IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: - RI UFBA

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MULTI-INSTITUCIONAL EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO LUCIANA MACIEL BOEIRA IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA Salvador 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MULTI-INSTITUCIONAL EM DIFUSÃO DO

CONHECIMENTO

LUCIANA MACIEL BOEIRA

IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE

CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

Salvador

2021

LUCIANA MACIEL BOEIRA

IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE

CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação

Multi-Institucional em Difusão do Conhecimento,

como requisito parcial para obtenção do título de

Doutora em Difusão do Conhecimento.

Áreas de Concentração: Modelagem da Geração e

Difusão do Conhecimento.

Linha 1 – Construção do Conhecimento: Cognição,

Linguagens e Informação.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek

Salvador

2021

SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira

Boeira, Luciana Maciel.

Imaginação e grafismo : uma estratégia de ensinagem aplicada aos discentes

de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia / Luciana Maciel Boeira. - 2021.

356 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek.

Tese (Doutorado em Difusão do Conhecimento) - Programa de Pós-

Graduação Multi-institucional em Difusão do Conhecimento, Salvador, 2021.

1. Ensino superior - Métodos de ensino. 2. Imaginação. 3. Representação

gráfica. 4. Estratégias de aprendizagem. 5. Construção do conhecimento. I.

Ponczek, Roberto Leon. II. Programa de Pós-Graduação Multi-institucional em

Difusão do Conhecimento. III. Título.

CDD 378.17 – 23. ed.

LUCIANA MACIEL BOEIRA

IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE

CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Difusão

do Conhecimento, na Universidade Federal da Bahia, à seguinte banca examinadora:

Roberto Leon Ponczek (Orientador)

Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.

Docente do DMMDC na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Dante Augusto Galeffi (avaliador interno)

Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.

Docente do DMMDC na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Maria de Fátima Hanaque Campos (avaliadora interno)

Doutora em História da Arte pela Universidade do Porto, Portugal.

Docente do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia.

Léa das Graças Camargos Anastasiou (avaliadora externo)

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil.

Docente do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Federal do Paraná.

Luiz Antônio Vidal de Negreiros Gomes (avaliador externo)

Doutor em Art and Design Education PhD, University of London, UL, Inglaterra.

Docente da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro.

Salvador, 20 de janeiro de 2021.

A

Adroaldo (in memoriam), meu pai, por ter me ensinado a sonhar.

Célia, minha mãe, por ter me ensinado a ser forte.

Bianca e Anderson, meus irmãos, por serem parte de mim.

Carlos Cortês, meu companheiro, por ter me apoiado durante a realização deste trabalho.

Denis Petrucci, por acreditar que podemos mudar para melhorar o ensino superior deste país.

E aos meus professores, por terem deixado suas marcas em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Aos meus amigos de jornada no DMMDC, Nilvo Cassol, Antônio Ribeiro, Patrícia Leal,

Eneida Baumann, José Damião, Álvaro Uribe e Anselmo Santos: agradeço pelas ideias,

trocas de experiências e companheirismo.

Ao meu amigo de mestrado, doutorado e toda a vida, Homero Andrade: agradeço pela força,

dicas e risadas ao longo de tantos anos.

Aos professores do DMMDC, em especial, Dante Galeffi, Miguel Bordas, Félix Dias,

Hernane Borges, Hugo Saba, Eudaldo Francisco, José Garcia e José Welligton: agradeço

pelas preciosas contribuições ao meu trabalho.

Em especial ao professor José Carlos Ribeiro da FACOM/ UFBA, por suas contribuições

preciosas para o desenvolvimento deste trabalho durante o meu Exame de Qualificação.

Aos meus amigos do grupo de orientação, Cinara Bahia, Érica Silva e Cláudio Rocha:

agradeço pelo carinho.

A professora Léa Anastasiou: agradeço pela semente de inspiração do ser docente que

plantou em minha vida.

Ao meu orientador, Roberto Leon Ponczek: agradeço por muito ter me ensinado, por

compartilhar sua experiência, por me conduzir sabiamente na construção desta Tese, e

principalmente, por ter marcado a minha história acadêmica com o seu sinal, a epistemologia

ponceziana.

A Anderson Café, o amigo que o DMMDC me presenteou, não tenho palavras para expressar

tamanha gratidão! Participou de todo o processo de construção e desenvolvimento do meu

trabalho; foi ombro, ouvido, voz e imaginação que muito colaborou comigo. Eu precisaria

do infinito para lhe agradecer!

Ao meu tradutor e amigo especial, José Antônio de Melo Neto: obrigada por tudo e por todos

este anos de muita amizade.

Ao Prof. Denis Petrucci: muito obrigada! Sem a sua colaboração, jamais teria realizado este

trabalho.

Ao Carlos Cortês, também não existem palavras que expressem o meu agradecimento por sua

dedicação diária, não só em apoiar, mas também por trabalhar para a realização desta Tese.

Aos meus amigos e amigas, Claudia Campos, Christiane Guimarães, Thais Majdalane, Fábio

Sampaio, Everton Santana, Ilka Majdalane, Eneida Campos, Larisse Freitas, Léia Souza,

Paulo Nascimento e Karina Kodel.

Agradeço aos meus sobrinhos e enteados, aos meus irmãos, a José Ailton e, em especial, a

minha mãe e meu pai, pois foi a vossa dedicação e trabalho que me trouxeram até aqui.

“ O pensamento lógico pode levar você de A a B, mas a

imaginação te leva a qualquer parte do Universo. ”

Albert Einstein,

Físico Alemão.

BOEIRA, Luciana Maciel. Imaginação e Grafismo: uma estratégia de Ensinagem aplicada

aos discentes de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo

da Bahia. Orientador: Roberto Leon Ponczek. 356f.: il. 2021. Tese (Doutorado Multi-

institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) – Faculdade de Educação,

Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2021.

RESUMO

O exercício da imaginação é fundamental para a construção do conhecimento e concepção de

mundo pelo homem. Sob esta ótica, observou-se a constante apresentação de dificuldades de

imaginação pelos estudantes e, consequentemente, de compreensão dos conteúdos curriculares

apresentados em sala de aula. Em vista disto, elaborou-se, teorizou-se e sistematizou-se uma

técnica de estudos, o grafismo, com a finalidade de servir como uma ferramenta cognitiva para

auxiliar os estudantes na visualização, organização, direcionamento e estímulo ao exercício da

imaginação para a aquisição do conhecimento. Aplicar e verificar o grafismo enquanto uma

estratégia de ensino e aprendizagem, este foi o principal objetivo desta investigação a qual foi

realizada com a participação do docente e dos discentes de duas turmas da componente

curricular Mecânica dos Sólidos II do Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnológicas da

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia durante o segundo semestre letivo de 2019.

Através da abordagem qualitativa e de natureza aplicada, este trabalho empregou os

procedimentos da pesquisa bibliográfica e documental para o desenvolvimento da sua base

teórica. Para a base empírica, entrevistas e questionários foram utilizados sob os aspectos e

técnicas da Pesquisa-Ação Colaborativa. Os conceitos da Teoria e Metodologia Dialética do

Conhecimento fundamentaram a sistematização e execução do grafismo e sua implementação

enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem seguiu os princípios da Ensinagem. Após a

verificação e análise dos dados coletados, através de dois ciclos de ação da pesquisa, constatou-

se que a execução do grafismo pelos estudantes durante o processo de aquisição do

conhecimento e resolução de problemas em engenharia: (1) auxilia e promove a superação da

escuridão cognitiva através da ilustração, visualização e organização gráfica dos elementos do

objeto do conhecimento; (2) direciona o movimento do pensamento; (3) auxilia na ascensão

do conhecimento e estimula o exercício da imaginação. Ao tratar da aplicação do grafismo

enquanto estratégia de Ensinagem, verificou-se que a consciência do aprendizado pelos

alunos lhes levou ao sabor pelo saber, estimulando assim o desenvolvimento das suas

autonomias intelectuais. Os resultados indicaram que dos 50% dos alunos que concluíram

todas as atividades durante o semestre, 29,5% evoluíram em notas durante o período e

obtiveram a aprovação no final. No caso do grupo de amostragem, dos 18 voluntários, 15

discentes participaram de todas as atividades e fizeram as três avaliações da componente.

Destes, 8 alunos apresentaram expressiva evolução nas notas durante o processo e foram

aprovados na componente, o que equivale a 53% do grupo de amostragem. Para além destas

verificações e resultados, a aplicação do grafismo enquanto uma estratégia de Ensinagem

aos discentes das Ciências Exatas e Tecnológicas, tomou o corpo de um produto

pedagógico, pois, a partir da concepção de que pensar é imaginar, validou o entendimento

que ensinar o aprendente a aprender é ensinar a imaginar para apreender.

Palavras-chave: 1. Ensino superior - Métodos de ensino. 2. Imaginação. 3. Representação

gráfica. 4. Estratégias de aprendizagem. 5. Construção do conhecimento.

BOEIRA, Luciana Maciel. Imagination and Graphism: a Ensinagem strategy applied to

students of Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia. Advison: Roberto Leon Ponczek. 356f.: il. 2021. Thesis (Doutorado Multi-institucional

e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) – Faculdade de Educação, Universidade

Federal da Bahia, Salvador, 2021.

ABSTRACT

The exercise of imagination is fundamental for the construction of knowledge and the

conception of world by the human beings. From this perspective, there was a constant

presentation of difficulties in imagination by the students and, consequently, of understanding

the subjects from the curriculum presented in the classroom. In view of this, it was elaborated

and theorized a study technique, the graphism, that has been systematized in order to serve as

a cognitive tool to assist students in visualizing, organizing, directing and encouraging the

exercise of imagination in the acquisition of knowledge. Applying and checking the graphism

as a teaching and learning strategy was the main objective of this investigation which was

carried out with the participation of the teacher and students of two classes of the Solids

Mechanics II curriculum component of the Bachelor in Technological and Exact Sciences of

Federal University of Reconcavo of Bahia during the second semester, in 2019. Through the

qualitative and applied approach, this work used the procedures of bibliographic and

documentary research for the development of its theoretical basis. For the empirical basis,

interviews and questionnaires were used the aspects and techniques of Collaborative Action

Research. Theory and Methodology concepts Dialectic of Knowledge supported the

systematization and execution of the graphism and its implementation as a teaching and

learning strategy followed the principles of Ensinagem. After the verification and analysis of

the collected data, through two cycles of research action, it was found that the execution of the

graphism by students during the process of acquisition of knowledge and problem solving in

engineering: (1) assists and promotes the overcoming of the cognitive darkness through

illustration, visualization and graphic organization of the elements of the knowledge object; (2)

directs the movement of thought; (3) helps in the rise of knowledge and stimulates the exercise

of imagination. When dealing with application of the graphism as Ensinagem strategy, it was

found that awareness learning by students led them to knowledge, thus stimulating the

development of their intellectual autonomies. The results indicated that 50% of the students

who completed all activities during the semester, 29.5% evolved in grades during the period

and obtained approval at the end. In356 the case of the group of the 18 volunteers, 15 students

participated in all activities and did the three component evaluations. Of these, 8 students

showed a significant evolution in grades during the process and were approved in the

component, which is equivalent to 53% of the group sampling. In addition to these checks and

results, the application of the graphism as Ensinagem strategy for students of Technological

and Exacts Sciences turn into a pedagogical product, because, from the conception that thinking

is imagine, it was validated the understanding that teaching the learner to learn is teaching to

learn through the imagination.

Keywords: 1.Higher education - Teaching methods. 2. Imagination. 3. Graphic Representation.

4. Learning strategies. 5. Construction of knowledge.

LISTAS DE FIGURAS

Figura 1 – Estudando Aristóteles: síncrese a síntese ............................................................. 118

Figura 2 – Estudando Aristóteles 2 ........................................................................................ 119

Figura 3 – Grafismo descritivo ............................................................................................... 122

Figura 4 – Grafismo passo-a-passo ........................................................................................ 123

Figura 5 – Entendendo Kant ................................................................................................... 127

Figura 6 – Grafismo nas formas de texto e mapa conceitual.................................................. 129

Figura 7 – Grafismo na forma de mapa conceitual e desenho................................................ 130

Figura 8 – Estudando tensão ................................................................................................... 140

Figura 9 – Torção em um eixo................................................................................................ 142

Figura 10 – Destaque “a” Figura 09 ....................................................................................... 143

Figura 11 – Destaque “b” Figura 9 ........................................................................................ 143

Figura 12 – Enunciado e construção do diagrama do corpo livre. ......................................... 187

Figura 13 – Apresentação das equações de equilíbrio e cálculo das reações de apoio. ......... 188

Figura 14 – Modelo teórico para a construção das expressões dos esforços. ......................... 189

Figura 15 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços normais. 190

Figura 16 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços cortantes.

................................................................................................................................................ 190

Figura 17 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos momentos fletores.

................................................................................................................................................ 191

Figura 18 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS09 (Anexo IV) para solução do

problema proposto na Figura 12. ............................................................................................ 192

Figura 19 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS13 (Anexo V) para solução do

problema proposto na Figura 12. ............................................................................................ 193

Figura 20 – Evolução de notas com o uso do grafismo. ......................................................... 246

LISTAS DE QUADROS

Quadro 1 – Comparativo entre tendências pedagógicas ......................................................... 108

Quadro 2 – Conceitos pedagógicos norteadores da UFRB e do BCET ................................. 112

Quadro 3 – Relação de turmas ofertadas pelo CETEC em 2019.2......................................... 158

LISTAS DE TABELAS

Tabela 1 – Relação entre as médias de MEC I e o número de repetências em MEC II. ........ 207

Tabela 2 – Notas dos discentes inéditos de MEC II, em 2019.2. ........................................... 207

Tabela 3– Resultados dos semestre letivo 2019.2 .................................................................. 245

Tabela 4 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.1. ....................................... 249

Tabela 5 – Resultados referentes às turmas de MEC I em 2017.2, 2018.2 e 2019.1 ............. 250

Tabela 6 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.2, 2019.1 e 2. .................... 252

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 17

1.1. O DELINEAR DE UMA TESE .............................................................................. 19

1.1.1. O problema da pesquisa ........................................................................ 21 1.1.2. A proposta ............................................................................................ 22

1.2. OBJETIVOS ............................................................................................................ 29

1.3. HIPÓTESES ............................................................................................................ 30

1.4. JUSTIFICATIVA .................................................................................................... 30

1.5. ESTRUTURA DA TESE ........................................................................................ 32

2. IMAGINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ....................................... 35

2.1. LINHA DO TEMPO: O CONCEITO DA IMAGINAÇÃO AO LONGO DA

HISTÓRIA ........................................................................................................................ 36

2.2. A IMAGINAÇÃO DO SÉCULO XXI ..................................................................... 41

2.2.1. Das confabulações ................................................................................ 41 2.2.2. A Imaginação ....................................................................................... 43

3. IMAGINAÇÃO E CONHECIMENTO ........................................................................... 49

3.1. CONHECER: NASCER JUNTO ............................................................................. 49

3.2. O CONHECIMENTO DOS ESPAÇOS EDUCACIONAIS .................................... 50

3.2.1. Diferença entre retenção e elucidação ................................................... 53

3.3. COMO SE APRENDE ............................................................................................. 55

3.3.1. Teoria e metodologia dialética do conhecimento e a imaginação ........... 56

3.4. APRENDER A PENSAR PARA CONHECER .................................................... 59

3.4.1. Direcionando o pensamento: o como se pensa ....................................... 60 3.4.2. Desenvolvendo a autonomia intelectual ................................................ 61

3.5. ASCENÇÃO DO CONHECIMENTO PELO PENSAMENTO ........................... 61

3.5.1. A visualização e organização do pensamento ........................................ 63

4. ENSINO, APRENDIZAGEM E IMAGINAÇÃO .......................................................... 65

4.1. DA HISTÓRIA ÀS TEORIAS NO BRASIL ........................................................ 65

4.1.1. Aspectos da História ............................................................................. 65 4.1.2. Às teorias ............................................................................................. 70

4.1.3. No Brasil .............................................................................................. 78

4.2. COMO SE ENSINA, COMO SE APRENDE E A IMAGINAÇÃO .................... 83

4.2.1. Como se ensina ..................................................................................... 83 4.2.2. Como se aprende .................................................................................. 89 4.2.3. Ensinar para imaginar uma transformação ............................................ 91

5. ENSINAGEM, ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM,

GRAFISMO ............................................................................................................................. 94

5.1. ENSINAGEM ......................................................................................................... 94

5.1.1. Um neologismo? ................................................................................... 94 5.1.2. A expressão: {(Professor + Alunos) x Conhecimento} =

Aprendizagem ................................................................................................. 95

5.1.3. Do dar aula à ensinagem ....................................................................... 97 5.1.4. Ensinagem: uma prática social .............................................................. 99

5.2. PROCEDIMENTOS E ESTRATÉGIAS DE ENSINAGEM ............................. 104

5.2.1. Do método ao procedimento de ensino ................................................ 104 5.2.2. Das teorias, procedimentos e seus fins ................................................ 107 5.2.3. Estratégias de ensinagem .................................................................... 109

5.3. O GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AO

ENSINO SUPERIOR ..................................................................................................... 117

5.3.1. O que é grafismo? ............................................................................... 117 5.3.2. Aprender a imaginar graficamente para conhecer ................................ 123

5.3.3. Qual o objetivo da técnica de estudos grafismo? ................................. 132

5.3.4. Grafismo na prática: estimulando a imaginação. ................................ 136 5.3.5. Qual o objetivo do uso do grafismo enquanto uma estratégia de

ensinagem? .................................................................................................... 144

6. IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: OS CAMINHOS PARA A

IMPLEMENTAÇÃO E A AVALIAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE

ENSINAGEM ........................................................................................................................ 149

6.1. O PROBLEMA, AS HIPÓTESES E SUAS VARIÁVEIS ................................. 149

6.2. O LÓCUS, O AMBIENTE E OS SUJEITOS DA PESQUISA ............................. 151

6.2.1. Um breve panorama do Bacharelado em Ciências Exatas e

Tecnológicas, o BCET e da componente Mecânica dos Sólidos ..................... 152

6.2.2. O corpo docente .................................................................................. 156 6.2.3. O corpo discente ................................................................................. 164

6.3. PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................ 171

6.3.1. Da natureza, abordagem, técnicas e procedimentos ............................. 171 6.3.2. Instrumentos da pesquisa e procedimentos de coleta de dados ............ 177 6.3.3. A descrição e análise de dados ............................................................ 181

7. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................... 185

7.1. O GRAFISMO ....................................................................................................... 186

7.1.1. Grafismo aplicado a Mecânica dos Sólidos ......................................... 186 7.1.2. Da escuridão à luz cognitiva ............................................................... 193

7.1.3. Visualização e organização das ideias ................................................. 200 7.1.4. Direcionamento do pensamento .......................................................... 212 7.1.5. Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação ........................... 217 7.1.6. Grafismo, autonomia de estudos e acesso às videoaulas ...................... 222

7.2. O GRAFISMO COMO UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA

AOS DISCENTES DE MECÂNICA DOS SÓLIDOS II ............................................... 227

7.2.1. Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta ............................ 229

7.2.2. Autonomia intelectual ......................................................................... 238

7.3. RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES .................................................................. 244

8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES .............................................. 255

8.1. A IMPORTÂNCIA DA APLICAÇÃO DO GRAFISMO ENQUANTO

ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM ................................................................................... 255

8.2. O PROJETO FUTURO .......................................................................................... 256

8.3. A VISÃO CRÍTICA SOBRE A PESQUISA-AÇÃO ............................................ 257

8.4. PROPOSTAS PARA OUTRAS PESQUISAS ...................................................... 261

8.5. PARA A UFRB ...................................................................................................... 264

8.6. A CONCLUSÃO ................................................................................................... 266

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................ 268

APÊNDICE A. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ECLE) para o docente ....... 273

APÊNDICE B. Questionário para seleção da amostra de discentes ...................................... 281

APÊNDICE C. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ECLE) para os discentes ... 290

APÊNDICE D. Questionário aplicado aos discentes – 1º ciclo ............................................ 298

APÊNDICE E. Questionário aplicado aos discentes – 2º ciclo ............................................. 303

APÊNDICE F. Roteiro para entrevista com os discentes – 1º ciclo ...................................... 308

APÊNDICE G. Roteiro para entrevista com os discentes – 2º ciclo ..................................... 310

APÊNDICE H. Roteiro para entrevista com o docente – 1º ciclo ......................................... 312

APÊNDICE I. Roteiro para entrevista com o docente – 2º ciclo .......................................... 314

APÊNDICE J. Grafismo para compreender Aristóteles ........................................................ 316

APÊNDICE K. Grafismo para entender Immanuel Kant ...................................................... 321

APÊNDICE L. Grafismo para entender o Grafismo ............................................................. 325

APÊNDICE M. Grafismo para compreender Thomas Hobbes ............................................. 328

APÊNDICE N. Grafismo para compreender Jean-Paul Sartre.............................................. 332

Anexo I. Aplicação do grafismo desenvolvido pelo docente ................................................ 334

Anexo II. Relatório final da componente Mecânica dos Sólidos II elaborada pelo

docente .................................................................................................................................... 339

Anexo III. Parecer consubstanciado do CEP ......................................................................... 344

Anexo IV. Grafismo desenvolvido pelo DIS09..................................................................... 349

Anexo V. Grafismo desenvolvido pelo DIS13 ...................................................................... 352

17

1. INTRODUÇÃO

O cerne desta tese nasceu em março de 2007, quando entrei em sala de aula e assumi

a cadeira de docente do nível superior pela primeira vez. Foi a componente Planejamento e

Produção Gráfica para estudantes de Publicidade e Propaganda de uma faculdade privada em

Feira de Santana/BA. A felicidade por alcançar um posto de trabalho tão importante foi

dominada pelo sentimento de angústia provocado pela dificuldade que senti em conduzir a aula.

Eu estava preparada, dominava o assunto, pois era prática diária da minha vida profissional

enquanto Diretora de Arte em Publicidade. Nas palavras incentivadoras do coordenador do

curso, quando me convidou para ensinar naquela Instituição, “bastava passar aos alunos tudo

que eu sabia no CorelDRAW1”. No entanto, a angústia me assolou porque, em sala de aula e

enquanto professora, eu não sabia como ensinar para o aluno apreender: não era simplesmente

passar o que eu tinha domínio.

Situação como esta deve ser comum a maioria das pessoas sem formação na área

da Pedagogia quando iniciam a carreira de professor. A princípio, acreditamos que ter

conhecimento e domínio absoluto sobre um conteúdo ou prática é requisito básico para

ensinar. Isto é um equívoco: saber ensinar não significa apenas apresentar um assunto ou

demonstrar como se executa uma tarefa. Ensinar é uma ação intencional a qual reivindica

um fim, que é apreender. Logo, explicar um conteúdo dispondo de técnicas de oratórias e

tecnologias avançadas de exposição não é garantia de que os estudantes vão aprender.

Ensinar é despertar e motivar a estudante a apreensão do conhecimento. É mobilizar o

estudante à evolução do seu pensamento, da sua imaginação. É transformar a sua

consciência de si, do outro e do mundo.

Portanto, ensinar não é uma tarefa de objetivo fácil a ser atingido. O professor precisa

antes saber como quem aprende o que se ensina. Saber que aprendizado não se mensura através

de provas onde as notas equivalem ao número de palavras repetidas em sala de aula ou nos

escritos dos livros, pois aprendizado é a apreensão do conhecimento. O professor precisa ter

ciência que apreender é um passo além do aprender, sem relação alguma com o reter ou o

memorizar. É quando o pensamento do estudante adentra no objeto do conhecimento e imagina

1 CorelDRAW é um software de desenho gráfico desenvolvido pela Corel Corporation, Canadá. Esta

ferramenta é largamente utilizada por profissionais das Artes, Design e Publicidade para o desenvolvimento

de ilustrações vetoriais bidimensionais.

18

as relações de causas e efeitos dos seus elementos. Desta maneira, ele consegue agarrar para

si a essência do objeto e adquire o conhecimento do objeto.

Sete anos depois, assumi o cargo de docente do ensino superior na Universidade

Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, como Bacharel em Desenho Industrial com

Habilitação em Programação Visual e Mestre em Desenho, Cultura e Interatividade. Fui

lotada no Centro de Ensino de Ciências Exatas e Tecnológicas – CETEC, para ministrar as

componentes curriculares de Desenho Técnico e Geometria Descritiva aos discentes do

Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnológicas – BCET. Este curso é o primeiro ciclo de

formação para os Bacharelados em Matemática e Física, bem como Engenharia Civil,

Engenharia da Computação, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Engenharia

Sanitária e Ambiental.

Quando comecei a atuar em sala de aula na UFRB, logo me deparei com dificuldades

de ensino e aprendizagem diferentes da área da Comunicação Social. Um novo impacto por

não saber como ensinar, o quê e a quem aprende resgatou o sentimento de angústia de lá do

início da carreira. Deste sentimento emergiram inquietações e questionamentos, dentre eles a

busca pela causa ou as causas das dificuldades de apreensão do conhecimento apresentada pelos

discentes. Foi quando, por meio da observação em sala de aula e de repetidas situações ao longo

de um período, que percebi: as dificuldades dos estudantes estão em pensar, elaborar

mentalmente e imaginar para apreender.

À luz desta percepção, propus a tese Imaginação e Grafismo: uma Estratégia de

Ensinagem Aplicada aos Discentes das Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade

Federal do Recôncavo da Bahia, desenhada, orientada e desenvolvida dentro do Programa

de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento –

DMMDC, sediado na Universidade Federal da Bahia. Este trabalho traz a investigação sobre

as funções do exercício da imaginação durante a aquisição do conhecimento dos sujeitos e

sobre a aplicação de uma técnica de estudos enquanto estratégia de ensino e aprendizagem

aos discentes das engenharias. O cerne do objetivo desta técnica é o estímulo ao exercício

e direcionamento da imaginação para a apreensão do conhecimento.

Porém, este trabalho está além da aplicação e verificação desta estratégia de ensino

e aprendizagem. Nas suas linhas estão descritas as relações entre estudantes, professores e

Instituições, as quais se influenciam mutuamente, pois entre elas existem vínculos de

infinitos elos, onde o movimento e a modificação de um deles desencadeia a mobilização e

a mudança nos demais: são as relações mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem, onde

todos fazem parte do mesmo processo.

19

Nas entrelinhas estão ocultas as minhas trilhas pela docência desde 2007. A

história de uma pessoa que não teve a formação e capacitação para saber como se ensina, o

quê e a quem aprende, ainda assim aceitou o desafio de ser professora e, diante a

responsabilidade da profissão, disse a si mesma: “eu não pretendo me limitar a apenas

passar tudo o que sei aos meus alunos, quero que eles aprendam tudo o que eu lhes ensinar”.

Portanto, este trabalho representa a busca pela superação das dificuldades inerentes à prática

docente, isto é, a minha busca por ensinar para apreender.

Este trabalho foi pensado, produzido e direcionado a todos os bacharéis de

profissão, assim como eu, que se transformaram em professores de coração. Por este

motivo, apresento aqui os assuntos que estudei para a implementação e aplicação da

estratégia de ensinagem grafismo: desde a pesquisa sobre o conceito da imaginação, da sua

importância para a construção do conhecimento, do desenvolvimento das pedagogias ao

longo da História, do pensamento didático da Ensinagem até a valia da Educação para as

sociedades. Portanto, dedico este trabalho a pessoas que assumiram o cargo de professor e

pretendem cumprir o seu compromisso com os projetos de vida de seus alunos e,

principalmente, seu papel junto à sociedade que pertencem.

1.1. O DELINEAR DE UMA TESE

Na área da Comunicação Social, especialmente no curso de Publicidade e

Propaganda, a maioria dos estudantes traz a criatividade como característica predominante

no perfil psicográfico no ingresso a graduação. Mesmo que ocorram algumas exceções, ao

longo da formação, estes estudantes são estimulados e habilitados para serem profissionais

criativos, pois este é um requisito basilar para as suas atuações no mercado de trabalho:

criar campanhas publicitárias, inovações comunicativas, estratégias de estímulo ao

consumo, novos produtos e marcas são algumas das atividades que fazem parte deste tipo

de convocação à imaginação e a criatividade destes profissionais.

Logo ao ingressar na UFRB, percebi as diferenças entre os perfis dos estudantes da

Comunicação Social e os do BCET. O tipo criativo destes está na análise e formulação de

soluções matemáticas para resolução de problemas e criação de inovações técnicas e

tecnologias. Observar e analisar fenômenos físicos sobre objetos e buscar soluções para

resolver ou evitar problemas são as atividades do cotidiano destes profissionais. Logo

Portanto, suas ações criativas estão nos raciocínios sobre as relações de causas e efeitos e

elaborações de experimentos de possibilidades executivas, sempre sob as rédeas das leis da

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Matemática e da Física. As suas imaginações criativas também são conhecidas por

engenhos, por serem de natureza lógica, técnica e normativa, de forma que seus produtos

devam necessariamente ser factíveis, eficientes e seguros.

Um fator determinante no percurso do estudante num curso da área das Ciências

Exatas e Tecnológicas é a constante requisição do elevado nível de conhecimento sobre os

conteúdos da Matemática e da Física, pois são ciências fundamentais para as Engenharias.

A relação entre seus conteúdos é de complementaridade e a complexidade entre os seus

fatores para soluções lógicas e técnicas aumenta a cada passo que o estudante dá em direção

à sua vida profissional. Por isto, a exigência no nível de conhecimento do estudante sobre

estas matérias é imperativo desde o primeiro semestre letivo de qualquer curso desta área.

Caso ocorra, por algum motivo ou em algum momento, uma fissura ou um lapso na

aquisição do conhecimento de algum conteúdo destas matérias, rompe-se a linha de

evolução da espiral do conhecimento do estudante, o qual certamente encontrará

dificuldades no prosseguimento de sua formação profissional.

O aprendente das engenharias, além de gostar das Ciências Exatas, precisa apreender

os fundamentos elementares da Matemática e compreender as relações de causas e efeitos dos

fenômenos da Física, desde o nível médio de sua formação educacional. No nível superior, as

relações entre estas duas ciências se tornam complexas: o estudante apreende a analisar os

fenômenos físicos, imaginar possíveis causas e consequências e a utilizar fórmulas matemáticas

em cálculos de soluções a fim de resolver de problemas em Engenharia. Esta seria a cadeia

evolutiva de aquisição do conhecimento ideal e necessária para a formação dos engenheiros no

sistema de ensino implantado no Brasil.

Segundo os dados coletados no Relatório Brasil do Programa Internacional de

Avaliação de Estudantes – PISA 20182:

Desempenho do Brasil em Ciências, sob a perspectiva internacional,

obteve a média de proficiência dos jovens brasileiros em Ciências no PISA

2018 foi de 404 pontos, 85 pontos abaixo da média dos estudantes dos

países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

– OCDE. (BRASIL, 2018, PISA, p. 125)

Na realidade existente deste país, os estudantes, de modo geral, ingressam nas

universidades com o nível de conhecimento inconsistente nos conteúdos de todas as matérias

fundamentais para a formação de profissionais em quaisquer das áreas do conhecimento:

línguas, história, geografia, biologia, filosofia etc. Concentrei os exemplos aqui apresentados

2 Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/pisa.

21

nas matérias das ciências exatas porque é o corpus deste estudo. O fato de não terem

apreendido o basilar nos ensinos de nível fundamental e médio, os discentes não conseguem

compreender e acompanhar os conteúdos apresentados no ensino superior. Sendo assim, as

dificuldades se impõem a cada componente curricular da graduação e, muitas vezes, eles não

conseguem avançar nos cursos, sofrendo as consequências graves de sucessivas reprovações.

1.1.1. O problema da pesquisa

Observando os alunos de Geometria Descritiva e de Desenho Técnico da UFRB, de

entrada, percebi que eles tinham uma diferença singular em relação aos alunos de Produção

Gráfica e de Produção de Vídeo em Publicidade: estes não apresentavam dificuldade alguma

quando eram convocados a imaginar algum objeto ou situação. No caso dos futuros

engenheiros, quando solicitava que eles visualizassem – imaginassem – um sólido

tridimensional qualquer sobre um plano horizontal para representarem a sua vista frontal no

papel, boa parte dos estudantes das turmas não conseguia vencer sequer a primeira etapa da

atividade solicitada em sala de aula, isto é, imaginar um cubo, por exemplo. Este fato se repetiu

sucessivamente em todas as turmas que ministrei, até que busquei compartilhar esta observação

com os demais colegas de Instituição. A reclamação era a mesma: “os estudantes não

conseguem visualizar mentalmente objetos tridimensionais”, ou modelos práticos, para a

análise e resolução de problemas em engenharia.

Novamente comparando o perfil psicográfico dos estudantes das Ciências Exatas

com os de Comunicação Social, especialmente os de Publicidade e Propaganda, entendo

que estes ingressam no nível superior com um estágio avançado em suas produções

imaginativas. No decorrer do curso, uma das competências e habilidades mais trabalhadas

pelas componentes curriculares é justamente a motivação e o desenvolvimento das suas

capacidades criativas e os discentes são livres para criar. Já os estudantes das Ciências

Exatas passam por processos de motivação e desenvolvimento criativo e proativo

completamente diferente daquele dos publicitários, pois não podem ultrapassar os limites

estabelecidos pela Física e Matemática. Logo, imaginar um modelo tridimensional sobre

um plano horizontal e ainda visualizar a sua vista frontal é uma tarefa muito mais fácil para

um estudante de Publicidade do que para um de Engenharia.

O segundo fator que determina a possibilidade de visualização mental de objetos

para a análise de fenômenos físicos pelos estudantes é o entendimento anterior sobre os

próprios fenômenos físicos. Conforme expliquei anteriormente, os estudantes das

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engenharias têm que necessariamente manter em alta a evolução do nível de conhecimento

sobre os conteúdos da Física e da Matemática para não enfrentarem grandes dificuldades

durante sua formação.

Como os aprendentes vão analisar as forças que agem sobre uma estrutura sólida se

eles não sabem o que é força? Se não conhecem o fenômeno, não visualizam o fenômeno.

1.1.2. A proposta

O Programa de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do

Conhecimento – DMMDC – instituiu como referência para o desenvolvimento dos seus

projetos a epistemologia de Imre Lakatos (1970, 1999). Segundo este filósofo, a História

da Ciência foi construída por meio de “revoluções científicas”, as quais consistiram no

processo racional de evolução do conhecimento e da superação de um programa de pesquisa

por outro: “a História da Ciência é a história dos programas em concorrência” (SILVEIRA,

1996). Considerando que o fazer científico é uma proposta metodológica e que esta pode

ser refutada por uma “metodologia rival”, Lakatos (1970) então propôs a Metodologia dos

Programas de Pesquisa Científica (MPPC).

Esta epistemologia propõe que o pesquisador elabore o seu Programa de Pesquisa

sob a possibilidade do falseamento, ou seja, ele deve desenhar o seu projeto de maneira a

evitar que a sua proposição axiomática, a sua principal hipótese de pesquisa, não seja

refutada pelos outros programas de pesquisa. Sub judice dos “rivais”, os programas de

pesquisa devem ser compostos por um “núcleo firme” ou “núcleo duro”, como define o

professor Roberto Leon Ponczek, do DMMDC, onde deverá estar localizado o axioma da

tese, bem como o respectivo “cinturão protetor”, que é formado pelo conjunto de hipóteses

ou “teorias auxiliares”. Estas devem ser elaboradas sob a previsão de serem expostas aos

programas “rivais”, podendo ser refutadas e modificadas, protegendo assim o “núcleo duro”

da tese ao longo da investigação.

Durante as aulas da disciplina “Seminários de Tese”, no DMMDC, o professor Roberto

Ponczek traduzia a epistemologia de Lakatos (1970) e explicava que o núcleo duro de um

programa de pesquisa tem caráter metafísico, pois nasce de uma crença, ou seja, de uma

convicção inabalável do pesquisador. Segundo Immanuel Kant (2001) todo conhecimento

começa com a intuição, que emerge da observação do mundo sensível. Assim, da observação e

comparação entre as diferentes formas de imaginação dos discentes de publicidade e

propaganda e dos estudantes das ciências exatas e tecnológicas, iniciou-se o desenho desta tese.

23

Como disse anteriormente, os futuros publicitários, livres imaginativos, não apresentavam

dificuldades de compreensão sobre os conteúdos apresentados em sala de aula. Já os

promissores engenheiros, limitados pelas leis da matemática e da física, demonstravam

dificuldades de imaginar, de visualizar mentalmente, fato que, consequentemente, não lhes

permitiam entender os assuntos das aulas. A observação sobre a diferença entre exercício

imaginativo destes dois perfis psicográficos de estudantes me trouxe a “intuição”: aqueles que

imaginam os conteúdos e as argumentações apresentadas em sala de aula sem dificuldades

aprendem com mais facilidades do que aqueles discentes que apresentam obstáculos no

exercício imaginativo. Este fato me levou a concluir que o exercício da imaginação é

fundamental para a construção do conhecimento e a concepção do mundo pelo homem.

Assim nasceu a crença desta pesquisa, a minha convicção inabalável. Logo, a dificuldade do

exercício da imaginação dos discentes das ciências exatas e tecnológicas se tornou o problema,

a minha “dor de mundo” e “busca por solução pelo pesquisador”, conforme afirmou o professor

Roberto Ponczek.

À luz desta crença, algumas possibilidades e causas de interferência no exercício

da imaginação dos discentes do BCET foram especuladas durante o processo de desenho

deste programa de pesquisa para o exame de qualificação. Até então, foquei nas

comunicações do século XXI, onde o axioma elaborado assim afirmava: as formas de

construção e transmissão das comunicações da era digital exercem essencial influência no

exercício e produção da imaginação dos sujeitos. As hipóteses, afirmações de caráter

empírico que são balizadas pelo axioma e construídas para formar o seu “cinturão protetor”

(LAKATOS, 1970), tinham como objetivo verificar como e porque as comunicações

interfeririam na produção imaginativa dos sujeitos.

Porém, antes mesmo da realização do exame de qualificação, o professor Roberto

Ponczek refletiu: “a imaginação é imensurável, pois é subjetiva”. As proposições que

afirmavam a interferência das formas de comunicações sobre a imaginação deveriam ser

investigadas através da empiria e não existem ainda instrumentos seguros e de credibilidade

científica para tamanha verificação. Desta maneira, o “cinturão protetor” da tese seria falseado,

derrubaria o axioma e colocaria em risco a própria crença. Posto que este estudo seria

inexequível, e passada a crise epistemológica, o projeto tomou outros rumos.

Para o exame de qualificação, concentrei o cerne da pesquisa na função e na

importância do exercício da imaginação para o processo de construção do conhecimento, bem

como o desenvolvimento do seu conceito através das lentes dos principais nomes da filosofia

24

ao logo da história. Esta pesquisa, que ocorreu através do levantamento bibliográfico, foi

nomeada por Arqueologia da Imaginação e será transformada em um livro.

Após extensa escavação histórica sobre a constituição do conceito da imaginação

através das perspectivas dos ícones da filosofia, muitas associações a outras funções e

concepções foram encontradas sobre esta faculdade cognitiva, desde fantasia, ilusão,

memória, intuição, inteligência, criatividade, razão, subjetividade até, simplesmente,

pensamento. Embora os filósofos tenham definido muitos conceitos díspares, houve dois

fatores em comum a todas as concepções pesquisadas: a primeira é que a imaginação é

fundamental para o processo cognitivo; e a segunda, a imaginação é a representação visual

do pensamento, os olhos do pensamento. A imaginação representa aos olhos da mente as

ações da memória, da subjetividade, do raciocínio, da criatividade e do conhecimento. Por

fim, concluí que imaginação é pensamento, imaginar é pensar e conhecer é imaginar o

próprio objeto: este foi o primeiro pilar constituído para a sustentação teórica deste trabalho,

isto é, as Imaginações.

Ademais, ainda sobre a proposta inicial da pesquisa, sob a batuta do meu orientador

Roberto Leon Ponczek, suspendi o estudo sobre as relações entre as formas das

comunicações e as produções imaginativas dos discentes e acendi as luzes em direção da

criação ou recriação de um procedimento que estimulasse o exercício da imaginação dos

estudantes. Nesta primeira etapa de reconstrução do meu programa de pesquisa, também

tive como inspiração para um novo caminho as palavras do professor Dante Galeffi: “pense

numa forma de estímulo, experimente alguma técnica que trabalhe a imaginação e parta de

algo pequeno para um grande projeto”. As luzes se acenderam e determinei que fosse uma

estratégia de ensino e aprendizagem, elaborada a partir de um método de desenvolvimento

da criatividade, aplicável em todos os ambientes de aprendizagem e direcionada aos

discentes das ciências exatas e tecnológicas da UFRB.

Com estas diretrizes, retomei ao estado de observação e pesquisa. Busquei nos

meus alfarrábios de graduação e mestrado, nas aulas que preparei sobre métodos de criação

publicitária e nos calhamaços de estudo empoeirados – nos meus escritos, desenhos,

esquemas e roteiros, mapas conceituais, gráficos e rascunhos – encontrei o que buscava:

uma técnica de desenvolvimento de conceitos e objetos que tem como caráter elementar o

rascunho, o ato de grafar os elementos do pensamento e de registrar as ideias.

Rememorei o início da minha graduação, durante a componente curricular

Desenho Projetivo I, quando o professor Manoelito Damasceno nos explicava que o

método ideal para dar início a elaboração de um objeto ou conceito é registrar e organizar

25

as ideias no papel através de desenhos, textos, roteiros descritivos, gráficos ou rabiscos,

“não se preocupem com a forma e a estética”, ele dizia em sala de aula. O “importante é

rascunhar, é colocar no papel aquilo que vocês estão pensando”. Nas palavras do

professor, o rascunho é uma forma de transportar os elementos do pensamento para o

papel durante o processo criativo: “rabisquem, deixem tudo registrado, expressem todas

as suas imaginações no papel, pois as ideias podem ir embora”. Além do mais, dizia ele,

“é no movimento entre o pensamento e o papel que as ideias se transformam em objetos,

que se materializam as ideias e as imaginações”.

Além do professor Manoelito Damasceno, os outros professores das componentes

de Desenho do meu curso de graduação aplicavam a mesma estratégia: os rascunhos e

grafismos faziam parte do desenvolvimento dos produtos que nos eram solicitados. Esta

prática ficou enraizada nos meus modos de criar e de aprender, quando usava, e ainda uso,

os rascunhos e as grafias livres como ferramentas de registro e ilustração da construção do

conhecimento. Destas memórias nasceu a ideia do grafismo como uma técnica de estudos.

Para não cair no risco de reducionismo solipsista ou de um egoísmo pragmático,

estabeleci algumas regras para sistematizar a ideia sobre o grafismo de maneira que ela se

adequasse a um estudo científico. Primeiro, fiz uma investigação bibliográfica a fim de

constituir uma fundamentação teórica. Pesquisei títulos que discutem as correlações entre a

expressão gráfica e a aquisição do conhecimento, dando prioridade aqueles assinados pelos

meus professores de graduação e mestrado, pois em alguns casos, assisti estes pesquisadores

se debruçarem sobre este tema. Destaquei alguns destes estudos e formei a circunscrição

teórica para o desenvolvimento do grafismo como uma técnica de estudos. Vale destacar que

esses autores indicaram uma teoria e metodologia para aplicação no processo de ensino e

aprendizagem nos espaços educacionais: a dialética do conhecimento.

A segunda etapa da preparação foi a verificação sobre a usabilidade e aplicabilidade

do grafismo como técnica de estudos. Realizei alguns testes com colaboração de voluntários

para observar se esta técnica também lhes serviria como uma ferramenta de construção do

conhecimento. Ouvi destes colaboradores algumas observações tais como: “é como se eu

estivesse fazendo um resumo de um capítulo de um livro”; “sempre estudei escrevendo”;

“é como um mapa mental”. Portanto, esta forma de estudo é comum entre os estudantes e

a proposta do grafismo se tornou, de fato, uma sistematização e teorização sobre a prática.

Além disto, a execução desta técnica de estudos, segundo o relato dos voluntários,

lhes serviu para visualizar e organizar as ideias – um dos objetivos pela busca da construção

desta proposta. Partindo destas opiniões, elaborei a seguinte especulação: registrando no

26

papel os elementos que compõem o objeto do conhecimento, o sujeito consegue visualizar

aquilo que os olhos do pensamento, a imaginação, não conseguia ver . A partir deste

registro, o sujeito visualiza os elementos do objeto, organiza suas conexões e associações

no papel e no pensamento, e consequentemente, consegue apreender, conhecer o objeto.

Porém, faltava ainda perceber na experiência dos voluntários a motivação da implementação

do grafismo para a pesquisa – o estímulo ao exercício imaginação.

Concomitante às investigações sobre a Expressão Gráfica e Filosofia do Desenho

– com Damasceno (1998), Ferreira (2010, 2017), Gomes (1996, 1998) e Medeiros (1998,

2004) – também dediquei meus estudos para o Ensino, Aprendizagem, Metodologia do

Ensino Superior e Estratégias de Ensino e Aprendizagem. Para começar, busquei como

referência a professora Léa Anastasiou, quem conheci pessoalmente durante um curso de

capacitação docente continuada promovido pela UFRB, em 2014.

Léa das Graças Camargos Anastasiou (1948-) fez o doutorado e pós-doutorado em

Educação pela Universidade de São Paulo, finalizando em 1997 e 2002, respectivamente. Seu

mestrado foi pela Universidade Federal do Paraná em 1990 e graduação em Pedagogia pela

Universidade de São Paulo, em 1975. Sua experiência educacional começou na regência de

turmas da pré-escola, mas sua principal atuação foi no nível superior, desde a prática em salas

de aulas até a pesquisa e realização de consultorias pelas universidades do Brasil.

A professora Léa Anastasiou se especializou nos estudos acerca dos métodos e

técnicas do ensino superior, elaborou e lançou os processos de ensinagem e pesquisou sobre

diretrizes curriculares, aprendizagem, metodologia e avaliação, metacognição, matriz

articulada, metodologia de ensino superior na formação continuada do docente universitário

e papel pedagógico das coordenações de curso. Ao longo da sua carreira, coordenou e fez

parte de diversos grupos de pesquisas formados por educadores que repensaram o sistema

educacional do nosso país e foram além, propondo importantes mudanças nos modos e

práticas docentes do ensino superior. Publicou dezenas de produtos científicos e livros em

parceria com outros autores, dentre eles: Joana Paulin Romanowski, Leonir Pessate Alves,

Lillian Anna Wachowicz e Selma Garrido Pimenta.

Conforme expliquei, os trabalhos publicados pela professora Léa Anastasiou, em

1998, 2009 e 2014, tornaram-se balizas para a minha pesquisa sobre Ensino, Aprendizagem,

Metodologia do Ensino Superior e Estratégias de Ensino e Aprendizagem. Segundo o

Professor Roberto Ponczek, Anastasiou se tornou “a autora fundamental para o

desenvolvimento da pesquisa”. A partir dela e da indicação das suas linhas, outras

importantes referências da área também foram convidadas, são elas: Saviani (1999),

27

Libâneo (2009; 2011), Wachowicz (1989), Vasconcellos (1992, 1995), Aranha (2006) e

Luckesi (2011). Desta maneira constituí o segundo pilar de sustentação teórica desta tese:

as pedagogias.

Nestes estudos, a dialética do conhecimento emergiu novamente como fundamentação

basilar sobre a aprendizagem nos espaços educacionais, desde a orientação de Anastasiou até

Luckesi. Sendo assim, pelo fato desta teoria e metodologia ter considerável relevo e ser um

ponto de convergência entre as pedagogias e os autores que discutem as correlações entre

expressão gráfica e aquisição do conhecimento, pesquisei e encontrei em Karel Kosik (1969)

uma explicação acessível sobre o pensamento de Karl Marx (1818-1883). Desta maneira, a

dialética do conhecimento entrou nesta pesquisa e se transformou na última peça para

completar a construção da estrutura teórica sobre o grafismo.

A ascensão do conhecimento abstrato ao conhecimento concreto é um movimento

do pensamento para a análise do objeto pelo pensamento: este é o princípio elementar. A

dialética é o método do pensamento, pois propõe o direcionamento do pensamento em torno

do objeto durante a aquisição do seu conhecimento. Este movimento – do analisar, do pensar

em torno do objeto – por estabelecer o próprio objeto como ponto de partida e de chegada

do movimento do pensamento durante o ato do conhecimento, Kosik (1969) definiu como

espiral do conhecimento. À luz desta perspectiva, Anastasiou (2009) complementa: quando

a dialética do conhecimento é aplicada como fundamento de uma estratégia de ensino e

aprendizagem, serve para o desenvolvimento e evolução do pensamento, “pois a cada novo

conhecimento apreendido pelo estudante, modifica-se o sistema inicial, ampliando o

pensamento” (p.21). Estes conceitos me levaram ao entendimento de que o conhecimento é

o movimento espiral do pensamento por ser evolutivo e ascendente.

Considerando que pensar é imaginar e que conhecer é imaginar o próprio objeto,

considerando que a dialética do conhecimento enquanto fundamento de um procedimento

de ensino e aprendizagem promove a ascensão do pensamento, a aplicação da dialética

como princípio do grafismo promove a ascensão da imaginação, ou seja, o grafismo pode

ser uma técnica de estudos que estimula e desenvolve o exercício da imaginação. Assim,

encontrei a fundamentação teórica que faltava para a implementação do grafismo – o

estímulo à imaginação – e ainda terminei por constituir o terceiro pilar desta tese, o

Grafismo: a ilustração e direcionamento da imaginação durante o conhecimento.

Conforme disse anteriormente, para transformar uma ideia em um estudo científico,

é necessário sistematizar seu processo de execução e colocá-la sob os princípios de uma ou

mais teorias, tal como fiz com o grafismo. Porém, este trabalho não trata apenas de

28

implementar uma estratégia de ensino e aprendizagem para aplicar e verificar se as notas

dos estudantes melhoraram. As investigações teóricas, sobretudo sobre as pedagogias,

demonstraram que qualquer que seja o procedimento de ensino e aprendizagem deve ser

pensado para atender um ciclo de mútuas relações. Neste ciclo, além de professores e

estudantes, também está a Instituição e a sua função política junto a sociedade que pertence.

Desde a seleção de conteúdos, das formas de abordagem em sala de aula, até os

procedimentos de aprendizagem, as estratégias devem ser pensadas para atender estes atores

e seus objetivos de complexas relações de interdependência: todos fazem parte do mesmo

processo. Sendo assim, para inserir uma estratégia de ensino e aprendizagem em uma

componente curricular, o docente deve antes adequar e manter seus processos de execução

alinhados a forma de aprendizagem, proposta pedagógica ou pedagogia estabelecida pelo

Projeto Político Pedagógico do Curso, que deve ter seu conjunto de conteúdos e

procedimentos de ensino e aprendizagem de acordo com o Projeto Pedagógico Institucional,

que deve atender as necessidades políticas e sociais da sociedade a qual atende.

À luz deste entendimento, a proposta pedagógica de Anastasiou, os Processos de

Ensinagem (1998, 2009, 2015), conferiu a este trabalho muito além de uma pedagogia de

sustentação e suas orientações sobre procedimentos, métodos e estratégias. Entendo a

Ensinagem como um pensamento pedagógico, pois reflete sobre a prática docente, sobre o

ensinar para apreender. Os seus princípios emergiram da oposição ao hábito histórico das

pedagogias tradicionais, onde o professor dá aula e o estudante assiste. A Ensinagem reflete

sobre as interrelações do processo de ensino e aprendizagem, as práticas nas salas de aulas,

o convite ao envolvimento dos estudantes e a união entre professor e alunos no

enfrentamento dos obstáculos para o conhecimento; passa também pela articulação e

sintonia entre professores na organização da matriz curricular e no planejamento de ensino

e aprendizagem e pensa na importância fundamental da capacitação docente, na situação

histórico-social do estudante e vai até a Instituição para a sociedade; reflete sobre os

objetivos do ato de ensinar, da importância sobre o apreender e da dimensão do ser

professor. A Ensinagem é uma prática social, assim sendo se tornou o quarto de sustentação

teórica deste trabalho.

Constituídos os pilares do arcabouço teórico, ou seja, as imaginações, as

pedagogias, o grafismo e a ensinagem, bem como mantida a crença inicialmente

estabelecida e sua inabalável convicção, reformulei este programa de pesquisa com a

proposta de um novo axioma: o grafismo quando aplicado como uma estratégia de ensino

29

e aprendizagem, ilustra o processo cognitivo, estimula o exercício da imaginação e

auxilia na construção e concepção do conhecimento pelos estudantes.

Chegando ao fim deste redesenho, cabe a pergunta de partida: como o grafismo pode

auxiliar no estímulo à imaginação e no processo de construção do conhecimento dos estudantes

quando aplicado enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem? Para chegar a esta

resposta, escolhi uma das componentes curriculares que se apresenta historicamente como

aquela de maior grau de dificuldade e índices de reprovação dos cursos das engenharias: a

Mecânica dos Sólidos, também conhecida por Resistência dos Materiais.

1.2. OBJETIVOS

O principal objetivo da tese “Imaginação e Grafismo: uma Estratégia de

Ensinagem Aplicada aos Discentes das Ciências Exatas e Tecnológicas” é avaliar o

grafismo quando implementado como uma estratégia de ensino-aprendizagem, servindo

para ilustrar o processo do ato cognitivo e estimular o exercício da imaginação dos discentes

da área das engenharias.

Para este trabalho, foram propostos os seguintes objetivos específicos:

• Levantar o conceito de imaginação ao longo da história na área da Filosofia e

das Epistemologias das Ciências;

• Estabelecer uma perspectiva sobre o conceito de imaginação;

• Estudar o grafismo como possibilidade de ferramenta de ilustração e

direcionamento do processo de cognição e estímulo ao exercício da imaginação;

• Sistematizar o processo de execução do grafismo, respeitando os pressupostos

dos processos de ensinagem;

• Sistematizar e adequar do processo de execução do grafismo aos conteúdos e

procedimentos de ensino e aprendizagem da componente curricular Mecânica

dos Sólidos II;

• Implementar e avaliação do grafismo enquanto uma estratégia de ensinagem,

para colaborar como ferramenta de ilustração do processo cognitivo e de

estímulo ao exercício, expressão e representação da imaginação entre alunos das

Ciências Exatas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

30

1.3. HIPÓTESES

Seguindo as recomendações da epistemologia de Imre Lakatos (1970), à qual prevê a

possibilidade de falseamento de programas de pesquisas rivais, o investigador deve elaborar

um conjunto de hipóteses no sentido de proteger o seu axioma, formando assim o seu cinturão

protetor. Nesse sentido, as hipóteses desta tese de doutorado são as seguintes:

• A imaginação é a faculdade de representação visual do pensamento e seu

exercício é fundamental para a produção e expressão da memória, da

subjetividade, da intelecção e criatividade do homem – uma investigação de

base teórica;

• O grafismo, quando utilizado como uma técnica de estudos, serve como registro

visual e ilustração da elaboração dos novos conhecimentos, estímulo ao

exercício da imaginação e auxílio na apreensão do objeto pelo aprendente – uma

investigação de base empírica;

• Os estudantes que criam o hábito de estudar através do grafismo

desenvolvem a autonomia de estudos e deixam de buscar nas videoaulas o

auxílio para o entendimento dos novos conteúdos curriculares – uma

investigação de base empírica.

• A implementação e aplicação da estratégia de ensinagem grafismo, durante os

procedimentos de ensino e aprendizagem da componente curricular Mecânica dos

Sólidos II, propõe aos discentes o enfrentamento e superação das dificuldades de

visualização e organização dos elementos dos novos conteúdos, o que lhes

possibilita o estímulo à imaginação de modelos práticos de engenharia em 3D para

a aplicação de conceitos físicos na solução de problemas.

1.4. JUSTIFICATIVA

O programa de pesquisa desta tese colocou a imaginação humana no centro das

atenções, pois é uma faculdade cognitiva fundamental para o entendimento e a construção

do conhecimento, sobretudo nos espaços educacionais. Para isso, investigou-se o

desenvolvimento do seu conceito ao longo da história sob as perspectivas dos ícones da

Filosofia e ainda propôs uma nova ótica e definição: a imaginação é a representação visual

do pensamento, ou seja, pensar é imaginar.

31

O fato de a imaginação ser fundamental para o entendimento e construção do

conhecimento se transformou na minha crença, se tornando o farol, o feixe de luz norteador

desta investigação. Por este motivo, mesmo que o axioma e os objetivos tenham sido

redesenhados ao longo do trabalho de doutorado, a pesquisa se manteve direcionada para a

imaginação. Observei que o problema da dificuldade do entendimento dos novos conteúdos

pelos estudantes está diretamente relacionado com as suas dificuldades imaginativas,

desviei da vereda do olhar crítico pelas causas, parti para os caminhos de buscas pelas

soluções e encontrei o grafismo.

Da usual forma de aprender entre os estudantes, o grafismo foi sistematizado e recebeu

devida fundamentação teórica, desde as reflexões sobre as correlações entre a expressão gráfica

e o conhecimento, até a estrutura da teoria e metodologia dialética do conhecimento. O grafismo

incorporou a função de estímulo ao exercício da imaginação, de ilustrar o processo cognitivo e

de direcionar o pensamento, a imaginação, durante o processo de aquisição do conhecimento

pelos estudantes. Depois, tornou-se uma estratégia de ensino e aprendizagem sob os princípios

da Ensinagem, sendo aplicada e verificada através de uma pesquisa-ação com a participação de

docente e discente de uma das componentes curriculares mais desafiantes dos cursos das

engenharias: a Mecânica dos Sólidos.

Os resultados sobre as verificações das hipóteses estabelecidas para a aplicação do

grafismo enquanto estratégia de ensinagem foram positivos. No entanto, este trabalho não

se encerrou na experiência da pesquisa-ação, tão pouco nos números frios das médias finais

dos estudantes. Esta investigação adentrou na estrutura organizacional das universidades

públicas brasileiras e acendeu luzes para o questionamento e comparação entre o ensino

superior real-existente e o ideal-necessário. O tema universidade não foi devidamente

aprofundado, pois não foi o objetivo da investigação, mas entrou na discussão porque é o

lócus do estudo e não há como descrever e analisar os resultados de uma pesquisa nos

espaços escolares sem considerar todos os seus determinantes – alunos, professores e

Instituição fazem parte do mesmo processo.

Além do estudo sobre o conceito da imaginação, além da implementação do grafismo

como uma estratégia de Ensinagem com vistas ao estímulo à imaginação e ensinar o discente a

imaginar para apreender, além de propor a sistematização de uma estratégia de ensino e

aprendizagem para as componentes curriculares dos cursos das engenharias, além da reflexão

sobre a estrutura organizacional das universidades públicas do nosso país, este trabalho se

justifica por apresentar o percurso da construção de um estudo sobre o fazer docente do ensino

superior, da preocupação de ensinar para apreender.

32

Como disse logo nas primeiras linhas, o tema desta tese nasceu em 2007, quando

me deparei com a dimensão do fazer docente e do quão fundamental é a formação e

capacitação do professor do ensino superior. Portanto, este trabalho também se justifica

por entender as dificuldades dos bacharéis docentes, por descrever passos, apresentar

caminhos e propor soluções de ensino e aprendizagem.

1.5. ESTRUTURA DA TESE

Antes de descrever a organização estrutural deste trabalho, dou relevo a dois de seus

aspectos singulares. Do início ao fim, esta tese foi escrita em primeira pessoa do singular.

Embora haja precedentes, a linguagem formal acadêmica ainda reza pela narrativa impessoal,

embora, na minha opinião, tese de doutorado é um trabalho pessoal que muitas vezes traduz um

percurso de estudos e pesquisa de longas datas. Mesmo que tenha a participação direta do

orientador, coorientador, professores e colegas do programa de Pós-Graduação, é a realização

de um projeto de vida. Portanto, não cabe a impessoalidade.

Diretamente relacionado ao primeiro fator, este trabalho tem um estilo narrativo,

conta a minha história acadêmica até aqui, desde os primeiros passos como professora; as

minhas inquietações; as descobertas e aprofundamentos. Conto como o meu orientador,

professor Roberto Leon Ponczek, conduziu a construção deste trabalho, além da

participação direta e indireta dos meus professores de doutorado, mestrado e graduação,

assim como as discussões e auxílios vindos do professor Anderson Café e da presença

fundamental da professora Léa Anastasiou na reconstrução da fundamentação teórica.

Com estas singularidades, a estrutura desta tese foi organizada em oito capítulos a

seguir resumidos. No primeiro, apresento o seu processo de construção e reconstrução. De

acordo com o apresentado até aqui, narrei o surgimento do tema desde quando comecei a

atuar como docente, incluindo a mudança da área da comunicação para as ciências exatas e

tecnológicas, quando da observação comparativa sobre os processos imaginativos entre os

discentes da publicidade e os das engenharias. Da crença ao problema de pesquisa, adentrei

na descrição da proposta, desde quando pretendia compreender as interferências das

comunicações sobre as imaginações até a sua derrocada. A partir do que, entre nós discentes

do DMMDC, definimos como desespero epistemológico, ou seja, da diluição do cinturão

protetor de um programa de pesquisa e da sua reconstrução, apresentei os caminhos que

percorri para encontrar o grafismo, sistematizar a técnica, teorizar sua execução e lhe

assentar sobre quatro pilares teóricos: as imaginações, as pedagogias, o grafismo e a

33

ensinagem. Redesenhado o arcabouço teórico, descrevi a reformulação do axioma e do

respectivo cinturão protetor – as hipóteses – os objetivos e justificativa deste trabalho.

O segundo capítulo, desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica, intitulado

a Imaginação e Construção do Conhecimento, tratou da apresentação do desenvolvimento

do conceito de imaginação e da importância desta faculdade cognitiva para a construção do

conhecimento sob as perspectivas dos ícones da história da filosofia. No primeiro projeto,

eram dois os pilares de sustentação teórica da tese: as imaginações e as comunicações. Após

o seu redesenho, o trabalho recebeu uma base sustentada pelos já citados quatro pilares.

Com vistas ao robusto arcabouço teórico constituído, o item arqueologia da

imaginação: as perspectivas da filosofia e das epistemologias das ciências, o qual antes

era extenso, pois apresentava a concepção do conceito de imaginação e o seu papel na

aquisição do conhecimento por cada filósofo, foi transformado aqui em uma linha do tempo.

Esta linha do tempo é uma representação das principais concepções e conceituações, de

forma objetiva e resumida, pesquisadas e encontradas durante as escavações pela história

da filosofia. A Arqueologia da Imaginação, na sua forma extensa, será transformada em um

livro, após a finalização deste trabalho de doutoramento, com a coautoria do meu professor

e orientador Roberto Ponczek e do parceiro de pesquisas, o professor Anderson Café.

O item sobre a imaginação do século XXI é a apresentação da minha concepção

sobre o conceito da imaginação e da sua importância para a aquisição do conhecimento.

Elaborei a conceituação e defini os tipos de imaginação a partir das perspectivas dos

filósofos e das suas definições em comum. Afirmo que este item é o resultado das minhas

escavações sobre a imaginação, onde apresento a compilação e atualização do conceito

desta faculdade cognitiva, à luz da Filosofia, para o contexto do século XXI.

Imaginação e Conhecimento é o título do terceiro capítulo desta tese, onde o foco

é a correlação entre a imaginação e a aquisição do conhecimento nos espaços educacionais.

Construído também por meio de pesquisa bibliográfica, apresenta a concepção sobre a

aquisição do conhecimento sob as perspectivas da Filosofia da Educação. Conforme

expliquei anteriormente, por causa da proposta de aplicação enquanto estratégia de ensino

e aprendizagem, a sistematização e teorização do grafismo como técnica de estudos precisou

ser submetida a uma teoria e metodologia do conhecimento. Sendo assim, este capítulo é a

apresentação da primeira fundamentação teórica do grafismo: a dialética do conhecimento.

O quarto capítulo, sobre o Ensino, Aprendizagem e Imaginação, é a apresentação

da pesquisa bibliográfica sobre a história do desenvolvimento das teorias de aprendizagem.

À luz da História e da Filosofia da Educação, trata-se da compilação de um longo percurso

34

que se inicia na Antiguidade e chega até os modos de ensinar e aprender no Brasil de hoje.

Entre os seus subitens, a fim de demonstrar que o como se ensina determina o como se

aprende e imagina, enquanto pesquisados e construídos, receberam o olhar sobre a

importância política da educação para as sociedades e a crítica sobre a estrutura

organizacional das universidades brasileiras, que nos levou a refletir sobre o real estado do

ensino superior neste país. Outro aspecto importante tratado neste capítulo foi localizar os

Processos de Ensinagem no âmbito da Educação, de onde, como e porque emergiu e porque

se transformou num pensamento fundamental para a constituição dos modelos de ensino e

aprendizagem do ensino superior do Brasil no século XXI.

Ensinagem, Estratégias de Ensino e Aprendizagem, Grafismo é o quinto capítulo,

o qual apresenta o pensamento e a proposta de Léa Anastasiou para o ensino superior como

também a associação do grafismo aos seus princípios. Foi o último capítulo constituído por

pesquisas feitas através de bases teóricas. Nele, demonstro os princípios da ensinagem e as

suas propostas de implementação de estratégias de ensino e aprendizagem para o ensino

superior. No terceiro item, já vinculado aos princípios da dialética do conhecimento, o

grafismo entrou em tela, recebeu os seus fundamentos constitutivos a partir das teorias do

Desenho e Expressão Gráfica e, por fim, foi sistematizado como uma técnica de estudos

para se tornar uma estratégia de ensinagem aplicada no ensino superior.

O sexto capítulo, sobre a Imaginação e Grafismo: os caminhos para a

implementação e a avaliação de uma estratégia de Ensinagem , é a descrição do percurso

metodológico da pesquisa de base empírica desta tese. É um capítulo sobre metodologia

singular porque além dos aspectos sobre tipo de abordagem e descrição sobre o método de

coleta de dados, apresento também a ampla contextualização e a problematização do corpus

do estudo, desde o lócus até os sujeitos da pesquisa.

O sétimo e o oitavo capítulos, que tratam da Descrição e Análise dos Dados e da

Discussão dos Resultados, são a apresentação da pesquisa de base empírica desta tese, da

aplicação do grafismo como uma estratégia de ensinagem aos discentes das Ciências Exatas

e Tecnológicas. No sétimo capítulo, concentrei a análise especificamente nos efeitos da

execução da técnica de estudos grafismo e na dimensão que tomou quando foi sistematizado

e aplicado sob os princípios da ensinagem. O oitavo capítulo discute os resultados do

grafismo quando pensado no contexto do ensino superior público real-existente e ainda abre

espaço para a reflexão sobre aquilo que é o ideal-necessário para a nossa sociedade.

35

2. IMAGINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

O objetivo desta etapa é compreender a evolução da definição do conceito sobre a

imaginação humana, a partir dos filósofos que contribuíram com suas concepções sobre esta

faculdade cognitiva, à luz das suas respectivas correntes filosóficas. Denominei esta

pesquisa por Arqueologia da Imaginação. Segundo a “epistemologia ponczekiana”, para

compreender um todo e, a partir dele, elaborar novos elementos sobre um dado assunto, o

estudo histórico-social aprofundado é uma ação elementar na ciência. Esta escavação

arqueológica trouxe informações de cunho filosófico e histórico de mais de 2000 mil anos,

investigando a epistemologia de 21 grandes pensadores, não se tratando de um simples

destaque do conceito de imaginação por cada um deles. Foi um trabalho árduo, pois para

compreender a definição de imaginação por cada filósofo, é necessário o entendimento da

sua epistemologia, elemento que faz parte do seu sistema filosófico, que é uma

consequência direta da sua biografia.

O primeiro resultado desta pesquisa foi um robusto compêndio que, por seu objetivo

e forma de tratamento do tema, tornou-se dissonante quando pensado no conjunto deste

trabalho. Por este motivo, transformei-o numa representação sintetizada na forma de uma

linha do tempo, apresentada logo a seguir. A Arqueologia da Imaginação, na sua versão

extensa e completa, será transformada num livro com a coautoria do meu orientador, professor

Roberto Ponczek, e do parceiro de pesquisas e reflexões, o professor Anderson Café. O

segundo resultado das escavações arqueológicas sobre o conceito de imaginação é a

formulação da minha concepção sobre o conceito desta faculdade cognitiva e a sua

importância para a aquisição do conhecimento. Esta concepção está apresentada no item A

imaginação do século XXI, onde estão as definições dos tipos de imaginação, elaborados a

partir das perspectivas dos filósofos e das suas definições em comum.

36

2.1. LINHA DO TEMPO: O CONCEITO DA IMAGINAÇÃO AO LONGO DA HISTÓRIA

37

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39

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2.2. A IMAGINAÇÃO DO SÉCULO XXI

2.2.1. Das confabulações

Reconhecer ou não a validade de um conhecimento intuitivo ao lado do

racional e discursivo é algo que depende, sobretudo de como se pensa a

respeito da essência do homem. Quem vê o homem como um ser exclusiva

e preponderantemente teórico, cuja função é pensar, também irá

reconhecer apenas o conhecimento racional como válido.

Quem desloca o centro de gravidade do ser humano mais para o lado do

sentimento e da vontade, estará inclinado de antemão a reconhecer, ao lado

do tipo racional-discursivo do conhecimento, um outro tipo de apreensão

do objeto. Estará convencido de que, ao caráter multifacetado da

realidade, corresponde também uma multiplicidade de funções do

conhecimento.

A primeira concepção é obviamente sinal de unilateralidade. Na maioria

das vezes, provém de uma postura de alheamento em relação ao mundo e

à vida que é tantas vezes encontrada nos filósofos. O filósofo, cuja função

na vida é conhecer, acaba frequentemente – como se costuma dizer –

julgando os outros por si mesmo, considerando o homem como um ser,

sobretudo cognoscente. Quem, ao contrário, se mantém sintonizado com a

realidade concreta da vida, logo se convence de que o verdadeiro centro

de gravidade do ser humano não está nas forças intelectuais, mas nas

emocionais e volitivas. Vê que o intelecto está completamente inserto na

totalidade das forças espirituais humanas, delas depende e por elas está

condicionado de muitas maneiras no exercício de suas funções. Não o

intelecto, mas as forças do sentimento e da vontade é que lhe parecem as

dominantes nesse jogo de forças que chamamos vida (HESSEN, 2000,

p. 78, grifos meus).

O trecho acima é um destaque do capítulo “os tipos de conhecimento”, onde o autor

discute e levanta os erros e acertos sobre o “intuicionismo”. Embora não seja o tema central

dos meus estudos, reconheço que esta declaração trouxe um alento às minhas inquietações.

Desde o início da escavação sobre o conceito da imaginação na ótica da filosofia e

epistemologias, simultaneamente às opiniões dos filósofos destacados, observava caminhos

pelos quais poderia me direcionar. Porém, percebia incoerência ao tentar aplicar na

atualidade as concepções formuladas a partir de outros contextos histórico-sociais. Muitas

vezes fiquei confusa e apreensiva. Entretanto, uma das respostas estava comigo desde o

início do doutoramento, no livro “Teoria do Conhecimento”, de autoria de Johannes Hessen.

Em uma passagem que li diversas vezes, mas em apenas um único momento, enquanto

buscava compreender a epistemologia de Descartes, encontrei uma trilha a percorrer nestas

expressões: “a multiplicidade de funções de conhecimento” e “a realidade multifacetada”.

42

Imediatamente, lancei reflexões para a convergência entre a “realidade

multifacetada” com a “multiplicidade de funções de conhecimento” – então é isto! Daí,

passei a entender o pensamento, a imaginação dos sujeitos na contemporaneidade. Somos

únicos na sensibilidade e pensamento, na nossa imaginação. O mundo externo, a realidade

histórica, é concreto, mas depende do sujeito, daquele que quer e se atenta. Percebido, o

mundo externo adentra no pensamento e se torna abstrato, caótico, confuso. É analisado e

sintetizado. No fim, é concretizado, pertence ao sujeito racional, ao seu concreto pensado.

A imaginação é a representação do mundo experenciado no pensamento. Imaginar

não é apenas visualizar uma matéria concreta na forma abstrata no pensamento. Imaginar é

dar trânsito entre a recepção sensível e a resposta intelectiva. Imaginar é organizar partes

do mundo concreto no âmbito abstrato e, impulsionada pela força espiritual e vontade do

sujeito, é possível transformar o abstrato em algo novamente concreto. É experimentar

soluções concretas sem sair do abstrato, do pensamento. Imaginar é promover emoções,

confabulações e fantasias. É criar algo novo. É a expressão do espírito.

Às vezes, a imaginação é apenas recepção. Às vezes, é apenas produto do

intelecto. Porém, sempre é bom ressaltar que, pelas vias da imaginação, existe o pedágio

da transformação do concreto para o abstrato, bem como do abstrato para o concreto. Tem

um custo, custo este determinado pela faculdade volitiva do sujeito, isto é, dos seus

desejos e necessidades.

Para imaginar um objeto, antes, o sujeito deve se atentar ao objeto. A condição sine

qua non da atenção é a vontade do sujeito pelo objeto. Voltar à atenção para um objeto

significa lançar os sentidos para ele, sintonizar as “ondas” do corpo e do espírito com as

“vibrações” do objeto. Pegar o objeto do mundo concreto e levá-lo para o mundo abstrato

do pensamento do sujeito racional.

A imaginação abriga o mundo sensível, promove a abstração de um material

concreto composto de sinais, símbolos, cores, sons, texturas e aromas. Abstraídos, estes

materiais são articulados e organizados; passam a ter sentido e significado para o sujeito e

então ocorre a percepção, a consciência do objeto pelo sujeito. Ciente dos objetos, o

pensamento passa a organizá-los, respeitando regras de associações os conecta entre si. É

quando acontece uma profusão de imagens confusas no pensamento e que aos poucos vão

se formando em nexos, em significados para o pensamento. Estas imagens acontecem na

imaginação, onde ocorre o entendimento e o raciocínio, onde cada elemento sensível, antes

abstraído e articulado, faz parte da construção do mundo inteligível: o conhecimento. Do

43

sensível à abstração, da percepção ao entendimento e raciocínio, o conhecimento se dá

através da imaginação.

Do mundo inteligível, enquanto vida houver, o homem resgata as memórias,

aqueles elementos de sentido, significados subjetivos e entendimento. A imaginação

proporciona aos homens a oportunidade de retomar as memórias, permite a eles assistir “um

filme na cabeça”. Uma representação abstrata de um mundo concreto que ficou no tempo

passado. Entretanto, refaz os sentidos no tempo presente, pois os filmes de memórias

projetados pela imaginação são em 4D (quatro dimensões): imagem, som, textura e emoção.

Por falar em emoção, chego num ponto da trilha aberta por Hessen (2000), que

deixou marcada uma condição para que eu possa continuar: “o verdadeiro centro de

gravidade do ser humano não está nas forças intelectuais, mas nas emocionais e volitivas”.

Sobre as últimas, desde o princípio as destaquei em minhas confabulações, colocando-as

como essência, também, pertencente ao espírito e pensamento humano. Porém, caminhar

através das trilhas das emoções pode me levar a terrenos movediços da subjetividade

humana, os quais não tenho conhecimento para ultrapassar. Talvez seja este o porquê de

tantos filósofos condenarem a imaginação ao posto de faculdade de “fantasias ilusórias”,

pois não conseguiram discernir a imaginação da subjetividade.

Prazer, dor, alegria e tristeza são emoções do espírito, são o combustível da volição

do sujeito e o impulso para o funcionamento da imaginação. A imaginação expressa as

emoções e os sentimentos. Novamente digo: a imaginação é a expressão do espírito e o

espírito é subjetividade, é o ser em si. Como não é possível a separação entre a imaginação

e a subjetividade, atenho-me na compreensão daquilo que as une e as separa ao mesmo

tempo e sigo pelas trilhas das quais posso enxergar o horizonte.

2.2.2. A Imaginação

Para Aristóteles, a imaginação é intermediária entre o mundo sensível e o mundo

inteligível. Ele a definiu como a visualização do pensamento e a classificou em sensitiva,

produtiva e deliberativa. Agostinho a definiu como fantasia ilusória. Tomás de Aquino a

colocou na importante função de abstração das imagens essenciais, o conhecimento

inteligível, das imagens dos corpos, as imagens do conhecimento sensível.

Bacon, inspirado no pensamento do grego Aristóteles, definiu a imaginação como

“mensageira” entre o entendimento e a vontade. Hobbes a diferenciou pelo sentido de suas

imagens visualizadas. Descartes a chamou de “olhar da mente” e Espinosa alertou sobre as

44

suas ilusões. Wolff reconheceu a sua capacidade criativa. Hume, assim como Hobbes, a

distinguiu pela significação de suas imagens e estabeleceu a sua função “combinatória” e

de produção de novas ideias, ou seja, o seu auxílio à criatividade. Ainda na era da

modernidade, Immanuel Kant denominou a imaginação como mediadora entre a

sensibilidade e o entendimento. Fichte foi pioneiro sobre a compreensão do imaginário e

ainda deu a imaginação o status de fundamento da realidade possível. Hegel contribuiu com

a Estética dizendo que a imaginação é simbolizante, distinguindo-a da fantasia.

Edmund Husserl, o pai da fenomenologia, falou sobre a consciência imaginativa,

da capacidade de re-presentação da imaginação e ainda diferenciou representação

imaginária da representação físico-imagética. Albert Einstein, o físico filósofo, relatou que

os seus experimentos mentais ocorriam na imaginação. Bachelard estabeleceu a importância

da imaginação para os processos criadores, relacionou a imaginação criadora com a

criatividade e diferenciou a imaginação do imaginário simbólico. Bloch falou de utopia e

ainda salientou que esta faculdade é fundamental para a antecipação de um objeto acabado

no pensamento.

Sartre explicou que a imaginação tem função libertadora no fenômeno existencial

e afirmou que a imagem no pensamento é um tipo de consciência. Ricoeur reafirmou o papel

criativo da imaginação. Deleuze reacendeu a capacidade libertadora e transgressora da

imaginação. Por fim, Lévy, enquanto reflete sobre as influências das novas tecnologias de

informação e comunicação sobre os processos cognitivos, ressaltou que os dispositivos

tecnológicos estimulam e ampliam a capacidade imaginativa do homem do século XXI.

Após refletir sobre estas opiniões, entendi que a percepção, a abstração, a memória,

o raciocínio, a subjetividade e a criatividade operam suas funções através da imaginação.

Esta faculdade serve como suporte de ação – produzindo imagens – para as outras

faculdades. Sendo assim, dou início ao esboço do panorama sobre a imaginação a definindo

como a faculdade que promove a visualização das operações do pensamento.

Caso ancorasse o desenho do panorama da imaginação em conceitos apresentados

em algumas obras de referência, como os dicionários, certamente estaria um tanto perdida

nos diversos significados dados a esta faculdade:

1 faculdade que possui o espírito de representar imagens/ 1.1 capacidade

de evocar imagens de objetos anteriormente percebidos/ 1.2 capacidade de

formar imagens originais/ 2 faculdade de criar a partir da combinação de

ideias; criatividade/ 3 p.met.criação artística, literária/ 4 p.met.obra criada

pela fantasia; mentira.(HOUAISS; VILLAR, 2009)

45

Uma vez que isto acontece com uma faculdade cognitiva que também traz em si o

caráter subjetivo, a consequência é a atribuição de um sentido negativo, desde a definição

de seu conceito até o reconhecimento das suas operações elementares. Um exemplo disto

aconteceu com a imaginação dada por Santo Agostinho, quando não a distinguiu da

subjetividade humana e a definiu como “fantasia ilusória”. No entanto, os filósofos

modernos, enquanto discutiam as formas do saber humano e certamente inspirados em

Aristóteles, começaram a distinguir a imaginação das outras faculdades. A princípio e pela

maioria das opiniões, o conceito de imaginação parte da visualização do pensamento e

difere da memória, da fantasia, do raciocínio e da criatividade.

Assim como os filósofos da Era Moderna, também entendo a imaginação a partir

do caráter elementar de suas operações, que é transformar em imagens os elementos da

percepção e da intelecção. A imaginação torna visível o pensamento – ela expressa o espírito

– e é o lugar onde as outras faculdades se expressam, representam e põem em ação as suas

operações. Por analogia, é uma plataforma do pensamento, a superfície sobre a qual se

assentam e funcionam outras faculdades, as quais têm funções específicas e diferentes da

imaginação, tais como:

• Pensar é imaginar;

• Perceber é imaginar o objeto com consciência do objeto;

• Visualizar um objeto no pensamento é imaginar o objeto;

• Lembrar é imaginar memórias vividas;

• Fantasiar é imaginar ficções;

• Abstrair é imaginar o objeto em si;

• Raciocinar é imaginar possíveis associações, possíveis articulações;

• Analisar é imaginar as partes do todo;

• Criticar é imaginar o todo pelas partes;

• Criar é imaginar algo novo, novas combinações;

• Solucionar é imaginar combinações exequíveis;

• Entender é imaginar as associações e relações de causas e efeitos;

• Conhecer é imaginar o objeto do conhecimento;

• Apreender é imaginar o próprio objeto do conhecimento.

Visto que, através da imaginação ocorrem as mais diversas e infinitas formações e

estruturas, onde as vias de trânsito dos elementos de percepção e intelecção são interligadas,

46

não há como estabelecer uma “compartimentação” entre as faculdades que nela operam.

Como ilustração, “imagino” o funcionamento das operações que ocorrem na imaginação

semelhante ao movimento de um motor, onde cada engrenagem é uma faculdade específica,

quais sejam, a percepção, a abstração, e memória e o raciocínio. A catraca de acionamento

deste motor é a atenção. A corrente que une e faz todas as engrenagens girarem

simultaneamente é a volição. Seria simples compreender se assim fosse, mas a complexidade

da relação da imaginação com as faculdades que através dela agem, está muito além de fazer

uma simples ilustração e analogia com um motor em funcionamento.

2.2.2.1. Tipos de imaginação

Inspirada no método de denominação feito por Thomas Hobbes, quando se baseou

na significação da imagem da “coisa vista” para definir as diferentes categorias da

imaginação, classifiquei esta faculdade em três tipos: imaginação reprodutiva, imaginação

subjetiva e imaginação produtiva.

Antes, é de fundamental importância dar relevo ao entendimento que tenho ao fato

de que, na mente humana, no que se refere a imaginação, não existe a possibilidade de se

“compartimentar” as ações e os produtos das faculdades. A intenção de lançar mão dos

métodos da Taxonomia na definição do conceito de imaginação tem a finalidade de tornar

o panorama sobre esta faculdade do espírito humano em algo fácil de ser compreendido por

todos que nele tiverem acesso.

A Imaginação reprodutiva é aquela que retoma objetos, sensações, percepções,

experiências, emoções e conhecimento, isto é, reproduz as memórias. Logo, quando o

objeto visualizado no pensamento tiver a significação de algo percebido no tempo passado

e a ele for atribuído elementos, tais como, o espaço onde foi percebido e as emoções vividas,

defino que este objeto é produto da memória, ou seja, da imaginação reprodutiva.

A Imaginação subjetiva se emana o “eu” subjetivo, a consciência de si, os

valores morais, a volição, as dores, os prazeres, paixões e fantasias, isto é, onde ocorrem as

representações de todos os fenômenos psíquicos. Não há como definir tipos de produtos e

significados emergidos da subjetividade, uma vez que é ela quem determina o sentido das

representações visualizadas no pensamento. Como disse enquanto confabulava, as forças

volitivas do sujeito constituem a condição sine qua non para a atenção, o elo de ligação

entre o mundo experenciado e o mundo abstrato, e para além, o ponto de partida que

determina em quais vias transitarão os elementos da percepção até a intelecção. Estes fatores

não são balizados apenas pela ação do querer, as emoções também são fundamentais e

47

juntas, segundo Hessen (2000), formam as forças espirituais humanas as quais determinam

“o centro de gravidade humano”, as “forças intelectuais”, ou seja, a imaginação subjetiva

determina a essência de toda e qualquer significação dos produtos gerados pelas outras

faculdades que operam na imaginação.

A Imaginação produtiva é produtiva quando as imagens mentais representam

um feedback da intelecção ao estímulo dado por uma experiência sensível ou de outra

intelecção (racional ou emocional), ou seja, quando o resultado da reação do sujeito a uma

informação ou estímulo é uma expressão ou representação mental com uma significação.

Logo, com o objetivo de caracterizar os produtos gerados pela imaginação, em função das

suas significações, subclassifiquei a imaginação produtiva em produtiva intelectiva,

produtiva criativa e produtiva estendida.

A Imaginação produtiva intelectiva é aquela onde, a partir de uma informação,

seja de origem sensível, emocional ou da própria intelecção racional, o sujeito – sob o

estímulo da vontade – abstrai e articula os seus elementos, faz associações, os organiza e os

compreende. A partir daí, vem a fase das análises e as conclusões sobre aquele conteúdo

percebido. São estas conclusões (feedback ou significações), resultados das operações do

raciocínio, que denomino por produto da imaginação produtiva intelectiva. Diferente da

lembrança, que é a reprodução de uma dada experiência, a representação mental da

compreensão e a análise de uma informação são significados atribuídos a própria

informação: é o entendimento do sujeito sobre o objeto.

A Imaginação produtiva criativa é o segundo tipo de imaginação produtiva.

Nesta, o feedback da experiência (sensível, intelectiva racional ou emocional) é resultado

de uma criação ou ressignificação da própria experiência, ou seja, quando o sujeito,

motivado pelo desejo ou necessidade, transforma a informação (ou objeto) percebida em

algo deferente do que era antes. Estes produtos emanam do que denomino de uma

“complexa” operação que ocorre na imaginação, pois envolve, na minha opinião, todas as

faculdades cognitivas do sujeito, desde as subjetivas, passando pelas experiências sensíveis,

intuição, até as capacidades racionais e de conhecimento técnico específico.

A Imaginação produtiva estendida é o produto material da imaginação, aquilo

que criamos e materializamos nas mais diversas formas: os desenhos, os sons, as esculturas,

as pinturas, os objetos utilitários, os vestuários, os calçados, as construções arquitetônicas,

os móveis, os transportes etc. Todos os objetos elaborados e produzidos pelo homem é uma

forma de imaginação estendida, afinal, foi idealizado, elaborado através do uso das imagens

produzidas pela imaginação.

48

Desta complexa operação que é imaginar, nascem produtos das mais diversas

naturezas de significado e aplicação prática: fantasias e ficções, obras artísticas, descobertas

científicas, inovações tecnológicas, resolução de problemas, criação e ressignificação de

práticas e costumes etc. A partir da sintonia da atenção do sujeito por um objeto ou

informação, a sensibilidade subjetiva e a intuição direcionam as percepções para os

caminhos de expressão do “eu” subjetivo. O raciocínio lógico entra em ação e articula,

associa, dá nexos, analisa e forma a significação sobre o objeto de percepção. À luz de um

desejo ou necessidade, o sujeito articula e combina elementos, objetos, experiência prática

ou conhecimento técnico com outros elementos, objetos, experiência etc. Enquanto todas

estas operações e experimentos ocorrem, imagens são visualizadas no pensamento, porque

pensar é imaginar.

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3. IMAGINAÇÃO E CONHECIMENTO

O sol, ao iluminar o universo, aprende a tornar-se astro luminoso; o

pensamento, ao iluminar os entes, aprende a tornar-se conhecimento.

(BUZZI, 2012, p. 15)

3.1. CONHECER: NASCER JUNTO

Ao estudar o sentido da palavra conhecimento, observo que, a partir da sua

construção etimológica e traduções, surgem interessantes interpretações e

atravessamentos de diferentes perspectivas. Isto ocorre porque o conhecer, o ato de

adquirir conhecimento, está além de ser a mais destacada das características da natureza

humana em relação aos outros seres vivos – o conhecer ainda é uma incógnita para a

ciência. Eis o motivo de tantos estudos!

A origem da palavra conhecimento vem do latim cǒgnõscěre e significa saber, que

é sinônimo do latim sǎpěre e significa ter conhecimento, ter sabor ou agradar o paladar.

Assim sendo, por uma palavra remeter à outra, conhecer e saber possuem significados em

comum, tais como ter noção, informação e ciência.

Ao traduzir conhecer para o francês e espanhol, connaissance e conocimiento

respectivamente, temos o significado de “nascimento do ser, o seu erguer-se e mostrar-se

ao pensamento”, conforme explica Buzzi (2012, p. 19). Guimarães (2019) complementa que

connaissance tem também o significado de co-nascimento:

Quando co-nascemos, quer dizer, quando “nascemos junto com o que

nasce” nós, por assim dizer, experienciamos, ou, melhor dizendo,

experimentamos, saboreamos o nascer/aparecer disto que

nasce/aparece! Nesse saborear, sentimos seu gosto, de tal forma que,

somente assim, poderíamos, com direito, afirmar que o conhecemos.

Em sua dimensão mais radical, saber – conhecer – é, então, saborear

(GUIMARÃES, 2019, p. 39).

Logo, conhecer é saborear aquilo que experimentamos, é “presentificar o ser,

tornando-o visível e audível junto a nós” (BUZZI, 2012, p. 19), no nosso pensamento. Isto

é, o conhecimento é o sabor da descoberta e a consciência da representação do objeto no

50

pensamento do homem. Como disse anteriormente3, pensar é imaginar e conhecer é

imaginar o objeto do conhecimento. Uma vez que o sujeito pensa, imagina um objeto com

consciência do objeto no pensamento, isto é, próprio de quem o imaginou. Não se trata da

cópia fiel do objeto físico pertencente à realidade que o cerca, ou seja, memória produzida

pela imaginação reprodutiva, mas a forma abstrata que o objeto tomou no pensamento

através da imaginação produtiva intelectiva. Por isto, o ato do conhecimento é

“presentificar”, presentear o novo ao pensamento.

Conhecimento é o pensamento que nasce junto com o objeto que nasce na

imaginação do homem que pensa. O conhecimento é a apropriação do objeto pelo homem

e o ato conhecer é o processo pelo qual ocorre a apropriação no pensamento.

[...] é a compreensão inteligível da realidade, que o sujeito humano adquire

através da sua confrontação com essa mesma realidade. Ou seja, a

realidade exterior adquire, no interior do ser humano, uma forma abstrata

pensada, que lhe permite saber e dizer o que esta realidade é. A realidade

exterior se faz presente no interior do sujeito do pensamento. A realidade

por meio do conhecimento, deixa de ser uma incógnita, uma coisa opaca,

para se tornar algo compreendido, translúcido (LUCKESI, 2011, p. 154).

3.2. O CONHECIMENTO DOS ESPAÇOS EDUCACIONAIS

Esta pesquisa permeia o campo da educação e o processo de aquisição do

conhecimento aqui discutido está relacionado com a aprendizagem pelo estudante. Portanto,

tomo como objeto do conhecimento o legado que a humanidade herdou das ciências ao

longo da história – o conjunto de informações registrados nos livros e representados pelas

técnicas e tecnologias – isto é, o conhecimento científico da realidade.

E por que especificadamente o conhecimento científico?

Para iniciar a explicação, Vasconcellos (1995) diz que da relação entre o sujeito e

o objeto se entende “como sendo a relação de um sujeito cognoscente com um objeto

cognoscível” e lembra que:

De certa forma, essa referência à relação sujeito-objeto é um tanto

simplificadora, uma vez, que não existe o sujeito, nem o objeto, como tais,

independente da totalidade social. Não há o “ato puro” de conhecimento,

uma vez que tanto o homem, quanto a natureza, estão marcados pelo

trabalho acumulado de inúmeras gerações, trabalho este objetivado na

cultura (p. 36).

3Vide capítulo 2.

51

Quer dizer, o conhecimento posto nos livros e manuais, resultado do trabalho das

ciências ao logo do percurso da humanidade, é o que temos como material validado,

organizado e sistematizado para o ensino escolar. Porém, antes temos que considerar a

nossa história pessoal e social, nossa cultura, bem como a nossa relação com o meio

ambiente local, com as outras sociedades e respectiva cultura – é um ciclo infinito de nexos

e suas relações. Wachowicz (1989, p.12) complementa, afirmando que “os nexos internos

da realidade precisam ser explicados para o pensamento, como os nós de onde partem todas

as tramas existenciais e históricas”. Portanto, conforme disse Vasconcellos (1995, p.37),

“[...] não há ato puro de conhecimento independente da totalidade”, pois somos seres sociais

pertencentes a trama da história de um lugar, de onde os conteúdos devem partir, isto é, da

relação do conhecimento científico com o contexto social.

O indivíduo e a sociedade são tomados como uma só realidade, que se

movimenta e se transforma através das relações que a sua historicidade

determina. [...] Entendemos que o conhecimento científico da realidade é

produzido socialmente, porém a sua apropriação não é socializada, o que

depende em parte da escola. Embora esta não trate especificadamente da

produção do saber, trata especificadamente de sua apropriação por parte da

população (WACHOWICZ, 1989, p. 12).

Ademais, “a realidade não se revela diretamente. A manifestação inicial do real é

caótica”, observa Vasconcellos (1995, p. 38). Por trás da expressão de cada fato explícito

aos olhos de quem observa, há uma série de determinantes históricas e sociais que não são

reveladas facilmente, sendo necessário o aprofundamento pelos olhos do pensamento sobre

o fato, para que o sujeito se aproprie do conhecimento. Porém, este aprofundamento não

ocorre naturalmente, nem normalmente, aos olhos da insipiência; é preciso um

conhecimento anteriormente produzido para o sujeito conhecer.

Outro elemento que também incide sobre os olhos do pensamento é a imaginação

subjetiva, isto é, a subjetividade do sujeito que observa. Os determinantes que atuam sobre a

observação da expressão do fato são tão complexos que definem um entendimento próprio pelo

observador sobre o fato. Um fato apenas é entendido a partir de diversas perspectivas, pois

depende também das determinantes subjetivas dos olhos de quem o observa.

Os efeitos que a imaginação subjetiva pode promover durante o processo da

aquisição do saber é a gênese da preocupação pelas ciências que se ocupam do

conhecimento. Ao tempo que esta faculdade tem como função servir como representação

visual da construção do conhecimento do objeto no pensamento pelo sujeito, carrega em si

52

uma subjetividade própria capaz de determinar o entendimento sobre o objeto, pois

fantasiar é imaginar ficções e ilusões.

Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a imaginação possui duas

faces: a de auxiliar precioso para o conhecimento da verdade e a de perigo

imenso para o conhecimento verdadeiro. [...] Muitas vezes, lendo um

romance ou vendo um filme, compreendemos e conhecemos muito melhor

uma realidade do que se apenas lêssemos livros científicos ou jornais. Por

quê? Porque o artista, pela imaginação, capta o essencial e reúne o que

estava disperso na realidade, fazendo-nos compreender o sentido profundo

e invisível de alguma coisa ou de alguma situação. O artista nos mostra o

inusitado, o excepcional, o exemplar ou o impossível por meio dos quais

nossa realidade ganha sentido e pode ser mais bem conhecida. [. ..] Outras

vezes, porém, [...] surge um tecido de imagens, isto é, muitas imagens

presas umas nas outras formando uma realidade imaginária ou um

imaginário que desvia a nossa atenção da realidade ou que serve para nos

dar compensações ilusórias para as desgraças da nossa vida ou de nossa

sociedade (CHAUÍ, 2014, p. 184, grifos da autora).

Considerando que o caos imediato da expressão do fato e que os aspectos histórico-

sociais, bem como a subjetividade do sujeito, engendram o complexo do fenômeno do

conhecimento, compreendo o porquê do processo educativo – alfabetização, instrução,

informação e formação profissional – ocorrer principalmente em ambientes escolares e o

porquê do tipo do conhecimento apresentado nas salas de aula ser o científico:

Justamente, um dos motivos porque se precisa da escola é o fato do

conhecimento não se dar de forma fácil, imediata, por simples observação

da realidade ou pelo contato com o conhecimento estabelecido; no dia a

dia temos contato com a aparência que mais esconde que revela a essência.

[...] uma vez que, a miúde, a consciência do sujeito (em suas concepções)

está marcada pelo movimento aparente. O sujeito precisa da mediação de

instrumentos (materiais – microscópio, bisturi etc. – ou mentais –

linguagens estruturas de pensamento e representação, método, conceitos

etc.) para captá-la. Conhecer é um trabalho, exige esforço. Dentro de

certas proporções, isto vale tanto para o novo conhecimento, quanto para

a apropriação do conhecimento já produzido, desde que não estejamos

considerando a simples atividade de repetição mecânica de palavras,

mas a autêntica apropriação pelo sujeito do conhecimento já

estabelecido (VASCONCELLOS, 1995, p. 38, grifos meus).

Grifei esta última expressão da citação acima para destacar a relevância do

entendimento sobre o tipo de conhecer que deve ser cultivado em sala de aula. Acerca do

que Vasconcellos (1995) se refere por “atividade de repetição mecânica de palavras”,

Luckesi (2011) denomina por retenção do objeto e ainda empreende no sentido de anular

um senso comum posto nos ambientes educacionais: a retenção do objeto pelo estudante é

sinal que ocorreu o aprendizado; esta crença, no entanto, está equivocada.

53

3.2.1. Diferença entre retenção e elucidação

A retenção das informações auxilia no processo de entendimento, pois sempre

precisamos lançar mão da memória – através da imaginação reprodutiva – para resgatarmos

elementos experienciados e apreendidos anteriormente, os quais servirão para compor as

articulações com os elementos provenientes das novas experiências. Neste sentido, as

informações retidas são conhecimentos anteriormente adquiridos. Contudo, é importante

ressaltar, “elas (informações retidas) por si mesmas não são o conhecimento que cada

sujeito humano, em particular, tem da realidade”, diz Luckesi (2011, p. 155).

A argumentação deste autor se desenrola em torno da diferenciação entre retenção

daquilo que está escrito nos livros e a elucidação, o entendimento anterior da realidade.

Quando se diz que o conhecimento é a representação do objeto no pensamento, é fácil

confundir conhecimento, o saber, com um produto da imaginação reprodutiva – lembrar é

imaginar memórias vividas, conhecimentos adquiridos. A retenção, em si mesma, é o

resultado da memorização dos conteúdos recebidos através de apresentações em aulas,

livros, palestras, videoaulas etc. sobre o objeto do conhecimento. Neste caso, o aprendente

decora as lições para reter informações e fragmentos isolados sobre o objeto do

conhecimento, a fim de realizar as avaliações; pouco depois, este conteúdo é esquecido.

Já a elucidação é uma espécie de projeção de “luz que a inteligência” do aprendente

incide sobre o objeto do conhecimento. O aprendente “projeta a luz cognitiva”, segundo

Luckesi (2011), de maneira que ele consiga enxergar em seu pensamento todos os elementos

que compõem o objeto e seu contexto, percebendo as conexões entre as partes, as relações

de associações, contradições, causas e efeitos. Em outras palavras, ele compreende a

realidade sobre o objeto.

O pensamento, porém, vai além do trabalho da inteligência: abstrai (ou

seja, separa) os dados das condições imediatas da nossa experiência e os

elabora sobre a forma de conceitos, ideias e juízos, estabelecendo

articulações internas necessárias entre os seus elementos, de sorte que por

eles conhecemos a origem, os princípios, as consequências, as causas e os

efeitos daquilo a que se refere (CHAUÍ, 2014, p. 201).

Todo este processo é expresso pela imaginação produtiva intelectiva, cuja

faculdade é responsável pela visualização da cognição do objeto do conhecimento no

pensamento dos sujeitos. A “projeção de luz cognitiva”, uma metáfora usada por Luckesi

(2011), significa a iluminação, o clareamento, uma condição da qual o sujeito tem visão da

sua atividade intelectiva – é o que defino como operação da imaginação produtiva

54

intelectiva, a ilustração do próprio raciocínio. Uma vez que a atividade cognitiva está clara

aos olhos do pensamento, o sujeito consegue ter autonomia sobre o próprio processo

cognitivo, organizando todos os elementos que compõem o objeto do conhecimento e

direcionando-os para a sua apropriação – elaborando “conceitos, ideias e juízos”, assim

como descreve a autora na citação acima.

Esta explicação sobre a elucidação durante o processo de apropriação da realidade feita

por Luckesi (2011) e a relação com a atividade da imaginação produtiva intelectiva me remete

ao problema motivador desta pesquisa. Entendo que, quando o estudante relata a dificuldade de

visualizar no pensamento os novos conteúdos apresentados em sala de aula pelo professor, é

porque a sua imaginação não está em plena atividade de produção intelectiva, ou seja, o que

está ocorrendo no pensamento do aprendente neste momento é uma escuridão cognitiva, fato

que se torna obstáculo para a apropriação do objeto do conhecimento.

Além disso, tem vários agravantes que cercam o processo de ensino e aprendizagem

nos ambientes educacionais. Tratam-se de dificuldades, tais como: a não compreensão

sobre a importância da apropriação do conhecimento pela elucidação ou a vergonha do não

entendimento dos conteúdos por parte do estudante, associado ao receio deste de relatar o

problema de não entendimento ao professor; a falta de entendimento ou conscientização

por parte do professor sobre a aquisição do conhecimento dos estudantes; a acomodação

ou falta de interesse por um desses protagonistas ou por ambos; os problemas estruturais

de políticas educacionais, dentre outros. Assim, neste contexto, o aluno, sem saída, recorre

à retenção do conteúdo, ou seja, ele decora as lições para fazer as avaliações da componente

curricular – daí a relevância do entendimento sobre a diferença entre retenção e elucidação

da realidade por parte de professores e estudantes.

Muitas vezes, o conhecimento é confundido com o processo de decorar

informação dos livros, para a seguir, repeti-las em provas escolares ou em

provas de seleção. Isso não é conhecimento. Isso é memorização de

informação, sem saber o que, de fato, essa informação significa

(LUCKESI, 2011, p. 156).

Os professores, como personagens mais esclarecidos, lançam mão de metodologias

de abordagem e instrumentos de aprendizagem para auxiliar na “iluminação” do processo

cognitivo dos seus estudantes. Por outro lado, os alunos empreendem sua “luz cognitiva”

na elucidação e apropriação do conhecimento. Uma vez que uma opinião equivocada é

tomada como verdade, a exemplo da retenção da informação significar aquisição do

conhecimento, e que esta opinião é senso comum nos ambientes educacionais, o prejuízo

55

social está posto. Isto leva os professores a crer que basta apresentar o conteúdo aos alunos

que eles aprendem e pronto: o conteúdo está dado. O estudante decora a lição e faz a

avaliação. “Ficam excluídas as historicidades, os determinantes, os nexos internos, a rede

teórica, enfim, os elementos que possibilitaram aquela síntese obtida; a ausência desses

aspectos científicos, sociais e históricos deixa os conteúdos soltos, fragmentados, com fim

em si mesmos” (ANASTASIOU, 2009, p. 18, grifos da autora). Logo, reduz-se o trabalho

de ensinar, assim como se reduz também o trabalho de aprender, de pensar, de analisar e de

criticar. Consequentemente, reduz-se a possibilidade de desenvolvimento do corpo social

alcançado por este estilo de ensino.

Diante do exposto, nas palavras de Wihby (2018), retomo à questão da aquisição

de conhecimento nos ambientes educacionais, porque só “entendemos que o como se ensina

somente pode ser pensado a partir do como se aprende” (p. 392, grifos da autora).

3.3. COMO SE APRENDE

O aprendizado, ou o ato conhecer, é objeto de estudo de várias áreas da ciência, a

exemplo da Filosofia, Epistemologia, Psicologia, Biologia e Neurociência. No campo ramo

da Educação, onde estamos ancorados, temos diversas correntes que pesquisam e

experimentam suas teorias de aprendizagem, cada uma sob uma perspectiva, com diferentes

explicações sobre as formas do conhecer. Para atender aos objetivos de estudos deste

trabalho, irei concentrar os esforços na vertente sobre a qual os autores que formam o

arcabouço teórico desta tese aportaram suas investigações: a teoria e metodologia dialética

do conhecimento.

Antes de prosseguir, é válido acrescentar que este fundamento foi resgatado e

inspirado no método de investigação sobre a relação das sociedades com a economia vigente

no século XIX, desenvolvido pelo filósofo, economista e teórico do socialismo alemão, Karl

Marx (1818-1883). Segundo Wihby (2018), Marx não escreveu especificadamente sobre a

apropriação do conhecimento na educação; ele usou a concepção dialética da ciência para

explicar o seu método de economia política. A partir da forma como este filósofo explicou

as suas teorias, o método denominado por materialismo dialético, outros estudiosos, estes

da área da educação, resgataram e se apropriaram dos seus princípios, ressignificaram seus

procedimentos e aplicaram-no nas teorias pedagógicas e de ensino. Wachowicz (2001)

explica porque:

56

Parece que o melhor método, ao se abordar um objeto que se queira

pesquisar, seja começar pelo real e pelo concreto, ou o que mais

concretamente represente a realidade. Foi o que fez Karl Marx, quando

estudou a sociedade europeia do século XIX [...] o concreto só ganha

sentido quando a análise vai descobrindo suas determinações [...] será não

apenas tomar as determinações em si, mas colocá-las em relação umas com

as outras, pois em si elas permanecerão estáticas e portanto incapazes de

explicações da realidade (p. 2, grifos da autora).

3.3.1. Teoria e metodologia dialética do conhecimento e a imaginação

Dos princípios elementares da teoria dialética do conhecimento, destaquei os

seguintes:

• A realidade é a totalidade histórica e concreta;

• A totalidade é um fenômeno dinâmico e social;

• O homem é um ser ativo, agindo sobre a natureza e modificando-a, produzindo

a realidade a partir das suas necessidades, assim como produzindo a si mesmo,

como sujeito histórico-social pertencente a uma totalidade;

• A realidade, em sua totalidade, não se apresenta imediatamente à compreensão

do homem;

• O homem conhece a realidade através da reflexão sobre as contradições entre as

manifestações imediatas do fenômeno à sensibilidade e o entendimento sobre as

relações e as determinações das condições materiais, concretas e históricas da

totalidade;

• O concreto, o material, o objeto – a coisa em si – é parte da totalidade, porém,

com fim em si mesmo, não revela a realidade;

• Existem dois graus de conhecimento da realidade, do objeto, pelo homem: a

representação e o conceito;

• Quando o homem formula o conceito sobre cada coisa em si, considerando a

relação de determinação e a contradição com as outras coisas, construindo uma

totalidade, então ele conhece a realidade.

Conhecer, à luz da teoria dialética do conhecimento, é analisar, refletir sobre os

determinantes que formam a totalidade de uma realidade. Não se trata de investigar cada parte

isolada do todo, mas as relações e associações entre elas, que é o fenômeno que forma a

totalidade. Não se trata de uma totalidade, objeto ou coisa em si, destacada de uma situação –

tem que se considerar o contexto histórico e social, pois ele também determina essa realidade.

57

Para chegar a sua compreensão, é necessário fazer não só um certo esforço,

mas também um détour. Por este motivo o pensamento dialético distingue

entre representação e conceito da coisa, com isso não pretendo apenas

distinguir duas formas e dois graus de conhecimento da realidade, mas

especialmente e sobretudo duas qualidades da práxis humana. A atitude

primordial e imediata do homem, em face da realidade, não é a de um

abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a

realidade especulativamente, porém a de um ser que age objetiva e

praticamente, de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática

no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a

consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado

conjunto de relações sociais. Portanto, a realidade não se apresenta aos

homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir,

analisar e compreender teoricamente, cujo polo oposto e complementar

seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e

apartado do mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua

atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata

intuição prática da realidade. No trato prático-utilitário com as coisas – em

que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos,

exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo “em situação”

cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema

correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade

(KOSIK, 1969, p. 9-10).

A forma imediata em que a realidade se apresenta para o cotidiano é a observável.

A sua imediata representação construída no pensamento humano é fruto da experiência onde

a construção da projeção do fenômeno no pensamento é imbuída nas determinações

históricas “petrificadas”, ocorrendo a pseudoconcreticidade entre fenômeno e realidade.

Kosik (1969, p. 11) ainda completa, afirmando que é “um claro-escuro de verdade e engano”

e que o “fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde”. Segundo o filósofo,

na pseudoconcreticidade, o fenômeno e a essência, a realidade, são tomadas como iguais,

pois o fenômeno ocorre imediatamente no mundo sensível. No entanto, a estrutura de

elementos e nexos que compõem a realidade não são reveladas. Para o homem conhecer a

coisa em si, a realidade, é necessário destruir a pseudoconcreticidade através uma análise –

daí aportamos na metodologia dialética do conhecimento.

Como é possível compreender o novo? Reduzindo-o ao velho, isto é, a

condições e hipóteses. Nesta concepção o novo se apresenta como algo

externo, que se anexa num segundo tempo, à realidade material. A matéria

está em movimento [...]; e o processo cognoscitivo se transforma em

explicação dos fenômenos. A realidade é interpretada não mediante a

redução a algo diverso de si mesma, mas explicando-a com base na própria

realidade, mediante o desenvolvimento e a ilustração das suas fases, dos

momentos do seu movimento (KOSIK, 1969, p. 28-29, grifos do autor).

58

O autor inicia sua explicação sobre o método dialético do conhecimento pela

questão: “como é possível compreender o novo?” De início, ele orienta que a ação conhecer,

qualquer que seja a sua natureza, ocorre a partir de uma causa, isto é, de outro fenômeno.

Por este motivo, Kosik (1969) chama atenção sobre o movimento acumulativo de

desenvolvimento da matéria com relação ao tempo. Com base neste movimento, a ação

cognitiva passa a acontecer através de associações de causas e efeitos, além do enlaçamento

dos nexos que constituem o objeto, num processo explicativo sobre o fenômeno, de

construção do conhecimento, o qual se denomina por movimento espiral de conhecimento

– por ser ascendente, positivo e evolutivo.

Entendo que atividade imaginativa é fundamental durante o movimento espiral do

conhecimento. Por ser a representação visual do pensamento, ela funciona como “a

ilustração das fases, dos momentos do seu movimento”, concordando com o pensamento

dialético de Kosik (1969). Enquanto ocorre este processo, a imaginação reprodutiva

trabalha na apresentação mental das condições de gênese do fenômeno resgatadas da

memória, pois estas não são presentes durante a manifestação imediata do fenômeno em

estudo. Já a imaginação produtiva intelectiva, elementar no processo explicativo do

fenômeno, em plena função, ilustra no pensamento os movimentos de articulações,

associações e enlaçamento dos nexos que compõem o objeto do conhecimento. Portanto,

no movimento, na ação conhecer ocorre a “projeção de luz cognitiva”, retomando a

afirmação de Luckesi (2011), função esta da imaginação produtiva intelectiva.

O ponto de partida do exame deve ser formalmente idêntico ao resultado.

Este ponto de partida deve manter a identidade durante todo o curso do

raciocínio visto que ele constitui a única garantia de que o pensamento não

se perderá no seu caminho. Mas o sentido do exame está no fato de que no

seu movimento em espiral ele chega a um resultado que não era conhecido

no ponto de partida e que, portanto, dada a identidade formal do ponto de

partida e do resultado, o pensamento, ao concluir o seu movimento, chega

a algo diverso – pelo seu conteúdo – daquilo que tinha partido. Da vital,

caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos

conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação

se opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como

ao vivo, mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito

do todo ricamente articulado e compreendido (KOSIK, 1969, p. 29).

No trecho acima, o filósofo explica um dos princípios básicos que caracterizam a

metodologia dialética do conhecimento: a orientação do movimento do pensamento, do

raciocínio, durante o exame do fenômeno. Ele determina que o ponto de partida da análise

59

deve ser “formalmente” o mesmo do ponto de chegada, quer dizer, o fenômeno em exame,

em si, deve ser o mesmo durante a ação do conhecer.

A exemplo ilustrativo, imagine que na metodologia dialética existe uma linha reta

vertical ascendente que emerge no ponto central inicial da espiral representativa do

movimento do conhecimento. Esta reta representa o objeto do conhecimento. Enquanto a

espiral evolui no sentido ascendente, a linha reta acompanha essa ascendência e se mantém

presa no ponto central inicial da espiral. Esta reta funciona como o centro das forças

centrípetas durante o movimento do conhecer. Ao finalizar o processo de evolução da

espiral, isto é, quando o pensamento finaliza o exame do objeto, dá-se o ponto final da reta.

O objeto se mantém o mesmo, mas o conhecimento em torno dele evolui durante o

movimento do pensamento.

3.4. APRENDER A PENSAR PARA CONHECER

A explicação sobre a orientação do movimento espiral do conhecimento ultrapassa

o caráter teórico e avança enquanto metodologia aplicada nos espaços educacionais, já que

as ações deste caráter são de fundamental importância para quem está do outro lado do

fenômeno do conhecimento – o aprendente. Considerando os obstáculos de compreensão

dos novos conteúdos pelos estudantes, dentre uma complexidade de fatores que engendram

este problema, destaco aqui a escuridão cognitiva, isto é, a dificuldade que eles possuem

em visualizar mentalmente as novas informações apresentadas em sala de aula. À luz da

concepção que pensar é imaginar e conhecer é imaginar o objeto do conhecimento,

proponho uma chave para a solução da escuridão cognitiva: estimular o exercício da

imaginação para que esta trabalhe em função da “projeção de luz”, ilustrando o movimento

do pensamento do estudante durante a elucidação da realidade. Portanto, estimular o

exercício da imaginação significa estimular o exercício do pensamento e, para isto, um dos

caminhos a percorrer é ensiná-lo a aprender a conhecer, a pensar, a imaginar, com o objetivo

de conhecer, antes mesmo de apresentar o conhecimento ao aprendente.

Pensar, na significação etimológica do termo, quer dizer sopesar, pôr na

balança para avaliar o peso de alguma coisa, ponderar. O pensamento [...]

usa ao máximo seus recursos para aprender a avaliar: quer tornar-se

avaliador [...]. Por causa disso [...] submete-se à aprendizagem de pensar:

busca a cor, o som e o sabor da realidade (BUZZI, 2012, p. 11).

60

Concordo com a citação acima e ainda registro: não é fácil aprender a conhecer.

Desde crianças somos habituados a divagar livremente nos próprios pensamentos, os quais

muitas vezes são fragmentados pelas experiências vividas no cotidiano. Logo, não estamos

acostumados a seguir uma sequência formal de início, meio e fim. As articulações e

associações acontecem naturalmente pela inteligência com fim em si mesma, por vezes com

o objetivo da compreensão de um fenômeno qualquer, porém não pelo hábito formal do

pensamento com o objetivo do conhecimento da realidade. Além disso, imbuído numa

mistura de imaginações produzidas pelas memórias, pelas emoções, bem como por nossas

elaborações, o pensamento é um mundo de infinitas possibilidades que pertencem apenas a

nós mesmos, portanto, são livres de amarras, disciplina e julgamentos.

3.4.1. Direcionando o pensamento: o como se pensa

Aprender a conhecer é aprender a “colocar o pensamento nos trilhos” a fim de

chegar ao conhecimento. Por esta razão, é importante se estabelecer o ponto de partida e

de chegada durante a ação objetiva do como se pensa durante a aquisição do conhecimento.

Com um objetivo definido, o aprendente submete a habitual divagação livre a uma

organização formal das suas ideias, na totalidade dos fenômenos ou apenas os seus

elementos. Então, seguindo inicialmente uma sequência de início, meio e fim, numa

organização lógica das próprias ideias, o aprendente naturalmente consegue trabalhar seu

raciocínio nas articulações, associações, relações de causa e efeito e elaborações do próprio

conhecimento – daí o movimento espiral do conhecimento aplicado enquanto um método,

que Kosik (1969) definiu como “o método do pensamento”.

Ademais, quando o sujeito tem como objetivo aprender ou criar algo, naturalmente

coloca em ação os principais sistemas vitais do seu corpo. O sistema sensorial trabalha captando

os elementos das manifestações imediatas dos fenômenos para o pensamento. O sistema

cardíaco, sincronizado com o respiratório, a cada aspiração, geram impulso e oxigênio para a

efetivação do sistema nervoso, que, por sua vez, alimenta e estimula a inteligência e suas

operações. Em cada momento que o raciocínio efetiva uma associação entre os elementos que

compõem o fenômeno e que os seus nexos são conectados uns aos outros, o sistema digestório

entra em ação e transforma esses elementos em moléculas que são absorvidas pelo pensamento

na forma de conceitos. Pelo fato de consumir muita energia durante todas estas atividades

físicas e mentais, explica-se a expressão: “pensar e aprender cansa!”.

61

Posto isto, ensinar o estudante a pensar através de um método tem o seu lugar de

importância no processo educativo, pois está além de uma orientação da forma de pensar

para aprender. Evita-se que o aprendente “se perca no caminho”, desperdice suas energias

vitais ou, somando-se o conjunto de outras dificuldades impostas, desista de aprender, de

conhecer a realidade – e escolha inconscientemente memorizar, reter, as partes

fragmentadas da totalidade do fenômeno.

Da mesma forma que o sujeito tem o hábito natural de permitir que o pensamento

divague livremente em suas imaginações, ele pode se habituar a pensar através de um

método quando o objetivo é compreender o novo. Quando o sujeito percebe que “aprender

a pensar significa promover o nascimento da realidade” (BUZZI, 2012, p. 25), ele é tomado

pela áurea da descoberta e, naturalmente, percorrerá o “método do pensamento” para

conhecer. Daí a importância da imaginação subjetiva no processo do conhecimento, onde

seu papel é a representação mental da alma, dos prazeres da revelação pelo conhecimento,

da volição por conhecer, das necessidades da vida cotidiana e dos estímulos que

impulsionam o aprendente a pensar com o objetivo de aprender, de buscar a cor, som, sabor

e brilho da realidade.

3.4.2. Desenvolvendo a autonomia intelectual

Ensinar o estudante a aprender significa ensiná-lo a pensar através de um método, uma

vez que, quando pensa com o objetivo de aprender, ativa naturalmente a sua imaginação, em

ampla função, ilustrando as operações do pensamento: a memória, a subjetividade, o raciocínio

com suas articulações e a criatividade. Imaginando, o estudante consegue enxergar os

movimentos do seu pensamento e coordenar a direção das articulações e elaborações do seu

raciocínio, balizando-as em torno do objeto, num movimento em espiral do conhecimento.

Portanto, quando o estudante enxerga e administra as direções do próprio pensamento, ele

desenvolve concomitantemente a sua autonomia intelectual, pois toma para si a ação e o

protagonismo da construção do próprio conhecimento.

3.5. ASCENÇÃO DO CONHECIMENTO PELO PENSAMENTO

A ascensão do abstrato ao concreto não é uma passagem de um plano

(sensível) para o outro plano (racional): é um movimento no pensamento e

do pensamento. Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao

concreto, tem de mover-se no próprio elemento, isto é, no plano abstrato,

que é a negação da imediaticidade, da evidência e da concreticidade

62

sensível. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento para o qual

todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta

abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é, por

conseguinte, em geral movimento da parte para o todo e do todo para a

parte; do fenômeno para a essência e da essência para o fenômeno; da

totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade; do objeto

para o sujeito e do sujeito para o objeto. O processo do abstrato para o

concreto, como método materialista do conhecimento da realidade, é a

dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade

em todos os seus planos e dimensões. O processo do pensamento não se

limita a transformar o todo caótico das representações no todo transparente

dos conceitos; no curso do processo o próprio todo é concomitantemente

delineado, determinado e compreendido (KOSIK, 1969, p. 30).

Este é o movimento de ascensão entre os dois graus de conhecimento, da

representação ao conceito. Quando por representação, a pseudoconcreticidade, ele

denomina por abstrato, e o conceito, as elaborações finais pelo pensamento do homem, o

concreto – o concreto pensado.

Com base no pensamento de Marx, o filósofo Karel Kosik (1926-2003) elaborou a

“dialética do concreto”, que trata da realidade em sua totalidade histórica e concreta

reproduzida no pensamento e se dá através do processo de abstratividade daquilo que foi

manifesto à sensibilidade pelo pensamento – onde a abstratividade é o movimento do

pensamento, “o plano abstrato”. Este movimento ocorre a partir da “negação da

imediatilidade” do fenômeno, do caráter próprio do método dialético, perpassada pela

mediação da análise e forma os conceitos, o concreto pensado – isto é, a abstratividade é o

meio de “destruição da pseudoconcreticidade”, “do caos” manifesto pelo fenômeno durante

a experiência.

Em outras palavras, também ancorado no pensamento de Marx, o autor brasileiro

Demerval Saviani (1943-) se apropriou, ressignificou e difundiu a concepção dialética –

agora no campo da Educação. Porém, ele avançou a dimensão teórico-filosófica e propôs

a dialética enquanto metodologia de ensino.

Simplesmente estou querendo dizer que o movimento que vai da síncrese

("a visão caótica do todo") à síntese ("uma rica totalidade de determinações

e de relações numerosas") pela mediação da análise ("as abstrações e

determinações mais simples") constitui uma orientação segura tanto para o

processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico)

como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o

método de ensino) (SAVIANI, 1999, p. 83).

Este autor não usou os termos adotados por Kosik (1969), tais como imediatilidade,

pseudoconcreticidade, abstratividade e concretividade. Ao invés disso, Saviani (1999) tratou os

63

dois primeiros termos referendados pelo filósofo tcheco como a visão caótica do todo, a

síncrese; fez a analogia da abstratividade com as abstrações e determinações mais simples, a

mediação pela análise; e relacionou o último termo de Kosik com a rica totalidade de

determinações e de relações numerosas, a síntese. Ambos definiram “o movimento do

pensamento” da mesma forma, bem como ratificaram o caos da manifestação imediata da

realidade como justificativa para a aplicação do método dialético na análise realidade. No

entanto, apenas Saviani (1999) direcionou este método para os espaços educacionais.

3.5.1. A visualização e organização do pensamento

[...] a compreensão dos alunos é de caráter sincrético [...] é sincrética uma

vez que, por mais conhecimentos e experiências que detenham, sua própria

condição de alunos implica uma impossibilidade, no ponto de partida, de

articulação da experiência pedagógica na prática social de que participam

[...] isto é, de modo confuso, caótico [...] (SAVIANI, 1999, p. 80 e 84).

O caminho entre a "caótica representação do todo" e a “rica totalidade da

multiplicidade das determinações e das relações" coincide com a

compreensão da realidade. O todo não é imediatamente cognoscível para

o homem, embora lhe seja dado imediatamente em forma sensível, isto é,

na representação, na opinião e na experiência. Portanto, o todo é

imediatamente acessível ao homem, mas é um todo caótico e obscuro. Para

que possa conhecer e compreender este todo, possa torná-lo claro e

explicá-lo, o homem tem que fazer um détour: o concreto se torna

compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação

da parte. Exatamente porque o caminho da verdade é um détour [...] o

homem pode perder-se ou ficar no meio do caminho. O método de ascensão

do abstrato ao concreto é o método do pensamento; em outras palavras, é

um movimento que atua nos conceitos, no elemento da abstração (KOSIK,

1969, p. 29-30).

Détour, ou movimento espiral do conhecimento, são definições sinônimas da

ascensão dos níveis de conhecimento pela concepção dialética. Para partir da representação

da totalidade imediata e chegar até o conceito sobre o objeto, ou seja, o “concreto pensado”,

o sujeito tem que superar inicialmente dois obstáculos durante o movimento do pensamento:

o primeiro é organizar o caos recebido pela sensibilidade, as representações; e o segundo é

ter controle sobre os direcionamentos do próprio pensamento durante a análise e

elaborações sobre o objeto do conhecimento, o conceito propriamente dito. Daí sublinho e

destaco repetidamente o lugar de importância do trabalho de estímulo e desenvolvimento

das atividades da imaginação durante a construção do conhecimento pelos sujeitos nos

espaços escolares.

64

A imaginação do aprendente, em ampla atividade, inicia as suas operações desde o

momento que ele abstrai, ou separa, os elementos que compõem os novos conteúdos

recebidos pela experiência sensível, para a mediação da análise pela inteligência – as

representações. A imaginação possibilita a visualização da organização mental destes

elementos e ilumina a realização das articulações, das associações de causa e efeito e da

reflexão sobre as contradições do imediato da experiência com as elaborações do

pensamento. Por fim, a imaginação ilustra as elaborações, os experimentos mentais, as

possibilidades de conexões, combinações, ressignificações e criações sobre o fenômeno

dado – o conceito. Pois o verdadeiro desafio do aprendizado “consiste na construção mental

ou na abstração que se efetiva quando, mentalmente, se é capaz de reconstruir o objeto

apreendido pela concepção de noções e princípios, independentes do modelo ou exemplo

estudado”, assim explicou Anastasiou (2009, p. 22).

Do conjunto de operações relatadas acima, por associação, afirmo que a

imaginação subjetiva age na representação da determinação pelo aprendente à atividade

intelectual e controle sobre o direcionamento objetivo dos seus pensamentos para o

aprendizado. Para tanto, a imaginação produtiva intelectiva trabalha em função da

visualização da organização das abstrações e análises dos novos conteúdos; a imaginação

reprodutiva atua na disposição e visualização de elementos apreendidos em experiencias

passadas; a imaginação produtiva criativa contribui nas elaborações dos conceitos,

ressignificações e inovações; e a imaginação estendida opera na materialização do concreto

pensado, do aprendizado pelo estudante.

Como a aprendizagem exige a compreensão e apreensão do conteúdo pelo

estudante, é essencial a construção de um conjunto relacional, de uma rede,

de um sistema, em que o novo conhecimento apreendido pelo aluno amplie

ou modifique o sistema inicial, a cada contato. Quando isso ocorre, a visão

sincrética, caótica e não elaborada que o estudante trazia inicialmente pode

ser superada e reelaborada numa síntese qualitativamente superior, por

meio da análise via metodologia dialética (ANASTASIOU, 2009, p. 21).

Por fim, o materialismo dialético é uma teoria do movimento do pensamento para

o conhecimento da realidade. A metodologia dialética é a formalização do pensamento em

busca do conhecimento. Então, concluo que o materialismo dialético é uma teoria do

movimento da imaginação para o conhecimento da realidade e a metodologia dialética é a

formalização da imaginação em busca do conhecimento, pois pensar é imaginar e conhecer

é imaginar o objeto do conhecimento.

65

4. ENSINO, APRENDIZAGEM E IMAGINAÇÃO

4.1. DA HISTÓRIA ÀS TEORIAS NO BRASIL

4.1.1. Aspectos da História

Ensinar! Anastasiou (2009, p. 18) explica que “o verbo ensinar, do latim

insignare, significa marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar para

o conhecimento.

O ato ensinar, desde a Antiguidade, teve o seu lugar de importância nas sociedades

e nasceu das relações entre crianças e jovens com os mais velhos, no núcleo central dos

corpos sociais: a família. Era uma exclusividade das classes dominantes da Grécia antiga,

quando a instrução doméstica recebeu o reforço do letramento e o direcionamento à cultura

retórico-literária, levando a conquista de espaços específicos para o ensinar: as

didascaléias. Então, surgem as escolas e, com estas, a figura do paidagogo, cuja palavra se

origina da concatenação de paidós (criança) e agode (conduzir), isto é, o “condutor de

crianças”, que no período clássico se tratava de um escravo que conduzia as crianças até o

local onde se realizavam as aulas e atividades físicas; ele conduzia a criança ao saber. Daí

a correlação de origem do termo pedagogia, que se refere à ciência da condução de crianças

ao saber, a ciência do ensino.

Neste mesmo movimento histórico, nas didascaléias pelas necessidades

emergentes, inauguram a paideia, derivada de pâis paidós, “criação de meninos”, que em

sua significação mais ampla foi um dos primeiros sistemas organizados de ensino, a partir

do qual os alunos eram apresentados a conteúdos de Filosofia, Aritmética, Retórica, Música

e Ginástica. Neste cenário, o detentor do saber e do saber ensinar, ou seja, o educador, ficou

conhecido como mestre condutor, um protagonista da vida juvenil, tal como foi Sócrates

para Platão, conforme lembrou Cambi (1999, p. 49). Mestres como estes eram especialistas

na techné didaktiké, na técnica de ensinar, na arte de ensinar, o que definimos hoje por

Didática, que é um ramo da Pedagogia.

Aprender! A ação de aprender vem do latim apprehenděre, que significa apanhar, adquirir

o objeto do conhecimento. É semelhante, ou sinônima, a apreender, que traz uma significação mais

66

ampla de agarrar, prender, pegar para si, tomar o objeto do conhecimento para si. Esses vocábulos

são comumente empregados nos espaços educacionais. Então, retomando a concepção sobre o

conhecimento do capítulo anterior, acrescento: aprender é apreender o objeto para si, é conhecer, é

a apropriação do conhecimento sobre o objeto pelo pensamento do aprendente. Ademais, assim

como o conceito formulado sobre o imaginar, o entendimento sobre o aprender remete a outras

ações de sentidos semelhantes, mas, na essência, os significados de aprender e apreender são

diferentes. Por exemplo, aprender também está relacionado a estudar, praticar, treinar, adestrar,

fixar, reter, decorar e memorizar.

Anastasiou (2009) adota o apreender, pois a significação deste termo traduz o

objetivo ideal dos espaços educacionais, que é a efetivação de uma intenção pretendida pelo

professor ao ensinar novos conteúdos aos seus alunos – deles apreenderem as novas

informações. Portanto, compreender, corporificar e praticar os verdadeiros sentidos sobre o

ensinar e o apreender são requisitos elementares para o processo de ensino e aprendizagem,

embora não seja assim que ocorra. Em face dos relatos históricos dos métodos utilizados e

dos materiais empregados, o professor serviu e, em muitos casos, ainda serve como um

mero transmissor de informações; o aluno, como um receptor; e o conhecimento, tudo

aquilo que se retém na memória do estudante. Ou seja, ensinar e aprender, desde longínquos

tempos, foi comumente relacionado a levar o aprendente a memorizar ou reter os novos

conteúdos – um senso comum, como explica Luckesi (2011), cujo assunto já foi abordado

no capítulo anterior.

Quando do final da idade média, a Companhia de Jesus, liderada por Inácio de

Loyola (1491-1556), publicou um método de ensino por meio da Obra Ratio Atque

Institutioni Studiorum (Método Pedagógico dos Jesuítas), na qual o processo educativo era

baseado na repetição e memorização, além de ser rigoroso na disciplina, com severidade e

aplicação de castigos corporais para aqueles que não lembrassem das lições.

O método jesuítico era uma resposta a Reforma Protestante de Lutero, que defendia

a alfabetização e o acesso ao conhecimento por todos. Assim, à luz dos preceitos ético-

religiosos defendidos, o monge luterano João Amós Comênio (1562-1670), lançou a

Didática Magna – Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. O objetivo da obra

era ensinar toda a população a ler e a escrever para ter acesso direto às escrituras, sem

intermediação e influência da Igreja Católica. Para isto, desenvolveu um método único para

ensinar tudo a todos.

O ensino, na didática comeniana, tem seu fundamento na própria natureza

[...] fornece em seu processo evolutivo as bases para o ensino: do simples

67

para o complexo, cada etapa a seu tempo [...] O curso dos estudos é

distribuído por anos, meses, dias [...] encontramos uma atenção especial à

natureza dos conhecimentos a serem ensinados – as línguas, a matemática,

as ciências, a filosofia [...] Assim, é a esses educadores reformadores do

século XVII que devemos a autoconsciência do proceder educativo,

retirando as cogitações didático-pedagógicas do âmbito da Filosofia, da

Teologia ou da Literatura, onde até então se abrigavam (ANASTASIOU;

PIMENTA, 2014, p. 43-44).

Comênio também recomendou o uso de meios para ensinar, tais como imagens,

gravuras e objetos, pois estes, no ponto de vista do luterano, auxiliariam o aluno a

memorizar o conteúdo. Sendo assim, devido à importância de sua obra, Comênio foi

considerado o pai da didática – o autor da primeira revolução neste campo da Pedagogia.

No entanto, as suas ideias tiveram um aspecto controverso: foi generalista, defendeu um

método único a todos, excluindo as especificidades pessoais, as histórias e as diferentes

culturas. Apesar disso, tornou-se base e modelo prático “para a generalização da escola a

toda a população, requisito e demanda do desenvolvimento comercial, da constituição das

cidades e, bem mais adiante, do capitalismo industrial”, conforme explicam Anastasiou e

Pimenta (2014, p. 43).

A metodologia dos jesuítas também teve adeptos e serve de modelo para os

métodos de ensino nos tempos de hoje, sobretudo no Brasil. Com base nas suas propostas,

a aula é um espaço onde o professor fala, apresenta um assunto e o aprendente anota, faz as

atividades de fixação e memoriza o conteúdo para fazer a avaliação. O ato de ensinar é

baseado na transmissão e o de aprender, na memorização.

Ao mesmo tempo que estes métodos fundados no transmitir e memorizar se

enraizavam tão profundamente nos espaços escolares, outras sementes didáticas foram

lançadas e cultivadas a partir das ideias iluministas do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau

(1712-1778). Segundo Anastasiou e Pimenta (2014), Rousseau foi o precursor da segunda

revolução didática, criticando os métodos tradicionais, jesuíticos e comenianos e apresentou

um novo conceito para a infância. No seu ponto de vista, os métodos em uso eram

mecânicos, intelectualistas, tornavam os temas de estudos enfadonhos e não atraiam o

interesse dos estudantes. Em relação às crianças, Rousseau explicou que para os educadores

se aproximarem delas, teriam antes que entendê-las como crianças, defendendo um método

de ensino onde os procedimentos respeitariam o seu desenvolvimento natural. Vale registrar

que o pensamento do francês foi propulsor da formação das bases de um movimento

pedagógico que veio a se estabelecer apenas no final do século XIX, o Escola Nova:

68

Movimento que propôs alteração significativa nos métodos de ensinar

baseados na atividade do aprendiz. Formulado com base nas contribuições

do francês Pestalozzi (1749-1827), do alemão Kerschensteiner (1854-

1932) e do francês Decroly (1871-1932), autores europeus cujas ideias

conviviam com a época em que a criança passava a ser valorizada no bojo

do desenvolvimento industrial e da expansão da escolaridade pública,

considerada esta como direito e, ao mesmo tempo, requisito para a

formação da mão de obra do nascente capitalismo. Esse movimento

expande-se com as concepções da médica italiana Maria Montessori

(1870-952), e do filósofo americano John Dewey (1859-1952), que teve

por discípulo Anísio Teixeira (1900-1972), principal responsável pela

formulação e expansão desse movimento no Brasil (ANASTASIOU;

PIMENTA, 2014, p. 44).

Somado ao pensamento de Rousseau, outros fatores também contribuíram para o

desenvolvimento do movimento escolanovista, são eles: a Revolução Industrial (1760-

1840) e a Revolução Francesa (1789-1799).

Sendo literalmente a locomotiva da transformação social da vida europeia dos

séculos XVIII e XIX, a Revolução Industrial criou um novo sistema produtivo da economia

e do trabalho; reorganizou as sociedades, sendo formadas por um novo sujeito

socioeconômico, o operário, e por uma nova classe social, o proletariado; ressignificou os

valores das instituições, principalmente as familiares, escolares e religiosas e promoveu

seus próprios horrores, conforme lembrado por Cambi (1999, p. 370):

Entre a fábrica e a taberna, o operário é radicalmente deseducado,

desumanizado. Acontece também com a mulher-operária [...] As crianças

são também inseridas no sistema de fábrica, colocadas nas tecelagens ou

em outras fábricas para atender a determinadas fases da produção, ou nas

minas de carvão e de enxofre [...] são desnutridas, macilentas, raquíticas

[...] nascem, vivem e morrem na fábrica [...].

Este cenário se tornou profícuo para o surgimento de protestos contra a exploração

do ser humano, sobretudo da criança, do trabalho infantil. Intelectuais, religiosos,

filantropos e políticos perceberam, levantaram as vozes e influenciaram a emergência da

consciência social dos próprios operários em seus postos de trabalho. Assim, surgiram os

sindicatos e toda a sistematização de reivindicações que exigiram melhores condições de

vida para todos, inclusive escolas para as crianças.

Paralelamente, o movimento político e social da Revolução Francesa começou a

influenciar os pensamentos, com seus ideais civis e nacionalistas. “Esse processo

multiforme é também um processo educativo que se volta para/e que envolve indivíduos,

grupos e classes, que exalta a função dos intelectuais e os põe a serviço da política e da

opinião pública” (CAMBI, 1999, p. 372). A educação passou a receber o status de

69

investimento social voltado para o futuro, uma vez que, devido às novas tecnologias

inseridas nos postos de trabalho, surgiu a necessidade de instrução dos operários; eles

precisariam saber ler, escrever e contar. Consequentemente, ocorreu a ampliação da rede

escolar, tanto do nível de formação básica como superior.

Também foi dedicada atenção à formação dos professores nas escolas normais

[...] criaram-se os colégios reais, de orientação laica, os internatos para moças;

decretou-se a obrigatoriedade para a escola elementar; fundaram-se escolas

profissionais; fixaram-se programas uniformes. A experiência napoleônica

difundiu na Europa os princípios de instrução pública, obrigatória e gratuita,

realizando um sistema escolar orgânico e uniforme, caracterizado pelos

princípios de laicidade e de engajamento civil como inspiradores supremos de

toda a vida escolar (CAMBI, 1999, p. 369).

Para além, a força das transformações sociais e econômicas ocorridas na Europa deste

período fez com que os intelectuais, pensadores, políticos e educadores despertassem para a

importância política da educação, a fim de direcionar as sociedades. Observando de perto os

efeitos da Revolução Industrial, Marx foi um dos primeiros a perceber e escrever sobre a

importância da educação para a formação de profissionais técnicos. Para ele, o labor pago

combinado com formação politécnica e exercícios físicos, elevaria o proletariado para níveis

acima dos burgueses e aristocratas (WACHOWICZ, 1989).

Desta maneira, a educação e a pedagogia foram marcadas pelas ideologias,

sobretudo a marxista, e os espaços escolares passaram a ser lugares de discussões, busca

por reequilíbrio e unificação social, pois as organizações tradicionais e os processos

educativos já não atendiam o espírito social do final do século XIX. As escolas tradicionais,

pelos discursos dos ideais socialistas, deixariam de atender o interesse unilateral da classe

elitista para atender o interesse de todos os indivíduos que formam as sociedades. Embora

fosse defendida uma escola universal, conforme expôs Aranha (2006), o que predominou a

partir da segunda metade do século XX foi a escola tradicional, tecnicista e elitista.

Na locomotiva das transformações promovidas pelas revoluções contemporâneas

acima expostas, associada às ideias iluministas, que estavam impregnadas “pela crença na

capacidade e autonomia da razão para compreender o mundo, o que acelerou o processo de

secularização da consciência” (ARANHA, 2006, p. 115), e dos fatores destacados sobre a

progressiva preocupação com a educação na Europa, aponto ainda outros aspectos, tais

como: o pioneirismo da Universidade de Halle, na Alemanha, ao inserir a disciplina de

Pedagogia no seu currículo; as descobertas científicas nas áreas da Biologia, Antropologia,

Psicologia e das Ciências Humanas; e a oposição entre duas perspectivas filosóficas, o

70

positivismo de Auguste Comte (1798-1857) e o humanismo de Karl Marx e Friedrich Engels

(1820-1895), as quais definiriam as tendências das teorias pedagógicas.

Entre positivismo e socialismo, a ideologização da pedagogia torna-se

ainda mais forte e, sobretudo, mais explícita. No positivismo, [...] tende a

conformar o homem segundo necessidades e modelos expressamente

sociais, isto é, funcionais para a identidade/equilíbrio de uma determinada

sociedade. [...] O advento de uma sociedade positiva implica, como

central, o papel da educação, que socializa, conforma, integra e torna o

sujeito socialmente produtivo, enquanto regulado [...]: a participação e a

produtividade. No socialismo, [...] da sociedade liberada, caracterizada

pelo homem liberado, enquanto se realiza através do trabalho liberado e

reconstrói a própria convivência social da comunidade. [...] o socialismo

conjuga a pedagogia à ideologia da liberdade, mas entendendo-a como

liberação/ emancipação, como superação dos limites históricos da

formação humana e sua potencialização para todos numa sociedade sem

divisão de classes e sem trabalho alienado (CAMBI, 1999, p. 410-411).

Logo, nesse contexto de embates entre vertentes filosóficas, ideológicas e políticas em

torno da organização escolar e seus propósitos de formação do conjunto social, os estudos em

pedagogia se fortaleceram, seus métodos de ensino entraram nas pautas dos debates e se

tornaram objeto de estudos científicos e desenvolvimento de teorias.

4.1.2. Às teorias

A escola tradicional nasceu em um mundo ainda de certa forma estável, no

qual a educação se fazia com base em modelos ideais. Voltada ao passado,

essa escola tinha em vista transmitir a maior quantidade possível do

conhecimento acumulado, valorizando, portanto, um ensino

predominantemente intelectualista e livresco. À medida que a sociedade se

industrializava, tornando mais complexa a vida urbana, a educação exigia

reformas radicais que se expressaram em diversas teorias pedagógicas e

inúmeras experiências escolares efetivas (ARANHA, 2006, p. 223).

Não foi somente o conceito de tradicional que não coube mais à escola da era

contemporânea, o espírito da época4 era uma objeção, era crítico e influenciado pelas novas

ciências, por ideologias e por posições políticas antagônicas. A relação professor-aluno, os

conteúdos, os métodos, as avaliações e o caráter dogmático-paternalista das escolas

tradicionais eram expressões próprias do passado longínquo e, por isto, não deveriam mais

ser praticadas.

4Trata-se do conjunto do clima ou do pensamento político-filosófico, intelectual e cultural que influenciou

as ações sociais num certo período histórico. Também era conhecido por Espírito do tempo ou Zeitgeist,

termo alemão introduzido pelo filósofo Johann Gottfried Herder (1744-1803).

71

No século XIX, Herbart (1776-1841) erige as bases que dominou a

pedagogia científica, salientando, com base na psicologia cientificista da

época, o que designou como passos formais da aprendizagem dos quais

decorrem os passos formais do ensino: clareza (na exposição), associação

(dos conceitos novos com os anteriores), sistema e método. Esses passos

foram desdobrados por seus discípulos em: preparação (da aula e da classe:

motivação); apresentação, associação, sistematização e aplicação (dos

conhecimentos adquiridos). Essa didática herbartiana acentua a

importância do professor no processo de ensino, pondo no preparo da sua

aula, conforme os passos formais, a responsabilidade pelo sucesso do

ensino. Se em Rousseau ressalta-se o sujeito que aprende, em Herbart a

ênfase está no método (de ensinar), o que pode ser interpretado como uma

retomada do desejo de Comênio do método único (ANASTASIOU;

PIMENTA, 2014, p. 44).

Rousseau, no século XVIII, lançou as sementes, sendo o primeiro a entender que as

crianças não são miniaturas de adultos e propôs formas específicas para educá-las. Herbart, o

pedagogo alemão do século XIX, foi pioneiro em aplicar a psicologia experimental na

pedagogia. As circunstâncias político-sociais e o pensamento da época eram propícios, o que

levou ao rompimento do movimento educacional Escola Nova. Segundo Aranha (2006, p. 225),

esse movimento “surgiu no final do século XIX, justamente para propor novos caminhos para

a educação, em descompasso com o mundo no qual se inseria.

Nos Estados Unidos, o filósofo John Dewey, um dos maiores expoentes

escolanovista, escreveu importantes letras para o desenvolvimento do papel da didática no

início do século XX. Na sua ótica, a aprendizagem estava baseada na associação dos

conteúdos teóricos com as atividades práticas, no incentivo à curiosidade e resolução de

problemas, no estímulo ao exercício do pensamento através de dúvidas e nas descobertas,

observações e experimentações.

Dewey foi o maior pedagogo do século XX. O teórico mais orgânico de

um novo modelo de pedagogia, nutrido pelas diversas ciências da educação

[...] a pedagogia de Dewey caracteriza-se: 1. como inspirada no

pragmatismo e, portanto, num permanente contato entre o momento teórico

e o prático, de modo tal que o “fazer” do educando se torne o momento

central da aprendizagem; 2. como entrelaçada intimamente com as

pesquisas das ciências experimentais, às quais a educação deve recorrer

para definir corretamente seus próprios problemas, e em particular à

psicologia e à sociologia; 3. como empenhada em construir uma filosofia

da educação que assume um papel muito importante também no campo

social e político, enquanto a ela é delegado o desenvolvimento democrático

da sociedade e a formação de um cidadão dotado de uma mentalidade

moderna, científica e aberta à colaboração (CAMBI, 1999, p. 546 e 549,

grifos meus).

72

Valendo-me do destaque do texto acima, sublinho ainda três importantes aspectos

do movimento Escola Nova. O primeiro é que a relação ensino/aprendizagem recebeu um

novo entendimento, onde o professor se tornou um mediador entre o conteúdo e o

aprendente, alguém que desperta o sujeito para o conhecimento, para a atividade do

conhecer. O segundo é a valorização dos métodos que respeitam e estimulam o aprendizado

de cada fase de crescimento da criança. O último é a importância dada à atividade do

pensamento do estudante, dele ser colocado como agente ativo na aprendizagem, onde

precisa aprender a aprender e não mais memorizar, fixar ou reter os conteúdos. Destes

aspectos, observo que os teóricos perceberam que a “projeção de luz cognitiva” (LUCKESI,

2011) pelo pensamento do sujeito sobre o objeto do conhecimento é, de fato, o verdadeiro

processo de aquisição do conhecimento, de aprendizagem.

Uma das mais radicais críticas feitas à escola tradicional talvez esteja na

denúncia do seu caráter autoritário. A escola hierarquizada [...],

esclerosada em modelos, impregnada de dogmas e regras é identificada de

modo pejorativo a uma “escola-quartel”. A partir daí, muitos pedagogos

[...] voltaram-se menos para a questão dos métodos e processos de

ensinar, para enfatizar a recusa do exercício do poder: a educação

deve ser realizada em liberdade e para a liberdade. Nessa linha se

posicionam pedagogos das mais diversas tendências: muitos deles

influenciados pelas correntes da psicologia [...]. Mas, se entre as diversas

tendências antiautoritárias alguns pedagogos se restringem a uma visão

baseada na psicologia, outros dão destaque aos aspectos sociais e

políticos e estendem suas críticas também à sociedade a que pertencem,

havendo ainda quem concilie psicanálise e marxismo. Enquanto uns são

típicos representantes da pedagogia liberal, outros partem de

pressupostos socialistas e anarquistas e, mais que reformar a escola,

assumem a tarefa revolucionária da liberação dos indivíduos

(ARANHA, 2006, p. 241-242, grifos meus).

Grifei os trechos do texto acima para destacar os conceitos e objetivos que constituem

as tendências pedagógicas elaboradas na época. Antes de apresentá-las, dou a devida atenção

ao fato que são os valores políticos e filosóficos quem conduzem a Instituição Educação na e

para as sociedades sob o espírito de cada época. Portanto, a Instituição Educação é um

instrumento de pleno exercício da política sobre uma sociedade.

A educação é responsável pela direção da sociedade, na medida em que ela

é capaz de direcionar a sua vida social, salvando-a da situação em que se

encontra; um segundo grupo entende que a educação reproduz a sociedade

como ela está; há um terceiro grupo [...] de pedagogos e teóricos que

compreendem a educação como uma instância mediadora de uma forma de

entender e viver a sociedade. Para estes a educação nem salva nem

reproduz a sociedade, mas pode e deve servir de meio para a efetivação de

uma concepção de sociedade (LUCKESI, 2011, p. 51).

73

Libâneo (2011, p. 71) completa: “são três as tendências que interpretam o papel da

educação na sociedade: educação como redenção, educação como reprodução e educação

como transformação da sociedade”. Este fato reflete diretamente na escolha e forma dos

conteúdos apresentados para os aprendentes, na relação entre aluno e professor, nos

pressupostos de aprendizagem e nos métodos de ensino. Desta maneira, duas tendências

pedagógicas predominaram na elaboração e prática da educação nas e para as sociedades

do século XX: a liberal e a progressista, ambas de caráter político-filosófico.

Conforme as definições descritas por Libâneo (2011), sobre as tendências liberais,

farei uma breve explanação sobre cada uma das suas quatro vertentes: a tradicional, a

tecnicista, a renovada e a renovada não diretiva. Da mesma forma, apresentarei as vertentes

das três tendências progressistas: a libertadora, a libertária e a crítico-social dos conteúdos.

As sociedades sobre as quais se aplicam as pedagogias de tendências liberais são

aquelas cujos interesses individuais, propriedades e meios de produção privados são

asseguradas pelo sistema político estabelecido. Os seus objetivos de formação são:

[...] preparar indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo

com as aptidões individuais [...] aprender a se adaptar aos valores e às

normas vigentes na sociedade de classes [...] como desenvolvimento das

aptidões individuais [...] devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses

dos alunos e as exigências sociais [...] preparação de recursos humanos [...]

maximização da produção [...] (LIBÂNEO, 2011, p. 73-74).

Destas tendências, a pedagogia de método de ensino tradicional permanece como

grande protagonista nos espaços escolares até os dias de hoje. Com os mesmos métodos de

ensino e aprendizagem, mas com objetivos voltados a formação técnica específica, a pedagogia

tecnicista também é amplamente aplicada, especialmente nos ensinos de nível médio e superior.

Vale acrescentar que, tanto uma, como a outra, têm as mesmas concepções de ensino e

aprendizagem – o professor apresenta e o aluno decora o conteúdo.

Considero que a semelhança e identificação entre estas pedagogias as uniram numa

estrutura sólida, pois caminharam inseparáveis ao longo do século XIX, resistindo até a

ebulição e euforia das mais radicais pedagogias progressistas. Quando chegaram nos anos de

1960, se consolidaram nos espaços educacionais em uma espécie de compilação de suas

principais características, a qual denomino de tendência tradicional-tecnicista: tradicional pela

prática do método de ensino e tecnicista pelo objetivo de formação dos indivíduos.

À luz do pensamento positivista e instrumentalizada pelas pesquisas científicas

realizadas pelo psicólogo behaviorista Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), a pedagogia

tecnicista tem como objetivo modelar e disciplinar o comportamento do aluno para garantir

74

a objetividade da aprendizagem através da aplicação de uma tecnologia comportamental.

“À educação escolar compete organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e

conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na

máquina social global”, como explicou Libâneo (2011, p. 80). Portanto, o objetivo da

tendência tecnicista é formar sujeitos de perfis estabelecidos, formatados e competentes

para atender o sistema produtivo da economia. O método de ensino e aprendizado foi

pautado na sistematização das atividades, a fim de manter o controle das condições da sala

de aula e do comportamento dos alunos para garantir a transmissão e recepção dos

conteúdos, sistema este definido por tecnologia educacional:

O essencial da tecnologia educacional é a programação por passos

sequenciais empregada na instrução programada, nas técnicas de micro-

ensino, multimeios etc. O emprego da tecnologia instrucional na escola

pública aparece nas formas de: planejamento em moldes sistêmicos,

concepção de aprendizagem como mudança de comportamento,

operacionalização de objetivos e uso de procedimentos científicos

(LIBÂNEO, 2011, p. 81).

Embora esta breve descrição tenha semelhança com um projeto de programação de

robôs, trata-se da apresentação de uma tendência de ensino e aprendizagem de seres

humanos. Mesmo assim, a educação de tendência tecnicista foi efetivamente

institucionalizada oficialmente no Brasil por meio das Leis nº 5.540/68 e 5.692/71, em meio

a um regime de ditadura militar – foi uma imposição de reorganização curricular e

metodológica em todos os níveis escolares, desde o ensino de 1º grau até o superior.

Nos governos do longo período de ditadura militar, a educação e os outros

setores sociais foram considerados em termos de suas consequências

econômicas. O ápice da vigência do paradigma tecnicista e sua maior

expressão na área estão na Lei federal nº 5692/71, com suas características

de ensino profissionalizante e de ensino supletivo, destinados a servir de

válvulas de escape às aspirações da população jovem e adulta pela

ascensão social. A Lei pretendia conter as aspirações da população pelo

ensino superior, conferindo uma profissão de nível técnico ao final do

Ensino Médio. Antes disso, o Ensino Superior havia sofrido um violento

corte tecnicista, com a lei federal nº 5540/68, de caráter repressivo, que

fragmentou a vida das instituições de ensino superior no Brasil e cujas

características permanecem até os dias atuais. A ordem da reforma veio

do Acordo MEC/USAID (United States Agency for International

Development) e sua agência financiadora, o Banco Mundial. Criaram-se

dezenas, mais do que duas centenas de “habilitações profissionais” em

nível médio. As escolas públicas foram obrigadas a escolher entre as que

poderiam oferecer, não estando minimamente equipadas. Foi uma

violência que atingiu uma geração inteira e ainda permanecem suas

consequências (WACHOVICZ, 2008, p. 87).

75

No entanto, devido à natureza deste sistema de ensino, dos resultados buscados e a

oposição ideológica vigente no espírito da época, os professores em atividade não

permitiram formatar suas práticas em sala de aula para atender a tecnologia educacional

imposta. Muitos mantiveram seus ideais sobre a função da educação para a sociedade e

conduziram os seus trabalhos combinando as propostas escolanovistas, na medida do

possível, com as tradicionais – o que no fim, infelizmente, permaneceu apenas a compilação

tradicional-tecnicista.

Conforme apresentei anteriormente, paralelamente a concepção filosófica

positivista que inspirou a constituição da pedagogia de tendência tecnicista, emergiu em

oposição a corrente humanista sob a qual outras pedagogias5 foram elaboradas, dentre elas

a Nova Escola6, a mais conhecida representante do movimento da pedagogia do início do

século XX. Embora humanista, a pedagogia renovada não seguiu o pensamento socialista

e suas finalidades eram democráticas, pois tinha como pano de fundo uma política liberal,

com seus fundamentos teóricos ancorados no desenvolvimento da emancipação intelectual

dos indivíduos.

Seguindo o mesmo princípio de colocar o aluno como sujeito ativo no processo de

aprendizagem, surgiram as propostas pedagógicas de tendência liberal renovada não

diretivas. A denominação é não diretiva porque, de acordo com esta pedagogia, o foco do

processo educativo está no aluno, cabendo ao professor não mais o papel de apresentar os

conteúdos e conduzir os aprendentes, ele deve agir como um facilitador de aprendizagem,

criando condições para os alunos atuarem sobre os conteúdos – uma clara reação crítica aos

métodos tecnicistas e tradicionais, bem como a hierarquização dos espaços escolares.

Ancoradas na psicologia experimental, estas teorias tomaram como objetivo principal a

solução dos problemas psicológicos, o desenvolvimento intelectual e emocional dos

estudantes. Os procedimentos didáticos, a exemplo dos conteúdos, aulas e livros, ficaram

para segundo plano, explica Libâneo (2011). Dentre os estudiosos e pesquisadores da época,

destaco os cognitivistas Jean Piaget (1896-1980) e David Ausubel (1918-2008), o psicólogo

Carl Rogers (1902-1987) e o educador Alexander Sutherland Neill (1883-1973).

Ao se referir às teorias pedagógicas de tendência progressista, Aranha (2006) as

descreveu por movimento anarquista ou libertário, pois “o seu princípio fundamental, elege

5No decorrer do texto, o termo pedagogias se refere ao conjunto de concepções teóricas e métodos de

ensino e aprendizagem de alguma vertente da Teoria da Aprendizagem.

6Libâneo (2011) definiu a Escola Nova comopedagogia de tendência liberal renovada.

76

modos alternativos de organização voluntária, cooperativa e participativa em oposição ao

Estado, considerado nocivo e desnecessário” (p. 247). Libâneo (2011) acrescentou que esta

tendência pedagógica “não tem como institucionalizar-se em uma sociedade capitalista; daí

ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais” (p. 84).

Um dos motivos que leva os autores a estas afirmações é que a pedagogia

progressista emergiu da ebulição político-social dos movimentos socialistas iniciados no

final do século XIX e, embora tenha se desmembrado em diferentes vertentes, a sua

principal matriz filosófica é a marxista. Dado isto e no sentido de melhor entendimento,

antes de apresentar os seus modelos pedagógicos, dou destaque a dois estudiosos que

influenciaram de forma determinante no desenvolvimento destas teorias, bem como ainda

ressoam nas concepções pedagógicas e didáticas dos nossos dias: o italiano Antonio

Gramsci (1891-1937) e o russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934).

Embora contemporâneos, Gramsci e Vygotsky usaram diferentes lentes para se

apropriarem do marxismo e desenvolverem suas teorias. Gramsci contribuiu com a

importância política da educação de objetivos intelectuais e técnicos para o direcionamento

dos corpos sociais, enquanto Vygotsky colaborou com o entendimento sobre a relação direta

entre a aprendizagem a interação social, ressaltando a relevância do papel do professor

enquanto intermediário entre o aluno e o conhecimento. Juntos, eles formaram o lastro

teórico de boa parte das pedagogias de tendência progressista. Gramsci foi o principal

teórico para grandes pedagogos do século XX, dentre eles, Paulo Freire (1921-1997), que

foi o mentor da tendência pedagógica progressista libertária; Demerval Saviani (1944-) e

José Carlos Libâneo (1945-), que foram fomentadores da tendência progressista crítico-

social dos conteúdos, pedagogia dialética ou histórico-crítica. À luz da teoria vygotskyana,

temos obras de autores de destaque no Brasil, tais como os professores Celso Vasconcellos

(1956-) e Antônio Luiz Gasparin (1966-).

Destaco ainda que estes autores não fazem parte, diretamente, da bibliografia sobre

a qual me debrucei para desenvolver este trabalho. No entanto, considero importante

destacar suas contribuições, pois entendo que, ao escrever as minhas ideias de aplicação

didática das tendências progressistas, devo apresentar a árvore genealógica teórica de

desenvolvimento da minha tese, tanto como uma ação que atende, quanto uma justificativa

de cunho didático, objetivando a compreensão do conjunto desta obra.

Quanto às vertentes da pedagogia progressista, o cerne dos seus objetivos é a

transformação do corpo social como um todo e não somente do indivíduo, defendido pela

tendência liberal. O processo educacional dos progressistas está baseado “em uma

77

concepção de ser humano que não é a do indivíduo solitário, mas daquele que só se

reconhece no seu vínculo com a cultura e a história de sua sociedade, bem como na

interrelação com os outros”, explica Aranha (2006, p. 263). Portanto, não coube nesta

concepção a formação de um sujeito conformado, disciplinado, apenas técnico e competente

– objetivo da tendência liberal tecnicista.

Observo que as tendências pedagógicas progressistas são respostas a formatação e

redução do indivíduo social que ocorreu em função da consolidação do pensamento

positivista da pedagogia tecnicista até os nossos dias. O fato de a educação brasileira

cultivar, há décadas, essencialmente, a formação tecnológica de recursos humanos, com

pouca ou nenhuma preocupação com a construção da visão histórico-cultural-crítica do

indivíduo e do estímulo ao pensamento analítico e criativo, estamos colhendo, hoje, alguns

frutos que não contribuem de fato para a esfera social e política. Um exemplo são os

profissionais super especializados que não conseguem “enxergar além da própria caixinha”

ao criar e implementar uma tecnologia capaz de impactar negativamente o meio ambiente a

qual foi inserida. Outro ponto a se comentar é que, num momento como este em que estamos

vivendo a pandemia pelo Corona vírus, sujeitos esclarecidos acerca do bem comum e de

pensamento crítico social, seriam importantes para auxiliar e orientar a parte da população

menos favorecida. Pois existem de fato pessoas que não conseguem discernir as

informações, diferenciar o certo do errado e não entendem a essência do significado de uma

ação individual pela coletividade.

Uma das principais contribuições das tendências progressistas para a pedagogia

foram os métodos não formais criados pela teoria libertadora. Influenciada diretamente por

Gramsci, sendo de caráter necessariamente político, este modelo não se compara com

nenhuma das outras tendências: primeiro porque seu público alvo são jovens e adultos;

segundo porque não trabalha exclusivamente com temas sistematizados pela ciência; e por

último, por ser uma educação de nível extraescolar.

[...] ela é uma atividade na qual professores e alunos, mediatizados pela

realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem,

atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela

atuarem, num sentido de transformação social. Tanto a educação

tradicional denominada “bancária” – que visa apenas depositar

informações sobre o aluno –, quanto a educação renovada – que pretendia

uma libertação psicológica individual – são domesticadoras, pois em nada

contribuem para desvelar a realidade social de opressão. A educação

libertadora, ao contrário, questiona concretamente a realidade das relações

do homem com a natureza e com os outros homens, visando uma

transformação – daí ser uma educação crítica (LIBÂNEO, 2011, p. 85)

78

Os métodos de ensino da tendência libertadora ocorrem a partir da concepção da

educação problematizadora, a qual representa o princípio de motivação da aprendizagem pelo

estudante. “A motivação se dá a partir da codificação de uma situação-problema, da qual se

toma distância para analisá-la criticamente” (LIBÂNEO, 2011, p. 85). Então, através dos temas

geradores, isto é, das situações-problema ou de assuntos extraídos do cotidiano dos alunos,

formam-se grupos de discussão, onde o professor cumpre o papel de mediador, auxiliando com

os esclarecimentos necessários. O pai desta teoria pedagógica foi o brasileiro Paulo Freire,

reconhecido e respeitado mundialmente pelas suas ideais e genialidade.

A tendência pedagógica progressista libertária nasceu sob o princípio do

antiautoritarismo, onde o espaço escolar é a base construtora da transformação da sociedade.

Definida por Aranha (2006) como pedagogia anarquista ou institucional, trata-se de uma

pedagogia de objetivos estritamente políticos, contrária ao Estado, à Igreja ou a qualquer outra

instituição que gere hierarquia e dominação. Suas características pedagógicas são bem

específicas: a primeira é que os conteúdos curriculares não devem apresentar teor dogmático e

de verdades externas; a segunda é que os temas propostos devem ter ressonância com os

interesses dos aprendentes, sobre aquilo que eles pretendem discutir; e a terceira característica

é o fator de autogestão de aprendizagem, isto é, a valorização de “uma aprendizagem

autoiniciada e autoconsumada, bem como as comunidades de aprendizagem, cuja direção é

dada pelo próprio grupo em discussões” (ARANHA, 2006, p. 246, grifos da autora).

A partir destas proposições, a pedagogia libertária espera “que a escola exerça uma

transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário”

(LIBÂNEO, 2011, p. 87) e que, fora das salas de aulas, estes difundam seus ideais políticos

por toda a comunidade – transformando-a. Dos principais estudiosos desta linha

pedagógica, destaco: o espanhol Francisco Ferrer Guardia (1859-1909); os franceses

Célestin Freinet (1896-1966), Fernand Oury (1920-1997) e Michel Lobrot (1924-); a

venezuelana, psicóloga e psiquiatra, Aïda Vásquez (1937-2015); e o brasileiro Maurício

Tragtenberg (1929-1998).

4.1.3. No Brasil

Ao avaliar os resultados das propostas pedagógicas que movimentaram os sistemas

educacionais em todo o mundo na primeira metade do século XX, sobretudo o

escolanovista, Anastasiou e Pimenta (2014) concluíram que as experiências realizadas

forneceram relevantes dados científicos para a explicação do fracasso escolar, bem como

79

fundamentos e instrumentos para a sua superação. A psicologia experimental e suas

descobertas sobre as diferenças individuais e o desenvolvimento cognitivo das crianças, as

técnicas didáticas, a criação dos grupos de discussão da pedagogia libertadora, a ideia de

autogestão de aprendizagem pelos alunos da libertária e a importância política dada a

educação para o direcionamento das sociedades – se considerados, combinados e

implementados – levariam à democratização do acesso ao conhecimento por todos os

indivíduos de um corpo social. No entanto, contraditoriamente, estas propostas

significariam uma mudança nas organizações e estruturas já implantadas e, por conta disto,

não foram amplamente disseminadas.

Isto porque, além de outras razões, implicava em custos bem mais elevados

do que aqueles da escola tradicional. Com isto, a "Escola Nova" organizou-

se basicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros,

muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No

entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido,

penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar

consequências também nas amplas redes escolares oficiais organizadas

na forma tradicional. Cumpre assinalar que tais consequências foram

mais negativas que positivas uma vez que, provocando o afrouxamento

da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos,

acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares

as quais muito frequentemente têm na escola o único meio de acesso ao

conhecimento elaborado. Em contrapartida, a "Escola Nova" aprimorou a

qualidade do ensino destinado às elites. Vê-se, pois, que paradoxalmente,

em lugar de resolver o problema da marginalidade, a "Escola Nova" o

agravou (SAVIANI, 1999, p. 21-22, grifos meus).

Conforme esta citação e de acordo com o explicado anteriormente, mesmo com a

imposição da implantação da pedagogia tecnicista no sistema educacional brasileiro, os

educadores da época permaneceram em suas práticas escolanovistas. Esta forma de atuação

dos professores gerou resultados negativos no desempenho e aproveitamento dos conteúdos

pelos estudantes da rede pública, como explica Saviani (1999). Ao observar estes fatores,

percebo que a crise instalada na pedagogia da época foi causada, entre outros fatores, pela

dissonância entre o sistema educacional implantado e o ideário dos educadores, pois, mesmo

que a proposta do professor em sala de aula seja nobre, não há como realizar um ensino de

resultados positivos em relação à aprendizagem pelos alunos quando as condições de trabalho

não ajudam: a carga horária curricular é mínima, os conteúdos são rasos e comprimidos em

módulos, a infraestrutura do espaço escolar é inadequada; sem esquecer do número de alunos

em sala de aula, jornada de trabalho dos professores, baixos salários etc.

80

O embate entre a expectativa e a realidade causou, no fim, um sentimento de

desilusão nos educadores. Mesmo com a resistência dos escolanovistas e de alguns

professores progressistas, a pedagogia e a didática, exercidas efetivamente nas últimas cinco

décadas no Brasil, estacionaram na combinação das tendências tradicional e tecnicista. A

palavra de ordem na época de sua implantação era “eficiência e competência” na formação

de recursos humanos.

Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização

racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr

em risco sua eficiência. Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos

e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. Dar a

proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico, o

microensino, o teleensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar

etc. Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a

especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino

de técnicos dos mais diferentes matizes. Daí, enfim, a padronização do

sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente

formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de

disciplinas (SAVIANI, 1999, p. 24).

A principal preocupação da tendência tecnicista é ensinar a fazer – fazer no sentido

fabril, de fabricar – seguindo uma ordem previamente sistematizada. Este ensinar a fazer

não está fundado no fazer porquê e sim, no simplesmente fazer com habilidade e

competência. A essência do fundamento tecnicista é produtividade. Portanto, o aprender

na perspectiva tecnicista está relacionado ao fazer mecânico e não ao pensar – imaginar –

para fazer.

Enquanto muitos países, a partir do século XIX, conseguiram implantar

sistemas nacionais de educação e outros o fizeram recentemente como o

Japão e a Coreia, no Brasil a educação permanece desorganizada e com

altas taxas de analfabetismo. As reformas educacionais constantes

fragmentaram e deformaram ainda mais nossas precárias leis, nas quais

também não existe articulação entre graus e cursos. Uma danosa

descontinuidade de programas prejudica o trabalho educativo, que exige

tempo para que as habilidades e os conceitos sejam assimilados pelos

alunos (ARANHA, 2006, p. 275).

Somados a estes problemas, conforme o exposto até aqui, sabemos que as

pedagogias estabelecidas no Brasil tiveram como principal fundamentação a Psicologia e

esta foi a base de formação dos professores por décadas. Em consequência disto, percebeu-

se uma infantilização apresentada pelos aprendentes, ou seja, uma dependência intelectual

do aluno durante o processo de aprendizagem, seja do professor, seja de artifícios, a

exemplo da memória, decorebas, macetes e truques de associação. Segundo Wachowicz

81

(1998, p. 15), isso ocorreu em função da “prática pedagógica elaborada a partir de

concepções teóricas abstratas e não contextualizadas”.

A partir de 1980, surgiram críticas sobre a infantilização, bem como a mecanização

tecnicista dos processos educativos. Enquanto isso, o avanço das tecnologias de

comunicação, das ciências cognitivas e as investigações epistemológicas colocaram de volta

à tela a discussão sobre as formas de aquisição do conhecimento, sob as novas condições

ofertadas pelo século XX. Estes fatores retomaram as discussões sobre o ensino e

aprendizagem, dentre eles, a concepção da importância da ação do aluno durante o próprio

entendimento e aprendizagem, a relação professor x conhecimento x aluno, os métodos de

ensino aplicados e a importância dada ao ser social nos processos educativos. Este último

aspecto teve influência direta da recém chegada concepção vygotskyana entre os estudos

pedagógicos brasileiros.

“Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é

preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social”

(LIBÂNEO, 2011, p. 91). Assim, nasceram as chamadas pedagogias de tendência crítico-

social dos conteúdos ou histórico-crítica ou, ainda, a pedagogia dialética.

O pioneiro desta concepção no país foi o professor Demerval Saviani, que se

apropriou e ressignificou o materialismo histórico de Marx e de Gramsci, além das ideias

de Mario Alighiero Manacorda (1914-2013), Georges Snyders (1917-2011), dentre outros.

A tarefa da pedagogia histórico-crítica consiste na [...] compreensão de

nossa realidade histórico-social, a fim de tornar possível o papel mediador

da educação no processo de transformação social. Não que a educação possa

por si só produzir a democratização da sociedade, mas a mudança se faz

mediatizada, ou seja, por meio das transformações das consciências. [...]

Como mediadora entre o aluno e a realidade, a escola se ocupa com a

aquisição de conteúdos, a formação de habilidades, hábitos e convicções, o

que significa identificação com os métodos tradicionais, porque o caráter

histórico-social da pedagogia progressista exige a constante vinculação entre

educação e sociedade, entre educação e transformação da sociedade, ou seja,

o ponto de partida e o de chegada do processo educativo é sempre a prática

social (ARANHA, 2006, p. 276).

Dadas estas ideias, num movimento que começou na França, Saviani as adaptou à

realidade brasileira da época e lançou novas sementes teóricas nos espaços educacionais,

sobretudo nos cursos de pedagogia, onde muitos frutos emergiram na esperança de

contribuir para, quiçá, construir uma educação de qualidade e de viés transformador em

nossa sociedade. Dentre estes frutos, destaco a Ensinagem elaborada pela professora Léa

Anastasiou, em um trabalho teórico e prático o qual respondeu as minhas inquietações sobre

82

a organização, os procedimentos e as estratégias aplicados no ensino superior, inspirando o

desenvolvimento deste trabalho.

A partir da década de 1980, encontramos em Saviani uma crítica ao modelo

de ensino por passos, com uma reorientação por momentos. O autor nos

sugere cinco momentos a serem considerados no trabalho de construção

dos conhecimentos com os alunos. Pontuamos que os momentos são

destacados para que, didaticamente, possamos refletir sobre eles, mas que

não ocorrem de modo estanque. Destacando-os, teremos os que se seguem:

é fundamental considerar-se a prática social do aluno, partindo da

percepção que o aluno traz do objeto de estudo [...] será problematizada,

ou seja, será submetida a um pensamento crítico [...]. Para a resposta a

esses questionamentos, a instrumentalização [...]. Nele, as sínteses já

existentes na ciência dão suporte para as buscas realizadas. Outro momento

refere-se à interiorização dos novos elementos ou conteúdos pela cartase,

para finalmente se chegar à prática social reelaborada (ANASTASIOU,

2009, p. 36, grifos da autora).

O princípio da pedagogia fundada por Saviani está na relação entre o estudante e o

conhecimento mediado pela análise, onde a prática social é o ponto de partida e chegada

dos momentos percorridos durante a aquisição do conhecimento, uma ressignificação da

metodologia dialética e do movimento espiral do conhecimento. Portanto, recapitulando a

comparação entre as propostas de Saviani e Kosik (1966): quando o brasileiro se referiu a

percepção do aluno sobre o objeto do conhecimento em sua prática social , ou síncrese,

remeto à visão caótica da realidade por Kosik; os momentos problematização,

instrumentalização e cartase, ou seja, a análise defendida por Saviani, tratam-se do que

Kosik denominou por movimento de ascensão do abstrato ao concreto – o movimento no

pensamento e do pensamento. Por fim, a prática social reelaborada e definida pelo

brasileiro é, por analogia, o concreto pensado da realidade explicada por Kosik.

São dois os aspectos das pedagogias progressistas a se destacar. O primeiro é o

papel do professor durante os momentos para o conhecimento, onde o seu trabalho é expor

o conteúdo ao aluno e mediar a relação entre eles. Neste caso, ele cria instrumentos para

estimular e auxiliar nas discussões, com o intuito de fazer com que o aluno reelabore o

objeto exposto, isto é, o professor media a análise do objeto pelo aluno. O segundo fator é

que a metodologia de ensino aplicada está diretamente relacionada com o conteúdo,

associado a realidade histórico-social do espaço escolar e dos aprendentes. Com isto, não

há um método único e pré-estabelecido para todas as componentes curriculares. Os métodos

aplicados devem se adaptar aos conteúdos sistematizados, os quais se adaptam às realidades

sociais dos estudantes. Portanto, após apropriar-se da síntese do conteúdo fornecida pela

83

ciência, o professor a adapta à realidade do aluno, para que este possa elaborar o objeto pelo

próprio pensamento.

Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição

entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de

continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata

e desorganizada ao conhecimento sistematizado. Não que a primeira

apreensão da realidade seja errada, mas é necessária a ascensão a uma

forma de elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com

intervenção do professor. [...] Em outras palavras, uma aula começa pela

constatação da prática real, havendo em seguida, a consciência dessa

prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma

de um confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale

dizer: vai-se da ação à compreensão e da compreensão à ação, até a síntese,

o que não é outra coisa senão a unidade entre a teoria e a prática

(LIBÂNEO, 2011, p. 91-93).

Ressalto que a vantagem das pedagogias de tendência progressistas crítico-social

dos conteúdos (ou histórico-crítica ou pedagogia dialética), diante de outras pedagogias,

liberais ou progressistas, é que a importância sobre o entendimento de como se aprende vem

antes do aluno, do professor, do conteúdo e do método. Os educadores, que perceberam o

quanto elementar é a compreensão sobre as formas de conhecimento nos processos de

ensino e aprendizagem, se basearam no método que Marx usou para investigar a economia

e as sociedades, dando um passo à frente na busca pela solução da crise causada pela

imposição das pedagogias tradicionais-tecnicistas no sistema de ensino da nossa sociedade.

4.2. COMO SE ENSINA, COMO SE APRENDE E A IMAGINAÇÃO

4.2.1. Como se ensina

No início da elaboração do projeto desta tese, criei algumas suposições em busca

de respostas para compreender a dificuldade dos alunos em imaginar, em visualizar

mentalmente, e entender os novos conteúdos apresentados em sala de aula. Dentre elas, uma

das hipóteses foi o uso da sobreposição das linguagens (escrita, visual e sonora) na

construção das informações da atualidade. A outra hipótese foi o excessivo acesso às

tecnologias digitais de informações. Porém, sendo mais realista, o professor Leon Roberto

Ponczek, meu orientador, deu um alerta: “não há como mensurar a imaginação!” E

prosseguiu: “para validar estas hipóteses, você terá que recorrer à empiria e, devido a

84

subjetividade do objeto, não temos hoje instrumentos seguros e de credibilidade científi ca

para verificar estas suposições.”

Após este choque de realidade epistemológica, a busca das causas sobre a dificuldade

imaginativa dos aprendentes foi posta para um futuro exequível e comecei a trilhar caminhos

em busca das soluções. Voltei à minha origem acadêmica, ao desenho, e resolvi encarar o

desafio de implementar e verificar a técnica de estudos grafismo enquanto uma estratégia de

ensinagem, com o objetivo de estimular o exercício da imaginação dos alunos.

Como o lócus da minha pesquisa está no nível superior de ensino, ancorei minhas

investigações nos trabalhos teóricos e práticos da professora Léa Anastasiou, uma autora

seminal sobre o tema. Foi investigando as teorias de base utilizadas por ela para desenvolver

a Ensinagem que compreendi a existência das relações estabelecidas entre as ações dos

alunos e dos professores. Tais ações se determinam mutuamente e ocorrem de forma

infinita: como se pensa e como se aprende, para os alunos; e como se ensina, por parte dos

professores. Este entendimento permite resumir que como se pensa e como se aprende

determinam o como se ensina; como se ensina e como se pensa determinam o como se

aprende; e como se ensina e como se aprende determinam o como se pensa – lembrando

que pensar é imaginar e conhecer é imaginar o objeto do conhecimento.

Vistas estas relações de determinações mútuas, fiz a seguinte analogia e

representação: os elementos pensar, aprender e ensinar giram sobre as linhas que formam

o símbolo do infinito (∞), cada um no seu tempo, cada um no seu momento. Em algum

instante dois destes elementos se encontram no ponto de interseção do ciclo infinito. Estes

dois elementos que se encontram se modificam mutuamente, determinando a modificação

do próximo encontro no movimento cíclico. Esta analogia me levou ao entendimento de que

uma ação isolada em sala de aula sempre terá algum resultado positivo, especialmente no

ensino superior. Devemos colocar todos os elementos que constituem o conjunto do espaço

universitário sobre o que denomino por ciclo de relações mútuas e infinitas entre ensino e

aprendizagem. Somente desta maneira poderemos compreender a complexidade do ensinar

e do aprender nas universidades.

Embora a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 19967

tenha tentado promover profundas mudanças no sistema de ensino brasileiro, o que temos na

prática é a predominância dos métodos disciplinares das pedagogias tradicionais-tecnicistas nos

espaços escolares até os nossos dias. Anastasiou (1998) explica que este fator se deve às raízes

7 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

85

históricas da universidade brasileira, da visão teórica dos modelos tradicionais de ensinar-

aprender, sobretudo a jesuítica, conservada e fixada nas ações docentes, “gerando um conjunto

de representações que se constroem e se fixam muito mais pelo que se viveu academicamente

– enquanto aluno – do que pelo que foi aprendido” (p. 22).

Além disso, existem outros fatores que contribuem para a manutenção deste

modelo de ação docente no nível superior. Anastasiou e Pimenta (2014) apontaram os mais

determinantes:

a. A não exigência da formação mínima pedagógica e didática para ingressar na

função do cargo de docente da rede de ensino;

b. Em consequência do anterior, o desconhecimento de fundamentos teóricos

(Filosofia e Epistemologia da Educação) e práticos (Didática) necessários para

a execução do ensino visando a aprendizagem;

c. Realização de trabalho docente não como atividade principal, quer seja para

complementar o orçamento familiar, quer seja por uma questão meramente

de status;

d. Professores do nível superior que não se identificam com a profissão de

professor/ docente, mas, sim, com a sua titularidade da graduação, por exemplo:

médico, engenheiro e advogado;

e. Precárias condições de trabalho, com carga horária elevada, grande número

de alunos nas salas de aulas, realização de funções administrativas e salários

incompatíveis;

f. Desconhecimento sobre Plano de Desenvolvimento Institucional e Projeto Político

Pedagógico dos cursos onde ensina as componentes de sua especialidade;

g. Descontinuidade ou falta de conexão entre o Plano de Desenvolvimento

Institucional, o Projeto Político Pedagógico do curso e planos de ensino e

aprendizagem;

h. Projeto Político Pedagógico dos cursos (PPC) constituídos por componentes

básicas e específicas em grade sequencial, de forma fragmentada, com

sequências dependentes ou não;

i. Componentes curriculares ligadas às demais pela estrutura legal do PPC, porém

planejada de forma independente, tendo a ementa como referência única e

isolada, inclusive do colegiado, construída pelo docente que nela atua;

86

j. Desconexão entre grupos colegiados, como consequência do Acordo

MEC/USAID8 implementado no Brasil por meio da lei 5.540/68;

k. Processo de trabalho individualizado, com “questões de sala de aula, de

aprendizagem e de ensino, de metodologia e de avaliação” (p. 143) organizadas

de acordo com as concepções pessoais e isoladas do Projeto Político Pedagógico

do curso a que se refere;

l. Ausência de setores de acompanhamento e apoio pedagógico ao docente,

especialmente na rede pública de ensino.

Portanto, existe uma lacuna entre o ensino superior ideal-necessário e o real-existente.

Em um modelo de universidade que foi instituído desde 1968, por via do “Acordo MEC/

USAID”, conforme disse Bombarda (2019), o cerne das orientações da “agência americana de

ajuda e cooperação internacional” estava em organizar uma educação de tendência tecnicista

com o objetivo de formar um capital humano para atender e acompanhar as demandas do

mercado, ou seja, formar recursos humanos. Logo, reformaram e adequaram o sistema de

ensino brasileiro, em todos os níveis de escolaridade, em função da economia internacional, em

particular, das corporações estadunidenses.

Porém, no período de ditadura militar, sabendo que a universidade é o lugar de

fomento às ideologias e um ambiente propício para a formação de líderes e organização de

grupos políticos, diversas foram as iniciativas para sufocar qualquer possibilidade de

mobilização social. Essas iniciativas causaram uma fratura irreparável na organização

estrutural da universidade brasileira, tais como: proibição do professor citar ou estimular

assuntos políticos em salas de aula dentro do território nacional; a extinção de faculdades

(por exemplo direito, medicina, arquitetura etc.); a criação dos colegiados de cursos e

departamentos por área de conhecimento; a eliminação das séries para a criação dos

créditos, entre outros. Quer dizer, eliminando as faculdades e as séries, eliminam-se também

as turmas, e criando colegiados e departamentos, eliminam as reuniões de pares por

interesses comuns, impedindo a reunião de grupos, de espírito de corpo social e de

identidade política.

8 Sobre o assunto, consultar: BOMBARDA, Alex Ricardo. A influência das Agências Internacionais no

Brasil: os acordos MEC/ USAID no contexto da ditadura militar de 1964.Revista Educação e

Emancipação, v. 12 (3): set. 2019, pp. 246-268. Disponível em:

<https://doaj.org/article/c17d634ecbc7478fa072832a143c454e>.

87

Afora a repressão política instalada, estas iniciativas deixaram os cursos de

graduação órfãos, ou seja, passou a não existir uma responsabilização específica pela

organização, desenvolvimento e manutenção destes projetos formativos. Na Universidade

Federal do Recôncavo da Bahia (lócus deste estudo), temos, entre vários exemplos de

docentes, casos como o de um professor especialista em Ciências dos Materiais, vinculado

a uma área de conhecimento das Engenharias, membro de um colegiado de curso das

Ciências Exatas e docente da componente curricular de Desenho Técnico para um curso das

Ciências Agrárias. Esse professor não se reconhece com o Projeto Político Pedagógico de

qualquer dos cursos por onde ele circula. Além disso, mesmo que a sua intenção seja a de

se envolver e se articular de maneira a contribuir da melhor forma possível, a própria

estrutura organizacional da universidade o impede, levando-o a reduzir o interesse e o

compromisso com o processo formativo dos egressos. A não setorização dos professores

por cursos é a principal causa dos itens f a l apontados acima, além de ressoar no

planejamento de ensino, nos métodos aplicados em sala de aula e na qualidade de

aprendizagem dos alunos.

Da mesma forma que as universidades tiveram suas estruturas organizacionais

fragmentadas, o sistema de ensino fundamental e médio também passou por seu processo

de precarização. Foram longas seis décadas entre os discursos políticos sobre um ensino

ideal-necessário, onde o real-existente, de fato, estacionou e até regrediu. Se fosse levantar

todas as causas e consequências dos problemas do nosso sistema de ensino nacional,

desviaria dos meus objetivos. Por causa disso, o que se presencia na universidade são

situações das mais diversas naturezas, tais como estudantes analfabetos funcionais que

chegam no nível superior carregando projetos de vidas e professores frustrados por não

encontrar formas de levar estes alunos a superarem os obstáculos e realizarem seus sonhos.

Portanto, é importante ressaltar que nesse sistema não há como se apontar culpados: todos,

alunos e professores, são vítimas.

A desarticulação entre professor, projeto político pedagógico, planos de ensino-

aprendizagem, perfil do egresso e do estudante são fatores que corroboram para a limitação das

ações praticadas em sala de aula de um modelo de ensino vigente – o tradicional-tecnicista –

que tem em sua essência o ensinar a fazer com competência, sem a preocupação da

compreensão do porquê fazer pelo aluno. Considerando que estas pedagogias são aplicadas

desde o ensino fundamental, digo, portanto, que estes são mais alguns dos fatores que

influenciam diretamente no estímulo e desenvolvimento do exercício da imaginação dos

aprendentes e, consequentemente, nos seus processos de aprendizagem dos novos conteúdos.

88

Para ilustrar, trago dois exemplos da UFRB. Numa turma de Física I, o professor

ministrante é Bacharel em Física e está vinculado temporariamente ao colegiado da

Engenharia Sanitária e Ambiental. Os discentes matriculados são do curso de Ciências Exatas

no primeiro ciclo, mas na terminalidade de formação podem optar por quaisquer das

engenharias do segundo ciclo: (1) Civil; (2) Computação; (3) Elétrica; (4) Mecânica ou (5)

Sanitária Ambiental. Em um modelo de ensino ideal-necessário, ao apresentar temas como

Cinemática e Dinâmica, além da teoria, como uma estratégia de ensino-aprendizagem, o

professor deveria levar aos alunos a aplicação prática dos fenômenos físicos e, neste caso,

através de diferentes modelos que representem cada uma das especialidades pretendidas pelos

estudantes. Porém, isto não acontece, pois o professor – que é especialista em área afim –

relata dificuldades por não conhecer as práticas das diferentes engenharias. Sendo assim,

limita-se aos exemplos trazidos pelos livros de Física.

O outro exemplo é o de um professor graduado em Engenharia Mecânica,

especialista em Dinâmica dos Sólidos e vinculado ao Colegiado de Ciências Exatas. A

componente é Vibrações Mecânicas, uma optativa ofertada no segundo ciclo de formação,

apenas para os discentes de engenharia civil e mecânica. Com discentes de diferentes

engenharias nas aulas, ao fazer a relação entre teoria e prática para os futuros engenheiros

mecânicos, ele apresenta as consequências da ação do fenômeno oscilatório na resistência

e funcionamento dos motores; para os futuros engenheiros civis, o docente trata de como

os terremotos agem nas estruturas dos prédios.

Comparando os dois casos, questiono: em qual destas componentes o discente é

estimulado a imaginar situações de relação de causa e efeito? Daquela onde os exemplos

são extraídos de situações hipotéticas representadas por vetores? Ou da outra, em que as

situações citadas pelo professor fazem parte do seu repertório cotidiano da formação

profissional, os quais ocorrem em sua realidade social?

No primeiro caso, embora o professor seja especialista na componente que ministra,

não tem formação pedagógica mínima, não tem acompanhamento dos colegiados para auxiliá-

lo na elaboração do seu planejamento de ensino-aprendizagem e tão pouco conhece os projetos

pedagógicos dos cursos de segundo ciclo para os quais ministra suas aulas, a fim de poder

apontar aplicação para o que ensina. No segundo exemplo, o professor também não tem

formação pedagógica, mas é especialista no que ensina. Apenas com este fator ao seu favor, ele

se coloca em um passo à frente na efetivação da aprendizagem dos seus alunos. Caso o professor

de Física tivesse apoio pedagógico ou dos colegiados, talvez ele pudesse levar os seus alunos

ao melhor aproveitamento e aprendizagem daquilo que ele ensina.

89

Assim como os exemplos da UFRB, exceto em algumas poucas instituições, tenho

notícias que estas ocorrências são comuns – a raiz do problema está na estrutura organizacional

das instituições de ensino superior do nosso país – e, repetindo, não existem culpados, visto que

todos são vítimas de um sistema educacional em falência. Para além, através de exemplos como

estes é que observo o quão claro é o ciclo de relações mútuas e infinitas entre professores,

alunos e instituições de ensino – são partes de um mesmo processo.

4.2.2. Como se aprende

No ciclo das relações mútuas e infinitas entre o ensino e a aprendizagem, a

consciência sobre como se aprende, dentre os fatores que determinam as ações docentes, é

o mais importante, pois reflete diretamente e determina a forma como o professor vai expor

os conteúdos e intermediar a relação entre o aprendente e o objeto do conhecimento.

Dominar o conteúdo que ensina e utilizar uma diversidade de meios e tecnologias avançadas

para a exposição, não basta quando não se sabe como este conteúdo vai chegar até o aluno,

como ele irá reagir ao novo e como irá se apropriar deste objeto.

Na prática docente, [...], muitas vezes se exercita o ensino sem se perguntar o

que é conhecimento, seu sentido e significado. Para um exercício satisfatório

do ensino, entre outros elementos fundamentais [...], é importante, também,

possuir uma teoria do conhecimento. Teoria do conhecimento nada mais é

do que um entendimento do que vem a ser o conhecimento, seu processo,

seu modo de ser (LUCKESI, 2011, p. 153).

Quando um professor ensina o assunto que é especializado e compreende o

processo de construção do conhecimento, entende o quão importante é adaptar o conteúdo

ao aluno e ao seu contexto histórico-social – este é o ponto de partida – tomando a pedagogia

progressista de tendência crítico-social dos conteúdos. Daí em diante, o que ocorre é o

planejamento e instrumentalização de formas para intermediar a relação entre o aprendente

e o objeto do conhecimento e, para isso, as mídias e tecnologias avançadas são válidas como

modos de exposição. Porém, quando o professor especializado não tem compreensão sobre

os processos de conhecimento e aprendizagem, apresenta o tema a partir do que ele conhece

e não leva em conta que talvez esta forma do conteúdo não esteja compatível ao repertório

cultural mínimo do aluno. Neste caso, o novo não chega até o aluno e o processo de

aprendizagem é completamente comprometido.

Considerando que não há exigência de formação pedagógica para ingressar na

docência do ensino superior, também não há conscientização pelo professor do como se

90

aprende. A solução estaria na iniciativa das instituições em promover a formação e

capacitação em docência para todos os professores que atuam nas universidades. Para

demonstrar isso, Anastasiou (1998) realizou um estudo de caso na Universidade Federal

do Paraná (UFPR), no período entre 1993 a 1995, através de entrevistas com discentes e

construiu uma comparação entre o professor ideal e o professor existente, com o objetivo

de compreender a relação dos professores com o conhecimento, a metodologia de trabalho

e o compromisso com a docência e a instituição. Dentre os resultados desta pesquisa...

[...] Pode-se constatar que o processo de profissionalização docente (no

caso da UFPR) vem ocorrendo de forma assistemática, em momentos

esporádicos em decorrência de iniciativas individuais ou departamentais.

Verificamos (o que é reforçado pelos depoimentos explicitados) que a

maioria dos docentes do terceiro grau [...] especialista em diferentes áreas,

não contou em sua formação inicial ou posterior – em serviço – com

possibilidades de reflexão sistematizada acerca dos elementos

determinantes da ação docente, acabando por adotar em seu fazer docente

modelos que vivenciou como aluno, em diferentes momentos da sua vida

acadêmica. Pudemos constatar que, alguns professores que procuraram o

Centro de Assessoramento Pedagógico da UFPR (CEAPE) fizeram-no

após receber dados resultantes da avaliação do docente pelo discente [...].

Os resultados obtidos levaram a um questionamento acerca de nossos

saberes pedagógicos, e a procura de formas de aprofundá-lo e sistematizá-

los (p. 205).

A partir destes resultados, a etapa seguinte da pesquisa consistiu em promover

cursos de formação complementar na área da Pedagogia e Didática aos professores da

instituição participante, a UFPR. Dentre os conteúdos apresentados destacam-se:

Primeiro bloco: histórico da universidade brasileira, modelos de

influência, a lei 5.540/68 e o processo de departamentalização, tendências

educacionais, modelo tradicional de docência e a força dos

paradigmas; Segundo bloco: currículo e organização curricular na visão

cartesiana (disciplinas básicas/ específicas/ estágio/ prática no final do

curso), projeto pedagógico coletivo, planejamento, planos individuais e

coletivos [...]; Terceiro bloco: elementos determinantes da ação docente.

Elementos básicos da Metodologia. [...] O apreender, ensinar o

processo de “ensinagem”. Superação do simples dizer na construção

das redes/ quadros teóricos. Princípios de aprendizagem/ percepção

(ANASTASIOU, 1998, p. 209-210, grifos meus).

Observo que os temas acima têm como fundamento as Teorias Pedagógicas, a

Filosofia e Epistemologia da Educação e a Didática com seus Métodos e Instrumentos. Os

“conceitos básicos à nossa profissão ia-se efetivando à medida dos avanços do grupo e, aos

poucos, até o ‘pedagogês’ ia sendo adotado, não só como uma linguagem e expressão, mas

91

como uma forma de pensamento”, relata Anastasiou (1998, p. 211) sobre a experiência com

o processo formativo dos professores da UFPR.

À medida que esses professores passaram a conhecer e a se aprofundar nos

conceitos e práticas acerca dos processos de ensino e aprendizagem, ocorreu uma mudança

natural na realização dos seus trabalhos. Começaram as transformações pelas ações

individuais pensando no trabalho do coletivo e os resultados ressoam na formação dos

estudantes, os quais transformarão o coletivo social – digo que é um ciclo virtuoso. Embora

a elaboração do plano de ensino-aprendizagem, num modelo ideal-necessário, deva ser

realizado através de um trabalho do colegiado, buscando uma unidade coletiva nos

procedimentos de ensino de um curso, a opção pelo método aplicado em sala de aula deve

ser individual, pois se trata, antes de tudo, de uma escolha pessoal – o professor tem que ter

domínio do conhecimento sistematizado e da forma de ensiná-lo, mas precisa sentir-se bem

e feliz durante as aulas.

Ressalto ainda que, infelizmente, a solução para os problemas que deprimem as

universidades não está apenas na iniciativa isolada da instituição em promover cursos de

formação e capacitação em docência do ensino superior para os seus professores. Conforme

apontaram Anastasiou e Pimenta (2014), existem uma série de fatores interrelacionados que

determinam a conduta do docente na universidade. Sendo assim, participar de um curso de

formação pedagógica faria parte de um conjunto de ações e de medidas coadjuvantes na

solução dos problemas, onde o princípio norteador deve ser o trabalho coletivo.

4.2.3. Ensinar para imaginar uma transformação

Em um modelo de ensino ideal-necessário, à luz do como os alunos apreendem o

objeto do conhecimento, os professores estabelecem o como ensinar. Pois bem, o para quê

ensinar, no ciclo de relações mútuas e infinitas entre o ensino e a aprendizagem, deveria ser

estabelecido no PPC, articulado entre professores e suas componentes.

Além de a máxima ensinar para aprender, existem outros objetivos que são tácitos

ao ensino de algum tema ou aplicação de alguma metodologia de ensino, como, por

exemplo, o desenvolvimento da criatividade dos estudantes, da capacidade de resolução de

problemas, da percepção auditiva do aprendente, da análise comportamental de indivíduos

pelos estudantes, entre outros. O estudo que trouxe as linhas deste capítulo visou encontrar

uma teoria e método que, entre outros objetivos, sirva também para estimular o exercício

da imaginação dos aprendentes.

92

Porém, sabemos que, no modelo de ensino real-existente, é difícil articular um

Projeto Pedagógico Institucional (PPI) ou um Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e

realizar os planejamentos dos colegiados com os planos individuais de ensino-

aprendizagem, na realidade organizacional da estrutura das universidades brasileiras, com

raras exceções e não negando que seja o desejo – ou sonho – da maioria dos personagens

que pertencem a estes espaços educacionais. Em outras palavras, haveria um grande risco

de desmotivação se dependêssemos de uma reforma estrutural das instituições ou de uma

iniciativa coletiva permanente para o desenvolvimento e implementação de um conjunto

de procedimentos de ensino-aprendizagem articulado entre alunos, professores,

colegiados e gestão universitária.

Foi através da experiência com a professora Léa Anastasiou9 que aprendi: entre

estacionar em um modelo de ensino necessário apenas no ideal, devemos trabalhar, no

mínimo, na realização de uma estratégia possível no real existente. Deveríamos começar a

mudança no planejamento e implementação de novas formas de ensino de dentro para fora,

ou seja, das salas de aulas para os espaços interrelacionados, compartilhando experiências,

angariando adeptos, fazendo o meticuloso trabalho de formiguinha, começando pelo

individual, mas visando o coletivo. No seu livro Processos de Ensinagem, encontrei a

seguinte passagem inspiradora:

Quando o estudante se confronta com um tópico de estudo, o professor

pode esperar que ele apresente, a respeito do assunto, apenas uma visão

inicial, caótica, não elaborada ou sincrética, e que se encontra em vários

níveis diferenciados entre os alunos. Com a vivência de sistemáticos

processos de análise a respeito do objeto de estudo, passa a reconstruir essa

visão inicial, que é superada por uma nova visão, ou seja, uma síntese. A

síntese, embora seja qualitativamente superior à visão sincrética inicial, é

sempre provisória, pois o pensamento está em constante movimento e,

consequentemente, em constante alteração. Quanto mais situações de

análises forem experienciadas, maiores chances o aluno terá de

construir sínteses elaboradas. O caminho da síncrese para a síntese,

qualitativamente superior, via análise, é operacionalizado nas

diferentes estratégias que o professor organiza, visando sistematizar o

saber escolar. É um caminho que se processa no pensamento e pelo

pensamento do estudante, sob a orientação e acompanhamento do

professor, possibilitando o concreto pensado (ANASTASIOU, 2009, p.

30, grifos meus).

9Conheci a professora Léa Anastasiou no ano de 2014, quando ela ministrou cursos de Capacitação Docente

na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

93

Daí comecei uma investigação sobre teorias de aprendizagem, procedimentos,

métodos e estratégias de ensino. Busquei, inicialmente, compreender a teoria e a

metodologia dialética do conhecimento, bem como a tendência político-filosófica sobre a

qual Anastasiou (1998) ancorou a sua concepção sobre Ensinagem10 – a pedagogia crítico-

social dos conteúdos.

Percebi que adotando as concepções pedagógicas da ensinagem com a aplicação da

metodologia dialética do conhecimento através da estratégia de ensinagem grafismo, eu

estaria dando uma resposta coerente a uma história de progressivas limitações imaginativas

que começa com os métodos das pedagogias tradicionais e chega ao ápice com a imposição

do pensamento positivista por meio da implantação da pedagogia tecnicista no sistema

educacional de nossa sociedade. Como disse anteriormente, esta é uma causa, entre outras,

da dificuldade imaginativa apresentada pelos estudantes no ensino superior.

Estes estudos respaldaram as minhas ideias sobre ensinar o aprendente a pensar através

de um método, pois ensiná-lo a aprender é motivá-lo a imaginar e elucidar a realidade com

autonomia, ser protagonista do próprio conhecimento. Percebi também o quão importante é

vincular o conteúdo curricular e o objetivo do ensino deste conteúdo com o aprendente, com o

seu contexto histórico-social. Entendi que a efetividade do ensino não se encerra na relação

entre aluno, conhecimento e professor, para ser efetivo de fato, se faz necessário um trabalho

coletivo entre instituição, curso, professor, aluno e conhecimento. Mas se por algum motivo de

força maior, não houver possibilidade de um trabalho na perspectiva institucional, preciso

começar fazendo o meu dever, em sala de aula, com meus alunos.

Os estudos sobre as tendências pedagógicas e suas teorias demonstraram que a

educação, antes de ensinar, é uma política e, portanto, uma opção por qual tipo de

transformação se pretende para uma sociedade. Optei por realizar um trabalho possível na

realidade onde existo, onde leciono, através da elaboração de uma estratégia de ensino-

aprendizagem com o objetivo de estimular a capacidade imaginativa do estudante, de levá-

lo ao direcionamento do próprio pensamento para a constante evolução da sua consciência,

ou seja, ensinar o aprendente para ele imaginar o ideal-necessário daquilo existente e fazer

o possível para transformar a realidade da sua sociedade.

10A ser desenvolvido no capítulo 5.

94

5. ENSINAGEM, ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM,

GRAFISMO

5.1. ENSINAGEM

5.1.1. Um neologismo?

Neologismo, segundo o dicionário11, significa “palavra de criação recente com

recursos da própria língua ou adaptada de outra”. É a atribuição de um novo sentido e

interpretação a uma palavra já existente no vocabulário da língua de origem, ou ainda uma

nova palavra formada pela combinação entre dois vocábulos da mesma língua – é o caso do

termo ensinagem que vem da combinação entre as palavras ensino e aprendizagem.

Esta expressão, neste caso, vai além de uma simples combinação entre os dois

vocábulos. Ensinagem foi criada por Léa Anastasiou como um dos resultados de sua

pesquisa de doutorado intitulada Metodologia do ensino superior: da prática docente a

uma possível teoria pedagógica, de 1998. O seu significado é “uma situação de ensino

da qual necessariamente decorra a aprendizagem”, explica de forma resumida

Anastasiou (2009).

Ensinagem é uma concepção de ensino que traz na essência a responsabilidade pela

prática social do ensinar, onde o professor toma a iniciativa de um convite aos alunos para

estabelecerem uma parceria sob a qual assumem, conjuntamente, o enfrentamento pelo

conhecimento, com compromisso da elucidação do objeto do conhecimento – com o

apreender. Em outras palavras, a ensinagem se estabelece quando ocorre uma parceria,

consciente e contratual, entre professores e alunos, na execução de ações conjuntas,

relacionadas tanto ao ensinar quanto ao apreender o objeto do conhecimento – dentro e fora

das salas de aulas. Esta proposta é uma oposição às pedagogias de tendência tradicional -

tecnicista que ainda persistem nos espaços educacionais com seus princípios básicos:

11 NEOLOGISMO. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em:

<www. uol. com. br/michaelis>. Acesso em: 16/05/2020.

95

ensinar é transmitir a informação e aprender é reter o conhecimento, conforme tema

desmitificado no capítulo 03.

Progressivamente, esta expressão criada pela professora Léa Anastasiou vem

tomando força e se estabelecendo no meio acadêmico. Durante as minhas investigações,

encontrei em Amorim (2014) o uso de ensinagem no título do artigo, mas no decorrer do

texto, apenas a seguinte passagem: “utilizamos o termo ensinagem na tentativa de marcar a

profunda imbricação entre as práticas de ensino e aprendizagem” (p.358) – sem referência

a sua autora. Se por um lado a difusão deste termo é o ponto positivo, por outro a nova

palavra perde, gradativamente, seu sentido original ao longo do tempo do autor. Quando

Amorim (2014) disse “imbricação entre as práticas de ensino e aprendizagem”, ele ainda

manteve a dicotomia entre ensino e aprendizagem, mesmo que tal imbricação seja, de forma

profunda, justamente aquilo que é evitado na ensinagem, pois, sob esta perspectiva, ensino

e aprendizagem são partes do mesmo processo.

Os processos de ensinagem foram idealizados por Anastasiou (1998) para se

tornarem um conjunto de ações uno, tomadas por professores e alunos para, entre outros

objetivos, superar o distanciamento das relações existentes nos espaços escolares: aluno e

professor; transmissão e recepção do conteúdo; ensino e aprendizagem.

5.1.2. A expressão: {(Professor + Alunos) x Conhecimento} = Aprendizagem

A indissociabilidade entre aluno e professor proposta por Anastasiou tem o

enfrentamento do conhecimento como um dos seus objetivos...

[...] indicando uma relação contratual de parceria deliberada, pautando-

a num processo de adição de esforços, na conquista do conhecimento,

este sim, o adversário, pela complexidade que pode tanto ser verificada

no processo de explicitação pelo professor, quanto no de apreensão pelo

aluno. Daí propomos a construção de uma nova relação:

{(PROFESSOR+ALUNOS) XCONHECIMENTO}, onde se torna

fundamental superar a ação do dizer, como ensinar, na adoção de um novo

processo metodológico que considere a abordagem do conhecimento

inclusive como resultante da realidade. Temos chamado este processo que

interliga ensino e aprendizagem como elementos mutuamente

dependentes de processo de ensinagem. (ANASTASIOU, 1998, p. 194,

grifos meus).

Ao tomar conhecimento como adversário – através do símbolo “x”, versus – dos

alunos e professores, Anastasiou encontrou uma forma de demonstrar que o conhecimento

é um objeto complexo de ensinar e de apreender.

96

Antes de ensinar o objeto do conhecimento, o professor deve conhecer este objeto

em seu contexto histórico e científico, além de saber como tal objeto se comporta dentro do

contexto curricular de formação, como se manifesta no contexto histórico-social e como

este objeto será recebido e conhecido pelos aprendentes. Por fim, o professor deve

estabelecer e organizar formas para apresentar e auxiliar os estudantes a apreenderem este

objeto do conhecimento.

Antes de apreender o objeto do conhecimento, os estudantes, ao ingressar no nível

superior, devem ter consciência de si, do seu projeto de vida profissional e do papel que

pretendem desempenhar na sociedade que pertence e compreender como será o processo de

sua formação profissional. Além disso, os estudantes deverão saber o porquê de se dedicar

ao aprendizado de determinado objeto do conhecimento sob uma determinada ementa de

uma determinada componente curricular, bem como ter consciência do seu compromisso e

parceria com o professor e seus colegas de classe no enfrentamento destes objetos. Deve,

ainda, ter ciência de que é um agente ativo e protagonista na construção do próprio

conhecimento, o que, por fim, caracteriza o processo do aprender a apreender o

conhecimento científico.

Ressalto que, embora sejam muitas às ações atribuídas aos estudantes na descrição

acima, as maiorias delas estão diretamente relacionadas a uma determinante orientação

pedagógica e curricular partindo da própria instituição, onde a participação dos órgãos

colegiados de cursos e de colegas de departamentais é de fundamental importância. Ações

de orientação e conscientização sobre o processo de formação do curso, o perfil de egresso

e o papel do futuro profissional a ser desempenhado na sociedade, por exemplo, podem ser

feitas logo no ingresso dos calouros nas universidades. Ensinar o estudante a apreender é

um trabalho que pode ser realizado a partir de uma ação conjunta de todos os professores

das componentes curriculares dos semestres iniciais do curso. À medida que o aprendente

desenvolve o movimento espiral do conhecimento enquanto um método para a elucidação

de um novo conteúdo, ele desenvolve, gradativamente, a sua autonomia intelectual e o

protagonismo na aquisição do próprio conhecimento, consciente que isto se estenderá por

toda a sua vida.

Estas iniciativas mínimas por parte da instituição fazem grande diferença no

desenvolvimento da consciência de si e na autorreflexão do aluno em relação ao próprio

nível de conhecimento, processos que o levam ao amadurecimento e percepção sobre a

autorresponsabilidade no empenho por uma formação de qualidade. Desta maneira, na sala

de aula, quando o professor convida o aluno – e a turma – para formarem uma parceria para

97

o enfrentamento do conhecimento da componente curricular, o acordo é imediato e natural.

Logo, conforme Anastasiou (1998), o processo de ensinagem não ocorre de forma isolada

dentro das salas de aula apenas com os alunos e o professor da matéria, mas através de um

projeto de formação integrado entre departamentos, colegiados e alunos no enfrentamento

do conhecimento.

5.1.3. Do dar aula à ensinagem

À luz da perspectiva de Libâneo (2011), apresentei, no capítulo anterior, as

principais tendências político-filosóficas que influenciaram – e ainda influenciam – a

elaboração de inúmeras teorias de aprendizagem ao longo da história. Surgiram métodos de

ensino experimentais, não-diretivos, experimentos psicológicos, técnicas e instrumentos de

ensino etc., com um elemento motivador em comum: vencer o modelo professor-

transmissor e aluno-receptor, ou seja, o tão conhecido método dar aula.

Apesar de no discurso haver a essa postura, no cotidiano da escola verifica-

se que é a mais presente..., talvez nem tanto pela vontade dos educadores,

mas por não saber como efetivar uma prática diferente: “a gente acaba

caindo na aula expositiva...”. (VASCONCELLOS, 1995, p. 17)

Então, como apresentar um novo conteúdo sem usar um modelo expositivo?

Não há como escapar da exposição do novo conteúdo, mesmo com os avanços das

pedagogias, tais como as não diretivas, que propõem grupos de discussões, ou as

escolanovistas, que trouxeram e estabeleceram a concepção do aprendente como o sujeito

ativo no processo de aprendizagem. O novo, de alguma forma, deverá ser apresentado. No

entanto, existe uma diferença entre o simplesmente expor o novo conteúdo e deixar que o

aluno se vire e o expor o conteúdo de maneira a mediá-lo até o aluno, organizando formas

de apresentação para que de fato chegue ao aprendente e este tenha condições de agir na

elucidação do novo objeto do conhecimento.

Usarei como exemplo uma situação que vivi há alguns anos com uma turma do curso

de Agronomia da UFRB: o tema da ementa era vistas ortográficas. Para introduzir o assunto,

se faz necessário apresentar os fundamentos da geometria descritiva. Elaborei uma bela

apresentação através da ferramenta PowerPoint, usando objetos em movimento com efeitos

sonoros, pois o objetivo era segurar a atenção dos estudantes. Comecei a explanar o assunto

usando os slides como guia para os comentários a parte e os alunos se mostravam vidrados

na minha apresentação. Apresentei as definições de ponto, reta e plano, e usei termos, tais

98

como plano ortográfico, diedros, épura, planificação e rebatimento, como se fossem comuns

no vocabulário daqueles estudantes, cuja maioria residia na zona rural do Recôncavo da Bahia

ou era oriunda da escola pública e buscava, na UFRB, uma oportunidade de capacitação

profissional e realização de um projeto de vida.

No meio desta aula, o silêncio ensurdecedor da sala me chamou à atenção. Foi

quando percebi que aqueles olhos vidrados não eram só de admiração. Então perguntei:

– E aí gente, alguma dúvida? Está tudo bem, posso continuar?

Um daqueles alunos de personalidade espontânea respondeu:

– Claro que não, professora. Eu lá sei quem é diedro e épura!?

Afora o lado engraçado da situação, a resposta deste aluno me fez questionar o próprio

fazer didático e entender que, por mais bem elaborada esteticamente que esteja a apresentação

dos assuntos, este artifício não é suficiente se o tema não chegar ao aluno. Este episódio

comprovou que o aprendente não consegue entender aquilo ele não conhece.

O paradigma tradicional, professor palestrante e aluno ouvinte, foi-nos

ensinado pela nossa vivência de alunos, sendo, portanto, o que sabemos

fazer, por experiência ou hábito, em contraposição a uma crescente

necessidade da construção de um paradigma atual, em que o

enfrentamento científico existente utilize um processo diferenciado, no

qual a construção e parceria sejam elementos fundamentais da relação

(ANASTASIOU; PIMENTA, 2014, p.212, grifos meus).

Como disse anteriormente, a ensinagem está além de um neologismo. O seu

conceito norteador é a união entre as partes de um mesmo processo, justificando esta

concepção como uma proposta de pensamento e práticas para o ensino superior. O pacto de

uma relação de parceria entre professores e alunos é o primeiro passo para o diálogo e

aproximação, a partir de onde a construção do modelo ideal e necessário passa, aos poucos,

a ser real e existente. A ensinagem é uma oposição aos modelos tradicionais de ensino, onde

o professor é o dono do saber e da palavra, motivo pelo qual o mantém distante do aluno.

Este, por se sentir inferior, não tem a espontaneidade de expressar o seu nível de

conhecimento sobre o objeto em exposição.

O professor dá o ponto até perguntar: “alguma dúvida?”, “vocês

entenderam né?”, antes de passar para os exercícios de aplicação e dar a

lição de casa. Mas os alunos nem se dispõem a apresentar as dúvidas, pois

já sabem, por experiências anteriores, que essa pergunta é mera

formalidade, ou seja, de modo geral o professor não está interessado na

dúvida do aluno, nem disposto a explicar de novo (VASCONCELLOS,

1995, p. 19).

99

Somente através da aproximação entre alunos e professores é que é possível a este

saber se está falando na linguagem que o aluno entende e se o conteúdo chegou até o

aprendente. É preciso destacar que esta aproximação e acordo devem estar ancorados no

compromisso mútuo pelo enfrentamento do conhecimento, onde o objetivo final é a

apreensão do objeto em sua totalidade pelo aluno. Sendo assim, as atribuições propostas

para cada um devem ser claras e bem estabelecidas.

O papel do professor é apresentar os conteúdos, promover atividades, despertar a

curiosidade e a dúvida, conduzir e mediar a relação entre o aprendente e o objeto do

conhecimento. Ao aluno, cabe o compromisso pela ação da própria cognição sobre o objeto

do conhecimento, aplicar o método do pensamento na observação das relações internas e

externas ao objeto, associar as causas e efeitos, levantar hipóteses, significar, ressignificar

e buscar soluções para os problemas.

De acordo com a ensinagem, o professor deve buscar estratégias com o objetivo de

convocar o pensamento dos seus estudantes e estimular o exercício das suas imaginações.

O aluno deve “revisar o assistir a aulas, pois a ação de apreender não é passiva. O agarrar

por parte do estudante exige ação constante e consciente: informar-se, exercitar-se, instruir-

se” (ANASTASIOU, 2009, p. 19).

Desta maneira, a construção do conhecimento se torna dinâmica e ultrapassa os

limites das salas de aulas e do espaço escolar, pois, para a efetivação da apreensão do objeto

do conhecimento, é necessário estender as relações de causa e efeito e analisá-las para a

vida prática e social dos estudantes. Ao professor cabe despertar o aluno para o

conhecimento do objeto. Ao aluno cabe pensar, imaginar e conceber o próprio objeto.

Portanto, “quando se atinge a verdadeira finalidade da aprendizagem, pode-se dispensar o

modelo, indo além dele”, conforme Anastasiou e Pimenta (2014, p. 210).

5.1.4. Ensinagem: uma prática social

Do ponto de vista geral, o grupo de pesquisa da professora Léa Anastasiou

discutiu a docência universitária e o funcionamento do ensino enquanto um fenômeno

complexo, isto é, considerou o sistema organizacional que demanda e a sustenta, bem

como suas implicações estruturais; as relações entre núcleos docente estruturantes,

colegiados e planejamentos de ensino-aprendizagem; a prática em sala de aula e sua

autorreflexão, teorias, métodos e técnicas; e a função do ensino enquanto prática social.

Os pesquisadores dialogaram “com outros campos do conhecimento, porque o ensino não

100

se resolve com um único olhar”, e chegaram as respostas que, entre dados e conclusões,

assumiram um “caráter ao mesmo tempo explicativo e projetivo”, assim explicaram

Anastasiou e Pimenta (2014, p. 204).

O foco deste trabalho está nas concepções da professora Léa Anastasiou sobre a

prática da sala de aula, especificamente sobre os métodos, técnicas e estratégias de ensino-

aprendizagem. Além disso, pela natureza deste trabalho e seus objetivos motivadores, não

há como tratar exclusivamente sobre as estratégias de ensinagem sem tocar nos

fundamentos que estão implícitos na aplicação destas ações: a intencionalidade, a

responsabilidade e o compromisso com a transformação social.

Nós, professores em exercício em 2020, quando fomos alunos, nos acostumamos

ao papel de ouvintes, de meros expectadores na sala de aula. Lembro-me que em casa, eu

fazia as lições sozinha e, nas dúvidas, eu buscava um colega de classe mais inteligente para

me ajudar. Ainda obtenho, na memória, as técnicas que eu usava para decorar a tabela

periódica de química no antigo 2º grau, hoje ensino médio. Quando universitária, mesmo

encantada com a disciplina de História da Arte, eu precisava decorar os ipsis litteris do livro

de Gombrich12 para fazer as provas da componente. E, ainda assim, com as dificuldades

vividas enquanto estudantes, hoje, como professores, se não fizermos uma autocrítica,

repetimos os modelos de ensino vivenciados.

O desafio está na superação destes modelos com...

[...] os avanços no campo da Didática aliados à própria profissionalização

dos professores, [...], deixando luzes sobre o fenômeno do ensino em

situação complexa, permitem que se supere o falso dilema entre ensinar ou

aprender ou a questão sobre o que determina o quê. Concorre para isso o

entendimento da natureza do ensinar, tem como compromisso

assegurar que todos aprendam, à medida que a escolaridade contribui

para a humanização e, portanto, para a redução das desigualdades

sociais. Então, parece-nos que o conceito de ensinagem comporta em si

a superação da falsa dicotomia, pois carrega consigo esses

compromissos éticos, políticos e sociais da atividade docente para com

os alunos, a qual se realiza em determinado espaço institucional.

(ANASTASIOU; PIMENTA, 2014, p.203-4, grifos meus)

Na esteira deste raciocínio resgato do capítulo anterior a representação do ciclo de

relações mútuas e infinitas entre ensino e aprendizagem. Esta representação surgiu de uma

analogia que eu fiz à luz do conceito de ensinagem, onde busquei, através desta nominação,

12 GOMBRICHI, Ernest Hans. A história da arte. – Título clássico indicado na Bibliografia Básica dos

cursos relacionados às Artes em geral.

101

potencializar a indissociabilidade e relação entre as ações dos alunos (pensar e aprender) e dos

professores (ensinar) no processo de ensino-aprendizagem. Com o intuito de evidenciar o

sentido de conjunto institucional, adicionei, nesta relação, as ações e os sujeitos pertencentes

ao espaço universitário, pois todos fazem parte do mesmo processo. Este entendimento dá

relevo à importância da responsabilidade e do compromisso dos sujeitos da instituição educação

no processo formativo dos aprendentes, pois, afinal, a educação é um instrumento de exercício

político, uma representação de qual tipo de transformação social se pretende ao entrar em sala

de aula e ensinar o futuro de uma sociedade.

Lílian Anna Wachowicz também discutiu muito acerca deste assunto. Em seu

livro intitulado “O método dialético na didática”, publicado em 1989, ela problematiza a

didática praticada no Brasil do referido período e demonstra o estreito encadeamento entre

filosofia, política e educação sobre a construção do ensino enquanto prática social. Da

data da publicação do livro de Wachowicz até os nossos dias, já se passaram 30 anos e

este texto continua atual, pois as condições da educação no Brasil de 2020, infelizmente,

são semelhantes às daquela época. Para justificar isso, destaquei importantes excertos das

suas discussões:

O texto do nosso problema é, portanto, a questão do método. Enquanto

meio de apropriação do conhecimento, o método é uma questão

filosófica; colocada no contexto da questão educacional, no Brasil de hoje

[...]. O método consiste em elevar-se o pensamento do abstrato para o

concreto, e é a maneira que tem o pensamento para apropriar-se do

concreto, de o reproduzir como um concreto espiritual (MARX, 1983,

p. 219 apud WACHOWICZ, 1989. p. 12, grifos meus)

O entendimento de que o “método é uma questão filosófica” é reforçado pelas

palavras de Buzzi (2019, p. 199), quando este afirma que “a filosofia é o empenho pelo

esclarecimento”, complementando aquilo que é defendido por Wachowicz. Na sequência, a

autora faz menção ao pensamento de Saviani e continua:

A educação trata de uma ação, vale dizer, de um movimento intencional

que se realiza em um contexto histórico. Nosso referencial teórico

entende a educação como uma ação mediadora “no seio da prática social

global” [...]. A educação escolar, entretanto, pode ser uma prática

social progressista ou conservadora. O que vai determinar uma ou

outra direção em parte é a didática, pois o modo de fazer educação que

vai caracterizá-la. Não é o conteúdo do saber, mas o meio pelo qual este é

transmitido, que vai reelaborá-lo, transformando-o em saber conservador

ou progressista. [...] O método didático necessário é aquele capaz de

fazer o aluno ler criticamente a prática social na qual vive. Esse

progresso não se realiza individualmente, nem mesmo numa relação a

dois entre professor e aluno. É um processo coletivo pelo qual um

102

grupo de pessoas se defronta com o conhecimento, e no qual não se

perde a perspectiva individual. (WACHOWICZ, 1989, p. 13 e 15, grifos

meus).

Dada esta reflexão, remeto ao que propôs Léa Anastasiou (1998, 2009, 2014) ao

incorporar, na essência da ensinagem, o conceito de prática social e observo: no modelo de

ensino ideal-necessário, esta noção de conduta deve fazer parte dos próprios princípios

éticos e de convicções do ser professor.

Os processos de ensinagem enquanto um modelo de pensamento didático nasceu

da reflexão, autorreflexão, crítica e autocrítica sobre a docência do ensino superior e das

suas práticas em sala de aula e do seu contexto de entorno. A ensinagem é uma prática social

porque está ancorada nos “compromissos éticos, políticos e sociais da atividade docente

para com os alunos, a qual se realiza em determinado espaço institucional”, conforme

disseram Anastasiou e Pimenta (2014), no destaque da citação que apresentei acima.

A ensinagem é uma prática social porque parte do entendimento de que aprender e

apreender não é um processo que ocorre de forma espontânea ou mágica, sem métodos ou

exercícios de análise pelo pensamento – na imaginação. “Ao contrário, exige, exatamente

em virtude da intencionalidade contida no conceito de ensinagem, a escolha e execução de

uma metodologia adequada aos objetivos e conteúdos do objeto de ensino e aos alunos”,

afirmam Anastasiou e Pimenta (2014, p. 211).

A ensinagem não é uma pedagogia que se encerra em si, que define métodos, técnicas

e estratégias estanques, aplicáveis para tudo e todos. Anastasiou (1998) entendeu que o

ensino é uma prática dinâmica e mutável a cada área do conhecimento, conteúdos e seus

objetivos e, principalmente, a cada turma de alunos – a cada aluno.

Malgrado o fato de alguns alunos chegarem rapidamente às abstrações e

sínteses pretendidas, não se deve generalizar essa expectativa aos outros.

Ao contrário, exige-se do professor uma competência docente capaz de

planejar e efetivar um processo contínuo de ações que possibilitem aos

alunos ir construindo, agarrando, apreendendo o quadro teórico-prático

pretendido em momentos sequenciais e de complexidade crescente

(ANASTASIOU; PIMENTA, 2014, p. 211).

A intencionalidade do apreender o conhecimento pelo estudante é o cerne desta

pedagogia. Para alcançar este objetivo, sua proposta consiste em que o professor avance do

método expositivo como modelo único para explicar os novos conteúdos e insira no seu

103

programa de ensino e aprendizagem as estratégias de ensinagem13 a fim de estimular no

estudante a vontade do apreender. Estas podem ser resgatadas de qualquer outro modelo de

ensino ou teoria de aprendizagem. O que prevalece, neste pensamento didático, é levar o

objeto; é estimular e mediar a construção do conhecimento pelo aprendente. Novamente,

vale destacar:

Nesse processo, o envolvimento dos sujeitos, em sua totalidade, é

fundamental. Além do o quê e do como, pela ensinagem deve-se

possibilitar o pensar, situação em que cada estudante possa reelaborar as

relações dos conteúdos, por meio dos aspectos que se determinam e se

condicionam mutuamente, numa ação conjunta do professor e dos alunos,

com ações e níveis de responsabilidades próprias e específicas,

explicitadas com clareza nas estratégias selecionadas (ANASTASIOU,

2009, p, 20, grifos da autora).

A ensinagem é uma prática social porque a sua concepção tem como base a

pedagogia de tendência progressista crítico-social dos conteúdos, donde o ponto de partida

e chegada dos métodos e estratégias de ensino e aprendizagem é a própria prática social

comum a professor e alunos (SAVIANI, 1999). Os atores que atuam no enfrentamento do

objeto do conhecimento resgatam do próprio âmbito social questões que precisam ser

resolvidas e o conhecimento necessário para solucioná-las. Daí o papel fundamental da

mediação do professor na organização e instrumentalização de estratégias de fundamentos

teóricos e práticos – as estratégias de ensinagem – para mobilizar e motivar a ação dos

estudantes na compreensão – mediação da síncrese à síntese pela análise – do objeto em sua

totalidade14. À luz deste entendimento, Anastasiou disse que:

[...] compreender é apreender o significado de um objeto ou um

acontecimento; é vê-lo em suas relações com os outros objetos e

acontecimentos. [...] O processo de apreensão, de conhecer, está

relacionado com o enredar, estabelecendo os nós necessários entre os fios

a serem tecidos. Para dar conta desse enredamento, há que se superar as

dificuldades vencendo a simples memorização. O estudante tem que

ativamente refletir, no sentido de dobrar-se de novo e de novo – tantas

vezes quanto seja necessário –, para apropriar-se do quadro teórico-prático

objetivado pelo professor e pela proposta curricular, em relação à realidade

visada no processo de ensino. [...]. Cabe ao professor planejar e

conduzir esse processo contínuo de ações que possibilitem aos

estudantes, inclusive aos que têm maiores dificuldades, ir construindo,

agarrando, apreendendo o quadro teórico-prático pretendido, em

13 Lembrando que este trabalho trata da verificação de uma estratégia de ensinagem – o grafismo – assunto

que vou apresentar no próximo tópico deste capítulo.

14 Assunto tratado no capítulo 02.

104

momentos sequenciais e de complexidade crescente (ANASTASIOU,

2009, p.21 e 23, grifos meus).

Porque, na sua prática essencial, ser professor é ensinar!

5.2. PROCEDIMENTOS E ESTRATÉGIAS DE ENSINAGEM

5.2.1. Do método ao procedimento de ensino

No ensino, não basta definir que se vai utilizar a “exposição oral” ou a

“exposição escrita”, ou o “trabalho dirigido” etc. É preciso ter certeza da

intenção com a qual se utilizar este ou aquele procedimento. E isso

depende da concepção pedagógica que gere o nosso trabalho docente

(LUCKESI, 2011, p.193, grifos do autor e meus).

No capítulo anterior, demonstrei que o desenvolvimento das teorias de

aprendizagem, as pedagogias, e seus métodos são reverberações das tendências político-

filosóficas do espírito da época de cada sociedade. No caso da definição dos métodos e

técnicas de ensino aplicados em sala de aula, ocorrem em função dos procedimentos de

ensino do Projeto Político Pedagógico do Curso – PPC – ao qual se insere e da tendência

pedagógica estabelecida pela instituição de ensino. Vale ressaltar que eu estou apresentando

os aspectos do nível superior, mas esta definição também se aplica aos níveis de ensino

fundamental e médio.

“Procedimentos de ensino são meios técnicos utilizados para cumprir uma

proposta educacional. Não existem isoladamente, mas articulados e dependentes de uma

perspectiva teórico-filosófica” da pedagogia vigente, conforme definiu Luckesi (2011,

p.185). Na oportunidade, ele chamou à atenção para o fato de que boa parte dos docentes,

em sala de aula, estabeleceu os métodos e técnicas de ensino e aprendizagem de uma dada

componente curricular, partindo das formas como aprenderam enquanto alunos ou através

das novas formas ofertadas pelos avanços das tecnologias, sem articulá-las com as

tendências político-filosóficas da instituição e, tão pouco, com a corrente pedagógica

indicada no PPC que ensinam. Desta forma, portanto, os docentes criam um abismo entre

a promessa do cidadão e profissional que o PPC pretende formar e o como chegar ao

objetivo prometido, por isto é importante...

[...] entender que as decisões sobre os objetivos filosóficos e políticos da

prática docente antecedem toda e qualquer outra decisão pedagógica. Eles

dão a dimensão do que fazer. E, tendo claros os objetivos mais

105

abrangentes, as finalidades, cada professor poderá, com clareza de

consciência, escolher procedimentos de ensino entre os já formulados e

apresentados nos textos de didática e técnicas de ensino. Ou ainda, poderá

criar novos procedimentos a partir das necessidades emergentes, para

cumprir os objetivos que tenham traçado (LUCKESI, 2011, p. 186, grifos

do autor e meus).

Desta maneira o professor sabe o que está fazendo e porque está fazendo –

conclusão que me leva a reafirmar a importância fundamental de oportunizar ao docente do

nível superior a formação ou a capacitação continuada em ensino superior, assunto que

abordei no capítulo anterior.

Sendo assim, as lentes usadas por Luckesi (2011, p. 186), ao se referir sobre os

procedimentos de ensino, são de natureza epistemo-filosófica, pois tratam das formas de

abordagem dos métodos de ensino: “[...] vamos tentar entender como cada procedimento,

na sua própria formalidade, demonstra, em si, o sentido da proposta pedagógica que está

traduzindo e mediando”. Em outras palavras, mas numa linha de argumentação

semelhante, Anastasiou e Alves apresentam as estratégias a partir do pensamento

didático, a ensinagem:

Nossa proposta situa o estudo e a análise das estratégias de ensino e de

aprendizagem diretamente relacionados a uma série de determinantes:

um Projeto-Pedagógico Institucional, em que se defina uma visão de

homem e de profissional que se pretende possibilitar na educação superior;

a função social da universidade; a visão de ensinar e de apreender; a visão

de ciência, conhecimento e de saber escolar; a organização curricular em

grade ou globalizante, com a utilização de objetivos interdisciplinares, por

meio de módulos, ações, problemas, projetos, entre outros. É nesse

contexto que se constrói o trabalho docente e que o professor se vê

frente a frente com a necessidade e o desafio de organizá-lo e

operacionalizá-lo (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 75, grifos meus).

As estratégias também são elementos que fazem parte do ciclo de relações mútuas e

infinitas entre ensino e aprendizagem. Concordando com Luckesi (2011), as autoras explicam

que a organização do trabalho docente, da prática de ações de ensino e aprendizagem em sala

de aula, é uma tradução da proposta pedagógica do curso e instituição.

Luckesi (2011) inicialmente distinguiu procedimento de ensino de método, dando

ao primeiro o sentido de forma de abordagem e ao segundo, a noção de ações de ensino.

Para chegar a este entendimento, ele apresentou a seguinte argumentação:

Genericamente, define-se método como meio para se atingir um

determinado fim. Essa definição nasce do próprio sentido etimológico do

temo, cuja origem encontra-se em duas palavras gregas: meta (= para) +

odos (= caminho). Método seria, então, “caminho para” se chegar a um

106

determinado fim. Contudo, os fins a serem atingidos variam, fato que

obriga a entendimentos diversos do que seja método. Neste caso, vamos

distinguir pelo menos duas perspectivas de compreender método: a)

método visto sob a ótica teórico-metodológica, e b) método visto sob a

ótica técnico-metodológica (LUCKESI, 2011, p. 187).

“O método sob a ótica teórico-metodológica” é uma forma de abordagem da

realidade estabelecida a partir de uma dada concepção de conhecimento do mundo pelo

homem, isto é, a forma como um dado objeto do conhecimento é definido à luz de uma

tendência político-filosófica de pensamento. Esse método é a definição das ações para levar

o aprendente ao conhecimento do objeto sob a perspectiva de uma tendência político-

filosófica do pensamento, isto é, as “formas operacionais” para apresentar, mediar e atingir

o conhecimento do objeto – as técnicas e estratégias de ensino e aprendizagem.

Quando Luckesi (2011) se referiu aos procedimentos de ensino, ele ampliou o campo

de visão e a grandeza do fazer docente. O autor abriu os grilhões das portas das salas de aulas

e apontou ao docente que os caminhos da sua prática não se encerram no simplesmente dar

aulas. Com a mesma perspectiva político-filosófica, Anastasiou (1998, 2009, 2014) deu relevo

a este entendimento, retirando os obstáculos, abrindo e ilustrando novas trilhas para uma efetiva

prática social do ensinar, denominando esta prática por ensinagem.

Em síntese, o método, sob a ótica técnico-metodológica, manifesta-se com

meios pelos quais atingimos fins próximos, articulados com fins

políticos mais distantes. [...]. Um modo operacional de agir ou de fazer

alguma coisa não existe no vácuo teórico, mas sim articulado com uma

“visão” de realidade. Os procedimentos são os modos específicos com

os quais operacionalizamos o método. Os procedimentos, propriamente,

são técnicas de ação, que, se executadas, cumprem o método, sob a ótica

técnico-metodológica. [...] Então, importa ter claro que os procedimentos

são recursos imediatos de ação que utilizamos para cumprir um fim

imediato (no nosso caso, a aprendizagem de alguma coisa), tendo em

vista um fim político abrangente (no caso, a formação do cidadão)

(LUCKESI, 2011, p.192, grifos meus).

Os procedimentos são as formas de abordagem – o como ensinar – sob um ponto

de vista amplo, olhando no horizonte e para além do conhecimento do objeto pelo

aprendente. Os procedimentos visam “um fim político”, projetam a maneira como o

conhecimento vai chegar e interferir na sociedade a partir do “Projeto-Pedagógico

Institucional, [...] visão de homem e de profissional que se pretende “[...] a função social da

universidade”, conforme Anastasiou e Alves (2009, p. 75).

Em outras palavras, ao se referir às metodologias – uma expressão comum nos

espaços educacionais – como procedimentos de ensino, Luckesi deu aos métodos uma

107

dimensão e valores superiores à simples aplicação de uma forma de apresentar e mediar o

conteúdo ao aluno em sala de aula. Esta perspectiva me remeteu à ensinagem, ao seu

pensamento didático, que propõe um ensinar com o compromisso do apreender e explica

que, para chegar aos objetivos, o professor deve lançar mão de métodos e estratégias

específicas ao aluno, conteúdo e PPC: as estratégias de ensinagem de Anastasiou e Alves

são os procedimentos de ensino no ponto de vista de Luckesi.

5.2.2. Das teorias, procedimentos e seus fins

Quando coloco face a face as principais características do conjunto das tendências

pedagógicas liberais e progressistas, a efeito comparativo, percebo o quão distantes elas

estão em relação aos seus projetos de construção de sociedade.

Observo que, para a elaboração do Quadro 1, me apropriei das linhas de

Libâneo (2011), Luckesi (2011), Vasconcellos (1995) e Anastasiou, Alves e

Pimenta (1998, 2009, 2014).

108

Quadro 1 – Comparativo entre tendências pedagógicas

CONCEITOS E

PEDAGOGIAS

PEDAGOGIAS DE

TENDÊNCIAS LIBERAIS

PEDAGOGIAS DE

TENDÊNCIAS

PROGRESSISTAS

CONCEPÇÃO

POLÍTICO-FILOSÓFICA

DE EDUCAÇÃO

* Positivismo. * Humanismo.

CONCEPÇÃO DO

CONHECIMENTO

* Científico;

* Desenvolvimento do

pensamento lógico.

* Dialética;

* Desenvolvimento do

pensamento e da consciência

crítica.

OBJETIVO DE

FORMAÇÃO DE VISÃO

DE MUNDO

* Interesses individuais;

* Sujeito produtivo, integrado

e regulado socialmente;

* Clássico-humanista;

* Humano-científica;

* Crítico-reprodutivista.

* Interesses coletivos;

* Sujeito emancipado, libertado e

libertador;

* Crítico-transformador.

FORMA DE

APRENDIZAGEM

* Receptiva/ mecânica;

* Memorização;

* Autoaprendizagem.

* Ativa;

* Análise.

PROCEDIMENTOS DE

ENSINO

* Metodologia expositiva;

* Tecnologia educacional;

* Pesquisa/ descoberta;

* Não diretivo;

* O objeto do conhecimento é

extraído da totalidade.

* Metodologia dialética do

conhecimento;

* O objeto do conhecimento faz

parte da totalidade.

A EDUCAÇÃO “PARA”A

SOCIEDADE

* Reprodutora;

* Redentora. * Transformadora.

Fonte: elaborado pela autora.

Com as definições acima apresentadas, entendo como os fins justificam os meios.

“Cada corrente pedagógica articula procedimentos de ensino correspondentes às suas

respectivas propostas pedagógicas”, afirma Luckesi (2011, p. 193). É notório que a

tendência pedagógica estabelecida em um PPC indica os fundamentos sobre as formas de

aprendizagem e, consequentemente, os procedimentos de ensino para um curso. Portanto, o

primeiro passo do fazer docente é conhecer os instrumentos que regem a proposta

educacional da instituição e do curso que ensina. Porém, vale destacar, novamente, que este

entendimento não pode ocorrer de maneira individualizada, pois a formação coerente de um

cidadão profissional é um processo de trabalho coletivo.

109

Tendo em vista os conceitos norteadores que regem desde o Projeto Pedagógico

Institucional (PPI) até os objetivos de ensino do conteúdo de uma dada componente,

devendo o docente estar esclarecido sobre o que fazer e para quem fazer, o fazer docente

se torna uma prática criativa e saboreada, assim como explicou Anastasiou:

Trabalhando com os conhecimentos estruturados como o saber escolar, é

fundamental destacar o aspecto do saber referente ao gosto ou sabor, do

latim sapere – ter gosto. Na ensinagem, o processo de ensinar e apreender

exige um clima de trabalho tal que se possa saborear o conhecimento em

questão. O sabor é percebido pelos estudantes quando o docente ensina

determinada área que também saboreia, na lida cotidiana profissional e/ou

na pesquisa, e a socializa com seus parceiros na sala de aula. Para isso, o

saber inclui um saber o quê, um saber como, um saber por quê e um

saber para quê (ANASTASIOU, 2009, p. 20, grifos da autora e meus).

Portanto, do método até o procedimento de ensino, a orientação da ensinagem pelo

caminho é a coerência, a reflexão, a criatividade e o sabor pelo saber. Neste modo do fazer

didático, determinar uma estratégia de ensinagem é como ilustrar uma cena cotidiana, onde

cada detalhe de luz e cor determina o tipo de mensagem que se pretende expressar.

5.2.3. Estratégias de ensinagem

A explicação de Anastasiou e Alves sobre a implementação das estratégias de

ensinagem pelos docentes começou a partir da conceituação dos termos estratégias,

técnicas e dinâmicas – os três comumente usados como palavras sinônimas. Pois bem,

Cunha (2010, p. 272) disse que estratégia, vem do latim stratẽgῐa derivado do grego

stratẽgia, que “[...] significa arte (militar) de planejar e executar movimentos e operações”.

Anastasiou e Alves complementaram esta ideia explicando que “estratégia é a arte de

aplicar ou explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis, com vista à consecução

de objetivos específicos” (p. 75-6).

Técnica, “[...] do latim technῐcus derivado do grego technikós, significa arte,

habilidade”, segundo Cunha (2010, p. 626). Para Anastasiou e Alves, técnica “[...] refere-

se à arte, maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou fazer algo”.

O termo dinâmica é de origem grega, dynamikós, que vem do latim dýnamis,

trazendo o sentido de “[...] força, capacidade, poder, propriedade, virtude, potência,

autoridade”, no dicionário de Cunha (2010, p. 220). Anastasiou e Alves ampliaram a visão

acrescentando que dinâmica “[...] diz respeito ao movimento e às forças, ao organismo em

atividade ou, ainda, à parte da mecânica que estuda os movimentos” (2009, p. 76).

110

De acordo com este levantamento, o termo dinâmica não é sinônimo de estratégia,

tampouco de técnica. Porém, levando em conta que cada área profissional tem um

vocabulário próprio, entendo que, ao se referirem a esta palavra, os docentes pretendem

expressar o próprio movimento que a implementação das estratégias exigem, seja a

nomeação das atividades propostas em sala de aula, seja o fato de que não podemos

estabelecer uma estratégia de ensino ad infinitum para uma componente, visto que cada

turma é composta por infinitas possibilidades de estratégias. Portanto, estratégia ou técnica

de ensino pode ser muito bem compreendida como uma arte, dando ênfase na criatividade

artística, na imaginação produtiva criativa do docente, pois...

[...] exigem-se por parte de quem a utiliza criatividade, percepção

aguçada, vivência pessoal profunda e renovadora, além da capacidade de

pôr em prática uma ideia valendo-se da faculdade de dominar o objeto

trabalhado (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 76, grifos meus).

Em princípio, a opção sobre os procedimentos de ensino e as estratégias a serem

aplicadas em sala de aula – e fora delas – deve ser do professor responsável pela

componente, conforme expliquei no capítulo anterior: primeiro porque ele deve ter domínio

sobre as formas e segundo, porque dominando as técnicas ele, se sente à vontade durante a

realização do trabalho, conseguindo administrar quaisquer eventualidades que possam

acontecer. Porém, é preciso acrescentar e realçar que, à luz dos processos de ensinagem, a

escolha por um procedimento com suas técnicas e estratégias de ensino-aprendizagem é

uma atividade de percepção aguçada, imaginativa, criativa, onde ocorre uma articulação

renovadora entre PPI, PPC e as respostas às seguintes questões:

• O que ensinar?

• Para que ensinar?

• Para quem ensinar?

• Como se aprende?

As respostas destas perguntas servem como elementos de uma fórmula simples que

elaborei para ilustrar esta proposta:

{𝒇𝟏(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐, 𝑪𝑯𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐),𝑵𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐))

𝒇𝟐(𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆ú𝒅𝒐 + 𝑶𝑬𝑪)} → 𝑬𝑬𝒏𝒔𝒊𝒏𝒂𝒈𝒆𝒎

onde f1 é a função que representa uma regra que determina a relação de um conjunto de

fatores em torno do aluno, CHC é o contexto histórico-cultural deste aluno e NC é o seu

111

nível de conhecimento;𝒇2é a função que representa a relação do conteúdo curricular e o seu

OEC, que é o objetivo de ensino do conteúdo; e EEnsinagem é o resultado da combinação

destas funções, o procedimento de ensino-aprendizagem sob os princípios da ensinagem. A

combinação entre as funções e é o que vai gerar a estratégia de ensino-aprendizagem,

sempre articulada com o PPI e PPC.

Elaborei esta fórmula para representar o quão complexa é a situação de ensino-

aprendizagem. Observo que, na função, ao considerar a variável aluno, que é um indivíduo

único em sua subjetividade, e as funções do CHC e do NC próprias deste aluno, de partida,

demonstro que a EEnsinagem seria gerada e determinada para cada indivíduo, uma vez que

o conteúdo e objetivo de seu ensino, a função, são membros fixos da componente curricular.

Logo, esta representação é de uma ideia inexequível, pois tratamos de turmas, grupos

formados por infinitas variáveis.

Mas esta é a minha estratégia! Mostro que não há fórmula mágica de ensino para

a aprendizagem, não há como definir uma estratégia de ensinagem por ad infinitum. Criei

a expressão acima para reafirmar o quanto é importante o professor estar sempre em busca

de atualizações, de novas formas para ensinar o mesmo objeto, de uma capacitação e

formação continuada na docência do ensino superior. Por isto, trouxe a evolução das

pedagogias a partir das tendências político-filosóficas de cada sociedade em sua época.

Estamos em constante mudança, num movimento espiral em torno da construção da nossa

história. Por exemplo, a soma 2 + 2 sempre será 4, mas as formas de ensinar esta operação

matemática são infinitas.

Dado que não há fórmula mágica para o ensino, o princípio é a consciência do

professor que, antes de começar a apresentar os seus conteúdos, deve conhecer a sua

turma, saber quem é cada aluno, de onde ele vem, para onde ele pretende ir. O professor

precisa fazer uma avaliação conjunta, construir uma prévia de nível de conhecimento,

depois analisá-la e, aí sim, pelo bem do conjunto da sala de aula, estabelecer um

procedimento de ensino-aprendizagem que atenda minimamente a todos daquele grupo.

“Nisso, o professor deverá ser um verdadeiro estrategista, o que justifica a adoção de

estratégia, no sentido de estudar, selecionar, organizar e propor as melhores ferramentas

facilitadoras para que os estudantes se apropriem do conhecimento”, explicam Anastasiou

e Alves (2009, p. 76).

Por exemplo, o lócus de pesquisa desta tese é a UFRB e o curso de graduação onde

realizei a investigação sobre a efetividade da estratégia de ensinagem grafismo é o BCET.

No sentido de explicar a criação da estratégia de ensino-aprendizagem, objeto deste estudo,

112

começo com a apresentação dos conceitos pedagógicos norteadores da instituição e do

curso, representados no Quadro 2.

Quadro 2 – Conceitos pedagógicos norteadores da UFRB e do BCET

CONCEITOS

NORTEADORES UFRB/BCET

CONCEPÇÃO

POLÍTICO-FILOSÓFICA

DE EDUCAÇÃO

* Perspectiva pluralista da política;

* Liberal-Democrático;

* Democratização do ensino superior;

* Positivismo e Cientificismo;

CONCEPÇÃO DO

CONHECIMENTO

* Empirismo/Científico;

* Desenvolvimento do pensamento lógico, analítico e criativo

através da pesquisa científica;

* Construção do conhecimento por meio de estudos

interdisciplinares;

OBJETIVO DE

FORMAÇÃO DE VISÃO

DE MUNDO

* Humano-científica;

* Interesses individuais e coletivos;

* Sujeito produtivo, integrado e regulado socialmente;

* Sujeito emancipado;

FORMA DE

APRENDIZAGEM

* Aprender a aprender;

* Autoaprendizagem;

* Receptiva/mecânica;

PROCEDIMENTOS DE

ENSINO

* Metodologia expositiva;

* Pesquisa/ descoberta;

* Tecnologia educacional;

* Recursos educacionais abertos (REA)

* O objeto do conhecimento é extraído da totalidade;

A EDUCAÇÃO “PARA”

SOCIEDADE * Reprodutora/ Redentora;

Fonte: elaborado pela autora.

Para chegar aos conceitos representados no Quadro 2, utilizei o PPC do BCET15 e

o PPI da UFRB16, instrumentos que se encontram inseridos no Plano de Desenvolvimento

Institucional – PDI – da UFRB, nas publicações referentes ao planejamento da instituição

nos períodos de 2010-2014; 2015-2019 e 2019-2030. Cada um desses documentos foi

15 PPC/ BCET – Projeto Pedagógico do Curso Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnológicas da UFRB,

disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/cetec/cursos>.

16 PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRB. Documentos referentes aos períodos acima

citados disponíveis em: <https://www.ufrb.edu.br/pdi/documentos-norteadores>.

113

elaborado por diferentes comissões formadas por representantes de servidores técnico-

administrativos em educação e docentes do quadro permanente de todas as instâncias da

instituição, nomeados por meio de portarias despachadas pela reitoria da universidade.

Embora a análise sobre eles não seja objeto de estudo desta tese, deixo aqui registradas três

observações que considero relevantes para o encadeamento da argumentação sobre a

criação da estratégia de ensinagem grafismo.

A primeira é a ausência da orientação, pelo conjunto da instituição, sobre as

concepções político-filosóficas da educação, de conhecimento, de pedagogia e

procedimentos de ensino registrada no PPC do BCET. Neste instrumento, o que existe é

a apresentação específica e isolada de cada programa de componente curricular, com a

discriminação da ementa, pré-requisitos, objetivos, conteúdo programático, metodologia,

bibliografia etc, organizado e produzido isoladamente pelo docente titular da cadeira.

A segunda observação é a inconsistência entre as concepções pedagógicas e os

objetivos do ensino superior propostos para sociedade do Recôncavo da Bahia, devido às

significativas alterações no texto do PPI, em cada uma das publicações do planejamento

institucional, o PDI da UFRB. Não se trata de uma diferença causada pela evolução de

etapas e metas atingidas ao longo de cada um dos períodos. Ao contrário, percebi uma

desconexão entre as fases de desenvolvimento da instituição, o que me levou a entender

este fato como uma incoerência de construção conceitual entre os três documentos

pesquisados. Embora não enxergue como justificativa, conforme expliquei há pouco, estes

instrumentos foram construídos por diferentes comissões, em fases distintas da história da

UFRB, quando certamente alimentar um planejamento de expectativas futuras depende do

espírito da instituição no presente.

A última observação se refere à incoerência entre as concepções pedagógicas, os

seus procedimentos de ensino e os objetivos da Universidade para a sociedade que estão

descritos no PPI da UFRB. No resumo dos conceitos norteadores apresentados no Quadro

2, devido à natureza da representação, não foi apresentado um dos maiores avanços da

UFRB para a sociedade do Recôncavo da Bahia: a Pró-Reitora de Políticas Afirmativas e

Assuntos Estudantis (PROPAAE) – que trata de

[...] uma iniciativa pioneira no âmbito das universidades federais que

insere no contexto institucional questões relativas aos assuntos estudantis

e à implementação de ações afirmativas. A Pró-Reitoria foi concebida com

o propósito de articular, formular e implementar políticas e práticas

de democratização, em parceria com vários segmentos, focadas no

ingresso, permanência e pós-permanência estudantil no ensino

114

superior. A realização dessas ações afirmativas visa ao reconhecimento da

pluralidade da sociedade, compreendendo todos os grupos sociais como

sujeitos com direito de acesso às políticas públicas e institucionais que

visem à equidade (PDI, 2019-2030, p. 14-5, grifos meus).

A UFRB é reconhecidamente uma universidade plural, democrática, que cumpre

um papel decisivo para o desenvolvimento social e econômico desta região do país. Além

da implantação da PROPAAE, foi...

[...] a primeira universidade brasileira a aplicar integralmente a

porcentagem de 50% das vagas ofertadas para o ingresso de alunos

oriundos da rede pública de ensino e que se autodeclararem negros,

pardos, índios-descendentes ou de outros grupos étnicos, conforme

estabelecido na Lei nº. 12.711/2012 (Lei de Cotas) (UFRB/PDI, 2019-

2030, p. 16, grifos meus).

A implementação e oferta de 50% do seu total de vagas para os estudantes que

realizaram o ensino fundamental e médio nas escolas da rede pública de ensino é de fato

uma das mais importantes ações da UFRB. Porém, não é somente a garantia de vagas e as

políticas de permanência, é necessário garantir condições de aprendizagem através da

promoção do desenvolvimento intelectual para a formação profissional destes projetos de

vida, ponto de onde faço uma convergência com as concepções de conhecimento, formas

de aprendizagem e procedimentos de ensino previstos no PPI da UFRB, daí a total

inconsistência entre os meios e os fins.

Todos temos ciência do quão carente é a rede pública dos ensinos fundamental e

médio de nosso país. Infelizmente, boa parte dos ingressos, no ensino superior, entra nas salas

de aulas com o nível de conhecimento aquém do mínimo necessário. Chegam, na

universidade, literalmente perdidos sobre a estrutura e a dinâmica do ensino superior, pois

saem do ensino médio, regido sob um sistema paternalista e inconsistente de ensino, e, de

repente, precisam ser discentes autônomos, algo que eles sequer têm noção do que seja. Este

é o mundo real-existente para esses estudantes e a PROPAAE da UFRB reconhece isso:

Nesse sentido, a permanência dos estudantes ganha visibilidade por meio do

Programa de Permanência Qualificada, que visa contribuir com as práticas

acadêmicas nos diferentes níveis de formação na medida em que

proporciona ao estudante participar de monitoria, extensão, pesquisa,

atividades culturais, formação de línguas estrangeiras e esporte, entre

outros. O programa faz o acompanhamento integral ao estudante e atua

no sentido de possibilitar-lhe as condições biopsicossociais para viver a

universidade para além da sala de aula. Articula-se com a comunidade

externa a fim de dar o suporte necessário para que os/as estudantes

estabeleçam interações sociais e profissionais para além dos muros da

115

universidade pautadas na formação cidadã e na defesa das políticas

afirmativas (UFRB/PDI, 2019-2030, p. 19, grifos meus).

Essas medidas são importantes e necessárias, mas não estão articuladas com o

desenvolvimento intelectual dos alunos, a partir de procedimentos de ensino para a efetiva

aprendizagem. Embora a orientação pedagógica da instituição esteja assentada sobre os

pressupostos escolanovistas, conforme o Quadro 2, os estudantes, nas condições de

conhecimento que ingressam na UFRB, não conseguem obter um bom aproveitamento em

seus estudos através da autoaprendizagem sem antes aprender a aprender – é necessário

estabelecer etapas de motivação para a evolução do nível de amadurecimento de

autoaprendizagem do estudante. Este quadro se torna grave quando o discente ingressa no

BCET, o qual, como em todas as áreas do conhecimento, é um curso que apresenta

específicas dificuldades em função da natureza dos seus conteúdos.

Em um mundo ideal-necessário, o estudante chegaria com um nível de

conhecimento adequado na universidade: no entanto, isso não acontece. Em vista disto, mas

insistindo no ideal-necessário, este aluno, recebido na universidade, deveria ser preparado

para as dinâmicas cotidianas deste espaço e, principalmente, orientado a como lidar com o

objeto do conhecimento, ou seja, aprender a aprender. Embora os procedimentos de ensino

e aprendizagem dos ideais escolanovistas estejam previstos no PPI da UFRB, com exceções,

o que prevalece, na prática em sala de aula, é o modelo tradicional-tecnicista de ensino,

sobretudo nos cursos da área das ciências exatas. Devido a este fato, o aprender a aprender

termina sendo uma etapa esquecida nos semestres iniciais desta Área.

É preciso ressaltar que, no modelo de ensino ideal-necessário, a responsabilidade

em ensinar o discente a aprender é um papel do professor e esta preparação deveria ter

seu início no ensino fundamental. Infelizmente, no modelo de ensino real-existente das

escolas públicas, na maioria das vezes, isto não ocorre. Uma vez ingressando na

universidade com este lapso de conhecimento, no modelo ideal-necessário, eles deveriam

receber algum tipo de nivelamento para poder acompanhar a nova dinâmica e enfrentar os

conteúdos do ensino superior, mas esta incumbência não seria exclusivamente dos

docentes. Considerando que a instituição possui como missão receber no mínimo 50% dos

seus estudantes oriundos da rede pública de ensino, a UFRB deveria ofertar, através da

PROPAAE e paralelamente às componentes curriculares iniciais dos cursos de graduação,

instrumentos pedagógicos de apoio e orientação à aprendizagem. Como eu disse

116

anteriormente, não é somente a garantia de vagas e as políticas de permanência17, é

necessário garantir condições de aprendizagem através da promoção do desenvolvimento

intelectual e de conhecimento para a formação profissional destes estudantes. Esta ação

serviria como uma estratégia de ensinagem prevista no PPI para os estudantes ingressos

na UFRB, a qual auxiliaria os docentes, de forma determinante, no exercício constante do

ensinar a aprender. Isto, sim, é o real e é necessário!

Qual o objeto do trabalho docente? Não se trata apenas de um conteúdo,

mas de um processo que envolve todo um conjunto de pessoas na

construção de saberes, seja por adoção, seja por contradição. Conforme já

dito, todo conteúdo possui em sua lógica interna uma forma que lhe é

própria e que precisa ser captada e apropriada para a sua efetiva

compreensão. Para essa forma de assimilação, que obedece à lógica

interna do conteúdo, utilizam-se processos mentais ou as operações do

pensamento. Por exemplo, na metodologia tradicional, a principal

operação exercitada é a memorização; hoje, esta se revela insuficiente para

dar conta do profissional de que a realidade necessita (ANASTASIOU;

ALVES, 2009, p. 76, grifos das autoras e meus).

Portanto, em função:

• de um Brasil real-existente que não investe na educação de seu povo;

• dos constantes ataques às universidades e à pesquisa científica pelo governo

federal;

• das dificuldades de visualização mental dos novos conteúdos apresentada pelos

estudantes e, em consequência disto, da dificuldade de apreensão dos objetos do

conhecimento curricular;

• do CHC, o contexto histórico-cultural do estudante do Recôncavo da Bahia;

• do NC, o nível de conhecimento do estudante proveniente das escolas públicas

do interior da Bahia;

• do OEC, o objetivo de ensino dos conteúdos que constituem os currículos

das Ciências Exatas e Tecnológicas, que estão desarticulados do PPI e no

próprio PPC;

• de projetos de vida que tem dificuldades intrínsecas de se efetivar;

Vale ressaltar que eu deixei de lado a luta pela implantação de um modelo de ensino

ideal-necessário para a realização de uma estratégia possível no real-existente. Para tanto,

17 São políticas de permanência e assistência estudantil da UFRB a oferta a estudantes carentes de residência

estudantil, restaurante universitário, material escolar básico e assistência psicossocial.

117

criei a EEnsinagem, estratégia de ensinagem, o grafismo, para aplicar junto aos discentes

do BCET da UFRB.

5.3. O GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AO ENSINO

SUPERIOR

5.3.1. O que é grafismo?

Foi o nome que defini a uma técnica de estudos que consiste em, enquanto o

aprendente estiver estudando, registrar graficamente o desenvolvimento, o passo-a-passo, a

evolução ou a construção do objeto do conhecimento.

Tecnicamente, logo no início dos estudos, o aprendente começa registrando os

elementos que constituem o objeto, na forma caótica que se apresentam ao pensamento –

na sua imaginação – após a experiência sensível. Na sequência, estes elementos que

inicialmente estavam soltos e bagunçados, de maneira tal que os olhos do pensamento não

conseguiam enxergá-los, através da forma gráfica projetada a luz sobre o papel, passam a

ser visíveis e são progressivamente organizados, movimentados em causas e efeitos e

articulados até receberem conexões ou associações entre si. Durante este processo, o

aprendente usa o lápis e a borracha de forma livre, sem regras de representações gráficas.

O importante é registrar, ilustrar, levar do pensamento para o papel e visualizar a

construção do objeto do conhecimento. A partir das associações, o objeto do conhecimento

começa a apresentar uma forma: a forma construída pelo aprendente, do papel para o

pensamento, na sua imaginação.

118

Figura 1 – Estudando Aristóteles: síncrese a síntese

119

Figura 2 – Estudando Aristóteles 2

Na Figura 1 e na Figura 2 (destaques do Apêndice J), apresento a evolução do

conhecimento sobre a concepção de imaginação pelo filósofo Aristóteles, nos dois exemplos

de grafismo realizados por mim enquanto estudava a fundamentação teórica desta Tese. Na

Figura 1, a parte do grafismo executado apresentou os aspectos do pensamento do grego

120

enquanto eu lia a dissertação “A Phantasía na teoria aristotélica da alma: sentidos e

dimensões”, de Kubiszeski (2016). Nesta figura, logo abaixo do referenciamento de autoria

do trabalho, os elementos foram grafados de forma caótica, ou seja, a síncrese. Na medida

que avançava na leitura, grafava aquilo que julgava importante e gradativamente construía

o entendimento sobre o tema. No início, repeti palavras resgatadas do texto e usei setas de

conexão para me auxiliarem nas associações entre os conceitos. O desenho com formas

geométricas no centro da imagem representa graficamente como visualizei na minha

imaginação a hierarquização das faculdades humanas concebida por Aristóteles. Abaixo

deste desenho, comento com palavras próprias o meu entendimento, ascendendo na espiral

do conhecimento até que chegar à síntese sobre o assunto no último destaque da figura

quando escrevo: “para Aristóteles não há pensamento sem a contemplação da imagem. Ou

seja, a imaginação é a visualização mental do pensamento”.

Na Figura 2, o grafismo apresentado é uma síntese dos tipos de imaginação

concebidos por Aristóteles. É um grafismo em forma de mapa conceitual onde representa

apenas os conceitos chave da concepção do filósofo. Não traz o caos sincrético do primeiro

contato com o objeto do conhecimento, demonstrando as conexões e associações de forma

organizada e na lógica do entendimento obtido.

À luz da metodologia dialética do conhecimento18, o grafismo, enquanto uma

técnica de estudos aplicada, avançou a etapa de movimento e esforço do sujeito para a

materialização do seu pensamento abstrato. Ele se tornou a representação gráfica do

movimento espiral do conhecimento: devido a aplicação do método do pensamento, da

síncrese até a síntese do objeto pela mediação da análise do pensamento. É a representação

gráfica do movimento do pensamento para o conhecimento.

Na metodologia dialética, como já discutido, o docente deve propor ações

que desafiem ou possibilitem o desenvolvimento das operações mentais.

Para isso, organizam-se processos de apreensão de tal maneira que as

operações de pensamento sejam despertadas, exercitadas, construídas

e flexibilizadas pelas necessárias rupturas, por meio da mobilização,

da construção e das sínteses, devendo estas ser vistas e revistas,

possibilitando ao estudante sensações ou estados de espírito carregados de

vivência pessoal e de renovação (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 76,

grifos meus).

À luz da crença motivadora desta tese, o grafismo é a imaginação estendida19, a

materialização gráfica dos elementos do pensamento durante o processo de construção do

18 Apresentada no capítulo 03. 19 Conforme explicado no capítulo 02.

121

conhecimento: entender e raciocinar é imaginar articulações e associações dos elementos

do objeto do conhecimento; analisar é imaginar as partes do todo do objeto do

conhecimento; e apreender é imaginar o próprio objeto do conhecimento.

Pensar por si mesmo significa conhecer o real com os recursos do

próprio pensamento. A pessoa esclarecida não é aquela que possui muitos

conhecimentos, mas aquela [que é audaciosa ao] fazer uso de seu

pensamento sem a direção de outrem. Servir-se do próprio pensamento”

(BUZZI, 2012, p. 198, grifos meus).

Enfim, o grafismo é uma ferramenta elaborada com o objetivo de auxiliar o

aprendente a visualizar graficamente os recursos do próprio pensamento durante o

conhecimento da realidade. Com as devidas adaptações, vale ressaltar, o grafismo pode ser

utilizado durante os estudos de qualquer tema de todas as áreas do conhecimento e, de

acordo com a natureza do assunto abordado, pode ser também adaptado, seguindo a forma

de melhor representação e denominação (vide Apêndices J, K, L, M e N). Pode ser chamado

de passo-a-passo, método descritivo, passo-a-passo lógico, desenvolvimento descrito do

conceito etc.

No nosso caso de estudo de implementação e aplicação da técnica, o docente da

componente corpus, o professor Denis Petrucci de Mecânica dos Sólidos II, nomeou o

grafismo por método descritivo ou passo-a-passo, características da nomeação que se

observam na Figura 3 e Figura 4 – exercícios com a aplicação do grafismo pelos DIS07 e

DIS11, sucessivamente abaixo apresentados:

122

Figura 3 – Grafismo descritivo

Na Figura 3, o DIS07 lançou mão da forma descritiva de execução da técnica de

estudos. No caso do DIS11, na Figura 4, a opção foi pelo passo-a-passo. Esta diferença

entre as formas de execução do grafismo está relacionada com a liberdade de formas de

representação dada pela proposta da pesquisa e com o objetivo de não se estabelecer

qualquer obstáculo entre o pensamento do aprendente e o papel. O importante é grafar, é

123

materializar, colocar no papel e visualizar os elementos e as determinações que compõem a

construção do objeto do conhecimento.

Figura 4 – Grafismo passo-a-passo

5.3.2. Aprender a imaginar graficamente para conhecer

O grafismo, como técnica de estudo, nasceu da minha relação histórica com a

expressão gráfica. Graduada em desenho industrial com habilitação em programação visual,

pela UNEB, fiz o mestrado em Desenho, Cultura e Interatividade na UEFS, atuei como

diretora de arte em publicidade, fui docente de publicidade e propaganda e sou docente da

disciplina desenho técnico e geometria descritiva para as engenharias na UFRB. Sem contar

com as minhas experiências de campo, se fosse investigar sobre algum tema que a expressão

124

e representação gráfica circunscreve, provavelmente resultaria em um trabalho da dimensão

de uma tese.

Pela razão do aprofundamento sobre o grafismo enquanto expressão e

representação gráfica não ser o objetivo deste trabalho, concentro esta apresentação na

técnica de estudos e nas informações que considero essenciais para a sua compreensão.

Porém, pelo fato desta tese representar o meu ideal de professora por um ensino necessário,

aluna que fui um dia, apresentarei, aqui, um pouco do que apreendi sobre o assunto através

das palavras e linhas dos meus reais professores de graduação e mestrado.

a. Grafismo é expressão gráfica, expressão gráfica é o desenho da imaginação.

Ainda lembro do professor Manoelito Damasceno20, nas aulas de desenho projetivo

da graduação, falando da importância do rascunho ao projetar um objeto, independente da

sua natureza. De maneira poética, ele explicava que durante o rascunhar, as soluções pelo

raciocínio e a criatividade eram transportadas do pensamento para o papel. Se, de alguma

forma, algum de nós, alunos, sentisse alguma dificuldade na habilidade em desenhar, na

opinião dele, isto não era problema, pois as letras e palavras são códigos gráficos

organizados para um fim comunicativo e devem ser o “primeiro rascunho expresso para as

ideias não fugirem”. Ele dizia: “os traços à lápis são elementares na construção de um

objeto, expressam a alma do desenhista; podem rascunhar à vontade, é assim que a

imaginação se expressa!”

O grafismo é o conjunto das formas de expressão e representação que se utiliza dos

códigos da linguagem gráfica. São elas: pontos, linhas, planos, cores, escrita, formas

abstratas, formas figurativas, formas geométricas e mapas.

Quando pesquisado em dicionários on-line, encontramos definições tais

como: “forma de representar graficamente as palavras de determinada

língua; grafia, ortografia; forma pessoal de representar graficamente as

palavras; caligrafia, letra; técnica de fazer traços e riscos, sem significação,

como preparação para a escrita21”. Pela Etimologia, a palavra grafismo é

“derivada do grego graph(o), de gráphein, escrever, descrever,

desenhar”, explica Cunha (2010, p.322, grifos meus).

Desenho é: o ato de debuxar e do colorir; a fantasia, a invenção, a

criatividade; a imaginação e a habilidade de representar esta através da

expressão gráfica; a circunscrição e a inscrição de valores do desenhador e

20Manoelito Damasceno: atualmente é professor titular da Universidade do Estado da Bahia e Adjunto da

Universidade Federal da Bahia. Endereço do currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/9844910977441166> 21GRAFISMO. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www. uol. com. br/michaelis>. Acesso

em: 06/06/2020.

125

da sociedade à qual pertence aos elementos que ele desenha para montar a

cultura material; a tecnologia que se insere na geometria da forma e na

qualidade dos produtos industriais desenhados; uma atividade que é regida

pelas características de uso, pelo planejamento econômico e pelo

conhecimento estético envolvidos em um produto; uma atividade que se

formaliza quando se é possível equacionar vários fatores projetuais em um

produto industrial; em suma que desenho é, simples e puramente,

Desenho (GOMES22, 1998, p. 29-30, grifos meus)!

Logo, grafismo é uma das formas da imaginação estendida. É a representação dos

traços de uma cultura, do imaginário de um povo, segundo o professor Edson Ferreira23,

durante as aulas de desenho e cultura, no mestrado.

b. Um instrumento para o conhecimento

Grafar, rascunhar, escrever e desenhar enquanto estuda é um costume que vem dos

longínquos tempos das imposições das pedagogias tradicionais, sobretudo as jesuíticas24.

O objetivo da técnica naquela época era auxiliar na memorização. A aula, segundo o método

de ensino jesuítico, foi composta em dois momentos: a lectio, que eram ações feitas apenas

pelo professor quando ocorria a leitura, interpretação de um texto, destaque de conceitos e

discussões entre autores teóricos; e a questio, onde ocorriam sequências de perguntas e

respostas entre professor e alunos.

Aos alunos, durante estes momentos, cabia realizar as reportationes, ou

seja, anotações em seus cadernos, para serem memorizados com

diferentes exercícios. Cabia-lhes também utilizar um caderno para loci

communes, onde registravam, por ordem, assuntos, frases

significativas, palavras, pensamentos, ou contemplavam estas

anotações com citações transpostas, imitando os clássicos. Como o

texto comentado pelo professor suscitava dúvidas, surgiam as questiones,

indagações feitas pelos alunos, ou pelo professor, visando clarear pontos

dificultosos. Destas, surgiram as disputationes entre professor e alunos,

ou alunos/ alunos, podendo ser organizadas de diferentes formas. E fora

dos horários de aulas, realizavam as repetições do meio do dia –

reparationes prandii -, e as do final da tarde – repationes coenae –

buscando-se garantir a revisão da matéria tratada. Além disso, havia o

recurso da glosae, que consistia em copiar um texto no centro do

pergaminho, deixando-se espaços entre as linhas para colocação das

palavras mais difíceis – glosae interlineares – e, nas margens, citações

complementares de autores antigos glosae marginalis (ANASTASIOU,

1998, p.87, grifos meus).

22Luiz Vidal Negreiros Gomes: atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Endereço do currículo Lattes:<http://lattes.cnpq.br/8337493682978892>. 23Edson Dias Ferreira: atualmente é professor pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana. Endereço

do currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/1254681923469103>. 24 Assunto apresentado no capítulo 04, item 4.1.1.

126

As técnicas – reportationes, loci communes, glosae interlineares e glosae

marginalis – têm o mesmo princípio do grafismo, servindo para a imaginação estendida, ou

seja, uma forma de materialização e visualização das informações abstraídas do pensamento

para o papel. A diferença é que no método medieval – tradicional – esta materialização

deveria ocorrer tal qual estava nos livros, ipsis litteris, pois o conhecimento do objeto estava

diretamente relacionado a sua reprodução fiel pelo estudante. No caso da técnica do

grafismo, à luz da metodologia dialética do conhecimento, o objetivo é auxiliar o estudante

no momento de análise entre a síncrese e a síntese do objeto.

Durante a síncrese, quando o aprendente se depara pela primeira vez com o objeto

do conhecimento, ele tem apenas uma visão superficial. Como se diz no meio

cinematográfico, é uma tomada geral do cenário. Por isto, eles relatam “não conseguir

visualizar” os elementos da nova informação apresentada pelo professor. Neste momento,

o que existe na imaginação é uma porção de novos elementos, desorganizados e desconexos,

fato este que defini por escuridão cognitiva25. Neste momento, o grafismo serve como um

instrumento de materialização das informações. Grafar os elementos que compõe o objeto

auxilia o aprendente na organização destes elementos e o possibilita de estabelecer as

relações de associações, contradições, interdependências, causa e efeito, separando assim a

essência do fenômeno, como explicou KOSIK (1969). Desta maneira, o aprendente chega à

elucidação e à apreensão do objeto, ato diferente da retenção, da memorização, que eram o

objetivo da metodologia jesuítica.

25 Conforme explicado no capítulo 03.

127

Figura 5 – Entendendo Kant

128

No grafismo da Figura 5 (destaque do Apêndice K), o qual realizei e nomeei por

“Entendendo Kant”, fica claro que esta técnica de estudos tem os mesmos princípios das

reportationes e loci communes das técnicas jesuíticas. No entanto, conforme expliquei

anteriormente, a diferença entre estas duas formas de estudos, o grafismo e a jesuítica, é

que o objetivo desta se encerra na memorização. O grafismo aplicado vai além, visa

ascender na espiral do conhecimento, pois leva o sujeito a produzir o próprio objeto, como

na terceira página no Apêndice K (p.324), nos exemplos da Figura 1 e Figura 2 (Apêndice

J), quando trouxe os grafismos que demonstram a evolução do meu entendimento sobre as

concepções de Aristóteles, e a seguir, onde trago a síntese de um objeto do conhecimento,

a concepção da definição sobre o próprio grafismo:

129

Figura 6 – Grafismo nas formas de texto e mapa conceitual

Na Figura 6 (Apêndice L), executei o grafismo em forma de texto, a fim de uma

construção textual sobre o assunto. Na Figura 7 (Apêndice L), lancei mão de uma forma

mista de mapa conceitual e desenho à mão livre, usando linhas de nexos entre conceitos

chave e desenhos figurativos.

130

Figura 7 – Grafismo na forma de mapa conceitual e desenho

Trabalhos desenvolvidos em psicologia cognitiva mostram que a

dedução ou a indução formais não são produtos espontâneos do

sistema nervoso de indivíduos desarmados de ferramentas como

papel, lápis, ou possibilidade de discussão coletiva . [...] Experiencias

foram realizadas com centenas de pessoas, em sua maioria de estudantes

ou universitários e entre estes muitos estudantes de lógica. [...] Sem

ajudas externas tais como escritas simbólicas, tabelas de valores

verdade, diagramas e discussões coletivas diante de um quadro-

negro, os humanos parecem não possuir uma aptidão particular para

a dedução formal. [...] Recursos cognitivos exteriores ao sistema

nervoso parecem ter sido as ferramentas utilizadas pelos humanos

para desenvolver raciocínios abstratos. [...] A memória de curto prazo

delega uma parte de suas funções à tinta, ao papel e à codificação. Uma

vez que os processos de leitura e escrita, de desenho, e de cálculo

tenham sido automatizados através de uma aprendizagem prévia , não

recorrem mais à atenção e à memória imediata. Ao usarmos as

tecnologias intelectuais, buscamos o mesmo que ao seguir uma

heurística. Mas, em vez de recorrer a um automatismo interno,

usamos dispositivos externos (lápis e papel, desenho, leitura e escrita

e cálculo) (MEDEIROS26, 1998, p. 465, grifos meus).

26Ligia Maria Sampaio de Medeiros: atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual do Rio de

Janeiro. Endereço do currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4080634349841112>.

131

O que a psicologia cognitiva denominou por tecnologias intelectuais27, os

desenhistas e projetistas conhecidos por arquitetos, designers, engenheiros, pesquisadores,

filósofos, pedagogos, biólogos, administradores etc., chamam por rascunho, mapa,

diagrama, ilustração, desenho, escrita, grafismo.

É durante o movimento sincronizado entre pensamento, lápis, papel e pensamento

que o sujeito constrói o conhecimento do objeto e pode até criar novos objetos. Isso ocorre

tanto com aqueles que inicialmente têm dificuldades em organizar os elementos de um novo

conteúdo na imaginação, como também com os mais geniais personagens da humanidade,

a exemplo de Leonardo Da Vinci (1452-1519), que muito se utilizou desta técnica ao

pensar, solucionar e criar graficamente as máquinas e ferramentas que mudaram o curso

da história da tecnologia mundial. O professor Robérico Gomes28, estudioso sobre a forma

de produção da obra de Da Vinci, resumia a genialidade do mestre renascentista com as

seguintes palavras: ele pensava na ponta do lápis.

O professor Manoelito Damasceno pensa o desenho e para ele.

[...] a ação de desenhar não é um ato somente psicomotor, cognitivo e

efetivo. É, em realidade, o processo de interação do indivíduo com os

valores que circunscrevem, isto é, materiais psicológicos, sociais,

políticos, culturais, ideológicos e religiosos. Representar graficamente um

objeto significa adentrar em sua natureza, concebendo-o como uma

coisa viva e que integra o ambiente, dando-lhe também vida. Registrar

graficamente a natureza do objeto implica um esforço orgânico em que

relações e interrelações matemáticas, físicas e espirituais se fazem

integralmente presentes, desvelando entidades que configuram um

sistema epistemológico de teoria e prática de modo tão utilitário que

torna-se difícil e quase impossível separá-las uma da outra,

digitalizando-as. [...] Assim todo o processo de compreensão do espaço,

quer de maneira ideológica formal, quer não formal, diz respeito a um

processo dialético de entendimento do mundo onde as formas visuais se

constituem em um mundo icônico necessário e fundamental para a

comunicação humana e, por conseguinte, à natureza do ser. Neste

sentido as relações dos conteúdos: interiores e exteriores da forma são

estruturados por entidades unitárias e universais que projetam a comunhão

dialética do espaço e movimento realimentando a construção do tempo

com elemento absoluto e de compreensão relativa. [...] É, sobretudo, o

início de um processo de reconhecimento que procura conferir nossa

capacidade de participar deste mundo transformando-o, tendo certeza de que

somos criaturas e criadores, e que, acima de tudo, somos capazes de

construir uma nova história, de que nos conduzirá para além das nossas

esferas transacionais e uma nova era, convictos que seremos também

27 Definição dada pelo filósofo contemporâneo Pierre Lévy (1956-). 28Robérico Celso Gomes: professor pleno aposentado pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

132

capazes de re-simbolizar, desenhando (DAMASCENO, 1998, p. 106,

grifos meus).

Desenhando e grafando o conhecimento me permite afirmar, portanto, que o

grafismo é o desenho da construção e concepção do conhecimento pelo homem.

5.3.3. Qual o objetivo da técnica de estudos grafismo?

a. Da escuridão à luz cognitiva

Ao receber os novos conteúdos curriculares em sala de aula, o aprendente passa

pela síncrese, pela escuridão cognitiva, que o leva a não visualização clara dos elementos

constituintes do objeto do conhecimento no seu pensamento, na sua imaginação: visualizar

o objeto no pensamento é imaginar o objeto29.

Em consequência da escuridão cognitiva, o aprendente não imagina o objeto em

si, tão pouco seus elementos constituintes – abstração; não imagina suas próprias

experiências com o objeto – memória; não imagina possíveis articulações e associações –

raciocínio; não imagina os elementos constituintes do objeto e suas relações na construção

do objeto – análise; não imagina possíveis combinações com outros objetos – resolução de

problemas; não imagina novas combinações ou possibilidades para o objeto – criatividade;

e não imagina o objeto a partir da própria concepção.

Lançando mão do grafismo, o aprendente registra os elementos constituintes do

objeto no papel, numa disposição que inicialmente segue o mesmo caos apresentado pela

experiência na imaginação. No entanto, durante o movimento do objeto e seus elementos

do pensamento para o papel, isto é, quando o aprendente os representa na forma gráfica,

que defino por imaginação estendida, sucede-se um clareamento destes elementos e eles

se tornam visíveis para os olhos e pensamento do aprendente. Neste momento, é projetada

a luz cognitiva para a elucidação do objeto do conhecimento, conforme explicou Luckesi

(2011)30. Como o grafismo é a representação gráfica do pensamento, o objetivo do seu

uso é auxiliar o aprendente a vencer a escuridão causada pela síncrese e chegar até a

elucidação cognitiva através da visualização dos novos conteúdos e seus elementos

registrados no papel.

b. Visualização e organização gráfica das ideias.

29 Conforme apresentado no capítulo 02. 30 Tema explicado no capítulo 03.

133

Superado o obstáculo da síncrese, é dado início à segunda fase do processo do

conhecimento que é a organização gráfica das ideias para a análise pelo pensamento: é

quando entram em ação as expressões das imaginações subjetiva, produtiva e reprodutiva31.

A imaginação subjetiva entra em ação porque ela é a expressão das molas

propulsoras do aprendente, das suas emoções. Estas molas são a necessidade, a disposição,

o empenho, o desejo e o gosto pelo conhecimento. Sem estes impulsores, não há

possibilidade para a aquisição do conhecimento.

No caso da imaginação produtiva, durante a organização gráfica das ideias, ela

opera de forma plena, representando as intelecções, que é o raciocínio em suas articulações

e associações. A imaginação produtiva também expressa à criatividade, quando ocorre a

intenção do aprendente em ressignificar ou produzir algo novo para o objeto do

conhecimento.

A imaginação reprodutiva opera na representação do próprio repertório histórico-

social do aprendente e sua relação com o objeto do conhecimento. Sem as lembranças por

ela produzidas nas associações e relações de causa e efeito na construção do objeto, o

conhecimento do objeto pelo aprendente se torna uma tarefa árdua e muitas vezes

inexequível. Este é um dos motivos pelo qual a metodologia dialética e as pedagogias de

tendência crítico-social dos conteúdos32 defendem que o ponto de partida e de chegada para

o conhecimento do objeto deve ser o contexto histórico-social do aprendente.

Ilustrados todos os elementos que constituem o novo conteúdo, os outros objetos

que fazem parte do contexto, da totalidade33, e os determinantes de causa e efeito do objeto

do conhecimento, leva o aprendente a ter condições de organizar graficamente todos estes

componentes. Quando digo ilustrados, refiro-me aos elementos registrados graficamente,

visualizados e iluminados para o pensamento. Para realizar esta organização gráfica, o

aprendente deve sentir-se livre e sem a definição de regras de representações. Ele pode usar

quaisquer artifícios gráficos: diagramas, mapas mentais ou conceituais, desenhos

figurativos, blocos de textos conectados por linhas ou setas, formas geométricas, cores,

colagens, numerações e etc – conforme o grafismo “para entender Thomas Hobbes” no

Apêndice M (p.328). A forma de representação gráfica indicada para a aplicação do

grafismo é aquela que seja mais fácil e confortável para a execução pelo aprendente.

31 Assunto tratado no capítulo 02. 32 Apresentado no capítulo 04. 33 Apresentada no capítulo 03.

134

Enquanto estuda através das anotações feitas em sala de aula, textos em apostilas e

livros indicados pelo professor, o aprendente natural e gradualmente representa as relações

de causas e efeitos e as conexões entre os componentes daquele conteúdo do conhecimento.

Durante este movimento, sua imaginação é estimulada e as suas ideias estão se mobilizando

através das operações do raciocínio e das memórias, sobre as quais as representações gráficas

são a própria imaginação estendida resultada destas operações cognitivas.

O aprendente, num movimento de idas e voltas entre o pensamento e o papel,

visualiza e organiza suas ideias. Desta forma, gradativamente, se constrói um objeto

semelhante ao que recebeu antes no ponto de partida para a apreensão, onde no ponto de

chegada do movimento espiral do conhecimento se tornou um objeto “próprio e

apropriado”, conforme explicou Galeffi e Macêdo (2014).

Sendo assim, o grafismo, enquanto técnica de estudos possui como objetivo o uso

do próprio processo de sua execução. Enquanto é realizado se torna uma ferramenta que

permite a ilustração, visualização e organização gráfica dos elementos do objeto do novo

conteúdo durante a sua análise pelo pensamento, bem como a construção do próprio objeto

pelo aprendente.

c. Direcionamento do pensamento

Um dos princípios básicos da metodologia dialética é a “orientação do movimento

do pensamento, do raciocínio, durante o exame do fenômeno. Ele determina que o ponto de

partida da análise deve ser ‘formalmente’ o mesmo do ponto de chegada. O fenômeno em

exame, em si, deve ser o mesmo durante a ação do conhecer”, conforme expliquei no

capítulo 3. Tomei este entendimento e, por analogia, usei como exemplo ilustrativo do

movimento em espiral. Sob este mesmo princípio, as teorias de aprendizagem de tendência

progressista também formularam seus métodos didáticos:

Reforça-se que o ponto de partida é a prática social do aluno, a qual, uma

vez considerada, torna-se elemento de mobilização para a construção do

conhecimento. Tendo o pensamento mobilizado, o processo de construção

do conhecimento já se iniciou. É preciso estar atento para que a elaboração

da síntese do conhecimento, momento destacado na metodologia

dialética, não fique desconsiderada. Ela possibilita a volta à prática

social já reelaborada, uma vez que o aluno construiu, no pensamento

e pelo pensamento, a evolução do objeto de estudo pretendido

(ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 81, grifos meus).

No entanto, o direcionamento do pensamento não se dá apenas através da referência

entre os pontos de partida e de chegada do conhecimento. Conforme apresentei

135

anteriormente34, existem dois fatores que agem no aprendente durante os estudos: o primeiro é

que, segundo Kosik (1969), a ação conhecer leva o pensamento a um détour; e o segundo fator

é a subjetividade do aprendente e todos os elementos que ela produz na sua imaginação

subjetiva durante a análise do objeto do conhecimento. Se o aprendente não tiver balizas

orientadoras durante o seu détour, ele pode literalmente se perder pelo caminho.

O grafismo funciona como um registro gráfico, inclusive dos passos ou fases para

o desenvolvimento e construção do objeto do conhecimento. É a própria materialidade

destas representações que serve como baliza e direcionamento da ação do conhecimento,

do détour do pensamento. Assim, pelo próprio princípio desta técnica de estudos, o objetivo

de seu uso é o direcionamento do pensamento durante o conhecimento.

d. Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação.

Conforme expliquei na seção anterior, o grafismo está ancorado na concepção

dialética e a partir desta, na metodologia dialética do conhecimento. Kosik (1969) nomeou

esta teoria como o método do pensamento35 e, segundo ele, a aplicação deste método

direciona o pensamento e promove uma constante ascensão no grau de conhecimento do

indivíduo, o que Anastasiou (2009) explicou como sendo a evolução das sínteses

elaboradas pelos indivíduos, isto é, a referência da metodologia dialética como o

movimento espiral do conhecimento.

De forma prática, os programas de conteúdos curriculares das componentes são

normalmente organizados de forma progressiva na complexidade do conhecimento.

Supondo que uma componente qualquer tenha três conteúdos sucessivos: 01, 02 e 03. A

apreensão do conteúdo 02 depende da apreensão do conteúdo 01; a apreensão do conteúdo

03 depende da apreensão do 02 e 01, de maneira cumulativa. Na perspectiva dialética, o

movimento espiral do conhecimento é direcionado, evolutivo e ascendente36. Por exemplo,

ao elaborar a síntese do conteúdo 03, o aprendente usa durante a análise pelo pensamento

as sínteses dos conteúdos 02 e 01 como elementos de associação e articulação para o

conhecimento de 03. Anastasiou e Alves (2009) complementam, afirmando que:

[...] o princípio dialético da caminhada com o aluno, da síncrese (ou visão

inicial, não elaborada, caótica etc.) para a síntese, que constitui um

resultado das relações realizadas, agora organizadas de modo

qualitativamente superior. Esse processo se dá pela análise, que é posta

34 Capítulo 3. 35 Conforme explicado no capítulo 03. 36 Conforme explicado no capítulo 03.

136

em prática nas operações mentais sistematizadas nas estratégias, ou seja:

ao escolher e efetivar uma estratégia, o professor propõe aos alunos a

realização de diversas operações mentais, num processo de crescente

complexidade do pensamento (p. 80-1, grifos meus).

Considerando que, pela metodologia dialética, o movimento do pensamento é como

uma espiral que gira em torno de um objeto de forma evolutiva e crescente; considerando

que pensar é imaginar e pensamento é imaginação, logo entendo que aplicando a

metodologia dialética do conhecimento, mobilizo e estimulo a imaginação, de forma

direcionada, evolutiva e crescente. Como o grafismo é a representação gráfica do

movimento espiral da imaginação, o objetivo desta técnica de estudos é estimular o

exercício da imaginação dos aprendentes.

5.3.4. Grafismo na prática: estimulando a imaginação.

Por que a execução do grafismo promove o estímulo ao exercício da imaginação?

O ato de grafar é um fazer da imaginação, pois o grafismo é a materialização

daquilo que está no pensamento do sujeito, é a execução de um pensamento, é um tipo de

imaginação estendida. Só é possível grafar aquilo que se pensa, se imagina. Não há a

possibilidade de grafismo ou da execução de um objeto material, se não houver um

pensamento, uma imaginação. A própria ação de levar ao papel (ou materializar) aquilo que

se pensa é uma forma de estimular, de motivar o exercício do pensamento, da imaginação.

Pois o combustível que move o corpo para grafar é gerado pelas engrenagens do

pensamento, em outras palavras: o aprendente, ao usar o grafismo como técnica de estudos,

naturalmente estimula o exercício da sua imaginação, do seu pensamento, por que necessita

das operações imaginar para grafar.

Além disto, ao se perceber materializando os próprios pensamentos, as suas

imaginações, o sujeito experimenta o sabor da concretização de um objeto ou objetivo,

sejam estes de uma natureza qualquer. Este fato faz emergir a satisfação pela realização – a

áurea de satisfação – o que motiva o sujeito a pensar mais e mais, imaginar mais e mais.

Portanto, o grafismo na prática é uma forma de estímulo ao exercício – do fazer pensar, do

fazer imaginar .

Para ilustrar, trago dois exemplos, o primeiro é uma analogia: a ação de caminhar

é resultado do movimento das pernas e pés a cada passo executado. Existe nesta ação

motivações objetivas e subjetivas, além de um esforço físico, um exercício mecânico

operado pelo conjunto dos membros inferiores do corpo humano, músculos, pernas e pés.

137

Não é possível caminhar se não houverem as passadas executadas de um pé após outro pé

articulados pelo impulso gerado pelo movimento dos músculos. A distância percorrida pelo

ato caminhar é a materialização destes esforços que geraram o movimento do corpo. Da

mesma maneira é o grafismo: não é possível o traço no papel se não houver o esforço, o

impulso gerado pelo exercício do pensar, do imaginar para grafar.

O segundo exemplo eu resgato das minhas observações sobre o comportamento

produtivo de imaginações por artistas e profissionais onde o perfil criativo é um pré-

requisito. No caso dos artistas a soma entre emoção e uma habilidade técnica os leva a

expressões e representações que se traduzem em sentimentos, fé, história, cultura,

posicionamentos filosóficos ou políticos, protestos, denúncias etc. Todo e qualquer produto

artístico são formas de imaginação estendida, são expressão e representação de um

pensamento, de uma imaginação. O ato de concretizar um pensamento leva o seu autor a

uma áurea de satisfação, motivando-o a produzir mais e mais. É como uma energia gerada

por si mesmo para a realização, a concretização da próxima imaginação, da próxima emoção

– conforme o exemplo de grafismo produzido por mim “para compreender Jean-Paul Sartre”

no Apêndice N (pag. 332).

No caso dos profissionais de perfil criativo, aqueles que o seu produto imaginativo

tem fundamentos e habilidades técnicas e são de fins lucrativos, a concretização de seus

pensamentos passa por métodos definidos, pelo primor e exigência da qualidade, bem como

o atendimento a normas específicas. É certo que estes profissionais são capacitados a usar

instrumentos técnicos para o desenvolvimento dos produtos, desde a criação até a execução.

Mas este fato só é mais um combustível para o exercício de suas imaginações. A

concretização de suas ideias vai além da execução de um trabalho, passa pela áurea da

satisfação, pelo motor de auto-energia, o impulso para a próxima imaginação estendida, o

próximo produto.

A expressão do pensamento para o papel e do papel para o pensamento é uma

forma de explicação do movimento que o objeto do conhecimento faz, do abstrato para o

material e do material para o abstrato enquanto o sujeito constrói o próprio objeto e evolui

na espiral do conhecimento. Durante este movimento, cada traço que surge no papel é uma

extensão, uma representação, de uma imagem produzida na imaginação. O traço ou desenho

ou texto não é cópia daquilo que passou pelo pensamento, é sim uma forma de expressão

do sujeito enquanto pensa, enquanto imagina.

As formas grafadas são produtos gerados pelas articulações operadas pelo

raciocínio, criatividade, memória e subjetividade do sujeito, pois enquanto o conjunto

138

destas faculdades estão em pleno funcionamento, ele naturalmente visualiza estas operações

em sua mente, na sua imaginação. Valendo lembrar que pela representação mental de cada

uma destas faculdades, classifiquei os tipos de imaginação: a reprodutiva, resgatando

imagens da memória; a imaginação subjetiva, expressando o eu subjetivo do sujeito que

pensa; a produtiva intelectiva, expressando as operações do raciocínio; a produtiva criativa,

apresentando na mente as novas articulações pela criatividade; e a imaginação estendida,

tema em pauta neste momento através desta abordagem sobre a prática do grafismo.

Ao receber uma nova informação, mesmo que esta chegue acompanhada com os

elementos de seu contexto e totalidade, as relações entre as suas partes e as suas

determinações de causa e efeito, o pensamento do sujeito passa pelo caos do primeiro

contato, a escuridão cognitiva ou o caos sincrético como é definido pela teoria dialética do

conhecimento. É um momento confuso para a visualização dos elementos da informação

na imaginação. Este caos visual permanece no pensamento do sujeito até que, através das

associações e articulações operadas em conjunto pelas suas faculdades cognitivas

(subjetividade, memória, raciocínio e criatividade) organizem os elementos, possibilitem o

detour (KOSIK, 1969) pela análise e levem o sujeito a produzir o próprio objeto, chegando

a síntese da informação.

Em situações de boa saúde emocional e cognitiva, bem como normalidade

cotidiana, as pessoas conseguem naturalmente ultrapassar do caos sincrético até síntese pela

análise do pensamento sem precisar lançar mão de ferramentas externas para lhes auxiliarem

no processo de entendimento e construção do conhecimento do objeto. No entanto, quando

a informação é composta por uma complexidade de fatores e determinações, ou o sujeito

apresenta alguma dificuldade imaginativa qualquer, ou a combinação destas duas situações,

as ferramentas cognitivas externas são necessárias e bem-vindas para auxiliar na construção

do conhecimento do objeto (MEDEIROS, 1998).

Com vistas na necessidade de uma ferramenta para auxiliar os estudantes a

visualizar os elementos que compõem as novas informações, desenvolvi o grafismo como

técnica de estudos com o objetivo de servir como um instrumento para auxiliar o aprendente

a superar a escuridão cognitiva causada pelo caos sincrético. Pois ao grafar no papel os

elementos que compõem o objeto, o discente os consegue visualizar com clareza, além de

lhe possibilitar a realização das articulações de causa e efeito entre as partes do objeto em

sua totalidade.

Isto é, além do estímulo ao exercício da imaginação, o ato de grafar enquanto se

estuda se torna uma ferramenta de ilustração e organização dos elementos que compõem o

139

objeto, leva o sujeito da escuridão à luz cognitiva, auxiliando-o no entendimento sobre o

objeto do conhecimento. E para além, uma vez o sujeito percebendo que apreendeu, ou seja,

tomou para si os elementos e construiu o próprio objeto, naturalmente busca manter o

pensamento em movimento, pela áurea da satisfação, pelo sabor do saber e apreender mais

e mais – pensar, imaginar mais e mais.

Para ilustrar esta concepção, apresento a seguir dois recortes de grafismos

produzidos por um discente37 de Mecânica dos Sólidos II do curso de Bacharelado em

Ciências Exatas e Tecnológicas da UFRB durante a implementação, aplicação e verificação

desta técnica de estudos.

No exemplo do grafismo da Figura 8, apresento a primeira etapa de execução da

técnica, o momento da síncrese, quando o discente leva para o papel através de palavras e

desenhos figurativos os “conceitos de tensão”, os elementos do objeto do conhecimento

enquanto estuda. Esta transcrição das informações do livro, apostila ou anotações para o

pensamento do estudante, e, do pensamento para o papel, é uma forma de estímulo ao

movimento e exercício da sua imaginação para a materialização, isto é, para ilustração dos

elementos do objeto do conhecimento.

E eu percebi que depois do grafismo, eu consegui ter uma linha de raciocínio

melhor. Antes eu pegava no livro, lia, não entendia muita coisa e logo tentava

resolver os exercícios, resultado, errava tudo, ficava tudo confuso. Eu não

conseguia fazer por etapas. Com a técnica, estudando a parte teórica de MEC,

eu vou escrevendo, desenhando e ensinando pra mim mesmo. Eu organizo

as minhas ideias. Isso ajudou porque na hora da resolução dos problemas, eu

consigo visualizar e analisar as forças. (DIS03, em entrevista realizada em

25/11/2019, grifos meus)

37 DIS03 – participante do grupo de amostra da investigação realizada por esta pesquisadora durante o semestre

letivo 2019.2 na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. O detalhamento metodológico deste trabalho se

encontra nos capítulos 06 e 07.

140

Figura 8 – Estudando tensão

Conforme explica o discente durante a sessão de entrevistas do primeiro ciclo da

pesquisa-ação, a forma de estudos aplicada lhe auxiliou no entendimento e organização dos

elementos do conhecimento. Vale observar que não vemos “o caos” do pensamento

expresso no grafismo acima apresentado, mas um conjunto de informações que estão

141

conectadas por setas, destaques, colagens e indicações. O caos sincrético estava no

pensamento do discente durante a leitura, com o movimento das informações do seu

pensamento para o papel, os elementos foram paulatinamente sendo organizados e

conectados entre si. As formas de destaque, os nexos, as setas e indicações, representam as

associações e articulações produzidas pelo raciocínio do aprendente durante o movimento

do pensamento para a aquisição do conhecimento. Esta é uma demonstração de imaginação

produtiva intelectiva em pleno funcionamento – como disse o próprio discente, ensinando

para ele mesmo. Este relato revela a transformação da representação do objeto, os grafos,

para o conceito do objeto, o entendimento pelo estudante, o concreto pensado – da ascensão

do conhecimento do objeto pelo sujeito, assim como afirmou o filósofo Kosik (1969).

Sendo assim entendo: se houve evolução do conhecimento do objeto pelo sujeito,

ocorreu um movimento do pensamento para a ascensão do conhecimento promovido pela

execução do grafismo; se o grafismo promoveu o movimento do pensamento para a

aquisição do conhecimento, então ocorreu um movimento da imaginação para a ascensão

do conhecimento – portanto, a execução do grafismo estimula o exercício da imaginação.

Vejamos abaixo o exemplo da Figura 9, também produzido pelo DIS03. Trata-se

da aplicação de torção em um eixo, importante para a definição dos materiais e

dimensionamento geométrico da peça38. A reação de torção sobre o eixo, causada pelo

motor, provoca tensões de cisalhamento, que tem intensidades diferentes entre os pontos de

aplicação dos torques (no exemplo são os pontos B, C e D, onde ocorrem as ações de valores

1,4 kN.m(39), 0,9 kN.m e 0,5 kN.m). Essas tensões são diferentes porque, entre cada trecho

do eixo (AB, BC e CD), as ações desses torques se somam quando tomado como referência

o ponto de reação dos torques (ponto A, com valor de 2,8 kN.m). A tensão de cisalhamento

é um fenômeno que ocorre quando duas forças possuem sentido oposto, aplicado em planos

diferentes, paralelos e muito próximos um do outro. Observo que o discente utilizou o

grafismo para ilustrar este fenômeno físico, decompondo-o em três partes (Figura 10 e

Figura 11), onde ele apresenta o movimento dos torques por meio de setas (em vermelho),

demonstrando assim a evolução da espiral do seu entendimento. O que representa na

prática, nos grafos ou desenhos, a fase de análise das partes do todo pelo pensamento,

conforme definiu a teoria dialética do conhecimento.

38 Esse estudo é próprio da componente curricular Mecânica dos Sólidos, que será amplamente apresentada a

partir do item 6.2. 39 Quilo-newton-metro (kN.m), assim lido, ou seja, 1000 vezes (o k) o produto da força em Newton (N) pelo

comprimento em metro (m) é uma representação da unidade física para torção.

142

Figura 9 – Torção em um eixo

Ainda na Figura 9, observo outras três formas de expressão e execução incluídas

neste grafismo. A primeira é a representação em texto da sequência dos procedimentos para

a análise do fenômeno físico, quando o discente escreve, por exemplo, a expressão “olhar

lado direito – bc” (em verde). O segundo é a aplicação dos cálculos matemáticos próprios

143

da especialidade. Por fim, noto o uso de cores para destacar os elementos que compõe o

objeto do conhecimento: o azul traçou a esquema do eixo; o preto representou o torque

reativo, enquanto o vermelho, o torque ativo; e o verde apresenta o texto indicativo dos

passos e interpretação para análise.

Conforme expliquei anteriormente, estes grafismos são exemplos da materialização

dos movimentos apresentados nas imaginações do discente, quer dizer, representações

gráficas das articulações operadas pelas outras faculdades cognitivas, neste caso, o

raciocínio voltado para a análise e cálculo. Ou seja, estes grafismos são expressões do

exercício da imaginação produtiva intelectiva do estudante. Segundo o relato do próprio, o

DIS03, em entrevista durante a pesquisa-ação, o ato de grafar enquanto estuda o leva a

“visualizar e analisar as forças”, fato explícito nos desenhos expressos no papel das Figura

9, Figura 10 e Figura 11. Isto me permite dar relevo e projetar luzes sobre a proposição de

que a execução do grafismo quando utilizado como uma técnica de estudos, serve como

registro visual e ilustração da elaboração dos novos conhecimentos, estímulo ao exercício

da imaginação e auxílio na apreensão do objeto pelo aprendente.

Figura 10 – Destaque “a” Figura 09

Figura 11 – Destaque “b” Figura 9

144

5.3.5. Qual o objetivo do uso do grafismo enquanto uma estratégia de

ensinagem?

À luz da crença que a imaginação é a representação visual do pensamento e que

seu exercício é fundamental para a construção do conhecimento, desenhei esta tese sob o

axioma de que o grafismo é a materialização gráfica da imaginação, seu processo de

execução enquanto uma técnica de estudos que estimula o exercício da imaginação do

indivíduo e, em consequência disto, auxilia-o na construção e concepção do

conhecimento. Logo, o grafismo pode ser usado e averiguado enquanto uma estratégia de

ensino-aprendizagem.

Para o lançamento do estudo de uma proposta didática, é imprescindível assentá-la

antes sobre um lastro teórico que responda suas necessidades e indique caminhos. Encontrei

na ensinagem não só orientações sobre como e porque elaborar uma estratégia de ensino e

aprendizagem. Esta pedagogia de tendência progressista crítico-social dos conteúdos – ou

histórico-crítica40 – me levou a experimentar reflexões de um pensamento didático o qual

elucidou alguns elementos que provocavam as minhas inquietações e ainda ilustrou um

percurso de uma forma tal que coadunou inclusive com as intenções de um projeto futuro.

40 Apresentada no capítulo 04.

145

Ancorada nesta pedagogia, a ensinagem, para a averiguação da estratégia grafismo,

considerei os seguintes problemas e as respectivas propostas de solução:

• O problema motivador desta tese é a constante dificuldade que os estudantes do

BCET da UFRB apresentam em visualizar mentalmente – imaginar – os novos

conteúdos curriculares. Em consequência disto, eles encontram obstáculos na

organização dos elementos do próprio raciocínio e na apreensão das teorias,

além de não conseguirem imaginar modelos práticos tridimensionais para a

aplicação de conceitos físicos na resolução dos problemas práticos de

engenharia. Proposta: a aplicação da estratégia de ensinagem grafismo como

técnica de estudos pretende mobilizar e estimular o exercício da imaginação

dos indivíduos, ilustrar e organizar os elementos do raciocínio e direcionar os

movimentos do pensamento para a apreensão dos conteúdos e resolução de

problemas de engenharia.

• As ações pedagógicas da UFRB, desde a concepção da tendência político-

filosófica até os procedimentos de ensino aplicados pela maioria dos docentes

do BCET, que são tradicionais-tecnicistas, não correspondem com as propostas

políticas-sociais desta universidade para a sociedade a qual ela se insere.

Proposta: a ensinagem é uma prática social que tem como princípio a

apreensão do conhecimento pelo discente; a aplicação do grafismo como uma

estratégia de ensinagem aos discentes do BCET da UFRB propõe o

enfrentamento e a superação das dificuldades sobre a construção do

conhecimento, levando o aprendente ao sabor pelo saber e ao desenvolvimento

da sua autonomia intelectual.

Os objetivos ditos acima são considerados os mais abrangentes da aplicação desta

estratégia de ensinagem. Porém, ao longo das investigações teóricas, emergiram objetivos

adjacentes e indiretos que se concretizaram durante a pesquisa empírica. São eles: a

consciência do aprendizado e a autonomia intelectual, a seguir apresentados.

a. Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta. O que garante que o

estudante, pelo próprio hábito, não usará o grafismo com o mesmo propósito das

metodologias tradicionais, a memorização (retenção por si mesma)?

À luz da ensinagem, na implementação e aplicação de qualquer estratégia, ocorre

antes um contrato de parceria entre professor e alunos, que leva o estudante a compreensão

146

da importância da apreensão e que apreender é diferente de memorizar. Outro ponto

fundamental deste método é que o professor, uma vez tendo como objetivo a apreensão do

objeto do conhecimento, acompanha o desenvolvimento dos momentos de análise do objeto

pelos estudantes e tão logo possa identificar as reproduções possíveis de acontecer, a partir

daí, balizará o estudante para que saia deste caminho, orientando-o para a síntese do objeto

do conhecimento, da significação “própria e apropriada do objeto”, conforme diz o

professor Dante Galeffi. Assim, ao perceber a apropriação do objeto, o aprendente sente o

sabor do saber.

Conforme apresentei no item 5.2.2 deste capítulo, Anastasiou (2009) fala sobre a

importância do saborear o conhecimento, seja no ter gosto no fazer docente, seja no sabor

da aprendizagem. Para justificar a sua analogia, a autora se refere ao conceito da palavra

conhecimento, que tem sua origem derivada “do latim sǎpěre, que significa ter

conhecimento, além de ter sabor e agradar o paladar41”.

Este entendimento me remete àquela boa sensação que temos ao retirar a cortina

de fumaça que escurecia o nosso olhar sobre um determinado objeto do conhecimento.

Somos presentificados, segundo Buzzi (2012), quando algum objeto, antes obscuro, se torna

visível e audível ao nosso ser, levando-nos a experimentarmos o sabor do saber. Esta é

uma das consequências da estratégia de ensinagem grafismo: promover no estudante a

percepção do entendimento, da aquisição do conhecimento de algum objeto.

b. Autonomia intelectual: aprender a apreender. Por que aprender a estudar sozinho?

Durante as investigações bibliográficas, encontrei dois textos que, embora não

façam parte do arcabouço teórico desta tese, se tornaram fontes indiretas das ambições sobre

a aplicação do grafismo enquanto uma estratégia de ensinagem. O primeiro deles foi o

tratado “Resposta à pergunta o que é esclarecimento?”, escrito por Immanuel Kant:

O esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade da qual ele

próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu

próprio entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por

culpa própria se a causa não resiste na falta de entendimento, mas na falta

de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem.

Sapere Aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!

Eis a palavra de ordem do esclarecimento (KANT, WiA VIII, 35 apud

DALBOSCO, 2011, p.91, grifo no original e meus).

41Resgatando as linhas escritas no capítulo 3.

147

Quando li a perspectiva de Kant sobre a relação entre o esclarecimento, a

menoridade intelectual e a coragem sobre servir-se do próprio entendimento, sem me ater

ao contexto da escrita pelo filósofo, as minhas reflexões se direcionaram à importância do

esclarecimento para o jovem estudante – aquele da classe trabalhadora, do interior do

Brasil, em particular, do interior da Bahia. Em relação a isto, imaginei que a UFRB

poderia também concentrar seus esforços e investimentos neste sentido, além de dar a

devida importância de...

[...] apresentar-se como indutora do desenvolvimento regional, da

equidade étnica, de gênero, sexualidade e da pessoa deficiente, ampliando

as políticas e ações de ingresso, permanência, pós-permanência, combate

a todas as formas de discriminação e preconceito institucional e social [...].

(UFRB/PDI, 2019-30, p. 22)

Em uma universidade ideal-necessária como se propõe a UFRB, repetindo o que

disse anteriormente, cuja ação “não é somente a garantia de vagas e as políticas de

permanência, mas a garantia de condições de aprendizagens”, é preciso garantir antes

condições de o estudante desenvolver sua autonomia de estudos e chegar ao esclarecimento,

como num ato de preparar a terra para semear e cultivar uma semente.

O outro texto que também inspirou indiretamente este trabalho foi o artigo sobre

a “Andragogia na educação universitária” de Cavalcanti e Gayo (2005), o qual faz

algumas comparações entre os procedimentos de ensino e aprendizagem da pedagogia e

da andragogia.

A palavra Andragogia deriva das palavras gregas andros (homem) + agein

(conduzir) + logos (tratado, ciência), referindo-se à ciência da educação de

adultos, em oposição à pedagogia, também derivada dos vocábulos gregos

paidós (criança) + agein (conduzir) + logos (tratado ou ciência), obviamente

referindo-se à ciência da educação de crianças. A Andragogia deve ser

entendida como a filosofia, a ciência e a técnica da educação de adultos

(CAVALCANTI; GAYO, 2005, p. 45, grifos meus)

Na opinião destes autores, os pressupostos andragógicos deveriam ser o

fundamento dos procedimentos aplicados no ensino de superior. De fato, existe uma série

de diferenças entre o comportamento dos estudantes do ensino médio e aqueles do ensino

superior, cuja principal delas é a fase de desenvolvimento psicossocial. Ao ingressar na

universidade, o estudante não é mais tratado como uma criança; agora ele é uma jovem

adulta e, tal como, muitas responsabilidades lhes são postas de repente, principalmente a

vida de universitário, quando a figura paternalista do professor e o ambiente escolar como

148

uma extensão da família são totalmente perdidos. Este choque de realidade provocado pelo

mundo real-existente leva os indivíduos a desenvolverem a consciência de si e do outro, das

responsabilidades pelos atos e as consequências da própria liberdade.

Considerados pela perspectiva da Psicologia Existencial-Humanista, os

princípios compreensíveis das condutas humanas adultas se concretizam

na razão, liberdade e responsabilidade. Através da razão o homem é capaz

de conhecer o mundo e a si mesmo e de conhecer que conhece (reflexão),

ter consciência (CAVALCANTI; GAYO, 2005, p. 46).

É um processo que faz parte do amadurecimento natural do indivíduo. Quando esse

jovem adulto sai de um ensino médio falho e ingressa no ensino superior, onde precisará se

adaptar à dinâmica do novo espaço e ainda lhe serão exigidos conhecimentos prévios que

ele não conhece, sem orientação pedagógica mínima, eu questiono: este processo de

desenvolvimento da maturidade do jovem, quando é atropelado, não custa caro por ocorrer

a duras penas?

Mais uma vez, repito como um mantra: é preciso garantir ao discente recém

ingresso condições para a aprendizagem, esclarecimento, consciência e amadurecimento.

Através da consciência, o adulto se percebe como “ser livre, autônomo” e,

como tal, capaz de tomar decisões, fazer escolhas, direcionar suas ações para

perseguir seus objetivos. Sua consciência e liberdade o tornam sujeito de

responsabilidade, tanto no sentido de saber como agir e reagir perante os

desafios e problemas existenciais, como no de arcar com as consequências de

seus atos e decisões (CAVALCANTI; GAYO, 2005, p. 46).

A estratégia de ensinagem grafismo auxilia o aprendente a apreender e, uma vez

que toma consciência do próprio conhecimento sobre o objeto, ele é presentificado pelo

conhecimento e saboreia o saber. Como no movimento espiral, evolutivo e ascendente, o

aprendente naturalmente escolhe saber mais e mais. A partir do momento em que o

aprendente, de forma consciente de si, escolhe buscar e enfrentar o conhecimento, ele

desenvolve sua autonomia pelo esclarecimento e se servirá do próprio entendimento, como

um sujeito analítico, crítico e transformador.

Portanto, em função dos estudantes reais e existentes da UFRB, elaborei a

estratégia de ensinagem grafismo com o objetivo de estimular o aluno a aprender a pensar

para conhecer.

149

6. IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: OS CAMINHOS PARA A

IMPLEMENTAÇÃO E A AVALIAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA

DE ENSINAGEM

Nas palavras do professor Robert Ponczek, a construção de um capítulo sobre o

percurso metodológico de uma pesquisa deve seguir como regra básica a expressão

“metodologia = APT”, isto é, metodologia é a descrição de: A, abordagens; P,

procedimentos; T, técnicas e instrumentos. De modo geral, a abordagem deste trabalho é

qualitativa, onde os procedimentos utilizados para a base teórica foram os bibliográficos e

os documentais, para a base empírica, a pesquisa-ação e os instrumentos das técnicas de

entrevistas foram os questionários.

Porém, devido à natureza deste trabalho e aos fatores contextuais que constituem o

estudo do lócus e da coleta de dados, percebi a importância da apresentação destes para a

compreensão da composição metodológica da pesquisa e dos resultados sobre a verificação

da estratégia de ensinagem grafismo, não sendo pertinente separá-los em um outro capítulo.

Sendo assim, este capítulo trata-se de uma narração do percurso metodológico de realização

da investigação sobre a aplicação de uma estratégia de ensino e aprendizagem aos discentes

do curso de ciências exatas e tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo das Bahia,

a qual, ao próprio método de descrição, foram acrescentados a contextualização e a

problematização sobre o lócus, ambiente a atores da pesquisa. Esta forma narrativa foi a

mais coerente encontrada por retratar o real-existente o qual a pesquisa foi realizada.

6.1. O PROBLEMA, AS HIPÓTESES E SUAS VARIÁVEIS

A motivação para a realização desta pesquisa surgiu da dificuldade de visualização

mental e entendimento que os discentes BCET da UFRB demonstram quando são

apresentados a novos conteúdos e, sobretudo, quando são convocados a organizar ,

logicamente, o raciocínio e a solucionar problemas práticos de engenharia. O problema que

gerou esta tese está na dificuldade que os estudantes possuem de visualizar e organizar os

elementos do raciocínio, de imaginar um modelo prático (3D) de engenharia e aplicar os

conceitos físicos para possíveis soluções das questões solicitadas.

Ciente de que este problema se torna a raiz de tantos outros como o não

entendimento dos assuntos, a dificuldade de construção de raciocínio lógico e a solução

150

de problemas, ansiedade, medo de avaliações e sucessivas reprovações, elaborei o estudo

de uma estratégia de ensinagem que tem no seu cerne o ensinar a aprender, o grafismo.

Assim, a fim de avaliar esta alternativa, desenvolvi este estudo investigando as hipóteses

a seguir apresentadas.

A 1ª hipótese, de base teórica, afirma que a imaginação é a faculdade de

representação visual do pensamento e seu exercício é fundamental para a produção e

expressão da memória, da subjetividade, da intelecção e criatividade do homem.

Para a investigação deste pressuposto, lancei mão do método de pesquisa

bibliográfica e, portanto, não fiz subdivisões dos fatores no corpo de variáveis. Entendo que

as relações entre a causa e os efeitos são semelhantes e interligadas, não havendo

necessidade de estudo em separado.

A 2ª hipótese, de base empírica, afirma que o grafismo, quando utilizado como

uma técnica de estudos, serve como registro visual e ilustração da elaboração dos novos

conhecimentos, estímulo ao exercício da imaginação e auxílio na apreensão do objeto

pelo aprendente.

Nesta hipótese, apliquei os procedimentos do método da pesquisa-ação em dois

ciclos e suas variáveis foram as seguintes:

• O ato de grafar os elementos que constituem o objeto do conhecimento enquanto

estuda, permite ao aprendente a superação da escuridão cognitiva e na

elucidação do objeto no pensamento;

• A execução do grafismo auxilia o aprendente na visualização e organização

gráfica dos elementos dos novos conteúdos durante a construção, análise e

apropriação do objeto do conhecimento;

• A utilização do grafismo possibilita o direcionamento do pensamento do

aprendente durante a construção, análise e apropriação do objeto do

conhecimento;

• A utilização do grafismo sob a metodologia dialética do conhecimento durante

os estudos mobiliza e estimula o exercício da imaginação do aprendente,

levando-o à ascensão do conhecimento do objeto.

A 3ª hipótese de investigação também foi de base empírica. O entendimento que

lhe norteou foi o seguinte: os estudantes que criam o hábito de estudar através do grafismo

151

desenvolvem a autonomia de estudos e deixam de buscar nas videoaulas o auxílio para o

entendimento dos novos conteúdos curriculares.

A abordagem, procedimentos e técnicas foram as mesmas da 2ª hipótese, onde suas

variáveis foram:

• Os aprendentes que utilizam constantemente o grafismo como técnica de estudo

assistem videoaulas;

• Os aprendentes que utilizam constantemente o grafismo como técnica de estudos

não assistem videoaulas.

A 4ª hipótese, também de base empírica, afirma que a implementação e aplicação

da estratégia de ensinagem grafismo, durante os procedimentos de ensino e aprendizagem

da componente curricular mecânica dos sólidos II, propõe aos discentes o enfrentamento e

a superação das dificuldades de visualização e organização dos elementos dos novos

conteúdos, o que lhes possibilita o estímulo à imaginação de modelos práticos de engenharia

em 3D para a aplicação de conceitos físicos na solução de problemas.

Nesta proposição, utilizei o mesmo método e procedimentos de pesquisa da

segunda hipótese, mas suas variáveis foram:

• A aplicação da estratégia de ensinagem grafismo possibilita ao discente a

consciência do aprendizado e a motivação pelo sabor do saber;

• A aplicação da estratégia de ensinagem grafismo motiva o discente ao

enfrentamento do conhecimento levando ao desenvolvimento do protagonismo

do próprio entendimento e autonomia intelectual.

6.2. O LÓCUS, O AMBIENTE E OS SUJEITOS DA PESQUISA

Quando comecei a pesquisa-ação in loco, de saída percebi sinais de que este não

seria um trabalho de cunho científico isento de observações de viés pessoal e subjetivo, pois

trata-se de uma pessoa aplicando uma pesquisa na qual o que está em cena são projetos de

vidas de outras pessoas, estas que têm expectativas, sonhos e frustrações. E quando estas

pessoas e seus projetos de vida estão dentro de uma sala de aula, então não há como o

pesquisador se eximir de toda a complexidade subjetiva inserida neste espaço.

Dada a importância destes aspectos, nas próximas linhas, apresentarei o meu olhar

sobre o conjunto de relações entre os elementos que engendram toda esta subjetividade. E

sublinho, este olhar parte de uma professora que buscou na sua vivência de sala de aula, a

152

inspiração para desenhar uma proposta que auxilie a alcançar a real missão enquanto

docentes. Ou seja, como objetivo pessoal, assim denomino, esta tese é a busca de uma forma

ou um método que por fim abrande a minha dor de mundo enquanto professora. Assim,

portanto, trago aqui a minha perspectiva sobre o desenrolar deste trabalho, um trecho da

tese na qual não articulo teorias e prática, aqui a fundamentação é a vivência na

universidade, a observação sobre os problemas institucionais, a compreensão sobre os

anseios e os medos dos estudantes e, claro, também dos colegas professores.

Sendo assim, apresentarei algumas práticas da gestão da UFRB as quais, em relação

a esta pesquisa, ocasionam fatores que influenciam diretamente no desenvolvimento do

Projeto Pedagógico do Curso. Trarei também o contexto no qual o docente participante está

inserido, suas preocupações e forma como colaborou com este trabalho. E, por último,

dedicarei um espaço aos discentes participantes, demonstrando os perfis mais evidenciados,

suas condutas e expectativas.

6.2.1. Um breve panorama do Bacharelado em Ciências Exatas e

Tecnológicas, o BCET e da componente Mecânica dos Sólidos

O BCET é um curso interdisciplinar de primeiro ciclo de formação na área das

ciências exatas e tecnológicas cuja terminalidade ou segundo ciclo para a especialização

são os cursos de bacharelado em engenharia civil, engenharia da computação,

engenharia elétrica, engenharia mecânica, física e matemática. Segundo o relatório da

UFRB que apresenta a relação de alunos com vínculo por curso42, datado em 12 de julho

de 2019, documento que se refere ao semestre letivo 2019.2, o qual foi realizado esta

pesquisa, o BCET tinha o total de 930 estudantes matriculados nos 06 períodos para

integralização do curso.

Em atendimento a resolução CNE/CES 11/ 200243, a qual institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia, o seu currículo é constituído

das componentes tronco, ou seja, das matérias em comum para a formação em engenharias.

Dentre as principais componentes estão cálculos, físicas, geometria analítica, álgebra linear,

desenho técnico, dinâmica dos sólidos e mecânica dos sólidos. A sua principal característica é

42 Documento disponível em: <http://www.dados.gov.br/dataset/discentes-por-curso1>. Acesso em: 09/06/2020. 43CNE. Resolução CNE/CES 11/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 32.

Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991>. Acesso em: 07/06/2020.

153

a possibilidade do estudante, enquanto é apresentado às especificidades das áreas

profissionalizantes do segundo ciclo, optar por qual deseja seguir.

Os cursos da área das ciências exatas são constituídos por componentes curriculares

que exigem boa formação em matemática, física e química apresentados no ensino

fundamental e médio. Conforme expliquei no capítulo anterior44, a maioria dos ingressos,

infelizmente, chegam com um baixo nível de conhecimento sobre estas matérias na

universidade e, consequentemente, logo nos primeiros semestres, o BCET apresenta altos

índices de reprovação, retenção e abandono – fato que acontece também na maioria dos

cursos similares por todo o Brasil. Este fator não revela apenas a situação precária do

sistema de ensino básico do nosso país, no atual contexto de políticas públicas instituídas,

em consequência das retenções e abandono, significa menores investimentos por parte da

gestão federal, pois o valor investido em cada curso de graduação é proporcional ao número

de formandos (egressos). Conclusão: o BCET recebe poucos recursos em laboratórios,

bibliotecas, infraestrutura de salas de aulas, equipamentos, insumos, contratação e formação

continuada de seus docentes.

Dos problemas gerados pelo pouco investimento por parte da gestão pública

federal, o reduzido número de professores efetivos com regime de dedicação exclusiva é o

maior deles. Este fato reverbera na oferta de turmas por semestre letivo, no desenvolvimento

do plano didático, pesquisa e extensão pelos docentes e no avanço do curso pelos discentes.

Isto ocorre porque as componentes curriculares do BCET apresentam alto grau de

dificuldade, os discentes precisam de atenção, muitas vezes quase que exclusiva, e não há

como um professor, numa sala de aulas com sessenta alunos, auxiliar todos e cada um com

sua singularidade, seja de formação básica, capacidade cognitiva, seja de estado emocional.

Em vista disto, o Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, o CETEC, em busca

de implementar propostas que visam amenizar o problema, não encontra alternativa senão

a contratação temporária de professores substitutos, pois com a presença deste é possível a

oferta de turmas extras e cursos de férias das componentes de maior retenção de estudantes.

Esses profissionais, a maioria deles ex-alunos do BCET, por ainda não ter ingressado no

mercado de trabalho de sua área, encontram na docência temporária uma opção de ocupação

e sustento. São professores que não possuem formação pedagógica mínima; não tem vínculo

com a instituição e com o Projeto Pedagógico do Curso. Pela natureza do regime de trabalho

são alocados para ministrar até cinco turmas – com 60 alunos cada - e trabalham numa carga

44 Item 5.2.3.

154

horária de até 20hs semanais em sala de aula, além de exercerem outras atividades fora da

universidade. E mais, são contratados, recebem apenas as ementas das componentes

curriculares sem a orientação da importância sobre o conhecimento dos documentos como

o PPI e PPC para a elaboração de plano de ensino e entram nas salas de aulas sem

acompanhamento por parte da gestão do setor. Logo, mesmo que a intenção inicial destes

professores seja realizar um trabalho de qualidade de ensino e aprendizagem, com raras

exceções, a maioria não obtém sucesso.

Se, de um lado, a contratação do professor substituto resolve o problema da retenção

dos alunos através da maior oferta de turmas por semestre, cuja aprovação atinge alto índices,

por outro lado, isso não significa que os procedimentos de ensino aplicados levaram os

estudantes ao efetivo aprendizado. Muitos discentes passam pelas componentes com boas

notas, mas sem a efetivação da apreensão dos conteúdos apresentados.

O grau de dificuldade do curso aumenta a cada semestre e o processo de formação

do discente se dá através do acúmulo do conhecimento curricular – consoante ao movimento

espiral do conhecimento, ascendente e evolutivo45. Por exemplo, o entendimento e

desempenho em cálculo II depende, diretamente, da apreensão de conteúdos de cálculo I. A

não apreensão de conteúdos em algum momento da formação quebra o movimento

evolutivo do nível do conhecimento do discente, pois este avança no curso sem de fato

evoluir no seu processo de construção do conhecimento. É claro que este fato não ocorre

em todos os casos e que a figura do professor substituto não é a causa isolada dos problemas

dentro do processo de formação dos estudantes no BCET, mas é um elemento determinante

quando ministra em particular a componente mecânica dos sólidos I. Por exemplo, quando

perguntei a um discente participante da pesquisa se ele continuava recorrendo às videoaulas

para resolver os exercícios de MEC II, mesmo depois de utilizar constantemente a técnica

do grafismo, ele assim respondeu:

Eu assisto, mas não é bem o assunto de MEC II. É pra sanar déficit de

assuntos anteriores. (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Conforme o PPC, as disciplinas de mecânica dos sólidos I e II são componentes

curriculares que compõem o currículo do 4º e 5º semestre, respectivamente. Conforme a

Resolução CNE/ CES 11/ 2002, essas componentes são classificadas como básicas e de

formação inicial para o futuro Engenheiro. Elas requerem conhecimentos bem

45 Apresentado no capítulo 03, item 3.3.1.

155

fundamentados de cálculo I e II, física I e II, desenho técnico e cálculo numérico, pois

tratam da aplicação dos conceitos fundamentais da física na resolução de problemas de

engenharia. Daí a necessidade de uma fundamentação anterior sólida para cursar estas

componentes, bem como a importância destas para a continuidade do curso.

Como disse anteriormente, o corpo docente efetivo do BCET é pequeno, o total de

117 professores, e em algumas componentes temos apenas um professor especializado

disponível para a cadeira. É o caso de mecânica dos sólidos I e II. Somado a isto, em

atendimento aos compromissos junto à universidade, o professor efetivo deve desenvolver ,

dentro de sua carga horária total, atividades de ensino, pesquisa e extensão, podendo se

dedicar à sala de aula até 14hs por semana, contando também o tempo de planejamento de

cada componente bem como o atendimento ao estudante. mecânica dos sólidos, tanto a I

quando a II, é uma componente de carga horária de 5hs por semana, isto é, o docente titular

da cadeira pode ser alocado apenas para duas turmas. Porém, em virtude do alto índice de

reprovação e retenção, são ofertadas duas turmas de cada componente por semestre, ficando

mecânica dos sólidos I sob a responsabilidade do professor substituto. O resultado disto é

que os discentes se matriculam em MEC I, são aprovados com notas superiores a 8,0 (oito)

e quando chegam em MEC II não conseguem avançar, com casos de discentes que repetem

a componente por quatro vezes e alguns, infelizmente, desistem de continuar no curso.

Dado o problema, a coordenação do curso, juntamente com a gestão de ensino e o

docente efetivo da cadeira, tentaram inverter a alocação dos professores, isto é, o substituto

ministrou MEC II. O desfecho da experiência também foi negativo, pois os discentes

avançaram em MEC II, mas ficaram logo retidos nas componentes de sequência na grade

curricular, como dinâmica dos sólidos, teoria das estruturas (no caso dos discentes que

optaram por engenharia civil no segundo ciclo) e comportamento dos materiais (dos

discentes que optaram por engenharia mecânica no segundo ciclo). A alternativa seria alocar

algum outro docente efetivo para ministrar MEC e assim dividir a responsabilidade pela

formação dos estudantes nesta que é uma das matérias mais importantes para os futuros

engenheiros, mas caso isso ocorresse – e novamente, são poucos os docentes contratados –

turmas de componentes dos cursos de segundo ciclo ficariam sem ser ofertadas, e mais uma

vez a formação dos discentes seria prejudicada. A solução é a contratação de mais docentes

efetivos e o centro de ensino busca por isto. Porém, não obtém sucesso devido a alta

demanda por docentes de outras componentes – também importantes – bem como a

constante e crescente redução de investimentos por parte do governo federal na UFRB.

156

6.2.2. O corpo docente

Aos olhos de quem desconhece, parecem ser simples os fatores que se apresentam

a cada tomada de decisão quando o assunto é a distribuição de professores para ministrar

aulas no CETEC, porém não é bem assim que isto ocorre.

Antes de descrever os problemas que emergem durante a alocação dos professores

do CETEC, vale ressaltar que os impasses não são exclusivos da UFRB, pois acontecem em

boa parte das universidades públicas deste país. E para compreender a dimensão complexa

do conjunto de elementos que resultam neste fato, retomo a discussão do capítulo 446 quando

aponto que além de outros, quatro fatores são determinantes para tais problemas: o ciclo de

relações mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem; a persistente aplicação do modelo

disciplinar das pedagogias tradicionais-tecnicistas nas salas de aulas; docentes sem

formação ou capacitação continuada em ensino superior; e a imposta estrutura

organizacional das universidades públicas brasileiras.

A estrutura organizacional das universidades impõe uma forma de distribuição dos

docentes por áreas de conhecimento ou departamentos, não por cursos os quais atuam, o

resultado disto é a dificuldade que eles possuem em se envolverem nos projetos formativos

dos quais ensina a matéria. Consequentemente, esta setorização reflete diretamente na

articulação entre docentes no estudo e atualização dos projetos pedagógicos, no

planejamento de ensino e aprendizagem, na definição de procedimentos aplicados em sala

de aula, bem como na organização para a realização de atividades em conjunto.

O levantamento sobre a formação básica e titulação dos docentes do CETEC,

revelou que, atualmente47, dos 117 docentes que fazem parte do quadro efetivo, 65 são

doutores e 43 são mestres, perfazendo 55% e 36% respectivamente. Do conjunto docente

cetequiano48, 16 deles, 13% do total, possuem apenas a formação básica em Licenciatura.

Quando focalizo nos que ensinam exclusivamente as componentes curriculares de formação

básica do BCET – matemática, física, química e biologia –, somo o total de 46 professores,

40 são doutores e 6 são mestres, ou seja, aproximadamente 90% têm a titulação máxima.

Destes docentes especializados nas matérias fundamentais, 16 são licenciados, 34,7% deste

grupo exclusivo. Focalizando outro grupo, agora os docentes efetivos que ministram as

componentes profissionalizantes, no primeiro ou segundo ciclo de formação dos cursos,

46 Item 4.2.1. 47 Dados levantados em junho de 2020. Vale ressaltar que estes números são dinâmicos. 48 Expressão local criada para denominar o grupo de docentes, técnicos administrativos e discentes que

pertencem ao Centro de Ensino de Ciências Exatas e Tecnológicas.

157

nenhum tem formação básica em licenciatura, todos são bacharéis. Outro detalhe

importante, nenhum dos mestres e doutores do corpo docente do CETEC fez pós-graduação

(stricto-sensu) na área da educação ou afins, todos os títulos são provenientes das exatas ou

das tecnologias.

Resumindo, a maioria dos docentes do CETEC não possui formação pedagógica

mínima e não são oportunizados regularmente pela instituição em participar de cursos de

capacitação continuada, especificamente na área da educação. Consequentemente, por não

terem entendimento sobre as formas de conhecimento e aprendizagem, sobre quais fatores

são relevantes na organização e aplicação de procedimentos de ensino, das alternativas e

estratégias, não conseguem superar o simplesmente dar aulas, repetem aquilo que assistiram

enquanto alunos e mantém-se no modelo tradicional e tecnicista. Consequentemente, isto

reflete no nível de aprendizagem dos estudantes, pois estes têm mais um obstáculo a

enfrentar – sem saber como enfrentar –, o conhecimento. Resultando, assim, nas constantes

reprovações, retenções e abandono.

Este é um exemplo real-existente do ciclo de relações mútuas e infinitas de ensino

e aprendizagem, entre professores, alunos e as instituições públicas de ensino superior –

onde todos fazem parte de um mesmo processo.

Em atendimento ao regulamento de ensino49 e o estatuto50 da UFRB, os docentes

efetivos são lotados nos seus diferentes centros de ensino, donde são separados por área de

conhecimento e as suas alocações para as turmas ocorrem através de reuniões com todos

integrantes de cada grupo antes do início de cada semestre. Além das suas turmas, o CETEC

atende as demandas de ensino de outros centros, principalmente as do centro das ciências

agrárias, ambientais e biológicas, o CCAAB, nos cursos de licenciatura e bacharelado em

biologia, bem como os bacharelados em agronomia, engenharia de pesca, engenharia

florestal, medicina veterinária e zootecnia.

Entre as turmas formadas por estudantes de diferentes cursos e aquelas de

componentes curriculares exclusivas, o CETEC, em 2019.2, atendeu a demanda de 433

turmas de aulas presenciais, totalizando 1.290 horas/ aulas divididas entre 127 docentes

efetivos e substitutos (conforme o Quadro 3). A carga horária semanal de sala de aula para

cada docente é aproximadamente de 10 horas, mas vale destacar que a maioria dos

49Regulamento de Graduação da UFRB, regido pela Resolução CONAC nº 004/2018, está disponível em:

<https://www.ufrb.edu.br/portal/graduacao>. Acesso em: 08/06/2020. 50Estatuto da UFRB, disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/portal/institucional/40-lei-de-acesso-a-

informacao/88-estrutura-organizacional>. Acesso em 08/06/2020.

158

professores ministram turmas com mínimo de 30 até 60 estudantes, cumprem atendimento

ao aluno fora do horário de aulas e ainda têm outras atribuições na universidade como

pesquisa, extensão e administração.

Quadro 3 – Relação de turmas ofertadas pelo CETEC em 2019.2.

CURSOS DO CETEC

Ciências Exatas e Tecnológicas 186 turmas

Eng. Civil 25 turmas

Eng. da Computação 18 turmas

Eng. Elétrica 19 turmas

Eng. Mecânica 18 turmas

Eng. Sanitária e Ambiental 88 turmas

Física 09 turmas

Matemática 07 turmas

Matemática (EAD) 46 turmas

CURSOS DO CCAAB

Agronomia 30 turmas

Biologia 13 turmas

Engenharia de Pesca 26 turmas

Engenharia Florestal 22 turmas

Medicina Veterinária 08 turmas

Zootecnia 15 turmas

Fonte: elaborado pela autora.

Conforme comentei acima, os professores efetivos de cada centro de ensino da

UFRB são divididos em grupos por área de conhecimento, onde a componente curricular

MEC está sob a responsabilidade da área de engenharia civil (ECIV) do CETEC. Nesta área,

temos 16 docentes com regime de dedicação exclusiva para serem distribuídos a uma média

de 45 turmas ofertadas por semestre letivo, as quais pertencem aos cursos do CETEC, bem

como algumas componentes específicas do CCAAB, tais como desenho técnico e

construções rurais. Em uma conta simples, chegamos a um total de 2,8 turmas por docente.

No entanto, dos efetivos, quatro deles são contratos de 20h (sem dedicação exclusiva) e dois

desempenham também funções administrativas, isto é, ministram 2 turmas a cada semestre.

Sendo que, no atual contexto, três dos docentes de carga horária de 40h estão afastados para

capacitação e, para cada um destes, são contratados professores substitutos para assumirem

as turmas de suas cátedras – isto é, 19 classes (42% do total da Área ECIV) estão sob a

159

responsabilidade de professores temporários, das quais 14 pertencem ao BCET, dentre elas

MEC I e desenho técnico (componentes de formação básica para as engenharias).

Dados estes fatores, é possível compreender por que a distribuição dos docentes

do CETEC para ministrar as componentes curriculares ofertadas torna-se um assunto

sensível de se resolver. É neste momento que problemas como reprovação e retenção se

tornam elementares nas discussões, pois os professores têm pleno entendimento da cadeia

evolutiva da construção do conhecimento dos futuros profissionais e sabem o quão

importante é a própria dedicação para que isto aconteça com qualidade. Mas existem

outros encargos que também devem ser exercidos na universidade como atividades de

pesquisa, extensão e administrativas. Sendo assim, os docentes não conseguem

desempenhar exclusivamente o planejamento didático, aulas e acompanhamento dos

discentes. Logo, frente às necessidades acadêmicas dos estudantes, o sentimento geral dos

professores é de impotência e de frustração.

No início das atividades do semestre letivo 2019.1, encontrei o professor Denis

Petrucci, o titular de MEC I e II para uma conversa informal sobre este projeto de pesquisa-

ação. Na oportunidade, apresentei as minhas ideias sobre a implementação da estratégia nas

componentes que ele ministra, fiz o convite e ele prontamente aceitou em ser o colaborador

para a aplicação e verificação da estratégia de ensinagem grafismo no semestre 2019.2.

Denis Rinaldi Petrucci51 tem graduação em engenharia civil, mestrado e doutorado

em engenharia mecânica integralizados pela Universidade Federal de Itajubá, a INUFEI.

Nesta formação interdisciplinar especializou-se no comportamento das estruturas, seja na

aplicação para a construção civil, seja na aplicação para o desenvolvimento de máquinas.

Ingressou por concurso na UFRB em 2005, sendo um dos primeiros professores a compor

o corpo docente do CETEC. Foi presidente da comissão de elaboração do PPC do

Bacharelado em engenharia sanitária e ambiental (ESA) e do BCET. Na administração,

exerceu os cargos de coordenador do ESA e do BCET, bem como exerceu o cargo de diretor

do centro de ensino por 4 anos. No ensino, além de mecânica dos sólidos I e II desde 2007

(em todos os semestres), ministrou geometria descritiva, desenho técnico, fenômenos do

transporte e teoria das estruturas. Na pesquisa, tem dois projetos em andamento na UFRB,

que em resumo, investigam o comportamento das estruturas, mas, na minha opinião, a mais

interessante das suas investigações são os Kit´s Didáticos em Engenharias: um trabalho de

pesquisa e extensão que, nas palavras do professor, “proporciona a visualização prática dos

51 Denis Rinaldi Petrucci, currículo Lattes disponível em: <http://lattes.cnpq.br/1984194112324472>.

160

conceitos apresentados e auxilia a análise dos fenômenos físicos que incidem nas estruturas”

– uma busca do professor em resolver a dificuldade que os discentes têm em visualizar

mentalmente os objetos tridimensionais na solução dos problemas em engenharias.

Durante a conversa informal, o professor Denis Petrucci demonstrou uma evidente

falta de estímulo e sentimento de frustração. De entrada relatou sentir-se responsável pelo

alto índice de reprovação e retenção na componente MEC II52 e questionou a própria

habilidade em ensinar, pois embora tenha aplicado algumas estratégias de ensino ao longo

dos semestres, não conseguiu obter melhores resultados. A partir deste relato, percebi que

o professor tomou para si a responsabilidade de um conjunto de fatores que estão além de

sua atuação e controle, levando-o assim a baixa estima e desmotivação.

Foi ainda nesta primeira conversa que ele apresentou algumas características

determinantes para que MEC II seja historicamente uma das componentes de maior grau de

dificuldade dos cursos de engenharias em todo mundo: tem como pré-requisito o

aprendizado dos cálculos e físicas (I, II, III e IV), geometria analítica e desenho técnico; é

pré-requisito para o encadeamento das disciplinas da área das estruturas (engenharia civil)

e comportamento dos materiais (engenharia mecânica); é uma componente de formação

elementar para as profissionalizantes; convoca o raciocínio lógico e a visualização

tridimensional no pensamento, isto é, a imaginação do estudante; e, por fim, requer uma

boa fundamentação teórica em MEC I (componente atualmente ministrada por um professor

substituto). Diante destas informações, entendo MEC como um ponto de chegada e de

partida. Chega até o seu final quem souber aproveitar o que de melhor as trilhas ofereceram.

E só abre novos caminhos quem estiver preparado para oferecer o melhor, o seu

conhecimento. E neste ponto temos um docente com ampla visão e experiência que

demonstra compromisso e plena preocupação com o aprendizado e formação profissional

de seus estudantes.

Neste cenário, o professor Denis Petrucci abraçou a pesquisa: estudou os conceitos

dos processos de ensinagem; o projeto de implementação da estratégia; compreendeu o

conceito da técnica de estudos, seus objetivos e formas de execução; adaptou e integrou o

grafismo aos conteúdos e atividades de MEC – denominando-o por modelo descritivo para

resolução de problemas, passo-a-passo ou passo-a-passo lógico53; inseriu a estratégia como

52 Nos últimos 4 semestres letivos (2019.1, 2018.2, 2018.1 e 2017.2) o professor ministrou apenas as turmas de

MEC II (carga horária semanal total de 10 horas semanais). 53A adaptação da técnica aos conteúdos da componente e a sua denominação deve ficar a critério do professor

especialista da matéria de ensino, pois apenas o seu conhecimento teórico e experiência prática darão subsídios

para tal.

161

parte da metodologia em seu programa de aprendizagem (programa de ensino, plano de

curso); e se colocou à disposição para contribuir para eventuais mudanças e melhorias.

Ações estas que representam o aspecto mais caro desta experiência, a necessidade e

expectativa do docente por encontrar um caminho para o aprendizado e bom aproveitamento

dos estudos pelos seus estudantes - aí um dos elementos de dimensão subjetiva deste tópico.

No início do período letivo 2019.2, durante a apresentação do plano de curso e

formação do contrato didático, o professor explicou aos discentes que desenvolveria junto

a eles a aplicação de uma estratégia de ensino e aprendizagem a qual seria objeto de pesquisa

para uma tese de doutorado, e quiçá, um método modelo para a componente (objetivos

futuros). Desta maneira, em acordo ao que orienta a ensinagem, o professor selou uma

parceria com os alunos no enfretamento do conhecimento – {(Professor + Alunos) x

Conhecimento}54 – com o objetivo da aprendizagem pelos alunos, os quais também se

comprometeram no empenho pela superação dos obstáculos impostos no conhecimento e

aplicação dos princípios da mecânica dos sólidos.

Então, com todos (professor + alunos) de acordo, a cada conteúdo teórico

apresentado, o professor desenvolveu exercícios em sala de aula os quais, vale lembrar, são

resoluções de problemas de aplicação prática à luz da teoria de análise de estruturas. Através

da resolução destes problemas, o professor aplicou a técnica do grafismo e demonstrou aos

discentes que existe uma forma lógica ou sequência de etapas, para a solução das questões,

ou seja, um método para o pensamento55 percorrer durante a solução dos problemas, por

isto o docente, intuitivamente, entre as denominações que deu ao grafismo, o chamou de

passo-a-passo lógico. Dado o assunto e aplicação em aula, o professor disponibilizou

apostilas com o modelo descritivo (Anexo I), listas de exercícios e orientou os estudantes

que os realizassem e estudassem utilizando a técnica do grafismo. Também passou

atividades específicas (valendo nota) para que os discentes realizassem e as entregassem

dentro de um prazo determinado.

Dada a autorização para a realização da investigação pelo comitê de ética e

pesquisa56, comecei os procedimentos para a coleta de dados (apresentação para as turmas,

convite aos discentes para participação da pesquisa e seleção dos participantes). As

54 Capítulo 05. 55 Capítulo 03. 56Projeto registrado no Comitê de Ética em Pesquisa: Imaginação e Grafismo: uma Estratégia de Ensino-

Aprendizagem Aplicada aos Discentes de Engenharia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. CAAE

19573119.3.0000.5531. Parecer consubstanciado do CEP da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da

Bahia, nº 3.591.791, 23/09/2019 (Anexo III).

162

entrevistas (com o docente e os discentes participantes) ocorreram logo após a segunda

avaliação da componente, pois entendemos que, caso fizéssemos antes, a percepção sobre

os efeitos da aplicação e uso do grafismo estaria imatura. E logo na primeira entrevista com

o docente, ouvi as seguintes palavras:

Bom, o que eu percebi da experiência é que alguns discentes que tinham

medo de expor as suas percepções sobre a disciplina começaram a ficar

mais autônomos, quer dizer, começaram a conversar mais, começaram a

entender como analisar uma estrutura. Pois a gente levou isso para o lado

estrutural que a disciplina é toda estrutural. Então eu falo com eles, não é

só cálculo, não é só forma de aplicação, tem que analisar o que está

acontecendo numa estrutura para dar o melhor dimensionamento pra ela.

[...] Isso daí ajudou bastante os estudantes que estão fazendo, de perceber

que não é só aplicação de fórmula. [...] Os que estão levando a sério esse

grafismo: estes chegam aqui com exercícios que fazem em casa, todo

descritivo, passaram a descrever todo o processo de qualquer resolução de

exercício, e a resposta disso é de como ajudou, porque quando eles vão

fazer o próximo, já sabem o roteiro, como analisar, como e o que fazer.

Então, nesse ponto, aqueles que tem interesse, que realmente se dedicam

para o aprendizado, estão dando uma resposta muito boa [...] Eu estou

muito entusiasmado com a estratégia! (DOC, em entrevista realizada em

28/11/2019, grifos meus)

O meu primeiro comentário sobre estes destaques da entrevista está na clara

mudança de aura na motivação do docente. E muito embora ele frisasse que muitos

estudantes não demonstraram interesse, aqueles que se empenharam, promoveram o que há

de mais importante para a essência de um professor, a alegria de ensinar e assistir o

aprendizado de seus alunos – a essência desta prática social.

O docente percebeu que a técnica do grafismo auxiliou os seus discentes na

organização e visualização das ideias, raciocínio lógico para as análises e resolução dos

problemas. À luz desta experiência ele atualizou a pesquisa sobre os Kit´s Didáticos com

os fundamentos do grafismo; aperfeiçoou as apostilas da componente curricular (com o

modelo descritivo); e desenvolveu outra forma (estratégia) para complementar os seus

procedimentos de ensino, como por exemplo o “modelo de uma metodologia descritiva na

resolução de uma estrutura para fortalecimento do processo de aprendizagem” (disponível

no Anexo I) e análise de estruturas através de uma ferramenta gráfica computacional

(GeoGebra) – me permito aqui abrir um parêntese: me senti realizada por esta reação do

professor Denis Petrucci.

Porém, mesmo observando a evolução de aprendizagem dos discentes na

componente (aqueles que praticaram a técnica de estudos), o professor ainda relata um

desconforto ético pessoal sobre o que ele denomina por sistema que as universidades

163

criaram para promover o fluxo dos estudantes até a formatura, neste caso a UFRB : com o

objetivo de solucionar os problemas causados pela retenção dos discentes nas componentes

curriculares de maior índice de reprovação quando as gestões de ensino e coordenações dos

cursos ofertam turmas extras, cursos especiais ou de férias. Não é um mecanismo de ensino

ideal, mas é necessário, pois os dias e horários destas turmas normalmente são descolados

dos horários dos cursos regulares, a carga horária da componente é reduzida até o limite

permitido, o número de alunos por turma chega a 60 matriculados e os professores alocados

para conduzir as aulas são os que têm disponibilidade de carga horária – geralmente os

professores substitutos.

Este fator ocasiona intencional esvaziamento de alunos das classes ministradas

pelos docentes titulares devido a conhecida facilidade que se tem em passar na componente

com boas notas, quer dizer, boa parte dos discentes passam, e, com raras exceções, não

apreendem de fato o conteúdo, desencadeando em grandes dificuldades nas componentes

de sequência na grade curricular.

Através do relatório final disponibilizado pelo professor Denis Petrucci (Anexo II),

observei que 43,2% dos discentes da Turma I e 52,3% da Turma II de MEC II desistiram

da componente. Segundo os relatos do professor e de alguns discentes, boa parte desiste da

componente regular, com o objetivo de angariar um grupo para justificar a oferta da

componente em caráter especial ministrada por um professor substituto. Visto que todos

sabem que esta é uma prática da UFRB para regularizar e fazer fluir os estudantes retidos.

Somados a este fato e ainda relacionado com a atuação de professores de contratos

temporários, uma das principais causas do insucesso no aproveitamento de MEC II pelos

discentes está no pouco ou nenhum aprendizado dos conteúdos de MEC I. Os discentes

chegam em MEC II, após passarem com boas notas na antecessora e não conseguem

compreender, tão pouco articular os conteúdos, fazendo-se necessário que o professor de

MEC II repasse todos os assuntos de MEC I. E mesmo que ocorra uma revisão dos assuntos

básicos da componente, pelo curto espaço de tempo, os discentes não assimilam todos os

assuntos, formando uma “bola de neve” de falta de entendimento, a qual termina por soterrar

o desempenho nas avaliações – causando assim, reprovação e retenção.

As sucessivas reprovações em MEC II causam consequências negativas ao estado

emocional dos estudantes, sendo em alguns casos culminando no abandono do curso. Os

alunos repetentes carregam a frustração por não avançarem esta etapa no BCET, e não

percebem que o problema não está particularmente em MEC II e seu professor. Tomados

pela baixa estima e insegurança, mesmo que tenham se dedicado aos estudos, entram em

164

estado de pânico nas avaliações; não conseguem representar seus conhecimentos e, por fim,

são novamente reprovados. Este é o maior dos problemas para o professor Denis Petrucci,

pois recai sobre ele toda a pressão e responsabilidade por estes discentes.

Dados todos estes aspectos que constituem o cenário desta pesquisa, o índice de

sucesso no final do semestre, mesmo com a aplicação da estratégia de ensino, não

superou a expectativa dos 70% no grupo universo da pesquisa – ambas as Turmas I e II

tiveram 29,5% de aprovados. No caso do grupo de amostragem, daqueles discentes que

realizaram todas as atividades com o grafismo, verificou-se a aprovação em 52% dos

participantes. Na percepção do docente participante, ocorreu uma evolução crescente

no aprendizado daqueles estudantes que utilizaram o grafismo para estudar. Dentro dos

objetivos da aplicação da estratégia de ensino, o grafismo auxiliou os estudantes na

organização e visualização dos elementos dos conteúdos, a organização dos processos

de análise das estruturas, o estímulo ao raciocínio lógico, além de perceptível elevação

da estima, segurança e amadurecimento da autonomia intelectual. Com vistas nestes

resultados, o professor Denis Petrucci relatou, em entrevista, que pretende continuar

com esta estratégia de ensino e aprendizagem, fazendo apenas algumas adaptações no

cronograma de atividades.

6.2.3. O corpo discente

O estudante ingressa no BCET com a expectativa de que enquanto é apresentado

as diferentes áreas de especialização, possa optar pelo curso de segundo ciclo que mais se

identifica. O próprio curso tem em sua grade, as componentes curriculares específicas e pré-

requisito para aquelas de cada segundo ciclo – estas ofertadas como componentes optativas

– em atendimento da Resolução CNE/ CES 11/ 2002. Este é o aspecto positivo do curso do

BCET. Porém, por outro lado, o ingresso no segundo ciclo ocorre através de uma seleção

interna, onde o critério de peso é a média de aproveitamento ao longo curso, o escore. E

quando o curso de segundo ciclo, aquele da aptidão do estudante, é muito concorrido,

significa que notas boas (em números) são as alavancas para a chegada à especialização

profissional do seu projeto de vida.

165

O modelo de formação do BCET daria certo se não houvesse um número limitado

de vagas nos cursos de segundo ciclo. Com base nas exigências propostas nos editais57 de

acesso aos cursos de segundo ciclo – número de vagas e critérios de seleção – os discentes

se veem em um ambiente de concorrência. Tornando-se este, mais um elemento que lhes

causa pressão psicológica e ansiedade, além da natureza dos cursos das ciências exatas e a

determinação por uma especialidade desde o ingresso na UFRB. Por exemplo, o curso de

bacharelado em engenharia civil disponibiliza 25 vagas a cada semestre e a maioria dos

estudantes que entram no primeiro ciclo aspiram por este curso. Isso significa que a cada

reprovação, desistência e nota baixa é diminuída a possibilidade do estudante ingressar no

curso desejado.

Além desta atmosfera “natural” do curso, o aluno ainda precisa superar a formação

insuficiente que recebeu durante o ensino fundamental e médio. Muitos ingressam na vida

acadêmica e se sentem perdidos, pois a rotina universitária é muito diferente daquela vivida

nos tempos da escola. Parte dos alunos supera os obstáculos, amadurecem e desenvolvem

sua emancipação intelectual e pessoal. No entanto, outros não conseguem superar os

obstáculos, seja por dificuldades de formação, seja por problemas de ordem cognitiva,

emocional, familiar ou convívio social. Nestes casos, aqueles que não desistem trilham o

curso com insegurança, tropeços e sucessivas reprovações, ou seja, entram em um ciclo de

frustrações o qual culmina em baixa estima e medo das avaliações.

São estes estudantes em particular que sofrem com as dificuldades impostas por

componentes tais como mecânica dos sólidos. Muitas vezes eles não entendem por que não

conseguem vencer as etapas curriculares, pois participam das aulas, se dedicam aos estudos

em casa e com os colegas e ainda assim são reprovados. Alguns desenvolvem sentimentos

de muita insegurança, medo e ansiedade que durante as avaliações entram em estado de

pânico, não conseguindo representar o conhecimento adquirido.

E cabe ressaltar, estou mencionando os estudantes que de fato se dedicam aos

estudos, os quais os próprios professores dizem ser interessados. Falo aqui do discente que

relata dificuldade de visualização dos elementos dos conteúdos das componentes, que ficam

perdidos quando lhes são convocados o raciocínio lógico e que não conseguem imaginar

possíveis soluções para os problemas apresentados durante as atividades das componentes

curriculares. São os discentes que motivaram o desenvolvimento desta pesquisa, que sentem

57 Edital de acesso aos Cursos do Segundo Ciclo após a conclusão dos Bacharelados Interdisciplinares e

Similares 2020.1, disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/portal/component/chronoforms5/?chronoform=ver-

prosel&id=1100>. Acesso em: 11/06/2020.

166

a necessidade e desejo de superação de suas dificuldades – eles buscam por isto. Portanto,

este foi o perfil dos discentes que se inscreveram voluntariamente para participar da

pesquisa, pois perceberam ali uma motivação e oportunidade de romper o ciclo de

frustrações em torno de MEC II.

Após a minha apresentação sobre a estratégia de ensino e aprendizagem e de como

funcionariam os procedimentos de coleta de dados, convidei a todos para participarem

voluntariamente da pesquisa-ação. Foram 18 inscritos, destes 15 alunos (07 da Turma I e

08 da Turma II) prosseguiram na componente até o final do semestre. Para as entrevistas,

apenas 01 discente inscrito não compareceu, e outros 02, mesmo desistindo da componente,

participaram das duas sessões de entrevistas para a coleta de dados da pesquisa-ação. Fato

relevante que vale destacar por meio da apresentação de um trecho da entrevista com uma

discente desistente de MEC II. Quando pedi que descrevesse a sua percepção em relação à

utilização do grafismo como técnica de estudos, ela respondeu:

Bem, eu não tenho muita propriedade para falar, pois desisti da disciplina.

Eu perdi primeiro a minha avó e alguns dias depois o meu avô, então isto

acarretou numa série de coisas. Aí, com isso, eu terminei abrindo mão de

uma matéria porque eu não estava conseguindo dar conta de processar tudo

e continuar dando o gás que eu estava dando. E como MEC foi a matéria

que estava mais prejudicada, terminei tomando esta decisão. Porém, como

falei na primeira entrevista, eu achei o estudo do grafismo muito

interessante, então eu quis continuar vindo. Pois eu continuo

utilizando o grafismo. A princípio eu não tinha conseguido adaptar ele

para as outras matérias, mas aí deu certo em Termodinâmica. E foi

como eu falei, eu não conseguia visualizar nada, no semestre passado eu

perdi porque eu não consegui assimilar o assunto, eu não sabia. Agora eu

entendo até onde eu fiz. Eu consigo explicar o assunto. Realmente eu

entendi, por meio do grafismo. Eu consegui organizar as ideias. Pois

existe um passo a passo lógico. E me ajudou bastante [...] Vou

continuar praticando, e continuar passando adiante também. Eu até

vou conversar com o professor Gilvan, o coordenador do projeto

“Acolhida”, é quem recebe os calouros, e nós monitores, damos aula para

eles – eu quero ensinar o grafismo para os calouros. Pois eu acho

interessante, de lá (início do curso), eles começarem a praticar o

grafismo (DIS15, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Este depoimento representa bem a necessidade que alguns discentes tem em superar

as dificuldades em MEC II. Pois quando eles perceberam que a utilização de uma nova

forma de estudar os levou ao entendimento, algo que não conseguiam antes, emergiu a

motivação por estudar e aprender. Não é simplesmente passar.

Conforme expliquei na sessão acima, o docente participante inseriu a estratégia nos

procedimentos de ensino e aprendizagem do planejamento do curso do semestre letivo

167

2019.2 e ainda os convidou para juntos fazerem a experiência. Ou seja, ocorreram atividades

envolvendo o grafismo para todos os estudantes das turmas. Mesmo apresentando interesse

pela técnica e utilizando-a durante os estudos, nem todos os alunos de MEC II se

inscreveram e participaram da pesquisa. Sobre eles, no que se refere aos resultados da

aplicação do grafismo, tomei apenas a percepção do docente, a qual durante as entrevistas

se assemelhou às coletadas com o grupo discente de amostra.

Outro fato interessante que ocorreu durante a pesquisa foi que dentre os discentes

participantes como grupo de amostra, teve um que na primeira entrevista demonstrou uma

certa desconfiança sobre os efeitos da aplicação do grafismo. Quando fiz a primeira

entrevista com ele, logo após a segunda avaliação, ele comentou que estava praticando a

técnica de estudos, mas que não percebia evolução na sua capacidade de visualização mental

e também de fazer experimentos mentais. No entanto, após uma efetiva utilização do

grafismo conforme ele comentou, após a terceira avaliação, sua percepção sobre os

resultados mudou:

Eu reparei que as minhas opiniões foram mudando de acordo com o estudo.

Porque, por exemplo, nesta parte, talvez seja um experimento mental, não

sei... mas no terceiro assunto de MEC II eu precisava de um objetivo final,

só que dentro deste objetivo final precisava encontrar as incógnitas que

eram necessárias pra isso, eu consegui visualizar o que eu queria para

começar a questão e eu consegui organizar estas ideias . Sendo que nos

outros assuntos eu não conseguia [...] Eu acho que foi questão de

aprimoramento (da técnica). [...] E nesta terceira prova, eu tenho certeza

de que foi (o grafismo) porque eu consegui destrinchar o que eu queria

fazer e já saber os próximos passos. Porque via na minha mente o que

eu queria. Por isso que eu acho que consegui visualizar por causa do

grafismo. (DIS03, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos nossos)

Com este depoimento ficou claro que a percepção dos efeitos da aplicação do

grafismo pelos discentes os fez se dedicarem mais ao uso da técnica e assim obterem

melhores resultados, sobretudo na organização das ideias e visualização do pensamento.

Isto é, aqueles discentes que, no início do semestre, faziam as atividades usando o grafismo

porque o professor assim os solicitava – não por interesse e necessidade pessoal de testar a

metodologia – ao perceberem que ocorreu alguma evolução, passaram a praticar mais. A

exemplo do participante DIS03 (depoimento acima), quem nas duas primeiras avaliações

obteve o conceito 4,5 e na última, após mudar sua percepção sobre a técnica do grafismo e

assim treinar mais, evoluiu para 9,0.

No decorrer da experiência, a partir da interpretação dos depoimentos dos discentes

participantes e do docente colaborador, observei que temos outros perfis de estudantes que

168

compõem a complexidade subjetiva das turmas de MEC II. Dentre eles, temos um grupo

que a estratégia em estudo não atingiu. São discentes que, naquele momento, tem como

objetivo passar em mecânica dos sólidos. Eles não se interessaram em experimentar a

utilização do grafismo e, infelizmente, segundo o docente, alguns até tentaram burlar as

atividades solicitadas. Estes são os que fazem parte daqueles que desistem de apreender a

componente e buscam angariar colegas para formar um numeroso grupo a fim de solicitar,

junto às coordenações dos cursos, a oferta da componente em caráter especial, de

preferência, ministrada por um professor substituto:

Ontem mesmo, eu recebi um e-mail de uma turma falando que iria pedir

uma turma de curso de férias para MEC II. Aí eu disse, se eu perder

agora, pode me colocar na lista. Aí o pessoal falou, e o professor? Melhor

que seja o professor Denis, se eu pudesse sugerir, seria ele com certeza,

mas aí... o pessoal quis me matar (DIS09, em entrevista realizada em

13/11/2019, grifos nossos).

Em observância das entrelinhas do relato acima, a relutância dos colegas de DIS09

em aceitar o titular da componente como o ministrante da turma em caráter especial (curso

de férias), não é qualidade do seu ensinar, e sim o seu nível de exigência nas avaliações.

Pois a situação que lhes impõe esta decisão é a constante reprovação na componente, e eles

se veem na necessidade de passar e dar continuidade no curso.

Enquanto discutia o relato do discente acima com o Dr. Anderson Café58, colega

de grupo de orientação de tese e colaborador deste estudo, ele trouxe a sua percepção sobre

o fato dos discentes buscarem a formação de turmas extras (ou de férias) para concluírem

os seus cursos, na opinião dele, a natureza desta situação é trágica:

O que é tragédia em filosofia? É quando dois argumentos opostos são tão

fortes e tão consistentes que um não consegue vencer/sucumbir o outro.

Assim, é forte o relato do professor titular que se sente frustrado pela

grande reprovação dos seus alunos e, com isso, enfrenta problemas de

esvaziamento em suas salas de aulas, e é certo, e forte também que os

alunos – a própria universidade, a coordenação busquem meios para fazer

com que esses alunos consigam finalizar o curso porque senão ela, a

universidade, não teria razão de existir. Não existe escola sem alunos

formados (e a universidade tem plena consciência da fragilidade dos seus

alunos em níveis anteriores de ensino e, pior, sabe que não vai resolver a

questão sozinha) sem pensar nos custos envolvidos para manter em

funcionamento uma estrutura universitária com professores e técnicos

administrativos com salários em dia pago pelos cofres públicos para formar

um número ínfimo de alunos. Então, perceba que tanto o professor titular

quanto o aluno repetente ou desistente que busca a coordenação de

cursos para ofertar cursos de férias com professores substitutos são

58 Anderson Luis da Paixão Café, currículo Lattes disponível em: <http://lattes.cnpq.br/0163970734459604>.

169

“vítimas” de um sistema de educação totalmente falido. (CAFÉ,

Anderson, em reunião de grupo de pesquisa do DMMDC realizada em

04/02/2020, grifos meus).

Concordo e conforme expliquei anteriormente, este fato é uma representação real

do ciclo de relações mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem entre alunos, professores

e instituições, onde não há como apontar culpados, todos fazem parte do mesmo processo e

são vítimas do sistema educacional brasileiro.

No que se refere ao critério pela opção dos discentes por um professor substituto

para a realização de um curso extra (ou de férias), é que, segundo os discentes, o nível de

exigência das avaliações proposto pelo professor titular é muito alto. A explicação do

professor é que o alto nível de exigência é da própria natureza da componente, da formação

do profissional, quando na universidade eles (os discentes) ainda podem errar. Por exemplo,

fazer a análise estrutural de uma viga de um prédio de forma equivocada numa avaliação de

uma componente curricular pode lhes causar, no máximo, uma nota baixa, mas quando esta

análise errada acontece na atuação profissional, coloca vidas em ameaça. Portanto, nas

atividades em geral da componente, de aprendizagem e avaliativas, solicita-se a aplicação

de conceitos físicos para a solução dos problemas práticos de Engenharia – isto é, as

questões convidam o pensamento dos alunos a interpretar e analisar os objetos e forças a

partir de situações reais que vivenciarão no futuro. Não se trata de avaliações que solicitam

simples aplicação de fórmulas:

Antes eu tinha um “x” e aí ficava pensando, qual a fórmula que tem um

“x” para eu encaixar. Eu não sabia o que fazer, só queria colocar uma coisa

ali (DIS03, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos nossos).

Destaquei este depoimento para demonstrar o porquê de alguns discentes relutarem

em aceitar o titular da componente nos cursos especiais. A causa não é a qualidade de

ensino, ao contrário. A explicação da preferência pelo professor substituto possivelmente

está no estilo das provas, na forma como os estudantes são convocados e pela conhecida

facilidade de exigência, donde o discente tem que simplesmente aplicar fórmulas - mesmo

que não saiba o que está fazendo, mas no final a conta estará certa.

O nível de exigência das avaliações do professor titular da componente está

diretamente relacionado com seu compromisso com a instituição e Projeto Pedagógico do

Curso, com a sua preocupação em preparar engenheiros capacitados a solucionar problemas e

não apenas saber fazer contas. A metodologia dialética do conhecimento tem no seu cerne

desenvolver no aprendente, um método do pensamento, e quando este sujeito não sabe pensar

170

para resolver um problema, o pensar sem direcionamento cansa o estudante e no fim, exausto

também emocionalmente, só quer passar. Então, aqueles que não possuem consciência da

importância da própria formação, no aprender a apreender, terminam optando por tudo aquilo

que não convoque o seu raciocínio lógico, o seu pensamento, a sua imaginação.

Por outro lado, no entanto, daquilo que percebi durante a pesquisa, o problema das

avaliações não está apenas na complexidade do problema ou tão pouco no nível da cobrança.

O maior obstáculo está no estado emocional que os discentes fazem as provas. Conforme

relatei antes, as sucessivas reprovações interferem na autoestima do estudante, causam uma

excessiva autocobrança, desenvolvendo insegurança, ansiedade, medo e pânico durante as

provas. E repito, este fator é determinante nos altos índices de insucessos pelos discentes

na componente.

O fato é que a ansiedade está me prejudicando bastante pró! Para você ter

uma noção, eu escrevi lá certinho, o momento, a força, que é perpendicular

a uma distância ali na peça, aí eu fui lá e coloquei a distância paralela.

Então as vezes não é nem o que eu não sei [...] mas na hora do nervosismo

eu acabo trocando as coisas. Eu bato um número diferente na calculadora,

muito pela ansiedade mesmo. Não porque eu não sei o assunto, entendeu?

Então isso acontece muito comigo. (DIS07, em entrevista realizada em

11/11/2019)

Na verdade, eu sei o assunto, mas, por exemplo, na hora de responder a

prova me dá um branco, eu tenho este problema. Às vezes eu erro. Nesse

quesito, tem me ajudado. (DIS04, em entrevista realizada em 12/11/2019)

Com vistas nestes fatores, um dos objetivos da aplicação da estratégia grafismo

como um método de ensinar a apreender – desenvolver um método para o pensamento – é

justamente desenvolver a autonomia de estudos dos alunos. Uma vez que se percebem

protagonistas do próprio conhecimento, naturalmente dedicam-se mais ao ato de estudar,

evoluem na componente, sentem-se motivados e, somado a isto, elevam a estima, a

autoconfiança e segurança na resolução dos problemas durante as avaliações.

Eu comecei a ter mais facilidade na hora de estudar e organizar mais

os meus pensamentos na hora de fazer os exercícios. Consegui

imaginar as questões antes de resolver. E aí eu consigo fazer um passo

a passo do que eu tenho que fazer em cada questão. Isso facilitou muito,

porque as vezes quando eu pegava uma questão, eu não sabia por onde

começar, ficava meio atrapalhado, estava fazendo uma coisa, depois

falava, para onde eu vou agora? E aí, a partir destas atividades, tem que

descrever certinho, como a gente começa, o que a gente tem que fazer,

eu comecei a organizar o meu pensamento. E comecei a utilizar isso

também em outras disciplinas que ficava meio perdido, começava a

171

fazer e no meio da questão, me perdia (DIS16, em entrevista realizada

em 19/11/2019, grifos nossos).

Por fim, durante as sessões de entrevistas do segundo ciclo da pesquisa, percebi

uma exponencial mudança na aura dos discentes participantes. No tom da voz, na ausência

de lágrimas nos olhos, nos sorrisos após a última avaliação. Muitos sabiam que não

conseguiriam passar, mas a percepção que entender os conteúdos de MEC II é possível e

que ser protagonista do próprio entendimento os levará a uma emancipação intelectual,

aliviou o peso da reprovação e a tornou uma oportunidade de apreender.

No primeiro assunto que é deflexão, se eu seguir todo um passo a passo

dá para fazer as questões que tem no livro, que tem nas listas. E aí eu

montei uma sequência [...] Montei um fluxograma com os passos e com

as variações que o método cobra e aí, eu consegui fazer várias

atividades através disso (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Eu acho que esta é a solução para esta disciplina . Porque a gente cria

uma confiança e um roteiro. Eu ficava perdida, pensava, meu Deus, e eu

acho o que agora, eu faço o que? [...] Quantas vezes eu apaguei o certo

para fazer o errado! Porque dizia não, não é possível que eu acertei isso

[...] Então eu melhorei, pode ser que eu não alcance a nota pra passar,

mas do que eu era antes e do que passei a ser agora é outra coisa

(DIS01, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Com estes dois trechos dos depoimentos dos discentes, dá para demonstrar a

importância que tem a implementação de estratégias de ensino e aprendizagem no ensino

superior. E para finalizar, vale trazer as palavras do professor Denis Petrucci que, após a

publicação dos resultados das turmas, encaminhou um e-mail dizendo assim: “Estou

recebendo e-mails de estudantes agradecendo, não por passar, mas por ensinar a

pensar e a estudar” (22 de dezembro de 2019).

6.3. PERCURSO METODOLÓGICO

6.3.1. Da natureza, abordagem, técnicas e procedimentos

À luz das teorias de Gil (2017), Minayo (2008), Flick (2009), bem como Marconi

e Lakatos (2003, 2018) desenhei o plano metodológico para o desenvolvimento desta tese.

Segue abaixo a descrição da sua forma de abordagem, procedimentos e técnicas de

realização – “metodologia = APT”, como diz professor Roberto Leon Ponczek.

172

Conforme expliquei anteriormente, o objetivo principal deste trabalho foi

implementar o grafismo como uma técnica de estudo e avaliar a sua eficácia quando pensado

como uma estratégia de ensinagem para os estudantes da componente MEC II do

BCET/UFRB. Em função deste objetivo e da natureza do corpus do estudo, defini que a

abordagem qualitativa é a mais apropriada para a realização desta pesquisa.

A pesquisa qualitativa é de particular relevância ao estudo das relações

sociais devido à pluralização das esferas de vida. [...] Essa pluralização

exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões. [..] As

narrativas agora precisam ser limitadas em termos locais, temporais e

situacionais. [...] Tratam-se de situações tão novas para eles que suas

metodologias dedutivas tradicionais – questões e hipóteses de pesquisa

obtidos a partir de modelos teóricos e testadas sobre evidências empíricas

– agora fracassam devido a diferenciação dos objetos. [...] Em vez de partir

de teorias e testá-las, são necessários conceitos sensibilizantes para a

abordagem dos contextos sociais a serem estudados. [...] estes conceitos

são essencialmente influenciados por um conhecimento teórico

anterior. [...] O conhecimento e a prática são estudados enquanto

conhecimento e prática locais. (GEERTZ, 1983 apud FLICK, 2009, p.

20-1, grifos do autor e meus).

Portanto, a partir da definição da abordagem qualitativa, os procedimentos da

investigação ocorreram através da convergência entre os tipos de pesquisa aplicada e

descritiva. Aplicada porque levei conceitos anteriores à aplicação prática para a busca da

solução de problemas e descritiva porque apresento aqui os registros e a interpretação de

fatos observados a partir de uma investigação local e sistematizada.

Quanto às técnicas, lancei mão dos procedimentos da pesquisa bibliográfica para o

desenvolvimento dos temas de base teórica da tese, são eles o segundo, o terceiro, o quarto

e o quinto capítulos. Nestas investigações, utilizei como fontes e instrumentos livros,

capítulos de livros, títulos de periódicos científicos indexados e seus respectivos artigos

científicos, teses, dissertações e obras de referência, material este localizado em acervo de

bibliotecas convencionais e on-line (base de dados), como, por exemplo, em sistemas de

buscas on-line. E para discorrer as análises e descrições dos objetos de estudos, antes

empreguei as técnicas das leituras interpretativas e analíticas.

A pesquisa documental também foi utilizada para complementação analítica da

base teórica e empírica da investigação. As fontes utilizadas foram documentos referentes

às legislações que regem a organização e estrutura do sistema educacional do Brasil, como

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, bem como instrumentos legais

locais, a exemplo do Projeto Político Pedagógico do BCET e o PPI da UFRB. A pesquisa

ocorreu basicamente através de portais eletrônicos disponíveis on-line.

173

No que se refere ao desenvolvimento da base empírica, encontrei nos

procedimentos metodológicos da pesquisa-ação participativa o modelo ideal para

implementar e avaliar o grafismo como estratégia de ensinagem, por quê:

É uma modalidade de pesquisa que não se ajusta ao modelo clássico de

pesquisa científica [...]. A pesquisa-ação pode ser definida como “um tipo

de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada com estreita

associação com uma ação ou ainda, com a resolução de um problema

coletivo, onde todos os pesquisadores e participantes então envolvidos de

modo cooperativo e participativo” (THIOLLENT, 1985, p. 14). [...] tem

características situacionais, já que procura diagnosticar um problema

específico numa situação específica, com vistas a alcançar algum

resultado prático (GIL, 2017, p.38, grifos meus).

A pesquisa realizada com ação participativa é cada vez mais utilizada pelos

pesquisadores das Ciências Sociais. São vários os exemplos do uso da

pesquisa-ação participativa em Psicologia, Sociologia, Educação,

Medicina e, mais recentemente, Economia, com temas de desenvolvimento

comunitário (MARCONI; LAKATOS, 2018, p.80, grifos meus).

A pesquisa-ação é caracterizada por uma sequência de ações que se repetem em fases

ou ciclos. Segundo Gil (2017), as ações são: fase exploratória; problematização; elaboração das

hipóteses; implementação e aplicação do experimento (estratégia ou seminário59); seleção de

amostras; coleta de dados; análise dos dados; elaboração do plano de ação do novo ciclo;

segundo ciclo (exploração, problematização, hipóteses, aplicação, amostras, coleta e análise de

dados, elaboração do novo ciclo...); e divulgação dos resultados.

Esta pesquisa-ação ocorreu em dois ciclos de aplicação da estratégia de ensinagem

grafismo aos alunos da componente de MEC II do BCET da UFRB. A fase exploratória se

deu a partir da minha observação sobre a dificuldade que os discentes do BCET apresentam

em visualizar mentalmente os novos conteúdos apresentados em sala de aula. Busquei, de

maneira informal, a opinião de outros docentes sobre o assunto, e a maioria deles relata ter

a mesma percepção sobre esta dificuldade dos discentes. Então, comecei a investigar sobre

os possíveis motivos até chegar ao entendimento de que o problema da dificuldade de

visualização mental dos novos conteúdos pelos discentes se dá pelo não direcionamento do

pensamento, da imaginação ao aprendizado, ou seja, os discentes não sabem imaginar com

o objetivo de apreender.

A imaginação é uma faculdade cognitiva fundamental para a representação visual

do pensamento. O seu exercício expressa a produção da memória, da subjetividade,

59 Esta ação é definida pela natureza da pesquisa em curso.

174

entendimento, raciocínio e criatividade – a imaginação representa no pensamento a

construção do objeto do conhecimento pelo pensamento. Uma vez que o indivíduo não

direciona, ou não sabe direcionar, seu pensamento em direção à aquisição do conhecimento,

consequentemente demonstra dificuldades em imaginar a articulação dos elementos dos

novos conteúdos como também tem dificuldade no entendimento e construção do

conhecimento do objeto.

À luz desta percepção, emergiu a crença da pesquisa: a imaginação é a faculdade

de representação visual do pensamento e seu exercício é fundamental para a concepção

do conhecimento do mundo pelo homem. Da crença às hipóteses apresentadas no item 6.1

deste capítulo, as quais foram elaboradas para proteger o axioma o qual afirma, o

grafismo, quando aplicado como uma estratégia de ensino e aprendizagem, ilustra o

processo cognitivo, estimula o exercício da imaginação e auxilia na construção e

concepção do conhecimento pelos estudantes, logo pode se tornar uma estratégia de ensino

e aprendizagem.

Para a implementação e aplicação da estratégia, contei com a colaboração do titular

de MEC II, professor Dr. Denis Petrucci (TCLE, Apêndice A) e suas duas turmas do

semestre letivo 2019.2, formando, assim, um grupo universo de investigação composto por

88 estudantes (inicialmente matriculados) e um docente. O início do primeiro ciclo de ação

da pesquisa começou após conhecimento sobre a técnica do grafismo pelo docente

colaborador e conforme expliquei no item 6.2.2, ele a adaptou aos conteúdos e a inseriu nas

atividades de ensino de MEC II para o semestre de 2019.2.

Segundo Anastasiou (2009), as estratégias de ensinagem são procedimentos de

ensino e aprendizagem que podem ser inseridas, a critério do docente ou do grupo

colegiado, no planejamento de ensino de uma componente durante um período letivo. O

docente pode utilizar quantas e quais estratégias as quais ele entende contribuírem para a

condução da construção do conhecimento dos conteúdos apresentados aos aprendentes em

sala de aula. Por exemplo: no caso de MEC II, o grafismo foi como uma técnica de estudo

utilizada enquanto estratégia com o objetivo de auxiliar o aprendente na visualização,

organização dos elementos do objeto do conhecimento e ordenamento do pensamento para

a resolução dos problemas. Além desta estratégia, o docente utilizou, no semestre 2019.2,

a resolução de problemas em sala de aula (professor + alunos), a resolução individual de

listas de exercícios, o uso de problemas-desafios para a solução em duplas de alunos em

sala de aulas etc.

175

É importante esclarecer que a inserção da estratégia de ensino e aprendizagem no

planejamento de ensino de MEC II e a sua aplicação junto aos discentes ocorreu sob minha

colaboração, mas independente da execução da pesquisa em si. Devido a necessidade de

cumprimento de prazo junto ao programa DMMDC, em plena concordância com meu

orientador, o professor Roberto Leon Ponczek e o docente colaborador da pesquisa-ação,

decidimos implementar a estratégia no semestre 2019.2, enquanto aguardávamos a

tramitação do projeto de pesquisa junto ao comitê de ética em pesquisa. Esta decisão foi

tomada à luz do inciso VIII do Art. 1º da Resolução nº 510/ 201660, a qual diz que não

deverão ser registradas nem avaliadas as “atividades realizadas com o intuito

exclusivamente de educação, ensino ou treinamento sem finalidade de pesquisa

científica, de alunos de graduação, de curso técnico, ou de profissionais em

especialização”. Tão logo o projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP, entrei em campo

e dei início a execução da pesquisa.

No início do semestre letivo 2019.2, durante a firmação do contrato didático61 com

os estudantes, ele expos o grafismo, explicou que acrescentou esta estratégia no

planejamento de ensino durante o referido semestre e que esta seria objeto de estudo e

pesquisa de uma tese de doutorado. Antes de começar a apresentar os conteúdos

curriculares, o docente participante apresentou a forma de realização da técnica durante a

resolução dos problemas da componente e ainda disponibilizou um modelo através de

apostila (Anexo I), denominando o grafismo por modelo descritivo para resolução de

problemas, passo-a-passo ou passo-a-passo lógico. Vale destacar que o professor ainda

explicou aos estudantes que as formas de construção e realização do grafismo eram livres e

pessoais, cuja apostila disponibilizada servia, apenas, como modelo de exemplo para eles

utilizarem até criarem a própria forma de execução da técnica de estudos.

Após a obtenção da autorização pelo comitê de ética e pesquisa (CEP), em 24 de

setembro de 2019, me apresentei para as turmas e dei início aos procedimentos para a coleta

de dados. Convidei os discentes para que, de forma voluntária, participassem da pesquisa

para compor o grupo de amostragem e aqueles que se apresentaram passaram por uma

entrevista de seleção de amostra (Questionário Seleção de Amostra, Apêndice B). No

60Resolução 510/2016, Normas Aplicáveis a Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, disponível em<

http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>. 61Contrato didático: expressão utilizada por Marcos Tarcísio Masetto desde 1992 em palestras, indicando o

contrato estabelecido entre professor e aluno, no início do semestre ou ano curricular, em torno de um compromisso

que conjuntamente assumem quanto à construção do conhecimento, dentro do currículo que os une.

(ANASTASIOU, 2009, p.21)

176

projeto submetido ao CEP, seriam selecionados aqueles que relatassem: dificuldade de

visualização mental do próprio processo cognitivo; dificuldade de entendimento de

conteúdos da componente quando estudam sozinhos; e dificuldades nas resoluções de

problemas e nas avaliações da componente. No entanto, repensei este procedimento e com

vistas a possíveis desistências de alguns estudantes durante o processo da pesquisa-ação ao

longo do período, resolvi permanecer com todos que se apresentaram voluntariamente.

O 1º ciclo da pesquisa-ação começou no início das atividades curriculares do

período letivo até a segunda avaliação da componente, pois os discentes já estariam

habituados com a utilização da técnica e assim poderiam relatar a sua percepção sobre a

experiência. O 2º ciclo ocorreu entre a segunda e terceira atividades avaliativas de MEC II

do referido semestre. As sessões de coleta de dados ocorreram após a realização da segunda

e terceira avaliação da componente, 1º e 2º ciclos respectivamente, junto ao grupo de

amostra e os instrumentos utilizados foram os seguintes: questionários objetivos sobre a

percepção dos discentes em relação ao uso do grafismo (Apêndices D e E); entrevistas

semiestruturadas sobre a percepção dos discentes em relação ao uso do grafismo (Apêndices

F e G); entrevistas semiestruturadas da percepção do docente sobre a aplicação da estratégia

de ensino e aprendizagem e seus efeitos no processo de aprendizagem dos discentes

(Apêndices H e I).

A análise da pesquisa-ação contou também com os resultados das avaliações dos

participantes da amostra da pesquisa, a representação da evolução das notas das avaliações

dos participantes, o resultado geral das avaliações das turmas universo e, por fim, o relatório

final produzido pelo docente participante sobre a sua experiência com a estratégia de

ensino-aprendizagem grafismo (Anexo II).

O primeiro ciclo de ação ocorreu nas seguintes etapas: apresentação do tema de

estudos aos discentes; período de estudos e produção individual dos grafismos pelos

discentes; avaliações; relato sobre o processo de produção do grafismo pelos participantes

da amostra e pelo docente colaborador; captação de sugestões da amostra para melhorias de

execução do grafismo. E o segundo ciclo, com as mesmas etapas do primeiro, com exceção

da última, pois não houve a realização de um terceiro ciclo.

Os procedimentos de análise dos dados coletados foram embasados no método de

interpretação descritiva aplicada na percepção docente e discentes sobre a eficácia da

estratégia de ensino-aprendizagem com vistas ao desenvolvimento de uma explicação sobre

a importância do exercício da imaginação para o fenômeno do entendimento e da construção

do conhecimento.

177

6.3.2. Instrumentos da pesquisa e procedimentos de coleta de dados

A seleção do instrumental metodológico desta pesquisa ocorreu em função do seu

objetivo: averiguar o grafismo quando aplicado como uma estratégia de ensinagem aos

discentes de MEC II da UFRB. Logo, para coletar a percepção dos participantes da pesquisa

sobre a sua experiência os instrumentos mais apropriados são as entrevistas ou os

questionários – optei por ambos.

“A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha

informações a respeito de um determinado assunto”, assim explicam Marconi e Lakatos

(2018, p. 88). O tipo de entrevista aplicada na pesquisa-ação foi a semi-estruturada, aquela

que ocorre a partir de um roteiro de perguntas previamente elaboradas e que no decorrer da

entrevista, na medida em que elementos relevantes surgem, outras perguntas podem ser

complementadas. No que se refere aos questionários, optei pelos objetivos, ou de perguntas

fechadas, e presenciais, ou seja, o participante preenche-os na presença do entrevistador.

Optei por este tipo de instrumento no sentido de comparar a opinião dos participantes entre

os dois ciclos de ação.

a. Definição dos eixos investigativos

O desenvolvimento dos eixos da investigação empírica foi norteado pelos conceitos

chave das 2ª, 3ª e 4ª hipóteses apresentadas no item 6.1 deste capítulo. Com base nos seus

conceitos norteadores elaborei os instrumentos de pesquisa em quatro eixos, os quais para

a coleta de dados nomeei por eixos investigativos (EI), são eles:

• EI-01 – Autonomia de estudos: buscou investigar se a aplicação do grafismo

como uma estratégia de ensino e aprendizagem promoveu o desenvolvimento da

autonomia de estudos dos estudantes de MEC II;

• EI-02 – Uso das tecnologias de informação para a busca de compreensão

dos assuntos da componente MEC II: questionou se após a prática do

grafismo, os discentes consultavam as videoaulas e solucionários na internet e

por qual motivo;

• EI-03 – Imaginação/visualização do processo cognitivo: teve como objetivo

a efetividade do grafismo em relação ao auxílio na visualização e organização

dos elementos das percepções e raciocínio, se a prática desta técnica de estudos

estimulou o exercício da imaginação e, se promoveu o entendimento e a

construção do conhecimento pelos estudantes;

178

• EI-04 - Dificuldades em MEC II: investigou a eficiência da aplicação da

estratégia de ensinagem grafismo em relação às dificuldades que os estudantes

apresentam em organizar o raciocínio, imaginar modelos práticos em 3D,

interpretar e aplicar conceitos físicos para a solução de problemas de engenharia.

Vale destacar que a ordem dos eixos investigativos dos questionários e entrevistas

semiestruturadas aplicados foi organizada de acordo com a narração de estudantes sobre a

experiência com a técnica de estudos durante um estudo prévio que realizei sobre a execução

do grafismo e a aplicação dos instrumentos de pesquisa. Este estudo ocorreu com a

cooperação voluntária de três estudantes de MEC II durante o período letivo 2019.1, após

o aceite informal do professor participante e antes da execução e submissão do projeto de

pesquisa junto ao comitê de ética em pesquisa. O objetivo foi observar a validade da ideia

em aplicar o grafismo como técnica de estudo, sistematizar o planejamento de ações e prever

possíveis equívocos na elaboração dos instrumentos de coleta dados da pesquisa. Para a sua

execução contei com a colaboração do professor Denis Petrucci na elaboração de um

modelo descritivo de exercício da componente e com os discentes que aceitaram cooperar

com a elaboração do projeto.

O estudo prévio ocorreu em quatro etapas. Na primeira, após o tema “Círculo de

Mohr” ser apresentado em aula de MEC II no semestre 2019.1, o modelo descritivo de

análise das tensões ser concedido pelo professor Denis Petrucci e os discentes voluntários

com disponibilidade para o estudo, em uma reunião com o grupo, apresentei o grafismo e

demonstrei as suas formas de execução com o objetivo de habilitá-los à técnica. Após duas

semanas, a segunda etapa ocorreu em encontros individuais, onde coletei os relatos dos

discentes sobre a sua experiência com os estudos através do grafismo. A terceira etapa foi

a elaboração de dois modelos de roteiro de entrevistas e questionários a partir destes relatos.

A quarta e última etapa foi o segundo encontro para a realização do teste dos instrumentos,

prevalecendo aquele que seguiu a ordem narrativa dada antes pelos estudantes voluntários

do estudo.

Segundo eles, ao utilizar o grafismo durante os estudos, aos poucos perceberam

que, em boa parte das vezes, conseguiram compreender os conteúdos e resolver os

problemas sozinhos (EI-01). Com o avanço na resolução dos problemas, os estudantes

diminuíram, gradativamente, o número de consultas às videoaulas e solucionários na

internet e, através da consciência do próprio processo de apreensão do conhecimento dos

assuntos, eles perceberam os motivos que os levavam a tais consultas (EI-02).

179

Consolidada a percepção do aprendizado devido ao uso do grafismo, o aprendente também

percebeu a evolução gradativa da visualização do próprio pensamento, conseguiu

organizar os elementos do conhecimento e direcionar o raciocínio – na forma gráfica ou

através da imaginação – (EI-03) e, então, naturalmente, tomou para si o protagonismo da

construção do conhecimento, dedicando-se mais e mais à prática da técnica, observando

o próprio entendimento, interpretação, análises dos elementos e solução dos problemas de

MEC II (EI-04).

Através desta estrutura elaborei os questionários que foram aplicados aos discentes

participantes. O questionário de seleção de amostra (Apêndice B) possui 52 questões

objetivas, teve como principal objetivo coletar dados sobre a percepção dos discentes

participantes antes da experiência com o grafismo para que após o final da pesquisa-ação,

eu pudesse observar alguma mudança de opinião e seus devidos motivos. Os outros dois

questionários objetivos são iguais (Apêndices D e E), exceto que o primeiro está relacionado

ao primeiro ciclo e o segundo relacionado ao segundo ciclo da pesquisa-ação. Ambos

possuem 24 questões objetivas e a repetição na construção destas seguem o mesmo

propósito do questionário de seleção de amostra, observar possíveis mudanças de opiniões

ao longo do processo de averiguação do grafismo quando utilizado como estratégia de

ensino e aprendizagem.

Os roteiros das entrevistas semiestruturadas (Apêndices F e G) aplicadas aos

discentes também seguiram a ordem dos eixos investigativos. Ambas elaboradas com 12

questões iguais, com exceção da 13ª questão do roteiro de entrevista do primeiro ciclo,

quando solicitei dos participantes sugestões de mudanças a serem implementadas para o

segundo ciclo da pesquisa ação. Segui a mesma justificativa sobre a elaboração dos

questionários, as questões das duas sessões de entrevistas são iguais porque o objetivo é

observar possíveis mudanças de opiniões, se ocorreram e porque ocorreram.

Para a captação da percepção do docente participante elaborei dois roteiros de

entrevistas semiestruturadas (Apêndices H e I), ambos com 10 questões. Na primeira,

vinculada ao primeiro ciclo, busquei informações sobre as percepções iniciais do docente e

se, a partir delas, ele tinha alguma sugestão de melhoria na aplicação da estratégia de ensino

e aprendizagem para a investigação do segundo ciclo. A segunda entrevista foi elaborada

com o intuito de captar a percepção da experiência como um todo, desde a mudança de

comportamento e autonomia dos estudantes em sala de aula, das particularidades sobre as

evoluções de entendimento e desenvolvimentos na componente pelos estudantes, bem como

180

a sua opinião em relação à aplicação da estratégia de ensino e aprendizagem na componente

de sua cátedra na UFRB.

b. Método de coleta de dados

As sessões de entrevistas e preenchimento dos questionários ocorreram

individualmente nas instalações do campus da UFRB na cidade de Cruz das Almas, no

período entre os dias 14 de outubro e 19 de dezembro de 2019. Antes, no dia 07 de outubro,

me apresentei para as duas turmas de MEC II. Durante esta apresentação, explanei o meu

percurso acadêmico e os motivos que levaram a realização do meu projeto de

doutoramento. Expliquei as características da pesquisa, dos seus objetivos, justificativa,

procedimentos e logo em seguida convidei os discentes para participarem voluntariamente

da coleta de dados.

Na mesma oportunidade, em atendimento às recomendações resoluções éticas

brasileiras, em especial a Resolução CNS nº 466/1262, expliquei a todos os presentes que o

projeto desta pesquisa foi submetido à avaliação do comitê de ética em pesquisa (CAAE

19573119.3.0000.5531) e aprovado segundo o parecer consubstanciado do CEP sob o nº

3.591.791 (Anexo III), emitido pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da

Bahia, em 23 de setembro de 2019.

Os discentes voluntários se apresentaram na data e local marcado e antes de

começarmos os procedimentos, novamente expliquei como seria a realização da pesquisa,

esclareci todas as dúvidas e ainda ratifiquei a garantia do anonimato onde cada participante

receberia uma identificação composta por letras e números, por exemplo DIS01, na

descrição dos resultados da pesquisa no corpo da tese. Além disso, deixei claro que, a

qualquer momento, eles poderiam desistir de participarem da pesquisa-ação. Dezoito

discentes se inscreveram, leram e assinaram o TCLE (Apêndice C).

Em relação ao docente, o convite para participar da pesquisa foi atrelado à

solicitação de cooperação, pois a implementação, aplicação e avaliação da estratégia de

ensino e aprendizagem dependia diretamente de o professor aceitar a proposta e se

disponibilizar a inserir o grafismo como uma estratégia de ensino e aprendizagem no

planejamento da componente MEC II, no semestre letivo 2019.2. Portanto, conforme

expliquei anteriormente, a realização da aplicação da estratégia de ensino e aprendizagem

grafismo ocorreu independente da investigação sobre os seus efeitos. Uma vez que a

62 Resolução CNS nº 466/12, disponível em< http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>.

181

pesquisa foi aprovada pelo CEP, em respeito ao que rege o Caput 2º, da Alínea VIII, do

Artigo 1º, da Resolução nº 510 de 07 de abril de 201663, fez-se necessário cumprir os

trâmites legais e assinatura do TCLE (Apêndice A) pelo professor, o que ocorreu em 25 de

setembro de 2019.

6.3.3. A descrição e análise de dados

a. Definição dos eixos analíticos

Conforme expliquei anteriormente, a elaboração dos eixos investigativos foi

norteada pelos conceitos chave das hipóteses de base empírica desta tese, mas a ordem

estabelecida nos roteiros das questões do instrumental da investigação seguiu a descrição

da percepção sobre a experiência com a técnica de estudos grafismo por estudantes durante

um estudo prévio. Ordem narrativa que foi reafirmada quando ocorreu a coleta de dados

da investigação. Porém, durante o desenho para a realização da descrição, interpretação e

análise das informações coletadas, a definição e composição das categorias de análise ou

o que nomeei por eixos analíticos (EA), retomou a ordem da estrutura lógica das hipóteses

e suas variáveis investigadas. Estas, as variáveis, as defini como critério para a

determinação dos eixos analíticos, pois o fato de serem o desmembramento das hipóteses

propostas para a investigação, tornam-se elementos fundamentais de interpretação e

análise dos dados coletados.

Da 2ª hipótese (item 6.1), a qual versa sobre a execução e os resultados do grafismo

como técnica de estudos, defini quatro os eixos para analisar e interpretar a percepção dos

discentes e docentes sobre:

• EA-01 – Da escuridão à luz cognitiva: verificar se nos dados coletados os

participantes relataram que a execução do grafismo os levou a superação da

escuridão cognitiva (a síncrese) e de que maneira isto ocorreu;

• EA-02 – Visualização e organização das ideias: analisar nos relatos captados

dos participantes como a representação gráfica dos elementos constituintes de

análise de problemas em Engenharia os auxiliou na visualização de modelos em

3D para a aplicação de conceitos físicos e na organização das “ideias” durante a

solução destes;

63 Resolução CEP/ CONEP nº 510/16, disponível em < http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>.

182

• EA-03 – Direcionamento do pensamento: averiguar se o modelo descritivo ou

passo-a-passo lógico – denominação dada pelo docente à adaptação do grafismo

para os conteúdos de MEC – auxiliou os discentes no direcionamento do

pensamento para a resolução dos problemas em Engenharia;

• EA-04 – Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação: analisar e

interpretar os relatos dos participantes no sentido de observar se a prática do

grafismo, durante a experiência, os auxiliou na ascensão do grau do

conhecimento através do movimento espiral do pensamento, estimulando,

assim, a mobilização, movimento e exercício da imaginação.

A 3ª hipótese, a qual discute o acesso às videoaulas e solucionários on-line gerou

dois eixos que analisam:

• EA-05 – Porque utilizar as videoaulas: mesmo durante a prática do grafismo

e o desenvolvimento da autonomia de estudos pelos discentes.

• EA-06 – Porque não utilizar as videoaulas: após o hábito da prática do

grafismo e o desenvolvimento da autonomia de estudos.

Da 4ª hipótese, a qual acredita que a implementação da estratégia de ensinagem

grafismo, auxiliou os discentes no enfrentamento e superação das dificuldades da

componente MEC II, emergiram dois últimos eixos analíticos que são:

• EA-07 – Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta: verificar nos

relatos dos discentes e do docente as suas percepções sobre a consciência do

aprendizado, se ocorreu e como ocorreu, durante a experiência da aplicação da

estratégia de ensinagem grafismo em MEC II.

• EA-08 – Autonomia intelectual: analisar e interpretar nos relatos captados

durante a coleta de dados, se a aplicação da estratégia de ensinagem grafismo

promoveu, e como promoveu, o desenvolvimento da autonomia intelectual dos

participantes da pesquisa.

b. Método de descrição e análise

Por se tratar de um estudo que tomou para investigação elementos de base teórica

e empírica, donde a aplicação dos conceitos norteadores da tese ocorreu através de uma

183

pesquisa-ação colaborativa, consequentemente a forma de abordagem dos dados coletados

foi qualitativa. Segundo Marconi e Lakatos (2018), embora estreitamente conexas e

complementares, a análise e a interpretação são duas atividades distintas durante o estudo

dos resultados de uma pesquisa científica.

Na análise, o pesquisador entra em mais detalhes sobre os dados

decorrentes do trabalho, a fim de conseguir resposta para suas indagações,

e procura estabelecer as relações necessárias entre os dados obtidos e as

hipóteses formuladas. Estas são comprovadas ou refutadas, mediante a

análise. [...] A interpretação é a atividade intelectual que procura dar

significado mais amplo às respostas, vinculando-as a outros

conhecimentos. Em geral, a interpretação significa a exposição do

verdadeiro significado do material apresentado em relação aos

objetivos propostos e ao tema (MARCONI; LAKATOS, 2018, p.22-3,

grifos meus).

Ou seja, interpretar também é descrever. Assim, para a realização da análise dos

dados coletados durante a pesquisa-ação, inicialmente descrevi a aplicação da estratégia de

ensino e aprendizagem grafismo e sua eficácia sobre o desenvolvimento do exercício da

imaginação, o processo de entendimento dos conteúdos da componente curricular e a

promoção da emancipação intelectual discentes de MEC II. Para isto, confrontei os relatos da

percepção dos participantes sobre a experiência com cada uma das variáveis das hipóteses

elaboradas. Demonstrei as relações entre as variáveis e as confrontei com os relatos captados.

E, por fim, relacionei os resultados das avaliações dos participantes da amostra da pesquisa,

a representação da evolução das notas das avaliações dos participantes da pesquisa, o

resultado geral das avaliações das turmas universo com relatos dos participantes – docentes e

discentes – em confronto com a aplicação das hipóteses.

Quando da descrição e interpretação, vinculei os relatos dos participantes e o

resultado geral das avaliações aos conceitos norteadores da tese e o arcabouço teórico

constituído durante a pesquisa bibliográfica. Procedendo assim, estabeleci um elo entre as

bases empírica e teórica do estudo, etapa importante para a fase final da análise dos

resultados da tese.

E por fim, para a elaboração da explicação sobre a importância do exercício da

imaginação para o fenômeno do conhecimento com o auxílio do grafismo, lancei mão da

triangulação metodológica, “[...] a qual consiste na confirmação de evidências empíricas

em diferentes fontes de pesquisas” (CAFÉ, 2017, p.136). Sendo assim, confrontei os relatos

da percepção dos discentes participantes, do docente participante, com os resultados das

184

avaliações e a representação da evolução das notas das avaliações dos participantes da

pesquisa-ação.

185

7. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresento a descrição e a análise dos dados levantados sobre a

percepção de alunos e professor do curso das ciências exatas e tecnológicas da UFRB, em

relação as suas experiências com a estratégia de ensinagem grafismo. O universo da

pesquisa-ação foi constituído pelo docente e as suas turmas de mecânica dos sólidos II, T01

e T02, ofertadas no semestre letivo 2019.2, das quais se formou o grupo de amostragem

com 18 voluntários.

A coleta de dados ocorreu através de dois ciclos de entrevistas: no primeiro, todos

os pertencentes da amostragem se apresentaram; no segundo, apenas um discente não

compareceu. Dos 18 inscritos, 15 alunos frequentaram as aulas, fizeram as atividades e

todas as avaliações da componente. Dois participantes, embora desistentes de MEC II

naquele semestre, participaram das duas sessões de entrevistas desta pesquisa.

No primeiro item, a apresentação se concentra na descrição e análise do grafismo

enquanto uma técnica de estudos e na averiguação dos efeitos da sua execução pela

percepção do docente e dos discentes do grupo de amostragem durante o semestre letivo.

No segundo item, o que ocorre é a demonstração da articulação e inserção do grafismo ao

pensamento pedagógico dos processos de ensinagem e a análise das suas propostas à luz da

percepção dos participantes da pesquisa sobre este processo. Por fim, no último item,

apresento os resultados das avaliações da componente em 2019.2, através da análise

comparativa destes com os dos períodos letivos anteriores.

A descrição e a análise dos dados ocorreram através da triangulação do confronto

entre as hipóteses firmadas para a pesquisa – aqui representadas pelas suas variáveis – os

fundamentos do arcabouço teórico e os fatos levantados durante a pesquisa-ação. As hipóteses

emergiram do axioma que afirma: o grafismo quando aplicado como uma estratégia de ensino

e aprendizagem, ilustra o processo cognitivo, estimula o exercício da imaginação e auxilia

na construção do conhecimento dos estudantes. Norteada por este axioma, elaborei uma

estratégia de ensino e aprendizagem sob os princípios da ensinagem, que tem como objetivo

elementar a apreensão e ascensão do conhecimento através de um método que versa sobre a

organização e direcionamento do pensamento, do movimento do pensar para apreender:

porque pensar é imaginar e apreender é imaginar o próprio objeto!

186

7.1. O GRAFISMO

O grafismo é uma técnica de estudo na qual se constitui do aprendente registrar,

organizar e desenvolver graficamente o conhecimento sobre um objeto ou informação.

Idealizado sob a perspectiva da teoria e metodologia dialética do conhecimento, o grafismo

se tornou uma forma de materialização do movimento da espiral do conhecimento, ou seja,

a representação gráfica do movimento do pensamento entre a síncrese e a síntese do objeto.

Trata-se do método do pensamento para a construção do conhecimento, conforme definiu

Kosik (1969).

Pensar é imaginar e conhecer é imaginar o objeto do conhecimento. Posto isto,

entendo que se ao apresentarmos ao aprendente uma técnica de estudos que tem como

fundamento mobilizar o seu pensamento sob um método para a aquisição do conhecimento,

mobilizamos a sua imaginação sob um método para a aquisição deste conhecimento . O

grafismo, quando utilizado como uma técnica de estudo, pretende ser mais que uma simples

ferramenta de visualização e organização dos elementos do objeto do conhecimento no

papel. Quando aplicado sob o método dialético, ele auxilia o aprendente no

desenvolvimento do pensar, do imaginar para apreender.

Nos próximos itens, apresento a investigação feita sobre grafismo a qual teve como

objetivos verificar se a sua execução pelos estudantes lhes serviu para: enxergar os

elementos do objeto do conhecimento; auxiliar na superação da escuridão cognitiva;

auxiliar na visualização e organização de ideias; o pensamento durante o conhecimento ou

resolução de problemas de engenharia; auxiliar na apreensão e ascensão do conhecimento

e estímulo à imaginação; e motivar o desenvolvimento das suas autonomias de estudos.

Esta pesquisa ocorreu entre 14 de outubro e 19 de dezembro de 2019, com os discentes e

docentes da componente MEC II, do curso de bacharelado em ciências exatas e tecnológicas

da UFRB.

7.1.1. Grafismo aplicado a Mecânica dos Sólidos

Conforme mencionei anteriormente, o docente da componente mecânica dos

sólidos II, o professor Denis Petrucci, abraçou a proposta da pesquisa. Ele estudou os

conceitos da ensinagem e os princípios da técnica de estudos, dos seus objetivos e formas

de execução. Adaptou e implementou o grafismo como um estratégia de ensino e

187

aprendizagem em seu plano de curso, como também elaborou algumas apostilas com

exemplos e modelos do que ele denominou por modelo descritivo para resolução de

problemas, passo-a-passo ou passo-a-passo lógico.

O modelo de grafismo aplicado em mecânica dos sólidos elaborado pelo professor

Denis não traz novidades na forma de ensinar os conteúdos da matéria , mas tomou o corpo

de um processo descritivo dos procedimentos para a resolução de problemas em engenharia

– daí a explicação das denominações dadas à técnica pelo professor da componente. Como

a técnica consiste em o estudante grafar enquanto estuda, o docente adaptou este

fundamento para os conteúdos de MEC para uma maneira que leve o discente a representar

em forma texto a descrição das etapas de análise e solução dos exercícios da componente –

donde destaco a inovação na forma de ensinar os conteúdos de MEC . Seguindo estes

procedimentos, o professor transformou a execução do grafismo numa ferramenta de

organização e orientação para a resolução dos problemas em engenharia cumprindo com os

princípios da teoria e metodologia dialética. Isto aconteceu porque o fato de descrever

graficamente cada passo a ser tomado durante a análise das estruturas (dos sólidos) e das

forças que incidem sobre elas, o docente: instrumentalizou uma forma de desmembrar os

elementos que compõem o problema, as partes do todo; promoveu o détour de análise

direcionada para a resolução de problemas pelo pensamento dos discentes; e motivou o

movimento do pensamento, o exercício da imaginação dos aprendentes.

Figura 12 – Enunciado e construção do diagrama do corpo livre.

a)

b)

188

A fim de apresentar um exemplo de grafismo aplicado à MEC, elaborado pelo

professor Denis Petrucci, destaquei trechos do denominado “modelo de uma metodologia

descritiva na resolução de uma estrutura para fortalecimento do processo de

aprendizagem” (Anexo I). A Figura 12.a apresenta o enunciado do problema de engenharia,

trazendo uma figura ilustrativa esquemática do que seria um elemento estrutural, ou seja,

uma viga, de qualquer material, apoiada em dois pontos (o desenho dos triângulos) de uma

superfície, tal como o solo, de rigidez infinita (não de desloca, nem se deforma) quando

comparada a estrutura em questão, sujeita à carga única representada pela força inclinada

(10 kN), que age em um ponto central da viga. Na Figura 12.b temos a representação gráfica

de uma forma mais limpa, isto é, com menos elementos gráficos, para auxiliar no

procedimento para desenvolvimento dos cálculos: esta representação é chamada na

especialidade de diagrama do corpo livre (DCL). Cabe ainda destacar que a força original

inclinada foi decomposta em outras duas forças, horizontal e vertical, como parte do

procedimento para simplificar o tratamento desta ação.

Figura 13 – Apresentação das equações de equilíbrio e cálculo das reações de apoio.

a)

b)

A Figura 13.a traz a forma tradicional para a determinação das forças de reação do

apoio da estrutura no solo, baseadas na aplicação das expressões de equilíbrio do somatório

das forças, que poderiam causar deslocamentos horizontais e verticais, e do somatório dos

momentos fletores, que poderiam causar rotação na estrutura: esses somatórios devem ser

nulos. O equilíbrio em questão é fruto da axiomática terceira lei de Newton, que diz que

toda ação gera uma reação na mesma direção, em sentidos opostos e de mesma intensidade.

A Figura 13.b apresenta uma forma prática para análise do problema, que só tem validade

porque o problema possui geometria simétrica, levando a simplificação de dizer que as

forças de reação de apoio serão metade do valor da força solicitante decomposta.

189

Figura 14 – Modelo teórico para a construção das expressões dos esforços.

A Figura 14 apresenta a passagem do procedimento que trata do modelo teórico

para a construção das expressões matemáticas N(x), Q(x) e M(x) para a elaboração,

respectivamente, dos diagramas de esforço normal (DEN), de esforço cortante (DEC) e do

momento fletor (DMF). Ressalto que, embora o procedimento seja comum a resolução de

todos os problemas dessa espécie, as expressões matemáticas são particulares para cada

situação. A Figura 15.a mostra o grafismo aplicado ao desenvolvimento das expressões

matemáticas para o esforço normal, o N(x); nela observamos a construção textual

explicativa do procedimento, a figura com elementos geométricos representativos do

fenômeno e as expressões de cálculo do esforço. De modo análogo, temos a Figura 16.a e

Figura 17.a, que tratam, respectivamente, do esforço cortante, Q(x), e do momento fletor,

M(x). As Figura 15.b, Figura 16.b e Figura 17.b mostram os DEN, DEC e DMF. Esses

diagramas são fundamentais para um procedimento seguinte que é o dimensionamento

geométrico da viga, ou seja, as dimensões dos elementos que compões a seção transversal,

bem como permitir a escolha do material sob o ponto de vista técnico e econômico.

190

Figura 15 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços normais.

a)

b)

Figura 16 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços cortantes.

a)

b)

191

Figura 17 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos momentos fletores.

a)

b)

No anexo IV, encontramos aplicações do grafismo feitas pelo DIS09, do mesmo

exercício desenvolvido pelo professor (Figura 12). Na Figura 18.a, observamos que o discente

resume rapidamente seu entendimento para a resolução do problema, sinal evidente que a sua

espiral do conhecimento evoluiu a um ponto posterior a apresentação da fundamental teórica

tal como feito pelo docente, ou seja, ele já sabe como tratar esse tipo de problema. A Figura

18.b ratifica essa observação quando, durante o desenvolvimento dos cálculos, ele passa da

apresentação da equação de equilíbrio (somatório das forças e dos momentos igual a zero) direto

para a resposta. A evolução continua percebida quanto se observa na Figura 18.c, na parte da

geração dos diagramas de esforço cortante (DEC) e de esforço normal (DEN), o discente já

aplica os valores calculados diretamente no gráfico, construindo as expressões na sua

imaginação, através da imaginação produtiva intelectiva, que foi estimulada por meio da

execução de grafismos.

192

Figura 18 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS09 (Anexo IV) para solução do problema

proposto na Figura 12.

a)

b)

c)

O grafismo do anexo V, produzido pelo DIS13 para o mesmo exercício (Figura 12)

traz uma outra forma de representação própria dele mesmo, conforme visto na Figura 19. A

passagem do procedimento para decomposição da força atuante inclinada (10 kN) foi feita

193

através de uma metodologia diferentes daquela aplicada pelo docente e do discente DIS09,

quando estes utilizaram a decomposição por trigonometria. Neste caso, o DIS13 utilizou o

procedimento matemático por vetores unitários, reforçando o objetivo da metodologia dialética,

quando o aprendente chega a síntese do objeto do conhecimento, ou seja, do objeto produzido

pelo seu próprio pensamento, imaginação.

Figura 19 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS13 (Anexo V) para solução do problema

proposto na Figura 12.

7.1.2. Da escuridão à luz cognitiva

Quando perguntada se a experiência com o grafismo lhe auxiliou na compreensão

dos conteúdos de mecânica dos sólidos II, o participante relatou que, antes de começar a

praticar, ele

[...] pegava uma questão e não sabia por onde começar, ficava meio

atrapalhado. Estava fazendo uma coisa, depois falava: para onde eu vou

agora!? (DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).

Antes da prática ele “ficava perdido, não sabia por onde começar” a resolução de

um problema. Este fato aponta o caos do pensamento quando ainda não compreendemos

alguma coisa: no momento inicial do fenômeno do conhecimento, o objeto em estudo se

apresenta dentro da sua totalidade e com ele, via a experiência sensível, chegam ao

pensamento todos os elementos que pertencem ao seu contexto. Segundo Kosik (1969,

p.11), o fenômeno expõe a essência do objeto ao mesmo tempo em que o esconde: “[...] é

um claro-escuro de verdade e engano”. Nas palavras do entrevistado, diante daquilo que

194

não sabia fazer, “ficava meio atrapalhado”, revelando a sua escuridão cognitiva em relação

à resolução dos problemas propostos em MEC II.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pela Resolução

CNE/CES 11/2002, mecânica dos sólidos faz parte do núcleo de conteúdos básicos dos

currículos dos cursos de engenharia. Antes de o estudante ter contato com MEC, como pré-

requisito, ele deve cumprir componentes do campo da matemática, física, expressões

gráficas, entre outras, as quais lhe darão aporte teórico e prático para resolver os problemas

de engenharia. Conforme expliquei, disciplinas como MEC são a porta de entrada para as

componentes curriculares específicas e profissionalizantes das engenharias. Por exemplo:

para se dimensionar o cabo de aço de um guindaste, que é um problema de engenharia, é

necessário representá-lo graficamente, gerar uma interpretação e analisar como um

problema físico; este, por sua vez, poderá ser representado por funções matemáticas, que

serão tratadas pelos procedimentos de solução de equações vistos nos cursos de cálculo.

Esta solução poderá ser, em parte ou no todo, a resolução do problema de engenharia,

reforçando a natureza da espiral do conhecimento dos conteúdos básicos aqui apontados.

Para compreender esta perspectiva, vale esclarecer a diferença entre solução e

resolução. Segundo o dicionário Michaelis64, o primeiro vocábulo se refere à solução

pontual de um problema, de uma expressão matemática na busca de uma incógnita. Quando

temos um problema que leva o sujeito a analisar diferentes aspectos relacionados a

variáveis, a solução destes será a resolução de um problema complexo, explicando assim o

segundo vocábulo.

Esta diferença me apontou o porquê do discente relatar ficar atrapalhado quando

pegava a questão. Existe uma dissonância entre a forma de solução matemática ensinada e

aplicada nos conteúdos das componentes dos cálculos e das físicas e a forma de resolução

de problemas de engenharia ensinados e aplicados nos conteúdos de mecânica dos sólidos.

Quando o professor Denis Petrucci descreveu a primeira experiência de uma atividade em

sala de aula com a aplicação do grafismo, esta dissonância entre formas de ensino e

aprendizagem das componentes do BCET foi evidenciada:

Os alunos estavam totalmente perdidos, não sabiam por onde começar.

Eles não conseguiam compreender o que é descrever o processo e a

pergunta que eu estava fazendo. Então, no último exercício que passei

nesta semana, chamei atenção deles! Eu dei um procedimento para eles

explicarem por que algo estava acontecendo. Aí eles pediram as equações

64

SOLUÇÃO. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www. uol. com. br/michaelis>. Acesso em:

20/06/2020

195

e eu as coloquei no quadro, mas disse: “eu não quero desenvolvimento

de cálculo”. Mesmo assim, eles fizeram uma demonstração

matemática, que eu já tinha feito na sala de aula e já tinha na apostila. Eu

repeti: não pedi a demonstração matemática; pedi para que eles

explicassem o que acontecia na estrutura naquele determinado trecho .

E aí eles tinham que responder o seguinte: “a estrutura começa a sofrer

tração nas fibras superiores, e em todas as vezes que ocorre estas trações,

nas fibras, vai surgir um cisalhamento que vai romper a estrutura como um

todo. Então as fibras superiores das peças devem ser trabalhadas para

suportar melhor as tensões.” Era só para escrever isto! Alguns fizeram:

aqueles estão praticando o grafismo, por exemplo [...]. Mas a grande

maioria foi lá e simplesmente quis provar que a equação dava aquele

“x” resultado. Foi aí que eu chamei a atenção deles, pois expliquei que

eles estão “aplicadores de fórmulas”! Vocês querem fórmulas, mas não

sabem analisar. E ainda perguntei a eles: “qual a parte da fórmula que fala

tudo isso?” Resposta: momento estático de área, e a maioria não sabia! Eu

falei várias vezes em sala de aula, expliquei, nem precisava calcular nada,

precisava apenas no momento estático de área, analisar a situação, o

fenômeno. O que falta é eles observar e analisar: “o que está

acontecendo neste ponto?” E aí eles se perdem porque estão

acostumados desde o primeiro semestre a receber um conjunto de

equações, um conjunto de valores, substituir valores e dar uma

resposta em números (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019,

grifos meus).

Os depoimentos abaixo reforçam o comentário do professor:

(...) a gente fica muito naquele automático, de só pegar a soma, aplicar

e tal. O grafismo ajudou a gente a entender melhor o que a gente está

fazendo. E não ficar só naquela aplicação de fórmula. A gente vai

detalhando cada passo que a gente faz (DIS17, em entrevista realizada em

14/11/2019, grifos meus).

Logo no início, eu senti uma grande dificuldade em descrever o que estava

fazendo, o que ele pediu. O professor pediu para descrever o processo e

eu não sabia colocar em palavras o que ia aplicar. Tipo: eu queria

demonstrar o que estava acontecendo com as forças e tudo mais, mas

ele queria a descrição daquilo que a gente estava fazendo. [...] O grafismo,

talvez, tenha ajudado, pois, quando a gente separa em passos, por exemplo,

quando eu escrevo o primeiro passo, eu já imagino que tenho que decompor

as forças, sendo que antes eu ia direto aplicando (DIS03, em entrevista

realizada em 25/11/2019, grifos meus).

O conjunto de depoimentos acima ratifica que o que ensinar nas componentes de

conteúdos básicos não estava em harmonia com o para que ensinar da componente de

conteúdo profissionalizante. Justificando o fato dos discentes não saberem os

procedimentos de análise que são exigidos em mecânica dos sólidos, trataram de resolução

de problemas através de soluções matemáticas aplicadas em fenômenos físicos:

196

[...] a disciplina é toda estrutural. Eu falo pra eles: “não é só cálculo, não

é só aplicação de fórmula, tem que analisar o que está acontecendo

numa estrutura para dar o melhor dimensionamento para ela” . É fazer

cálculos, mas ao mesmo tempo você tem que analisar para usar a

equação corretamente. Pois não é só jogar o valor, tem que olhar qual o

trecho, como está acontecendo o fenômeno. Não é só aplicação de fórmula!

(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

O fato do discente não conhecer ou não obter conhecimentos sobre como fazer o

procedimento de análise da estrutura para a resolução de um problema de engenharia, o leva

a ficar “atrapalhado”, ou seja, acontece um caos de fórmulas e variáveis do problema em

seu pensamento, que ele não consegue enxergar por onde começar.

(...) antes, eu estudava de forma mecânica, lendo os apontamentos e

resolvendo as questões; só que desta maneira, eu acabava fazendo alguns

cálculos várias vezes, sem entender muito bem o que estava fazendo

(DIS02, em entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).

(...) antes eu ficava perdida, não sabia por onde começar, em que tópico

começar, e agora eu consegui organizar mais os pensamentos, a linha

de raciocínio, aí desenvolvo melhor as questões (DIS07, em entrevista

realizada em 11/11/2019, grifos meus).

Muda, porque aquela coisa da gente registrar, quando está lá

desenhando, facilita, facilita o entendimento. Tipo: se eu for montar uma

treliça, enquanto estou montando, eu já estou imaginando outra coisa, eu

já sei o ponto onde é mais frágil. Se eu for descrever alguma coisa, assim,

fica mais fácil (DIS09, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos

meus).

Quando a gente coloca para fora, as coisas ficam mais claras, pois

muito do que a gente tem dúvida, a gente acaba guardando para perguntar,

e muitas coisas que a gente tem dúvida, a gente mesmo tem a resposta. Não

fica claro porque a gente não escreve (DIS15, em entrevista realizada em

25/11/2019, grifos meus).

Escrever, desenhar, rabiscar ou anotar os elementos que estão embaralhados no

pensamento é como o indivíduo retirar uma porção de objetos de dentro de uma caixa de

vidro embaçada, onde é possível enxergar que existem coisas lá dentro, mas não consegue

as distinguir. Este é o princípio do grafismo: retirar o objeto do conhecimento e os seus

elementos de entorno de dentro de uma caixa embaçada que está no pensamento, torná-los

visíveis no papel e possibilitar que o aprendente projete a sua luz cognitiva sobre tudo que

foi registrado. Desta maneira, ele consegue enxergar os elementos e dar continuidade ao

processo de construção do conhecimento de um objeto. No caso dos problemas propostos

197

em MEC II, o grafismo vai permitir enxergar e determinar “por onde começar” a análise

para resolver o problema.

Eu acho que comecei a visualizar os passos da questão. Que

antigamente eu não conseguia por onde começar (DIS14, em entrevista

realizada em 11/11/2019, grifos meus).

Eu ficava muito perdida, não sabia o que fazer. Aí, numa prova deste

semestre, eu consegui ter uma visualização melhor, inclusive dos

fenômenos que estavam acontecendo em cada caso. Principalmente, na

determinação do ponto elementar, eu conseguia visualizar de que forma

as forças estavam gerando momento, gerando o torque, o que antes eu não

conseguia. E na hora da resolução, eu via as minhas anotações na

minha cabeça na hora de resolver. Então, talvez eu possa ter errado

alguma coisa de cálculo, mas eu acho que a metodologia de resolver eu já

tinha fixa na minha cabeça. Então, foi bem mais fácil (DIS12, em entrevista

realizada em 13/11/2019, grifos meus).

O trecho “consegui ter uma visualização melhor, inclusive dos fenômenos que

estavam acontecendo” corrobora com o empreendimento de Luckesi (2011), apresentado

no capítulo 03 desta tese, em desmitificar a compreensão pelo senso comum nos espaços

escolares de que memorização significa apreensão. Grafar um objeto e projetar a luz

cognitiva, segundo o autor, “expressa a luz que a inteligência projeta sobre” o objeto

(p.155). Desta maneira, o aprendente consegue adentrar no fenômeno e observar as relações

de causas e efeitos, as conexões entre as partes e as associações com o todo. Este é o

processo cognitivo referente ao raciocínio que leva o indivíduo ao entendimento. É imaginar

estas operações do pensamento. Diferente do memorizar é uma operação intelectual que

trata de reter, na memória, partes do objeto sem as conexões que constituem o seu todo. No

relato abaixo, o professor diferencia a apreensão da retenção através de uma analogia

própria, do “não estudou, decorou”:

Nesta semana eu resolvi fazer uma atividade em que era um processo de

resolução, mas em equipe. Separei em duplas e pedi que eles resolvessem

um problema semelhante ao aplicado na avaliação feita há duas

semanas. Então eles perguntaram se podia consultar e eu respondi:

“consulte o seu colega do lado, troquem as informações que vocês

conhecem.” E dei apoio o tempo todo. O que eu percebi? [...] Tiveram

duplas que entraram em discussão, pois cada um queria ir para um lado.

Depois eu falei: “entrem num consenso, respirem e pensem: como eu

falava em sala de aula, lembrem...” dava estas dicas e de repente, “pá!!”

– dava a iluminação neles e se saiam. Por quê? Observe: não faz muito

tempo que apliquei a prova. Eu percebi que tem muita gente que nem

lembrava mais o que tinha estudado! Porque não estudou, decorou

para fazer a avaliação. Por isso a pergunta, posso consultar o material!?

Foi aquele estudo dinâmico que foi feito na véspera da prova, quando

198

eles acham que sabem, mas na realidade não sabiam (DOC, em

entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

A prática do grafismo distancia o aprendente da simples memorização através de

uma forma natural. No início da sua execução, os elementos do objeto são registrados na

mesma disposição como estão no pensamento: embaralhados, desorganizados, ocultos ao

entendimento. Uma vez no papel, claros aos olhos e ao pensamento, linhas de conexões e

associações são automaticamente rabiscadas num movimento entre o pensamento e o papel.

Aos poucos, estes nexos construídos auxiliam o aprendente na visualização e ilustração do

fenômeno e, consequentemente, no entendimento sobre ele. A partir daí, o aprendente

consegue prosseguir com o processo de resolução dos problemas de engenharia.

Eu via a cada dia a importância da escrita e associar isto com o estudo

e conhecimento. Você vai adquirir o conhecimento, não a base de

procedimentos mecânicos. Por exemplo: tem coisas daqui de disciplinas

antigas que eu não lembro totalmente. E essa forma de aprender vai deixar

mais evidente para ser acessado quando necessário. É uma forma de

aprendizado e não de gravar as coisas para fazer uma prova (DIS08,

em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

[...] mas assim o fato de eu não escrever, não colocar realmente no

papel, alguns minutos depois, eu não sei mais o que é isso. Por exemplo,

um exemplo de Denis, muito bem detalhado, ele explica muito bem, eu

entendia, mas quando chegava em casa, de noite ou no outro dia, que

eu pegava: “ oh, meu Deus, o que é isso? Não lembro. O que é isso que

ele fez?” Aí eu comecei escrevendo, por exemplo, vamos começar

assim, comecei a fazer um passo a passo do que ele fala e faz, foi por

causa disso que eu comecei a entender (DIS15, em entrevista realizada

em 25/11/2019, grifos meus).

Eu comecei a ter mais facilidade na hora de estudar e organizar mais os

meus pensamentos na hora de fazer os exercícios. Consegui imaginar as

questões antes de resolver, e aí eu consigo fazer um passo a passo do

que eu tenho que fazer em cada questão. Isso facilitou muito (DIS16, em

entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).

Eu acho que esta é a solução para esta disciplina . Porque a gente cria

uma confiança e um roteiro. Eu ficava perdida, pensava: “meu Deus, eu

acho o que agora, eu faço o que?” (DIS01, em entrevista realizada em

14/11/2019, grifos meus).

O grafismo não é uma solução apenas para MEC II. É uma resolução estratégica

proposta para todo o percurso curricular da vida universitária do estudante, pois se trata de

uma técnica de estudo que promove o desenvolvimento do pensar para apreender. À luz da

metodologia dialética, é possível o docente “propor ações que desafiem ou possibilitem o

199

desenvolvimento das operações mentais” do estudante, conforme explica a professora Léa

Anastasiou, nas linhas resgatadas do capítulo 05, a seguir transcrito:

Para isso, organizam-se processos de apreensão de tal maneira que as

operações de pensamento sejam despertadas, exercitadas, construídas e

flexibilizadas pelas necessárias rupturas, por meio da mobilização, da

construção e das sínteses, devendo estas ser vistas e revistas, possibilitando

ao estudante sensações ou estado de espírito carregado de vivência pessoal

e de renovação (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 76).

Posto isto, reforça-se a importância do docente saber como se aprende. Esclarecido

disto, ele terá facilidade em organizar estratégias que combinam os conteúdos curriculares

com os procedimentos que visam ensinar o aprendente a apreender. Isto ocorreu com a

combinação dos conteúdos de MEC II e o grafismo. É importante lembrar que o professor

Denis Petrucci não tem formação pedagógica, mas se dedicou ao entendimento dos

objetivos da técnica para a sua implementação como uma estratégia de ensino e

aprendizagem. Mesmo sem ter contato com o fundamento teórico estrutural do grafismo, a

dialética do conhecimento, ele conseguiu captar o seu cerne e o aplicou com maestria devido

ao conhecimento que ele adquiriu durante a experiência com a componente sobre o que

ensinar, para que ensinar e para quem ensinar.

Com o objetivo de verificar se a técnica de estudos auxiliou os participantes na

superação da escuridão cognitiva, pedi a eles que relatassem sobre o que mudou após a

prática do grafismo e uma discente assim disse:

A diferença é o seguinte: quando eu fazia sem a técnica, aí tinha um

exercício enunciado, e o professor falava: “pra cada exercício tem que pensar

de forma diferente”. Só que, quando o professor mudava qualquer

coisinha, eu não conseguia saber qual forma que tinha que fazer pra

achar a solução que ele queria. Eu ficava bem confusa. Mas agora com o

grafismo, eu fazendo este passo a passo, eu consigo identificar onde

mudou e o que eu tenho que fazer, para colocar naquele lugar, entendeu?

Para ser em acordo ao que ele queria. Me ajudou bastante (DIS02, em

entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).

Ajudou a melhorar a visualização do problema, antes eu ficava sem saber

o que era o início, o meio e o fim da questão. Achei uma facilidade

(DIS02, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).

Essa constatação também ocorreu conforme as palavras dos participantes que

seguem abaixo. Estes relatos foram extraídos da primeira e segunda seção de entrevistas,

referentes sucessivamente aos dois ciclos de ação da pesquisa.

200

Na verdade, na descrição mesmo, no passo-a-passo, eu consigo visualizar

melhor o que está sendo pedido na questão [...] porque quando você

consegue visualizar, quando começa a descrever, começa a visualizar as

deformações que acontecem, começa a ver que aí tem ponto de força que

age ali. Esse é o lado positivo, porque vai fixando na cabeça e serve

também para outras questões. Então, a facilidade é maior (DIS04, em

entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).

Olhe só: eu estou pegando MEC pela segunda vez. Agora, o meu olhar

para as estruturas e entender algumas coisas está diferente daquele da

primeira vez, embora eu ainda tenha alguma dificuldade na hora de

resolver os exercícios, as questões... Mas envolve muita coisa. Eu aprendi

mais agora. Se tiver lá falando, montar uma estrutura, a gente já sabe o

que pode estar vindo ali, a reação aqui, o momento ali, onde é que tudo

acontece. Agora, tem uma clareza maior, sim (DIS09, em entrevista

realizada em 13/11/2019, grifos meus).

A gente tem que colocar a ideia no papel para visualizar. A anotação é

a coisa mais importante que a gente faz, pois a qualquer momento a gente

pode ir ali e consultar. [...] Eu tenho um problema, me empolgo com as

fórmulas e esqueço de fazer as análises das estruturas (DIS09, em

entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).

Portanto, a averiguação da variável da escuridão à luz cognitiva demonstrou que entre

os 18 discentes inscritos do grupo de amostra, 12 relataram, de forma espontânea, que o ato de

grafar enquanto estudavam os auxiliou na visualização dos elementos das questões e dos

procedimentos referentes às suas soluções. “Visualizando melhor”, os participantes

conseguiram superar a escuridão cognitiva e chegaram com mais facilidade ao entendimento, a

elucidação, sobre como proceder na resolução dos problemas de engenharia.

7.1.3. Visualização e organização das ideias

A proposição desta variável afirma que “a execução do grafismo auxilia o

aprendente na visualização e organização gráfica dos elementos dos novos conteúdos

durante a construção, análise e apropriação do objeto do conhecimento”. É válido destacar

que, antes da descrição dos dados levantados, a expressão “visualização melhor” foi a mais

dita e repetida pelos participantes em todos os relatos averiguados nas entrevistas em ambos

os ciclos de ação da pesquisa.

Isto ocorreu porque a técnica de estudos grafismo nasceu como uma estratégia de

ensino e aprendizagem com o objetivo de promover justamente a visualização dos

elementos do pensamento em resposta ao problema motivador desta pesquisa – a dificuldade

que os discentes do BCET apresentam quando são convocados a visualizar mentalmente ou

201

imaginar um modelo tridimensional para organizar logicamente o raciocínio, analisar e

resolver os problemas práticos de engenharia.

Não me acho imaginativo. Não consigo visualizar muita coisa quando

não me é dado assim. Eu tenho uma grande dificuldade pra isto. Sempre

tive esta dificuldade, mas só percebi agora (DIS03, em entrevista

realizada em 25/11/2019, grifos meus).

Eu tenho certa dificuldade em visualizar a peça, quando ela não está na

questão (DIS18, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos meus).

Diferente da unanimidade sobre a descrição espontânea ao dizer que depois da prática

do grafismo está “visualizando melhor”, a maioria dos participantes não expôs

espontaneamente a dificuldade que sentem de visualizar mentalmente os objetos e elementos

que constituem um problema de engenharia. A forma de exposição das suas percepções sobre

a experiência, geralmente ocorreu através da comparação entre o antes e o depois. Por exemplo,

quando perguntados se o grafismo os ajudou nos estudos, eles responderam:

[...] foi melhor, porque, por exemplo, eu comecei usando, eu tenho

dificuldade de visualizar, e aí assim, eu fico imaginando como é pra

tentar entender o que está sendo pedido na questão. O grafismo ajuda

porque você acaba anotando parte por parte, então vai organizando as

ideias (DIS04, em entrevista realizada em 12/11/2019, grifos meus).

Sim, este assunto que o professor está passando agora, que você tem que

visualizar o ponto elementar, as tensões, era muito difícil! No outro

semestre, tive muita dificuldade. E agora quando eu vejo uma peça, de

tanto fazer exercício e praticar, eu já consigo visualizar como vai ter

que funcionar a cada momento, como vai gerar , tal... direitinho (DIS10,

em entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).

Além das anotações possibilitarem a visualização do objeto em estudo no papel,

alguns detalhes expostos acima confirmam um outro princípio do grafismo: configurar uma

forma de imaginação estendida. Isto ocorre porque se trata de uma materialização dos

elementos do pensamento, ou seja, estende-se do pensamento para o papel e do papel para o

pensamento. O ato de rabiscar transporta os elementos do objeto do conhecimento da mente

para a forma gráfica, apresentando-se tão natural e espontâneo que confunde o observador ao

interpretar os relatos extraídos das entrevistas. Onde é a visualização do objeto que o

participante relata, no pensamento ou no papel? O participante está dizendo que a visualização

é no papel ou na “cabeça”? Estas perguntas ficam claras no trecho abaixo.

202

Sim, porque eu consigo ter uma visualização melhor das questões ,

então eu começo a visualizar mesmo na minha cabeça, de que forma está

sendo montada aquela resolução (DIS12, em entrevista realizada em

13/11/2019, grifos meus).

Este relato ratifica que o grafismo é a expressão gráfica da imaginação. A sua

execução consiste inicialmente em grafar todos os elementos que constituem o objeto do

conhecimento. No caso aqui em específico, os aspectos das questões de MEC II são os

detalhes dos problemas. Segundo o professor, estes detalhes são o esquema gráfico do

problema de engenharia, o diagrama de equilíbrio das forças e momentos fletores

representados pelos respectivos vetores, a capacidade resistente dos materiais sujeitas a

essas grandezas etc.

O círculo de Mohr, por exemplo, você tem o eixo x, o eixo y, e o eixo x` e

y`, que é a rotação que vai fazer no plano cartesiano e não pode ser maior

que 45º (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019).

Grafados, ou desenhados, ou descritos estes aspectos são expostos aos olhos e ao

pensamento. Desta maneira, conforme expliquei no item anterior, o estudante adentra no

complexo de fenômenos e suas variáveis prossegue usando melhor os recursos do seu

raciocínio. Estes também recebem formas gráficas, como as linhas de conexões, setas,

figuras geométricas e escritos, representando as articulações entre as soluções matemáticas

e fenômenos físicos, as associações de causa e efeito e a descrição sobre os passos de análise

e resolução dos problemas.

Depois que eu passei a usar elementos teóricos na resolução das

questões eu consegui compreender melhor o assunto. Antes ficava

muito disperso. Há várias formas de resolver uma questão porque são

diferentes condições. A partir do momento que eu escrevo, eu consigo

ter uma clareza melhor de qual método eu vou usar, qual método e

resolução eu vou usar. Eu acho que eu consigo me organizar mais. Ah,

desenhar! Quando eu desenho, eu consigo melhorar muito mais (DIS18,

em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos meus).

Ao escrever ou desenhar, conseguiu “melhorar muito mais”, quer dizer, “usar

elementos teóricos na resolução das questões” e “ter uma clareza”. Esta percepção do

participante apontou para a concepção que o grafismo, por ser a expressão gráfica da

imaginação, é um instrumento para a aquisição do conhecimento. Certificando, portanto, o

entendimento de que os registros gráficos de um dado objeto permitem ao sujeito adentrar

na sua natureza, nos seus elementos constituintes e no espaço que se encontra no movimento

e nas relações internas e externas. Em seu esforço orgânico, com seus órgãos vitais em ação,

203

o sujeito realiza as articulações, associações e interrelações matemáticas e físicas para a

análise deste objeto. Este é o “processo dialético do entendimento do mundo onde as formas

visuais se constituem em um mundo icônico necessário e fundamental para a comunicação

humana e, por conseguinte, à natureza do ser”, nas palavras resgatadas, do capítulo 05, de

Damasceno (1998, p. 106) e reforçadas nos excertos a seguir:

Antes da técnica, o professor falava uma coisa em sala e eu entendia. Mas

quando ia pro livro ou pra videoaula, às vezes, aquela mesma forma que o

professor explicou, eu via um pouco de diferença. Aí eu não sabia muito

bem se era a forma do professor, do livro ou da videoaula. Agora quando

eu chego em casa e reviso, vou lendo e estudo, eu consigo assimilar as

coisas fazendo uma conexão do que está acontecendo. E com o grafismo,

quando vou fazendo o passo a passo, não fico com todas aquelas ideias,

agora eu sei o que fazer em cada passo, etapa. Tipo, fica melhor de

visualizar um sólido, o que está acontecendo nas questões, você começa

a visualizar um 3D do problema. Eu achei muito melhor (DIS02, em

entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).

Agora eu prefiro colocar logo no papel o que estou pensando. Como

falei, quando eu coloco no papel o que vou fazer no passo-a-passo fica

melhor para o meu entendimento. Porque a gente pensa muita coisa. Se

eu tivesse feito o grafismo na primeira prova, eu iria melhorar a minha

nota, porque é muita coisa que acontece na minha mente. Eu sabia o que

fazer, mas não sabia por onde começar (DIS10, em entrevista realizada

em 18/12/2019, grifos meus).

Melhorou muito, tanto na visualização de estudo quanto na visualização

de problemas em MEC II. Melhorou demais (DIS08, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Porém, dos 17 estudantes que participaram da coleta de dados nos dois ciclos de

ação da pesquisa, 02 disseram que mesmo praticando o grafismo, não conseguiram superar

a dificuldade em visualizar os elementos dos problemas em Engenharia. O participante que

relatou o trecho destacado abaixo, em depoimento feito no primeiro ciclo, disse,

comparando o antes e o depois da inserção da técnica na componente, que “foi melhor”,

mas que ainda “tem dificuldade de visualizar”. Na entrevista do segundo ciclo, ao lhe

perguntar se após a prática do grafismo passou a visualizar o próprio processo cognitivo,

isto é, a análise dos problemas de MEC II, ele assim respondeu:

Ainda não, pois eu tenho uma dificuldade muito grande para

visualizar. Por exemplo, as pessoas falam “o sólido está girando ou

aconteceu tal coisa na estrutura”, eu acredito que as pessoas conseguem

visualizar, mas eu tenho dificuldade (DIS04, em entrevista realizada em

17/12/2019, grifos meus).

204

Embora, na mesma entrevista ele dissesse:

Eu tenho essa dificuldade. A minha mente não para, fica trabalhando

o tempo todo. Aí às vezes eu confundo as coisas, confundo muito, tipo,

estou respondendo aqui, aí lembro de outra questão que tinha feito,

ou lembro de uma outra forma, aí eu junto as coisas que não têm

nada a ver. Aí eu fico na dúvida entre uma coisa e outra. E quando eu

comecei a fazer o grafismo, me ajudou muito, hoje eu já tenho mais

segurança para responder. Eu paro para pensar, faço isso aqui, isso ali,

isso, isso e isso, eu analiso tal força, eu analiso tal lado, eu faço dessa

forma. Então isso ajudou bastante (DIS04, em entrevista realizada em

17/12/2019, grifos meus).

Se ele tem uma “dificuldade muito grande para visualizar” é porque a “mente

não para” e termina “confundindo as coisas”, ou seja, este participante não consegue

superar a escuridão cognitiva com a mesma facilidade que os outros estudantes. Porém,

“quando começou a fazer o grafismo”, consegue parar “para pensar” – então “isso ajudou

bastante”. Logo compreendo que este participante , em especial, quando executa o

grafismo, registrando as variáveis e o passo-a-passo da análise do problema, ultrapassa

a escuridão sincrética e consegue enxergar a ordem da resolução, fazendo “isso aqui,

isso ali, isso, isso...”.

Este relato confirma o estudo de Medeiros (1998) que explica, através dos

fundamentos da psicologia cognitiva, a importância dos recursos cognitivos. Segundo a autora,

estes recursos são dispositivos externos ao sistema nervoso do ser humano, tais como, lápis,

papel, desenhos, figuras, escritos, símbolos, marcações etc., que se transformaram em

ferramentas para os raciocínios abstratos desde os longínquos tempos da história. Estas

ferramentas, nas palavras da autora, possibilitaram a externalização do pensamento, isto é, a

representação das imaginações – o que defini por imaginações estendidas.

O desenvolvimento de habilidades cognitivas para qualquer que seja o fim, quando

os sujeitos são aptos física e emocionalmente para isto, normalmente ocorrem por meio da

prática constante de uma técnica, através de um método e do uso de dispositivos cognitivos

associados com os fins desejados. Assim, como um atleta que busca o salto perfeito, para

um estudante de engenharia se tornar hábil na resolução dos problemas, é necessário ele

lançar mão de métodos, normas e de ferramentas cognitivas, tais como, o grafismo e praticar

a resolução dos mais diversos tipos de problemas. Um atleta olímpico treina por anos o

mesmo salto e quando chega à meta da plástica técnica deste salto, treina por mais anos para

saltar sempre desta forma. Quer dizer, tornar-se hábil em qualquer técnica requer prática,

método, disciplina, persistência e tempo.

205

O DIS04, no último relato apresentado, disse que o grafismo “ajudou bastante” e

ao mesmo tempo explicou que, mesmo com a prática da técnica, ele ainda tem a dificuldade

de visualização dos sólidos tridimensionais e dos fenômenos físicos. Para compreender,

retomei a sua entrevista referente ao segundo ciclo e na questão, quando perguntei qual o

ponto negativo do grafismo, ele respondeu:

O ponto negativo é que o grafismo requer mais tempo. E a gente não tem

tanto tempo pra fazer isso. É muito corrido! Mas eu aprendo muito mais

(DIS04, em entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).

O seu depoimento reforçou a necessidade do cumprimento do requisito sobre o

constante exercício, do método e da disciplina na prática da resolução de problemas com o

uso do grafismo como uma “ferramenta cognitiva”, como nomina Medeiros (1998). O outro

participante que também relatou não conseguir superar a dificuldade em visualizar os

elementos dos problemas em engenharia, mesmo praticando o grafismo, trouxe uma

percepção diferente sobre o fato:

Ainda tenho um pouco de dificuldade em visualização de gráficos, mas

isto é uma deficiência de outras disciplinas, que estou recorrendo agora.

Mas eu consigo visualizar as questões melhor agora (DIS12, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

O comentário acima traz implícito, nas entre letras da expressão “deficiência de

outras disciplinas”, aquilo que foi manifestado por diversas vezes pelo docente titular de

MEC II: o problema da condução de MEC I. Conforme apresentei no capítulo 6, devido ao

diminuto número de professores que formam o corpo docente do CETEC, as componentes

MEC I e MEC II têm apenas um titular para a cadeira. Devido à carga horária máxima de

12 horas efetivas para a sala de aula, instituída no Regulamento de Ensino de Graduação –

REG – da Instituição, entre outras atribuições dos docentes, o titular de MEC ministra

apenas duas turmas a cada período letivo, pois a carga horária desta componente é de 5

horas semanais. Tanto MEC I, quanto MEC II são componentes de formação profissional

de muita importância para o engenheiro. Pela complexidade teórica e prática, o professor

Denis Petrucci é alocado para a segunda, onde ministra duas turmas a cada semestre. MEC

I, portanto, fica a cargo de professores substitutos. Ainda conforme expliquei no capítulo

anterior, mesmo que o professor substituto tenha boa intenção, as condições de trabalho que

lhes são impostas não permitem realizar um ensino compatível com as exigências de

formação dos discentes.

206

Quando perguntei ao professor participante da pesquisa, durante a entrevista do

primeiro ciclo, se ele percebeu algum ponto negativo na estratégia, ele comentou:

Até agora, ponto negativo, eu não vi quanto a aplicação desta estratégia.

O ponto negativo que eu vejo é a participação, é o interesse dos alunos.

Mas isso não é do projeto, é o problema do estudante que está acostumado

a acomodação do sistema. Antes mesmo da segunda avaliação, 16

alunos desistiram da componente e já deram entrada numa lista para o

curso de férias com um professor substituto. Já desistiram do curso! O

sistema dispõe de mecanismos e os alunos têm aquela “sensação de que

estão aprendendo”. O meu interesse é que eles saiam preparados daqui

(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

Ao ler e reler este trecho acima, retomo e concordo com o comentário do professor

Anderson Café, quando disse que o conjunto – docente titular, discentes, esvaziamento das

turmas, reprovações, coordenações, cursos de férias e professor substituto – revelam, de

certa forma, uma espécie de tragédia de um sistema de ensino que, caso não valorizado,

tende a falência. São as quatro faces de um famigerado polígono: em um dos lados, tenho

professor efetivo que se sente frustrado; do outro, discentes que precisam dar continuidade

aos seus projetos de vidas; em uma terceira face, tem as coordenações e a universidade que

precisam dar retorno à sociedade; e no último lado, um professor substituto que também

tem seus projetos e sonhos, mas se não tiver uma formação para isto, passa seu período de

trabalho temporário sem conseguir lançar boas sementes.

Embora o comentário do professor entrevista tenha, à primeira vista, um tom de

acusação, refletindo sobre o contexto e a complexidade que se impõe na realidade a partir

da qual seu relato emergiu, se torna, no meu entendimento, como um desabafo e lamento.

Relembrando um comentário que sempre repito: nesse sistema não há como se apontar

culpados; alunos e professores fazem parte de uma mesma moeda que representa um tipo

de política pública direcionada para a desvalorização e o sucateamento das instituições e

dos atores sociais que constituem o campo da educação pública neste país.

Afim de demonstrar o que ocorre quando os discentes cumprem MEC I com um

professor que não tem condições de realizar um trabalho de alto nível ou, pelo menos, de

nível mínimo exigível, na Tabela 1, apresento as médias finais dos discentes em MEC I e o

número de vezes que cada um dos participantes repetiu MEC II até 2019.2. Estes dados

foram extraídos do questionário de seleção de amostra de participantes da pesquisa

realizado entre 25 de setembro e 05 de outubro de 2019.

207

Tabela 1 – Relação entre as médias de MEC I e o número de repetências em MEC II.

DISCENTE

Média

Final em

MEC I

Número de

vezes que

repetiu MEC

II

DISCENTE

Média

Final em

MEC I

Número de

vezes que

repetiu MEC

II

DIS01 8,0 04 DIS10 6,0 02

DIS02 7,0 03 DIS11 7,0 02

DIS03 8,0 03 DIS12 7,0 02

DIS04 6,0 02 DIS13 7,0 04

DIS05 6,0 02 DIS14 6,0 02

DIS06 8,0 00 DIS15 7,0 02

DIS07 7,0 04 DIS16 6,0 02

DIS08 7,0 02 DIS17 8,0 02

DIS09 6,0 02 DIS18 7,0 00

Antes de comentar, vale trazer um dado que não está exposto na Tabela 1: dos 18

inscritos na pesquisa, apenas um discente fez a componente MEC I por duas vezes, os

demais passaram na primeira vez que cursaram a componente. Já em MEC II, dos 18

discentes, 11 estão fazendo pela segunda vez, dois pela terceira e três discentes pela quarta

vez. Somente dois participantes da pesquisa, o DIS06 e o DIS18, foram inéditos em MEC

II: o primeiro logrou êxito no final do período de 2019.2 e o outro discente, que repetiu

MEC I em 2019.1, foi reprovado em MEC II em 2019.2. A Tabela 2 mostra as notas destes

dois estudantes.

Tabela 2 – Notas dos discentes inéditos de MEC II, em 2019.2.

DISCENTE Avaliação I Avaliação II Avaliação III Média MEC II

DIS06 5,0 6,5 9,0 6,8

DIS18 0,0 3,2 6,8 3,3

Existem alguns aspectos que esta demonstração esclarece e que são importantes

para a reflexão. O primeiro é que esta análise destaca os únicos participantes da pesquisa

que não são repetentes em MEC II. Considerando este fato, problemas relatados pelos

demais participantes, tais como, a insegurança e medo de uma nova reprovação, que é uma

variável que influencia no estado emocional dos alunos durante as avaliações, está

teoricamente descartada desta análise.

208

O outro aspecto, conforme detalhado da metodologia da pesquisa desta tese, é que

o professor Denis Petrucci inseriu o grafismo como uma estratégia de ensino e

aprendizagem no planejamento do semestre letivo 2019.2 e começou a habilitar os

estudantes das duas turmas, universo da pesquisa, para a execução da técnica a partir do

início das aulas da componente. No entanto, o grafismo só foi cobrado a partir da segunda

avaliação do referido período, quando coincidiu com o início da pesquisa-ação, após a

autorização pelo CEP. Portanto, os resultados da prática do grafismo só começaram a se

revelar a partir das segundas notas dos participantes da pesquisa.

O terceiro aspecto é o nível de conhecimento que os discentes chegam em MEC II,

depois de cumprir MEC I com um professor substituto. A percepção deste nível é constatada

sempre na primeira avaliação em MEC II. Segundo o professor titular, os conteúdos que são

cobrados nesta avaliação estão diretamente relacionados com os conteúdos da componente

anterior. Por exemplo, um discente que não repetiu MEC I e passou com média 8,0, nesta

componente, teve sua primeira nota igual a 5,0 em MEC II, evoluindo progressivamente até

9,0 pontos na última avaliação. O outro discente que repetiu MEC I, mas foi aprovado com

média 7,0, começou MEC II sem aproveitamento na primeira avaliação, mas chegou a 6,8

na terceira avaliação da componente em 2019.2.

Embora a amostragem seja muito pequena, considerando as notas das três

avaliações dos dois participantes, os dados apontam para o seguinte: o discente não

repetente consegue superar as notas baixas com mais facilidade, pois não está

emocionalmente pressionado pelo medo de outra reprovação; o grafismo, quando aplicado

como uma ferramenta com o objetivo de auxiliar os aprendentes a visualizar e organizar

graficamente os aspectos das questões para a análise e resolução de problemas em

engenharia, obtêm resultados positivos quando os estudantes não são repetentes. Esses fatos

são afirmados nos relatos dos participantes:

Aí, depois que a senhora trouxe esta ideia e o professor Denis passou, acho

que foram duas atividades, eu comecei a utilizar mais este recurso, sabe?

Tipo, escrever o que eu tinha na cabeça, no pensamento [...] quando eu

fui estudar para a segunda prova de MEC II, tinha um curto tempo pra

estudar, porque infelizmente acabei deixando acumular assunto e, depois

que eu comecei a entender, peguei todo o processo de resolução do

exercício, e comecei a estudar cada etapa do processo para resolver.

Quando terminei de entender todo o processo, eu comecei a fazer os

exercícios mais rápidos e mais práticos (DIS06, em entrevista realizada

em 14/11/2019, grifos meus).

Acho que ajudou bastante. Porque em cada questão eu ponho textos de

como fazer, um passo-a-passo basicamente. Eu acho que isto fixa

209

bastante e me auxiliou. Eu acho que este foi o ponto mais marcante do

grafismo. [...] Esta última avaliação foi bem bacana. Eu consegui pela

primeira vez resolver quase todas as questões, não sei se estão certas,

mas resolvi. Deixei uma em branco, vi que o tempo já estava acabando e

minha mente estava muito confusa, cansada (DIS18, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Para concluir esta análise, que denominei como específica porque parte dos dados

era de apenas dois participantes da amostragem, trato agora da reflexão sobre a relação entre

o nível de conhecimento dos estudantes e a qualidade de ensino dos professores substitutos.

Um dado importante para esta reflexão foi revelado quando perguntei a um discente porque

ele assistia videoaulas; ele disse:

Eu assisto, mas não é bem o assunto de MEC II. É pra sanar déficit de

assuntos anteriores. Por exemplo, em MEC I, o professor precisou sair,

ficamos um bom tempo sem aulas e aí, quando a professora nova

chegou, teve que dar os assuntos da disciplina, o restante, com muita

pressa. Aí, acaba perdendo um pouco da qualidade daquilo que

deveria ser passado de conteúdo. E aí, eu tive que retornar os conceitos,

de como fazer, de lá de MEC I. Tive que aprender MEC I para fazer os

exercícios de MEC II (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Este depoimento deixa claro que o problema não é da competência do professor

substituto, pois essa é a condição de trabalho que lhe é imposta. Assim como todas as

componentes curriculares, MEC I precisa ser tratada com a mesma atenção e relevância pela

instituição, tal como as dispensadas às demais componentes. Esta relevância se traduz em

contratação de novos docentes efetivos para as cadeiras fundamentais. Este fato dificulta a

superação, principalmente a psicológica, levando muitos discentes à reprovação, à repetição

e à desistência de prosseguir os estudos com o professor titular, os empurrando para a

formação de listas de estudantes requerentes de cursos de férias ministrados por professores

substitutos. Isso também ocorre com MEC II, Física IV, Cálculo IV, Dinâmica dos Sólidos

etc., pois, quando os discentes chegam com um baixo nível de conhecimento devido ao

ensino e aprendizagem inconsistentes das componentes cumpridas anteriormente, são

impactados, negativamente, logo na primeira avaliação da componente seguinte. Os

próprios discentes têm consciência disso, quando comentam sobre a questão das

componentes ministradas por professores substitutos. O discente entrevistado reflete sobre

a disciplina mecânica dos sólidos:

É uma disciplina muito importante. É uma disciplina que todo mundo

tem que fazer bem. Tipo, não passar por passar, ou passar empurrado.

210

Passar mesmo, aprender! Eu acho que é uma disciplina que deve ser

aprendida. Porque outras disciplinas que teremos depois requerem

conceitos de MEC (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Portanto, deveria ser ministrada por professores preparados, especialistas e com

condições mínimas para realizar um ensino de qualidade.

Quanto ao entendimento do princípio que a execução do grafismo auxilia os

aprendentes na organização das ideias, da mesma forma como o referente à visualização

gráfica, a expressão “organização das ideias” também foi dita e repetida em todos os

depoimentos coletados. Um relato em especial traduz o seu significado:

Eu comecei até a comprar canetas de cores diferentes para assimilar

melhor o conteúdo (DIS08, em entrevista realizada em 14/11/2019,

grifos meus).

O grafismo foi elaborado à luz da teoria dialética do conhecimento. Um dos

principais objetivos de sua execução foi auxiliar o aprendente a visualizar os aspectos do

objeto em estudo no papel. Desta forma, o aprendente supera a escuridão sincrética, projeta

a sua luz cognitiva sobre os elementos do objeto e os organiza. Usar “canetas de cores

diferentes”, como dito acima, é uma das formas mais eficientes de organizar os aspectos de

um problema, sendo possível estabelecer cores específicas para sinalizar as relações de

associações, as diferenças pelas contradições, as interdependências e as relações de causa e

efeito. As cores auxiliam o aprendente na separação dos elementos que compõem o objeto

e na separação da essência do fenômeno, em acordo ao que explicou Kosik (1969).

Reforçando a teoria dialética com as palavras de Damasceno (1998), as cores diferentes

auxiliam o aprendente a adentrar e perceber a natureza do objeto. As cores, neste caso em

especial, serviram como instrumentos gráficos possíveis para este fim, mas ainda existem

outros, como formas geométricas, diagramas, mapas conceituais, figuras, escritos etc.

Eu consegui aprender mais, por dois motivos: primeiro, a questão da

organização, e segundo, porque eu pratiquei muito exercício. Então, você

fazendo muito exercício, você acaba aprendendo, porque cada exercício novo

tem uma sacada diferente. Não são iguais, mas são da mesma linha (DIS10,

em entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).

Nesta terceira prova, eu tenho certeza de que foi melhor, porque eu

consegui destrinchar o que eu queria fazer e já saber os próximos

passos. Porque via na minha mente o que eu queria. Por isso, eu acho que

consegui visualizar por causa do grafismo (DIS03, em entrevista

realizada em 16/12/2019, grifos meus).

211

Montei um fluxograma com o passo a passo e com as variações que o

método cobra. Aí, eu consegui fazer várias atividades através disso

(DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Eu só consegui entender o porquê eu não estava conseguindo aprender

depois do grafismo. Tipo, eu aprendo mais quando tenho um embasamento

da teoria, depois do grafismo, eu consegui separar estas coisas . Na

minha cabeça, deu pra entender porque isto está acontecendo comigo. Eu

tenho dificuldade em algumas disciplinas. Depois disso, eu comecei a focar

no conteúdo que vai me trazer uma base melhor. Porque, antes, eu ficava

de um lado pra outro. Agora não, consigo organizar melhor as minhas

ideias (DIS07, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).

Para concluir a investigação sobre a proposição de que “a execução do grafismo

auxilia o aprendente na visualização e organização gráfica dos elementos dos novos

conteúdos durante a construção, análise e apropriação do objeto do conhecimento”,

destaquei os relatos abaixo:

Apliquei em Eletromagnetismo, uma matéria bem doida... Primeiro,

você faz um desenho para visualizar o que vai fazer. Porque, antes, eu fazia

só a conta. Quando você faz primeiro o desenho, você consegue

visualizar vários vetores e consegue usar todas as equações certas. Eu

criei uma sequência, um passo-a-passo para eletromagnetismo. Ah, em

Termodinâmica também: primeiro analisando o gráfico e depois os

cálculos. Eu aprendi a me organizar para estudar (DIS10, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Acontece muito de estar na sala, entender aquele movimento e do que

estava acontecendo, sabe!? Só que, quando chegava em casa, me

perguntava, como é que aconteceu isso? Não recordava! Aí, eu comecei

a fazer pequenas anotações no caderno, ali rápido, da fala do professor,

ou algum comentário que estava na minha cabeça, eu fiz para entender

melhor o assunto. E apliquei isso também em outras disciplinas para

facilitar o meu raciocínio (DIS06, em entrevista realizada em 14/11/2019,

grifos meus).

Eu levei o grafismo para todas as disciplinas, na verdade. Eu não tenho

todas as notas fechadas, mas em três caminhou para dar certo, uma disciplina

já deu a aprovação, as outras duas estou aguardando, mas as notas foram boas

(DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Eu fui anotando todas as coisas e montei o meu roteiro. Consegui na

primeira prova juntar estímulo para estudar, porque eu consegui entender o

conteúdo. Aí, eu pensei: eu tenho que escrever pra entender o que estou

fazendo! É o que digo pra mim mesma. Eu consegui em TCM

(Transferência de Calor e Massa): saí de um 3,0 para um 7,9. Quase não

acreditei (DIS01, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

212

Observo que esses participantes descreveram suas experiências de maneira

informal e espontânea, a partir da percepção sobre a prática do grafismo, revelando o

resultado sobre a aplicação desta técnica, auxiliando na construção do conhecimento e no

desenvolvimento do pensar para apreender.

7.1.4. Direcionamento do pensamento

Quando pensado enquanto uma técnica de estudos para auxiliar o aprendente na

visualização e organização gráfica dos elementos do objeto do conhecimento, que se

apresentam embaralhados no pensamento, causando a escuridão cognitiva, o grafismo foi

além do registro gráfico. Desta forma se torna um “roteiro” de “como e o que fazer” para

resolver uma questão de MEC II. Isto reafirma o outro princípio do grafismo que é a relação

intrínseca com a teoria e metodologia dialética do conhecimento: o método do pensamento,

como denominou Kosik (1969). Segundo este filósofo, “durante o caminho da verdade”, o

pensamento do indivíduo faz um “détour: o concreto se torna compreensível através da

mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte” (p.30). No entanto, o filósofo

alerta: se não houver estabelecido um ponto de partida e de chegada, uma orientação

objetiva durante o conhecimento, o pensamento do indivíduo pode se “perder pelo

caminho”. Com o uso do grafismo, durante a resolução dos problemas de MEC II, foi

possível evitar isto, fator que ficou claro nas palavras dos discentes:

A partir destas atividades, tem que descrever certinho, como a gente

começa e o que a gente tem que fazer. Aí, eu comecei a organizar o meu

pensamento, comecei a utilizar isso também em outras disciplinas. A

gente ficava meio perdido. Começava a fazer e no meio da questão, me

perdia (DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).

Depois que a senhora apresentou esta técnica, foi que comecei a usar em

todas as matérias. Para qualquer exercício que vou fazer, faço uma

anotação ao lado. Aí, fica mais fácil, a gente já sabe a ordem de fazer

certinho, porque antes eu pegava a questão e ficava meio no ar, não

sabia o que fazer primeiro. Às vezes, fazia a mesma coisa duas ou três

vezes. Acabava perdendo muito tempo (DIS13, em entrevista realizada em

16/12/2019, grifos meus).

Quando eu fazia uma questão, lia o enunciado e começava a resolver: as

dificuldades que eu tinha, eu passava por cima. Na hora de resolver, eu

sentia muita dificuldade. Eu lia uma questão, entendia a metade e

começava a fazer. Não voltava para ler novamente, para entender ela

perfeitamente para assim, resolver (DIS05, em entrevista realizada em

25/11/2019, grifos meus).

213

Neste último excerto, o discente estava comparando os seus procedimentos entre o

antes e o depois da inserção da técnica em MEC II. Na própria descrição da sua percepção,

ele apresentou o reflexo da desorganização que ocorria quando resolvia os problemas em

engenharia. Este fato reafirma o pensamento de Kosik (1969) sobre a orientação do

pensamento durante a análise do objeto do conhecimento. Tanto este aprendente como todos

aqueles que estão na fase da construção do saber, segundo a teoria dialética do conhecimento,

necessitam guiar o pensamento para a aquisição do conhecimento ou para a resolução de

problemas. O que me leva a compreender: quando o discente não sabe como se aprende, deve

aprender a apreender, ou seja, aprender a pensar para apreender – no caso aqui em específico

– aprender a pensar para analisar e resolver problemas.

A partir do momento no qual os discentes passaram a praticar o grafismo, eles

perceberam que ocorreram mudanças e, quando perguntados se a estratégia de ensino em

questão os auxiliou nos estudos, alguns assim descreveram:

Ajudou! Porque dá um norte, quando você vai ver depois a questão que

você fez. Tipo identificar: fiz isso primeiro, depois eu fiz aquilo. Eu tenho

uma linha. Antes eu fazia isso, só que eu não enumerava, ficava muito

solto. Agora está mais organizado (DIS10, em entrevista realizada em

14/11/2019, grifos meus).

Cria uma lógica. Tipo: vai fazendo o exercício, por onde começar,

fazer isso, isso e isso (DIS16, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Agora com o grafismo, eu consigo ter uma linha de raciocínio, porque

eu vou explicando o passo-a-passo do que estou fazendo. Aí está me

ajudando muito também em outras disciplinas (DIS02, em entrevista

realizada em 11/11/2019, grifos meus).

Os discentes participantes da pesquisa, que perceberam o resultado do grafismo

como “um norte”, “uma lógica” ou um “passo-a-passo”, levaram a técnica para outras

componentes que estavam cursando durante o período letivo desta pesquisa-ação. Vale

ressaltar que esta consequência não estava inicialmente prevista. Durante o pré-teste da

técnica e dos instrumentos, um comentário sobre este fato emergiu, espontaneamente, de

um discente colaborador, o que me levou a inserir uma pergunta relacionada a isto nas

entrevistas dos dois ciclos de ação da pesquisa. Conforme apresentei no item anterior, sobre

a descrição e análise da “visualização e organização de ideias”, este foi um resultado

relevante desta pesquisa.

214

Também surgiu outro fato inesperado durante as entrevistas: alguns discentes

afirmaram já conhecer a técnica descritiva. No entanto, segundo eles, sem a

denominação grafismo:

Fazíamos em outras disciplinas: em Física, por exemplo. Arrumávamos

os dados e eu nunca tinha atentado pra isto, para organizar (DIS01, em

entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).

Eu não conhecia a técnica, mas eu já utilizava para Física. Eu gostava de

ler o assunto, pegar os pontos importantes, aqueles fundamentais, e a partir

daquilo começar a resolver as questões. Aí, o que eu ia entendendo, eu

fazia a parte descritiva. Mas não com tanta intensidade. Depois que eu

conheci realmente o que é, eu acho que sim, ajudou muito (DIS04, em

entrevista realizada em 12/11/2019, grifos meus).

Antes eu já estudava meio que um grafismo, não consigo afirmar se era

isso. Tipo assim, definia as etapas: o que preciso para fazer isso, o que

preciso para fazer aquilo. Eu preciso entender o quê e por que está

acontecendo isso. Aí, eu fazia mapas mentais, também registrava ponto

a ponto as etapas do processo. Eu já fazia assim (DIS06, em entrevista

realizada em 14/11/2019, grifos meus).

Eu vou comparar MEC II com Cálculo IV. Quando eu peguei Cálculo,

eu tinha muita dificuldade, mas o professor de Cálculo utilizava o

grafismo e eu não sabia disso. Aí, eu achei que teria uma dificuldade

muito maior em Cálculo IV e eu me surpreendi, porque eu não tive tanta

dificuldade, mas eu não entendia o porquê. Aí, quando você surgiu falando

do grafismo, falou na aula de MEC II, falou o que é o grafismo pra MEC

II, foi que eu entendi o porquê eu tive menos dificuldade em Cálculo do

que em MEC II. Eu não utilizava de grafismo em MEC II (DIS15, em

entrevista realizada em 25/11/2019, grifos meus).

Tão relevante quanto os discentes levarem o grafismo para as outras componentes, é

o fato de outros docentes aplicarem a técnica nas componentes do BCET. Isso me levou a

busca de compreender melhor este fato. A partir da informação dos próprios discentes de que

os docentes que usavam uma técnica semelhante ao grafismo eram de física e cálculo,

comecei a investigar sobre a formação destes professores. Verifiquei que eles são licenciados,

ou seja, estudaram teorias de aprendizagem, educação, dialética, pedagogia e filosofia. Logo,

tiveram conhecimento teórico e experiência sobre o como se aprende. Diferente dos docentes

com formação em bacharelado, que não passaram por conteúdos referentes à teoria do

conhecimento e suas aplicações na educação.

Este fato não pode ser pensado como uma evidência da relação entre o

procedimento de ensino e aprendizagem e a formação do professor que o aplica, pois não

foi o objetivo desta pesquisa e não houve investigação formal para isto. Neste estudo, não

215

considerei isso como uma coincidência. No universo do CETEC, dos 117 docentes efetivos,

apenas 16 possuem formação pedagógica, isto é, possuem licenciatura, justamente aqueles

apontados pelos discentes quando relataram o uso de uma técnica semelhante ao grafismo

ocorrida antes desta pesquisa. O que ficou constatado deste fato, enquanto resultado

inesperado da pesquisa foi a confirmação dos entendimentos de Anastasiou e Pimenta

(2014), Wachowicz (1989), Vasconcellos (1995), Saviani (1999) e Wihby (2018):

professores com formação ou capacitação pedagógica, por saberem como se aprende, são

possibilitados, pelo próprio conhecimento na área da educação, de estabelecerem

procedimentos de ensino e aprendizagem que visam o desenvolvimento do aluno a aprender

a pensar para apreender.

O direcionamento do pensamento através do uso do grafismo em MEC II se deu

pela adaptação da técnica de estudos ao conteúdo da componente feita pelo professor

participante da pesquisa. Ele entendeu que o grafismo consiste na “descrição de como se

resolve um problema”, daí a sua denominação por “modelo descritivo”, “passo-a-passo” ou

“passo-a-passo lógico”. Assim, a técnica tomou forma para a resolução dos problemas em

engenharia. No movimento entre o papel e o pensamento, do pensamento para o papel, o

grafismo se tornou um instrumento de mediação da análise dos problemas, ou seja, um

método do pensamento para a análise dos problemas de MEC II.

No détour do pensamento entre a escuridão cognitiva e a resposta final, o discente

riscou, escreveu e rabiscou as possibilidades e as combinações entre as variáveis, desenhou

caminhos para a solução das equações e as associou a fundamentos da teoria das estruturas,

sem se perder no caminho. O modelo descritivo apresentado pelo professor no início da

pesquisa foi seguido pelos alunos enquanto estes não haviam apreendido como construir o

próprio modelo. Quando compreenderam o processo, tornaram-se autores do próprio

“passo-a-passo”, conforme os relatos abaixo.

Eu fui criando roteiros e, por isso, eu digo que já estou ensinando MEC.

Porque criei um roteiro na minha cabeça e a gente foi

desenvolvendo. Aquele passo-a-passo que o professor passou com a

proposta na sala ajudou bastante (DIS01, em entrevista realizada em

18/12/2019, grifos meus).

No primeiro assunto [...], se eu seguir todo um passo a passo, dá para fazer

as questões que tem no livro e nas listas. Aí, eu montei uma sequência

[...]. Com o grafismo eu consegui otimizar o tempo, pois eu consigo “ver”

logo como fazer tudo e, depois, é só ir treinando a aplicação do método

com os exercícios. No início, eu tenho que dar uma pescadinha no passo a

passo, mas depois de uns três exercícios, fica tudo intuitivo. Eu já ia

fazendo de uma forma que não era exatamente igual ao esquema que

216

eu montei, mas que segue fielmente a uma linha de raciocínio do passo-

a-passo (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Eu achei importante, porque a técnica vai além do trabalho mecânico que

você tem de fazer cálculo, de analisar aquelas mesmas estruturas e que

você aprende a fundo, aprende realmente. O exercício não fica um

trabalho mecânico. Escrevendo, dá para assimilar a teoria com a

realização de exercício na prática (DIS08, em entrevista realizada em

18/12/2019, grifos meus).

Reafirmando o entendimento, a dialética do conhecimento, quando serve como

fundamento para a elaboração das estratégias de ensino e aprendizagem e de ensinagem,

mobiliza o pensamento do aprendente a trabalhar no sentido da construção do próprio

objeto. A metodologia da dialética cria “[...] a possibilidade do estudante reproduzir no

pensamento e pelo pensamento os conteúdos trabalhados, de forma relacional”, conforme

explicou Anastasiou (1998, p. 28).

Eu recordei de alguns pensamentos que eu tinha. Eu ouvi um comentário

de um amigo meu, falando que, nesta área das exatas, se assemelha

muito com a área do direito: você precisa saber das regras para

conviver em um lugar, precisa saber como funciona e executar. Aí,

eu associei isso ao grafismo, porque é exatamente isso que a gente tem

que fazer. A gente tem que ver como funciona e aplicar nos exercícios.

Não foi algo muito novo, mas que me fez recordar discussões. Daí,

coloquei em prática aquilo que tinha discutido (DIS06, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Em resposta à pergunta “o que mudou após o grafismo?”, este discente associou a

técnica às regras de convivência social, explicando que é preciso saber “como funciona para

conviver”. Este comentário chamou à atenção porque foi o único que se deslocou do sentido

comum do censo da amostragem. Ele se distanciou da opinião dos demais colegas porque abriu

espaço para a reflexão e observou a própria experiência. Isto fez com que ele trouxesse a

percepção, apesar de metafórica e tocou no cerne de um dos objetivos da implementação do

grafismo: auxiliar o discente no saber conhecer. Neste caso em especial, é a importância em

saber conhecer para executar as resoluções de problemas em engenharia.

O processo de execução do grafismo, adaptado e elaborado para a componente MEC

II, teve caráter descritivo e condutor de ações, ou passos, para soluções durante as resoluções

dos problemas. Algo que não se diferencia de um grafismo aplicado à uma componente de

História da Arte, por exemplo, que auxiliaria o aprendente numa linha de evolução histórica de

estilos e técnicas de representação artística, como uma ferramenta de condução do pensamento.

217

O grafismo tem em si uma natureza orientadora, correspondendo, necessariamente, aos

princípios da metodologia dialética do conhecimento.

Dos 18 discentes do grupo de amostra, todos, em algum momento, mencionaram o

“passo-a-passo” do grafismo e o quanto isto os ajudou na resolução dos problemas de MEC

II. Portanto, os fatos coletados durante a pesquisa firmaram positivamente a variável que

versa sobre o “direcionamento do pensamento” e justificaram a implementação do uso do

grafismo nas componentes de ensino das engenharias.

7.1.5. Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação

Por que a associação entre a ascensão do conhecimento com o estímulo da

imaginação?

Este destrinchar que o grafismo exige, acho que me ajudou muito. Eu

tive que entender, eu me forcei a entender cada passo a passo. Foi uma

das ferramentas que me ajudou, porque se eu não tivesse, teria um

método de estudo do semestre passado e não teria esta visão sobre o meu

conhecimento de agora (DIS03, em entrevista realizada em 25/11/2019,

grifos meus).

O fato de ter que definir o passo a passo, falar o que está acontecendo

ali, faz com que você imagine o que está acontecendo com aquela peça.

Então isso ajuda bastante (DIS07, em entrevista realizada em 11/11/2019,

grifos meus).

Eu consigo ter uma visão melhor dos assuntos. Eu compreendo melhor

também a resolução dos exercícios, o que está por traz dos exercícios,

nas análises das questões (DIS12, em entrevista realizada em 13/11/2019,

grifos meus).

Melhorou, eu consigo imaginar mais, não ficar preso ali na questão. Você

fica imaginando como seria esta situação, fica mais fácil de você

compreender (DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).

Quando os participantes da pesquisa descreveram suas experiências relatando que

o grafismo: “foi uma das ferramentas que ajudou”, “faz com que você imagine”, “ter uma

visão melhor dos assuntos”, “nas análises das questões” e “fica mais fácil de compreender”;

eles expressaram a prática da variável da hipótese desta pesquisa, ratificando que o

grafismo, ao ser aplicado à luz da metodologia dialética, se torna uma ferramenta de

orientação do pensamento e estímulo ao exercício da imaginação, pois promove o

218

movimento espiral do pensamento em torno do objeto, levando o aprendente à constante

ascensão do seu nível de conhecimento.

Para explicar a relação entre a ascensão do conhecimento e o estímulo ao exercício

da imaginação, primeiro determinei que o ponto de partida e de chegada do conhecimento

fosse a totalidade de um curso de graduação, ou seja, neste caso, todo o conjunto dos

conteúdos que constroem a formação de um engenheiro. Para ilustrar, aplicarei esse

exemplo sobre a espiral do conhecimento que apresentei no capítulo 3. Ao ingressar na

universidade, o estudante está no ponto inicial dessa espiral, coincidente com o início do

vetor que representa a formação em engenharia. Este vetor, que tem o ponto de partida e de

chegada deste movimento dialético do conhecimento ao longo da graduação, está sobre a

linha vertical que representa a experiência intelectiva ao longo da vida do sujeito. O nível

de conhecimento e pensamento do estudante é a linha que forma a espiral. No início do

movimento, ela está conectada a linha vertical e, devido à proximidade, o aprendente não

consegue enxergar o complexo campo que forma o engenheiro, pois ele ainda está no

primeiro período letivo de sua formação. À medida que o estudante avança nas componentes

curriculares e cumpre seus créditos, o seu conhecimento em torno do vetor segue evoluindo.

A cada volta da linha em espiral que segue se distanciando do centro, um conteúdo, cada

vez mais complexo, é apreendido pelo pensamento do estudante. Ao chegar no final do

curso, no fim do vetor e do movimento em espiral do conhecer, a linha vertical do centro

da espiral, a linha da vida, continua em sua natureza – ao longo do exercício da engenharia

– mas o nível de conhecimento e a forma do pensamento do indivíduo no ponto de chegada,

pensa, imagina e resolve problemas como um engenheiro.

À luz deste entendimento, então retomo à MEC II com a explicação do docente:

Eu sempre falo sobre a força em Newton no primeiro dia de aula e, veja

só, eles não lembram. A força em Newton, nada mais, é o peso da

estrutura toda: o carregamento da estrutura sob a ação da gravidade. Para

dar em Newton é o quilograma multiplicado pela aceleração da

gravidade, isto é, força = massa x aceleração. É Física básica!

conhecimentos que eles tiveram lá atrás (DOC, em entrevista realizada

em 28/11/2019, grifos meus).

Neste depoimento, o dado levantado é que parte dos discentes mencionados pelo

professor chegaram em MEC II sem a lembrança de um conteúdo básico que foi apresentado

a eles pelas componentes de física. É um dado importante e preocupante, porque é um fator

que rompe o movimento da construção do nível de conhecimento do aprendente, que deve

ser contínuo, ascendente e evolutivo. Conforme explicado, mecânica dos sólidos é uma

219

componente curricular das mais importantes, pois exige todo o conhecimento adquirido

anteriormente pelos estudantes e é fundamental para as próximas matérias específicas e

profissionalizantes. A dificuldade de visualizar da aplicação dos fenômenos físicos sobre

os objetos tridimensionais para a resolução dos problemas em engenharia, entre outras

causas, está na não apreensão anterior dos próprios fenômenos físicos. Se os discentes não

“lembram a força em Newton”, significa que, “lá atrás”, eles decoraram os conteúdos, não

os apreenderam. Consequentemente, pouco evoluíram, de fato, no seu nível de

conhecimento e na capacidade imaginativa, pois relatam dificuldades em visualizar as

análises pelo pensamento das possibilidades de resoluções dos problemas de MEC II.

Em cada volta em torno do objeto, ou seja, a cada análise de um elemento que

constitui o objeto, o pensamento do indivíduo apreende uma parte do conhecimento daquele

objeto e, assim sucessivamente, até a apreensão da totalidade do objeto do conhecimento –

como no exemplo da formação do engenheiro. Considerando que analisar é imaginar as

partes do todo, então ao imaginar cada parte do objeto, o indivíduo apreende em sua

imaginação uma parte do conhecimento daquele objeto e, assim sucessivamente, até a

apreensão da totalidade do objeto na imaginação. Portanto, a aplicação do grafismo com o

objetivo da apreensão do conhecimento promove uma constante ascensão de imaginações,

de visualizações mentais do objeto conhecido no pensamento. Porque apreender é imaginar

o próprio objeto do conhecimento – diferente de reter, memorizar.

Entendo que o fato dos discentes não conseguirem visualizar a aplicação dos

conceitos físicos para a resolução dos problemas de engenharia em MEC II, é consequência

do rompimento da evolução das suas linhas espirais do conhecimento em algum momento

de seus percursos escolares. Nos dados coletados nesta pesquisa, foi identificado que este

lapso ocorreu na passagem dos discentes pelas componentes de física e cálculo. Porém,

antes de elaborar qualquer juízo, devo ressaltar que os estudantes ingressam na universidade

com o nível de conhecimento insuficiente e incompatível com o que lhes é exigido pelas

componentes do ensino superior – esta observação serve tanto para matemática e física,

como também para biologia, português, geografia, história etc.

Sendo assim, posso concluir que as especulações de tom crítico ao sistema de

ensino instalado no Brasil – por Anastasiou e Pimenta (2014), Wachowicz (1989), Aranha

(2006), Luckesi (2011), Libâneo 2011) e Saviani (1999) – apresentadas no capítulo 4, sobre

um combinado entre ensino tradicional e tecnicista, ancorados na transmissão e

memorização, quando observadas, são ratificadas nos fatos. A educação de estilo bancário,

como nomeou Paulo Freire, em algum momento, cobra a proatividade intelectual do

220

estudante com juros e correção monetária, fruto do que não lhe foi ensinado desde o início

de sua vida escolar. Portanto, neste sistema, não há como apontar culpados: todos são

vítimas de um sistema de ensino em crise.

Como a imaginação do indivíduo, o nível do conhecimento é uma matéria imensurável.

No início desta seção, apresentei a percepção dos discentes sobre como a prática do grafismo

os auxiliou na resolução dos problemas de MEC II. No trecho abaixo, segue a percepção do

docente, na sua entrevista, referente ao segundo ciclo de ação da pesquisa.

Olha só, nos semestres anteriores, os alunos eram uma constante. Neste

agora, eu percebi, por exemplo, um aluno que estava com dificuldade em

resolver a questão. Eu falei com ele várias vezes: “você não está indo pelo

caminho certo”, tentando dar esta dica pra ele. Então, de repente, ele

começou a descrever o processo que estava construindo. Aí, ele

analisou: “ah professor, descobri onde eu estava errando!” E eu:

“ah!”(risos). Ele conseguiu montar o caminho e resolver tudo

direitinho, tudo sozinho. Porque ele construiu o processo na mente dele,

colocando por partes. Antes ele estava, simplesmente, jogando as

equações – aplicador de fórmula – e dizendo: “se eu fizer isto, vai dar

certo!” E eu disse: “não vai, porque é um sistema indeterminado, cortando

a estrutura no meio, achando que o que funciona de um lado, funciona do

outro. Não! Ao cortar no meio surgem outras forças que vão ter que

equilibrar este sistema.” (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019,

grifos meus).

Então, esse processo de construção deu uma melhorada. A turma em

si, depois que eu comecei a usar esta metodologia, deu uma ativada,

deu uma melhorada na expressão facial dos alunos. [...] Eu vejo no

processo de construção do raciocínio que eles estão sabendo. Sim. Tem

a dificuldade do básico e pecam pela falta de atenção. Pois, quando se tem

falta de base, a estrutura fica abalada. Mas eles estão aprendendo a

colocar o raciocínio em ordem (DOC, em entrevista realizada em

28/11/2019, grifos meus).

Na mesma oportunidade, o professor pegou uma prova de forma aleatória e

demonstrou que, o fato dos discentes “melhorarem” e “colocarem o raciocínio em ordem”,

ficou estampado na própria organização das resoluções das questões. Segundo ele, antes da

aplicação do grafismo, as resoluções “eram um vai e vem” de “tentativas e erros”; era muito

difícil de “entender e corrigir, porque as linhas de raciocínios estavam muito

desorganizadas”. Esse comentário retrata o caos da síncrese no pensamento dos estudantes.

Isto ocorreu no semestre 2019.2, mas com menos recorrência nas provas, sobretudo

daqueles estudantes que praticaram o grafismo durante os estudos e nas resoluções das

provas. Essa observação também fora feita pelos discentes:

221

Então, eu melhorei. Pode ser que eu não alcance a nota pra passar, mas

o que eu era antes e o que passei a ser agora é outra coisa (DIS01, em

entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Me deu uma linha de raciocínio. Tive uma evolução muito grande,

tanto em MEC como nas outras disciplinas. Tanto que em MEC II, minha

nota foi aumentando (DIS02, em entrevista realizada em 16/12/2019,

grifos meus).

Eu acho que foi pela prática do grafismo, mesmo. Porque imagine se

agora eu tivesse desleixado, eu iria perder sem conhecimento! Pois, se caso

agora alguém perca na matéria, a pessoa perde, mas não pode dizer

que não sabe, não tem domínio. Na primeira vez que perdi, eu não tinha

domínio nenhum. Agora eu tenho domínio do assunto. Por mais que eu

não consiga atingir o objetivo final – que é passar – eu já levo uma

bagagem para o próximo semestre (DIS03, em entrevista realizada em

16/12/2019, grifos meus).

Em relação ao meu conhecimento, sim. Eu consegui ver que eu aprendi

realmente o assunto, entendi os conceitos que MEC II dá pra gente

(DIS08, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Eu sou repetente de MEC II. Antes, tinham coisas que eu não conseguia

identificar. Agora, eu consigo (DIS09, em entrevista realizada em

18/12/2019, grifos meus).

Depois que comecei a praticar o grafismo , lia uma questão da prova,

pedia tal coisa, aí já vinha na minha mente como resolver a questão .

Foi proveitoso. [...] Acho que não vou passar, mas estou com a

consciência mais tranquila, porque eu sei que não foi por falta de

conhecimento. Foi falta de atenção. O professor é excelente, não

tenho o que reclamar (DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

A organização de ideias: isso melhorou. Acho que até a folha de

respostas da prova, pra mim e para quem está avaliando, melhorou

bastante. A organização da formulação da resposta foi bacana (DIS18, em

entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Para concluir a análise da relação, a ascensão do conhecimento e estímulo ao

exercício da imaginação, destaco a frase do participante DIS12, “[...] depois que comecei a

praticar o grafismo, lia uma questão da prova, pedia tal coisa, aí já vinha na minha mente

como resolver a questão”. Em poucas palavras, este discente traduziu a crença desta tese:

a imaginação é a representação visual do pensamento e seu exercício é fundamental para a

construção do conhecimento e concepção de mundo pelo homem. Eles apontaram que a

implementação do grafismo como técnica de estudos serviu como ferramenta de est ímulo

ao exercício da imaginação dos discentes de MEC II durante o semestre de 2019.2.

222

7.1.6. Grafismo, autonomia de estudos e acesso às videoaulas

O eixo da coleta de dados que investigou o acesso às videoaulas buscou

informações que demonstrassem que a prática do grafismo desenvolveria a autonomia de

estudos dos estudantes e, desta forma, deixariam de buscar auxílio destas ferramentas para

o entendimento dos conteúdos de MEC II. Conforme expliquei no capítulo anterior, o estudo

prévio da técnica e a elaboração do instrumental da pesquisa ocorreram no semestre letivo

de 2019.1. Neste período, a expectativa sobre este estudo era de que os dados apontassem

uma dependência dos discentes pelas videoaulas e solucionários de problemas disponíveis

na internet, um entendimento que ainda estava contido em uma perspectiva de que as

tecnologias interferem no exercício da imaginação.

No entanto, a pesquisa em si tem caráter dinâmico. O referencial bibliográfico e a

própria construção da fundamentação teórica da tese começaram a mudar o ponto de vista

desta pesquisadora, fato que se consolidou na pesquisa-ação. Consequentemente, o estudo

sobre o uso das ferramentas da internet se descolou do cerne do objetivo final do trabalho.

Os questionários e o roteiro semi-estruturado das entrevistas já haviam sido submetidos e

aprovados pela CEP e, para não provocar nenhum atraso no cronograma de

desenvolvimento e finalização da tese, mantive a investigação sem essa alteração.

As perguntas do eixo investigativo se mantiveram, mas a análise e descrição das

respostas do docente e dos discentes participantes receberam outra perspectiva. É

importante, antes, ressaltar que o meu posicionamento sobre as videoaulas e os

solucionários não se define por ser contra ou a favor. O que observo aqui é a atenção pela

qualidade e veracidade teórica e técnica destas ferramentas, pois o uso sem critérios

fundamentados de escolha pode trazer consequências negativas para os estudantes.

a. Por que utilizar as videoaulas?

Com o objetivo de verificar se o uso do grafismo auxiliou no desenvolvimento da

autonomia de estudo dos discentes, a pergunta realizada nos dois ciclos de entrevistas foi:

“você acha que mesmo utilizando o grafismo, precisa assistir as videoaulas?” Daqueles que

responderam positivamente durante as entrevistas referentes ao primeiro ciclo, todos

trouxeram as justificativas de forma espontânea:

Eu gosto de assistir videoaulas porque explica de uma forma mais

simples e com palavras mais acessíveis. Porque o livro, em um capítulo

só, fala de uma maneira muito detalhada, dá exemplo de outras coisas. E

tem mais: os livros daqui da biblioteca são internacionais, eles dão

223

exemplos que não são do nosso cotidiano, me atrapalha muito para

aprender. A videoaula não; é por isto que gosto de complementar com a

videoaula (DIS02, em entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).

De partida, este discente falou sobre a simplicidade das explicações das videoaulas

e complementou a resposta dizendo que os “livros internacionais” trazem exemplos que não

fazem parte do cotidiano do estudante do interior da Bahia e do Brasil. Este relato me

remeteu à reflexão apresentada no capítulo 4: “[...] não basta que os conteúdos sejam apenas

ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua

significação humana e social” (LIBÂNEO, 2011, p. 91). Este pensamento foi um dos

princípios fundantes das pedagogias de tendências crítico-social dos conteúdos, em

oposição às rotinas tradicionais e tecnicistas, que não levavam – e ainda não levam – em

conta o para quem se ensina.

Oh! Videoaula é assim: eu gosto de pegar o livro, comparar o assunto

com o que eu anotei na sala com o que está escrito no livro, embora no

livro, eu tenha mais dificuldade. Por isso, eu gosto de anotar as coisas na

sala de aula. Porque muitas vezes, um detalhe que o professor fala, eu

sabendo deste detalhe, eu já vou interpretar diferente no livro . Então,

eu tenho mais dificuldade de entender uma coisa no livro do que

quando eu anoto. Assistindo a aula, o professor me orientando na sala

de aula, disso não tenha dúvida! Já a videoaula, eu gosto quando eu

estou com muita dificuldade no assunto. Tipo: “meu Deus, eu tenho que

procurar algo mais prático aqui para me guiar.” Utilizo quando estou

com mais dificuldade (DIS09, em entrevista realizada em 13/11/2019,

grifos meus).

A percepção deste discente ratificou o que disse o anterior e ainda reafirmou a

importância que as pedagogias crítico-sociais dão ao entendimento que o conjunto

educacional – docentes e gestores – deve ter sobre os aspectos sociais e culturais dos

estudantes ao elaborar os conteúdos e ferramentas de ensino. O ponto de partida e de

chegada sempre deve ser a prática social dos estudantes (ARANHA, 2006). Caso contrário,

falamos em uma língua que eles não conseguem sequer traduzir.

Além de uma linguagem mais próxima dos estudantes, as videoaulas servem,

também, como dispositivos de lembranças de conteúdos anteriores como revelam as falas

dos discentes, abaixo.

Às vezes! Na verdade, para lembrar. Porque quando eu comecei a fazer

esta técnica do grafismo, eu percebi que, por exemplo, quando a gente faz

aquele somatório “f de x e do momento”, eu não lembrava direito como

era que a gente fazia. Então, com o grafismo, eu precisei justificar

aquilo. Quando eu pesquisei como era que eu justificava, para fazer o

passo a passo, para saber o que ele estava fazendo, me auxiliou, entendeu?

224

Então, é mais para lembrar mesmo. Aquelas definições, o que está ali,

para saber o que eu estou fazendo (DIS07, em entrevista realizada em

11/11/2019, grifos meus).

Normalmente, eu assisto videoaula quando eu tenho alguma dificuldade

em alguma questão: alguma coisa que eu não lembro de MEC I (DIS14,

em entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).

Buscar uma forma para interpretar o que dizem os livros, uma ferramenta que

auxilie em alguma dúvida, pesquisar, ler, assistir videoaulas e desenhar são ações que fazem

parte daquilo que entendo por autonomia de estudo.

Só quando eu tenho muita dificuldade em algum exercício : aí eu

assisto algumas videoaulas. Mas, em geral, eu procuro os professores

ou o próprio livro (DIS12, em entrevista realizada em 13/11/2019,

grifos meus).

Porque tem coisas que eu não consigo visualizar, mesmo escrevendo o

passo a passo. Aí, por exemplo, se tem uma questão que eu fico em dúvida,

eu tenho que procurar (DIS13, em entrevista realizada em 11/11/2019,

grifos meus).

Como eu estudo mais sozinho, eu acho que ter um acompanhamento

por videoaula é bom (DIS18, em entrevista realizada em 13/11/2019,

grifos meus).

Portanto, eu estava equivocada na opinião hipotética na qual se afirmou que o uso

constante do grafismo, pelo aprendente durante os estudos, desenvolveria sua autonomia e,

paulatinamente, diminuiria os seus acessos às videoaulas, pois uma ação não possui relação

e dependência direta uma com a outra. Como a técnica de estudos é tomada como uma

ferramenta de aprendizagem ou um dispositivo cognitivo, as videoaulas também servem

para o mesmo fim.

As videoaulas, sempre, não têm como largar! Elas ajudam bastante. Em

determinados assuntos, não tem outro jeito (DIS18, em entrevista realizada

em 18/12/2019, grifos meus).

Conforme o relato acima, alguns estudantes sempre usam as videoaulas para

complementar as pesquisas, lembrar assuntos anteriores ou buscar formas “simples” de

explicações. Esta tendência se estabeleceu após a verificação dos dados levantados nos

questionários objetivos do 1º e 2º ciclo. Quando perguntados se as videoaulas auxiliaram

durante a execução dos grafismos, dos 17 discentes que participaram até o final da pesquisa,

11 responderam “sim” nos dois encontros.

225

Antes da investigação, eu havia relacionado as videoaulas a uma dificuldade de

visualização mental e de entendimento por parte dos estudantes. Supostamente, o uso

constante destas seria a causa de tais dificuldades. Porém, os dados levantados apontaram

o equívoco e demonstraram que o uso destas ferramentas é um fato positivo, relacionado

com a atitude de quem está em pleno desenvolvimento da própria autonomia de estudo.

b. Por que não utilizar as videoaulas?

Conforme apresentei no início desta seção, a atenção devidas às videoaulas e

solucionários, apontados neste estudo, é quanto a qualidade da teoria e das práticas

apresentadas por estas ferramentas. Quando perguntado sobre as videoaulas, o docente

participante chamou atenção:

Eu não uso videoaula ainda e não sei onde eles estão pegando. Alguns

estudantes trouxeram videoaulas para questionar um exercício que eu

fiz. O engraçado é que eles não questionaram o que ele (o professor da

videoaula) estava fazendo. Não é um professor; é, sim, um outro estudante.

E estava tudo errado! Aí, eu falei: “vocês estão questionando o seu

professor que tem experiência, que mostra a técnica.” Aí, eu peguei o

exercício do livro e mostrei o resultado. Fiz pelo meu método,

confrontei com o resultado do livro e provei: a videoaula está errada!

Ou seja, eles estão estudando de forma errada, com material errado!

Eles não se preocupam com a procedência das videoaulas (DOC, em

entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

De acordo com o relato, o professor não usa e não indica as videoaulas. Por este

motivo, os alunos ficam livres para optar por qualquer que seja o material encontrado na

internet, com ou sem qualidade. No entanto, parte dos alunos possui consciência de que

algumas das videoaulas acessadas podem representar alguns riscos.

Assisto [as videoaulas], mas assim é mais para conhecer outros

exercícios. Que tem algumas videoaulas que não são boas. Assisto

mais para ter um leque de exercícios (DIS10, em entrevista realizada em

14/11/2019, grifos meus).

Também existe a consciência que apenas o fato de “assistir” a videoaula pode não

significar aprendizado, como afirma o discente abaixo:

A videoaula, quando a gente está perdido, dá uma certa orientação. Mas é

cansativo, às vezes! Não aprende tanto como com o livro: ler, fazer a

anotação. Assiste, assiste e assiste, quando acaba, você não sabe nada, não

lembra nada! Se eu usar é só para resolução de exercícios (DIS16, em

entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

226

No questionário do primeiro ciclo, quando perguntados se assistiam videoaulas

sobre conteúdos da componente durante a execução do grafismo, 7 discentes responderam

que “somente quando teve dúvidas”, 5 responderam que “às vezes”, 4 discentes afirmaram

que “nunca” e apenas 1 discente assinalou a alternativa “sempre”. No segundo ciclo, repeti

o questionário e os 7 discentes, que assumiram assistir as videoaulas, disseram “somente

quando teve dúvidas” no primeiro ciclo, mantiveram suas escolhas. Apenas 1 discente

mudou de opinião entre os ciclos da pesquisa: no primeiro respondeu “somente quando teve

dúvidas” acessava as videoaulas e, no segundo ciclo, disse que “nunca” assistiu enquanto

executava o grafismo. A mudança de opinião deste discente não se repetiu nas entrevistas,

pois, em ambas, ele disse que não acessava videoaulas.

Este fato confirma a minha observação sobre o modo como os discentes

responderam os questionários. Percebi que muitos deles responderam as questões a partir

de leituras rápidas, sem pausas para a autorreflexão. Algumas inconsistências foram

verificadas. Por exemplo, além da suposta mudança de opinião do discente acima

mencionado, neste mesmo eixo investigativo, outra ocorrência chamou atenção: durante as

entrevistas semi-estruturadas, outro discente afirmou não acessar as videoaulas durante os

estudos, confirmou isso nos questionários dos dois ciclos de ação, respondendo que “nunca

assistiu as videoaulas”, mas, quando perguntado se as videoaulas auxiliariam na construção

dos grafismos, ele respondeu “sim” no primeiro ciclo e “não” no segundo ciclo. Observo,

portanto, que ele respondeu aos questionários sem a devida atenção. Este e outros exemplos

me levaram a sempre confrontar as respostas dadas pelos estudantes durante as entrevistas

com aquelas assinaladas nos questionários. Foi uma forma de atestar a validade dos

instrumentos, e principalmente, dos dados levantados para a análise.

O que ficou evidente nesta descrição e análise sobre a relação entre grafismo,

autonomia de estudos e videoaulas, é que não há dependência e sim complementaridade

entre estes aspectos e ações. Este entendimento derrubou a hipótese “os estudantes que

criam o hábito de estudar através do grafismo desenvolvem a autonomia de estudos e

deixam de buscar nas videoaulas o auxílio para o entendimento dos novos conteúdos”. As

videoaulas, assim como o grafismo, fazem parte de um conjunto de ferramentas para

docentes e discentes e, se utilizadas da forma criteriosa, podem se transformar, também, em

eficientes estratégias de ensino e aprendizagem e de ensinagem.

227

7.2. O GRAFISMO COMO UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS

DISCENTES DE MECÂNICA DOS SÓLIDOS II

A ensinagem nasceu de um longo processo de observação, pesquisa e experiência

desenvolvida pela professora Léa Anastasiou sobre a didática do nível superior. É um termo

que expressa um processo de compromisso dos pares na direção do saber. Conforme

expliquei no capítulo 5, a ensinagem, “[...] uma situação de ensino da qual necessariamente

decorre a aprendizagem” foi resultado de sua pesquisa de doutoramento intitulada

“Metodologia do ensino superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica”,

em 1998. Digo que a ensinagem é um pensamento didático, pois não só indica caminhos

para a inserção de procedimentos e estratégias de ensino e aprendizagem para o ensino

superior, como leva o professor a refletir em torno da própria conduta, questiona o sistema

institucional onde atua e propõe uma prática de ensino enquanto prática social à luz da

responsabilidade com a sociedade na qual se insere.

De acordo com o que apresentei no capítulo 4, a História possibilitou as mais

diversas formas de ensino e aprendizagem, mas os modelos tradicionais insistem em

perdurar as suas formas nos espaços educacionais deste os tempos medievais, como os dos

jesuítas. Além disso, temos um precário sistema de ensino em todos os níveis de formação

educacional no Brasil e universidades com estruturas organizacionais engessadas, que não

permitem a evolução ideal e necessária, em todos os seus âmbitos, para contribuir ,

efetivamente, com o desenvolvimento social deste país. Estes fatores levam professores e

estudantes universitários a uma sensação de estagnação em um tempo assíncrono com a

realidade na qual estamos vivendo.

A ensinagem é, sobretudo, uma resposta a estes fatores imperativos e demonstra

que o docente do nível superior pode ir além do, simplesmente, dar aulas. É um pensamento

que orienta o professor a estabelecer um acordo com os seus alunos, para que, juntos,

enfrentem os desafios do conhecimento. Neste enfrentamento ao conhecimento, o aluno se

empenha em participar, ativamente, e o professor em propor e mediar o conteúdo através

de estratégias e procedimentos que devem estar, preferencialmente, ancoradas na teoria e

metodologia da dialética do conhecimento. Através desta ótica é possível promover e

possibilitar ao aluno: superar a escuridão cognitiva provocada pelo caos sincrético do

desconhecido; encontrar formas para organizar seu pensamento, sua imaginação, com o

objetivo da apreensão do conhecimento; direcionar o movimento espiral do seu pensamento

228

em torno do objeto do conhecimento e chegar à síntese do objeto, ou seja, a apreensão do

objeto do conhecimento, produto da mediação da análise pelo seu pensamento.

Conforme expliquei nos capítulos 5 e 6 desta tese, os discentes ingressam na UFRB

com o nível de conhecimento insuficiente e incompatível ao que lhes é exigido dentro da

universidade. Isto provoca reprovações, retenções e até abandono dos cursos de graduação.

Além do baixo nível de conhecimento, existe uma fissura na raiz do processo de

aprendizagem destes discentes que potencializa estes problemas: eles estão habituados às

pedagogias tradicionais fundadas na apresentação e memorização, por isto não sabem

estudar para apreender.

No período da formulação do projeto desta tese, o grafismo possuía apenas um

caráter de estratégia de ensino e aprendizagem. Mas, na medida em que eu fui avançando

na pesquisa bibliográfica, onde estudei o desenvolvimento das teorias de aprendizagem ao

longo da história, compreendi que qualquer técnica, procedimento, metodologia ou

estratégia de ensino e aprendizagem, aplicada em sala de aula, deve fazer parte de um

processo amplo e complexo de relações mútuas e infinitas entre professor, aluno e

instituição. A chave para o bom aproveitamento e resultados positivos sobre uma

aprendizagem é, de fato, a apreensão dos conteúdos pelos alunos, através do estudo da

articulação entre o procedimento de ensino e a proposta pedagógica. Este entendimento se

firmou quando encontrei em Luckesi (2011) a devida orientação:

[...] cada um dos procedimentos só faz sentido na medida em que está

articulado com uma proposta pedagógica, que a traduz e a medeia,

constituindo um todo harmônico. [...] cada finalidade exige um

procedimento específico, como sua mediação, de tal forma que possa ser

efetivamente alcançada. Não é qualquer procedimento que serve a qualquer

finalidade. Os procedimentos necessitam estar alinhados com os fins. [...]

Em primeiro lugar, para definir procedimentos de ensino com certa

precisão, é necessário ter clara uma proposta pedagógica, pois é ela que

define os objetivos políticos educacionais, assim como a perspectiva

metodológica de ação. [...] Em segundo lugar, é preciso compreender que

os procedimentos de ensino que vamos selecionar ou construir são

mediações dessa proposta pedagógica e metodológica [...]. Em terceiro

[...] selecionar ou construir procedimentos que conduzam a resultados.

Resultados estes que poderão ser parciais agora, porém que sejam

complexos com a dinâmica do tempo e da história. Em quarto lugar [...]

não poderão ser selecionados ou constituídos com base no senso

comum. O educador deve, ao lado de sua proposta pedagógica, lançar

mão dos conhecimentos científicos disponíveis para tanto (LUCKESI,

2011, p. 196-7, grifos meus).

Tomado este entendimento, encontrei nos processos de ensinagem a proposta

pedagógica de fundamento para a estratégia de ensino e aprendizagem grafismo. Para tanto,

229

trabalhei para que o grafismo se estabelecesse como uma estratégia de ensinagem durante a

pesquisa-ação. Na seção anterior, apresentei a descrição e análise da verificação da

implementação do grafismo enquanto técnica de estudos aplicada aos discentes de MEC II,

durante o semestre 2019.2.

Nos próximos itens, demonstrarei a descrição da elaboração do grafismo enquanto

uma estratégia de ensinagem e, na sequência, a análise da averiguação de duas variáveis da

quarta proposição desta estudo, que foram investigadas através da pesquisa-ação. São elas:

se a aplicação da estratégia de ensinagem grafismo possibilitou aos discentes a consciência

do aprendizado e a motivação pelo sabor do saber; se a aplicação da estratégia de ensinagem

grafismo motivou os discentes ao enfrentamento do conhecimento, levando-os ao

desenvolvimento do protagonismo do próprio entendimento e autonomia intelectual.

7.2.1. Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta

O foco desta seção será a apreensão do conhecimento pelo aluno: o cerne do processo

de ensinagem. O objetivo, portanto, foi verificar, através dos dados levantados, se a estratégia

de ensino e aprendizagem grafismo, à luz dos princípios da ensinagem, possibilitou “aos

discentes a consciência do aprendizado e a motivação pelo sabor do saber”.

A elaboração da inserção do grafismo como uma estratégia de ensinagem para

MEC II teve seu ponto de partida na primeira conversa informal com docente titular da

componente, professor Denis Petrucci. Durante esta conversa, apresentei minhas ideias e

ele, imediatamente, se comprometeu em colaborar com a pesquisa, demonstrando grande

interesse, pois se sentia pressionado sem conseguir encontrar saídas para os problemas que

enfrentava, em particular, o baixo nível de conhecimento dos discentes nos conteúdos pré-

requisitos para o desenvolvimento e progresso dos procedimentos de MEC II, que são as

resoluções de problemas em engenharia. Como consequências disso, os discentes

apresentavam, constantemente, dificuldades de visualização de modelos práticos

tridimensionais para aplicação de conceitos físicos; não conseguindo visualizar, os

discentes não conseguiam resolver os problemas, as listas de exercícios; e, sem praticar,

eram reprovados, sucessivamente, na componente. Devido às taxas de insucesso, os

discentes desenvolveram problemas emocionais, tais como, ansiedade e pânico durante a

realização das avaliações, além da cobrança por parte da instituição, questionando-o sobre

os altos índices de retenção na componente de sua titularidade. Isso levou o professor Denis

Petrucci a questionar os próprios procedimentos em sala de aula que, mesmo tentando

230

mudá-los, não obteve resultados positivos. Sem solução ou saída para este infinito ciclo

vicioso, ele se sentia desmotivado e desamparado pela instituição. Observo, portanto, as

consequências negativas em cascata de uma má formação pregressa.

Este foi o panorama que encontrei: um ciclo de relações mútuas e infinitas de

problemas que se repetem e potencializam a si mesmos. De partida, à luz dos processos de

ensinagem, entendo que uma estratégia de ensino e aprendizagem aplicada em um recorte

mínimo e pontual de um universo institucional, sem a colaboração do conjunto de

professores do curso para a elaboração de um planejamento de ensino e aprendizado

articulado com o Projeto Pedagógico do BCET e com o Projeto Pedagógico da Instituição,

seria como lançar uma única semente em um terreno sem cultivo. Este é o quadro real e

existente, mas fui inspirada pelo ideal-necessário e busquei, junto ao professor Denis

Petrucci, realizar o possível.

Segundo as orientações de Anastasiou e Alves (2009), uma estratégia de ensino e

aprendizagem, quando pretende ser ensinagem, exige do docente sua criatividade,

percepção e experiência. Antes de começar a elaboração, o professor deve se inserir em uma

proposta pedagógica: o ideal é que esta esteja definida pelo Projeto Pedagógico do curso.

Caso contrário, o docente deve estabelecer uma pedagogia que atenda as demandas da

componente e obedeça a alguns requisitos que surgem das questões: para quem ensinar, o

que ensinar, para que ensinar. As respostas destas questões se tornam ferramentas para o

docente no processo de elaboração do procedimento de ensino, pois funcionam como uma

espécie de baliza, orientando o que pesquisar dentro de um conjunto de estratégias, para

que selecionar algumas delas e porque propor tal estratégia. O princípio é que atendam aos

estudantes no sentido de se tornarem uma “[...] ferramenta facilitadora para que eles se

apropriem do conhecimento”, segundo explicaram Anastasiou e Alves (2009). Tomadas

estas orientações sobre os processos de ensinagem, formulei uma expressão que representa

a ação docente em busca de uma estratégia:

{𝒇(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐, 𝑪𝑯𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐),𝑵𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐))

𝒇(𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆ú𝒅𝒐 + 𝑶𝑬𝑪)} → 𝑬𝑬𝒏𝒔𝒊𝒏𝒂𝒈𝒆𝒎

Sendo assim, na função 𝒇 dos alunos de MEC II do BCET da UFRB, tratei em

termos gerais dos fatores que são determinantes sobre os seus desempenhos finais na

componente. O CHC – contexto histórico-cultural – considera o para quem ensinar, onde a

maioria dos discentes são baianos, residentes no interior do estado, afrodescendentes,

pertencentes à classe econômica C e D e oriundos do ensino médio público. O NC – nível

231

de conhecimento – corresponde ainda ao para quem ensinar e inclui, de forma pragmática,

o que ensinar. Via de regra, os alunos possuem baixo nível de conhecimento, estão

habituados a memorizar os conteúdos para a realização das avaliações e a desenvolver

demonstrações matemáticas a partir de problemas matemáticos. O OEC – objetivo de ensino

do conteúdo – se refere ao para que ensinar, isto é, os objetivos de ensino dos conteúdos

de MEC II, basicamente a análise das estruturas e a aplicação dos conceitos físicos para a

resolução de problemas em engenharia.

Além destas respostas, há um último fator de requisito para a elaboração de uma

estratégia de ensinagem, determinante sobre todos os anteriores, que é a resposta da questão

do como se aprende. Conforme já mencionei, o discente chega em MEC II com dificuldade

de visualização mental de modelos tridimensionais para a aplicação dos conceitos físicos.

Consequentemente, sentem dificuldades em analisar as estruturas destes sólidos, bem como

perceber quais os fenômenos físicos que agem sobre estes, e não conseguem imaginar

possíveis soluções físicas e matemáticas para as resoluções dos problemas de engenharia.

Este fato é uma consequência das pedagogias tradicionais-tecnicistas, que habituam os

estudantes na memorização dos conteúdos: eles não foram ensinados a apreender, a pensar

sob um método para conhecer. Por isto, sempre recorrem às demonstrações de equações

matemáticas como “simples aplicadores de fórmulas”, porque não sabem imaginar para

conhecer e analisar para resolver.

Considerando estes fatores em "𝒇", função dos alunos de MEC II do BCET da

UFRB, a estratégia de ensino e aprendizagem, elaborada a partir das orientações dos

processos de ensinagem, foi o grafismo, uma técnica de estudo cuja fundamentação é a

teoria e metodologia dialética do conhecimento. O seu objetivo axial é ensinar o estudante

a pensar sob um método para apreender. A partir deste eixo estruturante, o próprio grafismo

se constitui em formas para atingir o seu objetivo: a sua execução leva o estudante à

visualização dos elementos dos objetos do conhecimento, auxiliando na superação da

escuridão cognitiva; se transforma em uma ferramenta de visualização e organização dos

elementos do pensamento; possibilita o direcionamento do pensamento durante o

movimento espiral do conhecimento; leva o estudante à ascensão do conhecimento e,

consequentemente, estimula o exercício da sua imaginação durante o processo de

aprendizagem e análise para a resolução de problemas em engenharia.

Considerando as teorias que a fundamentam – dialética do conhecimento e processos

de ensinagem – o processo de sua elaboração e seu objetivo estruturante, a estratégia de ensino

232

e aprendizagem grafismo aplicada junto aos discentes da componente MEC II do curso BCET

da UFRB, torna-se, portanto, uma estratégia de ensinagem – EEnsinagem.

O início dos trabalhos, de fato, ocorreu antes do semestre letivo 2019.2, quando o

docente colaborador da pesquisa estudou e adaptou o grafismo para a componente e o

inseriu no planejamento do programa de ensino e aprendizagem de MEC II. Seguindo as

orientações da ensinagem, inserimos o grafismo como uma estratégia de ensino e

aprendizagem no programa de ensino da componente.

No primeiro encontro do semestre, como é de praxe, o professor Denis Petrucci

apresentou, aos seus alunos, o planejamento de ensino com os conteúdos, datas das

atividades e avaliações. Na oportunidade, ele explicou que, durante o referido período

letivo, estaria colaborando com uma pesquisa de doutoramento que trataria da verificação

da efetividade de uma estratégia de ensino e aprendizagem. Foi neste momento que o

professor convidou os alunos para experimentar e praticar o grafismo. Ele explicou aos

alunos que um dos objetivos da sua aplicação era auxiliá-los na visualização dos elementos

das questões para a resolução dos problemas. Logo, a prática da técnica de estudos os

ajudaria na compreensão dos procedimentos da componente. O professor explicou, também,

que estava buscando formas para ajudá-los a superar MEC II e que viu, nesta pesquisa, uma

oportunidade para todos e que precisaria do empenho e compromisso da turma. Vale

ressaltar que o início do período letivo foi em agosto de 2019 e a autorização de coleta de

dados pelo CEP ocorreu no final de setembro. Entre o início dos trabalhos do professor com

a turma e a autorização para a execução da pesquisa, em atendimento à Resolução

510/201665, não houve coleta de dados.

No momento do convite do professor aos seus alunos de MEC II, firmou-se um

contrato entre as partes do processo de ensino e aprendizagem. De acordo com a

ensinagem, esta é a primeira etapa do processo, quando professor e alunos se unem com o

objetivo de enfrentar os desafios do conhecimento, em “uma relação contratual de parceria

deliberada”, onde professor e alunos “somam esforços”, conforme explicou Anastasiou

(1998). Rememorando, o capítulo 5, quando foi posto que {(Professor + Alunos) x

Conhecimento} = Aprendizagem, retomo o texto abaixo:

Daí propomos a construção de uma nova relação: {(PROFESSOR +

ALUNOS) X CONHECIMENTO}, onde se torna fundamental superar a

ação do dizer, como ensinar, na adoção de um novo processo

metodológico que considere a abordagem do conhecimento inclusive

65 Resolução 510/2016, Normas Aplicáveis a Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, disponível em<

http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>.

233

como resultante da realidade. Temos chamado este processo que

interliga ensino e aprendizagem como elementos mutuamente

dependentes de processo de ensinagem (ANASTASIOU, 1998, p. 194,

grifos meus).

A segunda etapa consistiu no professor preparar os discentes para a execução do

grafismo. Inicialmente, ele apresentou a técnica em sala de aula e disponibilizou “o

modelo descritivo” em uma apostila. O professor orientou os discentes a praticarem o

grafismo enquanto estudavam e resolviam os exercícios em casa, cumprindo assim o outro

requisito dos processos de ensinagem, promover “[...] ações efetivadas na sala de aula e

fora dela” (ANASTASIOU, 2009, p. 20). Na sequência, todos os conteúdos e problemas

resolvidos com os alunos em sala de aula foram executados através do grafismo, ou

“modelo descritivo”, ou “passo-a-passo lógico”, assim como denominou o professor Denis

Petrucci. O seu objetivo com estas ações era habilitar os estudantes a executarem o

grafismo a partir do modelo inicial até que eles conseguissem elaborar os próprios

procedimentos, tal qual o princípio da dialética do conhecimento – levar o estudante a

elaborar a própria síntese do objeto.

A próxima etapa coincidiu com a autorização de coleta de dados pela CEP, quando o

professor já havia solicitado aos seus alunos que entregassem determinados exercícios feitos

através do grafismo e que estes “valeriam pontos” na média final na componente.

Eu estou aplicando em sala e passando exercício para eles fazerem em casa.

Pois estes exercícios valerão como “pontos extras” e forma de avaliação

do crescimento deles em MEC. Esta é uma forma de motivação (DOC, em

entrevista realizada em 28/11/2019).

Além da estratégia grafismo, o professor, também, aplicou outras, tais como

resolução de exercícios em duplas, uso dos kits didáticos durante a apresentação dos

conteúdos e apresentação e uso da ferramenta gráfica computacional GeoGebra para a

construção do Círculo de Mohr. Estes instrumentos possuem a finalidade de auxiliar o aluno

na visualização da ação dos fenômenos físicos sobre as estruturas.

Expliquei em sala, mostrei, fiz vários exercícios com eles, demonstrando

como montar o círculo de Mohr e ainda dei a apostila descritiva para as

dúvidas que surgirem em casa (DOC, em entrevista realizada em

28/11/2019).

Este conjunto de ações do professor caracteriza o que preconiza a proposta

pedagógica dos processos de ensinagem. Cabe ao professor disponibilizar meios diversos

para mediar e facilitar a relação de enfretamento do conhecimento pelo discente. Por

234

exemplo, no caso de MEC II, os conteúdos teóricos são abordados através de resolução

de problemas em engenharia, onde todas as atividades estratégicas desenvolvidas pelos

docentes desta componente giram em torno de resolução de exercícios, que vão

aumentando gradativamente o seu nível de complexidade à medida que o período letivo

avança. Estes exercícios, ou problemas, são uma espécie de simulacro do que os discentes

vivenciarão no futuro profissional. Então, a percepção da aquisição do conhecimento dos

conteúdos de MEC II está diretamente relacionada a capacidade que o discente tem de

resolver os problemas.

Quando o professor começou a solicitar aos alunos que realizassem os exercícios

utilizando a técnica “descritiva” do grafismo em sala de aula, eles demonstraram muita

insegurança. Isto ocorreu porque não estavam acostumados a descrever em palavras escritas

os passos das soluções e porque também solicitava deles a ação do próprio pensamento para

a expressão do conhecimento registrada no papel – da organização das ideias e de um

método – algo que eles ainda não sabiam ou não tinham o hábito de fazer. A primeira

atividade com a utilização do grafismo causou um impacto emocional em alguns alunos,

relata o docente:

Teve o caso de uma discente que chegou a ter uma crise de nervosismo e

ansiedade, na primeira vez que eu fiz o exercício com eles, porque ela não

sabia nem por onde começar a escrever (DOC, em entrevista realizada

em 28/11/2019).

Mas o professor continuou com estas atividades em sala de aula e os discentes,

comprometidos em cumprir a sua parte do contrato de aprendizagem, mantiveram a

disciplina da execução dos exercícios de MEC II através do uso do grafismo. A evolução

nas formas de resolução dos problemas foi perceptível aos olhos do professor como também

para os alunos, isto é, eles passaram a observar o entendimento e a aquisição do próprio

conhecimento. Então, aquela discente, que antes teve uma crise de ansiedade, manteve-se

no confronto e conseguiu superar a própria insegurança ao ponto do professor abrir uma

exceção em sala de aula, conforme ele explicou:

Na semana passada, apliquei um exercício e já corrigi na sala mesmo.

Eu tive que dar os parabéns, pedi licença para a turma por ser tão

direcionado, mas eu precisei reforçar o crescimento dela, para

incentivar ela a ir a frente, pois tem potencial. O que aconteceu? As

pessoas têm tanto medo e insegurança que elas não têm certeza daquele

conhecimento. Os alunos precisam ter força no pensamento, daquilo que

sabe, falar aquilo que sabe e se estiver errado: aqui é o lugar de errar!

(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

235

Este fato reforça o pensamento de Anastasiou (2009) quando explica que o

professor, ao ultrapassar o simplesmente dar aula para a prática da ensinagem, auxilia e

conduz o aluno ao conhecimento, a apreensão do objeto do conhecimento – a razão de ser

da ação do ensinar. Convidar o aluno para selar um “contrato de parceria deliberada” para

a “conquista do conhecimento”, onde é clara a necessidade de que ambos devem fazer a sua

parte, faz o professor encontrar formas de mediação e o aluno se dedicar ativamente para

chegar ao conhecimento. Não é técnica didática e tão pouca uma fórmula pronta, mas um

pensamento didático, uma prática com um fim específico. Quando perguntado ao aluno se

o grafismo o auxiliou em MEC II, o discente disse:

Creio que tenha melhorado, pois dá pra assimilar mais o movimento dos

corpos em MEC. E o professor Denis tem ajudado muito. Porque ele

sempre procura didáticas novas para melhorar isso (DIS08, em

entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).

Este comentário acima reforça os resultados da prática do grafismo pelo aluno

bem como a sua percepção sobre as ações praticadas pelo docente. Fato que entendo como

um reflexo do contrato firmado entre as partes do processo de ensino e aprendizagem.

Neste caso específico, onde o contrato de parceria foi estabelecido também em prol da

realização desta pesquisa-ação, um motivo a mais dado para a dedicação dos discentes. O

fim foi o mesmo: a busca pela superação das dificuldades impostas por MEC II. Então, ao

perceber que a experiência “estava funcionando”, aqueles discentes que estavam

praticando o grafismo e ainda participando da coleta de dados da pesquisa, mudaram a

postura espontaneamente.

A turma que está participando da pesquisa passou a sentar na frente,

na primeira fila. Chegam no horário, sempre esperando o que eu vou fazer

(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

Não só os participantes da pesquisa, pois o grafismo foi aplicado às turmas inteiras.

[...] embora não tenha de memória todos que estão inscritos na pesquisa,

mas vejo que muitos alunos passaram a sentar nas primeiras filas.

Passaram a olhar a componente de outra forma e não dizer mais: “eu

tenho raiva de MEC!” Agora eles dizem eu tenho que aprender porque

é necessário pra mim. Estes agora conseguem analisar e dar aquela

resposta e o mais importante, pensar! Teve um aluno que começou a

fazer a demonstração matemática e quando ele percebeu que não era bem

isso, começou a descrever e responder a pergunta que eu tinha feito

(sobre a estrutura que começa a sofrer tração nas fibras superiores).

Somente responder sem a demonstração matemática. Então, eu vi os dois

procedimentos do estudante e observei que ele conseguiu perceber

236

que antes ele estava fazendo cálculo e não era isto que eu havia

pedido. Ele interpretou! Engenheiro não é só cálculo. Engenheiro dá

parecer a partir de uma análise (DOC, em entrevista realizada em

28/11/2019, grifos meus).

Este relato do professor afirma a percepção do saber pelos alunos e o quanto isto

modifica, inclusive, o comportamento deles em sala de aula. O outro fato pontuado é que

os alunos disseram para o professor que “tem que aprender porque é necessário”, isto é,

ocorreu o desenvolvimento da percepção pelo estudante sobre importância de se dedicar

ativamente a aquisição do conhecimento, que é um resultado esperado na aplicação de

uma estratégia de ensinagem. O contrato firmado entre o professor e os alunos no início

do período letivo foi uma maneira de convocar a participação ativa dos alunos, ou seja,

eles deixaram de ser simples receptores de mensagens passadas pelo professor, nas aulas,

para participarem, deliberadamente, no enfretamento do conhecimento, como a superação

de um desafio.

Eu gostei do incentivo porque eu acho que a gente aprende muito mais!

(DIS04, em entrevista realizada em 12/11/2019, grifos meus).

A palavra é “incentivo”. Com isto, entendi que não foi apenas a colaboração na

pesquisa-ação o fato motivador da dedicação dos discentes pela prática do grafismo. Eles

se sentiram estimulados pela percepção paulatina do próprio conhecimento, onde o “sabor

pela descoberta” é uma consequência natural deste processo.

[...] eu fico me preparando para não decorar quando eu faço a questão.

Eu quero analisar a questão (DIS09, em entrevista realizada em

13/11/2019, grifos meus).

E você foge de estudar só o que o professor ensina da matéria, para

entender aquele assunto. Você fica autodidata, vai buscar

conhecimento para agregar com aquilo que o professor indica: a

bibliografia, livros e artigos (DIS08, em entrevista realizada em

18/12/2019, grifos meus).

Outro aspecto relevante que emergiu em consequência da aplicação do grafismo

enquanto uma estratégia de ensinagem foi a espontânea diferenciação entre retenção

(decorar) e elucidação (aprender) pelos discentes. Isto ficou evidente no último depoimento

acima, quando o aluno relatou que “foge de estudar só que o professor ensina” para

“entender aquele assunto”. Ou seja, ele fugiu de fixar os assuntos para “entender [...]

buscando agregar com [...] bibliografia, livros e artigos”.

237

Este dado observado levou a afirmar que uma estratégia de ensino e aprendizagem,

quando alinhada coerentemente com uma proposta pedagógica que atenda os objetivos de

sua aplicação e se estenda da dimensão do simplesmente dar aulas, rompe o ciclo posto

pelas pedagogias tradicionais onde o professor é o transmissor e o aluno é o receptor de

informações. Este foi o princípio elementar dos processos de ensinagem elaborado por

Anastasiou (1998) e reafirmado através desta pesquisa-ação.

Retomando o último trecho da entrevista do professor, quando ele relata o fato do

aluno conseguir analisar e, “o mais importante, pensar” para resolver as questões, significou

que a aplicação da estratégia de ensino e aprendizagem grafismo, sob os princípios da

ensinagem em MEC II, conseguiu atingir outro objetivo: “levar o estudante a pensar sob um

método para analisar as estruturas”. Este fato foi reafirmado nos depoimentos abaixo:

Eu até fiquei muito feliz porque nessa segunda prova, eu consegui

entender muito bem o assunto, independente da nota que vir, eu consegui

aprender. Fazer o passo a passo certinho. Tinha coisa que eu tinha

dificuldade, e eu consegui, porque pra mim era impossível no semestre

passado. Tipo, isso aqui eu nunca vou aprender. Aí, neste semestre eu

consegui realmente aprender o assunto. E vi que não era tão difícil,

como eu imaginava, que era bem fácil e que isso me ajudou muito (DIS16,

em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).

Porque é assim, quando você não consegue resolver uma questão, sua

tendência é parar. E eu parava e me desanimava. Aí, quando você vê que

está conseguindo, olha as suas anotações, consegue ver as forças, o

processo construtivo, em casa, sozinha, eu disse no grupo: “gente eu

estou conseguindo entender, venham, vou mostrar pra vocês como é

que se vê as coisas” (DIS01, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Antes eu fazia muito no automático. Pegava as fórmulas e aplicava. Eu tive

muita dificuldade no início, pois tudo que o professor pedia, ele queria

detalhado. Aí, passando o tempo aplicando o grafismo, acabei

desenvolvendo melhor os conceitos para responder as questões (DIS17,

em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).

E para finalizar a descrição e análise desta proposição, destaquei um comentário

espontâneo da percepção de um discente quando reflete que “deveria ter uma organização

entre todos os professores e o grafismo”:

Olha só, eu acho que deveria ter uma organização entre todos os

professores e o grafismo. Assim, o professor Denis explicou tudo

direitinho pra gente. Já tem outros professores que jogam lá o assunto e

deixam a gente livre para pesquisar, tudo bem. Mas aí a gente vai procurar

e cada um fala uma coisa, então não é fácil aplicar o grafismo em todas as

disciplinas. Com a base teórica fundamentada a gente consegue fazer o

238

grafismo daquilo porque a gente já sabe a teoria. E como fazer um

exercício se o professor simplesmente resolve uma questão ou joga,

entendeu? Como o professor que entrega umas apostilas, a gente

consegue ler ali naquele momento, explicando tudo certinho, depois no

passo-a-passo a gente consegue aplicar e reorganizar as ideias. Mas,

quando a parte teórica está meio desmanchada, a gente não consegue

assimilar os exercícios e eu, por exemplo, não consigo fazer nem o

grafismo (DIS07, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).

Esta reflexão do discente se refere a implementação do grafismo em todas as

componentes do BCET, “com todos os professores” – é o ideal e é o necessário. Conforme

expliquei no início deste item, sobre aplicar uma estratégia de ensinagem de forma isolada

em apenas uma componente, seria como lançar uma única semente numa terra sem cultivo.

Porém, no fim do trabalho de coleta de dados, quando finalizei a última entrevista com o

docente e somados todos os relatos dos discentes sobre a experiência, ficou evidente que os

fatos coletados foram além de afirmar os argumentos do arcabouço teórico e das hipóteses

propostas. Aquela única semente não foi jogada num terreno infértil. O professor, motivado

pela evolução dos seus alunos, retomou seus projetos de pesquisa e foi além, começou a

desenvolver novas ideias. Os discentes que participaram da experiência passaram a superar

gradativamente as dificuldades de visualização e organização dos elementos das questões e

ainda, muitos deles, desenvolveram o próprio método de pensar para analisar, imaginar e

resolver os problemas de engenharia. Sob este ponto de vista, com base na comparação do

panorama que encontrei na primeira conversa com o professor com o que ficou após a

experiência, posso afirmar que a estratégia de ensino e aprendizagem grafismo, ancorada

nos fundamentos da ensinagem, promove a consciência do aprendizado pelo aluno e vai

além: motiva a união de alunos e professores pelo sabor do saber.

7.2.2. Autonomia intelectual

Levar o estudante a se presentificar com a percepção da aquisição do

conhecimento e motivá-lo ao sabor pelo saber após apreender a pensar, imaginar para

conhecer, foram os objetivos primeiros do projeto desta tese, tanto da aplicação do

grafismo enquanto técnica de estudo, quanto da implementação da estratégia de ensino e

aprendizagem sob os princípios dos processos de ensinagem. Outro objetivo que já havia

sido pensado se firmou durante a coleta de dados, o desenvolvimento do protagonismo do

próprio entendimento e a autonomia intelectual dos discentes – consequência direta da

percepção da aquisição do saber.

239

Os processos de ensinagem elaborados por Anastasiou (2009), quando orientam a

união entre professor e alunos no enfrentamento do conhecimento, preconizam o

comprometimento da ação dos discentes na superação dos obstáculos impostos durante o

conhecer. Esta ação é a busca do apreender, da ação do pensamento, da imaginação pelo

aprendente no ato do conhecimento. As condições necessárias para que isto aconteça estão

nas formas que o docente encontra para mediar os conteúdos, pois estas devem ter como

objetivo elementar a mobilização do pensamento dos discentes. Ainda sob a orientação da

autora – ratificada por Wachowicz (1989), Vasconcellos (1995), Saviani (1999), Luckesi

(2011) e Libâneo (2011) – as formas de mediação dos conteúdos devem estar alinhadas com

uma proposta pedagógica que tenha como fundamento uma teoria do conhecimento que

apresente uma metodologia da ação do pensar para apreender. Estes autores indicam as

pedagogias de tendências progressistas e a dialética do conhecimento como metodologia do

pensamento. A estratégia de ensino e aprendizagem grafismo atende a estes requisitos, por

isto considero uma estratégia de ensinagem.

Conforme demonstrei no item anterior, o grafismo, por auxiliar o estudante na

visualização, organização e direcionamento do pensamento durante a construção e ascensão

do seu nível de conhecimento, firmou-se como uma ferramenta de ensino para o docente e de

aprendizagem para o aluno. Estes resultados foram verificados porque o docente observou o

desenrolar da estratégia de ensinagem durante o período da pesquisa e percebeu a evolução

dos seus discentes, bem como porque os próprios discentes relataram a percepção da

aquisição do conhecimento após o uso constante da técnica durante os estudos.

Deste modo, o sabor da descoberta por saber resolver é resultado do processo de

aprender a apreender e, ao mesmo tempo, é um estímulo para apreender mais e mais, assim

como o movimento espiral, evolutivo e ascendente. Logo, como consequência do aprender

a apreender, desenvolve-se, de maneira natural e espontânea no aprendente, a autonomia

intelectual, ou seja, o sujeito toma para si o protagonismo do entendimento através do

próprio pensamento. Este fato eleva, gradativamente, a autoestima e segurança do estudante

durante a realização das avaliações de componentes curriculares de grande dificuldade, tal

como MEC II.

Conforme apresentei no capítulo anterior, alguns dos maiores obstáculos

enfrentados pelos discentes de MEC II estão na insegurança e ansiedade causadas pelas

sucessivas reprovações. Esses sentimentos emergem durante as avaliações e em casos

extremos, causam até crise de pânico, fatos observados nos relatos apresentados abaixo:

240

Eu tenho dificuldade de fazer provas. Eu sei o assunto. No semestre

passado eu fiquei triste porque realmente sabia o assunto. Até conversei

com o professor sobre isso, mas quando chega na hora da prova, como

eu falei antes, eu confundo as coisas. Aí, eu coloco no meio de uma

resposta, alguma coisa que eu lembro, ficam surgindo de diferentes

lados e eu meio que acabo errando a questão. Não é que eu não saiba o

assunto, eu tenho esta dificuldade de passar para o papel (DIS04, em

entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).

Na sala, quando ele fazia as atividades, eu conseguia desenvolver

tranquilamente, mas na hora da prova, eu fico muito ansiosa, nervosa

(DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Por exemplo, nas questões de MEC, eu pegava a questão e ficava, assim,

sem saber o que fazer. Entrava em pânico logo (DIS13, em entrevista

realizada em 16/12/2019, grifos meus)!

O uso do grafismo não resultou em aprovação para 100% dos participantes da

pesquisa, mas amenizou auto cobrança daqueles estudantes. Ao conseguirem resolver os

problemas de MEC II, perceberam a capacidade de entendimento pelo próprio pensamento,

pois foram presentificados pelo conhecimento. Isto os levou a observarem que os problemas

não estavam neles, tão pouco no professor da componente. Este fato mudou a ótica dos

estudantes sobre si mesmos, sobre MEC II e sobre o que é necessário fazer para superar os

problemas postos:

Eu tenho consciência que a culpa não é do professor. Ele faz de tudo

pra gente passar, mas MEC é uma matéria muito complicada. É muito

difícil! Por exemplo, se ele mudar qualquer força de direção, se não

prestar atenção, não vai. [...] Tudo tem um porquê: eu tinha que perder,

estou em MEC II pela quinta vez e pedi pra conhecer este método. Pra mim

é gratificante, pois estou aqui pra aprender (DIS01, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Eu tenho consciência que eu adquiri conhecimento, eu estudei bastante, fiz

vários exercícios, só que na prova rolam outros sentimentos. Na hora

de olhar aquele problema, vem a ansiedade para inventar uma coisa

que não existe. A gente enxerga as coisas assim (DIS08, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Esta mudança de entendimento dos estudantes sobre a situação que se encontravam

foi definida pelo professor como “amadurecimento”. Ao perguntar se ele acreditava que os

alunos estavam evoluindo em resultado da utilização da técnica do grafismo ou porque estão

repetindo a componente, ele assim respondeu:

Eu acho que eles estão evoluindo porque eles estão amadurecendo. A

técnica está fazendo com que eles pensem diferente do que estavam

241

acostumados. Então, foi isso que eu percebi (DOC, em entrevista realizada

em 28/11/2019, grifos meus).

O objetivo de estimular no aluno o desenvolvimento da sua autonomia intelectual

não faz oposição ao fato do estudante estudar com seus colegas de curso. Ao contrário, a

interação com o par sobre um determinado assunto leva o discente a sanar dúvidas, pois a

simples forma de explicar algo através de uma linguagem conhecida, de igual para igual, é

a maior das vantagens de estudar em grupo. Em alguns casos, quando o nível de

conhecimento é baixo e a insegurança sobre a própria capacidade de entendimento está

elevada, alguns discentes criam naturalmente algum tipo de dependência do outro,

principalmente durante a resolução dos problemas em engenharia.

Aí, esta questão de visualização, eu estudando sozinho, não é tão

eficiente. (DIS18, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos meus).

Eu poderia fazer uma extensa lista de fatores que representam a necessidade do

desenvolvimento da autonomia intelectual dos sujeitos, mas concentro aqui meu esforço em

apontar apenas dois: o primeiro é a proatividade, requisito basilar de um profissional de

qualquer especialidade para atuar no mercado de trabalho; e o segundo, que está diretamente

relacionado com este estudo, é o momento da avaliação, pois na maioria das vezes, as

avaliações são individuais. É fundamental o sujeito entender que a aquisição do

conhecimento ocorre pela ação do pensamento, uma ação pessoal, subjetiva e solitária. Se

o estudante não produziu o conhecimento pelo próprio pensamento, em outras palavras, não

treinou as visualizações mentais e resoluções dos problemas a partir do próprio pensamento

e imaginação durante os estudos, certamente não conseguirá visualizar “as deformações”,

tão pouco resolver, sozinho, os problemas durante as avaliações das componentes

curriculares, quiçá na vida profissional.

Com base nesta perspectiva e com o objetivo de verificar se o uso do grafismo

estimulou o exercício da imaginação e desenvolveu o protagonismo do próprio

entendimento nos participantes da pesquisa-ação, elaborei a proposição nominada por

“autonomia de estudos”. As questões do roteiro de entrevista semi-estrurada deste eixo

tinham como cerne o uso do grafismo e seu resultado direto sobre o fato do discente

“conseguir resolver os problemas de MEC II” sozinho. Lançando mão da comparação do

antes com o depois do uso do grafismo, os discentes assim responderam:

Antes, ficava perdida com as anotações. Hoje, as minhas anotações estão

mais ricas. Não conseguia associar as anotações de sala em casa. Eu

242

precisava sempre de alguém, pois, sozinha, eu não conseguia (DIS01, em

entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).

Semestre passado, eu só estudava em grupo. A gente cria uma

dependência do tipo: quando você começa a estudar em grupo, quando

você vai estudar sozinho, você não consegue. Aí, neste semestre, o grupo

que eu estudava, terminou se separando, por causa de turmas diferentes.

Acabou que realmente eu tive que estudar sozinho e já estava com medo,

pelo costume de estudar sempre em grupo. Aí eu falei: “como é que eu vou

conseguir caminhar?” Aí, apareceu isso (o grafismo) e eu pensei: “pode

me ajudar bastante”. Eu não sabia mais estudar sozinho. Eu comecei

estudar sozinho com este método e estudar bastante, porque, quando

você estuda sozinho, e não consegue entender, logo desiste. Eu comecei

a fazer o passo-a-passo. Quando tinha dificuldade, eu procurava no

livro, tentava sanar estas dificuldade e aprender mais. Foi ótimo

(DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus)!

Antes, eu tentava aprender por erro de exercício. Aí, tinha que recorrer a

alguém pra sanar a dúvida. Só que agora, depois que eu monto o meu

passo-a-passo, eu consigo sanar as minhas dúvidas sozinho, com o

esquema que eu montei. E ficou bem mais fácil para mim (DIS06, em

entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Me ajudou muito na parte de conseguir aprender sozinho. Porque na

maioria das vezes, a gente estudava com um colega e criava uma

dependência. Aí, quando a gente vai estudar sozinho, a gente fica perdido

e na prova também. Pior, né? Quando a gente faz o grafismo, as

anotações, desenhando, fazendo tudo certinho, cria um raciocínio

que ajuda na hora da prova. A gente não fica mais perdido. Quando

a gente não estuda sozinho, não tem nada anotado na cabeça. Nessa

parte da gente se desenvolver sozinho ajuda muito. Quando a gente tira

uma dúvida com o colega, acaba não fixando na cabeça. E quando a gente

escreve, anota, acaba lembrando porque internaliza, não fica superficial

e logo depois esquece (DIS16, em entrevista realizada em 18/12/2019,

grifos meus).

Estes depoimentos ratificam a variável que afirma que a aplicação da estratégia de

ensinagem grafismo motivou os discentes ao enfrentamento do conhecimento e os levou ao

desenvolvimento do protagonismo do próprio entendimento e autonomia intelectual. Este

resultado foi esperado. O inesperado, ou melhor, uma consequência do desenvolvimento da

autonomia intelectual dos estudantes que vale o registro, emergiu da percepção do

participante nas palavras transcritas abaixo:

Eu acho que a melhor parte do grafismo foi a minha autoconfiança na

hora de realizar a prova. Porque isso eu não tinha! Isso foi o mais

importante de ter adquirido. Porque eu acho que isso prejudica o aluno.

Ele é prejudicado por não estar confiante do que está fazendo. E ali,

daquela não confiança, ele quer colocar várias coisas no meio e fica com

as ideias perdidas. No grafismo, ele segue uma linha de raciocínio, pelo

243

menos comigo, eu sigo uma linha de raciocínio que me ajudou a estar

realizando as atividades e a prova também. E mais: ajudou no meu

tempo! Porque antes eu não conseguia terminar a prova a tempo tipo,

voltar para revisar. Agora como eu já sei o passo-a-passo, eu fiz, terminei

a prova, voltei revisando e ainda sobrou tempo. Fiquei lá...tipo, fiquei

nervoso de entregar antes, mas tudo bem! Fiquei um pouco preocupado.

Eu disse: “não é possível, já terminei!? Tem alguma coisa errada”

(risos) (DIS03, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).

O constante uso do grafismo e a gradativa evolução da autonomia intelectual se

tornaram um combustível propulsor da segurança e autoestima dos discentes durante as

avaliações de MEC II no semestre letivo de 2019.2. Dos 17 discentes participantes da

pesquisa-ação, todos afirmaram que fizeram a última avaliação da componente MEC II com

mais “segurança e autoconfiança”.

Eu estou muito mais segura. Porque eu ficava muito nervosa. Me

motivou a estudar, pois eu já estava sem motivação nenhuma, para

disciplina nenhuma e até cheguei a pensar em desistir do BCET (DIS01,

em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Estou mais independente! Eu acho que sim. Não completamente, mas

eu acho que evolui! (DIS04, em entrevista realizada em 17/12/2019,

grifos meus).

Eu saí desta última prova mais confiante. Principalmente, as questões

que eu segui a minha “ordenzinha” que eu tinha montado para estudar

(DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Estou mais segura, mesmo com a ansiedade (DIS12, em entrevista

realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Eu me senti mais seguro, achava que nunca iria aprender e consegui. É

possível criar uma estratégia e ver que é possível aprender de uma maneira

bem fácil e prática. Me desenvolvi muito ao estudar sozinho (DIS16, em

entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

O professor confirma os relatos dos discentes, pois ele também percebeu a evolução,

tanto no nível de conhecimento dos discentes, quanto nas suas estimas e segurança:

Eu acho que o aproveitamento dos conteúdos pelos alunos está muito

bom. Tem uma estudante que está fazendo o grafismo, não sei se está

inscrita como participante, ela está crescendo muito. E outra que me

chamou atenção: ela está crescendo no processo também. Antes, ela

apresentava uma certa dificuldade, não entendia bem os ângulos, dizia ficar

“perdida”. Hoje, eu vejo que ela já está sendo mais autônoma para

resolver. Não fica procurando o professor para corrigir por causa da

insegurança (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).

244

Relato que afirma, a ensinagem quando serve como fundamento e orientação na

implementação de estratégias de ensino e aprendizagem, traz em si o princípio do ensino

enquanto prática social. Especialmente nesta pesquisa, a estratégia de ensinagem grafismo

se configurou como uma prática social porque partiu do entendimento que aprender a

apreender não é um processo que ocorre de forma espontânea ou mágica, sem métodos ou

exercícios de análise pelo pensamento – na imaginação – assim como expliquei no capítulo

5. Anastasiou e Pimenta (2014) afirmaram que ensinar o estudante a aprender a pensar

para apreender é uma intenção refletida no ato da escolha de um procedimento adequado

aos objetivos e conteúdos da componente curricular

Houve evolução de conhecimento sim. Antes, eu passava o conteúdo e

perguntava: “alguma dúvida?” O silêncio era total, “nem grilo tinha na

sala!” (risos). Pois bem, se estava tudo bem, eu seguia adiante nos

conteúdos. Quando veio esta metodologia, eles começaram a raciocinar

e questionar, “e se eu fizesse aqui...”, então foi criando na cabeça deles

assim, “ah, eu posso fazer isso?!”, “o que vai acontecer se eu mudar

assim?!”, “ah, o sistema fica fora de equilíbrio”. Eles começaram a

perceber que é preciso analisar o que está acontecendo e não

simplesmente aplicar fórmulas. Esta foi a grande diferença (DOC, em

entrevista realizada em 19/12/2019, grifos meus).

As linhas deste último comentário do docente participante afirmam: o grafismo,

quando alinhado aos princípios da ensinagem e aplicado como uma técnica de estudos aos

discentes das ciências exatas, serve como instrumento de auxílio ao aprendizado, bem como

de mobilização e estímulo à imaginação. Porque raciocinar é imaginar possíveis

associações e articulações, criar é imaginar algo novo, novas combinações, e analisar é

imaginar as partes do todo. E vou além: ensinar a aprender a imaginar para apreender é

uma prática de ensino para o resto da vida, de projetos de vidas.

7.3. RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES

A efetividade de um procedimento de ensino aplicado em uma componente

curricular, seja ele qual for, geralmente é verificada a partir do índice de sucesso de uma

turma de estudantes no final de cada período letivo. Entendo que este tipo de avaliação é

frio. Sob a ótica dialética, por ser uma avaliação apenas de uma parte dos dados coletados

sem a consideração do todo que pertence e os gerou, é uma verificação descolada de

contexto. Por isto, quando tomada somente pelo índice de aprovados e reprovados, este

245

tipo de verificação não tem validade para a análise da aplicação de uma estratégia de

ensino e aprendizagem.

Neste estudo em específico, fiz antes a análise, de caráter qualitativo, da percepção

dos discentes sobre a experiência, que atingiu um amplo alcance de fatores que

influenciaram a efetividade da estratégia de ensinagem grafismo. Somado a esta, trago

também o “Relatório final da componente GCET104 – Mecânica dos Sólidos II” (Anexo II)

disponibilizado pelo docente participante, o professor Denis Petrucci. Sob sua perspectiva,

o professor apresentou, neste relatório, importantes dados em números e percentuais, tais

como: a relação de discentes matriculados na componente no semestre 2019.2 – o universo

da pesquisa; número de discentes que trancaram a matrícula no sistema de gestão

acadêmica; discentes desistentes, ou seja, foram reprovados por falta até a última avaliação;

discentes ativos, aqueles que frequentaram até o final do período; os ativos que foram

reprovados; e os ativos que foram aprovados na componente. Destes dados disponibilizados

no Anexo II, destaquei os resultados do semestre letivo, apresentados na Tabela 3.

Tabela 3– Resultados dos semestre letivo 2019.2

Turma Matriculados

inicialmente Desistências66 Aprovados Reprovados

T01 44 19 43,2% 13 29,5% 12 27,3%

T02 44 23 52,3% 13 29,5% 8 18,8%

Segundo a Tabela 3, um pouco mais de 43% dos discentes da turma I e 52% da

turma II desistiram da componente. Daqueles discentes que frequentaram as aulas e fizeram

todas as avaliações, o índice de sucesso, no final do semestre, mesmo com a aplicação da

estratégia de ensino, não superou a expectativa dos 70% – as duas turmas que compõem o

universo da pesquisa tiveram, concidentemente, 29,5% de aprovados.

Deste universo de estudantes, 18 voluntários foram inscritos no grupo de

amostragem, dos quais 15 alunos (7 da turma I e 8 da turma II) prosseguiram na componente

até o final do semestre, estes fizeram parte do grupo que o docente nominou por ativos,

portanto, os que considerei para analisar os resultados finais. Apenas 1 discente inscrito não

compareceu no segundo ciclo entrevistas, e os outros 2 discentes, mesmo desistindo da

componente, participaram das duas sessões de coleta de dados da pesquisa-ação.

66São consideradas desistências os trancamentos no prazo regulamentar, as reprovações por falta e abandonos,

isto é, aqueles que poderiam ter cumprido todas as avaliações, mas não o fizeram. Lembrando que a reprovação

por faltas impede a participação em avaliações.

246

Analisando o gráfico de evolução de notas da Figura 20 a partir das três avaliações,

dos 15 discentes que fizeram a pesquisa na íntegra, 66% apresentaram alguma evolução ao

longo do semestre letivo com o uso do grafismo. Isto é, conseguiram evoluir em notas

durante o período da pesquisa, entre a 1ª e 3ª avaliação. Dos que evoluíram durante a fase

da pesquisa, 20% não conseguiu aprovação, caracterizando que, mesmo com a evolução,

não foi suficiente para alcançar êxito. Porém ressalto, o uso do grafismo auxiliou na

aprovação de 53% do total dos discentes participantes da pesquisa até o final.

Figura 20 – Evolução de notas com o uso do grafismo.

Portanto, o número em percentual de discentes aprovados que constituíram a

amostragem da pesquisa-ação e se comprometeram em utilizar o grafismo como técnica

durante os estudos, 53% do total, superou a média de 29,5% de aprovados do grupo

universo. Os números frios dos resultados demonstram que a aplicação do grafismo

enquanto uma estratégia de ensinagem surtiu eficácia, embora não tenha atingido a

expectativa de aprovação mínima de 70% dos discentes do grupo de amostragem, bem como

do universo da pesquisa.

Porém, existem elementos que eu considero determinantes e que se escondem por

trás destes números frios. O primeiro deles é o fato das sucessivas reprovações na

componente causar pressão psicológica, ansiedade e, como disse anteriormente, em alguns

casos, crises de pânico durante as avaliações. É o que aconteceu com os 5 discentes do

247

grupo de amostra que não obtiveram a evolução representada em notas nas avaliações da

componente, segundo os relatos dos próprios:

O fato da ansiedade está me prejudicando bastante! Para você ter uma

noção, eu escrevi lá certinho, o momento, a força, que é perpendicular a

uma distância ali na peça. Aí, eu fui lá e coloquei a distância paralela.

Então, às vezes, não é que eu não saiba. Eu consegui escrever isso na prova,

mas na hora do nervosismo, eu acabo trocando as coisas. Eu bato um

número diferente na calculadora, muito pela ansiedade mesmo. Não

porque eu não sei o assunto, entendeu? Então isso acontece muito

comigo (DIS07, em entrevista realização em 11/11/2019, grifos meus).

Eu ficava: “meu Deus, e agora, eu faço o quê, eu acho o quê?” (DIS01, em

entrevista realização em 18/12/2019).

[...] quando chega na hora da prova, como eu falei antes, eu confundo

as coisas. Aí eu coloco no meio de uma resposta, alguma coisa que eu

lembro, ficam surgindo de diferentes lados e eu meio que acabo

errando a questão (DIS04, em entrevista realizada em 17/12/2019, grifos

meus).

Na sala, quando ele fazia as atividades eu conseguia desenvolver

tranquilamente, mas na hora da prova, eu fico muito ansiosa, nervosa

(DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).

Na teoria, a gente sabe. Se perguntar pra gente o que está acontecendo com

aquele sólido, a gente fala. Só que existem diversos tipos de exercícios e

não tem como a gente fazer de todos os tipos para fazer a prova. Aí,

quando a gente chega lá e encontra uma figura diferente, entra em

pânico e não sabe o que fazer (DIS13, em entrevista realizada em

16/12/2019, grifos meus).

Na última entrevista, o professor comenta este fato e lamenta, “tem estudantes que

não merecem, pois estão se esforçando”. Na opinião dele, que afirma a minha observação,

o problema está nas sucessivas reprovações, pois aqueles discentes que estão em MEC II ,

pela primeira vez, reagiram ao déficit de conhecimento de forma diferente:

Eu percebi uma melhoria na postura dos estudantes repetentes em sala, mas

a linha de raciocínio continua errada, eles ainda não conseguem montar um

raciocínio correto. Mas aqueles que estão fazendo MEC II, pela

primeira vez, estão conseguindo capturar muito melhor com o

grafismo. Eu ainda não entendi porquê! Talvez, conseguiram perceber o

próprio déficit mais cedo. Porque, quando eu comecei a fazer os

primeiros exercícios com o grafismo, as treliças, eles reclamaram que não

haviam visto isto, mas começaram a buscar como solucionar, revisar os

assuntos de MEC I e aprender o que não viram. Aqueles que já estão

repetindo MEC II algumas vezes, já vieram com falta de bagagem e eu

tentando fazer com que eles superem, mas não conseguem. Eles entraram

num ciclo vicioso, infelizmente! Estão, com uma linha de raciocínio

248

errada, não conseguem mudar (DOC, em entrevista realizada em

19/12/2019, grifos meus).

Isto é, o grafismo auxiliou os não repetentes a recuperar o lapso do nível de

conhecimento e ainda serviu como um instrumento de realinhamento do raciocínio –

reafirmando que a aplicação desta estratégia de ensinagem, serve como um procedimento

eficiente para ensinar o aprendente a apreender, pois traz, em si, o princípio do

direcionamento do pensamento para a aquisição do conhecimento.

O professor ainda especula: “talvez a solução seria eu dar MEC I novamente para

eles” – no caso dos discentes repetentes de MEC II.

Conforme o discutido anteriormente neste estudo, segundo o docente titular da

cadeira, ratificado pelos estudantes participantes da pesquisa, o fato dos alunos repetentes

não conseguirem acompanhar as resoluções dos problemas em MEC II está relacionado ao

baixo nível de conhecimento dos conteúdos de MEC I, componente pré-requisito imediato.

Professor e alunos apontam que isto é decorrência da componente anterior ter sido

ministrada por professores substitutos.

Apresentei, no capítulo 6, a série de fatores que levaram (e ainda levam) a UFRB

a contratar estes professores temporários. Antes de prosseguir, devo ressaltar que o

problema ou a culpa não pode simplesmente ser jogada sobre estes profissionais. O erro

está na forma como a instituição os trata e das condições de trabalho que lhes impõem.

Conforme repeti algumas vezes, neste sistema não há como apontar culpados, todos fazem

parte do mesmo processo e são vítimas de um sistema de ensino falido.

A fim de complementar e enriquecer esta análise, fiz um levantamento, através do

SIGAA – Sistema de Gestão de Atividades Acadêmicas67 da UFRB – para obter a relação

percentual de discentes matriculados, desistentes, aprovados e reprovados em: MEC II, nos

semestres 2018.1 a 2019.1; e em MEC I, nos semestres 2017.2 a 2019.1. Estes semestres letivos

antecederam ao da pesquisa. Por essas turmas de MEC, passaram alguns participantes do grupo

que foram submetidos a estratégia de ensinagem. Estes dados serviram como: referência para

uma análise em nível de comparação dos resultados das turmas ministradas pelo professor

titular e as conduzidas pelo professor de contrato temporário, no caso em especial da

componente MEC II no semestre letivo 2018.1; panorama de condições de trabalho do professor

substituto; como parâmetro de análise sobre os resultados das componentes com e sem a

67Disponível no Portal Acadêmico em: <https://www.ufrb.edu.br/portal/sig>.

249

inserção do grafismo – através dos números dos semestres de 2018.1 a 2019.2. Na sequência,

esclareço melhor estas informações.

a. Comparação dos resultados das turmas de MEC II em 2018.1:

No semestre letivo 2018.1, o CETEC da UFRB ofertou 04 turmas de MEC II. As

três primeiras ficaram a cargo do professor titular e a turma T04 foi ministrada pelo

professor substituto. Os resultados das turmas seguem na Tabela 4.

Tabela 4 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.1.

Turma Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 35 08 22,8% 15 42,8% 12 34,2%

T02 34 12 35,2% 14 41,1% 08 23,5%

T03 42 02 4,7% 23 54,7% 17 40,4%

T04 59 01 1,6% 57 96,6% 01 1,6%

Começo a comparação dos resultados entre as turmas a partir das desistências.

Estas revelam o número de discentes que trancaram a matrícula regularmente junto à Gestão

Acadêmica e aqueles que por algum motivo avançaram o máximo de 25% de faltas nas aulas

durante o período. As desistências ocorridas nas turmas ministradas pelo professor titular

foram muito elevadas em comparação às classes ministradas pelo professor substituto.

Segundo o relatório disponibilizado pelo professor Denis Petrucci (Anexo II), além das

dificuldades nos conteúdos, boa parte destas desistências configuraram a “espera por cursos

em caráter especial” ofertados pela instituição, com o intuito de regularizar a vida

acadêmica dos estudantes.

No recesso acadêmico entre 2017.2 e 2018.1, o CETEC ofertou uma turma de MEC

II em caráter especial, que foi ministrada pelo professor substituto e obteve 100% de

aprovação, sem qualquer desistência. Por causa deste precedente, com esperança que o

mesmo ocorresse no recesso seguinte, alguns discentes do semestre regular 2018.1

organizaram uma “lista de interessados” e apresentaram para a Coordenação do BCET como

solicitação de turma especial de MEC II, com a justificativa que estariam retidos na

componente. Há um detalhe importante a se ressaltar: os alunos solicitaram que as aulas do

curso especial fossem ministradas pelo professor substituto. Isto, portanto, ratifica a

argumentação do relatório feito pelo professor titular, bem como os comentários dos

discentes durante a pesquisa, tal como este abaixo que apresentei no capítulo anterior:

250

Ontem mesmo, eu recebi um e-mail de uma turma falando que iria pedir

uma turma de curso de férias para MEC II. Aí, eu disse: “se eu perder

agora, pode me colocar na lista.” E o pessoal falou: “e o professor?”

Melhor que seja o professor Denis: se eu pudesse sugerir, seria ele com

certeza, mas aí... o pessoal quis me matar (DIS09, em entrevista

realizada em 13/11/2019, grifos nossos).

Essa declaração pode explicar o porquê das desistências das turmas do professor

titular serem elevadas ainda durante o período letivo regular. Neste caso, após 2018.1, a

oferta do curso especial não foi possível, pois a avaliação da Coordenação junto a Gestão

de Ensino verificou que não havia necessidade, uma vez que a demanda de alunos era

compatível com a oferta de turmas no semestre regular.

O outro ponto a ser comparado entre as turmas do titular e do professor substituto

é a relação de aprovados versus reprovados. Em números percentuais, os discentes

aprovados na turma ministrada pelo professor substituto é quase o dobro dos resultados das

turmas do titular. Estes números revelaram fatores como: o nível de exigência nas

avaliações elaboradas pelo professor titular foi maior do que a do professor substituto; os

discentes chegaram em MEC II com baixo nível de conhecimento em conteúdos que

deveriam ser apreendidos em MEC I, além de conteúdos das físicas, cálculos, geometria

analítica e desenho técnico. Esta última argumentação foi extraída do relatório do professor

Denis Petrucci (Anexo II), que destacou os resultados de 2019.2, mas que serve para todos

os semestres anteriores àqueles sob análise.

A primeira etapa da mecânica dos sólidos na grade curricular do BCET também é

uma componente que representa alto grau de dificuldade para os discentes, pois, assim como

MEC II, exige todo o conhecimento que deveria ser adquirido anteriormente, além da

capacidade de imaginar soluções, analisar forças e resolver problemas em engenharia. Sendo

assim, suponho que MEC I, por ser uma componente de conteúdos cumulativos e complexos,

também como MEC II, teria os seus resultados com altas taxas de reprovação dos discentes

regularmente matriculados. No sentido de verificar esta proposição, fiz o levantamento das

turmas referentes aos semestres 2017.2, 2018.2 e 2019.1 para observar o comportamento de

aprovações versus reprovações em MEC I, em comparação com MEC II.

Tabela 5 – Resultados referentes às turmas de MEC I em 2017.2, 2018.2 e 2019.1

2017.2

Turma

Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 52 00 – 42 80,7% 10 19,2%

T02 47 00 – 41 87,2% 06 12,7%

251

2018.2

Turma

Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 14 02 14,2% 09 64,2% 03 21,4%

T02 26 00 – 21 80,7% 05 19,2%

T03 37 01 2% 22 59,4% 14 37,8%

2019.1

Turma

Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 55 04 7,2% 37 67,2% 14 25,4%

T02 41 04 9,7% 28 68,2% 09 21,9%

Com vistas a estes números e comparando as taxas de aprovação de MEC II,

apresentadas na Tabela 5, com as de MEC I, estas chegam quase ao dobro daquelas. Estes

resultados têm o lado positivo das aprovações, o que significaria que os discentes em MEC

I evoluíram em suas espirais do conhecimento em engenharia e, ao chegar em MEC II, não

teriam grandes dificuldades. Porém, não é isto o que acontece, os alunos chegam na segunda

etapa da mecânica dos sólidos declarando abertamente que “não sabem” os conteúdos de

MEC I, como no exemplo do relato abaixo:

A minha dificuldade é o entendimento de coisas básicas de MEC I, coisas

básicas de Resistência de Materiais. Isso me dificulta um pouco na hora de

desenvolver aquela questão, de responder o que o professor está pedindo

(DIS09, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos nossos).

Segundo o relato do professor Denis Petrucci, quando eram dois professores

titulares que ministravam as mecânicas dos sólidos, os discentes ficavam retidos em MEC

I: “nesta época, o problema era MEC I”, afirmou ele, “quem passava, chegava pronto em

MEC II”. Por isto, aquela declaração, “talvez a solução seria eu dar MEC I novamente para

eles”, quando o professor especulou uma possível solução para os discentes que repetem

MEC II sucessivamente.

b. Panorama de condições de trabalho do professor substituto.

A culpa pelo baixo nível de conhecimento dos discentes seria mesmo do professor

substituto? Além da turma T04 de MEC II, no mesmo semestre 2018.1, o professor

substituto ministrou as aulas da turma T03 de Desenho Técnico, com 24 estudantes, e as

turmas T02 e T03 de MEC I, com 57 e 23 estudantes, respectivamente. Isso totaliza 163

alunos, 19 horas de carga horária semanal efetiva em sala aula, com três conteúdos

diferentes, responsabilizados a um profissional recém-formado em um bacharelado, sem

252

experiência docente anterior, sem formação ou qualquer forma de apoio pedagógico por

parte da UFRB. Este é um exemplo do panorama das condições de trabalho impostas a um

docente substituto, não só na UFRB, mas na maioria das universidades nas quais são

mínimos os investimentos no corpo docente: neste sistema não há como apontar culpados.

c. Análise sobre os resultados das componentes com e sem a inserção do grafismo.

Do mesmo modo que no item a, começo analisando as desistências de MEC II

durante os referidos semestres da Tabela 6. A estratégia de ensinagem foi inserida na

metodologia da componente em 2019.2 e comparando os seus índices de desistências com

os dos semestres anteriores, aquele apresentou números muito superiores em relação aos

demais. Por exemplo, a T02 de 2018.2 teve 37,7% de desistências, a T02 de 2019.1 com o

resultado de 33,3%, em face dos 52,3% de discentes desistentes em 2019.2. Grosso modo,

2019.2 teve quase o dobro das desistências em relação as demais.

Tabela 6 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.2, 2019.1 e 2.

2018.2

Turma

Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 60 09 15% 29 48,3% 22 36,6%

T02 53 20 37,7% 16 30,1% 17 32%

2019.1

Turma

Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 47 10 21,2% 13 27,6% 24 51,1%

T02 60 20 33,3% 23 38,3% 17 28,3%

2019.2

Turma

Matriculados

inicialmente Desistências Aprovados Reprovados

T01 44 19 43,2% 13 29,5% 12 27,2%

T02 44 23 52,3% 13 29,5% 8 18,1%

Segundo o relatório do professor Denis Petrucci, esta “grande evasão” se deve a

uma lista de alunos interessados no curso em caráter especial que circulou nas redes

sociais antes mesmo da primeira avaliação. A cada semestre letivo, existe um período de

trancamento de matrículas de componentes regulamentado pela instituição. Este

dispositivo permite aos alunos evitarem que as suas “possíveis” médias finais baixas ou

reprovações entrem no cálculo dos seus escores, bem como fiquem registradas nos seus

históricos escolares.

253

Na primeira vez que eu peguei MEC II, eu tirei zero nas duas provas. Neste

semestre, eu já tirei zero na primeira e a segunda prova... não sei... mesmo

assim, já entrei na lista do curso de férias (DIS11, em entrevista

realizada em 13/11/2019, grifos nossos).

O comentário do discente acima foi mais um que confirmou a existência da lista de

interessados no “curso de férias”. Além disto, este discente chamou atenção desta pesquisadora,

porque foi o único inscrito no grupo de amostragem que participou apenas das entrevistas do

primeiro ciclo de ação da pesquisa. Busquei informações sobre a turma que pertencia através

do SIGAA e verifiquei que ele trancou a matrícula da componente no período regulamentado

pela UFRB. Fato que ratificou a justificativa do professor Denis Petrucci sobre motivos dos

altos índices de evasão nas duas turmas do semestre 2019.2.

Na comparação da relação aprovados versus reprovados, novamente as turmas do

semestre 2019.2, apresentou resultados negativos para a verificação da estratégia de

ensinagem. Porém, antes de qualquer juízo, devo ressaltar que estes resultados foram

determinados pelas altas taxas de desistências que ocorreram no período, quando, até o final

do semestre, freqüentaram, apenas, 25 alunos da T01 e 21 estudantes da T2 dos 44

inicialmente matriculados em cada uma destas turmas.

Como analiso estes resultados?

Conforme a verificação das variáveis das hipóteses formuladas sobre a aplicação

da estratégia de ensinagem, aqui anteriormente apresentadas, exceto a relação do grafismo

com o acesso às videoaulas, as demais foram aprovadas a partir do confronto da percepção

do docente e dos discentes com os fundamentos teóricos desta tese. Dos 15 discentes

pertencentes da amostragem, que participaram das atividades e fizeram todas as avaliações

da componente, 8 alunos apresentaram evolução nas notas durante o processo e ainda foram

aprovados na componente, número que equivale a 53% desta parte do grupo de amostragem.

A verificação da efetividade do grafismo enquanto estratégia de ensinagem obteve

44,4% de aprovação, quando considerei o mesmo método de avaliação dos resultados das

turmas universo, isto é, quando analisei a partir dos seguintes critérios: pelo número total

de alunos inicialmente matriculados, o que corresponde ao número de inscritos no grupo de

amostragem; pelo número de desistências, que são contabilizados pelos discentes que

trancaram a matrícula da componente ou aqueles que perderam por faltas, ou seja, no grupo

de amostragem, os dois discentes que não fizeram todas as avaliações, mas participaram

dos dois ciclos de ação da pesquisa e o discente que participou apenas de uma sessão de

entrevistas e após a sua segunda avaliação na componente trancou a matrícula; pela relação

254

de alunos aprovados versus reprovados. Esta porcentagem foi maior apenas que a T01 de

2018.2, quando aprovou 48,3% dos discentes. Se voltar um pouco na linha do tempo e

considerar o semestre 2018.1, que foi avaliado no item a, os números do grupo de

amostragem perdem também para os 54,7% de discentes aprovados na T03, que foi

ministrada pelo professor Denis Petrucci.

A estratégia de ensinagem grafismo, quando foi aplicada aos discentes de MEC II

no semestre 2019.2, não atingiu a expectativa de 70% de aprovação em seus resultados.

Quando comparados com os semestres anteriores, que não tiveram a inserção da estratégia

nas suas metodologias no planejamento de ensino e aprendizagem, os resultados em

números percentuais se mantiveram na média. Portanto, à luz dos números frios, a

verificação do grafismo não obteve resultados positivos, pois não elevou os índices de

sucesso das turmas universo da pesquisa-ação.

No entanto, esta análise está ancorada na perspectiva da teoria dialética, onde o

fenômeno social é dinâmico e sua realidade é representada pelas relações entre as suas

partes. Ensino e aprendizagem é um fenômeno social e historicamente dinâmico, a sua

realidade deve ser representada pelas suas relações mútuas e infinitas entre professores,

alunos e instituição da sociedade que pertencem. Sendo assim, no sentido de finalizar esta

análise sobre os resultados das médias finais do grupo universo e dos discentes participantes

da amostragem da pesquisa-ação, destaco, novamente, a última frase de um comentário do

docente participante, que representa, em poucas palavras, o resultado desta pesquisa:

Estou recebendo e-mails de estudantes agradecendo, não por

passar, mas por ensinar a pensar e a estudar (DOC, em e-mail

recebido em 22 de dezembro de 2019, grifos meus).

255

8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

A gênese desta pesquisa se deu a partir da dificuldade que os discentes do

bacharelado de ciências exatas e tecnológicas, curso que constitui o primeiro ciclo de

formação das engenharias na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, apresentavam

para imaginar os novos conteúdos curriculares. Esta dificuldade impede o estudante de

visualizar mentalmente as articulações e associações – ocorridas entre o raciocínio lógico,

criatividade, subjetividade e memória – das novas informações apresentadas pelos

professores em sala de aula. Em consequência disso, estes discentes apresentam

dificuldades de entendimento e construção do conhecimento dos conteúdos curriculares

expostos em sala de aula.

A partir das dificuldades apresentadas, a proposta de implementação e aplicação da

técnica de estudo do grafismo, como uma estratégia de ensino e aprendizagem sob os

princípios da ensinagem para estes discentes, foi elaborada com o objetivo de lhes auxiliar

enquanto um instrumento para a visualização e organização gráfica dos novos conteúdos,

direcionar os seus pensamentos para o aprendizado e estimular o exercício de suas

imaginações. Estes fatores ocorreram como resultados da aplicação da prática da sua

execução, porque além desta técnica consistir no ato de grafar, isto é, de registrar,

graficamente, os elementos dos conteúdos enquanto o aprendente estuda, fora sistematizada

a partir dos fundamentos da teoria e metodologia da dialética do conhecimento.

8.1. A IMPORTÂNCIA DA APLICAÇÃO DO GRAFISMO ENQUANTO

ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM

Planejei a base empírica desta investigação a partir da metodologia da pesquisa-

ação e realizei a verificação da aplicação do grafismo enquanto uma estratégia de ensino e

aprendizagem sob os princípios da ensinagem através da componente curricular mecânica

dos sólidos II do BCET. Dentre outros, três foram os fatores que deram relevo à importância

desta investigação, a seguir explanados.

O primeiro foi a elaboração, fundamentação, implementação, aplicação e

verificação de uma técnica de estudo, a qual teve como principal efeito mobilizar, motivar

e direcionar o primordial e principal motor do processo de ensino e aprendizagem: o

256

movimento do pensamento, da imaginação do estudante, para o aprendizado. A importância

do grafismo está no fato de sua aplicação ser uma estratégia do professor ensinar o aluno a

pensar, imaginar para apreender.

O segundo fator emergiu a partir da escolha da componente curricular, a qual foi

implementada a estratégia de ensinagem grafismo. Mecânica dos Sólidos II é uma disciplina

que mundial e historicamente apresenta uma decorrente necessidade de encontrar caminhos

didáticos para auxiliar docentes e discentes a superarem as dificuldades impostas pelo seu

alto grau de complexidade de conhecimento de seus conteúdos e saírem juntos do penoso

ciclo de reprovações. Por ter sido implementada a partir dos fundamentos teóricos e práticos

dos processos de ensinagem, os quais trazem o caráter de relevância social na prática de

ensino, a aplicação desta estratégia de ensino e aprendizagem obteve resultados que vão

muito além do número de discentes aprovados na componente. O grafismo aplicado em

MEC II, no final da pesquisa-ação no semestre letivo 2019.2, demonstrou que a união

consensual entre alunos e professor, pela superação das dificuldades impostas pela

aquisição do conhecimento dos conteúdos, é o primeiro passo a ser tomado no processo de

ensino e aprendizado.

O terceiro fator que deu relevo na importância da aplicação do grafismo enquanto

estratégia de ensinagem aos discentes de uma componente pertencente ao centro de ensino

ciências exatas e tecnológicas da UFRB foi a comunhão de interesses entre esta

pesquisadora e o próprio centro acadêmico, que busca uma estratégia de enfrentamento aos

altos índices de reprovação e evasão dos nossos discentes. O grafismo foi elaborado com a

expectativa de projeto futuro e, quando da sua implementação e verificação em 2019.2,

recebeu as atenções e comentários que extrapolaram os limites das turmas as quais foi

aplicado. Os seus resultados se tornaram reflexões, críticas e autocríticas, até que se

transformaram num Projeto de Ensino e Aprendizagem para o BCET.

8.2. O PROJETO FUTURO

O desenho do projeto de ensino seguirá os mesmos princípios teóricos e práticos

do que foi aplicado durante esta pesquisa de doutoramento pelo DMMDC/UFBA. A

principal diferença do projeto futuro é que neste pretendo aplicar a estratégia de ensinagem

grafismo desde o primeiro semestre letivo do BCET, pois suponho que ao ensinarmos os

discentes a pensar, a imaginar para apreender, logo no início do curso, conseguiremos

prevenir que os discentes, ao menos grande parte deles, entrem no ciclo das sucessivas

257

reprovações. Desta maneira, estancaríamos também o sangramento das suas mais diversas

consequências, como por exemplo: autocrítica, culpa e desmotivação por parte dos

docentes; e auto pressão psicológica, diminuição da autoestima, ansiedade e pânico de

avaliações pelos estudantes.

Ademais, diferente da experiência com a presente pesquisa, pretendo conquistar a

adesão da maioria dos meus colegas docentes; adaptar, implementar e aplicar esta estratégia

de ensinagem grafismo em boa parte das componentes curriculares do BCET; transcorrer

com a pesquisa-ação e as suas devidas coletas de dados pelo menos por quatro períodos

letivos, os quais seriam os próprios ciclos da pesquisa; e propor, a partir dos resultados

estabelecidos pela implementação do grafismo, a elaboração e implementação de outras

estratégias de ensino e aprendizagem, além de promover a organização de um planejamento

de ensino e aprendizagem do curso de forma articulada entre componentes curriculares e

seus docentes titulares.

Aqueles docentes que ministram as componentes dos períodos iniciais do BCET

que não puderem aderir ao projeto, mesmo não participando efetivamente, terão suas turmas

também como fontes de coleta de dados. Pois elas servirão como turmas de referência da

não aplicação do grafismo como estratégia de ensinagem. Conforme o professor Ponczek

nomeou, estas turmas serão as turmas placebo da pesquisa. E vale observar, terão um papel

fundamental para a compreensão sobre os resultados da execução do projeto pois indicarão,

por meio da comparação com as turmas as quais serão aplicadas a técnica, se o grafismo de

fato auxilia os aprendentes na evolução das suas espirais do conhecimento e os levam a

aprovação final nas componentes curriculares do curso.

8.3. A VISÃO CRÍTICA SOBRE A PESQUISA-AÇÃO

As propostas idealizadas para o futuro Projeto de Ensino e Aprendizagem para o

BCET emergiram da percepção, reflexão e visão crítica que obtive durante a pesquisa-ação

aplicada aos discentes de MEC II em 2019.2. Alguns aspectos do desenho metodológico

desta pesquisa foram determinantes na produção dos seus resultados. Dentre eles, alguns

somaram e outros se tornaram obstáculos para que a aplicação do grafismo, enquanto uma

estratégia de ensinagem, obtivesse uma efetivação de caráter 100% positivo. Porém, a partir

do ponto de vista que a realização desta pesquisa foi um projeto piloto, entendo que todos

estes fatores, pela experiência obtida e reflexão que promoveram, se tornaram elementos

para ajustes e futuras melhorias. A seguir, explico quais são eles.

258

(1) A pesquisa-ação sobre a aplicação da técnica de estudos grafismo, enquanto

uma estratégia de ensinagem, deve ser iniciada nas componentes curriculares possíveis

desde o primeiro período letivo do BCET, pois 50% dos ingressos da UFRB são oriundos

da rede pública de ensino – com seus contextos histórico-sociais, étnico-culturais, do

Recôncavo e do interior do estado da Bahia – chegaram na universidade com o baixo nível

de conhecimento nas matérias basilares e fundamentais, distante do ideal para o bom

desempenho no curso, e apresentam dificuldade de visualização mental dos novos

conteúdos expostos em sala de aula e, em consequência disto, demonstram dificuldades na

apreensão do conhecimento.

Considerando que a verificação da aplicação do grafismo aos alunos de MEC II

demonstrou que esta técnica, durante a sua execução:

• se torna um instrumento de ilustração, visualização, organização do pensamento,

da imaginação para a aquisição do conhecimento;

• registrando no papel os objetos do conhecimento – no caso de MEC II, os

aspectos dos problemas em engenharia –, o aprendente ilustra os elementos

constituintes deste objeto para o seu pensamento, permite que o seu pensamento

adentre, visualize e realize um détour orientado entre a síncrese e a síntese

mediada pela análise do próprio pensamento (KOSIK, 1969; SAVIANI, 1999;

ANASTASIOU, 2009);

• o ato de levar os conteúdos do pensamento para o papel e do papel para o

pensamento durante a construção e ascensão da espiral do conhecimento é um

exercício de estímulo à sua imaginação;

• e constante prática, o estudante aprende e se habitua a pensar para apreender.

Vale observar que quando elaborei o projeto desta pesquisa, ainda na fase imatura

da construção, a componente MEC II já era o corpus objetivo para a aplicação do grafismo

como estratégia de ensino e aprendizagem. Este fato se deu pelos motivos já relatados

anteriormente bem como pela proximidade com o docente titular da componente – o

professor Denis Petrucci pertence a mesma Área de Conhecimento do CETEC/ UFRB a

qual faço parte e sempre nas reuniões deste grupo colegiado, ele apresenta os problemas

que enfrenta na condução de suas turmas. As componentes de ensino dos primeiros períodos

curriculares do BCET também estavam nos planos para a implementação, sobretudo as

físicas. No entanto, no período que busquei parcerias no Centro de Ensino, não encontrei

259

colegas que pudessem colaborar com a pesquisa. Por isto o trabalho foi executando apenas

com MEC II.

Assim, percebi que o fato desta investigação ter sido realizada apenas através da

componente MEC II, localizada no quinto semestre da grade curricular do BCET , levou

aos resultados alguns elementos que impediram o 100% do aproveitamento da técnica de

estudos grafismo, por exemplo, neste período do curso, aqueles discentes que chegaram na

universidade com baixo nível de conhecimento nos conteúdos fundamentais, ao invés da

ascensão da espiral do conhecimento, acumularam um histórico de dificuldades,

reprovações, pressão psicológica e ansiedade. Devido a estes fatores, boa parte dos

estudantes terminam por buscar passar nas componentes curriculares e, em alguns casos,

não conseguem enxergar ao menos a importância da tentativa da dedicação ao apreender os

conteúdos curriculares. Neste cenário, e ainda com a responsabilidade por uma das

componentes de ensino mais importantes para formação de engenheiros, o docente se

encontra também numa situação de pressão e desmotivação.

Mesmo em face destas dificuldades impostas pelo longo percurso curricular até

MEC II, a aplicação do grafismo como uma estratégia de ensinagem promoveu uma

pequena revolução na componente durante aquele semestre. Desde o docente titular da

componente, os alunos voluntários que participaram da coleta de dados, até aqueles que não

participaram diretamente na pesquisa, todos perceberam a diferença no desenrolar do

período letivo, sobretudo no clima de sala de aulas entre alunos e professor, confirmando o

que Anastasiou (1998, 2009) proclamou sobre a importância da soma de esforços de alunos

e professores no embate dos obstáculos para se chegar ao conhecimento. Aqueles discentes

que praticaram o grafismo em MEC II, no semestre 2019.2, perceberam o sabor pelo saber,

voltaram a sorrir e se sentiram motivados a saber mais e mais.

(2) A pesquisa-ação sobre o grafismo deve ocorrer quando for aplicado

enquanto estratégia de ensinagem nos planejamentos curriculares de ensino e

aprendizagem de forma articulada entre as componentes do núcleo de conteúdos

básicos da grade curricular do BCET e seus docentes titulares, pois mesmo que a

aplicação da técnica se inicie no primeiro período letivo do curso, se não for uma estratégia

de ensino e aprendizagem comum às componentes básicas do currículo do BCET, não obterá

os resultados esperados. “Mesmo que o modelo curricular ainda se encontre na forma

tradicional, em grade ou coleção, é possível fazer avanços, planejando-se conjuntamente,

por semestre ou ano-letivo, as possíveis integrações disciplinares”, afirma Anastasiou

(2009, p. 41).

260

O pacote de conteúdos de mecânica dos sólidos (MEC I e II) no BCET começa no

quarto período do curso. Conforme expliquei em outras oportunidades, esta componente de

ensino é uma das mais difíceis para os estudantes devido ao nível e complexidade dos

conhecimentos exigidos. Além disso, o tipo de atividade realizada pelo aprendente, durante

todo o percurso, é, basicamente, a resolução de problemas em engenharia, onde lhes são

convocados o raciocínio lógico para a análise dos fenômenos físicos e a solução de

problemas, através de cálculos matemáticos. Durante a análise dos dados levantados,

observei que, além da dificuldade de visualização da aplicação de fenômenos físicos em

modelos em 3D para a resolução dos problemas, os discentes apresentavam dificuldades na

análise dos aspectos destes problemas. Eles não conseguiam imaginar as partes do todo e

possíveis combinações, associações e articulações para soluções das questões, pois não

foram habilitados e habituados, desde as componentes de conteúdos básicos – as físicas e

os cálculos – a analisar para resolver problemas em engenharia.

Considerando que a execução do grafismo ilustra os elementos das questões,

fórmulas, variáveis e números, separa a essência do fenômeno (KOSIK, 1969), organiza as

ideias, orienta o pensamento entre a síncrese e a síntese pela análise, então as componentes

curriculares das ciências exatas mais indicadas para aplicação desta técnica são as de

conteúdos básicos. Assim, levando o aprendente a pensar, analisar, para resolver

problemas em engenharia de forma articulada e sincronizada desde as componentes iniciais,

quando chegassem em mecânica dos sólidos, certamente, eles não sentiriam estas

dificuldades e ainda não sofreriam com repetidas reprovações.

(3) A pesquisa-ação sobre a verificação da aplicação do grafismo enquanto

uma técnica de ensinagem deve ocorrer no mínimo por quatro períodos letivos. O fato

do grafismo ter sido implementado e verificado em MEC II apenas no semestre letivo

2019.2, somado ao desconhecimento da técnica e seus efeitos por parte dos discentes,

levou ao baixo número de adesão de voluntários para a participação da investigação.

Conforme relatei, anteriormente, os comentários sobre os efeitos do grafismo

extrapolaram os limites entre as turmas as quais foi aplicado, quando os próprios

participantes da pesquisa levaram a técnica para outras componentes curriculares, além

de afirmarem que manteriam a prática de estudos para o resto da vida. Caso o grafismo

fosse inserido como uma estratégia de ensinagem no planejamento de ensino de MEC II

nos períodos subsequentes, com o objetivo de verificação de seus efeitos pela pesquisa,

certamente teria um número maior de adesão de participantes, pois os relatos dos

estudantes demonstraram isto. Por exemplo, teve um discente que desistiu de seguir na

261

componente naquele semestre e ainda assim compareceu nas duas sessões dos ciclos de

entrevistas com o intuito de participar e deixar sua opinião sobre a aplicação da técnica.

No último encontro, ele ainda afirmou: “sou monitora do projeto Acolhida e quero ensinar

o grafismo para os calouros. Pois eu acho interessante, de lá (início do curso), eles

começarem a praticar o grafismo” (DIS15, em entrevista realizada em 18/12/2019). Vou

mais além, considerando os resultados da prática e a forma como estes são difundidos

pelos corredores da universidade, acredito que, após uma sequência de pesquisa-ação por

três períodos letivos, no quarto e último, os novos alunos da componente entrariam com

a expectativa de participar como voluntários. Esta é uma suposição e, por ser resultado de

uma observação e crença, se tornaria um elemento de verificação no futuro projeto.

8.4. PROPOSTAS PARA OUTRAS PESQUISAS

Pelo objetivo principal deste trabalho ter sido a implementação e verificação do

grafismo enquanto uma estratégia de ensinagem aos discentes das ciências exatas e

tecnológicas, primeiro apresentei a visão crítica e conclusiva dos aspectos metodológicos

que julguei serem determinantes nos resultados da pesquisa de base empírica. Tão

importante quanto, a pesquisa de base teórica teve o seu lugar de relevância para a

construção desta tese, bem como alguns produtos que emergiram durante o seu percurso.

São eles: a nova concepção sobre o conceito da imaginação e a fórmula elaborada para

ilustrar a concepção de uma EEnsinagem – estratégia de ensinagem.

Esta última, uma ideia que cabe verificação, os fatores objetivo, tempo e prazo

impostos à metodologia deste trabalho foram decisivos para que não ocorresse o seu

completo desenvolvimento teórico e sua experimentação.

{𝒇𝟏(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐, 𝑪𝑯𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐),𝑵𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐))

𝒇𝟐(𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆ú𝒅𝒐 + 𝑶𝑬𝑪)} → 𝑬𝑬𝒏𝒔𝒊𝒏𝒂𝒈𝒆𝒎

Sob os princípios da ensinagem, Anastasiou e Alves (2009) deram dicas sobre a

elaboração, organização e implementação de estratégias de ensino e aprendizagem que

soaram como inspiração à minha imaginação produtiva criativa. Somados a esta motivação,

os conhecimentos adquiridos sobre filosofia da educação, pedagogia e didática também me

deram subsídios para o entendimento sobre o entorno das definições de “O que ensinar?

Para que ensinar? e Para quem ensinar?”. Estas teorias, desta maneira, foram

fundamentais para a elaboração desta fórmula. Porém, vale ressaltar que não se trata de uma

fórmula mágica que boa parte dos docentes buscam para implementar estratégias de ensino

262

e aprendizagem e aplicar junto aos seus estudantes. Também não é uma solução por ad

infinitum, mas quando colocada em prática, tende a auxiliar no trabalho. Por isto, vale se

dedicar a seu estudo.

Por exemplo, devido à emergência do ensino on-line, imposto pela pandemia

COVID-19 aos espaços educacionais, muitos de nós, professores, ficamos perdidos, sem

saber como sistematizar os seus planejamentos, não sabendo sequer por onde começar a

traçar uma estratégia de ensino e aprendizagem para este novo modelo. Com base nesta

percepção e o entendimento da abrangência que este método de elaboração de estratégias

atinge, suponho que esta fórmula poderia ser uma opção factível enquanto ferramenta para

o docente em um momento como este. Levando em conta todos estes fatores, inclusive as

necessidades que são potenciais para o estudo, esta fórmula é um tema que se justifica em

si mesmo para a elaboração de proposta de investigação científica.

Estudar os motivos que levam os estudantes a apresentarem dificuldades de

visualização, de imaginação, talvez seja uma questão que jamais me seja explicada

totalmente, pois não há faculdade mental mais subjetiva que esta no ser humano. Além de

representar visualmente a própria subjetividade do estado emocional, representa a memória,

o raciocínio e discernimento dos sujeitos. Como afirmou o meu orientador, professor Dr.

Roberto Leon Ponczek: “não há como mensurar a imaginação!”.

Pois bem, além das especulações sobre as influências que as formas das

comunicações exercem sobre as produções imaginativas, a realização desta pesquisa me

apresentou dois outros motivos passíveis de execução investigativa empírica. O primeiro é

a relação entre a capacidade de imaginação dos problemas em engenharia com o

entendimento e nível de conhecimento dos estudantes sobre os fenômenos físicos .

Observei que o fato dos estudantes não conhecerem os fenômenos físicos, os leva a não

visualizarem estes fenômenos – se não conhece, não enxerga mentalmente. Esta foi uma

crença construída ao longo do meu trabalho, a qual provavelmente seria um importante

ponto de partida para uma investigação futura, onde a principal justificativa seria a reflexão

e demonstração sobre a relevância do bom ensino e da efetiva aprendizagem, por exemplo,

da física para a formação em engenharia.

Da mesma maneira que o conhecimento em física é determinante para a

visualização mental dos modelos em 3D para a aplicação dos seus fenômenos na solução de

problemas, o conhecimento pleno em matemática também é crucial para a visualização

mental das análises pelo raciocínio para as soluções através dos cálculos . Não saber

analisar para calcular foi o segundo fator que observei na causa das dificuldades de

263

visualização mental do próprio raciocínio na análise destes problemas, isto é, da elaboração

da imaginação produtiva. A matemática, na forma de suas componentes curriculares, os

cálculos (I, II, III e IV), são fundamentais ao currículo das engenharias porque são elas que

habilitam os estudantes na lógica, análise e criatividade na resolução de problemas. cálculo

não é apenas aplicação de fórmulas. Não basta levar teoremas e demonstrações matemáticas

aos discentes, eles precisam entender também como e porque usar tais fórmulas.

Anastasiou e Alves (2009) apontam que os conteúdos devem estar articulados entre

todas as componentes curriculares de um curso. Desta maneira, o que ensinar em uma

componente de conteúdos básicos terá objetivos claros para que ensinar e aplicação

específica para quem aprender, como neste exemplo em especial, apreender os teoremas

matemáticos para aplicar em solução de problemas físicos em engenharia – aprender em

cálculo para aplicar em MEC. Sendo assim, os discentes precisam saber por que conhecer

e onde aplicar o conhecimento desde o primeiro período acadêmico, assim “eles despertam

o interesse para o conhecimento”, disse a professora Anastasiou , durante o curso de

capacitação docente na UFRB em 2014. Isto só é possível se ocorrer a articulação e

comunhão entre os docentes do curso. Quer dizer, em termos práticos, é real e necessário,

basilar para a construção e evolução da espiral do conhecimento dos futuros engenheiros,

que o planejamento de ensino e aprendizagem do curso ocorra de maneira articulada entre

as componentes e seus docentes, onde o que ensinar esteja esclarecido para que ensinar e

para quem aprender. Tendo em vista estes entendimentos, então emergiu a crença: se forem

aplicadas estratégias de ensino e aprendizagem com o objetivo de análise e soluções de

problemas em engenharia nas componentes curriculares dos cálculos e físicas, diminuiria o

lapso imaginativo dos aprendentes dos cursos desta área.

Além destes temas que circundam as possibilidades de causa sobre as dificuldades

imaginativas dos nossos estudantes, esta investigação abriu um leque de estudos e

aplicações do grafismo em todas as outras áreas do conhecimento. Este estudo se localizou

nas ciências exatas e tecnológicas e, conforme expliquei, a técnica de estudos pode ser

adaptada e aplicada nas mais diversas matérias, como das ciências biológicas, da

saúde, das humanas e das ciências sociais. Todas as áreas apresentam suas dificuldades

e a aplicação do grafismo como uma estratégia de ensino e aprendizagem pode ser

também mais uma solução.

264

8.5. PARA A UFRB

Quando me debrucei na investigação sobre a história e filosofia da educação, bem

como a história do desenvolvimento da pedagogia, didática e teorias da aprendizagem,

partes apresentadas no capítulo 4 desta tese, apesar de não serem o tema central deste

trabalho, estes conhecimentos foram a presentificação para o meu ser professora.

Confirmando as afirmações de Buzzi (2012, p. 19) quando falou sobre o conhecer – o

nascimento do ser, o mostrar o objeto ao pensamento – saboreei os conhecimentos sobre a

educação aos quais tornaram a prática docente “audível e visível” para mim. Além do re-

nascer como professora, estes conhecimentos serviram para fundamentar e estruturar este

trabalho, encontrar respostas as quais abrandaram alguns questionamentos sobre o ensinar

e o apreender, acender luzes sobre alguns caminhos e indicar quais percorrer até a apreensão

do conhecimento pelos estudantes – motivo que me impulsionou até aqui – além de

esclarecer e abrir o meu campo de visão sobre a estrutura imposta historicamente às

universidades públicas brasileiras.

Dentre estas respostas e esclarecimentos, cheguei à compreensão sobre as relações

mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem entre professores, alunos e instituição e

entendi também que entre a universidade real-existente e a ideal-necessária existe um

elemento chave que se chama determinação – nas iniciativas e nas mudanças da

coletividade. Determinação de mudanças nas posturas da instituição. Determinação de fazer

o melhor para o coletivo através da boa prática do ensino. Determinação da coletividade

universitária de sair do posto do ideal-necessário para ser uma universidade real e existente

a nossa sociedade.

A UFRB tem o orgulho de ser a primeira instituição de ensino superior do Brasil a

oportunizar e garantir o total de 50% de suas vagas para estudantes provenientes das classes

menos abastadas da nossa sociedade. Este é o papel político e social das universidades

públicas para a sociedade. Porém, conforme apresentei no capítulo 5 deste trabalho, “não é

somente a garantia de vagas e as políticas públicas de permanência, é necessário garantir

condições de aprendizagem através do desenvolvimento intelectual para a formação

profissional destes projetos de vida”.

Após uma breve análise sobre as concepções de conhecimento e formas de ensino

e aprendizagem previstas no PPI, percebi que há uma inconsistência entre os meios

estabelecidos – políticas de ensino e aprendizagem – e os fins propostos pela UFRB. Na

prática, durante a experiência com a aplicação da técnica de estudos grafismo, da sua

265

essência enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem, sob os princípios da

ensinagem, estar no ensinar a apreender, aquela que até então era uma percepção sobre

uma inconsistência entre os meios e os fins propostos, tornou-se um entendimento e

conclusão sobre uma real necessidade, sobretudo no que concerne a um centro de ensino

em ciências exatas e tecnológicas.

Falta o que é de mais caro em um espaço educacional: um instrumento pedagógico

permanente em cada centro de ensino e efetivo para os docentes e discentes. Este é

fundamental para o apoio e orientação aos estudantes que chegam no ensino superior com

baixo nível de conhecimento, pois não basta ingressar no ensino superior, eles precisam

encontrar caminhos para superar as dificuldades de conhecimento, como por exemplo,

aulas com conteúdos para nivelamento, orientações sobre como apreender, apoio

psicológico, orientação acadêmica etc. Somente assim estes discentes conseguirão

acompanhar e aproveitar os novos conteúdos curriculares para dar início a evolução de

suas espirais do conhecimento no curso que ingressaram. Além do auxílio aos discentes,

uma política da instituição visando a implementação de um instrumento pedagógico

universitário – permanente e efetivo – serve para dar apoio às constantes dúvidas que

surgem na prática de ensino cotidiana, principalmente para os docentes recém

empossados, bem como para os de contrato temporário, estes que são os mais atingidos

pela falta de apoio e orientação. Além disso, o instrumento pedagógico pode promover a

formação e capacitação continuada dos seus docentes, especialmente aos bacharéis. Estes

necessitam conhecer os fundamentos sobre o conhecimento, as formas de ensino e

aprendizagem, bem como o entendimento sobre procedimentos e estratégias de ensino

para auxiliar os estudantes na construção do conhecimento.

Para ser efetiva enquanto uma universidade que “visa compartilhar e promover

conhecimento, diplomar os cidadãos e contribuir para o desenvolvimento social e

econômico do Recôncavo, do Estado e do País” (PDI/ UFRB, 2019-2030), a UFRB

necessita sair do campo ideal-necessário para se tornar real e existente. Não estou falando

em mudanças na estrutura institucional, trata-se da determinação na mudança de posturas,

de fazer o melhor através da boa prática de ensino, de se tornar uma universidade para a

coletividade e de qualificar a contribuição para a transformação da nossa sociedade.

266

8.6. A CONCLUSÃO

Mais difícil do que começar é estabelecer o ponto final de um trabalho como uma

tese de doutorado. Confesso que estas linhas, após longos quatro anos de muito estudo,

pesquisas, descobertas e re-nascimento, estão sendo as mais difíceis, pois existe aquele

sentimento que falta discutir algo a mais.

Conforme demonstrei ao longo deste capítulo, alguns fatores e aspectos deste trabalho,

ou pelos resultados que produziram ou pela reflexão que motivaram, mereceram destaque para

esta discussão conclusiva. Dentre outros que não foram listados aqui, o primeiro fator a destacar

está justamente no qual mencionei apenas no capítulo introdutório desta tese, que além de

motivador para adentrar nesta aventura que é uma investigação científica, é também inspiração

para finalizar as linhas desta tese: a busca por como ensinar para o aluno apreender.

O estudo em torno do estímulo ao exercício da imaginação, das teorias que circundam

o universo da filosofia, epistemologia, educação, pedagogia e didática, bem como a elaboração,

teorização, sistematização e implementação do grafismo enquanto estratégia de ensinagem,

toda esta movimentação intelectual e prática, tiveram esta motivação: o como ensinar para o

aluno apreender. Cada linha desta tese foi construída com esta intenção, pois não há nada mais

angustiante para um professor do que perceber, através do olhar de seus estudantes, que eles

não estão entendendo aquilo que está sendo ensinado.

Motivada por esta busca, compreendi a evolução do conceito da imaginação,

através de uma escavação pela história da filosofia e epistemologias das ciências. Cheguei

ao entendimento sobre como se aprende através da teoria e metodologia dialética do

conhecimento. Descobri por que o universo da educação ultrapassa os limites dos espaços

escolares e toma dimensão de importância política para as sociedades através da história e

filosofia da educação. Percebi como a mudança de postura em sala de aula transforma a

prática docente em uma prática social através da Ensinagem. E constatei que ensinar a

apreender é o primeiro passo do como ensinar para aprender através da verificação da

aplicação do grafismo.

Além disso, vale revelar a conclusão que o professor Roberto Ponczek chegou no final

deste trabalho: esta Tese é um produto pedagógico. Confesso que ao ouvir esta expressão,

bacharel que sou, resgatei da memória e visualizei em minha imaginação todas as trilhas que

percorri até chegar aqui e pensei, valeu à pena! Senti-me feliz por este resultado percebido por

meu orientador, porém ao mesmo tempo, veio-me a responsabilidade e compromisso de

continuar a estudar e aperfeiçoar este produto.

267

Diante a esta intensa experiência de doutoramento, talvez a mais relevante de todas

as observações, investigações e constatações que fiz, ao longo deste percurso, foi: o mais

importante saber do professor está na sua consciência e busca pelo constante aprendizado

sobre o como ensinar os seus estudantes a apreender. Pois diante o dinamismo e

transformação da humanidade, não podemos nos encerrar para o conhecimento, que

também é dinâmico e, sobretudo, transformador.

268

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Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2018.

273

APÊNDICE A. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ECLE)

para o docente

Continua...

274

275

276

277

278

279

280

281

APÊNDICE B. Questionário para seleção da amostra de discentes

Continua...

282

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285

286

287

288

289

290

APÊNDICE C. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ECLE)

para os discentes

Continua...

291

292

293

294

295

296

297

298

APÊNDICE D. Questionário aplicado aos discentes – 1º ciclo

Continua...

299

300

301

302

303

APÊNDICE E. Questionário aplicado aos discentes – 2º ciclo

Continua...

304

305

306

307

308

APÊNDICE F. Roteiro para entrevista com os discentes – 1º ciclo

Continua...

309

310

APÊNDICE G. Roteiro para entrevista com os discentes – 2º ciclo

Continua...

311

312

APÊNDICE H. Roteiro para entrevista com o docente – 1º ciclo

Continua...

313

314

APÊNDICE I. Roteiro para entrevista com o docente – 2º ciclo

Continua...

315

316

APÊNDICE J. Grafismo para compreender Aristóteles

Continua...

317

318

319

320

321

APÊNDICE K. Grafismo para entender Immanuel Kant

Continua...

322

323

324

325

APÊNDICE L. Grafismo para entender o Grafismo

Continua...

326

327

328

APÊNDICE M. Grafismo para compreender Thomas Hobbes

Continua...

329

330

331

332

APÊNDICE N. Grafismo para compreender Jean-Paul Sartre

Continua...

333

334

ANEXO I. Aplicação do grafismo desenvolvido pelo docente

Continua...

335

336

337

338

339

ANEXO II. Relatório final da componente Mecânica dos Sólidos II

elaborada pelo docente

Continua...

340

341

342

343

344

ANEXO III. Parecer consubstanciado do CEP

Continua...

345

346

347

348

349

ANEXO IV. Grafismo desenvolvido pelo DIS09

Continua...

350

351

352

ANEXO V. Grafismo desenvolvido pelo DIS13

Continua...

353

354

355

356