IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: - RI UFBA
-
Upload
khangminh22 -
Category
Documents
-
view
0 -
download
0
Transcript of IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: - RI UFBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MULTI-INSTITUCIONAL EM DIFUSÃO DO
CONHECIMENTO
LUCIANA MACIEL BOEIRA
IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE
CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
Salvador
2021
LUCIANA MACIEL BOEIRA
IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE
CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Multi-Institucional em Difusão do Conhecimento,
como requisito parcial para obtenção do título de
Doutora em Difusão do Conhecimento.
Áreas de Concentração: Modelagem da Geração e
Difusão do Conhecimento.
Linha 1 – Construção do Conhecimento: Cognição,
Linguagens e Informação.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek
Salvador
2021
SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira
Boeira, Luciana Maciel.
Imaginação e grafismo : uma estratégia de ensinagem aplicada aos discentes
de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia / Luciana Maciel Boeira. - 2021.
356 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek.
Tese (Doutorado em Difusão do Conhecimento) - Programa de Pós-
Graduação Multi-institucional em Difusão do Conhecimento, Salvador, 2021.
1. Ensino superior - Métodos de ensino. 2. Imaginação. 3. Representação
gráfica. 4. Estratégias de aprendizagem. 5. Construção do conhecimento. I.
Ponczek, Roberto Leon. II. Programa de Pós-Graduação Multi-institucional em
Difusão do Conhecimento. III. Título.
CDD 378.17 – 23. ed.
LUCIANA MACIEL BOEIRA
IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS DISCENTES DE
CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Difusão
do Conhecimento, na Universidade Federal da Bahia, à seguinte banca examinadora:
Roberto Leon Ponczek (Orientador)
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.
Docente do DMMDC na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Dante Augusto Galeffi (avaliador interno)
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.
Docente do DMMDC na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Maria de Fátima Hanaque Campos (avaliadora interno)
Doutora em História da Arte pela Universidade do Porto, Portugal.
Docente do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia.
Léa das Graças Camargos Anastasiou (avaliadora externo)
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil.
Docente do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Federal do Paraná.
Luiz Antônio Vidal de Negreiros Gomes (avaliador externo)
Doutor em Art and Design Education PhD, University of London, UL, Inglaterra.
Docente da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
Salvador, 20 de janeiro de 2021.
A
Adroaldo (in memoriam), meu pai, por ter me ensinado a sonhar.
Célia, minha mãe, por ter me ensinado a ser forte.
Bianca e Anderson, meus irmãos, por serem parte de mim.
Carlos Cortês, meu companheiro, por ter me apoiado durante a realização deste trabalho.
Denis Petrucci, por acreditar que podemos mudar para melhorar o ensino superior deste país.
E aos meus professores, por terem deixado suas marcas em minha vida.
AGRADECIMENTOS
Aos meus amigos de jornada no DMMDC, Nilvo Cassol, Antônio Ribeiro, Patrícia Leal,
Eneida Baumann, José Damião, Álvaro Uribe e Anselmo Santos: agradeço pelas ideias,
trocas de experiências e companheirismo.
Ao meu amigo de mestrado, doutorado e toda a vida, Homero Andrade: agradeço pela força,
dicas e risadas ao longo de tantos anos.
Aos professores do DMMDC, em especial, Dante Galeffi, Miguel Bordas, Félix Dias,
Hernane Borges, Hugo Saba, Eudaldo Francisco, José Garcia e José Welligton: agradeço
pelas preciosas contribuições ao meu trabalho.
Em especial ao professor José Carlos Ribeiro da FACOM/ UFBA, por suas contribuições
preciosas para o desenvolvimento deste trabalho durante o meu Exame de Qualificação.
Aos meus amigos do grupo de orientação, Cinara Bahia, Érica Silva e Cláudio Rocha:
agradeço pelo carinho.
A professora Léa Anastasiou: agradeço pela semente de inspiração do ser docente que
plantou em minha vida.
Ao meu orientador, Roberto Leon Ponczek: agradeço por muito ter me ensinado, por
compartilhar sua experiência, por me conduzir sabiamente na construção desta Tese, e
principalmente, por ter marcado a minha história acadêmica com o seu sinal, a epistemologia
ponceziana.
A Anderson Café, o amigo que o DMMDC me presenteou, não tenho palavras para expressar
tamanha gratidão! Participou de todo o processo de construção e desenvolvimento do meu
trabalho; foi ombro, ouvido, voz e imaginação que muito colaborou comigo. Eu precisaria
do infinito para lhe agradecer!
Ao meu tradutor e amigo especial, José Antônio de Melo Neto: obrigada por tudo e por todos
este anos de muita amizade.
Ao Prof. Denis Petrucci: muito obrigada! Sem a sua colaboração, jamais teria realizado este
trabalho.
Ao Carlos Cortês, também não existem palavras que expressem o meu agradecimento por sua
dedicação diária, não só em apoiar, mas também por trabalhar para a realização desta Tese.
Aos meus amigos e amigas, Claudia Campos, Christiane Guimarães, Thais Majdalane, Fábio
Sampaio, Everton Santana, Ilka Majdalane, Eneida Campos, Larisse Freitas, Léia Souza,
Paulo Nascimento e Karina Kodel.
Agradeço aos meus sobrinhos e enteados, aos meus irmãos, a José Ailton e, em especial, a
minha mãe e meu pai, pois foi a vossa dedicação e trabalho que me trouxeram até aqui.
“ O pensamento lógico pode levar você de A a B, mas a
imaginação te leva a qualquer parte do Universo. ”
Albert Einstein,
Físico Alemão.
BOEIRA, Luciana Maciel. Imaginação e Grafismo: uma estratégia de Ensinagem aplicada
aos discentes de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia. Orientador: Roberto Leon Ponczek. 356f.: il. 2021. Tese (Doutorado Multi-
institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2021.
RESUMO
O exercício da imaginação é fundamental para a construção do conhecimento e concepção de
mundo pelo homem. Sob esta ótica, observou-se a constante apresentação de dificuldades de
imaginação pelos estudantes e, consequentemente, de compreensão dos conteúdos curriculares
apresentados em sala de aula. Em vista disto, elaborou-se, teorizou-se e sistematizou-se uma
técnica de estudos, o grafismo, com a finalidade de servir como uma ferramenta cognitiva para
auxiliar os estudantes na visualização, organização, direcionamento e estímulo ao exercício da
imaginação para a aquisição do conhecimento. Aplicar e verificar o grafismo enquanto uma
estratégia de ensino e aprendizagem, este foi o principal objetivo desta investigação a qual foi
realizada com a participação do docente e dos discentes de duas turmas da componente
curricular Mecânica dos Sólidos II do Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnológicas da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia durante o segundo semestre letivo de 2019.
Através da abordagem qualitativa e de natureza aplicada, este trabalho empregou os
procedimentos da pesquisa bibliográfica e documental para o desenvolvimento da sua base
teórica. Para a base empírica, entrevistas e questionários foram utilizados sob os aspectos e
técnicas da Pesquisa-Ação Colaborativa. Os conceitos da Teoria e Metodologia Dialética do
Conhecimento fundamentaram a sistematização e execução do grafismo e sua implementação
enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem seguiu os princípios da Ensinagem. Após a
verificação e análise dos dados coletados, através de dois ciclos de ação da pesquisa, constatou-
se que a execução do grafismo pelos estudantes durante o processo de aquisição do
conhecimento e resolução de problemas em engenharia: (1) auxilia e promove a superação da
escuridão cognitiva através da ilustração, visualização e organização gráfica dos elementos do
objeto do conhecimento; (2) direciona o movimento do pensamento; (3) auxilia na ascensão
do conhecimento e estimula o exercício da imaginação. Ao tratar da aplicação do grafismo
enquanto estratégia de Ensinagem, verificou-se que a consciência do aprendizado pelos
alunos lhes levou ao sabor pelo saber, estimulando assim o desenvolvimento das suas
autonomias intelectuais. Os resultados indicaram que dos 50% dos alunos que concluíram
todas as atividades durante o semestre, 29,5% evoluíram em notas durante o período e
obtiveram a aprovação no final. No caso do grupo de amostragem, dos 18 voluntários, 15
discentes participaram de todas as atividades e fizeram as três avaliações da componente.
Destes, 8 alunos apresentaram expressiva evolução nas notas durante o processo e foram
aprovados na componente, o que equivale a 53% do grupo de amostragem. Para além destas
verificações e resultados, a aplicação do grafismo enquanto uma estratégia de Ensinagem
aos discentes das Ciências Exatas e Tecnológicas, tomou o corpo de um produto
pedagógico, pois, a partir da concepção de que pensar é imaginar, validou o entendimento
que ensinar o aprendente a aprender é ensinar a imaginar para apreender.
Palavras-chave: 1. Ensino superior - Métodos de ensino. 2. Imaginação. 3. Representação
gráfica. 4. Estratégias de aprendizagem. 5. Construção do conhecimento.
BOEIRA, Luciana Maciel. Imagination and Graphism: a Ensinagem strategy applied to
students of Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia. Advison: Roberto Leon Ponczek. 356f.: il. 2021. Thesis (Doutorado Multi-institucional
e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2021.
ABSTRACT
The exercise of imagination is fundamental for the construction of knowledge and the
conception of world by the human beings. From this perspective, there was a constant
presentation of difficulties in imagination by the students and, consequently, of understanding
the subjects from the curriculum presented in the classroom. In view of this, it was elaborated
and theorized a study technique, the graphism, that has been systematized in order to serve as
a cognitive tool to assist students in visualizing, organizing, directing and encouraging the
exercise of imagination in the acquisition of knowledge. Applying and checking the graphism
as a teaching and learning strategy was the main objective of this investigation which was
carried out with the participation of the teacher and students of two classes of the Solids
Mechanics II curriculum component of the Bachelor in Technological and Exact Sciences of
Federal University of Reconcavo of Bahia during the second semester, in 2019. Through the
qualitative and applied approach, this work used the procedures of bibliographic and
documentary research for the development of its theoretical basis. For the empirical basis,
interviews and questionnaires were used the aspects and techniques of Collaborative Action
Research. Theory and Methodology concepts Dialectic of Knowledge supported the
systematization and execution of the graphism and its implementation as a teaching and
learning strategy followed the principles of Ensinagem. After the verification and analysis of
the collected data, through two cycles of research action, it was found that the execution of the
graphism by students during the process of acquisition of knowledge and problem solving in
engineering: (1) assists and promotes the overcoming of the cognitive darkness through
illustration, visualization and graphic organization of the elements of the knowledge object; (2)
directs the movement of thought; (3) helps in the rise of knowledge and stimulates the exercise
of imagination. When dealing with application of the graphism as Ensinagem strategy, it was
found that awareness learning by students led them to knowledge, thus stimulating the
development of their intellectual autonomies. The results indicated that 50% of the students
who completed all activities during the semester, 29.5% evolved in grades during the period
and obtained approval at the end. In356 the case of the group of the 18 volunteers, 15 students
participated in all activities and did the three component evaluations. Of these, 8 students
showed a significant evolution in grades during the process and were approved in the
component, which is equivalent to 53% of the group sampling. In addition to these checks and
results, the application of the graphism as Ensinagem strategy for students of Technological
and Exacts Sciences turn into a pedagogical product, because, from the conception that thinking
is imagine, it was validated the understanding that teaching the learner to learn is teaching to
learn through the imagination.
Keywords: 1.Higher education - Teaching methods. 2. Imagination. 3. Graphic Representation.
4. Learning strategies. 5. Construction of knowledge.
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1 – Estudando Aristóteles: síncrese a síntese ............................................................. 118
Figura 2 – Estudando Aristóteles 2 ........................................................................................ 119
Figura 3 – Grafismo descritivo ............................................................................................... 122
Figura 4 – Grafismo passo-a-passo ........................................................................................ 123
Figura 5 – Entendendo Kant ................................................................................................... 127
Figura 6 – Grafismo nas formas de texto e mapa conceitual.................................................. 129
Figura 7 – Grafismo na forma de mapa conceitual e desenho................................................ 130
Figura 8 – Estudando tensão ................................................................................................... 140
Figura 9 – Torção em um eixo................................................................................................ 142
Figura 10 – Destaque “a” Figura 09 ....................................................................................... 143
Figura 11 – Destaque “b” Figura 9 ........................................................................................ 143
Figura 12 – Enunciado e construção do diagrama do corpo livre. ......................................... 187
Figura 13 – Apresentação das equações de equilíbrio e cálculo das reações de apoio. ......... 188
Figura 14 – Modelo teórico para a construção das expressões dos esforços. ......................... 189
Figura 15 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços normais. 190
Figura 16 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços cortantes.
................................................................................................................................................ 190
Figura 17 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos momentos fletores.
................................................................................................................................................ 191
Figura 18 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS09 (Anexo IV) para solução do
problema proposto na Figura 12. ............................................................................................ 192
Figura 19 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS13 (Anexo V) para solução do
problema proposto na Figura 12. ............................................................................................ 193
Figura 20 – Evolução de notas com o uso do grafismo. ......................................................... 246
LISTAS DE QUADROS
Quadro 1 – Comparativo entre tendências pedagógicas ......................................................... 108
Quadro 2 – Conceitos pedagógicos norteadores da UFRB e do BCET ................................. 112
Quadro 3 – Relação de turmas ofertadas pelo CETEC em 2019.2......................................... 158
LISTAS DE TABELAS
Tabela 1 – Relação entre as médias de MEC I e o número de repetências em MEC II. ........ 207
Tabela 2 – Notas dos discentes inéditos de MEC II, em 2019.2. ........................................... 207
Tabela 3– Resultados dos semestre letivo 2019.2 .................................................................. 245
Tabela 4 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.1. ....................................... 249
Tabela 5 – Resultados referentes às turmas de MEC I em 2017.2, 2018.2 e 2019.1 ............. 250
Tabela 6 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.2, 2019.1 e 2. .................... 252
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 17
1.1. O DELINEAR DE UMA TESE .............................................................................. 19
1.1.1. O problema da pesquisa ........................................................................ 21 1.1.2. A proposta ............................................................................................ 22
1.2. OBJETIVOS ............................................................................................................ 29
1.3. HIPÓTESES ............................................................................................................ 30
1.4. JUSTIFICATIVA .................................................................................................... 30
1.5. ESTRUTURA DA TESE ........................................................................................ 32
2. IMAGINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ....................................... 35
2.1. LINHA DO TEMPO: O CONCEITO DA IMAGINAÇÃO AO LONGO DA
HISTÓRIA ........................................................................................................................ 36
2.2. A IMAGINAÇÃO DO SÉCULO XXI ..................................................................... 41
2.2.1. Das confabulações ................................................................................ 41 2.2.2. A Imaginação ....................................................................................... 43
3. IMAGINAÇÃO E CONHECIMENTO ........................................................................... 49
3.1. CONHECER: NASCER JUNTO ............................................................................. 49
3.2. O CONHECIMENTO DOS ESPAÇOS EDUCACIONAIS .................................... 50
3.2.1. Diferença entre retenção e elucidação ................................................... 53
3.3. COMO SE APRENDE ............................................................................................. 55
3.3.1. Teoria e metodologia dialética do conhecimento e a imaginação ........... 56
3.4. APRENDER A PENSAR PARA CONHECER .................................................... 59
3.4.1. Direcionando o pensamento: o como se pensa ....................................... 60 3.4.2. Desenvolvendo a autonomia intelectual ................................................ 61
3.5. ASCENÇÃO DO CONHECIMENTO PELO PENSAMENTO ........................... 61
3.5.1. A visualização e organização do pensamento ........................................ 63
4. ENSINO, APRENDIZAGEM E IMAGINAÇÃO .......................................................... 65
4.1. DA HISTÓRIA ÀS TEORIAS NO BRASIL ........................................................ 65
4.1.1. Aspectos da História ............................................................................. 65 4.1.2. Às teorias ............................................................................................. 70
4.1.3. No Brasil .............................................................................................. 78
4.2. COMO SE ENSINA, COMO SE APRENDE E A IMAGINAÇÃO .................... 83
4.2.1. Como se ensina ..................................................................................... 83 4.2.2. Como se aprende .................................................................................. 89 4.2.3. Ensinar para imaginar uma transformação ............................................ 91
5. ENSINAGEM, ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM,
GRAFISMO ............................................................................................................................. 94
5.1. ENSINAGEM ......................................................................................................... 94
5.1.1. Um neologismo? ................................................................................... 94 5.1.2. A expressão: {(Professor + Alunos) x Conhecimento} =
Aprendizagem ................................................................................................. 95
5.1.3. Do dar aula à ensinagem ....................................................................... 97 5.1.4. Ensinagem: uma prática social .............................................................. 99
5.2. PROCEDIMENTOS E ESTRATÉGIAS DE ENSINAGEM ............................. 104
5.2.1. Do método ao procedimento de ensino ................................................ 104 5.2.2. Das teorias, procedimentos e seus fins ................................................ 107 5.2.3. Estratégias de ensinagem .................................................................... 109
5.3. O GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AO
ENSINO SUPERIOR ..................................................................................................... 117
5.3.1. O que é grafismo? ............................................................................... 117 5.3.2. Aprender a imaginar graficamente para conhecer ................................ 123
5.3.3. Qual o objetivo da técnica de estudos grafismo? ................................. 132
5.3.4. Grafismo na prática: estimulando a imaginação. ................................ 136 5.3.5. Qual o objetivo do uso do grafismo enquanto uma estratégia de
ensinagem? .................................................................................................... 144
6. IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: OS CAMINHOS PARA A
IMPLEMENTAÇÃO E A AVALIAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE
ENSINAGEM ........................................................................................................................ 149
6.1. O PROBLEMA, AS HIPÓTESES E SUAS VARIÁVEIS ................................. 149
6.2. O LÓCUS, O AMBIENTE E OS SUJEITOS DA PESQUISA ............................. 151
6.2.1. Um breve panorama do Bacharelado em Ciências Exatas e
Tecnológicas, o BCET e da componente Mecânica dos Sólidos ..................... 152
6.2.2. O corpo docente .................................................................................. 156 6.2.3. O corpo discente ................................................................................. 164
6.3. PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................ 171
6.3.1. Da natureza, abordagem, técnicas e procedimentos ............................. 171 6.3.2. Instrumentos da pesquisa e procedimentos de coleta de dados ............ 177 6.3.3. A descrição e análise de dados ............................................................ 181
7. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................... 185
7.1. O GRAFISMO ....................................................................................................... 186
7.1.1. Grafismo aplicado a Mecânica dos Sólidos ......................................... 186 7.1.2. Da escuridão à luz cognitiva ............................................................... 193
7.1.3. Visualização e organização das ideias ................................................. 200 7.1.4. Direcionamento do pensamento .......................................................... 212 7.1.5. Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação ........................... 217 7.1.6. Grafismo, autonomia de estudos e acesso às videoaulas ...................... 222
7.2. O GRAFISMO COMO UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA
AOS DISCENTES DE MECÂNICA DOS SÓLIDOS II ............................................... 227
7.2.1. Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta ............................ 229
7.2.2. Autonomia intelectual ......................................................................... 238
7.3. RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES .................................................................. 244
8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES .............................................. 255
8.1. A IMPORTÂNCIA DA APLICAÇÃO DO GRAFISMO ENQUANTO
ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM ................................................................................... 255
8.2. O PROJETO FUTURO .......................................................................................... 256
8.3. A VISÃO CRÍTICA SOBRE A PESQUISA-AÇÃO ............................................ 257
8.4. PROPOSTAS PARA OUTRAS PESQUISAS ...................................................... 261
8.5. PARA A UFRB ...................................................................................................... 264
8.6. A CONCLUSÃO ................................................................................................... 266
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................ 268
APÊNDICE A. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ECLE) para o docente ....... 273
APÊNDICE B. Questionário para seleção da amostra de discentes ...................................... 281
APÊNDICE C. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ECLE) para os discentes ... 290
APÊNDICE D. Questionário aplicado aos discentes – 1º ciclo ............................................ 298
APÊNDICE E. Questionário aplicado aos discentes – 2º ciclo ............................................. 303
APÊNDICE F. Roteiro para entrevista com os discentes – 1º ciclo ...................................... 308
APÊNDICE G. Roteiro para entrevista com os discentes – 2º ciclo ..................................... 310
APÊNDICE H. Roteiro para entrevista com o docente – 1º ciclo ......................................... 312
APÊNDICE I. Roteiro para entrevista com o docente – 2º ciclo .......................................... 314
APÊNDICE J. Grafismo para compreender Aristóteles ........................................................ 316
APÊNDICE K. Grafismo para entender Immanuel Kant ...................................................... 321
APÊNDICE L. Grafismo para entender o Grafismo ............................................................. 325
APÊNDICE M. Grafismo para compreender Thomas Hobbes ............................................. 328
APÊNDICE N. Grafismo para compreender Jean-Paul Sartre.............................................. 332
Anexo I. Aplicação do grafismo desenvolvido pelo docente ................................................ 334
Anexo II. Relatório final da componente Mecânica dos Sólidos II elaborada pelo
docente .................................................................................................................................... 339
Anexo III. Parecer consubstanciado do CEP ......................................................................... 344
Anexo IV. Grafismo desenvolvido pelo DIS09..................................................................... 349
Anexo V. Grafismo desenvolvido pelo DIS13 ...................................................................... 352
17
1. INTRODUÇÃO
O cerne desta tese nasceu em março de 2007, quando entrei em sala de aula e assumi
a cadeira de docente do nível superior pela primeira vez. Foi a componente Planejamento e
Produção Gráfica para estudantes de Publicidade e Propaganda de uma faculdade privada em
Feira de Santana/BA. A felicidade por alcançar um posto de trabalho tão importante foi
dominada pelo sentimento de angústia provocado pela dificuldade que senti em conduzir a aula.
Eu estava preparada, dominava o assunto, pois era prática diária da minha vida profissional
enquanto Diretora de Arte em Publicidade. Nas palavras incentivadoras do coordenador do
curso, quando me convidou para ensinar naquela Instituição, “bastava passar aos alunos tudo
que eu sabia no CorelDRAW1”. No entanto, a angústia me assolou porque, em sala de aula e
enquanto professora, eu não sabia como ensinar para o aluno apreender: não era simplesmente
passar o que eu tinha domínio.
Situação como esta deve ser comum a maioria das pessoas sem formação na área
da Pedagogia quando iniciam a carreira de professor. A princípio, acreditamos que ter
conhecimento e domínio absoluto sobre um conteúdo ou prática é requisito básico para
ensinar. Isto é um equívoco: saber ensinar não significa apenas apresentar um assunto ou
demonstrar como se executa uma tarefa. Ensinar é uma ação intencional a qual reivindica
um fim, que é apreender. Logo, explicar um conteúdo dispondo de técnicas de oratórias e
tecnologias avançadas de exposição não é garantia de que os estudantes vão aprender.
Ensinar é despertar e motivar a estudante a apreensão do conhecimento. É mobilizar o
estudante à evolução do seu pensamento, da sua imaginação. É transformar a sua
consciência de si, do outro e do mundo.
Portanto, ensinar não é uma tarefa de objetivo fácil a ser atingido. O professor precisa
antes saber como quem aprende o que se ensina. Saber que aprendizado não se mensura através
de provas onde as notas equivalem ao número de palavras repetidas em sala de aula ou nos
escritos dos livros, pois aprendizado é a apreensão do conhecimento. O professor precisa ter
ciência que apreender é um passo além do aprender, sem relação alguma com o reter ou o
memorizar. É quando o pensamento do estudante adentra no objeto do conhecimento e imagina
1 CorelDRAW é um software de desenho gráfico desenvolvido pela Corel Corporation, Canadá. Esta
ferramenta é largamente utilizada por profissionais das Artes, Design e Publicidade para o desenvolvimento
de ilustrações vetoriais bidimensionais.
18
as relações de causas e efeitos dos seus elementos. Desta maneira, ele consegue agarrar para
si a essência do objeto e adquire o conhecimento do objeto.
Sete anos depois, assumi o cargo de docente do ensino superior na Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, como Bacharel em Desenho Industrial com
Habilitação em Programação Visual e Mestre em Desenho, Cultura e Interatividade. Fui
lotada no Centro de Ensino de Ciências Exatas e Tecnológicas – CETEC, para ministrar as
componentes curriculares de Desenho Técnico e Geometria Descritiva aos discentes do
Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnológicas – BCET. Este curso é o primeiro ciclo de
formação para os Bacharelados em Matemática e Física, bem como Engenharia Civil,
Engenharia da Computação, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Engenharia
Sanitária e Ambiental.
Quando comecei a atuar em sala de aula na UFRB, logo me deparei com dificuldades
de ensino e aprendizagem diferentes da área da Comunicação Social. Um novo impacto por
não saber como ensinar, o quê e a quem aprende resgatou o sentimento de angústia de lá do
início da carreira. Deste sentimento emergiram inquietações e questionamentos, dentre eles a
busca pela causa ou as causas das dificuldades de apreensão do conhecimento apresentada pelos
discentes. Foi quando, por meio da observação em sala de aula e de repetidas situações ao longo
de um período, que percebi: as dificuldades dos estudantes estão em pensar, elaborar
mentalmente e imaginar para apreender.
À luz desta percepção, propus a tese Imaginação e Grafismo: uma Estratégia de
Ensinagem Aplicada aos Discentes das Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia, desenhada, orientada e desenvolvida dentro do Programa
de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento –
DMMDC, sediado na Universidade Federal da Bahia. Este trabalho traz a investigação sobre
as funções do exercício da imaginação durante a aquisição do conhecimento dos sujeitos e
sobre a aplicação de uma técnica de estudos enquanto estratégia de ensino e aprendizagem
aos discentes das engenharias. O cerne do objetivo desta técnica é o estímulo ao exercício
e direcionamento da imaginação para a apreensão do conhecimento.
Porém, este trabalho está além da aplicação e verificação desta estratégia de ensino
e aprendizagem. Nas suas linhas estão descritas as relações entre estudantes, professores e
Instituições, as quais se influenciam mutuamente, pois entre elas existem vínculos de
infinitos elos, onde o movimento e a modificação de um deles desencadeia a mobilização e
a mudança nos demais: são as relações mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem, onde
todos fazem parte do mesmo processo.
19
Nas entrelinhas estão ocultas as minhas trilhas pela docência desde 2007. A
história de uma pessoa que não teve a formação e capacitação para saber como se ensina, o
quê e a quem aprende, ainda assim aceitou o desafio de ser professora e, diante a
responsabilidade da profissão, disse a si mesma: “eu não pretendo me limitar a apenas
passar tudo o que sei aos meus alunos, quero que eles aprendam tudo o que eu lhes ensinar”.
Portanto, este trabalho representa a busca pela superação das dificuldades inerentes à prática
docente, isto é, a minha busca por ensinar para apreender.
Este trabalho foi pensado, produzido e direcionado a todos os bacharéis de
profissão, assim como eu, que se transformaram em professores de coração. Por este
motivo, apresento aqui os assuntos que estudei para a implementação e aplicação da
estratégia de ensinagem grafismo: desde a pesquisa sobre o conceito da imaginação, da sua
importância para a construção do conhecimento, do desenvolvimento das pedagogias ao
longo da História, do pensamento didático da Ensinagem até a valia da Educação para as
sociedades. Portanto, dedico este trabalho a pessoas que assumiram o cargo de professor e
pretendem cumprir o seu compromisso com os projetos de vida de seus alunos e,
principalmente, seu papel junto à sociedade que pertencem.
1.1. O DELINEAR DE UMA TESE
Na área da Comunicação Social, especialmente no curso de Publicidade e
Propaganda, a maioria dos estudantes traz a criatividade como característica predominante
no perfil psicográfico no ingresso a graduação. Mesmo que ocorram algumas exceções, ao
longo da formação, estes estudantes são estimulados e habilitados para serem profissionais
criativos, pois este é um requisito basilar para as suas atuações no mercado de trabalho:
criar campanhas publicitárias, inovações comunicativas, estratégias de estímulo ao
consumo, novos produtos e marcas são algumas das atividades que fazem parte deste tipo
de convocação à imaginação e a criatividade destes profissionais.
Logo ao ingressar na UFRB, percebi as diferenças entre os perfis dos estudantes da
Comunicação Social e os do BCET. O tipo criativo destes está na análise e formulação de
soluções matemáticas para resolução de problemas e criação de inovações técnicas e
tecnologias. Observar e analisar fenômenos físicos sobre objetos e buscar soluções para
resolver ou evitar problemas são as atividades do cotidiano destes profissionais. Logo
Portanto, suas ações criativas estão nos raciocínios sobre as relações de causas e efeitos e
elaborações de experimentos de possibilidades executivas, sempre sob as rédeas das leis da
20
Matemática e da Física. As suas imaginações criativas também são conhecidas por
engenhos, por serem de natureza lógica, técnica e normativa, de forma que seus produtos
devam necessariamente ser factíveis, eficientes e seguros.
Um fator determinante no percurso do estudante num curso da área das Ciências
Exatas e Tecnológicas é a constante requisição do elevado nível de conhecimento sobre os
conteúdos da Matemática e da Física, pois são ciências fundamentais para as Engenharias.
A relação entre seus conteúdos é de complementaridade e a complexidade entre os seus
fatores para soluções lógicas e técnicas aumenta a cada passo que o estudante dá em direção
à sua vida profissional. Por isto, a exigência no nível de conhecimento do estudante sobre
estas matérias é imperativo desde o primeiro semestre letivo de qualquer curso desta área.
Caso ocorra, por algum motivo ou em algum momento, uma fissura ou um lapso na
aquisição do conhecimento de algum conteúdo destas matérias, rompe-se a linha de
evolução da espiral do conhecimento do estudante, o qual certamente encontrará
dificuldades no prosseguimento de sua formação profissional.
O aprendente das engenharias, além de gostar das Ciências Exatas, precisa apreender
os fundamentos elementares da Matemática e compreender as relações de causas e efeitos dos
fenômenos da Física, desde o nível médio de sua formação educacional. No nível superior, as
relações entre estas duas ciências se tornam complexas: o estudante apreende a analisar os
fenômenos físicos, imaginar possíveis causas e consequências e a utilizar fórmulas matemáticas
em cálculos de soluções a fim de resolver de problemas em Engenharia. Esta seria a cadeia
evolutiva de aquisição do conhecimento ideal e necessária para a formação dos engenheiros no
sistema de ensino implantado no Brasil.
Segundo os dados coletados no Relatório Brasil do Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes – PISA 20182:
Desempenho do Brasil em Ciências, sob a perspectiva internacional,
obteve a média de proficiência dos jovens brasileiros em Ciências no PISA
2018 foi de 404 pontos, 85 pontos abaixo da média dos estudantes dos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
– OCDE. (BRASIL, 2018, PISA, p. 125)
Na realidade existente deste país, os estudantes, de modo geral, ingressam nas
universidades com o nível de conhecimento inconsistente nos conteúdos de todas as matérias
fundamentais para a formação de profissionais em quaisquer das áreas do conhecimento:
línguas, história, geografia, biologia, filosofia etc. Concentrei os exemplos aqui apresentados
2 Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/pisa.
21
nas matérias das ciências exatas porque é o corpus deste estudo. O fato de não terem
apreendido o basilar nos ensinos de nível fundamental e médio, os discentes não conseguem
compreender e acompanhar os conteúdos apresentados no ensino superior. Sendo assim, as
dificuldades se impõem a cada componente curricular da graduação e, muitas vezes, eles não
conseguem avançar nos cursos, sofrendo as consequências graves de sucessivas reprovações.
1.1.1. O problema da pesquisa
Observando os alunos de Geometria Descritiva e de Desenho Técnico da UFRB, de
entrada, percebi que eles tinham uma diferença singular em relação aos alunos de Produção
Gráfica e de Produção de Vídeo em Publicidade: estes não apresentavam dificuldade alguma
quando eram convocados a imaginar algum objeto ou situação. No caso dos futuros
engenheiros, quando solicitava que eles visualizassem – imaginassem – um sólido
tridimensional qualquer sobre um plano horizontal para representarem a sua vista frontal no
papel, boa parte dos estudantes das turmas não conseguia vencer sequer a primeira etapa da
atividade solicitada em sala de aula, isto é, imaginar um cubo, por exemplo. Este fato se repetiu
sucessivamente em todas as turmas que ministrei, até que busquei compartilhar esta observação
com os demais colegas de Instituição. A reclamação era a mesma: “os estudantes não
conseguem visualizar mentalmente objetos tridimensionais”, ou modelos práticos, para a
análise e resolução de problemas em engenharia.
Novamente comparando o perfil psicográfico dos estudantes das Ciências Exatas
com os de Comunicação Social, especialmente os de Publicidade e Propaganda, entendo
que estes ingressam no nível superior com um estágio avançado em suas produções
imaginativas. No decorrer do curso, uma das competências e habilidades mais trabalhadas
pelas componentes curriculares é justamente a motivação e o desenvolvimento das suas
capacidades criativas e os discentes são livres para criar. Já os estudantes das Ciências
Exatas passam por processos de motivação e desenvolvimento criativo e proativo
completamente diferente daquele dos publicitários, pois não podem ultrapassar os limites
estabelecidos pela Física e Matemática. Logo, imaginar um modelo tridimensional sobre
um plano horizontal e ainda visualizar a sua vista frontal é uma tarefa muito mais fácil para
um estudante de Publicidade do que para um de Engenharia.
O segundo fator que determina a possibilidade de visualização mental de objetos
para a análise de fenômenos físicos pelos estudantes é o entendimento anterior sobre os
próprios fenômenos físicos. Conforme expliquei anteriormente, os estudantes das
22
engenharias têm que necessariamente manter em alta a evolução do nível de conhecimento
sobre os conteúdos da Física e da Matemática para não enfrentarem grandes dificuldades
durante sua formação.
Como os aprendentes vão analisar as forças que agem sobre uma estrutura sólida se
eles não sabem o que é força? Se não conhecem o fenômeno, não visualizam o fenômeno.
1.1.2. A proposta
O Programa de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento – DMMDC – instituiu como referência para o desenvolvimento dos seus
projetos a epistemologia de Imre Lakatos (1970, 1999). Segundo este filósofo, a História
da Ciência foi construída por meio de “revoluções científicas”, as quais consistiram no
processo racional de evolução do conhecimento e da superação de um programa de pesquisa
por outro: “a História da Ciência é a história dos programas em concorrência” (SILVEIRA,
1996). Considerando que o fazer científico é uma proposta metodológica e que esta pode
ser refutada por uma “metodologia rival”, Lakatos (1970) então propôs a Metodologia dos
Programas de Pesquisa Científica (MPPC).
Esta epistemologia propõe que o pesquisador elabore o seu Programa de Pesquisa
sob a possibilidade do falseamento, ou seja, ele deve desenhar o seu projeto de maneira a
evitar que a sua proposição axiomática, a sua principal hipótese de pesquisa, não seja
refutada pelos outros programas de pesquisa. Sub judice dos “rivais”, os programas de
pesquisa devem ser compostos por um “núcleo firme” ou “núcleo duro”, como define o
professor Roberto Leon Ponczek, do DMMDC, onde deverá estar localizado o axioma da
tese, bem como o respectivo “cinturão protetor”, que é formado pelo conjunto de hipóteses
ou “teorias auxiliares”. Estas devem ser elaboradas sob a previsão de serem expostas aos
programas “rivais”, podendo ser refutadas e modificadas, protegendo assim o “núcleo duro”
da tese ao longo da investigação.
Durante as aulas da disciplina “Seminários de Tese”, no DMMDC, o professor Roberto
Ponczek traduzia a epistemologia de Lakatos (1970) e explicava que o núcleo duro de um
programa de pesquisa tem caráter metafísico, pois nasce de uma crença, ou seja, de uma
convicção inabalável do pesquisador. Segundo Immanuel Kant (2001) todo conhecimento
começa com a intuição, que emerge da observação do mundo sensível. Assim, da observação e
comparação entre as diferentes formas de imaginação dos discentes de publicidade e
propaganda e dos estudantes das ciências exatas e tecnológicas, iniciou-se o desenho desta tese.
23
Como disse anteriormente, os futuros publicitários, livres imaginativos, não apresentavam
dificuldades de compreensão sobre os conteúdos apresentados em sala de aula. Já os
promissores engenheiros, limitados pelas leis da matemática e da física, demonstravam
dificuldades de imaginar, de visualizar mentalmente, fato que, consequentemente, não lhes
permitiam entender os assuntos das aulas. A observação sobre a diferença entre exercício
imaginativo destes dois perfis psicográficos de estudantes me trouxe a “intuição”: aqueles que
imaginam os conteúdos e as argumentações apresentadas em sala de aula sem dificuldades
aprendem com mais facilidades do que aqueles discentes que apresentam obstáculos no
exercício imaginativo. Este fato me levou a concluir que o exercício da imaginação é
fundamental para a construção do conhecimento e a concepção do mundo pelo homem.
Assim nasceu a crença desta pesquisa, a minha convicção inabalável. Logo, a dificuldade do
exercício da imaginação dos discentes das ciências exatas e tecnológicas se tornou o problema,
a minha “dor de mundo” e “busca por solução pelo pesquisador”, conforme afirmou o professor
Roberto Ponczek.
À luz desta crença, algumas possibilidades e causas de interferência no exercício
da imaginação dos discentes do BCET foram especuladas durante o processo de desenho
deste programa de pesquisa para o exame de qualificação. Até então, foquei nas
comunicações do século XXI, onde o axioma elaborado assim afirmava: as formas de
construção e transmissão das comunicações da era digital exercem essencial influência no
exercício e produção da imaginação dos sujeitos. As hipóteses, afirmações de caráter
empírico que são balizadas pelo axioma e construídas para formar o seu “cinturão protetor”
(LAKATOS, 1970), tinham como objetivo verificar como e porque as comunicações
interfeririam na produção imaginativa dos sujeitos.
Porém, antes mesmo da realização do exame de qualificação, o professor Roberto
Ponczek refletiu: “a imaginação é imensurável, pois é subjetiva”. As proposições que
afirmavam a interferência das formas de comunicações sobre a imaginação deveriam ser
investigadas através da empiria e não existem ainda instrumentos seguros e de credibilidade
científica para tamanha verificação. Desta maneira, o “cinturão protetor” da tese seria falseado,
derrubaria o axioma e colocaria em risco a própria crença. Posto que este estudo seria
inexequível, e passada a crise epistemológica, o projeto tomou outros rumos.
Para o exame de qualificação, concentrei o cerne da pesquisa na função e na
importância do exercício da imaginação para o processo de construção do conhecimento, bem
como o desenvolvimento do seu conceito através das lentes dos principais nomes da filosofia
24
ao logo da história. Esta pesquisa, que ocorreu através do levantamento bibliográfico, foi
nomeada por Arqueologia da Imaginação e será transformada em um livro.
Após extensa escavação histórica sobre a constituição do conceito da imaginação
através das perspectivas dos ícones da filosofia, muitas associações a outras funções e
concepções foram encontradas sobre esta faculdade cognitiva, desde fantasia, ilusão,
memória, intuição, inteligência, criatividade, razão, subjetividade até, simplesmente,
pensamento. Embora os filósofos tenham definido muitos conceitos díspares, houve dois
fatores em comum a todas as concepções pesquisadas: a primeira é que a imaginação é
fundamental para o processo cognitivo; e a segunda, a imaginação é a representação visual
do pensamento, os olhos do pensamento. A imaginação representa aos olhos da mente as
ações da memória, da subjetividade, do raciocínio, da criatividade e do conhecimento. Por
fim, concluí que imaginação é pensamento, imaginar é pensar e conhecer é imaginar o
próprio objeto: este foi o primeiro pilar constituído para a sustentação teórica deste trabalho,
isto é, as Imaginações.
Ademais, ainda sobre a proposta inicial da pesquisa, sob a batuta do meu orientador
Roberto Leon Ponczek, suspendi o estudo sobre as relações entre as formas das
comunicações e as produções imaginativas dos discentes e acendi as luzes em direção da
criação ou recriação de um procedimento que estimulasse o exercício da imaginação dos
estudantes. Nesta primeira etapa de reconstrução do meu programa de pesquisa, também
tive como inspiração para um novo caminho as palavras do professor Dante Galeffi: “pense
numa forma de estímulo, experimente alguma técnica que trabalhe a imaginação e parta de
algo pequeno para um grande projeto”. As luzes se acenderam e determinei que fosse uma
estratégia de ensino e aprendizagem, elaborada a partir de um método de desenvolvimento
da criatividade, aplicável em todos os ambientes de aprendizagem e direcionada aos
discentes das ciências exatas e tecnológicas da UFRB.
Com estas diretrizes, retomei ao estado de observação e pesquisa. Busquei nos
meus alfarrábios de graduação e mestrado, nas aulas que preparei sobre métodos de criação
publicitária e nos calhamaços de estudo empoeirados – nos meus escritos, desenhos,
esquemas e roteiros, mapas conceituais, gráficos e rascunhos – encontrei o que buscava:
uma técnica de desenvolvimento de conceitos e objetos que tem como caráter elementar o
rascunho, o ato de grafar os elementos do pensamento e de registrar as ideias.
Rememorei o início da minha graduação, durante a componente curricular
Desenho Projetivo I, quando o professor Manoelito Damasceno nos explicava que o
método ideal para dar início a elaboração de um objeto ou conceito é registrar e organizar
25
as ideias no papel através de desenhos, textos, roteiros descritivos, gráficos ou rabiscos,
“não se preocupem com a forma e a estética”, ele dizia em sala de aula. O “importante é
rascunhar, é colocar no papel aquilo que vocês estão pensando”. Nas palavras do
professor, o rascunho é uma forma de transportar os elementos do pensamento para o
papel durante o processo criativo: “rabisquem, deixem tudo registrado, expressem todas
as suas imaginações no papel, pois as ideias podem ir embora”. Além do mais, dizia ele,
“é no movimento entre o pensamento e o papel que as ideias se transformam em objetos,
que se materializam as ideias e as imaginações”.
Além do professor Manoelito Damasceno, os outros professores das componentes
de Desenho do meu curso de graduação aplicavam a mesma estratégia: os rascunhos e
grafismos faziam parte do desenvolvimento dos produtos que nos eram solicitados. Esta
prática ficou enraizada nos meus modos de criar e de aprender, quando usava, e ainda uso,
os rascunhos e as grafias livres como ferramentas de registro e ilustração da construção do
conhecimento. Destas memórias nasceu a ideia do grafismo como uma técnica de estudos.
Para não cair no risco de reducionismo solipsista ou de um egoísmo pragmático,
estabeleci algumas regras para sistematizar a ideia sobre o grafismo de maneira que ela se
adequasse a um estudo científico. Primeiro, fiz uma investigação bibliográfica a fim de
constituir uma fundamentação teórica. Pesquisei títulos que discutem as correlações entre a
expressão gráfica e a aquisição do conhecimento, dando prioridade aqueles assinados pelos
meus professores de graduação e mestrado, pois em alguns casos, assisti estes pesquisadores
se debruçarem sobre este tema. Destaquei alguns destes estudos e formei a circunscrição
teórica para o desenvolvimento do grafismo como uma técnica de estudos. Vale destacar que
esses autores indicaram uma teoria e metodologia para aplicação no processo de ensino e
aprendizagem nos espaços educacionais: a dialética do conhecimento.
A segunda etapa da preparação foi a verificação sobre a usabilidade e aplicabilidade
do grafismo como técnica de estudos. Realizei alguns testes com colaboração de voluntários
para observar se esta técnica também lhes serviria como uma ferramenta de construção do
conhecimento. Ouvi destes colaboradores algumas observações tais como: “é como se eu
estivesse fazendo um resumo de um capítulo de um livro”; “sempre estudei escrevendo”;
“é como um mapa mental”. Portanto, esta forma de estudo é comum entre os estudantes e
a proposta do grafismo se tornou, de fato, uma sistematização e teorização sobre a prática.
Além disto, a execução desta técnica de estudos, segundo o relato dos voluntários,
lhes serviu para visualizar e organizar as ideias – um dos objetivos pela busca da construção
desta proposta. Partindo destas opiniões, elaborei a seguinte especulação: registrando no
26
papel os elementos que compõem o objeto do conhecimento, o sujeito consegue visualizar
aquilo que os olhos do pensamento, a imaginação, não conseguia ver . A partir deste
registro, o sujeito visualiza os elementos do objeto, organiza suas conexões e associações
no papel e no pensamento, e consequentemente, consegue apreender, conhecer o objeto.
Porém, faltava ainda perceber na experiência dos voluntários a motivação da implementação
do grafismo para a pesquisa – o estímulo ao exercício imaginação.
Concomitante às investigações sobre a Expressão Gráfica e Filosofia do Desenho
– com Damasceno (1998), Ferreira (2010, 2017), Gomes (1996, 1998) e Medeiros (1998,
2004) – também dediquei meus estudos para o Ensino, Aprendizagem, Metodologia do
Ensino Superior e Estratégias de Ensino e Aprendizagem. Para começar, busquei como
referência a professora Léa Anastasiou, quem conheci pessoalmente durante um curso de
capacitação docente continuada promovido pela UFRB, em 2014.
Léa das Graças Camargos Anastasiou (1948-) fez o doutorado e pós-doutorado em
Educação pela Universidade de São Paulo, finalizando em 1997 e 2002, respectivamente. Seu
mestrado foi pela Universidade Federal do Paraná em 1990 e graduação em Pedagogia pela
Universidade de São Paulo, em 1975. Sua experiência educacional começou na regência de
turmas da pré-escola, mas sua principal atuação foi no nível superior, desde a prática em salas
de aulas até a pesquisa e realização de consultorias pelas universidades do Brasil.
A professora Léa Anastasiou se especializou nos estudos acerca dos métodos e
técnicas do ensino superior, elaborou e lançou os processos de ensinagem e pesquisou sobre
diretrizes curriculares, aprendizagem, metodologia e avaliação, metacognição, matriz
articulada, metodologia de ensino superior na formação continuada do docente universitário
e papel pedagógico das coordenações de curso. Ao longo da sua carreira, coordenou e fez
parte de diversos grupos de pesquisas formados por educadores que repensaram o sistema
educacional do nosso país e foram além, propondo importantes mudanças nos modos e
práticas docentes do ensino superior. Publicou dezenas de produtos científicos e livros em
parceria com outros autores, dentre eles: Joana Paulin Romanowski, Leonir Pessate Alves,
Lillian Anna Wachowicz e Selma Garrido Pimenta.
Conforme expliquei, os trabalhos publicados pela professora Léa Anastasiou, em
1998, 2009 e 2014, tornaram-se balizas para a minha pesquisa sobre Ensino, Aprendizagem,
Metodologia do Ensino Superior e Estratégias de Ensino e Aprendizagem. Segundo o
Professor Roberto Ponczek, Anastasiou se tornou “a autora fundamental para o
desenvolvimento da pesquisa”. A partir dela e da indicação das suas linhas, outras
importantes referências da área também foram convidadas, são elas: Saviani (1999),
27
Libâneo (2009; 2011), Wachowicz (1989), Vasconcellos (1992, 1995), Aranha (2006) e
Luckesi (2011). Desta maneira constituí o segundo pilar de sustentação teórica desta tese:
as pedagogias.
Nestes estudos, a dialética do conhecimento emergiu novamente como fundamentação
basilar sobre a aprendizagem nos espaços educacionais, desde a orientação de Anastasiou até
Luckesi. Sendo assim, pelo fato desta teoria e metodologia ter considerável relevo e ser um
ponto de convergência entre as pedagogias e os autores que discutem as correlações entre
expressão gráfica e aquisição do conhecimento, pesquisei e encontrei em Karel Kosik (1969)
uma explicação acessível sobre o pensamento de Karl Marx (1818-1883). Desta maneira, a
dialética do conhecimento entrou nesta pesquisa e se transformou na última peça para
completar a construção da estrutura teórica sobre o grafismo.
A ascensão do conhecimento abstrato ao conhecimento concreto é um movimento
do pensamento para a análise do objeto pelo pensamento: este é o princípio elementar. A
dialética é o método do pensamento, pois propõe o direcionamento do pensamento em torno
do objeto durante a aquisição do seu conhecimento. Este movimento – do analisar, do pensar
em torno do objeto – por estabelecer o próprio objeto como ponto de partida e de chegada
do movimento do pensamento durante o ato do conhecimento, Kosik (1969) definiu como
espiral do conhecimento. À luz desta perspectiva, Anastasiou (2009) complementa: quando
a dialética do conhecimento é aplicada como fundamento de uma estratégia de ensino e
aprendizagem, serve para o desenvolvimento e evolução do pensamento, “pois a cada novo
conhecimento apreendido pelo estudante, modifica-se o sistema inicial, ampliando o
pensamento” (p.21). Estes conceitos me levaram ao entendimento de que o conhecimento é
o movimento espiral do pensamento por ser evolutivo e ascendente.
Considerando que pensar é imaginar e que conhecer é imaginar o próprio objeto,
considerando que a dialética do conhecimento enquanto fundamento de um procedimento
de ensino e aprendizagem promove a ascensão do pensamento, a aplicação da dialética
como princípio do grafismo promove a ascensão da imaginação, ou seja, o grafismo pode
ser uma técnica de estudos que estimula e desenvolve o exercício da imaginação. Assim,
encontrei a fundamentação teórica que faltava para a implementação do grafismo – o
estímulo à imaginação – e ainda terminei por constituir o terceiro pilar desta tese, o
Grafismo: a ilustração e direcionamento da imaginação durante o conhecimento.
Conforme disse anteriormente, para transformar uma ideia em um estudo científico,
é necessário sistematizar seu processo de execução e colocá-la sob os princípios de uma ou
mais teorias, tal como fiz com o grafismo. Porém, este trabalho não trata apenas de
28
implementar uma estratégia de ensino e aprendizagem para aplicar e verificar se as notas
dos estudantes melhoraram. As investigações teóricas, sobretudo sobre as pedagogias,
demonstraram que qualquer que seja o procedimento de ensino e aprendizagem deve ser
pensado para atender um ciclo de mútuas relações. Neste ciclo, além de professores e
estudantes, também está a Instituição e a sua função política junto a sociedade que pertence.
Desde a seleção de conteúdos, das formas de abordagem em sala de aula, até os
procedimentos de aprendizagem, as estratégias devem ser pensadas para atender estes atores
e seus objetivos de complexas relações de interdependência: todos fazem parte do mesmo
processo. Sendo assim, para inserir uma estratégia de ensino e aprendizagem em uma
componente curricular, o docente deve antes adequar e manter seus processos de execução
alinhados a forma de aprendizagem, proposta pedagógica ou pedagogia estabelecida pelo
Projeto Político Pedagógico do Curso, que deve ter seu conjunto de conteúdos e
procedimentos de ensino e aprendizagem de acordo com o Projeto Pedagógico Institucional,
que deve atender as necessidades políticas e sociais da sociedade a qual atende.
À luz deste entendimento, a proposta pedagógica de Anastasiou, os Processos de
Ensinagem (1998, 2009, 2015), conferiu a este trabalho muito além de uma pedagogia de
sustentação e suas orientações sobre procedimentos, métodos e estratégias. Entendo a
Ensinagem como um pensamento pedagógico, pois reflete sobre a prática docente, sobre o
ensinar para apreender. Os seus princípios emergiram da oposição ao hábito histórico das
pedagogias tradicionais, onde o professor dá aula e o estudante assiste. A Ensinagem reflete
sobre as interrelações do processo de ensino e aprendizagem, as práticas nas salas de aulas,
o convite ao envolvimento dos estudantes e a união entre professor e alunos no
enfrentamento dos obstáculos para o conhecimento; passa também pela articulação e
sintonia entre professores na organização da matriz curricular e no planejamento de ensino
e aprendizagem e pensa na importância fundamental da capacitação docente, na situação
histórico-social do estudante e vai até a Instituição para a sociedade; reflete sobre os
objetivos do ato de ensinar, da importância sobre o apreender e da dimensão do ser
professor. A Ensinagem é uma prática social, assim sendo se tornou o quarto de sustentação
teórica deste trabalho.
Constituídos os pilares do arcabouço teórico, ou seja, as imaginações, as
pedagogias, o grafismo e a ensinagem, bem como mantida a crença inicialmente
estabelecida e sua inabalável convicção, reformulei este programa de pesquisa com a
proposta de um novo axioma: o grafismo quando aplicado como uma estratégia de ensino
29
e aprendizagem, ilustra o processo cognitivo, estimula o exercício da imaginação e
auxilia na construção e concepção do conhecimento pelos estudantes.
Chegando ao fim deste redesenho, cabe a pergunta de partida: como o grafismo pode
auxiliar no estímulo à imaginação e no processo de construção do conhecimento dos estudantes
quando aplicado enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem? Para chegar a esta
resposta, escolhi uma das componentes curriculares que se apresenta historicamente como
aquela de maior grau de dificuldade e índices de reprovação dos cursos das engenharias: a
Mecânica dos Sólidos, também conhecida por Resistência dos Materiais.
1.2. OBJETIVOS
O principal objetivo da tese “Imaginação e Grafismo: uma Estratégia de
Ensinagem Aplicada aos Discentes das Ciências Exatas e Tecnológicas” é avaliar o
grafismo quando implementado como uma estratégia de ensino-aprendizagem, servindo
para ilustrar o processo do ato cognitivo e estimular o exercício da imaginação dos discentes
da área das engenharias.
Para este trabalho, foram propostos os seguintes objetivos específicos:
• Levantar o conceito de imaginação ao longo da história na área da Filosofia e
das Epistemologias das Ciências;
• Estabelecer uma perspectiva sobre o conceito de imaginação;
• Estudar o grafismo como possibilidade de ferramenta de ilustração e
direcionamento do processo de cognição e estímulo ao exercício da imaginação;
• Sistematizar o processo de execução do grafismo, respeitando os pressupostos
dos processos de ensinagem;
• Sistematizar e adequar do processo de execução do grafismo aos conteúdos e
procedimentos de ensino e aprendizagem da componente curricular Mecânica
dos Sólidos II;
• Implementar e avaliação do grafismo enquanto uma estratégia de ensinagem,
para colaborar como ferramenta de ilustração do processo cognitivo e de
estímulo ao exercício, expressão e representação da imaginação entre alunos das
Ciências Exatas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
30
1.3. HIPÓTESES
Seguindo as recomendações da epistemologia de Imre Lakatos (1970), à qual prevê a
possibilidade de falseamento de programas de pesquisas rivais, o investigador deve elaborar
um conjunto de hipóteses no sentido de proteger o seu axioma, formando assim o seu cinturão
protetor. Nesse sentido, as hipóteses desta tese de doutorado são as seguintes:
• A imaginação é a faculdade de representação visual do pensamento e seu
exercício é fundamental para a produção e expressão da memória, da
subjetividade, da intelecção e criatividade do homem – uma investigação de
base teórica;
• O grafismo, quando utilizado como uma técnica de estudos, serve como registro
visual e ilustração da elaboração dos novos conhecimentos, estímulo ao
exercício da imaginação e auxílio na apreensão do objeto pelo aprendente – uma
investigação de base empírica;
• Os estudantes que criam o hábito de estudar através do grafismo
desenvolvem a autonomia de estudos e deixam de buscar nas videoaulas o
auxílio para o entendimento dos novos conteúdos curriculares – uma
investigação de base empírica.
• A implementação e aplicação da estratégia de ensinagem grafismo, durante os
procedimentos de ensino e aprendizagem da componente curricular Mecânica dos
Sólidos II, propõe aos discentes o enfrentamento e superação das dificuldades de
visualização e organização dos elementos dos novos conteúdos, o que lhes
possibilita o estímulo à imaginação de modelos práticos de engenharia em 3D para
a aplicação de conceitos físicos na solução de problemas.
1.4. JUSTIFICATIVA
O programa de pesquisa desta tese colocou a imaginação humana no centro das
atenções, pois é uma faculdade cognitiva fundamental para o entendimento e a construção
do conhecimento, sobretudo nos espaços educacionais. Para isso, investigou-se o
desenvolvimento do seu conceito ao longo da história sob as perspectivas dos ícones da
Filosofia e ainda propôs uma nova ótica e definição: a imaginação é a representação visual
do pensamento, ou seja, pensar é imaginar.
31
O fato de a imaginação ser fundamental para o entendimento e construção do
conhecimento se transformou na minha crença, se tornando o farol, o feixe de luz norteador
desta investigação. Por este motivo, mesmo que o axioma e os objetivos tenham sido
redesenhados ao longo do trabalho de doutorado, a pesquisa se manteve direcionada para a
imaginação. Observei que o problema da dificuldade do entendimento dos novos conteúdos
pelos estudantes está diretamente relacionado com as suas dificuldades imaginativas,
desviei da vereda do olhar crítico pelas causas, parti para os caminhos de buscas pelas
soluções e encontrei o grafismo.
Da usual forma de aprender entre os estudantes, o grafismo foi sistematizado e recebeu
devida fundamentação teórica, desde as reflexões sobre as correlações entre a expressão gráfica
e o conhecimento, até a estrutura da teoria e metodologia dialética do conhecimento. O grafismo
incorporou a função de estímulo ao exercício da imaginação, de ilustrar o processo cognitivo e
de direcionar o pensamento, a imaginação, durante o processo de aquisição do conhecimento
pelos estudantes. Depois, tornou-se uma estratégia de ensino e aprendizagem sob os princípios
da Ensinagem, sendo aplicada e verificada através de uma pesquisa-ação com a participação de
docente e discente de uma das componentes curriculares mais desafiantes dos cursos das
engenharias: a Mecânica dos Sólidos.
Os resultados sobre as verificações das hipóteses estabelecidas para a aplicação do
grafismo enquanto estratégia de ensinagem foram positivos. No entanto, este trabalho não
se encerrou na experiência da pesquisa-ação, tão pouco nos números frios das médias finais
dos estudantes. Esta investigação adentrou na estrutura organizacional das universidades
públicas brasileiras e acendeu luzes para o questionamento e comparação entre o ensino
superior real-existente e o ideal-necessário. O tema universidade não foi devidamente
aprofundado, pois não foi o objetivo da investigação, mas entrou na discussão porque é o
lócus do estudo e não há como descrever e analisar os resultados de uma pesquisa nos
espaços escolares sem considerar todos os seus determinantes – alunos, professores e
Instituição fazem parte do mesmo processo.
Além do estudo sobre o conceito da imaginação, além da implementação do grafismo
como uma estratégia de Ensinagem com vistas ao estímulo à imaginação e ensinar o discente a
imaginar para apreender, além de propor a sistematização de uma estratégia de ensino e
aprendizagem para as componentes curriculares dos cursos das engenharias, além da reflexão
sobre a estrutura organizacional das universidades públicas do nosso país, este trabalho se
justifica por apresentar o percurso da construção de um estudo sobre o fazer docente do ensino
superior, da preocupação de ensinar para apreender.
32
Como disse logo nas primeiras linhas, o tema desta tese nasceu em 2007, quando
me deparei com a dimensão do fazer docente e do quão fundamental é a formação e
capacitação do professor do ensino superior. Portanto, este trabalho também se justifica
por entender as dificuldades dos bacharéis docentes, por descrever passos, apresentar
caminhos e propor soluções de ensino e aprendizagem.
1.5. ESTRUTURA DA TESE
Antes de descrever a organização estrutural deste trabalho, dou relevo a dois de seus
aspectos singulares. Do início ao fim, esta tese foi escrita em primeira pessoa do singular.
Embora haja precedentes, a linguagem formal acadêmica ainda reza pela narrativa impessoal,
embora, na minha opinião, tese de doutorado é um trabalho pessoal que muitas vezes traduz um
percurso de estudos e pesquisa de longas datas. Mesmo que tenha a participação direta do
orientador, coorientador, professores e colegas do programa de Pós-Graduação, é a realização
de um projeto de vida. Portanto, não cabe a impessoalidade.
Diretamente relacionado ao primeiro fator, este trabalho tem um estilo narrativo,
conta a minha história acadêmica até aqui, desde os primeiros passos como professora; as
minhas inquietações; as descobertas e aprofundamentos. Conto como o meu orientador,
professor Roberto Leon Ponczek, conduziu a construção deste trabalho, além da
participação direta e indireta dos meus professores de doutorado, mestrado e graduação,
assim como as discussões e auxílios vindos do professor Anderson Café e da presença
fundamental da professora Léa Anastasiou na reconstrução da fundamentação teórica.
Com estas singularidades, a estrutura desta tese foi organizada em oito capítulos a
seguir resumidos. No primeiro, apresento o seu processo de construção e reconstrução. De
acordo com o apresentado até aqui, narrei o surgimento do tema desde quando comecei a
atuar como docente, incluindo a mudança da área da comunicação para as ciências exatas e
tecnológicas, quando da observação comparativa sobre os processos imaginativos entre os
discentes da publicidade e os das engenharias. Da crença ao problema de pesquisa, adentrei
na descrição da proposta, desde quando pretendia compreender as interferências das
comunicações sobre as imaginações até a sua derrocada. A partir do que, entre nós discentes
do DMMDC, definimos como desespero epistemológico, ou seja, da diluição do cinturão
protetor de um programa de pesquisa e da sua reconstrução, apresentei os caminhos que
percorri para encontrar o grafismo, sistematizar a técnica, teorizar sua execução e lhe
assentar sobre quatro pilares teóricos: as imaginações, as pedagogias, o grafismo e a
33
ensinagem. Redesenhado o arcabouço teórico, descrevi a reformulação do axioma e do
respectivo cinturão protetor – as hipóteses – os objetivos e justificativa deste trabalho.
O segundo capítulo, desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica, intitulado
a Imaginação e Construção do Conhecimento, tratou da apresentação do desenvolvimento
do conceito de imaginação e da importância desta faculdade cognitiva para a construção do
conhecimento sob as perspectivas dos ícones da história da filosofia. No primeiro projeto,
eram dois os pilares de sustentação teórica da tese: as imaginações e as comunicações. Após
o seu redesenho, o trabalho recebeu uma base sustentada pelos já citados quatro pilares.
Com vistas ao robusto arcabouço teórico constituído, o item arqueologia da
imaginação: as perspectivas da filosofia e das epistemologias das ciências, o qual antes
era extenso, pois apresentava a concepção do conceito de imaginação e o seu papel na
aquisição do conhecimento por cada filósofo, foi transformado aqui em uma linha do tempo.
Esta linha do tempo é uma representação das principais concepções e conceituações, de
forma objetiva e resumida, pesquisadas e encontradas durante as escavações pela história
da filosofia. A Arqueologia da Imaginação, na sua forma extensa, será transformada em um
livro, após a finalização deste trabalho de doutoramento, com a coautoria do meu professor
e orientador Roberto Ponczek e do parceiro de pesquisas, o professor Anderson Café.
O item sobre a imaginação do século XXI é a apresentação da minha concepção
sobre o conceito da imaginação e da sua importância para a aquisição do conhecimento.
Elaborei a conceituação e defini os tipos de imaginação a partir das perspectivas dos
filósofos e das suas definições em comum. Afirmo que este item é o resultado das minhas
escavações sobre a imaginação, onde apresento a compilação e atualização do conceito
desta faculdade cognitiva, à luz da Filosofia, para o contexto do século XXI.
Imaginação e Conhecimento é o título do terceiro capítulo desta tese, onde o foco
é a correlação entre a imaginação e a aquisição do conhecimento nos espaços educacionais.
Construído também por meio de pesquisa bibliográfica, apresenta a concepção sobre a
aquisição do conhecimento sob as perspectivas da Filosofia da Educação. Conforme
expliquei anteriormente, por causa da proposta de aplicação enquanto estratégia de ensino
e aprendizagem, a sistematização e teorização do grafismo como técnica de estudos precisou
ser submetida a uma teoria e metodologia do conhecimento. Sendo assim, este capítulo é a
apresentação da primeira fundamentação teórica do grafismo: a dialética do conhecimento.
O quarto capítulo, sobre o Ensino, Aprendizagem e Imaginação, é a apresentação
da pesquisa bibliográfica sobre a história do desenvolvimento das teorias de aprendizagem.
À luz da História e da Filosofia da Educação, trata-se da compilação de um longo percurso
34
que se inicia na Antiguidade e chega até os modos de ensinar e aprender no Brasil de hoje.
Entre os seus subitens, a fim de demonstrar que o como se ensina determina o como se
aprende e imagina, enquanto pesquisados e construídos, receberam o olhar sobre a
importância política da educação para as sociedades e a crítica sobre a estrutura
organizacional das universidades brasileiras, que nos levou a refletir sobre o real estado do
ensino superior neste país. Outro aspecto importante tratado neste capítulo foi localizar os
Processos de Ensinagem no âmbito da Educação, de onde, como e porque emergiu e porque
se transformou num pensamento fundamental para a constituição dos modelos de ensino e
aprendizagem do ensino superior do Brasil no século XXI.
Ensinagem, Estratégias de Ensino e Aprendizagem, Grafismo é o quinto capítulo,
o qual apresenta o pensamento e a proposta de Léa Anastasiou para o ensino superior como
também a associação do grafismo aos seus princípios. Foi o último capítulo constituído por
pesquisas feitas através de bases teóricas. Nele, demonstro os princípios da ensinagem e as
suas propostas de implementação de estratégias de ensino e aprendizagem para o ensino
superior. No terceiro item, já vinculado aos princípios da dialética do conhecimento, o
grafismo entrou em tela, recebeu os seus fundamentos constitutivos a partir das teorias do
Desenho e Expressão Gráfica e, por fim, foi sistematizado como uma técnica de estudos
para se tornar uma estratégia de ensinagem aplicada no ensino superior.
O sexto capítulo, sobre a Imaginação e Grafismo: os caminhos para a
implementação e a avaliação de uma estratégia de Ensinagem , é a descrição do percurso
metodológico da pesquisa de base empírica desta tese. É um capítulo sobre metodologia
singular porque além dos aspectos sobre tipo de abordagem e descrição sobre o método de
coleta de dados, apresento também a ampla contextualização e a problematização do corpus
do estudo, desde o lócus até os sujeitos da pesquisa.
O sétimo e o oitavo capítulos, que tratam da Descrição e Análise dos Dados e da
Discussão dos Resultados, são a apresentação da pesquisa de base empírica desta tese, da
aplicação do grafismo como uma estratégia de ensinagem aos discentes das Ciências Exatas
e Tecnológicas. No sétimo capítulo, concentrei a análise especificamente nos efeitos da
execução da técnica de estudos grafismo e na dimensão que tomou quando foi sistematizado
e aplicado sob os princípios da ensinagem. O oitavo capítulo discute os resultados do
grafismo quando pensado no contexto do ensino superior público real-existente e ainda abre
espaço para a reflexão sobre aquilo que é o ideal-necessário para a nossa sociedade.
35
2. IMAGINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
O objetivo desta etapa é compreender a evolução da definição do conceito sobre a
imaginação humana, a partir dos filósofos que contribuíram com suas concepções sobre esta
faculdade cognitiva, à luz das suas respectivas correntes filosóficas. Denominei esta
pesquisa por Arqueologia da Imaginação. Segundo a “epistemologia ponczekiana”, para
compreender um todo e, a partir dele, elaborar novos elementos sobre um dado assunto, o
estudo histórico-social aprofundado é uma ação elementar na ciência. Esta escavação
arqueológica trouxe informações de cunho filosófico e histórico de mais de 2000 mil anos,
investigando a epistemologia de 21 grandes pensadores, não se tratando de um simples
destaque do conceito de imaginação por cada um deles. Foi um trabalho árduo, pois para
compreender a definição de imaginação por cada filósofo, é necessário o entendimento da
sua epistemologia, elemento que faz parte do seu sistema filosófico, que é uma
consequência direta da sua biografia.
O primeiro resultado desta pesquisa foi um robusto compêndio que, por seu objetivo
e forma de tratamento do tema, tornou-se dissonante quando pensado no conjunto deste
trabalho. Por este motivo, transformei-o numa representação sintetizada na forma de uma
linha do tempo, apresentada logo a seguir. A Arqueologia da Imaginação, na sua versão
extensa e completa, será transformada num livro com a coautoria do meu orientador, professor
Roberto Ponczek, e do parceiro de pesquisas e reflexões, o professor Anderson Café. O
segundo resultado das escavações arqueológicas sobre o conceito de imaginação é a
formulação da minha concepção sobre o conceito desta faculdade cognitiva e a sua
importância para a aquisição do conhecimento. Esta concepção está apresentada no item A
imaginação do século XXI, onde estão as definições dos tipos de imaginação, elaborados a
partir das perspectivas dos filósofos e das suas definições em comum.
41
2.2. A IMAGINAÇÃO DO SÉCULO XXI
2.2.1. Das confabulações
Reconhecer ou não a validade de um conhecimento intuitivo ao lado do
racional e discursivo é algo que depende, sobretudo de como se pensa a
respeito da essência do homem. Quem vê o homem como um ser exclusiva
e preponderantemente teórico, cuja função é pensar, também irá
reconhecer apenas o conhecimento racional como válido.
Quem desloca o centro de gravidade do ser humano mais para o lado do
sentimento e da vontade, estará inclinado de antemão a reconhecer, ao lado
do tipo racional-discursivo do conhecimento, um outro tipo de apreensão
do objeto. Estará convencido de que, ao caráter multifacetado da
realidade, corresponde também uma multiplicidade de funções do
conhecimento.
A primeira concepção é obviamente sinal de unilateralidade. Na maioria
das vezes, provém de uma postura de alheamento em relação ao mundo e
à vida que é tantas vezes encontrada nos filósofos. O filósofo, cuja função
na vida é conhecer, acaba frequentemente – como se costuma dizer –
julgando os outros por si mesmo, considerando o homem como um ser,
sobretudo cognoscente. Quem, ao contrário, se mantém sintonizado com a
realidade concreta da vida, logo se convence de que o verdadeiro centro
de gravidade do ser humano não está nas forças intelectuais, mas nas
emocionais e volitivas. Vê que o intelecto está completamente inserto na
totalidade das forças espirituais humanas, delas depende e por elas está
condicionado de muitas maneiras no exercício de suas funções. Não o
intelecto, mas as forças do sentimento e da vontade é que lhe parecem as
dominantes nesse jogo de forças que chamamos vida (HESSEN, 2000,
p. 78, grifos meus).
O trecho acima é um destaque do capítulo “os tipos de conhecimento”, onde o autor
discute e levanta os erros e acertos sobre o “intuicionismo”. Embora não seja o tema central
dos meus estudos, reconheço que esta declaração trouxe um alento às minhas inquietações.
Desde o início da escavação sobre o conceito da imaginação na ótica da filosofia e
epistemologias, simultaneamente às opiniões dos filósofos destacados, observava caminhos
pelos quais poderia me direcionar. Porém, percebia incoerência ao tentar aplicar na
atualidade as concepções formuladas a partir de outros contextos histórico-sociais. Muitas
vezes fiquei confusa e apreensiva. Entretanto, uma das respostas estava comigo desde o
início do doutoramento, no livro “Teoria do Conhecimento”, de autoria de Johannes Hessen.
Em uma passagem que li diversas vezes, mas em apenas um único momento, enquanto
buscava compreender a epistemologia de Descartes, encontrei uma trilha a percorrer nestas
expressões: “a multiplicidade de funções de conhecimento” e “a realidade multifacetada”.
42
Imediatamente, lancei reflexões para a convergência entre a “realidade
multifacetada” com a “multiplicidade de funções de conhecimento” – então é isto! Daí,
passei a entender o pensamento, a imaginação dos sujeitos na contemporaneidade. Somos
únicos na sensibilidade e pensamento, na nossa imaginação. O mundo externo, a realidade
histórica, é concreto, mas depende do sujeito, daquele que quer e se atenta. Percebido, o
mundo externo adentra no pensamento e se torna abstrato, caótico, confuso. É analisado e
sintetizado. No fim, é concretizado, pertence ao sujeito racional, ao seu concreto pensado.
A imaginação é a representação do mundo experenciado no pensamento. Imaginar
não é apenas visualizar uma matéria concreta na forma abstrata no pensamento. Imaginar é
dar trânsito entre a recepção sensível e a resposta intelectiva. Imaginar é organizar partes
do mundo concreto no âmbito abstrato e, impulsionada pela força espiritual e vontade do
sujeito, é possível transformar o abstrato em algo novamente concreto. É experimentar
soluções concretas sem sair do abstrato, do pensamento. Imaginar é promover emoções,
confabulações e fantasias. É criar algo novo. É a expressão do espírito.
Às vezes, a imaginação é apenas recepção. Às vezes, é apenas produto do
intelecto. Porém, sempre é bom ressaltar que, pelas vias da imaginação, existe o pedágio
da transformação do concreto para o abstrato, bem como do abstrato para o concreto. Tem
um custo, custo este determinado pela faculdade volitiva do sujeito, isto é, dos seus
desejos e necessidades.
Para imaginar um objeto, antes, o sujeito deve se atentar ao objeto. A condição sine
qua non da atenção é a vontade do sujeito pelo objeto. Voltar à atenção para um objeto
significa lançar os sentidos para ele, sintonizar as “ondas” do corpo e do espírito com as
“vibrações” do objeto. Pegar o objeto do mundo concreto e levá-lo para o mundo abstrato
do pensamento do sujeito racional.
A imaginação abriga o mundo sensível, promove a abstração de um material
concreto composto de sinais, símbolos, cores, sons, texturas e aromas. Abstraídos, estes
materiais são articulados e organizados; passam a ter sentido e significado para o sujeito e
então ocorre a percepção, a consciência do objeto pelo sujeito. Ciente dos objetos, o
pensamento passa a organizá-los, respeitando regras de associações os conecta entre si. É
quando acontece uma profusão de imagens confusas no pensamento e que aos poucos vão
se formando em nexos, em significados para o pensamento. Estas imagens acontecem na
imaginação, onde ocorre o entendimento e o raciocínio, onde cada elemento sensível, antes
abstraído e articulado, faz parte da construção do mundo inteligível: o conhecimento. Do
43
sensível à abstração, da percepção ao entendimento e raciocínio, o conhecimento se dá
através da imaginação.
Do mundo inteligível, enquanto vida houver, o homem resgata as memórias,
aqueles elementos de sentido, significados subjetivos e entendimento. A imaginação
proporciona aos homens a oportunidade de retomar as memórias, permite a eles assistir “um
filme na cabeça”. Uma representação abstrata de um mundo concreto que ficou no tempo
passado. Entretanto, refaz os sentidos no tempo presente, pois os filmes de memórias
projetados pela imaginação são em 4D (quatro dimensões): imagem, som, textura e emoção.
Por falar em emoção, chego num ponto da trilha aberta por Hessen (2000), que
deixou marcada uma condição para que eu possa continuar: “o verdadeiro centro de
gravidade do ser humano não está nas forças intelectuais, mas nas emocionais e volitivas”.
Sobre as últimas, desde o princípio as destaquei em minhas confabulações, colocando-as
como essência, também, pertencente ao espírito e pensamento humano. Porém, caminhar
através das trilhas das emoções pode me levar a terrenos movediços da subjetividade
humana, os quais não tenho conhecimento para ultrapassar. Talvez seja este o porquê de
tantos filósofos condenarem a imaginação ao posto de faculdade de “fantasias ilusórias”,
pois não conseguiram discernir a imaginação da subjetividade.
Prazer, dor, alegria e tristeza são emoções do espírito, são o combustível da volição
do sujeito e o impulso para o funcionamento da imaginação. A imaginação expressa as
emoções e os sentimentos. Novamente digo: a imaginação é a expressão do espírito e o
espírito é subjetividade, é o ser em si. Como não é possível a separação entre a imaginação
e a subjetividade, atenho-me na compreensão daquilo que as une e as separa ao mesmo
tempo e sigo pelas trilhas das quais posso enxergar o horizonte.
2.2.2. A Imaginação
Para Aristóteles, a imaginação é intermediária entre o mundo sensível e o mundo
inteligível. Ele a definiu como a visualização do pensamento e a classificou em sensitiva,
produtiva e deliberativa. Agostinho a definiu como fantasia ilusória. Tomás de Aquino a
colocou na importante função de abstração das imagens essenciais, o conhecimento
inteligível, das imagens dos corpos, as imagens do conhecimento sensível.
Bacon, inspirado no pensamento do grego Aristóteles, definiu a imaginação como
“mensageira” entre o entendimento e a vontade. Hobbes a diferenciou pelo sentido de suas
imagens visualizadas. Descartes a chamou de “olhar da mente” e Espinosa alertou sobre as
44
suas ilusões. Wolff reconheceu a sua capacidade criativa. Hume, assim como Hobbes, a
distinguiu pela significação de suas imagens e estabeleceu a sua função “combinatória” e
de produção de novas ideias, ou seja, o seu auxílio à criatividade. Ainda na era da
modernidade, Immanuel Kant denominou a imaginação como mediadora entre a
sensibilidade e o entendimento. Fichte foi pioneiro sobre a compreensão do imaginário e
ainda deu a imaginação o status de fundamento da realidade possível. Hegel contribuiu com
a Estética dizendo que a imaginação é simbolizante, distinguindo-a da fantasia.
Edmund Husserl, o pai da fenomenologia, falou sobre a consciência imaginativa,
da capacidade de re-presentação da imaginação e ainda diferenciou representação
imaginária da representação físico-imagética. Albert Einstein, o físico filósofo, relatou que
os seus experimentos mentais ocorriam na imaginação. Bachelard estabeleceu a importância
da imaginação para os processos criadores, relacionou a imaginação criadora com a
criatividade e diferenciou a imaginação do imaginário simbólico. Bloch falou de utopia e
ainda salientou que esta faculdade é fundamental para a antecipação de um objeto acabado
no pensamento.
Sartre explicou que a imaginação tem função libertadora no fenômeno existencial
e afirmou que a imagem no pensamento é um tipo de consciência. Ricoeur reafirmou o papel
criativo da imaginação. Deleuze reacendeu a capacidade libertadora e transgressora da
imaginação. Por fim, Lévy, enquanto reflete sobre as influências das novas tecnologias de
informação e comunicação sobre os processos cognitivos, ressaltou que os dispositivos
tecnológicos estimulam e ampliam a capacidade imaginativa do homem do século XXI.
Após refletir sobre estas opiniões, entendi que a percepção, a abstração, a memória,
o raciocínio, a subjetividade e a criatividade operam suas funções através da imaginação.
Esta faculdade serve como suporte de ação – produzindo imagens – para as outras
faculdades. Sendo assim, dou início ao esboço do panorama sobre a imaginação a definindo
como a faculdade que promove a visualização das operações do pensamento.
Caso ancorasse o desenho do panorama da imaginação em conceitos apresentados
em algumas obras de referência, como os dicionários, certamente estaria um tanto perdida
nos diversos significados dados a esta faculdade:
1 faculdade que possui o espírito de representar imagens/ 1.1 capacidade
de evocar imagens de objetos anteriormente percebidos/ 1.2 capacidade de
formar imagens originais/ 2 faculdade de criar a partir da combinação de
ideias; criatividade/ 3 p.met.criação artística, literária/ 4 p.met.obra criada
pela fantasia; mentira.(HOUAISS; VILLAR, 2009)
45
Uma vez que isto acontece com uma faculdade cognitiva que também traz em si o
caráter subjetivo, a consequência é a atribuição de um sentido negativo, desde a definição
de seu conceito até o reconhecimento das suas operações elementares. Um exemplo disto
aconteceu com a imaginação dada por Santo Agostinho, quando não a distinguiu da
subjetividade humana e a definiu como “fantasia ilusória”. No entanto, os filósofos
modernos, enquanto discutiam as formas do saber humano e certamente inspirados em
Aristóteles, começaram a distinguir a imaginação das outras faculdades. A princípio e pela
maioria das opiniões, o conceito de imaginação parte da visualização do pensamento e
difere da memória, da fantasia, do raciocínio e da criatividade.
Assim como os filósofos da Era Moderna, também entendo a imaginação a partir
do caráter elementar de suas operações, que é transformar em imagens os elementos da
percepção e da intelecção. A imaginação torna visível o pensamento – ela expressa o espírito
– e é o lugar onde as outras faculdades se expressam, representam e põem em ação as suas
operações. Por analogia, é uma plataforma do pensamento, a superfície sobre a qual se
assentam e funcionam outras faculdades, as quais têm funções específicas e diferentes da
imaginação, tais como:
• Pensar é imaginar;
• Perceber é imaginar o objeto com consciência do objeto;
• Visualizar um objeto no pensamento é imaginar o objeto;
• Lembrar é imaginar memórias vividas;
• Fantasiar é imaginar ficções;
• Abstrair é imaginar o objeto em si;
• Raciocinar é imaginar possíveis associações, possíveis articulações;
• Analisar é imaginar as partes do todo;
• Criticar é imaginar o todo pelas partes;
• Criar é imaginar algo novo, novas combinações;
• Solucionar é imaginar combinações exequíveis;
• Entender é imaginar as associações e relações de causas e efeitos;
• Conhecer é imaginar o objeto do conhecimento;
• Apreender é imaginar o próprio objeto do conhecimento.
Visto que, através da imaginação ocorrem as mais diversas e infinitas formações e
estruturas, onde as vias de trânsito dos elementos de percepção e intelecção são interligadas,
46
não há como estabelecer uma “compartimentação” entre as faculdades que nela operam.
Como ilustração, “imagino” o funcionamento das operações que ocorrem na imaginação
semelhante ao movimento de um motor, onde cada engrenagem é uma faculdade específica,
quais sejam, a percepção, a abstração, e memória e o raciocínio. A catraca de acionamento
deste motor é a atenção. A corrente que une e faz todas as engrenagens girarem
simultaneamente é a volição. Seria simples compreender se assim fosse, mas a complexidade
da relação da imaginação com as faculdades que através dela agem, está muito além de fazer
uma simples ilustração e analogia com um motor em funcionamento.
2.2.2.1. Tipos de imaginação
Inspirada no método de denominação feito por Thomas Hobbes, quando se baseou
na significação da imagem da “coisa vista” para definir as diferentes categorias da
imaginação, classifiquei esta faculdade em três tipos: imaginação reprodutiva, imaginação
subjetiva e imaginação produtiva.
Antes, é de fundamental importância dar relevo ao entendimento que tenho ao fato
de que, na mente humana, no que se refere a imaginação, não existe a possibilidade de se
“compartimentar” as ações e os produtos das faculdades. A intenção de lançar mão dos
métodos da Taxonomia na definição do conceito de imaginação tem a finalidade de tornar
o panorama sobre esta faculdade do espírito humano em algo fácil de ser compreendido por
todos que nele tiverem acesso.
A Imaginação reprodutiva é aquela que retoma objetos, sensações, percepções,
experiências, emoções e conhecimento, isto é, reproduz as memórias. Logo, quando o
objeto visualizado no pensamento tiver a significação de algo percebido no tempo passado
e a ele for atribuído elementos, tais como, o espaço onde foi percebido e as emoções vividas,
defino que este objeto é produto da memória, ou seja, da imaginação reprodutiva.
A Imaginação subjetiva se emana o “eu” subjetivo, a consciência de si, os
valores morais, a volição, as dores, os prazeres, paixões e fantasias, isto é, onde ocorrem as
representações de todos os fenômenos psíquicos. Não há como definir tipos de produtos e
significados emergidos da subjetividade, uma vez que é ela quem determina o sentido das
representações visualizadas no pensamento. Como disse enquanto confabulava, as forças
volitivas do sujeito constituem a condição sine qua non para a atenção, o elo de ligação
entre o mundo experenciado e o mundo abstrato, e para além, o ponto de partida que
determina em quais vias transitarão os elementos da percepção até a intelecção. Estes fatores
não são balizados apenas pela ação do querer, as emoções também são fundamentais e
47
juntas, segundo Hessen (2000), formam as forças espirituais humanas as quais determinam
“o centro de gravidade humano”, as “forças intelectuais”, ou seja, a imaginação subjetiva
determina a essência de toda e qualquer significação dos produtos gerados pelas outras
faculdades que operam na imaginação.
A Imaginação produtiva é produtiva quando as imagens mentais representam
um feedback da intelecção ao estímulo dado por uma experiência sensível ou de outra
intelecção (racional ou emocional), ou seja, quando o resultado da reação do sujeito a uma
informação ou estímulo é uma expressão ou representação mental com uma significação.
Logo, com o objetivo de caracterizar os produtos gerados pela imaginação, em função das
suas significações, subclassifiquei a imaginação produtiva em produtiva intelectiva,
produtiva criativa e produtiva estendida.
A Imaginação produtiva intelectiva é aquela onde, a partir de uma informação,
seja de origem sensível, emocional ou da própria intelecção racional, o sujeito – sob o
estímulo da vontade – abstrai e articula os seus elementos, faz associações, os organiza e os
compreende. A partir daí, vem a fase das análises e as conclusões sobre aquele conteúdo
percebido. São estas conclusões (feedback ou significações), resultados das operações do
raciocínio, que denomino por produto da imaginação produtiva intelectiva. Diferente da
lembrança, que é a reprodução de uma dada experiência, a representação mental da
compreensão e a análise de uma informação são significados atribuídos a própria
informação: é o entendimento do sujeito sobre o objeto.
A Imaginação produtiva criativa é o segundo tipo de imaginação produtiva.
Nesta, o feedback da experiência (sensível, intelectiva racional ou emocional) é resultado
de uma criação ou ressignificação da própria experiência, ou seja, quando o sujeito,
motivado pelo desejo ou necessidade, transforma a informação (ou objeto) percebida em
algo deferente do que era antes. Estes produtos emanam do que denomino de uma
“complexa” operação que ocorre na imaginação, pois envolve, na minha opinião, todas as
faculdades cognitivas do sujeito, desde as subjetivas, passando pelas experiências sensíveis,
intuição, até as capacidades racionais e de conhecimento técnico específico.
A Imaginação produtiva estendida é o produto material da imaginação, aquilo
que criamos e materializamos nas mais diversas formas: os desenhos, os sons, as esculturas,
as pinturas, os objetos utilitários, os vestuários, os calçados, as construções arquitetônicas,
os móveis, os transportes etc. Todos os objetos elaborados e produzidos pelo homem é uma
forma de imaginação estendida, afinal, foi idealizado, elaborado através do uso das imagens
produzidas pela imaginação.
48
Desta complexa operação que é imaginar, nascem produtos das mais diversas
naturezas de significado e aplicação prática: fantasias e ficções, obras artísticas, descobertas
científicas, inovações tecnológicas, resolução de problemas, criação e ressignificação de
práticas e costumes etc. A partir da sintonia da atenção do sujeito por um objeto ou
informação, a sensibilidade subjetiva e a intuição direcionam as percepções para os
caminhos de expressão do “eu” subjetivo. O raciocínio lógico entra em ação e articula,
associa, dá nexos, analisa e forma a significação sobre o objeto de percepção. À luz de um
desejo ou necessidade, o sujeito articula e combina elementos, objetos, experiência prática
ou conhecimento técnico com outros elementos, objetos, experiência etc. Enquanto todas
estas operações e experimentos ocorrem, imagens são visualizadas no pensamento, porque
pensar é imaginar.
49
3. IMAGINAÇÃO E CONHECIMENTO
O sol, ao iluminar o universo, aprende a tornar-se astro luminoso; o
pensamento, ao iluminar os entes, aprende a tornar-se conhecimento.
(BUZZI, 2012, p. 15)
3.1. CONHECER: NASCER JUNTO
Ao estudar o sentido da palavra conhecimento, observo que, a partir da sua
construção etimológica e traduções, surgem interessantes interpretações e
atravessamentos de diferentes perspectivas. Isto ocorre porque o conhecer, o ato de
adquirir conhecimento, está além de ser a mais destacada das características da natureza
humana em relação aos outros seres vivos – o conhecer ainda é uma incógnita para a
ciência. Eis o motivo de tantos estudos!
A origem da palavra conhecimento vem do latim cǒgnõscěre e significa saber, que
é sinônimo do latim sǎpěre e significa ter conhecimento, ter sabor ou agradar o paladar.
Assim sendo, por uma palavra remeter à outra, conhecer e saber possuem significados em
comum, tais como ter noção, informação e ciência.
Ao traduzir conhecer para o francês e espanhol, connaissance e conocimiento
respectivamente, temos o significado de “nascimento do ser, o seu erguer-se e mostrar-se
ao pensamento”, conforme explica Buzzi (2012, p. 19). Guimarães (2019) complementa que
connaissance tem também o significado de co-nascimento:
Quando co-nascemos, quer dizer, quando “nascemos junto com o que
nasce” nós, por assim dizer, experienciamos, ou, melhor dizendo,
experimentamos, saboreamos o nascer/aparecer disto que
nasce/aparece! Nesse saborear, sentimos seu gosto, de tal forma que,
somente assim, poderíamos, com direito, afirmar que o conhecemos.
Em sua dimensão mais radical, saber – conhecer – é, então, saborear
(GUIMARÃES, 2019, p. 39).
Logo, conhecer é saborear aquilo que experimentamos, é “presentificar o ser,
tornando-o visível e audível junto a nós” (BUZZI, 2012, p. 19), no nosso pensamento. Isto
é, o conhecimento é o sabor da descoberta e a consciência da representação do objeto no
50
pensamento do homem. Como disse anteriormente3, pensar é imaginar e conhecer é
imaginar o objeto do conhecimento. Uma vez que o sujeito pensa, imagina um objeto com
consciência do objeto no pensamento, isto é, próprio de quem o imaginou. Não se trata da
cópia fiel do objeto físico pertencente à realidade que o cerca, ou seja, memória produzida
pela imaginação reprodutiva, mas a forma abstrata que o objeto tomou no pensamento
através da imaginação produtiva intelectiva. Por isto, o ato do conhecimento é
“presentificar”, presentear o novo ao pensamento.
Conhecimento é o pensamento que nasce junto com o objeto que nasce na
imaginação do homem que pensa. O conhecimento é a apropriação do objeto pelo homem
e o ato conhecer é o processo pelo qual ocorre a apropriação no pensamento.
[...] é a compreensão inteligível da realidade, que o sujeito humano adquire
através da sua confrontação com essa mesma realidade. Ou seja, a
realidade exterior adquire, no interior do ser humano, uma forma abstrata
pensada, que lhe permite saber e dizer o que esta realidade é. A realidade
exterior se faz presente no interior do sujeito do pensamento. A realidade
por meio do conhecimento, deixa de ser uma incógnita, uma coisa opaca,
para se tornar algo compreendido, translúcido (LUCKESI, 2011, p. 154).
3.2. O CONHECIMENTO DOS ESPAÇOS EDUCACIONAIS
Esta pesquisa permeia o campo da educação e o processo de aquisição do
conhecimento aqui discutido está relacionado com a aprendizagem pelo estudante. Portanto,
tomo como objeto do conhecimento o legado que a humanidade herdou das ciências ao
longo da história – o conjunto de informações registrados nos livros e representados pelas
técnicas e tecnologias – isto é, o conhecimento científico da realidade.
E por que especificadamente o conhecimento científico?
Para iniciar a explicação, Vasconcellos (1995) diz que da relação entre o sujeito e
o objeto se entende “como sendo a relação de um sujeito cognoscente com um objeto
cognoscível” e lembra que:
De certa forma, essa referência à relação sujeito-objeto é um tanto
simplificadora, uma vez, que não existe o sujeito, nem o objeto, como tais,
independente da totalidade social. Não há o “ato puro” de conhecimento,
uma vez que tanto o homem, quanto a natureza, estão marcados pelo
trabalho acumulado de inúmeras gerações, trabalho este objetivado na
cultura (p. 36).
3Vide capítulo 2.
51
Quer dizer, o conhecimento posto nos livros e manuais, resultado do trabalho das
ciências ao logo do percurso da humanidade, é o que temos como material validado,
organizado e sistematizado para o ensino escolar. Porém, antes temos que considerar a
nossa história pessoal e social, nossa cultura, bem como a nossa relação com o meio
ambiente local, com as outras sociedades e respectiva cultura – é um ciclo infinito de nexos
e suas relações. Wachowicz (1989, p.12) complementa, afirmando que “os nexos internos
da realidade precisam ser explicados para o pensamento, como os nós de onde partem todas
as tramas existenciais e históricas”. Portanto, conforme disse Vasconcellos (1995, p.37),
“[...] não há ato puro de conhecimento independente da totalidade”, pois somos seres sociais
pertencentes a trama da história de um lugar, de onde os conteúdos devem partir, isto é, da
relação do conhecimento científico com o contexto social.
O indivíduo e a sociedade são tomados como uma só realidade, que se
movimenta e se transforma através das relações que a sua historicidade
determina. [...] Entendemos que o conhecimento científico da realidade é
produzido socialmente, porém a sua apropriação não é socializada, o que
depende em parte da escola. Embora esta não trate especificadamente da
produção do saber, trata especificadamente de sua apropriação por parte da
população (WACHOWICZ, 1989, p. 12).
Ademais, “a realidade não se revela diretamente. A manifestação inicial do real é
caótica”, observa Vasconcellos (1995, p. 38). Por trás da expressão de cada fato explícito
aos olhos de quem observa, há uma série de determinantes históricas e sociais que não são
reveladas facilmente, sendo necessário o aprofundamento pelos olhos do pensamento sobre
o fato, para que o sujeito se aproprie do conhecimento. Porém, este aprofundamento não
ocorre naturalmente, nem normalmente, aos olhos da insipiência; é preciso um
conhecimento anteriormente produzido para o sujeito conhecer.
Outro elemento que também incide sobre os olhos do pensamento é a imaginação
subjetiva, isto é, a subjetividade do sujeito que observa. Os determinantes que atuam sobre a
observação da expressão do fato são tão complexos que definem um entendimento próprio pelo
observador sobre o fato. Um fato apenas é entendido a partir de diversas perspectivas, pois
depende também das determinantes subjetivas dos olhos de quem o observa.
Os efeitos que a imaginação subjetiva pode promover durante o processo da
aquisição do saber é a gênese da preocupação pelas ciências que se ocupam do
conhecimento. Ao tempo que esta faculdade tem como função servir como representação
visual da construção do conhecimento do objeto no pensamento pelo sujeito, carrega em si
52
uma subjetividade própria capaz de determinar o entendimento sobre o objeto, pois
fantasiar é imaginar ficções e ilusões.
Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a imaginação possui duas
faces: a de auxiliar precioso para o conhecimento da verdade e a de perigo
imenso para o conhecimento verdadeiro. [...] Muitas vezes, lendo um
romance ou vendo um filme, compreendemos e conhecemos muito melhor
uma realidade do que se apenas lêssemos livros científicos ou jornais. Por
quê? Porque o artista, pela imaginação, capta o essencial e reúne o que
estava disperso na realidade, fazendo-nos compreender o sentido profundo
e invisível de alguma coisa ou de alguma situação. O artista nos mostra o
inusitado, o excepcional, o exemplar ou o impossível por meio dos quais
nossa realidade ganha sentido e pode ser mais bem conhecida. [. ..] Outras
vezes, porém, [...] surge um tecido de imagens, isto é, muitas imagens
presas umas nas outras formando uma realidade imaginária ou um
imaginário que desvia a nossa atenção da realidade ou que serve para nos
dar compensações ilusórias para as desgraças da nossa vida ou de nossa
sociedade (CHAUÍ, 2014, p. 184, grifos da autora).
Considerando que o caos imediato da expressão do fato e que os aspectos histórico-
sociais, bem como a subjetividade do sujeito, engendram o complexo do fenômeno do
conhecimento, compreendo o porquê do processo educativo – alfabetização, instrução,
informação e formação profissional – ocorrer principalmente em ambientes escolares e o
porquê do tipo do conhecimento apresentado nas salas de aula ser o científico:
Justamente, um dos motivos porque se precisa da escola é o fato do
conhecimento não se dar de forma fácil, imediata, por simples observação
da realidade ou pelo contato com o conhecimento estabelecido; no dia a
dia temos contato com a aparência que mais esconde que revela a essência.
[...] uma vez que, a miúde, a consciência do sujeito (em suas concepções)
está marcada pelo movimento aparente. O sujeito precisa da mediação de
instrumentos (materiais – microscópio, bisturi etc. – ou mentais –
linguagens estruturas de pensamento e representação, método, conceitos
etc.) para captá-la. Conhecer é um trabalho, exige esforço. Dentro de
certas proporções, isto vale tanto para o novo conhecimento, quanto para
a apropriação do conhecimento já produzido, desde que não estejamos
considerando a simples atividade de repetição mecânica de palavras,
mas a autêntica apropriação pelo sujeito do conhecimento já
estabelecido (VASCONCELLOS, 1995, p. 38, grifos meus).
Grifei esta última expressão da citação acima para destacar a relevância do
entendimento sobre o tipo de conhecer que deve ser cultivado em sala de aula. Acerca do
que Vasconcellos (1995) se refere por “atividade de repetição mecânica de palavras”,
Luckesi (2011) denomina por retenção do objeto e ainda empreende no sentido de anular
um senso comum posto nos ambientes educacionais: a retenção do objeto pelo estudante é
sinal que ocorreu o aprendizado; esta crença, no entanto, está equivocada.
53
3.2.1. Diferença entre retenção e elucidação
A retenção das informações auxilia no processo de entendimento, pois sempre
precisamos lançar mão da memória – através da imaginação reprodutiva – para resgatarmos
elementos experienciados e apreendidos anteriormente, os quais servirão para compor as
articulações com os elementos provenientes das novas experiências. Neste sentido, as
informações retidas são conhecimentos anteriormente adquiridos. Contudo, é importante
ressaltar, “elas (informações retidas) por si mesmas não são o conhecimento que cada
sujeito humano, em particular, tem da realidade”, diz Luckesi (2011, p. 155).
A argumentação deste autor se desenrola em torno da diferenciação entre retenção
daquilo que está escrito nos livros e a elucidação, o entendimento anterior da realidade.
Quando se diz que o conhecimento é a representação do objeto no pensamento, é fácil
confundir conhecimento, o saber, com um produto da imaginação reprodutiva – lembrar é
imaginar memórias vividas, conhecimentos adquiridos. A retenção, em si mesma, é o
resultado da memorização dos conteúdos recebidos através de apresentações em aulas,
livros, palestras, videoaulas etc. sobre o objeto do conhecimento. Neste caso, o aprendente
decora as lições para reter informações e fragmentos isolados sobre o objeto do
conhecimento, a fim de realizar as avaliações; pouco depois, este conteúdo é esquecido.
Já a elucidação é uma espécie de projeção de “luz que a inteligência” do aprendente
incide sobre o objeto do conhecimento. O aprendente “projeta a luz cognitiva”, segundo
Luckesi (2011), de maneira que ele consiga enxergar em seu pensamento todos os elementos
que compõem o objeto e seu contexto, percebendo as conexões entre as partes, as relações
de associações, contradições, causas e efeitos. Em outras palavras, ele compreende a
realidade sobre o objeto.
O pensamento, porém, vai além do trabalho da inteligência: abstrai (ou
seja, separa) os dados das condições imediatas da nossa experiência e os
elabora sobre a forma de conceitos, ideias e juízos, estabelecendo
articulações internas necessárias entre os seus elementos, de sorte que por
eles conhecemos a origem, os princípios, as consequências, as causas e os
efeitos daquilo a que se refere (CHAUÍ, 2014, p. 201).
Todo este processo é expresso pela imaginação produtiva intelectiva, cuja
faculdade é responsável pela visualização da cognição do objeto do conhecimento no
pensamento dos sujeitos. A “projeção de luz cognitiva”, uma metáfora usada por Luckesi
(2011), significa a iluminação, o clareamento, uma condição da qual o sujeito tem visão da
sua atividade intelectiva – é o que defino como operação da imaginação produtiva
54
intelectiva, a ilustração do próprio raciocínio. Uma vez que a atividade cognitiva está clara
aos olhos do pensamento, o sujeito consegue ter autonomia sobre o próprio processo
cognitivo, organizando todos os elementos que compõem o objeto do conhecimento e
direcionando-os para a sua apropriação – elaborando “conceitos, ideias e juízos”, assim
como descreve a autora na citação acima.
Esta explicação sobre a elucidação durante o processo de apropriação da realidade feita
por Luckesi (2011) e a relação com a atividade da imaginação produtiva intelectiva me remete
ao problema motivador desta pesquisa. Entendo que, quando o estudante relata a dificuldade de
visualizar no pensamento os novos conteúdos apresentados em sala de aula pelo professor, é
porque a sua imaginação não está em plena atividade de produção intelectiva, ou seja, o que
está ocorrendo no pensamento do aprendente neste momento é uma escuridão cognitiva, fato
que se torna obstáculo para a apropriação do objeto do conhecimento.
Além disso, tem vários agravantes que cercam o processo de ensino e aprendizagem
nos ambientes educacionais. Tratam-se de dificuldades, tais como: a não compreensão
sobre a importância da apropriação do conhecimento pela elucidação ou a vergonha do não
entendimento dos conteúdos por parte do estudante, associado ao receio deste de relatar o
problema de não entendimento ao professor; a falta de entendimento ou conscientização
por parte do professor sobre a aquisição do conhecimento dos estudantes; a acomodação
ou falta de interesse por um desses protagonistas ou por ambos; os problemas estruturais
de políticas educacionais, dentre outros. Assim, neste contexto, o aluno, sem saída, recorre
à retenção do conteúdo, ou seja, ele decora as lições para fazer as avaliações da componente
curricular – daí a relevância do entendimento sobre a diferença entre retenção e elucidação
da realidade por parte de professores e estudantes.
Muitas vezes, o conhecimento é confundido com o processo de decorar
informação dos livros, para a seguir, repeti-las em provas escolares ou em
provas de seleção. Isso não é conhecimento. Isso é memorização de
informação, sem saber o que, de fato, essa informação significa
(LUCKESI, 2011, p. 156).
Os professores, como personagens mais esclarecidos, lançam mão de metodologias
de abordagem e instrumentos de aprendizagem para auxiliar na “iluminação” do processo
cognitivo dos seus estudantes. Por outro lado, os alunos empreendem sua “luz cognitiva”
na elucidação e apropriação do conhecimento. Uma vez que uma opinião equivocada é
tomada como verdade, a exemplo da retenção da informação significar aquisição do
conhecimento, e que esta opinião é senso comum nos ambientes educacionais, o prejuízo
55
social está posto. Isto leva os professores a crer que basta apresentar o conteúdo aos alunos
que eles aprendem e pronto: o conteúdo está dado. O estudante decora a lição e faz a
avaliação. “Ficam excluídas as historicidades, os determinantes, os nexos internos, a rede
teórica, enfim, os elementos que possibilitaram aquela síntese obtida; a ausência desses
aspectos científicos, sociais e históricos deixa os conteúdos soltos, fragmentados, com fim
em si mesmos” (ANASTASIOU, 2009, p. 18, grifos da autora). Logo, reduz-se o trabalho
de ensinar, assim como se reduz também o trabalho de aprender, de pensar, de analisar e de
criticar. Consequentemente, reduz-se a possibilidade de desenvolvimento do corpo social
alcançado por este estilo de ensino.
Diante do exposto, nas palavras de Wihby (2018), retomo à questão da aquisição
de conhecimento nos ambientes educacionais, porque só “entendemos que o como se ensina
somente pode ser pensado a partir do como se aprende” (p. 392, grifos da autora).
3.3. COMO SE APRENDE
O aprendizado, ou o ato conhecer, é objeto de estudo de várias áreas da ciência, a
exemplo da Filosofia, Epistemologia, Psicologia, Biologia e Neurociência. No campo ramo
da Educação, onde estamos ancorados, temos diversas correntes que pesquisam e
experimentam suas teorias de aprendizagem, cada uma sob uma perspectiva, com diferentes
explicações sobre as formas do conhecer. Para atender aos objetivos de estudos deste
trabalho, irei concentrar os esforços na vertente sobre a qual os autores que formam o
arcabouço teórico desta tese aportaram suas investigações: a teoria e metodologia dialética
do conhecimento.
Antes de prosseguir, é válido acrescentar que este fundamento foi resgatado e
inspirado no método de investigação sobre a relação das sociedades com a economia vigente
no século XIX, desenvolvido pelo filósofo, economista e teórico do socialismo alemão, Karl
Marx (1818-1883). Segundo Wihby (2018), Marx não escreveu especificadamente sobre a
apropriação do conhecimento na educação; ele usou a concepção dialética da ciência para
explicar o seu método de economia política. A partir da forma como este filósofo explicou
as suas teorias, o método denominado por materialismo dialético, outros estudiosos, estes
da área da educação, resgataram e se apropriaram dos seus princípios, ressignificaram seus
procedimentos e aplicaram-no nas teorias pedagógicas e de ensino. Wachowicz (2001)
explica porque:
56
Parece que o melhor método, ao se abordar um objeto que se queira
pesquisar, seja começar pelo real e pelo concreto, ou o que mais
concretamente represente a realidade. Foi o que fez Karl Marx, quando
estudou a sociedade europeia do século XIX [...] o concreto só ganha
sentido quando a análise vai descobrindo suas determinações [...] será não
apenas tomar as determinações em si, mas colocá-las em relação umas com
as outras, pois em si elas permanecerão estáticas e portanto incapazes de
explicações da realidade (p. 2, grifos da autora).
3.3.1. Teoria e metodologia dialética do conhecimento e a imaginação
Dos princípios elementares da teoria dialética do conhecimento, destaquei os
seguintes:
• A realidade é a totalidade histórica e concreta;
• A totalidade é um fenômeno dinâmico e social;
• O homem é um ser ativo, agindo sobre a natureza e modificando-a, produzindo
a realidade a partir das suas necessidades, assim como produzindo a si mesmo,
como sujeito histórico-social pertencente a uma totalidade;
• A realidade, em sua totalidade, não se apresenta imediatamente à compreensão
do homem;
• O homem conhece a realidade através da reflexão sobre as contradições entre as
manifestações imediatas do fenômeno à sensibilidade e o entendimento sobre as
relações e as determinações das condições materiais, concretas e históricas da
totalidade;
• O concreto, o material, o objeto – a coisa em si – é parte da totalidade, porém,
com fim em si mesmo, não revela a realidade;
• Existem dois graus de conhecimento da realidade, do objeto, pelo homem: a
representação e o conceito;
• Quando o homem formula o conceito sobre cada coisa em si, considerando a
relação de determinação e a contradição com as outras coisas, construindo uma
totalidade, então ele conhece a realidade.
Conhecer, à luz da teoria dialética do conhecimento, é analisar, refletir sobre os
determinantes que formam a totalidade de uma realidade. Não se trata de investigar cada parte
isolada do todo, mas as relações e associações entre elas, que é o fenômeno que forma a
totalidade. Não se trata de uma totalidade, objeto ou coisa em si, destacada de uma situação –
tem que se considerar o contexto histórico e social, pois ele também determina essa realidade.
57
Para chegar a sua compreensão, é necessário fazer não só um certo esforço,
mas também um détour. Por este motivo o pensamento dialético distingue
entre representação e conceito da coisa, com isso não pretendo apenas
distinguir duas formas e dois graus de conhecimento da realidade, mas
especialmente e sobretudo duas qualidades da práxis humana. A atitude
primordial e imediata do homem, em face da realidade, não é a de um
abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a
realidade especulativamente, porém a de um ser que age objetiva e
praticamente, de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática
no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a
consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado
conjunto de relações sociais. Portanto, a realidade não se apresenta aos
homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir,
analisar e compreender teoricamente, cujo polo oposto e complementar
seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e
apartado do mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua
atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata
intuição prática da realidade. No trato prático-utilitário com as coisas – em
que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos,
exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo “em situação”
cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema
correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade
(KOSIK, 1969, p. 9-10).
A forma imediata em que a realidade se apresenta para o cotidiano é a observável.
A sua imediata representação construída no pensamento humano é fruto da experiência onde
a construção da projeção do fenômeno no pensamento é imbuída nas determinações
históricas “petrificadas”, ocorrendo a pseudoconcreticidade entre fenômeno e realidade.
Kosik (1969, p. 11) ainda completa, afirmando que é “um claro-escuro de verdade e engano”
e que o “fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde”. Segundo o filósofo,
na pseudoconcreticidade, o fenômeno e a essência, a realidade, são tomadas como iguais,
pois o fenômeno ocorre imediatamente no mundo sensível. No entanto, a estrutura de
elementos e nexos que compõem a realidade não são reveladas. Para o homem conhecer a
coisa em si, a realidade, é necessário destruir a pseudoconcreticidade através uma análise –
daí aportamos na metodologia dialética do conhecimento.
Como é possível compreender o novo? Reduzindo-o ao velho, isto é, a
condições e hipóteses. Nesta concepção o novo se apresenta como algo
externo, que se anexa num segundo tempo, à realidade material. A matéria
está em movimento [...]; e o processo cognoscitivo se transforma em
explicação dos fenômenos. A realidade é interpretada não mediante a
redução a algo diverso de si mesma, mas explicando-a com base na própria
realidade, mediante o desenvolvimento e a ilustração das suas fases, dos
momentos do seu movimento (KOSIK, 1969, p. 28-29, grifos do autor).
58
O autor inicia sua explicação sobre o método dialético do conhecimento pela
questão: “como é possível compreender o novo?” De início, ele orienta que a ação conhecer,
qualquer que seja a sua natureza, ocorre a partir de uma causa, isto é, de outro fenômeno.
Por este motivo, Kosik (1969) chama atenção sobre o movimento acumulativo de
desenvolvimento da matéria com relação ao tempo. Com base neste movimento, a ação
cognitiva passa a acontecer através de associações de causas e efeitos, além do enlaçamento
dos nexos que constituem o objeto, num processo explicativo sobre o fenômeno, de
construção do conhecimento, o qual se denomina por movimento espiral de conhecimento
– por ser ascendente, positivo e evolutivo.
Entendo que atividade imaginativa é fundamental durante o movimento espiral do
conhecimento. Por ser a representação visual do pensamento, ela funciona como “a
ilustração das fases, dos momentos do seu movimento”, concordando com o pensamento
dialético de Kosik (1969). Enquanto ocorre este processo, a imaginação reprodutiva
trabalha na apresentação mental das condições de gênese do fenômeno resgatadas da
memória, pois estas não são presentes durante a manifestação imediata do fenômeno em
estudo. Já a imaginação produtiva intelectiva, elementar no processo explicativo do
fenômeno, em plena função, ilustra no pensamento os movimentos de articulações,
associações e enlaçamento dos nexos que compõem o objeto do conhecimento. Portanto,
no movimento, na ação conhecer ocorre a “projeção de luz cognitiva”, retomando a
afirmação de Luckesi (2011), função esta da imaginação produtiva intelectiva.
O ponto de partida do exame deve ser formalmente idêntico ao resultado.
Este ponto de partida deve manter a identidade durante todo o curso do
raciocínio visto que ele constitui a única garantia de que o pensamento não
se perderá no seu caminho. Mas o sentido do exame está no fato de que no
seu movimento em espiral ele chega a um resultado que não era conhecido
no ponto de partida e que, portanto, dada a identidade formal do ponto de
partida e do resultado, o pensamento, ao concluir o seu movimento, chega
a algo diverso – pelo seu conteúdo – daquilo que tinha partido. Da vital,
caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos
conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação
se opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como
ao vivo, mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito
do todo ricamente articulado e compreendido (KOSIK, 1969, p. 29).
No trecho acima, o filósofo explica um dos princípios básicos que caracterizam a
metodologia dialética do conhecimento: a orientação do movimento do pensamento, do
raciocínio, durante o exame do fenômeno. Ele determina que o ponto de partida da análise
59
deve ser “formalmente” o mesmo do ponto de chegada, quer dizer, o fenômeno em exame,
em si, deve ser o mesmo durante a ação do conhecer.
A exemplo ilustrativo, imagine que na metodologia dialética existe uma linha reta
vertical ascendente que emerge no ponto central inicial da espiral representativa do
movimento do conhecimento. Esta reta representa o objeto do conhecimento. Enquanto a
espiral evolui no sentido ascendente, a linha reta acompanha essa ascendência e se mantém
presa no ponto central inicial da espiral. Esta reta funciona como o centro das forças
centrípetas durante o movimento do conhecer. Ao finalizar o processo de evolução da
espiral, isto é, quando o pensamento finaliza o exame do objeto, dá-se o ponto final da reta.
O objeto se mantém o mesmo, mas o conhecimento em torno dele evolui durante o
movimento do pensamento.
3.4. APRENDER A PENSAR PARA CONHECER
A explicação sobre a orientação do movimento espiral do conhecimento ultrapassa
o caráter teórico e avança enquanto metodologia aplicada nos espaços educacionais, já que
as ações deste caráter são de fundamental importância para quem está do outro lado do
fenômeno do conhecimento – o aprendente. Considerando os obstáculos de compreensão
dos novos conteúdos pelos estudantes, dentre uma complexidade de fatores que engendram
este problema, destaco aqui a escuridão cognitiva, isto é, a dificuldade que eles possuem
em visualizar mentalmente as novas informações apresentadas em sala de aula. À luz da
concepção que pensar é imaginar e conhecer é imaginar o objeto do conhecimento,
proponho uma chave para a solução da escuridão cognitiva: estimular o exercício da
imaginação para que esta trabalhe em função da “projeção de luz”, ilustrando o movimento
do pensamento do estudante durante a elucidação da realidade. Portanto, estimular o
exercício da imaginação significa estimular o exercício do pensamento e, para isto, um dos
caminhos a percorrer é ensiná-lo a aprender a conhecer, a pensar, a imaginar, com o objetivo
de conhecer, antes mesmo de apresentar o conhecimento ao aprendente.
Pensar, na significação etimológica do termo, quer dizer sopesar, pôr na
balança para avaliar o peso de alguma coisa, ponderar. O pensamento [...]
usa ao máximo seus recursos para aprender a avaliar: quer tornar-se
avaliador [...]. Por causa disso [...] submete-se à aprendizagem de pensar:
busca a cor, o som e o sabor da realidade (BUZZI, 2012, p. 11).
60
Concordo com a citação acima e ainda registro: não é fácil aprender a conhecer.
Desde crianças somos habituados a divagar livremente nos próprios pensamentos, os quais
muitas vezes são fragmentados pelas experiências vividas no cotidiano. Logo, não estamos
acostumados a seguir uma sequência formal de início, meio e fim. As articulações e
associações acontecem naturalmente pela inteligência com fim em si mesma, por vezes com
o objetivo da compreensão de um fenômeno qualquer, porém não pelo hábito formal do
pensamento com o objetivo do conhecimento da realidade. Além disso, imbuído numa
mistura de imaginações produzidas pelas memórias, pelas emoções, bem como por nossas
elaborações, o pensamento é um mundo de infinitas possibilidades que pertencem apenas a
nós mesmos, portanto, são livres de amarras, disciplina e julgamentos.
3.4.1. Direcionando o pensamento: o como se pensa
Aprender a conhecer é aprender a “colocar o pensamento nos trilhos” a fim de
chegar ao conhecimento. Por esta razão, é importante se estabelecer o ponto de partida e
de chegada durante a ação objetiva do como se pensa durante a aquisição do conhecimento.
Com um objetivo definido, o aprendente submete a habitual divagação livre a uma
organização formal das suas ideias, na totalidade dos fenômenos ou apenas os seus
elementos. Então, seguindo inicialmente uma sequência de início, meio e fim, numa
organização lógica das próprias ideias, o aprendente naturalmente consegue trabalhar seu
raciocínio nas articulações, associações, relações de causa e efeito e elaborações do próprio
conhecimento – daí o movimento espiral do conhecimento aplicado enquanto um método,
que Kosik (1969) definiu como “o método do pensamento”.
Ademais, quando o sujeito tem como objetivo aprender ou criar algo, naturalmente
coloca em ação os principais sistemas vitais do seu corpo. O sistema sensorial trabalha captando
os elementos das manifestações imediatas dos fenômenos para o pensamento. O sistema
cardíaco, sincronizado com o respiratório, a cada aspiração, geram impulso e oxigênio para a
efetivação do sistema nervoso, que, por sua vez, alimenta e estimula a inteligência e suas
operações. Em cada momento que o raciocínio efetiva uma associação entre os elementos que
compõem o fenômeno e que os seus nexos são conectados uns aos outros, o sistema digestório
entra em ação e transforma esses elementos em moléculas que são absorvidas pelo pensamento
na forma de conceitos. Pelo fato de consumir muita energia durante todas estas atividades
físicas e mentais, explica-se a expressão: “pensar e aprender cansa!”.
61
Posto isto, ensinar o estudante a pensar através de um método tem o seu lugar de
importância no processo educativo, pois está além de uma orientação da forma de pensar
para aprender. Evita-se que o aprendente “se perca no caminho”, desperdice suas energias
vitais ou, somando-se o conjunto de outras dificuldades impostas, desista de aprender, de
conhecer a realidade – e escolha inconscientemente memorizar, reter, as partes
fragmentadas da totalidade do fenômeno.
Da mesma forma que o sujeito tem o hábito natural de permitir que o pensamento
divague livremente em suas imaginações, ele pode se habituar a pensar através de um
método quando o objetivo é compreender o novo. Quando o sujeito percebe que “aprender
a pensar significa promover o nascimento da realidade” (BUZZI, 2012, p. 25), ele é tomado
pela áurea da descoberta e, naturalmente, percorrerá o “método do pensamento” para
conhecer. Daí a importância da imaginação subjetiva no processo do conhecimento, onde
seu papel é a representação mental da alma, dos prazeres da revelação pelo conhecimento,
da volição por conhecer, das necessidades da vida cotidiana e dos estímulos que
impulsionam o aprendente a pensar com o objetivo de aprender, de buscar a cor, som, sabor
e brilho da realidade.
3.4.2. Desenvolvendo a autonomia intelectual
Ensinar o estudante a aprender significa ensiná-lo a pensar através de um método, uma
vez que, quando pensa com o objetivo de aprender, ativa naturalmente a sua imaginação, em
ampla função, ilustrando as operações do pensamento: a memória, a subjetividade, o raciocínio
com suas articulações e a criatividade. Imaginando, o estudante consegue enxergar os
movimentos do seu pensamento e coordenar a direção das articulações e elaborações do seu
raciocínio, balizando-as em torno do objeto, num movimento em espiral do conhecimento.
Portanto, quando o estudante enxerga e administra as direções do próprio pensamento, ele
desenvolve concomitantemente a sua autonomia intelectual, pois toma para si a ação e o
protagonismo da construção do próprio conhecimento.
3.5. ASCENÇÃO DO CONHECIMENTO PELO PENSAMENTO
A ascensão do abstrato ao concreto não é uma passagem de um plano
(sensível) para o outro plano (racional): é um movimento no pensamento e
do pensamento. Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao
concreto, tem de mover-se no próprio elemento, isto é, no plano abstrato,
que é a negação da imediaticidade, da evidência e da concreticidade
62
sensível. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento para o qual
todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta
abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é, por
conseguinte, em geral movimento da parte para o todo e do todo para a
parte; do fenômeno para a essência e da essência para o fenômeno; da
totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade; do objeto
para o sujeito e do sujeito para o objeto. O processo do abstrato para o
concreto, como método materialista do conhecimento da realidade, é a
dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade
em todos os seus planos e dimensões. O processo do pensamento não se
limita a transformar o todo caótico das representações no todo transparente
dos conceitos; no curso do processo o próprio todo é concomitantemente
delineado, determinado e compreendido (KOSIK, 1969, p. 30).
Este é o movimento de ascensão entre os dois graus de conhecimento, da
representação ao conceito. Quando por representação, a pseudoconcreticidade, ele
denomina por abstrato, e o conceito, as elaborações finais pelo pensamento do homem, o
concreto – o concreto pensado.
Com base no pensamento de Marx, o filósofo Karel Kosik (1926-2003) elaborou a
“dialética do concreto”, que trata da realidade em sua totalidade histórica e concreta
reproduzida no pensamento e se dá através do processo de abstratividade daquilo que foi
manifesto à sensibilidade pelo pensamento – onde a abstratividade é o movimento do
pensamento, “o plano abstrato”. Este movimento ocorre a partir da “negação da
imediatilidade” do fenômeno, do caráter próprio do método dialético, perpassada pela
mediação da análise e forma os conceitos, o concreto pensado – isto é, a abstratividade é o
meio de “destruição da pseudoconcreticidade”, “do caos” manifesto pelo fenômeno durante
a experiência.
Em outras palavras, também ancorado no pensamento de Marx, o autor brasileiro
Demerval Saviani (1943-) se apropriou, ressignificou e difundiu a concepção dialética –
agora no campo da Educação. Porém, ele avançou a dimensão teórico-filosófica e propôs
a dialética enquanto metodologia de ensino.
Simplesmente estou querendo dizer que o movimento que vai da síncrese
("a visão caótica do todo") à síntese ("uma rica totalidade de determinações
e de relações numerosas") pela mediação da análise ("as abstrações e
determinações mais simples") constitui uma orientação segura tanto para o
processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico)
como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o
método de ensino) (SAVIANI, 1999, p. 83).
Este autor não usou os termos adotados por Kosik (1969), tais como imediatilidade,
pseudoconcreticidade, abstratividade e concretividade. Ao invés disso, Saviani (1999) tratou os
63
dois primeiros termos referendados pelo filósofo tcheco como a visão caótica do todo, a
síncrese; fez a analogia da abstratividade com as abstrações e determinações mais simples, a
mediação pela análise; e relacionou o último termo de Kosik com a rica totalidade de
determinações e de relações numerosas, a síntese. Ambos definiram “o movimento do
pensamento” da mesma forma, bem como ratificaram o caos da manifestação imediata da
realidade como justificativa para a aplicação do método dialético na análise realidade. No
entanto, apenas Saviani (1999) direcionou este método para os espaços educacionais.
3.5.1. A visualização e organização do pensamento
[...] a compreensão dos alunos é de caráter sincrético [...] é sincrética uma
vez que, por mais conhecimentos e experiências que detenham, sua própria
condição de alunos implica uma impossibilidade, no ponto de partida, de
articulação da experiência pedagógica na prática social de que participam
[...] isto é, de modo confuso, caótico [...] (SAVIANI, 1999, p. 80 e 84).
O caminho entre a "caótica representação do todo" e a “rica totalidade da
multiplicidade das determinações e das relações" coincide com a
compreensão da realidade. O todo não é imediatamente cognoscível para
o homem, embora lhe seja dado imediatamente em forma sensível, isto é,
na representação, na opinião e na experiência. Portanto, o todo é
imediatamente acessível ao homem, mas é um todo caótico e obscuro. Para
que possa conhecer e compreender este todo, possa torná-lo claro e
explicá-lo, o homem tem que fazer um détour: o concreto se torna
compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação
da parte. Exatamente porque o caminho da verdade é um détour [...] o
homem pode perder-se ou ficar no meio do caminho. O método de ascensão
do abstrato ao concreto é o método do pensamento; em outras palavras, é
um movimento que atua nos conceitos, no elemento da abstração (KOSIK,
1969, p. 29-30).
Détour, ou movimento espiral do conhecimento, são definições sinônimas da
ascensão dos níveis de conhecimento pela concepção dialética. Para partir da representação
da totalidade imediata e chegar até o conceito sobre o objeto, ou seja, o “concreto pensado”,
o sujeito tem que superar inicialmente dois obstáculos durante o movimento do pensamento:
o primeiro é organizar o caos recebido pela sensibilidade, as representações; e o segundo é
ter controle sobre os direcionamentos do próprio pensamento durante a análise e
elaborações sobre o objeto do conhecimento, o conceito propriamente dito. Daí sublinho e
destaco repetidamente o lugar de importância do trabalho de estímulo e desenvolvimento
das atividades da imaginação durante a construção do conhecimento pelos sujeitos nos
espaços escolares.
64
A imaginação do aprendente, em ampla atividade, inicia as suas operações desde o
momento que ele abstrai, ou separa, os elementos que compõem os novos conteúdos
recebidos pela experiência sensível, para a mediação da análise pela inteligência – as
representações. A imaginação possibilita a visualização da organização mental destes
elementos e ilumina a realização das articulações, das associações de causa e efeito e da
reflexão sobre as contradições do imediato da experiência com as elaborações do
pensamento. Por fim, a imaginação ilustra as elaborações, os experimentos mentais, as
possibilidades de conexões, combinações, ressignificações e criações sobre o fenômeno
dado – o conceito. Pois o verdadeiro desafio do aprendizado “consiste na construção mental
ou na abstração que se efetiva quando, mentalmente, se é capaz de reconstruir o objeto
apreendido pela concepção de noções e princípios, independentes do modelo ou exemplo
estudado”, assim explicou Anastasiou (2009, p. 22).
Do conjunto de operações relatadas acima, por associação, afirmo que a
imaginação subjetiva age na representação da determinação pelo aprendente à atividade
intelectual e controle sobre o direcionamento objetivo dos seus pensamentos para o
aprendizado. Para tanto, a imaginação produtiva intelectiva trabalha em função da
visualização da organização das abstrações e análises dos novos conteúdos; a imaginação
reprodutiva atua na disposição e visualização de elementos apreendidos em experiencias
passadas; a imaginação produtiva criativa contribui nas elaborações dos conceitos,
ressignificações e inovações; e a imaginação estendida opera na materialização do concreto
pensado, do aprendizado pelo estudante.
Como a aprendizagem exige a compreensão e apreensão do conteúdo pelo
estudante, é essencial a construção de um conjunto relacional, de uma rede,
de um sistema, em que o novo conhecimento apreendido pelo aluno amplie
ou modifique o sistema inicial, a cada contato. Quando isso ocorre, a visão
sincrética, caótica e não elaborada que o estudante trazia inicialmente pode
ser superada e reelaborada numa síntese qualitativamente superior, por
meio da análise via metodologia dialética (ANASTASIOU, 2009, p. 21).
Por fim, o materialismo dialético é uma teoria do movimento do pensamento para
o conhecimento da realidade. A metodologia dialética é a formalização do pensamento em
busca do conhecimento. Então, concluo que o materialismo dialético é uma teoria do
movimento da imaginação para o conhecimento da realidade e a metodologia dialética é a
formalização da imaginação em busca do conhecimento, pois pensar é imaginar e conhecer
é imaginar o objeto do conhecimento.
65
4. ENSINO, APRENDIZAGEM E IMAGINAÇÃO
4.1. DA HISTÓRIA ÀS TEORIAS NO BRASIL
4.1.1. Aspectos da História
Ensinar! Anastasiou (2009, p. 18) explica que “o verbo ensinar, do latim
insignare, significa marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar para
o conhecimento.
O ato ensinar, desde a Antiguidade, teve o seu lugar de importância nas sociedades
e nasceu das relações entre crianças e jovens com os mais velhos, no núcleo central dos
corpos sociais: a família. Era uma exclusividade das classes dominantes da Grécia antiga,
quando a instrução doméstica recebeu o reforço do letramento e o direcionamento à cultura
retórico-literária, levando a conquista de espaços específicos para o ensinar: as
didascaléias. Então, surgem as escolas e, com estas, a figura do paidagogo, cuja palavra se
origina da concatenação de paidós (criança) e agode (conduzir), isto é, o “condutor de
crianças”, que no período clássico se tratava de um escravo que conduzia as crianças até o
local onde se realizavam as aulas e atividades físicas; ele conduzia a criança ao saber. Daí
a correlação de origem do termo pedagogia, que se refere à ciência da condução de crianças
ao saber, a ciência do ensino.
Neste mesmo movimento histórico, nas didascaléias pelas necessidades
emergentes, inauguram a paideia, derivada de pâis paidós, “criação de meninos”, que em
sua significação mais ampla foi um dos primeiros sistemas organizados de ensino, a partir
do qual os alunos eram apresentados a conteúdos de Filosofia, Aritmética, Retórica, Música
e Ginástica. Neste cenário, o detentor do saber e do saber ensinar, ou seja, o educador, ficou
conhecido como mestre condutor, um protagonista da vida juvenil, tal como foi Sócrates
para Platão, conforme lembrou Cambi (1999, p. 49). Mestres como estes eram especialistas
na techné didaktiké, na técnica de ensinar, na arte de ensinar, o que definimos hoje por
Didática, que é um ramo da Pedagogia.
Aprender! A ação de aprender vem do latim apprehenděre, que significa apanhar, adquirir
o objeto do conhecimento. É semelhante, ou sinônima, a apreender, que traz uma significação mais
66
ampla de agarrar, prender, pegar para si, tomar o objeto do conhecimento para si. Esses vocábulos
são comumente empregados nos espaços educacionais. Então, retomando a concepção sobre o
conhecimento do capítulo anterior, acrescento: aprender é apreender o objeto para si, é conhecer, é
a apropriação do conhecimento sobre o objeto pelo pensamento do aprendente. Ademais, assim
como o conceito formulado sobre o imaginar, o entendimento sobre o aprender remete a outras
ações de sentidos semelhantes, mas, na essência, os significados de aprender e apreender são
diferentes. Por exemplo, aprender também está relacionado a estudar, praticar, treinar, adestrar,
fixar, reter, decorar e memorizar.
Anastasiou (2009) adota o apreender, pois a significação deste termo traduz o
objetivo ideal dos espaços educacionais, que é a efetivação de uma intenção pretendida pelo
professor ao ensinar novos conteúdos aos seus alunos – deles apreenderem as novas
informações. Portanto, compreender, corporificar e praticar os verdadeiros sentidos sobre o
ensinar e o apreender são requisitos elementares para o processo de ensino e aprendizagem,
embora não seja assim que ocorra. Em face dos relatos históricos dos métodos utilizados e
dos materiais empregados, o professor serviu e, em muitos casos, ainda serve como um
mero transmissor de informações; o aluno, como um receptor; e o conhecimento, tudo
aquilo que se retém na memória do estudante. Ou seja, ensinar e aprender, desde longínquos
tempos, foi comumente relacionado a levar o aprendente a memorizar ou reter os novos
conteúdos – um senso comum, como explica Luckesi (2011), cujo assunto já foi abordado
no capítulo anterior.
Quando do final da idade média, a Companhia de Jesus, liderada por Inácio de
Loyola (1491-1556), publicou um método de ensino por meio da Obra Ratio Atque
Institutioni Studiorum (Método Pedagógico dos Jesuítas), na qual o processo educativo era
baseado na repetição e memorização, além de ser rigoroso na disciplina, com severidade e
aplicação de castigos corporais para aqueles que não lembrassem das lições.
O método jesuítico era uma resposta a Reforma Protestante de Lutero, que defendia
a alfabetização e o acesso ao conhecimento por todos. Assim, à luz dos preceitos ético-
religiosos defendidos, o monge luterano João Amós Comênio (1562-1670), lançou a
Didática Magna – Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. O objetivo da obra
era ensinar toda a população a ler e a escrever para ter acesso direto às escrituras, sem
intermediação e influência da Igreja Católica. Para isto, desenvolveu um método único para
ensinar tudo a todos.
O ensino, na didática comeniana, tem seu fundamento na própria natureza
[...] fornece em seu processo evolutivo as bases para o ensino: do simples
67
para o complexo, cada etapa a seu tempo [...] O curso dos estudos é
distribuído por anos, meses, dias [...] encontramos uma atenção especial à
natureza dos conhecimentos a serem ensinados – as línguas, a matemática,
as ciências, a filosofia [...] Assim, é a esses educadores reformadores do
século XVII que devemos a autoconsciência do proceder educativo,
retirando as cogitações didático-pedagógicas do âmbito da Filosofia, da
Teologia ou da Literatura, onde até então se abrigavam (ANASTASIOU;
PIMENTA, 2014, p. 43-44).
Comênio também recomendou o uso de meios para ensinar, tais como imagens,
gravuras e objetos, pois estes, no ponto de vista do luterano, auxiliariam o aluno a
memorizar o conteúdo. Sendo assim, devido à importância de sua obra, Comênio foi
considerado o pai da didática – o autor da primeira revolução neste campo da Pedagogia.
No entanto, as suas ideias tiveram um aspecto controverso: foi generalista, defendeu um
método único a todos, excluindo as especificidades pessoais, as histórias e as diferentes
culturas. Apesar disso, tornou-se base e modelo prático “para a generalização da escola a
toda a população, requisito e demanda do desenvolvimento comercial, da constituição das
cidades e, bem mais adiante, do capitalismo industrial”, conforme explicam Anastasiou e
Pimenta (2014, p. 43).
A metodologia dos jesuítas também teve adeptos e serve de modelo para os
métodos de ensino nos tempos de hoje, sobretudo no Brasil. Com base nas suas propostas,
a aula é um espaço onde o professor fala, apresenta um assunto e o aprendente anota, faz as
atividades de fixação e memoriza o conteúdo para fazer a avaliação. O ato de ensinar é
baseado na transmissão e o de aprender, na memorização.
Ao mesmo tempo que estes métodos fundados no transmitir e memorizar se
enraizavam tão profundamente nos espaços escolares, outras sementes didáticas foram
lançadas e cultivadas a partir das ideias iluministas do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778). Segundo Anastasiou e Pimenta (2014), Rousseau foi o precursor da segunda
revolução didática, criticando os métodos tradicionais, jesuíticos e comenianos e apresentou
um novo conceito para a infância. No seu ponto de vista, os métodos em uso eram
mecânicos, intelectualistas, tornavam os temas de estudos enfadonhos e não atraiam o
interesse dos estudantes. Em relação às crianças, Rousseau explicou que para os educadores
se aproximarem delas, teriam antes que entendê-las como crianças, defendendo um método
de ensino onde os procedimentos respeitariam o seu desenvolvimento natural. Vale registrar
que o pensamento do francês foi propulsor da formação das bases de um movimento
pedagógico que veio a se estabelecer apenas no final do século XIX, o Escola Nova:
68
Movimento que propôs alteração significativa nos métodos de ensinar
baseados na atividade do aprendiz. Formulado com base nas contribuições
do francês Pestalozzi (1749-1827), do alemão Kerschensteiner (1854-
1932) e do francês Decroly (1871-1932), autores europeus cujas ideias
conviviam com a época em que a criança passava a ser valorizada no bojo
do desenvolvimento industrial e da expansão da escolaridade pública,
considerada esta como direito e, ao mesmo tempo, requisito para a
formação da mão de obra do nascente capitalismo. Esse movimento
expande-se com as concepções da médica italiana Maria Montessori
(1870-952), e do filósofo americano John Dewey (1859-1952), que teve
por discípulo Anísio Teixeira (1900-1972), principal responsável pela
formulação e expansão desse movimento no Brasil (ANASTASIOU;
PIMENTA, 2014, p. 44).
Somado ao pensamento de Rousseau, outros fatores também contribuíram para o
desenvolvimento do movimento escolanovista, são eles: a Revolução Industrial (1760-
1840) e a Revolução Francesa (1789-1799).
Sendo literalmente a locomotiva da transformação social da vida europeia dos
séculos XVIII e XIX, a Revolução Industrial criou um novo sistema produtivo da economia
e do trabalho; reorganizou as sociedades, sendo formadas por um novo sujeito
socioeconômico, o operário, e por uma nova classe social, o proletariado; ressignificou os
valores das instituições, principalmente as familiares, escolares e religiosas e promoveu
seus próprios horrores, conforme lembrado por Cambi (1999, p. 370):
Entre a fábrica e a taberna, o operário é radicalmente deseducado,
desumanizado. Acontece também com a mulher-operária [...] As crianças
são também inseridas no sistema de fábrica, colocadas nas tecelagens ou
em outras fábricas para atender a determinadas fases da produção, ou nas
minas de carvão e de enxofre [...] são desnutridas, macilentas, raquíticas
[...] nascem, vivem e morrem na fábrica [...].
Este cenário se tornou profícuo para o surgimento de protestos contra a exploração
do ser humano, sobretudo da criança, do trabalho infantil. Intelectuais, religiosos,
filantropos e políticos perceberam, levantaram as vozes e influenciaram a emergência da
consciência social dos próprios operários em seus postos de trabalho. Assim, surgiram os
sindicatos e toda a sistematização de reivindicações que exigiram melhores condições de
vida para todos, inclusive escolas para as crianças.
Paralelamente, o movimento político e social da Revolução Francesa começou a
influenciar os pensamentos, com seus ideais civis e nacionalistas. “Esse processo
multiforme é também um processo educativo que se volta para/e que envolve indivíduos,
grupos e classes, que exalta a função dos intelectuais e os põe a serviço da política e da
opinião pública” (CAMBI, 1999, p. 372). A educação passou a receber o status de
69
investimento social voltado para o futuro, uma vez que, devido às novas tecnologias
inseridas nos postos de trabalho, surgiu a necessidade de instrução dos operários; eles
precisariam saber ler, escrever e contar. Consequentemente, ocorreu a ampliação da rede
escolar, tanto do nível de formação básica como superior.
Também foi dedicada atenção à formação dos professores nas escolas normais
[...] criaram-se os colégios reais, de orientação laica, os internatos para moças;
decretou-se a obrigatoriedade para a escola elementar; fundaram-se escolas
profissionais; fixaram-se programas uniformes. A experiência napoleônica
difundiu na Europa os princípios de instrução pública, obrigatória e gratuita,
realizando um sistema escolar orgânico e uniforme, caracterizado pelos
princípios de laicidade e de engajamento civil como inspiradores supremos de
toda a vida escolar (CAMBI, 1999, p. 369).
Para além, a força das transformações sociais e econômicas ocorridas na Europa deste
período fez com que os intelectuais, pensadores, políticos e educadores despertassem para a
importância política da educação, a fim de direcionar as sociedades. Observando de perto os
efeitos da Revolução Industrial, Marx foi um dos primeiros a perceber e escrever sobre a
importância da educação para a formação de profissionais técnicos. Para ele, o labor pago
combinado com formação politécnica e exercícios físicos, elevaria o proletariado para níveis
acima dos burgueses e aristocratas (WACHOWICZ, 1989).
Desta maneira, a educação e a pedagogia foram marcadas pelas ideologias,
sobretudo a marxista, e os espaços escolares passaram a ser lugares de discussões, busca
por reequilíbrio e unificação social, pois as organizações tradicionais e os processos
educativos já não atendiam o espírito social do final do século XIX. As escolas tradicionais,
pelos discursos dos ideais socialistas, deixariam de atender o interesse unilateral da classe
elitista para atender o interesse de todos os indivíduos que formam as sociedades. Embora
fosse defendida uma escola universal, conforme expôs Aranha (2006), o que predominou a
partir da segunda metade do século XX foi a escola tradicional, tecnicista e elitista.
Na locomotiva das transformações promovidas pelas revoluções contemporâneas
acima expostas, associada às ideias iluministas, que estavam impregnadas “pela crença na
capacidade e autonomia da razão para compreender o mundo, o que acelerou o processo de
secularização da consciência” (ARANHA, 2006, p. 115), e dos fatores destacados sobre a
progressiva preocupação com a educação na Europa, aponto ainda outros aspectos, tais
como: o pioneirismo da Universidade de Halle, na Alemanha, ao inserir a disciplina de
Pedagogia no seu currículo; as descobertas científicas nas áreas da Biologia, Antropologia,
Psicologia e das Ciências Humanas; e a oposição entre duas perspectivas filosóficas, o
70
positivismo de Auguste Comte (1798-1857) e o humanismo de Karl Marx e Friedrich Engels
(1820-1895), as quais definiriam as tendências das teorias pedagógicas.
Entre positivismo e socialismo, a ideologização da pedagogia torna-se
ainda mais forte e, sobretudo, mais explícita. No positivismo, [...] tende a
conformar o homem segundo necessidades e modelos expressamente
sociais, isto é, funcionais para a identidade/equilíbrio de uma determinada
sociedade. [...] O advento de uma sociedade positiva implica, como
central, o papel da educação, que socializa, conforma, integra e torna o
sujeito socialmente produtivo, enquanto regulado [...]: a participação e a
produtividade. No socialismo, [...] da sociedade liberada, caracterizada
pelo homem liberado, enquanto se realiza através do trabalho liberado e
reconstrói a própria convivência social da comunidade. [...] o socialismo
conjuga a pedagogia à ideologia da liberdade, mas entendendo-a como
liberação/ emancipação, como superação dos limites históricos da
formação humana e sua potencialização para todos numa sociedade sem
divisão de classes e sem trabalho alienado (CAMBI, 1999, p. 410-411).
Logo, nesse contexto de embates entre vertentes filosóficas, ideológicas e políticas em
torno da organização escolar e seus propósitos de formação do conjunto social, os estudos em
pedagogia se fortaleceram, seus métodos de ensino entraram nas pautas dos debates e se
tornaram objeto de estudos científicos e desenvolvimento de teorias.
4.1.2. Às teorias
A escola tradicional nasceu em um mundo ainda de certa forma estável, no
qual a educação se fazia com base em modelos ideais. Voltada ao passado,
essa escola tinha em vista transmitir a maior quantidade possível do
conhecimento acumulado, valorizando, portanto, um ensino
predominantemente intelectualista e livresco. À medida que a sociedade se
industrializava, tornando mais complexa a vida urbana, a educação exigia
reformas radicais que se expressaram em diversas teorias pedagógicas e
inúmeras experiências escolares efetivas (ARANHA, 2006, p. 223).
Não foi somente o conceito de tradicional que não coube mais à escola da era
contemporânea, o espírito da época4 era uma objeção, era crítico e influenciado pelas novas
ciências, por ideologias e por posições políticas antagônicas. A relação professor-aluno, os
conteúdos, os métodos, as avaliações e o caráter dogmático-paternalista das escolas
tradicionais eram expressões próprias do passado longínquo e, por isto, não deveriam mais
ser praticadas.
4Trata-se do conjunto do clima ou do pensamento político-filosófico, intelectual e cultural que influenciou
as ações sociais num certo período histórico. Também era conhecido por Espírito do tempo ou Zeitgeist,
termo alemão introduzido pelo filósofo Johann Gottfried Herder (1744-1803).
71
No século XIX, Herbart (1776-1841) erige as bases que dominou a
pedagogia científica, salientando, com base na psicologia cientificista da
época, o que designou como passos formais da aprendizagem dos quais
decorrem os passos formais do ensino: clareza (na exposição), associação
(dos conceitos novos com os anteriores), sistema e método. Esses passos
foram desdobrados por seus discípulos em: preparação (da aula e da classe:
motivação); apresentação, associação, sistematização e aplicação (dos
conhecimentos adquiridos). Essa didática herbartiana acentua a
importância do professor no processo de ensino, pondo no preparo da sua
aula, conforme os passos formais, a responsabilidade pelo sucesso do
ensino. Se em Rousseau ressalta-se o sujeito que aprende, em Herbart a
ênfase está no método (de ensinar), o que pode ser interpretado como uma
retomada do desejo de Comênio do método único (ANASTASIOU;
PIMENTA, 2014, p. 44).
Rousseau, no século XVIII, lançou as sementes, sendo o primeiro a entender que as
crianças não são miniaturas de adultos e propôs formas específicas para educá-las. Herbart, o
pedagogo alemão do século XIX, foi pioneiro em aplicar a psicologia experimental na
pedagogia. As circunstâncias político-sociais e o pensamento da época eram propícios, o que
levou ao rompimento do movimento educacional Escola Nova. Segundo Aranha (2006, p. 225),
esse movimento “surgiu no final do século XIX, justamente para propor novos caminhos para
a educação, em descompasso com o mundo no qual se inseria.
Nos Estados Unidos, o filósofo John Dewey, um dos maiores expoentes
escolanovista, escreveu importantes letras para o desenvolvimento do papel da didática no
início do século XX. Na sua ótica, a aprendizagem estava baseada na associação dos
conteúdos teóricos com as atividades práticas, no incentivo à curiosidade e resolução de
problemas, no estímulo ao exercício do pensamento através de dúvidas e nas descobertas,
observações e experimentações.
Dewey foi o maior pedagogo do século XX. O teórico mais orgânico de
um novo modelo de pedagogia, nutrido pelas diversas ciências da educação
[...] a pedagogia de Dewey caracteriza-se: 1. como inspirada no
pragmatismo e, portanto, num permanente contato entre o momento teórico
e o prático, de modo tal que o “fazer” do educando se torne o momento
central da aprendizagem; 2. como entrelaçada intimamente com as
pesquisas das ciências experimentais, às quais a educação deve recorrer
para definir corretamente seus próprios problemas, e em particular à
psicologia e à sociologia; 3. como empenhada em construir uma filosofia
da educação que assume um papel muito importante também no campo
social e político, enquanto a ela é delegado o desenvolvimento democrático
da sociedade e a formação de um cidadão dotado de uma mentalidade
moderna, científica e aberta à colaboração (CAMBI, 1999, p. 546 e 549,
grifos meus).
72
Valendo-me do destaque do texto acima, sublinho ainda três importantes aspectos
do movimento Escola Nova. O primeiro é que a relação ensino/aprendizagem recebeu um
novo entendimento, onde o professor se tornou um mediador entre o conteúdo e o
aprendente, alguém que desperta o sujeito para o conhecimento, para a atividade do
conhecer. O segundo é a valorização dos métodos que respeitam e estimulam o aprendizado
de cada fase de crescimento da criança. O último é a importância dada à atividade do
pensamento do estudante, dele ser colocado como agente ativo na aprendizagem, onde
precisa aprender a aprender e não mais memorizar, fixar ou reter os conteúdos. Destes
aspectos, observo que os teóricos perceberam que a “projeção de luz cognitiva” (LUCKESI,
2011) pelo pensamento do sujeito sobre o objeto do conhecimento é, de fato, o verdadeiro
processo de aquisição do conhecimento, de aprendizagem.
Uma das mais radicais críticas feitas à escola tradicional talvez esteja na
denúncia do seu caráter autoritário. A escola hierarquizada [...],
esclerosada em modelos, impregnada de dogmas e regras é identificada de
modo pejorativo a uma “escola-quartel”. A partir daí, muitos pedagogos
[...] voltaram-se menos para a questão dos métodos e processos de
ensinar, para enfatizar a recusa do exercício do poder: a educação
deve ser realizada em liberdade e para a liberdade. Nessa linha se
posicionam pedagogos das mais diversas tendências: muitos deles
influenciados pelas correntes da psicologia [...]. Mas, se entre as diversas
tendências antiautoritárias alguns pedagogos se restringem a uma visão
baseada na psicologia, outros dão destaque aos aspectos sociais e
políticos e estendem suas críticas também à sociedade a que pertencem,
havendo ainda quem concilie psicanálise e marxismo. Enquanto uns são
típicos representantes da pedagogia liberal, outros partem de
pressupostos socialistas e anarquistas e, mais que reformar a escola,
assumem a tarefa revolucionária da liberação dos indivíduos
(ARANHA, 2006, p. 241-242, grifos meus).
Grifei os trechos do texto acima para destacar os conceitos e objetivos que constituem
as tendências pedagógicas elaboradas na época. Antes de apresentá-las, dou a devida atenção
ao fato que são os valores políticos e filosóficos quem conduzem a Instituição Educação na e
para as sociedades sob o espírito de cada época. Portanto, a Instituição Educação é um
instrumento de pleno exercício da política sobre uma sociedade.
A educação é responsável pela direção da sociedade, na medida em que ela
é capaz de direcionar a sua vida social, salvando-a da situação em que se
encontra; um segundo grupo entende que a educação reproduz a sociedade
como ela está; há um terceiro grupo [...] de pedagogos e teóricos que
compreendem a educação como uma instância mediadora de uma forma de
entender e viver a sociedade. Para estes a educação nem salva nem
reproduz a sociedade, mas pode e deve servir de meio para a efetivação de
uma concepção de sociedade (LUCKESI, 2011, p. 51).
73
Libâneo (2011, p. 71) completa: “são três as tendências que interpretam o papel da
educação na sociedade: educação como redenção, educação como reprodução e educação
como transformação da sociedade”. Este fato reflete diretamente na escolha e forma dos
conteúdos apresentados para os aprendentes, na relação entre aluno e professor, nos
pressupostos de aprendizagem e nos métodos de ensino. Desta maneira, duas tendências
pedagógicas predominaram na elaboração e prática da educação nas e para as sociedades
do século XX: a liberal e a progressista, ambas de caráter político-filosófico.
Conforme as definições descritas por Libâneo (2011), sobre as tendências liberais,
farei uma breve explanação sobre cada uma das suas quatro vertentes: a tradicional, a
tecnicista, a renovada e a renovada não diretiva. Da mesma forma, apresentarei as vertentes
das três tendências progressistas: a libertadora, a libertária e a crítico-social dos conteúdos.
As sociedades sobre as quais se aplicam as pedagogias de tendências liberais são
aquelas cujos interesses individuais, propriedades e meios de produção privados são
asseguradas pelo sistema político estabelecido. Os seus objetivos de formação são:
[...] preparar indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo
com as aptidões individuais [...] aprender a se adaptar aos valores e às
normas vigentes na sociedade de classes [...] como desenvolvimento das
aptidões individuais [...] devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses
dos alunos e as exigências sociais [...] preparação de recursos humanos [...]
maximização da produção [...] (LIBÂNEO, 2011, p. 73-74).
Destas tendências, a pedagogia de método de ensino tradicional permanece como
grande protagonista nos espaços escolares até os dias de hoje. Com os mesmos métodos de
ensino e aprendizagem, mas com objetivos voltados a formação técnica específica, a pedagogia
tecnicista também é amplamente aplicada, especialmente nos ensinos de nível médio e superior.
Vale acrescentar que, tanto uma, como a outra, têm as mesmas concepções de ensino e
aprendizagem – o professor apresenta e o aluno decora o conteúdo.
Considero que a semelhança e identificação entre estas pedagogias as uniram numa
estrutura sólida, pois caminharam inseparáveis ao longo do século XIX, resistindo até a
ebulição e euforia das mais radicais pedagogias progressistas. Quando chegaram nos anos de
1960, se consolidaram nos espaços educacionais em uma espécie de compilação de suas
principais características, a qual denomino de tendência tradicional-tecnicista: tradicional pela
prática do método de ensino e tecnicista pelo objetivo de formação dos indivíduos.
À luz do pensamento positivista e instrumentalizada pelas pesquisas científicas
realizadas pelo psicólogo behaviorista Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), a pedagogia
tecnicista tem como objetivo modelar e disciplinar o comportamento do aluno para garantir
74
a objetividade da aprendizagem através da aplicação de uma tecnologia comportamental.
“À educação escolar compete organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e
conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na
máquina social global”, como explicou Libâneo (2011, p. 80). Portanto, o objetivo da
tendência tecnicista é formar sujeitos de perfis estabelecidos, formatados e competentes
para atender o sistema produtivo da economia. O método de ensino e aprendizado foi
pautado na sistematização das atividades, a fim de manter o controle das condições da sala
de aula e do comportamento dos alunos para garantir a transmissão e recepção dos
conteúdos, sistema este definido por tecnologia educacional:
O essencial da tecnologia educacional é a programação por passos
sequenciais empregada na instrução programada, nas técnicas de micro-
ensino, multimeios etc. O emprego da tecnologia instrucional na escola
pública aparece nas formas de: planejamento em moldes sistêmicos,
concepção de aprendizagem como mudança de comportamento,
operacionalização de objetivos e uso de procedimentos científicos
(LIBÂNEO, 2011, p. 81).
Embora esta breve descrição tenha semelhança com um projeto de programação de
robôs, trata-se da apresentação de uma tendência de ensino e aprendizagem de seres
humanos. Mesmo assim, a educação de tendência tecnicista foi efetivamente
institucionalizada oficialmente no Brasil por meio das Leis nº 5.540/68 e 5.692/71, em meio
a um regime de ditadura militar – foi uma imposição de reorganização curricular e
metodológica em todos os níveis escolares, desde o ensino de 1º grau até o superior.
Nos governos do longo período de ditadura militar, a educação e os outros
setores sociais foram considerados em termos de suas consequências
econômicas. O ápice da vigência do paradigma tecnicista e sua maior
expressão na área estão na Lei federal nº 5692/71, com suas características
de ensino profissionalizante e de ensino supletivo, destinados a servir de
válvulas de escape às aspirações da população jovem e adulta pela
ascensão social. A Lei pretendia conter as aspirações da população pelo
ensino superior, conferindo uma profissão de nível técnico ao final do
Ensino Médio. Antes disso, o Ensino Superior havia sofrido um violento
corte tecnicista, com a lei federal nº 5540/68, de caráter repressivo, que
fragmentou a vida das instituições de ensino superior no Brasil e cujas
características permanecem até os dias atuais. A ordem da reforma veio
do Acordo MEC/USAID (United States Agency for International
Development) e sua agência financiadora, o Banco Mundial. Criaram-se
dezenas, mais do que duas centenas de “habilitações profissionais” em
nível médio. As escolas públicas foram obrigadas a escolher entre as que
poderiam oferecer, não estando minimamente equipadas. Foi uma
violência que atingiu uma geração inteira e ainda permanecem suas
consequências (WACHOVICZ, 2008, p. 87).
75
No entanto, devido à natureza deste sistema de ensino, dos resultados buscados e a
oposição ideológica vigente no espírito da época, os professores em atividade não
permitiram formatar suas práticas em sala de aula para atender a tecnologia educacional
imposta. Muitos mantiveram seus ideais sobre a função da educação para a sociedade e
conduziram os seus trabalhos combinando as propostas escolanovistas, na medida do
possível, com as tradicionais – o que no fim, infelizmente, permaneceu apenas a compilação
tradicional-tecnicista.
Conforme apresentei anteriormente, paralelamente a concepção filosófica
positivista que inspirou a constituição da pedagogia de tendência tecnicista, emergiu em
oposição a corrente humanista sob a qual outras pedagogias5 foram elaboradas, dentre elas
a Nova Escola6, a mais conhecida representante do movimento da pedagogia do início do
século XX. Embora humanista, a pedagogia renovada não seguiu o pensamento socialista
e suas finalidades eram democráticas, pois tinha como pano de fundo uma política liberal,
com seus fundamentos teóricos ancorados no desenvolvimento da emancipação intelectual
dos indivíduos.
Seguindo o mesmo princípio de colocar o aluno como sujeito ativo no processo de
aprendizagem, surgiram as propostas pedagógicas de tendência liberal renovada não
diretivas. A denominação é não diretiva porque, de acordo com esta pedagogia, o foco do
processo educativo está no aluno, cabendo ao professor não mais o papel de apresentar os
conteúdos e conduzir os aprendentes, ele deve agir como um facilitador de aprendizagem,
criando condições para os alunos atuarem sobre os conteúdos – uma clara reação crítica aos
métodos tecnicistas e tradicionais, bem como a hierarquização dos espaços escolares.
Ancoradas na psicologia experimental, estas teorias tomaram como objetivo principal a
solução dos problemas psicológicos, o desenvolvimento intelectual e emocional dos
estudantes. Os procedimentos didáticos, a exemplo dos conteúdos, aulas e livros, ficaram
para segundo plano, explica Libâneo (2011). Dentre os estudiosos e pesquisadores da época,
destaco os cognitivistas Jean Piaget (1896-1980) e David Ausubel (1918-2008), o psicólogo
Carl Rogers (1902-1987) e o educador Alexander Sutherland Neill (1883-1973).
Ao se referir às teorias pedagógicas de tendência progressista, Aranha (2006) as
descreveu por movimento anarquista ou libertário, pois “o seu princípio fundamental, elege
5No decorrer do texto, o termo pedagogias se refere ao conjunto de concepções teóricas e métodos de
ensino e aprendizagem de alguma vertente da Teoria da Aprendizagem.
6Libâneo (2011) definiu a Escola Nova comopedagogia de tendência liberal renovada.
76
modos alternativos de organização voluntária, cooperativa e participativa em oposição ao
Estado, considerado nocivo e desnecessário” (p. 247). Libâneo (2011) acrescentou que esta
tendência pedagógica “não tem como institucionalizar-se em uma sociedade capitalista; daí
ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais” (p. 84).
Um dos motivos que leva os autores a estas afirmações é que a pedagogia
progressista emergiu da ebulição político-social dos movimentos socialistas iniciados no
final do século XIX e, embora tenha se desmembrado em diferentes vertentes, a sua
principal matriz filosófica é a marxista. Dado isto e no sentido de melhor entendimento,
antes de apresentar os seus modelos pedagógicos, dou destaque a dois estudiosos que
influenciaram de forma determinante no desenvolvimento destas teorias, bem como ainda
ressoam nas concepções pedagógicas e didáticas dos nossos dias: o italiano Antonio
Gramsci (1891-1937) e o russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934).
Embora contemporâneos, Gramsci e Vygotsky usaram diferentes lentes para se
apropriarem do marxismo e desenvolverem suas teorias. Gramsci contribuiu com a
importância política da educação de objetivos intelectuais e técnicos para o direcionamento
dos corpos sociais, enquanto Vygotsky colaborou com o entendimento sobre a relação direta
entre a aprendizagem a interação social, ressaltando a relevância do papel do professor
enquanto intermediário entre o aluno e o conhecimento. Juntos, eles formaram o lastro
teórico de boa parte das pedagogias de tendência progressista. Gramsci foi o principal
teórico para grandes pedagogos do século XX, dentre eles, Paulo Freire (1921-1997), que
foi o mentor da tendência pedagógica progressista libertária; Demerval Saviani (1944-) e
José Carlos Libâneo (1945-), que foram fomentadores da tendência progressista crítico-
social dos conteúdos, pedagogia dialética ou histórico-crítica. À luz da teoria vygotskyana,
temos obras de autores de destaque no Brasil, tais como os professores Celso Vasconcellos
(1956-) e Antônio Luiz Gasparin (1966-).
Destaco ainda que estes autores não fazem parte, diretamente, da bibliografia sobre
a qual me debrucei para desenvolver este trabalho. No entanto, considero importante
destacar suas contribuições, pois entendo que, ao escrever as minhas ideias de aplicação
didática das tendências progressistas, devo apresentar a árvore genealógica teórica de
desenvolvimento da minha tese, tanto como uma ação que atende, quanto uma justificativa
de cunho didático, objetivando a compreensão do conjunto desta obra.
Quanto às vertentes da pedagogia progressista, o cerne dos seus objetivos é a
transformação do corpo social como um todo e não somente do indivíduo, defendido pela
tendência liberal. O processo educacional dos progressistas está baseado “em uma
77
concepção de ser humano que não é a do indivíduo solitário, mas daquele que só se
reconhece no seu vínculo com a cultura e a história de sua sociedade, bem como na
interrelação com os outros”, explica Aranha (2006, p. 263). Portanto, não coube nesta
concepção a formação de um sujeito conformado, disciplinado, apenas técnico e competente
– objetivo da tendência liberal tecnicista.
Observo que as tendências pedagógicas progressistas são respostas a formatação e
redução do indivíduo social que ocorreu em função da consolidação do pensamento
positivista da pedagogia tecnicista até os nossos dias. O fato de a educação brasileira
cultivar, há décadas, essencialmente, a formação tecnológica de recursos humanos, com
pouca ou nenhuma preocupação com a construção da visão histórico-cultural-crítica do
indivíduo e do estímulo ao pensamento analítico e criativo, estamos colhendo, hoje, alguns
frutos que não contribuem de fato para a esfera social e política. Um exemplo são os
profissionais super especializados que não conseguem “enxergar além da própria caixinha”
ao criar e implementar uma tecnologia capaz de impactar negativamente o meio ambiente a
qual foi inserida. Outro ponto a se comentar é que, num momento como este em que estamos
vivendo a pandemia pelo Corona vírus, sujeitos esclarecidos acerca do bem comum e de
pensamento crítico social, seriam importantes para auxiliar e orientar a parte da população
menos favorecida. Pois existem de fato pessoas que não conseguem discernir as
informações, diferenciar o certo do errado e não entendem a essência do significado de uma
ação individual pela coletividade.
Uma das principais contribuições das tendências progressistas para a pedagogia
foram os métodos não formais criados pela teoria libertadora. Influenciada diretamente por
Gramsci, sendo de caráter necessariamente político, este modelo não se compara com
nenhuma das outras tendências: primeiro porque seu público alvo são jovens e adultos;
segundo porque não trabalha exclusivamente com temas sistematizados pela ciência; e por
último, por ser uma educação de nível extraescolar.
[...] ela é uma atividade na qual professores e alunos, mediatizados pela
realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem,
atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela
atuarem, num sentido de transformação social. Tanto a educação
tradicional denominada “bancária” – que visa apenas depositar
informações sobre o aluno –, quanto a educação renovada – que pretendia
uma libertação psicológica individual – são domesticadoras, pois em nada
contribuem para desvelar a realidade social de opressão. A educação
libertadora, ao contrário, questiona concretamente a realidade das relações
do homem com a natureza e com os outros homens, visando uma
transformação – daí ser uma educação crítica (LIBÂNEO, 2011, p. 85)
78
Os métodos de ensino da tendência libertadora ocorrem a partir da concepção da
educação problematizadora, a qual representa o princípio de motivação da aprendizagem pelo
estudante. “A motivação se dá a partir da codificação de uma situação-problema, da qual se
toma distância para analisá-la criticamente” (LIBÂNEO, 2011, p. 85). Então, através dos temas
geradores, isto é, das situações-problema ou de assuntos extraídos do cotidiano dos alunos,
formam-se grupos de discussão, onde o professor cumpre o papel de mediador, auxiliando com
os esclarecimentos necessários. O pai desta teoria pedagógica foi o brasileiro Paulo Freire,
reconhecido e respeitado mundialmente pelas suas ideais e genialidade.
A tendência pedagógica progressista libertária nasceu sob o princípio do
antiautoritarismo, onde o espaço escolar é a base construtora da transformação da sociedade.
Definida por Aranha (2006) como pedagogia anarquista ou institucional, trata-se de uma
pedagogia de objetivos estritamente políticos, contrária ao Estado, à Igreja ou a qualquer outra
instituição que gere hierarquia e dominação. Suas características pedagógicas são bem
específicas: a primeira é que os conteúdos curriculares não devem apresentar teor dogmático e
de verdades externas; a segunda é que os temas propostos devem ter ressonância com os
interesses dos aprendentes, sobre aquilo que eles pretendem discutir; e a terceira característica
é o fator de autogestão de aprendizagem, isto é, a valorização de “uma aprendizagem
autoiniciada e autoconsumada, bem como as comunidades de aprendizagem, cuja direção é
dada pelo próprio grupo em discussões” (ARANHA, 2006, p. 246, grifos da autora).
A partir destas proposições, a pedagogia libertária espera “que a escola exerça uma
transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário”
(LIBÂNEO, 2011, p. 87) e que, fora das salas de aulas, estes difundam seus ideais políticos
por toda a comunidade – transformando-a. Dos principais estudiosos desta linha
pedagógica, destaco: o espanhol Francisco Ferrer Guardia (1859-1909); os franceses
Célestin Freinet (1896-1966), Fernand Oury (1920-1997) e Michel Lobrot (1924-); a
venezuelana, psicóloga e psiquiatra, Aïda Vásquez (1937-2015); e o brasileiro Maurício
Tragtenberg (1929-1998).
4.1.3. No Brasil
Ao avaliar os resultados das propostas pedagógicas que movimentaram os sistemas
educacionais em todo o mundo na primeira metade do século XX, sobretudo o
escolanovista, Anastasiou e Pimenta (2014) concluíram que as experiências realizadas
forneceram relevantes dados científicos para a explicação do fracasso escolar, bem como
79
fundamentos e instrumentos para a sua superação. A psicologia experimental e suas
descobertas sobre as diferenças individuais e o desenvolvimento cognitivo das crianças, as
técnicas didáticas, a criação dos grupos de discussão da pedagogia libertadora, a ideia de
autogestão de aprendizagem pelos alunos da libertária e a importância política dada a
educação para o direcionamento das sociedades – se considerados, combinados e
implementados – levariam à democratização do acesso ao conhecimento por todos os
indivíduos de um corpo social. No entanto, contraditoriamente, estas propostas
significariam uma mudança nas organizações e estruturas já implantadas e, por conta disto,
não foram amplamente disseminadas.
Isto porque, além de outras razões, implicava em custos bem mais elevados
do que aqueles da escola tradicional. Com isto, a "Escola Nova" organizou-
se basicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros,
muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No
entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido,
penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar
consequências também nas amplas redes escolares oficiais organizadas
na forma tradicional. Cumpre assinalar que tais consequências foram
mais negativas que positivas uma vez que, provocando o afrouxamento
da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos,
acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares
as quais muito frequentemente têm na escola o único meio de acesso ao
conhecimento elaborado. Em contrapartida, a "Escola Nova" aprimorou a
qualidade do ensino destinado às elites. Vê-se, pois, que paradoxalmente,
em lugar de resolver o problema da marginalidade, a "Escola Nova" o
agravou (SAVIANI, 1999, p. 21-22, grifos meus).
Conforme esta citação e de acordo com o explicado anteriormente, mesmo com a
imposição da implantação da pedagogia tecnicista no sistema educacional brasileiro, os
educadores da época permaneceram em suas práticas escolanovistas. Esta forma de atuação
dos professores gerou resultados negativos no desempenho e aproveitamento dos conteúdos
pelos estudantes da rede pública, como explica Saviani (1999). Ao observar estes fatores,
percebo que a crise instalada na pedagogia da época foi causada, entre outros fatores, pela
dissonância entre o sistema educacional implantado e o ideário dos educadores, pois, mesmo
que a proposta do professor em sala de aula seja nobre, não há como realizar um ensino de
resultados positivos em relação à aprendizagem pelos alunos quando as condições de trabalho
não ajudam: a carga horária curricular é mínima, os conteúdos são rasos e comprimidos em
módulos, a infraestrutura do espaço escolar é inadequada; sem esquecer do número de alunos
em sala de aula, jornada de trabalho dos professores, baixos salários etc.
80
O embate entre a expectativa e a realidade causou, no fim, um sentimento de
desilusão nos educadores. Mesmo com a resistência dos escolanovistas e de alguns
professores progressistas, a pedagogia e a didática, exercidas efetivamente nas últimas cinco
décadas no Brasil, estacionaram na combinação das tendências tradicional e tecnicista. A
palavra de ordem na época de sua implantação era “eficiência e competência” na formação
de recursos humanos.
Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização
racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr
em risco sua eficiência. Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos
e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. Dar a
proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico, o
microensino, o teleensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar
etc. Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a
especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino
de técnicos dos mais diferentes matizes. Daí, enfim, a padronização do
sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente
formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de
disciplinas (SAVIANI, 1999, p. 24).
A principal preocupação da tendência tecnicista é ensinar a fazer – fazer no sentido
fabril, de fabricar – seguindo uma ordem previamente sistematizada. Este ensinar a fazer
não está fundado no fazer porquê e sim, no simplesmente fazer com habilidade e
competência. A essência do fundamento tecnicista é produtividade. Portanto, o aprender
na perspectiva tecnicista está relacionado ao fazer mecânico e não ao pensar – imaginar –
para fazer.
Enquanto muitos países, a partir do século XIX, conseguiram implantar
sistemas nacionais de educação e outros o fizeram recentemente como o
Japão e a Coreia, no Brasil a educação permanece desorganizada e com
altas taxas de analfabetismo. As reformas educacionais constantes
fragmentaram e deformaram ainda mais nossas precárias leis, nas quais
também não existe articulação entre graus e cursos. Uma danosa
descontinuidade de programas prejudica o trabalho educativo, que exige
tempo para que as habilidades e os conceitos sejam assimilados pelos
alunos (ARANHA, 2006, p. 275).
Somados a estes problemas, conforme o exposto até aqui, sabemos que as
pedagogias estabelecidas no Brasil tiveram como principal fundamentação a Psicologia e
esta foi a base de formação dos professores por décadas. Em consequência disto, percebeu-
se uma infantilização apresentada pelos aprendentes, ou seja, uma dependência intelectual
do aluno durante o processo de aprendizagem, seja do professor, seja de artifícios, a
exemplo da memória, decorebas, macetes e truques de associação. Segundo Wachowicz
81
(1998, p. 15), isso ocorreu em função da “prática pedagógica elaborada a partir de
concepções teóricas abstratas e não contextualizadas”.
A partir de 1980, surgiram críticas sobre a infantilização, bem como a mecanização
tecnicista dos processos educativos. Enquanto isso, o avanço das tecnologias de
comunicação, das ciências cognitivas e as investigações epistemológicas colocaram de volta
à tela a discussão sobre as formas de aquisição do conhecimento, sob as novas condições
ofertadas pelo século XX. Estes fatores retomaram as discussões sobre o ensino e
aprendizagem, dentre eles, a concepção da importância da ação do aluno durante o próprio
entendimento e aprendizagem, a relação professor x conhecimento x aluno, os métodos de
ensino aplicados e a importância dada ao ser social nos processos educativos. Este último
aspecto teve influência direta da recém chegada concepção vygotskyana entre os estudos
pedagógicos brasileiros.
“Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é
preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social”
(LIBÂNEO, 2011, p. 91). Assim, nasceram as chamadas pedagogias de tendência crítico-
social dos conteúdos ou histórico-crítica ou, ainda, a pedagogia dialética.
O pioneiro desta concepção no país foi o professor Demerval Saviani, que se
apropriou e ressignificou o materialismo histórico de Marx e de Gramsci, além das ideias
de Mario Alighiero Manacorda (1914-2013), Georges Snyders (1917-2011), dentre outros.
A tarefa da pedagogia histórico-crítica consiste na [...] compreensão de
nossa realidade histórico-social, a fim de tornar possível o papel mediador
da educação no processo de transformação social. Não que a educação possa
por si só produzir a democratização da sociedade, mas a mudança se faz
mediatizada, ou seja, por meio das transformações das consciências. [...]
Como mediadora entre o aluno e a realidade, a escola se ocupa com a
aquisição de conteúdos, a formação de habilidades, hábitos e convicções, o
que significa identificação com os métodos tradicionais, porque o caráter
histórico-social da pedagogia progressista exige a constante vinculação entre
educação e sociedade, entre educação e transformação da sociedade, ou seja,
o ponto de partida e o de chegada do processo educativo é sempre a prática
social (ARANHA, 2006, p. 276).
Dadas estas ideias, num movimento que começou na França, Saviani as adaptou à
realidade brasileira da época e lançou novas sementes teóricas nos espaços educacionais,
sobretudo nos cursos de pedagogia, onde muitos frutos emergiram na esperança de
contribuir para, quiçá, construir uma educação de qualidade e de viés transformador em
nossa sociedade. Dentre estes frutos, destaco a Ensinagem elaborada pela professora Léa
Anastasiou, em um trabalho teórico e prático o qual respondeu as minhas inquietações sobre
82
a organização, os procedimentos e as estratégias aplicados no ensino superior, inspirando o
desenvolvimento deste trabalho.
A partir da década de 1980, encontramos em Saviani uma crítica ao modelo
de ensino por passos, com uma reorientação por momentos. O autor nos
sugere cinco momentos a serem considerados no trabalho de construção
dos conhecimentos com os alunos. Pontuamos que os momentos são
destacados para que, didaticamente, possamos refletir sobre eles, mas que
não ocorrem de modo estanque. Destacando-os, teremos os que se seguem:
é fundamental considerar-se a prática social do aluno, partindo da
percepção que o aluno traz do objeto de estudo [...] será problematizada,
ou seja, será submetida a um pensamento crítico [...]. Para a resposta a
esses questionamentos, a instrumentalização [...]. Nele, as sínteses já
existentes na ciência dão suporte para as buscas realizadas. Outro momento
refere-se à interiorização dos novos elementos ou conteúdos pela cartase,
para finalmente se chegar à prática social reelaborada (ANASTASIOU,
2009, p. 36, grifos da autora).
O princípio da pedagogia fundada por Saviani está na relação entre o estudante e o
conhecimento mediado pela análise, onde a prática social é o ponto de partida e chegada
dos momentos percorridos durante a aquisição do conhecimento, uma ressignificação da
metodologia dialética e do movimento espiral do conhecimento. Portanto, recapitulando a
comparação entre as propostas de Saviani e Kosik (1966): quando o brasileiro se referiu a
percepção do aluno sobre o objeto do conhecimento em sua prática social , ou síncrese,
remeto à visão caótica da realidade por Kosik; os momentos problematização,
instrumentalização e cartase, ou seja, a análise defendida por Saviani, tratam-se do que
Kosik denominou por movimento de ascensão do abstrato ao concreto – o movimento no
pensamento e do pensamento. Por fim, a prática social reelaborada e definida pelo
brasileiro é, por analogia, o concreto pensado da realidade explicada por Kosik.
São dois os aspectos das pedagogias progressistas a se destacar. O primeiro é o
papel do professor durante os momentos para o conhecimento, onde o seu trabalho é expor
o conteúdo ao aluno e mediar a relação entre eles. Neste caso, ele cria instrumentos para
estimular e auxiliar nas discussões, com o intuito de fazer com que o aluno reelabore o
objeto exposto, isto é, o professor media a análise do objeto pelo aluno. O segundo fator é
que a metodologia de ensino aplicada está diretamente relacionada com o conteúdo,
associado a realidade histórico-social do espaço escolar e dos aprendentes. Com isto, não
há um método único e pré-estabelecido para todas as componentes curriculares. Os métodos
aplicados devem se adaptar aos conteúdos sistematizados, os quais se adaptam às realidades
sociais dos estudantes. Portanto, após apropriar-se da síntese do conteúdo fornecida pela
83
ciência, o professor a adapta à realidade do aluno, para que este possa elaborar o objeto pelo
próprio pensamento.
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição
entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de
continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata
e desorganizada ao conhecimento sistematizado. Não que a primeira
apreensão da realidade seja errada, mas é necessária a ascensão a uma
forma de elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com
intervenção do professor. [...] Em outras palavras, uma aula começa pela
constatação da prática real, havendo em seguida, a consciência dessa
prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma
de um confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale
dizer: vai-se da ação à compreensão e da compreensão à ação, até a síntese,
o que não é outra coisa senão a unidade entre a teoria e a prática
(LIBÂNEO, 2011, p. 91-93).
Ressalto que a vantagem das pedagogias de tendência progressistas crítico-social
dos conteúdos (ou histórico-crítica ou pedagogia dialética), diante de outras pedagogias,
liberais ou progressistas, é que a importância sobre o entendimento de como se aprende vem
antes do aluno, do professor, do conteúdo e do método. Os educadores, que perceberam o
quanto elementar é a compreensão sobre as formas de conhecimento nos processos de
ensino e aprendizagem, se basearam no método que Marx usou para investigar a economia
e as sociedades, dando um passo à frente na busca pela solução da crise causada pela
imposição das pedagogias tradicionais-tecnicistas no sistema de ensino da nossa sociedade.
4.2. COMO SE ENSINA, COMO SE APRENDE E A IMAGINAÇÃO
4.2.1. Como se ensina
No início da elaboração do projeto desta tese, criei algumas suposições em busca
de respostas para compreender a dificuldade dos alunos em imaginar, em visualizar
mentalmente, e entender os novos conteúdos apresentados em sala de aula. Dentre elas, uma
das hipóteses foi o uso da sobreposição das linguagens (escrita, visual e sonora) na
construção das informações da atualidade. A outra hipótese foi o excessivo acesso às
tecnologias digitais de informações. Porém, sendo mais realista, o professor Leon Roberto
Ponczek, meu orientador, deu um alerta: “não há como mensurar a imaginação!” E
prosseguiu: “para validar estas hipóteses, você terá que recorrer à empiria e, devido a
84
subjetividade do objeto, não temos hoje instrumentos seguros e de credibilidade científi ca
para verificar estas suposições.”
Após este choque de realidade epistemológica, a busca das causas sobre a dificuldade
imaginativa dos aprendentes foi posta para um futuro exequível e comecei a trilhar caminhos
em busca das soluções. Voltei à minha origem acadêmica, ao desenho, e resolvi encarar o
desafio de implementar e verificar a técnica de estudos grafismo enquanto uma estratégia de
ensinagem, com o objetivo de estimular o exercício da imaginação dos alunos.
Como o lócus da minha pesquisa está no nível superior de ensino, ancorei minhas
investigações nos trabalhos teóricos e práticos da professora Léa Anastasiou, uma autora
seminal sobre o tema. Foi investigando as teorias de base utilizadas por ela para desenvolver
a Ensinagem que compreendi a existência das relações estabelecidas entre as ações dos
alunos e dos professores. Tais ações se determinam mutuamente e ocorrem de forma
infinita: como se pensa e como se aprende, para os alunos; e como se ensina, por parte dos
professores. Este entendimento permite resumir que como se pensa e como se aprende
determinam o como se ensina; como se ensina e como se pensa determinam o como se
aprende; e como se ensina e como se aprende determinam o como se pensa – lembrando
que pensar é imaginar e conhecer é imaginar o objeto do conhecimento.
Vistas estas relações de determinações mútuas, fiz a seguinte analogia e
representação: os elementos pensar, aprender e ensinar giram sobre as linhas que formam
o símbolo do infinito (∞), cada um no seu tempo, cada um no seu momento. Em algum
instante dois destes elementos se encontram no ponto de interseção do ciclo infinito. Estes
dois elementos que se encontram se modificam mutuamente, determinando a modificação
do próximo encontro no movimento cíclico. Esta analogia me levou ao entendimento de que
uma ação isolada em sala de aula sempre terá algum resultado positivo, especialmente no
ensino superior. Devemos colocar todos os elementos que constituem o conjunto do espaço
universitário sobre o que denomino por ciclo de relações mútuas e infinitas entre ensino e
aprendizagem. Somente desta maneira poderemos compreender a complexidade do ensinar
e do aprender nas universidades.
Embora a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 19967
tenha tentado promover profundas mudanças no sistema de ensino brasileiro, o que temos na
prática é a predominância dos métodos disciplinares das pedagogias tradicionais-tecnicistas nos
espaços escolares até os nossos dias. Anastasiou (1998) explica que este fator se deve às raízes
7 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
85
históricas da universidade brasileira, da visão teórica dos modelos tradicionais de ensinar-
aprender, sobretudo a jesuítica, conservada e fixada nas ações docentes, “gerando um conjunto
de representações que se constroem e se fixam muito mais pelo que se viveu academicamente
– enquanto aluno – do que pelo que foi aprendido” (p. 22).
Além disso, existem outros fatores que contribuem para a manutenção deste
modelo de ação docente no nível superior. Anastasiou e Pimenta (2014) apontaram os mais
determinantes:
a. A não exigência da formação mínima pedagógica e didática para ingressar na
função do cargo de docente da rede de ensino;
b. Em consequência do anterior, o desconhecimento de fundamentos teóricos
(Filosofia e Epistemologia da Educação) e práticos (Didática) necessários para
a execução do ensino visando a aprendizagem;
c. Realização de trabalho docente não como atividade principal, quer seja para
complementar o orçamento familiar, quer seja por uma questão meramente
de status;
d. Professores do nível superior que não se identificam com a profissão de
professor/ docente, mas, sim, com a sua titularidade da graduação, por exemplo:
médico, engenheiro e advogado;
e. Precárias condições de trabalho, com carga horária elevada, grande número
de alunos nas salas de aulas, realização de funções administrativas e salários
incompatíveis;
f. Desconhecimento sobre Plano de Desenvolvimento Institucional e Projeto Político
Pedagógico dos cursos onde ensina as componentes de sua especialidade;
g. Descontinuidade ou falta de conexão entre o Plano de Desenvolvimento
Institucional, o Projeto Político Pedagógico do curso e planos de ensino e
aprendizagem;
h. Projeto Político Pedagógico dos cursos (PPC) constituídos por componentes
básicas e específicas em grade sequencial, de forma fragmentada, com
sequências dependentes ou não;
i. Componentes curriculares ligadas às demais pela estrutura legal do PPC, porém
planejada de forma independente, tendo a ementa como referência única e
isolada, inclusive do colegiado, construída pelo docente que nela atua;
86
j. Desconexão entre grupos colegiados, como consequência do Acordo
MEC/USAID8 implementado no Brasil por meio da lei 5.540/68;
k. Processo de trabalho individualizado, com “questões de sala de aula, de
aprendizagem e de ensino, de metodologia e de avaliação” (p. 143) organizadas
de acordo com as concepções pessoais e isoladas do Projeto Político Pedagógico
do curso a que se refere;
l. Ausência de setores de acompanhamento e apoio pedagógico ao docente,
especialmente na rede pública de ensino.
Portanto, existe uma lacuna entre o ensino superior ideal-necessário e o real-existente.
Em um modelo de universidade que foi instituído desde 1968, por via do “Acordo MEC/
USAID”, conforme disse Bombarda (2019), o cerne das orientações da “agência americana de
ajuda e cooperação internacional” estava em organizar uma educação de tendência tecnicista
com o objetivo de formar um capital humano para atender e acompanhar as demandas do
mercado, ou seja, formar recursos humanos. Logo, reformaram e adequaram o sistema de
ensino brasileiro, em todos os níveis de escolaridade, em função da economia internacional, em
particular, das corporações estadunidenses.
Porém, no período de ditadura militar, sabendo que a universidade é o lugar de
fomento às ideologias e um ambiente propício para a formação de líderes e organização de
grupos políticos, diversas foram as iniciativas para sufocar qualquer possibilidade de
mobilização social. Essas iniciativas causaram uma fratura irreparável na organização
estrutural da universidade brasileira, tais como: proibição do professor citar ou estimular
assuntos políticos em salas de aula dentro do território nacional; a extinção de faculdades
(por exemplo direito, medicina, arquitetura etc.); a criação dos colegiados de cursos e
departamentos por área de conhecimento; a eliminação das séries para a criação dos
créditos, entre outros. Quer dizer, eliminando as faculdades e as séries, eliminam-se também
as turmas, e criando colegiados e departamentos, eliminam as reuniões de pares por
interesses comuns, impedindo a reunião de grupos, de espírito de corpo social e de
identidade política.
8 Sobre o assunto, consultar: BOMBARDA, Alex Ricardo. A influência das Agências Internacionais no
Brasil: os acordos MEC/ USAID no contexto da ditadura militar de 1964.Revista Educação e
Emancipação, v. 12 (3): set. 2019, pp. 246-268. Disponível em:
<https://doaj.org/article/c17d634ecbc7478fa072832a143c454e>.
87
Afora a repressão política instalada, estas iniciativas deixaram os cursos de
graduação órfãos, ou seja, passou a não existir uma responsabilização específica pela
organização, desenvolvimento e manutenção destes projetos formativos. Na Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (lócus deste estudo), temos, entre vários exemplos de
docentes, casos como o de um professor especialista em Ciências dos Materiais, vinculado
a uma área de conhecimento das Engenharias, membro de um colegiado de curso das
Ciências Exatas e docente da componente curricular de Desenho Técnico para um curso das
Ciências Agrárias. Esse professor não se reconhece com o Projeto Político Pedagógico de
qualquer dos cursos por onde ele circula. Além disso, mesmo que a sua intenção seja a de
se envolver e se articular de maneira a contribuir da melhor forma possível, a própria
estrutura organizacional da universidade o impede, levando-o a reduzir o interesse e o
compromisso com o processo formativo dos egressos. A não setorização dos professores
por cursos é a principal causa dos itens f a l apontados acima, além de ressoar no
planejamento de ensino, nos métodos aplicados em sala de aula e na qualidade de
aprendizagem dos alunos.
Da mesma forma que as universidades tiveram suas estruturas organizacionais
fragmentadas, o sistema de ensino fundamental e médio também passou por seu processo
de precarização. Foram longas seis décadas entre os discursos políticos sobre um ensino
ideal-necessário, onde o real-existente, de fato, estacionou e até regrediu. Se fosse levantar
todas as causas e consequências dos problemas do nosso sistema de ensino nacional,
desviaria dos meus objetivos. Por causa disso, o que se presencia na universidade são
situações das mais diversas naturezas, tais como estudantes analfabetos funcionais que
chegam no nível superior carregando projetos de vidas e professores frustrados por não
encontrar formas de levar estes alunos a superarem os obstáculos e realizarem seus sonhos.
Portanto, é importante ressaltar que nesse sistema não há como se apontar culpados: todos,
alunos e professores, são vítimas.
A desarticulação entre professor, projeto político pedagógico, planos de ensino-
aprendizagem, perfil do egresso e do estudante são fatores que corroboram para a limitação das
ações praticadas em sala de aula de um modelo de ensino vigente – o tradicional-tecnicista –
que tem em sua essência o ensinar a fazer com competência, sem a preocupação da
compreensão do porquê fazer pelo aluno. Considerando que estas pedagogias são aplicadas
desde o ensino fundamental, digo, portanto, que estes são mais alguns dos fatores que
influenciam diretamente no estímulo e desenvolvimento do exercício da imaginação dos
aprendentes e, consequentemente, nos seus processos de aprendizagem dos novos conteúdos.
88
Para ilustrar, trago dois exemplos da UFRB. Numa turma de Física I, o professor
ministrante é Bacharel em Física e está vinculado temporariamente ao colegiado da
Engenharia Sanitária e Ambiental. Os discentes matriculados são do curso de Ciências Exatas
no primeiro ciclo, mas na terminalidade de formação podem optar por quaisquer das
engenharias do segundo ciclo: (1) Civil; (2) Computação; (3) Elétrica; (4) Mecânica ou (5)
Sanitária Ambiental. Em um modelo de ensino ideal-necessário, ao apresentar temas como
Cinemática e Dinâmica, além da teoria, como uma estratégia de ensino-aprendizagem, o
professor deveria levar aos alunos a aplicação prática dos fenômenos físicos e, neste caso,
através de diferentes modelos que representem cada uma das especialidades pretendidas pelos
estudantes. Porém, isto não acontece, pois o professor – que é especialista em área afim –
relata dificuldades por não conhecer as práticas das diferentes engenharias. Sendo assim,
limita-se aos exemplos trazidos pelos livros de Física.
O outro exemplo é o de um professor graduado em Engenharia Mecânica,
especialista em Dinâmica dos Sólidos e vinculado ao Colegiado de Ciências Exatas. A
componente é Vibrações Mecânicas, uma optativa ofertada no segundo ciclo de formação,
apenas para os discentes de engenharia civil e mecânica. Com discentes de diferentes
engenharias nas aulas, ao fazer a relação entre teoria e prática para os futuros engenheiros
mecânicos, ele apresenta as consequências da ação do fenômeno oscilatório na resistência
e funcionamento dos motores; para os futuros engenheiros civis, o docente trata de como
os terremotos agem nas estruturas dos prédios.
Comparando os dois casos, questiono: em qual destas componentes o discente é
estimulado a imaginar situações de relação de causa e efeito? Daquela onde os exemplos
são extraídos de situações hipotéticas representadas por vetores? Ou da outra, em que as
situações citadas pelo professor fazem parte do seu repertório cotidiano da formação
profissional, os quais ocorrem em sua realidade social?
No primeiro caso, embora o professor seja especialista na componente que ministra,
não tem formação pedagógica mínima, não tem acompanhamento dos colegiados para auxiliá-
lo na elaboração do seu planejamento de ensino-aprendizagem e tão pouco conhece os projetos
pedagógicos dos cursos de segundo ciclo para os quais ministra suas aulas, a fim de poder
apontar aplicação para o que ensina. No segundo exemplo, o professor também não tem
formação pedagógica, mas é especialista no que ensina. Apenas com este fator ao seu favor, ele
se coloca em um passo à frente na efetivação da aprendizagem dos seus alunos. Caso o professor
de Física tivesse apoio pedagógico ou dos colegiados, talvez ele pudesse levar os seus alunos
ao melhor aproveitamento e aprendizagem daquilo que ele ensina.
89
Assim como os exemplos da UFRB, exceto em algumas poucas instituições, tenho
notícias que estas ocorrências são comuns – a raiz do problema está na estrutura organizacional
das instituições de ensino superior do nosso país – e, repetindo, não existem culpados, visto que
todos são vítimas de um sistema educacional em falência. Para além, através de exemplos como
estes é que observo o quão claro é o ciclo de relações mútuas e infinitas entre professores,
alunos e instituições de ensino – são partes de um mesmo processo.
4.2.2. Como se aprende
No ciclo das relações mútuas e infinitas entre o ensino e a aprendizagem, a
consciência sobre como se aprende, dentre os fatores que determinam as ações docentes, é
o mais importante, pois reflete diretamente e determina a forma como o professor vai expor
os conteúdos e intermediar a relação entre o aprendente e o objeto do conhecimento.
Dominar o conteúdo que ensina e utilizar uma diversidade de meios e tecnologias avançadas
para a exposição, não basta quando não se sabe como este conteúdo vai chegar até o aluno,
como ele irá reagir ao novo e como irá se apropriar deste objeto.
Na prática docente, [...], muitas vezes se exercita o ensino sem se perguntar o
que é conhecimento, seu sentido e significado. Para um exercício satisfatório
do ensino, entre outros elementos fundamentais [...], é importante, também,
possuir uma teoria do conhecimento. Teoria do conhecimento nada mais é
do que um entendimento do que vem a ser o conhecimento, seu processo,
seu modo de ser (LUCKESI, 2011, p. 153).
Quando um professor ensina o assunto que é especializado e compreende o
processo de construção do conhecimento, entende o quão importante é adaptar o conteúdo
ao aluno e ao seu contexto histórico-social – este é o ponto de partida – tomando a pedagogia
progressista de tendência crítico-social dos conteúdos. Daí em diante, o que ocorre é o
planejamento e instrumentalização de formas para intermediar a relação entre o aprendente
e o objeto do conhecimento e, para isso, as mídias e tecnologias avançadas são válidas como
modos de exposição. Porém, quando o professor especializado não tem compreensão sobre
os processos de conhecimento e aprendizagem, apresenta o tema a partir do que ele conhece
e não leva em conta que talvez esta forma do conteúdo não esteja compatível ao repertório
cultural mínimo do aluno. Neste caso, o novo não chega até o aluno e o processo de
aprendizagem é completamente comprometido.
Considerando que não há exigência de formação pedagógica para ingressar na
docência do ensino superior, também não há conscientização pelo professor do como se
90
aprende. A solução estaria na iniciativa das instituições em promover a formação e
capacitação em docência para todos os professores que atuam nas universidades. Para
demonstrar isso, Anastasiou (1998) realizou um estudo de caso na Universidade Federal
do Paraná (UFPR), no período entre 1993 a 1995, através de entrevistas com discentes e
construiu uma comparação entre o professor ideal e o professor existente, com o objetivo
de compreender a relação dos professores com o conhecimento, a metodologia de trabalho
e o compromisso com a docência e a instituição. Dentre os resultados desta pesquisa...
[...] Pode-se constatar que o processo de profissionalização docente (no
caso da UFPR) vem ocorrendo de forma assistemática, em momentos
esporádicos em decorrência de iniciativas individuais ou departamentais.
Verificamos (o que é reforçado pelos depoimentos explicitados) que a
maioria dos docentes do terceiro grau [...] especialista em diferentes áreas,
não contou em sua formação inicial ou posterior – em serviço – com
possibilidades de reflexão sistematizada acerca dos elementos
determinantes da ação docente, acabando por adotar em seu fazer docente
modelos que vivenciou como aluno, em diferentes momentos da sua vida
acadêmica. Pudemos constatar que, alguns professores que procuraram o
Centro de Assessoramento Pedagógico da UFPR (CEAPE) fizeram-no
após receber dados resultantes da avaliação do docente pelo discente [...].
Os resultados obtidos levaram a um questionamento acerca de nossos
saberes pedagógicos, e a procura de formas de aprofundá-lo e sistematizá-
los (p. 205).
A partir destes resultados, a etapa seguinte da pesquisa consistiu em promover
cursos de formação complementar na área da Pedagogia e Didática aos professores da
instituição participante, a UFPR. Dentre os conteúdos apresentados destacam-se:
Primeiro bloco: histórico da universidade brasileira, modelos de
influência, a lei 5.540/68 e o processo de departamentalização, tendências
educacionais, modelo tradicional de docência e a força dos
paradigmas; Segundo bloco: currículo e organização curricular na visão
cartesiana (disciplinas básicas/ específicas/ estágio/ prática no final do
curso), projeto pedagógico coletivo, planejamento, planos individuais e
coletivos [...]; Terceiro bloco: elementos determinantes da ação docente.
Elementos básicos da Metodologia. [...] O apreender, ensinar o
processo de “ensinagem”. Superação do simples dizer na construção
das redes/ quadros teóricos. Princípios de aprendizagem/ percepção
(ANASTASIOU, 1998, p. 209-210, grifos meus).
Observo que os temas acima têm como fundamento as Teorias Pedagógicas, a
Filosofia e Epistemologia da Educação e a Didática com seus Métodos e Instrumentos. Os
“conceitos básicos à nossa profissão ia-se efetivando à medida dos avanços do grupo e, aos
poucos, até o ‘pedagogês’ ia sendo adotado, não só como uma linguagem e expressão, mas
91
como uma forma de pensamento”, relata Anastasiou (1998, p. 211) sobre a experiência com
o processo formativo dos professores da UFPR.
À medida que esses professores passaram a conhecer e a se aprofundar nos
conceitos e práticas acerca dos processos de ensino e aprendizagem, ocorreu uma mudança
natural na realização dos seus trabalhos. Começaram as transformações pelas ações
individuais pensando no trabalho do coletivo e os resultados ressoam na formação dos
estudantes, os quais transformarão o coletivo social – digo que é um ciclo virtuoso. Embora
a elaboração do plano de ensino-aprendizagem, num modelo ideal-necessário, deva ser
realizado através de um trabalho do colegiado, buscando uma unidade coletiva nos
procedimentos de ensino de um curso, a opção pelo método aplicado em sala de aula deve
ser individual, pois se trata, antes de tudo, de uma escolha pessoal – o professor tem que ter
domínio do conhecimento sistematizado e da forma de ensiná-lo, mas precisa sentir-se bem
e feliz durante as aulas.
Ressalto ainda que, infelizmente, a solução para os problemas que deprimem as
universidades não está apenas na iniciativa isolada da instituição em promover cursos de
formação e capacitação em docência do ensino superior para os seus professores. Conforme
apontaram Anastasiou e Pimenta (2014), existem uma série de fatores interrelacionados que
determinam a conduta do docente na universidade. Sendo assim, participar de um curso de
formação pedagógica faria parte de um conjunto de ações e de medidas coadjuvantes na
solução dos problemas, onde o princípio norteador deve ser o trabalho coletivo.
4.2.3. Ensinar para imaginar uma transformação
Em um modelo de ensino ideal-necessário, à luz do como os alunos apreendem o
objeto do conhecimento, os professores estabelecem o como ensinar. Pois bem, o para quê
ensinar, no ciclo de relações mútuas e infinitas entre o ensino e a aprendizagem, deveria ser
estabelecido no PPC, articulado entre professores e suas componentes.
Além de a máxima ensinar para aprender, existem outros objetivos que são tácitos
ao ensino de algum tema ou aplicação de alguma metodologia de ensino, como, por
exemplo, o desenvolvimento da criatividade dos estudantes, da capacidade de resolução de
problemas, da percepção auditiva do aprendente, da análise comportamental de indivíduos
pelos estudantes, entre outros. O estudo que trouxe as linhas deste capítulo visou encontrar
uma teoria e método que, entre outros objetivos, sirva também para estimular o exercício
da imaginação dos aprendentes.
92
Porém, sabemos que, no modelo de ensino real-existente, é difícil articular um
Projeto Pedagógico Institucional (PPI) ou um Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e
realizar os planejamentos dos colegiados com os planos individuais de ensino-
aprendizagem, na realidade organizacional da estrutura das universidades brasileiras, com
raras exceções e não negando que seja o desejo – ou sonho – da maioria dos personagens
que pertencem a estes espaços educacionais. Em outras palavras, haveria um grande risco
de desmotivação se dependêssemos de uma reforma estrutural das instituições ou de uma
iniciativa coletiva permanente para o desenvolvimento e implementação de um conjunto
de procedimentos de ensino-aprendizagem articulado entre alunos, professores,
colegiados e gestão universitária.
Foi através da experiência com a professora Léa Anastasiou9 que aprendi: entre
estacionar em um modelo de ensino necessário apenas no ideal, devemos trabalhar, no
mínimo, na realização de uma estratégia possível no real existente. Deveríamos começar a
mudança no planejamento e implementação de novas formas de ensino de dentro para fora,
ou seja, das salas de aulas para os espaços interrelacionados, compartilhando experiências,
angariando adeptos, fazendo o meticuloso trabalho de formiguinha, começando pelo
individual, mas visando o coletivo. No seu livro Processos de Ensinagem, encontrei a
seguinte passagem inspiradora:
Quando o estudante se confronta com um tópico de estudo, o professor
pode esperar que ele apresente, a respeito do assunto, apenas uma visão
inicial, caótica, não elaborada ou sincrética, e que se encontra em vários
níveis diferenciados entre os alunos. Com a vivência de sistemáticos
processos de análise a respeito do objeto de estudo, passa a reconstruir essa
visão inicial, que é superada por uma nova visão, ou seja, uma síntese. A
síntese, embora seja qualitativamente superior à visão sincrética inicial, é
sempre provisória, pois o pensamento está em constante movimento e,
consequentemente, em constante alteração. Quanto mais situações de
análises forem experienciadas, maiores chances o aluno terá de
construir sínteses elaboradas. O caminho da síncrese para a síntese,
qualitativamente superior, via análise, é operacionalizado nas
diferentes estratégias que o professor organiza, visando sistematizar o
saber escolar. É um caminho que se processa no pensamento e pelo
pensamento do estudante, sob a orientação e acompanhamento do
professor, possibilitando o concreto pensado (ANASTASIOU, 2009, p.
30, grifos meus).
9Conheci a professora Léa Anastasiou no ano de 2014, quando ela ministrou cursos de Capacitação Docente
na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
93
Daí comecei uma investigação sobre teorias de aprendizagem, procedimentos,
métodos e estratégias de ensino. Busquei, inicialmente, compreender a teoria e a
metodologia dialética do conhecimento, bem como a tendência político-filosófica sobre a
qual Anastasiou (1998) ancorou a sua concepção sobre Ensinagem10 – a pedagogia crítico-
social dos conteúdos.
Percebi que adotando as concepções pedagógicas da ensinagem com a aplicação da
metodologia dialética do conhecimento através da estratégia de ensinagem grafismo, eu
estaria dando uma resposta coerente a uma história de progressivas limitações imaginativas
que começa com os métodos das pedagogias tradicionais e chega ao ápice com a imposição
do pensamento positivista por meio da implantação da pedagogia tecnicista no sistema
educacional de nossa sociedade. Como disse anteriormente, esta é uma causa, entre outras,
da dificuldade imaginativa apresentada pelos estudantes no ensino superior.
Estes estudos respaldaram as minhas ideias sobre ensinar o aprendente a pensar através
de um método, pois ensiná-lo a aprender é motivá-lo a imaginar e elucidar a realidade com
autonomia, ser protagonista do próprio conhecimento. Percebi também o quão importante é
vincular o conteúdo curricular e o objetivo do ensino deste conteúdo com o aprendente, com o
seu contexto histórico-social. Entendi que a efetividade do ensino não se encerra na relação
entre aluno, conhecimento e professor, para ser efetivo de fato, se faz necessário um trabalho
coletivo entre instituição, curso, professor, aluno e conhecimento. Mas se por algum motivo de
força maior, não houver possibilidade de um trabalho na perspectiva institucional, preciso
começar fazendo o meu dever, em sala de aula, com meus alunos.
Os estudos sobre as tendências pedagógicas e suas teorias demonstraram que a
educação, antes de ensinar, é uma política e, portanto, uma opção por qual tipo de
transformação se pretende para uma sociedade. Optei por realizar um trabalho possível na
realidade onde existo, onde leciono, através da elaboração de uma estratégia de ensino-
aprendizagem com o objetivo de estimular a capacidade imaginativa do estudante, de levá-
lo ao direcionamento do próprio pensamento para a constante evolução da sua consciência,
ou seja, ensinar o aprendente para ele imaginar o ideal-necessário daquilo existente e fazer
o possível para transformar a realidade da sua sociedade.
10A ser desenvolvido no capítulo 5.
94
5. ENSINAGEM, ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM,
GRAFISMO
5.1. ENSINAGEM
5.1.1. Um neologismo?
Neologismo, segundo o dicionário11, significa “palavra de criação recente com
recursos da própria língua ou adaptada de outra”. É a atribuição de um novo sentido e
interpretação a uma palavra já existente no vocabulário da língua de origem, ou ainda uma
nova palavra formada pela combinação entre dois vocábulos da mesma língua – é o caso do
termo ensinagem que vem da combinação entre as palavras ensino e aprendizagem.
Esta expressão, neste caso, vai além de uma simples combinação entre os dois
vocábulos. Ensinagem foi criada por Léa Anastasiou como um dos resultados de sua
pesquisa de doutorado intitulada Metodologia do ensino superior: da prática docente a
uma possível teoria pedagógica, de 1998. O seu significado é “uma situação de ensino
da qual necessariamente decorra a aprendizagem”, explica de forma resumida
Anastasiou (2009).
Ensinagem é uma concepção de ensino que traz na essência a responsabilidade pela
prática social do ensinar, onde o professor toma a iniciativa de um convite aos alunos para
estabelecerem uma parceria sob a qual assumem, conjuntamente, o enfrentamento pelo
conhecimento, com compromisso da elucidação do objeto do conhecimento – com o
apreender. Em outras palavras, a ensinagem se estabelece quando ocorre uma parceria,
consciente e contratual, entre professores e alunos, na execução de ações conjuntas,
relacionadas tanto ao ensinar quanto ao apreender o objeto do conhecimento – dentro e fora
das salas de aulas. Esta proposta é uma oposição às pedagogias de tendência tradicional -
tecnicista que ainda persistem nos espaços educacionais com seus princípios básicos:
11 NEOLOGISMO. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em:
<www. uol. com. br/michaelis>. Acesso em: 16/05/2020.
95
ensinar é transmitir a informação e aprender é reter o conhecimento, conforme tema
desmitificado no capítulo 03.
Progressivamente, esta expressão criada pela professora Léa Anastasiou vem
tomando força e se estabelecendo no meio acadêmico. Durante as minhas investigações,
encontrei em Amorim (2014) o uso de ensinagem no título do artigo, mas no decorrer do
texto, apenas a seguinte passagem: “utilizamos o termo ensinagem na tentativa de marcar a
profunda imbricação entre as práticas de ensino e aprendizagem” (p.358) – sem referência
a sua autora. Se por um lado a difusão deste termo é o ponto positivo, por outro a nova
palavra perde, gradativamente, seu sentido original ao longo do tempo do autor. Quando
Amorim (2014) disse “imbricação entre as práticas de ensino e aprendizagem”, ele ainda
manteve a dicotomia entre ensino e aprendizagem, mesmo que tal imbricação seja, de forma
profunda, justamente aquilo que é evitado na ensinagem, pois, sob esta perspectiva, ensino
e aprendizagem são partes do mesmo processo.
Os processos de ensinagem foram idealizados por Anastasiou (1998) para se
tornarem um conjunto de ações uno, tomadas por professores e alunos para, entre outros
objetivos, superar o distanciamento das relações existentes nos espaços escolares: aluno e
professor; transmissão e recepção do conteúdo; ensino e aprendizagem.
5.1.2. A expressão: {(Professor + Alunos) x Conhecimento} = Aprendizagem
A indissociabilidade entre aluno e professor proposta por Anastasiou tem o
enfrentamento do conhecimento como um dos seus objetivos...
[...] indicando uma relação contratual de parceria deliberada, pautando-
a num processo de adição de esforços, na conquista do conhecimento,
este sim, o adversário, pela complexidade que pode tanto ser verificada
no processo de explicitação pelo professor, quanto no de apreensão pelo
aluno. Daí propomos a construção de uma nova relação:
{(PROFESSOR+ALUNOS) XCONHECIMENTO}, onde se torna
fundamental superar a ação do dizer, como ensinar, na adoção de um novo
processo metodológico que considere a abordagem do conhecimento
inclusive como resultante da realidade. Temos chamado este processo que
interliga ensino e aprendizagem como elementos mutuamente
dependentes de processo de ensinagem. (ANASTASIOU, 1998, p. 194,
grifos meus).
Ao tomar conhecimento como adversário – através do símbolo “x”, versus – dos
alunos e professores, Anastasiou encontrou uma forma de demonstrar que o conhecimento
é um objeto complexo de ensinar e de apreender.
96
Antes de ensinar o objeto do conhecimento, o professor deve conhecer este objeto
em seu contexto histórico e científico, além de saber como tal objeto se comporta dentro do
contexto curricular de formação, como se manifesta no contexto histórico-social e como
este objeto será recebido e conhecido pelos aprendentes. Por fim, o professor deve
estabelecer e organizar formas para apresentar e auxiliar os estudantes a apreenderem este
objeto do conhecimento.
Antes de apreender o objeto do conhecimento, os estudantes, ao ingressar no nível
superior, devem ter consciência de si, do seu projeto de vida profissional e do papel que
pretendem desempenhar na sociedade que pertence e compreender como será o processo de
sua formação profissional. Além disso, os estudantes deverão saber o porquê de se dedicar
ao aprendizado de determinado objeto do conhecimento sob uma determinada ementa de
uma determinada componente curricular, bem como ter consciência do seu compromisso e
parceria com o professor e seus colegas de classe no enfrentamento destes objetos. Deve,
ainda, ter ciência de que é um agente ativo e protagonista na construção do próprio
conhecimento, o que, por fim, caracteriza o processo do aprender a apreender o
conhecimento científico.
Ressalto que, embora sejam muitas às ações atribuídas aos estudantes na descrição
acima, as maiorias delas estão diretamente relacionadas a uma determinante orientação
pedagógica e curricular partindo da própria instituição, onde a participação dos órgãos
colegiados de cursos e de colegas de departamentais é de fundamental importância. Ações
de orientação e conscientização sobre o processo de formação do curso, o perfil de egresso
e o papel do futuro profissional a ser desempenhado na sociedade, por exemplo, podem ser
feitas logo no ingresso dos calouros nas universidades. Ensinar o estudante a apreender é
um trabalho que pode ser realizado a partir de uma ação conjunta de todos os professores
das componentes curriculares dos semestres iniciais do curso. À medida que o aprendente
desenvolve o movimento espiral do conhecimento enquanto um método para a elucidação
de um novo conteúdo, ele desenvolve, gradativamente, a sua autonomia intelectual e o
protagonismo na aquisição do próprio conhecimento, consciente que isto se estenderá por
toda a sua vida.
Estas iniciativas mínimas por parte da instituição fazem grande diferença no
desenvolvimento da consciência de si e na autorreflexão do aluno em relação ao próprio
nível de conhecimento, processos que o levam ao amadurecimento e percepção sobre a
autorresponsabilidade no empenho por uma formação de qualidade. Desta maneira, na sala
de aula, quando o professor convida o aluno – e a turma – para formarem uma parceria para
97
o enfrentamento do conhecimento da componente curricular, o acordo é imediato e natural.
Logo, conforme Anastasiou (1998), o processo de ensinagem não ocorre de forma isolada
dentro das salas de aula apenas com os alunos e o professor da matéria, mas através de um
projeto de formação integrado entre departamentos, colegiados e alunos no enfrentamento
do conhecimento.
5.1.3. Do dar aula à ensinagem
À luz da perspectiva de Libâneo (2011), apresentei, no capítulo anterior, as
principais tendências político-filosóficas que influenciaram – e ainda influenciam – a
elaboração de inúmeras teorias de aprendizagem ao longo da história. Surgiram métodos de
ensino experimentais, não-diretivos, experimentos psicológicos, técnicas e instrumentos de
ensino etc., com um elemento motivador em comum: vencer o modelo professor-
transmissor e aluno-receptor, ou seja, o tão conhecido método dar aula.
Apesar de no discurso haver a essa postura, no cotidiano da escola verifica-
se que é a mais presente..., talvez nem tanto pela vontade dos educadores,
mas por não saber como efetivar uma prática diferente: “a gente acaba
caindo na aula expositiva...”. (VASCONCELLOS, 1995, p. 17)
Então, como apresentar um novo conteúdo sem usar um modelo expositivo?
Não há como escapar da exposição do novo conteúdo, mesmo com os avanços das
pedagogias, tais como as não diretivas, que propõem grupos de discussões, ou as
escolanovistas, que trouxeram e estabeleceram a concepção do aprendente como o sujeito
ativo no processo de aprendizagem. O novo, de alguma forma, deverá ser apresentado. No
entanto, existe uma diferença entre o simplesmente expor o novo conteúdo e deixar que o
aluno se vire e o expor o conteúdo de maneira a mediá-lo até o aluno, organizando formas
de apresentação para que de fato chegue ao aprendente e este tenha condições de agir na
elucidação do novo objeto do conhecimento.
Usarei como exemplo uma situação que vivi há alguns anos com uma turma do curso
de Agronomia da UFRB: o tema da ementa era vistas ortográficas. Para introduzir o assunto,
se faz necessário apresentar os fundamentos da geometria descritiva. Elaborei uma bela
apresentação através da ferramenta PowerPoint, usando objetos em movimento com efeitos
sonoros, pois o objetivo era segurar a atenção dos estudantes. Comecei a explanar o assunto
usando os slides como guia para os comentários a parte e os alunos se mostravam vidrados
na minha apresentação. Apresentei as definições de ponto, reta e plano, e usei termos, tais
98
como plano ortográfico, diedros, épura, planificação e rebatimento, como se fossem comuns
no vocabulário daqueles estudantes, cuja maioria residia na zona rural do Recôncavo da Bahia
ou era oriunda da escola pública e buscava, na UFRB, uma oportunidade de capacitação
profissional e realização de um projeto de vida.
No meio desta aula, o silêncio ensurdecedor da sala me chamou à atenção. Foi
quando percebi que aqueles olhos vidrados não eram só de admiração. Então perguntei:
– E aí gente, alguma dúvida? Está tudo bem, posso continuar?
Um daqueles alunos de personalidade espontânea respondeu:
– Claro que não, professora. Eu lá sei quem é diedro e épura!?
Afora o lado engraçado da situação, a resposta deste aluno me fez questionar o próprio
fazer didático e entender que, por mais bem elaborada esteticamente que esteja a apresentação
dos assuntos, este artifício não é suficiente se o tema não chegar ao aluno. Este episódio
comprovou que o aprendente não consegue entender aquilo ele não conhece.
O paradigma tradicional, professor palestrante e aluno ouvinte, foi-nos
ensinado pela nossa vivência de alunos, sendo, portanto, o que sabemos
fazer, por experiência ou hábito, em contraposição a uma crescente
necessidade da construção de um paradigma atual, em que o
enfrentamento científico existente utilize um processo diferenciado, no
qual a construção e parceria sejam elementos fundamentais da relação
(ANASTASIOU; PIMENTA, 2014, p.212, grifos meus).
Como disse anteriormente, a ensinagem está além de um neologismo. O seu
conceito norteador é a união entre as partes de um mesmo processo, justificando esta
concepção como uma proposta de pensamento e práticas para o ensino superior. O pacto de
uma relação de parceria entre professores e alunos é o primeiro passo para o diálogo e
aproximação, a partir de onde a construção do modelo ideal e necessário passa, aos poucos,
a ser real e existente. A ensinagem é uma oposição aos modelos tradicionais de ensino, onde
o professor é o dono do saber e da palavra, motivo pelo qual o mantém distante do aluno.
Este, por se sentir inferior, não tem a espontaneidade de expressar o seu nível de
conhecimento sobre o objeto em exposição.
O professor dá o ponto até perguntar: “alguma dúvida?”, “vocês
entenderam né?”, antes de passar para os exercícios de aplicação e dar a
lição de casa. Mas os alunos nem se dispõem a apresentar as dúvidas, pois
já sabem, por experiências anteriores, que essa pergunta é mera
formalidade, ou seja, de modo geral o professor não está interessado na
dúvida do aluno, nem disposto a explicar de novo (VASCONCELLOS,
1995, p. 19).
99
Somente através da aproximação entre alunos e professores é que é possível a este
saber se está falando na linguagem que o aluno entende e se o conteúdo chegou até o
aprendente. É preciso destacar que esta aproximação e acordo devem estar ancorados no
compromisso mútuo pelo enfrentamento do conhecimento, onde o objetivo final é a
apreensão do objeto em sua totalidade pelo aluno. Sendo assim, as atribuições propostas
para cada um devem ser claras e bem estabelecidas.
O papel do professor é apresentar os conteúdos, promover atividades, despertar a
curiosidade e a dúvida, conduzir e mediar a relação entre o aprendente e o objeto do
conhecimento. Ao aluno, cabe o compromisso pela ação da própria cognição sobre o objeto
do conhecimento, aplicar o método do pensamento na observação das relações internas e
externas ao objeto, associar as causas e efeitos, levantar hipóteses, significar, ressignificar
e buscar soluções para os problemas.
De acordo com a ensinagem, o professor deve buscar estratégias com o objetivo de
convocar o pensamento dos seus estudantes e estimular o exercício das suas imaginações.
O aluno deve “revisar o assistir a aulas, pois a ação de apreender não é passiva. O agarrar
por parte do estudante exige ação constante e consciente: informar-se, exercitar-se, instruir-
se” (ANASTASIOU, 2009, p. 19).
Desta maneira, a construção do conhecimento se torna dinâmica e ultrapassa os
limites das salas de aulas e do espaço escolar, pois, para a efetivação da apreensão do objeto
do conhecimento, é necessário estender as relações de causa e efeito e analisá-las para a
vida prática e social dos estudantes. Ao professor cabe despertar o aluno para o
conhecimento do objeto. Ao aluno cabe pensar, imaginar e conceber o próprio objeto.
Portanto, “quando se atinge a verdadeira finalidade da aprendizagem, pode-se dispensar o
modelo, indo além dele”, conforme Anastasiou e Pimenta (2014, p. 210).
5.1.4. Ensinagem: uma prática social
Do ponto de vista geral, o grupo de pesquisa da professora Léa Anastasiou
discutiu a docência universitária e o funcionamento do ensino enquanto um fenômeno
complexo, isto é, considerou o sistema organizacional que demanda e a sustenta, bem
como suas implicações estruturais; as relações entre núcleos docente estruturantes,
colegiados e planejamentos de ensino-aprendizagem; a prática em sala de aula e sua
autorreflexão, teorias, métodos e técnicas; e a função do ensino enquanto prática social.
Os pesquisadores dialogaram “com outros campos do conhecimento, porque o ensino não
100
se resolve com um único olhar”, e chegaram as respostas que, entre dados e conclusões,
assumiram um “caráter ao mesmo tempo explicativo e projetivo”, assim explicaram
Anastasiou e Pimenta (2014, p. 204).
O foco deste trabalho está nas concepções da professora Léa Anastasiou sobre a
prática da sala de aula, especificamente sobre os métodos, técnicas e estratégias de ensino-
aprendizagem. Além disso, pela natureza deste trabalho e seus objetivos motivadores, não
há como tratar exclusivamente sobre as estratégias de ensinagem sem tocar nos
fundamentos que estão implícitos na aplicação destas ações: a intencionalidade, a
responsabilidade e o compromisso com a transformação social.
Nós, professores em exercício em 2020, quando fomos alunos, nos acostumamos
ao papel de ouvintes, de meros expectadores na sala de aula. Lembro-me que em casa, eu
fazia as lições sozinha e, nas dúvidas, eu buscava um colega de classe mais inteligente para
me ajudar. Ainda obtenho, na memória, as técnicas que eu usava para decorar a tabela
periódica de química no antigo 2º grau, hoje ensino médio. Quando universitária, mesmo
encantada com a disciplina de História da Arte, eu precisava decorar os ipsis litteris do livro
de Gombrich12 para fazer as provas da componente. E, ainda assim, com as dificuldades
vividas enquanto estudantes, hoje, como professores, se não fizermos uma autocrítica,
repetimos os modelos de ensino vivenciados.
O desafio está na superação destes modelos com...
[...] os avanços no campo da Didática aliados à própria profissionalização
dos professores, [...], deixando luzes sobre o fenômeno do ensino em
situação complexa, permitem que se supere o falso dilema entre ensinar ou
aprender ou a questão sobre o que determina o quê. Concorre para isso o
entendimento da natureza do ensinar, tem como compromisso
assegurar que todos aprendam, à medida que a escolaridade contribui
para a humanização e, portanto, para a redução das desigualdades
sociais. Então, parece-nos que o conceito de ensinagem comporta em si
a superação da falsa dicotomia, pois carrega consigo esses
compromissos éticos, políticos e sociais da atividade docente para com
os alunos, a qual se realiza em determinado espaço institucional.
(ANASTASIOU; PIMENTA, 2014, p.203-4, grifos meus)
Na esteira deste raciocínio resgato do capítulo anterior a representação do ciclo de
relações mútuas e infinitas entre ensino e aprendizagem. Esta representação surgiu de uma
analogia que eu fiz à luz do conceito de ensinagem, onde busquei, através desta nominação,
12 GOMBRICHI, Ernest Hans. A história da arte. – Título clássico indicado na Bibliografia Básica dos
cursos relacionados às Artes em geral.
101
potencializar a indissociabilidade e relação entre as ações dos alunos (pensar e aprender) e dos
professores (ensinar) no processo de ensino-aprendizagem. Com o intuito de evidenciar o
sentido de conjunto institucional, adicionei, nesta relação, as ações e os sujeitos pertencentes
ao espaço universitário, pois todos fazem parte do mesmo processo. Este entendimento dá
relevo à importância da responsabilidade e do compromisso dos sujeitos da instituição educação
no processo formativo dos aprendentes, pois, afinal, a educação é um instrumento de exercício
político, uma representação de qual tipo de transformação social se pretende ao entrar em sala
de aula e ensinar o futuro de uma sociedade.
Lílian Anna Wachowicz também discutiu muito acerca deste assunto. Em seu
livro intitulado “O método dialético na didática”, publicado em 1989, ela problematiza a
didática praticada no Brasil do referido período e demonstra o estreito encadeamento entre
filosofia, política e educação sobre a construção do ensino enquanto prática social. Da
data da publicação do livro de Wachowicz até os nossos dias, já se passaram 30 anos e
este texto continua atual, pois as condições da educação no Brasil de 2020, infelizmente,
são semelhantes às daquela época. Para justificar isso, destaquei importantes excertos das
suas discussões:
O texto do nosso problema é, portanto, a questão do método. Enquanto
meio de apropriação do conhecimento, o método é uma questão
filosófica; colocada no contexto da questão educacional, no Brasil de hoje
[...]. O método consiste em elevar-se o pensamento do abstrato para o
concreto, e é a maneira que tem o pensamento para apropriar-se do
concreto, de o reproduzir como um concreto espiritual (MARX, 1983,
p. 219 apud WACHOWICZ, 1989. p. 12, grifos meus)
O entendimento de que o “método é uma questão filosófica” é reforçado pelas
palavras de Buzzi (2019, p. 199), quando este afirma que “a filosofia é o empenho pelo
esclarecimento”, complementando aquilo que é defendido por Wachowicz. Na sequência, a
autora faz menção ao pensamento de Saviani e continua:
A educação trata de uma ação, vale dizer, de um movimento intencional
que se realiza em um contexto histórico. Nosso referencial teórico
entende a educação como uma ação mediadora “no seio da prática social
global” [...]. A educação escolar, entretanto, pode ser uma prática
social progressista ou conservadora. O que vai determinar uma ou
outra direção em parte é a didática, pois o modo de fazer educação que
vai caracterizá-la. Não é o conteúdo do saber, mas o meio pelo qual este é
transmitido, que vai reelaborá-lo, transformando-o em saber conservador
ou progressista. [...] O método didático necessário é aquele capaz de
fazer o aluno ler criticamente a prática social na qual vive. Esse
progresso não se realiza individualmente, nem mesmo numa relação a
dois entre professor e aluno. É um processo coletivo pelo qual um
102
grupo de pessoas se defronta com o conhecimento, e no qual não se
perde a perspectiva individual. (WACHOWICZ, 1989, p. 13 e 15, grifos
meus).
Dada esta reflexão, remeto ao que propôs Léa Anastasiou (1998, 2009, 2014) ao
incorporar, na essência da ensinagem, o conceito de prática social e observo: no modelo de
ensino ideal-necessário, esta noção de conduta deve fazer parte dos próprios princípios
éticos e de convicções do ser professor.
Os processos de ensinagem enquanto um modelo de pensamento didático nasceu
da reflexão, autorreflexão, crítica e autocrítica sobre a docência do ensino superior e das
suas práticas em sala de aula e do seu contexto de entorno. A ensinagem é uma prática social
porque está ancorada nos “compromissos éticos, políticos e sociais da atividade docente
para com os alunos, a qual se realiza em determinado espaço institucional”, conforme
disseram Anastasiou e Pimenta (2014), no destaque da citação que apresentei acima.
A ensinagem é uma prática social porque parte do entendimento de que aprender e
apreender não é um processo que ocorre de forma espontânea ou mágica, sem métodos ou
exercícios de análise pelo pensamento – na imaginação. “Ao contrário, exige, exatamente
em virtude da intencionalidade contida no conceito de ensinagem, a escolha e execução de
uma metodologia adequada aos objetivos e conteúdos do objeto de ensino e aos alunos”,
afirmam Anastasiou e Pimenta (2014, p. 211).
A ensinagem não é uma pedagogia que se encerra em si, que define métodos, técnicas
e estratégias estanques, aplicáveis para tudo e todos. Anastasiou (1998) entendeu que o
ensino é uma prática dinâmica e mutável a cada área do conhecimento, conteúdos e seus
objetivos e, principalmente, a cada turma de alunos – a cada aluno.
Malgrado o fato de alguns alunos chegarem rapidamente às abstrações e
sínteses pretendidas, não se deve generalizar essa expectativa aos outros.
Ao contrário, exige-se do professor uma competência docente capaz de
planejar e efetivar um processo contínuo de ações que possibilitem aos
alunos ir construindo, agarrando, apreendendo o quadro teórico-prático
pretendido em momentos sequenciais e de complexidade crescente
(ANASTASIOU; PIMENTA, 2014, p. 211).
A intencionalidade do apreender o conhecimento pelo estudante é o cerne desta
pedagogia. Para alcançar este objetivo, sua proposta consiste em que o professor avance do
método expositivo como modelo único para explicar os novos conteúdos e insira no seu
103
programa de ensino e aprendizagem as estratégias de ensinagem13 a fim de estimular no
estudante a vontade do apreender. Estas podem ser resgatadas de qualquer outro modelo de
ensino ou teoria de aprendizagem. O que prevalece, neste pensamento didático, é levar o
objeto; é estimular e mediar a construção do conhecimento pelo aprendente. Novamente,
vale destacar:
Nesse processo, o envolvimento dos sujeitos, em sua totalidade, é
fundamental. Além do o quê e do como, pela ensinagem deve-se
possibilitar o pensar, situação em que cada estudante possa reelaborar as
relações dos conteúdos, por meio dos aspectos que se determinam e se
condicionam mutuamente, numa ação conjunta do professor e dos alunos,
com ações e níveis de responsabilidades próprias e específicas,
explicitadas com clareza nas estratégias selecionadas (ANASTASIOU,
2009, p, 20, grifos da autora).
A ensinagem é uma prática social porque a sua concepção tem como base a
pedagogia de tendência progressista crítico-social dos conteúdos, donde o ponto de partida
e chegada dos métodos e estratégias de ensino e aprendizagem é a própria prática social
comum a professor e alunos (SAVIANI, 1999). Os atores que atuam no enfrentamento do
objeto do conhecimento resgatam do próprio âmbito social questões que precisam ser
resolvidas e o conhecimento necessário para solucioná-las. Daí o papel fundamental da
mediação do professor na organização e instrumentalização de estratégias de fundamentos
teóricos e práticos – as estratégias de ensinagem – para mobilizar e motivar a ação dos
estudantes na compreensão – mediação da síncrese à síntese pela análise – do objeto em sua
totalidade14. À luz deste entendimento, Anastasiou disse que:
[...] compreender é apreender o significado de um objeto ou um
acontecimento; é vê-lo em suas relações com os outros objetos e
acontecimentos. [...] O processo de apreensão, de conhecer, está
relacionado com o enredar, estabelecendo os nós necessários entre os fios
a serem tecidos. Para dar conta desse enredamento, há que se superar as
dificuldades vencendo a simples memorização. O estudante tem que
ativamente refletir, no sentido de dobrar-se de novo e de novo – tantas
vezes quanto seja necessário –, para apropriar-se do quadro teórico-prático
objetivado pelo professor e pela proposta curricular, em relação à realidade
visada no processo de ensino. [...]. Cabe ao professor planejar e
conduzir esse processo contínuo de ações que possibilitem aos
estudantes, inclusive aos que têm maiores dificuldades, ir construindo,
agarrando, apreendendo o quadro teórico-prático pretendido, em
13 Lembrando que este trabalho trata da verificação de uma estratégia de ensinagem – o grafismo – assunto
que vou apresentar no próximo tópico deste capítulo.
14 Assunto tratado no capítulo 02.
104
momentos sequenciais e de complexidade crescente (ANASTASIOU,
2009, p.21 e 23, grifos meus).
Porque, na sua prática essencial, ser professor é ensinar!
5.2. PROCEDIMENTOS E ESTRATÉGIAS DE ENSINAGEM
5.2.1. Do método ao procedimento de ensino
No ensino, não basta definir que se vai utilizar a “exposição oral” ou a
“exposição escrita”, ou o “trabalho dirigido” etc. É preciso ter certeza da
intenção com a qual se utilizar este ou aquele procedimento. E isso
depende da concepção pedagógica que gere o nosso trabalho docente
(LUCKESI, 2011, p.193, grifos do autor e meus).
No capítulo anterior, demonstrei que o desenvolvimento das teorias de
aprendizagem, as pedagogias, e seus métodos são reverberações das tendências político-
filosóficas do espírito da época de cada sociedade. No caso da definição dos métodos e
técnicas de ensino aplicados em sala de aula, ocorrem em função dos procedimentos de
ensino do Projeto Político Pedagógico do Curso – PPC – ao qual se insere e da tendência
pedagógica estabelecida pela instituição de ensino. Vale ressaltar que eu estou apresentando
os aspectos do nível superior, mas esta definição também se aplica aos níveis de ensino
fundamental e médio.
“Procedimentos de ensino são meios técnicos utilizados para cumprir uma
proposta educacional. Não existem isoladamente, mas articulados e dependentes de uma
perspectiva teórico-filosófica” da pedagogia vigente, conforme definiu Luckesi (2011,
p.185). Na oportunidade, ele chamou à atenção para o fato de que boa parte dos docentes,
em sala de aula, estabeleceu os métodos e técnicas de ensino e aprendizagem de uma dada
componente curricular, partindo das formas como aprenderam enquanto alunos ou através
das novas formas ofertadas pelos avanços das tecnologias, sem articulá-las com as
tendências político-filosóficas da instituição e, tão pouco, com a corrente pedagógica
indicada no PPC que ensinam. Desta forma, portanto, os docentes criam um abismo entre
a promessa do cidadão e profissional que o PPC pretende formar e o como chegar ao
objetivo prometido, por isto é importante...
[...] entender que as decisões sobre os objetivos filosóficos e políticos da
prática docente antecedem toda e qualquer outra decisão pedagógica. Eles
dão a dimensão do que fazer. E, tendo claros os objetivos mais
105
abrangentes, as finalidades, cada professor poderá, com clareza de
consciência, escolher procedimentos de ensino entre os já formulados e
apresentados nos textos de didática e técnicas de ensino. Ou ainda, poderá
criar novos procedimentos a partir das necessidades emergentes, para
cumprir os objetivos que tenham traçado (LUCKESI, 2011, p. 186, grifos
do autor e meus).
Desta maneira o professor sabe o que está fazendo e porque está fazendo –
conclusão que me leva a reafirmar a importância fundamental de oportunizar ao docente do
nível superior a formação ou a capacitação continuada em ensino superior, assunto que
abordei no capítulo anterior.
Sendo assim, as lentes usadas por Luckesi (2011, p. 186), ao se referir sobre os
procedimentos de ensino, são de natureza epistemo-filosófica, pois tratam das formas de
abordagem dos métodos de ensino: “[...] vamos tentar entender como cada procedimento,
na sua própria formalidade, demonstra, em si, o sentido da proposta pedagógica que está
traduzindo e mediando”. Em outras palavras, mas numa linha de argumentação
semelhante, Anastasiou e Alves apresentam as estratégias a partir do pensamento
didático, a ensinagem:
Nossa proposta situa o estudo e a análise das estratégias de ensino e de
aprendizagem diretamente relacionados a uma série de determinantes:
um Projeto-Pedagógico Institucional, em que se defina uma visão de
homem e de profissional que se pretende possibilitar na educação superior;
a função social da universidade; a visão de ensinar e de apreender; a visão
de ciência, conhecimento e de saber escolar; a organização curricular em
grade ou globalizante, com a utilização de objetivos interdisciplinares, por
meio de módulos, ações, problemas, projetos, entre outros. É nesse
contexto que se constrói o trabalho docente e que o professor se vê
frente a frente com a necessidade e o desafio de organizá-lo e
operacionalizá-lo (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 75, grifos meus).
As estratégias também são elementos que fazem parte do ciclo de relações mútuas e
infinitas entre ensino e aprendizagem. Concordando com Luckesi (2011), as autoras explicam
que a organização do trabalho docente, da prática de ações de ensino e aprendizagem em sala
de aula, é uma tradução da proposta pedagógica do curso e instituição.
Luckesi (2011) inicialmente distinguiu procedimento de ensino de método, dando
ao primeiro o sentido de forma de abordagem e ao segundo, a noção de ações de ensino.
Para chegar a este entendimento, ele apresentou a seguinte argumentação:
Genericamente, define-se método como meio para se atingir um
determinado fim. Essa definição nasce do próprio sentido etimológico do
temo, cuja origem encontra-se em duas palavras gregas: meta (= para) +
odos (= caminho). Método seria, então, “caminho para” se chegar a um
106
determinado fim. Contudo, os fins a serem atingidos variam, fato que
obriga a entendimentos diversos do que seja método. Neste caso, vamos
distinguir pelo menos duas perspectivas de compreender método: a)
método visto sob a ótica teórico-metodológica, e b) método visto sob a
ótica técnico-metodológica (LUCKESI, 2011, p. 187).
“O método sob a ótica teórico-metodológica” é uma forma de abordagem da
realidade estabelecida a partir de uma dada concepção de conhecimento do mundo pelo
homem, isto é, a forma como um dado objeto do conhecimento é definido à luz de uma
tendência político-filosófica de pensamento. Esse método é a definição das ações para levar
o aprendente ao conhecimento do objeto sob a perspectiva de uma tendência político-
filosófica do pensamento, isto é, as “formas operacionais” para apresentar, mediar e atingir
o conhecimento do objeto – as técnicas e estratégias de ensino e aprendizagem.
Quando Luckesi (2011) se referiu aos procedimentos de ensino, ele ampliou o campo
de visão e a grandeza do fazer docente. O autor abriu os grilhões das portas das salas de aulas
e apontou ao docente que os caminhos da sua prática não se encerram no simplesmente dar
aulas. Com a mesma perspectiva político-filosófica, Anastasiou (1998, 2009, 2014) deu relevo
a este entendimento, retirando os obstáculos, abrindo e ilustrando novas trilhas para uma efetiva
prática social do ensinar, denominando esta prática por ensinagem.
Em síntese, o método, sob a ótica técnico-metodológica, manifesta-se com
meios pelos quais atingimos fins próximos, articulados com fins
políticos mais distantes. [...]. Um modo operacional de agir ou de fazer
alguma coisa não existe no vácuo teórico, mas sim articulado com uma
“visão” de realidade. Os procedimentos são os modos específicos com
os quais operacionalizamos o método. Os procedimentos, propriamente,
são técnicas de ação, que, se executadas, cumprem o método, sob a ótica
técnico-metodológica. [...] Então, importa ter claro que os procedimentos
são recursos imediatos de ação que utilizamos para cumprir um fim
imediato (no nosso caso, a aprendizagem de alguma coisa), tendo em
vista um fim político abrangente (no caso, a formação do cidadão)
(LUCKESI, 2011, p.192, grifos meus).
Os procedimentos são as formas de abordagem – o como ensinar – sob um ponto
de vista amplo, olhando no horizonte e para além do conhecimento do objeto pelo
aprendente. Os procedimentos visam “um fim político”, projetam a maneira como o
conhecimento vai chegar e interferir na sociedade a partir do “Projeto-Pedagógico
Institucional, [...] visão de homem e de profissional que se pretende “[...] a função social da
universidade”, conforme Anastasiou e Alves (2009, p. 75).
Em outras palavras, ao se referir às metodologias – uma expressão comum nos
espaços educacionais – como procedimentos de ensino, Luckesi deu aos métodos uma
107
dimensão e valores superiores à simples aplicação de uma forma de apresentar e mediar o
conteúdo ao aluno em sala de aula. Esta perspectiva me remeteu à ensinagem, ao seu
pensamento didático, que propõe um ensinar com o compromisso do apreender e explica
que, para chegar aos objetivos, o professor deve lançar mão de métodos e estratégias
específicas ao aluno, conteúdo e PPC: as estratégias de ensinagem de Anastasiou e Alves
são os procedimentos de ensino no ponto de vista de Luckesi.
5.2.2. Das teorias, procedimentos e seus fins
Quando coloco face a face as principais características do conjunto das tendências
pedagógicas liberais e progressistas, a efeito comparativo, percebo o quão distantes elas
estão em relação aos seus projetos de construção de sociedade.
Observo que, para a elaboração do Quadro 1, me apropriei das linhas de
Libâneo (2011), Luckesi (2011), Vasconcellos (1995) e Anastasiou, Alves e
Pimenta (1998, 2009, 2014).
108
Quadro 1 – Comparativo entre tendências pedagógicas
CONCEITOS E
PEDAGOGIAS
PEDAGOGIAS DE
TENDÊNCIAS LIBERAIS
PEDAGOGIAS DE
TENDÊNCIAS
PROGRESSISTAS
CONCEPÇÃO
POLÍTICO-FILOSÓFICA
DE EDUCAÇÃO
* Positivismo. * Humanismo.
CONCEPÇÃO DO
CONHECIMENTO
* Científico;
* Desenvolvimento do
pensamento lógico.
* Dialética;
* Desenvolvimento do
pensamento e da consciência
crítica.
OBJETIVO DE
FORMAÇÃO DE VISÃO
DE MUNDO
* Interesses individuais;
* Sujeito produtivo, integrado
e regulado socialmente;
* Clássico-humanista;
* Humano-científica;
* Crítico-reprodutivista.
* Interesses coletivos;
* Sujeito emancipado, libertado e
libertador;
* Crítico-transformador.
FORMA DE
APRENDIZAGEM
* Receptiva/ mecânica;
* Memorização;
* Autoaprendizagem.
* Ativa;
* Análise.
PROCEDIMENTOS DE
ENSINO
* Metodologia expositiva;
* Tecnologia educacional;
* Pesquisa/ descoberta;
* Não diretivo;
* O objeto do conhecimento é
extraído da totalidade.
* Metodologia dialética do
conhecimento;
* O objeto do conhecimento faz
parte da totalidade.
A EDUCAÇÃO “PARA”A
SOCIEDADE
* Reprodutora;
* Redentora. * Transformadora.
Fonte: elaborado pela autora.
Com as definições acima apresentadas, entendo como os fins justificam os meios.
“Cada corrente pedagógica articula procedimentos de ensino correspondentes às suas
respectivas propostas pedagógicas”, afirma Luckesi (2011, p. 193). É notório que a
tendência pedagógica estabelecida em um PPC indica os fundamentos sobre as formas de
aprendizagem e, consequentemente, os procedimentos de ensino para um curso. Portanto, o
primeiro passo do fazer docente é conhecer os instrumentos que regem a proposta
educacional da instituição e do curso que ensina. Porém, vale destacar, novamente, que este
entendimento não pode ocorrer de maneira individualizada, pois a formação coerente de um
cidadão profissional é um processo de trabalho coletivo.
109
Tendo em vista os conceitos norteadores que regem desde o Projeto Pedagógico
Institucional (PPI) até os objetivos de ensino do conteúdo de uma dada componente,
devendo o docente estar esclarecido sobre o que fazer e para quem fazer, o fazer docente
se torna uma prática criativa e saboreada, assim como explicou Anastasiou:
Trabalhando com os conhecimentos estruturados como o saber escolar, é
fundamental destacar o aspecto do saber referente ao gosto ou sabor, do
latim sapere – ter gosto. Na ensinagem, o processo de ensinar e apreender
exige um clima de trabalho tal que se possa saborear o conhecimento em
questão. O sabor é percebido pelos estudantes quando o docente ensina
determinada área que também saboreia, na lida cotidiana profissional e/ou
na pesquisa, e a socializa com seus parceiros na sala de aula. Para isso, o
saber inclui um saber o quê, um saber como, um saber por quê e um
saber para quê (ANASTASIOU, 2009, p. 20, grifos da autora e meus).
Portanto, do método até o procedimento de ensino, a orientação da ensinagem pelo
caminho é a coerência, a reflexão, a criatividade e o sabor pelo saber. Neste modo do fazer
didático, determinar uma estratégia de ensinagem é como ilustrar uma cena cotidiana, onde
cada detalhe de luz e cor determina o tipo de mensagem que se pretende expressar.
5.2.3. Estratégias de ensinagem
A explicação de Anastasiou e Alves sobre a implementação das estratégias de
ensinagem pelos docentes começou a partir da conceituação dos termos estratégias,
técnicas e dinâmicas – os três comumente usados como palavras sinônimas. Pois bem,
Cunha (2010, p. 272) disse que estratégia, vem do latim stratẽgῐa derivado do grego
stratẽgia, que “[...] significa arte (militar) de planejar e executar movimentos e operações”.
Anastasiou e Alves complementaram esta ideia explicando que “estratégia é a arte de
aplicar ou explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis, com vista à consecução
de objetivos específicos” (p. 75-6).
Técnica, “[...] do latim technῐcus derivado do grego technikós, significa arte,
habilidade”, segundo Cunha (2010, p. 626). Para Anastasiou e Alves, técnica “[...] refere-
se à arte, maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou fazer algo”.
O termo dinâmica é de origem grega, dynamikós, que vem do latim dýnamis,
trazendo o sentido de “[...] força, capacidade, poder, propriedade, virtude, potência,
autoridade”, no dicionário de Cunha (2010, p. 220). Anastasiou e Alves ampliaram a visão
acrescentando que dinâmica “[...] diz respeito ao movimento e às forças, ao organismo em
atividade ou, ainda, à parte da mecânica que estuda os movimentos” (2009, p. 76).
110
De acordo com este levantamento, o termo dinâmica não é sinônimo de estratégia,
tampouco de técnica. Porém, levando em conta que cada área profissional tem um
vocabulário próprio, entendo que, ao se referirem a esta palavra, os docentes pretendem
expressar o próprio movimento que a implementação das estratégias exigem, seja a
nomeação das atividades propostas em sala de aula, seja o fato de que não podemos
estabelecer uma estratégia de ensino ad infinitum para uma componente, visto que cada
turma é composta por infinitas possibilidades de estratégias. Portanto, estratégia ou técnica
de ensino pode ser muito bem compreendida como uma arte, dando ênfase na criatividade
artística, na imaginação produtiva criativa do docente, pois...
[...] exigem-se por parte de quem a utiliza criatividade, percepção
aguçada, vivência pessoal profunda e renovadora, além da capacidade de
pôr em prática uma ideia valendo-se da faculdade de dominar o objeto
trabalhado (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 76, grifos meus).
Em princípio, a opção sobre os procedimentos de ensino e as estratégias a serem
aplicadas em sala de aula – e fora delas – deve ser do professor responsável pela
componente, conforme expliquei no capítulo anterior: primeiro porque ele deve ter domínio
sobre as formas e segundo, porque dominando as técnicas ele, se sente à vontade durante a
realização do trabalho, conseguindo administrar quaisquer eventualidades que possam
acontecer. Porém, é preciso acrescentar e realçar que, à luz dos processos de ensinagem, a
escolha por um procedimento com suas técnicas e estratégias de ensino-aprendizagem é
uma atividade de percepção aguçada, imaginativa, criativa, onde ocorre uma articulação
renovadora entre PPI, PPC e as respostas às seguintes questões:
• O que ensinar?
• Para que ensinar?
• Para quem ensinar?
• Como se aprende?
As respostas destas perguntas servem como elementos de uma fórmula simples que
elaborei para ilustrar esta proposta:
{𝒇𝟏(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐, 𝑪𝑯𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐),𝑵𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐))
𝒇𝟐(𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆ú𝒅𝒐 + 𝑶𝑬𝑪)} → 𝑬𝑬𝒏𝒔𝒊𝒏𝒂𝒈𝒆𝒎
onde f1 é a função que representa uma regra que determina a relação de um conjunto de
fatores em torno do aluno, CHC é o contexto histórico-cultural deste aluno e NC é o seu
111
nível de conhecimento;𝒇2é a função que representa a relação do conteúdo curricular e o seu
OEC, que é o objetivo de ensino do conteúdo; e EEnsinagem é o resultado da combinação
destas funções, o procedimento de ensino-aprendizagem sob os princípios da ensinagem. A
combinação entre as funções e é o que vai gerar a estratégia de ensino-aprendizagem,
sempre articulada com o PPI e PPC.
Elaborei esta fórmula para representar o quão complexa é a situação de ensino-
aprendizagem. Observo que, na função, ao considerar a variável aluno, que é um indivíduo
único em sua subjetividade, e as funções do CHC e do NC próprias deste aluno, de partida,
demonstro que a EEnsinagem seria gerada e determinada para cada indivíduo, uma vez que
o conteúdo e objetivo de seu ensino, a função, são membros fixos da componente curricular.
Logo, esta representação é de uma ideia inexequível, pois tratamos de turmas, grupos
formados por infinitas variáveis.
Mas esta é a minha estratégia! Mostro que não há fórmula mágica de ensino para
a aprendizagem, não há como definir uma estratégia de ensinagem por ad infinitum. Criei
a expressão acima para reafirmar o quanto é importante o professor estar sempre em busca
de atualizações, de novas formas para ensinar o mesmo objeto, de uma capacitação e
formação continuada na docência do ensino superior. Por isto, trouxe a evolução das
pedagogias a partir das tendências político-filosóficas de cada sociedade em sua época.
Estamos em constante mudança, num movimento espiral em torno da construção da nossa
história. Por exemplo, a soma 2 + 2 sempre será 4, mas as formas de ensinar esta operação
matemática são infinitas.
Dado que não há fórmula mágica para o ensino, o princípio é a consciência do
professor que, antes de começar a apresentar os seus conteúdos, deve conhecer a sua
turma, saber quem é cada aluno, de onde ele vem, para onde ele pretende ir. O professor
precisa fazer uma avaliação conjunta, construir uma prévia de nível de conhecimento,
depois analisá-la e, aí sim, pelo bem do conjunto da sala de aula, estabelecer um
procedimento de ensino-aprendizagem que atenda minimamente a todos daquele grupo.
“Nisso, o professor deverá ser um verdadeiro estrategista, o que justifica a adoção de
estratégia, no sentido de estudar, selecionar, organizar e propor as melhores ferramentas
facilitadoras para que os estudantes se apropriem do conhecimento”, explicam Anastasiou
e Alves (2009, p. 76).
Por exemplo, o lócus de pesquisa desta tese é a UFRB e o curso de graduação onde
realizei a investigação sobre a efetividade da estratégia de ensinagem grafismo é o BCET.
No sentido de explicar a criação da estratégia de ensino-aprendizagem, objeto deste estudo,
112
começo com a apresentação dos conceitos pedagógicos norteadores da instituição e do
curso, representados no Quadro 2.
Quadro 2 – Conceitos pedagógicos norteadores da UFRB e do BCET
CONCEITOS
NORTEADORES UFRB/BCET
CONCEPÇÃO
POLÍTICO-FILOSÓFICA
DE EDUCAÇÃO
* Perspectiva pluralista da política;
* Liberal-Democrático;
* Democratização do ensino superior;
* Positivismo e Cientificismo;
CONCEPÇÃO DO
CONHECIMENTO
* Empirismo/Científico;
* Desenvolvimento do pensamento lógico, analítico e criativo
através da pesquisa científica;
* Construção do conhecimento por meio de estudos
interdisciplinares;
OBJETIVO DE
FORMAÇÃO DE VISÃO
DE MUNDO
* Humano-científica;
* Interesses individuais e coletivos;
* Sujeito produtivo, integrado e regulado socialmente;
* Sujeito emancipado;
FORMA DE
APRENDIZAGEM
* Aprender a aprender;
* Autoaprendizagem;
* Receptiva/mecânica;
PROCEDIMENTOS DE
ENSINO
* Metodologia expositiva;
* Pesquisa/ descoberta;
* Tecnologia educacional;
* Recursos educacionais abertos (REA)
* O objeto do conhecimento é extraído da totalidade;
A EDUCAÇÃO “PARA”
SOCIEDADE * Reprodutora/ Redentora;
Fonte: elaborado pela autora.
Para chegar aos conceitos representados no Quadro 2, utilizei o PPC do BCET15 e
o PPI da UFRB16, instrumentos que se encontram inseridos no Plano de Desenvolvimento
Institucional – PDI – da UFRB, nas publicações referentes ao planejamento da instituição
nos períodos de 2010-2014; 2015-2019 e 2019-2030. Cada um desses documentos foi
15 PPC/ BCET – Projeto Pedagógico do Curso Bacharelado em Ciências Exatas e Tecnológicas da UFRB,
disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/cetec/cursos>.
16 PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRB. Documentos referentes aos períodos acima
citados disponíveis em: <https://www.ufrb.edu.br/pdi/documentos-norteadores>.
113
elaborado por diferentes comissões formadas por representantes de servidores técnico-
administrativos em educação e docentes do quadro permanente de todas as instâncias da
instituição, nomeados por meio de portarias despachadas pela reitoria da universidade.
Embora a análise sobre eles não seja objeto de estudo desta tese, deixo aqui registradas três
observações que considero relevantes para o encadeamento da argumentação sobre a
criação da estratégia de ensinagem grafismo.
A primeira é a ausência da orientação, pelo conjunto da instituição, sobre as
concepções político-filosóficas da educação, de conhecimento, de pedagogia e
procedimentos de ensino registrada no PPC do BCET. Neste instrumento, o que existe é
a apresentação específica e isolada de cada programa de componente curricular, com a
discriminação da ementa, pré-requisitos, objetivos, conteúdo programático, metodologia,
bibliografia etc, organizado e produzido isoladamente pelo docente titular da cadeira.
A segunda observação é a inconsistência entre as concepções pedagógicas e os
objetivos do ensino superior propostos para sociedade do Recôncavo da Bahia, devido às
significativas alterações no texto do PPI, em cada uma das publicações do planejamento
institucional, o PDI da UFRB. Não se trata de uma diferença causada pela evolução de
etapas e metas atingidas ao longo de cada um dos períodos. Ao contrário, percebi uma
desconexão entre as fases de desenvolvimento da instituição, o que me levou a entender
este fato como uma incoerência de construção conceitual entre os três documentos
pesquisados. Embora não enxergue como justificativa, conforme expliquei há pouco, estes
instrumentos foram construídos por diferentes comissões, em fases distintas da história da
UFRB, quando certamente alimentar um planejamento de expectativas futuras depende do
espírito da instituição no presente.
A última observação se refere à incoerência entre as concepções pedagógicas, os
seus procedimentos de ensino e os objetivos da Universidade para a sociedade que estão
descritos no PPI da UFRB. No resumo dos conceitos norteadores apresentados no Quadro
2, devido à natureza da representação, não foi apresentado um dos maiores avanços da
UFRB para a sociedade do Recôncavo da Bahia: a Pró-Reitora de Políticas Afirmativas e
Assuntos Estudantis (PROPAAE) – que trata de
[...] uma iniciativa pioneira no âmbito das universidades federais que
insere no contexto institucional questões relativas aos assuntos estudantis
e à implementação de ações afirmativas. A Pró-Reitoria foi concebida com
o propósito de articular, formular e implementar políticas e práticas
de democratização, em parceria com vários segmentos, focadas no
ingresso, permanência e pós-permanência estudantil no ensino
114
superior. A realização dessas ações afirmativas visa ao reconhecimento da
pluralidade da sociedade, compreendendo todos os grupos sociais como
sujeitos com direito de acesso às políticas públicas e institucionais que
visem à equidade (PDI, 2019-2030, p. 14-5, grifos meus).
A UFRB é reconhecidamente uma universidade plural, democrática, que cumpre
um papel decisivo para o desenvolvimento social e econômico desta região do país. Além
da implantação da PROPAAE, foi...
[...] a primeira universidade brasileira a aplicar integralmente a
porcentagem de 50% das vagas ofertadas para o ingresso de alunos
oriundos da rede pública de ensino e que se autodeclararem negros,
pardos, índios-descendentes ou de outros grupos étnicos, conforme
estabelecido na Lei nº. 12.711/2012 (Lei de Cotas) (UFRB/PDI, 2019-
2030, p. 16, grifos meus).
A implementação e oferta de 50% do seu total de vagas para os estudantes que
realizaram o ensino fundamental e médio nas escolas da rede pública de ensino é de fato
uma das mais importantes ações da UFRB. Porém, não é somente a garantia de vagas e as
políticas de permanência, é necessário garantir condições de aprendizagem através da
promoção do desenvolvimento intelectual para a formação profissional destes projetos de
vida, ponto de onde faço uma convergência com as concepções de conhecimento, formas
de aprendizagem e procedimentos de ensino previstos no PPI da UFRB, daí a total
inconsistência entre os meios e os fins.
Todos temos ciência do quão carente é a rede pública dos ensinos fundamental e
médio de nosso país. Infelizmente, boa parte dos ingressos, no ensino superior, entra nas salas
de aulas com o nível de conhecimento aquém do mínimo necessário. Chegam, na
universidade, literalmente perdidos sobre a estrutura e a dinâmica do ensino superior, pois
saem do ensino médio, regido sob um sistema paternalista e inconsistente de ensino, e, de
repente, precisam ser discentes autônomos, algo que eles sequer têm noção do que seja. Este
é o mundo real-existente para esses estudantes e a PROPAAE da UFRB reconhece isso:
Nesse sentido, a permanência dos estudantes ganha visibilidade por meio do
Programa de Permanência Qualificada, que visa contribuir com as práticas
acadêmicas nos diferentes níveis de formação na medida em que
proporciona ao estudante participar de monitoria, extensão, pesquisa,
atividades culturais, formação de línguas estrangeiras e esporte, entre
outros. O programa faz o acompanhamento integral ao estudante e atua
no sentido de possibilitar-lhe as condições biopsicossociais para viver a
universidade para além da sala de aula. Articula-se com a comunidade
externa a fim de dar o suporte necessário para que os/as estudantes
estabeleçam interações sociais e profissionais para além dos muros da
115
universidade pautadas na formação cidadã e na defesa das políticas
afirmativas (UFRB/PDI, 2019-2030, p. 19, grifos meus).
Essas medidas são importantes e necessárias, mas não estão articuladas com o
desenvolvimento intelectual dos alunos, a partir de procedimentos de ensino para a efetiva
aprendizagem. Embora a orientação pedagógica da instituição esteja assentada sobre os
pressupostos escolanovistas, conforme o Quadro 2, os estudantes, nas condições de
conhecimento que ingressam na UFRB, não conseguem obter um bom aproveitamento em
seus estudos através da autoaprendizagem sem antes aprender a aprender – é necessário
estabelecer etapas de motivação para a evolução do nível de amadurecimento de
autoaprendizagem do estudante. Este quadro se torna grave quando o discente ingressa no
BCET, o qual, como em todas as áreas do conhecimento, é um curso que apresenta
específicas dificuldades em função da natureza dos seus conteúdos.
Em um mundo ideal-necessário, o estudante chegaria com um nível de
conhecimento adequado na universidade: no entanto, isso não acontece. Em vista disto, mas
insistindo no ideal-necessário, este aluno, recebido na universidade, deveria ser preparado
para as dinâmicas cotidianas deste espaço e, principalmente, orientado a como lidar com o
objeto do conhecimento, ou seja, aprender a aprender. Embora os procedimentos de ensino
e aprendizagem dos ideais escolanovistas estejam previstos no PPI da UFRB, com exceções,
o que prevalece, na prática em sala de aula, é o modelo tradicional-tecnicista de ensino,
sobretudo nos cursos da área das ciências exatas. Devido a este fato, o aprender a aprender
termina sendo uma etapa esquecida nos semestres iniciais desta Área.
É preciso ressaltar que, no modelo de ensino ideal-necessário, a responsabilidade
em ensinar o discente a aprender é um papel do professor e esta preparação deveria ter
seu início no ensino fundamental. Infelizmente, no modelo de ensino real-existente das
escolas públicas, na maioria das vezes, isto não ocorre. Uma vez ingressando na
universidade com este lapso de conhecimento, no modelo ideal-necessário, eles deveriam
receber algum tipo de nivelamento para poder acompanhar a nova dinâmica e enfrentar os
conteúdos do ensino superior, mas esta incumbência não seria exclusivamente dos
docentes. Considerando que a instituição possui como missão receber no mínimo 50% dos
seus estudantes oriundos da rede pública de ensino, a UFRB deveria ofertar, através da
PROPAAE e paralelamente às componentes curriculares iniciais dos cursos de graduação,
instrumentos pedagógicos de apoio e orientação à aprendizagem. Como eu disse
116
anteriormente, não é somente a garantia de vagas e as políticas de permanência17, é
necessário garantir condições de aprendizagem através da promoção do desenvolvimento
intelectual e de conhecimento para a formação profissional destes estudantes. Esta ação
serviria como uma estratégia de ensinagem prevista no PPI para os estudantes ingressos
na UFRB, a qual auxiliaria os docentes, de forma determinante, no exercício constante do
ensinar a aprender. Isto, sim, é o real e é necessário!
Qual o objeto do trabalho docente? Não se trata apenas de um conteúdo,
mas de um processo que envolve todo um conjunto de pessoas na
construção de saberes, seja por adoção, seja por contradição. Conforme já
dito, todo conteúdo possui em sua lógica interna uma forma que lhe é
própria e que precisa ser captada e apropriada para a sua efetiva
compreensão. Para essa forma de assimilação, que obedece à lógica
interna do conteúdo, utilizam-se processos mentais ou as operações do
pensamento. Por exemplo, na metodologia tradicional, a principal
operação exercitada é a memorização; hoje, esta se revela insuficiente para
dar conta do profissional de que a realidade necessita (ANASTASIOU;
ALVES, 2009, p. 76, grifos das autoras e meus).
Portanto, em função:
• de um Brasil real-existente que não investe na educação de seu povo;
• dos constantes ataques às universidades e à pesquisa científica pelo governo
federal;
• das dificuldades de visualização mental dos novos conteúdos apresentada pelos
estudantes e, em consequência disto, da dificuldade de apreensão dos objetos do
conhecimento curricular;
• do CHC, o contexto histórico-cultural do estudante do Recôncavo da Bahia;
• do NC, o nível de conhecimento do estudante proveniente das escolas públicas
do interior da Bahia;
• do OEC, o objetivo de ensino dos conteúdos que constituem os currículos
das Ciências Exatas e Tecnológicas, que estão desarticulados do PPI e no
próprio PPC;
• de projetos de vida que tem dificuldades intrínsecas de se efetivar;
Vale ressaltar que eu deixei de lado a luta pela implantação de um modelo de ensino
ideal-necessário para a realização de uma estratégia possível no real-existente. Para tanto,
17 São políticas de permanência e assistência estudantil da UFRB a oferta a estudantes carentes de residência
estudantil, restaurante universitário, material escolar básico e assistência psicossocial.
117
criei a EEnsinagem, estratégia de ensinagem, o grafismo, para aplicar junto aos discentes
do BCET da UFRB.
5.3. O GRAFISMO: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AO ENSINO
SUPERIOR
5.3.1. O que é grafismo?
Foi o nome que defini a uma técnica de estudos que consiste em, enquanto o
aprendente estiver estudando, registrar graficamente o desenvolvimento, o passo-a-passo, a
evolução ou a construção do objeto do conhecimento.
Tecnicamente, logo no início dos estudos, o aprendente começa registrando os
elementos que constituem o objeto, na forma caótica que se apresentam ao pensamento –
na sua imaginação – após a experiência sensível. Na sequência, estes elementos que
inicialmente estavam soltos e bagunçados, de maneira tal que os olhos do pensamento não
conseguiam enxergá-los, através da forma gráfica projetada a luz sobre o papel, passam a
ser visíveis e são progressivamente organizados, movimentados em causas e efeitos e
articulados até receberem conexões ou associações entre si. Durante este processo, o
aprendente usa o lápis e a borracha de forma livre, sem regras de representações gráficas.
O importante é registrar, ilustrar, levar do pensamento para o papel e visualizar a
construção do objeto do conhecimento. A partir das associações, o objeto do conhecimento
começa a apresentar uma forma: a forma construída pelo aprendente, do papel para o
pensamento, na sua imaginação.
119
Figura 2 – Estudando Aristóteles 2
Na Figura 1 e na Figura 2 (destaques do Apêndice J), apresento a evolução do
conhecimento sobre a concepção de imaginação pelo filósofo Aristóteles, nos dois exemplos
de grafismo realizados por mim enquanto estudava a fundamentação teórica desta Tese. Na
Figura 1, a parte do grafismo executado apresentou os aspectos do pensamento do grego
120
enquanto eu lia a dissertação “A Phantasía na teoria aristotélica da alma: sentidos e
dimensões”, de Kubiszeski (2016). Nesta figura, logo abaixo do referenciamento de autoria
do trabalho, os elementos foram grafados de forma caótica, ou seja, a síncrese. Na medida
que avançava na leitura, grafava aquilo que julgava importante e gradativamente construía
o entendimento sobre o tema. No início, repeti palavras resgatadas do texto e usei setas de
conexão para me auxiliarem nas associações entre os conceitos. O desenho com formas
geométricas no centro da imagem representa graficamente como visualizei na minha
imaginação a hierarquização das faculdades humanas concebida por Aristóteles. Abaixo
deste desenho, comento com palavras próprias o meu entendimento, ascendendo na espiral
do conhecimento até que chegar à síntese sobre o assunto no último destaque da figura
quando escrevo: “para Aristóteles não há pensamento sem a contemplação da imagem. Ou
seja, a imaginação é a visualização mental do pensamento”.
Na Figura 2, o grafismo apresentado é uma síntese dos tipos de imaginação
concebidos por Aristóteles. É um grafismo em forma de mapa conceitual onde representa
apenas os conceitos chave da concepção do filósofo. Não traz o caos sincrético do primeiro
contato com o objeto do conhecimento, demonstrando as conexões e associações de forma
organizada e na lógica do entendimento obtido.
À luz da metodologia dialética do conhecimento18, o grafismo, enquanto uma
técnica de estudos aplicada, avançou a etapa de movimento e esforço do sujeito para a
materialização do seu pensamento abstrato. Ele se tornou a representação gráfica do
movimento espiral do conhecimento: devido a aplicação do método do pensamento, da
síncrese até a síntese do objeto pela mediação da análise do pensamento. É a representação
gráfica do movimento do pensamento para o conhecimento.
Na metodologia dialética, como já discutido, o docente deve propor ações
que desafiem ou possibilitem o desenvolvimento das operações mentais.
Para isso, organizam-se processos de apreensão de tal maneira que as
operações de pensamento sejam despertadas, exercitadas, construídas
e flexibilizadas pelas necessárias rupturas, por meio da mobilização,
da construção e das sínteses, devendo estas ser vistas e revistas,
possibilitando ao estudante sensações ou estados de espírito carregados de
vivência pessoal e de renovação (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 76,
grifos meus).
À luz da crença motivadora desta tese, o grafismo é a imaginação estendida19, a
materialização gráfica dos elementos do pensamento durante o processo de construção do
18 Apresentada no capítulo 03. 19 Conforme explicado no capítulo 02.
121
conhecimento: entender e raciocinar é imaginar articulações e associações dos elementos
do objeto do conhecimento; analisar é imaginar as partes do todo do objeto do
conhecimento; e apreender é imaginar o próprio objeto do conhecimento.
Pensar por si mesmo significa conhecer o real com os recursos do
próprio pensamento. A pessoa esclarecida não é aquela que possui muitos
conhecimentos, mas aquela [que é audaciosa ao] fazer uso de seu
pensamento sem a direção de outrem. Servir-se do próprio pensamento”
(BUZZI, 2012, p. 198, grifos meus).
Enfim, o grafismo é uma ferramenta elaborada com o objetivo de auxiliar o
aprendente a visualizar graficamente os recursos do próprio pensamento durante o
conhecimento da realidade. Com as devidas adaptações, vale ressaltar, o grafismo pode ser
utilizado durante os estudos de qualquer tema de todas as áreas do conhecimento e, de
acordo com a natureza do assunto abordado, pode ser também adaptado, seguindo a forma
de melhor representação e denominação (vide Apêndices J, K, L, M e N). Pode ser chamado
de passo-a-passo, método descritivo, passo-a-passo lógico, desenvolvimento descrito do
conceito etc.
No nosso caso de estudo de implementação e aplicação da técnica, o docente da
componente corpus, o professor Denis Petrucci de Mecânica dos Sólidos II, nomeou o
grafismo por método descritivo ou passo-a-passo, características da nomeação que se
observam na Figura 3 e Figura 4 – exercícios com a aplicação do grafismo pelos DIS07 e
DIS11, sucessivamente abaixo apresentados:
122
Figura 3 – Grafismo descritivo
Na Figura 3, o DIS07 lançou mão da forma descritiva de execução da técnica de
estudos. No caso do DIS11, na Figura 4, a opção foi pelo passo-a-passo. Esta diferença
entre as formas de execução do grafismo está relacionada com a liberdade de formas de
representação dada pela proposta da pesquisa e com o objetivo de não se estabelecer
qualquer obstáculo entre o pensamento do aprendente e o papel. O importante é grafar, é
123
materializar, colocar no papel e visualizar os elementos e as determinações que compõem a
construção do objeto do conhecimento.
Figura 4 – Grafismo passo-a-passo
5.3.2. Aprender a imaginar graficamente para conhecer
O grafismo, como técnica de estudo, nasceu da minha relação histórica com a
expressão gráfica. Graduada em desenho industrial com habilitação em programação visual,
pela UNEB, fiz o mestrado em Desenho, Cultura e Interatividade na UEFS, atuei como
diretora de arte em publicidade, fui docente de publicidade e propaganda e sou docente da
disciplina desenho técnico e geometria descritiva para as engenharias na UFRB. Sem contar
com as minhas experiências de campo, se fosse investigar sobre algum tema que a expressão
124
e representação gráfica circunscreve, provavelmente resultaria em um trabalho da dimensão
de uma tese.
Pela razão do aprofundamento sobre o grafismo enquanto expressão e
representação gráfica não ser o objetivo deste trabalho, concentro esta apresentação na
técnica de estudos e nas informações que considero essenciais para a sua compreensão.
Porém, pelo fato desta tese representar o meu ideal de professora por um ensino necessário,
aluna que fui um dia, apresentarei, aqui, um pouco do que apreendi sobre o assunto através
das palavras e linhas dos meus reais professores de graduação e mestrado.
a. Grafismo é expressão gráfica, expressão gráfica é o desenho da imaginação.
Ainda lembro do professor Manoelito Damasceno20, nas aulas de desenho projetivo
da graduação, falando da importância do rascunho ao projetar um objeto, independente da
sua natureza. De maneira poética, ele explicava que durante o rascunhar, as soluções pelo
raciocínio e a criatividade eram transportadas do pensamento para o papel. Se, de alguma
forma, algum de nós, alunos, sentisse alguma dificuldade na habilidade em desenhar, na
opinião dele, isto não era problema, pois as letras e palavras são códigos gráficos
organizados para um fim comunicativo e devem ser o “primeiro rascunho expresso para as
ideias não fugirem”. Ele dizia: “os traços à lápis são elementares na construção de um
objeto, expressam a alma do desenhista; podem rascunhar à vontade, é assim que a
imaginação se expressa!”
O grafismo é o conjunto das formas de expressão e representação que se utiliza dos
códigos da linguagem gráfica. São elas: pontos, linhas, planos, cores, escrita, formas
abstratas, formas figurativas, formas geométricas e mapas.
Quando pesquisado em dicionários on-line, encontramos definições tais
como: “forma de representar graficamente as palavras de determinada
língua; grafia, ortografia; forma pessoal de representar graficamente as
palavras; caligrafia, letra; técnica de fazer traços e riscos, sem significação,
como preparação para a escrita21”. Pela Etimologia, a palavra grafismo é
“derivada do grego graph(o), de gráphein, escrever, descrever,
desenhar”, explica Cunha (2010, p.322, grifos meus).
Desenho é: o ato de debuxar e do colorir; a fantasia, a invenção, a
criatividade; a imaginação e a habilidade de representar esta através da
expressão gráfica; a circunscrição e a inscrição de valores do desenhador e
20Manoelito Damasceno: atualmente é professor titular da Universidade do Estado da Bahia e Adjunto da
Universidade Federal da Bahia. Endereço do currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/9844910977441166> 21GRAFISMO. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www. uol. com. br/michaelis>. Acesso
em: 06/06/2020.
125
da sociedade à qual pertence aos elementos que ele desenha para montar a
cultura material; a tecnologia que se insere na geometria da forma e na
qualidade dos produtos industriais desenhados; uma atividade que é regida
pelas características de uso, pelo planejamento econômico e pelo
conhecimento estético envolvidos em um produto; uma atividade que se
formaliza quando se é possível equacionar vários fatores projetuais em um
produto industrial; em suma que desenho é, simples e puramente,
Desenho (GOMES22, 1998, p. 29-30, grifos meus)!
Logo, grafismo é uma das formas da imaginação estendida. É a representação dos
traços de uma cultura, do imaginário de um povo, segundo o professor Edson Ferreira23,
durante as aulas de desenho e cultura, no mestrado.
b. Um instrumento para o conhecimento
Grafar, rascunhar, escrever e desenhar enquanto estuda é um costume que vem dos
longínquos tempos das imposições das pedagogias tradicionais, sobretudo as jesuíticas24.
O objetivo da técnica naquela época era auxiliar na memorização. A aula, segundo o método
de ensino jesuítico, foi composta em dois momentos: a lectio, que eram ações feitas apenas
pelo professor quando ocorria a leitura, interpretação de um texto, destaque de conceitos e
discussões entre autores teóricos; e a questio, onde ocorriam sequências de perguntas e
respostas entre professor e alunos.
Aos alunos, durante estes momentos, cabia realizar as reportationes, ou
seja, anotações em seus cadernos, para serem memorizados com
diferentes exercícios. Cabia-lhes também utilizar um caderno para loci
communes, onde registravam, por ordem, assuntos, frases
significativas, palavras, pensamentos, ou contemplavam estas
anotações com citações transpostas, imitando os clássicos. Como o
texto comentado pelo professor suscitava dúvidas, surgiam as questiones,
indagações feitas pelos alunos, ou pelo professor, visando clarear pontos
dificultosos. Destas, surgiram as disputationes entre professor e alunos,
ou alunos/ alunos, podendo ser organizadas de diferentes formas. E fora
dos horários de aulas, realizavam as repetições do meio do dia –
reparationes prandii -, e as do final da tarde – repationes coenae –
buscando-se garantir a revisão da matéria tratada. Além disso, havia o
recurso da glosae, que consistia em copiar um texto no centro do
pergaminho, deixando-se espaços entre as linhas para colocação das
palavras mais difíceis – glosae interlineares – e, nas margens, citações
complementares de autores antigos glosae marginalis (ANASTASIOU,
1998, p.87, grifos meus).
22Luiz Vidal Negreiros Gomes: atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Endereço do currículo Lattes:<http://lattes.cnpq.br/8337493682978892>. 23Edson Dias Ferreira: atualmente é professor pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana. Endereço
do currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/1254681923469103>. 24 Assunto apresentado no capítulo 04, item 4.1.1.
126
As técnicas – reportationes, loci communes, glosae interlineares e glosae
marginalis – têm o mesmo princípio do grafismo, servindo para a imaginação estendida, ou
seja, uma forma de materialização e visualização das informações abstraídas do pensamento
para o papel. A diferença é que no método medieval – tradicional – esta materialização
deveria ocorrer tal qual estava nos livros, ipsis litteris, pois o conhecimento do objeto estava
diretamente relacionado a sua reprodução fiel pelo estudante. No caso da técnica do
grafismo, à luz da metodologia dialética do conhecimento, o objetivo é auxiliar o estudante
no momento de análise entre a síncrese e a síntese do objeto.
Durante a síncrese, quando o aprendente se depara pela primeira vez com o objeto
do conhecimento, ele tem apenas uma visão superficial. Como se diz no meio
cinematográfico, é uma tomada geral do cenário. Por isto, eles relatam “não conseguir
visualizar” os elementos da nova informação apresentada pelo professor. Neste momento,
o que existe na imaginação é uma porção de novos elementos, desorganizados e desconexos,
fato este que defini por escuridão cognitiva25. Neste momento, o grafismo serve como um
instrumento de materialização das informações. Grafar os elementos que compõe o objeto
auxilia o aprendente na organização destes elementos e o possibilita de estabelecer as
relações de associações, contradições, interdependências, causa e efeito, separando assim a
essência do fenômeno, como explicou KOSIK (1969). Desta maneira, o aprendente chega à
elucidação e à apreensão do objeto, ato diferente da retenção, da memorização, que eram o
objetivo da metodologia jesuítica.
25 Conforme explicado no capítulo 03.
128
No grafismo da Figura 5 (destaque do Apêndice K), o qual realizei e nomeei por
“Entendendo Kant”, fica claro que esta técnica de estudos tem os mesmos princípios das
reportationes e loci communes das técnicas jesuíticas. No entanto, conforme expliquei
anteriormente, a diferença entre estas duas formas de estudos, o grafismo e a jesuítica, é
que o objetivo desta se encerra na memorização. O grafismo aplicado vai além, visa
ascender na espiral do conhecimento, pois leva o sujeito a produzir o próprio objeto, como
na terceira página no Apêndice K (p.324), nos exemplos da Figura 1 e Figura 2 (Apêndice
J), quando trouxe os grafismos que demonstram a evolução do meu entendimento sobre as
concepções de Aristóteles, e a seguir, onde trago a síntese de um objeto do conhecimento,
a concepção da definição sobre o próprio grafismo:
129
Figura 6 – Grafismo nas formas de texto e mapa conceitual
Na Figura 6 (Apêndice L), executei o grafismo em forma de texto, a fim de uma
construção textual sobre o assunto. Na Figura 7 (Apêndice L), lancei mão de uma forma
mista de mapa conceitual e desenho à mão livre, usando linhas de nexos entre conceitos
chave e desenhos figurativos.
130
Figura 7 – Grafismo na forma de mapa conceitual e desenho
Trabalhos desenvolvidos em psicologia cognitiva mostram que a
dedução ou a indução formais não são produtos espontâneos do
sistema nervoso de indivíduos desarmados de ferramentas como
papel, lápis, ou possibilidade de discussão coletiva . [...] Experiencias
foram realizadas com centenas de pessoas, em sua maioria de estudantes
ou universitários e entre estes muitos estudantes de lógica. [...] Sem
ajudas externas tais como escritas simbólicas, tabelas de valores
verdade, diagramas e discussões coletivas diante de um quadro-
negro, os humanos parecem não possuir uma aptidão particular para
a dedução formal. [...] Recursos cognitivos exteriores ao sistema
nervoso parecem ter sido as ferramentas utilizadas pelos humanos
para desenvolver raciocínios abstratos. [...] A memória de curto prazo
delega uma parte de suas funções à tinta, ao papel e à codificação. Uma
vez que os processos de leitura e escrita, de desenho, e de cálculo
tenham sido automatizados através de uma aprendizagem prévia , não
recorrem mais à atenção e à memória imediata. Ao usarmos as
tecnologias intelectuais, buscamos o mesmo que ao seguir uma
heurística. Mas, em vez de recorrer a um automatismo interno,
usamos dispositivos externos (lápis e papel, desenho, leitura e escrita
e cálculo) (MEDEIROS26, 1998, p. 465, grifos meus).
26Ligia Maria Sampaio de Medeiros: atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro. Endereço do currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4080634349841112>.
131
O que a psicologia cognitiva denominou por tecnologias intelectuais27, os
desenhistas e projetistas conhecidos por arquitetos, designers, engenheiros, pesquisadores,
filósofos, pedagogos, biólogos, administradores etc., chamam por rascunho, mapa,
diagrama, ilustração, desenho, escrita, grafismo.
É durante o movimento sincronizado entre pensamento, lápis, papel e pensamento
que o sujeito constrói o conhecimento do objeto e pode até criar novos objetos. Isso ocorre
tanto com aqueles que inicialmente têm dificuldades em organizar os elementos de um novo
conteúdo na imaginação, como também com os mais geniais personagens da humanidade,
a exemplo de Leonardo Da Vinci (1452-1519), que muito se utilizou desta técnica ao
pensar, solucionar e criar graficamente as máquinas e ferramentas que mudaram o curso
da história da tecnologia mundial. O professor Robérico Gomes28, estudioso sobre a forma
de produção da obra de Da Vinci, resumia a genialidade do mestre renascentista com as
seguintes palavras: ele pensava na ponta do lápis.
O professor Manoelito Damasceno pensa o desenho e para ele.
[...] a ação de desenhar não é um ato somente psicomotor, cognitivo e
efetivo. É, em realidade, o processo de interação do indivíduo com os
valores que circunscrevem, isto é, materiais psicológicos, sociais,
políticos, culturais, ideológicos e religiosos. Representar graficamente um
objeto significa adentrar em sua natureza, concebendo-o como uma
coisa viva e que integra o ambiente, dando-lhe também vida. Registrar
graficamente a natureza do objeto implica um esforço orgânico em que
relações e interrelações matemáticas, físicas e espirituais se fazem
integralmente presentes, desvelando entidades que configuram um
sistema epistemológico de teoria e prática de modo tão utilitário que
torna-se difícil e quase impossível separá-las uma da outra,
digitalizando-as. [...] Assim todo o processo de compreensão do espaço,
quer de maneira ideológica formal, quer não formal, diz respeito a um
processo dialético de entendimento do mundo onde as formas visuais se
constituem em um mundo icônico necessário e fundamental para a
comunicação humana e, por conseguinte, à natureza do ser. Neste
sentido as relações dos conteúdos: interiores e exteriores da forma são
estruturados por entidades unitárias e universais que projetam a comunhão
dialética do espaço e movimento realimentando a construção do tempo
com elemento absoluto e de compreensão relativa. [...] É, sobretudo, o
início de um processo de reconhecimento que procura conferir nossa
capacidade de participar deste mundo transformando-o, tendo certeza de que
somos criaturas e criadores, e que, acima de tudo, somos capazes de
construir uma nova história, de que nos conduzirá para além das nossas
esferas transacionais e uma nova era, convictos que seremos também
27 Definição dada pelo filósofo contemporâneo Pierre Lévy (1956-). 28Robérico Celso Gomes: professor pleno aposentado pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
132
capazes de re-simbolizar, desenhando (DAMASCENO, 1998, p. 106,
grifos meus).
Desenhando e grafando o conhecimento me permite afirmar, portanto, que o
grafismo é o desenho da construção e concepção do conhecimento pelo homem.
5.3.3. Qual o objetivo da técnica de estudos grafismo?
a. Da escuridão à luz cognitiva
Ao receber os novos conteúdos curriculares em sala de aula, o aprendente passa
pela síncrese, pela escuridão cognitiva, que o leva a não visualização clara dos elementos
constituintes do objeto do conhecimento no seu pensamento, na sua imaginação: visualizar
o objeto no pensamento é imaginar o objeto29.
Em consequência da escuridão cognitiva, o aprendente não imagina o objeto em
si, tão pouco seus elementos constituintes – abstração; não imagina suas próprias
experiências com o objeto – memória; não imagina possíveis articulações e associações –
raciocínio; não imagina os elementos constituintes do objeto e suas relações na construção
do objeto – análise; não imagina possíveis combinações com outros objetos – resolução de
problemas; não imagina novas combinações ou possibilidades para o objeto – criatividade;
e não imagina o objeto a partir da própria concepção.
Lançando mão do grafismo, o aprendente registra os elementos constituintes do
objeto no papel, numa disposição que inicialmente segue o mesmo caos apresentado pela
experiência na imaginação. No entanto, durante o movimento do objeto e seus elementos
do pensamento para o papel, isto é, quando o aprendente os representa na forma gráfica,
que defino por imaginação estendida, sucede-se um clareamento destes elementos e eles
se tornam visíveis para os olhos e pensamento do aprendente. Neste momento, é projetada
a luz cognitiva para a elucidação do objeto do conhecimento, conforme explicou Luckesi
(2011)30. Como o grafismo é a representação gráfica do pensamento, o objetivo do seu
uso é auxiliar o aprendente a vencer a escuridão causada pela síncrese e chegar até a
elucidação cognitiva através da visualização dos novos conteúdos e seus elementos
registrados no papel.
b. Visualização e organização gráfica das ideias.
29 Conforme apresentado no capítulo 02. 30 Tema explicado no capítulo 03.
133
Superado o obstáculo da síncrese, é dado início à segunda fase do processo do
conhecimento que é a organização gráfica das ideias para a análise pelo pensamento: é
quando entram em ação as expressões das imaginações subjetiva, produtiva e reprodutiva31.
A imaginação subjetiva entra em ação porque ela é a expressão das molas
propulsoras do aprendente, das suas emoções. Estas molas são a necessidade, a disposição,
o empenho, o desejo e o gosto pelo conhecimento. Sem estes impulsores, não há
possibilidade para a aquisição do conhecimento.
No caso da imaginação produtiva, durante a organização gráfica das ideias, ela
opera de forma plena, representando as intelecções, que é o raciocínio em suas articulações
e associações. A imaginação produtiva também expressa à criatividade, quando ocorre a
intenção do aprendente em ressignificar ou produzir algo novo para o objeto do
conhecimento.
A imaginação reprodutiva opera na representação do próprio repertório histórico-
social do aprendente e sua relação com o objeto do conhecimento. Sem as lembranças por
ela produzidas nas associações e relações de causa e efeito na construção do objeto, o
conhecimento do objeto pelo aprendente se torna uma tarefa árdua e muitas vezes
inexequível. Este é um dos motivos pelo qual a metodologia dialética e as pedagogias de
tendência crítico-social dos conteúdos32 defendem que o ponto de partida e de chegada para
o conhecimento do objeto deve ser o contexto histórico-social do aprendente.
Ilustrados todos os elementos que constituem o novo conteúdo, os outros objetos
que fazem parte do contexto, da totalidade33, e os determinantes de causa e efeito do objeto
do conhecimento, leva o aprendente a ter condições de organizar graficamente todos estes
componentes. Quando digo ilustrados, refiro-me aos elementos registrados graficamente,
visualizados e iluminados para o pensamento. Para realizar esta organização gráfica, o
aprendente deve sentir-se livre e sem a definição de regras de representações. Ele pode usar
quaisquer artifícios gráficos: diagramas, mapas mentais ou conceituais, desenhos
figurativos, blocos de textos conectados por linhas ou setas, formas geométricas, cores,
colagens, numerações e etc – conforme o grafismo “para entender Thomas Hobbes” no
Apêndice M (p.328). A forma de representação gráfica indicada para a aplicação do
grafismo é aquela que seja mais fácil e confortável para a execução pelo aprendente.
31 Assunto tratado no capítulo 02. 32 Apresentado no capítulo 04. 33 Apresentada no capítulo 03.
134
Enquanto estuda através das anotações feitas em sala de aula, textos em apostilas e
livros indicados pelo professor, o aprendente natural e gradualmente representa as relações
de causas e efeitos e as conexões entre os componentes daquele conteúdo do conhecimento.
Durante este movimento, sua imaginação é estimulada e as suas ideias estão se mobilizando
através das operações do raciocínio e das memórias, sobre as quais as representações gráficas
são a própria imaginação estendida resultada destas operações cognitivas.
O aprendente, num movimento de idas e voltas entre o pensamento e o papel,
visualiza e organiza suas ideias. Desta forma, gradativamente, se constrói um objeto
semelhante ao que recebeu antes no ponto de partida para a apreensão, onde no ponto de
chegada do movimento espiral do conhecimento se tornou um objeto “próprio e
apropriado”, conforme explicou Galeffi e Macêdo (2014).
Sendo assim, o grafismo, enquanto técnica de estudos possui como objetivo o uso
do próprio processo de sua execução. Enquanto é realizado se torna uma ferramenta que
permite a ilustração, visualização e organização gráfica dos elementos do objeto do novo
conteúdo durante a sua análise pelo pensamento, bem como a construção do próprio objeto
pelo aprendente.
c. Direcionamento do pensamento
Um dos princípios básicos da metodologia dialética é a “orientação do movimento
do pensamento, do raciocínio, durante o exame do fenômeno. Ele determina que o ponto de
partida da análise deve ser ‘formalmente’ o mesmo do ponto de chegada. O fenômeno em
exame, em si, deve ser o mesmo durante a ação do conhecer”, conforme expliquei no
capítulo 3. Tomei este entendimento e, por analogia, usei como exemplo ilustrativo do
movimento em espiral. Sob este mesmo princípio, as teorias de aprendizagem de tendência
progressista também formularam seus métodos didáticos:
Reforça-se que o ponto de partida é a prática social do aluno, a qual, uma
vez considerada, torna-se elemento de mobilização para a construção do
conhecimento. Tendo o pensamento mobilizado, o processo de construção
do conhecimento já se iniciou. É preciso estar atento para que a elaboração
da síntese do conhecimento, momento destacado na metodologia
dialética, não fique desconsiderada. Ela possibilita a volta à prática
social já reelaborada, uma vez que o aluno construiu, no pensamento
e pelo pensamento, a evolução do objeto de estudo pretendido
(ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 81, grifos meus).
No entanto, o direcionamento do pensamento não se dá apenas através da referência
entre os pontos de partida e de chegada do conhecimento. Conforme apresentei
135
anteriormente34, existem dois fatores que agem no aprendente durante os estudos: o primeiro é
que, segundo Kosik (1969), a ação conhecer leva o pensamento a um détour; e o segundo fator
é a subjetividade do aprendente e todos os elementos que ela produz na sua imaginação
subjetiva durante a análise do objeto do conhecimento. Se o aprendente não tiver balizas
orientadoras durante o seu détour, ele pode literalmente se perder pelo caminho.
O grafismo funciona como um registro gráfico, inclusive dos passos ou fases para
o desenvolvimento e construção do objeto do conhecimento. É a própria materialidade
destas representações que serve como baliza e direcionamento da ação do conhecimento,
do détour do pensamento. Assim, pelo próprio princípio desta técnica de estudos, o objetivo
de seu uso é o direcionamento do pensamento durante o conhecimento.
d. Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação.
Conforme expliquei na seção anterior, o grafismo está ancorado na concepção
dialética e a partir desta, na metodologia dialética do conhecimento. Kosik (1969) nomeou
esta teoria como o método do pensamento35 e, segundo ele, a aplicação deste método
direciona o pensamento e promove uma constante ascensão no grau de conhecimento do
indivíduo, o que Anastasiou (2009) explicou como sendo a evolução das sínteses
elaboradas pelos indivíduos, isto é, a referência da metodologia dialética como o
movimento espiral do conhecimento.
De forma prática, os programas de conteúdos curriculares das componentes são
normalmente organizados de forma progressiva na complexidade do conhecimento.
Supondo que uma componente qualquer tenha três conteúdos sucessivos: 01, 02 e 03. A
apreensão do conteúdo 02 depende da apreensão do conteúdo 01; a apreensão do conteúdo
03 depende da apreensão do 02 e 01, de maneira cumulativa. Na perspectiva dialética, o
movimento espiral do conhecimento é direcionado, evolutivo e ascendente36. Por exemplo,
ao elaborar a síntese do conteúdo 03, o aprendente usa durante a análise pelo pensamento
as sínteses dos conteúdos 02 e 01 como elementos de associação e articulação para o
conhecimento de 03. Anastasiou e Alves (2009) complementam, afirmando que:
[...] o princípio dialético da caminhada com o aluno, da síncrese (ou visão
inicial, não elaborada, caótica etc.) para a síntese, que constitui um
resultado das relações realizadas, agora organizadas de modo
qualitativamente superior. Esse processo se dá pela análise, que é posta
34 Capítulo 3. 35 Conforme explicado no capítulo 03. 36 Conforme explicado no capítulo 03.
136
em prática nas operações mentais sistematizadas nas estratégias, ou seja:
ao escolher e efetivar uma estratégia, o professor propõe aos alunos a
realização de diversas operações mentais, num processo de crescente
complexidade do pensamento (p. 80-1, grifos meus).
Considerando que, pela metodologia dialética, o movimento do pensamento é como
uma espiral que gira em torno de um objeto de forma evolutiva e crescente; considerando
que pensar é imaginar e pensamento é imaginação, logo entendo que aplicando a
metodologia dialética do conhecimento, mobilizo e estimulo a imaginação, de forma
direcionada, evolutiva e crescente. Como o grafismo é a representação gráfica do
movimento espiral da imaginação, o objetivo desta técnica de estudos é estimular o
exercício da imaginação dos aprendentes.
5.3.4. Grafismo na prática: estimulando a imaginação.
Por que a execução do grafismo promove o estímulo ao exercício da imaginação?
O ato de grafar é um fazer da imaginação, pois o grafismo é a materialização
daquilo que está no pensamento do sujeito, é a execução de um pensamento, é um tipo de
imaginação estendida. Só é possível grafar aquilo que se pensa, se imagina. Não há a
possibilidade de grafismo ou da execução de um objeto material, se não houver um
pensamento, uma imaginação. A própria ação de levar ao papel (ou materializar) aquilo que
se pensa é uma forma de estimular, de motivar o exercício do pensamento, da imaginação.
Pois o combustível que move o corpo para grafar é gerado pelas engrenagens do
pensamento, em outras palavras: o aprendente, ao usar o grafismo como técnica de estudos,
naturalmente estimula o exercício da sua imaginação, do seu pensamento, por que necessita
das operações imaginar para grafar.
Além disto, ao se perceber materializando os próprios pensamentos, as suas
imaginações, o sujeito experimenta o sabor da concretização de um objeto ou objetivo,
sejam estes de uma natureza qualquer. Este fato faz emergir a satisfação pela realização – a
áurea de satisfação – o que motiva o sujeito a pensar mais e mais, imaginar mais e mais.
Portanto, o grafismo na prática é uma forma de estímulo ao exercício – do fazer pensar, do
fazer imaginar .
Para ilustrar, trago dois exemplos, o primeiro é uma analogia: a ação de caminhar
é resultado do movimento das pernas e pés a cada passo executado. Existe nesta ação
motivações objetivas e subjetivas, além de um esforço físico, um exercício mecânico
operado pelo conjunto dos membros inferiores do corpo humano, músculos, pernas e pés.
137
Não é possível caminhar se não houverem as passadas executadas de um pé após outro pé
articulados pelo impulso gerado pelo movimento dos músculos. A distância percorrida pelo
ato caminhar é a materialização destes esforços que geraram o movimento do corpo. Da
mesma maneira é o grafismo: não é possível o traço no papel se não houver o esforço, o
impulso gerado pelo exercício do pensar, do imaginar para grafar.
O segundo exemplo eu resgato das minhas observações sobre o comportamento
produtivo de imaginações por artistas e profissionais onde o perfil criativo é um pré-
requisito. No caso dos artistas a soma entre emoção e uma habilidade técnica os leva a
expressões e representações que se traduzem em sentimentos, fé, história, cultura,
posicionamentos filosóficos ou políticos, protestos, denúncias etc. Todo e qualquer produto
artístico são formas de imaginação estendida, são expressão e representação de um
pensamento, de uma imaginação. O ato de concretizar um pensamento leva o seu autor a
uma áurea de satisfação, motivando-o a produzir mais e mais. É como uma energia gerada
por si mesmo para a realização, a concretização da próxima imaginação, da próxima emoção
– conforme o exemplo de grafismo produzido por mim “para compreender Jean-Paul Sartre”
no Apêndice N (pag. 332).
No caso dos profissionais de perfil criativo, aqueles que o seu produto imaginativo
tem fundamentos e habilidades técnicas e são de fins lucrativos, a concretização de seus
pensamentos passa por métodos definidos, pelo primor e exigência da qualidade, bem como
o atendimento a normas específicas. É certo que estes profissionais são capacitados a usar
instrumentos técnicos para o desenvolvimento dos produtos, desde a criação até a execução.
Mas este fato só é mais um combustível para o exercício de suas imaginações. A
concretização de suas ideias vai além da execução de um trabalho, passa pela áurea da
satisfação, pelo motor de auto-energia, o impulso para a próxima imaginação estendida, o
próximo produto.
A expressão do pensamento para o papel e do papel para o pensamento é uma
forma de explicação do movimento que o objeto do conhecimento faz, do abstrato para o
material e do material para o abstrato enquanto o sujeito constrói o próprio objeto e evolui
na espiral do conhecimento. Durante este movimento, cada traço que surge no papel é uma
extensão, uma representação, de uma imagem produzida na imaginação. O traço ou desenho
ou texto não é cópia daquilo que passou pelo pensamento, é sim uma forma de expressão
do sujeito enquanto pensa, enquanto imagina.
As formas grafadas são produtos gerados pelas articulações operadas pelo
raciocínio, criatividade, memória e subjetividade do sujeito, pois enquanto o conjunto
138
destas faculdades estão em pleno funcionamento, ele naturalmente visualiza estas operações
em sua mente, na sua imaginação. Valendo lembrar que pela representação mental de cada
uma destas faculdades, classifiquei os tipos de imaginação: a reprodutiva, resgatando
imagens da memória; a imaginação subjetiva, expressando o eu subjetivo do sujeito que
pensa; a produtiva intelectiva, expressando as operações do raciocínio; a produtiva criativa,
apresentando na mente as novas articulações pela criatividade; e a imaginação estendida,
tema em pauta neste momento através desta abordagem sobre a prática do grafismo.
Ao receber uma nova informação, mesmo que esta chegue acompanhada com os
elementos de seu contexto e totalidade, as relações entre as suas partes e as suas
determinações de causa e efeito, o pensamento do sujeito passa pelo caos do primeiro
contato, a escuridão cognitiva ou o caos sincrético como é definido pela teoria dialética do
conhecimento. É um momento confuso para a visualização dos elementos da informação
na imaginação. Este caos visual permanece no pensamento do sujeito até que, através das
associações e articulações operadas em conjunto pelas suas faculdades cognitivas
(subjetividade, memória, raciocínio e criatividade) organizem os elementos, possibilitem o
detour (KOSIK, 1969) pela análise e levem o sujeito a produzir o próprio objeto, chegando
a síntese da informação.
Em situações de boa saúde emocional e cognitiva, bem como normalidade
cotidiana, as pessoas conseguem naturalmente ultrapassar do caos sincrético até síntese pela
análise do pensamento sem precisar lançar mão de ferramentas externas para lhes auxiliarem
no processo de entendimento e construção do conhecimento do objeto. No entanto, quando
a informação é composta por uma complexidade de fatores e determinações, ou o sujeito
apresenta alguma dificuldade imaginativa qualquer, ou a combinação destas duas situações,
as ferramentas cognitivas externas são necessárias e bem-vindas para auxiliar na construção
do conhecimento do objeto (MEDEIROS, 1998).
Com vistas na necessidade de uma ferramenta para auxiliar os estudantes a
visualizar os elementos que compõem as novas informações, desenvolvi o grafismo como
técnica de estudos com o objetivo de servir como um instrumento para auxiliar o aprendente
a superar a escuridão cognitiva causada pelo caos sincrético. Pois ao grafar no papel os
elementos que compõem o objeto, o discente os consegue visualizar com clareza, além de
lhe possibilitar a realização das articulações de causa e efeito entre as partes do objeto em
sua totalidade.
Isto é, além do estímulo ao exercício da imaginação, o ato de grafar enquanto se
estuda se torna uma ferramenta de ilustração e organização dos elementos que compõem o
139
objeto, leva o sujeito da escuridão à luz cognitiva, auxiliando-o no entendimento sobre o
objeto do conhecimento. E para além, uma vez o sujeito percebendo que apreendeu, ou seja,
tomou para si os elementos e construiu o próprio objeto, naturalmente busca manter o
pensamento em movimento, pela áurea da satisfação, pelo sabor do saber e apreender mais
e mais – pensar, imaginar mais e mais.
Para ilustrar esta concepção, apresento a seguir dois recortes de grafismos
produzidos por um discente37 de Mecânica dos Sólidos II do curso de Bacharelado em
Ciências Exatas e Tecnológicas da UFRB durante a implementação, aplicação e verificação
desta técnica de estudos.
No exemplo do grafismo da Figura 8, apresento a primeira etapa de execução da
técnica, o momento da síncrese, quando o discente leva para o papel através de palavras e
desenhos figurativos os “conceitos de tensão”, os elementos do objeto do conhecimento
enquanto estuda. Esta transcrição das informações do livro, apostila ou anotações para o
pensamento do estudante, e, do pensamento para o papel, é uma forma de estímulo ao
movimento e exercício da sua imaginação para a materialização, isto é, para ilustração dos
elementos do objeto do conhecimento.
E eu percebi que depois do grafismo, eu consegui ter uma linha de raciocínio
melhor. Antes eu pegava no livro, lia, não entendia muita coisa e logo tentava
resolver os exercícios, resultado, errava tudo, ficava tudo confuso. Eu não
conseguia fazer por etapas. Com a técnica, estudando a parte teórica de MEC,
eu vou escrevendo, desenhando e ensinando pra mim mesmo. Eu organizo
as minhas ideias. Isso ajudou porque na hora da resolução dos problemas, eu
consigo visualizar e analisar as forças. (DIS03, em entrevista realizada em
25/11/2019, grifos meus)
37 DIS03 – participante do grupo de amostra da investigação realizada por esta pesquisadora durante o semestre
letivo 2019.2 na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. O detalhamento metodológico deste trabalho se
encontra nos capítulos 06 e 07.
140
Figura 8 – Estudando tensão
Conforme explica o discente durante a sessão de entrevistas do primeiro ciclo da
pesquisa-ação, a forma de estudos aplicada lhe auxiliou no entendimento e organização dos
elementos do conhecimento. Vale observar que não vemos “o caos” do pensamento
expresso no grafismo acima apresentado, mas um conjunto de informações que estão
141
conectadas por setas, destaques, colagens e indicações. O caos sincrético estava no
pensamento do discente durante a leitura, com o movimento das informações do seu
pensamento para o papel, os elementos foram paulatinamente sendo organizados e
conectados entre si. As formas de destaque, os nexos, as setas e indicações, representam as
associações e articulações produzidas pelo raciocínio do aprendente durante o movimento
do pensamento para a aquisição do conhecimento. Esta é uma demonstração de imaginação
produtiva intelectiva em pleno funcionamento – como disse o próprio discente, ensinando
para ele mesmo. Este relato revela a transformação da representação do objeto, os grafos,
para o conceito do objeto, o entendimento pelo estudante, o concreto pensado – da ascensão
do conhecimento do objeto pelo sujeito, assim como afirmou o filósofo Kosik (1969).
Sendo assim entendo: se houve evolução do conhecimento do objeto pelo sujeito,
ocorreu um movimento do pensamento para a ascensão do conhecimento promovido pela
execução do grafismo; se o grafismo promoveu o movimento do pensamento para a
aquisição do conhecimento, então ocorreu um movimento da imaginação para a ascensão
do conhecimento – portanto, a execução do grafismo estimula o exercício da imaginação.
Vejamos abaixo o exemplo da Figura 9, também produzido pelo DIS03. Trata-se
da aplicação de torção em um eixo, importante para a definição dos materiais e
dimensionamento geométrico da peça38. A reação de torção sobre o eixo, causada pelo
motor, provoca tensões de cisalhamento, que tem intensidades diferentes entre os pontos de
aplicação dos torques (no exemplo são os pontos B, C e D, onde ocorrem as ações de valores
1,4 kN.m(39), 0,9 kN.m e 0,5 kN.m). Essas tensões são diferentes porque, entre cada trecho
do eixo (AB, BC e CD), as ações desses torques se somam quando tomado como referência
o ponto de reação dos torques (ponto A, com valor de 2,8 kN.m). A tensão de cisalhamento
é um fenômeno que ocorre quando duas forças possuem sentido oposto, aplicado em planos
diferentes, paralelos e muito próximos um do outro. Observo que o discente utilizou o
grafismo para ilustrar este fenômeno físico, decompondo-o em três partes (Figura 10 e
Figura 11), onde ele apresenta o movimento dos torques por meio de setas (em vermelho),
demonstrando assim a evolução da espiral do seu entendimento. O que representa na
prática, nos grafos ou desenhos, a fase de análise das partes do todo pelo pensamento,
conforme definiu a teoria dialética do conhecimento.
38 Esse estudo é próprio da componente curricular Mecânica dos Sólidos, que será amplamente apresentada a
partir do item 6.2. 39 Quilo-newton-metro (kN.m), assim lido, ou seja, 1000 vezes (o k) o produto da força em Newton (N) pelo
comprimento em metro (m) é uma representação da unidade física para torção.
142
Figura 9 – Torção em um eixo
Ainda na Figura 9, observo outras três formas de expressão e execução incluídas
neste grafismo. A primeira é a representação em texto da sequência dos procedimentos para
a análise do fenômeno físico, quando o discente escreve, por exemplo, a expressão “olhar
lado direito – bc” (em verde). O segundo é a aplicação dos cálculos matemáticos próprios
143
da especialidade. Por fim, noto o uso de cores para destacar os elementos que compõe o
objeto do conhecimento: o azul traçou a esquema do eixo; o preto representou o torque
reativo, enquanto o vermelho, o torque ativo; e o verde apresenta o texto indicativo dos
passos e interpretação para análise.
Conforme expliquei anteriormente, estes grafismos são exemplos da materialização
dos movimentos apresentados nas imaginações do discente, quer dizer, representações
gráficas das articulações operadas pelas outras faculdades cognitivas, neste caso, o
raciocínio voltado para a análise e cálculo. Ou seja, estes grafismos são expressões do
exercício da imaginação produtiva intelectiva do estudante. Segundo o relato do próprio, o
DIS03, em entrevista durante a pesquisa-ação, o ato de grafar enquanto estuda o leva a
“visualizar e analisar as forças”, fato explícito nos desenhos expressos no papel das Figura
9, Figura 10 e Figura 11. Isto me permite dar relevo e projetar luzes sobre a proposição de
que a execução do grafismo quando utilizado como uma técnica de estudos, serve como
registro visual e ilustração da elaboração dos novos conhecimentos, estímulo ao exercício
da imaginação e auxílio na apreensão do objeto pelo aprendente.
Figura 10 – Destaque “a” Figura 09
Figura 11 – Destaque “b” Figura 9
144
5.3.5. Qual o objetivo do uso do grafismo enquanto uma estratégia de
ensinagem?
À luz da crença que a imaginação é a representação visual do pensamento e que
seu exercício é fundamental para a construção do conhecimento, desenhei esta tese sob o
axioma de que o grafismo é a materialização gráfica da imaginação, seu processo de
execução enquanto uma técnica de estudos que estimula o exercício da imaginação do
indivíduo e, em consequência disto, auxilia-o na construção e concepção do
conhecimento. Logo, o grafismo pode ser usado e averiguado enquanto uma estratégia de
ensino-aprendizagem.
Para o lançamento do estudo de uma proposta didática, é imprescindível assentá-la
antes sobre um lastro teórico que responda suas necessidades e indique caminhos. Encontrei
na ensinagem não só orientações sobre como e porque elaborar uma estratégia de ensino e
aprendizagem. Esta pedagogia de tendência progressista crítico-social dos conteúdos – ou
histórico-crítica40 – me levou a experimentar reflexões de um pensamento didático o qual
elucidou alguns elementos que provocavam as minhas inquietações e ainda ilustrou um
percurso de uma forma tal que coadunou inclusive com as intenções de um projeto futuro.
40 Apresentada no capítulo 04.
145
Ancorada nesta pedagogia, a ensinagem, para a averiguação da estratégia grafismo,
considerei os seguintes problemas e as respectivas propostas de solução:
• O problema motivador desta tese é a constante dificuldade que os estudantes do
BCET da UFRB apresentam em visualizar mentalmente – imaginar – os novos
conteúdos curriculares. Em consequência disto, eles encontram obstáculos na
organização dos elementos do próprio raciocínio e na apreensão das teorias,
além de não conseguirem imaginar modelos práticos tridimensionais para a
aplicação de conceitos físicos na resolução dos problemas práticos de
engenharia. Proposta: a aplicação da estratégia de ensinagem grafismo como
técnica de estudos pretende mobilizar e estimular o exercício da imaginação
dos indivíduos, ilustrar e organizar os elementos do raciocínio e direcionar os
movimentos do pensamento para a apreensão dos conteúdos e resolução de
problemas de engenharia.
• As ações pedagógicas da UFRB, desde a concepção da tendência político-
filosófica até os procedimentos de ensino aplicados pela maioria dos docentes
do BCET, que são tradicionais-tecnicistas, não correspondem com as propostas
políticas-sociais desta universidade para a sociedade a qual ela se insere.
Proposta: a ensinagem é uma prática social que tem como princípio a
apreensão do conhecimento pelo discente; a aplicação do grafismo como uma
estratégia de ensinagem aos discentes do BCET da UFRB propõe o
enfrentamento e a superação das dificuldades sobre a construção do
conhecimento, levando o aprendente ao sabor pelo saber e ao desenvolvimento
da sua autonomia intelectual.
Os objetivos ditos acima são considerados os mais abrangentes da aplicação desta
estratégia de ensinagem. Porém, ao longo das investigações teóricas, emergiram objetivos
adjacentes e indiretos que se concretizaram durante a pesquisa empírica. São eles: a
consciência do aprendizado e a autonomia intelectual, a seguir apresentados.
a. Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta. O que garante que o
estudante, pelo próprio hábito, não usará o grafismo com o mesmo propósito das
metodologias tradicionais, a memorização (retenção por si mesma)?
À luz da ensinagem, na implementação e aplicação de qualquer estratégia, ocorre
antes um contrato de parceria entre professor e alunos, que leva o estudante a compreensão
146
da importância da apreensão e que apreender é diferente de memorizar. Outro ponto
fundamental deste método é que o professor, uma vez tendo como objetivo a apreensão do
objeto do conhecimento, acompanha o desenvolvimento dos momentos de análise do objeto
pelos estudantes e tão logo possa identificar as reproduções possíveis de acontecer, a partir
daí, balizará o estudante para que saia deste caminho, orientando-o para a síntese do objeto
do conhecimento, da significação “própria e apropriada do objeto”, conforme diz o
professor Dante Galeffi. Assim, ao perceber a apropriação do objeto, o aprendente sente o
sabor do saber.
Conforme apresentei no item 5.2.2 deste capítulo, Anastasiou (2009) fala sobre a
importância do saborear o conhecimento, seja no ter gosto no fazer docente, seja no sabor
da aprendizagem. Para justificar a sua analogia, a autora se refere ao conceito da palavra
conhecimento, que tem sua origem derivada “do latim sǎpěre, que significa ter
conhecimento, além de ter sabor e agradar o paladar41”.
Este entendimento me remete àquela boa sensação que temos ao retirar a cortina
de fumaça que escurecia o nosso olhar sobre um determinado objeto do conhecimento.
Somos presentificados, segundo Buzzi (2012), quando algum objeto, antes obscuro, se torna
visível e audível ao nosso ser, levando-nos a experimentarmos o sabor do saber. Esta é
uma das consequências da estratégia de ensinagem grafismo: promover no estudante a
percepção do entendimento, da aquisição do conhecimento de algum objeto.
b. Autonomia intelectual: aprender a apreender. Por que aprender a estudar sozinho?
Durante as investigações bibliográficas, encontrei dois textos que, embora não
façam parte do arcabouço teórico desta tese, se tornaram fontes indiretas das ambições sobre
a aplicação do grafismo enquanto uma estratégia de ensinagem. O primeiro deles foi o
tratado “Resposta à pergunta o que é esclarecimento?”, escrito por Immanuel Kant:
O esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade da qual ele
próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu
próprio entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por
culpa própria se a causa não resiste na falta de entendimento, mas na falta
de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem.
Sapere Aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!
Eis a palavra de ordem do esclarecimento (KANT, WiA VIII, 35 apud
DALBOSCO, 2011, p.91, grifo no original e meus).
41Resgatando as linhas escritas no capítulo 3.
147
Quando li a perspectiva de Kant sobre a relação entre o esclarecimento, a
menoridade intelectual e a coragem sobre servir-se do próprio entendimento, sem me ater
ao contexto da escrita pelo filósofo, as minhas reflexões se direcionaram à importância do
esclarecimento para o jovem estudante – aquele da classe trabalhadora, do interior do
Brasil, em particular, do interior da Bahia. Em relação a isto, imaginei que a UFRB
poderia também concentrar seus esforços e investimentos neste sentido, além de dar a
devida importância de...
[...] apresentar-se como indutora do desenvolvimento regional, da
equidade étnica, de gênero, sexualidade e da pessoa deficiente, ampliando
as políticas e ações de ingresso, permanência, pós-permanência, combate
a todas as formas de discriminação e preconceito institucional e social [...].
(UFRB/PDI, 2019-30, p. 22)
Em uma universidade ideal-necessária como se propõe a UFRB, repetindo o que
disse anteriormente, cuja ação “não é somente a garantia de vagas e as políticas de
permanência, mas a garantia de condições de aprendizagens”, é preciso garantir antes
condições de o estudante desenvolver sua autonomia de estudos e chegar ao esclarecimento,
como num ato de preparar a terra para semear e cultivar uma semente.
O outro texto que também inspirou indiretamente este trabalho foi o artigo sobre
a “Andragogia na educação universitária” de Cavalcanti e Gayo (2005), o qual faz
algumas comparações entre os procedimentos de ensino e aprendizagem da pedagogia e
da andragogia.
A palavra Andragogia deriva das palavras gregas andros (homem) + agein
(conduzir) + logos (tratado, ciência), referindo-se à ciência da educação de
adultos, em oposição à pedagogia, também derivada dos vocábulos gregos
paidós (criança) + agein (conduzir) + logos (tratado ou ciência), obviamente
referindo-se à ciência da educação de crianças. A Andragogia deve ser
entendida como a filosofia, a ciência e a técnica da educação de adultos
(CAVALCANTI; GAYO, 2005, p. 45, grifos meus)
Na opinião destes autores, os pressupostos andragógicos deveriam ser o
fundamento dos procedimentos aplicados no ensino de superior. De fato, existe uma série
de diferenças entre o comportamento dos estudantes do ensino médio e aqueles do ensino
superior, cuja principal delas é a fase de desenvolvimento psicossocial. Ao ingressar na
universidade, o estudante não é mais tratado como uma criança; agora ele é uma jovem
adulta e, tal como, muitas responsabilidades lhes são postas de repente, principalmente a
vida de universitário, quando a figura paternalista do professor e o ambiente escolar como
148
uma extensão da família são totalmente perdidos. Este choque de realidade provocado pelo
mundo real-existente leva os indivíduos a desenvolverem a consciência de si e do outro, das
responsabilidades pelos atos e as consequências da própria liberdade.
Considerados pela perspectiva da Psicologia Existencial-Humanista, os
princípios compreensíveis das condutas humanas adultas se concretizam
na razão, liberdade e responsabilidade. Através da razão o homem é capaz
de conhecer o mundo e a si mesmo e de conhecer que conhece (reflexão),
ter consciência (CAVALCANTI; GAYO, 2005, p. 46).
É um processo que faz parte do amadurecimento natural do indivíduo. Quando esse
jovem adulto sai de um ensino médio falho e ingressa no ensino superior, onde precisará se
adaptar à dinâmica do novo espaço e ainda lhe serão exigidos conhecimentos prévios que
ele não conhece, sem orientação pedagógica mínima, eu questiono: este processo de
desenvolvimento da maturidade do jovem, quando é atropelado, não custa caro por ocorrer
a duras penas?
Mais uma vez, repito como um mantra: é preciso garantir ao discente recém
ingresso condições para a aprendizagem, esclarecimento, consciência e amadurecimento.
Através da consciência, o adulto se percebe como “ser livre, autônomo” e,
como tal, capaz de tomar decisões, fazer escolhas, direcionar suas ações para
perseguir seus objetivos. Sua consciência e liberdade o tornam sujeito de
responsabilidade, tanto no sentido de saber como agir e reagir perante os
desafios e problemas existenciais, como no de arcar com as consequências de
seus atos e decisões (CAVALCANTI; GAYO, 2005, p. 46).
A estratégia de ensinagem grafismo auxilia o aprendente a apreender e, uma vez
que toma consciência do próprio conhecimento sobre o objeto, ele é presentificado pelo
conhecimento e saboreia o saber. Como no movimento espiral, evolutivo e ascendente, o
aprendente naturalmente escolhe saber mais e mais. A partir do momento em que o
aprendente, de forma consciente de si, escolhe buscar e enfrentar o conhecimento, ele
desenvolve sua autonomia pelo esclarecimento e se servirá do próprio entendimento, como
um sujeito analítico, crítico e transformador.
Portanto, em função dos estudantes reais e existentes da UFRB, elaborei a
estratégia de ensinagem grafismo com o objetivo de estimular o aluno a aprender a pensar
para conhecer.
149
6. IMAGINAÇÃO E GRAFISMO: OS CAMINHOS PARA A
IMPLEMENTAÇÃO E A AVALIAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA
DE ENSINAGEM
Nas palavras do professor Robert Ponczek, a construção de um capítulo sobre o
percurso metodológico de uma pesquisa deve seguir como regra básica a expressão
“metodologia = APT”, isto é, metodologia é a descrição de: A, abordagens; P,
procedimentos; T, técnicas e instrumentos. De modo geral, a abordagem deste trabalho é
qualitativa, onde os procedimentos utilizados para a base teórica foram os bibliográficos e
os documentais, para a base empírica, a pesquisa-ação e os instrumentos das técnicas de
entrevistas foram os questionários.
Porém, devido à natureza deste trabalho e aos fatores contextuais que constituem o
estudo do lócus e da coleta de dados, percebi a importância da apresentação destes para a
compreensão da composição metodológica da pesquisa e dos resultados sobre a verificação
da estratégia de ensinagem grafismo, não sendo pertinente separá-los em um outro capítulo.
Sendo assim, este capítulo trata-se de uma narração do percurso metodológico de realização
da investigação sobre a aplicação de uma estratégia de ensino e aprendizagem aos discentes
do curso de ciências exatas e tecnológicas da Universidade Federal do Recôncavo das Bahia,
a qual, ao próprio método de descrição, foram acrescentados a contextualização e a
problematização sobre o lócus, ambiente a atores da pesquisa. Esta forma narrativa foi a
mais coerente encontrada por retratar o real-existente o qual a pesquisa foi realizada.
6.1. O PROBLEMA, AS HIPÓTESES E SUAS VARIÁVEIS
A motivação para a realização desta pesquisa surgiu da dificuldade de visualização
mental e entendimento que os discentes BCET da UFRB demonstram quando são
apresentados a novos conteúdos e, sobretudo, quando são convocados a organizar ,
logicamente, o raciocínio e a solucionar problemas práticos de engenharia. O problema que
gerou esta tese está na dificuldade que os estudantes possuem de visualizar e organizar os
elementos do raciocínio, de imaginar um modelo prático (3D) de engenharia e aplicar os
conceitos físicos para possíveis soluções das questões solicitadas.
Ciente de que este problema se torna a raiz de tantos outros como o não
entendimento dos assuntos, a dificuldade de construção de raciocínio lógico e a solução
150
de problemas, ansiedade, medo de avaliações e sucessivas reprovações, elaborei o estudo
de uma estratégia de ensinagem que tem no seu cerne o ensinar a aprender, o grafismo.
Assim, a fim de avaliar esta alternativa, desenvolvi este estudo investigando as hipóteses
a seguir apresentadas.
A 1ª hipótese, de base teórica, afirma que a imaginação é a faculdade de
representação visual do pensamento e seu exercício é fundamental para a produção e
expressão da memória, da subjetividade, da intelecção e criatividade do homem.
Para a investigação deste pressuposto, lancei mão do método de pesquisa
bibliográfica e, portanto, não fiz subdivisões dos fatores no corpo de variáveis. Entendo que
as relações entre a causa e os efeitos são semelhantes e interligadas, não havendo
necessidade de estudo em separado.
A 2ª hipótese, de base empírica, afirma que o grafismo, quando utilizado como
uma técnica de estudos, serve como registro visual e ilustração da elaboração dos novos
conhecimentos, estímulo ao exercício da imaginação e auxílio na apreensão do objeto
pelo aprendente.
Nesta hipótese, apliquei os procedimentos do método da pesquisa-ação em dois
ciclos e suas variáveis foram as seguintes:
• O ato de grafar os elementos que constituem o objeto do conhecimento enquanto
estuda, permite ao aprendente a superação da escuridão cognitiva e na
elucidação do objeto no pensamento;
• A execução do grafismo auxilia o aprendente na visualização e organização
gráfica dos elementos dos novos conteúdos durante a construção, análise e
apropriação do objeto do conhecimento;
• A utilização do grafismo possibilita o direcionamento do pensamento do
aprendente durante a construção, análise e apropriação do objeto do
conhecimento;
• A utilização do grafismo sob a metodologia dialética do conhecimento durante
os estudos mobiliza e estimula o exercício da imaginação do aprendente,
levando-o à ascensão do conhecimento do objeto.
A 3ª hipótese de investigação também foi de base empírica. O entendimento que
lhe norteou foi o seguinte: os estudantes que criam o hábito de estudar através do grafismo
151
desenvolvem a autonomia de estudos e deixam de buscar nas videoaulas o auxílio para o
entendimento dos novos conteúdos curriculares.
A abordagem, procedimentos e técnicas foram as mesmas da 2ª hipótese, onde suas
variáveis foram:
• Os aprendentes que utilizam constantemente o grafismo como técnica de estudo
assistem videoaulas;
• Os aprendentes que utilizam constantemente o grafismo como técnica de estudos
não assistem videoaulas.
A 4ª hipótese, também de base empírica, afirma que a implementação e aplicação
da estratégia de ensinagem grafismo, durante os procedimentos de ensino e aprendizagem
da componente curricular mecânica dos sólidos II, propõe aos discentes o enfrentamento e
a superação das dificuldades de visualização e organização dos elementos dos novos
conteúdos, o que lhes possibilita o estímulo à imaginação de modelos práticos de engenharia
em 3D para a aplicação de conceitos físicos na solução de problemas.
Nesta proposição, utilizei o mesmo método e procedimentos de pesquisa da
segunda hipótese, mas suas variáveis foram:
• A aplicação da estratégia de ensinagem grafismo possibilita ao discente a
consciência do aprendizado e a motivação pelo sabor do saber;
• A aplicação da estratégia de ensinagem grafismo motiva o discente ao
enfrentamento do conhecimento levando ao desenvolvimento do protagonismo
do próprio entendimento e autonomia intelectual.
6.2. O LÓCUS, O AMBIENTE E OS SUJEITOS DA PESQUISA
Quando comecei a pesquisa-ação in loco, de saída percebi sinais de que este não
seria um trabalho de cunho científico isento de observações de viés pessoal e subjetivo, pois
trata-se de uma pessoa aplicando uma pesquisa na qual o que está em cena são projetos de
vidas de outras pessoas, estas que têm expectativas, sonhos e frustrações. E quando estas
pessoas e seus projetos de vida estão dentro de uma sala de aula, então não há como o
pesquisador se eximir de toda a complexidade subjetiva inserida neste espaço.
Dada a importância destes aspectos, nas próximas linhas, apresentarei o meu olhar
sobre o conjunto de relações entre os elementos que engendram toda esta subjetividade. E
sublinho, este olhar parte de uma professora que buscou na sua vivência de sala de aula, a
152
inspiração para desenhar uma proposta que auxilie a alcançar a real missão enquanto
docentes. Ou seja, como objetivo pessoal, assim denomino, esta tese é a busca de uma forma
ou um método que por fim abrande a minha dor de mundo enquanto professora. Assim,
portanto, trago aqui a minha perspectiva sobre o desenrolar deste trabalho, um trecho da
tese na qual não articulo teorias e prática, aqui a fundamentação é a vivência na
universidade, a observação sobre os problemas institucionais, a compreensão sobre os
anseios e os medos dos estudantes e, claro, também dos colegas professores.
Sendo assim, apresentarei algumas práticas da gestão da UFRB as quais, em relação
a esta pesquisa, ocasionam fatores que influenciam diretamente no desenvolvimento do
Projeto Pedagógico do Curso. Trarei também o contexto no qual o docente participante está
inserido, suas preocupações e forma como colaborou com este trabalho. E, por último,
dedicarei um espaço aos discentes participantes, demonstrando os perfis mais evidenciados,
suas condutas e expectativas.
6.2.1. Um breve panorama do Bacharelado em Ciências Exatas e
Tecnológicas, o BCET e da componente Mecânica dos Sólidos
O BCET é um curso interdisciplinar de primeiro ciclo de formação na área das
ciências exatas e tecnológicas cuja terminalidade ou segundo ciclo para a especialização
são os cursos de bacharelado em engenharia civil, engenharia da computação,
engenharia elétrica, engenharia mecânica, física e matemática. Segundo o relatório da
UFRB que apresenta a relação de alunos com vínculo por curso42, datado em 12 de julho
de 2019, documento que se refere ao semestre letivo 2019.2, o qual foi realizado esta
pesquisa, o BCET tinha o total de 930 estudantes matriculados nos 06 períodos para
integralização do curso.
Em atendimento a resolução CNE/CES 11/ 200243, a qual institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia, o seu currículo é constituído
das componentes tronco, ou seja, das matérias em comum para a formação em engenharias.
Dentre as principais componentes estão cálculos, físicas, geometria analítica, álgebra linear,
desenho técnico, dinâmica dos sólidos e mecânica dos sólidos. A sua principal característica é
42 Documento disponível em: <http://www.dados.gov.br/dataset/discentes-por-curso1>. Acesso em: 09/06/2020. 43CNE. Resolução CNE/CES 11/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 32.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991>. Acesso em: 07/06/2020.
153
a possibilidade do estudante, enquanto é apresentado às especificidades das áreas
profissionalizantes do segundo ciclo, optar por qual deseja seguir.
Os cursos da área das ciências exatas são constituídos por componentes curriculares
que exigem boa formação em matemática, física e química apresentados no ensino
fundamental e médio. Conforme expliquei no capítulo anterior44, a maioria dos ingressos,
infelizmente, chegam com um baixo nível de conhecimento sobre estas matérias na
universidade e, consequentemente, logo nos primeiros semestres, o BCET apresenta altos
índices de reprovação, retenção e abandono – fato que acontece também na maioria dos
cursos similares por todo o Brasil. Este fator não revela apenas a situação precária do
sistema de ensino básico do nosso país, no atual contexto de políticas públicas instituídas,
em consequência das retenções e abandono, significa menores investimentos por parte da
gestão federal, pois o valor investido em cada curso de graduação é proporcional ao número
de formandos (egressos). Conclusão: o BCET recebe poucos recursos em laboratórios,
bibliotecas, infraestrutura de salas de aulas, equipamentos, insumos, contratação e formação
continuada de seus docentes.
Dos problemas gerados pelo pouco investimento por parte da gestão pública
federal, o reduzido número de professores efetivos com regime de dedicação exclusiva é o
maior deles. Este fato reverbera na oferta de turmas por semestre letivo, no desenvolvimento
do plano didático, pesquisa e extensão pelos docentes e no avanço do curso pelos discentes.
Isto ocorre porque as componentes curriculares do BCET apresentam alto grau de
dificuldade, os discentes precisam de atenção, muitas vezes quase que exclusiva, e não há
como um professor, numa sala de aulas com sessenta alunos, auxiliar todos e cada um com
sua singularidade, seja de formação básica, capacidade cognitiva, seja de estado emocional.
Em vista disto, o Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, o CETEC, em busca
de implementar propostas que visam amenizar o problema, não encontra alternativa senão
a contratação temporária de professores substitutos, pois com a presença deste é possível a
oferta de turmas extras e cursos de férias das componentes de maior retenção de estudantes.
Esses profissionais, a maioria deles ex-alunos do BCET, por ainda não ter ingressado no
mercado de trabalho de sua área, encontram na docência temporária uma opção de ocupação
e sustento. São professores que não possuem formação pedagógica mínima; não tem vínculo
com a instituição e com o Projeto Pedagógico do Curso. Pela natureza do regime de trabalho
são alocados para ministrar até cinco turmas – com 60 alunos cada - e trabalham numa carga
44 Item 5.2.3.
154
horária de até 20hs semanais em sala de aula, além de exercerem outras atividades fora da
universidade. E mais, são contratados, recebem apenas as ementas das componentes
curriculares sem a orientação da importância sobre o conhecimento dos documentos como
o PPI e PPC para a elaboração de plano de ensino e entram nas salas de aulas sem
acompanhamento por parte da gestão do setor. Logo, mesmo que a intenção inicial destes
professores seja realizar um trabalho de qualidade de ensino e aprendizagem, com raras
exceções, a maioria não obtém sucesso.
Se, de um lado, a contratação do professor substituto resolve o problema da retenção
dos alunos através da maior oferta de turmas por semestre, cuja aprovação atinge alto índices,
por outro lado, isso não significa que os procedimentos de ensino aplicados levaram os
estudantes ao efetivo aprendizado. Muitos discentes passam pelas componentes com boas
notas, mas sem a efetivação da apreensão dos conteúdos apresentados.
O grau de dificuldade do curso aumenta a cada semestre e o processo de formação
do discente se dá através do acúmulo do conhecimento curricular – consoante ao movimento
espiral do conhecimento, ascendente e evolutivo45. Por exemplo, o entendimento e
desempenho em cálculo II depende, diretamente, da apreensão de conteúdos de cálculo I. A
não apreensão de conteúdos em algum momento da formação quebra o movimento
evolutivo do nível do conhecimento do discente, pois este avança no curso sem de fato
evoluir no seu processo de construção do conhecimento. É claro que este fato não ocorre
em todos os casos e que a figura do professor substituto não é a causa isolada dos problemas
dentro do processo de formação dos estudantes no BCET, mas é um elemento determinante
quando ministra em particular a componente mecânica dos sólidos I. Por exemplo, quando
perguntei a um discente participante da pesquisa se ele continuava recorrendo às videoaulas
para resolver os exercícios de MEC II, mesmo depois de utilizar constantemente a técnica
do grafismo, ele assim respondeu:
Eu assisto, mas não é bem o assunto de MEC II. É pra sanar déficit de
assuntos anteriores. (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Conforme o PPC, as disciplinas de mecânica dos sólidos I e II são componentes
curriculares que compõem o currículo do 4º e 5º semestre, respectivamente. Conforme a
Resolução CNE/ CES 11/ 2002, essas componentes são classificadas como básicas e de
formação inicial para o futuro Engenheiro. Elas requerem conhecimentos bem
45 Apresentado no capítulo 03, item 3.3.1.
155
fundamentados de cálculo I e II, física I e II, desenho técnico e cálculo numérico, pois
tratam da aplicação dos conceitos fundamentais da física na resolução de problemas de
engenharia. Daí a necessidade de uma fundamentação anterior sólida para cursar estas
componentes, bem como a importância destas para a continuidade do curso.
Como disse anteriormente, o corpo docente efetivo do BCET é pequeno, o total de
117 professores, e em algumas componentes temos apenas um professor especializado
disponível para a cadeira. É o caso de mecânica dos sólidos I e II. Somado a isto, em
atendimento aos compromissos junto à universidade, o professor efetivo deve desenvolver ,
dentro de sua carga horária total, atividades de ensino, pesquisa e extensão, podendo se
dedicar à sala de aula até 14hs por semana, contando também o tempo de planejamento de
cada componente bem como o atendimento ao estudante. mecânica dos sólidos, tanto a I
quando a II, é uma componente de carga horária de 5hs por semana, isto é, o docente titular
da cadeira pode ser alocado apenas para duas turmas. Porém, em virtude do alto índice de
reprovação e retenção, são ofertadas duas turmas de cada componente por semestre, ficando
mecânica dos sólidos I sob a responsabilidade do professor substituto. O resultado disto é
que os discentes se matriculam em MEC I, são aprovados com notas superiores a 8,0 (oito)
e quando chegam em MEC II não conseguem avançar, com casos de discentes que repetem
a componente por quatro vezes e alguns, infelizmente, desistem de continuar no curso.
Dado o problema, a coordenação do curso, juntamente com a gestão de ensino e o
docente efetivo da cadeira, tentaram inverter a alocação dos professores, isto é, o substituto
ministrou MEC II. O desfecho da experiência também foi negativo, pois os discentes
avançaram em MEC II, mas ficaram logo retidos nas componentes de sequência na grade
curricular, como dinâmica dos sólidos, teoria das estruturas (no caso dos discentes que
optaram por engenharia civil no segundo ciclo) e comportamento dos materiais (dos
discentes que optaram por engenharia mecânica no segundo ciclo). A alternativa seria alocar
algum outro docente efetivo para ministrar MEC e assim dividir a responsabilidade pela
formação dos estudantes nesta que é uma das matérias mais importantes para os futuros
engenheiros, mas caso isso ocorresse – e novamente, são poucos os docentes contratados –
turmas de componentes dos cursos de segundo ciclo ficariam sem ser ofertadas, e mais uma
vez a formação dos discentes seria prejudicada. A solução é a contratação de mais docentes
efetivos e o centro de ensino busca por isto. Porém, não obtém sucesso devido a alta
demanda por docentes de outras componentes – também importantes – bem como a
constante e crescente redução de investimentos por parte do governo federal na UFRB.
156
6.2.2. O corpo docente
Aos olhos de quem desconhece, parecem ser simples os fatores que se apresentam
a cada tomada de decisão quando o assunto é a distribuição de professores para ministrar
aulas no CETEC, porém não é bem assim que isto ocorre.
Antes de descrever os problemas que emergem durante a alocação dos professores
do CETEC, vale ressaltar que os impasses não são exclusivos da UFRB, pois acontecem em
boa parte das universidades públicas deste país. E para compreender a dimensão complexa
do conjunto de elementos que resultam neste fato, retomo a discussão do capítulo 446 quando
aponto que além de outros, quatro fatores são determinantes para tais problemas: o ciclo de
relações mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem; a persistente aplicação do modelo
disciplinar das pedagogias tradicionais-tecnicistas nas salas de aulas; docentes sem
formação ou capacitação continuada em ensino superior; e a imposta estrutura
organizacional das universidades públicas brasileiras.
A estrutura organizacional das universidades impõe uma forma de distribuição dos
docentes por áreas de conhecimento ou departamentos, não por cursos os quais atuam, o
resultado disto é a dificuldade que eles possuem em se envolverem nos projetos formativos
dos quais ensina a matéria. Consequentemente, esta setorização reflete diretamente na
articulação entre docentes no estudo e atualização dos projetos pedagógicos, no
planejamento de ensino e aprendizagem, na definição de procedimentos aplicados em sala
de aula, bem como na organização para a realização de atividades em conjunto.
O levantamento sobre a formação básica e titulação dos docentes do CETEC,
revelou que, atualmente47, dos 117 docentes que fazem parte do quadro efetivo, 65 são
doutores e 43 são mestres, perfazendo 55% e 36% respectivamente. Do conjunto docente
cetequiano48, 16 deles, 13% do total, possuem apenas a formação básica em Licenciatura.
Quando focalizo nos que ensinam exclusivamente as componentes curriculares de formação
básica do BCET – matemática, física, química e biologia –, somo o total de 46 professores,
40 são doutores e 6 são mestres, ou seja, aproximadamente 90% têm a titulação máxima.
Destes docentes especializados nas matérias fundamentais, 16 são licenciados, 34,7% deste
grupo exclusivo. Focalizando outro grupo, agora os docentes efetivos que ministram as
componentes profissionalizantes, no primeiro ou segundo ciclo de formação dos cursos,
46 Item 4.2.1. 47 Dados levantados em junho de 2020. Vale ressaltar que estes números são dinâmicos. 48 Expressão local criada para denominar o grupo de docentes, técnicos administrativos e discentes que
pertencem ao Centro de Ensino de Ciências Exatas e Tecnológicas.
157
nenhum tem formação básica em licenciatura, todos são bacharéis. Outro detalhe
importante, nenhum dos mestres e doutores do corpo docente do CETEC fez pós-graduação
(stricto-sensu) na área da educação ou afins, todos os títulos são provenientes das exatas ou
das tecnologias.
Resumindo, a maioria dos docentes do CETEC não possui formação pedagógica
mínima e não são oportunizados regularmente pela instituição em participar de cursos de
capacitação continuada, especificamente na área da educação. Consequentemente, por não
terem entendimento sobre as formas de conhecimento e aprendizagem, sobre quais fatores
são relevantes na organização e aplicação de procedimentos de ensino, das alternativas e
estratégias, não conseguem superar o simplesmente dar aulas, repetem aquilo que assistiram
enquanto alunos e mantém-se no modelo tradicional e tecnicista. Consequentemente, isto
reflete no nível de aprendizagem dos estudantes, pois estes têm mais um obstáculo a
enfrentar – sem saber como enfrentar –, o conhecimento. Resultando, assim, nas constantes
reprovações, retenções e abandono.
Este é um exemplo real-existente do ciclo de relações mútuas e infinitas de ensino
e aprendizagem, entre professores, alunos e as instituições públicas de ensino superior –
onde todos fazem parte de um mesmo processo.
Em atendimento ao regulamento de ensino49 e o estatuto50 da UFRB, os docentes
efetivos são lotados nos seus diferentes centros de ensino, donde são separados por área de
conhecimento e as suas alocações para as turmas ocorrem através de reuniões com todos
integrantes de cada grupo antes do início de cada semestre. Além das suas turmas, o CETEC
atende as demandas de ensino de outros centros, principalmente as do centro das ciências
agrárias, ambientais e biológicas, o CCAAB, nos cursos de licenciatura e bacharelado em
biologia, bem como os bacharelados em agronomia, engenharia de pesca, engenharia
florestal, medicina veterinária e zootecnia.
Entre as turmas formadas por estudantes de diferentes cursos e aquelas de
componentes curriculares exclusivas, o CETEC, em 2019.2, atendeu a demanda de 433
turmas de aulas presenciais, totalizando 1.290 horas/ aulas divididas entre 127 docentes
efetivos e substitutos (conforme o Quadro 3). A carga horária semanal de sala de aula para
cada docente é aproximadamente de 10 horas, mas vale destacar que a maioria dos
49Regulamento de Graduação da UFRB, regido pela Resolução CONAC nº 004/2018, está disponível em:
<https://www.ufrb.edu.br/portal/graduacao>. Acesso em: 08/06/2020. 50Estatuto da UFRB, disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/portal/institucional/40-lei-de-acesso-a-
informacao/88-estrutura-organizacional>. Acesso em 08/06/2020.
158
professores ministram turmas com mínimo de 30 até 60 estudantes, cumprem atendimento
ao aluno fora do horário de aulas e ainda têm outras atribuições na universidade como
pesquisa, extensão e administração.
Quadro 3 – Relação de turmas ofertadas pelo CETEC em 2019.2.
CURSOS DO CETEC
Ciências Exatas e Tecnológicas 186 turmas
Eng. Civil 25 turmas
Eng. da Computação 18 turmas
Eng. Elétrica 19 turmas
Eng. Mecânica 18 turmas
Eng. Sanitária e Ambiental 88 turmas
Física 09 turmas
Matemática 07 turmas
Matemática (EAD) 46 turmas
CURSOS DO CCAAB
Agronomia 30 turmas
Biologia 13 turmas
Engenharia de Pesca 26 turmas
Engenharia Florestal 22 turmas
Medicina Veterinária 08 turmas
Zootecnia 15 turmas
Fonte: elaborado pela autora.
Conforme comentei acima, os professores efetivos de cada centro de ensino da
UFRB são divididos em grupos por área de conhecimento, onde a componente curricular
MEC está sob a responsabilidade da área de engenharia civil (ECIV) do CETEC. Nesta área,
temos 16 docentes com regime de dedicação exclusiva para serem distribuídos a uma média
de 45 turmas ofertadas por semestre letivo, as quais pertencem aos cursos do CETEC, bem
como algumas componentes específicas do CCAAB, tais como desenho técnico e
construções rurais. Em uma conta simples, chegamos a um total de 2,8 turmas por docente.
No entanto, dos efetivos, quatro deles são contratos de 20h (sem dedicação exclusiva) e dois
desempenham também funções administrativas, isto é, ministram 2 turmas a cada semestre.
Sendo que, no atual contexto, três dos docentes de carga horária de 40h estão afastados para
capacitação e, para cada um destes, são contratados professores substitutos para assumirem
as turmas de suas cátedras – isto é, 19 classes (42% do total da Área ECIV) estão sob a
159
responsabilidade de professores temporários, das quais 14 pertencem ao BCET, dentre elas
MEC I e desenho técnico (componentes de formação básica para as engenharias).
Dados estes fatores, é possível compreender por que a distribuição dos docentes
do CETEC para ministrar as componentes curriculares ofertadas torna-se um assunto
sensível de se resolver. É neste momento que problemas como reprovação e retenção se
tornam elementares nas discussões, pois os professores têm pleno entendimento da cadeia
evolutiva da construção do conhecimento dos futuros profissionais e sabem o quão
importante é a própria dedicação para que isto aconteça com qualidade. Mas existem
outros encargos que também devem ser exercidos na universidade como atividades de
pesquisa, extensão e administrativas. Sendo assim, os docentes não conseguem
desempenhar exclusivamente o planejamento didático, aulas e acompanhamento dos
discentes. Logo, frente às necessidades acadêmicas dos estudantes, o sentimento geral dos
professores é de impotência e de frustração.
No início das atividades do semestre letivo 2019.1, encontrei o professor Denis
Petrucci, o titular de MEC I e II para uma conversa informal sobre este projeto de pesquisa-
ação. Na oportunidade, apresentei as minhas ideias sobre a implementação da estratégia nas
componentes que ele ministra, fiz o convite e ele prontamente aceitou em ser o colaborador
para a aplicação e verificação da estratégia de ensinagem grafismo no semestre 2019.2.
Denis Rinaldi Petrucci51 tem graduação em engenharia civil, mestrado e doutorado
em engenharia mecânica integralizados pela Universidade Federal de Itajubá, a INUFEI.
Nesta formação interdisciplinar especializou-se no comportamento das estruturas, seja na
aplicação para a construção civil, seja na aplicação para o desenvolvimento de máquinas.
Ingressou por concurso na UFRB em 2005, sendo um dos primeiros professores a compor
o corpo docente do CETEC. Foi presidente da comissão de elaboração do PPC do
Bacharelado em engenharia sanitária e ambiental (ESA) e do BCET. Na administração,
exerceu os cargos de coordenador do ESA e do BCET, bem como exerceu o cargo de diretor
do centro de ensino por 4 anos. No ensino, além de mecânica dos sólidos I e II desde 2007
(em todos os semestres), ministrou geometria descritiva, desenho técnico, fenômenos do
transporte e teoria das estruturas. Na pesquisa, tem dois projetos em andamento na UFRB,
que em resumo, investigam o comportamento das estruturas, mas, na minha opinião, a mais
interessante das suas investigações são os Kit´s Didáticos em Engenharias: um trabalho de
pesquisa e extensão que, nas palavras do professor, “proporciona a visualização prática dos
51 Denis Rinaldi Petrucci, currículo Lattes disponível em: <http://lattes.cnpq.br/1984194112324472>.
160
conceitos apresentados e auxilia a análise dos fenômenos físicos que incidem nas estruturas”
– uma busca do professor em resolver a dificuldade que os discentes têm em visualizar
mentalmente os objetos tridimensionais na solução dos problemas em engenharias.
Durante a conversa informal, o professor Denis Petrucci demonstrou uma evidente
falta de estímulo e sentimento de frustração. De entrada relatou sentir-se responsável pelo
alto índice de reprovação e retenção na componente MEC II52 e questionou a própria
habilidade em ensinar, pois embora tenha aplicado algumas estratégias de ensino ao longo
dos semestres, não conseguiu obter melhores resultados. A partir deste relato, percebi que
o professor tomou para si a responsabilidade de um conjunto de fatores que estão além de
sua atuação e controle, levando-o assim a baixa estima e desmotivação.
Foi ainda nesta primeira conversa que ele apresentou algumas características
determinantes para que MEC II seja historicamente uma das componentes de maior grau de
dificuldade dos cursos de engenharias em todo mundo: tem como pré-requisito o
aprendizado dos cálculos e físicas (I, II, III e IV), geometria analítica e desenho técnico; é
pré-requisito para o encadeamento das disciplinas da área das estruturas (engenharia civil)
e comportamento dos materiais (engenharia mecânica); é uma componente de formação
elementar para as profissionalizantes; convoca o raciocínio lógico e a visualização
tridimensional no pensamento, isto é, a imaginação do estudante; e, por fim, requer uma
boa fundamentação teórica em MEC I (componente atualmente ministrada por um professor
substituto). Diante destas informações, entendo MEC como um ponto de chegada e de
partida. Chega até o seu final quem souber aproveitar o que de melhor as trilhas ofereceram.
E só abre novos caminhos quem estiver preparado para oferecer o melhor, o seu
conhecimento. E neste ponto temos um docente com ampla visão e experiência que
demonstra compromisso e plena preocupação com o aprendizado e formação profissional
de seus estudantes.
Neste cenário, o professor Denis Petrucci abraçou a pesquisa: estudou os conceitos
dos processos de ensinagem; o projeto de implementação da estratégia; compreendeu o
conceito da técnica de estudos, seus objetivos e formas de execução; adaptou e integrou o
grafismo aos conteúdos e atividades de MEC – denominando-o por modelo descritivo para
resolução de problemas, passo-a-passo ou passo-a-passo lógico53; inseriu a estratégia como
52 Nos últimos 4 semestres letivos (2019.1, 2018.2, 2018.1 e 2017.2) o professor ministrou apenas as turmas de
MEC II (carga horária semanal total de 10 horas semanais). 53A adaptação da técnica aos conteúdos da componente e a sua denominação deve ficar a critério do professor
especialista da matéria de ensino, pois apenas o seu conhecimento teórico e experiência prática darão subsídios
para tal.
161
parte da metodologia em seu programa de aprendizagem (programa de ensino, plano de
curso); e se colocou à disposição para contribuir para eventuais mudanças e melhorias.
Ações estas que representam o aspecto mais caro desta experiência, a necessidade e
expectativa do docente por encontrar um caminho para o aprendizado e bom aproveitamento
dos estudos pelos seus estudantes - aí um dos elementos de dimensão subjetiva deste tópico.
No início do período letivo 2019.2, durante a apresentação do plano de curso e
formação do contrato didático, o professor explicou aos discentes que desenvolveria junto
a eles a aplicação de uma estratégia de ensino e aprendizagem a qual seria objeto de pesquisa
para uma tese de doutorado, e quiçá, um método modelo para a componente (objetivos
futuros). Desta maneira, em acordo ao que orienta a ensinagem, o professor selou uma
parceria com os alunos no enfretamento do conhecimento – {(Professor + Alunos) x
Conhecimento}54 – com o objetivo da aprendizagem pelos alunos, os quais também se
comprometeram no empenho pela superação dos obstáculos impostos no conhecimento e
aplicação dos princípios da mecânica dos sólidos.
Então, com todos (professor + alunos) de acordo, a cada conteúdo teórico
apresentado, o professor desenvolveu exercícios em sala de aula os quais, vale lembrar, são
resoluções de problemas de aplicação prática à luz da teoria de análise de estruturas. Através
da resolução destes problemas, o professor aplicou a técnica do grafismo e demonstrou aos
discentes que existe uma forma lógica ou sequência de etapas, para a solução das questões,
ou seja, um método para o pensamento55 percorrer durante a solução dos problemas, por
isto o docente, intuitivamente, entre as denominações que deu ao grafismo, o chamou de
passo-a-passo lógico. Dado o assunto e aplicação em aula, o professor disponibilizou
apostilas com o modelo descritivo (Anexo I), listas de exercícios e orientou os estudantes
que os realizassem e estudassem utilizando a técnica do grafismo. Também passou
atividades específicas (valendo nota) para que os discentes realizassem e as entregassem
dentro de um prazo determinado.
Dada a autorização para a realização da investigação pelo comitê de ética e
pesquisa56, comecei os procedimentos para a coleta de dados (apresentação para as turmas,
convite aos discentes para participação da pesquisa e seleção dos participantes). As
54 Capítulo 05. 55 Capítulo 03. 56Projeto registrado no Comitê de Ética em Pesquisa: Imaginação e Grafismo: uma Estratégia de Ensino-
Aprendizagem Aplicada aos Discentes de Engenharia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. CAAE
19573119.3.0000.5531. Parecer consubstanciado do CEP da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da
Bahia, nº 3.591.791, 23/09/2019 (Anexo III).
162
entrevistas (com o docente e os discentes participantes) ocorreram logo após a segunda
avaliação da componente, pois entendemos que, caso fizéssemos antes, a percepção sobre
os efeitos da aplicação e uso do grafismo estaria imatura. E logo na primeira entrevista com
o docente, ouvi as seguintes palavras:
Bom, o que eu percebi da experiência é que alguns discentes que tinham
medo de expor as suas percepções sobre a disciplina começaram a ficar
mais autônomos, quer dizer, começaram a conversar mais, começaram a
entender como analisar uma estrutura. Pois a gente levou isso para o lado
estrutural que a disciplina é toda estrutural. Então eu falo com eles, não é
só cálculo, não é só forma de aplicação, tem que analisar o que está
acontecendo numa estrutura para dar o melhor dimensionamento pra ela.
[...] Isso daí ajudou bastante os estudantes que estão fazendo, de perceber
que não é só aplicação de fórmula. [...] Os que estão levando a sério esse
grafismo: estes chegam aqui com exercícios que fazem em casa, todo
descritivo, passaram a descrever todo o processo de qualquer resolução de
exercício, e a resposta disso é de como ajudou, porque quando eles vão
fazer o próximo, já sabem o roteiro, como analisar, como e o que fazer.
Então, nesse ponto, aqueles que tem interesse, que realmente se dedicam
para o aprendizado, estão dando uma resposta muito boa [...] Eu estou
muito entusiasmado com a estratégia! (DOC, em entrevista realizada em
28/11/2019, grifos meus)
O meu primeiro comentário sobre estes destaques da entrevista está na clara
mudança de aura na motivação do docente. E muito embora ele frisasse que muitos
estudantes não demonstraram interesse, aqueles que se empenharam, promoveram o que há
de mais importante para a essência de um professor, a alegria de ensinar e assistir o
aprendizado de seus alunos – a essência desta prática social.
O docente percebeu que a técnica do grafismo auxiliou os seus discentes na
organização e visualização das ideias, raciocínio lógico para as análises e resolução dos
problemas. À luz desta experiência ele atualizou a pesquisa sobre os Kit´s Didáticos com
os fundamentos do grafismo; aperfeiçoou as apostilas da componente curricular (com o
modelo descritivo); e desenvolveu outra forma (estratégia) para complementar os seus
procedimentos de ensino, como por exemplo o “modelo de uma metodologia descritiva na
resolução de uma estrutura para fortalecimento do processo de aprendizagem” (disponível
no Anexo I) e análise de estruturas através de uma ferramenta gráfica computacional
(GeoGebra) – me permito aqui abrir um parêntese: me senti realizada por esta reação do
professor Denis Petrucci.
Porém, mesmo observando a evolução de aprendizagem dos discentes na
componente (aqueles que praticaram a técnica de estudos), o professor ainda relata um
desconforto ético pessoal sobre o que ele denomina por sistema que as universidades
163
criaram para promover o fluxo dos estudantes até a formatura, neste caso a UFRB : com o
objetivo de solucionar os problemas causados pela retenção dos discentes nas componentes
curriculares de maior índice de reprovação quando as gestões de ensino e coordenações dos
cursos ofertam turmas extras, cursos especiais ou de férias. Não é um mecanismo de ensino
ideal, mas é necessário, pois os dias e horários destas turmas normalmente são descolados
dos horários dos cursos regulares, a carga horária da componente é reduzida até o limite
permitido, o número de alunos por turma chega a 60 matriculados e os professores alocados
para conduzir as aulas são os que têm disponibilidade de carga horária – geralmente os
professores substitutos.
Este fator ocasiona intencional esvaziamento de alunos das classes ministradas
pelos docentes titulares devido a conhecida facilidade que se tem em passar na componente
com boas notas, quer dizer, boa parte dos discentes passam, e, com raras exceções, não
apreendem de fato o conteúdo, desencadeando em grandes dificuldades nas componentes
de sequência na grade curricular.
Através do relatório final disponibilizado pelo professor Denis Petrucci (Anexo II),
observei que 43,2% dos discentes da Turma I e 52,3% da Turma II de MEC II desistiram
da componente. Segundo os relatos do professor e de alguns discentes, boa parte desiste da
componente regular, com o objetivo de angariar um grupo para justificar a oferta da
componente em caráter especial ministrada por um professor substituto. Visto que todos
sabem que esta é uma prática da UFRB para regularizar e fazer fluir os estudantes retidos.
Somados a este fato e ainda relacionado com a atuação de professores de contratos
temporários, uma das principais causas do insucesso no aproveitamento de MEC II pelos
discentes está no pouco ou nenhum aprendizado dos conteúdos de MEC I. Os discentes
chegam em MEC II, após passarem com boas notas na antecessora e não conseguem
compreender, tão pouco articular os conteúdos, fazendo-se necessário que o professor de
MEC II repasse todos os assuntos de MEC I. E mesmo que ocorra uma revisão dos assuntos
básicos da componente, pelo curto espaço de tempo, os discentes não assimilam todos os
assuntos, formando uma “bola de neve” de falta de entendimento, a qual termina por soterrar
o desempenho nas avaliações – causando assim, reprovação e retenção.
As sucessivas reprovações em MEC II causam consequências negativas ao estado
emocional dos estudantes, sendo em alguns casos culminando no abandono do curso. Os
alunos repetentes carregam a frustração por não avançarem esta etapa no BCET, e não
percebem que o problema não está particularmente em MEC II e seu professor. Tomados
pela baixa estima e insegurança, mesmo que tenham se dedicado aos estudos, entram em
164
estado de pânico nas avaliações; não conseguem representar seus conhecimentos e, por fim,
são novamente reprovados. Este é o maior dos problemas para o professor Denis Petrucci,
pois recai sobre ele toda a pressão e responsabilidade por estes discentes.
Dados todos estes aspectos que constituem o cenário desta pesquisa, o índice de
sucesso no final do semestre, mesmo com a aplicação da estratégia de ensino, não
superou a expectativa dos 70% no grupo universo da pesquisa – ambas as Turmas I e II
tiveram 29,5% de aprovados. No caso do grupo de amostragem, daqueles discentes que
realizaram todas as atividades com o grafismo, verificou-se a aprovação em 52% dos
participantes. Na percepção do docente participante, ocorreu uma evolução crescente
no aprendizado daqueles estudantes que utilizaram o grafismo para estudar. Dentro dos
objetivos da aplicação da estratégia de ensino, o grafismo auxiliou os estudantes na
organização e visualização dos elementos dos conteúdos, a organização dos processos
de análise das estruturas, o estímulo ao raciocínio lógico, além de perceptível elevação
da estima, segurança e amadurecimento da autonomia intelectual. Com vistas nestes
resultados, o professor Denis Petrucci relatou, em entrevista, que pretende continuar
com esta estratégia de ensino e aprendizagem, fazendo apenas algumas adaptações no
cronograma de atividades.
6.2.3. O corpo discente
O estudante ingressa no BCET com a expectativa de que enquanto é apresentado
as diferentes áreas de especialização, possa optar pelo curso de segundo ciclo que mais se
identifica. O próprio curso tem em sua grade, as componentes curriculares específicas e pré-
requisito para aquelas de cada segundo ciclo – estas ofertadas como componentes optativas
– em atendimento da Resolução CNE/ CES 11/ 2002. Este é o aspecto positivo do curso do
BCET. Porém, por outro lado, o ingresso no segundo ciclo ocorre através de uma seleção
interna, onde o critério de peso é a média de aproveitamento ao longo curso, o escore. E
quando o curso de segundo ciclo, aquele da aptidão do estudante, é muito concorrido,
significa que notas boas (em números) são as alavancas para a chegada à especialização
profissional do seu projeto de vida.
165
O modelo de formação do BCET daria certo se não houvesse um número limitado
de vagas nos cursos de segundo ciclo. Com base nas exigências propostas nos editais57 de
acesso aos cursos de segundo ciclo – número de vagas e critérios de seleção – os discentes
se veem em um ambiente de concorrência. Tornando-se este, mais um elemento que lhes
causa pressão psicológica e ansiedade, além da natureza dos cursos das ciências exatas e a
determinação por uma especialidade desde o ingresso na UFRB. Por exemplo, o curso de
bacharelado em engenharia civil disponibiliza 25 vagas a cada semestre e a maioria dos
estudantes que entram no primeiro ciclo aspiram por este curso. Isso significa que a cada
reprovação, desistência e nota baixa é diminuída a possibilidade do estudante ingressar no
curso desejado.
Além desta atmosfera “natural” do curso, o aluno ainda precisa superar a formação
insuficiente que recebeu durante o ensino fundamental e médio. Muitos ingressam na vida
acadêmica e se sentem perdidos, pois a rotina universitária é muito diferente daquela vivida
nos tempos da escola. Parte dos alunos supera os obstáculos, amadurecem e desenvolvem
sua emancipação intelectual e pessoal. No entanto, outros não conseguem superar os
obstáculos, seja por dificuldades de formação, seja por problemas de ordem cognitiva,
emocional, familiar ou convívio social. Nestes casos, aqueles que não desistem trilham o
curso com insegurança, tropeços e sucessivas reprovações, ou seja, entram em um ciclo de
frustrações o qual culmina em baixa estima e medo das avaliações.
São estes estudantes em particular que sofrem com as dificuldades impostas por
componentes tais como mecânica dos sólidos. Muitas vezes eles não entendem por que não
conseguem vencer as etapas curriculares, pois participam das aulas, se dedicam aos estudos
em casa e com os colegas e ainda assim são reprovados. Alguns desenvolvem sentimentos
de muita insegurança, medo e ansiedade que durante as avaliações entram em estado de
pânico, não conseguindo representar o conhecimento adquirido.
E cabe ressaltar, estou mencionando os estudantes que de fato se dedicam aos
estudos, os quais os próprios professores dizem ser interessados. Falo aqui do discente que
relata dificuldade de visualização dos elementos dos conteúdos das componentes, que ficam
perdidos quando lhes são convocados o raciocínio lógico e que não conseguem imaginar
possíveis soluções para os problemas apresentados durante as atividades das componentes
curriculares. São os discentes que motivaram o desenvolvimento desta pesquisa, que sentem
57 Edital de acesso aos Cursos do Segundo Ciclo após a conclusão dos Bacharelados Interdisciplinares e
Similares 2020.1, disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/portal/component/chronoforms5/?chronoform=ver-
prosel&id=1100>. Acesso em: 11/06/2020.
166
a necessidade e desejo de superação de suas dificuldades – eles buscam por isto. Portanto,
este foi o perfil dos discentes que se inscreveram voluntariamente para participar da
pesquisa, pois perceberam ali uma motivação e oportunidade de romper o ciclo de
frustrações em torno de MEC II.
Após a minha apresentação sobre a estratégia de ensino e aprendizagem e de como
funcionariam os procedimentos de coleta de dados, convidei a todos para participarem
voluntariamente da pesquisa-ação. Foram 18 inscritos, destes 15 alunos (07 da Turma I e
08 da Turma II) prosseguiram na componente até o final do semestre. Para as entrevistas,
apenas 01 discente inscrito não compareceu, e outros 02, mesmo desistindo da componente,
participaram das duas sessões de entrevistas para a coleta de dados da pesquisa-ação. Fato
relevante que vale destacar por meio da apresentação de um trecho da entrevista com uma
discente desistente de MEC II. Quando pedi que descrevesse a sua percepção em relação à
utilização do grafismo como técnica de estudos, ela respondeu:
Bem, eu não tenho muita propriedade para falar, pois desisti da disciplina.
Eu perdi primeiro a minha avó e alguns dias depois o meu avô, então isto
acarretou numa série de coisas. Aí, com isso, eu terminei abrindo mão de
uma matéria porque eu não estava conseguindo dar conta de processar tudo
e continuar dando o gás que eu estava dando. E como MEC foi a matéria
que estava mais prejudicada, terminei tomando esta decisão. Porém, como
falei na primeira entrevista, eu achei o estudo do grafismo muito
interessante, então eu quis continuar vindo. Pois eu continuo
utilizando o grafismo. A princípio eu não tinha conseguido adaptar ele
para as outras matérias, mas aí deu certo em Termodinâmica. E foi
como eu falei, eu não conseguia visualizar nada, no semestre passado eu
perdi porque eu não consegui assimilar o assunto, eu não sabia. Agora eu
entendo até onde eu fiz. Eu consigo explicar o assunto. Realmente eu
entendi, por meio do grafismo. Eu consegui organizar as ideias. Pois
existe um passo a passo lógico. E me ajudou bastante [...] Vou
continuar praticando, e continuar passando adiante também. Eu até
vou conversar com o professor Gilvan, o coordenador do projeto
“Acolhida”, é quem recebe os calouros, e nós monitores, damos aula para
eles – eu quero ensinar o grafismo para os calouros. Pois eu acho
interessante, de lá (início do curso), eles começarem a praticar o
grafismo (DIS15, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Este depoimento representa bem a necessidade que alguns discentes tem em superar
as dificuldades em MEC II. Pois quando eles perceberam que a utilização de uma nova
forma de estudar os levou ao entendimento, algo que não conseguiam antes, emergiu a
motivação por estudar e aprender. Não é simplesmente passar.
Conforme expliquei na sessão acima, o docente participante inseriu a estratégia nos
procedimentos de ensino e aprendizagem do planejamento do curso do semestre letivo
167
2019.2 e ainda os convidou para juntos fazerem a experiência. Ou seja, ocorreram atividades
envolvendo o grafismo para todos os estudantes das turmas. Mesmo apresentando interesse
pela técnica e utilizando-a durante os estudos, nem todos os alunos de MEC II se
inscreveram e participaram da pesquisa. Sobre eles, no que se refere aos resultados da
aplicação do grafismo, tomei apenas a percepção do docente, a qual durante as entrevistas
se assemelhou às coletadas com o grupo discente de amostra.
Outro fato interessante que ocorreu durante a pesquisa foi que dentre os discentes
participantes como grupo de amostra, teve um que na primeira entrevista demonstrou uma
certa desconfiança sobre os efeitos da aplicação do grafismo. Quando fiz a primeira
entrevista com ele, logo após a segunda avaliação, ele comentou que estava praticando a
técnica de estudos, mas que não percebia evolução na sua capacidade de visualização mental
e também de fazer experimentos mentais. No entanto, após uma efetiva utilização do
grafismo conforme ele comentou, após a terceira avaliação, sua percepção sobre os
resultados mudou:
Eu reparei que as minhas opiniões foram mudando de acordo com o estudo.
Porque, por exemplo, nesta parte, talvez seja um experimento mental, não
sei... mas no terceiro assunto de MEC II eu precisava de um objetivo final,
só que dentro deste objetivo final precisava encontrar as incógnitas que
eram necessárias pra isso, eu consegui visualizar o que eu queria para
começar a questão e eu consegui organizar estas ideias . Sendo que nos
outros assuntos eu não conseguia [...] Eu acho que foi questão de
aprimoramento (da técnica). [...] E nesta terceira prova, eu tenho certeza
de que foi (o grafismo) porque eu consegui destrinchar o que eu queria
fazer e já saber os próximos passos. Porque via na minha mente o que
eu queria. Por isso que eu acho que consegui visualizar por causa do
grafismo. (DIS03, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos nossos)
Com este depoimento ficou claro que a percepção dos efeitos da aplicação do
grafismo pelos discentes os fez se dedicarem mais ao uso da técnica e assim obterem
melhores resultados, sobretudo na organização das ideias e visualização do pensamento.
Isto é, aqueles discentes que, no início do semestre, faziam as atividades usando o grafismo
porque o professor assim os solicitava – não por interesse e necessidade pessoal de testar a
metodologia – ao perceberem que ocorreu alguma evolução, passaram a praticar mais. A
exemplo do participante DIS03 (depoimento acima), quem nas duas primeiras avaliações
obteve o conceito 4,5 e na última, após mudar sua percepção sobre a técnica do grafismo e
assim treinar mais, evoluiu para 9,0.
No decorrer da experiência, a partir da interpretação dos depoimentos dos discentes
participantes e do docente colaborador, observei que temos outros perfis de estudantes que
168
compõem a complexidade subjetiva das turmas de MEC II. Dentre eles, temos um grupo
que a estratégia em estudo não atingiu. São discentes que, naquele momento, tem como
objetivo passar em mecânica dos sólidos. Eles não se interessaram em experimentar a
utilização do grafismo e, infelizmente, segundo o docente, alguns até tentaram burlar as
atividades solicitadas. Estes são os que fazem parte daqueles que desistem de apreender a
componente e buscam angariar colegas para formar um numeroso grupo a fim de solicitar,
junto às coordenações dos cursos, a oferta da componente em caráter especial, de
preferência, ministrada por um professor substituto:
Ontem mesmo, eu recebi um e-mail de uma turma falando que iria pedir
uma turma de curso de férias para MEC II. Aí eu disse, se eu perder
agora, pode me colocar na lista. Aí o pessoal falou, e o professor? Melhor
que seja o professor Denis, se eu pudesse sugerir, seria ele com certeza,
mas aí... o pessoal quis me matar (DIS09, em entrevista realizada em
13/11/2019, grifos nossos).
Em observância das entrelinhas do relato acima, a relutância dos colegas de DIS09
em aceitar o titular da componente como o ministrante da turma em caráter especial (curso
de férias), não é qualidade do seu ensinar, e sim o seu nível de exigência nas avaliações.
Pois a situação que lhes impõe esta decisão é a constante reprovação na componente, e eles
se veem na necessidade de passar e dar continuidade no curso.
Enquanto discutia o relato do discente acima com o Dr. Anderson Café58, colega
de grupo de orientação de tese e colaborador deste estudo, ele trouxe a sua percepção sobre
o fato dos discentes buscarem a formação de turmas extras (ou de férias) para concluírem
os seus cursos, na opinião dele, a natureza desta situação é trágica:
O que é tragédia em filosofia? É quando dois argumentos opostos são tão
fortes e tão consistentes que um não consegue vencer/sucumbir o outro.
Assim, é forte o relato do professor titular que se sente frustrado pela
grande reprovação dos seus alunos e, com isso, enfrenta problemas de
esvaziamento em suas salas de aulas, e é certo, e forte também que os
alunos – a própria universidade, a coordenação busquem meios para fazer
com que esses alunos consigam finalizar o curso porque senão ela, a
universidade, não teria razão de existir. Não existe escola sem alunos
formados (e a universidade tem plena consciência da fragilidade dos seus
alunos em níveis anteriores de ensino e, pior, sabe que não vai resolver a
questão sozinha) sem pensar nos custos envolvidos para manter em
funcionamento uma estrutura universitária com professores e técnicos
administrativos com salários em dia pago pelos cofres públicos para formar
um número ínfimo de alunos. Então, perceba que tanto o professor titular
quanto o aluno repetente ou desistente que busca a coordenação de
cursos para ofertar cursos de férias com professores substitutos são
58 Anderson Luis da Paixão Café, currículo Lattes disponível em: <http://lattes.cnpq.br/0163970734459604>.
169
“vítimas” de um sistema de educação totalmente falido. (CAFÉ,
Anderson, em reunião de grupo de pesquisa do DMMDC realizada em
04/02/2020, grifos meus).
Concordo e conforme expliquei anteriormente, este fato é uma representação real
do ciclo de relações mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem entre alunos, professores
e instituições, onde não há como apontar culpados, todos fazem parte do mesmo processo e
são vítimas do sistema educacional brasileiro.
No que se refere ao critério pela opção dos discentes por um professor substituto
para a realização de um curso extra (ou de férias), é que, segundo os discentes, o nível de
exigência das avaliações proposto pelo professor titular é muito alto. A explicação do
professor é que o alto nível de exigência é da própria natureza da componente, da formação
do profissional, quando na universidade eles (os discentes) ainda podem errar. Por exemplo,
fazer a análise estrutural de uma viga de um prédio de forma equivocada numa avaliação de
uma componente curricular pode lhes causar, no máximo, uma nota baixa, mas quando esta
análise errada acontece na atuação profissional, coloca vidas em ameaça. Portanto, nas
atividades em geral da componente, de aprendizagem e avaliativas, solicita-se a aplicação
de conceitos físicos para a solução dos problemas práticos de Engenharia – isto é, as
questões convidam o pensamento dos alunos a interpretar e analisar os objetos e forças a
partir de situações reais que vivenciarão no futuro. Não se trata de avaliações que solicitam
simples aplicação de fórmulas:
Antes eu tinha um “x” e aí ficava pensando, qual a fórmula que tem um
“x” para eu encaixar. Eu não sabia o que fazer, só queria colocar uma coisa
ali (DIS03, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos nossos).
Destaquei este depoimento para demonstrar o porquê de alguns discentes relutarem
em aceitar o titular da componente nos cursos especiais. A causa não é a qualidade de
ensino, ao contrário. A explicação da preferência pelo professor substituto possivelmente
está no estilo das provas, na forma como os estudantes são convocados e pela conhecida
facilidade de exigência, donde o discente tem que simplesmente aplicar fórmulas - mesmo
que não saiba o que está fazendo, mas no final a conta estará certa.
O nível de exigência das avaliações do professor titular da componente está
diretamente relacionado com seu compromisso com a instituição e Projeto Pedagógico do
Curso, com a sua preocupação em preparar engenheiros capacitados a solucionar problemas e
não apenas saber fazer contas. A metodologia dialética do conhecimento tem no seu cerne
desenvolver no aprendente, um método do pensamento, e quando este sujeito não sabe pensar
170
para resolver um problema, o pensar sem direcionamento cansa o estudante e no fim, exausto
também emocionalmente, só quer passar. Então, aqueles que não possuem consciência da
importância da própria formação, no aprender a apreender, terminam optando por tudo aquilo
que não convoque o seu raciocínio lógico, o seu pensamento, a sua imaginação.
Por outro lado, no entanto, daquilo que percebi durante a pesquisa, o problema das
avaliações não está apenas na complexidade do problema ou tão pouco no nível da cobrança.
O maior obstáculo está no estado emocional que os discentes fazem as provas. Conforme
relatei antes, as sucessivas reprovações interferem na autoestima do estudante, causam uma
excessiva autocobrança, desenvolvendo insegurança, ansiedade, medo e pânico durante as
provas. E repito, este fator é determinante nos altos índices de insucessos pelos discentes
na componente.
O fato é que a ansiedade está me prejudicando bastante pró! Para você ter
uma noção, eu escrevi lá certinho, o momento, a força, que é perpendicular
a uma distância ali na peça, aí eu fui lá e coloquei a distância paralela.
Então as vezes não é nem o que eu não sei [...] mas na hora do nervosismo
eu acabo trocando as coisas. Eu bato um número diferente na calculadora,
muito pela ansiedade mesmo. Não porque eu não sei o assunto, entendeu?
Então isso acontece muito comigo. (DIS07, em entrevista realizada em
11/11/2019)
Na verdade, eu sei o assunto, mas, por exemplo, na hora de responder a
prova me dá um branco, eu tenho este problema. Às vezes eu erro. Nesse
quesito, tem me ajudado. (DIS04, em entrevista realizada em 12/11/2019)
Com vistas nestes fatores, um dos objetivos da aplicação da estratégia grafismo
como um método de ensinar a apreender – desenvolver um método para o pensamento – é
justamente desenvolver a autonomia de estudos dos alunos. Uma vez que se percebem
protagonistas do próprio conhecimento, naturalmente dedicam-se mais ao ato de estudar,
evoluem na componente, sentem-se motivados e, somado a isto, elevam a estima, a
autoconfiança e segurança na resolução dos problemas durante as avaliações.
Eu comecei a ter mais facilidade na hora de estudar e organizar mais
os meus pensamentos na hora de fazer os exercícios. Consegui
imaginar as questões antes de resolver. E aí eu consigo fazer um passo
a passo do que eu tenho que fazer em cada questão. Isso facilitou muito,
porque as vezes quando eu pegava uma questão, eu não sabia por onde
começar, ficava meio atrapalhado, estava fazendo uma coisa, depois
falava, para onde eu vou agora? E aí, a partir destas atividades, tem que
descrever certinho, como a gente começa, o que a gente tem que fazer,
eu comecei a organizar o meu pensamento. E comecei a utilizar isso
também em outras disciplinas que ficava meio perdido, começava a
171
fazer e no meio da questão, me perdia (DIS16, em entrevista realizada
em 19/11/2019, grifos nossos).
Por fim, durante as sessões de entrevistas do segundo ciclo da pesquisa, percebi
uma exponencial mudança na aura dos discentes participantes. No tom da voz, na ausência
de lágrimas nos olhos, nos sorrisos após a última avaliação. Muitos sabiam que não
conseguiriam passar, mas a percepção que entender os conteúdos de MEC II é possível e
que ser protagonista do próprio entendimento os levará a uma emancipação intelectual,
aliviou o peso da reprovação e a tornou uma oportunidade de apreender.
No primeiro assunto que é deflexão, se eu seguir todo um passo a passo
dá para fazer as questões que tem no livro, que tem nas listas. E aí eu
montei uma sequência [...] Montei um fluxograma com os passos e com
as variações que o método cobra e aí, eu consegui fazer várias
atividades através disso (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Eu acho que esta é a solução para esta disciplina . Porque a gente cria
uma confiança e um roteiro. Eu ficava perdida, pensava, meu Deus, e eu
acho o que agora, eu faço o que? [...] Quantas vezes eu apaguei o certo
para fazer o errado! Porque dizia não, não é possível que eu acertei isso
[...] Então eu melhorei, pode ser que eu não alcance a nota pra passar,
mas do que eu era antes e do que passei a ser agora é outra coisa
(DIS01, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Com estes dois trechos dos depoimentos dos discentes, dá para demonstrar a
importância que tem a implementação de estratégias de ensino e aprendizagem no ensino
superior. E para finalizar, vale trazer as palavras do professor Denis Petrucci que, após a
publicação dos resultados das turmas, encaminhou um e-mail dizendo assim: “Estou
recebendo e-mails de estudantes agradecendo, não por passar, mas por ensinar a
pensar e a estudar” (22 de dezembro de 2019).
6.3. PERCURSO METODOLÓGICO
6.3.1. Da natureza, abordagem, técnicas e procedimentos
À luz das teorias de Gil (2017), Minayo (2008), Flick (2009), bem como Marconi
e Lakatos (2003, 2018) desenhei o plano metodológico para o desenvolvimento desta tese.
Segue abaixo a descrição da sua forma de abordagem, procedimentos e técnicas de
realização – “metodologia = APT”, como diz professor Roberto Leon Ponczek.
172
Conforme expliquei anteriormente, o objetivo principal deste trabalho foi
implementar o grafismo como uma técnica de estudo e avaliar a sua eficácia quando pensado
como uma estratégia de ensinagem para os estudantes da componente MEC II do
BCET/UFRB. Em função deste objetivo e da natureza do corpus do estudo, defini que a
abordagem qualitativa é a mais apropriada para a realização desta pesquisa.
A pesquisa qualitativa é de particular relevância ao estudo das relações
sociais devido à pluralização das esferas de vida. [...] Essa pluralização
exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões. [..] As
narrativas agora precisam ser limitadas em termos locais, temporais e
situacionais. [...] Tratam-se de situações tão novas para eles que suas
metodologias dedutivas tradicionais – questões e hipóteses de pesquisa
obtidos a partir de modelos teóricos e testadas sobre evidências empíricas
– agora fracassam devido a diferenciação dos objetos. [...] Em vez de partir
de teorias e testá-las, são necessários conceitos sensibilizantes para a
abordagem dos contextos sociais a serem estudados. [...] estes conceitos
são essencialmente influenciados por um conhecimento teórico
anterior. [...] O conhecimento e a prática são estudados enquanto
conhecimento e prática locais. (GEERTZ, 1983 apud FLICK, 2009, p.
20-1, grifos do autor e meus).
Portanto, a partir da definição da abordagem qualitativa, os procedimentos da
investigação ocorreram através da convergência entre os tipos de pesquisa aplicada e
descritiva. Aplicada porque levei conceitos anteriores à aplicação prática para a busca da
solução de problemas e descritiva porque apresento aqui os registros e a interpretação de
fatos observados a partir de uma investigação local e sistematizada.
Quanto às técnicas, lancei mão dos procedimentos da pesquisa bibliográfica para o
desenvolvimento dos temas de base teórica da tese, são eles o segundo, o terceiro, o quarto
e o quinto capítulos. Nestas investigações, utilizei como fontes e instrumentos livros,
capítulos de livros, títulos de periódicos científicos indexados e seus respectivos artigos
científicos, teses, dissertações e obras de referência, material este localizado em acervo de
bibliotecas convencionais e on-line (base de dados), como, por exemplo, em sistemas de
buscas on-line. E para discorrer as análises e descrições dos objetos de estudos, antes
empreguei as técnicas das leituras interpretativas e analíticas.
A pesquisa documental também foi utilizada para complementação analítica da
base teórica e empírica da investigação. As fontes utilizadas foram documentos referentes
às legislações que regem a organização e estrutura do sistema educacional do Brasil, como
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, bem como instrumentos legais
locais, a exemplo do Projeto Político Pedagógico do BCET e o PPI da UFRB. A pesquisa
ocorreu basicamente através de portais eletrônicos disponíveis on-line.
173
No que se refere ao desenvolvimento da base empírica, encontrei nos
procedimentos metodológicos da pesquisa-ação participativa o modelo ideal para
implementar e avaliar o grafismo como estratégia de ensinagem, por quê:
É uma modalidade de pesquisa que não se ajusta ao modelo clássico de
pesquisa científica [...]. A pesquisa-ação pode ser definida como “um tipo
de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada com estreita
associação com uma ação ou ainda, com a resolução de um problema
coletivo, onde todos os pesquisadores e participantes então envolvidos de
modo cooperativo e participativo” (THIOLLENT, 1985, p. 14). [...] tem
características situacionais, já que procura diagnosticar um problema
específico numa situação específica, com vistas a alcançar algum
resultado prático (GIL, 2017, p.38, grifos meus).
A pesquisa realizada com ação participativa é cada vez mais utilizada pelos
pesquisadores das Ciências Sociais. São vários os exemplos do uso da
pesquisa-ação participativa em Psicologia, Sociologia, Educação,
Medicina e, mais recentemente, Economia, com temas de desenvolvimento
comunitário (MARCONI; LAKATOS, 2018, p.80, grifos meus).
A pesquisa-ação é caracterizada por uma sequência de ações que se repetem em fases
ou ciclos. Segundo Gil (2017), as ações são: fase exploratória; problematização; elaboração das
hipóteses; implementação e aplicação do experimento (estratégia ou seminário59); seleção de
amostras; coleta de dados; análise dos dados; elaboração do plano de ação do novo ciclo;
segundo ciclo (exploração, problematização, hipóteses, aplicação, amostras, coleta e análise de
dados, elaboração do novo ciclo...); e divulgação dos resultados.
Esta pesquisa-ação ocorreu em dois ciclos de aplicação da estratégia de ensinagem
grafismo aos alunos da componente de MEC II do BCET da UFRB. A fase exploratória se
deu a partir da minha observação sobre a dificuldade que os discentes do BCET apresentam
em visualizar mentalmente os novos conteúdos apresentados em sala de aula. Busquei, de
maneira informal, a opinião de outros docentes sobre o assunto, e a maioria deles relata ter
a mesma percepção sobre esta dificuldade dos discentes. Então, comecei a investigar sobre
os possíveis motivos até chegar ao entendimento de que o problema da dificuldade de
visualização mental dos novos conteúdos pelos discentes se dá pelo não direcionamento do
pensamento, da imaginação ao aprendizado, ou seja, os discentes não sabem imaginar com
o objetivo de apreender.
A imaginação é uma faculdade cognitiva fundamental para a representação visual
do pensamento. O seu exercício expressa a produção da memória, da subjetividade,
59 Esta ação é definida pela natureza da pesquisa em curso.
174
entendimento, raciocínio e criatividade – a imaginação representa no pensamento a
construção do objeto do conhecimento pelo pensamento. Uma vez que o indivíduo não
direciona, ou não sabe direcionar, seu pensamento em direção à aquisição do conhecimento,
consequentemente demonstra dificuldades em imaginar a articulação dos elementos dos
novos conteúdos como também tem dificuldade no entendimento e construção do
conhecimento do objeto.
À luz desta percepção, emergiu a crença da pesquisa: a imaginação é a faculdade
de representação visual do pensamento e seu exercício é fundamental para a concepção
do conhecimento do mundo pelo homem. Da crença às hipóteses apresentadas no item 6.1
deste capítulo, as quais foram elaboradas para proteger o axioma o qual afirma, o
grafismo, quando aplicado como uma estratégia de ensino e aprendizagem, ilustra o
processo cognitivo, estimula o exercício da imaginação e auxilia na construção e
concepção do conhecimento pelos estudantes, logo pode se tornar uma estratégia de ensino
e aprendizagem.
Para a implementação e aplicação da estratégia, contei com a colaboração do titular
de MEC II, professor Dr. Denis Petrucci (TCLE, Apêndice A) e suas duas turmas do
semestre letivo 2019.2, formando, assim, um grupo universo de investigação composto por
88 estudantes (inicialmente matriculados) e um docente. O início do primeiro ciclo de ação
da pesquisa começou após conhecimento sobre a técnica do grafismo pelo docente
colaborador e conforme expliquei no item 6.2.2, ele a adaptou aos conteúdos e a inseriu nas
atividades de ensino de MEC II para o semestre de 2019.2.
Segundo Anastasiou (2009), as estratégias de ensinagem são procedimentos de
ensino e aprendizagem que podem ser inseridas, a critério do docente ou do grupo
colegiado, no planejamento de ensino de uma componente durante um período letivo. O
docente pode utilizar quantas e quais estratégias as quais ele entende contribuírem para a
condução da construção do conhecimento dos conteúdos apresentados aos aprendentes em
sala de aula. Por exemplo: no caso de MEC II, o grafismo foi como uma técnica de estudo
utilizada enquanto estratégia com o objetivo de auxiliar o aprendente na visualização,
organização dos elementos do objeto do conhecimento e ordenamento do pensamento para
a resolução dos problemas. Além desta estratégia, o docente utilizou, no semestre 2019.2,
a resolução de problemas em sala de aula (professor + alunos), a resolução individual de
listas de exercícios, o uso de problemas-desafios para a solução em duplas de alunos em
sala de aulas etc.
175
É importante esclarecer que a inserção da estratégia de ensino e aprendizagem no
planejamento de ensino de MEC II e a sua aplicação junto aos discentes ocorreu sob minha
colaboração, mas independente da execução da pesquisa em si. Devido a necessidade de
cumprimento de prazo junto ao programa DMMDC, em plena concordância com meu
orientador, o professor Roberto Leon Ponczek e o docente colaborador da pesquisa-ação,
decidimos implementar a estratégia no semestre 2019.2, enquanto aguardávamos a
tramitação do projeto de pesquisa junto ao comitê de ética em pesquisa. Esta decisão foi
tomada à luz do inciso VIII do Art. 1º da Resolução nº 510/ 201660, a qual diz que não
deverão ser registradas nem avaliadas as “atividades realizadas com o intuito
exclusivamente de educação, ensino ou treinamento sem finalidade de pesquisa
científica, de alunos de graduação, de curso técnico, ou de profissionais em
especialização”. Tão logo o projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP, entrei em campo
e dei início a execução da pesquisa.
No início do semestre letivo 2019.2, durante a firmação do contrato didático61 com
os estudantes, ele expos o grafismo, explicou que acrescentou esta estratégia no
planejamento de ensino durante o referido semestre e que esta seria objeto de estudo e
pesquisa de uma tese de doutorado. Antes de começar a apresentar os conteúdos
curriculares, o docente participante apresentou a forma de realização da técnica durante a
resolução dos problemas da componente e ainda disponibilizou um modelo através de
apostila (Anexo I), denominando o grafismo por modelo descritivo para resolução de
problemas, passo-a-passo ou passo-a-passo lógico. Vale destacar que o professor ainda
explicou aos estudantes que as formas de construção e realização do grafismo eram livres e
pessoais, cuja apostila disponibilizada servia, apenas, como modelo de exemplo para eles
utilizarem até criarem a própria forma de execução da técnica de estudos.
Após a obtenção da autorização pelo comitê de ética e pesquisa (CEP), em 24 de
setembro de 2019, me apresentei para as turmas e dei início aos procedimentos para a coleta
de dados. Convidei os discentes para que, de forma voluntária, participassem da pesquisa
para compor o grupo de amostragem e aqueles que se apresentaram passaram por uma
entrevista de seleção de amostra (Questionário Seleção de Amostra, Apêndice B). No
60Resolução 510/2016, Normas Aplicáveis a Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, disponível em<
http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>. 61Contrato didático: expressão utilizada por Marcos Tarcísio Masetto desde 1992 em palestras, indicando o
contrato estabelecido entre professor e aluno, no início do semestre ou ano curricular, em torno de um compromisso
que conjuntamente assumem quanto à construção do conhecimento, dentro do currículo que os une.
(ANASTASIOU, 2009, p.21)
176
projeto submetido ao CEP, seriam selecionados aqueles que relatassem: dificuldade de
visualização mental do próprio processo cognitivo; dificuldade de entendimento de
conteúdos da componente quando estudam sozinhos; e dificuldades nas resoluções de
problemas e nas avaliações da componente. No entanto, repensei este procedimento e com
vistas a possíveis desistências de alguns estudantes durante o processo da pesquisa-ação ao
longo do período, resolvi permanecer com todos que se apresentaram voluntariamente.
O 1º ciclo da pesquisa-ação começou no início das atividades curriculares do
período letivo até a segunda avaliação da componente, pois os discentes já estariam
habituados com a utilização da técnica e assim poderiam relatar a sua percepção sobre a
experiência. O 2º ciclo ocorreu entre a segunda e terceira atividades avaliativas de MEC II
do referido semestre. As sessões de coleta de dados ocorreram após a realização da segunda
e terceira avaliação da componente, 1º e 2º ciclos respectivamente, junto ao grupo de
amostra e os instrumentos utilizados foram os seguintes: questionários objetivos sobre a
percepção dos discentes em relação ao uso do grafismo (Apêndices D e E); entrevistas
semiestruturadas sobre a percepção dos discentes em relação ao uso do grafismo (Apêndices
F e G); entrevistas semiestruturadas da percepção do docente sobre a aplicação da estratégia
de ensino e aprendizagem e seus efeitos no processo de aprendizagem dos discentes
(Apêndices H e I).
A análise da pesquisa-ação contou também com os resultados das avaliações dos
participantes da amostra da pesquisa, a representação da evolução das notas das avaliações
dos participantes, o resultado geral das avaliações das turmas universo e, por fim, o relatório
final produzido pelo docente participante sobre a sua experiência com a estratégia de
ensino-aprendizagem grafismo (Anexo II).
O primeiro ciclo de ação ocorreu nas seguintes etapas: apresentação do tema de
estudos aos discentes; período de estudos e produção individual dos grafismos pelos
discentes; avaliações; relato sobre o processo de produção do grafismo pelos participantes
da amostra e pelo docente colaborador; captação de sugestões da amostra para melhorias de
execução do grafismo. E o segundo ciclo, com as mesmas etapas do primeiro, com exceção
da última, pois não houve a realização de um terceiro ciclo.
Os procedimentos de análise dos dados coletados foram embasados no método de
interpretação descritiva aplicada na percepção docente e discentes sobre a eficácia da
estratégia de ensino-aprendizagem com vistas ao desenvolvimento de uma explicação sobre
a importância do exercício da imaginação para o fenômeno do entendimento e da construção
do conhecimento.
177
6.3.2. Instrumentos da pesquisa e procedimentos de coleta de dados
A seleção do instrumental metodológico desta pesquisa ocorreu em função do seu
objetivo: averiguar o grafismo quando aplicado como uma estratégia de ensinagem aos
discentes de MEC II da UFRB. Logo, para coletar a percepção dos participantes da pesquisa
sobre a sua experiência os instrumentos mais apropriados são as entrevistas ou os
questionários – optei por ambos.
“A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha
informações a respeito de um determinado assunto”, assim explicam Marconi e Lakatos
(2018, p. 88). O tipo de entrevista aplicada na pesquisa-ação foi a semi-estruturada, aquela
que ocorre a partir de um roteiro de perguntas previamente elaboradas e que no decorrer da
entrevista, na medida em que elementos relevantes surgem, outras perguntas podem ser
complementadas. No que se refere aos questionários, optei pelos objetivos, ou de perguntas
fechadas, e presenciais, ou seja, o participante preenche-os na presença do entrevistador.
Optei por este tipo de instrumento no sentido de comparar a opinião dos participantes entre
os dois ciclos de ação.
a. Definição dos eixos investigativos
O desenvolvimento dos eixos da investigação empírica foi norteado pelos conceitos
chave das 2ª, 3ª e 4ª hipóteses apresentadas no item 6.1 deste capítulo. Com base nos seus
conceitos norteadores elaborei os instrumentos de pesquisa em quatro eixos, os quais para
a coleta de dados nomeei por eixos investigativos (EI), são eles:
• EI-01 – Autonomia de estudos: buscou investigar se a aplicação do grafismo
como uma estratégia de ensino e aprendizagem promoveu o desenvolvimento da
autonomia de estudos dos estudantes de MEC II;
• EI-02 – Uso das tecnologias de informação para a busca de compreensão
dos assuntos da componente MEC II: questionou se após a prática do
grafismo, os discentes consultavam as videoaulas e solucionários na internet e
por qual motivo;
• EI-03 – Imaginação/visualização do processo cognitivo: teve como objetivo
a efetividade do grafismo em relação ao auxílio na visualização e organização
dos elementos das percepções e raciocínio, se a prática desta técnica de estudos
estimulou o exercício da imaginação e, se promoveu o entendimento e a
construção do conhecimento pelos estudantes;
178
• EI-04 - Dificuldades em MEC II: investigou a eficiência da aplicação da
estratégia de ensinagem grafismo em relação às dificuldades que os estudantes
apresentam em organizar o raciocínio, imaginar modelos práticos em 3D,
interpretar e aplicar conceitos físicos para a solução de problemas de engenharia.
Vale destacar que a ordem dos eixos investigativos dos questionários e entrevistas
semiestruturadas aplicados foi organizada de acordo com a narração de estudantes sobre a
experiência com a técnica de estudos durante um estudo prévio que realizei sobre a execução
do grafismo e a aplicação dos instrumentos de pesquisa. Este estudo ocorreu com a
cooperação voluntária de três estudantes de MEC II durante o período letivo 2019.1, após
o aceite informal do professor participante e antes da execução e submissão do projeto de
pesquisa junto ao comitê de ética em pesquisa. O objetivo foi observar a validade da ideia
em aplicar o grafismo como técnica de estudo, sistematizar o planejamento de ações e prever
possíveis equívocos na elaboração dos instrumentos de coleta dados da pesquisa. Para a sua
execução contei com a colaboração do professor Denis Petrucci na elaboração de um
modelo descritivo de exercício da componente e com os discentes que aceitaram cooperar
com a elaboração do projeto.
O estudo prévio ocorreu em quatro etapas. Na primeira, após o tema “Círculo de
Mohr” ser apresentado em aula de MEC II no semestre 2019.1, o modelo descritivo de
análise das tensões ser concedido pelo professor Denis Petrucci e os discentes voluntários
com disponibilidade para o estudo, em uma reunião com o grupo, apresentei o grafismo e
demonstrei as suas formas de execução com o objetivo de habilitá-los à técnica. Após duas
semanas, a segunda etapa ocorreu em encontros individuais, onde coletei os relatos dos
discentes sobre a sua experiência com os estudos através do grafismo. A terceira etapa foi
a elaboração de dois modelos de roteiro de entrevistas e questionários a partir destes relatos.
A quarta e última etapa foi o segundo encontro para a realização do teste dos instrumentos,
prevalecendo aquele que seguiu a ordem narrativa dada antes pelos estudantes voluntários
do estudo.
Segundo eles, ao utilizar o grafismo durante os estudos, aos poucos perceberam
que, em boa parte das vezes, conseguiram compreender os conteúdos e resolver os
problemas sozinhos (EI-01). Com o avanço na resolução dos problemas, os estudantes
diminuíram, gradativamente, o número de consultas às videoaulas e solucionários na
internet e, através da consciência do próprio processo de apreensão do conhecimento dos
assuntos, eles perceberam os motivos que os levavam a tais consultas (EI-02).
179
Consolidada a percepção do aprendizado devido ao uso do grafismo, o aprendente também
percebeu a evolução gradativa da visualização do próprio pensamento, conseguiu
organizar os elementos do conhecimento e direcionar o raciocínio – na forma gráfica ou
através da imaginação – (EI-03) e, então, naturalmente, tomou para si o protagonismo da
construção do conhecimento, dedicando-se mais e mais à prática da técnica, observando
o próprio entendimento, interpretação, análises dos elementos e solução dos problemas de
MEC II (EI-04).
Através desta estrutura elaborei os questionários que foram aplicados aos discentes
participantes. O questionário de seleção de amostra (Apêndice B) possui 52 questões
objetivas, teve como principal objetivo coletar dados sobre a percepção dos discentes
participantes antes da experiência com o grafismo para que após o final da pesquisa-ação,
eu pudesse observar alguma mudança de opinião e seus devidos motivos. Os outros dois
questionários objetivos são iguais (Apêndices D e E), exceto que o primeiro está relacionado
ao primeiro ciclo e o segundo relacionado ao segundo ciclo da pesquisa-ação. Ambos
possuem 24 questões objetivas e a repetição na construção destas seguem o mesmo
propósito do questionário de seleção de amostra, observar possíveis mudanças de opiniões
ao longo do processo de averiguação do grafismo quando utilizado como estratégia de
ensino e aprendizagem.
Os roteiros das entrevistas semiestruturadas (Apêndices F e G) aplicadas aos
discentes também seguiram a ordem dos eixos investigativos. Ambas elaboradas com 12
questões iguais, com exceção da 13ª questão do roteiro de entrevista do primeiro ciclo,
quando solicitei dos participantes sugestões de mudanças a serem implementadas para o
segundo ciclo da pesquisa ação. Segui a mesma justificativa sobre a elaboração dos
questionários, as questões das duas sessões de entrevistas são iguais porque o objetivo é
observar possíveis mudanças de opiniões, se ocorreram e porque ocorreram.
Para a captação da percepção do docente participante elaborei dois roteiros de
entrevistas semiestruturadas (Apêndices H e I), ambos com 10 questões. Na primeira,
vinculada ao primeiro ciclo, busquei informações sobre as percepções iniciais do docente e
se, a partir delas, ele tinha alguma sugestão de melhoria na aplicação da estratégia de ensino
e aprendizagem para a investigação do segundo ciclo. A segunda entrevista foi elaborada
com o intuito de captar a percepção da experiência como um todo, desde a mudança de
comportamento e autonomia dos estudantes em sala de aula, das particularidades sobre as
evoluções de entendimento e desenvolvimentos na componente pelos estudantes, bem como
180
a sua opinião em relação à aplicação da estratégia de ensino e aprendizagem na componente
de sua cátedra na UFRB.
b. Método de coleta de dados
As sessões de entrevistas e preenchimento dos questionários ocorreram
individualmente nas instalações do campus da UFRB na cidade de Cruz das Almas, no
período entre os dias 14 de outubro e 19 de dezembro de 2019. Antes, no dia 07 de outubro,
me apresentei para as duas turmas de MEC II. Durante esta apresentação, explanei o meu
percurso acadêmico e os motivos que levaram a realização do meu projeto de
doutoramento. Expliquei as características da pesquisa, dos seus objetivos, justificativa,
procedimentos e logo em seguida convidei os discentes para participarem voluntariamente
da coleta de dados.
Na mesma oportunidade, em atendimento às recomendações resoluções éticas
brasileiras, em especial a Resolução CNS nº 466/1262, expliquei a todos os presentes que o
projeto desta pesquisa foi submetido à avaliação do comitê de ética em pesquisa (CAAE
19573119.3.0000.5531) e aprovado segundo o parecer consubstanciado do CEP sob o nº
3.591.791 (Anexo III), emitido pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da
Bahia, em 23 de setembro de 2019.
Os discentes voluntários se apresentaram na data e local marcado e antes de
começarmos os procedimentos, novamente expliquei como seria a realização da pesquisa,
esclareci todas as dúvidas e ainda ratifiquei a garantia do anonimato onde cada participante
receberia uma identificação composta por letras e números, por exemplo DIS01, na
descrição dos resultados da pesquisa no corpo da tese. Além disso, deixei claro que, a
qualquer momento, eles poderiam desistir de participarem da pesquisa-ação. Dezoito
discentes se inscreveram, leram e assinaram o TCLE (Apêndice C).
Em relação ao docente, o convite para participar da pesquisa foi atrelado à
solicitação de cooperação, pois a implementação, aplicação e avaliação da estratégia de
ensino e aprendizagem dependia diretamente de o professor aceitar a proposta e se
disponibilizar a inserir o grafismo como uma estratégia de ensino e aprendizagem no
planejamento da componente MEC II, no semestre letivo 2019.2. Portanto, conforme
expliquei anteriormente, a realização da aplicação da estratégia de ensino e aprendizagem
grafismo ocorreu independente da investigação sobre os seus efeitos. Uma vez que a
62 Resolução CNS nº 466/12, disponível em< http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>.
181
pesquisa foi aprovada pelo CEP, em respeito ao que rege o Caput 2º, da Alínea VIII, do
Artigo 1º, da Resolução nº 510 de 07 de abril de 201663, fez-se necessário cumprir os
trâmites legais e assinatura do TCLE (Apêndice A) pelo professor, o que ocorreu em 25 de
setembro de 2019.
6.3.3. A descrição e análise de dados
a. Definição dos eixos analíticos
Conforme expliquei anteriormente, a elaboração dos eixos investigativos foi
norteada pelos conceitos chave das hipóteses de base empírica desta tese, mas a ordem
estabelecida nos roteiros das questões do instrumental da investigação seguiu a descrição
da percepção sobre a experiência com a técnica de estudos grafismo por estudantes durante
um estudo prévio. Ordem narrativa que foi reafirmada quando ocorreu a coleta de dados
da investigação. Porém, durante o desenho para a realização da descrição, interpretação e
análise das informações coletadas, a definição e composição das categorias de análise ou
o que nomeei por eixos analíticos (EA), retomou a ordem da estrutura lógica das hipóteses
e suas variáveis investigadas. Estas, as variáveis, as defini como critério para a
determinação dos eixos analíticos, pois o fato de serem o desmembramento das hipóteses
propostas para a investigação, tornam-se elementos fundamentais de interpretação e
análise dos dados coletados.
Da 2ª hipótese (item 6.1), a qual versa sobre a execução e os resultados do grafismo
como técnica de estudos, defini quatro os eixos para analisar e interpretar a percepção dos
discentes e docentes sobre:
• EA-01 – Da escuridão à luz cognitiva: verificar se nos dados coletados os
participantes relataram que a execução do grafismo os levou a superação da
escuridão cognitiva (a síncrese) e de que maneira isto ocorreu;
• EA-02 – Visualização e organização das ideias: analisar nos relatos captados
dos participantes como a representação gráfica dos elementos constituintes de
análise de problemas em Engenharia os auxiliou na visualização de modelos em
3D para a aplicação de conceitos físicos e na organização das “ideias” durante a
solução destes;
63 Resolução CEP/ CONEP nº 510/16, disponível em < http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>.
182
• EA-03 – Direcionamento do pensamento: averiguar se o modelo descritivo ou
passo-a-passo lógico – denominação dada pelo docente à adaptação do grafismo
para os conteúdos de MEC – auxiliou os discentes no direcionamento do
pensamento para a resolução dos problemas em Engenharia;
• EA-04 – Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação: analisar e
interpretar os relatos dos participantes no sentido de observar se a prática do
grafismo, durante a experiência, os auxiliou na ascensão do grau do
conhecimento através do movimento espiral do pensamento, estimulando,
assim, a mobilização, movimento e exercício da imaginação.
A 3ª hipótese, a qual discute o acesso às videoaulas e solucionários on-line gerou
dois eixos que analisam:
• EA-05 – Porque utilizar as videoaulas: mesmo durante a prática do grafismo
e o desenvolvimento da autonomia de estudos pelos discentes.
• EA-06 – Porque não utilizar as videoaulas: após o hábito da prática do
grafismo e o desenvolvimento da autonomia de estudos.
Da 4ª hipótese, a qual acredita que a implementação da estratégia de ensinagem
grafismo, auxiliou os discentes no enfrentamento e superação das dificuldades da
componente MEC II, emergiram dois últimos eixos analíticos que são:
• EA-07 – Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta: verificar nos
relatos dos discentes e do docente as suas percepções sobre a consciência do
aprendizado, se ocorreu e como ocorreu, durante a experiência da aplicação da
estratégia de ensinagem grafismo em MEC II.
• EA-08 – Autonomia intelectual: analisar e interpretar nos relatos captados
durante a coleta de dados, se a aplicação da estratégia de ensinagem grafismo
promoveu, e como promoveu, o desenvolvimento da autonomia intelectual dos
participantes da pesquisa.
b. Método de descrição e análise
Por se tratar de um estudo que tomou para investigação elementos de base teórica
e empírica, donde a aplicação dos conceitos norteadores da tese ocorreu através de uma
183
pesquisa-ação colaborativa, consequentemente a forma de abordagem dos dados coletados
foi qualitativa. Segundo Marconi e Lakatos (2018), embora estreitamente conexas e
complementares, a análise e a interpretação são duas atividades distintas durante o estudo
dos resultados de uma pesquisa científica.
Na análise, o pesquisador entra em mais detalhes sobre os dados
decorrentes do trabalho, a fim de conseguir resposta para suas indagações,
e procura estabelecer as relações necessárias entre os dados obtidos e as
hipóteses formuladas. Estas são comprovadas ou refutadas, mediante a
análise. [...] A interpretação é a atividade intelectual que procura dar
significado mais amplo às respostas, vinculando-as a outros
conhecimentos. Em geral, a interpretação significa a exposição do
verdadeiro significado do material apresentado em relação aos
objetivos propostos e ao tema (MARCONI; LAKATOS, 2018, p.22-3,
grifos meus).
Ou seja, interpretar também é descrever. Assim, para a realização da análise dos
dados coletados durante a pesquisa-ação, inicialmente descrevi a aplicação da estratégia de
ensino e aprendizagem grafismo e sua eficácia sobre o desenvolvimento do exercício da
imaginação, o processo de entendimento dos conteúdos da componente curricular e a
promoção da emancipação intelectual discentes de MEC II. Para isto, confrontei os relatos da
percepção dos participantes sobre a experiência com cada uma das variáveis das hipóteses
elaboradas. Demonstrei as relações entre as variáveis e as confrontei com os relatos captados.
E, por fim, relacionei os resultados das avaliações dos participantes da amostra da pesquisa,
a representação da evolução das notas das avaliações dos participantes da pesquisa, o
resultado geral das avaliações das turmas universo com relatos dos participantes – docentes e
discentes – em confronto com a aplicação das hipóteses.
Quando da descrição e interpretação, vinculei os relatos dos participantes e o
resultado geral das avaliações aos conceitos norteadores da tese e o arcabouço teórico
constituído durante a pesquisa bibliográfica. Procedendo assim, estabeleci um elo entre as
bases empírica e teórica do estudo, etapa importante para a fase final da análise dos
resultados da tese.
E por fim, para a elaboração da explicação sobre a importância do exercício da
imaginação para o fenômeno do conhecimento com o auxílio do grafismo, lancei mão da
triangulação metodológica, “[...] a qual consiste na confirmação de evidências empíricas
em diferentes fontes de pesquisas” (CAFÉ, 2017, p.136). Sendo assim, confrontei os relatos
da percepção dos discentes participantes, do docente participante, com os resultados das
184
avaliações e a representação da evolução das notas das avaliações dos participantes da
pesquisa-ação.
185
7. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo, apresento a descrição e a análise dos dados levantados sobre a
percepção de alunos e professor do curso das ciências exatas e tecnológicas da UFRB, em
relação as suas experiências com a estratégia de ensinagem grafismo. O universo da
pesquisa-ação foi constituído pelo docente e as suas turmas de mecânica dos sólidos II, T01
e T02, ofertadas no semestre letivo 2019.2, das quais se formou o grupo de amostragem
com 18 voluntários.
A coleta de dados ocorreu através de dois ciclos de entrevistas: no primeiro, todos
os pertencentes da amostragem se apresentaram; no segundo, apenas um discente não
compareceu. Dos 18 inscritos, 15 alunos frequentaram as aulas, fizeram as atividades e
todas as avaliações da componente. Dois participantes, embora desistentes de MEC II
naquele semestre, participaram das duas sessões de entrevistas desta pesquisa.
No primeiro item, a apresentação se concentra na descrição e análise do grafismo
enquanto uma técnica de estudos e na averiguação dos efeitos da sua execução pela
percepção do docente e dos discentes do grupo de amostragem durante o semestre letivo.
No segundo item, o que ocorre é a demonstração da articulação e inserção do grafismo ao
pensamento pedagógico dos processos de ensinagem e a análise das suas propostas à luz da
percepção dos participantes da pesquisa sobre este processo. Por fim, no último item,
apresento os resultados das avaliações da componente em 2019.2, através da análise
comparativa destes com os dos períodos letivos anteriores.
A descrição e a análise dos dados ocorreram através da triangulação do confronto
entre as hipóteses firmadas para a pesquisa – aqui representadas pelas suas variáveis – os
fundamentos do arcabouço teórico e os fatos levantados durante a pesquisa-ação. As hipóteses
emergiram do axioma que afirma: o grafismo quando aplicado como uma estratégia de ensino
e aprendizagem, ilustra o processo cognitivo, estimula o exercício da imaginação e auxilia
na construção do conhecimento dos estudantes. Norteada por este axioma, elaborei uma
estratégia de ensino e aprendizagem sob os princípios da ensinagem, que tem como objetivo
elementar a apreensão e ascensão do conhecimento através de um método que versa sobre a
organização e direcionamento do pensamento, do movimento do pensar para apreender:
porque pensar é imaginar e apreender é imaginar o próprio objeto!
186
7.1. O GRAFISMO
O grafismo é uma técnica de estudo na qual se constitui do aprendente registrar,
organizar e desenvolver graficamente o conhecimento sobre um objeto ou informação.
Idealizado sob a perspectiva da teoria e metodologia dialética do conhecimento, o grafismo
se tornou uma forma de materialização do movimento da espiral do conhecimento, ou seja,
a representação gráfica do movimento do pensamento entre a síncrese e a síntese do objeto.
Trata-se do método do pensamento para a construção do conhecimento, conforme definiu
Kosik (1969).
Pensar é imaginar e conhecer é imaginar o objeto do conhecimento. Posto isto,
entendo que se ao apresentarmos ao aprendente uma técnica de estudos que tem como
fundamento mobilizar o seu pensamento sob um método para a aquisição do conhecimento,
mobilizamos a sua imaginação sob um método para a aquisição deste conhecimento . O
grafismo, quando utilizado como uma técnica de estudo, pretende ser mais que uma simples
ferramenta de visualização e organização dos elementos do objeto do conhecimento no
papel. Quando aplicado sob o método dialético, ele auxilia o aprendente no
desenvolvimento do pensar, do imaginar para apreender.
Nos próximos itens, apresento a investigação feita sobre grafismo a qual teve como
objetivos verificar se a sua execução pelos estudantes lhes serviu para: enxergar os
elementos do objeto do conhecimento; auxiliar na superação da escuridão cognitiva;
auxiliar na visualização e organização de ideias; o pensamento durante o conhecimento ou
resolução de problemas de engenharia; auxiliar na apreensão e ascensão do conhecimento
e estímulo à imaginação; e motivar o desenvolvimento das suas autonomias de estudos.
Esta pesquisa ocorreu entre 14 de outubro e 19 de dezembro de 2019, com os discentes e
docentes da componente MEC II, do curso de bacharelado em ciências exatas e tecnológicas
da UFRB.
7.1.1. Grafismo aplicado a Mecânica dos Sólidos
Conforme mencionei anteriormente, o docente da componente mecânica dos
sólidos II, o professor Denis Petrucci, abraçou a proposta da pesquisa. Ele estudou os
conceitos da ensinagem e os princípios da técnica de estudos, dos seus objetivos e formas
de execução. Adaptou e implementou o grafismo como um estratégia de ensino e
187
aprendizagem em seu plano de curso, como também elaborou algumas apostilas com
exemplos e modelos do que ele denominou por modelo descritivo para resolução de
problemas, passo-a-passo ou passo-a-passo lógico.
O modelo de grafismo aplicado em mecânica dos sólidos elaborado pelo professor
Denis não traz novidades na forma de ensinar os conteúdos da matéria , mas tomou o corpo
de um processo descritivo dos procedimentos para a resolução de problemas em engenharia
– daí a explicação das denominações dadas à técnica pelo professor da componente. Como
a técnica consiste em o estudante grafar enquanto estuda, o docente adaptou este
fundamento para os conteúdos de MEC para uma maneira que leve o discente a representar
em forma texto a descrição das etapas de análise e solução dos exercícios da componente –
donde destaco a inovação na forma de ensinar os conteúdos de MEC . Seguindo estes
procedimentos, o professor transformou a execução do grafismo numa ferramenta de
organização e orientação para a resolução dos problemas em engenharia cumprindo com os
princípios da teoria e metodologia dialética. Isto aconteceu porque o fato de descrever
graficamente cada passo a ser tomado durante a análise das estruturas (dos sólidos) e das
forças que incidem sobre elas, o docente: instrumentalizou uma forma de desmembrar os
elementos que compõem o problema, as partes do todo; promoveu o détour de análise
direcionada para a resolução de problemas pelo pensamento dos discentes; e motivou o
movimento do pensamento, o exercício da imaginação dos aprendentes.
Figura 12 – Enunciado e construção do diagrama do corpo livre.
a)
b)
188
A fim de apresentar um exemplo de grafismo aplicado à MEC, elaborado pelo
professor Denis Petrucci, destaquei trechos do denominado “modelo de uma metodologia
descritiva na resolução de uma estrutura para fortalecimento do processo de
aprendizagem” (Anexo I). A Figura 12.a apresenta o enunciado do problema de engenharia,
trazendo uma figura ilustrativa esquemática do que seria um elemento estrutural, ou seja,
uma viga, de qualquer material, apoiada em dois pontos (o desenho dos triângulos) de uma
superfície, tal como o solo, de rigidez infinita (não de desloca, nem se deforma) quando
comparada a estrutura em questão, sujeita à carga única representada pela força inclinada
(10 kN), que age em um ponto central da viga. Na Figura 12.b temos a representação gráfica
de uma forma mais limpa, isto é, com menos elementos gráficos, para auxiliar no
procedimento para desenvolvimento dos cálculos: esta representação é chamada na
especialidade de diagrama do corpo livre (DCL). Cabe ainda destacar que a força original
inclinada foi decomposta em outras duas forças, horizontal e vertical, como parte do
procedimento para simplificar o tratamento desta ação.
Figura 13 – Apresentação das equações de equilíbrio e cálculo das reações de apoio.
a)
b)
A Figura 13.a traz a forma tradicional para a determinação das forças de reação do
apoio da estrutura no solo, baseadas na aplicação das expressões de equilíbrio do somatório
das forças, que poderiam causar deslocamentos horizontais e verticais, e do somatório dos
momentos fletores, que poderiam causar rotação na estrutura: esses somatórios devem ser
nulos. O equilíbrio em questão é fruto da axiomática terceira lei de Newton, que diz que
toda ação gera uma reação na mesma direção, em sentidos opostos e de mesma intensidade.
A Figura 13.b apresenta uma forma prática para análise do problema, que só tem validade
porque o problema possui geometria simétrica, levando a simplificação de dizer que as
forças de reação de apoio serão metade do valor da força solicitante decomposta.
189
Figura 14 – Modelo teórico para a construção das expressões dos esforços.
A Figura 14 apresenta a passagem do procedimento que trata do modelo teórico
para a construção das expressões matemáticas N(x), Q(x) e M(x) para a elaboração,
respectivamente, dos diagramas de esforço normal (DEN), de esforço cortante (DEC) e do
momento fletor (DMF). Ressalto que, embora o procedimento seja comum a resolução de
todos os problemas dessa espécie, as expressões matemáticas são particulares para cada
situação. A Figura 15.a mostra o grafismo aplicado ao desenvolvimento das expressões
matemáticas para o esforço normal, o N(x); nela observamos a construção textual
explicativa do procedimento, a figura com elementos geométricos representativos do
fenômeno e as expressões de cálculo do esforço. De modo análogo, temos a Figura 16.a e
Figura 17.a, que tratam, respectivamente, do esforço cortante, Q(x), e do momento fletor,
M(x). As Figura 15.b, Figura 16.b e Figura 17.b mostram os DEN, DEC e DMF. Esses
diagramas são fundamentais para um procedimento seguinte que é o dimensionamento
geométrico da viga, ou seja, as dimensões dos elementos que compões a seção transversal,
bem como permitir a escolha do material sob o ponto de vista técnico e econômico.
190
Figura 15 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços normais.
a)
b)
Figura 16 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos esforços cortantes.
a)
b)
191
Figura 17 – Desenvolvimento do modelo teórico para as expressões dos momentos fletores.
a)
b)
No anexo IV, encontramos aplicações do grafismo feitas pelo DIS09, do mesmo
exercício desenvolvido pelo professor (Figura 12). Na Figura 18.a, observamos que o discente
resume rapidamente seu entendimento para a resolução do problema, sinal evidente que a sua
espiral do conhecimento evoluiu a um ponto posterior a apresentação da fundamental teórica
tal como feito pelo docente, ou seja, ele já sabe como tratar esse tipo de problema. A Figura
18.b ratifica essa observação quando, durante o desenvolvimento dos cálculos, ele passa da
apresentação da equação de equilíbrio (somatório das forças e dos momentos igual a zero) direto
para a resposta. A evolução continua percebida quanto se observa na Figura 18.c, na parte da
geração dos diagramas de esforço cortante (DEC) e de esforço normal (DEN), o discente já
aplica os valores calculados diretamente no gráfico, construindo as expressões na sua
imaginação, através da imaginação produtiva intelectiva, que foi estimulada por meio da
execução de grafismos.
192
Figura 18 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS09 (Anexo IV) para solução do problema
proposto na Figura 12.
a)
b)
c)
O grafismo do anexo V, produzido pelo DIS13 para o mesmo exercício (Figura 12)
traz uma outra forma de representação própria dele mesmo, conforme visto na Figura 19. A
passagem do procedimento para decomposição da força atuante inclinada (10 kN) foi feita
193
através de uma metodologia diferentes daquela aplicada pelo docente e do discente DIS09,
quando estes utilizaram a decomposição por trigonometria. Neste caso, o DIS13 utilizou o
procedimento matemático por vetores unitários, reforçando o objetivo da metodologia dialética,
quando o aprendente chega a síntese do objeto do conhecimento, ou seja, do objeto produzido
pelo seu próprio pensamento, imaginação.
Figura 19 – Exemplo de grafismo desenvolvido pelo DIS13 (Anexo V) para solução do problema
proposto na Figura 12.
7.1.2. Da escuridão à luz cognitiva
Quando perguntada se a experiência com o grafismo lhe auxiliou na compreensão
dos conteúdos de mecânica dos sólidos II, o participante relatou que, antes de começar a
praticar, ele
[...] pegava uma questão e não sabia por onde começar, ficava meio
atrapalhado. Estava fazendo uma coisa, depois falava: para onde eu vou
agora!? (DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).
Antes da prática ele “ficava perdido, não sabia por onde começar” a resolução de
um problema. Este fato aponta o caos do pensamento quando ainda não compreendemos
alguma coisa: no momento inicial do fenômeno do conhecimento, o objeto em estudo se
apresenta dentro da sua totalidade e com ele, via a experiência sensível, chegam ao
pensamento todos os elementos que pertencem ao seu contexto. Segundo Kosik (1969,
p.11), o fenômeno expõe a essência do objeto ao mesmo tempo em que o esconde: “[...] é
um claro-escuro de verdade e engano”. Nas palavras do entrevistado, diante daquilo que
194
não sabia fazer, “ficava meio atrapalhado”, revelando a sua escuridão cognitiva em relação
à resolução dos problemas propostos em MEC II.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pela Resolução
CNE/CES 11/2002, mecânica dos sólidos faz parte do núcleo de conteúdos básicos dos
currículos dos cursos de engenharia. Antes de o estudante ter contato com MEC, como pré-
requisito, ele deve cumprir componentes do campo da matemática, física, expressões
gráficas, entre outras, as quais lhe darão aporte teórico e prático para resolver os problemas
de engenharia. Conforme expliquei, disciplinas como MEC são a porta de entrada para as
componentes curriculares específicas e profissionalizantes das engenharias. Por exemplo:
para se dimensionar o cabo de aço de um guindaste, que é um problema de engenharia, é
necessário representá-lo graficamente, gerar uma interpretação e analisar como um
problema físico; este, por sua vez, poderá ser representado por funções matemáticas, que
serão tratadas pelos procedimentos de solução de equações vistos nos cursos de cálculo.
Esta solução poderá ser, em parte ou no todo, a resolução do problema de engenharia,
reforçando a natureza da espiral do conhecimento dos conteúdos básicos aqui apontados.
Para compreender esta perspectiva, vale esclarecer a diferença entre solução e
resolução. Segundo o dicionário Michaelis64, o primeiro vocábulo se refere à solução
pontual de um problema, de uma expressão matemática na busca de uma incógnita. Quando
temos um problema que leva o sujeito a analisar diferentes aspectos relacionados a
variáveis, a solução destes será a resolução de um problema complexo, explicando assim o
segundo vocábulo.
Esta diferença me apontou o porquê do discente relatar ficar atrapalhado quando
pegava a questão. Existe uma dissonância entre a forma de solução matemática ensinada e
aplicada nos conteúdos das componentes dos cálculos e das físicas e a forma de resolução
de problemas de engenharia ensinados e aplicados nos conteúdos de mecânica dos sólidos.
Quando o professor Denis Petrucci descreveu a primeira experiência de uma atividade em
sala de aula com a aplicação do grafismo, esta dissonância entre formas de ensino e
aprendizagem das componentes do BCET foi evidenciada:
Os alunos estavam totalmente perdidos, não sabiam por onde começar.
Eles não conseguiam compreender o que é descrever o processo e a
pergunta que eu estava fazendo. Então, no último exercício que passei
nesta semana, chamei atenção deles! Eu dei um procedimento para eles
explicarem por que algo estava acontecendo. Aí eles pediram as equações
64
SOLUÇÃO. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www. uol. com. br/michaelis>. Acesso em:
20/06/2020
195
e eu as coloquei no quadro, mas disse: “eu não quero desenvolvimento
de cálculo”. Mesmo assim, eles fizeram uma demonstração
matemática, que eu já tinha feito na sala de aula e já tinha na apostila. Eu
repeti: não pedi a demonstração matemática; pedi para que eles
explicassem o que acontecia na estrutura naquele determinado trecho .
E aí eles tinham que responder o seguinte: “a estrutura começa a sofrer
tração nas fibras superiores, e em todas as vezes que ocorre estas trações,
nas fibras, vai surgir um cisalhamento que vai romper a estrutura como um
todo. Então as fibras superiores das peças devem ser trabalhadas para
suportar melhor as tensões.” Era só para escrever isto! Alguns fizeram:
aqueles estão praticando o grafismo, por exemplo [...]. Mas a grande
maioria foi lá e simplesmente quis provar que a equação dava aquele
“x” resultado. Foi aí que eu chamei a atenção deles, pois expliquei que
eles estão “aplicadores de fórmulas”! Vocês querem fórmulas, mas não
sabem analisar. E ainda perguntei a eles: “qual a parte da fórmula que fala
tudo isso?” Resposta: momento estático de área, e a maioria não sabia! Eu
falei várias vezes em sala de aula, expliquei, nem precisava calcular nada,
precisava apenas no momento estático de área, analisar a situação, o
fenômeno. O que falta é eles observar e analisar: “o que está
acontecendo neste ponto?” E aí eles se perdem porque estão
acostumados desde o primeiro semestre a receber um conjunto de
equações, um conjunto de valores, substituir valores e dar uma
resposta em números (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019,
grifos meus).
Os depoimentos abaixo reforçam o comentário do professor:
(...) a gente fica muito naquele automático, de só pegar a soma, aplicar
e tal. O grafismo ajudou a gente a entender melhor o que a gente está
fazendo. E não ficar só naquela aplicação de fórmula. A gente vai
detalhando cada passo que a gente faz (DIS17, em entrevista realizada em
14/11/2019, grifos meus).
Logo no início, eu senti uma grande dificuldade em descrever o que estava
fazendo, o que ele pediu. O professor pediu para descrever o processo e
eu não sabia colocar em palavras o que ia aplicar. Tipo: eu queria
demonstrar o que estava acontecendo com as forças e tudo mais, mas
ele queria a descrição daquilo que a gente estava fazendo. [...] O grafismo,
talvez, tenha ajudado, pois, quando a gente separa em passos, por exemplo,
quando eu escrevo o primeiro passo, eu já imagino que tenho que decompor
as forças, sendo que antes eu ia direto aplicando (DIS03, em entrevista
realizada em 25/11/2019, grifos meus).
O conjunto de depoimentos acima ratifica que o que ensinar nas componentes de
conteúdos básicos não estava em harmonia com o para que ensinar da componente de
conteúdo profissionalizante. Justificando o fato dos discentes não saberem os
procedimentos de análise que são exigidos em mecânica dos sólidos, trataram de resolução
de problemas através de soluções matemáticas aplicadas em fenômenos físicos:
196
[...] a disciplina é toda estrutural. Eu falo pra eles: “não é só cálculo, não
é só aplicação de fórmula, tem que analisar o que está acontecendo
numa estrutura para dar o melhor dimensionamento para ela” . É fazer
cálculos, mas ao mesmo tempo você tem que analisar para usar a
equação corretamente. Pois não é só jogar o valor, tem que olhar qual o
trecho, como está acontecendo o fenômeno. Não é só aplicação de fórmula!
(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
O fato do discente não conhecer ou não obter conhecimentos sobre como fazer o
procedimento de análise da estrutura para a resolução de um problema de engenharia, o leva
a ficar “atrapalhado”, ou seja, acontece um caos de fórmulas e variáveis do problema em
seu pensamento, que ele não consegue enxergar por onde começar.
(...) antes, eu estudava de forma mecânica, lendo os apontamentos e
resolvendo as questões; só que desta maneira, eu acabava fazendo alguns
cálculos várias vezes, sem entender muito bem o que estava fazendo
(DIS02, em entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).
(...) antes eu ficava perdida, não sabia por onde começar, em que tópico
começar, e agora eu consegui organizar mais os pensamentos, a linha
de raciocínio, aí desenvolvo melhor as questões (DIS07, em entrevista
realizada em 11/11/2019, grifos meus).
Muda, porque aquela coisa da gente registrar, quando está lá
desenhando, facilita, facilita o entendimento. Tipo: se eu for montar uma
treliça, enquanto estou montando, eu já estou imaginando outra coisa, eu
já sei o ponto onde é mais frágil. Se eu for descrever alguma coisa, assim,
fica mais fácil (DIS09, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos
meus).
Quando a gente coloca para fora, as coisas ficam mais claras, pois
muito do que a gente tem dúvida, a gente acaba guardando para perguntar,
e muitas coisas que a gente tem dúvida, a gente mesmo tem a resposta. Não
fica claro porque a gente não escreve (DIS15, em entrevista realizada em
25/11/2019, grifos meus).
Escrever, desenhar, rabiscar ou anotar os elementos que estão embaralhados no
pensamento é como o indivíduo retirar uma porção de objetos de dentro de uma caixa de
vidro embaçada, onde é possível enxergar que existem coisas lá dentro, mas não consegue
as distinguir. Este é o princípio do grafismo: retirar o objeto do conhecimento e os seus
elementos de entorno de dentro de uma caixa embaçada que está no pensamento, torná-los
visíveis no papel e possibilitar que o aprendente projete a sua luz cognitiva sobre tudo que
foi registrado. Desta maneira, ele consegue enxergar os elementos e dar continuidade ao
processo de construção do conhecimento de um objeto. No caso dos problemas propostos
197
em MEC II, o grafismo vai permitir enxergar e determinar “por onde começar” a análise
para resolver o problema.
Eu acho que comecei a visualizar os passos da questão. Que
antigamente eu não conseguia por onde começar (DIS14, em entrevista
realizada em 11/11/2019, grifos meus).
Eu ficava muito perdida, não sabia o que fazer. Aí, numa prova deste
semestre, eu consegui ter uma visualização melhor, inclusive dos
fenômenos que estavam acontecendo em cada caso. Principalmente, na
determinação do ponto elementar, eu conseguia visualizar de que forma
as forças estavam gerando momento, gerando o torque, o que antes eu não
conseguia. E na hora da resolução, eu via as minhas anotações na
minha cabeça na hora de resolver. Então, talvez eu possa ter errado
alguma coisa de cálculo, mas eu acho que a metodologia de resolver eu já
tinha fixa na minha cabeça. Então, foi bem mais fácil (DIS12, em entrevista
realizada em 13/11/2019, grifos meus).
O trecho “consegui ter uma visualização melhor, inclusive dos fenômenos que
estavam acontecendo” corrobora com o empreendimento de Luckesi (2011), apresentado
no capítulo 03 desta tese, em desmitificar a compreensão pelo senso comum nos espaços
escolares de que memorização significa apreensão. Grafar um objeto e projetar a luz
cognitiva, segundo o autor, “expressa a luz que a inteligência projeta sobre” o objeto
(p.155). Desta maneira, o aprendente consegue adentrar no fenômeno e observar as relações
de causas e efeitos, as conexões entre as partes e as associações com o todo. Este é o
processo cognitivo referente ao raciocínio que leva o indivíduo ao entendimento. É imaginar
estas operações do pensamento. Diferente do memorizar é uma operação intelectual que
trata de reter, na memória, partes do objeto sem as conexões que constituem o seu todo. No
relato abaixo, o professor diferencia a apreensão da retenção através de uma analogia
própria, do “não estudou, decorou”:
Nesta semana eu resolvi fazer uma atividade em que era um processo de
resolução, mas em equipe. Separei em duplas e pedi que eles resolvessem
um problema semelhante ao aplicado na avaliação feita há duas
semanas. Então eles perguntaram se podia consultar e eu respondi:
“consulte o seu colega do lado, troquem as informações que vocês
conhecem.” E dei apoio o tempo todo. O que eu percebi? [...] Tiveram
duplas que entraram em discussão, pois cada um queria ir para um lado.
Depois eu falei: “entrem num consenso, respirem e pensem: como eu
falava em sala de aula, lembrem...” dava estas dicas e de repente, “pá!!”
– dava a iluminação neles e se saiam. Por quê? Observe: não faz muito
tempo que apliquei a prova. Eu percebi que tem muita gente que nem
lembrava mais o que tinha estudado! Porque não estudou, decorou
para fazer a avaliação. Por isso a pergunta, posso consultar o material!?
Foi aquele estudo dinâmico que foi feito na véspera da prova, quando
198
eles acham que sabem, mas na realidade não sabiam (DOC, em
entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
A prática do grafismo distancia o aprendente da simples memorização através de
uma forma natural. No início da sua execução, os elementos do objeto são registrados na
mesma disposição como estão no pensamento: embaralhados, desorganizados, ocultos ao
entendimento. Uma vez no papel, claros aos olhos e ao pensamento, linhas de conexões e
associações são automaticamente rabiscadas num movimento entre o pensamento e o papel.
Aos poucos, estes nexos construídos auxiliam o aprendente na visualização e ilustração do
fenômeno e, consequentemente, no entendimento sobre ele. A partir daí, o aprendente
consegue prosseguir com o processo de resolução dos problemas de engenharia.
Eu via a cada dia a importância da escrita e associar isto com o estudo
e conhecimento. Você vai adquirir o conhecimento, não a base de
procedimentos mecânicos. Por exemplo: tem coisas daqui de disciplinas
antigas que eu não lembro totalmente. E essa forma de aprender vai deixar
mais evidente para ser acessado quando necessário. É uma forma de
aprendizado e não de gravar as coisas para fazer uma prova (DIS08,
em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
[...] mas assim o fato de eu não escrever, não colocar realmente no
papel, alguns minutos depois, eu não sei mais o que é isso. Por exemplo,
um exemplo de Denis, muito bem detalhado, ele explica muito bem, eu
entendia, mas quando chegava em casa, de noite ou no outro dia, que
eu pegava: “ oh, meu Deus, o que é isso? Não lembro. O que é isso que
ele fez?” Aí eu comecei escrevendo, por exemplo, vamos começar
assim, comecei a fazer um passo a passo do que ele fala e faz, foi por
causa disso que eu comecei a entender (DIS15, em entrevista realizada
em 25/11/2019, grifos meus).
Eu comecei a ter mais facilidade na hora de estudar e organizar mais os
meus pensamentos na hora de fazer os exercícios. Consegui imaginar as
questões antes de resolver, e aí eu consigo fazer um passo a passo do
que eu tenho que fazer em cada questão. Isso facilitou muito (DIS16, em
entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).
Eu acho que esta é a solução para esta disciplina . Porque a gente cria
uma confiança e um roteiro. Eu ficava perdida, pensava: “meu Deus, eu
acho o que agora, eu faço o que?” (DIS01, em entrevista realizada em
14/11/2019, grifos meus).
O grafismo não é uma solução apenas para MEC II. É uma resolução estratégica
proposta para todo o percurso curricular da vida universitária do estudante, pois se trata de
uma técnica de estudo que promove o desenvolvimento do pensar para apreender. À luz da
metodologia dialética, é possível o docente “propor ações que desafiem ou possibilitem o
199
desenvolvimento das operações mentais” do estudante, conforme explica a professora Léa
Anastasiou, nas linhas resgatadas do capítulo 05, a seguir transcrito:
Para isso, organizam-se processos de apreensão de tal maneira que as
operações de pensamento sejam despertadas, exercitadas, construídas e
flexibilizadas pelas necessárias rupturas, por meio da mobilização, da
construção e das sínteses, devendo estas ser vistas e revistas, possibilitando
ao estudante sensações ou estado de espírito carregado de vivência pessoal
e de renovação (ANASTASIOU; ALVES, 2009, p. 76).
Posto isto, reforça-se a importância do docente saber como se aprende. Esclarecido
disto, ele terá facilidade em organizar estratégias que combinam os conteúdos curriculares
com os procedimentos que visam ensinar o aprendente a apreender. Isto ocorreu com a
combinação dos conteúdos de MEC II e o grafismo. É importante lembrar que o professor
Denis Petrucci não tem formação pedagógica, mas se dedicou ao entendimento dos
objetivos da técnica para a sua implementação como uma estratégia de ensino e
aprendizagem. Mesmo sem ter contato com o fundamento teórico estrutural do grafismo, a
dialética do conhecimento, ele conseguiu captar o seu cerne e o aplicou com maestria devido
ao conhecimento que ele adquiriu durante a experiência com a componente sobre o que
ensinar, para que ensinar e para quem ensinar.
Com o objetivo de verificar se a técnica de estudos auxiliou os participantes na
superação da escuridão cognitiva, pedi a eles que relatassem sobre o que mudou após a
prática do grafismo e uma discente assim disse:
A diferença é o seguinte: quando eu fazia sem a técnica, aí tinha um
exercício enunciado, e o professor falava: “pra cada exercício tem que pensar
de forma diferente”. Só que, quando o professor mudava qualquer
coisinha, eu não conseguia saber qual forma que tinha que fazer pra
achar a solução que ele queria. Eu ficava bem confusa. Mas agora com o
grafismo, eu fazendo este passo a passo, eu consigo identificar onde
mudou e o que eu tenho que fazer, para colocar naquele lugar, entendeu?
Para ser em acordo ao que ele queria. Me ajudou bastante (DIS02, em
entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).
Ajudou a melhorar a visualização do problema, antes eu ficava sem saber
o que era o início, o meio e o fim da questão. Achei uma facilidade
(DIS02, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).
Essa constatação também ocorreu conforme as palavras dos participantes que
seguem abaixo. Estes relatos foram extraídos da primeira e segunda seção de entrevistas,
referentes sucessivamente aos dois ciclos de ação da pesquisa.
200
Na verdade, na descrição mesmo, no passo-a-passo, eu consigo visualizar
melhor o que está sendo pedido na questão [...] porque quando você
consegue visualizar, quando começa a descrever, começa a visualizar as
deformações que acontecem, começa a ver que aí tem ponto de força que
age ali. Esse é o lado positivo, porque vai fixando na cabeça e serve
também para outras questões. Então, a facilidade é maior (DIS04, em
entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).
Olhe só: eu estou pegando MEC pela segunda vez. Agora, o meu olhar
para as estruturas e entender algumas coisas está diferente daquele da
primeira vez, embora eu ainda tenha alguma dificuldade na hora de
resolver os exercícios, as questões... Mas envolve muita coisa. Eu aprendi
mais agora. Se tiver lá falando, montar uma estrutura, a gente já sabe o
que pode estar vindo ali, a reação aqui, o momento ali, onde é que tudo
acontece. Agora, tem uma clareza maior, sim (DIS09, em entrevista
realizada em 13/11/2019, grifos meus).
A gente tem que colocar a ideia no papel para visualizar. A anotação é
a coisa mais importante que a gente faz, pois a qualquer momento a gente
pode ir ali e consultar. [...] Eu tenho um problema, me empolgo com as
fórmulas e esqueço de fazer as análises das estruturas (DIS09, em
entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).
Portanto, a averiguação da variável da escuridão à luz cognitiva demonstrou que entre
os 18 discentes inscritos do grupo de amostra, 12 relataram, de forma espontânea, que o ato de
grafar enquanto estudavam os auxiliou na visualização dos elementos das questões e dos
procedimentos referentes às suas soluções. “Visualizando melhor”, os participantes
conseguiram superar a escuridão cognitiva e chegaram com mais facilidade ao entendimento, a
elucidação, sobre como proceder na resolução dos problemas de engenharia.
7.1.3. Visualização e organização das ideias
A proposição desta variável afirma que “a execução do grafismo auxilia o
aprendente na visualização e organização gráfica dos elementos dos novos conteúdos
durante a construção, análise e apropriação do objeto do conhecimento”. É válido destacar
que, antes da descrição dos dados levantados, a expressão “visualização melhor” foi a mais
dita e repetida pelos participantes em todos os relatos averiguados nas entrevistas em ambos
os ciclos de ação da pesquisa.
Isto ocorreu porque a técnica de estudos grafismo nasceu como uma estratégia de
ensino e aprendizagem com o objetivo de promover justamente a visualização dos
elementos do pensamento em resposta ao problema motivador desta pesquisa – a dificuldade
que os discentes do BCET apresentam quando são convocados a visualizar mentalmente ou
201
imaginar um modelo tridimensional para organizar logicamente o raciocínio, analisar e
resolver os problemas práticos de engenharia.
Não me acho imaginativo. Não consigo visualizar muita coisa quando
não me é dado assim. Eu tenho uma grande dificuldade pra isto. Sempre
tive esta dificuldade, mas só percebi agora (DIS03, em entrevista
realizada em 25/11/2019, grifos meus).
Eu tenho certa dificuldade em visualizar a peça, quando ela não está na
questão (DIS18, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos meus).
Diferente da unanimidade sobre a descrição espontânea ao dizer que depois da prática
do grafismo está “visualizando melhor”, a maioria dos participantes não expôs
espontaneamente a dificuldade que sentem de visualizar mentalmente os objetos e elementos
que constituem um problema de engenharia. A forma de exposição das suas percepções sobre
a experiência, geralmente ocorreu através da comparação entre o antes e o depois. Por exemplo,
quando perguntados se o grafismo os ajudou nos estudos, eles responderam:
[...] foi melhor, porque, por exemplo, eu comecei usando, eu tenho
dificuldade de visualizar, e aí assim, eu fico imaginando como é pra
tentar entender o que está sendo pedido na questão. O grafismo ajuda
porque você acaba anotando parte por parte, então vai organizando as
ideias (DIS04, em entrevista realizada em 12/11/2019, grifos meus).
Sim, este assunto que o professor está passando agora, que você tem que
visualizar o ponto elementar, as tensões, era muito difícil! No outro
semestre, tive muita dificuldade. E agora quando eu vejo uma peça, de
tanto fazer exercício e praticar, eu já consigo visualizar como vai ter
que funcionar a cada momento, como vai gerar , tal... direitinho (DIS10,
em entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).
Além das anotações possibilitarem a visualização do objeto em estudo no papel,
alguns detalhes expostos acima confirmam um outro princípio do grafismo: configurar uma
forma de imaginação estendida. Isto ocorre porque se trata de uma materialização dos
elementos do pensamento, ou seja, estende-se do pensamento para o papel e do papel para o
pensamento. O ato de rabiscar transporta os elementos do objeto do conhecimento da mente
para a forma gráfica, apresentando-se tão natural e espontâneo que confunde o observador ao
interpretar os relatos extraídos das entrevistas. Onde é a visualização do objeto que o
participante relata, no pensamento ou no papel? O participante está dizendo que a visualização
é no papel ou na “cabeça”? Estas perguntas ficam claras no trecho abaixo.
202
Sim, porque eu consigo ter uma visualização melhor das questões ,
então eu começo a visualizar mesmo na minha cabeça, de que forma está
sendo montada aquela resolução (DIS12, em entrevista realizada em
13/11/2019, grifos meus).
Este relato ratifica que o grafismo é a expressão gráfica da imaginação. A sua
execução consiste inicialmente em grafar todos os elementos que constituem o objeto do
conhecimento. No caso aqui em específico, os aspectos das questões de MEC II são os
detalhes dos problemas. Segundo o professor, estes detalhes são o esquema gráfico do
problema de engenharia, o diagrama de equilíbrio das forças e momentos fletores
representados pelos respectivos vetores, a capacidade resistente dos materiais sujeitas a
essas grandezas etc.
O círculo de Mohr, por exemplo, você tem o eixo x, o eixo y, e o eixo x` e
y`, que é a rotação que vai fazer no plano cartesiano e não pode ser maior
que 45º (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019).
Grafados, ou desenhados, ou descritos estes aspectos são expostos aos olhos e ao
pensamento. Desta maneira, conforme expliquei no item anterior, o estudante adentra no
complexo de fenômenos e suas variáveis prossegue usando melhor os recursos do seu
raciocínio. Estes também recebem formas gráficas, como as linhas de conexões, setas,
figuras geométricas e escritos, representando as articulações entre as soluções matemáticas
e fenômenos físicos, as associações de causa e efeito e a descrição sobre os passos de análise
e resolução dos problemas.
Depois que eu passei a usar elementos teóricos na resolução das
questões eu consegui compreender melhor o assunto. Antes ficava
muito disperso. Há várias formas de resolver uma questão porque são
diferentes condições. A partir do momento que eu escrevo, eu consigo
ter uma clareza melhor de qual método eu vou usar, qual método e
resolução eu vou usar. Eu acho que eu consigo me organizar mais. Ah,
desenhar! Quando eu desenho, eu consigo melhorar muito mais (DIS18,
em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos meus).
Ao escrever ou desenhar, conseguiu “melhorar muito mais”, quer dizer, “usar
elementos teóricos na resolução das questões” e “ter uma clareza”. Esta percepção do
participante apontou para a concepção que o grafismo, por ser a expressão gráfica da
imaginação, é um instrumento para a aquisição do conhecimento. Certificando, portanto, o
entendimento de que os registros gráficos de um dado objeto permitem ao sujeito adentrar
na sua natureza, nos seus elementos constituintes e no espaço que se encontra no movimento
e nas relações internas e externas. Em seu esforço orgânico, com seus órgãos vitais em ação,
203
o sujeito realiza as articulações, associações e interrelações matemáticas e físicas para a
análise deste objeto. Este é o “processo dialético do entendimento do mundo onde as formas
visuais se constituem em um mundo icônico necessário e fundamental para a comunicação
humana e, por conseguinte, à natureza do ser”, nas palavras resgatadas, do capítulo 05, de
Damasceno (1998, p. 106) e reforçadas nos excertos a seguir:
Antes da técnica, o professor falava uma coisa em sala e eu entendia. Mas
quando ia pro livro ou pra videoaula, às vezes, aquela mesma forma que o
professor explicou, eu via um pouco de diferença. Aí eu não sabia muito
bem se era a forma do professor, do livro ou da videoaula. Agora quando
eu chego em casa e reviso, vou lendo e estudo, eu consigo assimilar as
coisas fazendo uma conexão do que está acontecendo. E com o grafismo,
quando vou fazendo o passo a passo, não fico com todas aquelas ideias,
agora eu sei o que fazer em cada passo, etapa. Tipo, fica melhor de
visualizar um sólido, o que está acontecendo nas questões, você começa
a visualizar um 3D do problema. Eu achei muito melhor (DIS02, em
entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).
Agora eu prefiro colocar logo no papel o que estou pensando. Como
falei, quando eu coloco no papel o que vou fazer no passo-a-passo fica
melhor para o meu entendimento. Porque a gente pensa muita coisa. Se
eu tivesse feito o grafismo na primeira prova, eu iria melhorar a minha
nota, porque é muita coisa que acontece na minha mente. Eu sabia o que
fazer, mas não sabia por onde começar (DIS10, em entrevista realizada
em 18/12/2019, grifos meus).
Melhorou muito, tanto na visualização de estudo quanto na visualização
de problemas em MEC II. Melhorou demais (DIS08, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Porém, dos 17 estudantes que participaram da coleta de dados nos dois ciclos de
ação da pesquisa, 02 disseram que mesmo praticando o grafismo, não conseguiram superar
a dificuldade em visualizar os elementos dos problemas em Engenharia. O participante que
relatou o trecho destacado abaixo, em depoimento feito no primeiro ciclo, disse,
comparando o antes e o depois da inserção da técnica na componente, que “foi melhor”,
mas que ainda “tem dificuldade de visualizar”. Na entrevista do segundo ciclo, ao lhe
perguntar se após a prática do grafismo passou a visualizar o próprio processo cognitivo,
isto é, a análise dos problemas de MEC II, ele assim respondeu:
Ainda não, pois eu tenho uma dificuldade muito grande para
visualizar. Por exemplo, as pessoas falam “o sólido está girando ou
aconteceu tal coisa na estrutura”, eu acredito que as pessoas conseguem
visualizar, mas eu tenho dificuldade (DIS04, em entrevista realizada em
17/12/2019, grifos meus).
204
Embora, na mesma entrevista ele dissesse:
Eu tenho essa dificuldade. A minha mente não para, fica trabalhando
o tempo todo. Aí às vezes eu confundo as coisas, confundo muito, tipo,
estou respondendo aqui, aí lembro de outra questão que tinha feito,
ou lembro de uma outra forma, aí eu junto as coisas que não têm
nada a ver. Aí eu fico na dúvida entre uma coisa e outra. E quando eu
comecei a fazer o grafismo, me ajudou muito, hoje eu já tenho mais
segurança para responder. Eu paro para pensar, faço isso aqui, isso ali,
isso, isso e isso, eu analiso tal força, eu analiso tal lado, eu faço dessa
forma. Então isso ajudou bastante (DIS04, em entrevista realizada em
17/12/2019, grifos meus).
Se ele tem uma “dificuldade muito grande para visualizar” é porque a “mente
não para” e termina “confundindo as coisas”, ou seja, este participante não consegue
superar a escuridão cognitiva com a mesma facilidade que os outros estudantes. Porém,
“quando começou a fazer o grafismo”, consegue parar “para pensar” – então “isso ajudou
bastante”. Logo compreendo que este participante , em especial, quando executa o
grafismo, registrando as variáveis e o passo-a-passo da análise do problema, ultrapassa
a escuridão sincrética e consegue enxergar a ordem da resolução, fazendo “isso aqui,
isso ali, isso, isso...”.
Este relato confirma o estudo de Medeiros (1998) que explica, através dos
fundamentos da psicologia cognitiva, a importância dos recursos cognitivos. Segundo a autora,
estes recursos são dispositivos externos ao sistema nervoso do ser humano, tais como, lápis,
papel, desenhos, figuras, escritos, símbolos, marcações etc., que se transformaram em
ferramentas para os raciocínios abstratos desde os longínquos tempos da história. Estas
ferramentas, nas palavras da autora, possibilitaram a externalização do pensamento, isto é, a
representação das imaginações – o que defini por imaginações estendidas.
O desenvolvimento de habilidades cognitivas para qualquer que seja o fim, quando
os sujeitos são aptos física e emocionalmente para isto, normalmente ocorrem por meio da
prática constante de uma técnica, através de um método e do uso de dispositivos cognitivos
associados com os fins desejados. Assim, como um atleta que busca o salto perfeito, para
um estudante de engenharia se tornar hábil na resolução dos problemas, é necessário ele
lançar mão de métodos, normas e de ferramentas cognitivas, tais como, o grafismo e praticar
a resolução dos mais diversos tipos de problemas. Um atleta olímpico treina por anos o
mesmo salto e quando chega à meta da plástica técnica deste salto, treina por mais anos para
saltar sempre desta forma. Quer dizer, tornar-se hábil em qualquer técnica requer prática,
método, disciplina, persistência e tempo.
205
O DIS04, no último relato apresentado, disse que o grafismo “ajudou bastante” e
ao mesmo tempo explicou que, mesmo com a prática da técnica, ele ainda tem a dificuldade
de visualização dos sólidos tridimensionais e dos fenômenos físicos. Para compreender,
retomei a sua entrevista referente ao segundo ciclo e na questão, quando perguntei qual o
ponto negativo do grafismo, ele respondeu:
O ponto negativo é que o grafismo requer mais tempo. E a gente não tem
tanto tempo pra fazer isso. É muito corrido! Mas eu aprendo muito mais
(DIS04, em entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).
O seu depoimento reforçou a necessidade do cumprimento do requisito sobre o
constante exercício, do método e da disciplina na prática da resolução de problemas com o
uso do grafismo como uma “ferramenta cognitiva”, como nomina Medeiros (1998). O outro
participante que também relatou não conseguir superar a dificuldade em visualizar os
elementos dos problemas em engenharia, mesmo praticando o grafismo, trouxe uma
percepção diferente sobre o fato:
Ainda tenho um pouco de dificuldade em visualização de gráficos, mas
isto é uma deficiência de outras disciplinas, que estou recorrendo agora.
Mas eu consigo visualizar as questões melhor agora (DIS12, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
O comentário acima traz implícito, nas entre letras da expressão “deficiência de
outras disciplinas”, aquilo que foi manifestado por diversas vezes pelo docente titular de
MEC II: o problema da condução de MEC I. Conforme apresentei no capítulo 6, devido ao
diminuto número de professores que formam o corpo docente do CETEC, as componentes
MEC I e MEC II têm apenas um titular para a cadeira. Devido à carga horária máxima de
12 horas efetivas para a sala de aula, instituída no Regulamento de Ensino de Graduação –
REG – da Instituição, entre outras atribuições dos docentes, o titular de MEC ministra
apenas duas turmas a cada período letivo, pois a carga horária desta componente é de 5
horas semanais. Tanto MEC I, quanto MEC II são componentes de formação profissional
de muita importância para o engenheiro. Pela complexidade teórica e prática, o professor
Denis Petrucci é alocado para a segunda, onde ministra duas turmas a cada semestre. MEC
I, portanto, fica a cargo de professores substitutos. Ainda conforme expliquei no capítulo
anterior, mesmo que o professor substituto tenha boa intenção, as condições de trabalho que
lhes são impostas não permitem realizar um ensino compatível com as exigências de
formação dos discentes.
206
Quando perguntei ao professor participante da pesquisa, durante a entrevista do
primeiro ciclo, se ele percebeu algum ponto negativo na estratégia, ele comentou:
Até agora, ponto negativo, eu não vi quanto a aplicação desta estratégia.
O ponto negativo que eu vejo é a participação, é o interesse dos alunos.
Mas isso não é do projeto, é o problema do estudante que está acostumado
a acomodação do sistema. Antes mesmo da segunda avaliação, 16
alunos desistiram da componente e já deram entrada numa lista para o
curso de férias com um professor substituto. Já desistiram do curso! O
sistema dispõe de mecanismos e os alunos têm aquela “sensação de que
estão aprendendo”. O meu interesse é que eles saiam preparados daqui
(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
Ao ler e reler este trecho acima, retomo e concordo com o comentário do professor
Anderson Café, quando disse que o conjunto – docente titular, discentes, esvaziamento das
turmas, reprovações, coordenações, cursos de férias e professor substituto – revelam, de
certa forma, uma espécie de tragédia de um sistema de ensino que, caso não valorizado,
tende a falência. São as quatro faces de um famigerado polígono: em um dos lados, tenho
professor efetivo que se sente frustrado; do outro, discentes que precisam dar continuidade
aos seus projetos de vidas; em uma terceira face, tem as coordenações e a universidade que
precisam dar retorno à sociedade; e no último lado, um professor substituto que também
tem seus projetos e sonhos, mas se não tiver uma formação para isto, passa seu período de
trabalho temporário sem conseguir lançar boas sementes.
Embora o comentário do professor entrevista tenha, à primeira vista, um tom de
acusação, refletindo sobre o contexto e a complexidade que se impõe na realidade a partir
da qual seu relato emergiu, se torna, no meu entendimento, como um desabafo e lamento.
Relembrando um comentário que sempre repito: nesse sistema não há como se apontar
culpados; alunos e professores fazem parte de uma mesma moeda que representa um tipo
de política pública direcionada para a desvalorização e o sucateamento das instituições e
dos atores sociais que constituem o campo da educação pública neste país.
Afim de demonstrar o que ocorre quando os discentes cumprem MEC I com um
professor que não tem condições de realizar um trabalho de alto nível ou, pelo menos, de
nível mínimo exigível, na Tabela 1, apresento as médias finais dos discentes em MEC I e o
número de vezes que cada um dos participantes repetiu MEC II até 2019.2. Estes dados
foram extraídos do questionário de seleção de amostra de participantes da pesquisa
realizado entre 25 de setembro e 05 de outubro de 2019.
207
Tabela 1 – Relação entre as médias de MEC I e o número de repetências em MEC II.
DISCENTE
Média
Final em
MEC I
Número de
vezes que
repetiu MEC
II
DISCENTE
Média
Final em
MEC I
Número de
vezes que
repetiu MEC
II
DIS01 8,0 04 DIS10 6,0 02
DIS02 7,0 03 DIS11 7,0 02
DIS03 8,0 03 DIS12 7,0 02
DIS04 6,0 02 DIS13 7,0 04
DIS05 6,0 02 DIS14 6,0 02
DIS06 8,0 00 DIS15 7,0 02
DIS07 7,0 04 DIS16 6,0 02
DIS08 7,0 02 DIS17 8,0 02
DIS09 6,0 02 DIS18 7,0 00
Antes de comentar, vale trazer um dado que não está exposto na Tabela 1: dos 18
inscritos na pesquisa, apenas um discente fez a componente MEC I por duas vezes, os
demais passaram na primeira vez que cursaram a componente. Já em MEC II, dos 18
discentes, 11 estão fazendo pela segunda vez, dois pela terceira e três discentes pela quarta
vez. Somente dois participantes da pesquisa, o DIS06 e o DIS18, foram inéditos em MEC
II: o primeiro logrou êxito no final do período de 2019.2 e o outro discente, que repetiu
MEC I em 2019.1, foi reprovado em MEC II em 2019.2. A Tabela 2 mostra as notas destes
dois estudantes.
Tabela 2 – Notas dos discentes inéditos de MEC II, em 2019.2.
DISCENTE Avaliação I Avaliação II Avaliação III Média MEC II
DIS06 5,0 6,5 9,0 6,8
DIS18 0,0 3,2 6,8 3,3
Existem alguns aspectos que esta demonstração esclarece e que são importantes
para a reflexão. O primeiro é que esta análise destaca os únicos participantes da pesquisa
que não são repetentes em MEC II. Considerando este fato, problemas relatados pelos
demais participantes, tais como, a insegurança e medo de uma nova reprovação, que é uma
variável que influencia no estado emocional dos alunos durante as avaliações, está
teoricamente descartada desta análise.
208
O outro aspecto, conforme detalhado da metodologia da pesquisa desta tese, é que
o professor Denis Petrucci inseriu o grafismo como uma estratégia de ensino e
aprendizagem no planejamento do semestre letivo 2019.2 e começou a habilitar os
estudantes das duas turmas, universo da pesquisa, para a execução da técnica a partir do
início das aulas da componente. No entanto, o grafismo só foi cobrado a partir da segunda
avaliação do referido período, quando coincidiu com o início da pesquisa-ação, após a
autorização pelo CEP. Portanto, os resultados da prática do grafismo só começaram a se
revelar a partir das segundas notas dos participantes da pesquisa.
O terceiro aspecto é o nível de conhecimento que os discentes chegam em MEC II,
depois de cumprir MEC I com um professor substituto. A percepção deste nível é constatada
sempre na primeira avaliação em MEC II. Segundo o professor titular, os conteúdos que são
cobrados nesta avaliação estão diretamente relacionados com os conteúdos da componente
anterior. Por exemplo, um discente que não repetiu MEC I e passou com média 8,0, nesta
componente, teve sua primeira nota igual a 5,0 em MEC II, evoluindo progressivamente até
9,0 pontos na última avaliação. O outro discente que repetiu MEC I, mas foi aprovado com
média 7,0, começou MEC II sem aproveitamento na primeira avaliação, mas chegou a 6,8
na terceira avaliação da componente em 2019.2.
Embora a amostragem seja muito pequena, considerando as notas das três
avaliações dos dois participantes, os dados apontam para o seguinte: o discente não
repetente consegue superar as notas baixas com mais facilidade, pois não está
emocionalmente pressionado pelo medo de outra reprovação; o grafismo, quando aplicado
como uma ferramenta com o objetivo de auxiliar os aprendentes a visualizar e organizar
graficamente os aspectos das questões para a análise e resolução de problemas em
engenharia, obtêm resultados positivos quando os estudantes não são repetentes. Esses fatos
são afirmados nos relatos dos participantes:
Aí, depois que a senhora trouxe esta ideia e o professor Denis passou, acho
que foram duas atividades, eu comecei a utilizar mais este recurso, sabe?
Tipo, escrever o que eu tinha na cabeça, no pensamento [...] quando eu
fui estudar para a segunda prova de MEC II, tinha um curto tempo pra
estudar, porque infelizmente acabei deixando acumular assunto e, depois
que eu comecei a entender, peguei todo o processo de resolução do
exercício, e comecei a estudar cada etapa do processo para resolver.
Quando terminei de entender todo o processo, eu comecei a fazer os
exercícios mais rápidos e mais práticos (DIS06, em entrevista realizada
em 14/11/2019, grifos meus).
Acho que ajudou bastante. Porque em cada questão eu ponho textos de
como fazer, um passo-a-passo basicamente. Eu acho que isto fixa
209
bastante e me auxiliou. Eu acho que este foi o ponto mais marcante do
grafismo. [...] Esta última avaliação foi bem bacana. Eu consegui pela
primeira vez resolver quase todas as questões, não sei se estão certas,
mas resolvi. Deixei uma em branco, vi que o tempo já estava acabando e
minha mente estava muito confusa, cansada (DIS18, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Para concluir esta análise, que denominei como específica porque parte dos dados
era de apenas dois participantes da amostragem, trato agora da reflexão sobre a relação entre
o nível de conhecimento dos estudantes e a qualidade de ensino dos professores substitutos.
Um dado importante para esta reflexão foi revelado quando perguntei a um discente porque
ele assistia videoaulas; ele disse:
Eu assisto, mas não é bem o assunto de MEC II. É pra sanar déficit de
assuntos anteriores. Por exemplo, em MEC I, o professor precisou sair,
ficamos um bom tempo sem aulas e aí, quando a professora nova
chegou, teve que dar os assuntos da disciplina, o restante, com muita
pressa. Aí, acaba perdendo um pouco da qualidade daquilo que
deveria ser passado de conteúdo. E aí, eu tive que retornar os conceitos,
de como fazer, de lá de MEC I. Tive que aprender MEC I para fazer os
exercícios de MEC II (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Este depoimento deixa claro que o problema não é da competência do professor
substituto, pois essa é a condição de trabalho que lhe é imposta. Assim como todas as
componentes curriculares, MEC I precisa ser tratada com a mesma atenção e relevância pela
instituição, tal como as dispensadas às demais componentes. Esta relevância se traduz em
contratação de novos docentes efetivos para as cadeiras fundamentais. Este fato dificulta a
superação, principalmente a psicológica, levando muitos discentes à reprovação, à repetição
e à desistência de prosseguir os estudos com o professor titular, os empurrando para a
formação de listas de estudantes requerentes de cursos de férias ministrados por professores
substitutos. Isso também ocorre com MEC II, Física IV, Cálculo IV, Dinâmica dos Sólidos
etc., pois, quando os discentes chegam com um baixo nível de conhecimento devido ao
ensino e aprendizagem inconsistentes das componentes cumpridas anteriormente, são
impactados, negativamente, logo na primeira avaliação da componente seguinte. Os
próprios discentes têm consciência disso, quando comentam sobre a questão das
componentes ministradas por professores substitutos. O discente entrevistado reflete sobre
a disciplina mecânica dos sólidos:
É uma disciplina muito importante. É uma disciplina que todo mundo
tem que fazer bem. Tipo, não passar por passar, ou passar empurrado.
210
Passar mesmo, aprender! Eu acho que é uma disciplina que deve ser
aprendida. Porque outras disciplinas que teremos depois requerem
conceitos de MEC (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Portanto, deveria ser ministrada por professores preparados, especialistas e com
condições mínimas para realizar um ensino de qualidade.
Quanto ao entendimento do princípio que a execução do grafismo auxilia os
aprendentes na organização das ideias, da mesma forma como o referente à visualização
gráfica, a expressão “organização das ideias” também foi dita e repetida em todos os
depoimentos coletados. Um relato em especial traduz o seu significado:
Eu comecei até a comprar canetas de cores diferentes para assimilar
melhor o conteúdo (DIS08, em entrevista realizada em 14/11/2019,
grifos meus).
O grafismo foi elaborado à luz da teoria dialética do conhecimento. Um dos
principais objetivos de sua execução foi auxiliar o aprendente a visualizar os aspectos do
objeto em estudo no papel. Desta forma, o aprendente supera a escuridão sincrética, projeta
a sua luz cognitiva sobre os elementos do objeto e os organiza. Usar “canetas de cores
diferentes”, como dito acima, é uma das formas mais eficientes de organizar os aspectos de
um problema, sendo possível estabelecer cores específicas para sinalizar as relações de
associações, as diferenças pelas contradições, as interdependências e as relações de causa e
efeito. As cores auxiliam o aprendente na separação dos elementos que compõem o objeto
e na separação da essência do fenômeno, em acordo ao que explicou Kosik (1969).
Reforçando a teoria dialética com as palavras de Damasceno (1998), as cores diferentes
auxiliam o aprendente a adentrar e perceber a natureza do objeto. As cores, neste caso em
especial, serviram como instrumentos gráficos possíveis para este fim, mas ainda existem
outros, como formas geométricas, diagramas, mapas conceituais, figuras, escritos etc.
Eu consegui aprender mais, por dois motivos: primeiro, a questão da
organização, e segundo, porque eu pratiquei muito exercício. Então, você
fazendo muito exercício, você acaba aprendendo, porque cada exercício novo
tem uma sacada diferente. Não são iguais, mas são da mesma linha (DIS10,
em entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).
Nesta terceira prova, eu tenho certeza de que foi melhor, porque eu
consegui destrinchar o que eu queria fazer e já saber os próximos
passos. Porque via na minha mente o que eu queria. Por isso, eu acho que
consegui visualizar por causa do grafismo (DIS03, em entrevista
realizada em 16/12/2019, grifos meus).
211
Montei um fluxograma com o passo a passo e com as variações que o
método cobra. Aí, eu consegui fazer várias atividades através disso
(DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Eu só consegui entender o porquê eu não estava conseguindo aprender
depois do grafismo. Tipo, eu aprendo mais quando tenho um embasamento
da teoria, depois do grafismo, eu consegui separar estas coisas . Na
minha cabeça, deu pra entender porque isto está acontecendo comigo. Eu
tenho dificuldade em algumas disciplinas. Depois disso, eu comecei a focar
no conteúdo que vai me trazer uma base melhor. Porque, antes, eu ficava
de um lado pra outro. Agora não, consigo organizar melhor as minhas
ideias (DIS07, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).
Para concluir a investigação sobre a proposição de que “a execução do grafismo
auxilia o aprendente na visualização e organização gráfica dos elementos dos novos
conteúdos durante a construção, análise e apropriação do objeto do conhecimento”,
destaquei os relatos abaixo:
Apliquei em Eletromagnetismo, uma matéria bem doida... Primeiro,
você faz um desenho para visualizar o que vai fazer. Porque, antes, eu fazia
só a conta. Quando você faz primeiro o desenho, você consegue
visualizar vários vetores e consegue usar todas as equações certas. Eu
criei uma sequência, um passo-a-passo para eletromagnetismo. Ah, em
Termodinâmica também: primeiro analisando o gráfico e depois os
cálculos. Eu aprendi a me organizar para estudar (DIS10, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Acontece muito de estar na sala, entender aquele movimento e do que
estava acontecendo, sabe!? Só que, quando chegava em casa, me
perguntava, como é que aconteceu isso? Não recordava! Aí, eu comecei
a fazer pequenas anotações no caderno, ali rápido, da fala do professor,
ou algum comentário que estava na minha cabeça, eu fiz para entender
melhor o assunto. E apliquei isso também em outras disciplinas para
facilitar o meu raciocínio (DIS06, em entrevista realizada em 14/11/2019,
grifos meus).
Eu levei o grafismo para todas as disciplinas, na verdade. Eu não tenho
todas as notas fechadas, mas em três caminhou para dar certo, uma disciplina
já deu a aprovação, as outras duas estou aguardando, mas as notas foram boas
(DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Eu fui anotando todas as coisas e montei o meu roteiro. Consegui na
primeira prova juntar estímulo para estudar, porque eu consegui entender o
conteúdo. Aí, eu pensei: eu tenho que escrever pra entender o que estou
fazendo! É o que digo pra mim mesma. Eu consegui em TCM
(Transferência de Calor e Massa): saí de um 3,0 para um 7,9. Quase não
acreditei (DIS01, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
212
Observo que esses participantes descreveram suas experiências de maneira
informal e espontânea, a partir da percepção sobre a prática do grafismo, revelando o
resultado sobre a aplicação desta técnica, auxiliando na construção do conhecimento e no
desenvolvimento do pensar para apreender.
7.1.4. Direcionamento do pensamento
Quando pensado enquanto uma técnica de estudos para auxiliar o aprendente na
visualização e organização gráfica dos elementos do objeto do conhecimento, que se
apresentam embaralhados no pensamento, causando a escuridão cognitiva, o grafismo foi
além do registro gráfico. Desta forma se torna um “roteiro” de “como e o que fazer” para
resolver uma questão de MEC II. Isto reafirma o outro princípio do grafismo que é a relação
intrínseca com a teoria e metodologia dialética do conhecimento: o método do pensamento,
como denominou Kosik (1969). Segundo este filósofo, “durante o caminho da verdade”, o
pensamento do indivíduo faz um “détour: o concreto se torna compreensível através da
mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte” (p.30). No entanto, o filósofo
alerta: se não houver estabelecido um ponto de partida e de chegada, uma orientação
objetiva durante o conhecimento, o pensamento do indivíduo pode se “perder pelo
caminho”. Com o uso do grafismo, durante a resolução dos problemas de MEC II, foi
possível evitar isto, fator que ficou claro nas palavras dos discentes:
A partir destas atividades, tem que descrever certinho, como a gente
começa e o que a gente tem que fazer. Aí, eu comecei a organizar o meu
pensamento, comecei a utilizar isso também em outras disciplinas. A
gente ficava meio perdido. Começava a fazer e no meio da questão, me
perdia (DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).
Depois que a senhora apresentou esta técnica, foi que comecei a usar em
todas as matérias. Para qualquer exercício que vou fazer, faço uma
anotação ao lado. Aí, fica mais fácil, a gente já sabe a ordem de fazer
certinho, porque antes eu pegava a questão e ficava meio no ar, não
sabia o que fazer primeiro. Às vezes, fazia a mesma coisa duas ou três
vezes. Acabava perdendo muito tempo (DIS13, em entrevista realizada em
16/12/2019, grifos meus).
Quando eu fazia uma questão, lia o enunciado e começava a resolver: as
dificuldades que eu tinha, eu passava por cima. Na hora de resolver, eu
sentia muita dificuldade. Eu lia uma questão, entendia a metade e
começava a fazer. Não voltava para ler novamente, para entender ela
perfeitamente para assim, resolver (DIS05, em entrevista realizada em
25/11/2019, grifos meus).
213
Neste último excerto, o discente estava comparando os seus procedimentos entre o
antes e o depois da inserção da técnica em MEC II. Na própria descrição da sua percepção,
ele apresentou o reflexo da desorganização que ocorria quando resolvia os problemas em
engenharia. Este fato reafirma o pensamento de Kosik (1969) sobre a orientação do
pensamento durante a análise do objeto do conhecimento. Tanto este aprendente como todos
aqueles que estão na fase da construção do saber, segundo a teoria dialética do conhecimento,
necessitam guiar o pensamento para a aquisição do conhecimento ou para a resolução de
problemas. O que me leva a compreender: quando o discente não sabe como se aprende, deve
aprender a apreender, ou seja, aprender a pensar para apreender – no caso aqui em específico
– aprender a pensar para analisar e resolver problemas.
A partir do momento no qual os discentes passaram a praticar o grafismo, eles
perceberam que ocorreram mudanças e, quando perguntados se a estratégia de ensino em
questão os auxiliou nos estudos, alguns assim descreveram:
Ajudou! Porque dá um norte, quando você vai ver depois a questão que
você fez. Tipo identificar: fiz isso primeiro, depois eu fiz aquilo. Eu tenho
uma linha. Antes eu fazia isso, só que eu não enumerava, ficava muito
solto. Agora está mais organizado (DIS10, em entrevista realizada em
14/11/2019, grifos meus).
Cria uma lógica. Tipo: vai fazendo o exercício, por onde começar,
fazer isso, isso e isso (DIS16, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Agora com o grafismo, eu consigo ter uma linha de raciocínio, porque
eu vou explicando o passo-a-passo do que estou fazendo. Aí está me
ajudando muito também em outras disciplinas (DIS02, em entrevista
realizada em 11/11/2019, grifos meus).
Os discentes participantes da pesquisa, que perceberam o resultado do grafismo
como “um norte”, “uma lógica” ou um “passo-a-passo”, levaram a técnica para outras
componentes que estavam cursando durante o período letivo desta pesquisa-ação. Vale
ressaltar que esta consequência não estava inicialmente prevista. Durante o pré-teste da
técnica e dos instrumentos, um comentário sobre este fato emergiu, espontaneamente, de
um discente colaborador, o que me levou a inserir uma pergunta relacionada a isto nas
entrevistas dos dois ciclos de ação da pesquisa. Conforme apresentei no item anterior, sobre
a descrição e análise da “visualização e organização de ideias”, este foi um resultado
relevante desta pesquisa.
214
Também surgiu outro fato inesperado durante as entrevistas: alguns discentes
afirmaram já conhecer a técnica descritiva. No entanto, segundo eles, sem a
denominação grafismo:
Fazíamos em outras disciplinas: em Física, por exemplo. Arrumávamos
os dados e eu nunca tinha atentado pra isto, para organizar (DIS01, em
entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).
Eu não conhecia a técnica, mas eu já utilizava para Física. Eu gostava de
ler o assunto, pegar os pontos importantes, aqueles fundamentais, e a partir
daquilo começar a resolver as questões. Aí, o que eu ia entendendo, eu
fazia a parte descritiva. Mas não com tanta intensidade. Depois que eu
conheci realmente o que é, eu acho que sim, ajudou muito (DIS04, em
entrevista realizada em 12/11/2019, grifos meus).
Antes eu já estudava meio que um grafismo, não consigo afirmar se era
isso. Tipo assim, definia as etapas: o que preciso para fazer isso, o que
preciso para fazer aquilo. Eu preciso entender o quê e por que está
acontecendo isso. Aí, eu fazia mapas mentais, também registrava ponto
a ponto as etapas do processo. Eu já fazia assim (DIS06, em entrevista
realizada em 14/11/2019, grifos meus).
Eu vou comparar MEC II com Cálculo IV. Quando eu peguei Cálculo,
eu tinha muita dificuldade, mas o professor de Cálculo utilizava o
grafismo e eu não sabia disso. Aí, eu achei que teria uma dificuldade
muito maior em Cálculo IV e eu me surpreendi, porque eu não tive tanta
dificuldade, mas eu não entendia o porquê. Aí, quando você surgiu falando
do grafismo, falou na aula de MEC II, falou o que é o grafismo pra MEC
II, foi que eu entendi o porquê eu tive menos dificuldade em Cálculo do
que em MEC II. Eu não utilizava de grafismo em MEC II (DIS15, em
entrevista realizada em 25/11/2019, grifos meus).
Tão relevante quanto os discentes levarem o grafismo para as outras componentes, é
o fato de outros docentes aplicarem a técnica nas componentes do BCET. Isso me levou a
busca de compreender melhor este fato. A partir da informação dos próprios discentes de que
os docentes que usavam uma técnica semelhante ao grafismo eram de física e cálculo,
comecei a investigar sobre a formação destes professores. Verifiquei que eles são licenciados,
ou seja, estudaram teorias de aprendizagem, educação, dialética, pedagogia e filosofia. Logo,
tiveram conhecimento teórico e experiência sobre o como se aprende. Diferente dos docentes
com formação em bacharelado, que não passaram por conteúdos referentes à teoria do
conhecimento e suas aplicações na educação.
Este fato não pode ser pensado como uma evidência da relação entre o
procedimento de ensino e aprendizagem e a formação do professor que o aplica, pois não
foi o objetivo desta pesquisa e não houve investigação formal para isto. Neste estudo, não
215
considerei isso como uma coincidência. No universo do CETEC, dos 117 docentes efetivos,
apenas 16 possuem formação pedagógica, isto é, possuem licenciatura, justamente aqueles
apontados pelos discentes quando relataram o uso de uma técnica semelhante ao grafismo
ocorrida antes desta pesquisa. O que ficou constatado deste fato, enquanto resultado
inesperado da pesquisa foi a confirmação dos entendimentos de Anastasiou e Pimenta
(2014), Wachowicz (1989), Vasconcellos (1995), Saviani (1999) e Wihby (2018):
professores com formação ou capacitação pedagógica, por saberem como se aprende, são
possibilitados, pelo próprio conhecimento na área da educação, de estabelecerem
procedimentos de ensino e aprendizagem que visam o desenvolvimento do aluno a aprender
a pensar para apreender.
O direcionamento do pensamento através do uso do grafismo em MEC II se deu
pela adaptação da técnica de estudos ao conteúdo da componente feita pelo professor
participante da pesquisa. Ele entendeu que o grafismo consiste na “descrição de como se
resolve um problema”, daí a sua denominação por “modelo descritivo”, “passo-a-passo” ou
“passo-a-passo lógico”. Assim, a técnica tomou forma para a resolução dos problemas em
engenharia. No movimento entre o papel e o pensamento, do pensamento para o papel, o
grafismo se tornou um instrumento de mediação da análise dos problemas, ou seja, um
método do pensamento para a análise dos problemas de MEC II.
No détour do pensamento entre a escuridão cognitiva e a resposta final, o discente
riscou, escreveu e rabiscou as possibilidades e as combinações entre as variáveis, desenhou
caminhos para a solução das equações e as associou a fundamentos da teoria das estruturas,
sem se perder no caminho. O modelo descritivo apresentado pelo professor no início da
pesquisa foi seguido pelos alunos enquanto estes não haviam apreendido como construir o
próprio modelo. Quando compreenderam o processo, tornaram-se autores do próprio
“passo-a-passo”, conforme os relatos abaixo.
Eu fui criando roteiros e, por isso, eu digo que já estou ensinando MEC.
Porque criei um roteiro na minha cabeça e a gente foi
desenvolvendo. Aquele passo-a-passo que o professor passou com a
proposta na sala ajudou bastante (DIS01, em entrevista realizada em
18/12/2019, grifos meus).
No primeiro assunto [...], se eu seguir todo um passo a passo, dá para fazer
as questões que tem no livro e nas listas. Aí, eu montei uma sequência
[...]. Com o grafismo eu consegui otimizar o tempo, pois eu consigo “ver”
logo como fazer tudo e, depois, é só ir treinando a aplicação do método
com os exercícios. No início, eu tenho que dar uma pescadinha no passo a
passo, mas depois de uns três exercícios, fica tudo intuitivo. Eu já ia
fazendo de uma forma que não era exatamente igual ao esquema que
216
eu montei, mas que segue fielmente a uma linha de raciocínio do passo-
a-passo (DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Eu achei importante, porque a técnica vai além do trabalho mecânico que
você tem de fazer cálculo, de analisar aquelas mesmas estruturas e que
você aprende a fundo, aprende realmente. O exercício não fica um
trabalho mecânico. Escrevendo, dá para assimilar a teoria com a
realização de exercício na prática (DIS08, em entrevista realizada em
18/12/2019, grifos meus).
Reafirmando o entendimento, a dialética do conhecimento, quando serve como
fundamento para a elaboração das estratégias de ensino e aprendizagem e de ensinagem,
mobiliza o pensamento do aprendente a trabalhar no sentido da construção do próprio
objeto. A metodologia da dialética cria “[...] a possibilidade do estudante reproduzir no
pensamento e pelo pensamento os conteúdos trabalhados, de forma relacional”, conforme
explicou Anastasiou (1998, p. 28).
Eu recordei de alguns pensamentos que eu tinha. Eu ouvi um comentário
de um amigo meu, falando que, nesta área das exatas, se assemelha
muito com a área do direito: você precisa saber das regras para
conviver em um lugar, precisa saber como funciona e executar. Aí,
eu associei isso ao grafismo, porque é exatamente isso que a gente tem
que fazer. A gente tem que ver como funciona e aplicar nos exercícios.
Não foi algo muito novo, mas que me fez recordar discussões. Daí,
coloquei em prática aquilo que tinha discutido (DIS06, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Em resposta à pergunta “o que mudou após o grafismo?”, este discente associou a
técnica às regras de convivência social, explicando que é preciso saber “como funciona para
conviver”. Este comentário chamou à atenção porque foi o único que se deslocou do sentido
comum do censo da amostragem. Ele se distanciou da opinião dos demais colegas porque abriu
espaço para a reflexão e observou a própria experiência. Isto fez com que ele trouxesse a
percepção, apesar de metafórica e tocou no cerne de um dos objetivos da implementação do
grafismo: auxiliar o discente no saber conhecer. Neste caso em especial, é a importância em
saber conhecer para executar as resoluções de problemas em engenharia.
O processo de execução do grafismo, adaptado e elaborado para a componente MEC
II, teve caráter descritivo e condutor de ações, ou passos, para soluções durante as resoluções
dos problemas. Algo que não se diferencia de um grafismo aplicado à uma componente de
História da Arte, por exemplo, que auxiliaria o aprendente numa linha de evolução histórica de
estilos e técnicas de representação artística, como uma ferramenta de condução do pensamento.
217
O grafismo tem em si uma natureza orientadora, correspondendo, necessariamente, aos
princípios da metodologia dialética do conhecimento.
Dos 18 discentes do grupo de amostra, todos, em algum momento, mencionaram o
“passo-a-passo” do grafismo e o quanto isto os ajudou na resolução dos problemas de MEC
II. Portanto, os fatos coletados durante a pesquisa firmaram positivamente a variável que
versa sobre o “direcionamento do pensamento” e justificaram a implementação do uso do
grafismo nas componentes de ensino das engenharias.
7.1.5. Ascensão do conhecimento e estímulo à imaginação
Por que a associação entre a ascensão do conhecimento com o estímulo da
imaginação?
Este destrinchar que o grafismo exige, acho que me ajudou muito. Eu
tive que entender, eu me forcei a entender cada passo a passo. Foi uma
das ferramentas que me ajudou, porque se eu não tivesse, teria um
método de estudo do semestre passado e não teria esta visão sobre o meu
conhecimento de agora (DIS03, em entrevista realizada em 25/11/2019,
grifos meus).
O fato de ter que definir o passo a passo, falar o que está acontecendo
ali, faz com que você imagine o que está acontecendo com aquela peça.
Então isso ajuda bastante (DIS07, em entrevista realizada em 11/11/2019,
grifos meus).
Eu consigo ter uma visão melhor dos assuntos. Eu compreendo melhor
também a resolução dos exercícios, o que está por traz dos exercícios,
nas análises das questões (DIS12, em entrevista realizada em 13/11/2019,
grifos meus).
Melhorou, eu consigo imaginar mais, não ficar preso ali na questão. Você
fica imaginando como seria esta situação, fica mais fácil de você
compreender (DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).
Quando os participantes da pesquisa descreveram suas experiências relatando que
o grafismo: “foi uma das ferramentas que ajudou”, “faz com que você imagine”, “ter uma
visão melhor dos assuntos”, “nas análises das questões” e “fica mais fácil de compreender”;
eles expressaram a prática da variável da hipótese desta pesquisa, ratificando que o
grafismo, ao ser aplicado à luz da metodologia dialética, se torna uma ferramenta de
orientação do pensamento e estímulo ao exercício da imaginação, pois promove o
218
movimento espiral do pensamento em torno do objeto, levando o aprendente à constante
ascensão do seu nível de conhecimento.
Para explicar a relação entre a ascensão do conhecimento e o estímulo ao exercício
da imaginação, primeiro determinei que o ponto de partida e de chegada do conhecimento
fosse a totalidade de um curso de graduação, ou seja, neste caso, todo o conjunto dos
conteúdos que constroem a formação de um engenheiro. Para ilustrar, aplicarei esse
exemplo sobre a espiral do conhecimento que apresentei no capítulo 3. Ao ingressar na
universidade, o estudante está no ponto inicial dessa espiral, coincidente com o início do
vetor que representa a formação em engenharia. Este vetor, que tem o ponto de partida e de
chegada deste movimento dialético do conhecimento ao longo da graduação, está sobre a
linha vertical que representa a experiência intelectiva ao longo da vida do sujeito. O nível
de conhecimento e pensamento do estudante é a linha que forma a espiral. No início do
movimento, ela está conectada a linha vertical e, devido à proximidade, o aprendente não
consegue enxergar o complexo campo que forma o engenheiro, pois ele ainda está no
primeiro período letivo de sua formação. À medida que o estudante avança nas componentes
curriculares e cumpre seus créditos, o seu conhecimento em torno do vetor segue evoluindo.
A cada volta da linha em espiral que segue se distanciando do centro, um conteúdo, cada
vez mais complexo, é apreendido pelo pensamento do estudante. Ao chegar no final do
curso, no fim do vetor e do movimento em espiral do conhecer, a linha vertical do centro
da espiral, a linha da vida, continua em sua natureza – ao longo do exercício da engenharia
– mas o nível de conhecimento e a forma do pensamento do indivíduo no ponto de chegada,
pensa, imagina e resolve problemas como um engenheiro.
À luz deste entendimento, então retomo à MEC II com a explicação do docente:
Eu sempre falo sobre a força em Newton no primeiro dia de aula e, veja
só, eles não lembram. A força em Newton, nada mais, é o peso da
estrutura toda: o carregamento da estrutura sob a ação da gravidade. Para
dar em Newton é o quilograma multiplicado pela aceleração da
gravidade, isto é, força = massa x aceleração. É Física básica!
conhecimentos que eles tiveram lá atrás (DOC, em entrevista realizada
em 28/11/2019, grifos meus).
Neste depoimento, o dado levantado é que parte dos discentes mencionados pelo
professor chegaram em MEC II sem a lembrança de um conteúdo básico que foi apresentado
a eles pelas componentes de física. É um dado importante e preocupante, porque é um fator
que rompe o movimento da construção do nível de conhecimento do aprendente, que deve
ser contínuo, ascendente e evolutivo. Conforme explicado, mecânica dos sólidos é uma
219
componente curricular das mais importantes, pois exige todo o conhecimento adquirido
anteriormente pelos estudantes e é fundamental para as próximas matérias específicas e
profissionalizantes. A dificuldade de visualizar da aplicação dos fenômenos físicos sobre
os objetos tridimensionais para a resolução dos problemas em engenharia, entre outras
causas, está na não apreensão anterior dos próprios fenômenos físicos. Se os discentes não
“lembram a força em Newton”, significa que, “lá atrás”, eles decoraram os conteúdos, não
os apreenderam. Consequentemente, pouco evoluíram, de fato, no seu nível de
conhecimento e na capacidade imaginativa, pois relatam dificuldades em visualizar as
análises pelo pensamento das possibilidades de resoluções dos problemas de MEC II.
Em cada volta em torno do objeto, ou seja, a cada análise de um elemento que
constitui o objeto, o pensamento do indivíduo apreende uma parte do conhecimento daquele
objeto e, assim sucessivamente, até a apreensão da totalidade do objeto do conhecimento –
como no exemplo da formação do engenheiro. Considerando que analisar é imaginar as
partes do todo, então ao imaginar cada parte do objeto, o indivíduo apreende em sua
imaginação uma parte do conhecimento daquele objeto e, assim sucessivamente, até a
apreensão da totalidade do objeto na imaginação. Portanto, a aplicação do grafismo com o
objetivo da apreensão do conhecimento promove uma constante ascensão de imaginações,
de visualizações mentais do objeto conhecido no pensamento. Porque apreender é imaginar
o próprio objeto do conhecimento – diferente de reter, memorizar.
Entendo que o fato dos discentes não conseguirem visualizar a aplicação dos
conceitos físicos para a resolução dos problemas de engenharia em MEC II, é consequência
do rompimento da evolução das suas linhas espirais do conhecimento em algum momento
de seus percursos escolares. Nos dados coletados nesta pesquisa, foi identificado que este
lapso ocorreu na passagem dos discentes pelas componentes de física e cálculo. Porém,
antes de elaborar qualquer juízo, devo ressaltar que os estudantes ingressam na universidade
com o nível de conhecimento insuficiente e incompatível com o que lhes é exigido pelas
componentes do ensino superior – esta observação serve tanto para matemática e física,
como também para biologia, português, geografia, história etc.
Sendo assim, posso concluir que as especulações de tom crítico ao sistema de
ensino instalado no Brasil – por Anastasiou e Pimenta (2014), Wachowicz (1989), Aranha
(2006), Luckesi (2011), Libâneo 2011) e Saviani (1999) – apresentadas no capítulo 4, sobre
um combinado entre ensino tradicional e tecnicista, ancorados na transmissão e
memorização, quando observadas, são ratificadas nos fatos. A educação de estilo bancário,
como nomeou Paulo Freire, em algum momento, cobra a proatividade intelectual do
220
estudante com juros e correção monetária, fruto do que não lhe foi ensinado desde o início
de sua vida escolar. Portanto, neste sistema, não há como apontar culpados: todos são
vítimas de um sistema de ensino em crise.
Como a imaginação do indivíduo, o nível do conhecimento é uma matéria imensurável.
No início desta seção, apresentei a percepção dos discentes sobre como a prática do grafismo
os auxiliou na resolução dos problemas de MEC II. No trecho abaixo, segue a percepção do
docente, na sua entrevista, referente ao segundo ciclo de ação da pesquisa.
Olha só, nos semestres anteriores, os alunos eram uma constante. Neste
agora, eu percebi, por exemplo, um aluno que estava com dificuldade em
resolver a questão. Eu falei com ele várias vezes: “você não está indo pelo
caminho certo”, tentando dar esta dica pra ele. Então, de repente, ele
começou a descrever o processo que estava construindo. Aí, ele
analisou: “ah professor, descobri onde eu estava errando!” E eu:
“ah!”(risos). Ele conseguiu montar o caminho e resolver tudo
direitinho, tudo sozinho. Porque ele construiu o processo na mente dele,
colocando por partes. Antes ele estava, simplesmente, jogando as
equações – aplicador de fórmula – e dizendo: “se eu fizer isto, vai dar
certo!” E eu disse: “não vai, porque é um sistema indeterminado, cortando
a estrutura no meio, achando que o que funciona de um lado, funciona do
outro. Não! Ao cortar no meio surgem outras forças que vão ter que
equilibrar este sistema.” (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019,
grifos meus).
Então, esse processo de construção deu uma melhorada. A turma em
si, depois que eu comecei a usar esta metodologia, deu uma ativada,
deu uma melhorada na expressão facial dos alunos. [...] Eu vejo no
processo de construção do raciocínio que eles estão sabendo. Sim. Tem
a dificuldade do básico e pecam pela falta de atenção. Pois, quando se tem
falta de base, a estrutura fica abalada. Mas eles estão aprendendo a
colocar o raciocínio em ordem (DOC, em entrevista realizada em
28/11/2019, grifos meus).
Na mesma oportunidade, o professor pegou uma prova de forma aleatória e
demonstrou que, o fato dos discentes “melhorarem” e “colocarem o raciocínio em ordem”,
ficou estampado na própria organização das resoluções das questões. Segundo ele, antes da
aplicação do grafismo, as resoluções “eram um vai e vem” de “tentativas e erros”; era muito
difícil de “entender e corrigir, porque as linhas de raciocínios estavam muito
desorganizadas”. Esse comentário retrata o caos da síncrese no pensamento dos estudantes.
Isto ocorreu no semestre 2019.2, mas com menos recorrência nas provas, sobretudo
daqueles estudantes que praticaram o grafismo durante os estudos e nas resoluções das
provas. Essa observação também fora feita pelos discentes:
221
Então, eu melhorei. Pode ser que eu não alcance a nota pra passar, mas
o que eu era antes e o que passei a ser agora é outra coisa (DIS01, em
entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Me deu uma linha de raciocínio. Tive uma evolução muito grande,
tanto em MEC como nas outras disciplinas. Tanto que em MEC II, minha
nota foi aumentando (DIS02, em entrevista realizada em 16/12/2019,
grifos meus).
Eu acho que foi pela prática do grafismo, mesmo. Porque imagine se
agora eu tivesse desleixado, eu iria perder sem conhecimento! Pois, se caso
agora alguém perca na matéria, a pessoa perde, mas não pode dizer
que não sabe, não tem domínio. Na primeira vez que perdi, eu não tinha
domínio nenhum. Agora eu tenho domínio do assunto. Por mais que eu
não consiga atingir o objetivo final – que é passar – eu já levo uma
bagagem para o próximo semestre (DIS03, em entrevista realizada em
16/12/2019, grifos meus).
Em relação ao meu conhecimento, sim. Eu consegui ver que eu aprendi
realmente o assunto, entendi os conceitos que MEC II dá pra gente
(DIS08, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Eu sou repetente de MEC II. Antes, tinham coisas que eu não conseguia
identificar. Agora, eu consigo (DIS09, em entrevista realizada em
18/12/2019, grifos meus).
Depois que comecei a praticar o grafismo , lia uma questão da prova,
pedia tal coisa, aí já vinha na minha mente como resolver a questão .
Foi proveitoso. [...] Acho que não vou passar, mas estou com a
consciência mais tranquila, porque eu sei que não foi por falta de
conhecimento. Foi falta de atenção. O professor é excelente, não
tenho o que reclamar (DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
A organização de ideias: isso melhorou. Acho que até a folha de
respostas da prova, pra mim e para quem está avaliando, melhorou
bastante. A organização da formulação da resposta foi bacana (DIS18, em
entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Para concluir a análise da relação, a ascensão do conhecimento e estímulo ao
exercício da imaginação, destaco a frase do participante DIS12, “[...] depois que comecei a
praticar o grafismo, lia uma questão da prova, pedia tal coisa, aí já vinha na minha mente
como resolver a questão”. Em poucas palavras, este discente traduziu a crença desta tese:
a imaginação é a representação visual do pensamento e seu exercício é fundamental para a
construção do conhecimento e concepção de mundo pelo homem. Eles apontaram que a
implementação do grafismo como técnica de estudos serviu como ferramenta de est ímulo
ao exercício da imaginação dos discentes de MEC II durante o semestre de 2019.2.
222
7.1.6. Grafismo, autonomia de estudos e acesso às videoaulas
O eixo da coleta de dados que investigou o acesso às videoaulas buscou
informações que demonstrassem que a prática do grafismo desenvolveria a autonomia de
estudos dos estudantes e, desta forma, deixariam de buscar auxílio destas ferramentas para
o entendimento dos conteúdos de MEC II. Conforme expliquei no capítulo anterior, o estudo
prévio da técnica e a elaboração do instrumental da pesquisa ocorreram no semestre letivo
de 2019.1. Neste período, a expectativa sobre este estudo era de que os dados apontassem
uma dependência dos discentes pelas videoaulas e solucionários de problemas disponíveis
na internet, um entendimento que ainda estava contido em uma perspectiva de que as
tecnologias interferem no exercício da imaginação.
No entanto, a pesquisa em si tem caráter dinâmico. O referencial bibliográfico e a
própria construção da fundamentação teórica da tese começaram a mudar o ponto de vista
desta pesquisadora, fato que se consolidou na pesquisa-ação. Consequentemente, o estudo
sobre o uso das ferramentas da internet se descolou do cerne do objetivo final do trabalho.
Os questionários e o roteiro semi-estruturado das entrevistas já haviam sido submetidos e
aprovados pela CEP e, para não provocar nenhum atraso no cronograma de
desenvolvimento e finalização da tese, mantive a investigação sem essa alteração.
As perguntas do eixo investigativo se mantiveram, mas a análise e descrição das
respostas do docente e dos discentes participantes receberam outra perspectiva. É
importante, antes, ressaltar que o meu posicionamento sobre as videoaulas e os
solucionários não se define por ser contra ou a favor. O que observo aqui é a atenção pela
qualidade e veracidade teórica e técnica destas ferramentas, pois o uso sem critérios
fundamentados de escolha pode trazer consequências negativas para os estudantes.
a. Por que utilizar as videoaulas?
Com o objetivo de verificar se o uso do grafismo auxiliou no desenvolvimento da
autonomia de estudo dos discentes, a pergunta realizada nos dois ciclos de entrevistas foi:
“você acha que mesmo utilizando o grafismo, precisa assistir as videoaulas?” Daqueles que
responderam positivamente durante as entrevistas referentes ao primeiro ciclo, todos
trouxeram as justificativas de forma espontânea:
Eu gosto de assistir videoaulas porque explica de uma forma mais
simples e com palavras mais acessíveis. Porque o livro, em um capítulo
só, fala de uma maneira muito detalhada, dá exemplo de outras coisas. E
tem mais: os livros daqui da biblioteca são internacionais, eles dão
223
exemplos que não são do nosso cotidiano, me atrapalha muito para
aprender. A videoaula não; é por isto que gosto de complementar com a
videoaula (DIS02, em entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).
De partida, este discente falou sobre a simplicidade das explicações das videoaulas
e complementou a resposta dizendo que os “livros internacionais” trazem exemplos que não
fazem parte do cotidiano do estudante do interior da Bahia e do Brasil. Este relato me
remeteu à reflexão apresentada no capítulo 4: “[...] não basta que os conteúdos sejam apenas
ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua
significação humana e social” (LIBÂNEO, 2011, p. 91). Este pensamento foi um dos
princípios fundantes das pedagogias de tendências crítico-social dos conteúdos, em
oposição às rotinas tradicionais e tecnicistas, que não levavam – e ainda não levam – em
conta o para quem se ensina.
Oh! Videoaula é assim: eu gosto de pegar o livro, comparar o assunto
com o que eu anotei na sala com o que está escrito no livro, embora no
livro, eu tenha mais dificuldade. Por isso, eu gosto de anotar as coisas na
sala de aula. Porque muitas vezes, um detalhe que o professor fala, eu
sabendo deste detalhe, eu já vou interpretar diferente no livro . Então,
eu tenho mais dificuldade de entender uma coisa no livro do que
quando eu anoto. Assistindo a aula, o professor me orientando na sala
de aula, disso não tenha dúvida! Já a videoaula, eu gosto quando eu
estou com muita dificuldade no assunto. Tipo: “meu Deus, eu tenho que
procurar algo mais prático aqui para me guiar.” Utilizo quando estou
com mais dificuldade (DIS09, em entrevista realizada em 13/11/2019,
grifos meus).
A percepção deste discente ratificou o que disse o anterior e ainda reafirmou a
importância que as pedagogias crítico-sociais dão ao entendimento que o conjunto
educacional – docentes e gestores – deve ter sobre os aspectos sociais e culturais dos
estudantes ao elaborar os conteúdos e ferramentas de ensino. O ponto de partida e de
chegada sempre deve ser a prática social dos estudantes (ARANHA, 2006). Caso contrário,
falamos em uma língua que eles não conseguem sequer traduzir.
Além de uma linguagem mais próxima dos estudantes, as videoaulas servem,
também, como dispositivos de lembranças de conteúdos anteriores como revelam as falas
dos discentes, abaixo.
Às vezes! Na verdade, para lembrar. Porque quando eu comecei a fazer
esta técnica do grafismo, eu percebi que, por exemplo, quando a gente faz
aquele somatório “f de x e do momento”, eu não lembrava direito como
era que a gente fazia. Então, com o grafismo, eu precisei justificar
aquilo. Quando eu pesquisei como era que eu justificava, para fazer o
passo a passo, para saber o que ele estava fazendo, me auxiliou, entendeu?
224
Então, é mais para lembrar mesmo. Aquelas definições, o que está ali,
para saber o que eu estou fazendo (DIS07, em entrevista realizada em
11/11/2019, grifos meus).
Normalmente, eu assisto videoaula quando eu tenho alguma dificuldade
em alguma questão: alguma coisa que eu não lembro de MEC I (DIS14,
em entrevista realizada em 11/11/2019, grifos meus).
Buscar uma forma para interpretar o que dizem os livros, uma ferramenta que
auxilie em alguma dúvida, pesquisar, ler, assistir videoaulas e desenhar são ações que fazem
parte daquilo que entendo por autonomia de estudo.
Só quando eu tenho muita dificuldade em algum exercício : aí eu
assisto algumas videoaulas. Mas, em geral, eu procuro os professores
ou o próprio livro (DIS12, em entrevista realizada em 13/11/2019,
grifos meus).
Porque tem coisas que eu não consigo visualizar, mesmo escrevendo o
passo a passo. Aí, por exemplo, se tem uma questão que eu fico em dúvida,
eu tenho que procurar (DIS13, em entrevista realizada em 11/11/2019,
grifos meus).
Como eu estudo mais sozinho, eu acho que ter um acompanhamento
por videoaula é bom (DIS18, em entrevista realizada em 13/11/2019,
grifos meus).
Portanto, eu estava equivocada na opinião hipotética na qual se afirmou que o uso
constante do grafismo, pelo aprendente durante os estudos, desenvolveria sua autonomia e,
paulatinamente, diminuiria os seus acessos às videoaulas, pois uma ação não possui relação
e dependência direta uma com a outra. Como a técnica de estudos é tomada como uma
ferramenta de aprendizagem ou um dispositivo cognitivo, as videoaulas também servem
para o mesmo fim.
As videoaulas, sempre, não têm como largar! Elas ajudam bastante. Em
determinados assuntos, não tem outro jeito (DIS18, em entrevista realizada
em 18/12/2019, grifos meus).
Conforme o relato acima, alguns estudantes sempre usam as videoaulas para
complementar as pesquisas, lembrar assuntos anteriores ou buscar formas “simples” de
explicações. Esta tendência se estabeleceu após a verificação dos dados levantados nos
questionários objetivos do 1º e 2º ciclo. Quando perguntados se as videoaulas auxiliaram
durante a execução dos grafismos, dos 17 discentes que participaram até o final da pesquisa,
11 responderam “sim” nos dois encontros.
225
Antes da investigação, eu havia relacionado as videoaulas a uma dificuldade de
visualização mental e de entendimento por parte dos estudantes. Supostamente, o uso
constante destas seria a causa de tais dificuldades. Porém, os dados levantados apontaram
o equívoco e demonstraram que o uso destas ferramentas é um fato positivo, relacionado
com a atitude de quem está em pleno desenvolvimento da própria autonomia de estudo.
b. Por que não utilizar as videoaulas?
Conforme apresentei no início desta seção, a atenção devidas às videoaulas e
solucionários, apontados neste estudo, é quanto a qualidade da teoria e das práticas
apresentadas por estas ferramentas. Quando perguntado sobre as videoaulas, o docente
participante chamou atenção:
Eu não uso videoaula ainda e não sei onde eles estão pegando. Alguns
estudantes trouxeram videoaulas para questionar um exercício que eu
fiz. O engraçado é que eles não questionaram o que ele (o professor da
videoaula) estava fazendo. Não é um professor; é, sim, um outro estudante.
E estava tudo errado! Aí, eu falei: “vocês estão questionando o seu
professor que tem experiência, que mostra a técnica.” Aí, eu peguei o
exercício do livro e mostrei o resultado. Fiz pelo meu método,
confrontei com o resultado do livro e provei: a videoaula está errada!
Ou seja, eles estão estudando de forma errada, com material errado!
Eles não se preocupam com a procedência das videoaulas (DOC, em
entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
De acordo com o relato, o professor não usa e não indica as videoaulas. Por este
motivo, os alunos ficam livres para optar por qualquer que seja o material encontrado na
internet, com ou sem qualidade. No entanto, parte dos alunos possui consciência de que
algumas das videoaulas acessadas podem representar alguns riscos.
Assisto [as videoaulas], mas assim é mais para conhecer outros
exercícios. Que tem algumas videoaulas que não são boas. Assisto
mais para ter um leque de exercícios (DIS10, em entrevista realizada em
14/11/2019, grifos meus).
Também existe a consciência que apenas o fato de “assistir” a videoaula pode não
significar aprendizado, como afirma o discente abaixo:
A videoaula, quando a gente está perdido, dá uma certa orientação. Mas é
cansativo, às vezes! Não aprende tanto como com o livro: ler, fazer a
anotação. Assiste, assiste e assiste, quando acaba, você não sabe nada, não
lembra nada! Se eu usar é só para resolução de exercícios (DIS16, em
entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
226
No questionário do primeiro ciclo, quando perguntados se assistiam videoaulas
sobre conteúdos da componente durante a execução do grafismo, 7 discentes responderam
que “somente quando teve dúvidas”, 5 responderam que “às vezes”, 4 discentes afirmaram
que “nunca” e apenas 1 discente assinalou a alternativa “sempre”. No segundo ciclo, repeti
o questionário e os 7 discentes, que assumiram assistir as videoaulas, disseram “somente
quando teve dúvidas” no primeiro ciclo, mantiveram suas escolhas. Apenas 1 discente
mudou de opinião entre os ciclos da pesquisa: no primeiro respondeu “somente quando teve
dúvidas” acessava as videoaulas e, no segundo ciclo, disse que “nunca” assistiu enquanto
executava o grafismo. A mudança de opinião deste discente não se repetiu nas entrevistas,
pois, em ambas, ele disse que não acessava videoaulas.
Este fato confirma a minha observação sobre o modo como os discentes
responderam os questionários. Percebi que muitos deles responderam as questões a partir
de leituras rápidas, sem pausas para a autorreflexão. Algumas inconsistências foram
verificadas. Por exemplo, além da suposta mudança de opinião do discente acima
mencionado, neste mesmo eixo investigativo, outra ocorrência chamou atenção: durante as
entrevistas semi-estruturadas, outro discente afirmou não acessar as videoaulas durante os
estudos, confirmou isso nos questionários dos dois ciclos de ação, respondendo que “nunca
assistiu as videoaulas”, mas, quando perguntado se as videoaulas auxiliariam na construção
dos grafismos, ele respondeu “sim” no primeiro ciclo e “não” no segundo ciclo. Observo,
portanto, que ele respondeu aos questionários sem a devida atenção. Este e outros exemplos
me levaram a sempre confrontar as respostas dadas pelos estudantes durante as entrevistas
com aquelas assinaladas nos questionários. Foi uma forma de atestar a validade dos
instrumentos, e principalmente, dos dados levantados para a análise.
O que ficou evidente nesta descrição e análise sobre a relação entre grafismo,
autonomia de estudos e videoaulas, é que não há dependência e sim complementaridade
entre estes aspectos e ações. Este entendimento derrubou a hipótese “os estudantes que
criam o hábito de estudar através do grafismo desenvolvem a autonomia de estudos e
deixam de buscar nas videoaulas o auxílio para o entendimento dos novos conteúdos”. As
videoaulas, assim como o grafismo, fazem parte de um conjunto de ferramentas para
docentes e discentes e, se utilizadas da forma criteriosa, podem se transformar, também, em
eficientes estratégias de ensino e aprendizagem e de ensinagem.
227
7.2. O GRAFISMO COMO UMA ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM APLICADA AOS
DISCENTES DE MECÂNICA DOS SÓLIDOS II
A ensinagem nasceu de um longo processo de observação, pesquisa e experiência
desenvolvida pela professora Léa Anastasiou sobre a didática do nível superior. É um termo
que expressa um processo de compromisso dos pares na direção do saber. Conforme
expliquei no capítulo 5, a ensinagem, “[...] uma situação de ensino da qual necessariamente
decorre a aprendizagem” foi resultado de sua pesquisa de doutoramento intitulada
“Metodologia do ensino superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica”,
em 1998. Digo que a ensinagem é um pensamento didático, pois não só indica caminhos
para a inserção de procedimentos e estratégias de ensino e aprendizagem para o ensino
superior, como leva o professor a refletir em torno da própria conduta, questiona o sistema
institucional onde atua e propõe uma prática de ensino enquanto prática social à luz da
responsabilidade com a sociedade na qual se insere.
De acordo com o que apresentei no capítulo 4, a História possibilitou as mais
diversas formas de ensino e aprendizagem, mas os modelos tradicionais insistem em
perdurar as suas formas nos espaços educacionais deste os tempos medievais, como os dos
jesuítas. Além disso, temos um precário sistema de ensino em todos os níveis de formação
educacional no Brasil e universidades com estruturas organizacionais engessadas, que não
permitem a evolução ideal e necessária, em todos os seus âmbitos, para contribuir ,
efetivamente, com o desenvolvimento social deste país. Estes fatores levam professores e
estudantes universitários a uma sensação de estagnação em um tempo assíncrono com a
realidade na qual estamos vivendo.
A ensinagem é, sobretudo, uma resposta a estes fatores imperativos e demonstra
que o docente do nível superior pode ir além do, simplesmente, dar aulas. É um pensamento
que orienta o professor a estabelecer um acordo com os seus alunos, para que, juntos,
enfrentem os desafios do conhecimento. Neste enfrentamento ao conhecimento, o aluno se
empenha em participar, ativamente, e o professor em propor e mediar o conteúdo através
de estratégias e procedimentos que devem estar, preferencialmente, ancoradas na teoria e
metodologia da dialética do conhecimento. Através desta ótica é possível promover e
possibilitar ao aluno: superar a escuridão cognitiva provocada pelo caos sincrético do
desconhecido; encontrar formas para organizar seu pensamento, sua imaginação, com o
objetivo da apreensão do conhecimento; direcionar o movimento espiral do seu pensamento
228
em torno do objeto do conhecimento e chegar à síntese do objeto, ou seja, a apreensão do
objeto do conhecimento, produto da mediação da análise pelo seu pensamento.
Conforme expliquei nos capítulos 5 e 6 desta tese, os discentes ingressam na UFRB
com o nível de conhecimento insuficiente e incompatível ao que lhes é exigido dentro da
universidade. Isto provoca reprovações, retenções e até abandono dos cursos de graduação.
Além do baixo nível de conhecimento, existe uma fissura na raiz do processo de
aprendizagem destes discentes que potencializa estes problemas: eles estão habituados às
pedagogias tradicionais fundadas na apresentação e memorização, por isto não sabem
estudar para apreender.
No período da formulação do projeto desta tese, o grafismo possuía apenas um
caráter de estratégia de ensino e aprendizagem. Mas, na medida em que eu fui avançando
na pesquisa bibliográfica, onde estudei o desenvolvimento das teorias de aprendizagem ao
longo da história, compreendi que qualquer técnica, procedimento, metodologia ou
estratégia de ensino e aprendizagem, aplicada em sala de aula, deve fazer parte de um
processo amplo e complexo de relações mútuas e infinitas entre professor, aluno e
instituição. A chave para o bom aproveitamento e resultados positivos sobre uma
aprendizagem é, de fato, a apreensão dos conteúdos pelos alunos, através do estudo da
articulação entre o procedimento de ensino e a proposta pedagógica. Este entendimento se
firmou quando encontrei em Luckesi (2011) a devida orientação:
[...] cada um dos procedimentos só faz sentido na medida em que está
articulado com uma proposta pedagógica, que a traduz e a medeia,
constituindo um todo harmônico. [...] cada finalidade exige um
procedimento específico, como sua mediação, de tal forma que possa ser
efetivamente alcançada. Não é qualquer procedimento que serve a qualquer
finalidade. Os procedimentos necessitam estar alinhados com os fins. [...]
Em primeiro lugar, para definir procedimentos de ensino com certa
precisão, é necessário ter clara uma proposta pedagógica, pois é ela que
define os objetivos políticos educacionais, assim como a perspectiva
metodológica de ação. [...] Em segundo lugar, é preciso compreender que
os procedimentos de ensino que vamos selecionar ou construir são
mediações dessa proposta pedagógica e metodológica [...]. Em terceiro
[...] selecionar ou construir procedimentos que conduzam a resultados.
Resultados estes que poderão ser parciais agora, porém que sejam
complexos com a dinâmica do tempo e da história. Em quarto lugar [...]
não poderão ser selecionados ou constituídos com base no senso
comum. O educador deve, ao lado de sua proposta pedagógica, lançar
mão dos conhecimentos científicos disponíveis para tanto (LUCKESI,
2011, p. 196-7, grifos meus).
Tomado este entendimento, encontrei nos processos de ensinagem a proposta
pedagógica de fundamento para a estratégia de ensino e aprendizagem grafismo. Para tanto,
229
trabalhei para que o grafismo se estabelecesse como uma estratégia de ensinagem durante a
pesquisa-ação. Na seção anterior, apresentei a descrição e análise da verificação da
implementação do grafismo enquanto técnica de estudos aplicada aos discentes de MEC II,
durante o semestre 2019.2.
Nos próximos itens, demonstrarei a descrição da elaboração do grafismo enquanto
uma estratégia de ensinagem e, na sequência, a análise da averiguação de duas variáveis da
quarta proposição desta estudo, que foram investigadas através da pesquisa-ação. São elas:
se a aplicação da estratégia de ensinagem grafismo possibilitou aos discentes a consciência
do aprendizado e a motivação pelo sabor do saber; se a aplicação da estratégia de ensinagem
grafismo motivou os discentes ao enfrentamento do conhecimento, levando-os ao
desenvolvimento do protagonismo do próprio entendimento e autonomia intelectual.
7.2.1. Consciência do aprendizado: o sabor da descoberta
O foco desta seção será a apreensão do conhecimento pelo aluno: o cerne do processo
de ensinagem. O objetivo, portanto, foi verificar, através dos dados levantados, se a estratégia
de ensino e aprendizagem grafismo, à luz dos princípios da ensinagem, possibilitou “aos
discentes a consciência do aprendizado e a motivação pelo sabor do saber”.
A elaboração da inserção do grafismo como uma estratégia de ensinagem para
MEC II teve seu ponto de partida na primeira conversa informal com docente titular da
componente, professor Denis Petrucci. Durante esta conversa, apresentei minhas ideias e
ele, imediatamente, se comprometeu em colaborar com a pesquisa, demonstrando grande
interesse, pois se sentia pressionado sem conseguir encontrar saídas para os problemas que
enfrentava, em particular, o baixo nível de conhecimento dos discentes nos conteúdos pré-
requisitos para o desenvolvimento e progresso dos procedimentos de MEC II, que são as
resoluções de problemas em engenharia. Como consequências disso, os discentes
apresentavam, constantemente, dificuldades de visualização de modelos práticos
tridimensionais para aplicação de conceitos físicos; não conseguindo visualizar, os
discentes não conseguiam resolver os problemas, as listas de exercícios; e, sem praticar,
eram reprovados, sucessivamente, na componente. Devido às taxas de insucesso, os
discentes desenvolveram problemas emocionais, tais como, ansiedade e pânico durante a
realização das avaliações, além da cobrança por parte da instituição, questionando-o sobre
os altos índices de retenção na componente de sua titularidade. Isso levou o professor Denis
Petrucci a questionar os próprios procedimentos em sala de aula que, mesmo tentando
230
mudá-los, não obteve resultados positivos. Sem solução ou saída para este infinito ciclo
vicioso, ele se sentia desmotivado e desamparado pela instituição. Observo, portanto, as
consequências negativas em cascata de uma má formação pregressa.
Este foi o panorama que encontrei: um ciclo de relações mútuas e infinitas de
problemas que se repetem e potencializam a si mesmos. De partida, à luz dos processos de
ensinagem, entendo que uma estratégia de ensino e aprendizagem aplicada em um recorte
mínimo e pontual de um universo institucional, sem a colaboração do conjunto de
professores do curso para a elaboração de um planejamento de ensino e aprendizado
articulado com o Projeto Pedagógico do BCET e com o Projeto Pedagógico da Instituição,
seria como lançar uma única semente em um terreno sem cultivo. Este é o quadro real e
existente, mas fui inspirada pelo ideal-necessário e busquei, junto ao professor Denis
Petrucci, realizar o possível.
Segundo as orientações de Anastasiou e Alves (2009), uma estratégia de ensino e
aprendizagem, quando pretende ser ensinagem, exige do docente sua criatividade,
percepção e experiência. Antes de começar a elaboração, o professor deve se inserir em uma
proposta pedagógica: o ideal é que esta esteja definida pelo Projeto Pedagógico do curso.
Caso contrário, o docente deve estabelecer uma pedagogia que atenda as demandas da
componente e obedeça a alguns requisitos que surgem das questões: para quem ensinar, o
que ensinar, para que ensinar. As respostas destas questões se tornam ferramentas para o
docente no processo de elaboração do procedimento de ensino, pois funcionam como uma
espécie de baliza, orientando o que pesquisar dentro de um conjunto de estratégias, para
que selecionar algumas delas e porque propor tal estratégia. O princípio é que atendam aos
estudantes no sentido de se tornarem uma “[...] ferramenta facilitadora para que eles se
apropriem do conhecimento”, segundo explicaram Anastasiou e Alves (2009). Tomadas
estas orientações sobre os processos de ensinagem, formulei uma expressão que representa
a ação docente em busca de uma estratégia:
{𝒇(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐, 𝑪𝑯𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐),𝑵𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐))
𝒇(𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆ú𝒅𝒐 + 𝑶𝑬𝑪)} → 𝑬𝑬𝒏𝒔𝒊𝒏𝒂𝒈𝒆𝒎
Sendo assim, na função 𝒇 dos alunos de MEC II do BCET da UFRB, tratei em
termos gerais dos fatores que são determinantes sobre os seus desempenhos finais na
componente. O CHC – contexto histórico-cultural – considera o para quem ensinar, onde a
maioria dos discentes são baianos, residentes no interior do estado, afrodescendentes,
pertencentes à classe econômica C e D e oriundos do ensino médio público. O NC – nível
231
de conhecimento – corresponde ainda ao para quem ensinar e inclui, de forma pragmática,
o que ensinar. Via de regra, os alunos possuem baixo nível de conhecimento, estão
habituados a memorizar os conteúdos para a realização das avaliações e a desenvolver
demonstrações matemáticas a partir de problemas matemáticos. O OEC – objetivo de ensino
do conteúdo – se refere ao para que ensinar, isto é, os objetivos de ensino dos conteúdos
de MEC II, basicamente a análise das estruturas e a aplicação dos conceitos físicos para a
resolução de problemas em engenharia.
Além destas respostas, há um último fator de requisito para a elaboração de uma
estratégia de ensinagem, determinante sobre todos os anteriores, que é a resposta da questão
do como se aprende. Conforme já mencionei, o discente chega em MEC II com dificuldade
de visualização mental de modelos tridimensionais para a aplicação dos conceitos físicos.
Consequentemente, sentem dificuldades em analisar as estruturas destes sólidos, bem como
perceber quais os fenômenos físicos que agem sobre estes, e não conseguem imaginar
possíveis soluções físicas e matemáticas para as resoluções dos problemas de engenharia.
Este fato é uma consequência das pedagogias tradicionais-tecnicistas, que habituam os
estudantes na memorização dos conteúdos: eles não foram ensinados a apreender, a pensar
sob um método para conhecer. Por isto, sempre recorrem às demonstrações de equações
matemáticas como “simples aplicadores de fórmulas”, porque não sabem imaginar para
conhecer e analisar para resolver.
Considerando estes fatores em "𝒇", função dos alunos de MEC II do BCET da
UFRB, a estratégia de ensino e aprendizagem, elaborada a partir das orientações dos
processos de ensinagem, foi o grafismo, uma técnica de estudo cuja fundamentação é a
teoria e metodologia dialética do conhecimento. O seu objetivo axial é ensinar o estudante
a pensar sob um método para apreender. A partir deste eixo estruturante, o próprio grafismo
se constitui em formas para atingir o seu objetivo: a sua execução leva o estudante à
visualização dos elementos dos objetos do conhecimento, auxiliando na superação da
escuridão cognitiva; se transforma em uma ferramenta de visualização e organização dos
elementos do pensamento; possibilita o direcionamento do pensamento durante o
movimento espiral do conhecimento; leva o estudante à ascensão do conhecimento e,
consequentemente, estimula o exercício da sua imaginação durante o processo de
aprendizagem e análise para a resolução de problemas em engenharia.
Considerando as teorias que a fundamentam – dialética do conhecimento e processos
de ensinagem – o processo de sua elaboração e seu objetivo estruturante, a estratégia de ensino
232
e aprendizagem grafismo aplicada junto aos discentes da componente MEC II do curso BCET
da UFRB, torna-se, portanto, uma estratégia de ensinagem – EEnsinagem.
O início dos trabalhos, de fato, ocorreu antes do semestre letivo 2019.2, quando o
docente colaborador da pesquisa estudou e adaptou o grafismo para a componente e o
inseriu no planejamento do programa de ensino e aprendizagem de MEC II. Seguindo as
orientações da ensinagem, inserimos o grafismo como uma estratégia de ensino e
aprendizagem no programa de ensino da componente.
No primeiro encontro do semestre, como é de praxe, o professor Denis Petrucci
apresentou, aos seus alunos, o planejamento de ensino com os conteúdos, datas das
atividades e avaliações. Na oportunidade, ele explicou que, durante o referido período
letivo, estaria colaborando com uma pesquisa de doutoramento que trataria da verificação
da efetividade de uma estratégia de ensino e aprendizagem. Foi neste momento que o
professor convidou os alunos para experimentar e praticar o grafismo. Ele explicou aos
alunos que um dos objetivos da sua aplicação era auxiliá-los na visualização dos elementos
das questões para a resolução dos problemas. Logo, a prática da técnica de estudos os
ajudaria na compreensão dos procedimentos da componente. O professor explicou, também,
que estava buscando formas para ajudá-los a superar MEC II e que viu, nesta pesquisa, uma
oportunidade para todos e que precisaria do empenho e compromisso da turma. Vale
ressaltar que o início do período letivo foi em agosto de 2019 e a autorização de coleta de
dados pelo CEP ocorreu no final de setembro. Entre o início dos trabalhos do professor com
a turma e a autorização para a execução da pesquisa, em atendimento à Resolução
510/201665, não houve coleta de dados.
No momento do convite do professor aos seus alunos de MEC II, firmou-se um
contrato entre as partes do processo de ensino e aprendizagem. De acordo com a
ensinagem, esta é a primeira etapa do processo, quando professor e alunos se unem com o
objetivo de enfrentar os desafios do conhecimento, em “uma relação contratual de parceria
deliberada”, onde professor e alunos “somam esforços”, conforme explicou Anastasiou
(1998). Rememorando, o capítulo 5, quando foi posto que {(Professor + Alunos) x
Conhecimento} = Aprendizagem, retomo o texto abaixo:
Daí propomos a construção de uma nova relação: {(PROFESSOR +
ALUNOS) X CONHECIMENTO}, onde se torna fundamental superar a
ação do dizer, como ensinar, na adoção de um novo processo
metodológico que considere a abordagem do conhecimento inclusive
65 Resolução 510/2016, Normas Aplicáveis a Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, disponível em<
http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf>.
233
como resultante da realidade. Temos chamado este processo que
interliga ensino e aprendizagem como elementos mutuamente
dependentes de processo de ensinagem (ANASTASIOU, 1998, p. 194,
grifos meus).
A segunda etapa consistiu no professor preparar os discentes para a execução do
grafismo. Inicialmente, ele apresentou a técnica em sala de aula e disponibilizou “o
modelo descritivo” em uma apostila. O professor orientou os discentes a praticarem o
grafismo enquanto estudavam e resolviam os exercícios em casa, cumprindo assim o outro
requisito dos processos de ensinagem, promover “[...] ações efetivadas na sala de aula e
fora dela” (ANASTASIOU, 2009, p. 20). Na sequência, todos os conteúdos e problemas
resolvidos com os alunos em sala de aula foram executados através do grafismo, ou
“modelo descritivo”, ou “passo-a-passo lógico”, assim como denominou o professor Denis
Petrucci. O seu objetivo com estas ações era habilitar os estudantes a executarem o
grafismo a partir do modelo inicial até que eles conseguissem elaborar os próprios
procedimentos, tal qual o princípio da dialética do conhecimento – levar o estudante a
elaborar a própria síntese do objeto.
A próxima etapa coincidiu com a autorização de coleta de dados pela CEP, quando o
professor já havia solicitado aos seus alunos que entregassem determinados exercícios feitos
através do grafismo e que estes “valeriam pontos” na média final na componente.
Eu estou aplicando em sala e passando exercício para eles fazerem em casa.
Pois estes exercícios valerão como “pontos extras” e forma de avaliação
do crescimento deles em MEC. Esta é uma forma de motivação (DOC, em
entrevista realizada em 28/11/2019).
Além da estratégia grafismo, o professor, também, aplicou outras, tais como
resolução de exercícios em duplas, uso dos kits didáticos durante a apresentação dos
conteúdos e apresentação e uso da ferramenta gráfica computacional GeoGebra para a
construção do Círculo de Mohr. Estes instrumentos possuem a finalidade de auxiliar o aluno
na visualização da ação dos fenômenos físicos sobre as estruturas.
Expliquei em sala, mostrei, fiz vários exercícios com eles, demonstrando
como montar o círculo de Mohr e ainda dei a apostila descritiva para as
dúvidas que surgirem em casa (DOC, em entrevista realizada em
28/11/2019).
Este conjunto de ações do professor caracteriza o que preconiza a proposta
pedagógica dos processos de ensinagem. Cabe ao professor disponibilizar meios diversos
para mediar e facilitar a relação de enfretamento do conhecimento pelo discente. Por
234
exemplo, no caso de MEC II, os conteúdos teóricos são abordados através de resolução
de problemas em engenharia, onde todas as atividades estratégicas desenvolvidas pelos
docentes desta componente giram em torno de resolução de exercícios, que vão
aumentando gradativamente o seu nível de complexidade à medida que o período letivo
avança. Estes exercícios, ou problemas, são uma espécie de simulacro do que os discentes
vivenciarão no futuro profissional. Então, a percepção da aquisição do conhecimento dos
conteúdos de MEC II está diretamente relacionada a capacidade que o discente tem de
resolver os problemas.
Quando o professor começou a solicitar aos alunos que realizassem os exercícios
utilizando a técnica “descritiva” do grafismo em sala de aula, eles demonstraram muita
insegurança. Isto ocorreu porque não estavam acostumados a descrever em palavras escritas
os passos das soluções e porque também solicitava deles a ação do próprio pensamento para
a expressão do conhecimento registrada no papel – da organização das ideias e de um
método – algo que eles ainda não sabiam ou não tinham o hábito de fazer. A primeira
atividade com a utilização do grafismo causou um impacto emocional em alguns alunos,
relata o docente:
Teve o caso de uma discente que chegou a ter uma crise de nervosismo e
ansiedade, na primeira vez que eu fiz o exercício com eles, porque ela não
sabia nem por onde começar a escrever (DOC, em entrevista realizada
em 28/11/2019).
Mas o professor continuou com estas atividades em sala de aula e os discentes,
comprometidos em cumprir a sua parte do contrato de aprendizagem, mantiveram a
disciplina da execução dos exercícios de MEC II através do uso do grafismo. A evolução
nas formas de resolução dos problemas foi perceptível aos olhos do professor como também
para os alunos, isto é, eles passaram a observar o entendimento e a aquisição do próprio
conhecimento. Então, aquela discente, que antes teve uma crise de ansiedade, manteve-se
no confronto e conseguiu superar a própria insegurança ao ponto do professor abrir uma
exceção em sala de aula, conforme ele explicou:
Na semana passada, apliquei um exercício e já corrigi na sala mesmo.
Eu tive que dar os parabéns, pedi licença para a turma por ser tão
direcionado, mas eu precisei reforçar o crescimento dela, para
incentivar ela a ir a frente, pois tem potencial. O que aconteceu? As
pessoas têm tanto medo e insegurança que elas não têm certeza daquele
conhecimento. Os alunos precisam ter força no pensamento, daquilo que
sabe, falar aquilo que sabe e se estiver errado: aqui é o lugar de errar!
(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
235
Este fato reforça o pensamento de Anastasiou (2009) quando explica que o
professor, ao ultrapassar o simplesmente dar aula para a prática da ensinagem, auxilia e
conduz o aluno ao conhecimento, a apreensão do objeto do conhecimento – a razão de ser
da ação do ensinar. Convidar o aluno para selar um “contrato de parceria deliberada” para
a “conquista do conhecimento”, onde é clara a necessidade de que ambos devem fazer a sua
parte, faz o professor encontrar formas de mediação e o aluno se dedicar ativamente para
chegar ao conhecimento. Não é técnica didática e tão pouca uma fórmula pronta, mas um
pensamento didático, uma prática com um fim específico. Quando perguntado ao aluno se
o grafismo o auxiliou em MEC II, o discente disse:
Creio que tenha melhorado, pois dá pra assimilar mais o movimento dos
corpos em MEC. E o professor Denis tem ajudado muito. Porque ele
sempre procura didáticas novas para melhorar isso (DIS08, em
entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).
Este comentário acima reforça os resultados da prática do grafismo pelo aluno
bem como a sua percepção sobre as ações praticadas pelo docente. Fato que entendo como
um reflexo do contrato firmado entre as partes do processo de ensino e aprendizagem.
Neste caso específico, onde o contrato de parceria foi estabelecido também em prol da
realização desta pesquisa-ação, um motivo a mais dado para a dedicação dos discentes. O
fim foi o mesmo: a busca pela superação das dificuldades impostas por MEC II. Então, ao
perceber que a experiência “estava funcionando”, aqueles discentes que estavam
praticando o grafismo e ainda participando da coleta de dados da pesquisa, mudaram a
postura espontaneamente.
A turma que está participando da pesquisa passou a sentar na frente,
na primeira fila. Chegam no horário, sempre esperando o que eu vou fazer
(DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
Não só os participantes da pesquisa, pois o grafismo foi aplicado às turmas inteiras.
[...] embora não tenha de memória todos que estão inscritos na pesquisa,
mas vejo que muitos alunos passaram a sentar nas primeiras filas.
Passaram a olhar a componente de outra forma e não dizer mais: “eu
tenho raiva de MEC!” Agora eles dizem eu tenho que aprender porque
é necessário pra mim. Estes agora conseguem analisar e dar aquela
resposta e o mais importante, pensar! Teve um aluno que começou a
fazer a demonstração matemática e quando ele percebeu que não era bem
isso, começou a descrever e responder a pergunta que eu tinha feito
(sobre a estrutura que começa a sofrer tração nas fibras superiores).
Somente responder sem a demonstração matemática. Então, eu vi os dois
procedimentos do estudante e observei que ele conseguiu perceber
236
que antes ele estava fazendo cálculo e não era isto que eu havia
pedido. Ele interpretou! Engenheiro não é só cálculo. Engenheiro dá
parecer a partir de uma análise (DOC, em entrevista realizada em
28/11/2019, grifos meus).
Este relato do professor afirma a percepção do saber pelos alunos e o quanto isto
modifica, inclusive, o comportamento deles em sala de aula. O outro fato pontuado é que
os alunos disseram para o professor que “tem que aprender porque é necessário”, isto é,
ocorreu o desenvolvimento da percepção pelo estudante sobre importância de se dedicar
ativamente a aquisição do conhecimento, que é um resultado esperado na aplicação de
uma estratégia de ensinagem. O contrato firmado entre o professor e os alunos no início
do período letivo foi uma maneira de convocar a participação ativa dos alunos, ou seja,
eles deixaram de ser simples receptores de mensagens passadas pelo professor, nas aulas,
para participarem, deliberadamente, no enfretamento do conhecimento, como a superação
de um desafio.
Eu gostei do incentivo porque eu acho que a gente aprende muito mais!
(DIS04, em entrevista realizada em 12/11/2019, grifos meus).
A palavra é “incentivo”. Com isto, entendi que não foi apenas a colaboração na
pesquisa-ação o fato motivador da dedicação dos discentes pela prática do grafismo. Eles
se sentiram estimulados pela percepção paulatina do próprio conhecimento, onde o “sabor
pela descoberta” é uma consequência natural deste processo.
[...] eu fico me preparando para não decorar quando eu faço a questão.
Eu quero analisar a questão (DIS09, em entrevista realizada em
13/11/2019, grifos meus).
E você foge de estudar só o que o professor ensina da matéria, para
entender aquele assunto. Você fica autodidata, vai buscar
conhecimento para agregar com aquilo que o professor indica: a
bibliografia, livros e artigos (DIS08, em entrevista realizada em
18/12/2019, grifos meus).
Outro aspecto relevante que emergiu em consequência da aplicação do grafismo
enquanto uma estratégia de ensinagem foi a espontânea diferenciação entre retenção
(decorar) e elucidação (aprender) pelos discentes. Isto ficou evidente no último depoimento
acima, quando o aluno relatou que “foge de estudar só que o professor ensina” para
“entender aquele assunto”. Ou seja, ele fugiu de fixar os assuntos para “entender [...]
buscando agregar com [...] bibliografia, livros e artigos”.
237
Este dado observado levou a afirmar que uma estratégia de ensino e aprendizagem,
quando alinhada coerentemente com uma proposta pedagógica que atenda os objetivos de
sua aplicação e se estenda da dimensão do simplesmente dar aulas, rompe o ciclo posto
pelas pedagogias tradicionais onde o professor é o transmissor e o aluno é o receptor de
informações. Este foi o princípio elementar dos processos de ensinagem elaborado por
Anastasiou (1998) e reafirmado através desta pesquisa-ação.
Retomando o último trecho da entrevista do professor, quando ele relata o fato do
aluno conseguir analisar e, “o mais importante, pensar” para resolver as questões, significou
que a aplicação da estratégia de ensino e aprendizagem grafismo, sob os princípios da
ensinagem em MEC II, conseguiu atingir outro objetivo: “levar o estudante a pensar sob um
método para analisar as estruturas”. Este fato foi reafirmado nos depoimentos abaixo:
Eu até fiquei muito feliz porque nessa segunda prova, eu consegui
entender muito bem o assunto, independente da nota que vir, eu consegui
aprender. Fazer o passo a passo certinho. Tinha coisa que eu tinha
dificuldade, e eu consegui, porque pra mim era impossível no semestre
passado. Tipo, isso aqui eu nunca vou aprender. Aí, neste semestre eu
consegui realmente aprender o assunto. E vi que não era tão difícil,
como eu imaginava, que era bem fácil e que isso me ajudou muito (DIS16,
em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus).
Porque é assim, quando você não consegue resolver uma questão, sua
tendência é parar. E eu parava e me desanimava. Aí, quando você vê que
está conseguindo, olha as suas anotações, consegue ver as forças, o
processo construtivo, em casa, sozinha, eu disse no grupo: “gente eu
estou conseguindo entender, venham, vou mostrar pra vocês como é
que se vê as coisas” (DIS01, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Antes eu fazia muito no automático. Pegava as fórmulas e aplicava. Eu tive
muita dificuldade no início, pois tudo que o professor pedia, ele queria
detalhado. Aí, passando o tempo aplicando o grafismo, acabei
desenvolvendo melhor os conceitos para responder as questões (DIS17,
em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).
E para finalizar a descrição e análise desta proposição, destaquei um comentário
espontâneo da percepção de um discente quando reflete que “deveria ter uma organização
entre todos os professores e o grafismo”:
Olha só, eu acho que deveria ter uma organização entre todos os
professores e o grafismo. Assim, o professor Denis explicou tudo
direitinho pra gente. Já tem outros professores que jogam lá o assunto e
deixam a gente livre para pesquisar, tudo bem. Mas aí a gente vai procurar
e cada um fala uma coisa, então não é fácil aplicar o grafismo em todas as
disciplinas. Com a base teórica fundamentada a gente consegue fazer o
238
grafismo daquilo porque a gente já sabe a teoria. E como fazer um
exercício se o professor simplesmente resolve uma questão ou joga,
entendeu? Como o professor que entrega umas apostilas, a gente
consegue ler ali naquele momento, explicando tudo certinho, depois no
passo-a-passo a gente consegue aplicar e reorganizar as ideias. Mas,
quando a parte teórica está meio desmanchada, a gente não consegue
assimilar os exercícios e eu, por exemplo, não consigo fazer nem o
grafismo (DIS07, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).
Esta reflexão do discente se refere a implementação do grafismo em todas as
componentes do BCET, “com todos os professores” – é o ideal e é o necessário. Conforme
expliquei no início deste item, sobre aplicar uma estratégia de ensinagem de forma isolada
em apenas uma componente, seria como lançar uma única semente numa terra sem cultivo.
Porém, no fim do trabalho de coleta de dados, quando finalizei a última entrevista com o
docente e somados todos os relatos dos discentes sobre a experiência, ficou evidente que os
fatos coletados foram além de afirmar os argumentos do arcabouço teórico e das hipóteses
propostas. Aquela única semente não foi jogada num terreno infértil. O professor, motivado
pela evolução dos seus alunos, retomou seus projetos de pesquisa e foi além, começou a
desenvolver novas ideias. Os discentes que participaram da experiência passaram a superar
gradativamente as dificuldades de visualização e organização dos elementos das questões e
ainda, muitos deles, desenvolveram o próprio método de pensar para analisar, imaginar e
resolver os problemas de engenharia. Sob este ponto de vista, com base na comparação do
panorama que encontrei na primeira conversa com o professor com o que ficou após a
experiência, posso afirmar que a estratégia de ensino e aprendizagem grafismo, ancorada
nos fundamentos da ensinagem, promove a consciência do aprendizado pelo aluno e vai
além: motiva a união de alunos e professores pelo sabor do saber.
7.2.2. Autonomia intelectual
Levar o estudante a se presentificar com a percepção da aquisição do
conhecimento e motivá-lo ao sabor pelo saber após apreender a pensar, imaginar para
conhecer, foram os objetivos primeiros do projeto desta tese, tanto da aplicação do
grafismo enquanto técnica de estudo, quanto da implementação da estratégia de ensino e
aprendizagem sob os princípios dos processos de ensinagem. Outro objetivo que já havia
sido pensado se firmou durante a coleta de dados, o desenvolvimento do protagonismo do
próprio entendimento e a autonomia intelectual dos discentes – consequência direta da
percepção da aquisição do saber.
239
Os processos de ensinagem elaborados por Anastasiou (2009), quando orientam a
união entre professor e alunos no enfrentamento do conhecimento, preconizam o
comprometimento da ação dos discentes na superação dos obstáculos impostos durante o
conhecer. Esta ação é a busca do apreender, da ação do pensamento, da imaginação pelo
aprendente no ato do conhecimento. As condições necessárias para que isto aconteça estão
nas formas que o docente encontra para mediar os conteúdos, pois estas devem ter como
objetivo elementar a mobilização do pensamento dos discentes. Ainda sob a orientação da
autora – ratificada por Wachowicz (1989), Vasconcellos (1995), Saviani (1999), Luckesi
(2011) e Libâneo (2011) – as formas de mediação dos conteúdos devem estar alinhadas com
uma proposta pedagógica que tenha como fundamento uma teoria do conhecimento que
apresente uma metodologia da ação do pensar para apreender. Estes autores indicam as
pedagogias de tendências progressistas e a dialética do conhecimento como metodologia do
pensamento. A estratégia de ensino e aprendizagem grafismo atende a estes requisitos, por
isto considero uma estratégia de ensinagem.
Conforme demonstrei no item anterior, o grafismo, por auxiliar o estudante na
visualização, organização e direcionamento do pensamento durante a construção e ascensão
do seu nível de conhecimento, firmou-se como uma ferramenta de ensino para o docente e de
aprendizagem para o aluno. Estes resultados foram verificados porque o docente observou o
desenrolar da estratégia de ensinagem durante o período da pesquisa e percebeu a evolução
dos seus discentes, bem como porque os próprios discentes relataram a percepção da
aquisição do conhecimento após o uso constante da técnica durante os estudos.
Deste modo, o sabor da descoberta por saber resolver é resultado do processo de
aprender a apreender e, ao mesmo tempo, é um estímulo para apreender mais e mais, assim
como o movimento espiral, evolutivo e ascendente. Logo, como consequência do aprender
a apreender, desenvolve-se, de maneira natural e espontânea no aprendente, a autonomia
intelectual, ou seja, o sujeito toma para si o protagonismo do entendimento através do
próprio pensamento. Este fato eleva, gradativamente, a autoestima e segurança do estudante
durante a realização das avaliações de componentes curriculares de grande dificuldade, tal
como MEC II.
Conforme apresentei no capítulo anterior, alguns dos maiores obstáculos
enfrentados pelos discentes de MEC II estão na insegurança e ansiedade causadas pelas
sucessivas reprovações. Esses sentimentos emergem durante as avaliações e em casos
extremos, causam até crise de pânico, fatos observados nos relatos apresentados abaixo:
240
Eu tenho dificuldade de fazer provas. Eu sei o assunto. No semestre
passado eu fiquei triste porque realmente sabia o assunto. Até conversei
com o professor sobre isso, mas quando chega na hora da prova, como
eu falei antes, eu confundo as coisas. Aí, eu coloco no meio de uma
resposta, alguma coisa que eu lembro, ficam surgindo de diferentes
lados e eu meio que acabo errando a questão. Não é que eu não saiba o
assunto, eu tenho esta dificuldade de passar para o papel (DIS04, em
entrevista realizada em 17/12/2019, grifos meus).
Na sala, quando ele fazia as atividades, eu conseguia desenvolver
tranquilamente, mas na hora da prova, eu fico muito ansiosa, nervosa
(DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Por exemplo, nas questões de MEC, eu pegava a questão e ficava, assim,
sem saber o que fazer. Entrava em pânico logo (DIS13, em entrevista
realizada em 16/12/2019, grifos meus)!
O uso do grafismo não resultou em aprovação para 100% dos participantes da
pesquisa, mas amenizou auto cobrança daqueles estudantes. Ao conseguirem resolver os
problemas de MEC II, perceberam a capacidade de entendimento pelo próprio pensamento,
pois foram presentificados pelo conhecimento. Isto os levou a observarem que os problemas
não estavam neles, tão pouco no professor da componente. Este fato mudou a ótica dos
estudantes sobre si mesmos, sobre MEC II e sobre o que é necessário fazer para superar os
problemas postos:
Eu tenho consciência que a culpa não é do professor. Ele faz de tudo
pra gente passar, mas MEC é uma matéria muito complicada. É muito
difícil! Por exemplo, se ele mudar qualquer força de direção, se não
prestar atenção, não vai. [...] Tudo tem um porquê: eu tinha que perder,
estou em MEC II pela quinta vez e pedi pra conhecer este método. Pra mim
é gratificante, pois estou aqui pra aprender (DIS01, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Eu tenho consciência que eu adquiri conhecimento, eu estudei bastante, fiz
vários exercícios, só que na prova rolam outros sentimentos. Na hora
de olhar aquele problema, vem a ansiedade para inventar uma coisa
que não existe. A gente enxerga as coisas assim (DIS08, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Esta mudança de entendimento dos estudantes sobre a situação que se encontravam
foi definida pelo professor como “amadurecimento”. Ao perguntar se ele acreditava que os
alunos estavam evoluindo em resultado da utilização da técnica do grafismo ou porque estão
repetindo a componente, ele assim respondeu:
Eu acho que eles estão evoluindo porque eles estão amadurecendo. A
técnica está fazendo com que eles pensem diferente do que estavam
241
acostumados. Então, foi isso que eu percebi (DOC, em entrevista realizada
em 28/11/2019, grifos meus).
O objetivo de estimular no aluno o desenvolvimento da sua autonomia intelectual
não faz oposição ao fato do estudante estudar com seus colegas de curso. Ao contrário, a
interação com o par sobre um determinado assunto leva o discente a sanar dúvidas, pois a
simples forma de explicar algo através de uma linguagem conhecida, de igual para igual, é
a maior das vantagens de estudar em grupo. Em alguns casos, quando o nível de
conhecimento é baixo e a insegurança sobre a própria capacidade de entendimento está
elevada, alguns discentes criam naturalmente algum tipo de dependência do outro,
principalmente durante a resolução dos problemas em engenharia.
Aí, esta questão de visualização, eu estudando sozinho, não é tão
eficiente. (DIS18, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos meus).
Eu poderia fazer uma extensa lista de fatores que representam a necessidade do
desenvolvimento da autonomia intelectual dos sujeitos, mas concentro aqui meu esforço em
apontar apenas dois: o primeiro é a proatividade, requisito basilar de um profissional de
qualquer especialidade para atuar no mercado de trabalho; e o segundo, que está diretamente
relacionado com este estudo, é o momento da avaliação, pois na maioria das vezes, as
avaliações são individuais. É fundamental o sujeito entender que a aquisição do
conhecimento ocorre pela ação do pensamento, uma ação pessoal, subjetiva e solitária. Se
o estudante não produziu o conhecimento pelo próprio pensamento, em outras palavras, não
treinou as visualizações mentais e resoluções dos problemas a partir do próprio pensamento
e imaginação durante os estudos, certamente não conseguirá visualizar “as deformações”,
tão pouco resolver, sozinho, os problemas durante as avaliações das componentes
curriculares, quiçá na vida profissional.
Com base nesta perspectiva e com o objetivo de verificar se o uso do grafismo
estimulou o exercício da imaginação e desenvolveu o protagonismo do próprio
entendimento nos participantes da pesquisa-ação, elaborei a proposição nominada por
“autonomia de estudos”. As questões do roteiro de entrevista semi-estrurada deste eixo
tinham como cerne o uso do grafismo e seu resultado direto sobre o fato do discente
“conseguir resolver os problemas de MEC II” sozinho. Lançando mão da comparação do
antes com o depois do uso do grafismo, os discentes assim responderam:
Antes, ficava perdida com as anotações. Hoje, as minhas anotações estão
mais ricas. Não conseguia associar as anotações de sala em casa. Eu
242
precisava sempre de alguém, pois, sozinha, eu não conseguia (DIS01, em
entrevista realizada em 14/11/2019, grifos meus).
Semestre passado, eu só estudava em grupo. A gente cria uma
dependência do tipo: quando você começa a estudar em grupo, quando
você vai estudar sozinho, você não consegue. Aí, neste semestre, o grupo
que eu estudava, terminou se separando, por causa de turmas diferentes.
Acabou que realmente eu tive que estudar sozinho e já estava com medo,
pelo costume de estudar sempre em grupo. Aí eu falei: “como é que eu vou
conseguir caminhar?” Aí, apareceu isso (o grafismo) e eu pensei: “pode
me ajudar bastante”. Eu não sabia mais estudar sozinho. Eu comecei
estudar sozinho com este método e estudar bastante, porque, quando
você estuda sozinho, e não consegue entender, logo desiste. Eu comecei
a fazer o passo-a-passo. Quando tinha dificuldade, eu procurava no
livro, tentava sanar estas dificuldade e aprender mais. Foi ótimo
(DIS16, em entrevista realizada em 19/11/2019, grifos meus)!
Antes, eu tentava aprender por erro de exercício. Aí, tinha que recorrer a
alguém pra sanar a dúvida. Só que agora, depois que eu monto o meu
passo-a-passo, eu consigo sanar as minhas dúvidas sozinho, com o
esquema que eu montei. E ficou bem mais fácil para mim (DIS06, em
entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Me ajudou muito na parte de conseguir aprender sozinho. Porque na
maioria das vezes, a gente estudava com um colega e criava uma
dependência. Aí, quando a gente vai estudar sozinho, a gente fica perdido
e na prova também. Pior, né? Quando a gente faz o grafismo, as
anotações, desenhando, fazendo tudo certinho, cria um raciocínio
que ajuda na hora da prova. A gente não fica mais perdido. Quando
a gente não estuda sozinho, não tem nada anotado na cabeça. Nessa
parte da gente se desenvolver sozinho ajuda muito. Quando a gente tira
uma dúvida com o colega, acaba não fixando na cabeça. E quando a gente
escreve, anota, acaba lembrando porque internaliza, não fica superficial
e logo depois esquece (DIS16, em entrevista realizada em 18/12/2019,
grifos meus).
Estes depoimentos ratificam a variável que afirma que a aplicação da estratégia de
ensinagem grafismo motivou os discentes ao enfrentamento do conhecimento e os levou ao
desenvolvimento do protagonismo do próprio entendimento e autonomia intelectual. Este
resultado foi esperado. O inesperado, ou melhor, uma consequência do desenvolvimento da
autonomia intelectual dos estudantes que vale o registro, emergiu da percepção do
participante nas palavras transcritas abaixo:
Eu acho que a melhor parte do grafismo foi a minha autoconfiança na
hora de realizar a prova. Porque isso eu não tinha! Isso foi o mais
importante de ter adquirido. Porque eu acho que isso prejudica o aluno.
Ele é prejudicado por não estar confiante do que está fazendo. E ali,
daquela não confiança, ele quer colocar várias coisas no meio e fica com
as ideias perdidas. No grafismo, ele segue uma linha de raciocínio, pelo
243
menos comigo, eu sigo uma linha de raciocínio que me ajudou a estar
realizando as atividades e a prova também. E mais: ajudou no meu
tempo! Porque antes eu não conseguia terminar a prova a tempo tipo,
voltar para revisar. Agora como eu já sei o passo-a-passo, eu fiz, terminei
a prova, voltei revisando e ainda sobrou tempo. Fiquei lá...tipo, fiquei
nervoso de entregar antes, mas tudo bem! Fiquei um pouco preocupado.
Eu disse: “não é possível, já terminei!? Tem alguma coisa errada”
(risos) (DIS03, em entrevista realizada em 16/12/2019, grifos meus).
O constante uso do grafismo e a gradativa evolução da autonomia intelectual se
tornaram um combustível propulsor da segurança e autoestima dos discentes durante as
avaliações de MEC II no semestre letivo de 2019.2. Dos 17 discentes participantes da
pesquisa-ação, todos afirmaram que fizeram a última avaliação da componente MEC II com
mais “segurança e autoconfiança”.
Eu estou muito mais segura. Porque eu ficava muito nervosa. Me
motivou a estudar, pois eu já estava sem motivação nenhuma, para
disciplina nenhuma e até cheguei a pensar em desistir do BCET (DIS01,
em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Estou mais independente! Eu acho que sim. Não completamente, mas
eu acho que evolui! (DIS04, em entrevista realizada em 17/12/2019,
grifos meus).
Eu saí desta última prova mais confiante. Principalmente, as questões
que eu segui a minha “ordenzinha” que eu tinha montado para estudar
(DIS06, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Estou mais segura, mesmo com a ansiedade (DIS12, em entrevista
realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Eu me senti mais seguro, achava que nunca iria aprender e consegui. É
possível criar uma estratégia e ver que é possível aprender de uma maneira
bem fácil e prática. Me desenvolvi muito ao estudar sozinho (DIS16, em
entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
O professor confirma os relatos dos discentes, pois ele também percebeu a evolução,
tanto no nível de conhecimento dos discentes, quanto nas suas estimas e segurança:
Eu acho que o aproveitamento dos conteúdos pelos alunos está muito
bom. Tem uma estudante que está fazendo o grafismo, não sei se está
inscrita como participante, ela está crescendo muito. E outra que me
chamou atenção: ela está crescendo no processo também. Antes, ela
apresentava uma certa dificuldade, não entendia bem os ângulos, dizia ficar
“perdida”. Hoje, eu vejo que ela já está sendo mais autônoma para
resolver. Não fica procurando o professor para corrigir por causa da
insegurança (DOC, em entrevista realizada em 28/11/2019, grifos meus).
244
Relato que afirma, a ensinagem quando serve como fundamento e orientação na
implementação de estratégias de ensino e aprendizagem, traz em si o princípio do ensino
enquanto prática social. Especialmente nesta pesquisa, a estratégia de ensinagem grafismo
se configurou como uma prática social porque partiu do entendimento que aprender a
apreender não é um processo que ocorre de forma espontânea ou mágica, sem métodos ou
exercícios de análise pelo pensamento – na imaginação – assim como expliquei no capítulo
5. Anastasiou e Pimenta (2014) afirmaram que ensinar o estudante a aprender a pensar
para apreender é uma intenção refletida no ato da escolha de um procedimento adequado
aos objetivos e conteúdos da componente curricular
Houve evolução de conhecimento sim. Antes, eu passava o conteúdo e
perguntava: “alguma dúvida?” O silêncio era total, “nem grilo tinha na
sala!” (risos). Pois bem, se estava tudo bem, eu seguia adiante nos
conteúdos. Quando veio esta metodologia, eles começaram a raciocinar
e questionar, “e se eu fizesse aqui...”, então foi criando na cabeça deles
assim, “ah, eu posso fazer isso?!”, “o que vai acontecer se eu mudar
assim?!”, “ah, o sistema fica fora de equilíbrio”. Eles começaram a
perceber que é preciso analisar o que está acontecendo e não
simplesmente aplicar fórmulas. Esta foi a grande diferença (DOC, em
entrevista realizada em 19/12/2019, grifos meus).
As linhas deste último comentário do docente participante afirmam: o grafismo,
quando alinhado aos princípios da ensinagem e aplicado como uma técnica de estudos aos
discentes das ciências exatas, serve como instrumento de auxílio ao aprendizado, bem como
de mobilização e estímulo à imaginação. Porque raciocinar é imaginar possíveis
associações e articulações, criar é imaginar algo novo, novas combinações, e analisar é
imaginar as partes do todo. E vou além: ensinar a aprender a imaginar para apreender é
uma prática de ensino para o resto da vida, de projetos de vidas.
7.3. RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES
A efetividade de um procedimento de ensino aplicado em uma componente
curricular, seja ele qual for, geralmente é verificada a partir do índice de sucesso de uma
turma de estudantes no final de cada período letivo. Entendo que este tipo de avaliação é
frio. Sob a ótica dialética, por ser uma avaliação apenas de uma parte dos dados coletados
sem a consideração do todo que pertence e os gerou, é uma verificação descolada de
contexto. Por isto, quando tomada somente pelo índice de aprovados e reprovados, este
245
tipo de verificação não tem validade para a análise da aplicação de uma estratégia de
ensino e aprendizagem.
Neste estudo em específico, fiz antes a análise, de caráter qualitativo, da percepção
dos discentes sobre a experiência, que atingiu um amplo alcance de fatores que
influenciaram a efetividade da estratégia de ensinagem grafismo. Somado a esta, trago
também o “Relatório final da componente GCET104 – Mecânica dos Sólidos II” (Anexo II)
disponibilizado pelo docente participante, o professor Denis Petrucci. Sob sua perspectiva,
o professor apresentou, neste relatório, importantes dados em números e percentuais, tais
como: a relação de discentes matriculados na componente no semestre 2019.2 – o universo
da pesquisa; número de discentes que trancaram a matrícula no sistema de gestão
acadêmica; discentes desistentes, ou seja, foram reprovados por falta até a última avaliação;
discentes ativos, aqueles que frequentaram até o final do período; os ativos que foram
reprovados; e os ativos que foram aprovados na componente. Destes dados disponibilizados
no Anexo II, destaquei os resultados do semestre letivo, apresentados na Tabela 3.
Tabela 3– Resultados dos semestre letivo 2019.2
Turma Matriculados
inicialmente Desistências66 Aprovados Reprovados
T01 44 19 43,2% 13 29,5% 12 27,3%
T02 44 23 52,3% 13 29,5% 8 18,8%
Segundo a Tabela 3, um pouco mais de 43% dos discentes da turma I e 52% da
turma II desistiram da componente. Daqueles discentes que frequentaram as aulas e fizeram
todas as avaliações, o índice de sucesso, no final do semestre, mesmo com a aplicação da
estratégia de ensino, não superou a expectativa dos 70% – as duas turmas que compõem o
universo da pesquisa tiveram, concidentemente, 29,5% de aprovados.
Deste universo de estudantes, 18 voluntários foram inscritos no grupo de
amostragem, dos quais 15 alunos (7 da turma I e 8 da turma II) prosseguiram na componente
até o final do semestre, estes fizeram parte do grupo que o docente nominou por ativos,
portanto, os que considerei para analisar os resultados finais. Apenas 1 discente inscrito não
compareceu no segundo ciclo entrevistas, e os outros 2 discentes, mesmo desistindo da
componente, participaram das duas sessões de coleta de dados da pesquisa-ação.
66São consideradas desistências os trancamentos no prazo regulamentar, as reprovações por falta e abandonos,
isto é, aqueles que poderiam ter cumprido todas as avaliações, mas não o fizeram. Lembrando que a reprovação
por faltas impede a participação em avaliações.
246
Analisando o gráfico de evolução de notas da Figura 20 a partir das três avaliações,
dos 15 discentes que fizeram a pesquisa na íntegra, 66% apresentaram alguma evolução ao
longo do semestre letivo com o uso do grafismo. Isto é, conseguiram evoluir em notas
durante o período da pesquisa, entre a 1ª e 3ª avaliação. Dos que evoluíram durante a fase
da pesquisa, 20% não conseguiu aprovação, caracterizando que, mesmo com a evolução,
não foi suficiente para alcançar êxito. Porém ressalto, o uso do grafismo auxiliou na
aprovação de 53% do total dos discentes participantes da pesquisa até o final.
Figura 20 – Evolução de notas com o uso do grafismo.
Portanto, o número em percentual de discentes aprovados que constituíram a
amostragem da pesquisa-ação e se comprometeram em utilizar o grafismo como técnica
durante os estudos, 53% do total, superou a média de 29,5% de aprovados do grupo
universo. Os números frios dos resultados demonstram que a aplicação do grafismo
enquanto uma estratégia de ensinagem surtiu eficácia, embora não tenha atingido a
expectativa de aprovação mínima de 70% dos discentes do grupo de amostragem, bem como
do universo da pesquisa.
Porém, existem elementos que eu considero determinantes e que se escondem por
trás destes números frios. O primeiro deles é o fato das sucessivas reprovações na
componente causar pressão psicológica, ansiedade e, como disse anteriormente, em alguns
casos, crises de pânico durante as avaliações. É o que aconteceu com os 5 discentes do
247
grupo de amostra que não obtiveram a evolução representada em notas nas avaliações da
componente, segundo os relatos dos próprios:
O fato da ansiedade está me prejudicando bastante! Para você ter uma
noção, eu escrevi lá certinho, o momento, a força, que é perpendicular a
uma distância ali na peça. Aí, eu fui lá e coloquei a distância paralela.
Então, às vezes, não é que eu não saiba. Eu consegui escrever isso na prova,
mas na hora do nervosismo, eu acabo trocando as coisas. Eu bato um
número diferente na calculadora, muito pela ansiedade mesmo. Não
porque eu não sei o assunto, entendeu? Então isso acontece muito
comigo (DIS07, em entrevista realização em 11/11/2019, grifos meus).
Eu ficava: “meu Deus, e agora, eu faço o quê, eu acho o quê?” (DIS01, em
entrevista realização em 18/12/2019).
[...] quando chega na hora da prova, como eu falei antes, eu confundo
as coisas. Aí eu coloco no meio de uma resposta, alguma coisa que eu
lembro, ficam surgindo de diferentes lados e eu meio que acabo
errando a questão (DIS04, em entrevista realizada em 17/12/2019, grifos
meus).
Na sala, quando ele fazia as atividades eu conseguia desenvolver
tranquilamente, mas na hora da prova, eu fico muito ansiosa, nervosa
(DIS12, em entrevista realizada em 18/12/2019, grifos meus).
Na teoria, a gente sabe. Se perguntar pra gente o que está acontecendo com
aquele sólido, a gente fala. Só que existem diversos tipos de exercícios e
não tem como a gente fazer de todos os tipos para fazer a prova. Aí,
quando a gente chega lá e encontra uma figura diferente, entra em
pânico e não sabe o que fazer (DIS13, em entrevista realizada em
16/12/2019, grifos meus).
Na última entrevista, o professor comenta este fato e lamenta, “tem estudantes que
não merecem, pois estão se esforçando”. Na opinião dele, que afirma a minha observação,
o problema está nas sucessivas reprovações, pois aqueles discentes que estão em MEC II ,
pela primeira vez, reagiram ao déficit de conhecimento de forma diferente:
Eu percebi uma melhoria na postura dos estudantes repetentes em sala, mas
a linha de raciocínio continua errada, eles ainda não conseguem montar um
raciocínio correto. Mas aqueles que estão fazendo MEC II, pela
primeira vez, estão conseguindo capturar muito melhor com o
grafismo. Eu ainda não entendi porquê! Talvez, conseguiram perceber o
próprio déficit mais cedo. Porque, quando eu comecei a fazer os
primeiros exercícios com o grafismo, as treliças, eles reclamaram que não
haviam visto isto, mas começaram a buscar como solucionar, revisar os
assuntos de MEC I e aprender o que não viram. Aqueles que já estão
repetindo MEC II algumas vezes, já vieram com falta de bagagem e eu
tentando fazer com que eles superem, mas não conseguem. Eles entraram
num ciclo vicioso, infelizmente! Estão, com uma linha de raciocínio
248
errada, não conseguem mudar (DOC, em entrevista realizada em
19/12/2019, grifos meus).
Isto é, o grafismo auxiliou os não repetentes a recuperar o lapso do nível de
conhecimento e ainda serviu como um instrumento de realinhamento do raciocínio –
reafirmando que a aplicação desta estratégia de ensinagem, serve como um procedimento
eficiente para ensinar o aprendente a apreender, pois traz, em si, o princípio do
direcionamento do pensamento para a aquisição do conhecimento.
O professor ainda especula: “talvez a solução seria eu dar MEC I novamente para
eles” – no caso dos discentes repetentes de MEC II.
Conforme o discutido anteriormente neste estudo, segundo o docente titular da
cadeira, ratificado pelos estudantes participantes da pesquisa, o fato dos alunos repetentes
não conseguirem acompanhar as resoluções dos problemas em MEC II está relacionado ao
baixo nível de conhecimento dos conteúdos de MEC I, componente pré-requisito imediato.
Professor e alunos apontam que isto é decorrência da componente anterior ter sido
ministrada por professores substitutos.
Apresentei, no capítulo 6, a série de fatores que levaram (e ainda levam) a UFRB
a contratar estes professores temporários. Antes de prosseguir, devo ressaltar que o
problema ou a culpa não pode simplesmente ser jogada sobre estes profissionais. O erro
está na forma como a instituição os trata e das condições de trabalho que lhes impõem.
Conforme repeti algumas vezes, neste sistema não há como apontar culpados, todos fazem
parte do mesmo processo e são vítimas de um sistema de ensino falido.
A fim de complementar e enriquecer esta análise, fiz um levantamento, através do
SIGAA – Sistema de Gestão de Atividades Acadêmicas67 da UFRB – para obter a relação
percentual de discentes matriculados, desistentes, aprovados e reprovados em: MEC II, nos
semestres 2018.1 a 2019.1; e em MEC I, nos semestres 2017.2 a 2019.1. Estes semestres letivos
antecederam ao da pesquisa. Por essas turmas de MEC, passaram alguns participantes do grupo
que foram submetidos a estratégia de ensinagem. Estes dados serviram como: referência para
uma análise em nível de comparação dos resultados das turmas ministradas pelo professor
titular e as conduzidas pelo professor de contrato temporário, no caso em especial da
componente MEC II no semestre letivo 2018.1; panorama de condições de trabalho do professor
substituto; como parâmetro de análise sobre os resultados das componentes com e sem a
67Disponível no Portal Acadêmico em: <https://www.ufrb.edu.br/portal/sig>.
249
inserção do grafismo – através dos números dos semestres de 2018.1 a 2019.2. Na sequência,
esclareço melhor estas informações.
a. Comparação dos resultados das turmas de MEC II em 2018.1:
No semestre letivo 2018.1, o CETEC da UFRB ofertou 04 turmas de MEC II. As
três primeiras ficaram a cargo do professor titular e a turma T04 foi ministrada pelo
professor substituto. Os resultados das turmas seguem na Tabela 4.
Tabela 4 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.1.
Turma Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 35 08 22,8% 15 42,8% 12 34,2%
T02 34 12 35,2% 14 41,1% 08 23,5%
T03 42 02 4,7% 23 54,7% 17 40,4%
T04 59 01 1,6% 57 96,6% 01 1,6%
Começo a comparação dos resultados entre as turmas a partir das desistências.
Estas revelam o número de discentes que trancaram a matrícula regularmente junto à Gestão
Acadêmica e aqueles que por algum motivo avançaram o máximo de 25% de faltas nas aulas
durante o período. As desistências ocorridas nas turmas ministradas pelo professor titular
foram muito elevadas em comparação às classes ministradas pelo professor substituto.
Segundo o relatório disponibilizado pelo professor Denis Petrucci (Anexo II), além das
dificuldades nos conteúdos, boa parte destas desistências configuraram a “espera por cursos
em caráter especial” ofertados pela instituição, com o intuito de regularizar a vida
acadêmica dos estudantes.
No recesso acadêmico entre 2017.2 e 2018.1, o CETEC ofertou uma turma de MEC
II em caráter especial, que foi ministrada pelo professor substituto e obteve 100% de
aprovação, sem qualquer desistência. Por causa deste precedente, com esperança que o
mesmo ocorresse no recesso seguinte, alguns discentes do semestre regular 2018.1
organizaram uma “lista de interessados” e apresentaram para a Coordenação do BCET como
solicitação de turma especial de MEC II, com a justificativa que estariam retidos na
componente. Há um detalhe importante a se ressaltar: os alunos solicitaram que as aulas do
curso especial fossem ministradas pelo professor substituto. Isto, portanto, ratifica a
argumentação do relatório feito pelo professor titular, bem como os comentários dos
discentes durante a pesquisa, tal como este abaixo que apresentei no capítulo anterior:
250
Ontem mesmo, eu recebi um e-mail de uma turma falando que iria pedir
uma turma de curso de férias para MEC II. Aí, eu disse: “se eu perder
agora, pode me colocar na lista.” E o pessoal falou: “e o professor?”
Melhor que seja o professor Denis: se eu pudesse sugerir, seria ele com
certeza, mas aí... o pessoal quis me matar (DIS09, em entrevista
realizada em 13/11/2019, grifos nossos).
Essa declaração pode explicar o porquê das desistências das turmas do professor
titular serem elevadas ainda durante o período letivo regular. Neste caso, após 2018.1, a
oferta do curso especial não foi possível, pois a avaliação da Coordenação junto a Gestão
de Ensino verificou que não havia necessidade, uma vez que a demanda de alunos era
compatível com a oferta de turmas no semestre regular.
O outro ponto a ser comparado entre as turmas do titular e do professor substituto
é a relação de aprovados versus reprovados. Em números percentuais, os discentes
aprovados na turma ministrada pelo professor substituto é quase o dobro dos resultados das
turmas do titular. Estes números revelaram fatores como: o nível de exigência nas
avaliações elaboradas pelo professor titular foi maior do que a do professor substituto; os
discentes chegaram em MEC II com baixo nível de conhecimento em conteúdos que
deveriam ser apreendidos em MEC I, além de conteúdos das físicas, cálculos, geometria
analítica e desenho técnico. Esta última argumentação foi extraída do relatório do professor
Denis Petrucci (Anexo II), que destacou os resultados de 2019.2, mas que serve para todos
os semestres anteriores àqueles sob análise.
A primeira etapa da mecânica dos sólidos na grade curricular do BCET também é
uma componente que representa alto grau de dificuldade para os discentes, pois, assim como
MEC II, exige todo o conhecimento que deveria ser adquirido anteriormente, além da
capacidade de imaginar soluções, analisar forças e resolver problemas em engenharia. Sendo
assim, suponho que MEC I, por ser uma componente de conteúdos cumulativos e complexos,
também como MEC II, teria os seus resultados com altas taxas de reprovação dos discentes
regularmente matriculados. No sentido de verificar esta proposição, fiz o levantamento das
turmas referentes aos semestres 2017.2, 2018.2 e 2019.1 para observar o comportamento de
aprovações versus reprovações em MEC I, em comparação com MEC II.
Tabela 5 – Resultados referentes às turmas de MEC I em 2017.2, 2018.2 e 2019.1
2017.2
Turma
Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 52 00 – 42 80,7% 10 19,2%
T02 47 00 – 41 87,2% 06 12,7%
251
2018.2
Turma
Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 14 02 14,2% 09 64,2% 03 21,4%
T02 26 00 – 21 80,7% 05 19,2%
T03 37 01 2% 22 59,4% 14 37,8%
2019.1
Turma
Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 55 04 7,2% 37 67,2% 14 25,4%
T02 41 04 9,7% 28 68,2% 09 21,9%
Com vistas a estes números e comparando as taxas de aprovação de MEC II,
apresentadas na Tabela 5, com as de MEC I, estas chegam quase ao dobro daquelas. Estes
resultados têm o lado positivo das aprovações, o que significaria que os discentes em MEC
I evoluíram em suas espirais do conhecimento em engenharia e, ao chegar em MEC II, não
teriam grandes dificuldades. Porém, não é isto o que acontece, os alunos chegam na segunda
etapa da mecânica dos sólidos declarando abertamente que “não sabem” os conteúdos de
MEC I, como no exemplo do relato abaixo:
A minha dificuldade é o entendimento de coisas básicas de MEC I, coisas
básicas de Resistência de Materiais. Isso me dificulta um pouco na hora de
desenvolver aquela questão, de responder o que o professor está pedindo
(DIS09, em entrevista realizada em 13/11/2019, grifos nossos).
Segundo o relato do professor Denis Petrucci, quando eram dois professores
titulares que ministravam as mecânicas dos sólidos, os discentes ficavam retidos em MEC
I: “nesta época, o problema era MEC I”, afirmou ele, “quem passava, chegava pronto em
MEC II”. Por isto, aquela declaração, “talvez a solução seria eu dar MEC I novamente para
eles”, quando o professor especulou uma possível solução para os discentes que repetem
MEC II sucessivamente.
b. Panorama de condições de trabalho do professor substituto.
A culpa pelo baixo nível de conhecimento dos discentes seria mesmo do professor
substituto? Além da turma T04 de MEC II, no mesmo semestre 2018.1, o professor
substituto ministrou as aulas da turma T03 de Desenho Técnico, com 24 estudantes, e as
turmas T02 e T03 de MEC I, com 57 e 23 estudantes, respectivamente. Isso totaliza 163
alunos, 19 horas de carga horária semanal efetiva em sala aula, com três conteúdos
diferentes, responsabilizados a um profissional recém-formado em um bacharelado, sem
252
experiência docente anterior, sem formação ou qualquer forma de apoio pedagógico por
parte da UFRB. Este é um exemplo do panorama das condições de trabalho impostas a um
docente substituto, não só na UFRB, mas na maioria das universidades nas quais são
mínimos os investimentos no corpo docente: neste sistema não há como apontar culpados.
c. Análise sobre os resultados das componentes com e sem a inserção do grafismo.
Do mesmo modo que no item a, começo analisando as desistências de MEC II
durante os referidos semestres da Tabela 6. A estratégia de ensinagem foi inserida na
metodologia da componente em 2019.2 e comparando os seus índices de desistências com
os dos semestres anteriores, aquele apresentou números muito superiores em relação aos
demais. Por exemplo, a T02 de 2018.2 teve 37,7% de desistências, a T02 de 2019.1 com o
resultado de 33,3%, em face dos 52,3% de discentes desistentes em 2019.2. Grosso modo,
2019.2 teve quase o dobro das desistências em relação as demais.
Tabela 6 – Resultados referentes as turmas de MEC II em 2018.2, 2019.1 e 2.
2018.2
Turma
Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 60 09 15% 29 48,3% 22 36,6%
T02 53 20 37,7% 16 30,1% 17 32%
2019.1
Turma
Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 47 10 21,2% 13 27,6% 24 51,1%
T02 60 20 33,3% 23 38,3% 17 28,3%
2019.2
Turma
Matriculados
inicialmente Desistências Aprovados Reprovados
T01 44 19 43,2% 13 29,5% 12 27,2%
T02 44 23 52,3% 13 29,5% 8 18,1%
Segundo o relatório do professor Denis Petrucci, esta “grande evasão” se deve a
uma lista de alunos interessados no curso em caráter especial que circulou nas redes
sociais antes mesmo da primeira avaliação. A cada semestre letivo, existe um período de
trancamento de matrículas de componentes regulamentado pela instituição. Este
dispositivo permite aos alunos evitarem que as suas “possíveis” médias finais baixas ou
reprovações entrem no cálculo dos seus escores, bem como fiquem registradas nos seus
históricos escolares.
253
Na primeira vez que eu peguei MEC II, eu tirei zero nas duas provas. Neste
semestre, eu já tirei zero na primeira e a segunda prova... não sei... mesmo
assim, já entrei na lista do curso de férias (DIS11, em entrevista
realizada em 13/11/2019, grifos nossos).
O comentário do discente acima foi mais um que confirmou a existência da lista de
interessados no “curso de férias”. Além disto, este discente chamou atenção desta pesquisadora,
porque foi o único inscrito no grupo de amostragem que participou apenas das entrevistas do
primeiro ciclo de ação da pesquisa. Busquei informações sobre a turma que pertencia através
do SIGAA e verifiquei que ele trancou a matrícula da componente no período regulamentado
pela UFRB. Fato que ratificou a justificativa do professor Denis Petrucci sobre motivos dos
altos índices de evasão nas duas turmas do semestre 2019.2.
Na comparação da relação aprovados versus reprovados, novamente as turmas do
semestre 2019.2, apresentou resultados negativos para a verificação da estratégia de
ensinagem. Porém, antes de qualquer juízo, devo ressaltar que estes resultados foram
determinados pelas altas taxas de desistências que ocorreram no período, quando, até o final
do semestre, freqüentaram, apenas, 25 alunos da T01 e 21 estudantes da T2 dos 44
inicialmente matriculados em cada uma destas turmas.
Como analiso estes resultados?
Conforme a verificação das variáveis das hipóteses formuladas sobre a aplicação
da estratégia de ensinagem, aqui anteriormente apresentadas, exceto a relação do grafismo
com o acesso às videoaulas, as demais foram aprovadas a partir do confronto da percepção
do docente e dos discentes com os fundamentos teóricos desta tese. Dos 15 discentes
pertencentes da amostragem, que participaram das atividades e fizeram todas as avaliações
da componente, 8 alunos apresentaram evolução nas notas durante o processo e ainda foram
aprovados na componente, número que equivale a 53% desta parte do grupo de amostragem.
A verificação da efetividade do grafismo enquanto estratégia de ensinagem obteve
44,4% de aprovação, quando considerei o mesmo método de avaliação dos resultados das
turmas universo, isto é, quando analisei a partir dos seguintes critérios: pelo número total
de alunos inicialmente matriculados, o que corresponde ao número de inscritos no grupo de
amostragem; pelo número de desistências, que são contabilizados pelos discentes que
trancaram a matrícula da componente ou aqueles que perderam por faltas, ou seja, no grupo
de amostragem, os dois discentes que não fizeram todas as avaliações, mas participaram
dos dois ciclos de ação da pesquisa e o discente que participou apenas de uma sessão de
entrevistas e após a sua segunda avaliação na componente trancou a matrícula; pela relação
254
de alunos aprovados versus reprovados. Esta porcentagem foi maior apenas que a T01 de
2018.2, quando aprovou 48,3% dos discentes. Se voltar um pouco na linha do tempo e
considerar o semestre 2018.1, que foi avaliado no item a, os números do grupo de
amostragem perdem também para os 54,7% de discentes aprovados na T03, que foi
ministrada pelo professor Denis Petrucci.
A estratégia de ensinagem grafismo, quando foi aplicada aos discentes de MEC II
no semestre 2019.2, não atingiu a expectativa de 70% de aprovação em seus resultados.
Quando comparados com os semestres anteriores, que não tiveram a inserção da estratégia
nas suas metodologias no planejamento de ensino e aprendizagem, os resultados em
números percentuais se mantiveram na média. Portanto, à luz dos números frios, a
verificação do grafismo não obteve resultados positivos, pois não elevou os índices de
sucesso das turmas universo da pesquisa-ação.
No entanto, esta análise está ancorada na perspectiva da teoria dialética, onde o
fenômeno social é dinâmico e sua realidade é representada pelas relações entre as suas
partes. Ensino e aprendizagem é um fenômeno social e historicamente dinâmico, a sua
realidade deve ser representada pelas suas relações mútuas e infinitas entre professores,
alunos e instituição da sociedade que pertencem. Sendo assim, no sentido de finalizar esta
análise sobre os resultados das médias finais do grupo universo e dos discentes participantes
da amostragem da pesquisa-ação, destaco, novamente, a última frase de um comentário do
docente participante, que representa, em poucas palavras, o resultado desta pesquisa:
Estou recebendo e-mails de estudantes agradecendo, não por
passar, mas por ensinar a pensar e a estudar (DOC, em e-mail
recebido em 22 de dezembro de 2019, grifos meus).
255
8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES
A gênese desta pesquisa se deu a partir da dificuldade que os discentes do
bacharelado de ciências exatas e tecnológicas, curso que constitui o primeiro ciclo de
formação das engenharias na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, apresentavam
para imaginar os novos conteúdos curriculares. Esta dificuldade impede o estudante de
visualizar mentalmente as articulações e associações – ocorridas entre o raciocínio lógico,
criatividade, subjetividade e memória – das novas informações apresentadas pelos
professores em sala de aula. Em consequência disso, estes discentes apresentam
dificuldades de entendimento e construção do conhecimento dos conteúdos curriculares
expostos em sala de aula.
A partir das dificuldades apresentadas, a proposta de implementação e aplicação da
técnica de estudo do grafismo, como uma estratégia de ensino e aprendizagem sob os
princípios da ensinagem para estes discentes, foi elaborada com o objetivo de lhes auxiliar
enquanto um instrumento para a visualização e organização gráfica dos novos conteúdos,
direcionar os seus pensamentos para o aprendizado e estimular o exercício de suas
imaginações. Estes fatores ocorreram como resultados da aplicação da prática da sua
execução, porque além desta técnica consistir no ato de grafar, isto é, de registrar,
graficamente, os elementos dos conteúdos enquanto o aprendente estuda, fora sistematizada
a partir dos fundamentos da teoria e metodologia da dialética do conhecimento.
8.1. A IMPORTÂNCIA DA APLICAÇÃO DO GRAFISMO ENQUANTO
ESTRATÉGIA DE ENSINAGEM
Planejei a base empírica desta investigação a partir da metodologia da pesquisa-
ação e realizei a verificação da aplicação do grafismo enquanto uma estratégia de ensino e
aprendizagem sob os princípios da ensinagem através da componente curricular mecânica
dos sólidos II do BCET. Dentre outros, três foram os fatores que deram relevo à importância
desta investigação, a seguir explanados.
O primeiro foi a elaboração, fundamentação, implementação, aplicação e
verificação de uma técnica de estudo, a qual teve como principal efeito mobilizar, motivar
e direcionar o primordial e principal motor do processo de ensino e aprendizagem: o
256
movimento do pensamento, da imaginação do estudante, para o aprendizado. A importância
do grafismo está no fato de sua aplicação ser uma estratégia do professor ensinar o aluno a
pensar, imaginar para apreender.
O segundo fator emergiu a partir da escolha da componente curricular, a qual foi
implementada a estratégia de ensinagem grafismo. Mecânica dos Sólidos II é uma disciplina
que mundial e historicamente apresenta uma decorrente necessidade de encontrar caminhos
didáticos para auxiliar docentes e discentes a superarem as dificuldades impostas pelo seu
alto grau de complexidade de conhecimento de seus conteúdos e saírem juntos do penoso
ciclo de reprovações. Por ter sido implementada a partir dos fundamentos teóricos e práticos
dos processos de ensinagem, os quais trazem o caráter de relevância social na prática de
ensino, a aplicação desta estratégia de ensino e aprendizagem obteve resultados que vão
muito além do número de discentes aprovados na componente. O grafismo aplicado em
MEC II, no final da pesquisa-ação no semestre letivo 2019.2, demonstrou que a união
consensual entre alunos e professor, pela superação das dificuldades impostas pela
aquisição do conhecimento dos conteúdos, é o primeiro passo a ser tomado no processo de
ensino e aprendizado.
O terceiro fator que deu relevo na importância da aplicação do grafismo enquanto
estratégia de ensinagem aos discentes de uma componente pertencente ao centro de ensino
ciências exatas e tecnológicas da UFRB foi a comunhão de interesses entre esta
pesquisadora e o próprio centro acadêmico, que busca uma estratégia de enfrentamento aos
altos índices de reprovação e evasão dos nossos discentes. O grafismo foi elaborado com a
expectativa de projeto futuro e, quando da sua implementação e verificação em 2019.2,
recebeu as atenções e comentários que extrapolaram os limites das turmas as quais foi
aplicado. Os seus resultados se tornaram reflexões, críticas e autocríticas, até que se
transformaram num Projeto de Ensino e Aprendizagem para o BCET.
8.2. O PROJETO FUTURO
O desenho do projeto de ensino seguirá os mesmos princípios teóricos e práticos
do que foi aplicado durante esta pesquisa de doutoramento pelo DMMDC/UFBA. A
principal diferença do projeto futuro é que neste pretendo aplicar a estratégia de ensinagem
grafismo desde o primeiro semestre letivo do BCET, pois suponho que ao ensinarmos os
discentes a pensar, a imaginar para apreender, logo no início do curso, conseguiremos
prevenir que os discentes, ao menos grande parte deles, entrem no ciclo das sucessivas
257
reprovações. Desta maneira, estancaríamos também o sangramento das suas mais diversas
consequências, como por exemplo: autocrítica, culpa e desmotivação por parte dos
docentes; e auto pressão psicológica, diminuição da autoestima, ansiedade e pânico de
avaliações pelos estudantes.
Ademais, diferente da experiência com a presente pesquisa, pretendo conquistar a
adesão da maioria dos meus colegas docentes; adaptar, implementar e aplicar esta estratégia
de ensinagem grafismo em boa parte das componentes curriculares do BCET; transcorrer
com a pesquisa-ação e as suas devidas coletas de dados pelo menos por quatro períodos
letivos, os quais seriam os próprios ciclos da pesquisa; e propor, a partir dos resultados
estabelecidos pela implementação do grafismo, a elaboração e implementação de outras
estratégias de ensino e aprendizagem, além de promover a organização de um planejamento
de ensino e aprendizagem do curso de forma articulada entre componentes curriculares e
seus docentes titulares.
Aqueles docentes que ministram as componentes dos períodos iniciais do BCET
que não puderem aderir ao projeto, mesmo não participando efetivamente, terão suas turmas
também como fontes de coleta de dados. Pois elas servirão como turmas de referência da
não aplicação do grafismo como estratégia de ensinagem. Conforme o professor Ponczek
nomeou, estas turmas serão as turmas placebo da pesquisa. E vale observar, terão um papel
fundamental para a compreensão sobre os resultados da execução do projeto pois indicarão,
por meio da comparação com as turmas as quais serão aplicadas a técnica, se o grafismo de
fato auxilia os aprendentes na evolução das suas espirais do conhecimento e os levam a
aprovação final nas componentes curriculares do curso.
8.3. A VISÃO CRÍTICA SOBRE A PESQUISA-AÇÃO
As propostas idealizadas para o futuro Projeto de Ensino e Aprendizagem para o
BCET emergiram da percepção, reflexão e visão crítica que obtive durante a pesquisa-ação
aplicada aos discentes de MEC II em 2019.2. Alguns aspectos do desenho metodológico
desta pesquisa foram determinantes na produção dos seus resultados. Dentre eles, alguns
somaram e outros se tornaram obstáculos para que a aplicação do grafismo, enquanto uma
estratégia de ensinagem, obtivesse uma efetivação de caráter 100% positivo. Porém, a partir
do ponto de vista que a realização desta pesquisa foi um projeto piloto, entendo que todos
estes fatores, pela experiência obtida e reflexão que promoveram, se tornaram elementos
para ajustes e futuras melhorias. A seguir, explico quais são eles.
258
(1) A pesquisa-ação sobre a aplicação da técnica de estudos grafismo, enquanto
uma estratégia de ensinagem, deve ser iniciada nas componentes curriculares possíveis
desde o primeiro período letivo do BCET, pois 50% dos ingressos da UFRB são oriundos
da rede pública de ensino – com seus contextos histórico-sociais, étnico-culturais, do
Recôncavo e do interior do estado da Bahia – chegaram na universidade com o baixo nível
de conhecimento nas matérias basilares e fundamentais, distante do ideal para o bom
desempenho no curso, e apresentam dificuldade de visualização mental dos novos
conteúdos expostos em sala de aula e, em consequência disto, demonstram dificuldades na
apreensão do conhecimento.
Considerando que a verificação da aplicação do grafismo aos alunos de MEC II
demonstrou que esta técnica, durante a sua execução:
• se torna um instrumento de ilustração, visualização, organização do pensamento,
da imaginação para a aquisição do conhecimento;
• registrando no papel os objetos do conhecimento – no caso de MEC II, os
aspectos dos problemas em engenharia –, o aprendente ilustra os elementos
constituintes deste objeto para o seu pensamento, permite que o seu pensamento
adentre, visualize e realize um détour orientado entre a síncrese e a síntese
mediada pela análise do próprio pensamento (KOSIK, 1969; SAVIANI, 1999;
ANASTASIOU, 2009);
• o ato de levar os conteúdos do pensamento para o papel e do papel para o
pensamento durante a construção e ascensão da espiral do conhecimento é um
exercício de estímulo à sua imaginação;
• e constante prática, o estudante aprende e se habitua a pensar para apreender.
Vale observar que quando elaborei o projeto desta pesquisa, ainda na fase imatura
da construção, a componente MEC II já era o corpus objetivo para a aplicação do grafismo
como estratégia de ensino e aprendizagem. Este fato se deu pelos motivos já relatados
anteriormente bem como pela proximidade com o docente titular da componente – o
professor Denis Petrucci pertence a mesma Área de Conhecimento do CETEC/ UFRB a
qual faço parte e sempre nas reuniões deste grupo colegiado, ele apresenta os problemas
que enfrenta na condução de suas turmas. As componentes de ensino dos primeiros períodos
curriculares do BCET também estavam nos planos para a implementação, sobretudo as
físicas. No entanto, no período que busquei parcerias no Centro de Ensino, não encontrei
259
colegas que pudessem colaborar com a pesquisa. Por isto o trabalho foi executando apenas
com MEC II.
Assim, percebi que o fato desta investigação ter sido realizada apenas através da
componente MEC II, localizada no quinto semestre da grade curricular do BCET , levou
aos resultados alguns elementos que impediram o 100% do aproveitamento da técnica de
estudos grafismo, por exemplo, neste período do curso, aqueles discentes que chegaram na
universidade com baixo nível de conhecimento nos conteúdos fundamentais, ao invés da
ascensão da espiral do conhecimento, acumularam um histórico de dificuldades,
reprovações, pressão psicológica e ansiedade. Devido a estes fatores, boa parte dos
estudantes terminam por buscar passar nas componentes curriculares e, em alguns casos,
não conseguem enxergar ao menos a importância da tentativa da dedicação ao apreender os
conteúdos curriculares. Neste cenário, e ainda com a responsabilidade por uma das
componentes de ensino mais importantes para formação de engenheiros, o docente se
encontra também numa situação de pressão e desmotivação.
Mesmo em face destas dificuldades impostas pelo longo percurso curricular até
MEC II, a aplicação do grafismo como uma estratégia de ensinagem promoveu uma
pequena revolução na componente durante aquele semestre. Desde o docente titular da
componente, os alunos voluntários que participaram da coleta de dados, até aqueles que não
participaram diretamente na pesquisa, todos perceberam a diferença no desenrolar do
período letivo, sobretudo no clima de sala de aulas entre alunos e professor, confirmando o
que Anastasiou (1998, 2009) proclamou sobre a importância da soma de esforços de alunos
e professores no embate dos obstáculos para se chegar ao conhecimento. Aqueles discentes
que praticaram o grafismo em MEC II, no semestre 2019.2, perceberam o sabor pelo saber,
voltaram a sorrir e se sentiram motivados a saber mais e mais.
(2) A pesquisa-ação sobre o grafismo deve ocorrer quando for aplicado
enquanto estratégia de ensinagem nos planejamentos curriculares de ensino e
aprendizagem de forma articulada entre as componentes do núcleo de conteúdos
básicos da grade curricular do BCET e seus docentes titulares, pois mesmo que a
aplicação da técnica se inicie no primeiro período letivo do curso, se não for uma estratégia
de ensino e aprendizagem comum às componentes básicas do currículo do BCET, não obterá
os resultados esperados. “Mesmo que o modelo curricular ainda se encontre na forma
tradicional, em grade ou coleção, é possível fazer avanços, planejando-se conjuntamente,
por semestre ou ano-letivo, as possíveis integrações disciplinares”, afirma Anastasiou
(2009, p. 41).
260
O pacote de conteúdos de mecânica dos sólidos (MEC I e II) no BCET começa no
quarto período do curso. Conforme expliquei em outras oportunidades, esta componente de
ensino é uma das mais difíceis para os estudantes devido ao nível e complexidade dos
conhecimentos exigidos. Além disso, o tipo de atividade realizada pelo aprendente, durante
todo o percurso, é, basicamente, a resolução de problemas em engenharia, onde lhes são
convocados o raciocínio lógico para a análise dos fenômenos físicos e a solução de
problemas, através de cálculos matemáticos. Durante a análise dos dados levantados,
observei que, além da dificuldade de visualização da aplicação de fenômenos físicos em
modelos em 3D para a resolução dos problemas, os discentes apresentavam dificuldades na
análise dos aspectos destes problemas. Eles não conseguiam imaginar as partes do todo e
possíveis combinações, associações e articulações para soluções das questões, pois não
foram habilitados e habituados, desde as componentes de conteúdos básicos – as físicas e
os cálculos – a analisar para resolver problemas em engenharia.
Considerando que a execução do grafismo ilustra os elementos das questões,
fórmulas, variáveis e números, separa a essência do fenômeno (KOSIK, 1969), organiza as
ideias, orienta o pensamento entre a síncrese e a síntese pela análise, então as componentes
curriculares das ciências exatas mais indicadas para aplicação desta técnica são as de
conteúdos básicos. Assim, levando o aprendente a pensar, analisar, para resolver
problemas em engenharia de forma articulada e sincronizada desde as componentes iniciais,
quando chegassem em mecânica dos sólidos, certamente, eles não sentiriam estas
dificuldades e ainda não sofreriam com repetidas reprovações.
(3) A pesquisa-ação sobre a verificação da aplicação do grafismo enquanto
uma técnica de ensinagem deve ocorrer no mínimo por quatro períodos letivos. O fato
do grafismo ter sido implementado e verificado em MEC II apenas no semestre letivo
2019.2, somado ao desconhecimento da técnica e seus efeitos por parte dos discentes,
levou ao baixo número de adesão de voluntários para a participação da investigação.
Conforme relatei, anteriormente, os comentários sobre os efeitos do grafismo
extrapolaram os limites entre as turmas as quais foi aplicado, quando os próprios
participantes da pesquisa levaram a técnica para outras componentes curriculares, além
de afirmarem que manteriam a prática de estudos para o resto da vida. Caso o grafismo
fosse inserido como uma estratégia de ensinagem no planejamento de ensino de MEC II
nos períodos subsequentes, com o objetivo de verificação de seus efeitos pela pesquisa,
certamente teria um número maior de adesão de participantes, pois os relatos dos
estudantes demonstraram isto. Por exemplo, teve um discente que desistiu de seguir na
261
componente naquele semestre e ainda assim compareceu nas duas sessões dos ciclos de
entrevistas com o intuito de participar e deixar sua opinião sobre a aplicação da técnica.
No último encontro, ele ainda afirmou: “sou monitora do projeto Acolhida e quero ensinar
o grafismo para os calouros. Pois eu acho interessante, de lá (início do curso), eles
começarem a praticar o grafismo” (DIS15, em entrevista realizada em 18/12/2019). Vou
mais além, considerando os resultados da prática e a forma como estes são difundidos
pelos corredores da universidade, acredito que, após uma sequência de pesquisa-ação por
três períodos letivos, no quarto e último, os novos alunos da componente entrariam com
a expectativa de participar como voluntários. Esta é uma suposição e, por ser resultado de
uma observação e crença, se tornaria um elemento de verificação no futuro projeto.
8.4. PROPOSTAS PARA OUTRAS PESQUISAS
Pelo objetivo principal deste trabalho ter sido a implementação e verificação do
grafismo enquanto uma estratégia de ensinagem aos discentes das ciências exatas e
tecnológicas, primeiro apresentei a visão crítica e conclusiva dos aspectos metodológicos
que julguei serem determinantes nos resultados da pesquisa de base empírica. Tão
importante quanto, a pesquisa de base teórica teve o seu lugar de relevância para a
construção desta tese, bem como alguns produtos que emergiram durante o seu percurso.
São eles: a nova concepção sobre o conceito da imaginação e a fórmula elaborada para
ilustrar a concepção de uma EEnsinagem – estratégia de ensinagem.
Esta última, uma ideia que cabe verificação, os fatores objetivo, tempo e prazo
impostos à metodologia deste trabalho foram decisivos para que não ocorresse o seu
completo desenvolvimento teórico e sua experimentação.
{𝒇𝟏(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐, 𝑪𝑯𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐),𝑵𝑪(𝒂𝒍𝒖𝒏𝒐))
𝒇𝟐(𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆ú𝒅𝒐 + 𝑶𝑬𝑪)} → 𝑬𝑬𝒏𝒔𝒊𝒏𝒂𝒈𝒆𝒎
Sob os princípios da ensinagem, Anastasiou e Alves (2009) deram dicas sobre a
elaboração, organização e implementação de estratégias de ensino e aprendizagem que
soaram como inspiração à minha imaginação produtiva criativa. Somados a esta motivação,
os conhecimentos adquiridos sobre filosofia da educação, pedagogia e didática também me
deram subsídios para o entendimento sobre o entorno das definições de “O que ensinar?
Para que ensinar? e Para quem ensinar?”. Estas teorias, desta maneira, foram
fundamentais para a elaboração desta fórmula. Porém, vale ressaltar que não se trata de uma
fórmula mágica que boa parte dos docentes buscam para implementar estratégias de ensino
262
e aprendizagem e aplicar junto aos seus estudantes. Também não é uma solução por ad
infinitum, mas quando colocada em prática, tende a auxiliar no trabalho. Por isto, vale se
dedicar a seu estudo.
Por exemplo, devido à emergência do ensino on-line, imposto pela pandemia
COVID-19 aos espaços educacionais, muitos de nós, professores, ficamos perdidos, sem
saber como sistematizar os seus planejamentos, não sabendo sequer por onde começar a
traçar uma estratégia de ensino e aprendizagem para este novo modelo. Com base nesta
percepção e o entendimento da abrangência que este método de elaboração de estratégias
atinge, suponho que esta fórmula poderia ser uma opção factível enquanto ferramenta para
o docente em um momento como este. Levando em conta todos estes fatores, inclusive as
necessidades que são potenciais para o estudo, esta fórmula é um tema que se justifica em
si mesmo para a elaboração de proposta de investigação científica.
Estudar os motivos que levam os estudantes a apresentarem dificuldades de
visualização, de imaginação, talvez seja uma questão que jamais me seja explicada
totalmente, pois não há faculdade mental mais subjetiva que esta no ser humano. Além de
representar visualmente a própria subjetividade do estado emocional, representa a memória,
o raciocínio e discernimento dos sujeitos. Como afirmou o meu orientador, professor Dr.
Roberto Leon Ponczek: “não há como mensurar a imaginação!”.
Pois bem, além das especulações sobre as influências que as formas das
comunicações exercem sobre as produções imaginativas, a realização desta pesquisa me
apresentou dois outros motivos passíveis de execução investigativa empírica. O primeiro é
a relação entre a capacidade de imaginação dos problemas em engenharia com o
entendimento e nível de conhecimento dos estudantes sobre os fenômenos físicos .
Observei que o fato dos estudantes não conhecerem os fenômenos físicos, os leva a não
visualizarem estes fenômenos – se não conhece, não enxerga mentalmente. Esta foi uma
crença construída ao longo do meu trabalho, a qual provavelmente seria um importante
ponto de partida para uma investigação futura, onde a principal justificativa seria a reflexão
e demonstração sobre a relevância do bom ensino e da efetiva aprendizagem, por exemplo,
da física para a formação em engenharia.
Da mesma maneira que o conhecimento em física é determinante para a
visualização mental dos modelos em 3D para a aplicação dos seus fenômenos na solução de
problemas, o conhecimento pleno em matemática também é crucial para a visualização
mental das análises pelo raciocínio para as soluções através dos cálculos . Não saber
analisar para calcular foi o segundo fator que observei na causa das dificuldades de
263
visualização mental do próprio raciocínio na análise destes problemas, isto é, da elaboração
da imaginação produtiva. A matemática, na forma de suas componentes curriculares, os
cálculos (I, II, III e IV), são fundamentais ao currículo das engenharias porque são elas que
habilitam os estudantes na lógica, análise e criatividade na resolução de problemas. cálculo
não é apenas aplicação de fórmulas. Não basta levar teoremas e demonstrações matemáticas
aos discentes, eles precisam entender também como e porque usar tais fórmulas.
Anastasiou e Alves (2009) apontam que os conteúdos devem estar articulados entre
todas as componentes curriculares de um curso. Desta maneira, o que ensinar em uma
componente de conteúdos básicos terá objetivos claros para que ensinar e aplicação
específica para quem aprender, como neste exemplo em especial, apreender os teoremas
matemáticos para aplicar em solução de problemas físicos em engenharia – aprender em
cálculo para aplicar em MEC. Sendo assim, os discentes precisam saber por que conhecer
e onde aplicar o conhecimento desde o primeiro período acadêmico, assim “eles despertam
o interesse para o conhecimento”, disse a professora Anastasiou , durante o curso de
capacitação docente na UFRB em 2014. Isto só é possível se ocorrer a articulação e
comunhão entre os docentes do curso. Quer dizer, em termos práticos, é real e necessário,
basilar para a construção e evolução da espiral do conhecimento dos futuros engenheiros,
que o planejamento de ensino e aprendizagem do curso ocorra de maneira articulada entre
as componentes e seus docentes, onde o que ensinar esteja esclarecido para que ensinar e
para quem aprender. Tendo em vista estes entendimentos, então emergiu a crença: se forem
aplicadas estratégias de ensino e aprendizagem com o objetivo de análise e soluções de
problemas em engenharia nas componentes curriculares dos cálculos e físicas, diminuiria o
lapso imaginativo dos aprendentes dos cursos desta área.
Além destes temas que circundam as possibilidades de causa sobre as dificuldades
imaginativas dos nossos estudantes, esta investigação abriu um leque de estudos e
aplicações do grafismo em todas as outras áreas do conhecimento. Este estudo se localizou
nas ciências exatas e tecnológicas e, conforme expliquei, a técnica de estudos pode ser
adaptada e aplicada nas mais diversas matérias, como das ciências biológicas, da
saúde, das humanas e das ciências sociais. Todas as áreas apresentam suas dificuldades
e a aplicação do grafismo como uma estratégia de ensino e aprendizagem pode ser
também mais uma solução.
264
8.5. PARA A UFRB
Quando me debrucei na investigação sobre a história e filosofia da educação, bem
como a história do desenvolvimento da pedagogia, didática e teorias da aprendizagem,
partes apresentadas no capítulo 4 desta tese, apesar de não serem o tema central deste
trabalho, estes conhecimentos foram a presentificação para o meu ser professora.
Confirmando as afirmações de Buzzi (2012, p. 19) quando falou sobre o conhecer – o
nascimento do ser, o mostrar o objeto ao pensamento – saboreei os conhecimentos sobre a
educação aos quais tornaram a prática docente “audível e visível” para mim. Além do re-
nascer como professora, estes conhecimentos serviram para fundamentar e estruturar este
trabalho, encontrar respostas as quais abrandaram alguns questionamentos sobre o ensinar
e o apreender, acender luzes sobre alguns caminhos e indicar quais percorrer até a apreensão
do conhecimento pelos estudantes – motivo que me impulsionou até aqui – além de
esclarecer e abrir o meu campo de visão sobre a estrutura imposta historicamente às
universidades públicas brasileiras.
Dentre estas respostas e esclarecimentos, cheguei à compreensão sobre as relações
mútuas e infinitas de ensino e aprendizagem entre professores, alunos e instituição e
entendi também que entre a universidade real-existente e a ideal-necessária existe um
elemento chave que se chama determinação – nas iniciativas e nas mudanças da
coletividade. Determinação de mudanças nas posturas da instituição. Determinação de fazer
o melhor para o coletivo através da boa prática do ensino. Determinação da coletividade
universitária de sair do posto do ideal-necessário para ser uma universidade real e existente
a nossa sociedade.
A UFRB tem o orgulho de ser a primeira instituição de ensino superior do Brasil a
oportunizar e garantir o total de 50% de suas vagas para estudantes provenientes das classes
menos abastadas da nossa sociedade. Este é o papel político e social das universidades
públicas para a sociedade. Porém, conforme apresentei no capítulo 5 deste trabalho, “não é
somente a garantia de vagas e as políticas públicas de permanência, é necessário garantir
condições de aprendizagem através do desenvolvimento intelectual para a formação
profissional destes projetos de vida”.
Após uma breve análise sobre as concepções de conhecimento e formas de ensino
e aprendizagem previstas no PPI, percebi que há uma inconsistência entre os meios
estabelecidos – políticas de ensino e aprendizagem – e os fins propostos pela UFRB. Na
prática, durante a experiência com a aplicação da técnica de estudos grafismo, da sua
265
essência enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem, sob os princípios da
ensinagem, estar no ensinar a apreender, aquela que até então era uma percepção sobre
uma inconsistência entre os meios e os fins propostos, tornou-se um entendimento e
conclusão sobre uma real necessidade, sobretudo no que concerne a um centro de ensino
em ciências exatas e tecnológicas.
Falta o que é de mais caro em um espaço educacional: um instrumento pedagógico
permanente em cada centro de ensino e efetivo para os docentes e discentes. Este é
fundamental para o apoio e orientação aos estudantes que chegam no ensino superior com
baixo nível de conhecimento, pois não basta ingressar no ensino superior, eles precisam
encontrar caminhos para superar as dificuldades de conhecimento, como por exemplo,
aulas com conteúdos para nivelamento, orientações sobre como apreender, apoio
psicológico, orientação acadêmica etc. Somente assim estes discentes conseguirão
acompanhar e aproveitar os novos conteúdos curriculares para dar início a evolução de
suas espirais do conhecimento no curso que ingressaram. Além do auxílio aos discentes,
uma política da instituição visando a implementação de um instrumento pedagógico
universitário – permanente e efetivo – serve para dar apoio às constantes dúvidas que
surgem na prática de ensino cotidiana, principalmente para os docentes recém
empossados, bem como para os de contrato temporário, estes que são os mais atingidos
pela falta de apoio e orientação. Além disso, o instrumento pedagógico pode promover a
formação e capacitação continuada dos seus docentes, especialmente aos bacharéis. Estes
necessitam conhecer os fundamentos sobre o conhecimento, as formas de ensino e
aprendizagem, bem como o entendimento sobre procedimentos e estratégias de ensino
para auxiliar os estudantes na construção do conhecimento.
Para ser efetiva enquanto uma universidade que “visa compartilhar e promover
conhecimento, diplomar os cidadãos e contribuir para o desenvolvimento social e
econômico do Recôncavo, do Estado e do País” (PDI/ UFRB, 2019-2030), a UFRB
necessita sair do campo ideal-necessário para se tornar real e existente. Não estou falando
em mudanças na estrutura institucional, trata-se da determinação na mudança de posturas,
de fazer o melhor através da boa prática de ensino, de se tornar uma universidade para a
coletividade e de qualificar a contribuição para a transformação da nossa sociedade.
266
8.6. A CONCLUSÃO
Mais difícil do que começar é estabelecer o ponto final de um trabalho como uma
tese de doutorado. Confesso que estas linhas, após longos quatro anos de muito estudo,
pesquisas, descobertas e re-nascimento, estão sendo as mais difíceis, pois existe aquele
sentimento que falta discutir algo a mais.
Conforme demonstrei ao longo deste capítulo, alguns fatores e aspectos deste trabalho,
ou pelos resultados que produziram ou pela reflexão que motivaram, mereceram destaque para
esta discussão conclusiva. Dentre outros que não foram listados aqui, o primeiro fator a destacar
está justamente no qual mencionei apenas no capítulo introdutório desta tese, que além de
motivador para adentrar nesta aventura que é uma investigação científica, é também inspiração
para finalizar as linhas desta tese: a busca por como ensinar para o aluno apreender.
O estudo em torno do estímulo ao exercício da imaginação, das teorias que circundam
o universo da filosofia, epistemologia, educação, pedagogia e didática, bem como a elaboração,
teorização, sistematização e implementação do grafismo enquanto estratégia de ensinagem,
toda esta movimentação intelectual e prática, tiveram esta motivação: o como ensinar para o
aluno apreender. Cada linha desta tese foi construída com esta intenção, pois não há nada mais
angustiante para um professor do que perceber, através do olhar de seus estudantes, que eles
não estão entendendo aquilo que está sendo ensinado.
Motivada por esta busca, compreendi a evolução do conceito da imaginação,
através de uma escavação pela história da filosofia e epistemologias das ciências. Cheguei
ao entendimento sobre como se aprende através da teoria e metodologia dialética do
conhecimento. Descobri por que o universo da educação ultrapassa os limites dos espaços
escolares e toma dimensão de importância política para as sociedades através da história e
filosofia da educação. Percebi como a mudança de postura em sala de aula transforma a
prática docente em uma prática social através da Ensinagem. E constatei que ensinar a
apreender é o primeiro passo do como ensinar para aprender através da verificação da
aplicação do grafismo.
Além disso, vale revelar a conclusão que o professor Roberto Ponczek chegou no final
deste trabalho: esta Tese é um produto pedagógico. Confesso que ao ouvir esta expressão,
bacharel que sou, resgatei da memória e visualizei em minha imaginação todas as trilhas que
percorri até chegar aqui e pensei, valeu à pena! Senti-me feliz por este resultado percebido por
meu orientador, porém ao mesmo tempo, veio-me a responsabilidade e compromisso de
continuar a estudar e aperfeiçoar este produto.
267
Diante a esta intensa experiência de doutoramento, talvez a mais relevante de todas
as observações, investigações e constatações que fiz, ao longo deste percurso, foi: o mais
importante saber do professor está na sua consciência e busca pelo constante aprendizado
sobre o como ensinar os seus estudantes a apreender. Pois diante o dinamismo e
transformação da humanidade, não podemos nos encerrar para o conhecimento, que
também é dinâmico e, sobretudo, transformador.
268
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª ed. Alfredo Bosi. Revisão e tradução
6ª ed. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
AGOSTINHO. A verdadeira religião. Tradução, notas, introdução, índices e organização geral por
Nair de Assis Oliveira (Serie Espiritualidade). São Paulo: Paulinas, 1987.
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 18. ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2013.
AMORIM, Marcel Álvaro de. Documentos oficiais, currículo e ensinagem de I/LE: possíveis (inter-)
relações sócio-históricas. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v.53(2):p.357-380, jul.
2014. Disponível em: <periódicos.sbu.unicamp.br>. Acesso em: 16/03/20.
ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Metodologia do ensino superior: da prática docente a
uma possível teoria pedagógica. Curitiba: IBPEX, 1998.
___________________________________. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem.
In ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L. P. A. (Orgs). Processos de Ensinagem na Universidade:
pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 8.ed. – Joinville, SC: UNIVILLE, 2009. p. 15 –
44.
ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L. P. A. (Orgs). Processos de Ensinagem na Universidade:
pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 8.ed. – Joinville, SC: UNIVILLE, 2009.
ANASTASIOU, Léa G. C.; PIMENTA, Selma G., Docência do ensino superior. 5.ed. São Paulo:
Cortez, 2014.
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofia da Educação. 3ª Ed ver. e ampl. – São Paulo: Moderna,
2006.
ARAÚJO, Inês Lacerda. Curso de Teoria do Conhecimento e Epistemologia. Barueri, SP: Minha
Editora, 2012.
AQUINO, Santo Tomas. Suma de teologia I: parte I. 4. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
2001.
ARISTÓTELES. Sobre a alma. Tradução de Ana Maria Lóio. Revisão científica de Tomás Calvo
Martinez. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa; Imprensa Nacional Casa da Moeda,
2010. (Biblioteca de autores clássicos. Obras completas de Aristóteles. Coord. de António Pedro
Mesquita, v. 3, tomo 1)
_____________. Metafísica: ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentários de
Giovanni Reale. Tradução Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002.
BACON, Francis. O progresso do conhecimento. Tradução, apresentação e notas Raul Fiker. São
Paulo: Editora Unesp, 2007.
269
BARAQUIN, Noëlla., LAFFITTE, Jaqueline. Dicionário universitário dos filósofos. Tradução
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BOMBARDA, Alex Ricardo. A influência das Agências Internacionais no Brasil: os acordos MEC/
USAID no contexto da ditadura militar de 1964. Revista Educação e Emancipação, v. 12 (3): set.
2019, pp. 246-268. Disponível em: <https://doaj.org/article/c17d634ecbc7478fa072832a143c454e >.
Acesso em: 20/03/2020.
BRASIL (2001). PISA 2018. Relatório Nacional. Brasília, DF: INEP/MEC.
BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecimento, a linguagem. 36.ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2012.
CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução Álvaro Lorencini. – São Paulo: Fundação Editora
da UNESP (FEU), 1999.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 14.ed. – 7. Impressão. São Paulo: Editora Ática, 2014.
CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico da língua portuguesa. - 4.ed. revista pela nova
ortografia. – Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
DALBOSCO, Claudio A. Kant & a Educação. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
DAMASCENO, Manoelito. Desenho: uma reflexão conceitual. In: Congresso Internacional de
Engenharia Gráfica nas Artes e no Desenho. Nº 2, 1998, Feira de Santana, Bahia. Graphica 98:
Anais... Feira de Santana, BA: Universidade Estadual de Feira de Santana, 1998. p. 104–107.
DESCARTES, René. Meditações sobre filosofia primeira. Tradução, nota prévia e revisão Fausto
Castilho. – Ed. Bilingue em latim e português. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2004.
The Editors of Encyclopaedia Britannica. Encyclopaedia Britannica. Disponível em:
<https://www.britannica.com>
EINSTEIN, A. (1953) Como Vejo o Mundo. Rio de Janeiro: Editora nova Fronteira, 1981.
FERREIRA, Edson Dias. Sobre a Expressão Pensar Desenho: uma reflexão possível. In: Edson Dias
Ferreira. (Org.). Produção Visual: criatividade, expressão gráfica e cultura vernacular. 1ªed. F.de
Santana / P. Alegre: EDUEFS / sCHDs, 2010, v. 01, p. 01-12.
GALEFFI, Dante; MACEDO, Roberto Sidnei; BARBOSA, Joaquim Gonçalves. Criação e devir em
formação: Mais-vida na educação. Salvador: EDUFBA, 2014.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. – 6ª ed.- São Paulo: Atlas, 2017.
GOMES, Luiz Vidal Negreiros. O desenho que desenha o desenhador. In: Congresso Internacional de
Engenharia Gráfica nas Artes e no Desenho. Nº 2, 1998, Feira de Santana, Bahia. Graphica 98:
Anais... Feira de Santana, BA: Universidade Estadual de Feira de Santana, 1998. p. 27–31.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução Carlos Nelson Coutinho.
- 4ª ed. – Rio de Janeiro: 1982.
GUIMARÃES, Carlos Roberto. O conhecimento (Co-nascer) dos entes a partir das palavras ou sobre a
relação ontológica entre as palavras e os entes. Especiaria – Caderno de Ciências Humanas.
270
Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, v19, n.34, 2019. Disponível em:
<http://www.periodicos.uesc.br >. Acesso em: 01 março 2020.
HEGEL, Georg Wilhem Friedrich. Cursos de Estética I. Tradução Marco Aurélio Werle. – 2.ed.rev.-
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
HESSEN, Joahannes. Teoria do Conhecimento. Tradução João Vergílio Gallerani Cuter. Revisão
Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil.
Organizado por Richard Tuck. Tradução de João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva,
Claudia Berliner. Revisão da tradução Eunice Ostrensky. Ed. brasileira supervisionada por Eunice
Ostrensky. São Paulo: Marlins Fontes, 2003. (Clássicos Cambridge de filosofia política).
HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no
Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. 1.ed. - Rio de Janeiro:
Objetiva, 2009.
HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Texto integral. Tradução André
Campos Mesquita. 2. Ed. São Paulo: Escala, 2003.
HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1986.
EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Tradução H.P. de Andrade. – 11.ed. – São Paulo: Ed
KANT. Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Introdução e notas: Alexandre Fradique Morujão. 5.ed. – Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2001.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Tradução Célia Neves e Aldérico Toríbio. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1969.
KUBISZESKI, Guilherme de Freitas. A Phantasía na teoria aristotélica da alma: sentidos e
dimensões. 2016. 123 f., il. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade de Brasília, Brasília,
2016. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/20992>. Acesso em: 15/07/2018.
LAKATOS, I. Falsification and the methodology of scientific research programmes. In I. Lakatos &
A. Musgrave (Eds.), Criticism and the growth of knowledge (pp. 91-196). Lodon: Cambridge
University Press, 1970.
LAKATOS, I. Falsificação e metodologia dos programas de investigação científica. Tradução de
Emília Picado Tavares Marinho Mendes. Lisboa: Edições 70, 1999.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
LIBÂNEO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. In: LUCKESI, Cipriano
Carlos. Filosofia da Educação. – 3ª ed. – São Paulo: Cortez, 2011. p. 71–97.
___________________. Democratização da escola pública. A pedagogia crítico-social dos
conteúdos. – 23ª ed. – São Paulo: Edições Loyola, 2009.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. – 3ª ed. – São Paulo: Cortez, 2011.
MANACORDA, Mário Aligheiro. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. Tradução
Gaetano Lo Monaco. – 13. ed. – São Paulo: Cortez, 2010.
271
MARCONI, Marina de Andrade., LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica.
- 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003.
______________________________________________. Técnicas de Pesquisa. – 8. Ed. –
[2.Reimpr.]. – São Paulo: Atlas, 2018.
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia e política. – 2. Ed. – São Paulo: Martins Fontes,
1983.
MEDEIROS, Ligia Maria Sampaio de. Desenhística: a ciência da arte de projetar desenhando. Santa
Maria: sCHDs Editora, 2004.
_______________________________. Considerações sobre o desenho enquanto uma tecnologia
cognitiva. In: Congresso Internacional de Engenharia Gráfica nas Artes e no Desenho. Nº 2, 1998,
Feira de Santana, Bahia. Graphica 98: Anais... Feira de Santana, BA: Universidade Estadual de Feira
de Santana, 1998. p. 462–466.
PACHECO, L. M. B.; TRINCHAO, G. M. C.; FERREIRA, Edson Dias; SANTANA, M.; Souza A W
S de . Desenho conhecimento: em direção à construção de sua epistemologia. In: Lilian Miranda
Bastos Pacheco. (Org.). Tempo Cultura Linguagem: reflexões sobre a área do conhecimento do
desenho e algumas implicações. 1ª ed. Salvador: Edufba, 2017, v., p. 17-26.
PLATAFORMA. In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www.uol.com.br/michaelis>. Acesso
em: 13/11/2018.
PONCZEK, Roberto Leon. Deus ou seja a Natureza: Spinoza e os novos paradigmas da Física.
Salvador: EDUFBA, 2009.
RUSSELL, Bertrand. História da filosofia ocidental. Livro 1: A filosofia antiga. Tradução Hugo
Langone. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
_________________. História da filosofia ocidental. Livro 2: A filosofia católica. Tradução Hugo
Langone. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
_________________. História da filosofia ocidental. Livro 3: A filosofia moderna. Tradução Hugo
Langone. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
SARTRE, Jean-Paul. A imaginação. Tradução Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2008.
SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. Teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre
educação e política. – 32 ed. -. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
SILVEIRA, Fernando. A metodologia dos programas de pesquisa: a epistemologia de Imre
Lakatos. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v.13, n.3: 219-230, dez. 1996.
Disponível em:< https://www.researchgate.net/publication/309549338> . Acesso em 23/06/2020.
SPINOZA, Benedictus de. Tratado da Correção do Intelecto. Tradução e notas de Carlos Lopes
Matos. São Paulo: Abril Cultural. 3ª edição, 1983. (Os Pensadores).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, UFRB, Cruz das Almas, Bahia.
Plano de desenvolvimento institucional 2010-2014. Disponível em:
<https://www.ufrb.edu.br/pdi/documentos-norteadores>.
272
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, UFRB, Cruz das Almas, Bahia.
Plano de desenvolvimento institucional 2015-2019. Disponível em:
<https://www.ufrb.edu.br/pdi/documentos-norteadores>.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, UFRB, Cruz das Almas, Bahia.
Plano de desenvolvimento institucional 2019-2030. Disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/pdi/>.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, PRÓ-REITORIA DE
GRADUAÇÃO, CORDENADORIA DE ENSINO E INTEGRAÇÃO ACADÊMICA, NÚCLEO
DIDÁTICO PEDAGÓGICO, Cruz das Almas, Bahia. Projeto pedagógico do curso de Bacharelado
em Ciências Exatas e Tecnológicas. 25/05/2011. Disponível em:
<https://www.ufrb.edu.br/cetec/cursos>.
Vasconcellos, Celso dos Santos. Metodologia dialética de construção do conhecimento em sala de
aula. 1992. 262 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 1992. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10665 >. Acesso em:
19/06/2019.
___________________________. Construção do conhecimento em sala de aula. – 3ª ed. -. São
Paulo: Libertad, 1995.
___________________________. Metodologia Dialética em Sala de Aula. In: Revista de Educação
AEC. v.21, n.83. Brasília: abr./ jun. 1995.
VYGOTSKY, L.S.. A formação social da mente. – 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1991.
WACHOWICZ, Lílian Anna. O método dialético na didática. Campinas, SP: Papirus, 1989.
_______________________. Prefácio. In: ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Metodologia
do ensino superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica. Curitiba: IBPEX, 1998.
_______________________. O conhecimento na ciência da educação. Revista HISTEDBR On-line,
Campinas, n.31, p.83-93, julho, 2008. ISSN 1676-2584. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/index>. Acesso em 26/07/2019.
_______________________. A dialética na pesquisa em educação. Revista Diálogo Educacional,
[S.l.], v. 2, n. 3, p. 171-181 -, jul. 2001. ISSN 1981-416X. Disponível em:
<https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/3541/3457>. Acesso em:
23/07/2019.
WIHBY, Alessandra. O método de ensino da pedagogia histórico-crítica: uma análise crítica. 2018.
415p. Tese (doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2018.
339
ANEXO II. Relatório final da componente Mecânica dos Sólidos II
elaborada pelo docente
Continua...