Num encontro às cegas com a Violência ... - Investigo

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TESIS DE DOUTORAMENTO Num encontro às cegas com a Violência? Contributos da Psicologia Feminista Crítica para a compreensão da violência no namoro nas culturas juvenis Ana Isabel da Silva Castro Forte 2020 Ana Isabel da Silva Castro Forte TESIS DE DOUTORAMENTO Num encontro às cegas com a Violência? Contributos da Psicologia Feminista Crítica para a compreensão da violência no namoro nas culturas juvenis 2020

Transcript of Num encontro às cegas com a Violência ... - Investigo

TESIS DE DOUTORAMENTO

Num encontro às cegas com a Violência? Contributos da Psicologia Feminista Crítica para a compreensão da violência no namoro nas culturas juvenis

Ana Isabel da Silva Castro Forte

2020

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020

Escola Internacional de Doutoramento

Ana Isabel da Silva Castro Forte

TESIS DE DOUTORAMENTO

NUM ENCONTRO ÀS CEGAS COM A VIOLÊNCIA?

CONTRIBUTOS DA PSICOuLOGIA FEMINISTA CRÍTICA PARA A

COMPREENSÃO DA VIOLÊNCIA NO NAMORO NA CULTURAS JUVENIS

Dirigida por:

Prof. Dra. Yolanda Rodríguez Castro

Prof. Dra. María Lameiras Fernández

2020

Escola Internacional de Doutoramento Da. YOLANDA RODRÍGUEZ CASTRO, Profesora Contratada Doctora del Área de Personalidad Evaluación y Tratamientos Psicológicos. Da. MARÍA LAMEIRAS FERNÁNDEZ, Catedrática de Universidad del Área de Personalidad Evaluación y Tratamientos Psicológicos.

HACEN CONSTAR que el presente trabajo, titulado “Num encontro às cegas com a

Violência? Contributos da Psicologia Feminista Crítica para a compreensão da violência

no namoro nas culturas juvenis”, que presenta Dª Ana Isabel da Silva Castro Forte para

la obtención del título de Doctora, ha sido elaborado bajo nuestra dirección en el programa

de doctorado “Ciencias da Educación e do Comportamento”.

Ourense, 2 de marzo de 2020.

Las Directoras de la tesis doctoral,

Dra. Yolanda Rodríguez Castro Dra. María Lameiras Fernández

Mulheres de Abril

Mulheres de Abril somos

mãos unidas

certeza já acesa em todas

nós

Juntas formamos fileiras

decididas

ninguém calará a nossa

voz

Mulheres de Abril somos

mãos unidas

na construção operária do país

Nos ventres férteis a vontade

erguida

de um Portugal que o povo

quis

Mulheres de Abril, Maria Teresa Horta em Poesia Reunida, p. 450

VII

AGRADECIMENTOS

O mês de abril talvez seja o mês mais importante para os/as Portugueses/as uma

vez que, o seu dia 25 assinala a Revolução dos Cravos que consistiu na queda do regime

ditatorial e na implementação de um estado democrático através de uma nova

Constituição. Para muitos/as de nós, é um importante marco de celebração da liberdade,

da transformação social e da força da vontade do povo.

Sonhar abril é transpor este evento para uma visão ou futuro desejando uma

nova revolução, que à semelhança da que teve lugar em 1974, possa introduzir

mudanças sociais que melhorem as circunstâncias de vida das pessoas e as dignifique.

Termino este trabalho num mês de abril muito embora particularmente diferente

dos que vivi até agora, num período em que o mundo se vê a braços com uma pandemia

e em quarentena em casa devido às restrições impostas por um estado de emergência

nacional declarado há mais de cinco semanas. A segurança das minhas quatro paredes e

o suporte e a saúde das pessoas que me rodeiam tem-me vindo a garantir o privilégio de

concluir este trabalho de investigação e a sonhar abril da minha janela.

Escolhi assim dar início à apresentação deste trabalho com o poema intitulado

Mulheres de Abril de Maria Teresa Horta, uma das conhecidas Três Marias que foram

acusadas pelo estado ditatorial de ter redigido um livro considerado um atentado à

moral e que terá despertado a atenção e o apoio internacional para o que foi considerado

uma das primeiras causas feministas. Escolhi-o também porque considero que retrata o

diálogo intergeracional feminista que, ao longo deste percurso, foi tendo lugar em mim.

O foco deste trabalho nas questões de género que afetam as gerações juvenis esteve

desde logo ancorado na memória histórica do movimentos feministas nacionais e

internacionais, no seu impacto e importância social originando uma conversa, nem

sempre fácil, entre o passado, o presente e o futuro dos feminismos.

Os vários privilégios, que atualmente, estão presentes na minha vida, em várias

das suas esferas e na multiplicidade de papéis que desempenho simultaneamente

acrescem-me da responsabilidade de continuar a contribuir afincadamente com o meu

trabalho para a edificação de uma sociedade mais igualitária e do reconhecimento das

pessoas que me rodeiam e que contribuíram, tantas vezes de forma invisível, para que

este trabalho pudesse ser concluído.

VIII

Em primeiro lugar quero agradecer à Professora Yolanda e à Professora Maria

Lameiras pela orientação desta tese e por terem reflectido comigo o impacto e a

pertinência deste estudo. Yolanda, agradeço-te a paciência e a total disponibilidade, o

ânimo nos momentos mais difíceis deste meu percurso e por teres celebrado cada passo

que dei incentivando-me a nunca desistir e acreditando sempre que eu seria capaz de

levar até ao fim esta árdua tarefa.

Quero também agradecer à Professora Sofia Neves, companheira desta e de

outras aventuras académicas, pela disponibilidade para refletir comigo vários aspetos

deste trabalho. Agradeço as perguntas instigadoras de reflexão e o incentivo à procura

da minha voz de investigadora.

À Professora Maria José Magalhães, ainda que menos envolvida neste processo,

agradeço o acompanhamento e ensinamentos do período inicial do meu interesse pela

investigação feminista, que continuam influenciar e a inspirar o meu trabalho presente;

Todas vocês constituem-se para mim importantes referências pessoais e

profissionais de humanismo, rigor, qualidade e coragem dentro e fora da Academia.

Obrigada por terem plantado uma semente de esperança no meu trabalho académico e

por me ensinarem, a cada momento, a teoria e a prática da sororidade.

Às escolas que aceitaram participar neste estudo pelo apoio concedido e por me

terem permitido o trabalho de proximidade com os/as seus/suas alunos/as;

À minha avó Maria porque me ensinou a transgressão, a resistência e o cuidado

e porque lutou para que tivéssemos escolaridade e uma qualidade de vida

significativamente melhores do que as suas;

À minha mãe Amélia e ao meu pai Leonardo que não medem esforços nem

limitem para me ajudar em todos os meus projetos e me ensinaram diariamente o valor

do trabalho e a perseverar;

Ao Dúlio pela presença e amparo, pela alegria e motivação e por ter tantas vezes

feito uma pausa no seu trabalho e sonhos para me ajudar com os meus. Obrigada pelas

conversas na varanda e por desenharmos um projeto de vida feminista em conjunto;

À Joana Garrido, à Ana Sofia, à Joana Topa, à Sónia Godinho e à Patrícia São

João pela amizade, um dos pilares da minha existência e por, mesmo à distância,

iluminarem as minhas horas do lobo;

À Amélia Queirós, que alia melhor do que ninguém a amizade e o

profissionalismo, pelo cuidado e generosidade com que me ajudou na revisão do texto;

IX

Aos e às jovens que entusiasticamente partilharam comigo as suas visões,

opiniões e experiências e que me ensinaram tanto sobre relacionamentos de intimidade

juvenil. Espero que este trabalho contribua para a amplificação das vossas vozes.

Da minha janela sonho um abril diferente do que hoje vivemos.

Sem medos e inseguranças, inclusivo, justo e livre de violência para todas as

pessoas sem as quais este trabalho não teria sido possível e para as gerações juvenis, em

especial, para as jovens raparigas.

Estou segura que um novo abril chegará!

ÍNDICE GERAL

XVIII

REFERÊNCIAS ...................................................................................... 337

ANEXOS .................................................................................................. 383

ANEXO A - Instrumento quantitativo ............................................................... 385

ANEXO B - Guião semi-estruturado para condução de focus group ....................... 401

ANEXO C1 - Pedido de autorização para realização de estudo - Escolas ................ 405

ANEXO C2 - Pedido de autorização para realização de estudo – Figuras Parentais... 409

ANEXO C3 - Consentimento informado para preenchimento de questionários - Jovens

................................................................................................................... 413

ANEXO C4 - Consentimento informado para preenchimento de questionários – Para

participação em focus group ............................................................................ 417

ANEXO D - Declaração Orientadoras ............................................................... 421

ANEXO E - Declaração de compromisso doutoranda .......................................... 425

XIX

Indíce Tabelas

CAPÍTULO 1

SER ADOLESCENTE NA ERA DIGITAL

Tabela 1 - Classificação de riscos online para crianças e jovens ............................. 45

Tabela 2 - Motivos indicados para percepção de impacto das tecnologias

na vida dos/as jovens ........................................................................................ 46

CAPÍTULO 2

VIOLÊNCIA 2.0 NOS RELACIONAMENTOS

DE INTIMIDADE JUVENIL

Tabela 3 - Finalidades da Lei da Educação Sexual (Lei n.º 60/2009) .................... 125

Tabela 4a - Orientações curriculares para a implementação da educação

sexual por nível de ensino ............................................................................... 126

Tabela 4b - Orientações curriculares para a implementação da educação

sexual por nível de ensino ............................................................................... 127

CAPÍTULO 3

METODOLOGIA

Tabela 5 - Relação entre as Perguntas de Investigação, os Objetivos, Hipóteses e

Metodologia ................................................................................................. 161

Tabela 6 - Fases de Desenvolvimento da Dimensão Quantitativa do Estudo .......... 165

Tabela 7 - Fases de Desenvolvimento da Dimensão Qualitativa do Estudo ............ 166

Tabela 8 - Distribuição do Número de Focus Groups por Género e Tipo de Ensino 168

Tabela 9a - Guião Semiestruturado para Condução de Focus Group ..................... 180

Tabela 9b - Guião Semiestruturado para Condução de Focus Group ..................... 181

XX

CAPÍTULO 4

APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS

Tabela 10 - Perfil Sociodemográfico dos/as Adolescentes em Função do Género ... 191

Tabela 11 - Perfil Sociodemográfico dos/as Adolescentes em Função do Género ... 193

Tabela 12 - Perfil sociodemográfico dos/as adolescentes no uso de tecnologias de

informação em função do género ..................................................................... 195

Tabela 13 - Perfil Sociodemográfico dos/as Adolescentes no Uso de

Tecnologias de Informação em Função do Género .............................................. 196

Tabela 14a - Perfil Sociodemográfico dos/as Adolescentes no Uso de

Tecnologias de Informação em Função do Género .............................................. 197

Tabela 14b - Perfil Sociodemográfico dos/as Adolescentes no Uso de

Tecnologias de Informação em Função do Género .............................................. 198

Tabela 15 - Caracterização das Relações de Intimidade em Função do Género ....... 200

Tabela 16 - Caracterização das Relações de Intimidade em Função do Género ....... 201

Tabela 17 - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ..................................... 202

Tabela 18a - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 203

Tabela 18b - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 204

Tabela 18c - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 205

Tabela 18d - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 206

Tabela 18e - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 208

Tabela 18f - Conhecimentos sobre Violência no Namoro .................................... 209

Tabela 18g - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 210

XXI

Tabela 18h - Conhecimentos sobre Violência no Namoro ................................... 211

Tabela 19 - Atitudes Acerca da Violência no Namoro em Função do Género ......... 212

Tabela 20 - Mitos sobre o Amor ..................................................................... 212

Tabela 21 - Escala de Sexismo Ambivalente ..................................................... 213

Tabela 22 - Comportamentos de Sexting .......................................................... 214

Tabela 23 - Atitudes de Sexting ...................................................................... 215

Tabela 24 - Correlações entre subescalas de Atitudes e conhecimentos sobre

violência no namoro e Variáveis sociodemográficas ............................................ 216

Tabela 25 - Correlações entre Escalas de Sexting e Variáveis Sociodemográficas. . 218

Tabela 26 - Correlações entre as Escalas de Mitos sobre o Amor e de Sexismo

Ambivalente ................................................................................................. 219

Tabela 27 - Correlações entre as Principais Escalas ........................................... 222

Tabela 28 - Esquema de contraste das hipóteses ................................................ 281

XXIII

Indíce Figuras

Figura 1 - Modelo EU Kids Online revisto .......................................................... 51

Figura 2 - Escada de Participação de Hart (1992) ............................................... 132

Figura 3 - Abordagem OMEDA à participação juvenil ....................................... 133

Figura 4 - Articulação entre as diferentes etapas de delineação da investigação ...... 160

Figura 5 - Distribuição de participantes por género e tipo de ensino ...................... 167

Figura 6 - Temas gerais do questionário quantitativo .......................................... 171

Figura 7 - Descrição Análise de Conteúdo ........................................................ 183

Figura 8 - Descrição de códigos e famílias de códigos ........................................ 184

Figura 9 - Codificação dos excertos de discurso................................................. 184

Figura 10 - Níveis de análise das categorias de análise de conteúdo ...................... 185

Figura 11 - Categoria Principal Relações Sociais de Género e subcategorias

de segunda e terceira ordem ............................................................................ 223

Figura 12 - Categoria principal Relacionamentos de Intimidade

Juvenil e subcategorias de segunda e terceira ordem............................................ 231

Figura 13 - Categoria principal Ciberviolência na Intimidade Juvenil e

subcategorias de segunda e terceira ordem ......................................................... 253

RESUMO

3

Resumo

Em pleno século XXI, nunca se assumou tão importante estudar as

transformações sociais introduzidas pelo acesso à Internet e aos dispositivos

tecnológicos, tais como telemóvel, computador e tablet, redes sociais, sites, entre

outros, já que oferecem novas oportunidades de comunicação, aprendizagem, trabalho e

socialização. Neste sentido, torna-se igualmente crucial aprofundar o conhecimento

sobre os seus impactos nas relações sociais de género, motivo pelo qual, no presente

estudo, procedemos a uma análise de género sobre os relacionamentos de intimidade

juvenil a partir de uma perspetiva feminista.

Várias das mudanças introduzidas decorrem com tal velocidade que,

frequentemente, as percecionamos vertiginosas, não tendo tempo para uma reflexão

cuidada acerca das suas potencialidades e riscos, vendo-nos, em algumas circunstâncias,

privados de opções alternativas que nos garantam, simultaneamente, equivalente acesso

a oportunidades e informação. O cenário digital influencia também o desenvolvimento

de crianças e jovens que, nascidos no apogeu da Internet e das tecnologias digitais, as

valorizam muito positivamente (Ricoy, Feliz & Sevillano, 2010) e consideram difícil de

imaginar o seu dia-a-dia sem elas, sendo frequente o encontro de relatos seus indicando

mal-estar ou ansiedade quando privados destes dispositivos ou afastados de redes

sociais e/ou do entretenimento virtual.

O rápido e precoce acesso das crianças e adolescentes às tecnologias de

informação e comunicação não tem precedentes na história da inovação tecnológica

(Garmendia, Garataonandia, Martínez & Casado, 2011). De ressalvar, porém que,

apesar de frequentemente denominadas de novas tecnologias, as tecnologias de

informação e comunicação já não são assim tão recentes, uma vez que estavam já

presentes aquando do nascimento da Geração Z, a geração dos/as adolescentes

participantes neste trabalho de investigação. Assim sendo, as tecnologias de informação

e comunicação tiveram uma influência generalizada no seu processo de crescimento e

desenvolvimento, de tal modo que estes/as são frequentemente considerados a geração

digital (Garikapati, Pendyala, Morris, Mokhtarian, & McDonald, 2016), impulsionando

a pesquisa sobre o impacto das tecnologias e ambientes virtuais na socialização e

experiências juvenis (Fernández, 2011).

É indubitável a crescente influência da era digital em todas as esferas da vida

4

humana e a sexualidade não constitui uma exceção. No entanto, se por um lado a

Internet e as tecnologias digitais proporcionam circunstâncias únicas relacionadas com

as possibilidades ao nível da interação, do fornecimento de informação e do

conhecimento da diversidade sexual, por outro lado constitui-se um espaço de

normalização de violência e objetificação feminina.

Inscritos num vasto repertório comportamental, situado no cruzamento entre as

tecnologias e a sexualidade, estão os comportamentos de sexting, ora motivados pela

curiosidade, ora facilitados pela familiaridade dos/as jovens com as tecnologias. Não

obstante constituírem-se como novas formas de expressão e vivência da sexualidade,

estes comportamentos poderão aumentar os riscos de violência sexual online dadas as

circunstâncias em que são iniciados, devido a pressões ou coações para envio de

conteúdos sexuais ou resultar, a posteriori, em chantagem, perseguições ou assédios

digitais. A literatura emergente acerca destes comportamentos alerta para a sua natureza

genderizada, revelando que são as mulheres e as jovens mulheres quem apresenta maior

risco de vitimação sexual online decorrente do envolvimento em práticas de sexting.

Dando os primeiros passos ao nível nacional, a investigação sobre abuso digital

nos relacionamentos de intimidade é ainda mais escassa em Portugal. Da mesma forma,

os estudos relativos a comportamentos de sexting, quer na população adulta quer na

jovem, encontram-se neste momento a despertar interesse na comunidade académica,

vindo a revelar-se cada vez mais necessários estudos que permitam munir a intervenção

preventiva de competências e estratégias adequadas de combate à violência digital na

intimidade, em especial à violência sexual online. Adicionalmente, a produção de

conhecimento sobre estes tópicos depara-se com práticas provenientes de uma cultura

de prevenção que terá sido, durante um período demasiadamente longo, frágil ou

praticamente inexistente (Matos, 2006) e, ainda hoje, pouco direcionada para tipologias

específicas de abuso, tal como a violência sexual (Caridade & Machado, 2013), sendo

necessário impulsionar os trabalhos de desocultação da violência sexual nas populações

mais jovens, face a uma realidade caracterizada pela falta de estudos e a uma urgente

necessidade de aumentar a atenção e o investimento científicos para esta tipologia

específica de violência (Caridade & Machado, 2008). Dentro do caminho que está por

percorrer no sentido de ampliar a compreensão deste fenómeno e das transformações

histórico-culturais de que é alvo, constata-se que, em matéria de violência na

intimidade, as análises qualitativas ou de natureza multimodal permanecem escassas,

sendo pouco frequente a produção de conhecimento científico a partir dos discursos e

5

significados juvenis sobre as suas vivências de violências íntimas, destacando-se apenas

algumas investigações de natureza qualitativa, em Portugal (Caridade, 2011; Dias,

Manita, Gonçalves & Machado, 2012; Neves & Torres, 2015).

Tendo em conta este enquadramento, o presente projeto doutoral pretende

estudar o fenómeno da violência no namoro, quer perpetrado presencialmente quer na

sua transposição para o contexto digital enquanto ciberviolência, colocando o discurso

juvenil no centro da produção do conhecimento científico acerca das problemáticas

sociais de género que afetam o quotidiano dos/as mais jovens. Optámos por escolher um

ponto de partida epistémico, ancorado na Psicologia Feminista Crítica, de forma a

amplificar as vozes juvenis, sobretudo das raparigas, na compreensão da violência nos

relacionamentos de intimidade juvenil.

Esta tese de doutoramento apresenta como principais objetivos a caracterização

das dinâmicas de violência nas relações que decorrem cara a cara ou através do meio

digital, a exploração do papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil

e a caracterização dos comportamentos de sexting juvenil. Para o efeito, recorreu-se a

uma metodologia multimodal que combinou uma dimensão quantitativa através da

administração de questionários sobre mitos sobre o amor, sexismo ambivalente,

conhecimentos sobre violência no namoro e atitudes face à violência no namoro,

comportamentos de sexting, atitudes face ao sexting, e uma dimensão qualitativa onde

foram conduzidos focus group discussions em torno dos temas relações sociais de

género, relacionamentos de intimidade juvenil e tecnologias, violência no namoro

comportamentos de sexting.

O conjunto de participantes, na dimensão quantitativa deste trabalho, consta de

169 jovens, 77 raparigas e 92 rapazes, com idades compreendidas entre os 13 e os 18

anos, provenientes do Litoral Norte de Portugal, dos/as quais 77 frequentam o Ensino

Geral e 91 o Ensino Profissional. Destes, 143 adolescentes (62 raparigas e 81 rapazes)

integraram também a dimensão qualitativa, tendo participado posteriormente nas

discussões conduzidas em formato de focus group. Foram conduzidos um total de 18

focus groups, 4 com a participação de apenas raparigas, 7 com participantes somente de

rapazes e 7 grupos mistos com participantes de rapazes e raparigas. Cada focus group

teve entre 7 e 11 participantes e uma duração de aproximadamente 45 minutos.

O tratamento de dados quantitativos foi conduzido com o programa de análise

estatística SPSS, versão 24 para Mac, e a análise dos dados qualitativos foi realizada

6

com o programa informático ATLAS.ti v.7, de forma a organizar os discursos

provenientes dos focus groups em categorias e subcategorias de análise.

Os principais dados deste estudo sugerem que a ciberviolência na intimidade

apresenta dinâmicas semelhantes às já estudadas na violência no namoro cara a cara e

que a violência de género trespassa para as atividades e interações estabelecidas através

dos dispositivos tecnológicos, revelando-se na presença de estereótipos de género,

narrativas de amor e atitudes de tolerância e legitimação face a comportamentos

abusivos que alicerçam desigualdades de género entre raparigas e rapazes.

Uma grande maioria dos/as participantes refere não estar ou ter estado, no passado,

num relacionamento de intimidade violento, porém perceciona a violência no namoro

como uma situação frequente nos seus quotidianos. No que respeita às causas da

violência no namoro, os/as participantes identificaram, sobretudo, aspetos intrapessoais

em detrimento de aspetos familiares, interpessoais ou sócio-culturais. Também se

verificou que identificam diferentes tipologias de violência, considerando a violência

verbal mais frequente nas suas faixas etárias e a violência psicológica a tipologia mais

invisível, no entanto com maior impacto e consequências. Os comportamentos de

controlo (saídas à noite, telemóvel, vestuário) nem sempre foram reconhecidos como

comportamentos abusivos, sendo frequentemente associados pelos/as jovens a

manifestações de preocupação, desconhecimento, ciúmes e desconfiança. Contudo, nos

resultados obtidos não foram encontradas diferenças de género relativamente aos

conhecimentos sobre violência no namoro.

Tomando em consideração as conceções de amor emergentes nas construções

discursivas dos/as participantes, verificou-se a proeminência das narrativas de amor

romântico, apesar de ter sido possível também identificar, ainda que com menor

destaque, narrativas alternativas apoiadas em visões de amor apaixonado e amor

companheiro. Além disso, os resultados revelaram que os rapazes demonstram maior

propensão para a manutenção do mito amor-maltrato, ao contrário do esperado nas

hipóteses levantadas.

Embora não tenham sido encontradas diferenças de género nos níveis de tolerância

face à violência no namoro a tolerância face à violência física é, na opinião dos/as

jovens, mais frequente em casais mais velhos. Porém, os/as participantes relataram

situações conhecidas desta tipologia de violência no seu grupo de pares e os rapazes

7

revelaram naturalização de comportamentos de abuso físico nos seus próprios

relacionamentos, introduzindo-a como uma prática de brincadeira e provocação, a qual

denominam de “violência carinhosa”.

Relativamente à análise dos níveis de sexismo ambivalente, verificou-se que tanto

rapazes como raparigas, revelam elevados níveis de sexismo benevolente e os rapazes

atingem valores mais altos do que as raparigas no que respeita a sexismo hostil. O

sexismo hostil surgiu também associado a atitudes mais tolerantes face à violência

psicológica.

Os dados que concernem ao acesso à Internet e ao uso de dispositivos tecnológicos

permitem constatar que a idade média do primeiro acesso à Internet é de 8.88 anos e que

quase a totalidade dos/as participantes teve acesso à Internet nos últimos 3 meses,

fazendo-o com uma frequência diária, e tendo à sua disposição um telemóvel, um

computador e/ou tablet com acesso à Internet. Mais de metade deste conjunto de jovens

passa mais de 3 horas por dia na Internet. Assim, no presente estudo, os/as participantes

identificaram como principais aspetos positivos do uso das tecnologias nos

relacionamentos de intimidade a diminuição da distância e a facilitação da partilha de

sentimentos e da comunicação. Por outro lado, os principais aspetos negativos

associados à utilização de tecnologias nos relacionamentos de intimidade prendem-se

com a diminuição da confiança no outro/a, a normalização dos ciúmes e dos

comportamentos de controlo e a promoção de desentendimentos entre os casais.

No que respeita aos comportamentos de sexting, foi possível verificar que vários/as

participantes desconheciam o termo sexting, mas reconheciam a prática desse

comportamento frequente nos relacionamentos juvenis. As raparigas foram identificadas

pela maioria dos/as participantes como tendo mais comportamentos de sexting

relacionado com o envio de conteúdos, e os rapazes surgiram mais associados ao pedido

de envio de sexts para provocar, promover uma troca de conteúdos e/ou incentivar as

raparigas a partilharem fotografias. Porém, os dados quantitativos apontam que são os

rapazes quem apresenta uma maior frequência do envio de fotografias ou vídeos

sexualmente sugestivos ou despidos, usando telemóvel ou redes sociais, Skype ou

equivalentes, tendo-se verificado diferenças de género na prática destes

comportamentos.

8

Considerando as atitudes face ao sexting, não se encontraram diferenças de género

acerca de quem considera o sexting mais despreocupado ou divertido. No entanto,

foram encontradas diferenças de género na perceção de risco destes comportamentos

tendo as raparigas demonstrado maior consciência acerca dos riscos decorrentes da

partilha de conteúdos erótico-sexuais. Ao contrário do esperado, os rapazes

apresentaram mais expectativas relacionais decorrentes da prática de sexting tendo-se

verificado diferenças de género relativamente a esta dimensão. Também podemos

destacar que os níveis de conhecimentos sobre violência no namoro dos/as adolescentes

surgiram negativamente correlacionados com a frequências de comportamentos de

sexting, tendo-se constatado que são os/as participantes com menores conhecimentos

quem apresenta maior frequência de comportamentos de sexting.

Os principais motivos identificados pelos/as participantes neste estudo para o envio

de sexts, são o aumento da popularidade, a diversão e o risco, a manutenção da relação

amorosa, o exercício de poder e a chantagem.

As atitudes face à vítima da divulgação não autorizada de conteúdos sexuais

revelam ambivalência, tendo sido possível observar a emergência de discursos de apoio

e empatia, mas também vários outros moralmente punitivos sobre os comportamentos

das vítimas e, simultaneamente, desresponsabilizadores da pessoa que divulga os

conteúdos. Os/As participantes manifestam atitudes negativas face à pessoa que difunde

os conteúdos erótico-sexuais, especialmente se esta violação de privacidade acontece no

âmbito de uma relação de namoro.

Tendo em conta os casos partilhados de divulgação não consentida de conteúdos

erótico-sexuais, constatou-se a sua associação a dinâmicas violentas de chantagem e a

ameaças que configuram situações de sextorsion e revenge porn, constituindo-se,

paralelamente, exemplos de violência sexual online. Em todas as situações a vítima foi

uma rapariga e o agressor o seu namorado, ex-namorado ou amigo do ex-namorado.

Desta forma, concluiu-se que a violência sexual online decorrente de comportamentos

de sexting juvenil é genderizada e apoia-se, entre outros aspetos, em expectativas

tradicionais de género e na presença de um duplo padrão sexual para os

comportamentos sexuais de rapazes e raparigas.

9

Apesar de os resultados encontrados terem possibilitado atingir os objetivos a

que nos propusemos, devem ser consideradas algumas limitações ao nosso estudo. Em

primeiro lugar, o número de participantes na dimensão quantitativa do estudo situou-se

consideravelmente abaixo do número de participantes previsto, comprometendo a

representatividade da amostra e justificando as dificuldades na obtenção dados com

significância estatística ao nível da análise comparativa e correlações apenas

moderadas. Ainda ao nível do procedimento de recolha de dados, a condução dos focus

groups com jovens que estavam na mesma turma pode ter influenciado, em alguma

extensão, a espontaneidade da informação transmitida, na medida em que as

características das relações interpessoais anteriormente estabelecidas poderão ter sido

transpostas para as discussões focalizadas, nomeadamente, ao nível das relações de

poder, alianças, oposições entre os/as participantes, bem como ao nível do conteúdo

partilhado, retratando, várias vezes, situações familiares a todas as pessoas presentes,

exceto à investigadora.

Com base nos dados obtidos nesta investigação, recomenda-se que a prevenção

da violência nos relacionamentos de intimidade continue a debruçar-se no trabalho junto

dos/as jovens, apetrechado de flexibilidade e adaptabilidade que permitam acompanhar

as mudanças ao nível dos comportamentos afetivo-sexuais e contemplar diferentes

reconfigurações nos relacionamentos de intimidade. Esta flexibilidade e esta

adaptabilidade deverão proceder a um alargamento das dinâmicas afetivo-sexuais

juvenis, reconhecendo e incluindo outras denominações, tais como andar, estar, ficar,

na multiplicidade de vivências íntimas juvenis. Além do mais, torna-se fundamental não

se desvalorizarem estas configurações, reconhecendo que também estas poderão ser

pautadas por violência de género e aumentar a consciência de outros constrangimentos

que poderão advir de visões adultocêntricas, nomeadamente, critérios de moralidade ou

outros julgamentos que possam toldar a capacidade de apoiar os/as jovens e de os

educar para uma vida livre de violência.

Em segundo lugar, os dispositivos tecnológicos e a proximidade trazida pela

Internet introduzem novas dinâmicas de interação, algumas delas de natureza sexual,

podendo até facilitar a expressão emocional e a desinibição. Não obstante, o mundo

virtual abre um novo espaço a diferentes meios e novas vias para a perpetração de

violência nos relacionamentos de intimidade que, no novo plano digital, podem

maximizar as consequências e impactos da vitimação. Tendo em conta os resultados

10

obtidos neste estudo, recomenda-se também a adaptação de estratégias de prevenção

capazes de responder a esta transversalidade, adequando-se às transformações

introduzidas pelo uso de dispositivos tecnológicos e acesso ao espaço virtual. Estas

adaptações requerem esforços articulados de diferentes setores.

Assim, de forma a melhor nos prepararmos para as constantes mudanças que

pautam a atualidade dos relacionamentos e da intimidade, reforça-se a importância de

uma ação concertada entre escolas, figuras parentais, serviços de internet, site providers

e profissionais que trabalham com a juventude.

Tendo em conta as opções epistémicas, o posicionamento feminista crítico

demonstrou-se um enquadramento adequado para promover o aprofundamento do

conhecimento acerca das perceções juvenis sobre a violência nos relacionamentos de

intimidade cara a cara ou perpetrada através dos meios digitais, o papel que

desempenham as tecnologias nos relacionamentos amorosos e a emergência de

comportamentos afetivo-sexuais, ainda pouco conhecidos, como o sexting, na medida

em que impulsionou a pesquisa num grupo social cujo protagonismo no desenho de

políticas de combate à violência é ainda inconsistente e, no seio deste grupo, procurou-

se amplificar as vozes das jovens raparigas e das suas experiências. Neste sentido, a

escolha de uma perspetiva interseccional contribui para uma maior problematização da

interação entre variáveis, tais como género e idade, para além de muitas outras que, não

constituindo o foco deste estudo, como classe social, natureza do currículo académico,

orientação sexual e religião, influenciam percursos de vida, pautados por diferentes

categorias identitárias que determinam uma localização de maior ou menor poder nos

contextos sociais e culturais, onde os/as participantes se desenvolvem.

Concomitantemente, a escolha de uma metodologia mista, combinando métodos

quantitativos e qualitativos de recolha de dados, permitiu retirar opacidade aos dados

estatísticos e complementar as informações com situações vividas ou conhecidas

pelos/as participantes e uma captação mais naturalista dos seus discursos

socioculturalmente localizados. Por estes motivos, é necessária a condução de mais

estudos de natureza mista e de natureza qualitativa e, inclusivamente, alargar o estudo a

outros grupos de pessoas que desempenham papéis primordiais na educação dos/as

jovens, assim como professores/as, figuras parentais, profissionais de juventude e das

áreas de proteção de crianças e jovens.

Dado o exposto, importa que, simultaneamente, se reforce a necessidade de

maior capacitação dos/a professores/as para a implementação de um modelo de

11

educação sexual compreensiva e integral, holística e com informação rigorosa e de

qualidade que possa responder às reais necessidades e vivências afetivo-sexuais juvenis

e à diversidade sexual. Esta capacitação requer que, ao mesmo tempo, se incremente a

auscultação das suas opiniões e a incorporação das mesmas na implementação

contextualizada ao meio envolvente destes conteúdos.

Considera-se fundamental que se proceda a um cruzamento da educação sexual com

a educação digital, uma vez que ambas são necessárias para uma maior segurança

juvenil.

Por último, consideramos importante fomentar a participação juvenil cívica e

política nas matérias de combate à violência de género, em especial à violência nos

relacionamentos de intimidade juvenil, de todas as orientações sexuais, para que as suas

opiniões possam ser ouvidas e influenciar e para que os/as jovens possam ter

responsabilidade em ações que visam a abordagem de temas que afetam as suas vidas.

Neste sentido, é determinante promover o seu envolvimento através de processos de

auscultação e mecanismos consultivos para que possam protagonizar a delineação e o

estabelecimento de prioridades de ação, tendo em vista a resposta às suas necessidades.

A par disto, consideramos também importante a sensibilização de decisores/as

políticos/as para a importância da tomada de decisões partilhadas com os/as jovens e da

criação de espaços de diálogo entre decisores/as e jovens, uma vez que se constituem

mecanismos que alicerçam a educação para a cidadania e para a participação juvenil

através do estímulo ao pensamento crítico e à iniciativa. Não menos importante é o

olhar atento sobre a inclusão de jovens pertencentes a grupos que se possam confrontar

com mais ou maiores barreiras à participação cívica e política, nomeadamente, jovens

provenientes de contextos de risco ou multidesafiados ou de grupos socialmente

invisibilizados, tais como jovens mulheres, migrantes e/ou LGBTQl+.

Palavras chave: ciberviolência nos relacionamentos de intimidade, comportamentos de

sexting, violência sexual online, educação sexual, participação juvenil, género.

13

Resumen

En pleno siglo XXI nunca ha sido tan importante estudiar las transformaciones

sociales generadas por el acceso a Internet y a los dispositivos tecnológicos como los

teléfonos móviles, ordenadores o tablets ya que ofrecen nuevas oportunidades para la

comunicación, el aprendizaje, el trabajo y la socialización. De forma que es esencial

profundicar en el conocimiento de su impacto en relaciones sociales de género sobre las

relaciones de intimidad juvenil desde una perspectiva de análisis feminista.

Varios de los cambios generados se producen con tal rapidez que habitualmente

los percibimos vertiginosamente, sin tener tiempo para reflexionar cuidadosamente

acerca de sus potencialidades y riesgos. Viéndonos, en algunas circunstancias,

privados/as de opciones alternativas que garanticen simultáneamente igualdad de acceso

a las oportunidades así como a la información. El escenario digital influye también en el

desarrollo de niños, niñas y jóvenes, que nacidos/as en el auge de Internet y de las

múltiples opciones tecnológicas, las valoran muy positivamente (Ricoy, Feliz, &

Sevillano, 2010) incluso considerando difícil de imaginar su día a día sin ellas, siendo

frecuente encontrar manisfestaciones en las que expresen malestar o ansiedad, cuando

no se les permite acceder a estos dispositivos, a las redes sociales o a otros espacios de

entretenimiento virtual (Alonso, Rodríguez, & Fernández, 2017).

El rápido y precoz acceso de los niños, niñas y adolescentes a las tecnologías de

la información y de la comunicación no tiene precedente en la historia de la innovación

tecnológica (Garmendia, Garataonandia, Martínez, & Casado, 2011). A pesar de que

habitualmente son denominadas nuevas tecnologías, se puede afirmar que las

tecnologías de la información y la comunicación ya no son tan recientes porque han

formado parte del nacimiento y de la generación de jóvenes Generación Z, siendo esta

generación de adolescentes, los y las protagonistas en esta tesis doctoral. De forma que

las tecnologías de la información y la comunicación han tenido una influencia

generalizada en su proceso de crecimiento y desarrollo, ya que habitualmente se les

considera la generación digital (Garikapati, Pendyala, Morris, Mokhtarian, &

McDonald, 2016). Una realidad que ha impulsado la búsqueda de investigaciones sobre

el impacto de las tecnologías y los entornos virtuales en la socialización y las

experiencias adolescentes (Fernández, 2011).

14

Es incuestionable la influencia de la era digital en todas las esferas de la vida

humana, y la sexualidad no constituye una excepción. No obstante, si por un lado

Internet y las tecnologías proporcionan oportunidades únicas relacionadas con las

posibilidades de interacción social, del aumento de la información y del conocimiento

de la diversidad sexual; por el otro, se constituye un espacio de normalización de la

violencia y de la objetivización del cuerpo de las mujeres.

Así, inscritas en un amplio repertorio conductual situado en la intersección entre

las tecnologías y la sexualidad emergen los comportamientos de sexting, a veces

motivados por la curiosidad y otras veces, por la familiaridad de los/as jóvenes con las

tecnologías. A pesar de que las conductas de sexting constituyen nuevas formas de

expresar y vivenciar la sexualidad, estos comportamientos pueden aumentar el riesgo de

violencia sexual online en función a las circunstancias en las que se inician, debido a la

existencia de presiones o coacciones para enviar contenidos sexuales o colocarles,

posteriormente, en situaciones de chantaje, hostigamiento o acoso online. El conjunto

de Literatura emergente sobre estos comportamientos alerta sobre su naturaleza

generalizada, revelando que son las mujeres y las jóvenes las que tienen un mayor

riesgo de victumización sexual online derivado de su implicación en conductas de

sexting.

Dando los primeros pasos en Portugal, la investigación sobre el abuso digital en

las relaciones de parejas adolescentes es inicipiente. De igual manera, también los

estudios sobre los comportamientos de sexting, tanto en la población adulta como en la

de jóvenes, actualmente están despertando interés en la comunidad académica,

revelándose cada vez más la necesidad de estudios que permitan ofrecer conocimientos

y estrategias preventivas para combatir la violencia digital en las relaciones de pareja de

adolescentes, en especial la violencia sexual online. Además, la producción de

conocimientos sobre estos temas, también se relaciona con las prácticas derivadas de

una cultura de prevención que se habría desarrollado durante un periodo demasiado

largo, frágil o prácticamente inexistente (Matos, 2006) y, todavía hoy, poco relacionado

con las diferentes estrategias de abuso, como la violencia sexual (Caridade & Machado,

2013). Siendo necesario impulsar el estudio y la deconstrucción de la violencia sexual

en la población más joven frente a una realidad caracterizada por la falta de

investigaciones y la urgente necesidad de aumentar el interés y la inversión científica

sobre esta tipología específica de violencia (Caridade & Machado, 2008). Dentro del

camino que hay que recorrer para ampliar la comprensión de este fenómeno y las

15

transformaciones histórico-culturales a las que está sujeto, se pone de manifiesto que en

materia de violencia en las relaciones de parejas adolescentes que los estudios

cualitativos o de naturaleza multimétodo siguen siendo escasos. Así, la producción de

conocimiento desde los discursos y los significados adolescentes sobre las vivencias en

las relaciones de parejas adolescentes es todavía poco frecuente, destacando solo

algunas investigaciones de naturaleza cualitativa en Portugal (Caridade, 2011; Dias,

Manita, Gonçalves, & Machado, 2012; Neves & Torres, 2015).

Teniendo en cuenta este enfoque, la presente tesis doctoral pretende estudiar el

fenómeno de la violencia en las relaciones de parejas adolescentes, tanto perpetrado

cara a cara como en su trasposición en el contexto digital, también denominada Cyber

Teen Dating Violence. Colocando el discurso adolescente en el centro de la producción

de conocimiento científico sobre las problemáticas sociales de género que afectan

cotidianamente a los/as más jóvenes. Para ello, optamos de un punto de partida

epistémico anclado en la psicología Feminista Crítica para amplificar las voces de los y

las jóvenes, especialmente de las chicas, en la comprensión de la violencia en las

relaciones de parejas adolescentes.

Esta tesis de doctoral tiene como objetivos generales: analizar la caracterización

de las dinámicas de violencia en las relaciones que tienen lugar en el cara a cara o a

través de los medios digitales; explorar el papel de las tecnologías en las relaciones de

parejas adolescentes; y, analizar los comportamientos de sexting adolescente. Para ello,

se ha recurrido a una metodología multimétodo que combina la dimensión cuantivativa

a través de la administracion de cuestionarios sobre los mitos del amor, el sexismo

ambivalente, los conocimienos sobre la violencia en las relaciones de pareja de

adolescentes, las actitudes hacia la violencia de pareja adolescente, los comportamientos

de sexting y las actitudes hacia el sexiting, y la dimensión caulitativa a través de focus

group centrados en los temas de relaciones sociales de género, relaciones de intimidad

juvenil y las tecnologías, la violencia en las relaciones de pareja adolescentes y los

comportamientos de sexting.

En el estudio cuantitivo han participado 169 jóvenes, 77 chicas y 92 chicos, con

edades comprendidas entre los 13 y los 18 años del norte de Portugal, de los/as cuales

77 son alumnado de Educación Secundaria y 91 de Formación Profesional. En el

estudio cualititativo, finalmente, participan 143 adolescentes (del estudio cuantitativo),

62 chicas y 81 chicos. Se llevaron a cabo un total de 18 focus groups (FG), de los

cuales 4 FG fueron solo de chicas, 7 FG fueron de chicos y los 7 restastes FG fueron

16

mixtos. Todos los focus group tuvieron una duración de aproximadamente de 45

minutos.

El tratamiento de datos cuantitativos fue realizado con el programa de análisis

estadístico SPSS, versión 24 para Mac, y el tratamiento de datos cualitativos se llevó a

cabo con el programa informático ATLAS.ti v.7 para organizar los discursos de los

focus group en categorías y subcategorías de análisis.

Los principales resultados de esta investigación sugieren que la Cyber Teen

Dating Violence presenta dinámicas similares a las ya estudiadas en la violencia de las

relaciones de parejas adolescentes perpetrada cara a cara y que la violencia de género

traspasa las actividades e interacciones establecidas a través de los dispositivos

tecnológicos, revelándose la presencia de estereotipos de género, mitos de amor

romántico y actitudes de tolerancia y legitimación frente a comportamientos abusivos

que sustentan a las desigualdades de género entre chicas y chicos.

A pesar que la mayoría de los/as participantes expresa no tener experiencia de

situaciones de violencia en sus relaciones de pareja, suelen percibir numerosos

comportamientos violentos en sus relaciones afectivas como algo normalizado y

cotidiano en su día a día. Con respecto a las causas de violencia en las relaciones de

parejas adolescentes, los/as participantes identifican sobre todo cuestiones

intrapersonales. También se constató que identifican diferentes tipologías de violencia,

considerando la violencia verbal como la más frecuente en su grupo etario y la violencia

psicológica como el tipo más invisible, sin embargo, con mayor impacto y

consecuencias negativas. Las conductas de control (como por ejemplo, de salir de

noche, de vigilar el teléfono móvil, o incluso controlar la ropa que se pone su pareja) no

siempre se reconocieron como comportamientos abusivos, siendo habitualmente

asociados por los/as jóvenes como preocupación, desconocimiento, celos y

desconfianza. Este patrón de comportamiento es muy similar entre chicos y chicas, y

está en línea con los resultados que no muestran diferencias de género en relación al

nivel de conocimientos sobre la violencia en las relaciones de parejas adolescentes.

Teniendo en cuenta las concepciones del amor que emergen en las

construcciones discursivas de los/as participantes, se ha constatado la existencia de los

mitos del amor romántico, aunque también fue posible identificar, aunque en menor

medida, discursos alternativos del amor basados en visiones de amor asociado a la

pasión y de amor fraternal como compañeros. Conjuntamente, los resultados revelaron

17

que son los chicos los más tolerantes con el mito de vinculación del amor con el

maltrato que sus compañeras.

No se han encontrado diferencias de género en relación a los niveles de

tolerancia hacia la violencia de pareja y de tolerancia hacia la violencia física, y este

tipo de violencia es, en opinión de los y las protagonistas, más frecuente en las parejas

de mayores, ya que los/as participantes relataron situaciones conocidas en su grupo de

iguales y además en sus argumentos, los chicos mostraron la naturalización de las

conductas de abuso físico en sus propias relaciones, introduciéndolo como una práctica

de juego y provocación que denominan "violencia amorosa".

En cuanto a sus actitudes sexistas ambivalentes, se ha comprobado que tanto

chicos como chicas muestran niveles elevados de sexismo benevolente muy similares,

mientras que los chicos presentan un mayor nivel de sexismo hostil que sus

compañeras. Además, el mayor nivel de sexismo hostil se asocia con las actitudes más

tolerantes hacia la violencia de tipo psicológica.

Otro de los resultados en los que se centra esta investigación analizar el acceso a

Internet y el uso de dispositivos tecnológicos que tienen los y las adolescentes

participantes. Se constata que la media de edad del primer acceso a Internet es de 8.88

años y que casi la totalidad de los/as participantes tuvieron acceso a Internet en los

últimos 3 meses; además afirman acceder a Internet diariamente a través de su móvil, de

su ordenador o de una tablet, siendo más de la mitad de los y las participantes los que

afirman que pasan más de 3 horas diarias conectados a Internet.

Los/as participantes también identificaron tanto los aspectos positivos como

negativos de la utilización de las tecnologías en sus relaciones de pareja. Así, los

principales aspectos positivos que aludieron fue la disminución de la distancia y la

facilidad para compartir sentimientos y comunicarse con su pareja afectiva. Mientras

que los aspectos negativos se relacionabam con la pérdida de confianza en la pareja, la

normalización de los celos, las conductas de control y los desacuerdos entre los

miembros de la pareja.

Otro foco de atención de este estudio es analizar los comportamientos de sexting

del colectivo adolescente participante. En relacion al fenómeno del sexting, se ha

comprobado que varios/as adolescentes desconocían el término sexting, pero reconocían

que la práctica de este comportamiento es frecuente en las relaciones de jóvenes. La

mayoría de los/as informantes en sus argumentos identificaron a las chicas como las

más activas en el envío de contenidos de sexting mientras que los chicos afirmaban que

18

solicitaban a las chicas el envío de contenido erótico-sexual con la finaliad de

provocar, promover un intercambio de contenidos y/o incentivarlas a que compartan sus

fotografías íntimas. No obstante, los datos cuantitativos apuntan que son los chicos

quienes más envían fotos y/o videos de contenido erótico a través de su teléfono móvil o

de las redes sociales, Skype o equivalentes.

En relación a las actitudes hacia el sexting, no se han encontrado diferencias en

función del género en cuanto aquien considera el sexting como algo divertido o

despreocupado. Sin embargo, se han encontrado diferencia de género en relación a la

percepción del riesgo y a las expectivas relacionales. Son las chicas muestran una

mayor percepción de los riesgos asociados a compartir contenidos erótico sexuales a

través de internet que sus compañeros. Al contrario de lo esperado, son los chicos los

que muestran mayores expectativas relacionales derivadas de la práctica del sexting que

las chicas. También podemos destacar que el nivel de conocimiento sobre la violencia

en las relaciones de parejas adolescentes correlaciona negativamente con la frecuencia

de comportamientos de sexting, de forma que se comprueba que los/as participantes con

menor conocimiento son los que más practican sexting.

En cuanto a los principales motivos a los que aluden los y las participantes para

el envío de sexts estarían el aumento de la popularidad, la diversión, el riesgo, el

mantenimiento de la relación de pareja, o incluso afirmaron que les permite ejercer

poder sobre la otra persona o llegar a chantajearla.

En los argumentos de los y las adolescentes se ha detectado actitudes

ambivalentes hacia la divulgación no autorizada de contenidos sexuales. Por un lado, se

han identificado discursos de apoyo y de empatía hacia las víctimas de este tipo de

contenidos y actitudes negativas hacia la persona que divulga los contenidos erótico-

sexuales, especialmente si esta violación de la privacidad fue perpetrada en ámbito de la

relación de pareja. Pero, también por otro lado, se han identificado otros argumentos

moralmente punitivos sobre los comportamientos de las víctimas y al mismo tiempo, de

desreponsabilización al autor/a que divulgara este tipo de contenidos.

Analizando los casos de divulgación no consentida de contenidos erótico-

sexuales que el colectivo de adolescentes relata se ha constatado su vinculación con

dinámicas de chantaje y amenazas que se materializan en situaciones de sextorsion y

revenge porn constituyendo simultáneamente situaciones de violencia sexual online. En

todas las situaciones narradas, la víctima siempre fue una chica y el agresor fue su

19

novio, su ex-novio o amigos del ex-novio. En este sentido, se puede afirmar que la

violencia sexual online resultante de las conductas de sexting adolescente está

genderizada y está respaldada, entre otros aspectos, en expectativas de género

tradicionales y la presencia del doble rasero moral sexual en los comportamientos

sexuales de chicos y chicas.

A pesar de que los resultados de esta investigación han permitido alcanzar los

objetivos planteados, deben considerarse algunas limitaciones en nuestro estudio. En

primer lugar, el número de participantes en la dimensión cuantitativa del estudio fue

considerablemente inferior al número de participantes esperado, comprometiendo la

representatividad de la muestra y evidenciándose las dificultades para encontrar datos

con significación estadística en términos de análisis comparativo y obteniendo sólo

correlaciones moderadas. Respecto al procedimiento de recogida de datos, la conducta

de los focus group con jóvenes que estaban en la misma clase puede haber influido, en

cierta medida, en la espontaneidad de la información obtenida en la medida en que las

características de las relaciones interpersonales previamente establecidas, podrían haber

sido reflejadas en el debate, particularmente, respecto a las relaciones de poder,

alianzas, rivalidades entre los/as participantes, así como en el nivel de contenido

compartido, varias veces, retratando situaciones familiares para todas las personas

presentes, excepto a la investigadora.

Por lo tanto, en relación a los resultados obtenidos en esta investigación, en

primer lugar, se recomienda que la prevención de la violencia en las relaciones de

parejas adolescentes debe seguir centrándose en el trabajo con los/as jóvenes, tal y

como se ha venido llevando a cabo en el contexto portugués. Ofreciendo flexibilidad y

adaptaciones que permitan acompañar los cambios al nivel de los comportamientos

afectivo-sexuales y contemplar diferentes reconfiguraciones en las relaciones de

intimidad. Esta flexibilidad y adaptabilidad deberá ampliar las dinámicas afectivo-

sexuales de los/as jóvenes, incluyendo otras denominaciones como andar, estar, quedar

en la multiplicidad de vivencias íntimas adolescentes. Adicionalmente, se revela

fundamental no desvalorizar estas configuraciones, reconociendo que también pueden

estar basadas en la violencia de género y aumentar la conciencia de otras limitaciones

que pueden surgir de visiones adultocéntricas, particularmente, los criterios de

moralidad u otros juicios que pueden nublar la capacidad de apoyar a los/as jóvenes y

educarlos/as para una vida libre de violencia.

20

En segundo lugar, los dispositivos tecnológicos y la proximidad que ofrece

Internet introducen nuevas dinámicas de interacción, algunas de ellas de naturaleza

sexual, pudiéndose hasta facilitar la expresión emocional y la desinhibición. No

obstante, el mundo virtual también abre un nuevo espacio a diferentes medios y nuevas

vías para perpetrar la violencia online en las relaciones de parejas adolescentes, que en

el nuevo plano digital pueden maximizar las consecuencias e impactos de la

victimización. Teniendo en cuenta los resultados obtenidos en esta investigación,

también se recomienda adaptar estrategias de prevención capaces de responder a esta

transversalidad, adaptándose a los cambios introducidos por el uso de dispositivos

tecnológicos y el acceso al espacio virtual. Estas adaptaciones requieren esfuerzos

articulados de diferentes sectores. Por último, la mejor forma de estar preparados/as

para los cambios constantes que guían las relaciones actuales y de intimidad, se refuerza

la importancia de la acción conjunta entre escuelas, figuras parentales, servicios de

internet y profesionales que trabajan con jóvenes.

Teniendo en cuenta las opciones epistémicas, el posicionamiento feminista

crítico ha demostrado ser un marco adecuado para promover la profundización del

conocimiento sobre las percepciones adolescentes sobre la violencia en las relaciones de

pareja en el cara a cara o perpetrada a través de los medios digitales. Destacar el papel

que desempeñan las tecnologías en las relaciones de pareja así como la aparición de

comportamientos afectivo-sexuales, todavía poco conocidos como el sexting en el

contexto portugués, en cuanto a que han impulsado la investigación en un grupo social

cuyo protagonismo en el diseño de políticas para combatir la violencia todavía es

inconsistente y, dentro de este grupo, se ha buscado dar voz a los/as jóvenes y sus

experiencias. En este sentido, la elección de una perspectiva interseccional ha

contribuido a una mayor problematización de la interacción entre variables como el

género y la edad, además de muchas otras que no han sido foco de atención de este

estudio, como la clase social, el recorrido académico, la orientación sexual, la religión,

etc. que influencian los recorridos de vida pautados por diferentes categorías identitarias

que determinan una ubicación de mayor o de menor poder en los contextos sociales y

culturales donde se desarrollan los/as participantes. Además, la elección de una

metodología multimétodo, combinando métodos cuantitativos y cualitativos de recogida

de datos, ha permitido eliminar la opacidad de los datos estadísticos y complementar la

información con situaciones vividas o conocidas por los/as participantes y una captura

más naturalista de sus discursos localizados socioculturalmente. Por ello, es necesario

21

llevar a cabo más estudios de naturaleza mixta e incluso extender el estudio a otros

grupos de personas que desempeñan papeles primordiales en la educación de los/as

adolescentes como docentes, figuras parentales, profesionales del ámbito de la juventud

y de áreas de protección de niños, niñas y jóvenes.

También, se considera esencial, reforzar simultáneamente la necesidad de una

mayor capacitación docente para la implementación de un modelo de educación sexual

comprensiva e integral, holístico y con información rigurosa y de calidad que pueda

responder a las necesidades reales y a las vivencias afectivo-sexuales adolescentes y de

diversidad sexual. Esta formación requiere, al mismo tiempo, escuchar más sus

opiniones e incorporarlas en la implementación contextualizada de estos contenidos.

Adicionalmente, es esencial combinar la educación sexual y la educación digital,

puesto que ambas son necesarias para una mayor seguridad de los y las adolescentes.

Finalmente, consideramos importante fomentar la participación cívica y política

de los/as jóvenes en materia de lucha contra la violencia de género, en particular la

violencia en las relaciones de parejas adolescentes en todas las orientaciones sexuales

para que sus opiniones puedan ser escuchadas, influir y tener responsabilidad en

acciones que permitan abordar los temas que afectan a sus vidas. En este sentido, es

crucial promover su participación a través de procesos y mecanismos de consulta para

que también puedan protagonizar la delimitación y el establecimiento de prioridades de

acción teniendo en cuenta la respuesta a sus necesidades. Además de esto, también

consideramos importante la sensibilización de los decisores políticos respecto a la

importancia de la toma de decisiones compartidas con los/as jóvenes y la creación de

espacios de diálogo entre los poderes políticos y los/as jóvenes, ya que constituyen

mecanismos que apuntalan la educación para la ciudadanía y para la participación

juvenil a través del estímulo del pensamiento crítico y la iniciativa. No menos

importante es la mirada atenta sobre la inclusión de jóvenes pertenecientes a grupos que

pueden encontrarse con más o mayores barreras para la participación cívica y política,

particularmente, jóvenes de contextos de riesgo con múltiples desafíos en diferentes

esferas o de grupos socialmente invisibilizados tales como las mujeres jóvenes,

migrantes o LGBTIQ+.

Palabras clave: ciberviolencia en las relaciones de parejas adolescentes,

comportamentos de sexting, violencia sexual online, educación sexual, participación

juvenil, género.

Introdução

25

As transformações sociais introduzidas pelo acesso à Internet e aos dispositivos

tecnológicos tais como telemóvel, computador, tablet oferecendo novas oportunidades

de comunicação, aprendizagem, trabalho e de relacionamentos interpessoais. As

mudanças que configuram decorrem com tal rapidez que frequentemente as

percepcionamos vertiginosas não tendo tempo para uma reflexão cuidada acerca das

suas potencialidades e riscos deixando-nos, em algumas circunstâncias, privados de

opções alternativas que garantam igual acesso a oportunidades e informação. Todas

estas transformações, potencialidades e riscos acontecem frequentemente nas vidas das

pessoas reconfigurando relações internas e externas nos locais de trabalho, no grupo de

pares e, não menos frequentemente, nos contextos familiares e de intimidade. A

tecnologia está imbricada nos diferentes domínios das nossas vidas tendo-nos garantido

o acesso ao que Werner Herzog denominou, no documentário realizado em 2016 sobre

este tema, Admirável Mundo em Rede mas que ao mesmo tempo introduziu

comportamentos e espaços que potencialmente configuram novos riscos e requerem o

domínio de novos conhecimentos e competências.

Neste cenário, ocorre também o desenvolvimento de crianças e jovens que

nascidos no apogeu da Internet e das tecnologias digitais não imaginam o seu dia-a-dia

sem elas sendo frequente o encontro de relatos seus indicando mal-estar ou ansiedade

quando privados destes dispositivos ou afastados de redes sociais ou do entretenimento

virtual.

Face à indubitável influência da era digital em todas as esferas da vida humana,

a sexualidade humana não constitui uma exceção. Na última década assistimos ao

aparecimento de plataformas de encontros e redes sociais tais como o Grindr destinada a

promover o contacto de pessoas LGBTI no mundo inteiro ou o Tinder pensado para

facilitar o contacto entre pessoas solteiras e viver de forma positiva esse status tal como

referem na sua missão: “Celebramos que estar solteiro/a é uma viagem. Uma viagem

extraordinária. Estar solteiro/a não é aquilo que se vive, de forma infeliz, antes de se

assentar num relacionamento estável. Nós representamos a forma como uma geração

inteira escolhe viver as suas vidas”. Adicionalmente, verifica-se também o incremento

de outras possibilidades de exploração da cibersexualidade tais como salas de webcams,

bordéis 2.0, sistemas de teledildónica. No entanto, se por um lado a Internet e as

tecnologias digitais proporcionam oportunidades únicas relacionadas com as

possibilidades e o fornecimento de informações e o conhecimento de diversidade sexual

por outro constitui-se um espaço de normalização de violência e objetificação feminina.

26

Os comportamentos de sexting inscrevem-se num repertório comportamental

mais vasto situado no cruzamento entre as tecnologias e a sexualidade. Não se

constituindo os primeiros comportamentos deste género, surgem posteriormente ao sexo

telefónico ou por webcam podendo surgir, entre vários motivos possíveis, relacionados

com o estabelecimento de relações à distância, a sedução e o divertimento entre

parceiros/as íntimos atuais ou potenciais. Para além destes propósitos tem-se vindo a

compreender que estes comportamentos poderão aumentar os riscos de violência sexual

online já que poderão quer ser iniciados por pressões ou coações para envio de

conteúdos sexuais, quer resultar em posterior chantagem, perseguições ou assédios

digitais. O conjunto de Literatura emergente sobre estes comportamentos alertam para a

sua natureza genderizada revelando que são as mulheres e as jovens mulheres quem

apresenta maior risco de vitimação sexual online decorrente do envolvimento em

práticas de sexting.

Assim, aceitando o desafio de compreender as transformações nas sociedades

pós-modernas, os comportamentos individuais e de grupo e a nós mesmas desde a

perspetiva dos/as jovens, apresentamos este projeto de investigação no âmbito do

Programa Doutoral em Ciências da Educação e do Comportamento Going on a blind

date with violence? – contributos da psicología crítica feminista para a compreensão

da violência no namoro nas culturas juvenis. Este projeto pretende estudar o fenómeno

da violência no namoro, quer perpetrado cara-a-cara quer na sua transposição para o

contexto digital na também denominada Cyber Teen Dating Violence, colocando o

discurso juvenil no centro da produção de conhecimento científico acerca das

problemáticas sociais que afetam o quotidiano dos/as mais jovens. Conscientes da

frequente desvalorização dos/as jovens, das suas opiniões, experiências e dos seus

direitos cívicos nas sociedades contemporâneas, optamos por escolher um ponto de

partida epistémico ancorado na Psicologia Feminista Crítica de forma a amplificar as

vozes juvenis, sobretudo das jovens raparigas, na compreensão da violência nos

relacionamentos de intimidade juvenil.

O nosso trabalho apresenta como principais objetivos a caracterização das

dinâmicas de violência nas relações que decorrem cara-a-cara ou através do meio

digital, explorar o papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil e

caracterizar os comportamentos de sexting juvenil. Para o efeito, serão combinadas

metodologias qualitativas e quantitativas, nomeadamente, focus group discussions e a

administração de questionários. Do conjunto de participantes neste estudo fazem parte

27

169 jovens com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos provenientes do litoral

norte de Portugal que participaram na dimensão quantitativa destes estudo. Destes 143

integraram também a dimensão qualitativa tendo participando posteriormente nas

discussões conduzidas em 18 focus groups.

Assim, organizou-se este trabalho em duas partes, o marco teórico e o empírico.

A primeira parte intitulada da Curiosidade à descoberta do Outro/a Juvenil visa o seu

enquadramento teórico e divide-se em dois capítulos. O primeiro capítulo Ser

Adolescente na Era Digital elenca considerações sobre a Geração Z à qual pertencem

os/as participantes deste estudo e apresenta dados sobre os seus acessos e usos de

tecnologias e redes sociais bem como contributos provenientes de pesquisas sobre riscos

e oportunidades online. Ainda no mesmo capítulo é contextualizado o impacto digital e

tecnológico no desenvolvimento sexual juvenil. Para o efeito são apresentadas

sumariamente algumas teorias explicativas sobre a sexualidade humana e

posteriormente exploradas as construções sócio-culturais de masculinidades e

feminilidades adolescentes. Por fim, apresenta-se uma reflexão sobre o papel e

influencia dos media na promoção de violência de género por via da cristalização de

desigualdades entre mulheres e homens e da objetificação feminina.

O segundo capítulo é dedicado ao enquadramento da Violência 2.0 nos

Relacionamentos de Intimidade. Num momento inicial enquadra as transformações que

se fazem sentir nos relacionamentos de intimidade na atualidade e as suas implicações

para a compreensão e estudo do fenómeno sendo posteriormente seguido pela

apresentação estudos sobre o estado da arte da violência nos relacionamentos de

intimidade juvenil e por considerações acerca da abordagem feminista a este fenómeno.

De seguida é conceptualizada a Cyber Teen Dating violence, particularmente quando

decorrente de comportamentos de sexting, sendo apresentados dados nacionais e

internacionais sobre a violência digital na intimidade e o estado da arte sobre

comportamentos de sexting juvenil articulando os principais estudos sobre a delimitação

do construto, a sua prevalência, motivações, atitudes e riscos associados e

consequências. Este capítulo encerra com um terceiro momento dedicado à participação

juvenil nas políticas públicas de combate à violência nos relacionamentos de

intimidade. Este momento articula os conceitos de cidadania de intimidade e direitos

sexuais e reprodutivos juvenis para problematizar a participação juvenil, as

potencialidades e obstáculos à promoção do envolvimento cívico e social dos/as jovens,

em especial das jovens raparigas, em matéria de igualdade de género, diversidade e

28

violência na intimidade.

Já dentro do Marco Empírico, o terceiro capítulo foca a metodologia utilizada.

Aqui é inicialmente apresentada a problemática de estudo enquadrando-a nos

pressupostos teóricos e epistemológicos escolhidos, seguindo-se a apresentação dos

objetivos gerais e específicos. Adicionalmente, são formuladas as hipóteses levantadas e

caracterizado o tipo de estudo e o grupo de participantes. Este capítulo compreende

ainda a descrição dos procedimentos de recolha de dados das dimensões quantitativas e

qualitativas, dos instrumentos na recolha de dados e das etapas conduzidas para a

análise da informação.

O quarto capítulo compreende a apresentação de resultados tendo em conta o

género. Inicialmente são apresentados os dados quantitativos que caracterizam o perfil

sociodemográfico dos/as participantes, o seu uso de tecnologias de informação e a

caracterização das relações de intimidade. Também se apresentam dados sobre os seus

conhecimentos sobre violência no namoro, as atitudes face a diferentes tipologias de

violência no namoro, mitos sobre amor e comportamentos e atitudes face ao sexting.

Num segundo momento, são apresentados os dados qualitativos acerca das percepções

juvenis sobre relações sociais de género, os relacionamentos de intimidade e da

ciberviolência na intimidade juvenil.

O quinto capítulo constitui a discussão dos principais resultados quantitativos e

qualitativos obtidos e a sua interpretação à luz dados de outros estudos nacionais e

internacionais bem como uma reflexão sobre constrangimentos e limitações do presente

estudo. No sexto capítulo são sumariadas as principais conclusões deste trabalho e no

oitavo capítulo constam as reflexões finais sendo enunciadas as implicações que os

resultados obtidos no presente estudo tem para as práticas educativas. Por último,

apresentam-se as referências bibliográficas.

MARCO TEÓRICO

PARTE I

Da curiosidade à descoberta do/a outro/a juvenil

Capítulo 1

Ser Adolescente na Era Digital

33

Sinopse

A palavra adolescência deriva do latim “adolescere” (adolescer) que significa

desenvolver-se até à maturidade. Este processo de amadurecimento é difícil de balizar

temporal e conceptualmente, levando alguns autores, tal como Kimmel (2008) a

denominar de adultescência ou “Kidults” o período mais avançado ou tardio desta

etapa, uma vez que a passagem à fase adulta, por via da concretização de alguns

marcadores tradicionais (casar, ter filhos, comprar uma casa), parece dilatada nas

sociedades contemporâneas. Assim, a adolescência bem como a sexualidade humanas

parecem iniciar-se com a biologia e terminar com a cultura (Lameiras, Carrera, &

Rodríguez, 2013; Papalia, Feldman, & Martorell, 2013; Sprinthall & Collins, 2008),

sendo necessário intersectar as transformações do período pubertário com as

expectativas e padrões culturais e sociais transmitidos sobre esta etapa

desenvolvimental. Paralelamente, o desenvolvimento da identidade é a tarefa

“universalmente” atribuída a esta etapa. Por este motivo, o presente capítulo dedica-se

ao processo da construção identitária dos/as jovens, à sua problematização na sociedade

digital e à influência das tecnologias de informação e comunicação no seu

desenvolvimento afetivo e sexual.

Partindo de uma tentativa de captar alguns aspetos distintivos da Geração Z e do

seu acesso às tecnologias e redes sociais e uso das mesmas, a primeira parte deste

capítulo aborda ainda os principais riscos e oportunidades online e a possibilidade de

um equilíbrio entre ambos. Posteriormente, é também abordado o desenvolvimento

sexual juvenil na era digital, começando por uma breve incursão nas teorias explicativas

sobre sexualidade, uma exploração da relação entre masculinidades e feminilidades e

cultura e, por fim, com a problematização da influência dos media no desenvolvimento

afetivo-sexual.

1.1 Internet, Tecnologia e Juventude

A revolução digital caracteriza as grandes transformações que se fazem sentir no

século XXI, pautando-as por conexões complexas estabelecidas através de dispositivos

eletrónicos, pela internet e pelas redes sociais que agora facilitam, numa maior ou

34

menor extensão, o contacto próximo e muitas vezes permanente entre pessoas e

realidades anteriormente determinadas por distanciamentos geográficos, sociais ou

culturais. Esta realidade favoreceu o aparecimento de condições que permitiram o

alargamento e diversificação da comunicação, tendo trazido também, para os

relacionamentos interpessoais, novas possibilidades e descobertas (Fernández,

Calatayud, & Vicent, 2013). O crescente acesso e democratização do uso de tecnologias

nas diferentes esferas do funcionamento humano conduziram, inevitavelmente, a

profundas transformações sociais sentidas nas vivências pessoais, laborais e relacionais,

bem como nas exigências e características de diferentes gerações que as experienciam.

Não sendo esta explosão tecnológica necessariamente boa ou má (Turner, 2015),

apresenta, indubitavelmente, vantagens e desvantagens dependendo ora do foco nos

constrangimentos associados a uma profunda mudança na interação humana, ora nas

potencialidades individuais e coletivas que proporciona. Estas transformações

adquirem, por isso, um papel extremamente importante na leitura e compreensão de

diferentes grupos sociais e geracionais. Esta influência tem vindo a ser reportada na

literatura disponível acerca do assunto explorando-se reportórios comportamentais,

cognitivos e sociais nos processos de ser, estar e crescer num espaço-mundo online e

permitindo a identificação de diferenças geracionais relativamente à presente era

tecnológica. Assim o acesso praticamente constante a espaços virtuais influencia

determinantemente as experiências de socialização humanas. Não constituindo uma

exceção, torna-se crucial não só equacionar, mas refletir-agir sobre as transformações

que redesenham as novas experiências de socialização juvenil, tornando o espaço virtual

um palco de igual ou maior preponderância no processo de crescimento biopsicossocial.

Nestas interações, agora mediadas por tecnologias digitais, os/as jovens vão construindo

culturas de pares e aprendizagens partilhadas sobre a natureza e significado das normas

sociais (Ponte, 2016) influenciando, inevitavelmente, a sua construção da identidade. A

este respeito, Stald (2008) explorou o conceito de “mobile identity” juvenil,

apresentando-o com duplo significado. Por um lado, referindo-se à influência do

telemóvel e dos media na construção da identidade e, por outro, à fluidez e deste

processo, influenciada por diferentes fatores e em permanente negociação sobre quem,

como e junto de quem sou. Na sua abordagem ao valor simbólico atribuído pelos/as

jovens ao seu telemóvel e do papel que desempenha na construção da identidade móvel,

sugere uma reflexão em quatro eixos: disponibilidade, experiência de presença, diário

pessoal, e aprendizagem de normas sociais.

35

O primeiro eixo, disponibilidade, prende-se com o facto de os telemóveis dos/as

jovens estarem permanentemente, ou quase permanentemente, ligados/as.

Simultaneamente, também os/as jovens permanentemente ou quase

permanentemente disponíveis para as outras pessoas através da comunicação,

informação ou entretenimento. A ausência de tempos livres de dispositivos eletrónicos

espelha alguma necessidade de controlo sobre estas novas “extensões” do

relacionamento humano, vivendo os/as jovens constantes interrupções através de

estímulos sonoros, visuais, vibratórios. De igual forma, esta quase total disponibilidade

poderá resultar em experiências de confusão, pressão e stress decorrentes de

sentimentos de frustração ou perda de tempo associados a uma interação social pautada

pela flexibilidade do tempo e pelo aumento do potencial de negociação humano (sobre

entendimentos, atividades, eventos, entre outros aspetos).

A experiência de presença alicerça-se em torno de três pressupostos

interrelacionados: o primeiro é a perceção de presença num espaço partilhado, vital para

a construção de relações de confiança e pertença social, variando em função do

conhecimento, conteúdo, características e intenções da comunicação. O segundo é a

possibilidade de estar simultaneamente presente em mais do que um espaço e refere-se a

ocupar fisicamente e mentalmente/virtualmente espaços diferentes. A última diz

respeito ao potencial de distúrbio causado pelo telemóvel numa situação social, ou seja,

estar comprometido com uma interação social online de troca de mensagens via

whatsapp no meio de uma festa, por exemplo, aumentando o potencial de distúrbio

proveniente do telemóvel numa qualquer situação social física.

O terceiro eixo corresponde ao diário pessoal que está diretamente relacionado

com o facto deste dispositivo se constituir como uma ferramenta que permite

documentar não só informação, mas também experiências, criando uma espécie de

memória emocional, não só individual, mas também coletiva.

Por último, os eixos anteriores permitem também a emergência do quarto eixo: a

significação do telemóvel enquanto ferramenta de aprendizagem de normas sociais

através da interação social juvenil que continuamente redesenha e redefine normas e

significados de utilização através do uso dos dispositivos móveis.

37

facilitaram a aquisição do computador portátil de baixo custo, também conhecido como

Magalhães, tendo terminado após 2012 (Mascheroni & Cuman, 2014).

Os/As jovens nascidos/as neste período são frequentemente designados por

“nativos/as digitais”, graças a terem nascido e sido educados/as em estreito e direto

contacto com as tecnologias e nunca terem vivido antes da internet. Contudo, diferentes

investigadores/as consideram que esta denominação carece de rigor na tradução da

realidade já que crianças e jovens não dominam automaticamente o uso das tecnologias

e revelam tendência para um menor domínio de competências criativas e críticas do que

instrumentais (Helsper & Eynon, 2010; Ponte & Batista, 2019; Simões, Ponte, Ferreira,

Doretto, & Azevedo, 2014).

Num estudo recente, o Pew Research Center (2018) indica que

aproximadamente metade da Geração Z pertence a minorias raciais ou étnicas. Quando

comparada com os Millenials, esta geração apresenta maior probabilidade de frequência

do ensino superior e de ter sido educada por, pelo menos, um/a progenitor/a com

escolaridade superior. Não obstante, é uma geração que testemunha as dificuldades

económicas das suas famílias, o aumento do fosso económico entre classes e o

encolhimento da classe média (as cited in Turner, 2015). A Geração Z cresceu num

mundo pautado pela rápida e constante mudança, revelando fluência em social

networking e maior à vontade para interagir numa sociedade permanentemente

conectada. O estudo da Commscope (2017) intitulado “The Generation Z – Study of

Tech Intimates” refere inclusivamente que esta geração apresenta um “digital bond”

com a internet e as tecnologias, ou seja, uma ligação emocional com o mundo e

dispositivos virtuais.

No seio da sociedade americana, esta geração tem sido descrita como birracial

ou multirracial e como uma geração que parece lidar com questões sociais, em

particular, com questões LGBTIQ+ com menor secretismo:

São uma geração hiper-conectada, altamente opinativa e interessada no

ativismo uma vez que a internet e o panorama dos media desenvolveu-

lhes uma consciência aguçada e preocupada com os acontecimentos

mundiais. Vivendo numa era de progresso generalizado em assuntos

como casamento igualitário ou body positivity, estão a forjar um novo

38

território em conversas mais vastas sobre identidade; são o grupo da

fluidez de género e da inclusão em todas as suas formas. (Rapp, 2019,

p.8)

Relativamente à sua situação laboral, os/as post-Millennials apresentam menos

trabalhos “full-time”, facto que se pensa estar relacionado com a maior frequência

universitária (Turner, 2015). A intuição, a fluidez digital e o multi-tasking combinam de

uma forma inovadora as suas capacidades e interesses: “With these values in tow, many

gen Zers, some of whom are already starting to enter the workforce, are leveraging

social apps to build communities and creative endeavors that are intertwined with a

passion for advocacy, art, or entrepreneurship” (Rapp, 2019, p.8).

Um outro estudo, desenvolvido pelo JWT Inteligence em parceria com o Snap

Inc. (Rapp, 2019) onde participaram 1208 jovens da geração Z americanos/as e

ingleses/as indicou que cerca de um pouco mais de metade dos/as participantes

considera a sua geração mais criativa do que as anteriores e o espaço virtual,

nomeadamente as aplicações digitais, mais estimulante da sua criatividade do que o

espaço offline. Mais de metade dos/as participantes usa aplicações digitais para se

expressar criativamente (56%) e um quinto para desenvolver a sua própria marca,

porém, são também vários os/as jovens que o fazem por paixão (46,5%), rejeitando a

ideia do branding pessoal. Adicionalmente, este estudo apresenta outras características

e interesses deste grupo de jovens, destacando que são trilingues na medida que

cresceram a expressando-se na internet e a partir de ferramentas visuais criativas e tendo

mudado a forma de comunicar com as marcas e os mercados. Esta geração apresenta

também menos receios de explorar novas identidades e diferentes formas de se

expressar, tendo um quinto dos/as participantes neste estudo referido que as suas

publicações são sobre quem verdadeiramente são e sobre os seus quotidianos, o que

indica que valorizam a autenticidade e a história pessoal no compromisso criativo. O

humor e o entretenimento desempenham também uma importante influência no

processo criativo e no consumo desta geração. Assim sendo, estes/as jovens consideram

importante e procuram formas offline para expressar a sua criatividade, combinar o

analógico com o digital e aumentar as possibilidades dos seus produtos finais. No que

respeita causas sociais, esta geração desafia normas de género e padrões de beleza,

ultrapassando representações tradicionalistas e promovendo a diversidade.

40

tem vindo a contribuir para o avanço da investigação sobre o acesso aos meios digitais e

à sua utilização em diferentes países europeus e, posteriormente, pan-europeus. Este

estudo tem vindo a ocorrer em diferentes fases: EUKO (2006-2009), EUKO 2 (2009-

2011), EUKO 3 (2011-2014) e EUKO 4 (2014-2018), tendo também redefinido os seus

objetivos, adaptando-se às necessidades de estudar as rápidas transformações sociais e

as suas implicações na prática. De uma maneira geral, a primeira fase do projeto ter-se-á

debruçado mais sobre a identificação das principais situações de risco; a segunda etapa

(2009-2011) nos usos e experiências de crianças e jovens na internet, situações de risco

e meios de segurança utilizados; a terceira (2011-2014) e mais recente, a quarta (2014-

2018) fases, dedicaram-se à caracterização das tendências nos novos ambientes digitais,

ao alargamento do conhecimento sobre competências e direitos digitais e à identificação

de fatores e mediações na abordagem dos riscos digitais.

O segundo estudo, NCGM - Net Children Go Mobile (Mascheroni & Cuman,

2014), é um projecto co-financiado pelo Safer Internet Programme (agora denominado

Better internet for Kids) com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre as

mudanças no acesso e uso da internet e a sua relação com os riscos online. Esta pesquisa

combinou métodos quantitativos e qualitativos e foi conduzida em 7 países europeus

(Reino Unido, Dinamarca, Itália, Roménia, Irlanda, Portugal e Bélgica), junto de cerca

de 3500 crianças e jovens com idades compreendidas entre os 9 e os 16 anos.

Os principais dados provenientes destes dois projetos indicam que, comparando

os dados obtidos em 2010 (EUKO, 2010) com os do estudo NCGM 2014 (Mascheroni

& Cuman, 2014), é possível constatar que a frequência de acesso à Internet está a

aumentar e a idade de acesso a diminuir. Relativamente à forma como se tem acesso à

internet verifica-se que um aumento de dispositivos de uso mais individualizado como

os smartphones. Tendo em conta o local de acesso, a casa continua a ser o espaço onde

a maioria dos/as jovens tem acesso à internet, porém, o número de jovens que o faz a

partir do quarto tem vindo a aumentar. Desta forma, o uso de dispositivos

individualizados combinado com o uso de um local de acesso mais privado, como o

próprio quarto, são fatores que dificultam a supervisão parental. Tendo em conta as

atividades realizadas na internet, estar nas redes sociais e ver vídeos destacam-se como

as principais escolhas juvenis e têm vindo a demonstrar um aumento na sua

popularidade. O uso das mensagens instantâneas permanece como uma das principais

41

atividades online, tanto para a realização de trabalhos de casa com outros colegas como

para jogar jogos online. Também se verifica um aumento no download de conteúdos e

da partilha de vídeos e de fotografias e na leitura de notícias online, sugerindo também

um aumento do uso da internet para interesses cívicos. Um outro aspeto deste estudo

relaciona-se com a avaliação da satisfação dos/as jovens com o conteúdo disponível

online, constatando-se uma ligeira diminuição desta satisfação, em especial das

raparigas. Relativamente à literacia digital, os dados apontam para ligeiros aumentos

nas competências digitais juvenis relacionados com o aumento de segurança online.

Por último, os resultados sobre a mediação parental revelam várias diferenças

entre os diferentes países europeus participantes no estudo. Porém, é possível constatar

que a mediação parental é mais regular em jovens mais novos e que as raparigas

continuam a ter mais supervisão do que os rapazes. A supervisão dos rapazes tem vindo,

inclusivamente, a revelar uma diminuição na sua frequência. De uma maneira geral, as

estratégias de mediação familiar ativa (encorajar, oferecer ajuda, dialogar) são mais

frequentes que as estratégias de mediação restritiva (proibição de redes sociais,

dispositivos de controlo parental, filtros) (Livingstone, Mascheroni, Ólafsson, &

Haddon, 2014).

Um outro estudo, conduzido nos EUA pelo Pew Research Center (2018), onde

participaram 7743 adolescentes americanos/as com idades compreendidas entre os 13 e

os 17 anos, indicou que cerca 95% dos/as participantes tem smartphone ou acesso

facilitado a um; 88% tem acesso a um computador na sua casa e 84% a uma consola de

jogos. Estes dados reforçam a existência de um acesso praticamente universal a

smartphones independentemente das variáveis idade, género, raça e nível

socioeconómico. Relativamente ao acesso a um computador em casa, são os/as jovens

cujas famílias apresentam maior escolaridade e nível sócio económico mais elevado que

apresentam maior acessibilidade a este recurso. Por último, a grande maioria dos/as

jovens tem acesso a consolas e 90% jogam videojogos (quer seja na consola, no

computador, no telemóvel, etc.) mas são os rapazes o grupo que maior frequência

revela, tendo 92% indicado possuir uma consola ou acesso a ela e 97% assumido a

prática de videojogos, em comparação, respetivamente, com 75% e 83% das raparigas.

No que respeita ao uso de redes sociais, o Facebook, que no estudo anterior

ocupava o primeiro lugar do uso de plataformas virtuais dos/as adolescentes, foi

42

ultrapassado pelo Youtube, Instagram e Snapchat, demonstrando uma reconfiguração

dos interesses e preferências dos/as jovens na atualidade.

Cerca de 45% da amostra indicou ser utilizadora praticamente constante da

internet, tendo sido encontradas diferenças relativamente ao género, raça e etnia. Assim,

cerca de 50% dos/as utilizadores/as praticamente constantes eram do género feminino e

tendo os rapazes hispânicos revelado também maior probabilidade de estarem quase

permanentemente na internet, quando comparados com jovens caucasianos.

Tendo em consideração a realidade nacional, Portugal revela uma elevada

adesão dos/as internautas às redes sociais apesar de ser um país com um acesso tardio à

internet (Mascheroni & Cuman, 2014; Ponte, 2016). Desta forma, em 2009 o acesso à

internet estava ao alcance de apenas 50% da população e em 2014 à disposição de 65%

dos agregados familiares, valor este que aumentava significativamente nos casos de

agregados com jovens com idades até aos 15 anos, atingindo os 90%. Em 2017, o

acesso à internet em casa, por famílias com crianças até aos 15 anos, chegou aos 97%

(INE, 2017).

Os principais dados do uso de tecnologias e acesso à internet decorrem da

participação nacional nos dois projetos anteriormente apresentados: no EUKO entre

2006 e 2018 e no NCGM em 2014. O Projeto NCGM e Meios Digitais Moveis em

Portugal foi conduzido com a participação de 501 crianças e jovens com idades

compreendidas entre os 9 e os 16 anos. Por sua vez, no EUKO IV (Ponte & Batista,

2019) participaram 1974 jovens com idades compreendidas entre os 9 e os 17 anos,

tendo os objetivos focado questões relacionadas com as mudanças nos ambientes

digitais, as formas de acesso e uso dos dispositivos tecnológicos, as competências

digitais, as situações de risco emergente e, em território nacional, incluiu dois módulos

adicionais: Cidadania Digital e Internet das Coisas.

Tendo em conta o uso de dispositivos tecnológicos e da internet é possível

perceber que uma criança ou um/uma jovem de nacionalidade portuguesa passa em

média 3 horas diárias na internet e este número tende a aumentar com a idade do/a

inquirido/a. O smartphone tornou-se o dispositivo de eleição dos/as jovens

portugueses/as, sendo usado diariamente por 9 em cada 10 jovens (Ponte & Batista,

2019). Este facto é o resultado da tendência para a diminuição da utilização de

43

computador portátil após ter sido impulsionado pelas políticas nacionais expansionistas

o acesso a equipamentos e à internet, nomeadamente, pela aquisição a baixo custo dos

portáteis Magalhães (Mascheroni & Cuman, 2014).

No que respeita às atividades realizadas na internet, 80% usam-na todos os dias

para ouvir música e ver vídeos e 75% para comunicar com familiares e amigos/as ou ir

a redes sociais. Cerca de 50% referem jogos online (2/3 rapazes) e cerca de 1/3 para ler

notícias e fazer trabalhos de casa (Ponte & Batista, 2019). Estes resultados são bastante

semelhantes aos encontrados em 2014 no NCGM (Mascheroni & Cuman, 2014) que

destacaram ouvir música, ver videoclips, estar nas redes sociais e trocar mensagens,

sendo realizadas diariamente por aproximadamente metade da amostra deste estudo.

Um outro estudo nacional, constou também a importância atribuída às redes sociais,

multimédia (vídeos e música) e jogos online, bem como a transversalidade destas

mesmas preferências numa amostra de jovens com idades compreendidas entre os 12 e

os 30 anos (Patrão & Hubert, 2016). Outras pesquisas que procuraram compreender o

tempo online dedicado ao estudo, mencionam que os/as jovens do ensino básico

dedicam 2 horas por semana online em atividades escolares, os/as do ensino secundário

aproximadamente 6 horas semanais e os/as do ensino superior cerca de 42 horas

(Patrão, 2016; Patrão & Machado, 2016). Foram encontradas diferenças de género

relativamente às atividades mais frequentemente realizadas entre os/as jovens mais

novos/as e também nos/as mais velhos/as. Tendo em conta o grupo mais velho de

adolescentes, as raparigas apresentam uma maior frequência de visitas a redes sociais,

utilização de chat rooms, uso de internet para pesquisa de temas de interesse e para

trabalhos de casa e download de filmes e músicas. Tanto no grupo mais novo como no

mais velho, são os rapazes quem lidera a prática de jogos, sozinhos ou contra o

computador. Os jovens mais velhos destacam-se também no visionamento de

videoclips, transmissões de televisão e leitura de notícias online. No que respeita às

redes sociais, 97% dos/as jovens que indicam ter um perfil online são utilizadores/as do

Facebook sendo esta a rede social mais utilizada seguida do Instagram com cerca de

19% (Mascheroni & Cuman, 2014). O recente relatório do EUKO IV (Ponte & Batista,

2019) indica também que 9 em cada 10 dos/as jovens portugueses/as refere ter

competências digitais sobre saber que informações partilhar, como remover ou bloquear

pessoas, instalar aplicações. Menos expressivas são as competências digitais

informacionais e criativas.

45

danos decorrentes de uma experiência negativa online deve continuar a focar-se, tal

como nos estudos sobre riscos offline, nas consequências provocadas ao nível físico,

emocional, psicológico e social.

De uma maneira geral, a literatura sobre este assunto tende a organizar os riscos

em três categorias: conteúdo, contacto e conduta:

- Conteúdo: está relacionado com a exposição a assuntos indesejados ou

inapropriados;

- Contacto: diz respeito à comunicação e participação da criança em

atividades iniciadas por adultos/as que poderão constituir-se solicitações

perigosas ou não saudáveis;

- Conduta: comportamento ou conduta da criança e jovem que poderá

levar a conteúdo ou contactos de risco.

Tabela 1

Classificação de riscos online para crianças e jovens Conteúdo:

Criança enquanto recetor Contacto:

Criança enquanto participante

Conduta: Criança enquanto

interveniente

Comercial Publicitar, spam, patrocínio Monitorizar/colher informação pessoal

Apostar, downloads ilegais, pirataria

Agressivo Conteúdo violento/ horrível/ de ódio

Ser vítima de bullying, assédio ou de stalking

Fazer bullying ou assediar alguém

Sexual Conteúdo sexual, pornográfico e prejudicial

Conhecer desconhecidos, ser aliciado/seduzido/a

Criar e carregar material pornográfico

Valores Conselhos/informação racista e parcial(e.g. drogas)

Automutilação, indesejado Providenciar conselhos (e.g. pró-suicídio)

Nota. Traduzido de Introduction – Kids online: opportunities and risks for children (Livingstone &

Haddon, 2009)

Relativamente às perceções de impacto das tecnologias nas crianças e jovens

inquiridos a nível internacional, o estudo americano do Pew Research Center (2018)

aponta que cerca de 31% dos/as jovens considera que as tecnologias têm um impacto

positivo, 24% um impacto negativo e 45% avalia-o como nem positivo nem negativo

O quadro abaixo detalha os motivos apresentados pelos/as jovens nesta

avaliação de impacto.

46

Tabela 2

Motivos indicados para percepção de impacto das tecnologias na vida dos/as jovens Impacto Positivo Impacto Negativo

- Contactar com amigos/as e família (40%)

- Facilitar o acesso a notícias e informação (16%)

- Encontro com pessoas com os mesmos interesses (15%)

- Entretenimento (9%)

- Expressão Pessoal (7%)

- Apoio de outros/as (5%)

- Novas aprendizagens (4%)

- Outro (6%)

- Bullying/ Divulgação Rumores (27%)

- Prejudica relações/falta de contacto pessoal (17%)

- Perceções irrealistas de outras pessoas (15%)

- Distração/Dependência (14%)

- Pressão de Pares (12%)

- Provoca questões de saúde mental (4%)

- Drama, no geral (3%)

- Outro (12%) Nota. Traduzido de estudo Pew Center Research (2018)

Os motivos que parecem mais relacionados com uma avaliação positiva do

impacto das tecnologias foram a possibilidade de contactar com amigos/as e família e

procurar informação. Por outro lado, o bullying/propagação de rumores e ser prejudicial

para os relacionamentos foram indicados como os principais motivos para uma

avaliação de impacto negativo.

Nos estudos europeus, comparativamente com os dados de 2010, verificou-se

que os/as jovens com idades compreendidas entre os 11 e os 16 anos estão mais

expostos/as a mensagens de ódio, encontrando-se uma subida moderada no nível de

risco, em geral relacionado com a exposição a discursos de ódio, sites pro anorexia,

sites de mutilação, ciberbullying. A percentagem de jovens que indica desconforto com

algo que encontrou na internet subiu de 13% para 17%. Adicionalmente, são as

raparigas e os/as adolescentes que mais reportam danos provenientes dos riscos

emergentes. Verifica-se também o aumento de cyberbullying entre raparigas e jovens

mais novos e o aumento do contacto com conteúdo de natureza sexual ainda que, a

maioria do conteúdo sexual a que os/as jovens estão expostos seja offline. Os

comportamentos de sexting apresentam uma diminuição na comparação dos resultados

entre estes dois estudos bem como o contacto offline com alguém conhecido na internet

(Livingstone et al., 2014).

Alguns dos dados sobre severidade e prevalência de situações de risco online

destacam a divulgação de informação pessoal a estranhos/as, visualização de

47

pornografia online, visualização de conteúdo violento ou contendo mensagens de ódio e

encontro com um contacto virtual (Livingstone & Haddon, 2009).

Outros trabalhos, como os de Kamil Kopecky (2015) e O’Keeffe & Clarke-

Pearson (2011) (as cited in Kopecky, 2016), debruçaram-se sobre os riscos encontrados

nas redes sociais, em particular no Facebook, tendo sinalizado a comunicação com

pares, a divulgação de conteúdo inapropriado, questionável e ilegal, o abuso de

privacidade, o uso excessivo desta rede social e outros riscos adicionais (como por

exemplo marketing e fraude online, propagação de vírus, etc.), áreas focais para uma

análise mais aprofundada. No que se refere aos impactos psicológicos, Weinsten (2010)

alerta que elevados períodos de tempo passados na internet, especialmente em

videojogos, poderão comprometer a capacidade de lidar com a frustração, medo e

desconforto e, simultaneamente, comprometer o desenvolvimento de mecanismos de

coping para resolver situações do dia-a-dia ou o estabelecimento de relações de amor e

amizade (as cited in Turner, 2015). Ser vítima ou testemunha de abuso online acarreta

também impactos sociais nas vidas dos/as jovens, sendo que cerca de 51% das raparigas

e 42% dos rapazes reporta hesitar em participar em debates online após estas

experiências, diminuindo a participação digital em especial de jovens raparigas. Tendo

em conta o tipo de abuso sofrido, jovens rapazes apresentam maior exposição a

conteúdos de ódio racial e de extremismo religioso e jovens raparigas a assédio sexual

online. Relativamente, às estratégias de prevenção de críticas online ou abordagens

indesejadas utilizadas por ambos os géneros são diferentes, sendo que as raparigas

adotam mais frequentemente comportamentos de monitorização dos seus perfis,

aparência e opiniões online e os jovens rapazes denotam uma maior tendência para

ignorar ou minimizar o abuso, muito provavelmente visando o cumprimento de

expectativas tradicionais masculinas (EIGE, 2018).

No que respeita aos dados provenientes do contexto português e tendo em

consideração o recente relatório do projeto EUKO IV (Ponte & Batista, 2019), cerca de

23% dos/as participantes viveram situações de risco na internet que incomodaram ou

perturbaram. Este valor duplicou relativamente aos dados obtidos em 2014 e este

crescimento foi mais visível nos/as mais novos/as (9-10 anos). Estes dados permitem

distinguir entre exposição ao risco e o dano percecionado (neste estudo aferido por

sentimento de incómodo na experiência). O bullying online e offline é a situação que

48

parece incomodar ou perturbar mais os/as jovens. Destes/as, três quartos menciou este

sentimento de incómodo constatando-se um aumento deste fenómeno relativamente aos

dados encontrados pelo estudo em 2010. Assim, cerca de 24% dos/as jovens indicaram

ter sido vítimas de bullying no último ano, tendo sido uma situação transversal às faixas

etárias inquiridas, mas com diferenças de género, já que foram as raparigas quem mais

reportou esta situação quando comparadas com os rapazes e estes os que apresentam

mais probabilidade de ser alvo desta forma de violência. O bullying perpetrado através

de meios tecnológicos ultrapassou o cara-a-cara nos últimos dados obtidos.

Um outro risco diz respeito à exposição a conteúdos de cariz sexual, tendo 37%

dos/as jovens participantes indicado ter visto na internet ou noutro lugar imagens

(ilustrações, fotografias, vídeos) com este teor. A maior parte destas visualizações foi

realizada na internet (91%) e na televisão (83%). Esta situação apresenta-se mais

frequente na faixa etária compreendida entre os 15 e os 17 anos (59%) e no grupo dos

rapazes (44%) mais do que no das raparigas (29%). A exposição a este tipo de imagens

tem-se mantido estável no grupo das raparigas quando comparado com os dados de

2014, mas subiu de 27% para 44% no grupo masculino de jovens. No que respeita ao

dano associado a estas experiências, cerca de 11% referiram ter sentido algum ou

bastante incómodo e 8% muito incómodo. Cerca de 49% dos/as jovens indicou

indiferença e 31% satisfação com a visualização de conteúdos sexuais. Os dados

encontrados apontam também que a perturbação com este tipo de imagens diminui com

o aumento da idade. As diferenças de género apresentam-se muito significativas,

constatando-se que 47% dos jovens rapazes reportaram maior contentamento com a

visualização de conteúdos sexuais em comparação com os 8% de jovens raparigas.

Relativamente a comportamentos de sexting, cerca de 26% dos/as jovens com mais de

11 anos referem ter recebido ou enviado conteúdos de natureza sexual. Os/As

participantes mais velhos/as e os rapazes reportaram maior frequência na receção destes

conteúdos e foram os/as mais velhos/as quem mais frequentemente enviou estes

conteúdos não tendo sido encontradas diferenças de género neste comportamento. Estes

dados encontram-se mais aprofundados na abordagem das diferenças de género dos

riscos online e nos estudos empíricos apresentados no Capítulo II. No que se refere à

situação de risco associada ao encontro com pessoas que os/as jovens conheceram

online, 53% dos/as participantes contactaram com pessoas que conheceram na internet.

Deste conjunto de jovens apenas 2% indicaram que a experiência foi de algum modo

49

perturbadora. Os/As restantes jovens consideraram-na uma experiência positiva, tendo

79% reagido com contentamento e 19% com indiferença. Outras situações de risco

foram percecionadas pelos/as jovens participantes neste estudo, entre as quais,

destacam-se conteúdos negativos gerados por utilizadores/as, mau uso de dados

pessoais, sharenting (partilhas por figuras parentais, docentes e amigos/as) e a

datificação e vigilância. Relativamente à exposição a conteúdos negativos gerados por

utilizadores/as, 46% visualizaram imagens nojentas ou violentas contra pessoas ou

animais, 45% em sites onde se falava de automutilação, 43% em sites com mensagens

de ódio contra certos grupos ou pessoas, 35% em sites sobre experiências de consumo

de drogas, 32% em sites sobre como ficar magro e 29% em sites com conteúdos sobre

formas de suicídio. No âmbito do mau uso de dados pessoais, 19% dos/as participantes

identificaram que os dispositivos móveis foram afetados por um vírus ou spyware, 7%

que alguém usou os seus dados de uma forma que não lhes agradou e que 8% usou a sua

password para aceder à sua informação e fingir a sua identidade; 5% indicou ter sido

vítimas de burla na internet e 9% ter gasto demasiado dinheiro em jogos e aplicações.

Relativamente ao sharenting, 28% dos/as jovens indicaram que as figuras parentais

publicaram textos, vídeos ou imagens sobre eles sem consulta prévia sobre a sua

concordância. Destes, 14% pediram aos pais para retirarem esses conteúdos, 13%

ficaram incomodados/as com esse acontecimento e 7% teve imagens suas divulgadas

por um/a professor/a sem o seu consentimento. Um total de 6% destes/as jovens

reportou ter sido alvo de mensagens ofensivas ou negativas após as publicações feitas

pelas suas famílias. No que se refere à partilha de conteúdos feita por amigos/as, cerca

de 25% mencionaram ter acontecido sem o seu consentimento.

No que respeita às estratégias para lidar com situações perturbadoras ou que

causam incómodo na internet, sobretudo no que se refere a um contacto indesejado ou

agressivo, a maioria referiu a utilização de estratégias passivas, tais como ignorar o

problema e esperar que ele se resolva por si ou fechar a janela. Cerca de 33% indicaram

utilização de estratégias ativas como o bloqueio do contacto. As estratégias para lidar

com estas situações são sobretudo o bloqueio de pessoas, ignorar o problema e esperar

que se resolva ou fechar a janela da aplicação. No entanto, são as raparigas que revelam

maior recurso às estratégias ativas. A redefinição das definições da privacidade e/ou a

denúncia de uma situação online são ainda pouco frequentes.

51

minimização de riscos e maximização de oportunidades da navegação online das

crianças e jovens.

Diferentes estudos de relevo sobre os riscos e oportunidades online

(Livingstone, Mascheroni, Staksrud, & 2015; UNICEF, 2017a) referem a existência de

uma tensão, não só na literatura disponível mas também nas discussões públicas, entre a

proteção de crianças online e o seu direito à informação e participação: “current public

policy is increasingly driven by overemphasized albeit real, risks faced by children

online, with little consideration for potential negative impacts on children’s rights to

freedom of expression and acess to information” (p.4).

No estudo de oportunidades e riscos online para crianças e jovens, a pesquisa

longitudinal da rede EUKO (2006-2018) tem vindo a proceder à construção de um

modelo para permitir o estudo comparado dos usos da internet e dos media e da sua

relação com os riscos e as oportunidades que as crianças e jovens encontram online. De

seguida, é apresentado o modelo mais recente (cf. Figura 1) e as suas implicações para a

prática da produção de evidências científicas nesta área (Livingstone et al., 2015;

Livingstone, Haddon, Gorzig, & Oláfsson, 2011).

Figura 1 Modelo EU Kids Online revisto

52

Este modelo realça a existência de factores que poderão influenciar a

experiência online de crianças e jovens dividindo-os em três níveis: individual, social e

national. Sendo um modelo centrado na criança, deverá ser interpretado de dentro para

fora: do nível individual para o nível nacional (Livingstone et al., 2011; Hasebrink,

Livingstone, Haddon, & Ólafsson, 2009; Ponte & Simões, 2008).

Ao nível individual, este modelo foca-se de uma forma abrangente na forma

como os usos da internet poderão influenciar o bem-estar das crianças e jovens, quer

positivamente, por via das oportunidades que são proporcionadas e que poderão resultar

em benefícios mesuráveis, ou negativamente, pela exposição a situações de risco que

poderão resultar em danos também mesuráveis. Neste nível, o modelo enfatiza a inter-

relação entre as características demográficas (idade, género, estatuto sócio-económico)

e psicológicas (questões emocionais, auto-eficácia, comportamentos de risco) das

crianças e jovens na caracterização do uso, actividades, risco e experiência de dano

online.

No nível societal, são apresentados os factores sociais que desempenham um

papel mediador nas experiências online de crianças e jovens, nomeadamente, a família,

a escola e os pares. da família (para além da ação das figuras parentais também

irmãos/irmãs e avós tem um papel ativo na socialização para o uso dos media), a escola

(dentro e fora do contexto formal de educação) e os/as pares (sobretudo no que se refere

ao seu papel na socialização para determinadas subculturas, perceções de risco e

oportunidade, estratégias para lidar com o risco).

Por último, no nível nacional são salientados factores tais como a diferenciação

sócio-económica, o enquadramento legal do uso da internet, a infraestrutura

tecnológica, o sistema educativo e os valores culturais. De uma forma geral, este nível

de análise, engloba também o sistema de significados de uma determinada sociedade

onde se incluem, para além dos aspetos referidos, a confissão e práticas religiosas, as

subculturas presentes, as tensões entre liberdade e repressão social e o pânico

mediatizado associado à infância.

Como referido anteriormente, este modelo tem vindo a sofrer várias atualizações

ao longo do tempo ajustando-se aos dados que vão sendo obtidos e à identificação de

novas necessidades ao longo de tempo mas tem vindo a contribuir para ilustrar a

54

adolescente do género feminino. Estes dados apontam que analisando os cerca de 14%

dos/as jovens alvo de solicitações de cariz sexual, este valor revela uma diminuição para

ambos os géneros destes pedidos (11% para raparigas e 5% de rapazes) quando

comparado com dados passados da mesma pesquisa, ainda que as raparigas com idades

compreendidas entre os 14 e os 17 anos continuem a ser o principal grupo alvo.

Igualmente importante são as informações obtidas sobre a forma como os/as jovens

lidam com este tipo de solicitações, tendo sido possível perceber que, nos casos de

solicitações graves (contacto offline regular por email, telefone, solicitação para

encontro real), a maioria dos/as jovens bloqueou a pessoa solicitante ou saiu do

computador (66%), pediu para parar, confrontou ou ameaçou (16%) ou ignorou o

pedido (11%). Dados obtidos num estudo conduzido com professores/as (Davidson &

Martellozo, 2005) indicam que estes/as consideram o trabalho desenvolvido na área da

prevenção da violência sexual online apenas focado no alerta para os riscos virtuais

existentes poderá ser infrutífero se não for articulado com educação sexual mais

alargada sobre abuso sexual e comportamentos sexuais adequados. Assim, a

prevenção de experiências online causadoras de danos deverá ser multifacetada, na

medida em que diversas são as naturezas dos riscos que emergem no espaço virtual,

implicando a intervenção concertada e articulada de diferentes agentes, tais como

famílias, escolas, comunidades, indústrias e governos e uma atenção às vulnerabilidades

das crianças no âmbito online e offline (UNICEF, 2017b).

Porém, o alarmismo em torno do uso da internet pode trazer obscurantismo aos

benefícios da utilização dos espaços virtuais e constituir-se um retrator da agência

juvenil das raparigas. Cassell e Cramer (2008) mencionam que a redução do número de

casos de violência online contra jovens raparigas perpetrada por estranhos, bem como a

história da relação das mulheres com as comunicações e tecnologias, tem vindo a causar

pânico moral e desempoderamento das jovens mulheres em diferentes esferas e a limitar

a sua participação online em espaços e interações importantes para o seu

desenvolvimento, tais como a criação de redes sociais fora da família, a exploração de

identidades alternativas, a experimentação de posições de gestão e liderança (na gestão

de fóruns, blogues, etc.), a descoberta e expressão desejos sexuais, a demonstração de

domínio tecnológico e informático em ambientes virtuais que, em algumas situações, se

constituem envolventes dotadas de maior segurança e privacidade do que determinados

contextos físicos. Também a fact sheet publicada pelo European Institute for Gender

55

Equality (EIGE, 2018) sobre oportunidades e riscos da digitalização juvenil com base

no género sinaliza como medidas necessárias para a promoção de espaços seguros

online o reforço da inclusão da perspetiva de género nas políticas juvenis e digitais, o

reconhecimento do cyberbullying como violência de género e o apoio à plena

participação de jovens mulheres nos espaços digitais.

Desta feita, na abordagem aos riscos e oportunidades online, as perspetivas

apenas focadas na proteção dos/as jovens e, em especial das jovens mulheres, poderão

comprometer não só o pleno exercício dos seus direitos digitais mas também afastá-

los/as de oportunidades de crescimento e resistência associadas às tecnologias e ao

espaço virtual. Macedo (2007 as cited in Cerqueira, Ribeiro, & Cabecinhas, 2009)

enumera as potencialidades do ciberfeminismo na perspetiva de Dona Haraway,

sublinhando que as tecnologias poderão contribuir para a libertação das mulheres uma

vez que concedem oportunidades de redefinição e coexistência de identidades

alternativas livres do corpo.

1.2 O Desenvolvimento Sexual Juvenil na Era Digital

“Although I’m only fourteen, I know quite well what I want, I know who is

right and who is wrong. I have my opinions, my own ideas and principles,

and although it may sound pretty mad for an adolescent, I feel more

of a person than a child, I feel quite independent of anyone”.

Anne Frank

The diary of Anne Frank (2012, p. 149)

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2018) enquadra o período da

adolescência entre os 10 e os 19 anos dividindo-o em dois momentos: um inicial,

compreendido entre os 10 e os 15 anos e, um outro que lhe segue, dos 16 anos em

diante. Compreendida como a transição da infância para a idade adulta, a adolescência

caracteriza-se por um conjunto de transformações biológicas, cognitivas, relacionais,

podendo também ser considerado um período de profundas mudanças sociais já que,

frequentemente, surge associado a uma crescente autonomia relativamente à família, à

entrada no mundo do trabalho e ao estabelecimento de relacionamentos de intimidade.

56

Enquanto transição, a adolescência é algo difícil de captar ou balizar com precisão,

sobretudo no que se refere ao seu início e término, sendo por vezes descrita por

oposição ou comparação com as etapas infantil e adulta do desenvolvimento humano.

Este desafio à sua delimitação torna-se particularmente interessante não só no que

respeita à sua localização exata do ponto de vista teórico mas também na sua aplicação

prática no desenho e opções metodológicas de intervenções junto dos/as jovens e,

naturalmente plasmado, nas vivências, discursos e práticas que nos trazem as suas auto-

perceções de “não ser uma coisa nem outra: não ser criança, nem adulto...”. Este estar a

caminho de ser (adulto/a), uma espécie de projeto on-going de edificação da identidade

foi descrito por Erikson (1968) quando apresentou esta etapa desenvolvimental como

crucial para a descoberta do Self. Lameiras et al. (2013) realçam a necessidade de não

entenderem a adolescência como única e universal para todos/as os/as jovens. Desta

forma, mais correto seria falarmos de adolescências e adolescentes já que esta etapa

ocorre de diferentes maneiras. Kimmel (2008) problematiza também o aparecimento de

uma nova etapa desenvolvimental, a adultescência, uma fase específica posterior à

adolescência mas ainda não totalmente considerada fase adulta, devido ao alargamento

temporal das sociedades contemporâneas. Segundo o autor, os motivos para o

aparecimento desta nova realidade prendem-se com o aumento da esperança média de

vida (e a diminuição da urgência em estabelecer compromissos a longo termo tais como

casamento, aquisição de casa, etc...), as mudanças económicas (altera a linearidade das

trajetori s profissionais), a emergência de estilos parentais “helicopte o” levando a que

as crianças sejam mais relutantes a correr riscos e menos resilientes e às mudanças ao

nível dos papéis sociais femininos que não foram acompanhadas por necessárias

mudanças nos papéis tradicionais de género masculinos.

Contudo, apesar dos desafios que apresenta o estudo da(s) adolescência(s), é

possível identificar alguns aspetos comuns a esta etapa no que se refere às

transformações fisiológicas e psicossociais dos/as jovens adolescentes. Desta feita, se ao

nível fisiológico estas mudanças caracterizam-se pelo despertar sexual, a orientação do

desejo face a outra pessoa e a descoberta da identidade sexual, no plano psicológico,

destaca-se a configuração da identidade pessoal e a edificação do eu face a outras

pessoas muitas vezes acompanhado de ansiedades e dúvidas. Frequentemente, estes

processos são pautados por tensões, pela perda da idealização das estruturas família e

escola (até então detentoras da autoridade) e, consequentemente, implicam um

57

redirecionamento da importância atribuída à família para o grupo de pares que passa a

ser tido em conta como principal referência na esfera social (Alegret, 2005). Torna-se

por isso útil compreender a adolescência com recurso a duas premissas: diversidade e

crise ou conflito. A primeira premissa exige que nas abordagens ao tema da

adolescência sejam tidas em conta três perspetivas (Funes, 2003):

- Diversidade das realidades sociais onde crescem os/as jovens: expressões

estéticas, culturas e subculturas juvenis de pertença, etc.;

- Não uniformização do processo maturativo;

- Diversidade das realidades, nomeadamente, ao nível das diferenças de

género que implicam diversas realidades de adolescências femininas e

adolescências masculinas;

A segunda premissa, diz respeito à crise ou conflito na adolescência, entendidos

com carácter positivo e associados à busca da identidade pessoal e sexual (Funes, 2003;

Lopez & Oroz, 1999). Lopez & Oroz (1999), referem que esta crise é evolutiva e

cultural. Assim sendo, é evolutiva na medida em que traduz as transformações

significativas de vários domínios, influenciando a forma como o/a jovem processa e

interpreta o mundo, as relações sociais que estabelece e as dinâmicas sexuais. Por sua

vez, é também cultural na medida em que, apesar das relutâncias em reconhecer os/as

jovens adolescentes como sexualmente ativos, a sociedade vai progressivamente

aumentando a liberdade para experiências e vivências tais como chegar mais tarde a

casa, passar noites fora de casa, incitar a relacionamentos de intimidade, sem, no

entanto, lhes proporcionar uma educação afetivo-sexual adequada.

Plummer (2010 as cited in McLelland, 2016) faz referência à necessidade de

proceder também a uma “generational-age-embodied analysis of sexuality” (p.176)

considerando que têm vindo a ser necessários estudos geracionais sobre sexualidade já

que, no decorrer do desenvolvimento sexual de uma geração, houve a influência de

fatores políticos, sociais, legais, culturais ou médicos que interagiram na construção

simbólica do seu repertório sexual. Desta feita, é também necessário proceder a uma

tentativa de captação das experiências e significados atribuídos pela geração Z às suas

vivências de intimidade. Apesar desta localização histórica social necessária, e para que

melhor possamos compreender o desenvolvimento afetivo-sexual da Geração Z, será de

59

perspetivas construtivistas em 3 abordagens: minimamente construtivistas,

marcadamente construtivistas e construtivistas radicais.

As primeiras, as abordagens minimamente construtivistas, constituem-se

respostas da psicologia tradicional à formação da identidade de género tendo emergido

sobretudo das correntes psicanalítica, comportamental e cognitiva. Estas abordagens

distanciaram-se pouco das abordagens essencialistas na medida que continuaram

influenciadas pelo determinismo biológico, o binarismo de género e mantiveram o foco

nas diferenças sexuais. As segundas, as abordagens marcadamente construtivistas

reconhecem interação entre sexo e género, transcendendo o predeterminismo e a rigidez

das anteriores e incidem, sobretudo, na influência psicossocial. Resultando de estudos

mais integrais, abertos e flexíveis, reconhece uma retroalimentação entre as categorias

sexo e género e sublinham o papel dos elementos ambientais e socializadores na

configuração da identidade sexuada. Estes contributos são provenientes da filosofia e da

psicologia e foram especialmente influenciados pelos movimentos feministas,

destacando-se dentro destes os contributos do trabalho de Simone Beauvoir (1949/2009)

em torno da desnaturalização do género. O trabalho desta autora fez questão de separar

sexo e género. Assim, problematizando o género como não natural apresentou um

enfoque na cultura e não na natureza para discutir os motivos que levariam as mulheres

a serem consideradas “o segundo sexo”. Simone de Beauvoir combinou influências do

existencialismo e do pensamento feminista para realizar uma denúncia contra a opressão

patriarcal que só poderá ser ultrapassada através da aplicação dos princípios de

liberdade, responsabilidade e individualidade para todas as mulheres.

Por último, as abordagens construtivistas radicais colocam toda a ênfase do

desenvolvimento da identidade de género na dimensão sociocultural da pessoa,

atribuindo grande parte da sua influência à cultura envolvente e considerando-a mutável

e dependente da subjetividade humana. Assim, o género varia de acordo com os

significados e interpretação que o entorno social e histórico atribuiu ao sexo biológico

mas delegando livre e voluntariamente à pessoa a construção da sua identidade de

género.

61

simultaneamente, significados sobre o que é ser jovem rapaz e rapariga. Várias destas

mensagens sociais de género estão imbuídas de conceções, expectativas e repertórios

comportamentais que determinam a forma como os/as jovens pautam os seus

comportamentos de acordo com o seu sexo biológico, ou seja, desenvolvendo

interesses, gostos, vocações que poderão estar, em maior ou menor extensão,

alicerçados em representações de género tradicionais e localizadas num dado momento

sociocultural e histórico. Estas representações constituem a base das construções

sociais de masculinidade e feminilidade e, por conseguinte, também poderosíssimos

prescritores de formas de ser-estar-relacionar socialmente mais aceites.

A construção das masculinidades

Um dos primeiros e mais influentes trabalhos no estudo das masculinidades é o

livro da australiana Raewyn Connell, publicado em 1995, intitulado Masculinities. Esta

obra oferece uma perspetiva feminista crítica sobre a construção da identidade

masculina e advoga a existência de diversas masculinidades relacionadas com diferentes

posições de poder e expectativas numa sociedade de privilégio masculino sobre

mulheres mas também hierarquizada entre rapazes e homens. Connell (1995) começa

por argumentar que, apesar de todas as sociedades terem expectativas relacionadas com

o género, nem todas têm o conceito de masculinidade. Desta feita, este conceito parece

estar relacionado com o conceito de feminilidade, obrigando a que as masculinidades só

possam ser entendidas na relação com as feminilidades: “masculinity and femininity are

inherently relational concepts, which have meaning in relation to each other, as a social

demarcation and a cultural opposition” (Connell 1995, p. 44). Indo um pouco mais além

nesta explicação, Paechter (2006) caracteriza-a de dual, na medida em que a

masculinidade se constituiria como aquilo que os rapazes e os homens fazem e a

feminilidade aquilo que fazem outros/as. Estas construções sociais exigem por isso um

enquadramento numa reflexão mais alargada sobre políticas de género entre homens e

mulheres e entre homens e homens tal como refere Kenway & Fitzclarence (1997). Por

este motivo Connell (1995) sublinha a necessidade de focar o trabalho de compreensão

da construção social da masculinidade nos processos e relações que homens e mulheres

estabelecem entre si e na forma como experimentam vidas genderizadas, acabando por

se referir também a um outro importante termo denominado masculinidade hegemónica.

62

A autora descreve a masculinidade hegemónica de uma forma simultaneamente

dominante e dominadora de ser homem: por via do exercício da influência e autoridade

no estabelecimento de relações dominação-subordinação de género e relativamente a

outras expressões de masculinidade, legitimando o patriarcado. Estas diferentes

expressões de masculinidade, denominadas de masculinidades subordinadas, são alvo

de repressão e opressão pelo grupo hegemon co que as “expulsaria do círculo da

legitimidade masculina” (p. 79).

Após terem sido alvo de críticas, Connell e Messerschmidt (2005) procederam à

revisão do conceito, reformulando que o cerne do conceito de masculinidades

hegemónicas deveria continuar a ser a pluralidade de masculinidades existentes e a

hierarquização entre elas e que o foco da sua compreensão deveria ser a hegemonia

criada e predominante em vez da sua redução ao exercício de dominação.

Acrescentaram ainda que esta hegemonia poderá não traduzir o completo quotidiano de

rapazes e homens, mas está presente na exaltação de figuras de referência e autoridade

masculina, mesmo que a maioria dos rapazes e homens não consiga responder ao

padrão imposto por estas expectativas.

De uma forma geral, e localizado no contexto ocidental, a uma masculinidade

hegemónica estão associadas ideias de força e resistência física, coragem e competição,

auto-controlo e confiança, maior domínio de competências instrumentais e de

performance pública e uma neutralidade emotiva por afastamento de ideias

diametralmente opostas de fragilidade, dependência, irracionalidade e emotividade

associadas ao género feminino. Nesta lógica, a definição da masculinidade hegemónica

faz-se por afastamento do que constitui o feminino, desvalorizando-o (Kenway &

Fitzclarence, 1997). Por outro lado, Thorne (1993) alerta para o viés de considerarmos

masculino certos aspetos que surgem em grupos dominantes em determinadas situações

e para a utilidade de falarmos nessa pluralidade enquanto masculinidades

hegemónicas/dominantes ou subalternas. Esta constatação permite-nos perceber, por

consequência, também a existência de grupos subalternizados (entre rapazes e homens)

resultantes de complexas interseções de variáveis. Desta feita, tal como alertam Coston

e Kimmel (2012) no trabalho realizado por homens com diversidade funcional,

homossexuais e da classe trabalhadora sobre as estratégias para reduzir, neutralizar ou

resistir à marginalização provocada pelas exigências dos padrões da masculinidade

63

hegemónica, a abordagem do privilégio social não deverá ser reduzida às duas posições

diametralmente opostas, de com ou sem privilégio. A sua compreensão exigirá assim

ser complexificada por via da análise da influência de outras variáveis tais como:

disability status, a sexualidade e a classe.

Debruçando-se sobre as suas dinâmicas, Brannon (1976) sistematiza quatro

regras de manutenção da masculinidade: “nada de mariquices, sê o maior, faz-te forte e

dá-lhes o inferno” (as cited in Kimmel, 2008, p.45-46) que parecem desincentivar os

jovens rapazes a desempenharem algum comportamento que possa remotamente

associar-se à do outro género, sob risco de não serem considerados verdadeiros homens

e a equiparar a riqueza financeira a poder. Estas “silenciosas” regras de masculinidade

parecem estar a contribuir para um empobrecimento das relações e interações sociais

entre mulheres e homens uma vez que não acompanham as mudanças ao nível dos

papéis tradicionais do género feminino, facilmente colidindo com a alteração de

algumas expectativas sociais provenientes das conquistas e passos emancipatórios dos

movimentos feministas.

Estando a igualdade de género comprometida com o combate a uma matriz

opressora machista, importa alertar que esta influencia negativamente a vida de todas as

pessoas, conduzindo-os a situações de desigualdades social, política e económica e

retirando a liberdade individual e coletiva. O distanciamento de uma masculinidade

hegemónica significa também o afastamento de uma posição social de poder, ainda que

simbólico, no seio das relações interpessoais (Paechter, 2006). A sua manutenção, por

outro lado, acarreta várias consequências no plano individual, interpessoal e coletivo

também denominadas de masculinidade tóxica. Apesar de não ser possível encontrar

uma definição comum de masculinidade tóxica, o termo pretende espelhar a

interconexão de normas, crenças e comportamentos associados à masculinidade que

poderão causar danos a mulheres, outros homens e a crianças. A denominação “tox ca”

relaciona-se assim com o potencial dano que poderá advir destes discursos e práticas

para o seu entorno (Sculos, 2017) como por exemplo, o assédio sexual, entendido por

Robinson (2005) como uma expressão de legitimação e reforço do status público e

privado da masculinidade hegemónica. Heilman e Barker (2018) consideram que esta

identidade e normas masculinas estão intimamente relacionadas com a violência

perpetrada ou sofrida por homens, sendo o grupo que apresenta uma maior

64

probabilidade de cometer crimes de violência, mas também de ser vítima de homicídio

ou suicídio. Mais ainda, identificam cinco processos de construção de masculinidades

que poderão aumentar a probabilidade de rapazes e homens experienciarem violência

por via da sua perpetração ou vitimação:

- Reconhecimento social da sua masculinidade: um processo que não só

exige a confirmação desse reconhecimento por parte de outros/as mas

também a sua constante reconfirmação;

- Policiamento da performatividade masculina: processo de vigilância da

performatividade de rapazes e homens em comparação com um ideal do

que é ser homem;

- “Genderização” do coração: silenciamento e redução da expressão

emocional dos jovens rapazes desde muito cedo no seu desenvolvimento

a uma conformidade com certas expressões consideradas apropriadas ao

género masculino;

- Divisão de espaços e culturas segundo o género: alguns espaços e

culturas decorrem da divisão de géneros propiciando oportunidades para

o ensaio e aprendizagem de comportamentos violentos;

- Reforço do poder patriarcal: por via da violência enquanto processo que

garante a manutenção do privilégio masculino sobre as mulheres e sobre

homens com expressões de masculinidade que não coincidem com os

padrões tradicionais e hegemónicos.

A construção das feminilidades

Como referido anteriormente, apesar de Connell (1995) considerar que o

conceito de masculinidade está intimamente relacionado com o conceito de

feminilidade obrigando a que as masculinidades só possam ser entendidas na relação

com as feminilidades, Paechter (2006) acredita que esta relação é de natureza dual, ou

seja, que não retrata dois termos que se relacionam em igualdade mas sim uma interação

onde um, a feminilidade, é negado para a tentativa de definição do outro termo

relacionado. Na verdade, vários/as autores/as definiram a feminilidade por ausência de

masculinidade (Kessler & McKenna, 1978). Para Paechter (2006) a construção social da

feminilidade afasta-se bastante do anteriormente abordado sobre construção da

65

masculinidade uma vez que, durante o seu processo de produção, não propicia o acesso

a posições de poder nem garantem a manutenção do patriarcado. Assim sendo, não

podemos falar de feminilidades hegemónicas, na medida em que a hegemonia implica a

ocupação de um lugar de poder. A hiperfeminilidade seria então o que a autora entende

como uma posição desprovida de poder sendo o resultado da relação dual com as

masculinidades que a “branquearam”, mas também do “reinado” das estruturas

patriarcais. Por outro lado, Schnurr, Zaysts e Hopkins (2016) não concordam com este

posicionamento sugerindo que a utilização do conceito feminilidade hegemónica poderá

demonstrar-se de grande interesse, sobretudo nos estudos sociolinguísticos para a

compreensão de realidades de determinadas mulheres (no caso deste estudo, das

mulheres que acompanham os seus maridos executivos expatriados em Hong Kong). No

seu trabalho diferenciam o carácter interno das feminilidades hegemónicas, ou seja,

sendo apenas dominantes em relação a outras feminilidades e não representando uma

posição de poder na ordem de género social, como por exemplo, feminilidades mais

relacionadas com maternidade constituem-se dominantes face a outras mais orientadas

para a carreira profissional, porém subalternas e legitimadoras de masculinidades

hegemónicas. Por este motivo, Kenway e Fitzclarence (1997) subscrevem a necessidade

de maior estudo sobre as feminilidades, nomeadamente as que se caracterizam por uma

maior subserviência, autossacrifício, abnegação relativamente ao género masculino uma

vez que poderão reforçar a expressão de masculinidades hegemónicas.

Se, por um lado, o distanciamento de uma masculinidade hegemónica significa

também o afastamento de uma posição social de poder, ainda que simbólico, no seio das

relações interpessoais. o distanciamento de uma feminilidade repleta de representações

estereotipadas de género significa o seu oposto, ou seja uma rejeição do

desempoderamento decorrente desta posição social (Paechter, 2006). A pesquisa de

Tolman, Impett, Tracy e Michael (2006) tentou perceber as relações entre a

interiorização de ideologias de feminilidade tradicionais, nomeadamente no que se

refere à inautenticidade no relacionamentos e à objetificação do corpo e a saúde mental

das jovens raparigas. Os dados desta pesquisa indicam a existência de uma relação entre

objetificação do corpo e baixa autoestima e humor depressivo. Adicionalmente,

constatou-se que a inautenticidade nos relacionamentos e a objetificação do corpo são

responsáveis por 50% da variação dos valores de humor depressivo e dois terços da

variação da autoestima. “Parecer bem” e “soar bem” são, na opinião das autoras,

66

estratégias ensinadas às jovens raparigas para o desejado êxito no cumprimento dos seus

papéis tradicionais de género que comprometem o bem-estar psicológico e diminuem o

seu “estar/sentir bem”. Por este motivo, é necessária uma educação promotora de uma

reflexão mais crítica sobre os custos da transmissão destas estratégias.

Ainda que de forma controversa, Paechter (2006) advoga que para tentar repor a

igualdade na relação dos conceitos de feminilidades e masculinidades seria aconselhado

admitir que ainda estamos longe de ultrapassar o binarismo de género na medida em

que menos frequentemente uma pessoa se define de outra forma. Porém, seria

importante compreender que a identidade de género apenas se refere à autoperceção

sobre ser homem, mulher ou outra categoria e pouco indica sobre a construção da

masculinidade ou feminilidade de uma pessoa.

A escola promotora de diferentes masculinidades e feminilidades

Estando a escola comprometida com a educação de cidadãos e cidadãs, mas

sendo também um espaço onde se verifica um alastramento de atos de violência, é

urgente refletir de que forma podem estes espaços implicar-se na construção de

masculinidades e feminilidades mais plurais. A escola é um dos principais agentes de

socialização na infância e é neste processo que se desenvolve uma importante parte da

construção das identidades basta para isso olhar para o jogo, como nos propõem Marín

(2018), enquanto uma atividade que pratica projetos de género para o futuro nos

processos de identificação (p. 38).

Para isto, é necessário que as intervenções realizadas possam ir além do carácter

universal, frequentemente comum à prevenção, mas possam operar ao nível dos

sistemas ideológicos e de valores escolares (Kenway, Fitzclarence, & Fahey, 2010).

Apesar de a escola apresentar um potencial enorme na prevenção da violência e na

desconstrução de masculinidades e feminilidades restritas e socialmente castradoras, a

questão central e, talvez mais difícil de explorar, são as formas que deverão adotar para

este fim.

Robinson (2005) aponta a necessidade de as escolas colocarem nas suas

prioridades o combate à violência de género e ao assédio em meio escolar enumerando

algumas das necessidades ao nível da prática educativa recomendando uma aposta

67

consistente na desconstrução de discursos que reforcem a masculinidade hegemónica e

o binarismo de género simultaneamente subalternizando expressões que se afastam dela.

Esta desconstrução, acrescenta, deverá ser conduzida através de programas que

promovam: 1) a credibilidade de outras masculinidades alternativas, nas quais se

incluam masculinidades não-heterossexuais e menos violentas; 2) a consciencialização

sobre a relação entre a masculinidade hegemónica e o fenómeno de violência sexual; 3)

a capacidade dos/as jovens se compreenderem em constante mudança e reconhecerem a

constante negociação e renegociação de status nas suas relações interpessoais.

Também Marín (2018) enumera tarefas para a desconstrução da masculinidade

hegemónica destacando a valorização da ética de cuidado que incluiu a preocupação e a

responsabilidade pelo/a outro/a, a exploração das masculinidades enquanto modelo de

humanidade de forma a melhor perceber a necessidade de uma cedência de privilégios e

a preparar um tempo sem visibilidade ou reconhecimentos, a disputa dos mitos e

crenças associados à masculinidade hegemónica, o aprofundamento das masculinidades

enquanto subjetividades naturalmente associadas ao poder com impacto no corpo e, por

último, o combate à violência masculina e aos seus privilégios.

Torna-se por isso necessário uma cultura escolar que não subscreva e apoie

masculinidades hegemónicas que naturalizam a violência e a subalternidade do género

feminino. Da mesma forma são necessárias abordagens educativas que não façam uma

intervenção meramente racional sobre a violência nem reforcem o privilégio social do

masculino rejeitando simultaneamente estruturas de organização em torno de relações

opressivas entre crianças e adultos. Também o desenvolvimento de juízos críticos

juvenis que possam alicerçar as competências de autonomia e responsabilidade das

crianças e dos/das jovens e o combate à marginalização de grupos específicos dentro da

comunidade escolar, evitando a sua discriminação, são urgentes e necessários para uma

intervenção escolar que possa construir masculinidades e feminilidades capazes de

conviver em situação de igualdade (Kenway et al., 2010). A par da importância dos

contextos escolares na socialização de crianças e jovens, o subcapítulo que se segue visa

também estimular a reflexão sobre o papel de socialização desempenhado pelos media

no processo de desenvolvimento afetivo sexual juvenil.

69

trabalhos de Marín (2015) e Marín e Vásquez (2014) consta-se que em vários jogos as

personagens femininas são poucas, apresentam imagens corporais altamente

sexualizadas ou mesmo vestuário não condicente com os cenários de jogo e reforçam

papéis tradicionais de género (por exemplo a necessidade de ser salvas). Por outro lado,

as personagens masculinas respondem a padrões hegemónicos associados a perpetuação

de estereótipos sobre poder (conseguir um bom carro, boas roupa), à busca de sexo e ao

reforço da auto-estima através da violência contra as mulheres. Estas possibilidades, de

cenários sedutores e irrealistas, incorporam as mulheres numa cultura de consumo

perpetuando visões sobre a sexualidade alienadas, mercantilizadas e narcisistas. Esta

realidade tem também vindo a ser alvo de denúncias por parte da Amnistia Internacional

(2004) que verifica que vários videojogos remetem as mulheres para personagens

passivas ou vítimas da história que enquadra o jogo. Neste sentido os seus papéis são

frequentemente secundarizados e invisibilizados ou tornam-se vítimas da submissão aos

desejos masculinos que, em alguns videojogos, culminam em violações, torturas ou

assassinatos.

Porém, se por um lado o espaço virtual veicula desigualdades através da

linguagem e de meios potenciadores da fetichização e sexualização dos corpos

femininos contribuindo para a manutenção da cultura patriarcal no espaço online

(Menezes & Cavalcanti, 2017) é, simultaneamente, como indicam Buhi, Daley,

Fuhrmann e Smith (2009) o espaço onde os/as jovens mais procuram informações sobre

saúde sexual, sendo estas mais procuradas do que qualquer outro tipo de informação.

É por isso crucial tomar em consideração esta dupla responsabilidade dos media.

Assim sendo, importa perceber de que forma estes dois aspetos do mundo online

poderão interagir combatendo ou perpetuando papéis sexuais de género e desigualdades

na intimidade dos/as jovens tendo em conta que, quando desprovidos de uma educação

para a sexualidade holística, integral e de qualidade promovida pelos principais agentes

educativos (família e escola), recorrem à internet como substituto de referência.

Em primeiro lugar importa, tal como sugere o Report of the APA Task Force on

the Sexualization of Girls (APA, 2007), distinguir entre sexualidade saudável e

componentes do processo de sexualização. Assim, tal como se descreve:

70

A sexualidade saudável é uma componente importante da saúde física e

mental, promove a intimidade, a ligação emocional e o prazer compartilhado,

e envolve o respeito mútuo entre parceiros que consentem (Satcher, 2001;

COnselho de Educação e Informação sobre Sexualidade dos Estados Unidos

[SIECUS], 2004). Por outro lado, a sexualização ocorre quando: o valor de

uma pessoa provém apenas da sua atratividade ou comportamento sexual, em

detrimento de outras características; uma pessoa é mantida em um padrão

que iguala a atratividade física (definida estiratmente) a ser sexy; uma pessoa

é sexualmente objetivada – isto é, transformada em algo para uso sexual de

outras pessoas, em vez de ser vista ocmo uma pessoa com capacidade de

ação e tomada de decisão independentes; e/ou a sexualidade é

inadequadamente imposta a uma pessoa. (p.1)

Este relatório deixa claro que rapazes e raparigas, homens e mulheres podem ser

sexualizados/as e que para que a sexualização ocorra pode estar presente apenas uma

das condições acima referidas.

Os impactos da sexualização de jovens raparigas podem fazer-se sentir em

diferentes áreas, podendo estar associados à diminuição da saúde física, mental e sexual,

comprometimento cognitivo, ansiedade e insatisfação relacionada com a imagem

corporal, construção de crenças e atitudes estereotipadas sobre feminilidades e papéis

sexuais femininos e contribuir para a exploração sexual de raparigas. Sublinhe-se

também que estes impactos se fazem sentir nos rapazes e homens uma vez que

conduzem à construção de ideais femininos irracionais e que se constituem como

obstáculos ao seu investimento na construção de relacionamentos íntimos satisfatórios.

A sexualização de jovens raparigas tem impacto também nas mulheres adultas na

medida em que também idealiza a juventude enquanto a única etapa de vida repleta de

vitalidade e aparência física capaz de responder a padrões de beleza tradicionais. Por

último, os principais impactos sociais prendem-se com a manutenção de sexismo das

relações sociais de género e a perpetuação de desigualdades nos diferentes âmbitos

sociais, e consequentemente, a proliferação do assédio sexual no contexto escolar,

violência de género e a exploração sexual de raparigas (APA, 2007).

Em segundo lugar, é crucial problematizar os dados da procura de informação

sobre conteúdos relacionados com saúde sexual juvenil online e perceber como poderão

71

os meios digitais constituir-se veículos de informação adequada e pertinente para os

jovens (Saskatchewan Prevention Institute, 2015).

A procura de informação sobre saúde sexual online permite aos/às jovens uma

exploração dos conteúdos com privacidade e à medida das necessidades individuais. No

entanto, apesar de os/as jovens revelarem preocupação com a qualidade e rigor da

informação de carácter sexual que procuram, existe pouco conhecimento sobre quais as

fontes online, em que medida a pornografia é considerada uma fonte de informação

credível (Livingstone & Mason, 2015) e qual o impacto desta pesquisa (Saskatchewan

Prevention Institute, 2015). Não obstante, “os novos” media proporcionam o acesso

dos/as jovens a informação e discussões sobre uma maior diversidade de

comportamentos sexuais e conduzem-nos/as a familiarizarem-se com temas que podem

causar desconforto ou embaraço, com os seus próprios corpos e aprendizagens sobre

diferentes práticas sexuais (Boyar et al., 2011; Brown et al., 2009; Levine, 2009 as cited

in Saskatchewan Prevention Institute, 2015).

Esta informação é relevante para todos/as os/as jovens mas adquire especial

importância para jovens provenientes de meios socioeconómicos mais desfavorecidos e

para a juventude LGBTQI+ (Livingstone & Mason, 2015). Tal como defendem Van

Doorn e Van Zoonen (2008), ao mesmo tempo que a internet reforça ideias tradicionais

sobre mulheres e homens, permite a transgressão às masculinidades e feminilidades (as

cited in Cerqueira et al., 2009)

Uma das questões centrais a ser problematizada prende-se com a exposição

dos/as jovens não só à informação sobre saúde sexual mas também a outro tipo de

conteúdos sexuais, de forma intencional ou não, tais como a pornografia que tendem a

veicular scrips sexuais tradicionais de género. Estes scripts implicam necessariamente

que as raparigas se vejam confrontadas com a escolha entre performances hiper-

feminilizadas ou fora do socialmente esperado. De igual modo, também a exposição dos

rapazes ao reduzido repertório comportamental das masculinidades hegemónicas,

encoraja a uma performance de género emocionalmente esvaziada e, eventualmente,

mais agressiva. A exposição a este tipo de conteúdos tende a reforçar expectativas

irrealistas e duplos padrões para rapazes e raparigas (Livingstone & Mason, 2015).

72

De forma a melhor cuidar do desenvolvimento afetivo-emocional e dos direitos

juvenis sexuais, é necessário a inclusão de estratégias políticas que incorporem

(Livingstone & Mason, 2015):

- O reconhecimento de direitos: resultantes do uso da internet tais como o

direito à informação, expressão e experiência e o direito à associação

contemplados na Convenção dos Direitos da Criança;

- O reconhecimento da voz e opinião de crianças e jovens: por via da

audição, auscultação e incorporação das suas opiniões nos debates e

recolha de informação e a sua participação da delineação de estratégias

educativas sobre esta matéria;

- Melhorias educativas: a inclusão de uma educação sexual abrangente e

compreensiva nos curricula desde cedo, garantindo a articulação de

conteúdos sobre saúde sexual e reprodutiva bem como o acesso à

educação noutros domínios tais como emoções, consentimento,

identidade, dinâmicas relacionais saudáveis e não saudáveis, fontes de

informação de qualidade e ferramentas de análise crítica sobre os media;

- Apoio parental: promovido por entidades governamentais e escolares que

possam dotar as figuras parentais não só de conhecimento e competência

para acompanhar o desenvolvimento afetivo-sexual dos/as jovens, mas

também recursos e ferramentas adequadas que possam capacitar esta

tarefa;

- Políticas apoiadas em evidência empíricas e um investimento na

investigação e desenvolvimento de abordagens de capacitação das

figuras parentais no acompanhamento e promoção de usos adequados das

tecnologias de informação de crianças e jovens;

- Investigação qualitativa com foco nas perspetivas e opiniões juvenis

sobre a temática.

Capítulo 2

Violência 2.0 nos Relacionamentos de Intimidade

Juvenil

75

Sinopse

Este capítulo debruça-se sobre a violência nos relacionamentos de intimidade

juvenil pretendendo captar e caracterizar a emergência de formas de vitimação

associadas ao mundo online e à utilização de dispositivos tecnológicos. Adicionalmente,

tem como objetivo reflectir sobre a importância da participação juvenil nas políticas

públicas de combate às desigualdades de género na intimidade. De forma a cumprir

estes objetivos, o presente capítulo divide-se em três partes.

A primeira parte explora os relacionamentos de intimidade juvenil partindo de

uma reflexão sobre a intimidade na pós-contemporaneidade e as suas (re)configurações.

Neste sentido, desde os valores contemporâneos são abordadas as mudanças que se

fazem sentir na esfera da intimidade e a emergência de novas formas e terminologias

descritivas associadas aos relacionamentos de intimidade sendo também problematizada

a necessidade de alargamento do termo de relações de namoro para melhor capturar e

compreender a(s) realidade(s) juvenil.

Na segunda parte é feita uma incursão na violência na intimidade juvenil

partindo de uma redesenha sobre a sua prevalência a nível internacional e nacional e

enquadrando-o fenómeno na abordagem feminista, aprofundando em particular o papel

das crenças e atitudes juvenis face à violência no namoro e dos mitos sobre o amor e

posteriormente, a ciberviolência nos relacionamentos de intimidade juvenil. De

seguinda são abordados os dados sobre comportamentos de sexting juvenil, as

motivações e atitudes associadas assim como os seus riscos e consequências quando

relacionados com situações de abuso digital na intimidade.

Por último, termina com uma terceira parte dedicada à participação juvenil nas

políticas públicas de combate à violência nos relacionamentos de intimidade, iniciando-

se com uma localização do direito a uma vida livre de violência no âmbito da cidadania

de intimidade, mapeando directrizes e políticas no território português de promoção de

igualdade de género e apresentando diferentes modelos de promoção da participação

cívica juvenis, os seus constrangimentos e potencialidades e, por fim refletindo acerca

da invisibilidade da participação cívica das raparigas.

77

nomeadamente, da valorização do desenvolvimento técnico e do individualismo, mas de

uma forma ainda mais proeminente (Cruz, 2013). Para descrever a atual fase de Pós-

modernidade, o filosofo recorre ao prefixo “hiper” para ilustrar uma era de crescimento

em massa do consumo e dos valores individualistas: o hiperconsumo e o

hipernarcisismo emerge no cerne de uma Modernidade “ao quadrado ou superlativa”

(p. 49) e organiza-se em torno das transformações sentidas no domínio democrático-

individualista e nas dinâmicas do mercado económico e da tecnociência. Este

crescimento desmesurado é experimentado então em todas as esferas de vida da pessoa,

impondo-se não só na área económica e tecnológica, mas também na social e individual,

através de um vertiginoso aumento de manifestações que compõem uma atual cultura de

excesso(s): redes sociais, ciberespaço, pornografia, desportos radicais, comportamentos

de risco, obesidade, entre outras (Lipovetsky & Serroy, 2009).

Face à incapacidade de acompanhar e/ou travar a rapidez da modernização à sua

volta, as pessoas desenvolvem vazios que coexistem com a “espetacularização” do

meio que as rodeia. Estes vazios impulsionam buscas individuais de sentido,

valorização do Eu e supressão de desejos individuais por via da massificação do

consumo e dos meios de comunicação (Lipovetsky & Charles, 2004).

Nesta compreensão da Hipermodernidade, importa também proceder à distinção

entre os constructos de individualismo e egoísmo, já que são frequentemente utilizados

como sinónimos em abordagens de caráter moral. Na abordagem antropo-histórica que

propõe, Lipovetsky refere-se ao individualismo enquanto a soberania da pessoa as leis e

sobre si mesma, tornando-a assim, livre e igual a todas as outras pessoas e a reguladora

da sua vida. Neste sentido, o individualismo aproxima-se mais do constructo liberdade

e menos do de egoísmo, que diria mais respeito à valorização do Eu em detrimento

detrimento da valorização do Outro (Fronteiras do pensamento, 2019).

Tal como escreve Sébastien Charles na introdução que faz ao pensamento de

Lipovetsky, “Os indivíduos hipermodernos são ao mesmo tempo mais informados e

mais desestruturados, mais adultos e mais instáveis, menos ideológicos e mais

tributários das modas, mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e mais

superficiais, mais cépticos e menos profundos” (Lipovetsky & Charles, 2004, p. 27).

78

Este hipernarcisismo suplanta o individualismo dos anos pós-modernos, como

nos explicam Lipovetsky e Charles (1994):

O que mudou principalmente foi o ambiente social e a relação com o

presente. A desagregação do mundo da tradição é vivida não mais sob o

regime da emancipação, e sim sob o da tensão nervosa. É o medo que

importa e o que domina em face de um futuro incerto; de uma lógica da

globalização que se exerce independentemente dos indivíduos; de uma

competição liberal exacerbada; de um desenvolvimento exacerbado das

tecnologias da informação; de uma precarização do emprego; de uma

estagnação inquietante do desemprego num nível elevado. Nas décadas

de 60 ou 70, quem teria pensado em ver nas ruas, como se vê hoje, um

Narciso de vinte anos a defender a sua aposentadoria quarenta anos antes

de beneficiar dela? O que poderia ter-se assemelhado estranho ou

chocante no contexto pós-moderno nos parece hoje perfeitamente

normal. Narciso é doravante corroído pela ansiedade; o receio se impõem

ao gozo, e a angústia, à libertação. (p. 28)

A exaltação do individualismo nas sociedades hipermodernas conduz,

irremediavelmente, à diminuição das experiências e forças comunitárias, debruçando-se

a pessoa mais sobre si mesma e, consequentemente, aumentando a sua fragilidade e

perceção de isolamento. A visão do autor não demoniza a era hipermoderna, porém

alerta-nos para o paradoxo que esta encerra, vislumbrado nesta dualidade o vazio e o

excesso, isto é, quanto mais vazio, mais desejo.

Com uma visão significativamente menos otimista, apresentam-se os contributos

sobre a Pós-modernidade de Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polaco, que se

debruçou sobre a compreensão e análise das sociedades modernas e das transformações

sociais decorrentes dos avanços tecnológicos. Neste subcapítulo, colocou-se o foco na

sua análise sobre as mudanças operadas nos relacionamentos de intimidade que foram

alvo de ampla exploração em duas das suas principais obras: Amor Líquido, sobre a

fragilidade dos laços humanos (Bauman, 2004), e Vida para Consumo, acerca da

transformação das pessoas em mercadoria (Bauman, 2007).

79

Bauman (2007) reflete sobre o impacto da modernidade, caracterizada pela

rapidez, mudança, imprevisibilidade e incerteza, considerando que influencia

negativamente a qualidade dos relacionamentos humanos (quer da pessoa consigo

mesma, quer com os/as outros/as). O autor distingue duas épocas na Era Moderna: a

modernidade pesada ou sólida e a modernidade leve ou líquida. A primeira época

inspirou-se nos valores humanistas e da revolução francesa, foi introduzida pelas

mudanças ligadas ao capitalismo e pretendeu romper a organização social tradicional

que oferecia poucas oportunidades à mobilidade social de pessoas. A esta época seguiu-

se a modernidade líquida, que espelha uma atualidade pautada pela inexistência de

certezas, outrora vividas, em constante avanço científico e tecnológico. A escolha da

metáfora líquida tem como objetivo o retrato de uma realidade fluída, em constante

mudança e facilmente adaptável a qualquer nova forma envolvente, relativamente aos

seus valores, regras e ideais. Estas características generalizam-se também nas relações

interpessoais estabelecidas, reconfigurando-se em conexões humanas mais frágeis,

instáveis e com maior potencial de serem rompidas. Tal como descreve Bauman (2004,

p. 6): “A modernidade líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade

dos laços humanos – um amor líquido. A segurança inspirada por essa condição

estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los

frouxos”.

Nesta cultura imediatista e de curto prazo, a satisfação de desejos e necessidades

humanas devem ser obtidos o mais rapidamente possível, deteriorando processos

humanos de organização, planificação e investimento a longo prazo, ora reproduzindo,

ora tornando-se uma extensão da sociedade de consumo (Bauman, 2007).

Já no campo da aplicação dos seus anteriores contributos às mudanças que se

faziam sentir nos relacionamentos de intimidade, o autor cunha o termo “amor líquido”

que se prende com a angústia e ambivalência afetivas experienciada pelas pessoas: se

por um lado buscam as outras devido ao medo de solidão, por outro mantêm uma

distância que permita estar pronto e aberto para outras potenciais oportunidades

relacionais.

Ilustrando homens e mulheres contemporâneos, Bauman (2004) descreve:

80

(...) desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos

e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do

convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de

aflição, desesperados por “relacionar-se” e, no entanto desconfiados da

condição de “estar ligado” em particular de estar ligado

permanentemente para não dizer eternamente, pois temem que tal

condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram

aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a

liberdade de que necessitam para (...) relacionar-se (...). No nosso mundo

de furiosa “individualização”, os relacionamentos são bênçãos ambíguas.

Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando

um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares

coabitam embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário

da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais

comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da

ambivalência. (p. 9-10)

O acesso incondicional a novas oportunidades relacionais que se afigurem como

mais interessantes e apelativas, facilita a substituição sucessiva de ligações anteriores

menos satisfatórias retrata a fragilidade dos laços afetivos estabelecidos na era líquida e

a génese da velocidade e angústia que pautam a fragmentação dos vínculos sociais

atuais.

Neste sentido, Bauman (2004) indica que as relações online podem ser uma

armadilha na medida em que os relacionamentos interpessoais na Era Moderna tendem

a reconfigurar-se, podendo ser vividos a partir de modelos de mercado, ou seja,

apoiando-se no mesmo desejo de consumo individual da relação consumidor/a-produto.

Assim, esta log ca de mercado procede a uma “colonização” (p. 35) dos

relacionamentos humanos, estendendo-se e estruturando o seu estabelecimento,

manutenção e rutura (Bauman, 2007).

Em contraste com o passado:

as relações online (...) parecem feitas à medida para o líquido cenário da

vida moderna, em que se espera e se deseja que as possibilidades

82

expressões tais como o ficar (Ribeiro, Avanci, Carvalho, Gomes, & Pires, 2011), mais

frequente na literatura e estudos disponíveis em português do Brasil, ou o hook-up, mais

recorrente nos estudos em língua inglesa, povoam os discursos dos/as jovens referindo-

se, também estas, a construções íntimas juvenis. Não só nas línguas portuguesa e

inglesa ocorre esta pluralidade semântica, mas também Hamby, Nix, De Puy e Monnier

(2012), no âmbito de uma avaliação da adaptação cultural de um programa de

prevenção de violência no namoro, de origem americana, referem a não existência de

uma palavra em francês suíço com significado equivalente a dating. Os/As jovens e

profissionais suíços/as participantes nos focus groups conduzidos para este efeito

preferiram a utilização de termos em língua francesa mais casuais e com menos

compromisso que dating para se referirem a relacionamentos de intimidade juvenis.

Os/as mesmos/as autores/as verificaram que, apesar de amplamente utilizado nos EUA,

a designação de namorado ou namorada, tem vindo a ser substituída por novas

expressões emergentes tais como significant other, partner, long term companion (p.

40). Esta não correspondência dos termos utilizados na adaptação de programas de

prevenção a diferentes realidades culturais e às transformações contemporâneas poderá,

inevitavelmente, condicionar o alcance e propósitos dos mesmos. Ainda que

permaneçam em número escasso, o interesse sobre estas nuances discursivas, bem como

pelas diferentes perceções e significados juvenis atribuídos, tem levado a um aumento

do número de estudos sobre diferentes interações íntimas.

Deste facto, são exemplo os estudos sobre a “hook up culture”, a maioria dos

quais provenientes dos E.U.A e conduzidos com jovens universitários. Este termo diz

respeito a um vasto leque de comportamentos de intimidade que poderão variar entre

beijar a ter relações sexuais, usualmente, com um/a parceiro/a com a qual não se

vislumbra uma relação íntima de maior compromisso. Desta feita, constitui-se uma

forma de estabelecer relacionamentos de intimidade alternativos às tradicionais relações

de namoro (Recalde, 2016), sendo frequentemente motivado pela gratificação sexual

(Owen, Fincham, & Moore, 2011) e representando uma mudança na abertura e

aceitação de relações sexuais não comprometidas (Garcia, Reiber, Massey, &

Merriwether, 2012). Garcia e Reiber (2008) apresentam uma definição de hook up:

é uma interação sexual espontânea na qual: 1) as pessoas estão

explicitamente numa relação romântica não tradicional um/a com o/a

83

outro/a (como por exemplo, não namoram), 2) não existem acordos à

priori sobre os comportamentos a ocorrer, e 3) explicitamente não existe

uma promessa de um relacionamento intimo ou amoroso posterior. (p.

196)

Estima-se que cerca de 60% a 80% dos/as estudantes universitários norte-

americanos/as já tiveram alguma experiência de hook-up (Garcia et al., 2012).

Investigações conduzidas com mais novos, apontam para cerca de 70% dos/as jovens

sexualmente ativos com idades entre os 12 e os 21 anos terem tido relações sexuais sem

compromisso (Grello, Welsh, Harper, & Dickson, 2003) e para 61%, com idades que os

situam entre o 7º e o 11º ano, terem tido algum tipo de encontro sexual fora de um

relacionamento de namoro (Manning, Giordano & Longmoro, 2006 as cited in Garcia et

al., 2012).

Uma outra pesquisa (Currier, 2013) debruçou-se sobre a ambuiguidade do uso

do termo hook up, constatando que rapazes e raparigas usam esta designação recorrendo

a estratégias diferenciadas em função do género e confirmando que, enquanto os

rapazes utilizam hook up para intencionalmente comunicarem terem tido relações

sexuais, muitas das raparigas que participaram neste estudo utilizam-no com o objetivo

contrário, ou seja, para comunicarem que não tiveram relações sexuais.

O aprofundamento do conhecimento sobre as experiências de hook up beneficia,

tal como defendem Garcia et al. (2012) de um cruzamento interdisciplinar dos

paradigmas da biologia evolutiva e sociocultural. A análise destas experiências deverá,

desta forma, complexificar e decorrer a diferentes níveis de análise tendo em conta que,

tal como referem algumas das investigações anteriormente citadas, as experiências de

hook up parecem pautar-se de mais laços emocionais e ligações afetivas do que o que

sugerem os discursos públicos. Na verdade, em muitas destas vivências, uma das

pessoas desenvolve afetos íntimos e de amizade ou até sentimentos não correspondidos,

apesar da diretriz, mais ou menos discutida, de separação entre sexo e emoção.

Não obstante a sua escassez nos estudos conduzidos sobre a realidade

portuguesa, é possível ouvir, nos discursos juvenis sobre a temática, a utilização de

verbos tais como andar ou estar, para ilustrar diferentes formas de ter relacionamentos

de intimidade juvenil. Estes termos são percecionados frequentemente por alguns

84

adultos/as e jovens com menor compromisso associado quando comparados com os

relacionamentos de namoro, mas constituem-se, de igual modo, importantes

experiências íntimas do desenvolvimento emocional e afetivo-sexual juvenil.

Desta forma, será feita uma tentativa de aproximação aos relacionamentos de

namoro e, posteriormente, tecidas considerações sobre as suas limitações e implicações

para a prática académica e intervenção psicoeducativa, terminando com a justificação

da utilização do termo Relacionamentos de Intimidade Juvenil na condução da presente

investigação.

Tal como já referido anteriormente, a maturação sexual e os primeiros

relacionamentos afetivos são aspetos centrais da adolescência. Frequentemente, as

relações de namoro designam as relações amorosas dos adolescentes, no entanto, tal

como refere a OMS (1986 as cited in Eisenstein, 2005), namoro e adolescência não são

sempre coincidentes, uma vez que nem sempre estas relações acontecem só na

adolescência, podendo acontecer em qualquer etapa da vida adulta com e sem

coabitação.

Contudo, como referem Bowen & Walker (2015) não há definição legal de

relações de namoro. Iconis (2013) considera que as relações de namoro são relações de

intimidade entre duas pessoas que não têm uma relação conjugal ou marital. Sugarman

e Hotaling (1991) consideram que o namoro engloba três dimensões: compromisso,

interação futura e intimidade física. Outros/as autores/as acrescentam ainda a

estabilidade (Bertoldo & Barbará, 2006), e uma maior abertura ao público e um maior

compromisso e vínculo às características destas relações (Ribeiro et al., 2011). Béjin

(1897) faz referência a duas visões sobre o namoro: uma pré e outra pós-revolução

industrial. A primeira consistia na etapa, geralmente curta e com supervisão parental, do

relacionamento amoroso até ao casamento. A segunda, presente ainda na atualidade e

mais diversa, enquadra diferentes formas de vivências amorosas, mais ou menos

duradouras, com ou sem coabitaçãoo.

Bertoldo e Barbará (2006) estudaram as representações de jovens universitários

sobre relações de namoro tendo encontrado que a amizade é descrita como aspeto

central, interligando-se com outros elementos tais como cumplicidade, confiança e

amor. Este papel central da amizade sugere, segundo os/as autores/as, representações

85

juvenis mais igualitárias e apoiadas na mutualidade e parceria enquanto satisfatórias

para ambas as pessoas. Não obstante, os dados obtidos neste estudo permitiram

encontrar diferenças de género nas representações de namoro, tendo as raparigas

enfatizado mais elementos relacionados com a confiança e afeto e os rapazes com o

sexo.

No seu trabalho, Silva, Paulos e Maia (2018) distinguem ficar e namoro,

apontando que o primeiro se prende mais com a atração física e que o segundo se

constuitui um relacionamento mais íntimo e regular, mais próximo da realidade

familiar, podendo envolver o conhecimento e relacionamento com as figuras parentais

do/a namorado/a.

Por outro lado, Justo (2005) refere-se aos relacionamentos de namoro enquanto

etapa posterior ao ficar (que diria assim respeito a um momento inicial de intimidade),

que coloca os/as jovens face ao conflito entre a promessa de segurança, fidelidade,

confiabilidade e durabilidade, e a promessa de independência, autonomia, realização e

diversidade. A utilização deste termo, estaria assim, intimamente relacionada com

noções de efemeridade e encurtamento temporal. Porém, não se podendo compreender

apenas como uma moda ou uma vivência relacional superficial e isolada, mas uma

expressão de novos paradigmas relacionais presentes nas sociedades contemporâneas.

Ribeiro et al. (2011) referem que os relacionamentos de intimidade juvenil são

delineados mediante parâmetros que podem constituir pólos antagónicos: compromisso

- não compromisso, longa duração - curta duração, intimidade – superficialidade,

envolvimento emocional - não envolvimento emocional e exclusividade - não

exclusividade. São estes parâmetros que, de uma forma mais ou menos consciente, estão

na base da diversidade dos relacionamentos de intimidade juvenil.

Os desafios ao nível da delimitação do conceito de relação de namoro, bem

como das inúmeras nuances que poderá conter, estravazam para o estudo sobre a

violência na intimidade. Por este motivo, Oliveira e Sani (2005) sublinham a

importância de operacionalizar este constructo, especialmente no que se refere à

investigação sobre violência nas relações amorosas. Também Rodrigue e Fernet (2016)

sublinham a necessidade de estudar a vitimação física, emocional e sexual nos

relacionamentos mais casuais bem como o entendimento do consentimento e as

experiências de intimidade sexual associadas a consumo excessivo de álcool. Estas

87

do nível da vitimação e perpetração de atos abusivos, principais fatores de risco e

consequências associadas.

Os estudos de prevalência da violência no namoro têm apresentado taxas com

grande variação que poderão ir dos 12,1% (Henton, Cate, Royal, Lloyd, & Christopher,

1983) aos 72,4% (Aldrighi, 2004) (as cited in Caridade & Machado, 2013). Esta

variabilidade parece estar relacionada com as diferentes opções metodológicas

(Caridade & Machado, 2012) presentes nos estudos conduzidos sobre a temática. Estas

opções poderão também compreender diferentes definições de violência no namoro e,

consequentemente, implicações destas perspetivas na determinação das práticas

abusivas avaliadas. Por exemplo, alguns estudos excluem a violência sexual da

conceptualização de violência no namoro (O’Keefe, 2005) e outros não diferenciam a

vitimação e perpetração, medindo apenas a exposição a atos violentos (Sugarman &

Hotaling, 1989). Apesar destes contrangimentos, a maioria da literatura disponível sobre

prevalência da violência no namoro tem vindo a ser unânime no reconhecimento da

elevada frequência, extensão e gravidade na vida dos/as adolescentes, quer na forma

perpetrada, quer na forma sofrida (Neves, Correia, Torres, Borges, Silva, & Topa, 2018;

Nicodemus, Davenport, & McCutcheon, 2009; O’Keefe, 2005; Wincentak, Conolly, &

Card, 2016 ).

Evidências empíricas internacionais

Tal como referido anteriormente, o estudo de Makepeace (1981) é considerado

pioneiro na tentativa de melhor compreender a violência nos relacionamentos de

intimidade, uma vez que alertou que esta problemática ocorria também nas vidas de

jovens universitários/as e impulsionou a investigação académica posterior sobre o

assunto. Cerca de vinte anos depois, um estudo representativo, com a participação de

7824 raparigas americanas a frequentar o ensino entre o 9º e o 12º ano, concluiu que

uma em cada dez raparigas mencionou ter vivido violência não se tendo encontrado

taxas de prevalência mais elevadas nas alunas do 12º ano (Howard & Wang, 2003).

Uma investigação de Boladale, Adesanmi e Olutayo (2013) verificou que 34% dos/as

participantes universitários/as tinham experienciado violência no namoro nos últimos 12

meses. Outro estudo conduzido com 3495 jovens mexicanos verificou que cerca de 88%

reportou não considerar que se encontrava numa relação abusiva, 15,2% que já tinha

experienciado sentimentos de medo e 27% que já se tinha sentido aprisionado/a em

88

algum momento de um relacionamento de intimidade. Contudo, os autores/as apontam

que, apesar de muitos/as dos/as participantes indicarem não ter vivido uma relação

abusiva, a grande maioria desta amostra indicou já ter experienciado abuso. Este dado

sugere que, mesmo sabendo identificar situações de abuso vividas, os/as jovens tendem

a não se auto-percecionarem como vítimas (Ayala, Molleda, Rodríguez-Franco, Galaz,

Ramiro-Sánchez, & Diaz, 2014).

Taxas de prevalência mais baixas são apresentadas por Franco, Bellerin,

Borrego, Díaz e Molleda (2012), que indicam que cerca de 5.5% das raparigas entre os

5 e os 25 anos foram maltratadas numa relação de intimidade, e por Viejo (2014), que

considera que o envolvimento em violência na intimidade é ocasional, oscilando entre

2.3% (vitimação leve) e 6.7% (vitimação grave). Porém, dados mais recentes apontam

que uma em cada cinco mulheres e um em cada sete homens que experienciaram algum

tipo de violação, abuso físico e/ou assédio por um/a parceiro/a amoroso/a,

experienciaram também algum tipo de violência íntima entre os 11 e os 17 anos de

idade (Center for Disease Control and Prevention, 2016), e situam a taxa de prevalência

entre 6 e 21% para rapazes e entre 9 e 37.2% para raparigas, revelando-se mais baixas

nos/as jovens mais novos/as (inferior a 10%) comparativamente com os/as mais jovens

mais velhos/as (entre 20 e 30%), constatanto ainda que as mulheres apresentam taxas de

vitimação mais elevadas para ambos os grupos etários (Jennings et al., 2017).

Tendo em conta as diferentes tipologias de violência na intimidade, (Hird, 2000;

Howard, Wang, & Yan, 2007) estimam que a violência física está presente nos

relacionamentos de 10 a 15% dos estudantes da Secundária. Também González e

Santana (2001) concluíram que 7.5% dos rapazes e 7.1% das raparigas reconhecem

terem agarrado ou empurrado pelo menos 1 vez o/a namorado/a e (Katz, Carino, &

Hilton, 2002; O’Leary & Sleep, 2003) concluíram que 22 a 24% dos/as jovens

entrevistados/as no seu estudo sofrem de violência física. Por outro lado, o estudo de

Munoz-Rivas, Rodriguez, Grana, O’Leary e Gonzalez (2007) revelou que 14% dos/as

participantes reconheceram já terem exercido violência física sobre o/a namorado/a.

Dados mais recentes apontam para taxas de vitimação física de rapazes e raparigas entre

os 10 e os 25%. Considerando as investigações que combinam o estudo da violência

física e sexual, Silverman, Ray, Mucci e Hathaway (2001) referem que um em cada

cinco adolescentes é vítima de violência física e sexual perpetrada pelo/a companheiro/a

89

e Oliver e Doménec (2017) localizam a taxa de vitimação física e sexual em cerca 1.7%.

Outros estudos sobre violência sexual indicam que 47.9% a 66.6% dos/as adolescentes

admitem já terem agredido sexualmente (Fernandez Fuertes & Fuertes-Martín, 2005;

Ortega, Rivera, & Sanchez, 2008) e 51.7% dos/as adolescentes já terem sofrido

violência sexual (Fernandez Fuertes & Fuertes-Martín, 2005). Outros estudos, também

recentes, apontam que a a taxa de vitimação sexual de mulheres se situa entre os 9 e os

13% (Kliem, Baier, & Bergmann, 2018; Lau, Nguyen, & Markham, 2016). No que diz

respeito à violência verbal, o estudo de González e Santana (2001) concluiu que 23.9%

dos rapazes e 28.8% das raparigas manifestam ter usado, alguma vez, violência verbal

contra o seu namorado/a e o de Munoz-Rivas et al. (2007) que 60 a 70% dos estudantes

referiram já terem agredido verbalmente, em algum momento, o seu/a sua

companheiro/a. Mais recentemente, o estudo de Rodríguez, Lameiras, Carrera e Alonso

(2017) encontrou taxas baixas de violência no namoro entre jovens galegos/as, com

exceção da tipologia violência verbal, tendo esta uma elevada percentagem de rapazes e

raparigas indicado ser alvo de insultos ou ofensas verbais pelo/a seu/sua namorado/a.

Também o estudo da violência psicológica revela algumas inconsistências nos

dados sobre a sua prevalência. Ureña, Romera, Casas, Viejo e Ortega-Ruiz (2015)

alertam que esta tipologia é menos estudada do que as outras formas de violência no

namoro devido à dificuldade em objetivar os comportamentos que a constituem e em

proceder à identificação da sua prevalência. Um outro estudo (Niolon et al., 2015), que

pretendeu distinguir a incidência de diferentes tipologias de violência perpetradas,

concluiu que, na amostra de 1673 jovens participantes, 77% indicaram terem tido algum

comportamento de abuso físico ou emocional contra o/a namorado/a, 20% terem

ameaçado, 15% terem abusado sexualmente, 13% terem exercido violência relacional e

6% terem perseguido. Neste estudo foram as raparigas que demonstraram mais

comportamentos de abuso relacionados com ameaças, abuso emocional ou verbal e

físico. Os rapazes, por sua vez, perpetraram mais frequentemente violência sexual.

Tomando em consideração a literatura sobre os principais fatores de risco para a

volência nos relacionamentos de intimidade, a exposição a modelos de violência nos

relacionamentos de intimidade familiar (Park & Kim, 2018) e nos relacionamentos de

intimidade anteriores, destaca-se como um dos mais importantes factores de risco

(Sabina, Cuevas, & Pickens, 2016). Vários são os estudos que se debruçaram sobre a

90

associação entre violência no namoro e experiências familiares anteriores violentas. A

este respeito, destacam-se o trabalho de Bradford (1999), que concluiu que ser

testemunha e/ou alvo de violência familiar está relacionado com vivências posteriores

de relacionamentos de intimidade violentos, e o de Dee (2012) e Gover, Jennings,

Tomsich, Park e Rennison (2011), que perceberam que ser vítima de maus-tratos

familiares aumenta o risco de violência no namoro, quer na forma perpetrada quer na

forma sofrida. Posteriormente, Boladale et al. (2013) verificam que um em cada três

dos/as universitários que experienciaram violência no namoro nos últimos 12 meses,

assistiram a violência física nas suas casas e um em cada dez tem histórias anteriores de

vitimação. Partindo da análise de diferentes tipos de mau-trato infantil na família de

origem, Herbert et al. (2017) verificaram que o abuso sexual infantil, o abuso

psicológico, o abuso físico, a negligência e a presença em condutas violentas entre os

pais, são fatores de risco para a vitimação de violência no namoro.

Não só as experiências relacionadas com violência na família, mas também o

envolvimento com pares com comportamentos agressivos ou antossociais, surgem como

importantes factores de risco para a violência no namoro (Foshee et al., 2012; Park &

Kim, 2018). As condutas negativas de pares, ser vitimizado pelos/as colegas, o assédio

sexual de parceiros/as (Garthe, Sullivan, & McDaniel, 2016; Hérbert et al., 2017) e

sofrer ou perpetrar bullying (físico, psicológico ou cyberbullying) (Park & Kim, 2018),

especialmente no caso de rapazes (Niolon et al., 2015), surgem como fatores de risco

associados à violência no namoro. Estes dados vão ao encontro dos obtidos num estudo

anterior, por O’Keefe (2005), onde foram encontradas maiores taxas de incidência de

violência no namoro em grupos de jovens em risco ou a frequentar sistemas de ensino

alternativos.

Tendo em conta a identificação dos principais fatores de risco associados às

características sociodemográficas, alguns estudos encontram a violência nos

relacionamentos de intimidade transversal aos diferentes estratos socioeconómicos

(O’Keefe, 2005; Shamu et al., 2015), enquanto outros encontram dados que constatam

que o nível socioeconómico se relaciona negativamente com a perpetração e a vitimação

de violência no namoro (Park & Kim, 2017) para ambos os géneros (Wincentak et al.,

2016).

91

Gresssard, Swahn e Tharp (2015) e Taquette e Monteiro (2019) consideram que

a violência nos relacionamentos de intimidade juvenil se apoia na cultura patriarcal,

podendo ocorrer com maior frequência em contextos onde o privilégio masculino co-

existe com racismo, heterossexismo e pobreza e podendo aumentar a probabilidade das

jovens raparigas serem vítimas de violência física na intimidade.

O caráter circular e contextual da violência no namoro explica que índices mais

elevados desta vitimação em circunstâncias onde outros tipos de violência se verifica

também na família, na comunidade ou na escola (Taquette & Monteiro, 2019). Estas

considerações vão ao encontro dos resultados de um estudo anterior conduzido por

Shamu et al. (2015), com jovens sul-africanos/as expostos/as a violência familiar e a

práticas de castigo corporal, no contexto escolar onde foi possível encontrar elevados

índices de violência física e sexual nos relacionamentos de intimidade.

Por último, os principais fatores de risco individuais. Sugarman e Hotaling

(1997) aludem ao efeito significativo da desejabilidade social, tendo concluído que as

pessoas que mais reportam violência no namoro apresentam menores pontuações de

desejabilidade social. Posteriormente, Belshaw, Siddique, Tanner e Osho (2012)

encontraram uma associação estatisticamente significativa entre violência no namoro e

comportamentos suicidas; Devries et al. (2013) observaram uma relação positiva entre

ser vítima de violência no namoro e tentativas de suicídio em mulheres; Castellví et al.

(2016) confirmaram a existência de maior risco de tentativa de suicídio em jovens

(rapazes e raparigas) vítimas de violência no namoro em comparação com jovens não

expostos à violência. Também Howard e Wang (2003) identificaram a presença de

clusters de risco, em especial em raparigas com historial de violência de namoro, que

explicariam a maior probabilidade de exibir comportamentos sexuais de risco, violentos

e/ou suicidas, bem como de apresentar sentimentos de tristeza profunda e/ou de usar

substâncias psicoativas.

Outros fatores, tais como o uso de álcool e substâncias psicoativas, estão

também associados à violência no namoro (Baker, 2016; Ouytsel, Ponnet, & Walrave,

2017; Wiersma, Cleveland, Herrera, & Fisher, 2010; Yan, Howard, Beck, Shattuck, &

Hallmark-Kerr, 2009), sobretudo na perpetração de violência física, tendo o consumo de

álcool sido considerado um fator preditor para os rapazes (Niolon et al., 2015) e níveis

mais altos de consumo de álcool associados positivamente com a perpetração de

92

violência no namoro (Rothman, McNaughton, Johnson, & La Valley, 2012) e com a

vitimação do género feminino (Devries et al., 2013). Adicionalmente, Wincentak et al.

(2016) encontraram diferenças de género relativamente à perpetração de violência no

namoro mas o mesmo não aconteceu no que respeita a vitimação excepto no que

respeita à violência sexual no namoro onde se verifica que as raparigas apresentam

menores níveis de perpetração e maiores níveis de vitimação. Por último, a iniciação

sexual surge também associada ao aumento do risco de violência física e sexual (Hanna,

2006), predizendo a perpetração de violência no namoro por rapazes (Niolon et al.,

2015).

No entanto, de uma maneira geral, os estudos sobre as consequências e impacto

de experiências de violência nos relacionamentos amorosos são escassos (Taquette &

Monteiro, 2019) e poucas vezes conduzidos sobre as consequências para jovens rapazes,

vítimas ou agressores (Glass et al., 2003). Os estudos existentes sobre este aspeto

tendem a adotar uma definição mais alargada de violência no namoro, enquadrando os

principais impactos nos âmbitos psicológico, físico, legal e social. Assim sendo, e tendo

em conta os impactos psicológicos, a experiência de múltiplas formas de violência no

namoro aumenta a presença de sintomatologia psicológica (Eshelman & Levendosky,

2012), em especial presença de sintomatologia depressiva e baixa autoestima (Ouytsel

et al., 2017). As vítimas apresentam também maior risco para ideação e

comportamentos suicidas (Belshaw et al., 2012).

Na literatura existente, é possível encontrar diferenças de género,

nomeadamente, ao nível das experiências negativas, indicando que as raparigas

reportam mais experiências negativas decorrentes da violência do que os rapazes. A

experiência de vitimação masculina está mais fortemente associada à experiência de

sentimentos de raiva do que a vitimação feminina (Rutter, Weatherill, Taft, & Orazem,

2012).

A frequência do abuso conduz à presença de maior sintomatologia nas suas

vítimas, não só psicológica, mas também física (Eshelman & Levendosky, 2012). A

violência no namoro, quer na forma perpetrada quer sofrida, surge ainda enquanto

importante preditor de comportamentos autolesivos (Murray, Wester, & Paladino,

2008). Apesar de pouco mencionada na literatura, a consequência mais grave da

violência no namoro poderá ser o femícidio (Taquette & Monteiro, 2019).

93

Além do exposto, a perpetração de violência no namoro acarreta consequências

do ponto de vista legal para os/as agressores/as. Por isso, importa lembrar que a

violência no namoro se localiza entre políticas juvenis e políticas nacionais relacionadas

com a violência doméstica. Desta feita, a abordagem legal deste crime no sistema penal

juvenil poderia beneficar de um maior equilíbrio entre a filosofia “tolerância zero à

violência doméstica” e consequente responsabilização pela perpetração do crime e o

foco na proteção das crianças e jovens e intervenção orientada para a reabilitação

(Zosky, 2010).

Do ponto de vista social e escolar, as experiências de violência nos

relacionamentos de intimidade poderão conduzir as vítimas ao isolamento social,

absentismo escolar, baixo rendimento académico e a dificuldades no estabelecimento de

relacionamentos sociais seguros (CDC, 2016; Taquete & Monteiro, 2019). Apesar do

suporte social ser uma variável moderadora entre a vitimação e o bem-estar psicológico

(Holt, & Espelage, 2005), facto é que a maioria das vítimas se demonstra relutante em

pedir ajuda. Estes resultados são também apoiados no estudo de Ackard, Eisenberg e

Neumark-Stainer (2007) onde se constatou que apenas 32% dos rapazes e 44% das

raparigas que reportaram violência no namoro pediram ajuda. Num outro estudo,

Boladale et al. (2013) encontraram percentagens superiores a 90% de vítimas que não

pediram ajuda e que, quando esta foi pedida, se dirigiu a familiares e a amigos/as, ou

seja, não teve lugar ao nível legal. Estes dados vão ao encontro dos de Murray e

Kardatzke (2007) que verificaram que os pedidos de ajuda são mais facilmente dirigidos

a amigos do que a profissionais, tais como psicólogos ou agentes policiais com

conhecimento na matéria. Não obstante, o suporte social proveniente de figuras de

proximidade familiar ou de relacionamentos de amizade, o auxílio profissional de

qualidade poderá desempenhar um importantíssimo papel para apoiar tanto as vítimas

como os/as agressores/as, caso a desejem (Martsolf, Colbert, & Drauker, 2012).

De forma a facilitar o pedido de ajuda, Murray e Kardatzke (2007) consideram

aspetos chave para a intervenção de profissionais de aconselhamento psicológico: i) o

reconhecimento de que a violência física e sexual é frequente nos contextos

universitários e de que a violência psicológica é ainda mais frequente que as tipologias

anteriores; ii) o conhecimento dos fatores de risco individuais e familiares, quer para a

vitimação quer para a perpetração, das especificidades nas dinâmicas de poder e de

94

controlo e das dificuldades relacionadas com o pedido de ajuda; iii) a sensilibização

para o facto de que a experiência de um relacionamento de intimidade poder ser

ocultada no pedido de ajuda inicial ou nos motivos que levam o/a jovem a pedi-la.

Evidências empíricas no contexto português

Tendo em conta a realidade nacional, importa referir que a violência no namoro

integra o crime de violência doméstica previsto no artigo 152° do Código Penal, com a

alteração introduzida pela Lei n.º 19/2013 que estende, pela primeira vez, a proteção às

relações de namoro especificamente nos termos descritos na sua alínea b):

Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos fisicos ou

psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas

sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente

mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação

análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação é punido com pena de

prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força

de outra disposição legal. (Diário da República, I Série, n.º 37, de 21 de

fevereiro de 2013)

Um dos primeiros estudos sobre a prevalência da violência no namoro em jovens

portugueses/as foi conduzido por Lucas (2002) e focou a agressividade nas relações de

namoro. Este contou com a participação de 925 jovens, com idades compreendidas

entre os 12 e os 17 anos, tendo-se verificado que os rapazes fazem mais frequentemente

uso da agressividade física e as raparigas da verbal. Mais tarde, Paiva e Figueiredo

(2004) verificaram que o abuso psicológico, quer na forma sofrida (50,8%), quer na

perpetrada (53,8%), é o tipo de violência mais frequentemente reportado tendo sido

mencionado por mais de metade dos/as participantes nesta pesquisa. No mesmo estudo,

a coerção sexual surgiu como a segunda tipologia mais frequente, tendo sido perpetrada

por 18.9% dos/as participantes e sofrida por 25.6%. Machado, Caridade e Martins

(2010) conduziram uma investigação de prevalência de abusos físicos e emocionais nos

relacionamentos de namoro, numa amostra de 4667 jovens, com idades compreendidas

entre os 11 e os 29 anos. Os principais resultados indicam que 25.4% da amostra foi

vítima de pelo menos um ato abusivo do/a seu parceiro/a no ano anterior, dos quais

13.4% correspondiam a abusos de natureza física e 19.5% emocional. Por outro lado, no

95

que respeita à perpetração de violência, 30.6% dos/as participantes reportou ter abusado

do/a seu/sua parceiro/a, estando 22.4% relacionados com abuso emocional e 18.1% com

abuso físico. Numa investigação (Manuel, 2014), onde participaram 1258 jovens de 21

anos, encontraram-se também elevados índices de vitimação psicológica (61.4%) de

ambos os sexos, de coerção sexual (30.3%) e de violência física (18.6%). O mesmo

estudo conclui que 63.1% dos/as participantes indicam ter já perpetrado violência

psicológica, 28.5% coerção física e 17.7% violência física. Outros dados (Beserra,

Leitão, Fabião, Dixe, Veríssimo, & Ferriani, 2016) sobre adolescentes com idades entre

os 16 e os 24 anos, concluíram que 5.9% dos/as participantes mantinham relações

violentas.

Apesar de elevados, nos dados da prevalência de violência no namoro, a grande

maioria dos/as jovens não se autopercecionam como vítimas, tal como verificou

Marques (2016) no estudo conduzido com 475 estudantes universitários, onde cerca de

84% das pessoas que já foram vítimas de algum ato abusivo não se reconheceram como

tal. Neste estudo, cerca de 52.6% reportam já terem sido vítimas de violência no

namoro, 63% dos participantes do sexo masculino indicaram terem tido pelo menos um

comportamento abusivo no seu percurso académico face a 48.2% das raparigas.

No que diz respeito às características das vítimas, vários são os estudos onde as

raparigas são quem mais reporta ter sofrido de atos de violência pelos parceiros, apesar

de alguns estudos não encontrarem diferenças de sexo estatisticamente significativas no

que diz respeito à vitimação (Machado, Caridade, & Martins, 2010). Outros estudos

apoiam a existência de uma reciprocidade na violência no namoro, indicando uma maior

tendência para a perpetração de violência por ambos/as os/as parceiros/as (Duarte &

Lima, 2006; Paiva & Figueiredo, 2004), uma bi-direccionalidade (com exceção na

coerção sexual) (Manuel, 2014).

Também na realidade portuguesa os estudos parecem indicar diferenças de

género, tendo em conta as diferentes tipologias de violência no namoro. Por exemplo,

no estudo de Paiva e Figueiredo (2004), os rapazes surgiram como principais vítimas de

violência física e as raparigas de violência e coerção sexual. Resultados semelhantes

foram encontrados no estudo de Manuel (2014) onde os rapazes sobrevieram

essencialmente como agressores de coerção sexual e as raparigas como perpetadoras de

violência física. Outros estudos apontam que os rapazes são simultaneamente mais

96

agressores e vítimas de violência psicológica (Beserra et al., 2016; Duarte & Lima,

2006).

Relativamente às diferenças de género, é possível encontrar divergências nos

dados encontrados, uma vez que alguns estudos apontam que rapazes e raparigas são

simultaneamente vítimas e agressores nas relações de namoro (Caridade, 2011; Paiva e

Figueiredo, 2004; Saavedra, 2010), contrariando os dados dos estudos da década de 80

que apontavam para uma maior vitimação do género feminino, tal como o de

Makepeace (1981) ou outros mais recentes (Neves et al., 2018). Esta aparente

reciprocidade parece não corresponder aos dados provenientes dos contextos legais,

médicos e sociais onde as mulheres se apresentam como as vítimas mais frequentes de

violência nos relacionamentos de intimidade. Se, por um lado, alguns estudos indicam

que são os jovens rapazes quem sofre mais violência psicológica nos relacionamentos

de intimidade (Harned, 2001) ou a presença de prevalências semelhantes de violência

física entre mulheres e homens (Caridade, 2011), por outro lado, os mesmos dados não

são encontrados noutras pesquisas, nem no que se refere à violência (Neves, 2014;

Wincentak et al., 2016).

Tal como refere Neves (2014) a “aparente dupla posição das raparigas”, ou seja,

o seu aparecimento enquanto vítimas e agressoras nos relacionamentos de intimidade

juvenil, chama a atenção para a necessidade de o estudo da violência ir para além do

estudo da frequência dos atos abusivos e debruçamento sobre os seus impactos na vida

das vítimas (Harned, 2001). De facto, diferentes autores/as têm vindo a concluir que são

as jovens mulheres quem reporta danos psicológicos e físicos mais severos decorrentes

de experiências de violência no namoro (Harned, 2001; Neves, 2014) ou mais

sentimentos de medo ou terror da vitimação sofrida (Coker et al., 2000). Outro facto que

tem sido consistente na grande maioria dos estudos, prende-se com o facto das raparigas

apresentarem maiores índices de vitimação sexual (Harned, 2001; Neves, 2014).

Relativamente à idade, alguns estudos apontam que são os/as adolescentes mais

velhos/as quem mais reporta vitimação e perpetração deste tipo de crime (Machado et

al., 2010), enquanto que no trabalho desenvolvido por Lucas (2002) foram os/as

participantes mais velhos/as de ambos os sexos que apresentaram maior agressividade.

97

Tendo em conta a escolaridade, os/as alunos/as universitários parecem reportar

mais frequentemente situações de violência no namoro. Os/as alunos/as do Ensino

Profissional tendem a estar mais representados/as em ambos os grupos de vitimação e

perpetração (Machado, Caridade, & Martins, 2010).

Relativamente aos dados sobre violência no namoro provenientes das

organizações de apoio a vítimas na sociedade civil, destacam-se os relatórios da União

de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR, 2019) e os do Observatório de Violência

no Namoro (Neves et al., 2020). O primeiro é um estudo representativo e quantitativo

com a participação de 4938 jovens, com idades compreendidas entre os 11 e os 20 anos,

e teve como objetivo avaliar a prevalência de indicadores de vitimação nas relações de

namoro e a legitimação da violência no namoro pelos/as jovens. Os principais

resultados deste estudo nacional indicam que dos/as jovens que têm ou já tiveram uma

relação amorosa, 58% reporta algum indicador de violência no namoro. Tendo em conta

o tipo de vitimação experienciada, cerca de 11% apresentaram indicadores de violência

física e 34% de violência psicológica. Os dados sobre os indicadores de vitimação

constituem, neste relatório, uma subida significativa quando comparados com os dados

do ano anterior (UMAR, 2019).

No que respeita à legitimação, as autoras realçam que 67% do total de

participantes consideram natural pelo menos uma das formas de violência na

intimidade, subindo para cerca de 75% quando considerados/as os/as que reportaram

algum indicador de vitimação. Relativamente ao tipo de violência legitimado, a

violência nas redes sociais foi legitimada por cerca de 23% do grupo de participantes e a

violência sexual foi legitimada por cerca de 34% dos participantes do sexo masculino e

por 15% do sexo feminino. Relativamente ao tipo de comportamentos naturalizados,

cerca de 9% legitimaram abusos físicos e 27% comportamentos de controlo. Os

comportamentos de controlo foram os que apresentaram maiores índices de legitimação

por ambos os sexos, tendo cerca de 36% legitimado a proibição de uso de algum tipo de

roupa. A perseguição foi legitimada por cerca de 33% dos rapazes e por 17% das

raparigas (UMAR, 2019).

Os dados decorrentes do Observatório de Violência no Namoro (Neves et al.,

2020) são recolhidos através de uma plataforma online de denúncias onde são registadas

situações de violência no namoro, pessoais ou testemunhadas. Durante 2019 foram

98

feitas 74 denúncias nesta plataforma, 51.4% de ex-vítimas, 37.8% de testemunhas e

cerca de 10.8% de atuais vítimas. Relativamente ao sexo e idade da pessoa denunciante,

95.9% das queixas foram feitas por pessoas do sexo feminino e a média de idades é de

26.86 anos. As testemunhas denunciantes foram, na sua maioria, colegas de escola ou

da faculdade, seguindo-se psicólogos/as, amigos/as, professores/as, colegas de trabalho

e funcionários/as da escola. No que respeita às características das vítimas, 89.2% são do

sexo feminino, 96.4 % de nacionalidade portuguesa, 66.2% estudante e 87.8%

heterossexual. A média de idades para as vítimas do sexo feminino é de 21.4 anos e

para as do sexo masculino é de 21.6 anos. Relativamente aos/às agressores/as, 91.9%

são do sexo masculino, 70.0% atuais namorados das vítimas e 21.6% são ex-

namorados/as. A média da idade dos/as agressores do sexo masculino é de 22.5 anos e a

das agressoras de 23.9 anos (Neves et al., 2020).

Tendo em conta a situação denunciada e as tipologias presentes, 87.3% das

situações incluíam violência verbal, 75.7% violência psicológica, 64.9%

comportamentos de controlo, 35.1% perseguição, 32.4% violência social, 27.0%

violência física, 27.0% violência sexual, 12% ameaças de morte, 6.8% violência

económica, 4.1% tentativas de homicídio e 1.4% homicídio. Cerca de 47.3% destas

situações ocorreram mais do que uma vez e 62.2% em vários momentos do dia tendo

decorrido em 62.2% das vezes no espaço casa, 48.6% na rua, 36.5% na escola, 29.7%

no espaço online e 27.0% das vezes em estabelecimentos públicos. Considerando as

principais causas atribuídas à violência, os ciúmes foram indicados em 70.3% das

denúncias, 40.5% problemas mentais do/a agressor/a, problemas familiares em 25.7%,

15% a conduta da vítima, 18.9% por influência de familiares ou amigos/as, consumo de

álcool ou outras substâncias pelo/a agressor/a em 14.9%, 13.5% a dificuldades

económicas, 6.8% por problemas mentais da vítima e 2.7% por consumo de álcool ou

outras substâncias por parte da vítima. Um total de 25.7% das vítimas necessitaram de

tratamento médico, 2% de serem hospitalizadas e 10.9% das vítimas indicam indicaram

terem precisado de ajuda para recorrerem a serviços especializados. Nas situações

relatadas em 2018, 72.3% das vítimas não apresentaram denúncia, lidando com os

problemas sozinhos/as ou com a ajuda de amigos/as. Das vítimas denunciantes, 7.9%

indicou precisar de apoio para realizar esta denúncia (Neves et al., 2020).

99

O estudo do programa de prevenção Uni +, um programa de prevenção de

violência no namoro em contexto universitário (Neves et al., 2018), permitiu verificar

que os/as jovens que praticam violência são os/as que simultaneamente revelam crenças

mais tradicionais sobre o género e os relacionamentos de intimidade. Neste sentido, os

participantes do sexo masculino demonstraram-se mais permissivos e tolerantes à

violência sexual do que as participantes do sexo feminino. Tendo em conta a

identificação dos motivos da violência no namoro, 5% dos/as participantes neste estudo

revelou a presença de crenças de responsabilização das vítimas de violência sexual,

indicando como principais motivos deste crime a provocação. Cerca de 11% deste

grupo também consideraram o piropo como sendo lisonjeador. A violência foi também

justificada com recurso à narrativa do amor romântico e psicopatologização dos

agressores, dados que parecem sugerir, simultaneamente, com uma tendência para a

culpabilização da vítima e desresponsabilizaçãoo do agressor.

Em Portugal, existem ainda poucos estudos sobre a violência sexual no âmbito

de relações de intimidade juvenil. Não obstante, os trabalhos existentes têm vindo

consistentemente a alertar para a elevada prevalência deste tipo de violência como, por

exemplo, o estudo de Paiva e Figueiredo (2004), verificando que a coerção sexual se

encontra em segundo lugar nas tipologias de abuso mais frequentes entre jovens

adultos/as e tendo encontrado, na sua amostra, que 18.9% perpetraram e que 25.6%

sofreram esta vitimação. Também as associações da sociedade civil têm vindo a

recolher dados importantes sobre esta matéria. Os resultados mais recentes do relatório

da UMAR (2017), que compreendeu a participação de 5500 jovens, com uma média de

idades de 15 anos, revelam uma grande preocupação com a naturalização da violência

de cariz sexual, tendo-se concluído que 24% dos/as participantes legitima ações de

violência sexual nos relacionamentos de namoro, 22% dos quais do sexo masculino e

5% do sexo feminino. Do total dos/as que legitimam, 13% fazem-no no que concerne à

pressão para ter relações sexuais. No que respeita à prevalência de vitimação, os

resultados do mesmo estudo apontam para 6% de jovens vítimas de atos de violência

sexual geral e para 5% das raparigas e 2% dos rapazes já terem sido pressionados para

relações sexuais nos seus relacionamentos de intimidade.

Relativamente às informações sobre a violência no namoro com utilização das

novas tecnologias e do espaço virtual, 24% dos/as jovens não reconhece as situações de

101

relacionamentos de intimidade (Neves & Fávero, 2010). Dentro desta perspetiva, as

crenças e atitudes face à violência no namoro e a manutenção de mitos sobre o amor

desempenham um papel importante na sustentação do sexismo nas sociedades

patriarcais. Por este motivo, apresentam-se de seguinda dois importantes eixos para uma

leitura teórica feminista da violência nos relacionamentos de intimidade juvenil: as

crenças e atitudes sobre a violência nos relacionamentos de intimidade e os mitos sobre

o amor.

2.1.4.1. Crenças e atitudes sobre violência nos relacionamentos de intimidade juvenil

As representações sociais de género têm vindo a ser consideradas centrais na

análise das atitudes e crenças sobre a violência no namoro. Ismail, Berman, e Ward-

Griffin (2007) conduziram um estudo qualitativo conduzido, tendo percebido que

vítimas e agressores/as tendem a uma maior desvalorização e normalização da violência

no namoro e justificação de comportamentos abusivos que se prendem com a pressão

para ter namorado, a incapacidade de reconhecer os sinais da violência e a pressão para

responder às expectativas de género de forma a agradar adultos/as ou outras figuras de

referência, nomeadamente, o hold on de um namorado/a. Um outro estudo de natureza

qualitativa exploratória, conduzido com jovens canadianos/as por Lavoie, Robitaille e

Hébert (2000), verificou que a culpabilização da vítima e desresponsabilização do/a

agressor/a surgem, frequentemente, como leituras interpretativas para a ocorrência de

violência num relacionamento. Desta forma, a violência surge como resultado de

práticas provocatórias prévias da vítima ou induzidas por psicopatologia ou consumo de

álcool e substâncias psicoativas do agressor (Lavoie et al., 2000; Neves et al., 2018).

Também Bowen et al. (2013) procederam à análise de atitudes face à violência

no namoro em jovens europeus (Inglaterra, Suécia, Alemanha e Bélgica), com idades

compreendidas entre os 12 e os 17 anos, tendo concluído que, de uma maneira geral,

demonstram atitudes de aceitação face à violência e tendem a desvalorizar a violência

perpetrada pelas raparigas, compreendendo-a, na maior parte das vezes, como reação à

infidelidade. No entendimento dos/as autores/as deste estudo, as visões juvenis

estereotipadas parecem apoiar-se nas representações restritivas dos media, em particular

da televisão, sobre violência nos relacionamentos de intimidade, que alicerçam,

102

também, barreiras (tais como vergonha) para a procura de ajuda de jovens vítimas

masculinas. Outro aspeto importante é sugerido no trabalho de Ali, Swahn &

Hamburger (2011) que revela que tanto jovens rapazes e como raparigas apresentam

maior aceitação de comportamentos de retaliação levados a cabo por de raparigas do

que por rapazes. As atitudes de aceitação de violência física contra rapazes e raparigas

estão significativamente associadas à perpetração e vitimação de abuso físico nos

relacionamentos de intimidade juvenil.

2.1.4.2. Mitos sobre o amor

As ideias, desejos e descobertas em torno do amor juvenil são de extrema

importância no processo de desenvolvimento afetivo-sexual dos/as jovens bem como na

construção da sua identidade.

Neves (2007) refere que o estudo do amor necessita de um enquadramento

social, histórico, político e cultural, uma vez que se constitui uma dimensão da

afetividade, tendo o seu campo de estudo realizado uma passagem das leituras mais

individuais para outras mais estruturais. Esta passagem requer uma transição do

questionamento da individualidade para um interesse pela produção de discursos de

ordem social sobre a intimidade.

Um trabalho inicial sobre o estudo do amor foi conduzido por John Lee (1973,

1976), tendo distinguido a existência de amor “primário” e amor “secundário”. No amor

primário incluíam-se três tipos de amor: Eros, Ludos e Storge. Eros diz respeito a uma

vivência de um amor intenso, passional e incontrolável. Ludos corresponde, por sua

vez, a um amor lúdico com menor grau de compromisso e onde o contacto sexual

adquire uma grande importância. Por último, Storge relaciona-se com a experiência da

amizade, desde um compromisso emocional com os olhos postos no futuro. O amor

secundário compreende igualmente três outras formas: Manía, que corresponde a um

amor obsessivo (composto por Ludos e Eros) e baseado em dependência e posse,

Pragma (combinação de Storge e Ludus), que é um amor pragmático e racional, e

Agapé ou amor altruísta (interação entre Storge e Eros) que, por seu turno, traduz um

amor de total entrega e abnegação, indo ao encontro da satisfação das necessidades do/a

parceiro/a.

103

Muitos dos discursos juvenis sobre o amor estão imbuídos de crenças fortemente

associadas a estereótipos de género e a desigualdades sociais e estruturais que pautam as

relações entre homens e mulheres na sociedade contemporânea (Lameiras, Carrera &

Rodríguez, 2009), resultando em diferentes formas de vivenciar experiências de

intimidade. De facto, a manutenção e perpetuação destes estereótipos e destas

desigualdades parecem contribuir para o desenvolvimento de diferentes valores, atitudes

e emoções experienciados por rapazes e raparigas e para a sua transferência nas

vivências de intimidade juvenil, em especial nos comportamentos e expectativas

relacionais.

O amor é determinado por aprendizagens e condicionamentos sócio-culturais

(Bosch, Ferrer, Ferreiro, & Navarro, 2013), sendo a sua experiência pessoal e expressão

influenciadas pela organização e estrutura das sociedades e culturas (Ferrer & Bosch,

2013) que, por sua vez, conduzem a socializações diferenciadas de jovens rapazes e

raparigas e ao desempenho de distintos papéis sociais (Bosch et al., 2013), muitas vezes

tradicionais e conservadores que cristalizam desigualdade de género nas várias esferas

de vida dos/as jovens.

Bosch et al. (2007) enumeram como principais características do amor

romântico, vivências muito intensas de alegria ou sofrimento. Nestas experiências

incluem-se: secundarizar-se através da dependência e adaptação ao/à parceiro/a, perdoar

ou procurar justificar ações, estar constantemente na companhia da outra pessoa ou

realizar todas as atividades com o/a parceiro/a aglutinando interesses e apetências, crer

que nunca se irá sentir o mesmo por outra pessoa, sentir desesperança face à

possibilidade de rutura, vigiar as demonstrações de afeto, idealizar o/a parceiro/a e

atribuir significado positivo a atos de sacrifício. De facto, o amor romântico alicerça e

justifica o estabelecimento de relações de poder desigualitárias no espaço público e

privado, determinando organizações sociais de acentuada diferença entre homens e

mulheres (Neves, 2007).

Yela (2003) alerta para a manutenção social de um conjunto de falsas crenças

sobre a natureza do amor:

104

- Existência da cara metade, ou seja, que só uma pessoa está destinada

para cada um/a e que o/a parceiro/a escolhido/a estava destinado/a,

sendo a melhor escolha;

- Homem e mulher estão destinados a relacionarem-se intimamente;

- Os ciúmes são uma prova de amor e, inclusivamente, quando não

presentes poderão significar falta de interesse e afeto;

- O amor é capaz de tudo, também conhecido por mito da

omnipotência;

- O matrimónio enquanto único resultado de um relacionamento

estável;

- A paixão deve permanecer intensa ao longo do tempo, eternizando-

se;

- A compatibilidade entre amor e violência, permitindo a associação

causal e lógica nas situações amar alguém que se maltrata e

maltratar alguém que se ama.

Estes mitos são crenças que surgem na forma de verdades absolutas, inflexíveis

e resistentes (Bosch & Ferrer, 2002; Ferrer, Bosh, & Navarro, 2010), tendo vários

trabalhos académicos focado qual o seu papel na construção das masculinidades e

feminilidades e dos pressupostos que tecem sobre os relacionamentos íntimos (Barron,

Martínez-Inigo, De Paul, & Yela, 1999; Bosch et al., 2013; Rodríguez, Lameiras,

Carrera, & Vallejo, 2013a; Yela, 2003). Uma investigação conduzida em Espanha

expõe a elevada presença de mitos em jovens adolescentes. Os seus resultados indicam-

nos que as raparigas demonstram maiores visões idealizadas do amor e maiores crenças

na sua durabilidade e omnipotência face às adversidades. Por outro lado, os resultados

encontrados nos jovens do género masculino revelam maior aceitação de ciúmes,

compreendendo-os como uma manifestação de amor e da crença de vínculo amor-

maltrato (Rodríguez, Lameiras, Carrera, & Vallejo, 2013b).

Marroquí e Cervera (2014), conduziram um estudo com o intuito de perceber de

que forma ocorre a interiorização de mitos sobre o amor romântico e qual a sua relação

com o estabelecimento de relacionamentos de intimidade não saudáveis, orientando um

grupo de participantes com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos. Neste estudo

105

foi possível perceber que cerca de 73% das pessoas participantes revelaram acreditar

que o amor pode tudo, 70.6% que o amor é cego e 65% que existe uma “cara metade”

para cada pessoa. Nas diferenças encontradas, os participantes do género masculino

apontam uma maior tendência para indicarem que não poderão ser felizes sem uma

relação e as participantes do género feminino para acreditarem que existe uma pessoa

destinada para elas, reforçando mais predominantemente o mito da “cara metade”. A

maioria do grupo inquirido rejeitou que se pode maltratar alguém que se ama ou amar

alguém que se maltrata; porém, a grande maioria, independentemente do género,

considerou que se deve fazer tudo por amor e que o amor pode tudo. Outros estudos

conduzidos, com a mesma escala, argumentam que as raparigas apresentam visões sobre

o amor mais idealizadas e relacionadas com sexismo benevolente, e que os rapazes

revelam maiores crenças no mito de vinculação amor-maltrato (Rodríguez-Castro et al.,

2013b).

Tendo em conta que os/as jovens apresentam uma grande aceitação dos mitos

sobre o amor, é importante aprofundar o conhecimento sobre as suas implicações nas

práticas quotidianas de intimidade (Rodríguez-Castro et al., 2013b). Saliente-se, ainda, a

necessidade de se proceder a um questionamento crítico dos discursos em torno do amor

e da intimidade, para que uma maior democratização nos relacionamentos afetivos

juvenis possa acontecer por via da restruturação das narrativas sobre amor romântico

em realidades de amor confluente (Neves, 2007). Estas conceções reduzidas, tantas

vezes impregnadas de estereótipos de género e atitudes promotoras de sexismo juvenil,

manifestam-se também no espaço virtual e, naturalmente, nas expressões e descobertas

de intimidade juvenil que aí tomam lugar.

2.2 Ciberviolência nos Relacionamentos de Intimidade Juvenil: O Sexting

no Interface da Violência Sexual Online

Um dos objetivos da presente pesquisa é caracterizar as dinâmicas de abuso

digital nos relacionamentos de intimidade. Por esta razão, o presente subcapítulo

procede a um enquadramento das situações decorrentes de comportamentos associados

ao abuso digital, tais como a divulgação não consentida e a chantagem ou coação dentro

de relacionamentos de intimidade juvenil, muitos dos quais decorrentes de

106

comportamentos de sexting e integrando complexas dinâmicas violentas de natureza

sexual. O contexto digital e globalizante tem vindo a justificar uma maior atenção nas

práticas de sexting, em especial, às práticas que poderão decorrer de forma não

consensual, causar dano e/ou constituir-se abuso sexual online (Barrense-Dias,

Berchtold, Surís, & Akre, 2017). Assim, a perda do controlo das mensagens de carácter

sexual e privado poderá resultar num aumento de riscos interligados que coloca os/as

jovens em situações de grande vulnerabilidade de vitimação sexual, consitituindo-se

uma forma de humilhação e exposição pública (Machado & Pereira, 2013). Apesar das

diferentes terminologias existentes nos estudos, a ciberviolencia nos relacionamentos de

intimidade juvenil poderá manifestar-se de várias formas, quer seja por humilhação no

meio online, stalking, reverge porn, entre outras (Brown & Hegarty, 2018). Acresce a

evidência de esta tipologia frequentemente decorrer simultaneamente com outras formas

mais tradicionais de violência no namoro (Hinduja & Patchin, 2011; Zweig, Dank,

Yahner, & Lachman, 2013 as cited in Fernet, Lapierre, Hébert, & Cousineau, 2019).

Numa recente publicação, Ehman e Gross (2019) alertam que o estudo do

cyberbullying, no âmbito dos relacionamentos de intimidade, em especial o de natureza

sexual, permanece muito pouco aprofundado, propondo no seu trabalho uma definição

deste tipo de violência:

O cyberbullying sexual, daqui em diante, será definido como qualquer

comportamente sexualmente agressivo ou coercive, facilitado pelo uso de

plataforma sociais digitais (isto é, mensagens de texto, sites de redes

sociais, aplicativos de telemóveis, etc.). Tais comportamentos podem

incluir, mas não estão limitados a: enviar fotos de nudes ou mensagens

sexualmente explícitas a outra pressoa sem o seu consentimento

expresso, ameaçar partilhar online uma foto de alguém se esta pessoa não

consete contato sexual, coagir alguém a enviar fotos sexualmente

explícitas contra a sua vontade, aprtilhar fotos ou mensagens

sexualmente explícitas com outras pessoas que não as inicialmente

destinadas a usar plataformas socias digitais, fazer publicamente

comentários sexualmente explícitos não desejados nas redes sociais etc.

de alguém. (p.82)

108

Internet. Adicionalmente, os seus resultados apontam que 47.6% do conjunto de

participantes perpetrou cyberbulling contra o/a namorado/a com uso de telemóvel e

14% através da Internet. Neste estudo, os rapazes surgem como os principais

perpetradores de cyberbulling.

Relativamente às dinâmicas de ciberviolência na intimidade, Lúcio-López e

Prieto-Quezada, (2014) verificaram que 59.4% dos/as adolescentes participantes no seu

estudo perguntam ao/à namorado/a sobre as suas amizades nas redes sociais e que 59%

controlam as suas interações virtuais. Verificaram também que 27.2% afirmou já ter

falseado uma identidade para controlar o/a namorado/a. Estes resultados vão ao

encontro dos obtidos no trabalho de Sánchez, Munoz e Ortega (2015) que concluiu que

93% dos/as jovens já tinha estado envolvido em práticas de abuso digital, sobretudo

através de controlo (85.3%) e de comportamentos online intrusivos (75.3%). No mesmo

sentido, Borrajo, Guadix, Pereda e Calvete (2015) concluem que as agressões diretas e o

controlo são as estratégias mais frequentes nas dinâmicas de abuso digital em relações

de intimidade juvenil. Outras estratégias que emergem na literatura disponível,

constatam também que 16.7% dos/as participantes trocou as passwords com o/a

namorado/a e 6.1% afirmou ter roubado a chave do endereço eletrónico do/a

namorado/a. Um total de 12% enviou mensagens que desprestigiavam o seu namorado/a

e 15.4% foi vítima desta situação (Montilla, Pazos Gómez, Coronado, & Oliva, 2016).

Adicionalmente, Cortésa, Aragóna, Martíneza, e Méndez (2017) apontam que o

controlo, monitorização e vigilância online está presente em 44.3% das situações de

violência digital, seguindo-se de agressão verbal em 15.5%, de agressão sexual em

11.9%, de coação sexual em 7.7% e de humilhação em 6.6%.

Estudos recentes, como o de Rodríguez, Alonso, Lameiras e Faílde (2018) e

Rodríguez, Alonso, Martínez, Carrera e Lameiras (2019), concluem que a

ciberviolência nas relações de intimidade juvenil é perpetrada sobretudo com recurso ao

controlo online e à vigilância de atividades. Estes resultados apresentam que mais de

um terço dos/as participantes revelaram ser controlados/as pelo/a namorado/a

virtualmente e quase metade refere que o/a namorado/a toma conta da hora da sua

última ligação à Internet nas diferentes aplicações do telemóvel. Tendo em conta as

diferenças de género, cerca de 19% dos rapazes e 29.4% das raparigas admitiram

controlar as amizades do/a namorado/a nas aplicações e redes sociais, porém são as

110

constructo no crescente número de investigações sobre a temática, remetendo-o para

uma “área cinzenta” (Barrense-Dias et al., 2017, p. 544).

Drouin, Vogel, Surbey e Stills (2013) mencionam a existência de várias

inconsistências em torno do estudo do sexting, identificando três áreas, em particular,

onde estas se repercutem: na definição do conteúdo da mensagem, no meio usado para

envio e na caracterização do contexto relacional onde decorre. Para estes/as autores/as,

se por um lado as múltiplas definições do conteúdo da mensagem constituem a maior

inconsistência neste campo de estudo, a indefinição sobre o meio de transmissão e envio

da mensagem é, provavelmente, o aspeto que traz mais constrangimentos do ponto de

vista metodológico a este tópico. Estes dois aspetos estão por isso na base das

dificuldades de comparação de dados entre estudos.

As primeiras investigações conduzidas sobre sexting recorreram à utilização de

uma visão mais restrita sobre o fenómeno, limitando-o ao envio de mensagens de texto

com conteúdo erótico e sexual (Martín-Pozuelo, 2015). Perspetivas mais amplas deram

origem a estudos posteriores, tendo-se incluído o envio e receção de fotografias eróticas

ou nudez (Ferguson, 2011) e a intenção de atrair o/a receptor/a (Martínez-Otero, 2013).

Um outro exemplo é o trabalho de Weisskirch e Delevi (2011) que incluiu na definição

utilizada o envio e receção de mensagens de texto, fotografias e vídeos sexualmente

sugestivos ou de nudez. Mais recentemente, Livingstone e Görzing (2014) ampliaram

esta definição incluíndo a criação de conteúdos e troca entre pares através de telemóvel,

redes sociais ou aplicações de mensagens instantâneas, influenciando os estudos

conduzidos na atualidade, estudos estes que têm vindo a incluir a produção, a difusão e

troca de mensagens, fotografias e vídeos de cariz sexual através do uso de diferentes

dispositivos tecnológicos ou até, na visão de investigadores/as tal como Gómez e Ayala

(2014), considerando-o uma ferramenta de cibersedução das sociedades pós-modernas.

Não obstante a diversidade de definições presentes na literatura, na presente

pesquisa utilizou-se esta definição mais recente com o objetivo de ampliar a

possibilidade de captação dos significados atribuídos pelos/as jovens participantes e

permitir a construção da sua própria definição, não excluindo as suas visões sobre esta

prática.

111

Associado às questões da delimitação do constructo anteriormente explanadas, o

estudo da prevalência de sexting demonstra acentuadas inconsistências (Cooper,

Quayle, Jonsson, & Svedin, 2016; Livingstone & Mason, 2015; Lounsbury, Mitchell, &

Finkelhor, 2011) e grandes variações de resultados, que poderão ir dos 0.9 % aos 60%

nos estudos conduzidos junto a pessoas com idades superiores a 18 anos. A este

respeito, os estudos sobre envio e receção apresentam maiores índices de prevalência do

que os estudos apenas sobre o envio de conteúdos sexuais. Constatou-se igualmente que

a idade também influencia os valores, demonstrando-se consistentemente mais altos em

participantes mais velhos/as (Barrense-Dias et al., 2017).

Outras questões metodológicas não menos importantes somam-se a estas, tais

como as diferenças nos instrumentos utilizados (Lounsbury et al., 2011) e a escassez de

estudos qualitativos que permitam inferir sobre significados e contextos desta realidade.

De igual forma, a prevalência internacional dos comportamentos de sexting em

adolescentes não foge à regra no que respeita à grande variabilidade dos valores

encontrados. Alguns estudos evidenciam taxas de prevalência baixas ou médias que

oscilam entre os 9.6% e os 19% (Cox-Communications, 2009; Dake, Price, Mazriarz, &

Ward, 2012; Mitchell, Finkelhor, Jones, & Wolak, 2012); outros apontam níveis mais

elevados situados entre os 22% e os 54% (Houck et al., 2014; Van-Ouytsel, 2017).

Dentro dos estudos que pretendiam averiguar o envio ou “post” online de

conteúdos sexuais, Baumgartner, Sumter, Peter, Valkenburg e Livingstone (2014)

encontraram prevalências que oscilam entre os 0.9% e os 11.5% entre jovens com

idades compreendidas entre os 11 e os 16 anos. Um outro estudo (Kopecky, 2012)

conduzido com jovens da República Checa verificou que cerca de 9.7% destes/as

tinham enviado uma imagem ou vídeo seu nu/a ou parcialmente nu/a. Este envio de

sexts adolescentes tem vindo a demonstrar-se mais comum entre parceiros românticos

(Burén & Lunde, 2018).

Relativamente aos dados disponíveis na literatura sobre a receção de imagens

com conteúdo sexual, um estudo conduzido no Reino Unido, com jovens dos 11 aos 16

anos, encontrou prevalências de 15% para a receção de mensagens sexuais, tendo

apenas um quarto destes/as indicado desconforto após este evento (Livingstone &

Görzig, 2014).

112

Tendo em conta os estudos que se focaram na averiguação da prevalência de

sexting, incorporando as práticas enviar, receber e disseminar na definição utilizada,

destaca-se o estudo de Lenhart (2009) cujos dados indicam que 4% dos adolescentes de

nacionalidade americana, com idades compreendidas entre 12 e 18 anos, enviaram

imagens ou vídeos sexualmente sugestivos e 15% receberam conteúdos semelhantes.

No mesmo país, Strassberg, McKinnon, Sustaíta e Rullo (2012) verificaram que numa

amostra de 606 estudantes do ensino secundário, 20% tinham enviado uma imagem

pessoal de caráter sexual através do telemóvel, cerca do dobro tinham recebido imagens

com conteúdo semelhante e mais de 25% tinham reencaminhado este tipo de imagens a

outras pessoas. Também os trabalhos de Lippman e Campbell (2014) encontraram

prevalências de 21%, para receção 48% e 2.3% para reencaminhamento a uma outra

pessoa. Burén e Lunde (2018) verificaram prevalências entre 20% e 32% para a receção

de sexts e 4% a 16% no envio dos mesmos conteúdos numa pesquisa conduzida na

Suécia com 1653 jovens.

Tendo em conta as diferenças de género encontradas, os dados não revelam

também consensualidade, mais uma vez, devido à questão das múltiplas definições

usadas nos estudos (Barrense-Dias et al., 2017). Assim, por um lado existem estudos

que revelam que os rapazes enviam mais frequentemente conteúdos sexuais do que as

raparigas (Baumgartner et al., 2014; Johnsson, Priebe, Bladh, & Svedin, 2014; Van-

Ouytsel, Walrave, & Van Gool, 2014; West, Lister, & Hall, 2014) e outros que

concluíram que são as raparigas quem envia mais conteúdos (Cox Communications,

2009; Livingstone and Görzig, 2014; Ybarra & Mitchell, 2014) e quem reporta mais

solicitações por parte de rapazes (Temple et al., 2012) ou mais pressão para envio

(Burén & Lunde, 2018). Outros estudos ainda, indicam que não há diferenças entre

rapazes e raparigas relativamente à recepção e envio de conteúdos sexuais (Dake et al.,

2012; Lenhart, 2009).

Os estudos qualitativos têm por isso providenciado importantes contributos para

o conhecimento sobre esta prática, confirmando que as raparigas são mais alvo de

críticas negativas derivadas dos seus comportamentos de sexting do que os rapazes

(Barrense-Dias et al., 2017; Lippman & Campbell, 2014; Ringrose & Harvey, 2015;

Ringrose, Harvey, Gill, & Livingstone, 2013) ou quando recusam o envio de sexts

(Lippman & Campbell, 2014). O aspeto da pressão para envio sentida pelas jovens

113

raparigas é apoiada no trabalho de Ringrose, Gill, Livingstone e Harvey (2012) que

refere que os rapazes parecem desempenhar um papel mais ativo solicitando,

armazenando e distribuindo sexts de raparigas ou usando-os como moeda de troca.

Ainda tendo em conta a variável idade, vários estudos indicam que o sexting é

mais frequente em adolescentes mais velhos/as (Baumgartner et al., 2014; Cox

Communications, 2009; Dake et al., 2012; Livingstone & Görzig, 2014; Strassberg, et

al., 2012; Ybarra, Kimberly, & Mitchell, 2014).

Fazendo a comparação entre países, as culturas mais tradicionais revelam

diferenças de género mais acentuadas, realçando que os rapazes estão mais envolvidos

em comportamentos de sexting do que as raparigas (Baumgartner et al., 2014; Ybarra &

Mitchell, 2014).

Evidências nacionais

Em Portugal, as evidências científicas são ainda escassas, apesar de algumas

investigações contribuírem com informações relevantes para o estudo do fenómeno. No

âmbito do projeto EUKO, Baumgartner et al. (2014) concluíram que 3% dos/as

adolescentes portugueses/as, com idades compreendidas entre os 11 e os 16 anos, já

praticou sexting, tendo a prática sido mais prevalente em rapazes (3.4%) do que em

raparigas (2.6%). Através do inquérito realizado pelo projeto NCGM (Simões et al.,

2014), em termos globais e quanto à incidência de sexting, apurou-se que 5% das

crianças e adolescentes portugueses/as afirmam ter experienciado esta situação, e que

apenas 3% se sentiram incomodados/as com o sucedido. Apesar de estes resultados

mostrarem um claro recuo em relação aos resultados de 2010, quando atingiram 15%

(Simões et al., 2014), o atual valor de incidência em Portugal situa-se abaixo da média

europeia (11%), que oscila entre os 5% (Itália, Reino Unido, Portugal) e os 22%

(Roménia – 21%; Dinamarca – 22%). Adicionalmente, os dados deste estudo apontam

que as raparigas, mais do que os rapazes, referem receber este tipo de mensagens bem

como os/as adolescentes mais velhos/as (15-16 anos) e os/as internautas de famílias de

meio socioeconómico baixo.

A investigação conduzida por Silva, Teixeira, Vasconcelos-Raposo e Bessa

(2016), com pessoas de idades compreendidas entre os 18 e os 52 anos, indica que as

114

mulheres apresentam atitudes positivas face ao sexting, sendo também elas as que mais

interesse demonstram neste tipo de comportamentos. Relativamente ao estudo da idade,

os/as participantes mais jovens apresentam maior interesse no sexting e os/as que têm

atitudes mais positivas face a estas práticas.

2.2.2.2. Motivações e Atitudes face ao sexting

Apesar da escassez de estudos de natureza qualitativa onde possam ser tidas em

consideração as motivações para comportamentos de sexting por parte de jovens rapazes

e raparigas, Cooper et al. (2016) dividiram em quatro os principais motivos para as

práticas de sexting encontradas na literatura: flirtar ou despertar atenção romântica,

prática consensual dentro de uma relação de itimidade, experimentação juvenil e

pressão de pares.

Outros estudos anteriores foram identificando de igual forma estas razões,

nomeadamente, o despertar da atenção e interesse amoroso do/a namorado/a ou de

alguém com quem se gostaria de manter uma relação íntima. Esta motivação também

foi constatada no trabalho de Kopecký (2012), assim como a facilitação de contacto

sexual posterior (Henderson & Morgan, 2011; Lippman & Campbell, 2014; NCPTUP,

2008). Neste sentido, Temple e Choi (2014) concluíram que o sexting é,

frequentemente, um comportamento preliminar às relações sexuais dentro de um

relacionamento de intimidade juvenil. E, de facto, apesar de não ter sido encontrada

associação entre sexting e a satisfação com a relação, estas práticas podem ser

compreendidas nos/as adolescentes como formas de expressão de sentimentos e de

necessidade de proximidade física e sexual nos relacionamentos de intimidade juvenil

(Van Ouytsel, Walrave & Ponnet, 2019).

Assim sendo, o sexting tem vindo a ser entendido como uma prática considerada

frequente entre parceiros/as íntimos (NCPTUP, 2008; Van-Ouytsel et al., 2017) e

fazendo parte de dinâmicas de relacionamento amoroso. Assim, a vontade de se

“oferecer um presente sexy” ao/à namorado/a (NCPTUP, 2008), a necessidade de

retribuição por se ter recebido anteriormente conteúdos de natureza sexual assim como

de reforçar ou provar confiança (Drouin et al., 2013; Lenhart, 2009), são aspetos que

têm vindo a surgir associados à pratica de sexting entre casais.

115

Porém, as características específicas de cada relacionamento de intimidade

poderão estar relacionadas com diferentes motivações para o sexting (Mitchell et al.,

2012), sendo, por isso, importante aprofundar o conhecimento sobre esta associação e

perceber, por exemplo, se relações mais comprometidas ou mais casuais, influenciam as

motivações para a prática. A este respeito, Drouin et al. (2013), sugerem que em

relacionamentos mais comprometidos, o sexting poderá ser motivado pela necessidade

de manutenção da intimidade, como, por exemplo, nas situações em que um/a dos/as

parceiros/as intímos está longe. Por outro lado, a prática de sexting com intuito de

relações sexuais poderá estar associada a relacionamentos mais casuais.

O sexting pode também ser motivado pela curiosidade e experimentação juvenis

que ocorre com o aparecimento de novas oportunidades no espaço online (Bailey &

Hanna, 2011). O aborrecimento, a influência do ambiente ou de pares e a auto-

representação são aspetos que emergiram no estudo de Kopecký (2012) relacionados

com a necessidade de descoberta e exploração da sexualidade juvenil. Outros estudos

constataram que os/as jovens o consideram divertido (Cox-Communications, 2009) e

uma forma de explorar a sua identidade (Henderson & Morgan, 2011; Kopecky, 2015).

Por último, a pressão de namorados/as e/ou pares surge ainda na literatura como

um dos motivos relacionados com a prática de sexting (Englander, 2012; Lee, Moack, &

Walker, 2016; NCPTUP, 2008). As pressões para o envolvimento em comportamentos

de sexting relacionam-se com situações de violência digital na intimidade juvenil. Desta

feita, Marcum, Higginns e Ricketts (2014) verificaram no seu estudo que 13% dos

comportamentos de sexting foram “não desejados” mas consentidos, indo ao encontro

dos 60% dos/as adolescentes descobertos por Temple e Choi (2014) que tiveram

comportamentos de sexting a pedido de outra pessoa. Alguns estudos referem que as

raparigas reportam mais frequentemente esta pressão do que os rapazes (AP-MTV,

2009; Englander, 2012; Temple et al., 2012; Van-Ouytsel et al., 2017; Walker, Sanci, &

Temple, 2013). O estudo National Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregnancy

(NCPTUP, 2008) indicou a presença de 51% de raparigas que praticavam sexting

devido a pressões de rapazes, comparativamente com 18% de rapazes mencionando a

pressão de raparigas para o fazerem. No trabalho de Choi, Van Ouytsel & Temple

(2016) evidencia-se o elevado número de raparigas que terá sofrido coerção sexual

relacionada com as práticas de sexting, tendo 14.7% enviado sexts e 13.4% recebido,

116

indo ao encontro do estudo de Smith-Darden et al. (2017), onde 8% das participantes

referiram ter sido obrigadas pelos namorados a enviar conteúdos de natureza sexual. Por

fim, o estudo de Wolak et al. (2012) identificou que a pressão, a coerção, a chantagem e

o uso dos sexts como formas de vingança contra o/a parceiro/a afetivo/a são mais

frequentemente praticados pelos rapazes contra as/os suas/seus parceiras/os.

A literatura disponível tem vindo, conjuntamente, a debruçar a sua atenção sobre

as atitudes juvenis face ao sexting. Alguns dos dados encontrados revelam atitudes mais

positivas nos/as participantes que mencionaram já terem praticado sexting do que nos/as

participantes que nunca o tinham feito (Meydan, Mitchell, & Rothman, 2018;

Strassberg et al., 2013).

Outros estudos mencionam que jovens adolescentes, com idades entre os 13 e os

18 anos, consideram o sexting errado, quando praticado antes dos 18 anos (Cox

Communications, 2009) ou uma prática perigosa (Pérez, Fuente, García, Guijarro, &

Blas, 2010). Porém, noutro estudo, foram precisamente os/as adolescentes mais

novos/as quem considerou a prática mais divertida e flirty (NCPTUP, 2008). Os/as

jovens universitários/as são quem mais revela considerar o sexting com o/a parceiro/a

uma prática adequada num relacionamento de intimidade (Woolard, 2011), tendo-se

paralelamente verificado que são os/as jovens mais velhos/as que demonstram atitudes

mais positivas face a estes comportamentos (Meydan et al., 2018).

As raparigas, contudo, tendem a relatar experiências menos positivas associadas

a estes comportamentos (Englander, 2012) e a serem percecionadas mais negativamente

pelos pares (Cooper et al., 2016; Klettke, Hallford, & Mellor, 2014) quando o fazem,

surgindo no estudo de Walrave, Heirman e Hallam (2014) com atitudes mais

desfavoráveis face ao sexting e com um papel mais passivo na produção de conteúdos

para consumo masculino. Speno e Aubrey (2019) referem que a auto-objetificação está

associada positivamente a atitudes mais favoráveis face ao sexting, funcionando,

posteriormente, como preditor de envolvimento em sexting com parceiro/a de confiança

ou em sexting resultante de sugestões situacionais, enquanto que Van Ouytsel, Ponnet e

Walrave (2016) consideram que o sexting está mais frequentemente associado ao

consumo de pornografia para rapazes e raparigas.

117

2.2.2.3. Emergência de riscos associados: sextorsion, cyberstalking e revenge porn

Na opinião de Gómez e Ayala (2014) há uma demonização e criminalização

presente na investigação sobre o tema, que se foca, em grande extensão, na procura de

ligação do sexting com outros comportamentos de risco para a saúde juvenil (consumos:

uso de drogas e tabaco; promiscuidade: sexo oral e anal - double standard), decorridos

debaixo e pressão e coação. Alguns destes estudos encontraram uma associação entre

sexting juvenil e outros comportamentos de risco, dos quais se destacam os

comportamentos sexuais de risco (Judge, 2012; Richards & Calvert, 2009; Temple et

al., 2014). Além destes, foram conduzidos estudos sobre as associações entre sexting e

uso de substâncias e impulsividade, sendo, contudo, necessárias mais explicações sobre

estas relações, nomeadamente, se as substâncias poderão funcionar como desinibidoras

ao envio de sexts, se estão relacionadas com a exposição a modelos familiares com

consumos prévios ou a grupos de pares com comportamentos transgressivos (Temple et

al., 2014). Outras investigações ainda acrescentam que personalidades sensation seeking

surgem como preditoras do envolvimento em comportamentos sexting (Baumgartner,

Sumter, Peter, & Valkenburg, 2012; Van Ouytsel et al., 2014; Ybarra & Mitchell,

2014).

No que respeita à perceção do risco, os/as jovens demonstram estar conscientes

de diferentes desfechos negativos decorrentes do envio de conteúdos sexuais, tendo

75% dos/as adolescentes que participaram no estudo NCPTUP (2008) indicado que o

envio de sexts poderá ter consequências muito severas. O estudo de Wei (2012)

corrobora a perceção de elevado risco por parte dos/as jovens e ainda acrescenta que as

raparigas são percecionadas como as principais vítimas de práticas ou que poderão

sofrer maiores danos. Contudo, apesar das perceções sobre diferentes desfechos e

riscos, o facto é que os/as jovens continuam a fazê-lo, não se tendo encontrado dados

que distingam sexters de não sexters sobre o maior ou menor grau de risco

percecionado (Gómez & Ayala, 2014).

A perda de controlo sobre imagens e outros conteúdos que são divulgados sem

consentimento e o seu encaminhamento a um potencial ilimitado de recetores das

imagens, textos ou gravações de conteúdo erótico-sexual são dois possíveis desfechos

das práticas de sexting (Van-Ouytsel, Van-Gool, Walrave, Ponnet, & Peeters, 2016).

118

Adicionalmente, a associação de comportamentos de sexting a atos abusivos de

intimidade juvenil poderá relacionar-se com três fenómenos de vitimação digital que se

interligam, nomeadamente, sextorsion, cyberstalking e revenge porn, também

conhecida como “pornografia de vingança”.

Fajardo, Gordillo e Regalado (2013) definem-na como sextorsion com base na

chantagem e no uso de mensagens, fotos ou vídeos que a vítima poderá ter produzido

através de ameaças da sua divulgação e com vista a obter algum benefício. Segundo

Rodríguez et al., (2019) consiste num tipo de violência associado a comportamentos de

sexting, podendo incluir pressão, coação ou obrigação do/a namorado/a a enviar

material erótico-sexual por meio tecnológico e virtual ou, depois de participar em algum

comportamento de sexting, ocorrer chantagem ou extorsão do/a namorado/a com vista a

atingir os fins desejados, como, por exemplo, mais sexts, relações sexuais, entre outros.

Esta forma de violência é um tipo de exploração sexual não exclusiva de casais de

adolescentes (Almanza, Castillejo, & Vargas, 2013).

O segundo fenómeno, denominado de ciberstalking, é também conhecido como

“assédio cibernético”. O ciberstalking é realizado contra a vontade da vítima, através de

ameaças constantes e apoia-se no medo ou ameaça percecionada da vítima (Torres,

Robles, & De Marco, 2014), constituindo-se uma invasão repetida e disruptiva da vida

das vítimas e uma forma de perseguição e abuso através das tecnologias e da Internet

(Bocji & Farlane, 2002; Royakkers, 2000). Estes comportamentos, executados de forma

intencional, são utilizados para prejudicar, principalmente, os/as namorados/as ou ex-

namorados/as, no espaço virtual ou através dos dispositivos tecnológicos, convertendo-

se em manifestações de ciberviolência nas relações adolescentes e adquirindo a forma

de ameaças, falsas acusações, roubo de identidade, vigilância das atividades online da

vítima, chantagem, humilhações públicas, entre outras configurações (Bocij &

McFarlane, 2002; Estébanez, 2013). Os dados de cyberstalking mostram que as vítimas

tendem a ser jovens, entre os 16 e os 29 anos, e que cerca de 78% das mulheres que

sofreram assédio offline também o vivenciaram online (Burgess & Baker, 2002),

alinhando-se com outros/as investgadores/as que consideram que esta modalidade tem

raízes no stalking tradicional (Ellison, 1999; Gregorie, 2001). Tendo em conta a sua

prevalência, o estudo conduzido por Smith-Darden et al. (2017) indica que afeta 17% de

casais de jovens adolescentes.

119

Por último, a disseminação não consensual destas imagens ou conteúdos sexuais

pelo/a namorado/a, ou ex-namorado/a com intuito de prejudicar a vítima (Halder &

Jaishankar, 2013; Walker & Sleath, 2017) é designada de revenge porn. A “pornografia

de vingança” constitui-se uma forma de abuso sexual genderizada (McGlynn, Rackley

& Houghton, 2017) que, frequentemente, ocorre no seguimento de uma rutura da

relação de intimidade adulta ou juvenil (Bloom, 2014; Matsui, 2015; Osterday, 2016),

sem mútuo acordo (Dawkins, 2014; Ronay, 2014), tomando forma de pornografia não

consentida (Rodríguez-Castro et al., 2019). Os estudos sobre taxas de prevalência

apontam que a vitimação se situa entre 1.5% e 30% (Dick et al., 2014; Stanley et al.,

2016) mostrando ainda que 14% a 24% dos/as jovens se auto-identificaram como

perpetradores/as (Stanley et al., 2016). Walker e Sleath (2017) consideram a

“pornografia de vingança” como um tipo de abuso sexual baseado em imagens e

Branch, Hilinski, Johnson e Solano (2017) verificaram que 10% da amostra do seu

estudo tinha uma foto privada que tinha sido partilhada com mais pessoas do que o

destinatário final e que 53.8% dos/as participantes referiram ficar perturbados/as quando

algumas fotos sexuais foram partilhadas sem consentimento. As raparigas surgem como

as príncipais vítimas deste estudo. As consequências para as vítimas do género

feminino, tal como sinaliza Bates (2017), são sobretudo sentimentos de ansiedade,

depressão, transtorno pós-traumático e pensamentos suicídas.

Estudos sobre estes emergentes fenómenos são ainda escassos, porém é urgente

o investimento académico para melhor conhecer as dinâmicas que pautam a

transposição da violência na intimidade para o espaço online e desenvolver e

implementar programas co-educativos que promovam um uso responsável dos

dispositivos tecnológicos e dos espaços virtuais bem como de relações livres de

violência offline e online (Rodríguez et al., 2019).

2.2.2.4. Consequências

Os/as jovens parecem percecionar os comportamentos de sexting como uma

prática perigosa, identificando como possíveis consequências exploitation e bullying,

possíveis ataques ou abusos sexuais, má reputação, sanções legais ou punições

escolares, aumento da probabilidade de ser raptado/a ou morto/a e suicídio (Kopecký,

2012).

120

Segundo Livingstone e Gorzig (2014), além da escassez de estudos sobre as

consequências do sexting juvenil, verifica-se ainda menos estudado o impacto negativo

ou a avaliação dos danos da disseminação não consentida destes conteúdos. Por este

motivo, conduziram um estudo sobre receção de sexts e experiência de dano associada

tendo concluído que os rapazes, os/as jovens com mais dificuldades psicológicas e os/as

jovens que apresentam comportamentos de risco offline são quem apresenta maior

probabilidade de receber conteúdos de natureza sexual. Considerando o dano sofrido,

foram as raparigas, os/as adolescentes mais novos/as e os/as que enfrentam dificuldades

psicológicas quem mais reporta desconforto decorrente da receção destes conteúdos.

Tal como referem Van- Ouytsel et al. (2016), a violência digital nos

relacionamentos de intimidade ocorre sem que vítima e agressor tenham,

necessariamente, de estar juntos. Tendo em conta que pode acontecer a qualquer hora e

em qualquer lugar, as consequências associadas à ciberviolencia nos relacionamentos de

intimidade juvenil podem ser maximizadas (Rodríguez et al., 2019).

Esta distribuição não consensual e partilha de imagens sexuais privadas de uma

forma generalizada, muitas vezes sob a forma de revenge porn, tem repercussões não só

no imediato, mas constitui também uma ameaça constante de que essas imagens possam

ressurgir mais tarde na sua vida, trazendo danos diferenciados (Rodríguez, Alonso,

Carrera, Faílde, & Cid, 2016).

Na verdade, alguns estudos têm vindo a relacionar o envolvimento em práticas

de sexting com sintomatologia psicológica, tendo sido encontrada a associação

sentimentos de tristeza, raiva e transtornos de ansiedade (Bilic, 2013; Korenis & Billick,

2014; Temple et al., 2014), bem como depressão e suicídio (Siegle, 2010), afetando o

desenvolvimento psicológico, sexual, afetivo e/ou social. Porém, a grande maioria

destes estudos não são longitudinais e permitem apenas capturar variáveis

simultaneamente presentes num mesmo momento da pesquisa e não, como seria

desejável, na sua relação de causa-efeito (Livingstone e Gorzig, 2014). Porém, como

referem Temple et al. (2014), se o sexting poderá ser considerado um “marcador” (p.

35) para diferentes comportamentos de risco, não existem evidências de que se constitui

um “indicador” de comprometimento ou diminuição da saúde mental juvenil.

121

Olhando para os estudos conduzidos no contexto português, o impacto do

cyberbullying perpetrado por um/a namorado/a constitui-se um acontecimento com um

impacto negativo muito acentuado, tendo Neves, Ferreira, Abreu, Borges e Topa (2019)

verificado que 57% das vítimas de cyberbullying sofre um efeito psicológico

considerável.

2.3 A Participação Juvenil nas Políticas Públicas de Combate à Violência

nos Relacionamentos de Intimidade

“Some say I should be in school. But why should any young person be

made to study for a future when no one is doing enough to save that

future? What is the point of learning facts when the most important

facts given by the finest scientists are ignored by our politicians?”

Greta Thunberg, 16 anos, ativista ambiental sueca

As palavras de Greta Thunber são sobre a crise ambiental com que nos

deparamos atualmente, mas poderiam ser perfeitamente transpostas para as

desigualdades de género estruturais. Não pretendendo questionar se as crianças e os/as

jovens deverão obrigatoriamente ter acesso a sistemas educativos formais e a frequentá-

los, importa problematizar, partindo das mesmas perguntas colocadas pela jovem sueca.

Por que preparar os/as jovens para um futuro que estruturalmente de vislumbra desigual,

muitas vezes em contextos escolares pautados já por mecanismos que permitem o

assédio sexual nos seus espaços, coartam liberdades individuais e esculpem crianças e

jovens para o aprimorado desempenho dos papéis de género desejado pelas suas

famílias, sociedades e culturas? Qual o propósito da aprendizagem escolar se esta

denota um desfasamento da produção do conhecimento nos estudos de género e de

saúde sexual e reprodutiva e, como na situação portuguesa, até das políticas públicas e

dos compromissos estatais, assumidos internacionalmente, de combate à violência de

género? Qual o papel dos/as jovens face a este cenário? Quais as suas visões e sonhos?

De que forma imaginam o seu futuro e como podemos preparar o seu caminho para os

passos que irão dar? Que soluções vislumbram para os problemas sociais com que nos

deparamos? Como são incluídos nos processos consultivos das políticas públicas que

afetam as suas vidas? Quando os ouviremos e como os ouviremos são algumas das

124

define eixos e objetivos estratégicos de âmbito nacional até 2030. Desta estratégia

fazem parte três planos de ação onde constam medidas e metas concretas até 2021:

- Plano de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens;

- Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as

Mulheres e a Violência Doméstica;

- Plano de Ação para o Combate à Discriminação em razão da Orientação

Sexual, Identidade e Expressão de Género, e Características Sexuais.

A temática da violência no namoro é diretamente abordada no Plano de Ação

para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica

(2018-2021) no objetivo estratégico 1: Prevenir - erradicar a tolerância social às várias

manifestações da VMVD, conscientizar sobre os seus impactos e promover uma cultura

de não violência, de direitos humanos, de igualdade e não discriminação, mais

concretamente no objetivo específico 1.2 - Qualificar os programas de prevenção

primária e secundária e respetivas entidades e profissionais, e promover a sua

implementação a nível territorial através das medidas: 1.2.1- Avaliação da eficácia e da

conformidade dos programas de prevenção primária e secundária que acedem a

financiamento público, com requisitos mínimos a fixar num guia e 1.2.2 1.2.2. -

Promoção de programas e mecanismos de prevenção e estratégias de apoio a crianças e

jovens, ao nível da prevenção primária e secundária. Os indicadores de resultados

estabelecidos para o cumprimento destas medidas foram:

- Programas que acedem a financiamento público avaliados em

conformidade com o guia;

- Rapazes em CE e escolas que demonstram alteração (positiva) de

comportamentos/percepções;

- Projetos de prevenção da violência no namoro na plataforma, que adotam

metodologias uniformizadas.

Acresce ainda a Lei n.º 60/2009 para a implementação da Educação Sexual em

contexto escolar (Diário da República, I Série, n.º 151, de 6 de agosto 2009), que se

inscreve na Educação para a Saúde em meio escolar, sendo considerado um documento

de relevo para o combate à violência no namoro e a promoção de relacionamentos

125

igualitários inicialmente impulsionada pelo debate público e preocupações relacionadas

com a gravidez adolescente, a prevenção de infeções sexualmente transmissíveis e

comportamentos sexuais de risco que se fizeram sentir no decorrer da década de 90 em

Portugal.

A definição de Educação Sexual engloba o “processo pelo qual se obtém

informação e se formam atitudes e crenças acerca da sexualidade e do comportamento

sexual” (GTES, 2005, p. 7), estabelecendo a presente Lei n.º 60/2009 (Diário da

República, I Série, n.º 151, de 6 de agosto 2009), a obrigatoriedade do seu regime de

aplicação nos projetos educativos escolares. Por esta via, comprometem-se ao

cumprimento das seguintes finalidades de seguida apresentadas (cf. Tabela 3).

Tabela 3

Finalidades da Lei da Educação Sexual (Lei n.º 60/2009)

a. A valorização da sexualidade e afectividade entre as pessoas no desenvolvimento individual,

respeitando o pluralismo das conceções existentes na sociedade portuguesa;

b. O desenvolvimento de competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras no

campo da sexualidade;

c. A melhoria dos relacionamentos afetivo-sexuais dos jovens;

d. A redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco, tais como a gravidez

não desejada e a infeções sexualmente transmissíveis;

e. A capacidade de proteção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais;

f. O respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais;

g. A valorização de uma sexualidade responsável e informada;

h. A promoção da igualdade entre os sexos;

i. O reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de

educação, alunos, professores e técnicos de saúde;

j. A compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos;

k. A eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do

sexo ou orientação sexual.

Desta forma, a Lei n.º 60/2009 (Diário da República, I Série, n.º 151, de 6 de

agosto 2009), compreende uma estratégia educativa transversal aos diferentes anos

letivos de escolaridade obrigatória, com exceção do Pré-escolar. Para a concretização

destas finalidades, as escolas são incentivadas ao estabelecimento de parcerias com

outras entidades da área da educação para a saúde e educação sexual, bem como a

126

organizarem gabinetes de informação e apoio ao aluno/a disponíveis à população

escolar, pelo menos durante uma manhã e uma tarde por semana. Estes gabinetes

deverão ser dinamizados por profissionais com formação especializada nestas matérias

e articular com os gabinetes de saúde infantil e unidades móveis ao dispor das escolas

do Instituto Português da Juventude e do Desporto.

A Portaria n.º 196- A/2010 de 9 de Abril (Diário da República, I série, n.º 69 de

9 de abril de 2010) veio regulamentar a Lei n.º 60/2009 (Diário da República, I Série,

n.º 151, de 6 de agosto 2009) e definir as orientações curriculares adequadas para os

diferentes níveis de ensino, respondendo aos objetivos mínimos da área da Educação

Sexual. Estes objetivos poderão ser concretizados nos períodos destinados às áreas

curriculares e não curriculares e integrados na Educação para a Saúde (cf. Tabela 4a e

4b).

Tabela 4a

Orientações curriculares para a implementação da educação sexual por nível de ensino

1.º ciclo

(1.º ao 4.º anos)

Carga Horária: mínimo 6 horas/ano

Noção de corpo; O corpo em harmonia com a Natureza e o seu ambiente social e cultural; Noção de família; Diferenças entre rapazes e raparigas; Proteção do corpo e noção dos limites, dizendo não às aproximações abusivas.

2.º ciclo

(5.º e 6.º anos)

Carga Horária: mínimo 6 horas/ano

Puberdade - aspetos biológicos e emocionais; O corpo em transformação; Caracteres sexuais secundários; Normalidade, importância e frequência das suas variantes biopsicológicas; Diversidade e respeito; Sexualidade e género; Reprodução humana e crescimento; contraceção e planeamento familiar; Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas; Dimensão ética da sexualidade humana.

127

Tabela 4b

Orientações curriculares para a implementação da educação sexual por nível de ensino

3.º ciclo

(7.º ao 9.º anos)

Carga Horária: mínimo 12 horas/ano

Dimensão ética da sexualidade humana: Compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa, no contexto de um projeto de vida que integre valores (por exemplo: afetos, ternura, crescimento e maturidade emocional, capacidade de lidar com frustrações, compromissos, abstinência voluntária) e uma dimensão ética; Compreensão da fisiologia geral da reprodução humana; Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório; Compreensão do uso e acessibilidade dos métodos contracetivos e, sumariamente, dos seus mecanismos de ação e tolerância (efeitos secundários); Compreensão da epidemiologia das principais IST em Portugal e no mundo (incluindo infeção por VIH/vírus da imunodeficiência humana - HPV2/vírus do papiloma humano - e suas consequências) bem como os métodos de prevenção. Saber como proteger o seu próprio corpo, prevenindo a violência e abuso físico e sexual e comportamentos sexuais de risco, dizendo não a pressões emocionais e sexuais; Conhecimento das taxas e tendências de maternidade e da paternidade na adolescência e compreensão do respetivo significado; Conhecimento das taxas e tendências das interrupções voluntárias de gravidez, suas sequelas e respetivo significado; Compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e reprodutiva saudável e responsável; Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.

Ensino Secundário

Carga Horária: mínimo 6 horas/ano

Compreensão ética da sexualidade humana. Sem prejuízo dos conteúdos já enunciados no 3.º ciclo, sempre que se entenda necessário, devem retomar-se temas previamente abordados, pois a experiência demonstra vantagens de se voltar a abordá-los com alunos que, nesta fase de estudos, poderão eventualmente já ter iniciado a vida sexual ativa. A abordagem deve ser acompanhada por uma reflexão sobre atitudes e comportamentos dos adolescentes na atualidade: Compreensão e determinação do ciclo menstrual em geral, com particular atenção à identificação, quando possível, do período ovulatório, em função das características dos ciclos menstruais. Informação estatística, por exemplo sobre: Idade de início das relações sexuais, em Portugal e na UE; Taxas de gravidez e aborto em Portugal; Métodos contracetivos disponíveis e utilizados; segurança proporcionada por diferentes métodos; motivos que impedem o uso de métodos adequados; Consequências físicas, psicológicas e sociais da maternidade e da paternidade de gravidez na adolescência e do aborto; Doenças e infeções sexualmente transmissíveis (como infeção por VIH e HPV) e suas consequências; Prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.

128

Tendo em conta alguns dos contributos académicos sobre a temática da

Educação Sexual, é possível constatar que Portugal carece de programa que se constitua

uma abordagem compreensiva sobre como o género e a cultura de classe étnica,

regional e local podem determinar a forma como rapazes e raparigas vivenciam a sua

sexualidade (Saavedra, Magalhães, & Soares, 2007). Um outro trabalho, de Santos et

al., (2012) constata uma aparente ocultação da forma como rapazes e raparigas vivem e

constroem as suas experiências sexuais e uma tendência para a transmissão de

sexualidades hegemónicas que silenciam outras orientações sexuais. Desta feita,

consideram a educação sexual um importante veículo de empoderamento, cidadania e

autonomia das jovens do sexo feminino tendo em conta as dificuldades apresentadas

pelas jovens mulheres para a negociação da sua sexualidade e desejo.

Por estes motivos, Nogueira, Saavedra e Costa (2008) concluem ser essencial

pensar as diferentes interseções destas categorias para que a intervenção ao nível da

educação sexual seja verdadeiramente eficaz e para que se ultrapassem visões negativas

sobre a sexualidade juvenil na abordagem de informações de prevenção de

comportamentos sexuais de risco. Mais ainda, consideram que os programas de

educação sexual e prevenção de comportamentos específicos devem cuidar do papel de

ambos os sexos na interação sexual, valorizando o envolvimento e cuidado do sexo

masculino nas questões de saúde sexual e reprodutiva e promovendo formas de

comunicação que facilitem a partilha das responsabilidades destas questões entre os/as

parceiros/as íntimos/as.

Um outro exemplo ao nível das políticas nacionais existentes é o Programa

Parlamento dos Jovens, aprovado na Resolução da Assembleia da República 42/2006

(Diário da República, I Série-A, n.º 107, de 2 de junho de 2006), dirigido aos/às jovens

do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e Secundário das escolas do ensino público,

particular e cooperativo do continente, das regiões autónomas e círculos da Europa e de

fora da Europa. Este programa tem como parceiros da Assembleia da República, o

Ministério da Educação, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e as

secretarias regionais que tutelam a educação e a juventude nos Açores e na Madeira

para o desenvolvimento e execução do programa.

129

Esta iniciativa tem como objetivos:

- Educar para a cidadania, estimulando o gosto pela participação cívica e

política;

- Dar a conhecer a Assembleia da República, o significado do mandato

parlamentar, as regras do debate parlamentar e o processo de decisão do

Parlamento, enquanto orgão representativo de todos os cidadãos

portugueses;

- Promover o debate democrático, o respeito pela diversidade de opiniões

e pelas regras de formação das decisões;

- Incentivar a reflexão e o debate sobre um tema, definido anualmente;

- Proporcionar a experiência de participação em processos eleitorais;

- Estimular as capacidades de expressão e argumentação na defesa das

ideias, com respeito pelos valores da tolerância e da formação da vontade

da maioria;

- Sublinhar a importância da sua contribuição para a resolução de questões

que afetem o seu presente e o futuro individual e coletivo, fazendo ouvir

as suas propostas junto dos orgãos do poder político.

O acompanhamento e orientações do modelo de sessões do programa e das suas

etapas preparatórias é da responsabilidade da Comissão Parlamentar de Educação,

Ciência e Cultura. O programa apresenta diferentes fases durante o ano letivo, sendo a

primeira na Escola e consistindo na promoção do debate do tema proposto

internamente, e/ou com convidados/as, e na organização de um processo eleitoral de

formação de listas para eleição de deputados/as, campanha e eleição. Após esta eleição,

decorre uma sessão escolar onde se aprova o projeto de recomendações da escola e se

elegem os/as representantes à sessão distrital ou regional. Na segunda fase, que decorre

ao nível distrital, são apresentados os projetos escolares que se submetem à sessão

nacional e eleitos/as os/as deputados/as jovens para a fase seguinte. A terceira e última

sessão, decorre na Assembleia da República e reúne os/as deputados/as jovens que

representam cada distrito. Após o debate nas comissões, e em plenário, é aprovada a

recomendaçãoo final sobre o tema da edição anual desta iniciativa.

131

para a implementação de políticas que beneficiem tanto a população juvenil como

outros grupos de pessoas. Constitui-se assim também, uma referência de promoção da

cooperação entre jovens, organizações juvenis e órgãos de poder local e regional.

No entanto, a participação juvenil estende-se além do envolvimento político e/ou

participação em conselhos de juventude, podendo materializar-se noutras expressões

juvenis, tais como trabalho voluntário, educação entre pares, presença em cargos de

direção de associações, envolvimento em organizações ou clubes, dinamização de

grupos de discussão online e outras atividades de tempos livres. Apesar de ainda não ser

consensual, são também tidas como novas formas de participação outras expressões, tais

como assinar petições, participação em grupos de apoio, boicote a produtos,

manifestações, usar a Internet para recolher informação, expressar opinião e influenciar

processos de tomada de decisão, entre outras (CoE, 2015).

A participação é um antídoto à prática educativa tradicional, que corre o

risco de deixar os jovens alienados e suscetítiveis à manipulação. Através

duma participação genuina em projetos, que envolvam soluções para

problemas reais, os jovens desenvolvem competencias de reflexão crítica

e de comparação perspectivas essenciais à autodeterminação de crenças

políticas. O benefício é duplo: à auto-realização da criança e à

democratização da sociedade. (Hart, 1992, p. 36)

Tal como refere Hart (1992), a participação constitui-se um direito fundamental

de cidadania, uma vez que permite a aprendizagem aos/às jovens sobre o seu papel

enquanto cidadãos/ãs. Porém, “A participação juvenil não acontece simplesmente; não

se desenvolve do nada” (Faz-te ouvir!, 2015, p. 26). Para que aconteça, é necessária a

presença de algumas pré-condições que permitam e estimulem o envolvimento juvenil,

definidas em e para cada contexto específico pelos/as seus/suas intervenientes. Baseado

na escada da participação de cidadãos de S. Arnstein, Hart propôs um modelo chamado

“escada da participação de crianças”, que ilustra os diferentes graus de participação de

crianças e jovens na vida da comunidade (cf. Figura 2).

132

Figura 2 Escada de Participação de Hart (1992)

A proposta de Hart (1992) compreende oito degraus na escala da participação

juvenil. O topo da escada refere-se a uma participação iniciada por jovens onde pessoas

adultas são convidadas a tomar parte do processo de tomada de decisão, enquanto que

no primeiro degrau da escada falamos duma participação juvenil onde pessoas jovens

são apenas convidadas a participar sem terem qualquer tipo de influência em decisões

ou resultados advindos de determinado processo, sendo na verdade a sua participação

usada apenas para alcançar outros objetivos.

Analisando detalhadamente os restantes degraus, a sétima escada diz respeito a

uma participação semelhante à do último degrau, com a diferença na menor participação

de pessoas adultas. Os degraus quatro a seis relacionam-se com processos iniciados e

geridos por pessoas adultas, diferindo entre eles o tipo de participação e envolvimento

de pessoas jovens. Enquanto que no degrau seis existe uma tomada de decisão

133

partilhada, no quinto degrau existe apenas uma auscultação ou consulta feita a jovens.

Já no quarto degrau, as pessoas jovens são convidadas a assumir papéis ou tarefas

específicas no projeto, sem estarem necessariamente a par do seu papel e influência a

larga escala. No terceiro degrau temos jovens que assumem responsabilidades sem que

tenham qualquer tipo de influência na tomada de decisão e que, consciente ou

inconscientemente, acabam por ter um papel meramente simbólico, sendo dada a

perceção de que os/as jovens participam, mas não tendo, na verdade, qualquer poder de

escolha relativamente ao que fazem ou como o fazem. O segundo degrau diferencia-se

do primeiro na medida em que não existe um uso do papel de jovens, com objetivos

relacionados com os seus interesses, sendo que são usados apenas como “decoração”,

estando presentes em eventos ou projetos com alguma visibilidade, mas sem qualquer

tipo de ação destinada a si em concreto. De acordo com esta proposta de modelo de

participação de crianças e jovens, importa destacar que nos primeiros três degraus da

mesma não existe qualquer tipo de participação de jovens.

Uma outra abordagem à participação juvenil, conhecida OMEDA

(Oportunidades, Meios, Espaços, Direito e Apoio), permite avaliar até que ponto

qualquer um dos cinco principais fatores (oportunidades, meios, espaço, direito e apoio)

influenciam a participação juvenil presente num determinado momento (CoE, 2015) (cf.

Figura 3).

Figura 3 Abordagem OMEDA à participação juvenil

134

Assim, o primeiro fator diz respeito às oportunidades, implicando que, para que

a participação ocorra, é preciso haver uma oportunidade, ou seja, um acesso fácil à

informação, às iniciativas existentes e ao local onde se encontram. Este fator, quando

rigorosamente implementado, permite que os/as jovens possam participar duma forma

informada na sua comunidade local, através de mecanismos que adequados à sua

participação. O fator referente aos meios compreende a existência de recursos básicos,

inerentes quase à sobrevivência de qualquer pessoa, que devem ser assegurados antes de

qualquer outra coisa. Enquanto estas necessidades básicas não forem supridas, é natural

que os/as jovens com menos recursos sintam maior dificuldade em participar na vida da

sua comunidade. Nesse sentido é essencial que se priorize a resposta a necessidades

básicas de forma a não comprometer a participação. O terceiro fator da abordagem

OMEDA diz respeito ao espaço. Foca-se na necessidade física da existência dum espaço

onde os/as jovens possam encontrar-se, reunir-se, organizar e participar nas suas

iniciativas, assim como na existência dum espaço e onde os/as jovens possam, de forma

devidamente enquadrada, tomar parte na elaboração de políticas, através da

manifestação das suas opiniões, duma forma visível, e cujas decisões tomadas tenham

impacto real, fugindo a um esquema de representação simbólica. Posteriormente, o

seguinte fator diz respeito ao direito que os e as jovens têm, fundamental e implícito, de

participar. Este direito vai desde direitos cívicos e políticos, a direitos sociais,

económicos e culturais. Por fim, os jovens têm necessidade de ter apoio para que

possam de facto alcançar as suas ambições, desenvolver o seu potencial e talento. Este

último fator, o apoio, refere-se aos tipos de ajuda que os/as jovens precisam de ter,

podendo manifestar-se de diferentes formas. É importante que os/as jovens possam ter

ajuda financeira para realizar as suas iniciativas, de forma a que não se vejam

impedidos, por exclusão, de participar. Também é necessário que tenham algum tipo de

apoio organizacional ou institucional que reconheça a importância e o contributo do seu

papel na comunidade e que apoie os/as jovens no desenvolvimento das suas iniciativas

duma forma estruturada. Para que haja uma participação significativa, é importante que

os cinco fatores estejam presentes em determinado projeto, iniciativa ou processo e

sejam tidos em conta como um sistema de elementos interdependentes.

Por último, considera-se fundamental promover um diálogo estruturado entre

jovens e representantes das estruturas de governação nos seus diferentes níveis, bem

como aumentar o número de iniciativas que sejam organizados para, com e por jovens

135

sobre igualdade de género. Este reposicionamento poderá trazer consequências positivas

ao nível do impacto individual e comunitário, mas também aumentar a qualidade das

intervenções realizadas, ancorando-as no protagonismo juvenil enquanto ferramenta de

transformação social e promoção da democracia.

2.3.3.1. Potencialidades e constrangimentos da participação juvenil

Como visto acima, a participação juvenil é inerente à criação de condições para

que possa acontecer duma forma produtiva, forma esta que não difere muito da

participação de qualquer cidadão, acarretando, ainda assim, algumas barreiras a

contornar.

A participação juvenil traz benefícios muito concretos e visíveis, não só para

os/as próprios/as jovens, mas também para as organizações e comunidades aonde

pertencem. No entanto, para que haja uma participação significativa, é necessária a

articulação de todas as partes (jovens, associações e administrações local) e a partilha da

responsabilidade na garantia das condições necessárias à participação juvenil.

Considerando as potencialidades da participação juvenil, destacam-se as diferenças

positivas nas suas vidas, fazendo com que se sintam ouvidos/as e estimulando o

desenvolvimento das suas capacidades. Outro aspeto positivo relaciona-se com a

criação de espaços de uso de talentos e competências juvenis em prol da comunidade e,

simultaneamente, o reconhecimento das pessoas adultas sobre o potencial juvenil. A

participação juvenil estimula os/as jovens a assumirem as responsabilidades das suas

ações e deciões e promove uma compreensão mais aprofundada da democracia e do seu

funcionamento. Adicionalmente, torna os processos de tomada de decisão mais

representativos e desenvolve nas pessoas adultas as competências de trabalho com

jovens e a compreensão das suas necessidades e opiniões. Por último, aumenta a

criatividade na abordagem e resolução de questões locais e regionais (CoE, 2015).

Por outro lado, o trabalho com jovens não está isento de constrangimentos,

podendo ser sinalizados, quer ao nível comunitário (associado a questões políticas,

culturais ou de valores), quer ao nível individual. Tendo em conta os constrangimentos

mais estruturais, destacam-se os diferentes valores e hábitos de jovens e adultos/as, o

136

insuficiente apoio e incentivo à participação, a posição dos/as jovens na hierarquia

social, as visões paternalistas sobre a juventude e os estereótipos redutores sobre

adultos/as e jovens (CoE, 2015). Ao nível individual, a autoestima e a sua capacidade de

tomada de perspetiva do/a outro/a influencia a sua capacidade de se percecionar capaz

de colaborar num grupo ou comunidade e a sua habilidade de comunicar eficazmente

com os/as outros/as. Estes aspetos requerem a sensíbilidade dos/as adultos/as às

barreiras trazidas pelas crianças e adolescentes. Também a classe social, e outras

categorias identitárias, tais como o género, poderão comprometer a sua participação, já

que as desigualdades sociais poderão ser transportas para desigualdades ao nível do

acesso a oportunidades de participação (Hart, 1992).

2.3.3.2. A invisibilidade da participação cívica das jovens raparigas

Segundo Weller (2006), existe um gap no conhecimento sobre a participação

feminina nas culturas e subculturas juvenis, tanto nos estudos sobre a juventude como

nos estudos feministas, que resulta numa invisibilização do papel das raparigas nas

manifestações político-culturais, um pouco por todo o mundo, e uma maior dificuldade

de captação dos seus estilos e significados.

Situados entre estes dois campos de saber, os estudos sobre raparigas, também

conhecidos como Girlhood Studies, só muito recentemente foram alvo de maior atenção

e consideração académica, tendo até então ocupado um lugar entre os estudos feministas

e os da juventude. Situada na interface destas duas áreas de conhecimento, esta

emergente área da pesquisa foi frequentemente marginalizada perante a

“masculinização” universal da pesquisa sobre a juventude e a “adultização” dos estudos

feministas que partilhavam, juntamente com os movimentos sociais, preocupações,

primordialmente relacionadas com a vida das mulheres adultas (Kearney, 2009).

A socialização das raparigas tende a promover a sua proteção e dependência e

não a sua autonomia. Desta feita, Hart (1992) constatou um menor número de projetos

comunitários direcionados a raparigas nos países em desenvolvimento, relacionando

este facto com a natureza dos espaços que ocupam, em geral mais limitados ao espaço-

casa e às tarefas que lhes são destinadas. Esta invisibilidade das raparigas requer o

137

desenho de programas que atendam às especificidades culturais de género de forma a

melhor diminuir as barreiras à sua participação. De facto, as jovens raparigas estão

frequentemente fora do centro das atividades desenvolvidas nas associações e clubes

juvenis, sendo, simultaneamente, menos visíveis e as suas necessidades menos tidas em

conta (Batsleer, 2017).

O envolvimento juvenil em grupos formais e não formais na comunidade é

preditor do envolvimento cívico e político na vida adulta (Larson & Hansen, 2005;

Verba, Schlozman, & Brady, (1995). Assim sendo, e indo ao encontro de Batsleer

(2017), a escassa participação de jovens raparigas nestes espaços de promoção de

cidadania contribui para uma maior alienação sobre a importância das atividades cívicas

e políticas na vida adulta. De forma a melhor ilustrar este facto, um estudo italiano

verificou que, apesar de não existirem diferenças no interesse político entre jovens

rapazes e raparigas de 14 anos, o mesmo não se verifica a partir dos 18 anos,

sinalizando-se um maior interesse dos jovens rapazes e acentuando-se este fosso de

género na transição para a vida adulta (Istat, 2010). Esta diferença tende a diminuir

quando as mulheres apresentam uma educação e um nível sócio-económico mais

elevados. Anteriormente, já Jennings (1979) tinha explanado que estas diferenças na

participação cívica e política reforçavam os papéis tradicionais de género e resultavam

em recursos e oportunidades de participação diferenciados para homens e mulheres,

como, por exemplo, o tempo disponível para a participação e a sua concorrência com o

tempo necessário à execução de tarefas tradicionais de género.

Portney, Eichenberg e Neimi (2009) conduziram um estudo com jovens com

idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos sobre diferenças de género na

participação política e cívica, concluindo que os rapazes revelam estar mais informados

do que as raparigas. Para além disso, as suas evidência revelam que assim que as

raparigas obtêm acesso à informação sobre participação política e cívica, esta diferença

esbate-se significativamente. As influências parentais emergiram neste estudo como

particularmente importantes para determinar a participação das jovens raparigas.

Adicionalmente, Cicognani, Zani, Fournier, Gavray e Born (2011) concluiram que as

raparigas são mais incentivadas pelas suas famílias a participarem em atividades

supervisionadas por adultos/as e mais estruturadas. Apesar dos esforços e melhorias que

se têm vindo a fazer para a diminuição do gap de género na participação cívica e

138

política das mulheres ao longo das últimas décadas (Inglehart & Norris, 2003; Paxton,

Kunovich, & Hughes, 2007), as diferenças de género revelam-se em diferentes tipos de

participação. Ou seja, as mulheres optam mais por uma participação informal e

demonstram uma maior inclinação para atividades cívicas, como o voluntariado,

enquanto que os homens revelam uma maior tendência para atividades de cariz político

(Wilson, 2000 as cited in Cicognani et al., 2011).

Outro aspeto a destacar prende-se com diferenças de género na perceção e

desenvolvimento de competências de liderança (Kezar & Moriarty, 2000). Os modelos

de liderança masculina tendem a apoiar-se na hierarquia, poder diretivo e na competição

e recompensa, enquanto que os modelos de liderança feminina apresentam um maior

foco na construção da relação, na empatia e no empoderamento (Douglas, 2012; Kezar

& Moriarty, 2000 as cited in Daniel, Dlamini, Stanton, Koustova, 2013).

Daniel et al. (2013) confirmaram no seu estudo a existência de diferenças de

género e de background cultural no desenvolvimento de competências de liderança,

tendo as jovens participantes identificado barreiras relacionadas com o género, não só

no caminho para chegar a cargos de liderança, mas também na sua autoperceção como

líderes. Este facto parece relacionar-se com a insegurança sobre as suas capacidades,

mesmo em situações onde algumas destas raparigas já demonstravam alto

comprometimento com a comunidade, revelando que vários estereótipos de género se

constituem barreiras à sua participação cívica.

Levando em consieração o anteriormente descrito, e com os olhos postos no

percurso de desenvolvimento de uma jovem rapariga até se tornar mulher adulta,

vislumbra-se a necessidade de reunir esforços educativos para a promoção da

participação cívica e política juvenil que atentem aos dados dos estudos existentes e que

possam incluir estratégias diferenciadas para a promoção do espírito crítico e das

competências cívicas de rapazes e raparigas (Cicognani et al., 2011; Portney et al.,

2009). Estas estratégias deverão partir de uma auscultação dos/as jovens e serem

delineadas e adequadas para a escuta do/a Outro/a (Spivak, 2002) juvenil, no sentido do

empoderamento dos/as jovens para a resolução dos problemas que afetam as suas vidas,

agora e no futuro, de um modo não subalternizado; estarem comprometidas com a

redução das diferenças de género promotoras de desigualdades e com a contribuição

139

para o delineamento de políticas mais igualitárias, nomeadamente, as de combate à

violência contra as mulheres.

Tal como refere a UNICEF (2006), a eliminação de todas as formas de violência

contra raparigas requer estudos e análises que procedam à inclusão das perspetivas

dos/as jovens, em especial das jovens mulheres. Só a inclusão das suas perceções e

perspetivas poderá melhorar o processo de tomada de decisão sobre as maneiras mais

adequadas de combate à violência de género. A promoção de espaços seguros para

jovens rapazes e raparigas que garantam o adequado apoio de adultos/as e o acesso a

oportunidades para agirem por si próprios torna-se fundamental para transformar o

papel dos/as jovens na resolução dos problemas que afetam as suas vidas, permitindo

que deixem de ser meramente recetores/as das intervenções conduzidas e se constituam

como protagonistas das transformações sociais desejadas e necessárias. Uma mudança

no paradigma de intervenção contribuirá para que jovens raparigas possam assumir

papéis de maior destaque, para (re)definir o seu valor nas estruturas sociais envolventes

e para significar a importância dos seus contributos no desenho de políticas públicas de

combate à violência de género. Por último, esta mudança poderá também ser

determinante para a sua capacitação e empoderamento para lidar com situações abusivas

que possam enfrentar no seu dia-a-dia.

Finalizado o marco teórico desta pesquisa, dá-se início ao marco empírico que

compreende os capítulos de metodologia, apresentação de dados, discussão de dados e

conclusões.

MARCO EMPÍRICO

PARTE II

Do ouvir à aprendizagem com o/a Outro/a juvenil

Capítulo 3

Metodologia

145

Sinopse

O Capítulo 3 compreende a apresentação e descrição do desenho metodológico

utilizado nesta pesquisa dividindo-se, para o efeito, em diferentes momentos.

O primeiro momento diz respeito à definição da problemática do estudo, onde

são enquadradas questões relacionadas com o estado da arte da violência nos

relacionamentos de intimidade em Portugal, assim como as preocupações e o

questionamento suscitado nas investigadoras que originaram a condução desta pesquisa.

O segundo momento debruça-se sobre os pressupostos teórico-epistemológicos

que estão na base das opções metodológicas que enquadram este trabalho e que

compreende a articulação entre o Construcionismo Social e Teoria Feminista Crítica,

em particular a Teoria da Interseccionalidade. São também abordadas as considerações

e os cuidados éticos que estiveram na condução desta investigação com adolescentes

antes, durante e após a recolha de dados.

No terceiro e quarto momento elencam-se os objetivos gerais e específicos e as

hipóteses formuladas terminando com a apresentação da sua articulação juntamente

com as questões de partida desta investigação.

O quinto momento foca-se no tipo de estudo conduzido e na sua natureza

multimodal bem como na descrição das fases de condução das dimensões quantitativa e

qualitativa de recolha de dados.

O sexto momento aborda a caracterização do grupo de participantes em ambas

as dimensões deste estudo e o sétimo momento os procedimentos levados a cabo na

recolha de dados. No oitavo momento são descritos os instrumentos utilizados quer na

dimensão quantitativa (questionários, escalas e inventários) quer na qualitativa (guião

de condução dos focus groups). O último momento, apresenta detalhadamente o

processo de armazenamento, tratamento e análise dos dados quantitativos e qualitativos

recolhidos.

146

3.1 Problemática de Investigação

A violência no namoro tem vindo a merecer o interesse da investigação

científica mundial nos últimos vinte anos. Em Portugal, sobretudo nos últimos 10 anos,

também se verificou um aumento do interesse por esta problemática e da produção do

conhecimento acerca da violência nos relacionamentos juvenis, tendo sido possível

conhecer a prevalência deste problema, as tipologias de maus tratos mais

frequentemente perpetradas e experienciadas por rapazes e raparigas (Machado et al.,

2010), bem como identificar fatores protetores e de risco associados (Caridade &

Machado, 2010).

Este interesse e investimento têm vindo a ser protagonizados, nos domínios

académicos e sociais, pelos/as diferentes atores/as (investigadores/as, ativistas,

trabalhadores/as dos sectores social e político, etc.) cujo esforço e dedicação ao combate

contra a violência doméstica conduziram igual e progressivamente à desocultação,

sensibilização e discussão do fenómeno nos contextos juvenis e na população

portuguesa em geral. A violência no namoro (entre namorados/as e ex-companheiros/as

heterossexuais e homossexuais) está hoje, no domínio jurídico-legal, incluída no crime

de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal. No âmbito político-

social, esta problemática é também uma prioridade comtemplada na Estratégia Nacional

para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030 «Portugal + Igual». Recentemente,

dentro do domínio académico, as discussões em torno da violência nos relacionamentos

de intimidade juvenil têm procurado explorar questões que surgem ainda pouco claras

ou ambíguas nos estudos até aqui desenvolvidos. Desta feita, uma destas questões

prende-se com o papel que a variável género desempenha na compreensão da violência

em contextos de intimidade. Caridade e Machado (2013) referem que o género parece

não explicar a presença de dinâmicas violentas entre casais heterossexuais. No mesmo

sentido, inúmeros/as autores/as identificam reciprocidade e mutualidade na descrição

dos atos de violência praticados por rapazes e raparigas e apontam o simultâneo

desempenho de papéis de perpetração e vitimação nos seus relacionamentos íntimos

(Machado, Matos, & Moreira, 2003; Paiva & Figueiredo, 2004; Saavedra, 2010). Este

pressuposto parece, no entanto, não reunir consenso entre investigadores/as. Neves

(2014) sublinha a importância de problematizar esta “aparente dupla posição” das

jovens mulheres na violência no namoro, investindo em estudos que permitam explorar

147

mais aprofundadamente as experiências dos/as jovens, de forma a melhor compreender

esta contradição e conhecer os motivos e especificidades dos episódios violentos.

Um outro aspeto emergente da investigação conduzida em território nacional é a

discrepância entre as atitudes (parecem demonstrar intolerância à violência na

intimidade) e os comportamentos dos/as jovens portugueses/as, facto que tem também

vindo a constituir-se um essencial foco de interesse na compreensão desta problemática.

Assim sendo, a investigação deverá direcionar-se no sentido de uma melhor

compreensão da elevada prevalência de comportamentos abusivos reportada, apesar da

não tolerância à violência demonstrada pelos/as jovens (Caridade & Machado, 2013),

complementando a investigação académica pré-existente com pesquisas que nos

permitam aceder a uma maior diversidade de discursos juvenis (Machado et al., 2010).

Outros/as autores/as alertam para a necessidade de estudar de que forma as culturas

juvenis influenciam a manutenção e perpetuação de desigualdades de género na

sociedade tendo em conta a identificação de elevados índices de sexismo hostil, o

enraizamento de estereótipos de género e a justificação do uso da violência como

estratégia de negociação de conflitos (Rodríguez & Caldas, 2010; Rodríguez &

Magalhães, 2013) nos/as jovens portugueses/as. Por último, a investigação sobre

comportamentos de sexting nos relacionamentos de intimidade juvenil em Portugal é

praticamente inexistente, sendo os escassos estudos atualmente publicados de natureza

quantitativa conduzidos com pessoas com idades superiores a 16 anos (Ribeiro, 2019;

Silva et al., 2016).

Contudo, este gradual foco na violência nos relacionamentos de intimidade

juvenil ter-se-á deparado com um preconizar de práticas provenientes de uma cultura de

prevenção que terá sido, durante um período demasiadamente longo, frágil ou

praticamente inexistente (Matos, 2006) e, ainda hoje, pouco direcionada para tipologias

específicas de abuso, tais como a violência sexual (Caridade & Machado, 2013), ou

para grupos juvenis específicos. Dentro do caminho que ainda há a percorrer para

ampliar a compreensão deste fenómeno e das transformações histórico-culturais de que

é alvo, constata-se que os estudos qualitativos ou de natureza multimodal permanecem

escassos, sendo pouco frequente a produção de conhecimento científico desde os

discursos e significados juvenis sobre as suas vivências de violências íntimas,

destacando-se apenas algumas investigações de natureza qualitativa em Portugal

148

(Caridade, 2011; Dias, Manita, Gonçalves, & Machado, 2012; Neves & Torres, 2015).

Igualmente importante e necessário é impulsionar o estudo e a desocultação da

violência sexual nas populações mais jovens face a uma realidade caracterizada pela

falta de estudos e uma urgente necessidade de aumentar o interesse e investimento

científicos sobre esta tipologia específica de violência (Caridade & Machado, 2008).

Pelos motivos elencados, apesar do interesse nacional e dos significativos passos

que foram dados nas políticas sociais sobre a violência nos relacionamentos de

intimidade, muito parece estar ainda por compreender. No presente estudo, as

investigadoras propõem-se aceitar o desafio de aprofundar o conhecimento sobre as

relações sociais de género e a violência nas relações juvenis de intimidade, em

particular as perpetradas com o uso de dispositivos tecnológicos, partindo do discurso

dos/as próprios/as jovens, procurando deste modo compreender as suas primeiras

experiências de relacionamentos de intimidade e os significados que lhes atribuem,

colocando as suas próprias palavras e os seus próprios termos no centro da produção de

conhecimento científico. Assim sendo, a problemática central deste estudo organiza-se

em torno da questão: Quais os discursos juvenis acerca da violência nos

relacionamentos de intimidade?, operacionalizando-se em torno de outras questões

mais específicas que se foram desfiando para a delimitação do objeto de estudo:

- Como são percecionadas as relações sociais de género pelos/as jovens?

- Que conceções sobre amor estão mais presentes nos discursos juvenis?

- Quais os atuais discursos juvenis sobre violência nos relacionamentos de

intimidade juvenil?

- Quais as perceções sobre violência nos relacionamentos de intimidade

juvenil, nomeadamente, sobre a sua frequência, tipologias mais comuns e

consequências?

- Qual o papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil?

- Quais os riscos associados ao uso das tecnologias nas dinâmicas de

intimidade juvenil?

- Qual a frequência e conhecimento sobre práticas de sexting?

- Quais as perceções sobre o envolvimento de jovens rapazes e raparigas

em comportamentos de sexting?

149

- Quais as opiniões, crenças e motivações para o sexting nos/as jovens

participantes?

- Que consequências poderão advir das práticas de sexting? Há diferenças

tendo em conta o género?

- Qual o impacto de comportamentos de sexting na vida dos/as jovens

participantes?

3.2 Pressupostos Teóricos e Epistemológicos

Vários modelos explicativos têm vindo a ser utilizados na compreensão da

violência nas relações de intimidade. Entre as várias abordagens existentes é possível

identificar as de caráter individual, sistémico e sociocultural e, no estudo de cada uma

delas, a respetiva valorização, ora de fatores individuais, ora de fatores relacionais ou

culturais. A vasta literatura disponível sobre o fenómeno da violência no namoro tem

vindo a recomendar a adoção de uma abordagem compreensiva e multidimensional no

entendimento, no estudo e na explicação sobre os relacionamentos violentos (Caridade

& Machado, 2013).

Neves (2014) tem vindo a referir dificuldades de conciliação entre diferentes

modelos teóricos que apresentam, na leitura que oferecem acerca da realidade,

perspetivas que se antagonizam na forma como pretendem ser explicativas sobre a

violência na intimidade. Esta limitação ou incompatibilidade teórica, parece exigir um

estudo aprofundado sobre as especificidades acerca dos motivos, da reciprocidade e das

repercussões da violência no namoro em termos de pertenças de género (Neves, 2014).

O’Keefe (1997) refere também que as questões de género são, frequentemente,

negligenciadas nos estudos sobre os comportamentos violentos que rapazes e raparigas

apresentam no seio dos seus relacionamentos íntimos.

Partindo da assumpção de que “saber é poder” e constatando que uma das

preocupações centrais dos movimentos feministas se prende, precisamente, com a

assimetria na distribuição de poder entre mulheres e homens torna-se claro que as

questões epistemológicas, ou seja a forma como se produz conhecimento científico, não

são questões menores no presente trabalho de investigação feminista. Acrescenta-se

ainda que também não o são as questões metodológicas e éticas que esboçam o desenho

150

empírico deste trabalho. Porém, não existe uma epistemologia ou metodologia feminista

única, consensual ou homogénea mas sim debates em torno de potencialidades e

limitações de diferentes abordagens na produção de conhecimento (Harding & Norberg,

2005). Porém, a realidade destes debates em Portugal não é tão frutífera como noutros

países (Amâncio, 2001) e beneficiaria de um novo impulso e expansão (Pereira &

Santos, 2014).

Posto isto, a presente investigação optou pela escolha de uma abordagem

sociocultural que faz nascer as hipóteses de pesquisa no seio de um enquadramento

teórico que articula o Construcionismo Social e a Teoria Feminista Crítica.

Desta forma o Construcionismo Social compreende o género como uma

construção social organizada num sistema de significados que determina as interações e

o acesso ao poder e a recursos (Crawford, 1995; Denzin, 1995) que dá sentido às

interações sociais e se materializa nelas. Assim sendo valoriza as categorías sociais, os

processos resultantes do uso da linguagem e a especificidade histórica e cultural

(Gergen, 1982; 1994) (as citted in Nogueira, 2001).

Orientando-se teóricamente no construcionismo social, o feminismo crítico

pretende ser inclusivo e integrador e compreende os grupos de mulheres e de homens

como heterogéneos, entendendo essa diversidade como determinante do acesso

diferenciado a poder e comprometendo-se com o combate à opressão e às desigualdade

(Neves, 2008). Enquadra-se na crítica realizada pelos feminismos à ciência que

denúncia o enviesamento androcêntrico e as generalizações abusivas provenientes de

um saber feito pelo masculino universal (Collin, 1991) e pela secundarização ou

invisibilização das mulheres como objeto ou sujeito (Kamuf, 1990) (as citted in

Nogueira, 2001).

Assim se como nos ilustra Audre Lorde (1984) “As ferramentas do mestre nunca

demolirão a casa do mestre”, a psicologia feminista crítica emerge como uma

alternativa às formas de produção de conhecimento, advogando a necessidade de

romper com os paradigmas tradicionais e positivistas. Segundo Neves (2005) a

psicologia feminista visa o aprofundamento do conhecimento sobre as questões de

género mas também a sua interação com outros sistemas de hierarquias sociais tais

como a raça, a classe social, a orientação sexual e, de especial interesse para este estudo,

151

a idade.

Simultaneamente, será também privilegiada também a Teoria da

Interseccionalidade que teve origem nos anos 70 em torno das reivindicações do

movimento feminista negro e anti-racista (Nogueira, 2011). Esta designação só mais

tarde foi cunhada por Kimberlé Crenshaw (1991) com recurso ao termo

Interseccionalidade referindo-se às interseção das diversas categorias de pertença que

multideterminam complexos fenómenos de opressão e desigualdade. Assim, tem como

objetivo problematizar os impactos das hierarquias sociais, culturais e de classe nas

opressões que vivem grupos particulares de mulheres que inicialmente não faziam parte

da teorização feminista (Oliveira, 2010).

Como resultado do debate em torno das questões epistemológicas e

metodológicas salienta-se também que a produção de conhecimento neste trabalho é

socialmente situada e parcial (Haraway, 1988) ou seja “corresponde a uma

incorporação dos saberes, partindo da opção pela responsabilidade na produção dos

saberes e pela sua localização sócio-histórica. Assim, a objetividade na produção

feminista assenta na parcialidade, no olhar contextualizado, em vez dos falsos

universalismos da ciência positiva, indissociavelmente inscrita na metanarrativa

patriarcal e moderna, em busca de verdades para a sua autolegitimação” (Oliveira &

Amâncio, 2006, p. 601).

Estas características são essenciais na responsabilidade deste estudo e no seu

compromisso em desafiar a ciência tradicional associada à produção de conhecimento

proveniente de grupos dominantes e a produção de discursos alternativos (Nogueira,

2001) acerca dos/as adolescentes e das relações sociais de género nas culturas juvenis

procurando amplificar as vozes juvenis, sobretudo das jovens raparigas, na

compreensão da violência nas relações de intimidade que os/as afeta enquanto vítimas

e/ou agressores/as.

Decorrente da recusa da objetividade, o processo reflexivo torna-se também uma

das ferramentas centrais na investigação feminista. Esta reflexividade prende-se com o

assumir da influência sócio-cultural, histórica e política na produção científica mas

também um reconhecimento do envolvimento do/a investigador/a neste processo. É

simultaneamente um exercício e um instrumento (Ramazanoglu & Holland, 2002) de

153

participação da pesquisa e que consideram ter beneficiado da participação (Maia, Graça,

Cunha, Ribeiro, Mesquita, & Antunes, 2008) é crucial que os princípios da beneficência

e não maleficência, da justiça e da equidade sejam sirectrizes na condução de estudos

com vítimas (Caridade, 2017) ou potenciais vítimas.

Na verdade o cumprimento dos principio éticos na investigação com crianças e

jovens é mais difícil do que com adultos podendo levantar desafios no âmbito legal,

técnico e económico. Porém umas das questões centrais subjaz no dilema de como

beneficiar os/as jovens participantes dos avanços resultantes da produção de

conhecimento e simultaneamente protege-las da sua vulnerabilidade (Kipper, 2016).

Ou seja, trata-se de como contribuir para a formulação de conhecimento que aprofunda

a compreensão das problemáticas que enfrentam garantindo a sua segurança, os seus

direitos e o seu bem-estar (Ferreira & Souza, 2012)

No presente estudo as considerações éticas apoiaram-se sobretudo nas guidelines

internacionais da America Psychological Association (APA, 2002) e no Código

Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP, 2016). A Literatura sobre

questões de ética na pesquisa com crianças e jovens, em particular sobre violência nos

relacionamentos de intimidade, é escassa. Dentro dos contributos existentes sobre

questões gerais éticas no trabalho destacam-se as guidelines para a investigação com

crianças e jovens do National Chidren’s Bureau (Shaw, Brady, & Davey, 2011) no

Reino Unido. Neste documento enquadra-se, desde inicio, a participação das crianças e

jovens na produção de conhecimento na Convenção dos Direitos da Criança (UNICEF,

2019), nomeadamente, no seu artigo 12 onde se pode ler que “Os Estados Partes

garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a

sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em

consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.” (p.13)

reconhecendo-os/as como especialistas das suas vidas e reconhecendo a importância dos

seus contributos para o avanço da investigação, do desenho de políticas (públicas ou

organizacionais) e para as melhorias dos serviços (a si direccionados).

Sem nos alongarmos mais acerca das questões éticas na investigação com jovens

passamos a ilustrar de que forma foram transversalmente incluídas no presente trabalho

desde o seu desenho metodológico até ao que se prevé para a sua disseminação.

Apresentaremos assim as principais ações contempladas para garantir a incluso dos

154

procedimentos éticos no nosso trabalho sem as descrevermos ao pormenor. Essa

posterior descrição de alguns dos elementos, como por exemplo da recolha de

autorização dos representantes legais, poder ser encontrada no subcapítulo

procedimentos de recolha de dados. De seguida são apresentados principais cuidados

éticos tidos em conta nos momentos anteriores, sucedâneos e posteriores à recolha de

dados junto dos/as jovens:

Anterior à Recolha de Dados

- Reunião de apresentação do estudo e dos seus objetivos e clarificação de todas

as questões procedimentais relacionadas com a condução do estudo em ambiente

escolar;

- Recolha de autorização da pessoa responsável pelo estabelecimento escolar para

condução do estudo;

- Recolha de autorização do/a representante legal dos/as alunos/as com idades

inferiores a 18 anos.

Durante a Recolha de Dados

- Explicação do estudo, objetivos e procedimentos e clarificação de dúvidas

colocadas pelos/as adolescentes;

- Recolha do consentimentos informado dos/as jovens para a sua participação no

estudo (nos momentos iniciais à condução da dimensão quantitativa e da

qualitativa);

- Antes do ínicio do preenchimento do instrumento quantitativo os/as jovens

foram convidados a ler a última página do mesmo onde constam informações

acerca da possibilidade de esclarecimento sobre os temas presentes nos

questionários bem como disponibilizado apoio para pedido de ajuda;

- Sensibilização para a importância do clima de respeito nos focus group, a

privacidade do que é partilhado pelos/as colegas e a sensibilidade dos temas

conversados e para a decisão acerca do que partilha, explicando para o efeito,

que ninguém é obrigado a partilhar situações pessoais ou que tragam

desconforto relativamente a nenhuma das perguntas colocadas;

- Apresentação com utilização de nome não verdadeiro à escolha para recolha de

155

dados áudio;

- Condução da última pergunta do focus group acerca da participação e impacto

do estudo;

- Respeito pela interrupção na participação no estudo (quer na aplicação do

instrumento quantitativo quer nos focus groups);

- Interrupção da gravação áudio para alguma partilha mais sensível quando

solicitado por algum/a jovem;

- Disponibilização para debriefing pós-experimental para clarificação de questões

colocadas sobre violência ou algum tópico emergente nos grupos de discussão;

- Apoio e encaminhamento de jovens quando necessário em situações de pedido

de ajuda, disclousure de situações de violência etc.

Posterior à Recolha de Dados

- Convite para sessões de apresentação/discussão de dados preliminares nas

escolas participantes;

- Devolução de dados às instituições educativas;

- Elaboração e disseminação de materiais preventivos.

Terminamos as nossas considerações sobre as questões éticas nesta pesquisas

advogando que tal como refere Ricou (2014) que “a ética é uma utopia muito útil”

(p.446) articulando posteriormente esta ideia com Galeano acerca da utopia para

explicar que a ética no exercício da psicologia se trata de um impulso de aproximação

constante a uma prática clínica ou académica de sucesso e eficácia: “Para que serve

então a utopia? Para isso mesmo: para que tu e eu não deixemos de caminhar” (p.446).

3.3 Objetivos do Estudo

Esta investigação é composta por duas dimensões: uma quantitativa e outra

qualitativa. Apesar dos objetivos gerais serem os mesmos, na primeira dimensão

procura-se explorar algumas das variáveis na amostra de participantes de forma a

complementar a dimensão qualitativa, onde os discursos juvenis foram o foco de

análise. Dentro da análise dos discursos juvenis, será cuidadosamente explorada a

157

Objetivo 1 Conhecer as perceções juvenis sobre relações sociais de género.

Objetivo 2 Conhecer as principais conceções sobre amor presentes nos discursos juvenis.

Objetivo 3 Avaliar a presença de mitos sobre o amor nos/nas adolescentes.

Objetivo 4 Identificar os principais discursos, as perceções e vivências em torno da violência nas

relações de intimidade nos/as jovens portugueses/as.

Objetivo 5 Averiguar diferenças em função do género nos discursos, nas perceções e vivências nas

relações de intimidade dos/as jovens rapazes e raparigas.

Objetivo 6 Reconhecer as motivações e significados juvenis associados à perpetração e vitimação

nos relacionamentos de intimidade juvenil.

Objetivo 7 Conhecer as principais perceções juvenis sobre frequência, tipologias e consequências

da vivência de violência nos relacionamentos de intimidade juvenil.

Objetivo 8 Aprofundar o conhecimento e averiguar a presença de diferenças em função do género

sobre como emergem as dinâmicas de exercício de poder e de controlo nos

relacionamentos de intimidade juvenil bem como é negociado o poder, o desejo e a

vontade.

158

Objetivo 9 Explorar o papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil.

Objetivo 10 Averiguar a relação entre uso de tecnologias nas dinâmicas de intimidade juvenil e a

emergência de formas de violência de intimidade online.

Objetivo 11 Avaliar o conhecimento e frequência de práticas de sexting nos/nas adolescentes.

Objetivo 12 Compreender os comportamentos de sexting dos/das adolescentes em função do género.

Objetivo 13 Analisar as atitudes face ao sexting dos/das adolescentes em função do género.

Objetivo 14 Explorar as motivações adolescentes para comportamentos de sexting em função do

género.

Objetivo 15 Avaliar a perceção de risco associada a comportamentos de sexting.

Objetivo 16 Identificar situações de violência nos relacionamentos de intimidade associados com o

envio de sexts entre adolescentes.

Objetivo 17 Explorar as consequências da divulgação não consentida de conteúdos de natureza

erótico-sexual.

159

3.4 Hipóteses do Estudo

As hipóteses de investigação pretendem formular direções de resposta às

questões que norteiam a investigação (Haber & LoBiondo, 2014) constituindo-se

afirmações que pretendem explicar as relações entre variáveis, medidas ou conclusões

(Hulbert, 2004) e trazer orientação, especificidade e foco à problemática em estudo

(Kumar, 2011). De forma a contribuirem para (s) objetivo(s) da investigação, as

hipóteses devem ter os seguintes atributos: serem simples, específicas e

conceptualmente claras; permitirem a sua verificação; estarem relacionadas com os

conhecimentos já existentes sobre a temática; serem operacionalizáveis (Kumar, 2011).

Tendo em conta que a presente investigação é de natureza multimodal, as hipóteses

formuladas dizem sobretudo respeito à dimensão quantitativa do estudo uma vez que a

dimensão qualitativa visa, de uma maneira geral, descrever e caracterizar os fenómenos

estudados. Segue-se o levantamento de hipóteses estabelecidas para esta pesquisa:

Hipótese 1. As conceções sobre amor dos/as jovens apoiam-se numa visão de

amor romântico.

Hipótese 2. As raparigas apresentam uma maior manutenção do mito do amor-

maltrato do que os rapazes.

Hipótese 3. Os rapazes apresentam níveis mais elevados de sexismo hostil face

às mulheres do que as raparigas.

Hipótese 4. Os rapazes apresentam maiores níveis de sexismo benevolente face

às mulheres do que as raparigas.

Hipótese 5. As raparigas apresentam mais conhecimentos sobre violência no

namoro do que os rapazes.

Hipótese 6. Os rapazes apresentam maior tolerância à violência psicológica

perpetrada por raparigas.

Hipótese 7. Os rapazes apresentam maior tolerância à violência física perpetrada

por raparigas.

161

Tabela 5

Relação entre as Perguntas de Investigação, os Objetivos, Hipóteses e Metodologia

Problema de Investigação: Aprofundar o conhecimento sobre as suas primeiras experiências de relacionamentos de intimidade e os significados que lhes atribuem os/as jovens através dos seus discursos, colocando-os no centro da produção de conhecimento científico sobre problemáticas sociais de género que afetam os seus relacionamentos de intimidade.

Pergunta de Investigação: “Quais os discursos juvenis acerca da violência nos relacionamentos de intimidade?” Objetivos Gerais: - Analisar as características e dinâmicas da violência nos relacionamentos de intimidade juvenil cara-a-cara ou perpetrada com abuso digital, também denominada por ciberviolência na intimidade. - Explorar papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil, isto é, as transformações que estão a ter lugar na intimidade em virtude da ampla utilização de dispositivos tecnológicos e do acesso à Internet. - Aprofundar o conhecimento sobre sexting e ciberviolência nas relações de intimidade procurando caracterizar os comportamentos de sexting juvenil desde as percepções juvenis acerca dos conhecimentos, comportamentos, motivações, atitudes e riscos associados.

Perguntas de Investigação Objetivos Específicos Hipóteses Instrumento

- Como são percecionadas as relações sociais de género pelos/as jovens? - Que conceções sobre amor estão mais presentes nos discursos juvenis?

OB.1 Conhecer as perceções juvenis sobre relações sociais de género.

H3. Os rapazes apresentam níveis mais elevados de sexismo hostil face às mulheres do que as raparigas. H4. Os rapazes apresentam maiores níveis de sexismo benevolente face às mulheres do que as raparigas.

Q

Q

OB.2 Conhecer as principais conceções sobre amor presentes nos discursos juvenis.

H1. As concepções sobre amor dos/as jovens apoiam-se numa visão de amor romântico.

Q + FG

OB.3 Avaliar a presença de mitos sobre o amor nos/nas adolescentes.

H2. As raparigas apresentam uma maior manutenção do mito do amor-maltrato do que os rapazes.

Q + FG

Nota. OB=Objetivo específico; H=Hipótese; Q=Questionário; FG=Focus Group

162

Perguntas de Investigação Objetivos Específicos Hipóteses Metodologia

- Quais os atuais discursos juvenis sobre violência nos relacionamentos de intimidade juvenil? - Quais as perceções sobre violência nos relacionamentos de intimidade juvenil, nomeadamente, sobre a sua frequência, as suas tipologias mais comuns e consequências? - Que conceções sobre amor estão mais presentes nos discursos juvenis?

OB.4 Identificar os principais discursos, perceções e vivências em torno da violência nas relações de intimidade nos/as jovens portugueses/as.

H13. Os/As jovens que revelam maior manutenção de mitos sobre o amor apresentam menores conhecimentos sobre violência no namoro.

Q + FG

OB.5 Averiguar diferenças em função do género nos discursos, percepções e vivências nas relações de intimidade dos/as jovens rapazes e raparigas.

FG

OB.6 Reconhecer as motivações e os significados juvenis associados à perpetração e vitimação nos relacionamentos de intimidade juvenil.

H5. As jovens raparigas apresentam mais conhecimentos sobre violência no namoro do que os rapazes. H16. Os/As jovens com atitudes mais tolerantes face à violência psicológica apresentam maiores níveis de sexismo hostil.

Q

Q

OB.7 Conhecer as principais perceções juvenis sobre frequência, tipologias e consequências da vivência de violência nos relacionamentos de intimidade juvenil. OB.8 Aprofundar o conhecimento e averiguar a presença de diferenças em função do género sobre como emergem as dinâmicas de exercício de poder e de controlo nos relacionamentos de intimidade juvenil bem como é negociado o poder, o desejo e a vontade.

H6. Os adolescentes rapazes apresentam maior tolerância à violência psicológica perpetrada por raparigas. H7. Os rapazes apresentam maior tolerância à violência física perpetrada por raparigas. H8. As raparigas apresentam menor tolerância à violência sexual perpetrada quer por rapazes quer por raparigas.

Q

Q

Q

FG Nota. OB=Objetivo específico; H=Hipótese; Q= Questionário; FG=Focus Group

163

Nota. OB=Objetivo específico; H=Hipótese; Q=Questionário; FG=Focus Group

Perguntas de Investigação Objetivos Específicos Hipóteses Metodologia

- Qual o papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil? - Quais os riscos associados ao uso das tecnologias nas dinâmicas de intimidade juvenil?

OB.9 Explorar o papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil.

FG

OB.10 Averiguar a relação entre uso de tecnologias nas dinâmicas de intimidade juvenil e a emergência de formas de violência de intimidade online.

FG

OB.11 Avaliar o conhecimento e a frequência de práticas de sexting nos/nas adolescentes.

H15. Os/As jovens com mais comportamentos de sexting apresentam menores conhecimentos sobre violência no namoro.

Q

- Qual a frequência e conhecimento sobre práticas de sexting?

OB.12 Compreender os comportamentos de sexting dos/das adolescentes em função do género. OB.13 Analisar as atitudes face ao sexting dos/as adolescentes em funçãoo do género.

H9. As raparigas participam mais em comportamentos de sexting do que os rapazes.

Q + FG

OB.14 Explorar as motivações adolescentes para comportamentos de sexting em função do género.

H12. As raparigas apresentam mais expectativas relacionais decorrentes da prática de sexting.

Q + FG

OB.15 Avaliar a perceção de risco associada a comportamentos de sexting.

H11. As raparigas percecionam mais riscos associados ao sexting do que os rapazes. H14. Os/As jovens com menores conhecimentos de violência no namoro apresentam menor perceção de risco de comportamentos de sexting.

Q + FG

Q

OB.16 Identificar situações de violência nos relacionamentos de intimidade associados com o envio de sexts entre adolescentes.

H15. Os/As jovens com mais comportamentos de sexting apresentam menores conhecimentos sobre violência no namoro. H16. Os/As jovens com atitudes mais tolerantes face à violência psicológica apresentam maiores níveis de sexismo hostil.

FG

OB.17 Explorar as consequências da divulgação não consentida de conteúdos de natureza erótico-sexual.

FG

164

3.5 Tipo de Estudo

Este estudo tem como principais objetivos analisar as características e dinâmicas da

violência nos relacionamentos de intimidade juvenil, explorar o papel das tecnologias nos

relacionamentos de intimidade e aprofundar o conhecimento sobre sexting e ciberviolência

nas relações de intimidade procurando caracterizar os comportamentos de sexting juvenil

desde as percepções e discursos juvenis acerca dos conhecimentos, práticas, motivações,

atitudes e riscos associados. Para o efeito, foram combinadas metodologias quantitativas e

qualitativas, num estudo de natureza multimodal (Hunter & Brewer, 2003; Johnson &

Onwegbuzi, 2004; Morse, 2003, 2015; Naveda, Colina, Marín, & Perozo, 2014), com recurso

à administração de questionários e à condução de focus groups, enquadrando-se nos

pressupostos teóricos e epistemológicos anteriormente apresentados e servindo de base para

proceder a uma análise de género dos dados recolhidos. Estas opções metodológicas

prendem-se com a necessidade de captar realidades sociais complexas e atuais face aos

constrangimentos que a utilização de apenas uma das metodologias poderia trazer ao

cumprimento dos objetivos estabelecidos, já que apresentaria limitações na compreensão e

aprofundamento de subjetividade e nuances inerentes ao objeto de estudo através dos

discursos dos/as jovens (Creswell, 2008; Creswell & Tashakkori, 2008; Hernández-Sampieri

& Mendoza, 2008).

Hernández-Sampieri, Fernández e Baptista (2010) indicam que a utilização de

metodologias combinadas apresenta como principais vantagens a possibilidade de uma maior

teorização, contribuindo para uma perspetiva mais ampla e profunda da problemática de

estudo. Adicionalmente, a oportunidade de uso de estratégias de recolha de dados mais

criativas e dinâmicas proporciona dados mais variados que poderão ser fundamentais para o

maior rigor científico permitindo ao/à investigador/a a articulação e interpretação de

informações provenientes das diferentes perspetivas.

No presente estudo, a dimensão quantitativa constitui-se uma exploração dos temas

visados nos objetivos gerais e a dimensão qualitativa foca-se no aprofundamento destas

problemáticas a partir das palavras, dos discursos e significados dos/as protagonistas deste

estudo (Hawe, Degeling, & Hall, 1993).

166

A técnica de recolha de dados selecionada foi a condução de focus groups uma vez

que amplia a liberdade dos participantes se expressarem (Denzim & Lincoln 2000) no seio do

grupo de participantes e diminui, por outro lado, o sentimento de destaque da participação

individual que poderia ser experimentado, por exemplo, com a realização de entrevista

individual semi-estruturada (Kvale, 2011). Esta técnica apresenta características que

permitem a flexibilidade e promovem à vontade para a abordagem de temas considerados

mais sensíveis (Barbour & Kitzinguer, 1999; Barbour, 2013)

Na tabela 7, são apresentados os passos seguidos para o desenvolvimento da dimensão

qualitativa e para dar resposta aos objetivos estabelecidos no presente estudo.

Tabela 7

Fases de Desenvolvimento da Dimensão Qualitativa do Estudo

FASE 1 Desenvolvimento da metodologia mais adequada para o acesso às opiniões, perceções e crenças dos/as adolescentes sobre o objeto de estudo da investigação.

FASE 2 Seleção dos/das participantes e consentimento informado. FASE 3 Realização e gravação áudio dos focus groups FASE 4 Verificação e transcrição da informação. FASE 5 Leitura da informação. FASE 6 Inclusão da informação no programa de tratamento e gestão da informação ATLAS.ti 7. FASE 7 Leitura, análise e categorização da informação. FASE 8 Interpretação, discussão e redação dos resultados.

3.6 Participantes

Os/As participantes nesta pesquisa foram convidados/as a participar em ambas as

dimensões, quantitativa e qualitativa, do estudo. Assim sendo, foram inicialmente aplicados

os instrumentos quantitativos e posteriormente conduzidos os focus groups. A diferença no

número de participantes entre a dimensão quantitativa e qualitativa corresponde aos/às

alunos/as que, apesar de terem concordado em colaborar na primeira fase da pesquisa, não

quiseram colaborar na fase posterior.

170

No fim de cada focus group, foi preenchido o documento de análise com as

impressões gerais sobre a discussão. Os dados foram recolhidos entre maio 2016 e junho de

2017.

A recolha de dados foi realizada com base numa metodologia qualitativa e com

recurso à técnica de grupo focal com vista à promoção de uma discussão semiestruturada e

socializada em grupo. A comunicação grupal serve para captar discursos ideológicos e

representações simbólicas associadas aos fenómenos sociais (Arboleda, 2008) que se

pretendem estudar ou conhecer mais aprofundadamente. O guião para condução dos focus

groups foi semiestruturado e integrou um conjunto vasto de questões sobre relações sociais de

género, conceções de amor e violência nos relacionamentos juvenis. Foram ainda

introduzidas questões abertas sobre o uso das tecnologias nos relacionamentos de intimidade

juvenil e sobre conhecimentos, comportamentos, atitudes e riscos associados às práticas de

sexting.

A recolha de dados levada a cabo seguiu os procedimentos de autorização do/a

diretor/a da/o escola/agrupamento de escolas e encarregados/as de educação utilizados na

dimensão quantitativa do estudo. Adicionalmente, foi ainda pedido aos/às alunos/as um outro

consentimento informado escrito, desta vez relacionado com a participação na discussão

focalizada e de recolha de dados em formato áudio. Neste consentimento estavam explicados

o direito à informação do/a aluno/a e garantido o anonimato e confidencialidade dos dados

recolhidos. Os focus groups decorreram nas instalações escolares e tiveram uma duração

média de 40 minutos. Devido a motivos de confidencialidade, rigor científico e de

preservação da identidade, os exertos discursivos foram codificados da seguinte maneira:

- Identificação do/a participante: M (rapariga) e H (rapaz) seguido do número de

identificação de participante e da sua idade (exemplo: M3, 16 – rapariga 3 de

16 anos)

- Identificação do focus group : FGG (do Ensino Geral) e FGP (do Ensino

Profissional) precedido de número de identificação e da natureza do grupo:

masculino, feminino ou misto (exemplo: FGP14 – Misto; FGP13 - Rapazes).

172

computador ou tablet com Internet, frequência do acesso à Internet nos últimos três meses,

média de horas diárias na Internet, locais de acesso à Internet, usos do tempo na Internet e

acesso à Internet com ou sem supervisão.

Questionário sobre Relacionamentos de Intimidade Juvenil (adhoc)

Nesta secção do instrumento foram colocadas perguntas relacionadas com estar num

relacionamento amoroso atual, a existência de algum relacionamento amoroso anterior,

género do/a namorado/a atual, experiência de situação de violência nos relacionamentos

amorosos atuais e passados e tipologia(s) de violência(s) na relação amorosa atual ou passada.

Conhecimentos sobre a Violência no Namoro (Dixe & Fabião, 2013)

O questionário sobre conhecimentos acerca de violência no namoro (Dixe & Fabião,

2013) foi construído no âmbito do projeto “Prevenir a Violência no Namoro – N(amor)o

(Im)Perfeito – fazer diferente para fazer a diferença” e é composto por 47 afirmações: 1. O

ciúme não é causa de violência no namoro; 2. A violência no namoro acontece porque os/as

namorados/as pensam que têm direito de se imporem um ao outro; 3. O ciúme é uma das

principais causas de violência no namoro; 4. Os rapazes são violentos por natureza; 5.

Existem casos de violência no namoro entre os/as jovens da nossa idade; 6. A violência no

namoro é uma situação pouco frequente; 7. A violência no namoro não existe; 8. O ciúme é

sinal de amor; 9. Uma bofetada não faz mal a ninguém; 10. O álcool é a principal causa de

violência no namoro; 11. As drogas são a principal causa de violência no namoro; 12. A

violência no namoro só aparece nos estratos sociais baixos; 13. Quando se namora, devemos

fazer aquilo que agrada ao outro; 14. O fim da relação de namoro significa o fim da violência;

15. A violência pode manter-se após acabar o namoro; 16. Um empurrão não é um

comportamento violento; 17. A violência no namoro é facilmente identificável; 18. Os/As

namorados/as provocam a violência pela forma como se vestem; 19. Só mantém uma relação

de namoro violento quem quer; 20. A violência no namoro provoca isolamento da vítima; 21.

O sentimento de culpa é frequente nas vítimas de violência; 22. O baixo rendimento escolar é

uma consequência frequente da violência no namoro; 23. A violência no namoro é um

problema que só diz respeito ao casal de namorados; 24. O/A namorado/a só controla o/a

outro/a porque gosta muito dela/e; 25. Um/a namorado/a que gosta do outro não agride; 26.

Temos o direito de escolher as/os amigas/os do/a nosso/a namorado/a; 27. Os/As amigos/as

173

não comuns prejudicam a relação de namoro; 28. Gozar com as opiniões do/a namorado/a não

é violência; 29. Gozar com os interesses do/a namorado/a não é violência; 30. Ainda que

namore tenho direito a manter os meus/ as minhas amigos; 31. É difícil terminar uma relação

de namoro violenta porque o outro faz ameaças drásticas; 32. A violência entre os parceiros

não acaba após o casamento; 33. Exercer o poder sobre o/a namorado/a não é violência; 34.

Controlar o/a meu/minha namorado/a é uma manifestação de amor; 35. Tenho o direito de dar

um beijo ao/à meu/minha namorado/a sempre que quero; 37. O sentimento de raiva gera

violência; 38. A gravidez indesejada pode ser uma consequência da violência no namoro; 39.

Quando um/a namorado/a diz que não quer ter atividade sexual está a fazer-se difícil; 40.

Os/As namorados/as só podem sair se forem juntos/as; 41. Os/As namorados/as devem

vestir-se para agradar um/a ao/à outro/a; 42. Os/As namorados/as podem ler as mensagens

de telemóvel um/a do/a outro/a; 43. Os/As namorados/as devem informar os/as parceiros

sempre onde estão; 44. Os/As namorados/as devem informar os/as parceiros/as sempre com

quem estão; 45. A violência no namoro não tem consequências psicológicas; 46. A violência

no namoro só tem consequências físicas; 47. Obrigar o/a namorado/a a iniciar a atividade

sexual é uma forma de violência sexual. Estas afirmações foram colocadas no formato de

Verdadeiro- Falso. As preposições falsas são: 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19,

23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45.

Os itens foram pontuados com 1 (um) para resposta certa e 0 (zero) para resposta

errada. Sendo a pontuação máxima 47, os scores mais elevados indicam maior nível de

conhecimentos.

Atitudes Face à Violência no Namoro (Saavedra, 2010)

Para aferir resultados relativamente a este aspeto, foi usada a adaptação portuguesa

(Saavedra, 2010) da Attitudes Toward Dating Violence Scale (Price & Byers, 1999). Esta

escala é composta por 76 itens organizados em três subescalas face à violência masculina no

namoro (física, psicológica e sexual) e três subescalas face à violência feminina no namoro

(física, psicológica e sexual).

Assim, pertencem à subescala atitudes acerca da violência psicológica perpetrada por

rapazes nas relações de namoro: 1. Um rapaz não deve insultar a namorada; 2. Um rapaz não

deve dizer à namorada o que fazer; 3. Uma rapariga deve pedir autorização ao namorado para

174

sair com os amigos; 4. Os relacionamentos resultam melhor quando as raparigas procuram

agradar aos namorados; 5. Não existe nenhuma razão para um rapaz ameaçar a namorada; 6.

Por vezes, os rapazes não conseguem evitar insultar as namoradas; 7. Uma rapariga deve

mudar a sua forma de ser para agradar ao namorado; 8. Uma rapariga deve fazer sempre o que

o namorado lhe diz para fazer; 9. Um rapaz não precisa de saber tudo o que a namorada faz;

10. Não existe nenhuma razão para um rapaz insultar a namorada; 11. É normal um rapaz

gritar com a namorada quando está furioso; 12. Um rapaz pode dizer mal da namorada; 13.

Não existe nenhuma razão para um rapaz gritar e berrar com a namorada; 14. Uma rapariga

não deve estar com os amigos se isso aborrecer o namorado; 15. É importante que uma

rapariga se vista sempre da forma que o namorado quer.

Dando continuidade a este questionário, fazem parte da subescala atitudes acerca da

violência física perpetrada por rapazes: 16. Uma rapariga deve acabar o namoro se o

namorado lhe bater; 17. Algumas raparigas merecem levar uma bofetada dos namorados; 18.

Não é correto um rapaz bater na namorada; 19. Por vezes os rapazes não conseguem evitar

dar murros na namorada; 20. Não existe nenhuma razão para um rapaz empurrar a namorada;

21. Por vezes um rapaz não consegue evitar bater na namorada quando ela o irrita; 22. Não

existe nenhuma razão para um rapaz dar uma bofetada à namorada; 23. Por vezes o ciúme põe

um rapaz tão louco que ele bate na namorada; 24. As raparigas que traem os namorados

merecem ser esbofeteadas; 25. Por vezes, o amor faz com que um rapaz fique tão louco que

ele bate na namorada; 26. Normalmente um rapaz não bate na namorada a não ser que esta

mereça; 27. Um rapaz pode bater na namorada se ela merecer.

Prosseguindo, a subescala atitudes acerca da violência sexual perpetrada por rapazes

integra os itens: 28. Quando um rapaz paga a conta num encontro pode pressionar a namorada

para ter relações sexuais com ele; 29. Os rapazes não são donos do corpo das namoradas; 30.

Quando os rapazes ficam muito excitados sexualmente, não conseguem evitar ter relações

sexuais; 31. Os rapazes nunca devem embriagar as namoradas para conseguirem ter relações

sexuais com elas; 32. Um rapaz não deve tocar na namorada a não ser que ela queira; 33. Um

rapaz pode forçar a namorada a beijá-lo; 34. Às vezes os rapazes têm de ser brutos com as

namoradas para as excitarem; 35. Para provar o seu amor, uma rapariga deve ter relações

sexuais com o namorado; 36. Uma rapariga que entra no quarto de um rapaz está a concordar

em ter relações sexuais com ele; 37. Não tem mal pressionar uma rapariga para ter relações

175

sexuais; 38. Não tem mal pressionar uma rapariga para ter relações sexuais se ela já teve

relações no passado; 39. Depois de um casal assumir um compromisso, o rapaz não tem o

direito de forçar a namorada para ter relações sexuais.

Tendo em conta as subescalas sobre violência feminina nas relações de namoro, a

subescala atitudes acerca da violência psicológica perpetrada por raparigas é composta

pelos itens: 40. Não existe nenhuma desculpa para uma rapariga ameaçar o namorado; 41.

Não existe nenhuma razão para uma rapariga insultar o namorado; 42. As raparigas têm o

direito de dizer aos namorados como se devem vestir; 43. Um rapaz deve fazer sempre o que

a namorada lhe diz para fazer; 44. Se uma rapariga berrar e gritar com o namorado, não o

magoa a sério; 45. As raparigas têm o direito de dizer aos namorados o que fazer; 46. É

importante que um rapaz se vista sempre da forma que a namorada quer; 47. Por vezes as

raparigas não conseguem evitar insultar os namorados; 48. Um rapaz deve pedir sempre

autorização à namorada para sair com os amigos; 49. Uma rapariga pode dizer mal do

namorado; 50. É normal uma rapariga gritar com o namorado quando fica furiosa; 51. Por

vezes, as raparigas têm de ameaçar os namorados para eles as ouvirem; 52. Uma rapariga não

deve controlar o que o namorado veste.

De seguida, da subescala atitudes acerca da violência física perpetrada por raparigas

fazem parte as seguintes afirmações: 53. Uma rapariga pode bater no namorado se ele

merecer; 54. Não tem mal se uma rapariga empurrar o namorado; 55. Por vezes, as raparigas

não conseguem evitar dar murros nos namorados; 56. Alguns rapazes merecem levar uma

bofetada da namorada; 57. Por vezes, uma rapariga tem de bater no namorado para ele a

respeitar; 58. Normalmente, uma rapariga só bate no namorado quando ele merece; 59. Uma

rapariga não deve bater no namorado, independentemente do que ele tenha feito; 60. Não

existe nenhuma razão para um rapaz levar uma bofetada da namorada; 61. Puxar o cabelo é

uma boa forma de uma rapariga se vingar do namorado; 62. Nunca está correto uma rapariga

dar uma bofetada ao namorado; 63. Algumas raparigas têm que bater nos namorados para

serem ouvidas; 64. Um rapaz deve terminar um namoro com uma rapariga se esta o

esbofetear.

E, por último, a subescala atitudes acerca da violência sexual perpetrada por

raparigas compreende os restantes itens: 65. Uma rapariga não deve tocar no namorado a não

176

ser que ele queira; 66. Não tem nada de mal um rapaz mudar a sua opinião sobre ter relações

sexuais; 67. Um rapaz deve terminar o namoro com a namorada se ela o obrigar a ter relações

sexuais; 68. Uma rapariga só deve tocar no namorado nos sítios onde ele quer; 69. Um rapaz

que entra no quarto de uma rapariga está a concordar em ter relações sexuais; 70. Não tem

nada de mal uma rapariga forçar o namorado a beijá-la; 71. As raparigas nunca devem

embriagar os namorados para conseguirem ter relações sexuais com eles; 72. Mesmo se um

rapaz tiver dito “sim” sobre ter relações sexuais, tem sempre o direito de mudar de ideias; 73.

Depois de um casal assumir um compromisso, a rapariga não tem o direito de forçar o

namorado a ter relações sexuais; 74. As raparigas nunca devem mentir aos namorados para

eles terem relações sexuais com elas; 75. Para provar o seu amor, um rapaz deve ter relações

sexuais com a namorada; 76. Uma rapariga pode dizer a um rapaz que gosta dele só para

conseguir ter relações sexuais com ele.

As respostas às afirmações deste questionário organizam-se numa escala de Likert: de

0 (Discordo Totalmente) a 5 (Concordo Totalmente). Na versão adaptada, o alpha de

Cronbach da escala total é de 0,94. Tendo em conta a fiabilidade das subescalas, encontraram-

se os seguintes valores de alpha de Cronbach: 0,77 na subescala de violência psicológica

perpetrada por rapazes; 0,81 na subescala de violência física perpetrada por rapazes; 0,80 na

subescala de violência sexual perpetrada por rapazes; 0,79 na subescala de violência

psicológica perpetrada por raparigas; 0,84 na subescala de violência física perpetrada por

raparigas; 0,83 na subescala de violência sexual perpetrada por raparigas.

Os valores de alpha de Cronbach obtidos neste estudo foram de 0,93 na escala global,

0,44 na subescala de violência psicológica perpetrada por rapazes, 0,83 na subescala de

violência física perpetrada por rapazes, 0,90 na subescala de violência sexual perpetrada por

rapazes; 0,85 na subescala de violência psicológica perpetrada por raparigas; 0,85 na

subescala de violência física perpetrada por raparigas e 0,82 na subescala de violência sexual

perpetrada por raparigas.

Escala de Mitos sobre o Amor (adaptada de Rodríguez, Lameiras, Carrera, &

Vallejo, 2013)

Foi adaptada a versão espanhola de Rodríguez et al. (2013b), que avalia a manutenção

de mitos sobre o amor (Bosh et al., 2007) e que compreende a inclusão de 7 itens que retratam

177

7 mitos distribuídos em duas subescalas: Mito da Idealização do Amor (5 itens) e Mito da

Vinculação Amor- Maltrato (2 itens).

Da primeira subescala fazem parte os itens 1. Todas as pessoas têm uma cara metade;

2. A paixão intensa dos primeiros tempos devia durar sempre; 3. O amor é cego; 4. Os ciúmes

são uma prova de amor e 5. O amor verdadeiro pode tudo. A subescala do Mito Vinculação

Amor-Maltrato inclui os restantes itens, nomeadamente: 6. Pode-se amar alguém que se

maltrata e 7. Pode-se maltratar alguém que se ama.

As respostas aos itens sobre mitos de amor organizam-se numa escala de Likert de 1

(Discordo Totalmente) a 5 (Concordo Totalmente). No estudo original da versão espanhola da

escala Rodríguez et al., (2013), a fiabilidade encontrada foi de 0,70 para a subescala Mito da

Idealização do Amor e de 0,86 para a subescala Mito da Vinculação Amor-Maltrato. Neste

estudo, os valores de alpha de Cronbach encontrados foram de 0,42 para a escala global, 0,38

na subescala de Mitos de Idealização de Amor e 0,63 na subescala de Mitos de Vinculação

Amor-Maltrato.

Inventário Sexismo Ambivalente (Glick & Fiske, 1996)

Foi utilizada a versão espanhola reduzida Rodríguez et al., (2009) do Inventário de

Sexismo Ambivalente (Glick & Fiske, 1996) onde se medem as atitudes de sexismo hostil e

benevolente face às mulheres. A subescala de Sexismo Hostil integra os itens: 1. As mulheres

tentam ganhar poder controlando os homens; 2. As mulheres exageram os problemas que têm

no trabalho; 3. Assim que uma mulher consegue que um homem se comprometa com ela,

tenta, regra geral, controlá-lo de perto; 4. Quando as mulheres são vencidas por homens numa

competição justa, queixam-se, geralmente, que foram discriminadas; 5. Existem muitas

mulheres que, para enganarem homens, insinuam-se sexualmente, primeiro, e depois rejeitam

os seus avanços e 6. As mulheres feministas estão a fazer exigências completamente

irracionais aos homens. Da subescala de Sexismo Ambivalente fazem parte os itens: 7. Muitas

mulheres caracterizam-se por uma pureza que poucos homens possuem; 8. As mulheres

devem ser queridas/desejadas e protegidas pelos homens; 9. Todo o homem deve ter uma

mulher a quem amar; 10. O homem está incompleto sem a mulher; 11. As mulheres, em

comparação com os homens, tendem a ter uma maior sensibilidade moral e 12. Os homens

deveriam estar dispostos a sacrificar o seu próprio bem-estar com o objetivo de garantir

178

segurança económica às mulheres.

As respostas a estas proposições organizam-se numa escala de Likert de 0 (Discordo

Totalmente) a 5 (Concordo Totalmente) estando as pontuações mais altas associadas a

maiores níveis de sexismo. A fiabilidade da escala é de 0,82 na subescala Sexismo Hostil e

0,65 na subescala Sexismo Benevolente. Os valores de Alpha de Cronbach obtidos neste

estudo foram de 0,86 na subescala de Sexismo Hostil e 0,75 na subescala de Sexismo

Ambivalente.

Escala de Comportamentos de Sexting (adaptada de Weisskirch & Delevi, 2011)

A Escala de Comportamentos de Sexting de Weisskirck & Delevi (2011) é composta

por 5 itens com formato de resposta organizada numa escala de Likert de 1 (Nunca) a 5

(Sempre). Na presente pesquisa foi aumentado o número de itens para 9 de forma a responder

aos objetivos estabelecidos, uma vez que a escala original limita os comportamentos de

sexting ao envio de conteúdos através do telemóvel. Assim sendo, foram duplicados os itens

de forma a averiguar os mesmos comportamentos através de outras vias tecnológicas, tais

como redes sociais e Skype. As pontuações mais elevadas nesta escala correspondem a uma

maior participação em comportamentos de sexting.

Na escala original constam os seguintes itens: 1. Já enviei uma fotografia ou um vídeo

sexualmente sugestivo de mim mesmo/a; 2. Já enviei uma fotografia de mim mesmo/a em

roupa interior através do telemóvel; 4. Já enviei uma fotografia de mim mesmo/a despido/a

usando o telemóvel; 6. Já enviei uma mensagem de texto sexualmente sugestiva pelo

telemóvel e 8. Já enviei uma mensagem de texto com propostas de cariz sexual usando o

telemóvel. Foram acrescentados à escala original os itens: 3. Já enviei uma fotografia de

mim mesmo/a através das redes sociais, Skype ou equivalentes; 5. Já enviei uma fotografia

de mim mesmo/a despido/a usando as redes sociais, Skype ou equivalentes; 7. Já enviei uma

mensagem de texto sexualmente sugestiva usando as redes sociais, Skype ou equivalentes e

9. Já enviei uma mensagem de texto com propostas de cariz sexual usando as redes sociais,

Skype ou equivalentes. O alpha de Cronbach do estudo da escala foi 0,86, sendo a fiabilidade

encontrada no presente estudo de 0,84.

179

Escala de atitudes face ao Sexting (Weisskirch & Delevi, 2011)

A Escala de Atitudes face ao Sexting pretende avaliar as atitudes dos/as adolescentes

face à prática de sexting. A escala é composta por 17 itens distribuídos em três subescalas:

Divertido e Despreocupado, Perceção de Risco e Expetativas Relacionais. As respostas aos

referidos itens organizam-se numa escala de Likert de 1 (Nunca) a 5 (Sempre) sendo que

pontuações mais altas nos itens pertencentes às subescalas Divertido e Despreocupado e

Expetativas Relacionais indicam atitudes mais positivas face ao sexting. Na subescala

Perceção de Risco, pontuações mais altas indicam maior identificação dos riscos associados a

esta prática.

A primeira escala integra os seguintes itens: 1. O sexting é só uma maneira de seduzir

(namoriscar, cortejar, galantear); 2. O sexting não provoca nenhum dano; 3. O sexting é

divertido; 4. O sexting é emocionante; 5. O sexting faz parte de uma relação; 6. O sexting é

algo normal nas relações sentimentais de hoje em dia e 7. O sexting não é grande coisa.

A segunda subescala, Percepção de Risco, inclui os itens: 8. Creio que o sexting pode

causar-me problemas no futuro; 9. Enviar textos sexualmente sugestivos é perigoso; 10.

Enviar imagens sexualmente atrevidas deixa-me indefeso/a; 11. Enviar vídeos sexualmente

sugestivos é perigoso e 12. É preciso ter cuidado com o sexting.

Por último, a terceira escala, denominada de Expetativas Relacionais, incluiu os itens

13. Partilho as mensagens de sexting que recebo com os/as meus/minhas amigos/as; 14.

Partilho as minhas mensagens de sexting com os/as meus/minhas amigos/as; 15. O/a

meu/minha parceiro/a sentimental espera que lhe envie textos sexualmente atrevidos; 16. O/a

meu/minha parceiro/a sentimental espera que lhe envie fotografias e vídeos de conteúdo

sexual explícito e 17. O sexting melhora a minha relação ou a minha possível relação.

Não existem informações sobre as propriedades psicométricas no estudo original desta

escala. Na presente investigação, os alphas de Cronbach encontrados em cada subescala

foram respetivamente: 0,74 na subescala Divertido e Despreocupado, 0,82 na subescala

Perceção de Risco e 0,82 na subescala Expetativas Relacionais.

181

Tabela 9b

Guião Semiestruturado para Condução de Focus Group

Temas chave Perguntas Chave

III. Novas e Velhas Formas de Violência no Namoro

4. Na vossa opinião, existe violência no namoro entre os/as jovens? Gostava de vos ouvir relativamente a este tema.

Sub-questões para ajudar a facilitação:

- Que causas podem estar associadas? - Quais as formas mais frequentes? - Quais são as dinâmicas da violência e que significado(s) é/são dados

atribuídos pelos/as jovens? Tem consequências?

- Violência/Controlo com as TIC: jovens que controlam o/a seu/sua namorado/a pelo telemóvel, tweeter, whatsapp, etc? Conhecem o termo sexting? Por que é que vos parece que as pessoas fazem isto? Quem o fará com maior frequência? Rapazes ou raparigas?

- Quem é que ajuda os/as jovens em situações de violência (âmbito escolar)? 5. O que é que acham que deveria ser feito para haver menos relações violentas? 6. Quais as dificuldades que um/a jovem enfrenta para sair de um namoro violento? 7. O que diriam ou fariam a outro/a jovem que estivesse envolvido/a numa situação de violência para o/a ajudar?

IV. Ciberviolência na Intimidade Juvenil

8. Quais os aspetos positivos das tecnologias nos relacionamentos de intimidade? E quais os aspetos negativos? 9. Conheciam o termo sexting? 10. É uma prática frequente entre os/as jovens da vossa idade?

- Há diferenças em função do género nas práticas de sexting? - Quem envia mais frequentemente conteúdos erótico-sexuais? - Quais as motivações para a prática de sexting? - Que riscos poderão advir desta prática? - Conhecem algum caso onde os conteúdos erótico-sexuais foram divulgados

sem consentimento? O que aconteceu? - Que consequências tiveram as diferentes pessoas envolvidas? - Qual o impacto psicológico na divulgação de conteúdos erótico-sexuais

para as pessoas que foram expostas? - Que obstáculos poderão enfrentar estas vítimas?

V. Questões de Encerramento

- O que acharam da vossa participação neste estudo? - Durante esta conversa houve algum tema que tenha sido mais difícil de

abordar ou tenha causado desconforto? - Há alguma coisa que gostassem de ter perguntado ou esclarecido durante esta

conversa e que achem importante clarificar agora?

183

diferente e exclusivo, sendo também possível organizarem-se em categorias de ordem

superior incluindo vários critérios únicos; 2. as categorias são exaustivas de forma a que toda

a informação deve ser incluída em alguma categoria; 3. as categorias devem ser exclusivas,

implicando que cada informação só pode ser incluída numa categoria; 4. as categorias devem

ser significativas e refletir os objetivos da investigação; 5. as categorias devem ser claras e

replicáveis para que a informação seja facilmente incluída numa categoria e não noutra.

Todos os códigos foram organizados em famílias de códigos de ordem superior, procedendo

assim à análise de conteúdo da informação recolhida. Foram analisados, a partir de 18

documentos primários, 180 códigos e 981 citações, 3 famílias de códigos, das quais 1 (uma)

faz referência às relações de género, 8 aos relacionamentos de intimidade e 10 ao papel das

tecnologias nos relacionamentos de intimidade juvenil (cf. Figura 7).

Figura 7 Descrição Análise de Conteúdo

O discurso dos/das jovens foi então analisado através de uma categorização exaustiva

de forma a serem extraídas categorias primárias, secundárias e terciárias em torno dos

principais temas desta investigação: relações sociais de género, relações de intimidade juvenil

e o papel das tecnologias nos relacionamentos de intimidade, estando ilustrado na Figura 8 os

códigos e famílias de códigos utilizadas. A Figura 9 ilustra as codificações atribuídas nos

excertos de discurso analisados.

184

Figura 8 Descrição de códigos e famílias de códigos

Figura 9 Codificação dos excertos de discurso

185

Figura 10 Níveis de análise das categorias de análise de conteúdo