiram “os cruéis horrores do saque”42

. Os aliados

fizeram então 270 prisioneiros franceses enquanto os restantes se refugiaram

no castelo de S. Sebastião. Foram 2.701 as baixas (813 mortos) o preço a

pagar pelos aliados por esta conquista que só foi conseguida a 9 de setembro

tendo os portugueses sofrido desde o início do cerco até à conquista final

(74 dias) cerca de 1.000 baixas (252 mortos). Afirmou então Wellington que

“os soldados portugueses não só patentearam então o seu ardente desejo

mas também a capacidade de rivalizarem na sua conduta com os seus

camaradas e aliados do exército britânico” 43

.

Seguiu-se a perseguição dos franceses e a pressão para passarem o rio

Bidassoa onde participaram nestas operações cerca de 1.084 portugueses de

Caçadores 1 e 3 comandados respetivamente pelos tenentes-coronéis Alges

e Pinto da Silveira. Perto de Zugaramurdi estavam outros 2.250 portugueses

da brigada 6 a combater sob as ordens de Carlos Lecor. Na mesma altura

atacava a brigada 7 com 2.980 portugueses na frente do Porto da Maya44

.

Cada vez mais próximos de expulsar os franceses de Espanha continuaram

as operações de forças portuguesas em todas as frentes45

: Infantaria 21 no

Combate das alturas de Errazu a 10 de setembro; Artilharia 2 no Combate

de Ordal a 12 de setembro; Caçadores 10 e Infantaria 2, 4, 10 e 14 no

Combate de Banca a 1 de outubro; Caçadores 9 e Infantaria 8 e 12 no

Combate das alturas de Urdax a 7 de outubro; Caçadores 1,3 e 7 e Infantaria

11, 17 e 23 no Combate do porto de Vera a 7 de outubro; Caçadores 4, 5 e 8

e Infantaria 1, 3, 13, 15, 16 e 24 na Passagem do Bidassoa a 7 de outubro;

Caçadores 11 e Infantaria 9 e 21 no Combate de Zugaranurdi a 22 de

outubro.

42 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, p 107.

43 Ibídem, p 112 e CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 796-798.

44 CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 810-811.

45 Ibídem, pp. 832-833.

19

Merece algum destaque entre as muitas ações de combate a presença de

12.379 portugueses nos combates do dia 7 de outubro para a passagem do

Bidassoa (“por três vias diferentes … passaram o rio e tocaram as terras de

França, com furor se lançaram aos entrincheiramentos inimigos”46

) onde

se registaram as baixas de 18 Oficiais (5 mortos) e 18 sargentos (2 mortos) e

160 soldados (41 mortos). Depois desta ação deixou o comando do corpo

Anglo-Português o tenente-general Graham (substituído por Hope)

merecendo do Príncipe Regente de Portugal o registo de “satisfação pelos

meritórios serviços” acrescentando no entanto que “lamenta profundamente

a grande perda, que em proporção das suas forças, sofreram as tropas

portuguesas” mas reafirma a coerência no empenhamento português quando

termina reafirmando o carácter do Aliado Fiável que sempre foi e

continuaria a ser Portugal: “continuarão a realçar a glória militar da

nação” 47

. E assim continuaram em França.

6. A entrada em França

Os combates continuaram, alguns já em terras de França, enquanto outros

ainda em Espanha: Artilharia 1, Caçadores 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 8, 10 e 11 e

Infantaria 1, 2, 3, 4, 6, 7, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 23 e

24 na Batalha de Nivelle a 10 de novembro; Caçadores 6 e Infantaria 6 e 18

no Combate do Cambo; Caçadores 11 e Infantaria 9 e 21 no Combate de

Arrantz a 18 de novembro; Infantaria 1 e 16 no Combate de Bidart a 18 de

novembro; Caçadores 1 e 3 no Combate de Arbonne a 23 de novembro;

Artilharia 2 no bloqueio a Barcelona desde 1 de dezembro até 5 de março de

1814; Artilharia 1 e 2, Caçadores 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 e Infantaria

1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 23 e 24 na

Batalha de Nive de 9 a 13 de dezembro; Caçadores 10 e Infantaria 4 e 10 no

Combate da ilha do Adour a 22 de dezembro.

Em França receava Wellington que os soldados reagissem com violência

perante as populações locais, em especial os portugueses e espanhóis que

tinham sido vítimas das maiores violências nos seus territórios. Mas o

comportamento dos portugueses não podia ser melhor. Logo depois de uma

espantosa ação na Batalha do Nivelle (onde participaram 24.157

portugueses (24.353 segundo Soriano): 330 de artilharia, 19.338 de

Infantaria e 4.489 Caçadores) e se estimaram as baixas em cerca de 3.000

aliados das quais 411 as portuguesas (122 mortos), diz Beresford que

agradece ao exército português “não somente a conduta na batalha” mas

46 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, p 126.

47 CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 838-839.

20

acrescenta a sua “satisfação pelo seu comportamento regular nos quartéis e

para com os habitantes”48

.

Esta era uma importante vitória moral para os bravos soldados portugueses,

depois de 7 longos anos de guerra peninsular, depois de saberem que

300.000 portugueses tinham morrido em virtude da mesma, ainda assim,

mostravam “presentemente aos habitantes de França, quanto excedem aos

soldados da sua nação em moral, humanidade e boa conduta civil” 49

.

Importa notar que neste momento comandava uma das divisões aliados um

oficial general português, o marechal de campo Carlos Lecor, comandando a

7ª Divisão anglo-portuguesa. A grande ação militar seguinte foi a Batalha do

Nive onde as forças portuguesas participaram com 24.505 homens. Os

franceses perderam nesses cinco dias de combate 6.000 homens enquanto

que se estimam as baixas dos aliados em 5.029 o que dá uma imagem muito

real da ferocidade e equilíbrio dos combates. Destas baixas aliadas 2.431

foram portuguesas (379 mortos)50

. Um dos feridos nesta batalha foi

precisamente o marechal de campo Carlos Lecor. Um número tão elevado

de mortos e feridos levou a que Beresford afirmasse então: “sinto muito que

o seu número seja tão grande, mas tenho a consolação de poder asseverar

que o exército português adquiriu uma glória, superior à que já tinha, posto

que esta fosse tão expendida” 51

.

7. A Campanha de 1814

O ano de 1814 continuou intenso em combates e as forças portuguesas

prosseguiram a sua ampla participação nos meses seguintes. Desde o início

do ano de 1814 registaram-se os seguintes combates com presença

portuguesa52

: Caçadores 11 no Combate de Bonloc a 3 de janeiro; Infantaria

14 no Combate de la Bastide de Clerence a 3 de janeiro; Caçadores 7, 10 e

11 e Infantaria 4, 9, 10, 11, 21 e 23 no Combate de la Bastide de Clerence a

6 de janeiro; Artilharia 1 no Combate de Hellète a 14 de fevereiro;

Caçadores 11 e Infantaria 9 e 21 no Combate de Bonloc a 14 de fevereiro;

Caçadores 6 e Infantaria 6 e 18 no Combate do Garriz a 15 de fevereiro;

Caçadores 6 e Infantaria 6 e 18 no Combate de Saint Palais a 16 de

fevereiro; Infantaria 2 e 14 no Combate de Sauveterre a 18 de fevereiro;

48 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, p 152.

49 CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 847; “300.000 mortos pelas armas, a fome e a

doença pelas invasões napoleónicas” HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. p. 5. 50

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 878 e SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte

II, p 201. 51

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. IV, pp. 879. 52

CHABY, Cláudio de: Excertos Históricos e Coleção de Documentos relativos à Guerra

denominada da Península. Imprensa Nacional, Lisboa, 1881, Vol. V, pp. 900-901.

21

Caçadores 2 e Infantaria 7 e 19 no Combate de Hastingues a 23 de fevereiro;

Caçadores 11 e Infantaria 9 e 21 no Combate de Sauveterre a 24 de

fevereiro; Caçadores 71 no Combate de Peyrehorade a 25 de fevereiro;

Caçadores 1 e 3 no Combate de Orthez a 25 e 26 de fevereiro; Artilharia 1,

Caçadores 1, 2, 3, 6, 7, 9, 10 e 11 e Infantaria 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14,

17, 18, 19, 21 e 23 na Batalha de Orthez a 27 de fevereiro.

Referimos em especial pela importância a participação dos 6.907

portugueses no Combate de la Bastide de Clerence a 6 de janeiro de 1814

onde se distinguiram os Regimentos 10 e 21 dos coronéis Vahia e Teles de

Menezes e o Batalhão de Caçadores 10 do capitão Lima que se distinguiram

por bravura neste combate. Beresford veio a reconhecer o esforço dos 2.440

portugueses da brigada 6 da 7ª Divisão em Hastingues a 23 de fevereiro, em

especial a ação do tenente-coronel Zuhlcke e do major Pamplona. No

entanto, e depois de passar o Rio Pau, entre os 17.614 portuguesas presentes

na Batalha foram 600 as baixas na Batalha de Orthez a 27 de fevereiro que

mais marcaram os primeiros dois meses da campanha de 1814, e que

levaram Wellington a dizer, sem distinções que “todas as tropas, tanto

portuguesas como inglesas, se distinguiram”. Mas Beresford não deixou de

distinguiu particularmente a Brigada 9 Portuguesa (Infantaria 11 e 23 e

Caçadores 7) do coronel José Vasconcelos e Sá escrevendo “só as melhores

tropas se tornam a formar e renovam com obstinação o ataque”53

.

Por fim e para os últimos dois meses e meio da companha foram estas as

participações portuguesas mais significativas54

: Artilharia 4, Caçadores 4, 5

e 8 e Infantaria 1, 3, 13, 15, 16 e 24 no Cerco da Praça de Baiona de 27 de

fevereiro a 28 de abril; Caçadores 9 no Combate de Saint Sever a 28 de

fevereiro; Caçadores 9 e Infantaria 8 e 12 no Combate de Bederere a 1 de

março; Artilharia 1, Caçadores 6 e 10 e Infantaria 2, 4, 6, 10, 14 e 18 no

Combate de Aire a 2 de março; Caçadores 9 e Infantaria 8 e 12 no Combate

de Barcellonne a 2 de março; Cavalaria 4 e Infantaria 2 no Combate de

Viella a 13 de março; Caçadores 11 e Infantaria 9 e 21 no Combate de Vic-

Bigorre a 19 de março; Artilharia 2, Caçadores 1, 3 e 9 e Infantaria 2, 8, 9,

12, 14, 17 e 21 no Combate de Tarbes a 20 de março; Caçadores 3 no

Combate de Plaisence de Touch a 27 de março; Caçadores 9 no Combate de

L’Ardenne de Toulouse a 28 de março; Cavalaria 4 no Combate de Nerac a

31 de março; Caçadores 2 no Combate de Blaye a 5 de abril; Infantaria 7 no

Bloqueio do forte de Blaye de 6 a 9 de abril; Artilharia 1 e 2, Caçadores 1,

53 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, pp. 237-243; CHABY, Cláudio de, op. cit.

Vol. V, pp. 929 e 938-939 e MARTINS, Ferreira: op. cit. p 297. 54

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. V, pp. 962-963.

22

3, 6, 7, 9, 10 e 11 e Infantaria 2, 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 17, 18, 21 e 23 na

Batalha de Toulouse a 10 de abril.

Porque o relato vai longo e para efeitos de sínteses importa apenas referir

que foram extensos os elogios público feitos por Beresford aos portugueses

da Brigada 10, de Infantaria 24 e Caçadores 5 no longo cerco a Baiona55

.

No Combate de Aire a 2 de março participaram 6.668 portugueses, em

especial os da Divisão Portuguesa e da Brigada 5 da segunda Divisão. Uma

das brigadas, a do Algarve (Infantaria 2 e 4), foi repreendida pelo seu mau

desempenho. Beresford propõe que muitos dos Oficiais não sejam

promovidos até que provem em combate que as ações em Aire foram um

“caso isolado” e distingue, ainda assim positivamente, alguns dos oficiais

desta brigada, nomeadamente “O Sr. Coronel Jorge de Avillez e mais dois

ou três oficiais merecem (…) os agradecimentos de S. Exª pelos seus

esforços” 56

. Importa ressalvar este facto porque foi a única vez que

Beresford criticou a conduta de uma grande unidade portuguesa, aliás como

o próprio afirma “Como é a primeira vez que S. Exª se vê obrigado a fazer

semelhantes observações (…) espera, e não pode duvidar, que será a

última”. Uma pequena “mancha” em 7 anos de campanha serve para

demonstrar que os portugueses também erraram mas que, acima de tudo,

foram fiáveis e competentes.

De uma forma geral as forças portuguesas participaram, proporcionalmente

ao esforço aliado, em todas as ações em França até ao final da Campanha, os

elogios constantes, distinções e promoções também. Por exemplo, os 1.317

portugueses de Infantaria 2 e Cavalaria 4, presentes no Combate de Viella a

13 de março, foram profusamente louvados tanto por Wellington como por

Beresford57

. No Combate de Vic-Bigorri a 19 de março os 2.000

portugueses da Brigada 8 comportaram-se com “o aplauso de Wellington”.

Finalmente no Combate de Tarbes a 20 de março, os 6.640 portugueses

presentes receberam o reconhecimento pela excelente prestação em combate

como afirmou o próprio Wellington “tenho toda a razão para estar

satisfeito com o seu comportamento”58

.

A 31 de março de 1814 enquanto o exército Anglo-Português e espanhol

combatia no Sul de França os restantes aliadas entraram finalmente em

Paris. Mas abril ainda seria um mês de combates no Sul. A 4 de abril

passaram os aliados o Rio Garona mas devido a uma forte corrente no dia 8,

55 CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. V, p 966.

56 Ibidem, p 969.

57 Ibidem, pp. 986-987.

58 Ibidem, pp. 970 e 995 e SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, pp. 259-261.

23

a ponte entretanto montada foi destruída, ficando as forças anglo-portuguesa

de Beresford isoladas na margem do lado do exército francês59

.

Para a última das batalhas da longa campanha, em Toulouse a 10 de abril,

preparam-se 14.039 portugueses. Na guerra peninsular os portugueses

deram os primeiros tiros contra os franceses em Lisboa a 13 de dezembro de

1807 e iriam estar entre os últimos a fazê-lo em abril de 1814. As distinções

e louvores aos portugueses foram muitos tanto por parte tanto de Wellington

como de Berersford. Maior destaque mereceram os batalhões de Caçadores

1 e 3, as brigadas portuguesas 9 (da 6ª Divisão) “com a sua disciplina e

valor acostumado”, a brigada 7 (da 4ª Divisão) pela “firmeza e valor que

merecem os louvores mais particulares do Sr. Marechal” ou a artilharia

“que S. Exª louva a conduta firme e honrosa da artilharia portuguesa”.

Genericamente os dois comandantes britânicos sintetizaram assim o

comportamento das forças portuguesas em Toulouse:

“As tropas portuguesas rivalizaram, como é de seu costume, em

valente conduta com os seus irmãos de armas do Exército britânico

(…) não só sustentaram até ao fim o seu carácter valoroso, e de

excelentes soldados, mas ainda aumentaram a sua glória, e a da sua

nação por este feito de armas”60

Das 4.714 baixas (599 mortos) entre os aliados os portugueses perderam

607 (78 mortos)61

. Com estas últimas baixas somavam-se assim mais de

21.141 baixas as dos portugueses ao serviço do exército anglo-português em

6 anos de Guerra Peninsular62

. Para além destas baixas há os milhares que

morreram no exército português territorial, nas milícias e nas ordenanças e

ainda os 300.000 mortos da população de Portugal.

Terminara assim a Guerra Peninsular em que ficou confirmada “A

constância dos espanhóis, a firmeza dos ingleses, e o valor dos

portugueses”63

. Enquanto o exército britânico embarcava em Bordéus para

Inglaterra e América os portugueses regressaram a pé, através de Espanha, a

Portugal. Entraram nos finais de julho e inícios de agosto, pela Beira e por

Trás-os-Montes64

.

59 MARTINS, Ferreira: op. cit. p 298.

60 CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. V, pp. 1012-1015 e 1023-1025.

61 SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, pp. 274-275 e CHABY, Cláudio de, op. cit.

Vol. V, pp. 1016. 62

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, p 361. 63

CHABY, Cláudio de, op. cit. Vol. V, pp. 1054. 64

SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, pp. 330 e 380-381.

24

Lisboa recebeu apoteoticamente os bravos do exército português no Verão

de 1814 com 18 “arcos triunfais … troféus, bandeiras, pinturas … versos”65

.

Mereciam! e esperemos que hoje, nós, tudo façamos por merecer o esforço

heroico dos libertadores de Portugal e Espanha.

8. Em Síntese

O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Lord Liverpool, afirmou no seu

Parlamento a 4 de novembro de 1813 que o exemplo dado pelos portugueses

ajudou a infletir a “guerra entre soberanos para a guerra entre nações”66

.

Portugal foi uno na guerra contra os franceses mas não começou por ser

unido. Até 1807 foi uma nação divida e fortemente pressionada a tomar

partido por um ou outro lado. Mas depois do primeiro francês pisar território

português uniu-se, combateu e sofreu muito, muitíssimo, de tal forma, que

demorou mais de cem anos a recuperar.

Os primeiros combates da Guerra Peninsular, para Portugal, travaram-se

para lá dos Pirenéus em 1793 durante a expedição ao Rossilhão.

Portugueses ao lado de espanhóis combatiam juntos pela defesa da

Península Ibérica. No último dia de combates em 1814 estiveram

portugueses e espanhóis juntos a combater de novo pela sua defesa e pela

liberdade da Europa. Em 1943 Portugal tinha 3 Divisões preparadas para

defender Espanha nos Pirenéus de acordo com o Pacto Ibérico celebrado

entre Franco e Salazar, ou seja, preparados para combater, uma vez mais

lado a lado, com os seus aliados espanhóis.

Em 1814 estávamos finalmente todos juntos com um só propósito,

britânicos, espanhóis e portugueses derrotaram a França dentro de França.

Foi gloriosa a vitória mas muito elevado o seu custo.

Um pouco por toda a Espanha há sangue de portugueses que deram a vida

pela liberdade de Espanha e pela segurança de Portugal. Podiam ter ficado a

defender a fronteira em 1812 mas, decididamente, foram até ao fim e

estiveram presentes em todos os importantes combates peninsulares e

franceses até Toulouse.

Portugal é uma nação fiável. Não desiste, não abandona e mesmo quando

sofre não deixa os seus aliados sozinhos. Que a memória dos milhares

caídos pela liberdade de Espanha não seja nunca esquecida. Todos,

britânicos, portugueses e espanhóis, mas também de todas as nações que

lutaram, incluindo naturalmente os franceses, devem ser devidamente

65 MARTINS, Ferreira: op. cit. p 301 e SORIANO, Luz: op. cit. Tomo IV, Parte II, pp. 392-

405. 66

HENRIQUES, Mendo Castro: op. cit. p. 5.

25

recordados. Temos o direito de sentir orgulho e temos o dever de nunca os

esquecer!

26

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