Herbert Spencer. Da divergência ao evolucionismo
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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
Herbert Spencer
Da Divergência ao Evolucionismo.
Uma Educação para a Modernidade
Ana Paula de Sousa Gonçalves Rocha
ESTUDOS ANGLO-PORTUGUESES
Lisboa, 2000
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Conteúdo
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 4
CAPÍTULO I .................................................................................................................. 11
Rumo a um projecto educativo nacional ........................................................... 11
CAPÍTULO II ................................................................................................................ 37
O inconformismo intelectual de Spencer ........................................................... 37
CAPÍTULO III ............................................................................................................... 69
A formação da individualidade vitoriana ........................................................... 69
CAPÍTULO IV .............................................................................................................. 94
A (falta de) originalidade da teoria pedagógica de Spencer ....................... 120
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 139
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 143
BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA ...................................................................................... 144
BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA ................................................................................ 147
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INTRODUÇÃO
Numa época em que se antecipava a entrada num dos períodos mais férteis da
história inglesa, durante o qual a Grã-Bretanha ascenderia à posição de primeira
potência mundial, os pais daqueles mais tarde identificados como vitorianos
confrontavam-se com a crescente industrialização e o desenvolvimento de novas
técnicas. Esta rápida escalada do progresso, acompanhada pelo desenvolvimento
das ciências, conduziu ao gradual avolumar de questões relacionadas com ética,
valores, tradições, ideais e crenças, resultando numa crescente preocupação com o
ensino e as suas orientações premonitória das reformas que se seguiram.
Em 1809 ano da publicação de Philosophie Zoologique de Jean-Baptiste
Lamarck surgiu em Inglaterra, no Edinburgh Review, um ensaio sobre a educação
inglesa da autoria do reverendo Sydney Smith (figura de destaque no âmbito da
educação), legando o seguinte testemunho:
...That vast advantages ... may be derived from classical learning, there can be no doubt. The advantages which are derived from classical learning by the English manner of teaching, involve another and a very different question; and we will venture to say, that there never was a more complete instance in any country of such extravagant and overacted attachment to any branch of knowledge, as that which obtains in this country with regard to classical
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knowledge. A young Englishman goes to school at six or seven years old; and he remains in a course of education till 23 or 24 years of age. In all that time,
his sole and exclusive occupation is learning Latin and Greek. Now, this long career of classical learning, we may, if we please, denominate a foundation; but it is a foundation so far above ground, that there is absolutely no room to put any thing upon it.1
O excerto aqui reproduzido apresenta uma violenta denúncia da vertente
excessivamente classicista dos planos educativos e matérias curriculares, surgindo,
por conseguinte, numa época de transição, ao longo da qual os sistemas
representativos do conservantismo instalado começaram gradualmente a dar lugar a
uma nova ordem. Herbert Spencer, filósofo evolucionista da era vitoriana, nascido
onze anos depois da publicação deste texto, distanciou-se de opiniões semelhantes
às nele reproduzidas, partilhadas por muitos dos seus contemporâneos, devido a uma
circunstância primacial: a importância reconhecida por Smith ao ensino dos clássicos,
a qual, no caso do filósofo inglês, devia ser exclusivamente atribuída às ciências.
Porém, o sentimento expresso por aquele membro do clero inglês, quatro décadas
antes das propostas spencerianas de reforma educativa (surgidas em “The Art of
Education”, 1854), era sintomático do crescente fervilhar de ideias no respeitante às
metodologias e aos conteúdos programáticos educacionais. A orientação destas, já
no início do século XIX, começava a suscitar dúvidas a pedagogos e políticos, que os
encaravam como desviados dos ensinamentos mais úteis aos cidadãos. O debate
sobre os currículos já se instalara, por conseguinte e como revela o depoimento
acima transcrito, quando Herbert Spencer começou a despertar para as questões
políticas, éticas, sociais e pedagógicas agitadoras dos meios culturais vitorianos, as
quais vinham, desde o início do século, beneficiando de uma estimulante disposição
intelectual para a reorganização do sistema de ensino.
No entanto, os quatro ensaios sobre educação de Spencer, elaborados entre
1854 e 1859, destacaram-se de outras obras precedentes naquele âmbito pela
enorme receptividade de que foram alvo, largamente documentada pelo testemunho
de importantes personalidades suas contemporâneas e exemplificativa da
repercussão produzida pelas ideias spencerianas na sociedade que as acolheu.
Consequentemente, poderia resultar da afirmação atrás proferida a ideia de já tudo
1 Sydney Smith in David C. Douglas (ed.), s.d.: 694.
6
ter sido escrito até aos nossos dias sobre um autor da envergadura deste filósofo, a
quem as cartas, no auge da popularidade, chegavam endereçadas a partir dos locais
mais distantes do mundo com a simples designação: Herbert Spencer, England.
Porém, a presente dissertação sobre o tema em epígrafe justifica-se tanto pelo
estigma que perseguiu Spencer praticamente logo após a sua morte, contribuindo
para o não reconhecimento da paternidade das ideias por ele professadas nas
quais radicam muitas das opções pedagógicas, actualmente professadas como pela
relevância das matérias educativas em geral. Em Spencer, estas seriam,
efectivamente, tratadas com um cuidado muito particular, visando preparar os
homens para a vida completa por via de uma cultura harmónica e metódica aplicada
ao desenvolvimento das faculdades naturais. A sua fórmula, através de normas de
acção adequadas, permitiria enriquecer o espírito, robustecer o corpo e formar o
carácter.
A elevada consideração que os assuntos pedagógicos têm merecido ao longo
de todos os tempos surge particularmente bem assinalada num texto de Ricardo
D‟Almeida Jorge, na altura lente da Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Com efeito,
escrevendo, no prefácio da segunda edição de Educação: Intellectual, Moral e
Physica (1888) (a tradução para português de Essays on Education and Kindred
Subjects (1861) de Spencer), aquele higienista e escritor conseguiu exprimir, de modo
especialmente eloquente, a soberania da função educativa. Atente-se nas suas
palavras:
O animal tem a sua direcção no instincto, d‟um modo fatal e predeterminado; o homem esse tem de crear para si mesmo uma linha de proceder. Por isso Kant, o Copernico da philosophia moderna, dizia que a educação converte a animalidade em humanidade; e, d‟accordo com o eminente organisador do criticismo, Siciliani assigna á sciencia pedagogica, como seu objecto especifico, estatuir os principios e indagar dos meios pelos quaes o ser humano d‟animal se eleve a homem, de homem in posse se torne homem in actu. Esta passagem da creança ao homem seja-me permittido mecanicamente exprimil-a, olhando-a como uma transformação de forças potenciaes em forças vivas, que a educação regularisa e subordina d‟acordo com a maxima utilisação
individual e collectiva. É ao problema educativo que intimamente se prendem as mais graves e as mais imperiosas das questões do dia. É á arena pedagogica que se acolhe a lucta suprema da civilisação. O grande campo de batalha, disse-o Littré, é o da educação e da eschola.2
2 Ricardo Jorge in Herbert Spencer,1888a (1884): xii, xiii.
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O tributo do testemunho acima transcrito não deixa, de facto, margem para
dúvidas quanto à importância que um projecto cultural bem delineado assume no
progresso e na vida dos indivíduos. Herbert Spencer demonstrou ter plena noção
deste facto. Por conseguinte, embora a temática pedagógica não tenha,
aparentemente, sido o eixo fulcral do sistema filosófico arquitectado por Spencer,
ocupou um lugar de relevo no seu pensamento, constatável pela forma recorrente
como essa temática é abordada em muitos dos seus textos dedicados a outras
matérias. Deste modo, a escolha de Spencer e da sua obra educativa como objecto
de estudo da presente dissertação procedeu do desejo não só de conferir renovada
atenção ao seu pensamento racional, progressista e insubmisso, mas, também, de
observar como o manifestou através de um conjunto de ensaios que, de tão actuais,
poderiam ter sido escritos nos nossos dias. O prazer retirado da leitura desses textos,
seleccionados de entre um alargado leque de possibilidades que a vasta obra
spenceriana oferece, foi, igualmente, determinante na eleição de Essays on
Education and Kindred Subjects (1861) como alvo deste trabalho. A isto se veio juntar
o interesse igualmente suscitado pela leitura das suas autobiografia e biografia,
donde se depreende a influência exercida pelas experiências pessoais acumuladas
desde a infância nos princípios filosóficos e educativos concebidos por Spencer,
circunstância, só muito pontualmente, referida na maioria das obras sobre ele
publicadas.
Assim, tanto a riqueza ideológica transmitida através dos seus ensaios por
uma retórica agregadora de energias, inspiradora de mudança e conciliadora do
raciocínio com a sensibilidade , como a quase inexistência de trabalhos sobre
Herbert Spencer em Portugal, legitimam o revitalizar das opiniões daquele filósofo
acerca da reforma de um sistema educativo que evidenciava a necessidade vital de
formar seres autónomos naquela sociedade emergente marcada pelo progresso de
novas tecnologias.
Através do presente trabalho não se visa esgotar todas as possibilidades de
análise da doutrina pedagógica de Spencer. Tal não se tornaria possível quando se
pretende submeter esse objectivo a cerca de centena e meia de páginas. Desse
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modo, por uma questão de economia textual, o corpus seleccionado concentrou-se
nos principais ensaios por ele escritos sobre educação: “Intellectual Education”
(1854), “Moral Education” (1858), “Physical Education” (Abril, 1859) e “What
Knowledge is of Most Worth” (Julho, 1859). Através destes textos poder-se-á proceder
à apreciação de como Spencer preconizava o escopo da educação do homem
moderno e, de igual modo, veiculou a sua defesa do evolucionismo no domínio da
instrução, ou, até que ponto, as suas teorias resultaram originais e reformadoras. Não
se pretende, igualmente, submeter todos os princípios educativos por ele defendidos
a uma crítica exaustiva. Porém, alguns dos aspectos mais determinantes e
veiculativos da sua mensagem doutrinária que se inserem no âmbito da opção de
análise deste trabalho irão ser fruto de uma atenção particular.
No intuito de delinear os contornos epocais e o edifício intelectual vigente, no
seio do qual Spencer iria despertar para a dissensão esboçando as suas propostas
para um projecto educativo, justifica-se o teor do primeiro capítulo. Nele se visou
caracterizar o sistema educacional vitoriano no interior do qual despontaram os traços
marcantes de uma mentalidade crescentemente acolhedora do neoterismo e, por
conseguinte, do pensamento spenceriano. Esse capítulo inicial constitui, por isso,
uma leitura dos sinais mais emblemáticos do universo educacional, no seio do qual se
enfrentavam os interlocutores dos vários conflitos opondo o conservantismo ao
progresso, a tradição à ciência, uma instrução obrigatória controlada pelo Estado a
um sistema dependente do empenho individual, ou as velhas orientações curriculares
às reformas para os planos de estudo.
O segundo capítulo visa definir as linhas directrizes do pensamento de
Spencer, revelando-se indispensável traçar a biografia intelectual deste filósofo, na
qual poderá ser encontrada a génese da ideologia por ele professada. Este capítulo
pretende ser um percurso detalhado na identificação da procedência e relevância da
filosofia evolucionista, bem como do alcance e repercussão da doutrina pedagógica
no pensamento finissecular. O seu idealismo racional, bem intencionado, revelar-se-
-ia, contudo, um atenuante insuficiente na posterior repulsa causada pelo ideário
spenceriano excessivamente individualista, justificando igualmente o esquecimento ao
qual foi votado.
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O terceiro capítulo abordará o núcleo central deste estudo através da análise
dos ensaios sobre educação de Spencer, nos quais ele traçou as linhas de uma
metodologia educativa pretensamente coerente e frutífera. Por conseguinte, no intuito
de determinar o entendimento de Spencer quanto à formação do indivíduo
oitocentista, ir-se-á proceder à análise de como defendeu o papel das ciências em
planos educativos úteis ao progresso; exaltou o papel dos educadores e as vantagens
da auto-instrução como determinantes no processo de aprendizagem; e deixou
transparecer alguns paradoxos na apresentação das suas teorias educacionais,
fragilizando, assim, as suas propostas, em regra consideradas demasiado teorizantes.
No quarto capítulo, aprofunda-se aquela que foi a vertente fulcral do trabalho
de Spencer em todas as áreas do saber: o evolucionismo. Serão, assim, evocadas as
teorias evolucionistas precedentes às de Spencer, para, seguidamente, uma vez
analisada a variante do evolucionismo por si arquitectada, determinar os princípios
norteadores da ideologia spenceriana e a sua aplicação ao âmbito do ensino através
dos ensaios “Intellectual Education” (1854), “Moral Education” (1858) e “Physical
Education” (1859). Dado o teor controverso de alguns axiomas enunciados por
Spencer, a reflexão crítica por eles suscitada surge como oportuna, no intuito de lhes
identificar o alcance e a ousadia doutrinária.
Contudo, como lhe foi sempre apontada uma certa falta de originalidade, o
quinto capítulo dispõe-se a traçar a origem das suas principais concepções
educativas e as influências mais frequentemente associadas a Spencer. Visa, ainda,
determinar as ideias axiomáticas no domínio da educação, de cuja paternidade podia
arrogar-se e identificar o contributo específico da sua construção intelectual para o
ideário educacional dos nossos dias. Revela-se, por conseguinte, necessário
estabelecer um paralelismo entre as ideias professadas por Spencer e as de Johann
Heinrich Pestalozzi, Jean-Jacques Rousseau, Francis Bacon, John Locke e Auguste
Comte. Primeiramente, pelo ascendente que, sem dúvida, essas figuras
emblemáticas, mesmo a grande distância temporal, exerceram sobre a época
vitoriana e, seguidamente, pela circunstância de constituírem as fontes mais
prováveis do pensamento de Spencer no domínio da pedagogia. Porém, como os
traços do seu carácter foram inegavelmente determinantes nas opções pelas quais a
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sua carreira de teórico enveredou, eles serão, também, objecto de abordagem neste
último capítulo.
Dada a circunstância de os problemas educativos então sentidos dos quais
Spencer foi um crítico sobejamente enfático haverem mudado nos nossos dias em
premência e em índole, poderia ter-se perdido no tempo o interesse por eles
suscitado nos pedagogos de outras eras. Porém, a sedução e a frescura das ideias
spencerianas ultrapassou a barreira temporal que as separa deste final do século XX
em mais de cem anos. Nelas se reflectem preocupações tão curiosamente familiares
às correntes pedagógicas contemporâneas que, sem dúvida, continuam a projectar-se
pelo seu efectivo neoterismo. De tal modo assim é, que, Charles W. Eliot, nas páginas
introdutórias à edição de 1976 de Essays on Education and Kindred Subjects (1861),
evocando as mudanças conjunturais e históricas verificadas ao longo do tempo, se
referiu à gradual adopção das teorias educativas do teórico inglês. A propósito,
considere-se o seguinte parágrafo:
The wide adoption of Spencer‟s educational ideas has had to await the advent of the new educational administration and the new public interest therein. It awaited the coming of the state university in the United States and of the city university in England, the establishment of numerous technical schools, the profound modifications made in grammar schools and academies, the multiplication in both countries of the secondary schools called high schools. In other words, his ideas gradually gained admission to a vast number of new institutions of education which were created and maintained because both the government and the nations felt a new sense of responsibility for the training of
the future generations.3 Spencer‟s doctrine of natural consequences in place of artificial penalties, his view that all young people should be taught how to be wise parents and good citizens, and his advocacy of instruction in public and private hygiene, lie at the roots of many of the philanthropic and reformatory movements of the day.4
Justifica-se, assim, a exequibilidade da presente dissertação, a qual, se
favorecer um renovado olhar sobre o pensamento de Herbert Spencer e estimular o
estudo da sua obra, poderá dar como alcançado o seu objectivo.
3 Charles W. Eliot in Herbert Spencer, 1976 (1861): xv.
4 Idem.: xvii.
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CAPÍTULO I
Rumo a um projecto educativo nacional
There is a certain piece of poetry to be said or sung by children, beginning Twinkle, twinkle, little star, How I wonder what you are! It is a pity National School children are not helped out of this state of
wonderment and shown what a star is. A National School! The time is coming when we shall begin to feel the sarcasm and reproach conveyed in that association of words, and our experience, past and present, of the National ignorance. Charles Dickens, in “Ignorance and Its Victims” (1848)
O alvorecer do século XIX trouxe consigo o acentuar de um progresso
assinalável nas ciências naturais e exactas, conducente, na Europa, à alteração do
pensamento e da cultura. Naquela que seria uma onda de prosperidade seguida de
reformas no domínio sociopolítico, económico e religioso, a vida do homem
oitocentista encontrava-se sob a influência de ideais em conflito (os antigos e os
emergentes) e de forças tendencialmente oponíveis em choque entre si: a sociedade
e o indivíduo, a aristocracia e a democracia, as Igrejas e o Estado, a religião e a
ciência. Este confronto entre conceitos divergentes travar-se-ia com grande eco no
campo educacional, pelo que a urgência de reformas teve ressonância nas escolas
ou não fosse o sistema educativo de um país o microcosmo representativo do sistema
social, cujas ideias dominantes nele se repercutem.
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Na maioria dos países da Europa concordava-se que, para o benefício das
nações e do bem-estar dos indivíduos, era urgente reformular o ensino a fim de o
tornar mais adequado às necessidades das novas sociedades dominadas por
inventos e avanços tecnológicos. Esta renovada predisposição para reformular o tipo
de conhecimento útil a transmitir aos indivíduos conheceria, particularmente na
França e na Alemanha, um acentuado interesse por parte das entidades
governamentais, as quais perspectivavam o Estado, e não as igrejas, como
autoridade suprema no campo da tarefa educativa. Contudo, esta posição seria
suavizada pelo princípio, amplamente aceite, de a educação moral constituir a
vertente fundamental do ensino, o que deixava em aberto a possibilidade de
cooperação entre o clero e o Estado.
Na tentativa de acompanhar as mudanças em curso na Europa e fornecer aos
súbditos a educação necessária para bem servir o país, tornando-os uma força de
trabalho apta a enfrentar os desafios do progresso tecnológico e dos recentes
desenvolvimentos da Revolução Industrial, o governo inglês deu também início às
reformas do sistema educativo, sensivelmente, entre 1815 e 1870.5 No entanto, ao
invés do sucedido na França e na Alemanha, onde cedo se encetaram alterações de
vulto nas escolas e a educação passou a ser um assunto do Estado, os
estabelecimentos de ensino britânicos, no início do século XIX, ainda existiam em
regime de voluntariado, sendo apenas assinaláveis, mas de pouco significado, os
melhoramentos alcançados pela iniciativa de Joseph Lancaster e Andrew Bell.6 De
facto, por altura do ano de 1815, o método pedagógico mais comum na Grã-Bretanha
advinha do plano Lancaster e Bell, designado “monitorial” system, cujo objectivo
principal era a preparação dos alunos mais velhos para ensinarem, por sua vez, os
mais novos. Até 1846, poder-se-á dizer, aquela metodologia constituiu o meio mais
usual de recrutar professores, pois, ao tornar-se o tipo de ensino menos dispendioso,
colmatava, de igual modo, a falta generalizada de formadores devidamente
preparados para a tarefa de ensinar.
5 Em 1807, Samuel Whitbread foi mentor da tentativa de aprovação de uma lei (Parochial Schools‟ Bill)
que permitisse a magistrados e a “vestries” angariarem dinheiro para a implementação ou apoio de escolas paroquiais. Essa iniciativa revelou-se, porém, prematura, pois, naquela altura, o financiamento estatal da educação do povo era ainda um assunto sem defensores ao nível parlamentar.
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Porém, não seria pela ausência de vontade e de iniciativas que as reformas
educacionais tardaram em concretizar-se. Na mira de mudanças no sistema, muitos
radicais, especialmente originários das classes trabalhadoras e defensores da
intervenção do Estado, ansiavam pela extensão dos privilégios educativos às classes
mais desfavorecidas. No entanto, o conservantismo influente da aristocracia inglesa,
ao encarar a educação do povo como possível fonte de instabilidade social, iria travar
a introdução das alterações desejadas.
Apesar dos efeitos da Revolução Industrial terem modificado o mapa
demográfico e socioeconómico do país por via das recentes fábricas edificadas e
das linhas ferroviárias em expansão favorecedoras do dinamismo dos mercados nas
novas cidades industriais, onde o aumento populacional conduziu ao agravamento
das já intensas assimetrias sociais , os preconceitos enraizados e a indiferença
instalada coibiram a reforma educacional e a tomada de medidas governamentais
urgentes. Esta inércia do Estado prender-se-ia com diversos factores desfavoráveis à
mudança. Seriam eles, nomeadamente, os custos calculados para a remodelação do
sistema educativo e a consciência de que os resultados de uma reorganização
pedagógica não produziriam efeitos imediatos, desmotivando as iniciativas encaradas
como não atraentes para a economia de mercado, principal motor das sociedades
modernas. Por outro lado, os recentes e bem-aventurados donos da indústria, self-
made men pertencentes a uma próspera classe média representavam uma outra
força adversa à introdução de reformas. Estes homens, perspicazes quanto às
vantagens dos novos inventos e à importância das novas máquinas, tornar-se-iam
agentes de resistência ao encarar como indesejável uma classe trabalhadora
instruída, possível fonte de conflitos laborais. Por sua vez, a classe aristocrática
inglesa ainda recordada das convulsões sociais geradas pela Revolução Francesa
estava longe de desejar a desestabilização e o contestar dos privilégios seculares
(perspectiva com a qual se identificava, in integrum, a Igreja Anglicana). Por fim, a
escassez de estudos aprofundados sobre a temática da “educação” e os resultados
práticos pouco marcantes produzidos pelos diferentes níveis e tipos de ensino na
senda de uma aprendizagem proveitosa para as exigências das recentes empresas
6 Este não se tratou de um método inovador, uma vez ter sido alvo de debate em França muito antes da
sua introdução na Grã-Bretanha, onde, todavia, Bell e Lancaster se revelaram pioneiros e reclamaram
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industriais, contribuíram, igualmente, para as condições conversoras da Grã-Bretanha
na nação do self-help, do laissez-faire e dos workshops, onde os artesãos, os
engenheiros e os inventores aprendiam e desempenhavam o trabalho, para
conseguir, assim, melhorar as suas condições de vida face à acima referida carência
de iniciativas estatais.
Neste contexto, o “monitorial” system de Bell e Lancaster revelar-se-ia
vantajoso, acabando por se prolongar durante algumas décadas. Não sendo
dispendioso, tinha o mérito de desenvolver a disciplina, a responsabilidade, a ajuda
mútua entre os menos favorecidos e de diminuir as diferenças e os obstáculos ditados
pelo inevitável fosso etário entre professores e alunos, vindo, por isso, a sofrer poucas
alterações. Com efeito, ao não terem surgido outras propostas relevantes no período
de tempo, durante o qual vigorou essa técnica de ensino, e na aprendizagem apenas
se exigir o treino básico da memória, considerar-se-ia esse processo pedagógico, em
consequência, globalmente satisfatório. O êxito resultante da perfilhação de tal
método manifestar-se-ia através das medidas encetadas por Robert Owen, um dos
protagonistas da educação popular, que o adoptou na escola em New Lanark. Owen
associá-lo-ia às suas próprias teorias propostas e divulgadas através de diversos
panfletos sob o título: A New View of Society, or Essays on the Formation of Human
Character (1813-1816).
Embora esse sistema de ensino apresentasse vantagens oportunas e
atraentes, como já se mencionou, não passou sem ser objecto de algumas críticas.
Sir James Kay-Shuttleworth viria a apelidá-lo de “monitorial humbug” na sequência de
um estudo por ele efectuado aos métodos educacionais empregues na Escócia e no
continente como comissário assistente, cargo obtido a partir da lei de reformas para
os pobres (Poor Law Reform Act) de 1834. Ao considerar esse plano um total
insucesso, acabou por propor, em alternativa, o sistema de assistentes, também
designados pupil-teachers. Tratava-se de alunos, em média mais velhos, reputados já
como aprendizes da arte de ensinar, comparativamente aos monitores do sistema de
Bell e Lancaster. A experiência seria aplicada na escola Norwood Workhouse e
revelar-se-ia um foco de interesse para muitos teóricos da época.
cada um para si a invenção do designado “monitorial” system.
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Em paralelo com estes métodos de ensino coexistiam os praticados noutras
instituições designadas Charity Schools e Voluntary Schools, bem como nas
sociedades National Society For Promoting the Education of the Poor in the Principles
of the Established Church, fundada em 1811, e British and Foreign School Society,
fundada em 1814, duas organizações religiosas, cujo objectivo consistia em minorar
os perigos inerentes a uma população urbana iletrada em franco crescimento. O
ensino nestes organismos, longe de ser obrigatório, garantia, como tinham
assegurado até aí as escolas religiosas aos domingos (Sunday Schools), a educação
básica dos mais desfavorecidos da população inglesa, numa tentativa de transmitir
aos filhos dos pobres uma instrução religiosa. Numa Inglaterra, onde o clero se
responsabilizava pela tarefa educativa de modo tão organizado e difundido, a
intervenção do Estado seria, assim, adiada e afastada do ensino inglês ao arrepio da
tendência manifestada na maior parte dos países do continente. Muito tempo se
passaria até que os princípios da universalidade, da obrigatoriedade, da gratuidade e
da secularidade do ensino, se instalassem numa sociedade, onde a educação
continuou a ser, por muito tempo ainda, marcadamente elitista.
Mas, a escola básica e o sistema educativo inglês em geral não deixavam de
preocupar os espíritos mais atentos às situações de grande contraste vividas na
esfera educativa durante o início do século. As críticas visavam dois aspectos: o
treino intelectual fornecido nas escolas e o seu efeito moral produzido nos alunos. Os
ataques surgiram da ala mais radical e liberal dos intelectuais ingleses, ao apelarem à
reflexão sobre as restrições resultantes de um currículo predominantemente clássico.
Tratar-se-ia do caso de Richard Lovell Edgeworth e da filha Maria Edgeworth, os
quais defenderam, em Practical Education (editado em 1798 pela primeira vez e, mais
tarde, em 1822), que, mesmo sendo o ensino tradicional eficiente, teria de considerar-
se redutor. Jeremy Bentham criticaria, também, o tempo conferido ao ensino do Latim
e o modo como era leccionado considerando útil a sua substituição pelo estudo da
política, do direito e da ciência. William Cobbett, ao assinalar o carácter irrealista da
educação ministrada nas escolas, por ele apelidado de “bookish”, procederia de modo
a assegurar os estudos dos filhos em casa. Sydney Smith acabou por atacar, em
1810, o conservantismo de Winchester, onde era professor, assim como de Eton e de
Charterhouse. Em 1830, o periódico Edinburgh Review que, juntamente com o
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Westminster Review, encabeçava a análise política mais arrojada ao sistema
educacional britânico referir-se-ia a Eton (a escola pública mais reputada do país),
como sendo o estabelecimento de ensino onde o estudo dos clássicos dominava o
plano de estudos, completando uma formação deficiente do ensino da matemática,
ciência, línguas modernas e história através de manuais de má qualidade. Por seu
turno, o Quarterly Journal of Education compararia o ambiente de Eton à corrupção
moral vivida nas cortes de Charles II e Louis XV. O descontentamento dominava de
tal forma os representantes do pensamento liberal (Whigs), que a solução, segundo
diz S. J. Curtis, seria só uma:
The general conclusions of the oponents of the public schools were that these institutions were so hopelessly bad that it was not possible to reform them and
suggested that experiments should be tried out in other types of schools.7
A estes ataques reagiram os defensores das escolas em exercício e dos
currículos ministrados, ideologicamente próximos dos Tories e representativos da ala
conservadora do pensamento político. Seria o caso de Vicesimus Knox, que, desde
1771, ano da publicação da sua obra Liberal Education, vinha argumentando a favor
da adopção pelos restantes estabelecimentos de ensino de um currículo semelhante
ao das public schools, por ele considerado exemplar da qualidade ambicionada e
resultante da experiência de muitas gerações. Mais tarde, em 1821, ao oferecer
resistência cerrada às medidas então delineadas para alterar o sistema, Knox
acabaria por contribuir para a não aprovação de uma proposta de lei, segundo ele,
degradante para as grammar schools. George Canning, por seu turno, relacionaria o
prestígio alcançado pela Inglaterra com essas public schools, através das quais
eminentes nomes do passado tinham obtido o treino conducente a posições de
destaque na Igreja e no Estado. Face a este tradicionalismo tão profusamente
disseminado, o periódico Westminster Review acabaria por apelidar os aristocratas da
sociedade inglesa de escravos das instituições que os instruíam.
Apesar do papel importante que o cerrado debate de ideias em curso na
sociedade vitoriana desempenhava, a execução da grande reforma do ensino
7 S. J. Curtis, 1971 (3ª ed. 1953): 141.
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tardava. Em 1820, ano do nascimento de Herbert Spencer, H.P. Brougham conseguiu
fazer aprovar uma lei educacional, na qual era decretada a substituição dos
professores por membros da Igreja de Inglaterra e se entregava ao clero a orientação
do plano de estudos nas escolas. Esta decisão legislativa não vingaria para além de
1833, contudo, durante os anos seguintes, mantiveram-se acesas as contendas entre
a Igreja e o Estado (este com uma acção ainda limitada), a fim de estabelecer uma
fronteira clara entre o ensino religioso e o não confessional. Por outro lado, o
antagonismo entre os dissidentes (Nonconformists) e a Igreja agudizou-se, num
momento em que o apelo para uma educação nacional continuava a fazer-se ouvir.
As desvantagens de mais este revivescer do sentimento religioso, representado, a
partir de 1833, pelo Oxford Movement, seriam evidentes para as reformas
educacionais. Enquanto os Nonconformists, embora considerando o ensino religioso
uma componente essencial da aprendizagem, se opunham à exigência anglicana de
controlar a educação, o movimento de Oxford, através de J. H. Newman e de John
Keeble, entre outros, insistia na frequência de uma instrução religiosa como requisito
essencial para os alunos serem aceites nas escolas. Com os sermões designados
Tracts for the Times a circular entre o clero, depressa a opinião pública sofreu a
influência das tomadas de posição daqueles que se colocavam contra os tractarians,
ou a favor deles, nomeadamente quanto ao controlo da educação pela Igreja. Com
algumas excepções, cedo os agrupamentos políticos da época começaram a revelar
os efeitos dos conflitos religiosos. Enquanto os Tories partiram em defesa da Igreja,
os Whigs posicionaram-se a favor dos Nonconformists.
Embora, em 1802, surgisse a primeira lei sobre a saúde e os aprendizes
(Health and Moral of Apprentices Act) limitando para doze, as horas de trabalho dos
jovens operários nas fábricas de algodão e de lã e introduzindo a obrigatoriedade de
uma aprendizagem diária no domínio da escrita, da leitura e da aritmética, a falta de
uma inspecção eficiente não tornou significativo o aumento do número de alunos. Só,
em 1833, se deu um aumento considerável do número de jovens assíduos na escola,
com a lei da proibição do emprego a menores de nove anos de idade decretando a
interrupção laboral obrigatória para aprendizagem, durante duas horas por dia, das
crianças entre os nove e os treze anos (Factory Act).
18
Os estudantes a frequentar as aulas iriam duplicar até 1834, o que conduziu o
Estado à construção de novos estabelecimentos de ensino nas grandes cidades. Ao
ser criado, em 1839, o Committee of Council for Education, encarregue, a partir daí,
de todos os problemas ligados ao processo educativo, iniciaram-se os primeiros
passos rumo a um sistema nacional de educação, cujas normas, só após 1870,
levariam todas as crianças a frequentar a escola. Aquele comité foi, porém,
substituído, em 1856, pelo Education Department, o qual, daí em diante, assumiu
funções equivalentes às de um ministério para o ensino. Tendo-se tratado de uma
medida administrativa, novamente provocou no meio político a discussão afervorada
sobre os deveres do Estado.
Por esta altura, e tendo, até aí, escrito alguns artigos ligados à actividade
profissional que o ocupou até 1846 na engenharia civil, Herbert Spencer publica, de
Junho a Dezembro de 1842, no periódico Nonconformist, os textos que constituíram
a sua entrada na cena política vitoriana: “Letters «On the Proper Sphere of
Government»”. O ainda jovem topógrafo, de vinte e seis anos, participava assim, pela
primeira vez, na controvérsia em voga sobre os limites da intervenção do Estado:
What, then, do they men in society want a government for? Not to regulate commerce; not to educate the people; not to teach religion; not to administer charity; not to make roads and railways; but simply to defend the natural rights
of man to protect person and property to prevent the aggressions of the
powerful upon the weak in a word, to administer justice. This is the natural, the original, office of a government. It was not intended to do less: it ought not
to be allowed to do more.8
Mas, porque a tomada de medidas na esfera educativa se tornava urgente,
dado, nos anos 50, ter-se começado a disseminar a ideia de que a despesa, até aí
contraída com a educação popular, não estava a ser utilizada para os melhores fins,
1858 tornou-se um marco importante. Na demanda de soluções, foi criada nesse ano
8 Herbert Spencer, 1994 (1842): 6-7. As convicções de Spencer quanto ao papel do Estado não ficaram
naturalmente sem resposta. Nassau Senior, considerado ele próprio um extremista no que concerne ao livre empreendimento, opôs-se a Spencer criticando-lhe o radicalismo. Veja-se como, citado em 1937 por M. Bowley, se distanciou da opinião do teórico inglês: «Many political thinkers ... have declared that the business of government is simply to afford protection, to repel or punish internal or external violence or fraud, and that to do more is usurpation. This proposition I cannot admit. The only rational foundation
of government is expendiency the general benefit of the community. It is the duty of a government to do whatever is conducive to the welfare of the governed.» (in David Wiltshire, 1978: 174).
19
uma comissão parlamentar, sob a presidência do duque de Newcastle, para averiguar
o estado da pedagogia popular na Inglaterra e apontar as intervenções consideradas
necessárias a fim de permitir a extensão do ensino básico a todas as classes sociais.
Entre os comissários encontrava-se Matthew Arnold incumbido de recolher dados
sobre os sistemas educativos de outras nações europeias, nomeadamente da França,
da Alemanha e da Suíça, para onde se deslocou. Consequentemente, o resultado do
trabalho desenvolvido pela Newcastle Commission originou, em 1862, o Revised
Code da autoria de Robert Lowe no intuito de implantar o denominado payment by
results. O novo sistema, que atribuía subsídios às escolas mediante os resultados
obtidos, visava estabelecer uma forma de incentivar a eficiência dos professores e
garantir a eficácia do ensino dos três “Rs” (reading, writing and arithmetic). Este
método de avaliação (não aplicado na Escócia) manter-se-ia em vigor durante duas
décadas, porém, apesar de ter melhorado os resultados nas escolas consideradas,
até aí, como as menos eficientes, converteu o ensino das matérias ao nível mais
elementar e conduziu ao descurar de outro tipo de estudos. Todavia, as suas
vantagens revelaram-se através de um aumento da assiduidade dos alunos, na sua
permanência por mais tempo na escola e num interesse dos professores pelos
discentes com piores resultados, em detrimento dos mais inteligentes que sofreriam
um desinvestimento.
Foi Matthew Arnold quem chamou a atenção para os defeitos da nova
metodologia, ao assinalar a influência negativa do sistema payment by results infligida
nas crianças embora, como se compreende, tanto os professores, como os
directores escolares, tivessem acabado por ser também eles vítimas das novas
exigências daquela avaliação. 1897 foi o último ano para o exercício do Código de
Lowe, o qual deixou um legado de relações negativas entre o pessoal escolar e os
inspectores, perpetuado por muito tempo.
No final da década de 60 e durante os anos 70, verificou-se na Grã-Bretanha
um renovado interesse pela instrução do povo, trazendo este período melhoramentos
substanciais. Em 1867, uma nova lei de reforma parlamentar (Reform Act) veio alertar
para a urgência do ensino das massas, ao evidenciar a ideia de que uma população
instruída podia fornecer indivíduos mais capacitados para o serviço à nação. A partir
de 1868, com W. E. Forster no departamento educativo do governo liberal chefiado
20
pelo primeiro ministro W. E. Gladstone ressuscitadas as questiúnculas religiosas,
assim como a controvérsia entre os defensores de uma educação confessional e os
seus opositores surgiram então duas novas organizações. Uma delas, denominada
Birmingham Education League, fundada em 1869 por George Dixon, Joseph
Chamberlain, Jesse Collings e R.W. Dale, entre outros, era favorável ao ensino não
religioso, detendo o apoio dos mais liberais e radicais defensores de uma educação
gratuita, obrigatória e não sectária. A outra, National Education Union (1869), nascida
do receio da ameaça que a liga de Birmingham representava, defendia o princípio
religioso do ensino. Este confronto ideológico levaria a uma investigação parlamentar
sobre as circunstâncias educativas em Leeds, Liverpool, Birmingham e Manchester, a
qual revelou um estado de total desordem no sistema. Concluiu-se, entre outros
factos, que as escolas privadas não tinham sofrido qualquer modernização ou
aperfeiçoamento desde a pesquisa da Newcastle Commission e que as instalações,
nas quais se ministrava o ensino básico, se encontravam desajustadas das
exigências impostas pelo desenvolvimento, bem como incapazes de oferecer uma
instrução devidamente organizada a uma elevada percentagem da população em
idade escolar.
W.E. Forster, casado com a filha de Thomas Arnold, e sempre um homem
interessado pelos assuntos sociais e educativos, era o político de quem se esperava a
execução da grande reforma do sistema educativo. Pressionado, tanto pela liga de
Birmingham, como pela National Education Union, acabaria por efectivar uma ideia de
Robert Lowe posta em prática em New South Wales. Assim, se deu início a um
estudo para apurar as necessidades pedagógicas de cada distrito, tendo sido
concedido o prazo de um ano (em breve reduzido para seis meses) para as
instituições voluntárias melhorarem as deficiências encontradas nas escolas a seu
cargo. Cumprido o prazo temporal, nos locais onde não fossem atingidos os
objectivos, a obrigatoriedade do ensino seria então instituída, bem como a sua
gratuidade para os pais incapazes de suportar o pagamento semanal das propinas.
A nove de Agosto de 1870 era aprovada, finalmente, a lei de Forster
(Elementary Education Act), a qual deu o passo definitivo a caminho da reforma
qualitativa do ensino. Esta lei reconhecia o Estado como primeiro responsável na
instrução de todas as crianças com menos de treze anos de idade. Não tendo, na
21
realidade, estabelecido o carácter gratuito nem o obrigatório do ensino, viria a pôr em
prática o designado dual system, porque deixava coexistir as escolas comunais
(Board Schools), não religiosas e sustentadas por subsídios governamentais,
impostos e propinas, com as escolas confessionais (denominational schools). Estas
últimas, dependentes apenas de subsídios estatais, propinas e doações de privados,
após um período inicial de relativo desenvolvimento, acabaram por entrar em ruptura
devido às dificuldades causadas pelo aumento dos custos da educação. Até ao final
do século, as escolas voluntárias iriam largamente decrescer em número.
Em 1876, com a lei de Lord Sandon, foram aumentados os subsídios a
entregar aos estabelecimentos mantidos por contribuições voluntárias e criadas
normas penalizantes para os pais cujas crianças não obtivessem, por falta de
assiduidade, a devida instrução dos three R‟s. A lei Mundella, de 1880, tornaria,
finalmente, obrigatória a frequência da escola, ao estabelecer, em 1893, os onze anos
e, em 1899, os doze, como a idade mínima de abandono da escola. No ano de 1891
instituiu-se definitivamente a gratuidade da aprendizagem.
Mas se, no ensino básico, o grande objectivo tinha sido a construção de
escolas, o treino dos professores e ensinar às pessoas de menos recursos como
conduzirem uma vida cristã, o ensino secundário, cuja frequência estava reservada às
classes média e alta inglesas, gerava celeumas, tendo como alvo principal o conteúdo
das matérias leccionadas e a sua pertinência para a sociedade industrial oitocentista.
Enquanto, por um lado, as escolas secundárias assistiam à diminuição do número de
alunos, por via de uma crescente e acentuada distinção entre os grupos sociais, por
outro, as escolas públicas e privadas foram adquirindo mais frequentadores oriundos
de estratos sociais abastados, cuja escolha era determinada pelo ambiente
requintado e pela supervisão oferecida nestes estabelecimentos. Mostrando-se mais
permeáveis à introdução de disciplinas não tradicionais, as private schools tornaram-
se o lugar de selecção dos filhos de prósperos agricultores, comerciantes e classe
média, permanecendo as public schools a opção da aristocracia, mais interessada
num currículo clássico.
Se outras instituições educativas viram, por largos anos ainda, a sua
metodologia subjugada à tradição, as grammar schools puderam modernizar os seus
programas curriculares após a lei (Grammar School Act), que, em 1840, lhes retirou
22
as restrições determinadas pelo regulamento e a orientação imprimida pelo
fundador de cada escola limitativas do plano de estudos (até aí confinado ao ensino
da literatura e das línguas clássicas). Com esta medida, podiam, a partir daquela
data, ser introduzidas disciplinas como a língua e a literatura inglesa, a história
contemporânea, a matemática, a geografia e as línguas modernas. Adoptada esta
iniciativa pelas escolas menos conservadoras, outras, mais preocupadas em
obedecer a uma linha clássica, continuaram a ministrar um ensino de nível básico e
inferior.
A análise e a melhoria da condição das escolas públicas, estabelecimentos
tradicionalmente alvo dos ataques dos Whigs e da defesa dos Tories, seriam o
objectivo de trabalho de proeminentes vitorianos visando a reforma e a dignificação
do ensino nelas prestado. Samuel Butler, Edward Thring e Thomas Arnold
destacaram-se dentro do grupo de reformadores, embora o último visse as suas
iniciativas serem mais divulgadas, nomeadamente através da obra de Thomas
Hughes: Tom Brown‟s Schooldays (1857).
A partir da experiência obtida como aluno em Winchester, Thomas Arnold iria
aplicar todo o saber adquirido em Rugby, uma escola fundada como grammar school,
em 1567, posteriormente transformada num internato. Porém, não terá sido como
professor (pois, não se tratando de um pedagogo inovador, até defendia o reavivar do
currículo tradicional clássico como meio para fornecer uma educação liberal), mas
como administrador e gentleman que a sua influência perduraria nas mudanças
atravessadas pelas escolas públicas. Tradicionalmente, estas instituições tinham
permanecido lugares onde se desenvolvera o hábito dos alunos mais jovens
trabalharem para os mais velhos, de forma exigente e extenuante, daí resultando
como principal óbice a manutenção da ordem e disciplina. Numa atmosfera de
hostilidade e agressividade latente, onde escasseava pessoal, o terror imperava e as
relações entre os alunos e os professores eram de desconfiança. A situação
constituía um problema tão grave que, crê-se hoje em dia, as probabilidades de esses
estabelecimentos sobreviverem seriam muito reduzidas, caso não tivessem surgido
as remodelações, então iniciadas por Thomas Arnold. Segundo Llewellyn Woodward:
«When the duke of Wellington talked about the playing-fields of Eton he had in mind
23
not games but fighting».9 De facto, em 1818, uma rebelião interna de alunos de
Winchester só seria interrompida com a intervenção armada de duas companhias de
soldados.
Thomas Arnold, ao pautar a vida pelos ditames cristãos, surgiria como um
liberal moderado, cujo pensamento despontara com as reformas entretanto operadas
no ensino universitário. Se tivesse ousado introduzir métodos revolucionários na
mudança dos hábitos enraizados da escola, talvez o alcance do seu trabalho tivesse
sido reduzido. Ele optou, no entanto, por desenvolver os aspectos positivos do
sistema existente, numa tentativa de civilizar a vida interna escolar. Não se podendo
considerar inovador ao instituir o prefect system, no qual os alunos do sexto ano
assumiam uma função disciplinar dentro da escola lugar este considerado por
Arnold como uma comunidade de cristãos e de gentlemen seria, essencialmente, a
postura do reitor o principal agente causador dos efeitos positivos da adopção
daquele método. Ao depositar total confiança na palavra dos prefeitos, ele soube
melhorar a disciplina e a moral da escola por via do respeito adquirido. Tal
compromisso de honra tornar-se-ia conhecido, segundo afirmam S.J. Curtis e M.E.A.
Boultwood: «It was by putting boys on their honour to tell the truth that the tradition
arose that it was a shame to tell Arnold a lie because he always believed it».10
A divulgação do bom resultado obtido pelo director de Rugby difundiu-se
através dos alunos e do pessoal que, mais tarde, assumiram funções em outras
escolas públicas, seguindo-lhe o modelo e fazendo perdurar a influência daquele
método, tanto nas instituições mais antigas, como nas mais recentes. O trabalho de T.
Arnold não se desenvolveria, exclusivamente, no sentido de melhorar o ensino
praticado em public schools. Como intelectual interessado na instrução dos indivíduos
do país, assumiu, também, uma postura reflexiva sobre o modo de alterar as
condições educativas da classe média, questão por ele considerada como de
primordial importância. Através de algumas cartas publicadas no jornal Sheffield
Courant e, em 1832, com o texto “The Education of the Middle Classes”, Arnold iria
influenciar o debate da época sobre a pedagogia em Inglaterra. As suas ideias
chegaram a servir de exemplo às medidas posteriormente executadas na sequência
9 Llewellyn Woodward, 1992 (1938): 485.
10 S.J. Curtis e M.E.A. Boultwood, 1964 (1960): 82.
24
do trabalho das comissões encarregues de estudar em pormenor o sistema educativo
do país.
Para investigar o estado do ensino secundário, à semelhança do que havia
sido feito no ensino básico popular pela Newcastle Commission, foi nomeada, em
1861, a Clarendon Commission (a qual visava analisar as mais reputadas public
schools), e, em 1864, a School‟s Inquiry Commission (ou Taunton Commission), com
o objectivo de recolher dados sobre todas as escolas não contempladas pelas duas
comissões anteriores.
Lord Clarendon iria coordenar os comissários na averiguação de Winchester,
Westminster, Shrewsbury, Eton, Charterhouse, Rugby, Harrow e de dois internatos:
St. Paul‟s e Merchant Taylor‟s. Não surpreendentemente, a comissão, constituída por
antigos funcionários de public schools, considerou-se satisfeita com o trabalho
realizado nessas escolas. Recomendou, porém, a introdução no currículo
tradicionalmente clássico e tido por veículo muito positivo para o ensino da língua
materna de disciplinas como a matemática, a língua inglesa, as línguas modernas e
a ciência. Na sequência deste trabalho, em 1868, foi aprovada a Public Schools Act, a
qual veio, tão somente, redefinir os corpos dirigentes das escolas sem interferir no
plano de estudos, deixado à iniciativa dos directores escolares. Estes, em muitos dos
casos, aproveitando tal oportunidade, acabaram por seguir o recomendado pela
comissão, de modo a tornar a oferta disciplinar das suas escolas mais flexível e
variada. Isto sucedeu em Eton, onde foi introduzido o estudo da física, da química, da
biologia, da história, do francês e do alemão, e em Harrow, que, ao passar a oferecer
um plano de estudos mais variado e moderno, designado Modern Side, influenciou
muitos outros estabelecimentos de ensino.
Lord Taunton, o presidente da outra comissão de trabalho (acima referida)
nomeada em 1864, ocupar-se-ia de todas as escolas restantes, tanto femininas como
masculinas. Integraram aquela investigação individualidades como James Bryce, J.C.
Fitch ou Matthew Arnold, tendo este último partido para a Europa a fim de analisar a
metodologia utilizada no ensino secundário da Itália, Suíça, Alemanha e França. Da
averiguação efectuada, visando uma população escolar heterogénea devido às
características dissemelhantes das escolas (fruto das novas exigências da sociedade
e da economia industriais), concluiu-se que os currículos clássicos tradicionais se
25
encontravam, na generalidade, desajustados das preferências e necessidades de um
grande número de pais. Para dar resposta às lacunas detectadas, a comissão
recomendou um plano de estudos organizado em três níveis. O primeiro nível
destinava-se aos encarregados de educação interessados numa educação clássica,
cujo estatuto social os aproximava de outros com os filhos a frequentar public schools.
O segundo nível teria duas secções, uma das quais para atender ao tipo de pais que
esperava dos educandos, após o final da formação escolar, o exercício futuro de uma
profissão e, para quem, a aprendizagem do latim, do grego, da matemática, da
ciência e das línguas modernas era importante. A outra secção dirigia-se àqueles
estudantes de quem se previa, uma vez concluída a aprendizagem escolar, a
participação no rendimento familiar e, para os quais, a preparação nas línguas
clássicas era considerada inútil. Havia ainda a classe média inferior, para a qual se
propunha uma educação do tipo «funcionário de escritório», com um bom ensino da
aritmética, da língua inglesa, das ciências naturais e da matemática elementar. A eles
se destinaria o terceiro nível.
Na sequência dos resultados e das propostas da comissão Taunton, o governo
decretou, em 1869, uma lei, designada Endowed Schools Act, destinada às escolas
sustentadas por fundações, que, ao contrário de se traduzir em medidas enérgicas,
se limitou a designar novos esquemas de administração escolar. A alegada
incapacidade de actuação atribuída ao governo liberal encabeçado por Gladstone,
terá decorrido, em grande parte, do relevante investimento material levado a cabo na
educação básica, mas, também, da apatia geral do público pelo valor do ensino
secundário, a que se associava o tradicional desinteresse pela intervenção estatal.
Desta protelação para reformar e organizar o ensino, no sentido de
estabelecer, tanto um modelo administrativo, como um plano curricular para a
educação inglesa, não estava dissociado o tradicional controlo e a supremacia política
da aristocracia. Segundo David Ian Allsobrook, esse poder exercido pela nobreza,
prolongado até aos anos oitenta, manteve-se graças a uma forma hábil de lidar com
as outras classes sociais: «This control was guaranteed by a series of discreet
withdrawals from direct confrontation with middle class interests».11
No entanto, a
herança do pensamento de Thomas Arnold constituiria, também, causa próxima do
11
David Ian Allsobrook, 1986:11.
26
insucesso nos resultados finais da comissão, devido às ideias por ele defendidas para
a educação da classe média, igualmente partilhadas por muitos dos seus leitores e
precursores no debate educativo. Essa influência verificou-se através de pessoas que
incorporaram, nalguns casos, o trabalho das comissões de investigação,
nomeadamente o filho Matthew Arnold, na Taunton Commission (como já se
mencionou). Se, para Thomas Arnold, a Inglaterra Industrial era, essencialmente,
terra incognita (e sem dúvida o seria, de igual modo, para muitos outros
reformadores), segundo Allsobrook isso devia-se a uma visão conservadora da
realidade inglesa:
His experience in this respect was shared by the men who were
themselves to carry the debate to its interim conclusion in 1867. . The S.I.C.
Taunton Commission were rooted in the countryside, rather than in the urban
industrial centres where the numerical bulk of the middle class flourished.12
O culto do gentleman terá sido, igualmente, determinante para a derrota e o
adiamento de muitos projectos de reforma ambicionados por educadores
progressistas, políticos mais radicais e outras figuras do meio intelectual insatisfeitas
com os resultados práticos do sistema escolar. O culto do cavalheiro, alimentado pela
aristocracia e disseminado pelas instituições educativas da sua eleição (as public
schools), assim como pelos apologistas e defensores da imagem do homem de
elevado carácter (de que Thomas Arnold foi exemplo), também cativava quem
almejava uma educação aristocrática para os filhos, particularmente as classes
abastadas emergentes do comércio e da indústria. As qualidades associadas à moral,
ao estilo e a um estatuto social elevado simbolizadas pelo gentleman, representavam
os requisitos para o exercício de cargos governamentais e militares de maior prestígio
na sociedade inglesa, tornando-se, por isso, alvo das aspirações da burguesia e da
classe média alta. Em “The Education of an Englishman”, Alfred North Whitehead
refere o seguinte:
Decidedly, half a century ago a classical education had a very real relevance to
the future lives of these English boys. Among the boys were a future commander-in-chief in India, a future general commanding the Madras
12
Idem: 15.
27
Presidency, a future bishop of all southern India. “To serve God in Church and
State” was no idle form of words to set before them.13
Não surpreendentemente, uma espécie de romantismo educacional, apelando aos
valores consagrados pela tradição, continuava, deste modo, a condicionar as opções
no respeitante aos currículos e aos métodos educativos, adiando a introdução de
matérias mais condicentes com o espírito da nova Inglaterra industrial.
Todavia, as universidades, alvo de muitas críticas, controvérsias políticas e
religiosas, também iriam acabar por ceder à urgência reformista. O movimento a favor
da mudança estava, no entanto, bastante mais interessado no ataque à Igreja
Anglicana e aos seus privilégios seculares, ou na censura de instituições como Oxford
e Cambridge, do que na alteração profunda do plano de estudos. O trabalho das duas
comissões reais nomeadas para a apreciação da qualidade do ensino nas
universidades resultaria através da lei sobre os exames do ensino superior
(Universities Test Act) na abolição dos testes religiosos, premissa essencial, até
então, para a candidatura a Oxford ou para a admissão a graus universitários, em
qualquer dos principais estabelecimentos. A partir de 1863 e até 1871, essa forma de
avaliação foi sendo abolida, de forma gradual e definitiva, através de propostas de lei
anualmente aprovadas, passando, então, a facultar-se o acesso a todos os
candidatos, sem olhar às respectivas crenças religiosas, à excepção do curso de
Teologia que não foi modificado. Esta reforma revelou-se crucial para os homens da
ciência e para os dissidentes, até aí afastados do círculo académico.
Na decorrência do crescente confronto ideológico entre o clero e jovens
intelectuais e cientistas, os currículos acabariam por sofrer alterações. Estas
iniciaram-se no ano de 1850 em Oxford e, em Cambridge, a partir de 1851, com a
introdução do estudo das ciências naturais. Novos edifícios foram construídos para
acolher os laboratórios necessários, primeiro em Oxford (1855) e, mais tarde, em
Cambridge (1871). Contudo, nestes estabelecimentos as alterações sofreram sempre
o obstáculo e a interferência das tradições enraizadas. Em 1825, insatisfeitos com o
sectarismo das universidades, H.P. Brougham, Lord John Russell e Thomas
Campbell, entre outros, apoiados por James Mill, G. Grote e T.B. Macaulay,
organizaram o movimento que fundaria, em 1828, a Universidade de Londres. Ao
13
Alfred North Whitehead, 1947: 36
28
longo dos anos seguintes, outras universidades iriam surgir, mas foi a University of
London, no ano de 1836, a primeira a instituir o ensino universitário secular.
As reformas das escolas, lentamente modeladoras do sistema educativo da
Inglaterra cujo esplendor industrial foi ostentado na Great Exhibition de 1851
poder-se-iam considerar como decorrentes de uma nova concepção de cultura,
influenciada pelo enorme desenvolvimento da ciência ao longo do século XIX. Muitas
das críticas dirigidas ao ensino prendiam-se com uma instrução inadaptada às novas
realidades trazidas pelo progresso na área das ciências puras e aplicadas. Ao terem
todas as descobertas e invenções científicas ocorrido fora do universo escolar e
universitário, sem resultarem de um trabalho académico, como seria de esperar, mais
se agudizou a censura àquelas instituições obstinadamente alheias às mudanças
sociais e exigências intelectuais dos cidadãos que deviam servir.
Não provocará estranheza, por isso, a elevada importância alcançada pelas
sociedades voluntárias prestadoras da educação a adultos, como as intituladas Poor
People‟s Corresponding Societies, Mechanics‟ Institutes ou Co-operative Movements.
Com capacidade de resposta para as solicitações das classes desfavorecidas, estas
organizações começaram a estabelecer-se desde 1815, com o objectivo de satisfazer
o desejo de aprendizagem do operariado da indústria que, deste modo, tentava
melhorar as degradantes condições de vida através de um self-help caracterizador da
sociedade vitoriana. H.P. Brougham destacou-se ao impulsionar esta forma de
aprendizagem para adultos. Em 1827 fundou uma sociedade para a divulgação do
conhecimento (Society for the Diffusion of Useful Knowledge), publicando, a preços
apelativos, diversa literatura informativa de cariz não teológico, nomeadamente um
jornal sobre educação. Através de tais publicações relatava as experiências de outros
países, como a Suíça, e colmatava a inacessibilidade às bibliotecas por parte da
classe trabalhadora.14
Outras iniciativas, dirigidas à instrução de adultos de poucos
recursos, surgiram tanto através da publicação da Penny Encyclopaedia, a qual daria
enorme contributo ao ensino técnico, como, em 1852, por meio das obras de John
Cassell vendidas sob o nome Popular Educator.
14
A primeira lei sobre bibliotecas públicas só surgiu em 1850, porém, não obstante ter surgido tão tardiamente, iria condicionar a existência de cada biblioteca ao número de habitantes por localidade.
29
Institutos para a formação de mecânicos, como o London Institute, o primeiro a
surgir no ano de 1824, estabeleceram-se por todo o país, até que, em 1860, já
existiam 610 com 102.050 membros.15
Porém, o recurso a técnicas de ensino e a
métodos pouco apelativos e nada motivadores para uma população escolar
constituída, essencialmente, por operários exaustos no final de um longo dia de
trabalho, acabou por fazer decrescer o número de frequentadores e transformou
esses lugares em centros de lazer, com o seu propósito educativo diluído e limitado a
algumas aulas populares. Outros homens tentaram dar resposta ao interesse da
classe trabalhadora pela aprendizagem, como foi o caso de J.F.D. Maurice e Thomas
Hughes, entre outros amigos, ao abrirem, em 1854, o Working Men‟s College, através
do qual visavam educar e informar os estudantes.
O sucesso destas iniciativas resultou, particularmente, do tipo de ensino
ministrado, já que ia ao encontro das necessidades profissionais dos indivíduos. Esta
preocupação de atender às necessidades reais dos ingleses, não deixou de
acompanhar o debate sobre as instituições educativas e os currículos ao longo dos
anos. Tanto os elementos da Taunton Commission, como os da Clarendon, tinham
revelado, nos relatórios apresentados, um certo embaraço e constrangimento quanto
ao abandono a que se votara o estudo da ciência e às restrições que poderiam
resultar de um ensino exclusivamente clássico. Todavia, a introdução de matérias de
cariz científico nas escolas, sob a forma de disciplinas com relevância para as
necessidades da sociedade moderna, sofreu o ónus das tradições e do
conservantismo das universidades mais antigas, nas quais se formavam, afinal, os
educadores.
Para alterar este estado do pensamento no ensino, muito contribuíram as
publicações de cientistas e defensores do utilitarismo como Herbert Spencer, Thomas
Henry Huxley ou John Stuart Mill, ao despertarem a sociedade para o valor do estudo
das ciências, sensivelmente a partir da segunda metade do século XIX. Fazendo uso
do ensaio, como veículo primordial na divulgação das ideias que enfatizavam a
defesa de um ensino liberal alicerçado em premissas utilitaristas, John Stuart Mill
protagonizou a ala moderada dos apologistas de uma aprendizagem escolar à qual se
introduziria o estudo das ciências exactas e da natureza. Em Essay on Liberty (1869),
15
Vide R. L. Archer, 1966 (1921): 138.
30
além de expressar a visão sobre as vantagens e desvantagens da intervenção estatal
no processo educativo, advogava, também, o acesso à escola para todas as classes
sociais, nomeadamente para as mais desfavorecidas. Todavia, ao invés de radicalizar
o seu ponto de vista, no respeitante à substituição das disciplinas de teor clássico
pelas mais modernas e consonantes com o progresso material da sociedade,
continuou a defender um currículo no qual o estudo da literatura não excluísse o da
ciência e vice versa. Os seus princípios utilitaristas aplicados às orientações éticas e
normativas apresentavam algumas divergências dos defendidos pelo pai, James Mill,
e por Jeremy Bentham, tornando-se, por isso, melhor aceites no meio académico,
apesar de ele próprio não ter sido um intelectual formado nas universidades. O valor
por ele atribuído ao conhecimento transmitido através das artes e da poesia,
demarcavam-no dos benthamistas e aproximavam-no das opiniões dos menos
radicais. J. S. Mill tornou-se, assim, mais uma figura de vulto no universo vitoriano
que, ao gerar algumas reacções menos positivas às teorias defendidas, também não
deixou de provocar consensos derivantes da sua temperança na defesa do empirismo
e da utilidade da ciência.
T. H. Huxley, revelador de uma atitude mais determinada quanto ao interesse
dos estudos científicos e à sua inclusão nas escolas e partilhando a linha de
pensamento de J. S. Mill na defesa do utilitarismo embora usufruindo da experiência
prática no âmbito educativo como reitor da universidade de Aberdeen e membro do
London School Board, que Mill não possuía participou vivamente no debate sobre o
processo e os métodos educativos. Posicionou-se, porém, num meio termo entre J. S.
Mill e Herbert Spencer ao aceitar o ensino dos clássicos na defesa de uma educação
liberal, à qual devia ser acrescido o conhecimento científico. Por seu turno, Herbert
Spencer, ao depreciar o currículo classicista professado até então, apresentou-se
como o mais radical na apologia de uma educação científica. Ao considerar o
processo educativo um assunto que cabia essencialmente à iniciativa de cada
indivíduo (nunca ao Estado), alertou para a elevada importância da ciência na
preparação da vida dos homens.
As doutrinas dos intelectuais atrás mencionados não se encontravam, de modo
algum, isoladas na sociedade. As suas concepções surgiram na sequência da
disseminação das ideias científicas levada a cabo pelo organismo British Association
31
for the Advancement of Science, desde a sua fundação em 1831. Quando Huxley,
Spencer e Mill começaram a divulgar as suas convicções, algumas iniciativas de
relevo já se tinham iniciado na Grã-Bretanha, prenunciando as alterações de vulto
mais tarde ocorridas. Se Oxford e Cambridge instituíram o estudo das ciências
naturais somente ao longo dos anos cinquenta, a Royal Institution tinha criado, a partir
de 1833, as disciplinas de química e fisiologia, em resposta ao criticado torpor
aristocrático da Royal Society (1660). Contudo, esta seria uma iniciativa sem grande
eco, pois, quando, em 1851, se verificou, através de um inquérito a nível nacional, a
existência de apenas trinta e oito classes formais de ciência frequentadas por um total
de 1300 alunos16
, se percebeu o muito trabalho ainda por realizar. Estes números
eram, afinal, francamente indiciadores do conflito de interesses em debate na
sociedade inglesa.
Todavia, um grupo defensor das ciências e emergente da classe média, não
educado em Ox-bridge mas em escolas médicas londrinas ao qual se juntaram
individualidades self-taught, como seria o caso de Spencer far-se-ia gradualmente
notar a partir da segunda metade do século XIX. Se, nos anos cinquenta, esse grupo
entusiasta pelo estudo científico ainda se resumia a uma centena, nos anos setenta já
reunia uns milhares, para gerar, a partir de 1860, um movimento em apoio das
ciências. O apelo destes homens, muitos dos quais membros do reputado X-Club, ao
qual Spencer igualmente pertencia, como Lyon Playfair, John Lubbock, Edward
Frankland, Norman Lockyer, John Tyndall e T. H. Huxley,17 reflectia uma crescente
valorização do mérito, da utilidade e do prestígio crescente da ciência. Este manifesto
de ideias tornou-se crucial. Ao persuadir a nação quanto à importância da pesquisa
científica na prosperidade material da Grã-Bretanha, e da necessidade do apoio de
instituições privadas (não se pretendia a interferência estatal) à recente classe de
pesquisadores, iria contribuir para a nova vaga de reformas nas universidades, assim
como para a introdução do estudo das ciências nos currículos escolares.
Captando a atenção dos críticos e partidários do conservantismo, o movimento
pró-ciência acabaria também por contribuir para a confissão pública de desagrado
dos que se preocupavam com a indiferença do sistema educativo britânico pelo
16
Vide R. L. Archer, op. cit.: 138. 17
Vide nota 37 da presente dissertação.
32
ensino de novas matérias. Um exemplo desta tomada de posição partiu de Mark
Pattison, reitor do Lincoln College em Oxford, através da obra Suggestions on
Academical Organization publicada em 1868. Este livro atingiria profundamente os
tradicionais opositores à reforma universitária. Segundo crê Roy M. MacLeod, a
experiência, adquirida pelo Reitor em Oxford, tê-lo-ia conduzido ao reconhecimento
de que o “Collegiate Ideal” estava definitivamente ultrapassado pela urgente
necessidade de um novo tipo de aprendizagem: «Pattison argued carefully that
research was vital if the university wished to ensure properly balanced scholarship».18
Senão, veja-se como Pattison, citado ainda por MacLeod, expressa o ponto de vista
em Suggestions on Academical Organization:
In order to make Oxford a seat of education, it must first be made a seat of science and learning. All attempts to stimulate its teaching activity, without adding to its solid possession of the field of science, will only feed the unwholesome system of examination which is now undermining the educational
value of the work we do.19
Ainda no ano de 1868, a British Association nomearia um comité de doze
individualidades, no qual o X-Club estava largamente representado através da
participação de Tyndall, Thomas Hirst, Huxley, Frankland, Lockyer e Playfair, a fim de
averiguar se o ensino das ciências estava devidamente assegurado na Grã-Bretanha.
Os resultados desse trabalho, em nada surpreendentes, vieram demonstrar o
diminuto lugar ocupado pelas áreas científicas nas escolas, acabando aquela
comissão por recomendar o aumento substancial do apoio monetário aos indivíduos
profissionalmente dedicados à pesquisa científica.
Um outro grupo de trabalho designado Devonshire Commission, criado em
1871 pela administração de Gladstone, do qual se destacavam William Cavendish e
Norman Lockyer, de entre os seus diversos colaboradores, destinou-se a analisar a
qualidade do ensino em todos os tipos de estabelecimentos, nos museus e nas
universidades, assim como o estado do avanço científico, encetado até aquela data.
Esta comissão acabaria por suscitar questões relevantes sobre as circunstâncias que
18
Roy M. MacLeod, “Resources of Science in Victorian England: The Endowment of Science Movement, 1868-1900” in Peter Mathias (ed.), 1972: 120. 19
Id., ibid.
33
rodeavam a condição da ciência e da pesquisa a nível nacional. Embora
reconhecendo ter havido, desde 1850, um aumento das despesas do governo com
actividades ligadas à investigação científica, os comissários também consideraram
que o país caminhava sem uma orientação estratégica neste domínio, daí resultando
um autêntico desperdício de meios materiais e de recursos humanos. Nos anos
seguintes, a ajuda do Governo revelou-se fundamental, nomeadamente através do
aumento de subsídios parlamentares à Royal Society e de outros auxílios individuais
a pesquisadores.
Enquanto o movimento a favor da ciência prosseguia e sulcava caminho por
entre a resistência das igrejas, ou o entrave, domínio e conservadorismo da
aristocracia, muitos intelectuais da sociedade britânica, apologistas do conhecimento
científico, se projectariam no ideário oitocentista. Herbert Spencer, ao ter formado o
carácter e o pensamento fora do meio universitário, viria, porém, a revelar através das
suas obras, notável projecção no meio intelectual. A publicação dos seus ensaios
sobre educação, entre 1854 e 1861, iria produzir assinalável impacte no seio do
público inglês e americano quando, em Inglaterra, se criavam comissões para o
estudo da conjuntura dos ensinos básico e secundário e das public schools.
O contributo de Spencer para a melhoria educacional surgiu, particularmente,
com o ensaio “What Knowledge is of Most Worth”, publicado em 1859. Através de
uma linguagem considerada simples e apelativa, o texto suscitou, entre os leitores, a
reflexão sobre o propósito educativo. Muitos estudiosos reconhecem, hoje em dia,
não ser exagero considerarem-se as teorias por ele defendidas como impulsionadoras
na introdução de novas disciplinas no designado Modern Side dos currículos do
ensino secundário inglês.
Em oposição aos métodos educacionais praticados nas escolas, Spencer
tentaria demonstrar o papel e o valor superior do conhecimento científico na vida e na
rotina diária do indivíduo. A elevada confiança, por ele depositada, numa educação
onde as ciências naturais fossem a principal vertente do curriculum consideradas
como as mais capazes de oferecer aos indivíduos os conhecimentos essenciais à
vida prática (ao invés das disciplinas tradicionais, através das quais os jovens se
preparavam para uma vida de lazer e sem utilidade efectiva) acabou por conquistar
34
a atenção de muitos intelectuais e do público em geral para os ensaios reunidos no
livro Education, Intellectual, Moral and Physical (1861).
O entusiasmo e a capacidade argumentativa utilizada na expressão das suas
opiniões foram, indubitavelmente, reconhecidos como superiores aos de muitos
predecessores e contemporâneos, tornando-se uma das primaciais fórmulas
conducentes à proeminência intelectual de Spencer. S.J. Curtis e M.E.A. Boultwood
crêem que a contenda educacional ocorrida na Inglaterra vitoriana não teria sido a
mesma sem a participação de muitos notáveis pensadores, e, em particular, de dois:
Today we do not need to be made aware of the demands of science. In Victorian days, however, the smooth, patronising, almost impartial, comments of Farrar‟s essayists were not forceful enough to change the old order. Only the drive of a Huxley and the sting of a Spencer could make Britain science-
conscious.20
Thomas Henry Huxley, constitui, com efeito, outra das figuras mais influentes e
marcantes da cena educativa inglesa, embora reconhecidamente menos radical do
que Spencer, como acima se mencionou. Considerado pouco original nos pontos de
vista, teria elevada influência, a par de outros reformadores educacionais, na
aceitação da ciência como um ramo essencial nos objectivos do ensino. Defendendo,
tal como John Stuart Mill e Robert Lowe, o prosseguimento do estudo das
humanidades nas escolas na condição porém, de ser ministrado de modo eficiente
Huxley advogou a educação liberal como um fim em si mesmo, num período (o final
dos anos 60) em que esta se tornara tema preferencial de discussão. Contrariamente
a Spencer (o qual não chegou a delinear um currículo dirigido aos diferentes níveis de
ensino como adiante se verá), Huxley propôs a inclusão, no plano de estudos das
escolas, de disciplinas como a biologia, a língua inglesa, a literatura, a história
moderna, a geografia (em particular a da Grã-Bretanha), a sociologia, a política e a
moral, bem como o estudo das obras mais respeitadas da literatura mundial.
Activamente envolvido na melhoria do sistema educativo britânico, as suas iniciativas
seriam cruciais para as reformas em curso, todavia, as leis, que iriam passar à prática
20
S.J. Curtis e M.E.A. Boultwood, 1964 (1960): 152.
35
algumas das propostas por ele defendidas, só foram aprovadas, após ter morrido, em
1895.
Com o contributo fértil de muitos pensadores, cientistas e pedagogos
vitorianos, o mundo oitocentista inglês iria, inevitavelmente, progredir no sentido de
uma crescente apreciação da ciência. Numerosos acontecimentos que tiveram lugar
ao longo do século tornaram irreversível o cada vez maior respeito pelas descobertas
e pesquisas científicas. Afinal, depois da publicação da obra The Origin of Species
(1859), de Charles Darwin, surgida após um período de importantes avanços na
pesquisa geológica, já nada voltaria a ser como antes. A gradual aceitação, por parte
de cada vez maior número de leigos e respeitáveis intelectuais da conservadora
sociedade inglesa, dos princípios evolucionistas enunciados por Jean-Baptiste
Lamarck e, mais tarde, por Spencer, Alfred Russel Wallace, Darwin, e John Tyndall
iria acelerar as reformas transformadoras da cultura e do pensamento
finisseculares.
No seguimento da influência ideológica dos intelectuais e pedagogos vitorianos
mais activos, entre os quais se incluiu Spencer, a segunda metade do século XIX
cedo assistiu a um intenso debate educativo, através do qual se visava encontrar
respostas para as questões então dominantes do discurso pedagógico,
nomeadamente, quais os conhecimentos considerados mais úteis. E, uma vez aceite
o pressuposto de que a ciência devia ter, de modo indubitável, um lugar de destaque
a ocupar no saber, surgiu então a necessidade de determinar quais as áreas
científicas prioritárias a ensinar. O relatório da Taunton Commission (1867-1868)
deixaria transparecer de forma clara esta preocupação, ao referir o seguinte:
If science has an unpractical character at the Universities, it will be very difficult for the schools to give it a practical turn. If the Universities cut themselves off from the needs of the country, they make it much more difficult for the school to supply those needs. We cannot but consider it the duty of the Universities, placed as they are at the head of English education, to study carefully the
requirements of the country, and to take their part in supplying them.21
21
Taunton Report on Endowed Schools (1867-1868): “Parliamentary papers”, in David C. Douglas (ed.), s.d.: 698.
36
Ao ter-se já evidenciado o proeminente lugar ocupado por Spencer nas
polémicas conducentes às principais reformas do sistema educativo britânico, ir-se-á,
nas páginas sequentes, delinear o perfil intelectual daquele que, entre outros vultos
de nomeada, marcou o pensamento na Inglaterra da Revolução Industrial, mas
também na América do pós-guerra Civil, onde as suas teorias se consideraram
perfeitamente ajustadas às circunstâncias socioeconómicas da população americana.
Assim pensa Lawrence A. Cremin, ao referir: « His theories seemed admirably
suited to a generation uncertain of its religious convictions and desperately seeking
solace in the revelations of science».22
Propondo a inversão dos percursos educacionais a supremacia da ciência ao
invés do domínio das humanidades Spencer suscitou, sem dúvida, o despeito, a
crítica e o antagonismo de alguns, mas, igualmente, o respeito e a veneração de
muitos outros, conquistando para si um lugar de destaque na filosofia do século XIX.
22
Lawrence A. Cremin, 1961: 91.
37
CAPÍTULO II O inconformismo intelectual de Spencer
Para um escriptor estrangeiro, por mais obscuro e por mais humilde que
elle seja, a Inglaterra apparece-lhe primeiro que tudo como o berço dos primeiros educadores da alma humana no decurso do presente século.
Foi debaixo d‟este céo, foi n‟este chão, em que eu bato com a ponteira do meu bordão, que nasceu Darwin, o reformador de toda a mentalidade moderna, que nasceu Herbert Spencer, o Aristoteles do nosso tempo, e que nasceu Charles Dickens, o que fez verter da piedade e da ternura humana uma lagrima nova.
Ramalho Ortigão, in John Bull (1887)
Filósofo e sociólogo, assim é principalmente conhecido Herbert Spencer
nascido em Derby, a vinte e sete de Abril de 1820, no seio da era industrial britânica e
da apologia do progresso. O vasto trabalho, ao qual dedicou cinquenta anos de vida,
divulgado através da publicação de inúmeros artigos em jornais e revistas compilados
em quase oitenta volumes, abrangeu áreas tão diversas como a ética, a teoria
política, a psicologia, a sociologia, as ciências naturais e exactas, a filosofia ou a
educação e projectá-lo-ia para um lugar de destaque na História Ocidental.
Juntamente com os intelectuais vitorianos mais prestigiados e influentes da ideologia
do século XIX, Spencer alcançou, em vida, a glória e o reconhecimento internacional
38
do seu esforço e brilhantismo intelectual, vindo, porém, a destacar-se dos demais, ao
revelar-se um filósofo singular.
Criado no seio de uma família ligada à dissidência religiosa, recebeu uma
educação liberta de dogmas e de uma disciplina convencional, as quais, ao terem
sido provavelmente determinadas pela saúde débil, lhe serviram também de estímulo
a uma faceta inconformista e a uma mente crítica e analítica. Vários membros da
família foram professores ao longo de duas gerações o que lhe proporcionou um
ambiente favorável à reflexão sobre questões pedagógicas. O jovem Spencer
cresceu, assim, num meio intelectualmente insubmisso marcado pela controvérsia,
pela liberdade de espírito e pela discussão sobre questões sociais, políticas, éticas e
educacionais. A circunstância de ter sido o único sobrevivente de entre nove irmãos
levá-lo-ia a receber atenções redobradas dos pais e dos tios e a desenvolver,
consequentemente, ao manter-se solteiro, uma personalidade individualista e rebelde
face à autoridade estabelecida.
Nada deveu ao ensino clássico, o qual não lhe foi ministrado, nem ao ensino
universitário, que não frequentou. A instrução, por influência do pai e de um tio
(ambos docentes) pautou-se por uma acentuada vertente técnica e científica, mas
manifestamente deficitária (mais tarde por opção própria) na aprendizagem do grego
e do latim, da história, dos estudos linguísticos e até da filosofia. A curiosidade,
estimulada pelo interesse pessoal, levou-o a dedicar-se às ciências exactas e a
múltiplos domínios científicos como a botânica, a mecânica, a geologia, ou a
astronomia, depreciando o tipo de cultura instituída, por a encarar como uma
limitação à liberdade intelectual.
Spencer foi, na realidade, um autodidacta genuíno, ao cultivar o saber
enciclopédico e ao defender a independência ideológica. Uma elevada autoconfiança
nas capacidades intelectuais e no engenho para julgar sobre os mais diversos
assuntos faziam-no crer ser fácil atingir a compreensão necessária de todas as
matérias às quais se aplicava. A resposta do pai a uma carta por si enviada,23
após as
suas aulas de trigonometria e reproduzida por David Duncan (antigo secretário
encarregue de lhe elaborar a biografia), não podia ser mais esclarecedora de uma
23
Entre pai e filho manter-se-ia sempre uma correspondência assídua, cujo conteúdo abrangeu a mais diversa temática revelando uma relação de total empatia intelectual e de admiração mútua.
39
certa imodéstia intelectual do filósofo: «"Your faults arise from too high an opinion of
your own attainments”».24
Contudo, Duncan acrescenta: «This self-confidence was
the natural accompaniment of a powerful intellect working freely.»25
Não satisfeito com o estudo aprofundado das questões, Spencer partiu para a
construção de uma teoria unificadora do conhecimento, por acreditar na possibilidade
de todos os aspectos do pensamento poderem ser conjugados num sistema coerente
e interligado. Ao arquitectar esse plano filosófico coligativo do saber, a partir do
conceito de «evolução», conquistou a respeitabilidade dos pares. Todavia, não se
revelando um intelectual de cariz inovador em muitas das matérias em que se
debruçou, imprimiu, apesar de tudo, um cunho pessoal, muito apreciado pelos
leitores, na defesa dos seus ideais que oportunamente captaram e veicularam o
espírito da era vitoriana, então permeável às inovações do progresso sentidas como
benéficas. Thomas Henry Huxley, outro proeminente defensor do estudo científico,
como já se referiu, e com quem tinha relações estreitas, considerá-lo-ia um pensador
singular pela determinação empregue na conjectura e na defesa de ligações entre
todas as formas do conhecimento. Inegável seria também a magnitude de Spencer
como divulgador da ciência, apesar de não ter sido, stricto sensu, um cientista, mas
antes um panegirista e pensador sobre os meandros da ciência.
Ainda que, com frequência, os críticos lhe apontassem a falta de originalidade,
Spencer conquistou a notoriedade e o reconhecimento do meio intelectual vitoriano
nos campos aos quais se dedicou, em virtude de revelar uma riqueza doutrinária e
conceptual considerada exclusiva. A sua relevância resultou, assim, tanto da
amplitude da filosofia por ele edificada, como do contributo facultado a áreas como a
biologia, a sociologia, a psicologia ou a antropologia finisseculares. Classificado por
muitos como um segundo Newton, teve várias obras editadas e vendidas em
inúmeras línguas,26
com excepcional resposta por parte do público, em países dos
cinco continentes.
24
David Duncan, 1908: 17. 25
Id., ibid. 26
Com efeito, as obras de Spencer foram traduzidas para todas as línguas europeias e, alguns dos trabalhos, surgiram primeiro em russo, como é o caso de Facts and Comments (1902). Além de traduções para o francês, o alemão ou o italiano, as obras vieram ainda a lume em sânscrito, japonês ou chinês e em vários dialectos indianos. Education, Intellectual, Moral and Physical (1861) surgiu até em árabe e mohawk.
40
Apesar de ter desenvolvido o trabalho fora das academias e de se encontrar
amiúde em confronto com o espírito académico, muitas honras lhe foram concedidas
por entidades universitárias, científicas27
e governamentais, porém, o espírito
independente levou-o a declinar a maior parte. Grande número dos modelos, ideias,
conceitos e teorias por ele defendidos e propostos, como reformas essenciais ao
acompanhamento da mudança dos tempos e a bem da prosperidade e do progresso,
fazem actualmente parte integrante da sociologia e da filosofia modernas, embora
não tenha havido, até aos nossos dias, preocupação em lhe atribuir a respectiva
paternidade por parte de muitos autores de obras sobre a cultura dos séculos XIX e
XX. Todavia, algum interesse pelo pensamento de Spencer tem vindo a ressurgir nas
últimas duas ou três décadas.28
Nos Estados Unidos, as propostas evolucionistas spencerianas foram
recebidas e consagradas como o próprio pôde confirmar aquando da visita
efectuada entre 1881 e 1882 no auge da popularidade embora, mais tarde,
distorcidas e levadas ao exagero para desagrado de Spencer. Com efeito, o seu
conceito de evolucionismo dominaria as discussões científicas nas Universidades
americanas, principalmente entre 1860 e 1890, surgindo a partir dele a noção de
27
Em 1883 a Academia de Ciências de França nomeou Spencer como seu membro, quando treze anos antes votara contra o ingresso de Charles Darwin. Spencer recusou mais esta nomeação fundamentando os seus motivos na crença de que esses títulos, ao invés de servirem de incentivo à actividade intelectual, funcionavam no sentido oposto, como desincentivo, por via de influências indirectas. A fim de expor as razões pelas quais pautava a sua atitude determinada escreveu nesse mesmo ano uma outra carta dirigida a Jules Simon, desta vez para recusar tornar-se correspondente de filosofia para a Académie des Sciences Morales et Politiques: «The mass of men accept their beliefs on authority; and beliefs which bear the endorsement of a University or an Academy appear to them more acceptable than those which are avowedly or tacitly rejected by it. Hence, during each transition period, occupied in the conquest of old ideas by new, honorary titles accorded by such a body to the defenders of the old, and long whithheld from the propagators of the new, necessarily retard the change.» (in David Duncan, 1908: 235). 28
Com efeito, o trabalho de Spencer deixou de ser objecto de simpatia durante largos anos, circunstância que se prolongou até há pouco tempo atrás. Este facto é constatável através da escassez de ensaios publicados sobre o filósofo, ou respectivas teorias, em particular desde os anos vinte. O manifesto desinteresse pelas doutrinas de Spencer conduziu à não reedição das suas obras sensivelmente durante esse período, tornando a leitura dos seus textos uma inevitável viagem no tempo através de publicações de há mais de oitenta, ou cem anos. Em 1938, decorridos trinta e cinco anos sobre a sua morte, E. C. Batho e Bonamy Dobrée afirmavam: «Today he looms much less large, but he
remains an important figure, impressive for the breadth of his intellectual survey » (in E. C. Batho e Bonamy Dobrée, 1938: 213). Contudo, a partir dos anos oitenta começou a dar-se um renascido interesse pela obra do filósofo por parte de intelectuais do meio académico, o qual conduziu à edição de alguns textos representantes da receptividade das teorias por ele defendidas no seu tempo.
41
darwinismo social, o qual, na realidade, deveria designar-se spencerismo social.29
Ao
assentar na essência da expressão «survival of the fittest» por ele enunciada, a
primeira vez, em Principles of Biology, no ano de 1864 a sua ideologia seria
abusivamente aproveitada para justificar acções socioeconómicas e políticas, das
quais ele sentiu viva necessidade de se demarcar. De facto, tais teorias tornaram-se
muito atraentes para as camadas dominantes da sociedade norte-americana, as
quais buscavam a justificação ex post do regime esclavagista sulista, bem como do
estatuto dos grandes empresários e do capitalismo selvagem (robber barons).30
Não
surpreendentemente, esses conceitos difundir-se-iam de modo a fazer de Herbert
Spencer o filósofo do século, enaltecido na América do Norte por homens como
Andrew Carnegie, John D. Rockefeller,31
William James, William Graham Sumner,
Benjamin Kidd ou E. L. Youmans, cujas auto-apologias seriam delineadas a partir das
doutrinas de Spencer.
O esquecimento ao qual foi votado, mais adiante alvo de análise, ocorreu, por
isso, após um longo período de aplauso conferido à obra, tanto na Grã-Bretanha
como na esfera internacional. De tal forma lhe foi reconhecida a projecção intelectual
29
O apelidado darwinismo social arquitectado a partir da teoria da evolução advogada por Spencer poderá, de modo sintético, resumir-se na crença segundo a qual as pessoas, tal como os animais e as plantas, competem pela sobrevivência e, por analogia, pelo sucesso possível de atingir. Os indivíduos mais ricos e poderosos eram os mais capazes, enquanto as classes socioeconómicas inferiores eram as menos aptas. O progresso, para o qual contribuiria uma sociedade livre da intervenção estatal (impeditiva do progresso natural) pautada por um grande individualismo, estava, segundo esta perspectiva, dependente da competição entre os homens. Os mais individualistas e fortes seriam os bons competidores e merecedores do sucesso alcançado nessa luta, na qual os mais fracos, por oposição, seriam os vencidos e os socialmente inferiores. A hierarquia social reflectiria, deste modo, as leis universais da natureza. Se no meio natural só os mais fortes sobrevivem, do mesmo modo, nas estruturas sociais e económicas, só os melhores teriam sucesso. Os pobres e as classes menos favorecidas representavam, assim, um grupo de indivíduos biológicamente inferiores porque haviam perdido a luta pela sobrevivência. Uma vez a pertencerem ao grupo dos desfavorecidos e caso não fossem capazes de melhorar, mereceriam o destino. 30
Como se referiu, os apelidados robber barons visavam a existência e manutenção de uma sociedade, na qual os indivíduos socialmente inferiores (as classes sociais desfavorecidas e os indigentes), por serem incapazes de se afirmar com sucesso na luta pela sobrevivência, deviam submeter-se aos vencedores dessa luta. Daqui originava o interesse numa sociedade livre de interferências estatais (tal como Spencer advogava) por estas serem consideradas indesejáveis e adulteradoras tanto da lei da supremacia dos mais fortes sobre os mais fracos, como do curso da evolução social, ao apoiar os menos favorecidos. 31
Em “The new Social Darwinism: Deserving your Destitution”, Stephen T. Asma lembra como os seguidores do filósofo nos Estados Unidos legitimizaram a teoria da sobrevivência dos mais fortes: «Andrew Carnegie, who practically worshipped Spencer, replaced his disenchanted Christian theology with the laissez faire motto “All is well since all grows better.” And John D. Rockefeller pronounced: “The growth of a large business is merely a survival of the fittest. ... this is not an evil tendency in business. It is merely the working out of a law of nature”» (in Stephen T. Asma, 1933: 12).
42
que, na Universidade de Oxford, The Principles of Biology (1864-67) seria utilizado
como texto didáctico. O mesmo sucedeu na Universidade de Harvard com The
Principles of Psychology (1855) e na Universidade de Yale com The Principles of
Sociology (1876-96), a obra considerada impulsionadora da criação do primeiro curso
de sociologia leccionado nos Estados Unidos.
Em Portugal, as teorias spencerianas também despertaram muito interesse.
No seio dos positivistas seriam bem acolhidos os trabalhos na área do organicismo e
da evolução, destacando-se alguns nomes como Emídio Garcia, Horácio Ferrari, Júlio
de Mattos (o psiquiatra e fundador da revista O Positivismo), Alexandre da Conceição,
bem como o etnógrafo e presidente da Sociedade de Geografia Consiglieri Pedroso.
No campo pedagógico, ainda em vida do autor, Education, Intellectual, Moral, and
Physical (1861) surge traduzido para a língua portuguesa sob diferentes títulos e em
diversas edições. Intelectuais como o escritor Emygdio de Oliveira, José Augusto
Coelho, ou o médico e ensaísta Ricardo Jorge, entre muitos outros, mostraram-se
seduzidos pela obra do teórico inglês. No prefácio de Da Educação Moral, Intellectual
e Physica, redigido, em 1887, por José Carrilho Videira, esta tradução da obra
spenceriana é considerada como orientadora dos mestres e das mães na missão
educativa, já que ninguém, além do eminente filósofo inglês, teria conseguido criticar
melhor os vícios da educação e chamar a atenção dos pedagogos.32
Por sua vez
Ricardo Jorge, num longo prefácio a uma edição datada de 1884, intitulada Educação
Intellectual, Moral e Physica, insurge-se contra o tipo de ensino oficial ministrado em
Portugal, rico em preconceitos e insuficiências, apenas instruindo os indivíduos para a
obediência aos ditames dos representantes do direito divino. O médico considera
ainda a obra do pedagogo inglês como um marco importante no mercado literário
português, ao servir para vulgarizar a educação moderna e combater o ensino oral
atrofiante das nossas escolas públicas. Para ele, o pensamento de Spencer deveria
desejavelmente difundir-se por todos os estratos sociais, a fim de sanar o declínio
intelectual, moral e físico da sociedade portuguesa.33
32
Vide José Carrilho Videira, “Prefácio” in Herbert Spencer, 1887: vii-ss. 33
Vide Ricardo Jorge, “Prefácio” in Herbert Spencer, 1888 (1884): vii-xxii.
43
Em França, todos os trabalhos de Spencer foram sujeitos a tradução34
e várias
edições foram necessárias para satisfazer os leitores. Na esfera educacional, desde
1878 que as teorias de Spencer vinham a ser alvo de estudo por parte do magistério
francês, tendo a obra educativa sido oficialmente recomendada, em 1884, para
integrar as bibliotecas pedagógicas em benefício da formação dos professores. No
ano de 1879, o filósofo francês Théodule-Armand Ribot, tradutor em 1898 de
Principles of Psychology (1855), deu-lhe conhecimento, através de carta, do
despacho do ministro da Instrução Pública francês, na sequência do qual se passaria
a fornecer gratuitamente o trabalho do teorizador aos alunos de liceus e colégios.
Contudo, excepção seria feita a Education Intellectual, Moral and Physical (1861), em
virtude de poder estimular nos jovens a aversão pelos estudo dos clássicos.35
A retórica cuidada e imbuída de convicções, revelava um apóstolo genuíno da
ciência, enunciado através de um estilo persuasor, acutilante, eloquente. Como
escritor, Spencer procurou esboçar o pensamento, principalmente através do brilho da
palavra ou da simplicidade matemática da expressão. Diz Robert G. Perrin: «One
reviewer remarked, “No modern writer employs the English tongue with greater
precision and logical accuracy than Mr. Spencer”».36
Não causará estranheza, por
isso, a sua nomeação, em 1903, como candidato ao Prémio Nobel da Literatura, ano
no qual viria a falecer a oito de Dezembro.
O estilo de transparência lapidar e dialéctica clara e isenta, captou as atenções
e o respeito de muitos intelectuais. Em Inglaterra, teve como amizades e admiradores
de uma vida inteira, Marian Evans (George Eliott), John Stuart Mill, George Henry
Lewes, Henry Thomas Buckle, Alexander Bain, Sir John Lubbock, John Tyndall ou
Thomas Henry Huxley,37
mas, também se relacionaria, de entre muitas outras figuras
34
Ao examinarem-se as principais bibliotecas portuguesas em busca das obras de Spencer pode constatar-se a existência, em maior número, de edições francesas e, em bem menor, dos originais em inglês ou das traduções em português. Em Inglaterra, todavia, nomeadamente em Cambridge, todos os exemplares dos trabalhos dele podem ser consultados nas primeiras edições, ou quaisquer outras posteriormente publicadas, encontrando-se à venda nas livrarias a obra Political Writings, 1994 (1842), facto que denuncia a renovada procura, entretanto suscitada, pelos seus ensaios. 35
Spencer acabou mais tarde por consentir que se retirasse daquela sua obra o controverso primeiro capítulo, “What Knowledge is of Most Worth?”, de forma a levantar a referida interdição ministerial. 36
Robert G. Perrin, 1993: 27. 37
Oito dos amigos de Spencer (todos reputados cientistas vitorianos) constituíram, juntamente com ele, o X-Club, fundado em 1864. Aos membros seria atribuída uma alcunha reveladora da personalidade de cada um, como por exemplo: Xalted Huxley, Xquisite Lubbock, Xcentric Tyndall ou Xhaustive Spencer.
44
proeminentes da sociedade vitoriana, com o escritor Francis William Newman, o
historiador James Anthony Froude ou o editor do influente New York Tribune, Horace
Greely. Porém, Spencer não despertou apenas amizades e elogios. Muitos críticos
não lhe perdoaram o pensamento essencialmente teórico e reticente em se submeter
a factos que o contradissessem. T. H. Huxley, intelectual de elevada craveira e capaz
de rasgos de espírito humorístico, considerava que, para Spencer, uma tragédia
equivalia a uma dedução sua ser anulada por um facto. Esta observação marcou
notoriamente Spencer, o qual a reproduziu na autobiografia, onde reconhece jamais a
ter esquecido.38
Todavia, a opinião de Huxley não parece, apesar da expressão de
mágoa do amigo, enfermar de tão grande ilegitimidade. E. C. Batho e Bonamy Dobrée
também lhe atribuem aquilo que denominam de « Strong prejudices and a sort of
mental deafness that made him unwilling to correct them ».39
Robert M. Young,
por sua vez, alude a uma personalidade instável e debilitada por sintomas neuróticos,
e, partilhando da opinião de outros, afirma: «Spencer was monotonous, petty, small-
minded, hypochondriacal and self-pitying».40
David Duncan manifesta ainda o
seguinte parecer: «Spencer‟s habit of throwing down a book when he disagreed
with any of its cardinal prepositions, afforded some justification for the suggestion that
he was unwilling to deal with arguments and facts opposed to his own views».41
George Eliot, a qual se chegou a apaixonar por ele,42
é considerada por Diana
Postlethwaite como uma das pessoas que melhor o conhecia:
On her part George Eliot was always slightly amused by Spencer‟s furious
system-making: “I Eliot went to Kew yesterday on a scientific expedition with
Herbert Spencer, who has all sorts of theories about plants I should have said a proof-hunting expedition. Of course, if the flowers didn‟t correspond to the
theories, we said, „tant pis pour les fleurs!”43
Pertenciam ainda ao clube Sir Joseph Dalton Hooker, Sir Edward Frankland, Dr. George Busk, Dr. George Hirst e William Spottiswoode. 38
Vide Herbert Spencer, 1907: 193. 39
E.C. Batho e Bonamy Dobrée, 1938: 213. 40
Robert M. Young, “Herbert Spencer and „Inevitable‟ Progress”, in Gordon Marsden (ed.), 1992 (1990): 153. 41
David Duncan, 1908: 510-511. 42
Este facto seria revelado através de três cartas que Eliot dirigiu a uma amiga, por volta de 1852, mas só recentemente publicadas na década de oitenta, após longos anos à guarda do British Council. 43
Diana Postlethwaite, 1984: 182.
45
Todavia, duas semanas apenas, antes de morrer, George Eliot, ainda citada por
Postlethwaite, escreveu: «He has so much teaching which the world needs».44
Mas, a relevância intelectual do teórico repousa, indubitavelmente, na
independência de pensamento, a qual se revelou através do raciocínio isento de
grilhões religiosos ou de recurso ao transcendente na elaboração das suas teorias. O
trabalho, logo a partir dos dezassete anos de idade, numa empresa de engenharia
ferroviária em Worcester,45
cuja actividade exigia escavações em profundidade,
proporcionou-lhe a ocasião de encetar estudos geológicos que se tornariam
particularmente interessantes através da leitura de Principles of Geology (1830-1833)
de Charles Lyell, por volta de 1840, mas também de William Harvey ou de Karl Ernst
von Baer, cujas ideias lhe despertaram a curiosidade para a biologia e a evolução. A
partir desta fase do seu percurso, o jovem Spencer entende que a origem da vida não
poderia ser percepcionada como surgindo por mero acaso, nem como estando
submetida à vontade divina ou humana. Na busca de uma explicação racional para o
funcionamento do Universo e dos mecanismos a ele intrínsecos, cedo divisou a ideia
de uma evolução cósmica, responsável pelo estado actual do Mundo e explicatória do
ponto primordial de onde tudo havia derivado. Assim se começou a sentir atraído
pelas hipóteses evolucionistas, antecipando-se a Charles Darwin ou a Alfred Russel
Wallace (cujas publicações surgiram posteriormente), na concepção de uma teoria
44
George Eliot ap. Diana Postlethwaite, ibid. 45
Spencer desempenhou funções na engenharia civil entre 1837 e 1846, com um período de interrupção durante o qual surgiram os primeiros trabalhos versando a actividade a que estava ligado. Estes vieram a público, de 1839 a 1842, no Civil Engineer and Architect‟s Journal. Em 1842 passou a ensaísta para publicar, em The Nonconformist, uma série de cartas sobre “The Proper Sphere of Government”. A sua colaboração com aquele jornal e algumas incursões na política activa resultaram na convivência com personalidades influentes e um convite, em 1844, para assumir o cargo de subeditor do Birmingham Pilot, onde escreveu sobre política e comércio. Começando a intervir de novo em empresas de caminho de ferro, abandonou-as definitivamente em 1846, para, após um curto espaço de tempo repartido por diversas actividades, se mudar para Londres, a fim de assumir, em 1848, o lugar de subeditor no Economist. Esta mudança conduziu à sua entrada no meio intelectual da capital britânica. Conheceu então John Chapman, G.H. Lewes, George Eliot (ainda Mary Ann Evans) e, em breve, se fez amigo de T.H. Huxley e John Tyndall. Depois da publicação de Social Statics em 1851, iniciou uma actividade regular de ensaísta para diversos periódicos como o Westminster Review, ou o Edinburgh Review. Para o Economist, Spencer escreveu muitas críticas sobre alguns dos trabalhos filosóficos e científicos de maior projecção na época, tendo adquirido, a pouco e pouco, um considerável conhecimento das questões fundamentais. São destes anos alguns ensaios famosos como “The Development Hypothesis”, ou “A Theory of Population, Deduced from the General Law of Animal Fertility”, onde mostrava processar-se já no espírito o conceito de evolução que o levou a concretizar as obras surgidas na segunda metade da vida. Com uma herança recebida, por morte de um tio, Spencer ganha o fôlego financeiro através do qual consegue largar as amarras profissionais para se consagrar, somente, aos trabalhos de escritor até ao final da vida.
46
evolucionista, indissociável do conceito de progresso, a qual viria a dominar toda a
sua obra, orientada essencialmente para o domínio social e não tanto para o mundo
orgânico.
Ao tomar conhecimento, como o próprio reconheceu, no ano de 1851, da teoria
designada “von Baer” (enunciada em 1829 pelo naturalista e embriologista estónio
Karl Ernst von Baer) a qual considera o desenvolvimento biológico como partindo do
ovo homogéneo para o organismo heterogéneo Spencer iria aplicar esta ideia da
evolução do simples para o complexo, a todos os domínios do desenvolvimento: do
sistema solar, das espécies, da sociedade humana e de todas as formas da
expressão social (a linguagem, a arte, ou a indústria, entre outras).
Prontamente recolheu o apoio e o apreço de muitos intelectuais vitorianos.
Charles Darwin considerou-o o grande filósofo da Inglaterra e o grande intérprete do
princípio da evolução.46 George Lewes em Biographical History of Philosophy (1845-6)
reconheceu ter sido ele, de entre todos os pensadores ingleses, o único a dar corpo a
um sistema de filosofia. Thomas Henry Buckle diria só muito excepcionalmente ter
lido um trabalho cujo conteúdo retinha um pensamento tão aprofundado. John Stuart
Mill equiparou-o a Auguste Comte pelo poder de encadeamento e coordenação do
saber, e classificou-o como um dos poucos espíritos criadores e mestres orientadores
de uma geração no grandioso rumo para o progresso. Para T. H. Huxley, por sua vez,
o sistema filosófico de Spencer era a única exposição completa e metódica do
evolucionismo encontrando-se, ao invés de Comte, sujeito ao rigor científico em falta
no trabalho do filósofo francês. Diz ele em Method and Results Essays by Thomas
H. Huxley (1894):
Evolution, as a philosophical doctrine applicable to all phenomena, whether physical or mental, whether manifested by material atoms or by men in society, has been dealt with systematically in the “Synthetic Philosophy” of Mr. Herbert
Spencer. I mention it because, so far as I know, it is the first attempt to deal, on scientific principles, with modern scientific facts and speculations. For the “Philosophie Positive” of M. Comte, with which Mr. Spencer‟s system of philosophy is sometimes compared, though it professes a similar object, is
unfortunately permeated by a thoroughly unscientific spirit .47
46
Cf. Charles Darwin “The Expression of the Emotions in Animals and Man” (1872). 47
T. H. Huxley, 1894: 102-103.
47
A primeira exposição de Spencer das suas ideias evolucionistas, indiciadoras
da influência do princípio lamarckiano da herança dos caracteres adquiridos, surge
num artigo escrito para o Leader, a vinte de Março de 1852, sob o título “The
Development Hypothesis”,48
seis anos antes de Alfred Russel Wallace e Charles
Darwin, separadamente, terem apresentado uma teoria da evolução à sociedade
Linnaean Society of London (1858), e sete anos antes da publicação de Origin of
Species (1859) de Darwin, obra calorosamente recebida por Spencer. Mas se Darwin
tinha limitado o princípio da evolução aos seres vivos, Spencer elaborara uma lei
extensiva a todas as formas da vida, da sociedade, da cultura e do Universo,
inspirando-se no processo evolutivo dos seres biológicos para lavrar esses princípios.
Darwin escreveu-lhe logo após ter tomado conhecimento das ideias evolucionistas
spencerianas:
Your remarks on the general argument of the so-called Development Theory seem to me admirable. I am at present preparing an abstract of a larger work on the changes of species; but I treat the subject simply as a naturalist, and not from a general point of view; otherwise, in my opinion, your argument could not have been improved on, and might have been quoted by me with great
advantage.49
É através da lei da evolução que Spencer vai explicar todos os fenómenos e
sectores da realidade, edificando, a partir de 1862, um sistema filosófico amplamente
estruturado e unificador do conhecimento, designado A System of Synthetic
48
Não data, porém, deste artigo a primeira vez onde Spencer adoptou o termo “evolução”, tendo-o popularizado ainda antes de Darwin ao fazê-lo entrar nas conversas sociais por o aplicar a todos os tipos de fenómenos. Utilizou-o por escrito, de início, numa carta ao amigo Edward Lott, a vinte e três de Abril de 1852, bem como mais tarde em “Manners and Fashion” (1854) e não em “The Development Hyphothesis” (1852), como afirmam alguns escritores, já que neste ensaio Spencer se limitou a recorrer ao uso de «modification», «change», ou «development». A palavra “progresso” era por ele empregue com um sentido equivalente ao de evolução em alguns dos seus trabalhos, mas, por altura de “The Ultimate Laws of Physiology” (1857), o termo “evolução” substituiu-a quase definitivamente. Diz Robert G. Perrin: «Spencer explained that “progress” has an “anthropocentric meaning” and thus was unsatisfactory for his purposes» (in Robert G. Perrin, 1993: 35). Por outro lado, “involução” era o vocábulo deveras preferido por Spencer, já que “evolução”, ao sugerir a ideia de expansibilidade, de abertura ou do desdobrar do potencial existente em algo, não servia o seu propósito de acentuar a crescente convergência da matéria constituinte de um agregado. Spencer acabou, no entanto, por eleger o uso do termo “evolução” ao suspeitar poder tornar-se confuso o uso de qualquer outro. 49
David Duncan, 1908: 87.
48
Philosophy.50
Tratava-se de uma filosofia «Sintética» porque consistia numa forma de
organizar o conhecimento com o contributo das ciências, que consistiriam elas
próprias num saber parcialmente coordenado. Neste seu sistema, tudo teria um lugar
determinado e resultaria de um único princípio. Ao chegar a esta conclusão, Spencer
deu início a uma etapa da vida, ocupada, a partir desse período e durante extensos
anos, por uma vasta obra, a qual o projectou para o reconhecimento público.
A elaboração do sistema filosófico sintético, intencionalmente abarcador de
todas as formas do saber, tornou-o, também, o pensador a quem foi reconhecido ter
chegado mais longe. Diz Diana Postlethwaite ser esse o ponto de vista de George
Henry Lewes, citando-o a partir de Problems of Life and Mind, Foundations of a
Creed:
Locke, Hobbes, Berkeley, and Hume “have produced essays, not systems. There has been no noteworthy attempt to give a conception of the World, of Man, and of Society, wrought out with systematic harmonizing of principles. ... Mr. Herbert Spencer is now for the first time deliberatly making attempt to found
a Philosophy.”51
Spencer projectava, de facto, fazer prova da existência da evolução como uma
realidade irrefutável. Defendia, assim, o natural evoluir do Universo, sendo o
progresso determinado pelo desenvolvimento em todos os domínios, fossem eles o
geológico, o astronómico, o orgânico, o social ou o económico. Por conseguinte, em
traços muito sumários e segundo o seu raciocínio, devia entender-se por evolução a
passagem do homogéneo, indefinido e incoerente ao heterogéneo, definido e
coerente. Depois de decorridos dez anos de maturação reflexiva, foi em First
Principles of a New System of Philosophy (1862) título mais tarde encurtado para
First Principles que Spencer largamente explanou aquele conceito. A conservação
50
A System of Synthetic Philosophy seria constituído por vários manuscritos. Principles of Psychology surgiu numa primeira edição de dois volumes, em 1855, reeditada quatro vezes até 1899. “On Laws in General and the Order of their Discovery” foi o primeiro artigo publicado em Essays (1862) que constituiu parte do original First Principles, editado sete vezes até 1904. Em 1864 saiu o primeiro tomo de Principles of Biology e, em 1867, o segundo, ambos sujeitos a revisões e aditamentos em outras edições posteriores que se prolongaram até 1899. O primeiro livro Principles of Sociology foi publicado em 1876, o segundo em 1879 e o terceiro em 1885, todos sucessivamente revistos e aumentados até 1896. Principles of Ethics encerra a filosofia sintética de Spencer. Apareceu num volume inicial em 1879, e num segundo em 1891, reeditados e aumentados até 1893. 51
George Henry Lewes, ap. Diana Postlethwaite, 1984: 203.
49
da energia, por ele designada como the persistence of force, constituía, como
facilmente será reconhecível, a alavanca de arranque do sistema dedutivo
spenceriano. A partir da persistência de forças, manifestadas através da integração
da matéria e do concomitante dissipar do movimento, Spencer deduziu que tudo o
que é homogéneo e instável, devido ao efeito causado por essas forças relativamente
às suas várias partes, deveria provocar alterações no seu desenvolvimento futuro.
Deste modo, o homogéneo acabaria por atingir formas heterogéneas, residindo aqui a
chave da evolução universal. O processo evolutivo seria, então, um fenómeno
essencial do Universo processando-se unitária e continuamente através de todas as
formas da existência, não podendo haver nenhuma solução de continuidade, nem
operar-se qualquer metamorfose de um grupo de fenómenos concretos em outro,
sem a existência de uma ponte de fenómenos intermédios.
A manifestação do progredir da homogeneidade para a heterogeneidade
estava presente em todos os domínios permitindo resolver múltiplos mistérios.
Spencer tentou, assim, interpretar e decifrar enigmas como o da formação do sistema
solar e da Terra a partir da massa inconsistente da nebulosa; a evolução das
espécies superiores e mais complexas apuradas das inferiores e mais simples; o
desenvolvimento embrionário do indivíduo desde um grupo inicial de células; o
engrandecer do pensamento humano pela acumulação dos conhecimentos ao longo
das eras; ou, ainda, o aperfeiçoamento das sociedades principiado nos agrupamentos
de homens primitivos.52
Para ele o resultado final deste processo seria o atingir de um
estado de perfeito equilíbrio, quer no domínio dos organismos animais, quer no seio
da sociedade. Num organismo, o equilíbrio alcançava-se através do progressivo
enfraquecer do ser, terminando o seu desenvolvimento com a morte. Na sociedade, o
processo evolutivo estaria concluído somente com a obtenção e o estabelecimento da
perfeição e felicidade máximas.
52
Analisar o progredir da homogeneidade para a heterogeneidade nas sociedades humanas implicava, naturalmente, uma recolha minuciosa de dados em termos comparativos. Para esse propósito, Spencer estruturou a obra Descriptive Sociology, uma série de álbuns, os quais apresentavam, em termos resumidos, as características mais relevantes das diversas sociedades e cuja publicação se iniciou em 1873. Apoiado nestas informações, mostrou, em Principles of Sociology (1876-1896), como na vida das sociedades, tal como acontece com os organismos, se verifica a lei geral da evolução. Contudo, embora muitos interpretassem a insistência dele nas analogias orgânicas, como se de uma tese geral se tratasse e na qual a sociedade é um tipo particular de organismo, teve o cuidado de repudiar tal interpretação.
50
Deverá reconhecer-se, contudo, o facto do evolucionismo, tal qual Spencer o
concebeu, não se mostrar rígido e, pelo contrário, revelar considerável prudência no
enunciar das leis da evolução. Segundo ele, elas apenas descrevem tendências, pois
a conjectura e as circunstâncias, nomeadamente históricas, poderiam influenciá-las
noutro sentido e, até certo ponto, contradizê-las. Era por isso axiomático que, todos
os aspectos do Universo, quer fossem orgânicos ou inorgânicos, sociais ou não,
estavam sujeitos à lei da evolução. Para este filósofo, tanto o progresso das
sociedades como o dos organismos biológicos era idêntico e sujeito às mesmas
forças. A partir das ideias atrás expostas, facilmente se percebe onde residiam as
circunstâncias que o conduziram à rejeição do conceito criacionista do Universo,
posterior abandono da fé cristã e, por fim, a uma tomada de posição agnóstica.
Spencer não foi, todavia, o único precursor do pensamento evolucionista.
Antes dele, personalidades notáveis que conquistaram um lugar na história das Ideias
contribuíram para iluminar os meandros da ciência ao elaborar as primeiras noções
de evolucionismo. Estas podem reportar-se a pensadores de outras épocas bem
distantes, se for levado em linha de conta o pensamento de Platão e Aristóteles, que,
na Grécia Clássica, cerca do século IV antes de Cristo, já tinham atentado nas
mudanças sociais. Exemplos mais recentes podem encontrar-se no século XVII, como
são os casos de Thomas Hobbes em Leviathan (1651); de John Locke no segundo
Two Treatises Of Government (1690); ou de Jacques Bénigne Bossuet em Discours
sur l‟Histoire Universelle (1681). Um século depois, Chavannes em Essai sur
l‟Éducation Intellectuelle avec le Projet d‟une Science Nouvelle (1787) e David Hume
em Of the Rise and Progress of the Arts and Sciences (1793), salientaram-se,
também, pelo contributo oferecido às ideias evolucionistas. Ainda no século XVIII,
George-Louis Leclerc Buffon, não elaborando propriamente uma teoria, tratava do
tema da transformação das espécies na obra, em trinta e dois volumes, Histoire
Naturelle, Générale et Particulière (1749-89). Do mesmo modo, James Hutton em
Theory of the Earth with Proofs and Illustrations (1795) e Erasmus Darwin, o qual
escreveria em verso Zoonomia or the Laws of Organic Life (1794-1796), já
51
assinalavam a evolução do mundo orgânico, antecipando aspectos constitutivos de
algumas das teorias evolucionistas do naturalista francês Jean Baptiste Lamarck.53
Seriam, contudo, determinantes para o caminho percorrido por Spencer no
elaborar de uma concepção evolucionista, Jean-Baptiste Lamarck, Karl Ernst von
Baer, Charles Lyell, Robert Chambers e Auguste Comte. No domínio da evolução
biológica, Jean-Baptiste Lamarck (o qual concebeu, em 1796, uma teoria evolutiva do
sistema solar), foi o primeiro naturalista a pensar em termos do desenvolvimento das
espécies. Ao defender que as mudanças operadas nas espécies, se deviam às
relações dos seres vivos com o meio ambiente, este intelectual acabaria por concluir
operar-se, com o tempo e pela influência do hábito, uma evolução de todas as formas
vivas para formas mais complexas, lançando, em Philosophie Zoologique (1809), a
teoria tornada a pedra basilar da mudança progressiva das espécies. Segundo ele,
todas as metamorfoses estruturais e funcionais dos órgãos e dos membros do ser
vivo estavam condicionadas pelo uso ou desuso dos ditos membros, sendo tais
adaptações funcionais hereditárias.
As ideias evolucionistas captaram, alguns anos mais tarde, o interesse do
russo Karl Ernst von Baer, de Koenigsberg, notabilizado pelos trabalhos de
embriologia. Escrevendo, entre 1828 e 1837, Entwicklungsgeschichte der Tiere, expôs
nessa obra o conceito de que a evolução se dá como se tivesse por objectivo
transformar em acto o existente em potência no ser orgânico.
Avançando ainda mais longe, surge Charles Lyell, um dos fundadores da
geologia moderna e conhecido de Spencer. Ao publicar Principles of Geology (1830-
33), apontava já para uma teoria evolucionista capaz de demolir o conservadorismo
científico e as posições catastrofistas, pois demonstrou a existência de uma evolução
53
Na primeira metade do século XIX e na sequência da importância adquirida pelos trabalhos
estratigráficos e geológicos por via de escavações em profundidade nas minas essenciais à
Revolução Industrial que permitiram o achado de inúmeros fósseis de animais, até aí desconhecidos foram aparecendo diversos trabalhos de investigação, os quais visavam divulgar as recentes descobertas. Muitos desses textos tentavam confirmar a teologia natural, outros (essencialmente originários na França e na Alemanha) apresentavam teorias científicas mais secularistas. Contudo, só através da efervescência do ideário oitocentista provocado por Charles Darwin, neto de Erasmus Darwin, ao fazer penetrar o evolucionismo nas ciências da natureza, se verificou o derradeiro desabar das crenças mais conservadoras características do pensamento vitoriano,.
52
biológica, a qual era comprovada pela sucessão de estratos geológicos reveladores
do evoluir sucessivo das formas dos animais.54
Outra figura marcante foi Robert Chambers. Embora não demonstrasse o
«como» ou o «porquê» de as várias espécies adquirirem os seus caracteres
peculiares argumentando meramente a favor do desenvolvimento progressivo de
uma espécie para outra foi (sem esquecer Comte) outro dos ensaístas, cujas ideias
muito se assemelhara às de Spencer. Isto, porque acreditava na progressão contínua
das formas de vida inferiores para outras superiores, em resultado de um impulso que
fora comunicado a essas formas de vida e perpetuado de geração em geração, como
expôs em Vestiges of the Natural History of Creation (1844).
Por seu turno, Auguste Comte destacar-se-ia pela relevância das suas ideias
no âmbito das concepções evolucionistas. Em Cours de Philosophie Positive (1830-
42) dedicou-se ao estudo da sociedade, aplicou-lhe as leis evolutivas55
e defendeu
ser possível observar nos povos primitivos contemporâneos os primeiros estádios dos
grupos civilizados. Considerando que as mudanças culturais eram lentas, graduais e
contínuas seguindo uma ordem fixa e determinada Comte atribuiu as diferenças
de cultura à rapidez com que cada grupo social passava a estádios sucessivos, os
quais, no seu entender, eram três: o estado teológico ou fictício, o metafísico ou
abstracto e o estádio científico ou positivo, onde a busca das causas metafísicas era
abandonada em favor das leis científicas. Assim sendo, ao aplicar uma teoria da
evolução à estrutura da sociedade, Comte converteu-se numa referência
incontornável para pensadores e sociólogos, seus precursores. Por outro lado, ao ser
considerado o primeiro a ter exposto nitidamente a dependência existente entre a
biologia e a sociologia, tornou-se indissociável do pensamento de Spencer.
54
Na mesma década em que surgiu a obra considerada como uma das principais de Charles Lyell, as investigações arqueológicas de Schmerling na Bélgica e de Boucher de Perthes em Abbeville levaram à descoberta de fósseis humanos pré-históricos, os quais, embora não fossem os primeiros, tornaram aqueles investigadores protagonistas de um acontecimento antes adiado e rejeitado pelos conservadores devido ao receio das suas implicações e de consequências indesejadas para a sociedade contemporânea. 55
Na primeira metade do século XIX, Marx e Engels avançaram também com teorias da evolução social, mas os seus escritos não seriam considerados, na época, como detentores de solidez aceitável, sob o argumento de não proporcionarem as bases científicas para o estudo da sociedade humana. Tais teorias no domínio da evolução social, só encontraram terreno mais favorável a partir da segunda metade do século.
53
A influência produzida pelas ideias dos intelectuais acima referidos nas
doutrinas de Spencer parece resultar numa constatação indiscutível, apesar de o
teórico inglês não se ter considerado um leitor notável quando afirmou só se submeter
à leitura de trabalhos de outros autores conforme o interesse momentâneo num
determinado tema (assunto que se retomará mais tarde na presente dissertação).
Porém, o raciocínio indutivo de Spencer, percorrendo trilhos já embrionariamente
experimentados, viria a aprofundar conteúdos por via da enunciação de teses que o
destacaram dos contemporâneos. Depois de formular alguns pressupostos quanto à
teoria da evolução do cosmos e dos organismos vivos, revolucionou o conhecimento
da sua era e da precedente, ao concluir, de forma inequívoca, serem os pressupostos
aplicáveis à Natureza de igual modo adequados à história da cultura humana. Este
será um aspecto fundamental em Spencer, uma vez que desenvolveu o seu trabalho
notoriamente mais inclinado para o evolucionismo social, do que para o evolucionismo
biológico, ao qual se dedicou muito menos.56 Isto é facilmente constatável através da
extensão da obra, pois nela é possível encontrar um número superior de trabalhos
orientados para o estudo das sociedades. Não obstante esta circunstância, a
capacidade de abrangência do intelecto de Spencer, ao abordar todas as esferas do
saber, levou-o a autodenominar-se um generalista e um sintetizador. Acreditava ter
trazido ordem às várias disciplinas da cultura através de princípios gerais, delas
unificadores. Mas, se houve um campo, no qual poderá ser apelidado de especialista,
será na área da sociologia. Segundo Charles Horton Cooley o insuficiente
aprofundamento e dedicação ao estudo das ciências exactas por Spencer,
opostamente a Darwin, tinha raízes na sua personalidade:
So far as I am able to judge, Spencer had great gifts as an observer of inanimate nature, and only his exorbitant speculative trend prevented his achieving more important results than he did. His questioning of accepted ideas, his persistency, his ingenuity and manual skill (much greater than that of Darwin) were all valuable traits. What he mainly lacked as a natural scientist, I
56
As teses de Spencer no âmbito das ciências exactas revelaram, também neste campo, o esforço e o rigor a que sujeitava todo o seu trabalho. Contudo, algumas das suas teorias não passaram de puros exercícios de especulação cuja inconsistência só o avanço da tecnologia e da ciência permitiram desmistificar. Que mais nos nossos dias, senão um sorriso, poderá suscitar a crença de Spencer,
quando em The Principles of Biology (1864-67) afirma em conformidade com a sua teoria da
agregação para a complexidade que eram as primeiras palpitações do coração do feto que favoreciam o desenvolvimento dos membros? Ou que o coração surgia da complicação de um vaso sanguíneo?
54
imagine, was again humility. He was inclined to domineer over his facts, instead of listening with open mind to what they had to say. Spencer claimed that he had “equal proclivities towards analysis and synthesis.” This is true, in the sense that he had an equal need to see his conceptions in large and in detail, but I think that both his analysis and his synthesis were a priori, that in both the disposition to work out preconceived ideas is far more active than desinterested curiosity. Indeed, when he once gets to work, especially upon social material, the latter is hardly discernible. He himself regrets that he was apt “to be
enslaved by a plan once formed” and to slur over difficulties.57
Como se pode depreender do acima citado, contrariamente ao que seria de
esperar num pesquisador do campo das ciências exactas, Spencer construía as
teorias a partir da enunciação teórica e não da reunião dos factos, buscando
posteriormente ilustrá-las ao recolher os elementos comprovantes das suas ideias
preconcebidas. Para levar a bom termo esta metodologia contou com a ajuda de
secretários e colaboradores, cada vez mais imprescindíveis já no final da vida,
porquanto os problemas do foro neurológico que o atingiram não lhe permitissem
concentrar-se além de duas horas por dia. Todavia, este método de trabalho
adoptado por Spencer nada teria de impróprio, não fosse o pensamento desprovido
de humildade científica, como Cooley atrás denuncia.
Estas constatações não invalidam, porém, as características positivas do
raciocínio de Spencer, o qual examinava os dados sociológicos, pedagógicos, morais,
éticos, políticos ou psicológicos, de forma idónea e à luz de um espírito observador e
racional, de cariz científico, doutrinariamente independente e insubmisso. O seu modo
de trabalho baseava-se, com efeito, numa investigação58
assente na observância dos
factos submetidos a um exame rigoroso das hipóteses enunciadas, as quais, por sua
vez, firmava em estatísticas ou no reconhecimento do processo dinâmico que afecta
todos os fenómenos. O contributo dos estudos encetados antes, ou em simultâneo,
57
Charles Horton Cooley, “Reflections upon the sociology of Herbert Spencer”, 1920: 135-136. 58
Foi em Principles of Sociology (1876-1896), manuscrito constituído por mais de 2.200 páginas, no qual Spencer incluiu milhares de referências, que aplicou os princípios da evolução às sociedades humanas. Para reunir as informações utilizadas naquela obra empregou, como secretários, David Duncan, de 1867 a 1870, James Collier, de 1870 a 1881, e Richard Scheppig, de 1872 a 1877, para que estes realizassem uma resenha de extensas obras de história, etnografia e viagens, sobre todas as populações conhecidas; citassem, metódica e sistematicamente, todos os factos e passagens sociológicas significantes; e, por fim, organizassem esses elementos de acordo com um complexo esquema divisado por ele próprio. Os resultados foram, mais tarde, publicados em Descriptive Sociology (1873-1881). Vide nota 52.
55
por outros historiadores, exploradores, ou biólogos, enriqueceriam, indubitavelmente,
as comprovações e teorias spencerianas.
Spencer deverá, assim, ser reconhecido como um dos filósofos da sua época
que faziam depender todo o conhecimento de um trabalho experimental, na linha do
pensamento do francês Auguste Comte, para quem o único saber importante e
legítimo era obtido através das ciências empíricas. Segundo M. E. Cazelles, tradutor
da versão francesa de First Principles (1862), ao conquistar um lugar proeminente
entre os positivistas do século XIX, Spencer aproximou-se, afinal, de uma outra
orientação devido ao método de trabalho por ele adoptado:
Il emploie volontiers un language qui pourrait le faire prendre pour un adhérent d‟une autre école: il parle de principes à priori, de vérités nécessaires; il reproche aux empiriques de prétendre expliquer celles de nos croyances qu‟on apelle nécessaires comme ils expliquent toutes les autres, sans supposer la
nécessité d‟aucune croyance.59
A considerar-se, então, Spencer como um filósofo de pensamento empírico,
esta asserção resulta da forma como, na defesa do conhecimento científico e
consequente ânsia de rigor, recorreu à experimentação. Para ele, a ciência era, afinal,
a descrição objectiva de grande número de experiências. Admitia, no entanto, a
existência do incognoscível (em First Principles (1862) reconheceu uma realidade
designada por unknowable), a qual originava o mundo fenoménico. Mas esta seria
outra área controversa que suscitou as críticas dos observadores atentos ao seu
trabalho.
Se o despertar do pensamento dos demais é o principal dom dos pensadores,
Spencer pertencerá, inegavelmente, ao número dos que o conseguiram, como a
seguir se demonstrará. Em abono da verdade terá de reconhecer-se o alcance
intelectual da sua obra, cujas mensagens doutrinárias conquistaram um lugar de
relevo na cultura dos séculos XIX e XX, absolvendo-o assim, de algum modo, dos
defeitos apontados pelos opositores. O conceito de Spencer, segundo o qual a
sociedade é um organismo e algo mais do que os indivíduos que a compõem,
constituindo uma unidade coesa de partes interdependentes, resultou em outras
doutrinas que o exprimiram em termos biológicos, sendo a mais controversa delas o
59
M.E. Cazelles, “Introduction du Traducteur” in Herbert Spencer, 1890: xv.
56
organicismo. Esta corrente de ideias foi incrementada por numerosas publicações de
alguns intelectuais de diversos países da Europa surgidas no último quartel do século
XIX e nos primeiros anos do século XX.
Por outro lado, precursores de Spencer e do seu darwinismo social cuja
aceitação nos Estados Unidos excedeu todas as expectativas do teórico surgiram,
também, através das obras de autores da Europa Central, principalmente originários
do Império Austríaco, defensores da existência de raças dominantes que organizavam
o Estado sob a sua égide. Em França, Joseph Arthur Gobineau, em Essai sur
l‟Inegalité des Races Humaines (1853-1855), expressaria um pensamento de cariz
racista ao advogar a legitimidade de classes superiores, as quais acabaram por vir a
influenciar o nacional-socialismo. Ao longo da segunda metade do século XIX,
diversos intelectuais ingleses e, particularmente, americanos como já se referiu,
abraçaram a teoria do evolucionismo social para justificar as desigualdades na
sociedade.60 Foi este o caso de Walter Bagehot ao desenvolver a teoria da evolução
dos grupos humanos assente na luta entre eles travada pela sobrevivência, ou de
William Graham Sumner, professor da Universidade de Yale,61
e um dos discípulos de
Spencer nos Estados Unidos que considerava firmar-se o progresso dos povos na
concorrência livre, da qual deveria resultar a vitória dos mais capazes.
Spencer sentiu necessidade de se distanciar de todas estas correntes
originadas, erigidas e difundidas, a partir da interpretação do seu pensamento, que de
alguma forma deturparam. Assim fez quanto aos princípios organicistas quando
escreveu a seguinte passagem no ensaio “The Organism Analogy: Inductions of
Sociology” (1864):
Here let it once more be distinctly asserted that there exist no analogies between the body politic and a living body, save those necessitated by that mutual dependence of parts which they display in common. Though, in foregoing chapters, sundry comparisons of social structures and functions to structures and functions in the human body, have been made only because
60
No conceito spenceriano da sociedade como um organismo vivo, a existência de uns indivíduos mais desenvolvidos do que outros devia-se ao processo evolutivo e à selecção natural, a qual conduzia a um combate útil (por produzir seres superiores) entre os membros de uma mesma sociedade, entre as classes dessa sociedade e entre as nações e as raças. Assim, no topo da pirâmide racial encontravam-se os europeus seguidos dos asiáticos e dos africanos. 61
Seria, aliás, Sumner, quem, em Yale, leccionou o primeiro curso de sociologia nos Estados Unidos utilizando, para o efeito, The Principles of Sociology (1876-96) como texto didáctico.
57
structures and functions in the human body furnish familiar illustrations of
structures and functions in general.62
Mas a vasta obra de Spencer não recolheu unicamente admiradores e
precursores das suas teorias, como já se descortinou. Muita controvérsia se
levantaria, na tradição, aliás, dos intelectuais vitorianos deliberadamente envolvidos
em polémicas decorrentes da defesa das opiniões. Os confrontos entre Matthew
Arnold e T.H. Huxley seriam disso exemplo, assim como entre John Henry Newman e
Charles Kingsley, F.R. Leavis e Sir Charles Snow, Samuel Wilberforce e John Tyndall
ou William Wheweel e John Stuart Mill, entre muitos outros casos. Em 1880, Spencer
entrou em grande controvérsia com Peter G. Tait sobre o significado conceptual do
termo spenceriano “evolução”. Entre 1884 e 1885 debateu o conceito de “the
unknowable”, considerado por Frederic Harrison a religião fantasma de Spencer. Em
1885, contestou, também contra Harrison, o facto de este considerar A System of
Synthetic Philosophy (1855-96) uma imitação de Cours de Philosophie Positive (1830-
42) de Comte. Ainda nesse ano, voltaram a debater-se sobre as circunstâncias da
publicação de The Nature and Reality of Religion (1885). Com o biólogo alemão
August Weisman, Spencer teve, entre 1893 e 1895, uma longa controvérsia, pois
aquele refutara a hereditariedade dos caracteres adquiridos constitutivos do
pressuposto fulcral da variante do evolucionismo arquitectado por Spencer. Outros
proeminentes intelectuais cruzaram também o seu caminho (Thomas Hill Green em
1881, Goldwin Smith em 1882, Émile de Laveleye em 1885, o Duke of Argyll em
1888), ao interpor-se-lhe, rebatendo as teorias ou criticando-as, por vezes de modo
sério, outras de forma jocosa. E. B. Tylor e Thomas Carlyle colocaram-se entre
aqueles que deixaram claro não gostar dele, como refere Robert G. Perrin: «Thomas
Carlyle, whose “great man theory of history” Spencer demolished , once described
him as “the most immeasurable ass sic in Christendom”».63
Por seu turno, a amizade
de quase quarenta anos com Huxley não resistiria quando, entre 1889 e 1894, este
resolveu atacar o conceito de ética política defendida por Spencer e a sua filosofia de
extremo individualismo, ao basear-se para tal, em passagens de The Man “Versus”
the State (1884).
62
Herbert Spencer, 1968 (1864): 73. 63
Robert G. Perrin, 1993: 86.
58
Apesar de se mostrar um crítico implacável dos outros, Spencer respondia,
invariavelmente, às críticas apontadas refugiando-se na afirmação de que as suas
declarações tinham sido incompreendidas, ou deturpadas, porém, estabelecia, uma
fronteira categórica entre os juízos de carácter pessoal e os de ordem impessoal. Os
últimos não lhe perturbavam a serenidade de espírito, mas os primeiros, quando
dirigidos ao carácter, já o deixavam mais susceptível e de humor alterado.
Se algumas dessas análises menos elogiosas atentavam na falta de
originalidade (a qual continua, ainda nos nossos dias, a pender sobre a obra), a
essência das ideias também era acusada de enfermar os excessos do utilitarismo,
positivismo, liberalismo ou monismo. Spencer era de facto um intelectual
inconformista e, poder-se-á agora acrescentar, controverso, ao sentir a autoridade e a
intervenção estatal como um empecilho à iniciativa individual, por ele,
incondicionalmente, valorizada. De tal forma defendia a independência de
pensamento, que, em 1884, ao receber um pedido de autorização para ser nomeado
candidato ao Parlamento, logo respondeu ao Reverendo J. Page Hopps prenderem-
se as razões da recusa com o facto de os conceitos políticos, por ele professados,
divergirem dos da totalidade dos partidos políticos existentes. Segundo ele, a
anuência para exercer tal cargo estava completamente fora de questão:
I should be in continual antagonism with my constituents; most of whom, Liberal as well as Conservative, hold opinions from which I dissent and who would wish
me to support measures which I entirely disapproved of .64
Contudo, apesar de se mostrar determinado em isolar-se das correntes
políticas vigentes, a sua doutrina facilmente demonstrou o pendor liberal. Em Letters
“On the Proper Sphere of Government” (1842) e, alguns anos depois, em Social
Statics (1850), ao exprimir o modelo ideal de sociedade, e o lugar nela ocupado pelos
indivíduos, bem como os direitos e relações a estabelecer entre os homens e o
Estado, enuncia, por essa altura, os ditames políticos que lhe tinham norteado a
existência e a conduta até esse momento da vida e os quais jamais abandonou.
Estava convicto que a sociedade civilizada seria como um organismo superior, dentro
do qual a harmonia se atingia através da subordinação de umas partes às outras e
64
Herbert Spencer in David Duncan, 1908: 241.
59
onde a vivência perfeita dependia do individualismo do ser humano. Estes conceitos
perpassam toda a obra, sendo até reforçados ao longo dos anos, como em Justice
(1891), obra na qual retoma a defesa dos limites do exercício do Estado, ou em Facts
and Comments (1902), onde, entre outros temas, aborda a educação estatal para
dela discordar. Em The Man “Versus” the State (1884), Spencer reafirma as
convicções e expõe a defesa do verdadeiro liberalismo. Se este, no passado, tinha
estabelecido limites aos poderes dos reis, no futuro deveria limitar os poderes
parlamentares e garantir a liberdade dos indivíduos agirem sob a iniciativa própria.
Foi, por esta altura, que Spencer adoptou atitudes mais radicais no âmbito da política
quando aderiu ao Movimento pelo Sufrágio completo (Complete Suffrage Movement)
e deu início, nos anos imediatos, à redacção de panfletos em defesa da reforma
eleitoral.
O discurso convicto e persuasor nesta matéria do liberalismo político e
económico gerou polémica. Em “Evolution and Ethics”, publicado no nono volume de
Collected Essays (1894), Huxley denunciou o seu individualismo fanático, não sendo
a única voz a erguer-se contra a excessiva valorização de Spencer da iniciativa
privada, especialmente quando se insurgia contra os apoios do Estado e defendia a
economia do total laissez faire.65
Estas acusações, que mais tarde adquiriram renovada importância, constituir-
se-iam, em grande parte (embora não em exclusivo), a partir das causas que
conduziram o teórico ao esquecimento. Com efeito, decorridos alguns anos, a sua
reputação nos círculos intelectuais e no seio dos estudiosos em ciências sociais, foi
irremediavelmente abalada por entrar em absoluta discordância com as novas teorias
colectivistas (tornadas entretanto uma moda novecentista), que se propunham
solucionar os velhos problemas do homem e da sociedade. Diz Jonathan H. Turner
que a sociologia contemporânea tem sido apelidada do seguinte modo: «
Decidedly liberal, radical, and collectivist».66
Por contraste, Spencer foi
acentuadamente não intervencionista e anticolectivista, em particular em The Man
65
Para Spencer, esta não era simplesmente a expressão de um princípio político-económico, mas antes o termo a aplicar a um princípio mais geral, o qual devia permitir aos cidadãos recolher os benefícios ou os males decorrentes dos próprios actos. Laissez faire seria, assim, uma regra de conduta, um código individual de responsabilidade ao reconhecer cada pessoa como responsável pelo seu comportamento e, por consequência, pelos resultados positivos, ou negativos, resultantes das acções praticadas. 66
Jonathan H. Turner, 1985: 13.
60
“Versus” the State (1884), obra que, ao contrário de revelar o protesto isolado de um
pensador liberal, constituía a manifestação liderante de toda uma corrente da opinião
política, sua contemporânea, conhecida através dos autodenominados individualists.
Sobre estes refere Michael Taylor:
Theirs was a defensive, conservative creed which aimed to resist any further extension of the state‟s activities and, if possible, to curtail them still further. At the core of Individualism was Spencer‟s law of equal freedom, namely that “every man may claim the fullest liberty to exercise his faculties compatible with
the possession of like liberty by every other man.67
De todo o modo, a postura de Spencer projectá-lo-ia como um dos raros
sociólogos liberais e prestigiados teóricos do liberalismo, convencido como estava, de
que se o Estado fosse demasiado interveniente e não coexistisse em atitude passiva
e harmoniosa com o individualismo, a sociedade industrial não poderia desabrochar.
Por esta razão, o bem dos cidadãos não estaria subordinado às conveniências do
Estado, mas antes devia obrigar-se o Estado a servir os interesses dos cidadãos.
Spencer não se excluía, por conseguinte, do espírito vitoriano, cuja estabilidade e
optimismo no âmbito social, político e económico, dominaram a partir da segunda
metade do século XIX. Nessa era de prosperidade, durante a qual as ideias liberais
medraram e adquiriram cada vez mais aderentes, Spencer destacou-se como um
mirífico veiculador das teorias favoráveis ao desenvolvimento industrial.
Por outro lado, a apologia da observação experimental como primeiro critério
da verdade inseriu-o na doutrina filosófica disseminada por Auguste Comte designada
de positivismo. Ao defender a ciência como a única via de aquisição do conhecimento
genuíno, o qual provinha, por sua vez, da experiência senhorial obtida através da
observância e da pesquisa, Spencer (que muito fez para se demarcar de Comte e da
sua perspectiva da ciência como se de uma religião se tratasse 68
) assumiu uma
67
Michael Taylor (ed.), 1996: x. 68
Num interessante artigo sobre Comte, de título “O diácono do Progresso” e publicado no Diário de Notícias de 18 de Janeiro de 1998, o seu autor, Miguel Gaspar referia o seguinte: «Auguste Comte partilhava o gosto imoderado pela criação de paraísos com certificado de garantia científica com o seu contemporâneo Karl Marx. Porém, o filósofo francês entendeu por bem, na derradeira fase da sua vida, dar à sua profissão de fé no progresso a forma de uma “religião da humanidade”. Isto porque o estudo da sociedade mostrava a importância da religião como cimento social. Comte entendeu que uma religião sem Deus poderia funcionar como qualquer outra, num mundo governado através das leis
61
atitude incontestavelmente positivista, juntando-se, assim, a outras proeminentes
figuras como o sociólogo francês Emile Durkheim, o italiano Vilfredo Pareto, o
sociólogo norte-americano Talcott Parsons, ou o filósofo e sociólogo alemão Hans
Albert. Na Grã-Bretanha vitoriana, muitos outros pensadores das suas relações
também se avocaram positivistas. Seria o caso de John Stuart Mill, T.H. Huxley,
George Eliot ou de George Henry Lewes que, ao darem um contributo significativo na
defesa da introdução de disciplinas científicas nos currículos do ensino britânico,
consideraram só através delas ser possível proporcionar aos indivíduos o
conhecimento positivo e verdadeiro.
Na origem da sua defesa do liberalismo e indissociável das ideias positivistas,
por ele adoptadas, encontrava-se uma visão utilitarista, manifestada em várias teorias
do âmbito educacional, político, económico e sociológico. Spencer aferia o valor dos
conhecimentos pela utilidade que revelassem para a felicidade humana. Ao sustentar
o império absoluto da ciência e o abandono do estudo das humanidades iria
metodicamente demonstrar a vantagem e a capital importância do saber científico
para o bem-estar individual. Em Data of Ethics (1879) sintetiza a teoria utilitarista,
embora, duas décadas antes em Social Statics (1850), tivesse alegado a
independência daquela corrente de pensamento. Contudo, as ideias expostas nas
obras anteriores e nas posteriores a 1850, particularmente as relacionadas com a
ética ou a moral, demonstraram a nítida influência sofrida a partir da divulgação dos
conceitos dos mais conhecidos utilitaristas ingleses como Jeremy Bentham, James
Mill ou John Stuart Mill.
Tal como a imensa maioria dos positivistas, liberais e utilitaristas, Spencer
também revelou ideias de cariz monista. Neste campo, enquadrou-se numa
perspectiva monista materialista, ao considerar a matéria como a única realidade
aceitável e o espírito como o seu epifenómeno. Contudo, admitia a pluralidade de
substâncias materiais e de seres, assim como T.H. Huxley na filosofia biológica. Na
qualidade de homem das ciências, não reservava lugar no pensamento para noções
de espírito e até o posicionamento face à religião era a de um estudioso. Ao monismo
científicas do funcionamento da sociedade» (in Diário de Notícias, 18 de Janeiro de 1998: 33). Spencer não partilhou esta perspectiva da ciência como uma religião sem Deus, embora, na defesa do domínio do saber científico sobre o conhecimento, as suas ideias se possam equiparar aos ideais comtianos, já
62
de Spencer, E. De Roberty dedica um longo capítulo da obra Auguste Comte et
Herbert Spencer (1895), com o intuito de desmontar em cinco partes as teses
principais orientadoras da ontologia do sistema spenceriano, para concluir que, na
visão do filósofo, o realismo seria sempre a única tese racional tanto do ponto de vista
da lógica, como do senso comum, visto todas as outras não terem consistência.69
Spencer foi, incontestavelmente, uma das principais celebridades vitorianas.
Arauto do progresso e da evolução, inexcedível defensor do livre arbítrio e da
iniciativa pessoal em prol da sociedade industrializada, integrou e captou de modo
perspicaz o espírito da época na qual viveu. Para o sucesso da sua obra, muito
contribuiu, também, a expressão e o brilhantismo intelectual daqueles com quem
privava, para, numa interacção de saberes, enriquecerem o conhecimento dos nossos
tempos.
O vanguardismo e a abrangência das suas teses, controversos e
questionáveis, embora, também eram coerentes com as reformas que se anunciavam
inevitáveis e das quais o nome de Spencer não poderá apartar-se. Neste contexto de
urgência reformista se enquadra, igualmente, a pedagogia, fruto de um pensamento
teórico, mais do que prático, uma vez ter sido professor por curto espaço de tempo.70
Este facto não desmotivou, porém, o trabalho nesta área, já que as teorias
educacionais acabariam por se revelar tão engenhosas quanto sedutoras, devido à
eloquência de um discurso e de um estilo não elitista, o qual atraiu leitores de todos
os estratos sociais. Apesar de todas as resistências oferecidas pelo sistema educativo
vitoriano, pelas instituições e pelos próprios reformadores políticos encarregues de
dar rumo às mudanças a operar no ensino britânico (como se deixou claro no primeiro
capítulo da presente dissertação), torna-se interessante constatar como a doutrina
spenceriana pelo valor supremo da ciência, devidamente enquadrada na sua lei geral
da evolução como orientadora da vida natural e social, foi sulcando caminho nos
meios educativos, embora não por via da aceitação directa.
que ambos reconheciam só ser possível alcançar a sociedade perfeita através do progresso propiciado pelas leis da ciência. 69
Vide E. De Roberty, 1895: 154. 70
Spencer exerceu a actividade de professor durante apenas três meses, em 1837, numa escola em Derby, onde ele próprio tinha sido aluno entre os sete e os dez anos de idade. Em Novembro daquele ano partiu para Londres onde começou a trabalhar na engenharia civil a convite do tio William Spencer, interrompendo uma experiência no ensino considerada gratificante, mas que não voltaria a repetir.
63
A investida de Spencer no campo da pedagogia, em simultâneo com a
elaboração de A System of Synthetic Philosophy (1855-96) surgiu, assim,
naturalmente, como um meio estratégico para atingir os seus fins, ou seja, fazer a
apologia do saber científico e explicar a dependência de todos os fenómenos
orgânicos e inorgânicos da lei da evolução. A sua doutrina para o ensino tratava-se,
efectivamente, do veículo mais eficaz ao qual Spencer poderia recorrer para a
introdução dos conceitos e teorias defendidos em todos os outros trabalhos. Deverá
pois ter existido uma atitude intencional e premeditada ao pretender mudar o
conservadorismo cultural instalado, recorrendo, para tal, ao enorme poder que a
missão educativa pode atingir através da função social que desempenha. Foi,
consequentemente, através da sua acção pedagógica, que procurou transformar as
crenças e as mentalidades, a fim de conduzir a esfera social, política e económica ao
consenso na introdução de um plano educativo científico. De todo o modo, os
progressos industriais e sociopolíticos ocorridos ao longo da primeira metade do
século fragilizaram, seguramente, os conceitos e as tradições enraizados no sistema
educacional britânico e, ao criarem a abertura essencial às mudanças visadas para os
currículos, também facilitaram os intentos de Spencer. Na opinião de Charles W. Eliot
ele terá sido um homem de sorte:
On the whole Herbert Spencer has been fortunate among educational philosophers. He has not had to wait so long for the acceptance of his teachings as Comenius, Montaigne, or Rousseau waited. His ideas have been floated on a prodigious tide of industrial and social change, which necessarily
involved widespread and profound educational reforms.71
De facto, este intelectual teve êxito em todas as áreas às quais se dedicou e,
como pedagogo, não surgiu a excepção. Isso deveu-se ao ambiente intelectualmente
favorável no seio do qual conviveu com as mentes mais educadas e proeminentes da
Inglaterra do século XIX, mas, de igual forma, ao período abrangido pela sua vivência.
A vida de Spencer (1820-1903) coincidiu com a da rainha Victoria (1819-1901) e com
o reinado desta (1837-1901), durante o qual os acontecimentos mais marcantes
foram determinados por uma conjuntura favorável tanto às reformas políticas, como
às descobertas científicas, às invenções mecânicas e ao progresso industrial. Por
71
Charles W. Eliot, “Introduction” in Herbert Spencer, 1976 (1861): 16-17.
64
outro lado, se a sociedade na qual se integrou se encontrava subjugada por valores
puritanos, os quais, sobretudo no seio da classe média, correspondiam a uma
herança de dois séculos,72 também se tratava de uma sociedade constituída por
indivíduos sequiosos de progresso e reveladores de um elevado entusiasmo por
todas as inovações técnicas. A sede do saber e da novidade, manifestada pelos
homens daquela época de ambivalências foi determinante para as mudanças
verificadas e constituiu o terreno favorável às ideias e reformas propostas por
Spencer, bem como pelos seus contemporâneos. Com circunstâncias tão
auspiciosas, não é surpreendente que se tenha revelado mentor de muitas das
teorias em que se fundamentaram alguns dos currículos de épocas posteriores. A sua
visão liberal e utilitária, bem como a análise do ponto de vista psicológico e biológico
do comportamento humano, marcaram as propostas educacionais de Spencer.
Entre 1854 e 1859 escreveu para os jornais os ensaios fulcrais sobre
educação, reunidos, em 1861, num só volume designado Education, Intellectual,
Moral, and Physical. Neles sobressai a defesa do saber científico como resposta à
dúvida colocada “Que conhecimento é mais valioso?”. Segundo Spencer, porque o
conceito de evolução e, consequentemente, o de progresso individual, nacional ou
global, eram determinados pelas leis da ciência, os indivíduos na procura do bem-
estar deviam ser preparados de forma conveniente em termos profissionais e, para
tal, ser-lhes proporcionado o acesso ao conhecimento predominantemente científico
proporcionador da autopreservação (fim a defender em primeiro lugar). Nada parece
ter sido esquecido na proposta educativa spenceriana. O aperfeiçoamento
educacional dos homens devia executar-se através de um processo instrutivo ao nível
intelectual, físico e moral, sob a orientação dos novos conhecimentos, os quais só
seriam úteis se promovessem a conservação, o poder da adaptação e a capacidade
de previsão dos jovens.
Também na pedagogia aplicou o conceito de evolução como um processo,
segundo o qual se deve passar do homogéneo ao heterogéneo. Assim, a seguir-se
este preceito, o sistema educativo teria de proceder do simples para o complexo, do
indefinido para o definido, do concreto para o abstracto e do empírico para o racional.
72
De entre os valores puritanos mais prezados na época vitoriana podiam salientar-se o espírito de economia, a dedicação ao trabalho, a importância exacerbada da moralidade e dos deveres da fé e o respeito escrupuloso pelas leis religiosas.
65
Deveria ter, como veículo, um método capaz de provocar o prazer e o interesse e,
como objectivo, a preparação para a vida completa, de modo a formar indivíduos
aptos a governarem-se a si mesmos naturalmente, sem a intervenção
governamental. Na linha daquela que havia sido a sua própria educação liberal,
propôs que se processasse a aprendizagem das crianças através de experiências
sensoriais, as quais tanto permitiriam aos alunos interagirem com o meio ambiente
através de um processo lento, gradual e indutivo, como os encorajaria a explorar e a
adquirir o conhecimento de forma natural. Neste método educativo, para cujo
cumprimento podia tornar-se útil uma disciplina firme, não fazia qualquer sentido o
recurso à memorização, ao inadequado recitar, nem à aprendizagem desnecessária
do latim, do grego, ou da religião. No seu agnosticismo, convencido como estava de a
via científica ser a principal forma de adquirir o saber, a religião resultava,
unicamente, no estudo inútil do desconhecido.
Inevitavelmente, também no domínio da educação, Spencer seria acusado de
falta de originalidade. As doutrinas de John Locke, Francis Bacon, Jean-Jacques
Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi ou Auguste Comte, não poderiam deixar de
ser associadas à sua ideologia pedagógica, embora não tenham que se entender
essas influências (nem as originárias das reflexões do círculo de amigos e de notáveis
escritores, cientistas e intelectuais com os quais se relacionou) como negativas. Com
efeito, não obstante ter reconhecido raros contributos para o aperfeiçoamento do seu
pensamento, certamente o número daqueles que lhe formaram os princípios
doutrinários terá sido bem superior. No grupo influente de personalidades formadoras
do seu carácter e modeladoras das convicções, encontravam-se os Spencers,
nomeadamente os tios (Henry, John e particularmente Thomas) e o pai, ex-professor,
William George Spencer73
. Nos momentos durante os quais a família se reunia para
discutir os assuntos mais diversos, o jovem filósofo marcava presença assídua,
interessada, participativa e crítica. Disto está convicta Elsa Peverly Kimball:
73
O pai de Spencer foi, de facto, uma figura marcante na sua vida. O exemplo da figura parental traçar-lhe-ia os gostos e interesses dando-lhes forma, primeiro, libertando-os, depois, sob uma visão crítica. Em 1814, seis anos antes do nascimento de Herbert Spencer, William Spencer (o pai) tornou-se secretário e entomólogo de uma sociedade de amigos organizada por Erasmus Darwin, o avô do naturalista. Mais tarde o gosto do jovem Herbert pela recolha e colecção de insectos recebeu toda a aprovação no seio familiar.
66
All of them indulged an “unrestrained display of their sentiments and opinions; more especially in respect to political, social, religious and ethical matters.” Spencer was thus from tender years consorting with grownups of marked
individuality .74
O valor pedagógico das teorias spencerianas será indissociável da nova forma
de abordagem do ensino por ele proposta, segundo a qual todos (instituições,
governantes, professores, pais e alunos) teriam um papel determinante a
desempenhar, a fim de garantir que as novas actividades curriculares servissem as
verdadeiras exigências humanas. Ricardo Jorge, à época lente na Escola Médico-
Cirúrgica do Porto, admirador e defensor das teorias evolucionistas e positivistas do
filósofo inglês, escreveria dele:
Spencer é a individualidade philosophica mais portentosa da epocha. Espirito original, independente, e creador, encyclopedico, como nenhum outro, pela variedade e solidez dos seus conhecimentos, figura no limitado numero dos
eleitos . As suas obras monumentaes, que hão de marcar o período actual na evolução do pensamento, teem, como diz Siciliani, alguma coisa de miraculoso. Também nos tempos modernos ninguem exerceu nem exerce influencia mais poderosa na alta orientação dos espíritos, ninguém tem conquistado nem disciplinado mais intelligencias; é que o evolucionismo, alma das concepções spencerianas, é na phrase expressiva de Schaeffle, uma
grandiosa pedagogia.75
Apesar dos elogios proferidos por muitos contemporâneos de Spencer, as suas
doutrinas foram, logo após a sua morte, alvo de um descrédito conducente ao
esquecimento que se prolongou até há pouco mais de vinte anos. No final dos anos
sessenta, ainda era grande o número de estudiosos a partilhar a opinião do
historiador R. K. Webb: « His impact is insufficiently appreciated today because
we are repelled by his naive deductiveness and by the individualistic prejudices he
stated as conclusions».76
Embora tenha trazido a lume ideias agora cada vez mais
consideradas úteis e relevantes, as razões para a estigmatização do outrora
prestigiado pensador vitoriano residem em vários factores, os quais não se
relacionam, meramente, com a defesa do individualismo (associado ao modelo liberal
74
Elsa Peverly Kimball, 1932: 24. 75
Ricardo Jorge, “Prefácio” in Herbert Spencer, 1888a (1884): xxi. 76
R. K. Webb, 1978 (1969): 415.
67
por ele advogado, como acima se abordou), ou com os criticados preconceitos de
raciocínio.
Numa análise mais aprofundada, facilmente se constata prenderem-se
algumas das justificações para esse esquecimento com uma certa excentricidade
intelectual. Ao não ter possuído um grau académico, nem desempenhado qualquer
cargo no meio universitário, não ensinou estudantes que poderiam ter defendido e
continuado os projectos por ele desenvolvidos. Por não ter seguido uma vida
académica clássica, também não foi um escolástico e, a acrescer a este facto, não lia
muito nem se confessava atento aos trabalhos de outros ilustres contemporâneos.
Por esta razão, no seio dos intelectuais universitários mais tradicionalistas, as suas
ideias não foram devidamente apreciadas, ou transmitidas aos alunos. A
personalidade recatada, por via da qual dificilmente se relacionava com outras
pessoas além do restrito grupo de amigos, tornou-o um homem distante, conhecido
pessoalmente por poucos, uma vez que por norma não acedia participar em
conferências. Deste modo, era reduzido o número de personalidades defensoras das
suas doutrinas quando estas eram sujeitas a ataques.
Resultou, igualmente, numa circunstância negativa a caracterização de
Spencer como um pensador generalista, soando imprecisos e demasiado
abrangentes os conceitos por ele defendidos na área da filosofia, da psicologia, da
biologia, da sociologia e da pedagogia. Esta particularidade que o distinguiu dos
demais acabou por provocar, de igual forma, a desconfiança de um mundo intelectual
com tendência à especialização.77
Mais tarde, já no nosso século, começou a ser
considerado um político de pensamento acentuadamente conservador, apesar de,
antes, lhe ter sido reconhecido o radicalismo liberal inconformista.
Os ataques desferidos às suas ideias sobre evolução encontraram, também,
reduzido consenso entre os críticos, tendo o evolucionismo, tal como o concebeu,
acabado por servir para o apelidarem depreciativamente. Segundo afirma Jonathan
H. Turner, Spencer tem sido considerado: « Naive, ethnocentric, unilineal
77
Charles Darwin mostrou-se pouco confiante face à tendência de Spencer para generalizar e
interpretar demasiado depressa. Na autobiografia pode ler-se o seguinte: «Spencer‟s deductive
manner of treating every subject is wholly opposed to my frame of mind ... His conclusions never
convince me .... Over and over again I have said to myself, after reading one of his discussions, “Here would be a fine subject for half-a-dozen year‟s work.”» in Charles Darwin, 1958, The
68
evolutionist who saw societies as marching toward the Anglo-Saxon ideal».78
Muitos
autores manifestaram ainda um verdadeiro preconceito face ao argumento
spenceriano «survival of the fittest», pelo que o trabalho científico de Spencer acabou
consideravelmente prejudicado pela avaliação feita à sua filosofia moral que ele
articulou com a defesa extrema do laissez faire. Esses juízos depreciativos acentuar-
se-iam por ter manifestado essas ideias tanto na retórica imatura utilizada na distante
obra Social Statics (1850), como na maturidade do pensamento exposto em
Principles of Ethics (1879-93).
Outro dos factores negativos conducentes a uma das mais fortes razões para o
repúdio votado às teorias do filósofo surgiu como consequência da diversidade de
políticas morais algumas das quais amplamente condenadas nascidas a partir do
darwinismo social (originário na política económica spenceriana). Para esta rejeição
contribuíram, sem dúvida, as doutrinas divulgadas nos anos trinta na Alemanha por
Adolf Hitler, cuja génese foi atribuída ao conceito do triunfo dos mais aptos de
Spencer. Porém, como se não bastassem as apreciações negativas atrás referidas,
algumas das acusações que podem, igualmente, justificar o estigma que sobre ele se
abateu referem-se à apropriação de ideias alheias. Contudo, se se apropriou das
ideias de outros fê-lo habilmente ao mostrar-se um escritor de mensagem eficaz e um
pensador com sobeja coragem para enfrentar os preconceitos de gerações
mostrando caminhos novos, ainda hoje, na grande maioria e sem dificuldade,
perfeitamente exequíveis.
Assim sendo, se o mundo no qual viveu foi propício à recepção do seu
pensamento, o século XX rejeitá-lo-ia, a ponto de não apreciar os conceitos arrojados
e inconformistas, os quais abarcaram conteúdos com suficiente interesse e relevo
para serem ignorados. Por isso, seja qual for o ponto de vista à luz do qual se analise
o trabalho desenvolvido por Herbert Spencer ao longo de setenta e três anos de vida,
todas as vertentes podem proporcionar terreno suficientemente fértil em exercício
analítico e prospectivo, passível de aumentar, em qualquer leitor, o interesse pela
riqueza conceptual empregue. Se a este facto se juntar o carácter missionário, quase
quixotesco, caracterizador da sua demanda enquanto arauto e defensor da ciência,
Autobiography of Charles Darwin, 1809-1882, Nora Barlow (ed.), W.W. Norton, New York: 108-109, ap. Linda H. Peterson, 1986: 217.
69
encontram-se então reunidas as condições que tornam o seu esquema doutrinário
merecedor de estudo.
CAPÍTULO III
A formação da individualidade vitoriana
Le livre de l‟Éducation nous apparaît comme un hommage, volontaire ou involontaire, que le philosophe de l‟évolution et de ses lois a rendu,
au prix d‟une contradiction peut-être, à la puissance de la liberté humaine.
M. Gabriel Compayré, s.d.
78
Jonathan H. Turner, 1985: 14.
70
Após uma viagem à Suíça na companhia de George Henry Lewes e Edward
Lott em Novembro de 1853, Spencer escreveu, na sua casa de Derby, “Method in
Education”, texto prometido a A. Campbell Fraser para publicação, em Maio de1854,
no periódico North British Review. O artigo, surgido nesta data, intitulado “The Art of
Education”, foi, posteriormente, integrado no segundo capítulo da obra Education:
Intellectual, Moral and Physical (1861) sob a designação “Intellectual Education”
resultando da vontade de expor a teoria pedagógica sob o ponto de vista da
psicologia (tema do seu interesse naquela altura), bem como de apelar a uma auto-
educação causadora de prazer, à imagem da experiência educativa dele próprio.
Aquando da edição de “What knowledge is of Most Worth” (1859) o último
trabalho adicionado à colectânea dos textos sobre doutrina para o ensino Spencer
tinha trinta e nove anos, uma carreira eminente como escritor e tornara-se conhecido
nos meios políticos, científicos e educacionais. A maturação reflexiva atingira a
firmeza caracterizadora de uma postura convicta, através da qual se dera a conhecer.
Muitas das ideias por ele concebidas em torno do evolucionismo tinham, entretanto,
surgido em diversos trabalhos, nomeadamente: Social Statics (1850), “The
Development Hypothesis” (1852), Principles of Psychology (1855), ou “Progress: Its
Law and Cause” (1857).79
De facto, a temática educativa surgiu numa etapa da vida,
onde já havia exposto as linhas fundamentais do seu pensamento evolucionista,
embora com muito para conceber ainda. Foram essas considerações evolucionistas
gradualmente formuladas com mais firmeza até culminarem no enunciado das leis da
evolução, por ele consideradas universais que Spencer veio a aplicar ao âmbito
educativo.
De facto, ao acreditar ser o evolucionismo em todos os domínios a transição
lenta da homogeneidade para a heterogeneidade teoria entretanto consolidada
através do processo meditativo resultante da leitura de Principles of Geology (1830-
79
De facto, Spencer tinha captado o interesse dos leitores através da publicação de inúmeros trabalhos. Entre o primeiro, surgido em Janeiro de 1836, “Crystallization”, quando ainda só contava dezasseis anos e, o antecedente a “What Knowledge is of Most Worth” designado “Physical Training”, em Abril de 1959 (texto integrado, também, na obra pedagógica), seriam editados, na totalidade, mais de cinquenta artigos.
71
1833) de Lyell Spencer desenvolveu esse ponto de vista no respeitante à educação
e, em particular, quanto ao desenvolvimento da mente. Ao ter já manifestado a
crença, segundo a qual o universo e tudo o que o constitui se encontrava em
permanente evolução, o passo seguinte foi comprovar como tal circunstância
influenciava e era verificável no domínio da formação intelectual, moral e física dos
homens.80 Esse objectivo ocupou-o ao longo de toda a vida e materializou-se através
da publicação dos dez volumes da filosofia sintética, inicialmente publicada em 1855
e só concluída em 1896. Não obstante a incredulidade com que foram recebidos os
princípios evolucionistas por ele defendidos aos quais, em breve, se juntaram os de
Darwin, Wallace, Lewes ou Huxley tiveram, no entanto, o mérito de fazer incidir as
atenções sobre esta matéria tão controversa.
Convicto da evidente sujeição do desenvolvimento mental e físico às leis
evolucionistas as quais se contrariadas travavam o curso do progresso dá início à
redacção daquela que se converteu na doutrina pedagógica spenceriana. No seu
entender, a exposição das ideias pedagógicas tornar-se-ia um contributo activo no
necessário demolir das teorias educativas então praticadas e a precisar de reforma
urgente.
Como tal, os reparos mais acutilantes recaíram sobre os currículos. Para
Spencer, o processo educativo dos homens modernos tinha-se, até aí circunscrito ao
estudo dos clássicos, considerado como o saber mais apropriado para a formação do
gentleman, fundamentalmente pelo desejo de conformidade com o ponto de vista da
maioria. Assim refere em “What knowledge is of Most Worth”:
Not only in times past, but almost as much as in our era, that knowledge which conduces to personal well-being has been postponed to that which brings applause.
81
80
Não obstante reconhecer que os factos passíveis de corroborar a teoria da evolução ainda eram
escassos muitos seriam mais tarde fornecidos por Darwin Spencer afirmou, contudo, a sua inequívoca crença na mudança do homogéneo para o heterogéneo, nomeadamente, em “Progress: Its Law and Cause” (1857): «It is settled beyond dispute that organic progress consists in a change from the homogeneous to the heterogeneous. Now we propose in the first place to show, that this law of organic progress is the law of all progress. Whether it be in the development of the Earth, in the development of Life upon its surface, in the development of Society, of Government, of Manufactures, of Commerce, of Language, Literature, Science, Art, this same evolution of the simple to the complex, through successive differentiations, holds throughout» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 154). 81
Herbert Spencer, 1976 (1861): 1-2.
72
Constatava ele que o conhecimento deveras válido na educação dos indivíduos
estava longe de ser o efectivamente divulgado, verificando-se uma subjugação da
aprendizagem à cultura tradicionalmente considerada a veiculadora de prestígio social
designadamente, o estudo do latim e do grego:
A boy‟s drilling in Latin and Greek is insisted on, not because of their
intrinsic value, but that he may not be disgraced by being found ignorant of
them .82
Manifestamente avesso a este modo de encarar o ensino, por não se tratar do
que seria útil e conducente à felicidade humana, ou próprio para suprir as carências
da nova sociedade industrializada dependente do progresso tecnológico, Spencer
empenhou-se na crítica dos métodos didácticos e na defesa do tipo de conhecimento
necessário aos cidadãos. Na verdade, o saber profícuo estava longe de ser o obtido,
até aí, nos estabelecimentos escolares: «Of the knowledge commonly imparted in
educational courses, very little is of service for guiding a man in his conduct as a
citizen».83
A opinião de Spencer encontrava partidários entre alguns dos seus
contemporâneos. John Stuart Mill, na tentativa de definir o Zeitgeist inglês, tal como o
perspectivava, já tinha veiculado, em “The Spirit of the Age” (1831), o seguinte
parecer sobre a instrução:
A large portion of talking and writing common in the present day, respecting the instruction of the people, and the diffusion of knowledge, appears to me to conceal, under loose and vague generalities, notions at bottom altogether fallacious and visionary. 84
Ao revelar-se defensor de princípios utilitaristas no tocante ao objectivo
pedagógico, Spencer também se projectou junto dos intelectuais sectários do
radicalismo que demonstravam total discordância da metodologia em vigência nas
82
Idem.: 2. 83
Idem.: 30. 84
John Stuart Mill, “The Spirit of the Age” (1831) in George Levine (ed.), 1967: 81.
73
Universidades, nas escolas do ensino primário e secundário, bem como nos
estabelecimentos de elite (public schools). Através de uma retórica e de um juízo por
vezes irónico, como se pode verificar na passagem seguinte, explica assim a grande
deficiência dos planos educacionais:
The vital knowledge that by which we have grown as a nation to what we are,
and which now underlies our whole existence, is a knowledge that has got itself taught in nooks and corners; while the ordained agencies for teaching have been mumbling little else but dead formulas.
85
Para ele tal como para a nova geração de reformadores e cientistas
interessados no triunfo da aprendizagem das ciências, consideradas como
possuidoras de capacidade filantrópica havia que alterar as normas e os currículos
no tocante ao ensino conservador e de cariz religioso. Esta renovada preocupação
pela necessidade de reformas, gerou intensas querelas entre os defensores das
letras e os apóstolos da modernidade, as quais se prolongaram com grande impacto
na vida intelectual vitoriana, por cerca de cinco décadas. Toda uma sucessão de
descobertas e avanços científicos propiciou os confrontos ideológicos e a urgência de
determinar um ensino adequado, segundo esclarece R. L. Archer:
From 1830 to 1870 the cause of science was represented by a number of distinct armies whose leaders were in no agreement as to the reasons why they thought science should be taught, what should be included under the term, to whom it should be taught, or what were the right methods of teaching it.86
Contudo, apesar dos inúmeros discursos, artigos e cartas a circular no meio
cultural, ainda não tinha sido publicada uma obra onde se traçassem as linhas de
uma nova metodologia educativa, também por definir. Caberia a Spencer assumir tal
responsabilidade. Indiferente aos debates mais persistentes entre as diferentes
facções defensoras de um ou de outro tipo de ensino (nomeadamente, aquele que
envolveu T. H. Huxley e o bispo de Oxford), prosseguiu o trabalho pedagógico certo
da carência de mudanças no sistema, tais as desvirtudes e os vícios verificados: «The
85
Herbert Spencer, 1976 (1861): 20. 86
R. L. Archer, 1966 (1921): 112-113.
74
established system is grievously at fault alike in matter and in manner».87
Afinal, o teor
excessivamente repetitivo da aprendizagem prejudicava o desenvolvimento das
faculdades dos alunos:
Making the pupil a mere passive recipient of other‟s ideas what
remains is mostly inert the art of applying knowledge not having been
cultivated .88
Efectivamente, os principais erros do sistema residiam na qualidade daquilo que era
ensinado: « Much of the information gained is of relatively small value, an
immense mass of information of transcendent value is entirely passed over».89
A
grande desvantagem da educação ministrada residia, por conseguinte, na
inadequação e pouco aprofundamento dos conteúdos dos planos educacionais. Esta
circunstância preocupava também outros reformadores educativos, todavia, em sua
opinião, tratava-se de uma problemática que não estava a equacionar-se de modo
racional, pois, as questões de fundo continuavam sem solução. Urgia, portanto,
enunciar os conhecimentos demonstrativos da sua utilidade face às necessidades do
ser humano. Spencer propôs-se, por isso, determinar o valor “relativo” dos mesmos, 90
a fim de ser possível definir o quanto as escolas desempenhavam bem, ou mal, a
função de os divulgar. E, ao questionar-se sobre o propósito desses conhecimentos,
nomeadamente para que serviam, a resposta apontava para um único objectivo: «To
prepare us for complete living is the function which education has to discharge».91 As
actividades proporcionadoras de um ensino eficaz não poderiam certamente divergir
do propósito de preparar os jovens para a vida completa.
No entanto, a crença spenceriana segundo a qual o ensino devia ter como
principal alvo, tanto a preparação do indivíduo, como o harmónico desenvolvimento
de todas as capacidades humanas através de diferentes actividades longe de ser
original, resultava, essencialmente, da influência nele exercida pela leitura do
87
Herbert Spencer, 1976 (1861): 23. 88
Idem.: 25. 89
Idem.: 25. 90
«The relative values of Knowledges». Esta era a expressão utilizada por Francis Bacon que foi adoptada por Spencer, o qual lamenta ter aquela caído em desuso dado a sua eterna pertinência. 91
Herbert Spencer, 1976 (1861): 6.
75
pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi,92 cujo pensamento, amplamente
divulgado na Grã-Bretanha oitocentista, se tornou preponderante nas principais
correntes pedagógicas. Foi à tomada de conhecimento dos trabalhos daquele
pedagogo que Spencer ficou a dever muitos dos conceitos expostos na sua própria
doutrina, nomeadamente a definição das actividades propiciadoras de uma vida
harmónica e, consequentemente, prioritárias na determinação de um plano de
estudos.
Mas, a fim de definir as actividades mais importantes da vida, Spencer
necessitou de as ordenar segundo a sua respectiva importância para o ser humano.
Assim, destacava, em primeiro lugar, as acções directamente conducentes à
conservação da existência; em seguida, aquelas que, necessárias para se sobreviver,
indirectamente providenciam a mesma finalidade; em terceiro lugar, as que têm por
objectivo educar e disciplinar os descendentes; em quarto lugar, as relacionadas com
a manutenção das relações sociais e políticas adequadas; e, por último, todas as
referentes aos momentos de lazer, aos prazeres e aos sentimentos. Para Spencer,
este ordenamento era fundamental, dado o ideal educativo dever ser a preparação
completa em todas aquelas actividades, embora atribuindo-se, a cada uma, o devido
peso mediante o seu valor intrínseco para a vivência total.
Na concepção de Spencer, as ideias gerais a ter em conta na delineação de
um plano educativo coerente e frutífero decorreriam, por conseguinte, de vários tipos
de actividade de importância sucessivamente descendente; do valor de cada ordem
de factos como regulador das espécies de actividade, intrinsecamente, quase
intrinsecamente e de forma convencional; e, ainda, das suas influências
determinantes do equilíbrio no modo de agir, tanto na qualidade de disciplina
(«discipline») como na de conhecimento («knowledge»). A juntar a este processo de
como avaliar a instrução de facto útil, os educadores deveriam, por experiência,
conhecer a vida em todos os seus aspectos fenoménicos, bem como saber classificá-
los.
92
Efectivamente, em Spencer pode ser detectada nos seus textos muita da influência neles produzida por Pestalozzi. Apesar disso, o teórico inglês não teve qualquer pejo em apontar as desvirtudes detectadas no sistema educativo daquele suíço ao considerar, por exemplo, que ele não tinha satisfeito muitas das promessas das suas teorias. Em “Intellectual Education” (1854) foi esta a opinião formulada:«Let it be constantly borne in mind that while right in his fundamental ideas, Pestalozzi was not therefore right in all his applications of them» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 56).
76
Uma vez assim encontradas e definidas as linhas directrizes para a elaboração
dos currículos, tornava-se mais simples para os educadores orientarem tanto o
aperfeiçoamento da sua própria formação, como o ensino dos jovens. Neste
processo, o domínio das ciências e das leis da vida assumia uma utilidade e uma
importância capital. Para a questão que se tornara o título do seu texto mais
conhecido daqueles dedicados à pedagogia, “Quais os conhecimentos de maior valor”
(“What Knowledge is of Most Worth?”, 1859), a resposta convergia para uma única
asserção:
This is the verdict on all the counts. For direct self-preservation, or the
maintenance of life and health, the all-important knowledge is Science. For that indirect self-preservation which we can call gaining a livelihood, the
knowledge of greatest value is Science. For the due discharge of parental
functions, the proper guidance is to be found only in Science. For that interpretation of national life, past and present, without which the citizen can not
rightly regulate his conduct, the indispensable key is Science. Alike for the most perfect production and highest enjoyment of art in all its forms, the needful
preparation is still Science. And for purposes of discipline intellectual, moral,
religious the most efficient study is, once more Science.93
Ao estudo da ciência era, por conseguinte, atribuído um valor intelectual não
proporcionado pelo estudo de quaisquer outras matérias, circunstância que lhe valeu
a acusação de ser excessivamente positivista. Se Stuart Mill, reconhecido como o
expoente máximo do empirismo britânico oitocentista e, também, adepto do
conhecimento positivo, se surpreendia com a atitude de quem incentivava o duelo
entre as letras e as ciências (pois, para ele, como para T. H. Huxley ou John Tyndall,
o espírito humano carecia de umas e de outras), Spencer, por seu turno, tal como Sir
John Lubbock, enquadrava-se na categoria dos mais radicais oponentes ao ensino
clássico ao perseguir um ideal excessivamente pragmático. Enquanto, por um lado,
sublinhava o valor das ciências, por outro, repelia o papel das letras por não lhe
reconhecer as vantagens, aviltando, sobretudo, o ensino da história enquanto fosse
uma disciplina escolar meramente votada à memorização de relatos do passado.
Uma tal instrução, ao invés da sociologia descritiva, não oferecia qualquer benefício
93
Herbert Spencer, 1976 (1861): 42-43.
77
aos cidadãos.94 O ensino da história factual, por ele considerada um amontoado de
informações inúteis, devia, por isso, ser excluída do plano curricular por não lhe
encontrar emprego válido:
They are facts from which no conclusions can be drawn unorganisable facts; and therefore facts of no service in establishing principles of conduct, which is the chief use of facts. Read them, if you like, for amusement; but do not flatter
yourself they are instructive. While only now, when the welfare of nations rather than of rulers is becoming the dominant idea, are historians beginning to occupy themselves with the phenomena of social progress. The thing it really concerns us to know is the natural history of society.95
Assim sendo, na sociedade da era industrial por ele visionada, se uma disciplina
como a história não oferecia qualquer mais valia na preparação para a vida completa,
isso já não sucedia com o ensino das ciências. Afinal, o estudo das matérias
científicas era legitimizado pela sua utilidade, pois tinha-se tornado imprescindível ao
progresso. Repare-se como tal é defendido:
And if already the loss from want of science is so frequent and so great, still greater and more frequent will it be to those who hereafter lack science. Just as fast as productive processes become more scientific which competition will inevitably make them do; and just as fast as joint-stock undertakings spread, which they certainly will; so fast must scientific knowledge grow necessary to every one.96
Ao considerar ter assim provado o elevado valor das ciências, não deixava,
todavia, de sentir necessidade de combater a pretensão dos mais conservadores os
quais defendiam o estudo dos clássicos como o ensino verdadeiramente capaz de
desenvolver as capacidades mentais. Convicto de tal não suceder, apontou as
matérias científicas como as mais eficientes no treino, não só da memória, como
igualmente do tipo de memória exercitada; dado, no raciocínio científico, a
94
Convicto da necessidade de se alterarem os conteúdos curriculares quanto ao ensino da história, foi do seguinte modo que expressou o papel futuro daquela disciplina: «The only history that is of practical value is what may be called Descriptive Sociology. And the highest office which the historian can discharge, is that of so narrating the lives of nations, as to furnish materials for a Comparative Sociology; and for the subsequent determination of the ultimate laws to which social phenomena conform» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 29). 95
Idem.: 27-28. 96
Idem.: 20.
78
compreensão se tornar uma componente activa, o que não sucederia com o estudo
das línguas.
Spencer baseia, portanto, todo o processo educativo nos pressupostos de uma
era dominada pelas tecnologias da indústria e pela competitividade inerente à
actividade económica, na qual só se vislumbram homens práticos que satisfariam
todas as necessidades através do saber científico. Paradoxalmente, ao fazer
depender da ciência o sucesso de qualquer empreendimento profissional ou humano,
não esclarece como seriam, porventura, ministradas as noções científicas às
diferentes faixas etárias. Ainda assim, não se cansa de escarnecer dos métodos
instrutivos praticados nas escolas, os quais, no seu entender, nada tinham de
racional:
So overwhelming is the influence of the established routine! So terribly in our
education does the ornamental over-ride the useful! While the great bulk of what else is acquired has no bearing on the industrial activities, an immensity of information that has a direct bearing on the industrial activities is entirely passed over.97
Se a qualidade dos conteúdos curriculares constituiu a pedra angular do seu
discurso em “What Knowledge is of Most Worth” (Julho, 1859); o papel dos diferentes
intervenientes educativos professores, pais e alunos tinha, no entanto, sido alvo
de dissertação em textos elaborados anteriormente àquele. Esse interesse pela
orientação dos educadores e dos educandos tinha surgido em “Intellectual Education”
(Maio, 1854), bem como, mais tarde, em “Moral Education” (Abril, 1858) e em
“Physical Education” (Abril, 1959). Com efeito, este assunto fora inicialmente
abordado quando enveredou pela temática educativa, mas, só posteriormente, se lhe
afigurou necessário proceder ao esclarecimento do escopo dos planos de estudo.
Pelos anos que medeiam entre a data do primeiro ensaio e do último se pode aferir
como Spencer devotou considerável percentagem da sua actividade intelectual às
matérias pedagógicas. O empenho nestas questões terá resultado, se não
exclusivamente da consideração que estes assuntos lhe mereciam, muito
naturalmente, também, das controvérsias e querelas geradas em torno do sistema
97
Herbert Spencer, 1976 (1861): 14.
79
escolar. Nesse confronto envolver-se-iam cientistas, professores, políticos e muitos
teóricos convictos da relevância e urgência de reformas. Fiel à crítica mordaz, à qual
recorrera igualmente em outros textos, foi do seguinte modo que alertou os leitores
para a indiscutível premência de formar os educadores na arte de ensinar:
If by some strange chance not a vestige of us descended to the remote future save a pile of our school-books or some college examination papers, we may imagine how puzzled an antiquary of the period would be on finding in them no sign that the learners were ever likely to be parents. “This must have been the curriculum for their celibates,” we may fancy him concluding. “I perceive here an elaborate preparation for many things; especially for reading the books of extinct nations and of co-existing nations (from which indeed it seems clear that these people had very little worth reading in their own tongue); but I find no reference whatever to the bringing up of children. They could not have been so absurd as to omit all training for this gravest of responsibilities. Evidently then, this was the school-course of one of their monastic orders.”98
O treino físico, moral e intelectual das crianças era, como se pode avaliar pelas
suas palavras, considerado muito improficiente, em virtude de os mestres e os pais
não dominarem os conhecimentos através dos quais a preparação dos educandos
podia ser orientada de modo adequado. A arte de educar («The Art of Education»),
sob o formato de uma disciplina por ele proposta e designada Theory and Practice of
Education, constituía a principal lacuna dos currículos ministrados aos formadores:
«The subject which involves all other subjects, and therefore the subject in which
education should culminate».99
Os educadores careciam do domínio mais aprofundado possível de todas as
matérias vitais para o exercício do processo educativo, devendo o seu próprio
desenvolvimento mental acompanhar, em simultâneo, a formação dos jovens.
Intelectualmente havia que cultivar a essência humana e as suas leis. No campo da
moral, cabia-lhes a responsabilidade de exercitar os sentimentos mais dignos e de
refrear os menos aceitáveis, bem como de preservar os melhores atributos da
natureza humana para se atingir um sistema educacional virtuoso, granjeador da
felicidade das partes envolvidas. Em virtude de formar o carácter dos homens, o
método proposto por Spencer tornava-se do interesse, não só de cada indivíduo, mas
98
Idem.: 20-21. 99
Herbert Spencer in “Moral Education”, ibid.: 85.
80
da própria Humanidade e poderia acelerar ou travar o curso do progresso, o qual se
tornava dependente da eficácia dos educadores. Era deste modo que Spencer
conseguia demonstrar como um sistema educacional adequado era de importância
vital.
Pais e professores, as pedras basilares da pedagogia nos moldes em que o
teórico a divisava assumiam, assim, um desempenho fundamental no treino do
espírito humano. Com efeito, por esta problemática do exercício pedagógico dos
educadores constituir uma preocupação legítima, cuja actualidade se projectou até
aos nossos dias, ocupou-se dela ao longo de diversos momentos da obra como se
descreve a seguir. O conhecimento necessário ao professor seria abordado, sob os
diferentes ângulos do seu interesse em trabalhos e fases distintas da vida. Tal
sucedeu em “On the Proper Sphere of Government” (“Letter VII”, 1843), Social Statics
(“National Education”, 1850), The Study of Sociology (“The Educational Bias”, 1873),
The Principles of Sociology (“Teacher”, 1877), ou em Facts and Comments (“State
Education” e “Feeling versus Intellect”, 1902). Em particular no capítulo intitulado
“Teacher”, incluído no terceiro volume de The Principles of Sociology (1876-96),
Spencer traçou a origem histórica do educador no processo evolutivo social
remetendo a génese do ensino para a instrução religiosa, a qual visava formar padres
e não especificamente professores. Não obstante as mudanças entretanto operadas,
ainda se verificava um domínio acentuado da herança das escolas clericais sobre o
sistema educativo secular, pelo que era premente modificar essa conjuntura.
Uma vez entendida a acção das igrejas como negativa, o quesito do não
intervencionismo estatal deveria conduzir o processo educacional daí em diante. Este
foi o ponto de vista que Spencer jamais abandonou até à sua morte em 1903. De
facto, a gestão dos assuntos educativos pelo Estado tornava-se desaconselhada em
virtude de poder impedir o progresso da sociedade e alterar a evolução social, que,
segundo ele, tinha origem nos indivíduos e no seu carácter. Em Letters “On the
Proper Sphere of Government” (1842) já demonstrava um posicionamento liberal, o
qual estendeu a todos os outros assuntos alvo da sua reflexão, nomeadamente aos
temas ligados ao ensino:
81
In education as in everything else, the principle of honourable competition, is the only one that can give present satisfaction, or hold out promise of future perfection.100
Segundo Spencer no caso de se adoptar um sistema educativo nacional,
certamente a independência e a capacidade de raciocínio, ambicionada para o
aperfeiçoamento moral e intelectual dos homens, se perderia na perniciosa
uniformidade das mentes. Por conseguinte, defendia que os educadores fossem
levados a individualizar o ensino, de acordo com as circunstâncias particulares do
carácter dos alunos. Ao tornar os métodos, por essa via, mais eficientes, também era
possível preservar a liberdade intelectual. As expectativas do ainda jovem Spencer
eram expressas deste modo:
It is to be hoped that the time will come, when the wisdom of the teacher will be
shown, in adapting his instructions, to the peculiarities of each of his pupils. Ever investigating the principles of his profession, and daily applying the results of those investigations to practice. But no one would ever expect the salaried state-teacher, answerable only to some superior officer, and having no public
reputation at stake to stimulate him .101
A autonomia e a quebra da rotina nos métodos de ensino e na orientação da
aprendizagem eram dois dos principais desígnios pedagógicos, a fim de evitar uma
característica em nada desejável: « One-sidedness and similarity of character».102
Naturalmente, sabia bem do que falava; não como pedagogo ou executor das linhas
mestras do pensamento, mas na qualidade de educando (que no passado tinha sido
ensinado segundo normas idênticas às professadas) e de membro de uma família
com longa tradição no ensino (o pai e o tio tinham-lhe servido de modelos). Mas, se
estas se revelaram as suas fontes de inspiração, também resultaram na génese de
parte do criticismo que lhe seria visado.
Revelador de um acentuado idealismo, o pensamento de Spencer no campo
da pedagogia foi, fundamentalmente, criticado pela excessiva vertente teórica, a qual
carecia da experiência e da prática como professor. Contudo, ao não se inibir com o
que lhe seria apontado como uma séria lacuna de formação, ele estabeleceu como
100
Herbert Spencer, 1994 (1842): 36-37. 101
Herbert Spencer, 1976 (1861): 36.
82
principal arma defensiva o seu carismático poder argumentativo. Reconhecendo a
vertente teórica da sua intelectualidade, embora favorecida pela característica
enciclopédica e inconformista do seu pensamento, transformou em virtude a fraqueza
que nunca entendeu como limitativa. Fez, assim, uso de uma retórica reconhecida
como hábil na palavra e firme no enunciado das ideias, para se assumir como o
pedagogo apologista do progresso e da ciência numa era, ao longo da qual esta
adquiriu o prestígio e a credibilidade até aí não reconhecidos.103
Não obstante entender a era vitoriana como um período de enorme
prosperidade material, para ele, este ainda não correspondia à ambicionada idade de
ouro. Essa atingir-se-ia no futuro, após um trabalho profundo e gradual dos indivíduos
em busca da felicidade máxima e da perfeição, por via do triunfo de um novo sistema
educacional. Seria, com efeito, o processo evolutivo (transposta a fase de esforço,
empenho e sacrifício) a levar o homem contemporâneo104 a escalar os patamares da
evolução. A incumbência formativa dos educadores tornava-se, por isso, uma peça
fundamental na procura da ventura humana, pois dela dependia a possibilidade de se
encurtarem etapas intermédias do processo evolutivo, após as quais se alcançava o
objectivo do destino dos homens: a prosperidade, a realização pessoal e,
naturalmente, o bom êxito vivencial.
Chegava-se então a um pressuposto essencial, segundo o qual a vastidão dos
conhecimentos a granjear constituía um factor determinante no intuito de se encontrar
a vida completa, perfeita e definitiva. A fim de conquistar esse propósito e de clarificar
qual o saber útil, Spencer propõe-se classificar as ciências que constituiriam as
disciplinas integrantes dos planos curriculares em três grupos.105 Aquelas dividiam-
102
Idem.: 36. 103
Com efeito, o filósofo surgiu no pensamento da sua época como um homem com destreza intelectual suficiente para estimular o raciocínio dos pares. Esta sua capacidade tornou-se possível por via das mudanças até aí operadas na dinâmica cultural, segundo crê Hector Macpherson citado por David Duncan em Life and Letters of Herbert Spencer: «The early years of the nineteenth century were years of great fermentation. The practical energies of the nation freed from the great strain of the Continental wars found new outlets in commerce and industry. Scientific study of Nature, no longer tabooed by theology, demonstrated its validity by an imposing record of inventions and discoveries, whose influence on the national prosperity was at once dramatic and all embracing. Science became the idol of the hour» (in David Duncan, 1908: 515). 104
Para Spencer, o homem vitoriano não era nem perfeito nem definitivo. Os indivíduos atingiriam o estado ideal através do laborioso poder da evolução e das características hereditárias acumuladas, pelo que se encontravam, ainda, numa fase intermédia do percurso evolutivo. 105
A necessidade de ordenar as ciências segundo uma sequência hierárquica, já tinha antecedentes em Auguste Comte e, no século XVIII, em Denis Diderot. Este último visou classificá-las segundo o seu
83
se, nomeadamente, nas abstractas (a lógica e a matemática); nas abstractas-
concretas (a mecânica, a química e a física); e nas concretas (a astronomia, a
geologia, a psicologia, a biologia e a sociologia). As áreas de estudo enunciadas, das
quais excluiu a história factual (enquanto mero relatório acrítico do passado),
constituíam as áreas fundamentais a levar em conta no processo educativo. Uma vez
difundidas as disciplinas determinantes para o treino das principais actividades
humanas e conseguido o progresso material e social ambicionado, só ulteriormente
as letras e as artes ocupariam o tempo livre dos homens:
After considering what training best fits for self-preservation, for the obtainment of sustenance, for the discharge of parental duties, and for the regulation of social and political conduct; we have now to consider what training best fits for
the miscellaneous ends not included in these when education has been
so systematised that a preparation for the more essential activities may be
made with comparative rapidity and when, consequently, there is a great increase of spare time; then will the beautiful, both in Art and Nature, rightly fill a large space in the minds of all.106
Projectando as artes para um derradeiro último lugar na escala das actividades
mais importantes do treino educacional, Spencer atribuiu à ciência o elevado mérito
de congregar os conhecimentos deveras válidos para a vida humana. Assim, em
virtude de, na concepção spenceriana, a vida à qual se aspirava ser a civilizada,
verifica-se que, para ele, a ciência assumia um papel de primus inter pares, ou, numa
análise mais detalhada a qual poderá causar alguma perplexidade Spencer lhe
reservava uma autêntica hegemonia intelectual porque a visava abarcadora de todos
os domínios. Ao professar tais princípios os quais foram qualificados como
demasiado radicais pelos seus opositores causou diferentes reacções. Para uns,
assim fragilizava a doutrina pedagógica, para outros, pelo contrário, engrandecia-a.
De tal modo se revelou fiel a este padrão do saber positivo, que se tornaria inevitável
demonstrar como as normas das ciências estendiam a influência a todas as outras
áreas do saber. Por conseguinte, todas as formas de arte se encontravam,
grau de utilidade e adequação às necessidades universais, para, depois, as introduzir no plano de estudos, do qual acabaria, assim como Spencer, por afastar as letras. 106
Herbert Spencer, 1976 (1861): 30-31.
84
indubitavelmente, subordinadas às leis científicas. Foi essa a opinião que deixou
transparecer na seguinte passagem:
We find that aesthetics in general are necessarily based upon scientific principles; and can be pursued with complete success only through an acquaintance with these principles.107
Convicto do contributo excepcional da informação veiculada pelo conhecimento
científico a áreas tão diversas como a música, a pintura, a escultura ou a poesia, um
tal saber seria igualmente útil tanto para se atingir uma produção estética com êxito,
como para permitir uma total apreciação do objecto artístico. Nos currículos vigentes,
ao invés do que era desejado por Spencer, os valores encontravam-se invertidos (a
atender-se à ordem spenceriana das actividades mais benéficas para se atingir a vida
completa) pois, as artes detinham um papel demasiado relevante nos planos de
estudo, sendo antecipadas aos conhecimentos por ele reconhecidos como prioritários
na formação intelectual, moral e física dos homens. Este facto foi, naturalmente, alvo
da sua crítica por considerar o sistema educacional perito em transmitir e em dar
ênfase aos conceitos de inferior importância para a preparação humana: « It is
diligent in teaching whatever adds to refinement, polish, éclat.».108
Se o sistema educativo não sofresse alterações tornar-se-ia impossível
transformar o indivíduo num cidadão completo. Tal como Spencer o encarava, este
homem social devia ser materialista e reger a sua vida profissional, bem como o
comportamento ético, pelas regras do mais puro liberalismo. Por sua vez, a sociedade
deveria permitir que os interesses do indivíduo se sobrepusessem aos do grupo (o
Estado). Porém, nesse seu esquema surge como particularmente censurável a
circunstância de não se criarem oportunidades suficientes para o espírito lúdico ou
para a liberdade criativa aplicada às artes, divisando-se o homem como um ser
prático, conhecedor das leis da vida e da ciência, a fim de se tornar, primeiro, um
instruendo útil à sociedade e, mais tarde, um instrutor perfeito enquanto encarregado
de educação ou professor. Com efeito, apesar de Spencer considerar inadmissível o
domínio estatal sobre os homens e, por isso, criticar os regimes militarizados e
107
Idem.: 37. 108
Idem.: 31.
85
despóticos, o sistema alternativo da sua preferência acabou por, paradoxalmente e
através da doutrina educativa, enveredar pela defesa de uma outra tirania, desta vez
do tipo científico-cultural; em virtude de o saber das ciências prevalecer sobre todas
as actividades e de nelas não se dar suficiente relevo ao sentimento, ou à inspiração
literária e artística.109 Segundo os ditames da sua teoria e embora Spencer tivesse
admitido não ser a cultura científica a conceptora, per se, de um artista, este
certamente lucrava das matérias por ela difundidas. Consequentemente, segundo
esta visão, a sapiência humana era totalmente sujeita ao espartilho da dominância
exclusiva da ciência. Não estranhamente, um tal modo de teorizar valeu-lhe o repúdio
de muitos pedagogos, como foi o caso dos franceses Gabriel Compairé e A. Burdeau,
ou, já após da morte do autor, dos americanos Elsa Peverly Kimball e Stephen
Duggan.
Embora se tenha tornado alvo de tanto criticismo, continuou absolutamente
certo dos seus pontos de vista. Por isso se lhe afiguravam tão evidentes, variadas e
urgentes as modificações a operar nos planos de estudo. Apesar de Spencer
acreditar haver já uma corrente de mestres que, cada vez em maior número,
condenavam o antigo método mecanizado do ensino baseado em regras pré-
determinadas, no qual a compreensão se encontrava dissociada da realidade; a
prática ainda demonstrava haver um exagerado recurso à memorização dos assuntos
e um deficiente esquema organizativo dos conhecimentos. Para inverter esta situação
e atingir as metas estabelecidas seria necessário dar liberdade reflexiva aos alunos, a
qual lhes permitiria reunir os factos e, seguidamente, partir para as generalizações.
Só de tal forma se ordenava o raciocínio, quer fosse este considerado um fenómeno
objectivo ou subjectivo. Contudo, a aquisição do saber teria, necessariamente, de ser
interessante e de provocar o prazer, permitindo aos alunos ensinarem-se a si próprios
através de um processo de auto-aprendizagem salutar e desejável, bem como por via
do respeito pela ordem evolutiva e modo de funcionamento das faculdades
109
A ideia de um domínio científico-cultural não era completamente repugnante para o filósofo. No livro sobre pedagogia chegou mesmo a considerar o despotismo científico como o governo ideal, em virtude de um regime dessa natureza poder ser perfeito na medida em que, o déspota em causa, era por ele avaliado como benéfico para os homens.
86
humanas.110 Estas eram algumas das regras educativas essenciais, de entre outras,
que sentiu a necessidade de enunciar.
Por conseguinte, os currículos deviam observar determinados princípios, cuja
ordem lógica assim ditava: primeiro, proceder do simples para o complexo, do
homogéneo para o heterogéneo, ensinando de início poucos ramos do conhecimento
para, progressivamente, aumentar o seu número até todos abranger; em seguida,
respeitar o desenvolvimento da mente e partir, numa fase inicial, do indefinido para o
definido, assim como dos conceitos, das acções e dos objectos mais rudes e óbvios,
para, de modo gradual, num estado de maior maturidade intelectual, chegar a todos
os outros; em terceiro lugar, partir de lições sobre o concreto até alcançar as noções
sobre o abstracto; em quarto lugar, fazer com que a génese do conhecimento do
indivíduo seguisse o curso evolutivo da génese do conhecimento da raça para, entre
ambas, se estabelecer um paralelismo; em quinto lugar, proceder do empírico para o
racional em cada ramo do ensino; depois, através da tomada de iniciativas no âmbito
da investigação, encorajar o processo de auto-desenvolvimento até ao seu máximo
potencial, de forma a inferir após a assimilação, para produzir a mais elevada
capacidade e actividade intelectual; por fim, o processo educativo deveria causar
prazer e interesse aos alunos.
Um dos princípios acima apresentados e, assumidamente perfilhados por
Spencer a partir de Comte, tornou-se particularmente controverso. Relacionava-se
essa máxima educativa com o facto de o método de aprendizagem infantil dever
proceder, quer no modo, quer na ordem e no respeitante ao seu desenvolvimento, de
forma análoga à educação do ser humano em termos civilizacionais. Este conceito
resultava da crença, segundo a qual a génese da inteligência do indivíduo devia
seguir o mesmo curso da génese da inteligência da raça no tocante ao processo
aquisitivo do saber, devendo o espírito individual seguir através dos mesmos
caminhos percorridos pelo espírito geral. Spencer acreditava que se havia uma
ordem, segundo a qual a raça humana adquiriu os diferentes tipos de conhecimentos,
deveria haver em cada criança uma aptidão inata para adquirir esses conhecimentos
110
Nesta matéria Spencer subscreve a teoria de Pestalozzi para com ela concordar, o que nem sempre sucedeu: «Thus, then, we are on the highway towards the doctrine long ago enunciated by Pestalozzi, that alike its order and its methods, education must conform to the natural process of mental evolution
» (in Herbert Spencer, “Intellectual Education” (1854), 1976 (1861): 52).
87
na mesma ordem. Com efeito, tratavam-se de dois processos de evolução, os quais
deviam conformar-se às mesmas leis gerais e concordar um com o outro.
No intuito de esclarecer as ideias subjacentes à teoria atrás descrita a qual
suscitava, a outros pedagogos, a questão de se estar a submeter a aprendizagem a
princípios que não se lhe aplicavam Spencer ver-se-ia na necessidade de exprimir o
tipo de vantagens proporcionadas a um sistema de ensino gerido pelas suas máximas
educativas. Parecia-lhe, por exemplo, que a adopção da doutrina por ele defendida
libertaria o ensino de normas opressoras e proporcionaria aos educadores uma maior
liberdade para projectarem e executarem a sua tarefa (inexistente nos cursos em
vigor). De facto, a atentar-se na argumentação de Spencer e ao contrário das críticas
que lhe eram formuladas, não parecem advir quaisquer aspectos restritivos para a
aprendizagem ao sujeitar-se a educação aos padrões pelos quais se rege o processo
evolutivo de uma civilização, tal como ele determinara no ditame anteriormente
mencionado. Segundo o seu ponto de vista, o que se propunha com o seguinte
princípio: « The genesis of knowledge in the individual must follow the same
course as the genesis of knowledge in the race»111 era, com efeito, cingir o sistema
educacional a um método auto-evolutivo, livre de comportamentos contra naturam,
causador de prazer (quando transmitido de modo espontâneo) e sujeito aos
interesses dos indivíduos; assim como ele considerava sempre ter ocorrido com as
raças. A Spencer parecia-lhe até bastante óbvia a seguinte ilação:
Is it probable, then, that while the process displayed in the evolution of humanity at large is repeated alike by the infant and the man, a reverse process must be
followed during the period between infancy and manhood? .112
Se o método da natureza e, por conseguinte, da evolução, era indubitavelmente
adoptado pelos homens desde a sua infância (caso não existisse algo que
contrariasse essa tendência espontânea no ser humano), não se lhe afigurava
vantajoso seguir-se um sistema de ensino que entrasse em divergência com as
circunstâncias naturais, também presentes no decurso do processo evolutivo da
civilização.
111
Herbert Spencer, 1976 (1861): 60. 112
Idem.: 67.
88
Outra das questões levantadas pelos mais cépticos prendia-se com a
possibilidade de um tal esquema pedagógico conduzir à completa isenção de normas
disciplinares. Spencer responderia que, embora fosse fundamental respeitar as regras
da natureza e um predeterminado curso evolutivo inerente à desenvolução dos seres
vivos, a sua metodologia não implicava a total inexistência de um código de
comportamento, ou mesmo o completo «laissez-faire». Tal pressuposto era mesmo
uma «reductio ad absurdum»113 por ele repudiada.
Embora esta hipótese da prática educativa submetida a um esquema análogo
ao processo evolutivo da civilização se encontrasse em conformidade com a teoria
spenceriana do equilíbrio das forças114 e acabasse por tornar-se uma fonte de
interesse para os pedagogos, nunca mereceu a simpatia de nenhum, jamais sendo
levada à prática. Efectivamente, acabou por ser designada utilitária ou de bread and
butter theory, talvez numa alusão ao facto de ter sido ditada por um teórico sem
conhecimentos práticos, não obstante este ter considerado fácil o seu emprego. Para
Spencer, no entanto, não residiam dúvidas quanto ao futuro e à aplicabilidade das
máximas proferidas. Em tom profético, garante:
The fulfilment of all these conditions by one type of method, tends alike to verify the conditions and to prove that type of method the right one. Mark too, that this method is the logical outcome of the tendency characterising all modern improvements in tuition .
115
Por conseguinte, no futuro, todas as reformas a encetar no ensino provariam
ser a teoria spenceriana (através dos objectivos traçados como preparação para a
113
Idem.: 54. 114
“Equilibration” foi o título do vigésimo segundo capítulo de “The Knowable” em First Principles (1862). No ensaio “The Equilibration of Force” (1858) Spencer desenvolvera a teoria da equilibração das forças. Porém, ao ser uma teoria por ele considerada de muita importância, já pairava na mente (quanto à sua aplicabilidade no plano social) desde uns rascunhos escritos para a segunda edição de Social Statics (1850). Numa carta, não datada e dirigida ao Professor Tyndall, refere o seguinte: «Indeed, of the
general views which I have of late years been working out, this was oddly enough the first reached.
Thus, you see, that my views commit me most fully to the doctrine of ultimate equilibration. Regarding, as I had done, equilibration as the ultimate and highest state of society, I had assumed it to be not only the ultimate but also the highest state of the universe.» (in David Duncan,1908: 104). Com efeito, a equilibração das forças faria parte de três das ideias cardinais do processo evolutivo na teoria geral de Spencer, quando, após muito reflectir, sentiu a necessidade de definir qual o estágio que completava o ciclo da evolução. Esse ciclo iniciava-se com a segregação (segregation), até atingir a
equilibração (equilibration) entendida como o estado máximo da sociedade e do universo e, por fim, a dissolução (dissolution). A história do universo compreenderia uma sucessão de ciclos alternando épocas de evolução com outras de dissolução.
89
vida) a mais conveniente na formação da individualidade vitoriana. Porém, não deverá
esquecer-se que essa doutrina constituiu um verdadeiro espelho do processo
educativo de Spencer, podendo considerar-se ajustada à personalidade de alguns
indivíduos, mas totalmente inadequada à de outros. A circunstância de a educação
recebida por Spencer ter sido um êxito e um método consideravelmente satisfatório a
título pessoal, como ele gostava de mencionar, acabou, também, por
paradigmaticamente interferir na sua visão pedagógica e a limitar ao elegê-la em
exclusivo. Ao crescer como uma criança só, frequentes vezes preferindo a companhia
de adultos, em cujas conversas intervinha com empenho, acabou por se tornar um
homem introvertido, cuja solidão compartilharia com um grupo de fiéis amigos a que
se associou intelectualmente. Não estranhamente, na pedagogia, o aluno surge
isolado enquanto ser social, pois obtém todas as vantagens por meio da auto-
educação, assim como através de um raciocínio arquitectado a partir da capacidade
de observar, de experimentar e de verificar. Spencer defendeu, por isso, que primeiro
se procedesse à análise dos factos e, só depois, se passasse à aprendizagem dos
princípios e à utilização dos manuais. Esta auto-suficiência aplicada à aprendizagem,
embora não possa considerar-se um aspecto, de todo, negativo, pecava ao desinserir
a criança do grupo e não a treinar para a cooperação intelectual através de
actividades colectivas, essenciais ao desenvolvimento completo dos seres humanos.
O afastamento dos indivíduos da partilha de experiências educativas ou,
segundo um outro ponto de vista: a omissão dessas experiências da categoria das
actividades indispensáveis à vida completa acabou por tornar as teorias de Spencer
deficitárias no âmbito da sociabilidade, em virtude de não se levar em conta o treino
dos sentimentos e desejos. Isto sucedeu por o autor (defensor dos princípios nos
quais assentavam a noção de self-help) encarar o indivíduo como um self-made man
a quem os pais e os educadores deveriam oferecer as armas, para se tornar um ser
independente e autónomo.116 Por outro lado, ao não demonstrar como a educação
das emoções podia ser conduzida, ou os afectos e as diferenças entre os seres
115
Herbert Spencer, 1976 (1861): 79. 116
A doutrina do self-help representava o espírito subjacente à ideia de progresso e de prosperidade na Inglaterra da Revolução Industrial. O conceito de que os indivíduos ao ajudarem-se a si próprios contribuíam para o desenvolvimento da nação, foi muito valorizado pela sociedade vitoriana e teve em Samuel Smiles o seu principal apóstolo. Spencer, na qualidade de liberal e defensor do laissez-faire, ao encarar o ser humano como o principal agente do seu bem-estar se tivesse iniciativa própria, advogava
90
humanos deviam ser geridos, o esquema de Spencer revelou, também aí, uma
fragilidade imperdoável, face ao modo de ver de doutrinas ulteriores. Estas saberiam
aplaudir-lhe as vantagens e as virtudes, mas, de igual modo, acabaram por votar o
plano educativo de Spencer ao esquecimento, por o considerarem insatisfatório e
inadequado ao preparar o homem para a vida, exclusivamente, no campo das
aptidões físicas e intelectuais.
Se, no domínio da afectividade e do modo de viver em sociedade, a teoria
spenceriana tem sido motivo de depreciação, outro aspecto que lhe seria apontado
como negativo relaciona-se com o ensino das artes. Com efeito apesar do valor que
Spencer lhes atribuía, manifestado na autobiografia através da sua relativa apetência
pelo desenho e a música no seu plano de estudos aquelas eram ministradas por
meio de um método que, efectivamente terá de reconhecer-se, seria muito pouco
atraente para uma criança com acentuado pendor literário ou artístico. Ao considerar
as actividades ligadas aos prazeres da vida como as últimas a satisfazer na formação
do indivíduo, Spencer tornaria as normas didácticas inadequadas àquele tipo de
alunos e acabaria, igualmente, aos olhos dos pedagogos que o analisaram, por
inviabilizar o sistema de ensino tal como o propôs. Na sua concepção de vida a qual
parece dirigir-se, em exclusivo, a um povo de industriais e comerciantes para quem a
cultura artística constituía um mero complemento na formação humana o valor
educativo das artes era diminuto face às necessidades básicas a satisfazer em
primeiro lugar. Assim crêem muitos críticos e, nomeadamente, Charles Horton
Cooley:
I do not mean that Spencer had a mind wholly insensible to the fine arts. He enjoyed and even practised music, for example, had considerable skill in drawing, and liked to read the poetry of Shelley. I mean that he seems to have no feeling for the traditional, social and personal elements that enter so largely into art and literature and therefore no sense of the need of culture and sympathy in passing judgement upon them.117
Não se terá tratado de insensibilidade o que levou Spencer a encarar as artes
quando consideradas face ao conjunto das restantes actividades mais importantes
ideais plenamente concordantes com a visão da maioria. 117
Charles Horton Cooley, 1920: 135.
91
para a vida dos homens como uma actividade humana à qual atribuiu um valor
extrínseco. Numa análise mais atenta, este parece tratar-se de um ponto de vista ao
qual terá chegado; primeiramente, como consequência do tipo de formação obtido
que o levou a ter um percurso intelectual algo sui generis; e, em segundo lugar, como
resultado de um processo reflexivo que, ao encontrar-se condicionado pela primeira
circunstância antes mencionada, o terá influenciado a estudar as questões sociais por
um prisma essencialmente biológico. Com efeito, na sociologia de Spencer, o
indivíduo é visto de uma perspectiva, segundo a qual o desenvolvimento da
personalidade humana e do ser social atravessava um processo essencialmente
biológico, mais do que social. A sociedade, por exemplo, era por ele entendida como
um organismo cujos aspectos distintivos eram determinados pelas raízes biológicas,
as quais se sobrepunham às influências históricas. Este tipo de raciocínio provinha da
elevada importância por ele atribuída aos caracteres herdados; o princípio
lamarckiano considerado como o interveniente mais preponderante na evolução dos
seres vivos. Por conseguinte, o facto de ter ajuizado a acção do homem em
sociedade com base numa apreciação essencialmente derivada das leis da biologia,
tornou a sua sociologia uma doutrina do tipo individualista-biológico, segundo observa
Cooley:
And this is true of all Spencer‟s sociology. It is biological - individualistic, the biology being of a type involving use-inheritance, and the individualism of a mechanical sort quite inadequate to embrace human personality.118
Na concepção spenceriana da vida, a qual era essencialmente prática, utilitária e
materialista (como já se demonstrou), não obstante o ser individual ter sido enfatizado
em detrimento do ser social, Spencer não conferiu à personalidade dos indivíduos a
mesma análise rigorosa que reservou à faceta física e biológica do ser humano. O
estudo da mente, por sua vez, era efectuado à luz de princípios recolhidos da
fisiologia, circunstância da qual discordavam outros intelectuais. Foi o caso de George
Henry Lewes, o qual escreveu as seguintes palavras, em 1855, para o periódico
118
Idem.: 139-140.
92
Leader: «He makes Psychology one of the great divisions of Biology»;119 mas,
também, de R. H. Hutton quando escreveu, em 1856, para o National Review:
We find philosophers like Mr. Spencer, instead of examining the moral realities of human life, actually dissipating them, in the hope of deducing them from physiological assumptions.
120
Apesar dos aspectos menos felizes detectáveis ao longo da exposição dos
princípios pedagógicos de Spencer, seria absurdo desmerecê-los por inteiro. Afinal,
as máximas proferidas representavam a essência do que designava como a sua
proposta de uma “arte educativa”121 e repousavam numa metodologia regida por
fundamentos muito semelhantes aos aceites hoje em dia. Seria, essencialmente,
através desses ditames, alicerçados numa psicologia orientada para a problemática
educativa, que tinha tentado responder às questões prementes suscitadas pelos
reformistas da educação vitoriana. O interesse de Spencer pelos fenómenos mentais
era de tal modo acentuado que determinou a publicação de Principles of Psychology
no ano de 1855, em simultâneo com a redacção de vários dos seus textos sobre
educação. George Eliot reconheceu-lhe o alcance do pensamento nesta área ao
afirmar o seguinte, numa carta escrita em 1854:
Herbert Spencer ...... will stand in the Biographical Dictionaries of 1954 as “Spencer, Herbert, an original and profound philosophical writer, especially
known by his great work XXX sic which gave a new impulse to psychology and has mainly contributed to the present advanced position of that science, compared with that which it had attained in the middle of the last century.”122
Embora estas palavras de Eliot se revelem suspeitas em virtude da existência de uma
grande amizade e admiração mútuas, não deixam, todavia, de demonstrar o apreço
de Spencer pelo estudo da psicologia. Apesar do relevante contributo do filósofo para
119
George Henry Lewes, “Life and Mind” (1855), ap. Diana Postlethwaite, 1984: 202. 120
R. H. Hutton, “Atheism” (1856), ap. Diana Postlethwaite, ibid.: 202. 121
“The Art of Education” (1854) foi o primeiro título atribuído ao texto “Intellectual Education” posteriormente integrado no livro Education: Intellectual, Moral and Physical (1861), porém, essa designação representava, também, o conjunto de conteúdos de uma disciplina curricular considerada como fulcral num plano de estudos: “Theory and Practice of Education”. 122
George Eliot, George Eliot Letters, ap. Diana Postlethwaite, 1984: 201.
93
o estudo das matérias educacionais, a impraticabilidade de algumas das propostas
pedagógicas, mas também os aspectos omissos, determinaram o desencanto
causado no seus leitores mais críticos. Todavia, os textos sobre educação destacam-
se de entre as outras obras do sistema filosófico spenceriano, pelo tributo prestado
aos educadores, cuja procura de caminhos proporcionadores de um ensino mais
justo, digno e profícuo, neles encontraram muitas respostas.
De facto, ao visar a reorganização do sistema educativo do qual se propunha
eliminar a discrepância existente entre a formação de uma minoria de indivíduos, cujo
treino era orientado para uma existência de puro lazer; e a da grande maioria, a quem
o futuro rotineiro e submetido à luta pela subsistência retirava o gosto pela vida
Spencer contribuiu para a democratização do ensino. Por outro lado, através do texto
“Physical Education” (1859) no qual indicia perfilhar a teoria de Rousseau da
disciplina das consequências naturais, como mais adiante se aprofundará 123 propôs
uma metodologia, através da qual as crianças eram levadas a corrigir os erros
cometidos a partir das consequências negativas e desagradáveis que aqueles
tivessem originado. Defendia, assim, um método educativo não autoritário (diferente
do praticado nas escolas), causador de prazer e tendente a valorizar a actividade
independente, por oposição à receptividade submissa. Ao pretender a supressão do
regime austero e opressivo, tradicionalmente característico dos regulamentos
escolares e das relações familiares vitorianas, criou as condições favoráveis a uma
aprendizagem causadora de prazer; só atingível caso se quebrassem as reservas
constrangedoras vulgarmente manifestadas no relacionamento entre professores e
alunos, pais e filhos. Mas, o seu apelo a um maior investimento na educação das
raparigas, resultou, também, noutro dos aspectos positivos da sua ideologia
educacional. Ao propor um tipo de ensino, em tudo semelhante para ambos os
sexos, acabou por contribuir para que se deixasse de reservar às jovens o tipo de
aprendizagem favorecedor de uma existência meramente contemplativa.
Embora a sua pedagogia tivesse falhado no campo da sociabilidade e dos
afectos entre os indivíduos, sem dúvida tal não sucedeu na área do relacionamento
123
De algum modo, certamente, a obra Émile (1762) de Rousseau lhe terá chegado ao conhecimento, pois a sua ideologia assemelha-se, em muitos aspectos, à do pedagogo francês. Contudo, Spencer fez questão de afirmar jamais ter lido aquele trabalho e nada lhe dever no campo da temática educativa. Vide este assunto retomado no quinto capítulo da presente dissertação no âmbito da (falta de)
94
entre educadores e educandos, pois a ele se deveu, numa era de reserva emotiva, a
defesa de uma relação parental e pedagógica próxima, amigável e carinhosa. Este
contributo para a melhoria do modo de tratamento na convivência familiar e escolar
surge, obviamente, também em abono da doutrina pedagógica, tanto por a colocar
nos antípodas da tradição praticada, como por representar rasgos de progressismo,
os quais conferem, por isso, enorme dignidade aos princípios educativos por ele
defendidos.
Poderá a obra Essays on Education and Kindred Subjects (1861) não ter
constituído um guia prático para alguns teóricos (não obstante o tivesse sido até em
Portugal para muitos educadores, como ficou demonstrado no segundo capítulo),
certamente despertou as consciências e a reflexão crítica dos leitores quanto aos
modelos educativos em vigor. Ao proceder assim, o seu autor conquistou um lugar
eminente na ruptura das mentalidades com o pensamento de cariz imobilista
paradigma da época vitoriana. Se outro mérito não teve, certamente alcançou, no
mínimo, o de haver introduzido no debate sobre educação, um nível de racionalidade
pulverizador de preconceitos e revelador de como o conhecimento científico (em vez
da conformidade), ou a reflexão equilibrada (em vez do panegírico), se podem traduzir
na produção de uma obra de grande riqueza doutrinária e conceptual.
CAPÍTULO IV
Evolucionismo educacional
The danger now is not that people should obstinately refuse to allow anything but their old routine to pass for reason and the will of God, but either that they should allow some novelty or other to pass for these too easily, or else that they should underrate the importance of them altogether, and think it enough to follow action for its own sake, without troubling themselves to make reason and the will of God prevail therein. Matthew Arnold, in Culture and Anarchy (1869)
originalidade do pensamento spenceriano.
95
Quando, a partir dos finais do século XVIII, se começou a questionar a génese
da terra no campo da Geologia e a origem, bem como o desenvolvimento, dos
seres vivos no âmbito da Biologia surgiram, então, diferentes tentativas para
conceber teorias da evolução, as quais iriam produzir considerável impacte no
pensamento da era sequente. As concepções, razoavelmente completas, do Conde
de Buffon enunciadas em Les Époques de la Nature (1778), assim como as de
Erasmus Darwin expostas em Zoonomia (1794), ou de James Hutton em Theory of
the Earth (1795), tornar-se-iam contributo valioso e fonte de inspiração para outros
pesquisadores na tentativa de solucionar dúvidas entretanto suscitadas pelas
descobertas de fósseis. Seria esse o caso de Jean-Baptiste Lamarck, o qual chegou à
conclusão de que, no tempo, todas as formas vivas evoluem na sua complexidade,
princípio a partir do qual propôs, em 1809, a primeira teoria da evolução
fundamentada na herança de caracteres adquiridos.
Mas, não seria só o processo evolutivo da terra, das plantas ou dos animais a
provocar uma atitude reflexiva nos pensadores. Enquanto Pierre Simon Laplace
concebeu, em 1796, uma teoria do sistema solar, a qual constituiu a base das
modernas teorias cosmogónicas, Immanuel Kant e Pierre Cabanis, também nos finais
do século XVIII, orientaram as atenções para as faculdades mentais do homem a fim
de as perspectivarem como um produto da sua história evolutiva. Todavia, apesar de
determinantes, não foram estas as principais doutrinas perturbadoras do resistente
conservantismo político e religioso. Quando, em 1819, foi publicada a obra Natural
History of Man, na qual William Lawrence apresentou uma teoria da evolução humana
pela selecção natural vagamente semelhante àquela mais tarde avançada por
Charles Darwin, a sociedade inglesa ainda não estava preparada para aceitar as
implicações resultantes de tais ideias. Nem nos anos trinta, no período do
96
aparecimento de Principles of Geology (1830-1833), trabalho cuja importância
projectaria Charles Lyell como o fundador da Geologia moderna, tais princípios seriam
vistos com muito maior tolerância. O próprio Darwin, já nos anos sessenta, receoso
do ostracismo social ao qual poderia ser votado, sentiu a necessidade de abordar a
evolução biológica do ser humano com relativa cautela e ambiguidade. Em Inglaterra,
as circunstâncias ideológicas criadas pela forte influência das igrejas sobre as
mentalidades determinaram o elevado número de cientistas a menosprezar o
processo de desenvolvimento das espécies pela selecção natural. Por influência de
um positivismo associado a uma tradição cuvierista,124 até em França, onde o
pensamento se tinha tornado tradicionalmente menos conservador, algumas
correntes favoráveis à teoria da evolução preferiam o termo «transformar» em
detrimento de «evoluir».
Nos nossos dias, porém, não se poderá afirmar ser este um assunto de todo já
encerrado. Com efeito, o darwinismo, entendido omnium consensu como a teoria, por
excelência, da evolução das espécies, ainda hoje faz surgir muitas questões, as quais
não se prendem apenas com a biologia, o teísmo ou o deísmo, estendendo-se,
também, ao âmbito da política, da economia e da ética, bem como à globalidade das
ciências humanas.125
124
Georges Cuvier (1769-1832) foi um naturalista e anatomista francês, cujo contributo para a anatomia e a paleontologia, através de trabalhos como Leçons d‟Anatomie Comparée (1800-1805), Recherches sur les Ossements Fossiles (1812), Le Règne Ánimal (1817; rev. 1829-1830), ou Histoire Naturelle des Poissons (1828-1849), é considerado muito relevante. Paradoxalmente, apesar de se ter revelado um anti-evolucionista convencido da criação de todas as espécies por uma entidade divina e de o seu pensamento ter causado alguma influência nos meios culturais franceses, as suas descobertas no campo da anatomia e da paleontologia foram mais tarde utilizadas para justificar a teoria da evolução. 125
Com vista à divulgação de um dossier sobre Darwin publicado na Magazine Littéraire e considerado por esta como sendo um trabalho notável do final dos anos noventa do século XX para quem quiser
fazer o balanço do darwinismo na alvorada do século XXI António Rego Chaves escreve o seguinte parágrafo num artigo publicado, em Março de 1999, no Diário de Notícias: «Estamos, aparentemente, muito longe de 1860, data em que o bispo de Oxford se dirigiu na Associação Inglesa para o Progresso das Ciências a Thomas Henry Huxley nos seguintes termos: “Gostaria de perguntar ao professor Huxley, que julga descender do macaco, donde lhe vêm as suas origens simiescas, se do lado do seu avô ou da sua avó?” Invocando toda a autoridade das Escrituras o insolente dignatário cristão tentava, assim pôr a ridículo as concepções de Charles Darwin expostas em a Origem das Espécies. O eminente cientista foi pronto na resposta: “Não tenho qualquer vergonha de ter essas origens; mas acharia vergonhoso descender de alguém que está pronto a pôr a sua eloquência e toda a sua cultura ao serviço de preconceitos e de mentiras”. Quase um século e meio passado, estaremos assim tão longe de mentalidades que, em nome da religião contestam a ciência?» (António Rego Chaves “Ponto (ainda não final) acerca do Darwinismo”, (in Diário de Notícias, 20 de Março de 1999: 50). De facto, se nos finais do século XX o confronto sobre o evolucionismo ainda não se pode dar como terminado, não é por isso difícil entender as motivações mais conservadoras dos opositores vitorianos à teoria da evolução das espécies (leia-se o parágrafo em epígrafe assinado por Matthew Arnold e transcrito no
97
Embora, na segunda metade do século XIX, a ideia de evolução não fosse um
conceito totalmente novo Sir Charles Lyell, em Principles of Geology (1830-33), já
tinha alertado para as mudanças constantes e irreversíveis operadas, dia após dia, na
crosta terrestre seriam, contudo, os trabalhos de Spencer, de Darwin e de Wallace
que, a partir dos anos cinquenta, projectaram um quadro da natureza radicalmente
inédito, bem como uma dimensão temporal exonerada do acaso ou do desígnio. De
facto, não obstante o grande desconforto causado pela nova dinâmica evolutiva
(acusada de ofender a dignidade do homem em relação ao universo atribuindo-lhe
uma posição ignobilmente humilde no enquadramento cósmico), o movimento
favorável ao saber científico continuava em crescente afirmação e a prestar relevante
auxílio na investida do pensamento evolucionista, tanto nas ciências naturais, por
particular influência de Darwin, como nas sociais, através do contributo de Herbert
Spencer.
Em 1852, Spencer publicou, anonimamente, o ensaio já antes referido “The
Development Hypothesis” onde revelou, pela primeira vez, o pensamento
evolucionista, mais tarde, utilizado como base do seu sistema filosófico sintético. As
premissas dessa doutrina evolucionista iriam, posteriormente, culminar na teoria,
segundo a qual a evolução é um fenómeno do universo, processado unitária e
continuamente através de todas as formas da existência. As modificações daí
resultantes conduziam à impossibilidade de existir uma solução de continuidade ou
uma transformação de fenómenos concretos em outros, sem uma ponte de
fenómenos intermédios. Segundo Jack Kaminsky, o qual assina as páginas de The
Encyclopaedia of Philosophy sobre Herbert Spencer, a prestação do filósofo no
domínio das ciências seria valiosa:
The law of evolution, Spencer proclaimed, would be the first philosophical world view that would incorporate scientific data and would be substantiated by purely inductive procedures.
126
Com efeito, o método indutivo por ele utilizado ajudá-lo-ia a estabelecer um
presente capítulo, p.94), nem o vanguardismo representado pelas ideias dos defensores evolucionistas. 126
Jack Kaminsky, s.v. «Spencer, Herbert», (s.d.), in The Encyclopaedia of Philosophy, Macmillan, New York: 525.
98
estilo próprio, mas, também, a definir o seu conceito de evolução. Por conseguinte, o
acto de evoluir, ao concretizar-se através da mudança de um estado relativamente
indefinido, incoerente e homogéneo, para um outro mais definido, coerente e
heterogéneo, consistia num processo universal capaz de explicar tanto as mudanças
mais primitivas, pelas quais se supõe ter passado o universo, como as mais recentes,
detectadas nas sociedades e nas relações sociais.127 Tratava-se, segundo ele, de
uma nova doutrina, a qual, relativamente às velhas crenças criacionistas, seria a
única cujos argumentos idóneos podiam fundamentar a sua defesa. Repare-se como
conjecturava a favor das convicções evolucionistas aquando da publicação de “The
Development Hypothesis”, a vinte de Março de 1852, no periódico The Leader :
They the supporters of the Development Hypothesis can show that the process of modification has effected, and is effecting, decided changes in all
organisms subject to modifying influences they can show that any existing
species animal or vegetable when placed under conditions different from its previous ones, immediately begins to undergo certain changes fitting it for the new conditions. They can show that in successive generations these changes continue; until, ultimately, the new conditions become the natural ones.
128
Encontrada, assim, a solução para os mistérios orgânicos ou inorgânicos, sociais e
não sociais, de influência nitidamente lamarckiana,129 tornava-se evidente a sujeição
de qualquer estado de existência, mental ou físico, ao princípio evolutivo. Tudo, desde
entidades simples a grupos de seres, se desenvolvia a partir de um estágio elementar
(no qual só as funções mais básicas eram desempenhadas), para outros estágios
superiores onde as funções mais elaboradas ocorriam progressivamente. Por
conseguinte, tanto o crescimento como as mudanças descritas pela Biologia ou a
Antropologia, poderiam ser encontradas em todos os domínios.
Uma vez formulada a teoria da evolução, Spencer iria dedicar o resto da vida a
127
A redacção final da teoria da evolução de Spencer surgiu em First Principles (1862) com o seguinte texto: «Evolution is an integration of matter and concomitant dissipation of motion; during which the matter passes from an indefinite, incoherent homogeneity to a definite, coherent heterogeneity; and during which the retained motion undergoes a parallel transformation.» (in Herbert Spencer, 1862: 321). 128
Herbert Spencer, 1891a (1852): 2. 129
A influência do naturalista Jean-Baptiste Lamarck no pensamento spenceriano foi de tal modo marcante que acabou por tornar-se uma das principais características distintivas das ideias de Spencer face às de outros evolucionistas. Com efeito, ao adoptar a crença lamarckiana do desenvolvimento das espécies por via das mudanças nelas operadas, devido às relações entre os indivíduos dessas espécies
99
demonstrar a sua aplicabilidade a todos os campos de estudo. Esse objectivo
concretizou-se, nomeadamente, quanto às suas propostas para a reforma do ensino
surgindo ao longo de diferentes trabalhos integrados em Essays on Education and
Kindred Subjects (1861). Deste modo, na doutrina educativa, todas as máximas
enunciadas se encontram subordinadas às leis universais da evolução, como é o caso
das relacionadas com o intelecto. Ao expor o pensamento, Spencer iria firmá-lo em
variadas premissas, as quais deviam ser respeitadas na elaboração dos currículos.
Tal era a importância atribuída a esta matéria que se torna premente explicitar,
embora em termos sumários, as condições fundamentais por ele advogadas para um
bom plano de aprendizagem, bem como os princípios fundamentais a levar em conta
na reorganização dos métodos de ensinar.
Por o conhecimento consistir em parte numa acumulação de ideias e de
saberes, o processo educativo deveria partir do ensino do indefinido para o definido,
assim como do simples para o complexo. Depois, ao admitir-se o elevado valor e a
importância atribuível à experiência e à prática de exercícios para o desenvolvimento
das faculdades intelectuais, então, a instrução por iniciativa própria (self-help) deveria
proceder do concreto para o abstracto, de acordo com o desenvolvimento natural da
mente. Por sua vez, tanto os professores como os pais eram agentes educativos
fundamentais. Ao saber-se que os indivíduos e as sociedades visavam a felicidade
como fim último, tornava-se determinante sujeitar o treino das crianças à ordem
biológica, psicológica e evolutiva, de modo a permitir a adaptação da sua conduta às
leis da existência, assim se afastando os malefícios resultantes de uma má adaptação
àquelas leis. As regras da natureza deveriam, igualmente, ser observadas,
respeitadas e seguidas no tocante à alimentação, à indumentária ou ao exercício
físico e mental dos jovens, no intuito de proporcionar aos alunos um ensino atractivo e
causador de prazer. Este agrado pela aprendizagem poderia, também, ser estimulado
pelo recurso à utilização de espaços abertos para a prática de jogos ou brincadeiras,
os quais serviriam como um treino físico mais eficaz se comparado com o adquirido
através da ginástica , em virtude de respeitar a condição animal do ser humano bem
como, consequentemente, a relação directa existente entre a saúde do corpo e da
mente. Porém, seria importante reconhecer-se a origem biológica do desejo de
e o meio ambiente, Spencer aplicou-a, também, a todas as outras realidades não biológicas.
100
brincar, pois este, ao possibilitar o consumo das energias não despendidas com
outras actividades, deveria ser estimulado. Também as faculdades morais
necessitavam de exercício para o seu desenvolvimento. A fim de se atingir este
propósito, seria essencial deixar as crianças percepcionarem a relação entre causa /
efeito por via da experiência e das consequências da sua conduta. Afinal, se o
objectivo da educação é o de preparar os indivíduos para a vida, a metodologia
pedagógica não deveria desviar-se desse intuito. Existia, ainda, a necessidade de se
estabelecer um paralelismo entre a didáctica e o processo evolutivo da civilização, de
modo que a génese do conhecimento do indivíduo estivesse em concordância com a
génese do conhecimento da raça.130 Por sua vez, o Estado, ao ser encarado como um
órgão dum organismo designado sociedade, tinha a sua função limitada a uma única
tarefa: administrar a justiça, excluindo-se-lhe, consequentemente, o controlo da
educação. Esta tarefa, inteiramente entregue à responsabilidade dos pais, dependia
do próprio instinto paternal, bem como das leis da oferta e da procura. Quanto às
ciências, que constituíam o conhecimento mais adequado na preparação para as
actividades da vida (dos educadores ou das crianças), ocupavam, assim, um lugar
determinante no plano curricular, pela disciplina e simultâneo treino da memória e da
moral proporcionados ao desenvolvimento dos indivíduos. Todavia, o
aperfeiçoamento social não era dependente da pedagogia nem por ela determinado,
pois só o lento processo geral da evolução se podia considerar um factor dinâmico no
progresso das sociedades e na melhoria do carácter dos indivíduos.
São estes, per summa capita, os princípios orientadores, segundo os quais a
ideologia evolucionista spenceriana se aplicava ao âmbito do ensino. Na elaboração
dos quatro trabalhos publicados em Essays on Education, Spencer não os perdeu de
vista e todo o seu raciocínio se revela norteado pelas premissas atrás descritas. No
artigo designado “Intellectual Education”, o primeiro divulgado ao público pelo
periódico Westminster Review, em Julho de 1854, surgiu-lhe a oportunidade de
manifestar a defesa de tais conceitos com a habitual eloquência de discurso. Nas
primeiras linhas daquele texto começou por fundamentar as suas críticas,
inteiramente dirigidas à metodologia educativa praticada até aos anos cinquenta,
reconhecendo, contudo, o iniciar de mudanças. Felizmente, um novo conceito das
130
Vide pp.85-86 da presente dissertação.
101
ferramentas do ensino estava a entrar, gradualmente, em convergência com a atitude
correcta face à aprendizagem. Esta residia, por sua vez, na seguinte convicção: «
Body and mind must both be cared for, and the whole thing being unfolded».131 No
entanto, o leitor era alertado para a conveniência de se estabelecer, com exactidão, o
modo de processar o desenvolvimento das faculdades humanas antes dos métodos
educativos serem delineados, pois, qualquer que fosse o sistema educacional
encontrado, este teria de estar em harmonia com o tipo (mas também com o modo ou
a ordem) de acordo com o qual essas faculdades se revelavam nos indivíduos.
Contudo, para se encontrar um esquema exemplar de ensino, existiam, ainda,
outras normas a estabelecer. Tais directrizes, associadas a uma psicologia racional,
permitiriam orientar os planos de aprendizagem de modo a estes proporcionarem aos
estudantes o maior rendimento intelectual possível. Por conseguinte, em primeiro
lugar, a educação devia proceder do simples para o complexo, tal como a mente se
desenvolvia do homogéneo para o heterogéneo: «Not only in its details should
education proceed from the simple to the complex, but in its ensemble also».132 Assim
se passaria de um ensino com pouca diversidade disciplinar, para um progressivo
aumento da multidisciplinaridade. Esta noção advinha, obviamente, da teoria de Von
Baer, cujos ditames, como atrás se referiu, tinham chegado ao seu conhecimento em
1851. Dela retirou o conceito então expresso em termos meramente biológicos de
que o desenvolvimento de todos os organismos se processava da homogeneidade
para a heterogeneidade, transpondo-o, mais tarde, para todos os domínios tornados
objecto de estudo. Isso sucedeu, para além do âmbito da educação, nomeadamente
em “The Philosophy of Style” (1852, ensaio no qual expõe as ideias sobre os desafios
de uma comunicação eficiente), em “Manners and Fashion” (1854, texto onde
antecipa os princípios da sua doutrina sociológica mais amadurecida), ou em “The
Genesis of Science” (1854, ao longo do qual contesta a classificação racional das
ciências de Comte).
Em segundo lugar, outra máxima spenceriana ditava que o desenvolvimento da
mente se efectuasse do indefinido para o definido:
131
Herbert Spencer, 1976 (1861): 48. 132
Idem.: 59.
102
The intellect as a whole and in each faculty, beginning with the rudest discriminations among objects and actions, advances towards discriminations of increasing nicety and distinctness.133
Deste modo, só a riqueza e a variedade de experiências poderiam fornecer materiais
adequados, tanto à emissão de juízos de valor, como à elaboração de conceitos
concludentes, os quais, no entanto, apenas os possuidores de alguma maturidade
intelectual seriam capazes de formular. Às mentes menos desenvolvidas prestar-se-
iam noções básicas dos conhecimentos, até que, com o decorrer do tempo e o
acumular de experiências, se atingisse um grau mais elevado de definição dos
mesmos. Na segunda parte de Principles of Psychology (1855), Spencer expôs, mais
detalhadamente, a sua definição de mente e considerou, entre diversas reflexões,
existir uma autêntica analogia entre o aperfeiçoamento das capacidades intelectuais
(através das progressivas etapas pelas quais devia passar) e as leis gerais da
evolução. O reconhecimento desta circunstância impunha-se como um facto a ser
levado em conta pelos educadores, pela importância revelada. No entanto, a ideia
expressa por Spencer (já anteriormente enunciada por Rousseau e Pestalozzi),
segundo a qual não era possível, nem desejável, levar as crianças a apreender
noções com elevado grau de precisão, não estaria livre de censuras. Muitos outros
pedagogos se opuseram a este ditame por considerarem não existir qualquer factor
impeditivo na aprendizagem precoce de informações complexas. Seria o caso de
Gabriel Compairé, cuja admiração pelo trabalho do filósofo inglês ao considerá-lo o
mais autêntico discípulo de Rousseau não o coibiu de manifestar a sua oposição,
nomeadamente, quanto a esta matéria, ao referir:
Il n‟est jamais trop tôt, au contraire, pour inculquer des notions nettes et exactes, et cela n‟est pas impossible, si l‟on a soin de retenir l‟attention de l‟enfant sur des sujets qui soient à sa portée.
134
Com efeito, Compayré considerava aquela máxima, apenas um dos erros de
interpretação de Spencer. Ao acreditar ser possível o ensino de noções complexas a
133
Id., Ibid.
103
níveis etários não recomendados por Spencer, a opinião deste pedagogo francês
contradizia, assim, o necessário respeito pela máxima spenceriana, segundo a qual o
ensino do definido ocorreria só após o do indefinido. Tal como nos nossos dias as
orientações pedagógicas revelam algumas contradições quanto a esta matéria,
também Spencer encontrou a resistência de alguns dos seus contemporâneos, como
se verificou.
Quanto ao terceiro princípio enunciado em “Intellectual Education”, embora
considerado por ele repetitivo, relativamente aos antes mencionados, ditava o
procedimento do ensino do concreto para o abstracto:
The mind should be introduced to principles through the medium of examples,
and so should be led from the particular to the general from the concrete to the abstract.
135
Tratava-se de mais um axioma inteiramente em consonância com as leis da evolução,
mas, também face a uma análise introspectiva do pensamento de Spencer com o
conceito, devidamente explicitado em outras obras, segundo o qual as ideias
constituíam partes do conhecimento. Se este, por sua vez, formava um agregado de
ideias, então, quanto maior fosse o conhecimento, maior seria o agregado de ideias
gerado através de processos de associação. Assim sendo, os professores deveriam
levar em conta as leis de associação de ideias, de modo a fornecer aos alunos factos
relevantes susceptíveis de integrarem o conhecimento; isto é, proporcionar-lhes as
experiências que podiam ser convertidas em conhecimentos. Este raciocínio, por sua
vez também agregado ao princípio do desenvolvimento da mente do simples para o
complexo, seria exposto do seguinte modo, em The Principles of Psychology (1855):
In the progress of life at large, as in the progress of the individual, the adjustment of inner tendencies to outer persistences, must begin with the simple and advance to the complex; seeing that both within and without, complex relations, being made up of the simple ones, cannot be established before simple ones have been established.
136
134
Gabriel Compayré, s.d.: 59-60. 135
Herbert Spencer, 1976 (1861): 60. 136
Herbert Spencer, 1899 (1855): 426.
104
Em quarto lugar, surgia a máxima que estabelecia uma conformidade entre a
educação da criança, o desenvolvimento histórico da humanidade e o percurso da
civilização:
It follows that if there be an order in which the human race has mastered its various kinds of knowledge, there will arise in every child an aptitude to acquire these kinds of knowledge in the same order.
137
De acordo com este ponto de vista, devia estabelecer-se uma concordância entre o
processo aquisitivo de conhecimentos da criança e aquele, segundo o qual a raça
humana obteve o domínio dos vários tipos de saberes, pois, ambos se encontravam
sujeitos aos princípios gerais da evolução. Spencer reconheceu ter sido Comte o
primeiro a enunciar este conceito. De modo que, ao considerar tratar-se de um
axioma perfeitamente válido, para além de o ter adoptado, fundamentou a sua defesa
nas leis da hereditariedade. Originou, assim, um dos aspectos controversos da
argumentação spenceriana. Ao exemplificar o modo como existe uma predisposição
nos jovens para repetir a história da humanidade uma criança de nacionalidade
francesa tornar-se-ia, certamente, um adulto francês, independentemente do
ambiente onde crescesse Spencer iria ignorar a importância exercida pela acção do
meio sobre os indivíduos, aceite nemine contradicente. Com efeito, a sua teoria
parecia não atribuir qualquer importância à actuação dos factores naturais e sociais
sobre os seres humanos, cuja persistência faria, seguramente, desvanecer as
tendências hereditárias das raças. Neste âmbito, uma vez mais, se podia constatar a
acentuada influência exercida sobre este filósofo pela teoria lamarckiana facto nada
abonatório, pois ser-lhe-ia frequentemente apontado o exagero da sujeição das suas
concepções à influência da hereditariedade.
O quinto princípio enunciado, sendo uma das directrizes necessárias na
orientação do plano de estudos, determinava que, em cada ramo do ensino, se
procedesse do empírico ao racional:
Every study, therefore, should have a purely experimental introduction; and only after an ample fund of observations has been accumulated, should reasoning
137
Herbert Spencer, 1976 (1861): 61.
105
begin.138
Era, na verdade, necessário, permitir aos jovens o progresso mental proporcionado
pelas experiências vivenciais. Manifestando algum agrado, Spencer notava estar-se a
verificar uma orientação doutrinária recente nesse sentido. Efectivamente, as velhas
pedagogias defensoras de um ensino prematuro das regras estavam a perder terreno
para uma nova didáctica. Os alunos, agora ensinados de acordo com esta
metodologia defendida por ele, aprendiam tanto através do poder da observação ou
da comparação dos factos (obtidos pelo estímulo da prática experimental), como
através da sujeição aos processos da natureza. A título de exemplo, apontava o
ensino da gramática, onde, no modo por ele advogado, as normas gramaticais eram
introduzidas só após a aprendizagem da língua e não ao invés, como era comum
verificar-se.
No sexto princípio, corolário do tipo de ensino por ele recebido, o auto-
desenvolvimento era encorajado muito substancialmente: «Children should be led to
make their own investigations, and to draw their own inferences».139 Nesta máxima
residia, afinal, a génese do sucesso pessoal de Spencer obtido por via do seu próprio
modo de auto-instrução liberto dos cânones instituídos. Por estar convicto dos
benefícios provenientes dos moldes educacionais por ele experimentados,
aconselhava a adopção de uma disciplina ditada pela natureza. No seu entender, só
assim se tirava o máximo rendimento das actividades intelectuais promovendo o
aperfeiçoamento da mente em fases tardias da maturidade, tal como era possível
conseguir-se nos primeiros estágios do crescimento. Seria, todavia, o conceito
subjacente à afirmação: «They should be told as little as possible, and induced to
discover as much as possible»,140 a causa das maiores críticas sobre esta matéria; as
quais, aliás, já tinham tido Pestalozzi como alvo. Os opositores a alguns dos seus
ditames doutrinários questionavam-se quanto à exequibilidade das propostas
spencerianas do auto-desenvolvimento sujeito à regra das aprendizagens ditadas
pela natureza. A instrução da Geometria era, por exemplo, a mais apontada como
comprovativa da impraticabilidade do ponto de vista de Spencer. Afinal, não se
138
Idem.: 62. 139
Id., ibid. 140
Id., ibid.
106
afigurava, nem razoável, nem possível, induzir os alunos a instruírem-se a si próprios
num assunto tão complexo como aquela área do conhecimento. Porém, ao defender
a iniciativa pessoal na condução da própria aprendizagem, Spencer não estava,
necessariamente, a defender um plano de aprendizagem legitimizado em exclusivo
pelo processo do auto-estímulo,141 mas sim a promover a defesa daquela que seria a
sétima e a última máxima pedagógica por ele enunciada: prestar aos estudantes uma
instrução atraente. Por conseguinte, a concretização deste princípio (associado ao
incentivo do auto-desenvolvimento) granjearia o máximo rendimento por parte dos
alunos, pelo atractivo proporcionado através da aprendizagem adquirida por essa via.
Com efeito, face à possibilidade de ocorrerem sentimentos de desagrado, Spencer
estava convicto de que factos demasiado complexos não deviam ser fornecidos às
crianças, em virtude de elas, por si próprias, não os procurarem. Ao gerar-se uma
possível atitude de repugnância por parte do estudante, podia provocar-se essa
postura para com os conhecimentos em geral:
In respect to the Knowing-faculties, we may confidently trust in the general law, that under normal conditions, healthful action is pleasurable, while action which gives pain is not healthful.
142
O ensino da Geometria de tipo empírico seria estimulado através dos métodos assim
descritos, de modo a tornar-se satisfatório e despertar nas crianças a vontade de
141
A apologia da máxima: « In education the process of self-development should be encouraged to the uttermost» (Herbert Spencer, 1976, (1861): 62) estimulou inúmeras críticas que tiveram como alvo o seu autor. Assinalavam, essencialmente, o radicalismo do seu pensamento, pois, como já se verificou, ao não defenderem o mesmo ponto de vista de Spencer, consideravam até inverosímil submeter a instrução dos indivíduos aos gostos pessoais de cada um. Neste sentido é Gabriel Compayré quem, através do seguinte parágrafo, demonstra o seu desagrado por aquela opção doutrinária de Spencer: «Ces conseils sont excellents, à condition pourtant qu‟on n‟en exagère pas la portée. N‟espérons pas, par exemple, comme M. Spencer le suggère, et comme Pestalozzi le voulait aussi, qu‟on puisse demander à l‟enfant d‟ “inventer la géométrie”. Les Pascal sont rares, et il n‟est pas donné à tout le monde de pouvoir retrouver Euclide» (in Gabriel Compayré, s.d.: 61). Não obstante reparos como este, os quais se revelaram frequentemente injustos (como parece ser o caso), não é de todo claro que Spencer tivesse uma opinião intransigente nesta matéria. Afinal, ele não defendia este método de educação para todas as circunstâncias de aprendizagem dos homens. Por exemplo, no tocante ao treino dos educadores, Spencer considerava não ser possível conseguir-se um bom desempenho da tarefa de se ser pai ou mãe unicamente através da instrução independente. Assim refere em “Moral Education” (1858): «Is it that each may be trusted by self-instruction to fit himself, or herself, for the office of parent? No: not only is the need for such self-instruction unrecognised, but the complexity of the subject renders it the one of all others in which self-instruction is least likely to succeed» (in Herbert Spencer, 1976 (1861): 84).
107
prolongar a sua auto-instrução para além do término da vida escolar. Segundo
Spencer, o prazer causado pelo treino educativo serviria, igualmente, como medida
de avaliação, permitindo verificar o ordenamento adequado de um plano de estudos.
Por isso, a repulsa causada por uma determinada ciência consistia a prova de ter sido
facultada muito cedo, ou ministrada através de um plano inadequado.
Embora as boas intenções didácticas de Spencer se mostrassem
interessantes, bem como susceptíveis de congregar muitos entusiastas, revelaram,
porém, escassas probabilidades de constituir medidas práticas. Se o estímulo
intelectual de um jovem dependesse, exclusivamente, das suas inclinações espirituais
e prazeres produzidos pela aquisição de certo tipo de conhecimentos, podia estar-se,
de facto, a colocar em risco toda a aprendizagem. Esta matéria suscita, por isso, duas
questões. Sendo tal princípio eventualmente aplicável a um nível de ensino primário,
não se vislumbra como, em outros graus de ensino (com vista à formação de bons
profissionais), se poderiam omitir conteúdos menos susceptíveis de gerar o interesse.
E ainda: como se elaborariam currículos, cujos agentes educativos seriam levados a
submeter as matérias àquilo que, supostamente, todos os aprendizes possuíam, por
Spencer designado «intellectual instincts»?143 Com efeito, se tal metodologia através
da qual se visava estimular o ensino e torná-lo atraente por via do auto-
desenvolvimento era adaptável a circunstâncias familiares (entre mãe e filhos, por
exemplo), ou em situação de ensino individual (como no caso dos tutores contratados
para ensinar os filhos das famílias abastadas), não se vislumbra o seu modo de
execução numa sala repleta de alunos. Com um número elevado de crianças numa
aula, se cada discente revelasse diferentes exigências culturais, ou, no pior dos
casos, uma elevada percentagem delas manifestasse a falta dos denominados
instintos intelectuais,144 como iria Spencer divulgar com segurança as noções das
matérias consideradas essenciais à vida completa?
Ao revelar-se este assunto fértil na capacidade de despertar o sentido crítico
nos leitores de Spencer, torna-se indispensável assinalar outro aspecto determinante.
142
Idem.: 63. 143
Idem.: 67. 144
Embora esta designação «intellectual instincts» surja envolta em atributos, deixando entrever a importância que detém para Spencer, este não define essa expressão, passando antes a ideia de se tratar de uma espécie de “apetites intelectuais”, ou seja, do desejo de aprender determinado tipo de assuntos do interesse de um indivíduo.
108
Caso o autor tivesse estabelecido os níveis etários aos quais visava aplicar os
diferentes aspectos da doutrina, talvez ela não tivesse surtido tanta celeuma. Como
se constatou, algumas das propostas revelar-se-iam perfeitamente exequíveis,
embora, dado o teor das mesmas, a sua aplicação devesse ser restringida a alunos
do ensino básico. No entanto, ao ter generalizado as máximas educacionais sem
determinar os alunos a que se dirigiam, suscitou grande número de interrogações, as
quais acabaram por atenuar, em grande medida, o mérito e o alcance argumentativo
do pensamento do filósofo.
Se, no âmbito do ensino, a educação intelectual foi uma das preocupações de
Spencer, o treino do comportamento ético não se revelou matéria de menor interesse.
De facto, a sua elevada importância na formação dos indivíduos levá-lo-ia à redacção
do texto “Moral Discipline of Children”, o qual foi publicado em Abril de 1858 no British
Quarterly Review, sob a designação ”Moral Education”. Ciente do declínio das
crenças religiosas, bem como do progressivo desvanecer do peso do sobrenatural
sobre as consciências, procedeu, naquele ensaio, à análise do comportamento ético
dos jovens, concluindo ser urgente levar a efeito a instrução moral das crianças.
Embora se tratasse, no seu entender, de um empreendimento indubitavelmente
complexo, só assim seria possível aperfeiçoar o carácter dos indivíduos, bem como
os comportamentos socialmente ideais e moralmente desejados. Ao submeter o
desenvolvimento espiritual humano aos princípios gerais da evolução e, por
conseguinte, à influência de factores hereditários afigurava-se-lhe óbvio o seguinte
raciocínio: se os homens recebem de geração para geração, um legado de vícios e
defeitos com a sua herança genética, então, seguramente, também lhe são
transmitidos os caracteres morais aperfeiçoados dos seus ascendentes.
O poder das características herdadas revelava-se, para Spencer, um assunto
de magnitude irrevogável pelos efeitos exercidos na educação dos jovens. Logo,
devia tornar-se a moral numa disciplina do foro científico, de modo a substituírem-se
as normas éticas assentes em métodos artificiais, por outras sujeitas às leis da
natureza. Estas últimas, susceptíveis de perdurar e melhorar as regras de
procedimento dos homens, contribuiriam para a constituição de sociedades melhores.
Com efeito, na doutrina spenceriana, a instrução moral, além de ter como finalidade a
excelência da conduta das pessoas, também procurava transmitir-lhes um prazer e
109
uma satisfação radicáveis no carácter aperfeiçoado por persistência, através dos
diferentes patamares da evolução. Em todo este processo, a submissão da disciplina
ao princípio das reacções naturais seria basilar. Esta ilação equivalia a afirmar que a
valorização da disciplina dos resultados e consequências proporcionados pela
natureza, designados «the system of discipline of natural reactions», ou «the method
of moral culture by experience of the normal reactions»,145 era condição necessária
para se atingirem os objectivos pedagógicos. Spencer propunha, por conseguinte, um
sistema que consistia em deixar os indivíduos sofrer as consequências naturais das
suas acções, de modo a, ao lhes ser diminuído o bem-estar, tal proporcionar o castigo
adequado, oportuno e não artificial. Ele encontrava assim o método mais justo e
eficaz de conduzir a procedimentos exemplares, para os quais contribuía a lei da
associação de ideias.146
Por Spencer considerar esta matéria um problema cósmico, no último degrau
da escalada do processo evolutivo universal, atingir-se-ia o comportamento moral
ambicionado, espontâneo e permanente. A conseguir-se, esse objectivo resultaria,
tanto do contributo da educação moral enquanto ramo da ciência como da
herança das acções dos antepassados dos homens, as quais tinham progredido
através dos diferentes estágios do aperfeiçoamento humano. Uma vez alcançado o
último patamar deste percurso da humanidade, os indivíduos estariam, então,
adaptados às regras da natureza, bem como a reger, voluntariamente, as suas
atitudes de acordo com essas normas, usando os seus instintos. Segundo Spencer,
os seres humanos atingiriam a idade de ouro quando o seu egoísmo tivesse evoluído
para um estado de altruísmo.147
145
Herbert Spencer, 1971 (1861): 100. 146
Contudo, para Spencer a educação moral dos homens não constituía, unicamente, um objectivo filosófico abstracto. Crente na frenologia encarava-a como a ciência da mente, de modo que a consciência moral era, no seu entender, um órgão frenológico. Por isso, a aptidão dos homens para possuir um sentido ético devia considerar-se uma tendência inata, sujeita às leis universais da causalidade. 147
Segundo o ponto de vista alegadamente científico à luz do qual Spencer examinava o desenvolvimento do carácter humano, este era determinantemente influenciado pelas qualidades morais. Na sua opinião, os atributos morais formadores do carácter humano eram semelhantes a um certo poder físico pela necessidade de serem exercitados para se desenvolverem. Se aos homens fosse dada plena liberdade para colocarem em prática as qualidades éticas do seu carácter, elas seriam reforçadas, passando, consequentemente, de geração para geração, de acordo com o mecanismo lamarckiano da herança de características. As qualidades humanas, ao serem, assim, robustecidas, tornar-se-iam orgânicas quanto à raça, constituindo comportamentos moralmente exemplares e espontâneos em etapas posteriores da evolução.
110
Tais conjecturas revelam, afinal, elevado optimismo pela expectativa de tudo vir
a acontecer como ditava a doutrina por ele arquitectada. Não obstante esta
disposição spenceriana para encarar como positivo o processo evolucional do
carácter humano (consequente de uma formação moral adequada), para ele, os
homens não nasciam puros e bons. Ao manifestar opinião totalmente contrária à de
Jean-Jacques Rousseau para quem as crianças eram originalmente bondosas e
inocentes demarcou-se desta corrente de pensamento, apologista do «bom
selvagem», para assumir a crença exclusiva nos benefícios resultantes da evolução e
do progresso da humanidade. Com efeito, de tal modo prevalecia o antagonismo
entre Rousseau e Spencer que, se pode afirmar quanto ao último, ter defendido o
conceito do «mau selvagem». Senão, repare-se como via o comportamento moral da
criança:
Do not expect from a child any great amount of moral goodness The popular idea that children are “innocent”, while it is true with respect to evil knowledge, is totally false with respect to evil impulses; as half an hour‟s observation in the nursery will prove to anyone. Boys when left to themselves, as at public schools, treat each other more brutally than men do; and were they left to themselves at an earlier age their brutality would be still more conspicuous.
148
A tendência infantil para a crueldade era, portanto, algo de inato, mas, emergia
também da acção das características herdadas sob a forma de instintos: «During
early years every civilised man passes through that phase of character exhibited by
the barbarous race from which he is descended».149 Nestas palavras se subentende,
quão árdua e difícil (mas não impossível) seria a tarefa de educar os mais jovens.
Porém, a doutrina, através da qual Spencer visava formar as mentes, era, mal-grado,
entendida pelos críticos como uma ética de acentuada vertente hedonista, pelo prazer
último que, através dela, pretendia proporcionar aos indivíduos.
Todavia, para se atingir o propósito de instruir moralmente os jovens, era
necessário conduzir o processo pedagógico o mais eficazmente possível. Spencer
escolheu, por isso, os pais como principais destinatários do ensaio sobre a disciplina
moral. No entanto, contrariamente ao sucedido com “Intellectual Education” (1854),
148
Herbert Spencer, 1976 (1861): 108-109. 149
Idem.: 108.
111
não deixaria suscitar dúvidas sobre o tipo de alunos aos quais se referia: a orientação
e o treino de crianças em idade pré-escolar.
Convicto de o exercício da paternidade constituir a tarefa mais complexa de
todas, era absolutamente inadiável a introdução de uma disciplina curricular capaz de
contribuir para o bom empreendimento do exercício do educador. Propunha ele, por
conseguinte, a inclusão de Theory and Practice of Education no plano de estudos.
Porém, esta sua iniciativa transcendia o mero objectivo de domar os instintos das
crianças. Com efeito, o propósito de Spencer revelava-se bastante mais abrangente
como se pode ler nesta frase: « Amelioration of the average character leads to an
amelioration of system ».150 Não obstante o ponto de vista nela revelado,
demonstrador da amplitude e alcance da necessidade de melhorar o carácter dos
indivíduos, havia ainda a considerar a verdadeira finalidade da instrução escolar, a
qual era a seguinte: « Prepare a child for the business of life ».151 Ao educar
melhor os cidadãos estar-se-ia, simultaneamente, a prepará-los para uma vida
completa desenvolvendo um sistema social mais aperfeiçoado, bem como a estimular
o progresso. Manifestou-se, assim, um crítico feroz da disciplina praticada pelas
escolas mais elitistas (public schools) inglesas, insurgindo-se, numa nota de rodapé
incluída no ensaio sobre educação moral, contra o culto da violência naqueles
estabelecimentos de ensino:
Instead of being an aid to human progress which all culture should be, the culture of our public schools, by accustoming boys to a despotic form of government and an intercourse regulated by brute force, tends to fit them for a lower state of society than that which exists. And chiefly recruited as our legislature is from among those who are brought up at such schools, this barbarising influence becomes a hindrance to national progress.
152
A opinião de Spencer poderia resumir-se do seguinte modo: a formação moral
deficiente dos indivíduos retardaria, indubitavelmente, o curso do desenvolvimento
material e social da nação. Consequentemente, tudo leva a crer, o bem-estar da
sociedade colocava-se em risco através da promoção de relações tirânicas e
150
Idem.: 89. 151
Idem.: 88. 152
Idem.: 89.
112
autoritárias entre os homens: « A harsh despotism itself generates a great part of
the crimes it has to repress ».153 Por conseguinte, as grandes reformas só se
podiam operar pari passu com outras reformas, nomeadamente a dos métodos
disciplinares.
Para executar o ensino dos princípios éticos de modo correcto, os educadores
deviam proceder de acordo com algumas regras, a fim de desempenharem a sublime
tarefa de converter os filhos em bons cidadãos, socialmente úteis. Uma dessas
máximas evidencia-se como primordial, pois, parece ser face a ela que tudo o mais se
equaciona. Refere-se à necessidade tanto de compreender o processo natural do
desenvolvimento das faculdades morais, como de actuar, na sua instrução, de acordo
com a metodologia por ele defendida em “Intellectual Education”: do simples para o
complexo; do homogéneo para o heterogéneo; do indefinido para o definido, do
concreto para o abstracto. Assim, deixa entender quando alega o seguinte: «Our
higher moral faculties, like our higher intellectual ones, are comparatively complex. By
consequence, both are comparatively late in their evolution».154
Não demonstrando, com a defesa destes aforismos, quaisquer divergências
doutrinárias relativamente às orientações anteriormente expostas para a educação
intelectual, um dos parágrafos do seu ensaio sobre a disciplina ética destaca-se como
aparente epílogo da proposta spenceriana. Naturalmente, dirigia-se aos pais:
Let the history of your domestic rule typify, in little, the history of our political rule: at the outset, autocratic control, where control is really needful; by and by an incipient constitutionalism, in which the liberty of the subject gains some express recognition; successive extensions of this liberty of the subject; gradually ending in parental abdication.
155
Através do procedimento antes descrito e metaforicamente exposto, se conseguia
era a convicção de Spencer um ser capaz de se governar a si próprio: independente
e autónomo.
Mais uma vez, estas propostas educativas eram resultado da sua experiência
juvenil e da opção metodológica do pai como educador, um exemplo do qual se
153
Idem: 108. 154
Idem.: 109. 155
Idem.: 113.
113
orgulhava. Os atractivos, bem como as vantagens deste plano educacional, não
seriam, porém, suficientes para suplantar a elevada componente hedonista apontada
pelos críticos às opções doutrinárias spencerianas no âmbito da moral. O estigma de
um exacerbado utilitarismo acabaria por assombrar as ideias expressas por ele neste
domínio. Porém, nem todas as censuras dirigidas ao seu pensamento se revestiram
da legitimidade de que se anunciavam detentoras, nomeadamente no tocante às
propostas de Spencer quanto ao método da cultura moral pela experiência das
reacções naturais (the system of discipline by natural reactions). Ao longo de extensos
parágrafos do ensaio “Moral Education”, Spencer teria a preocupação de argumentar
a favor das vantagens trazidas pela adopção desse sistema disciplinar, mas, também,
de antever questões susceptíveis de surgir após a divulgação do texto. Ao antecipar-
se, conseguiu acautelar a defesa das ideias mais controversas, bem como alertar,
simultaneamente, para a racionalidade dos aspectos por ele considerados mais
polémicos. Não obstante, as vozes dissonantes que previra não tardaram a
manifestar-se. Seria o caso de Gabriel Compayré ao afirmar:
La nature, moins intelligente et moins douce que ne le croit M. Spencer, ne tient nullement compte, dans ses réactions impitoyables, de ce qu‟il y a d‟infiniment divers et varié dans les tempéraments humains. Elle ne pèse point dans ses balances l‟âge, la délicatesse ou la vigueur physique de ses justiciables. Et, de nouveau, nous pouvons conclure que la discipline des réactions naturelles est mauvaise, puisqu‟elle est injuste et dure, cruelle pour les faibles.
156
Compayré contestava, deste modo, a disciplina das reacções naturais por
considerá-la impiedosa. Contudo, não avançou com uma proposta alternativa.
Spencer, pelo contrário, analisou as desvantagens, tanto das recompensas, como das
punições artificiais, nomeadamente aquelas com maior frequência utilizadas pelos
pais, para concluir que produziam um padrão moral errado. Nos antípodas desta
metodologia, assim reprovada, encontrava-se o sistema spenceriano, cujos benefícios
se sobrepunham às consequências contraproducentes dele resultantes.
Consequentemente, para os críticos desta disciplina das reacções naturais, avaliada
como uma proposta cruel e injusta, adiantava o seguinte argumento:
156
Gabriel Compayré, s.d.: 96.
114
The system pursued should be not that of guarding a child from the small risks which it daily runs, but that of advising and warning it against them. And by pursuing this course, a much stronger filial affection will be generated than commonly exists.
157
Aos mais incrédulos, Spencer acenava com a divisa do relacionamento pautado por
elevada simpatia, amizade e respeito no seio dos intervenientes do processo
educativo a qual surge, de forma positiva, como emblemática do seu pensamento
para a educação. Esse propósito seria conseguido substituindo-se a acção “pessoal”
dos educadores por uma acção “impessoal” da natureza.
Apesar da alegada relevância das provas apresentadas, Spencer na tentativa
de demonstrar como a doutrina para a formação ética dos indivíduos era apropriada
estava consciente de não ter alcançado apoio generalizado para as suas ideias.
Foram nas últimas linhas de “Moral Education” deixadas as marcas finais de um
criticismo acutilante e mordaz:
While some will regard this conception of education as it should be with doubt and discouragement, others will, we think, perceive in the exalted ideal which it involves, evidence of its truth. That it cannot be realised by the impulsive, the unsympathetic, and the short-sighted, but demands the higher attributes of human nature, they will see to be evidence of its fitness for the more advanced states of humanity.
158
Em “Physical Education”, terceiro ensaio sobre o ensino, publicado em Abril de
1859, a temática incidiu sobre um assunto tradicionalmente de interesse para alguns
cidadãos ingleses. Com efeito, a tipicidade paisagística da Grã-Bretanha com os seus
espaços verdes convidava ao entretenimento, bem como à actividade física
(masculina), embora, essa fosse um privilégio de burgueses e nobres. Todavia, a
perspectiva pela qual Spencer abordou esta temática conferiu-lhe uma faceta de
modernidade que, progressivamente, foi influenciando a atitude dos pedagogos face à
gradual tomada de consciência dos benefícios proporcionados pela prática de
exercício físico.
Em Inglaterra, no final da primeira metade do século XIX, assistiu-se ao
desenvolvimento dos desportos organizados. Porém, até aos anos setenta, a diversão
157
Herbert Spencer, 1976 (1861): 105.
115
preferida da aristocracia rural envolvia, essencialmente, o tiro (com armas de fogo), as
pescarias, a caça, a jardinagem ou as corridas de cavalos. O futebol, assim como o
râguebi, eram actividades ainda restritas aos recintos escolares, com pouca projecção
a nível nacional.159 Sendo o tiro (com setas e arco) das poucas actividades
desenvolvidas a nível competitivo, tanto o ténis como o golfe (esta, uma diversão
tipicamente escocesa) eram raros. O críquete, praticado pelas classes abastadas, foi,
com efeito, o primeiro jogo a suscitar interesse a nível nacional. No entanto, por via do
entusiasmo despertado pelas apostas, proporcionava a concentração de multidões e
rodeava-se de alguma violência. Quando Spencer escreveu o artigo sobre a instrução
física (1859), o desporto encontrava-se, ainda, arredado da participação popular,
sendo do principal agrado da classe trabalhadora os jogos de sangue como as lutas
de galos, ou cães. Só após 1871, com a promulgação da lei dos feriados (Bank
Holiday Act), se observou uma maior predisposição para as actividades desportivas
ou de lazer por parte da classe operária.
Ao criticar, no ensaio “Physical Education”, os hábitos de educação física dos
indivíduos, Spencer estava, precisamente, a referir-se às classes abastadas. Neste
sentido, pode afirmar-se ser a reforma dos planos educativos por ele proposta um
projecto educacional aristocrático, o qual passava pela melhoria, tanto da cultura
intelectual e ética, como física. Por conseguinte, mais uma vez era proposto o
contributo da ciência para o desenvolvimento das capacidades físicas dos cidadãos,
sendo simultaneamente veiculado, ao longo de todo o texto, a defesa da sujeição de
todo o processo às regras gerais da evolução.
Assim sendo, para o benefício do desenvolvimento e preservação das aptidões
físicas haveria ainda muito a ser modificado no âmbito dos planos curriculares, pois,
segundo ele, verificava-se um excessivo investimento na educação intelectual. Na
tentativa de demonstrar os erros dos modelos educativos em vigor, Spencer ver-se-ia
na necessidade de esclarecer quais as orientações correctas a oferecer aos mesmos.
Por este motivo, talvez não fosse despropositado afirmar-se que toda a sua doutrina
relativamente a esta matéria se firmava no seguinte raciocínio:
158
Idem.: 114-115. 159
Efectivamente, o râguebi, pouco conhecido ainda na primeira metade do século XIX, era o tipo de futebol praticado na escola de Rugby. Foi a publicação da obra de Thomas Hughes, Tom Brown‟s Schooldays (1857), a geradora de uma onda de interesse pela escola, bem como por esse desporto.
116
When we remember that one of Nature‟s ends, or rather her supreme end, is the welfare of posterity; further that, in so far as posterity is concerned, a cultivated intelligence based on a bad physique is of little worth, since its descendants will die out in a generation or two; and conversely that a good physique, however poor the accompanying mental endowments, is worth preserving, because, throughout future generations, the mental endowments
may be indefinitely developed .160
Constatando Spencer o escasso empenho pedagógico aplicado à temática da
disciplina física das crianças não obstante a importância de que se revestia para a
vida dos homens e o progresso da nação a sua tarefa anunciava-se árdua. Propôs-
se, assim, demonstrar o modo como a instrução física dos jovens revelava sérias
deficiências ao nível da alimentação, da indumentária, ou do exercício físico (em
especial para as raparigas), além de uma excessiva aplicação mental. Esta não
constituiu, porém, uma matéria do interesse exclusivo de Spencer. Rousseau, tal
como ele, também já tinha dedicado atenção particular às questões da higiene e dieta
alimentar das crianças. Contudo, Spencer transformou as ideias do filósofo francês
em argumentos fundamentados sobre o rigor e a prescrição da ciência moderna. Esta
circunstância contribuiu, certamente, para a projecção do seu pensamento
pedagógico, carente, em tantos aspectos, como já se verificou, de originalidade, mas
não de ousadia doutrinária.
No domínio da nutrição, tal como em todos os outros, Spencer aplicaria, uma
vez mais, a sua máxima de submissão às regras ditadas pela natureza. Deste modo,
as crianças alimentar-se-iam à medida das necessidades físicas manifestadas.
Tornava-se, por isso, essencial, em condições normais, não ingerir demasiados
alimentos, tal como era importante ingeri-los em maior quantidade, face a gastos
energéticos acrescidos ou perante adversidades climáticas. Na sua opinião, alimentos
nutritivos como a carne não eram indispensáveis a uma dieta alimentar. Porém,
considerava o regime vegetariano insuficiente. Essa conclusão advinha da redução do
vigor físico e mental por ele experimentado após seis meses sob aquele regime.
Consequentemente, defendia a variedade alimentar, bem como contrariamente à
Daí, até à fundação do “English Rugby Union” em 1871, só mediaram catorze anos. 160
Herbert Spencer, 1976 (1861): 151.
117
convicção corrente dos nutricionistas a liberdade de escolha dos indivíduos no
respeitante à ingestão de açúcar pelo qual o organismo reclamaria a fim de se
desenvolver harmoniosamente. A plena forma física seria atingida ao agir-se em
conformidade com os princípios fundamentais orientadores do desenvolvimento de
todos os organismos, incluindo o humano. Admitir este facto como um dado adquirido
permitiria o sucesso da tarefa educativa.
Era, por conseguinte, relevante conhecer a fisiologia dos seres humanos, de
modo a não intervir restritivamente nas necessidades intrínsecas do organismo: «
The first requisite to success in life is “to be a good animal”; and to be a nation of good
animals is the first condition to national prosperity».161 O progresso de uma nação
seria determinado pelo grau de vigor físico manifestado pelos cidadãos, mas (atente-
se também), pela lei por ele enunciada: «survival of the fittest», tal como deixa
transparecer através da seguinte afirmação: « The history of the world shows that
the well-fed races have been the energetic and dominant races».162
Seria, de igual modo, importante o contributo de Spencer para o uso de trajes
mais informais e libertos dos rigores vitorianos quando as situações não requeriam
formalidades. Fundamentalmente, tratava-se de submeter esta questão à designada
“consciência física”, a qual, juntamente com as condições do meio ambiente,
determinaria a necessidade de agasalho. Tratava-se, indubitavelmente, de uma
medida a recolher partidários entre os jovens e as mulheres. Mas, para estas, foi
reservada uma iniciativa, por certo, do agrado das feministas. No domínio da
instrução, elas encontrariam nele um partidário entusiasta do abrandamento das
pressões de uma cultura excessivamente intelectual, à qual eram sujeitas. Segundo
pensava, tal como sucedia com o sexo masculino, às estudantes também devia ser
proporcionada a actividade física em espaços amplos com estreito contacto da
natureza, a fim de se lhes garantir saúde física e intelectual. Neste sentido, desferiu
duras críticas contra os estabelecimentos de ensino femininos lugares onde, o culto
da dama frágil revelava incompatibilidades com o desenvolvimento das aptidões
físicas, consideradas masculinizantes. Para ele, este era um preconceito injustificável
que não podia ser defendido face às leis universais evolucionistas, como se entende
161
Idem.: 117-118. 162
Idem.: 127.
118
através deste raciocínio:
For if the sportive activity allowed to boys does not prevent them from growing up into gentlemen; why should a like sportive activity prevent girls from growing up into ladies?
163
Adepto do exercício físico proporcionado por actividades ao ar livre não sujeitas
a restrições artificiais, era-lhe, por isso, difícil determinar os benefícios vulgarmente
atribuídos à prática da ginástica, a qual considerava negativamente condicionada por
regras. Ao proporcionar movimentos monótonos originava um desenvolvimento
muscular irregular, carente do estímulo alcançado pelo prazer, o qual, contrariamente,
se podia obter através de jogos ou brincadeiras. Este ponto de vista seria retomado
quando, em Facts and Comments (1902), publicou “Gymnastics”. Neste texto
reafirmou as inconveniências de um esforço extenuante susceptível de conduzir a
uma indesejada desmotivação para o exercício físico em geral. Apologista da prática
de jogos envolvendo energia física moderada, manifestou-se contra o futebol, como
forma de desporto capaz de gerar violência. A impetuosidade excessiva de certos
jogos resultaria, por sua vez, na adopção desse género de actividades em sociedades
do tipo militante, como refere em “Gymnastics”:
Alike among early civilized races and among barbarians, war originated gymnastics and the theory and practise of gymnastics have all along remained congruous with the militant type of society: witness the present state of
Germany. But with the advance towards a peaceful state of society, the need for making strength of limb a chief qualification in the citizen diminishes, and along with its diminution, coercive and ascetic culture loses its fitness. In place of artificial appliances for bodily development come the natural appliances furnished by games and spontaneous exercises.
164
O exercício físico espontâneo era, portanto, aquele que se esperava fosse mais
incentivado nas escolas, em simultâneo com o estímulo moderado da vertente
intelectual da aprendizagem. Com efeito, a actividade intelectual surgiu como outra
das preocupações, à qual Spencer dedicou uma percentagem considerável do ensaio
163
Idem.: 137. 164
Herbert Spencer, 1902: 161.
119
“Physical Education”. A abordagem deste assunto justificava-se, afinal, plenamente
caso fosse levada em consideração a sua crença, segundo a qual existia uma relação
de causa / efeito entre o excesso de actividade mental e a quebra do
desenvolvimento do corpo. Este facto, por ele detalhadamente justificado através de
processos biológicos ocorridos nessas circunstâncias, poderiam ocasionar distúrbios
físicos irreversíveis. A fim de exemplificar esta convicção, Spencer evocaria a lei
fisiológica demonstrada por M. Isidore St. Hilaire. Segundo os princípios de St. Hilaire,
partilhados por Spencer, existia um antagonismo entre o crescimento (aumento de
estatura) e o desenvolvimento (aumento de estrutura). O desenvolvimento anormal de
qualquer órgão, relativamente à estrutura corporal, envolvia uma pausa prematura do
processo de crescimento, bem como, consequentemente, uma redução da qualidade
de vida ao nível da saúde física. Estas circunstâncias sucediam com o órgão da
mente, como com qualquer outro. Assim demonstrava ele os resultados perniciosos
de uma educação espiritualmente excessiva. A metodologia ideal residia no equilíbrio
curricular entre as duas actividades recomendadas: a física e a intelectual.
Após a análise atenta dos três ensaios integrados na obra Essays on
Education and Kindred Subjects (1861), nos quais Spencer aborda os diferentes alvos
de qualquer sistema educativo (o intelecto, a moral e o desenvolvimento físico),
certamente o leitor se sente assaltado por inúmeras dúvidas. Todavia, o recurso do
filósofo ao vigor argumentativo, empregue na exposição do seu pensamento, deixa,
indubitavelmente, entrever como este projecto para o ensino constituiu a ambição de
obter algo mais, além da erudição decorrente das ciências, entendidas stricto sensu.
A defesa do seu evolucionismo educacional, bem como o domínio do conhecimento
de diferentes disciplinas do foro científico por parte dos indivíduos revelar-se-ia
apologética de uma filosofia do saber unificado, propícia à formação completa dos
homens. Seria, efectivamente, à luz deste sistema filosófico abarcador de todo o
conhecimento que ele concebeu uma educação para a modernidade, promotora do
desenvolvimento harmónico do ser humano.
120
CAPÍTULO V A (falta de) originalidade da teoria pedagógica de Spencer
The two strongest impressions I receive on re-reading parts of Spencer are that of the fixity of his limitations and that of the abundance of his mind within those
limitations. Never timid or half-hearted, he stained with his life-blood every detail of his vast scheme and defended it as a mother defends her child. He spent his whole life in the elucidation and propagation of truth as he saw it devoting without question his spirit and its instruments to this supreme object. Some of his chief defects were virtues in excess; as he might have been more a man of science had he been less ardent as a philosopher and moralist.
Charles Horton Cooley, in “Reflections Upon the Sociology of Herbert Spencer” (1920)
121
A popularidade alcançada por Herbert Spencer, cujo apogeu se verificou entre
os anos setenta e oitenta do século XIX, deveu-se à audácia intelectual e ao arrojo
das suas generalizações, consideradas entre as mais integrais e abalizadas na
história do conhecimento até àquela época. Com efeito, tanto a aspereza de modos,
manifestada através de um temperamento irritável, propenso à irascibilidade, como
uma personalidade distante e circunspecta, não foram fundamento para lhe ofuscar a
nobreza do pensamento, amplamente reconhecida até aos nossos dias como tal.
Uma das principais determinantes na reputação alcançada pelo sistema
filosófico concebido por Spencer residiu no oportuno enlace entre a sua doutrina da
evolução e a conjuntura proporcionada pelas inovações introduzidas em gerações
anteriores, tanto na esfera das ciências naturais como na das humanas. Ao utilizar um
discurso científico em prol dos princípios constitutivos do seu sistema filosófico
granjeou algum do prestígio que, crescentemente, era atribuído à erudição decorrente
das ciências, sendo considerado uma figura fundamental da comunidade científica. A
abrangência, consensualmente aceite, do sistema filosófico por ele divisado
encontrava consonância na disposição vitoriana para a grandiosidade, da qual tanto a
Grande Exposição de 1851 como os jubileus da rainha, em 1887 e 1897 foram
expoentes máximos.
A Spencer se deve o mérito da concepção de uma das mais intrépidas
sistematizações filosóficas, constituída a partir do conceito de “evolução”, na qual
visou a unificação de todos os conhecimentos. Sob a égide desse sistema sintético
notabilizou-se como um dos pioneiros da sociologia evolucionista, a qual,
prudentemente fundamentada na observação e no tratamento de uma larga colecta
de informações, foi estimada, face à de Comte, como incontestavelmente mais
complexa e subtil embora mais orientada para o individualismo e para a apologia
das liberdades individuais. À luz dessa filosofia conjecturou, também, um plano
educacional moderno, arredado das limitações da instrução inglesa, reservando à
psicologia um lugar proeminente, contrariamente a Comte que não a integrou na
categoria das ciências. Na sua obra Essays on Education and kindred Subjects
(1861), revelar-se-ia herdeiro talvez involuntário dos princípios pedagógicos de
Rousseau, transformando em normas práticas as generalidades de Émile (1762).
Todavia, a atitude excessivamente crítica de Spencer face a doutrinas de
122
outros pensadores denunciou um carácter imodesto e carente de magnanimidade,
pela evidência de que terá fruído das ideias expressas por mentes alheias, embora
raramente mencionasse essa circunstância nas obras. Sendo assim, não obstante
reconhecesse a génese de alguns dos conceitos por si defendidos, não o fez quanto
a inúmeros outros, de tal modo que, apesar de se ter declarado interessado por
alguns aspectos dos princípios pedagógicos de Johann Heinrich Pestalozzi, negou
sempre a leitura de Émile de Rousseau. Este facto gera, naturalmente, alguma
incredulidade face à coincidência de pontos de vista entre aquela obra e Essays on
Education.
A origem das concepções educativas de Spencer é facilmente remontável a
doutrinas defendidas por George Spencer e William Spencer, respectivamente, seu
pai e tio, ambos professores. Porém, a procedência dessas influências não poderá
dar-se por encerrada neste contexto familiar, enquadrando-se num vasto leque de
referências. Na sua autobiografia admitiu ter lido alguns trabalhos de Bacon e Locke.
Com efeito, David Duncan, na obra The Life and Letters of Herbert Spencer (1908),
transcreve uma carta de Spencer dirigida a Leslie Stephen, em 1899. Nesta ao
contrariar Stephen quanto ao pressuposto de que, desde jovem, já detinha uma
sapiência muito acima do comum mencionou só ter lido algumas das obras
emblemáticas do pensamento filosófico a partir de determinada etapa da sua vida,165
nomeadamente, alguns trabalhos de John Locke e Thomas Hobbes depois de 1860;
William Paley e Jeremy Bentham posteriormente a 1855; John Stuart Mill, após cerca
dos vinte e três anos de idade, ou Immanuel Kant, de quem só leu, aos vinte e quatro
anos, algumas páginas traduzidas. Assegurando nada mais ter conhecido, além de
simples referências a trabalhos cuja temática o interessava num dado momento,
remata assim aquela carta a Leslie Stephen:
Since those days 1852 I have done nothing worth mentioning to fill up the implied deficiencies. Twice or thrice I have taken up Plato‟s Dialogues and have quickly put them down with more or less irritation. And of Aristotle I know even
165
Esta afirmação pode ser confirmada a partir do testemunho de um dos seus secretários W. H. Hudson. Veja-se o que ele disse sobre as leituras de Spencer: «Reading could hardly be called one of
his pastimes Of the constant succession of books which reached him mostly of a grave character
a glance usually sufficed, and many of them were put away on the shelves without even that. Fiction he had little taste for, and only at very long intervals read any.» (in David Duncan, 1908: 504-505).
123
less than of Plato.166
A sua obstinação em afirmar-se distanciado das leituras de outros pensadores no
intuito de se demarcar dos seus pares como intelectualmente dissidente revestir-se-
ia até de aspectos caricatos, como transparece do seguinte extracto de uma carta
escrita a F. Howard Collins nos finais de 1895:
I am desirous in all cases to exclude superfluities from my environment. Multiplication of books and magazines and papers which I do not need continually annoys me. As you may perhaps remember, I shut out the presence of books by curtains, that I may be free from the sense of complexity which they yield.
167
Mas, de algum modo quer através de leituras diversas,168
quer por via dos debates
em que se envolvia entre amigos ou no círculo familiar terá ficado a par do
pensamento de inúmeras individualidades, nomeadamente, de Rousseau, apesar de
sempre ter afiançado não atribuir qualquer importância a leituras pontuais, ou a
conversas encetadas sobre os mais diversos temas. Contudo, se, por um lado, não
admitiu a interferência intelectual dos nomes que lhe são associados como os mais
prováveis inspiradores das suas concepções, pelo outro, também não reivindicou a
paternidade das suas ideias sobre a formação intelectual, moral e física dos homens.
De todo o modo, a carência de originalidade não lhe subtraiu a aptidão e a eficácia
enquanto teorizador, domínio no qual se revelou um singular privilegiado. Este facto
manifestar-se-ia, tanto pelo hábil manejo das palavras na defesa dos seus
argumentos, como pela capacidade manifestada para expor velhas ideias filtradas
pela sua mente enciclopédica rendida às leis evolucionistas e à objectividade
científica.169
166
Herbert Spencer in David Duncan, ibid.: 418. 167
Id., ibid.: 396. 168
Spencer era um consumidor assíduo de jornais procedendo à sua leitura diária, ou à sua audição, da qual encarregava os secretários. Ao início do dia lia os matutinos e, ao fim da tarde, os vespertinos. O Times era o seu preferido, mas, também não passava sem a leitura de vários dos semanários ingleses, cujos artigos lhe proporcionavam matéria de reflexão para os domingos. As notícias, bem como as colunas de opinião, eram sempre alvo dos comentários de Spencer, o qual também dedicava uma leitura cuidada às críticas sobre os seus trabalhos. 169
Para George Henry Lewes, cuja opinião era conceituada nos meios culturais vitorianos, Spencer representava o Spinoza inglês. Este ponto de vista teria particular interesse pela circunstância de jamais ter sido refutado. Repare-se como, segundo Diana Postlethwaite, ele defendia essa crença: «Herbert Spencer was George Henry Lewe‟s Victorian Spinoza for many reasons: the sheer audacity of an all-
124
Com mestria, Spencer conquistou as atenções para as propostas dos seus
antecessores, às quais, contudo, soube adicionar uma visão analítica e acutilante. Tal
sucedeu, por exemplo, no âmbito da psicologia. Se Pestalozzi tinha proposto tratar a
educação à luz daquela ciência, embora dispondo na época de metodologias ainda
primárias, Spencer, por sua vez, atribuiu-lhe uma importância inédita ao enquadrá-la
na evolução cósmica da Humanidade, associando-a à teoria lamarckiana do
desenvolvimento embora reconhecesse a necessidade de se aprofundar a
investigação neste campo.170
Hector Macpherson descreveu com particular
eloquência o legado de Spencer nesta área do conhecimento:
In psychology Spencer‟s work was also epoch-making. His book proved to be the forerunner of a new method in the study of brain and nerve evolution and dissolution. No greater evidence of the value of Spencer‟s work in this department can be had than the testimony of distinguished medical specialists in brain and nerve disorders. It is claimed for Spencer that in neurology, psychology, and pathology, he has discovered the fundamental principles, and that whatever systems are erected in these sciences must be erected on the foundations he has laid. In Spencer‟s hands psychology, from being a sterile science confined to the academic circles, has been converted into a valuable instrument of scientific research.
171
O seu contributo para a pedagogia não se resumiu, contudo, ao ónus positivo
atribuído aos currículos orientados pela psicologia moderna. No tipo de ensino por ele
professado, a prática didáctica devia ser executada com os meios fornecidos pela
natureza, por só essa representar a norma correcta. Nesta opção revelar-se-ia
discípulo de Rousseau e Pestalozzi. No entanto, o seu pai tinha acrescentado a esse
princípio um outro, segundo o qual o método experimental era desenvolvido em
simultâneo com a capacidade de raciocínio estimulada por via da permanente
embracing system; the highly abstract, reasoned deification of passionate emotion; the belief in a
scientific psychology that would treat mind and body as one substance. As the Victorian Spinoza, Spencer would combine “German” philosophy with “Baconian” science by way of evolutionary biology providing a ground for the Absolute that transcended the limitations of the individual mind.» (in Diana Postlethwaite, 1984: 189-190). 170
Em “Intellectual Education” (1854), Spencer revelou-se bastante crítico dos princípios de Pestalozzi por considerar terem sido postos em prática através de metodologias inadequadas, cujo domínio da psicologia se revelava bastante deficitário: «True education is practicable only by a true philosopher. Judge, then, what prospect a philosophical method now has of being acted out! Knowing so little as we yet do of psychology, and ignorant as our teachers are of that little, what chance has a system which requires psychology for its basis?» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 56). 171
David Duncan, 1908: 519.
125
indagação da causa das coisas. O método da “causação”, professado pelo pai e
experimentado por Spencer em criança, era, portanto, o aspecto inovador por ele
proposto mais tarde para a educação básica.172
A disciplina das reacções naturais
defendida por Rousseau era, assim, enriquecida pelo sistema spenceriano que
defendia um plano de estudos acrescido do princípio da causação. Por conseguinte,
no seu esquema educativo, tal como Rousseau defendia, antes das regras e dos
livros, os professores facultavam aos alunos as experiências proporcionadas pelos
objectos. Contudo, no sistema de Spencer, face aos efeitos produzidos, os
estudantes eram inquiridos sobre as suas causas.
Ainda na linha de alguma simbiose ideológica com Rousseau, para o filósofo
inglês, a auto-instrução constituía, também, uma das parcelas mais importantes da
formação dos indivíduos, procedendo do simples para o composto, do homogéneo
para o heterogéneo. Porém, na obra pedagógica spenceriana, a aprendizagem das
ciências era exaltada e, à imagem da sua própria educação enquanto jovem, o autor
não atribuía utilidade ao estudo das línguas ou das literaturas, opondo-se, neste
domínio, ao ponto de vista de Rousseau. Efectivamente, este tinha proferido um forte
ataque à ciência em “Discours sur les Sciences et les Arts” (1750), demarcando-se
por inteiro das correntes de pensamento para as quais a ciência era a depositária
exclusiva do conhecimento humano. Nesta área, as divergências revelam-se,
portanto, incontornáveis. Afinal, se, para Spencer, a evolução social e humana
dependia do progresso que as nações atingissem, para Rousseau os avanços
científicos e tecnológicos jamais iriam contribuir, por si sós, para o aperfeiçoamento
dos homens.
Os aspectos discordantes entre Rousseau e Spencer não se resumiram,
todavia, ao valor que a ciência assumiu para cada um. As divergências residiram,
igualmente, no conceito de natureza. Se o filósofo francês apontava aos homens a
consulta dos factos em detrimento da autoridade escrita representada pelos livros, o
seu objectivo era o recurso à natureza enquanto fonte de consulta do universo interior
172
O entusiasmo de Spencer pela metodologia do pai foi diversas vezes manifestado em diferentes textos, nomeadamente em “The Filiation of Ideas” (1899) incluído em The Life and Letters of Herbert Spencer: «The nature thus displayed was rather strengthened than otherwise by my father‟s habit of speculating about causes, and appealing to my judgement with the view of exercising my powers of
thinking. Meanwhile he cultivated a consciousness of Cause made the thought of Cause a familiar one.» (in David Duncan, ibid.: 534).
126
do ser humano. Com efeito, segundo ele, essa introspecção resultante de uma atitude
reflexiva só seria viável no seio da natureza, a qual, porém, não dispunha de cariz
científico, não se enquadrando, por isso, na perspectiva de Spencer.173
Através de
Émile, a jovem personagem de Émile ou de l‟Éducation (1762), em torno do qual
arquitectou a sua famosa obra didáctica, Rousseau tentava aconselhar a submissão
do indivíduo ao isolamento entre as árvores e o campo, vivendo naturalmente, em
resposta às solicitações da consciência, a fim de permanecer um homem bom. A
concepção da natureza de Rousseau, diferente da encarada pelo cientista, era uma
natureza selvagem, exótica, privilegiadora das emoções humanas e estimulante do
desenvolvimento dos homens. Neste sentido encontrava-se em perfeita harmonia
com o ambiente no qual se enquadrava o enredo do único livro permitido a Émile,
Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe. Spencer não estaria, todavia, tão
distanciado do ponto de vista de Rousseau como, aparentemente se poderia
pressupor. Na realidade, a similitude poder-se-à dizer quase total atendendo-se à
expressão do seu pensamento quando descreveu, em 1899, numa carta dirigida a
Leslie Stephen, o modo como tinha desenvolvido os seus conhecimentos:
All along I have looked at things through my own eyes and not the eyes of others. I believe that it is in some measure because I have gone direct to Nature, and have escaped the warping influences of traditional beliefs, that I
have reached the views I have reached. ... My own course not intentionally
pursued, but spontaneously pursued may be characterised as little reading and much thinking, and thinking about facts learned at first hand.
174
Por conseguinte, Spencer trilhou caminhos semelhantes aos de Rousseau
projectando mais além os princípios que constituiriam uma educação moderna e
experimental. O seu plano pedagógico não ditava unicamente as técnicas da
instrução a fim de se garantir o sucesso dos métodos. O êxito da sua pedagogia
dependia do domínio do maior número possível de disciplinas científicas, por parte
dos educadores (professores e pais). A formação destes era, afinal, outra das
vertentes essenciais para os bons resultados a que se aspirava e de que dependia
um conhecimento aprofundado das ciências. Através desta crença e afastando-se de
173
Efectivamente, em Rousseau a noção de natureza implicava uma vida retirada e solitária, despojada de bens materiais, propicia à introspecção e à procura interior da alma humana.
127
Rousseau, Spencer aproximou-se, indubitavelmente, de Sir Francis Bacon, pelo
privilégio atribuído à formação científica, na qual os conhecimentos mais úteis para os
indivíduos eram os promotores da conservação, adaptação e capacidade de previsão.
Com efeito, Herbert Spencer iria aplicar ao ensino a metodologia da observação da
natureza professada por Bacon, tornando o indivíduo um intérprete dos fenómenos e
das suas causas naturais (como, aliás, deixou entrever nas linhas acima citadas que
tinha adoptado para si próprio). Tratava-se do método indutivo auxiliado por
momentos de dedução, do qual se visava excluir qualquer intuito de autoridade por
parte de quem aprende ou de quem ensina. Spencer chegaria, mesmo, em
“Intellectual Education” (1854), a demonstrar a sua concordância com o essencial da
doutrina de Bacon, designadamente, quanto ao valor por ele atribuído à Física.
Repare-se como expôs essa anuência para com as teorias do pai do empirismo:
The saying of Bacon, that physics is the mother of the sciences, has come to have a meaning in education. Without an accurate acquaintance with the visible and tangible properties of things, our conceptions must be erroneous, our inferences fallacious, and our operations unsuccessful.
175
Por conseguinte, se a leitura de alguns dos ensaios de Bacon resultou na
influência que as suas ideias exerceram sobre o pensamento de Spencer, o mesmo
não ocorreu relativamente a John Locke, de quem ele possuía um livro na casa do
pai, George Spencer, jamais consultado, segundo reiterou. Porém, as analogias entre
as ideias expressas por ambos perpassam a obra Essays on Education and Kindred
Subjects (1861) e são suficientes para se deduzir quanto à tomada de conhecimento,
por parte de Spencer, de pelo menos alguns aspectos de Some Thoughts Concerning
Education (1693) de John Locke, já que chegaria a citá-lo em “Moral Education”
(1858). Por conseguinte, ambos se interessaram, fundamentalmente, pelo gentleman,
considerando os benefícios decorrentes do exercício físico como primordiais para o
desenvolvimento humano completo (tal como Rousseau, aliás). A concordância de
174
David Duncan, 1908: 418-419. 175
Herbert Spencer, 1976 (1861): 50. Ainda nesta passagem e nas linhas imediatamente a seguir, Spencer iria mesmo citar Bacon a fim de demonstrar como os seus pensamentos convergiam nesta
matéria: «"The education of the senses neglected, all after education partakes of a drowsiness, a haziness, an insufficiency, which it is impossible to cure.” Indeed, if we consider it, we shall find that exhaustive observation is an element in all great success.» Id., ibid.
128
pontos de vista verificar-se-ia mesmo no tocante ao estilo da actividade física, pois
nenhum destes intelectuais a pretendia austera ou agressiva:
As John Locke long since remarked, “Great severity of punishment does but very little good, nay, great harm, in education; and I believe it will be found that,
cteris paribus, those children who have been most chastised seldom make
the best men.”176
Para Locke, o modo como os indivíduos eram educados e instruídos tinha
grande importância, pois, os livros só contribuíam parcialmente para esse propósito.
Segundo ele, a vivência proporcionada nas viagens ou no processo meditativo e
reflexivo revelava-se indispensável. E, efectivamente, a experiência de Spencer era a
prova prática dessa teoria, pois, a forma como se havia desenvolvido mentalmente
(inúmeras vezes elogiada pelo próprio) tinha demonstrado ser viável e aprazível para
ensinar outros indivíduos.
Spencer revelava, ainda, consonância com o pensamento lockiano ao defender
o predomínio do treino dos sentidos na educação básica por via da experiência e do
estímulo da curiosidade infantil. Apelando ao prazer e opondo-se à crueldade no
relacionamento dos intervenientes no processo educacional, também neste campo,
estaria a espelhar os princípios defendidos por Locke. O mesmo sucede quanto à
apologia da experiência resultante das consequências naturais dos actos dos
indivíduos. Porém, no domínio dos conteúdos programáticos e no tocante ao estudo
dos clássicos, Locke não terá extremado o seu ponto de vista como Spencer, tendo-
se limitado a ser desfavorável aos métodos em uso, mas não quanto ao teor desses
estudos. Para Spencer, contudo, esta tornou-se uma matéria muito valorizada. Assim
refere num texto incluído na sua biografia:
The absence of those studies, linguistic and historical, which form so large a part of the ordinary education, left me free from the bias given by the plexus of the traditional ideas and sentiments. This detachment had the same kind of effect as the detachment from surrounding authorities. All influences thus conspired to make me entirely open to receive those impressions and ideas produced by direct converse with things.
177
176
Herbert Spencer, ibid.: 108. 177
Herbert Spencer “The Filiation of Ideas” (1899) in David Duncan, 1908: 535.
129
Ao considerar que a formação educativa devia proceder do concreto para o
abstracto e do simples para o complexo, Spencer aproximou-se de Locke, mas,
igualmente, de Rousseau, para quem a aprendizagem era um processo natural
através do qual a mente se desenvolve. Porém, no entender de Spencer, a instrução
desencadeava não só o desenvolvimento da mente, como o processo da evolução do
indivíduo enquanto unidade social, levando, assim, ao evoluir das sociedades (os
organismos nos quais os homens se agregavam). Tanto Rousseau como Spencer
defenderam o individualismo como base de uma sociedade mais satisfatória obtida
pelo contributo do processo educativo para o estímulo das capacidades de cada um
ou, segundo Spencer, como preparação da própria vida. Para ele, a educação
deveria, ainda, tal como para Rousseau e Bacon, proceder da natureza e das suas
leis, executando-se com a ajuda dos objectos observados no seu ambiente original.
Só, mais tarde, os livros desempenhavam a sua função instrutiva. A mente seria,
assim, alimentada pela experiência, pelo raciocínio e estimulada pela prática do
exercício físico, revelando-se este primordial para a saúde dos homens, tanto na
doutrina de Spencer, como na de Rousseau.
No entanto, contrariamente a Rousseau, Spencer não compartimentou a
aprendizagem de diferentes conteúdos pedagógicos por idades distintas, não
estabelecendo uma fronteira entre o homem e o cidadão, como Rousseau, para quem
a instrução socializante seria posterior à formação intelectual do homem. Afinal, a
doutrina de Spencer estava entregue, por inteiro, ao processo evolutivo, sendo
inconcebível, para um filósofo evolucionista, admitir fases da vida humana como
partes estanques relativamente ao seu todo. Comparativamente à doutrina de
Rousseau, a pedagogia spenceriana resultaria, por isso, mais abrangente,
beneficiando indubitavelmente da vantagem de ter sido arquitectada após um século
de mudanças no pensamento.
A pedagogia de Johann Heinrich Pestalozzi, terá sido outra das fontes
próximas de Spencer, embora, não raras vezes, sujeita à sua crítica: « Agreement
with Pestalozzi‟s theory does not involve agreement with his practice ».178
Com
efeito, os princípios de Pestalozzi foram, talvez, aqueles com os quais mais
178
Herbert Spencer, 1976 (1861): 64-65.
130
abertamente se identificou. Esta circunstância levou-o a projectar, juntamente com o
pai, a criação de um instituto onde poriam em prática a metodologia do reformador
suíço moldada pelas suas próprias ideias. Apesar das expectativas, este intento
nunca foi, porém, concretizado. Não restam dúvidas, no entanto, quanto à
circunstância de Spencer ter lido Mother‟s Manual de Pestalozzi, até porque cita essa
obra em Essays on Education, nomeadamente, em “Intellectual Education” (1854). O
valor atribuído à psicologia uniu os pensamentos destes dois pedagogos, mas,
Spencer acabaria por conferir às ideias perfilhadas por ambos uma dinâmica moderna
e evolucionista. Ambos acreditavam na auto-instrução causadora de prazer e no
treino dos sentidos por via dos objectos e da natureza. O exercício físico era,
igualmente, determinante para ambos. Porém, alguns aspectos revelar-se-iam
factores de divergência. A teoria pestalozziana de que a educação consiste no
desenvolvimento harmonioso das capacidades do indivíduo e dos poderes inatos
fornecidos pela natureza, estaria de acordo com o pensamento de Spencer,179
embora, para este, tais poderes fossem estimulados basicamente pela interacção da
natureza.
O factor que colocou Spencer em desvantagem face ao pedagogo suíço
constituiu-se a partir da inexperiência do teorizador inglês. Afinal, Spencer nunca teve
oportunidade de mostrar como executaria os princípios por ele sustentados e quais os
caminhos que adoptaria na sua observância, contrariamente aos métodos de
Pestalozzi que foram aplicados pelo próprio a diferentes níveis etários, formando
alunos e professores de acordo com eles. As modificações introduzidas por Pestalozzi
mediante os resultados recolhidos da experiência permitiram-lhe adequar a didáctica
face aos objectivos traçados. Como tal, a sua técnica implicava um ajuste permanente
entre a teoria e a execução prática, aspecto do qual Spencer não podia vangloriar-se.
Porém, se o filósofo inglês tivesse tido oportunidade, não lhe teria, certamente, sido
fácil essa tarefa, não obstante o poder analítico e a mente sintética serem
susceptíveis de enriquecer as suas teorias pedagógicas. A personalidade de Spencer
foi, indubitavelmente, um dos maiores obstáculos na vida do filósofo, pois demarcou-o
179
Concordar com Pestalozzi nesta matéria era, aliás, a atitude mais comum entre os intelectuais vitorianos como afirma R. L. Archer: «All writers of that period repeated Pestalozzi‟s dictum that
education consisted in the “harmonious development of all the faculties” » (R. L. Archer, 1966 (1921): 118).
131
pela negativa dos outros teorizadores com os quais a sua ideologia foi associada. O
seu secretário David Duncan, não aparenta ter dúvidas em afirmar o seguinte:
If he had taken to teaching, one may say with confidence that as far as high aims, sound methods, and single-minded devotion could command success, he would have made his mark. But it is questionable whether he would have been successful in the administrative side of school-work. His want of tact, bluntness of speech, lack of quick and true perception of character, and impatience with the weakness of average human nature, would have stood in the way of smooth working with subordinates, colleagues, educational authorities, and, perhaps most important of all, with parents.
180
Efectivamente, as diferenças mais contundentes entre o pedagogo suíço e o
teórico inglês consistiam na genuína essência dos seus carácteres. Ao invés de
Spencer, Pestalozzi era conhecido por possuir um espírito compreensivo, uma
personalidade afável e simples, o que lhe permitiu estabelecer relações humanas
dóceis e afectuosas, nomeadamente, na interacção com os alunos.181
Contudo,
Spencer foi um homem marcado pelo individualismo, reservado nos relacionamentos
e impenetrável, particularmente, nas fases da vida ao longo das quais sofreu
problemas de saúde. É ainda David Duncan quem diz: «The social intercourse he
considered good for him was not easy to get or to keep».182
O seguinte testemunho é
igualmente bastante esclarecedor desta circunstância:
He could not readily adapt himself to other people‟s ways, had very decided views as to how things should be made or done, and was fidgety and irritable when they were not made or done as he thought they should be.
183
Não obstante a sua índole sentenciosa, ou o comportamento introspectivo,
Spencer teve também inúmeras oportunidades de convívio com jovens, circunstância
que lhe seria facultada, pontualmente, pelas filhas dos Potter e dos Cripps. Estes
confiavam plenamente no seu desempenho para educar as crianças, as quais, ao
180
David Duncan, 1908: 508. 181
A escola fundada em Neuhof, em 1773, na Suíça, tornou Pestalozzi conhecido pela sua dedicação às crianças mais necessitadas, pois, durante os sete anos que funcionou aquele estabelecimento, acolheu inúmeros filhos de indigentes e pessoas de baixos rendimentos. 182
David Duncan, 1908: 285.
132
serem-lhe «emprestadas» algumas vezes, resultaram numa fonte fértil para colocar
em prática os ditames do seu Essays on Education. Dessas experiências ocasionais o
autor retirava, igualmente, muito prazer pessoal.184
Spencer estava, contudo, convicto de poder ser mais prestável enquanto
pedagogo, comparativamente ao mestre suíço. Em Intellectual Education (1854) já
tinha afirmado «True education is practicable only by a true philosopher»,185
de modo
que as suas críticas, tanto relativamente à personalidade do seu homólogo suíço
como aos programas e metodologias pestalozzianas, seriam implacáveis:
As described even by his admirers, Pestalozzi was a man of partial intuitions a man who had occasional flashes of insight rather than a man of systematic
thought. His nursery-method, described in The Mother‟s Manual beginning as it does with a nomenclature of the different parts of the body, and proceeding next to specify their relative positions, and next their connections, may be proved not at all in accordance with the initial stages of mental evolution. His process of teaching the mother-tongue by formal exercises in the meanings of words and in the construction of sentences, is quite needless, and must entail on the pupil loss of time, labour, and happiness. His proposed lessons in geography are utterly unpestalozzian. And often where his plans are essentially sound, they are either incomplete or vitiated by some remnant of the old régime.»
186
Faltava a Pestalozzi, portanto, o espírito científico e a submissão dos princípios às leis
da evolução. Segundo o ponto de vista de Spencer, o plano fundamental do
pedagogo suíço não devia ser aceite sem as devidas reservas quanto às suas
aplicações. Spencer defendia a doutrina geral de Pestalozzi, mas, opunha-se,
inteiramente aos expedientes arquitectados para a sua prática. No seu entender,
aquelas noções gerais precisavam de ser desenvolvidas nos seus casos especiais e
183
Idem.: 507. 184
Em Dezembro de 1888, após uma quinzena durante a qual as filhas dos Cripps tinham ficado ao seu cuidado, Spencer escreveu uma carta a Mrs. Cripps relatando a metodologia utilizada no relacionamento com as crianças durante aquela temporada. Este texto revela-se elucidativo de como valorizava esse convívio com as crianças, até pelos benefícios decorrentes para as suas ideias pedagógicas: «I was glad to get your letter saying that the children had arrived safely. I am glad that you
found them so much better. Do not put down the improvement to Dorking as a place. The difference in their state is almost exclusively due to difference of regimen.» Frisando a sua crença nos princípios defendidos e, portanto, oportunamente aplicados naquela circunstância, terminaria essa carta do seguinte modo: «Pray do not regard my advice as that of a theorist. I think you will see the results of my regimen have proved to be eminently practical.» (Herbert Spencer in David Duncan, ibid.: 286). 185
Herbert Spencer, 1976 (1861): 56. 186
Idem.: 56-57.
133
em múltiplas proposições específicas, antes que se pudesse considerar estar-se na
posse dos dados em que a arte da educação se baseia. Spencer propunha-se
contribuir para a concepção de um sistema mais aperfeiçoado do que o de Pestalozzi.
Esse objectivo atingia-se, tanto por via de uma psicologia racional, como através dos
princípios por ele avançados (e, antes dele, também apregoados por Rousseau).
Eram eles proceder, na educação, do simples para o composto, do indefinido para o
definido, et cetera (como se enunciou no quarto capítulo da presente dissertação). Em
suma, Spencer visava abordar o ensino pelos olhos do homem das ciências
evolucionista e foi, através desta característica, que o seu trabalho mais se aproximou
de Auguste Comte.187
À atitude comum dos seus contemporâneos, que lhe apontaram as doutrinas
como ideias positivistas, discípulas das de Comte, Spencer reagiu com desagrado,
rejeitando, em “On the Genesis of Science” (1854), a classificação comtiana das
ciências (tal como fez quanto às de Hegel e Oken), não sem, no entanto, fazer justiça
à proeminência do pensamento daquele intelectual francês:
As all his readers must admit, M. Comte presents us with a scheme of the sciences which, unlike the foregoing ones, demands respectful consideration. Widely as we differ from him, we cheerfully bear witness to the largeness of his views, the clearness of his reasoning, and the value of his speculations as contributing to intellectual progress. Did we believe a serial arrangement of the sciences to be possible, that of M. Comte would certainly be the one we should adopt.
188
Apesar de lhe reconhecer a importância e o alcance das ideias, Spencer não se
considerava partidário das mesmas, chegando mesmo a publicar um panfleto em
1864 no qual participaram eminentes cientistas como John Tyndall, Sir Charles
Lyell, T. H. Huxley, Sir John Herschel, Charles Babbage e Michael Faraday em que
visava demonstrar como a influência dos princípios comtianos tinha falhado em impor-
se no seio do pensamento científico inglês.
No intuito de se demarcar da escola comtiana «I find the impression that I
187
Spencer e Comte conheceram-se no Outono de 1856 quando o filósofo inglês visitou Paris, numa altura em que revelou estar a sofrer de alguns problemas de saúde. Como padecia, já nessa altura, de desordens do foro nervoso, Comte recomendar-lhe-ia o casamento como terapia. 188
Herbert Spencer, 1976 (1861): 250.
134
belong to the school of Comte is so general That I am about to write a full denial
on all points» 189
redigiu, naquele ano ainda, o artigo “Reasons for Dissenting from
the Philosophy of M. Comte” (1864), onde afirmou a sua total discordância daqueles
que apontavam afinidades entre a sua doutrina e a de Comte:
That M. Comte has given a general exposition of the doctrine and method elaborated by Science is true. But it is not true that the holders of this doctrine and followers of this method, are disciples of M. Comte.
190
Numa atitude avaliadora daquela posição tomada nos anos sessenta, emitida três
anos após a primeira edição da sua obra Essays on Education and Kindred Subjects
(1861), foi em “The Filiation of Ideas” (1899) que reafirmou a sua linha de
pensamento:
I have said elsewhere that I owe much to Comte not in the sense assumed by his disciples, but in an opposite sense. I owe to him the benefits of an antagonism which cleared and developed my own views, while assigning reasons for dissenting from his.
191
Efectivamente, as divergências entre estes dois pensadores revelar-se-iam
mais numerosas do que os aspectos concertantes, embora houvesse pontos com os
quais o filósofo inglês concordava em absoluto. Era, nomeadamente, o caso do
processo educativo, o qual devia seguir o modo evolutivo da Humanidade, a fim de
não existirem discrepâncias entre o método a partir do qual, as crianças, ou os
homens, aprendem a desenvolver-se e aquele que contribuiu para o desenvolvimento
da civilização. Assim defendeu em “Intellectual Education” (1854):
Is it not obvious, on the contrary, that one method must be pursued throughout? And is not Nature perpetually thrusting this method upon us, if we had but the wit to see it, and the humility to adopt it?
192
Noutro âmbito, ainda, tanto Spencer, como Comte, consideravam derivar todo
189
Herbert Spencer in David Duncan, 1908: 113. 190
Herbert Spencer, 1968 (1864): 3. 191
Herbert Spencer “The Filiation of Ideas” (1899) in David Duncan, 1908: 545. 192
Herbert Spencer, 1976 (1861): 67.
135
o conhecimento da experiência, mas Spencer foi mais longe. Para ele, tanto o saber
como as faculdades através das quais este é obtido resultam de experiências
organizadas, acumuladas e transmitidas aos indivíduos pelos seus antepassados.
Mas, o conceito de Comte, segundo o qual a mente humana recorre a três métodos
de raciocínio distintos (o teológico, o metafísico e, por fim, o positivo) encontraria total
discordância em Spencer. Para ele, esses três métodos radicalmente opostos não
existiam, porque, na sua essência, Spencer perspectivava o processo de filosofar
como um só.
Spencer teria, também, dificuldade em aceitar o anti-individualismo de Comte,
pois todo o seu pensamento fora concebido a partir de ideias individualistas e
utilitaristas. Nesse sentido, para ele, as qualidades ou defeitos revelados pelo
conjunto de uma sociedade eram resultado das aptidões ou desajustes particulares,
desenvolvidos pelos indivíduos agregados nesse enorme organismo social. Por outro
lado, enquanto na visão de Comte, os homens se encontravam intrinsecamente
subordinados à vida social, na perspectiva de Spencer esta existia para servir os
indivíduos e não vice versa.
As fontes do pensamento educativo de Spencer dadas como mais prováveis
seriam diversas, apesar de ele próprio ter subestimado essas influências. Contudo,
nos últimos anos da sua vida, manifestou uma excepcional capacidade para se auto-
avaliar, quando decidiu escrever sobre a génese da sua formação intelectual. Assim,
foi capaz de traçar, no passado vivencial, as origens subjacentes aos princípios
defendidos e, igualmente, determinar as causas das suas limitações.
Deste modo, Spencer caracterizou as suas capacidades intelectuais como
detentoras de inúmeras qualidades e de alguns defeitos. Um dos aspectos por ele
considerado como dos mais positivos no respeitante à sua postura perante os
ensinamentos da natureza referia-se à permanente inquirição quanto à causa dos
acontecimentos. A consciência da “causação” era, para Spencer, uma forma de estar
na vida, pois a causa suscitada pelos fenómenos surgia-lhe como algo natural, de que
não abdicava. Esta característica do seu raciocínio não era, porém, a única apreciada
pelo próprio. Spencer reconhecia a sua tendência para sintetizar e generalizar, bem
como a disposição analítica, da qual dependia o trabalho por ele desenvolvido. Todos
estes factos eram atribuídos à educação ministrada pelo pai e encarados como
136
faculdades determinantes da abrangência da sua obra.
Spencer considerava ainda relevante o seu hábito visionário («castle-building»),
por o encarar como um exercício construtivo de imaginação. Estava igualmente
consciente do estilo adoptado na redacção dos seus textos que lhe granjeava elogios
quanto à clareza de raciocínio. Esta era uma capacidade que assegurava dever tanto
à circunstância de o pai e o avô terem sido professores, como ao exercício constante
das qualidades intelectuais acima referidas.
A independência no pensamento, assim como o hábito de deduzir a partir de
generalizações e de princípios abstractos, foi por ele atribuída à instrução que lhe
tinha sido proporcionada: omissa no estudo das línguas e da História (isto é, livre de
ideias ou sentimentos tradicionais que considerava atrofiantes) por ele designada
«positive mental equipment».193
Contudo, não se esqueceu de admitir a falta de
formação cultural no estudo das humanidades como negativa, correspondendo esta
ao «negative equipment».194
Tal circunstância, bem como a indiferença pela
autoridade instituída, foram encaradas como limitações. A sua consciência deste
facto, embora surpreendente, não deixa de revelar alguma humildade de espírito. No
desdém pelos dogmas, pelo poder e pelas entidades máximas da sociedade, Spencer
radicou a origem do seu processo reflexivo independente de quaisquer coerções ou
condicionamentos. Nesse repúdio residia, porém e de igual modo, o menosprezo pela
História factual, bem como uma atitude excessivamente crítica e demasiado desperta
para as imperfeições e inferioridades dos outros, conducente a um escasso tacto para
gerir emoções e relacionar-se socialmente. Este handicap expressar-se-ia através das
suas teorias no domínio da pedagogia, as quais, ao demonstrarem-se carentes de
propostas socializantes para os indivíduos, acabavam por evidenciar uma acentuada
fragilidade.
Outros traços da sua natureza prenderam-se, simultaneamente, com a
apetência pela reflexão e a antipatia sempre sentida pela prática de actividades
físicas. Enquanto da primeira colhia um prazer retemperador e estimulante, à segunda
votava uma relutância espontânea. Ao pai atribuiu, ainda, em textos mais tardios, o
seu pendor idealista, bem como a procura incessante do perfeccionismo. Esta feição
193
Herbert Spencer “The Filiation of Ideas” (1899) in David Duncan, 1908: 535. 194
Id., ibid.
137
do seu carácter torná-lo-ia insatisfeito face a algo passível de ser melhorado.
Acima de tudo, Spencer tinha a noção, jamais contrariada pelos seus críticos,
de ter trazido a ordem às várias disciplinas intelectuais, por via de princípios gerais
unificadores das mesmas. E, seria, essencialmente, a sapiência manifestada pelo seu
A System of Synthetic Philosophy, iniciado em 1855 e terminado em 1896, que lhe
conferiu o reconhecimento da comunidade intelectual.195
A manifestação desse reconhecimento foi de tal ordem significativa que
conduziu à constituição de um grupo de oitenta e duas altas individualidades com o
intuito de o convencer a deixar-se retratar para a posteridade. O quadro, terminado
em 1898, da autoria do artista Hubert von Herkomer, encontra-se, actualmente, em
Londres na posse da National Gallery.
Um ano após a sua morte, em 1904, surgiria, ainda, um movimento em defesa
da edificação de um memorial em sua honra em Westminster Abbey. Porém, o
estigma que perseguiu Spencer praticamente até aos nossos dias começou logo
nesse ano, quando o deão de Westminster recusou aquela proposta de homenagem
subscrita por cinquenta e oito figuras distintas da cultura britânica por considerar o
seu pensamento demasiado controverso.196
Se a obra educacional de Spencer tem sido vulgarmente apontada como pouco
original, foi, contudo, o modo como expôs e divulgou as ideias aquilo que mais o
prestigiou entre os seus admiradores e o demarcou dos seus pares. Para Francis
Galton, o estilo de Spencer seria algo de inconfundível, pois, nunca visando alcançar
a mera vitória argumentativa, era antes pela comprovação de princípios que se
195
Lord Courtney of Penwith escreveu, aquando do funeral de Spencer, em 1903, um discurso enlutado, do qual se transcreve a seguinte passagem: «All history, all science, all the varying forms of thought and belief, all the institutions of all the stages of man‟s progress were brought together, and out of this innumerable multitude of data emerged one coherent, luminous, and vitalising conception of the evolution of the world. It is this harmony issuing out of many apparent discords, this oneness of movement flowing through and absorbing endless eddies and counterstreams and back currents, that constitutes Spencer‟s greatest glory and caused the multiplying army of readers of Spencer‟s successive volumes to feel the joy of discovering a great and ennobling vision of progress hitherto unrealised.» (in David Duncan, 1908: 479). 196
O deão de Westminster não revelou, porém, encontrar-se em desacordo quanto à influência das obras spencerianas: «The letter which has now reached me refers to Mr. Herbert Spencer‟s “lifelong devotion to philosophical studies and his influence upon contemporary thought throughout the whole world”, and proceeds to base the request upon the stimulating effect of Mr. Spencer‟s writings in the domains of Philosophy, Science and Education. With these expressions of appreciation of Mr. Spencer‟s work I think that there would be a very general agreement, especially in view of the service which he rendered in familiarising the public mind with the general conception of Evolution, and in applying that conception with great courage to various departments of human thought and activity.» (in David Duncan,
138
envolvia em disputas verbais:
The power of Spencer‟s mind that I most admired was that of widely founded generalisations. Whenever doubt was hinted as to the sufficiency of his grounds for making them, he was always ready to pour out a string of examples that seemed to have been if not in his theatre of consciousness when he spoke, at all events in an ante-chamber of it, whence they could be summoned at will.
197
Porém, a natureza do seu modo de expressão também foi objecto de
controvérsia. Os mais críticos apontaram-no como obscuro, demasiado ilustrado e
denso em exemplificações. Considerando este ponto de vista injusto, David Duncan,
que lhe serviu de secretário particular durante anos, partilhava da seguinte opinião
sobre a sua obra: «Its massiveness corresponds with the massiveness of his
thought».198
Ainda segundo ele: «Though condemned for its “barbarous terminology,”
it has also been praised for its “wonderful simplicity”, its “terseness, lucidity, and
precision”».199
Metódico e capaz de um poder de concentração considerado
inigualável, Herbert Spencer tinha, de igual modo, uma estrutura mental que lhe
permitia organizar ideias de modo a produzir uma redacção com um grau de
aperfeiçoamento bastante satisfatório, pois, ao rever um manuscrito, este era,
essencialmente, sujeito a mudanças na expressão e, raras vezes, nos argumentos.
Neste domínio, Spencer era reconhecidamente diferente de G. H. Lewes e T. H.
Huxley, os quais, contrariamente a ele, procediam a sucessivas alterações na matriz
das suas ideias até considerarem terem chegado à respectiva composição final.
Por todas as razões acima apresentadas, tem de considerar-se o contributo de
Spencer como incontornável na história do pensamento. A educação conheceu,
através de Spencer, um relevo ímpar no quadro das correntes pedagógicas das quais
foi herdeiro ou contemporâneo, cuja quota parte para a formação do homem moderno
é inegável. Na sua doutrina, a didáctica, por ele habilmente manejada enquanto
instrumento de cooperação com as novas realidades, revela-se um veículo eficaz. Por
meio dela, Spencer evocou as dúvidas emergentes do contexto epocal, promoveu a
reflexão sobre as mudanças trazidas pelo desenvolvimento científico e técnico,
1908: 486-487). 197
Francis Galton in David Duncan, 1908: 502. 198
David Duncan, ibid.: 503.
139
avançou soluções para a adaptação do ser humano aos novos tempos e forneceu aos
indivíduos o tipo de conhecimentos mais favorável à sua sobrevivência e sucesso
individual na observância das leis da evolução.
No seu projecto educacional, os indivíduos encontraram de certo modo a
integração no esquema universal, o que lhes permitiria aplacar as inquietações
existenciais decorrentes da vida moderna e das dúvidas teológicas, assim como
encontrar sentido para a vida humana. A pedagogia, em Spencer, é, na realidade, o
ponto de encontro para onde convergem todos os seus ideais enunciados em
trabalhos diversos, no âmbito da Biologia, da Sociologia, da Ética e da Filosofia, entre
tantas outras temáticas. Foi através da educação dos homens enquanto elo
agregador de modos e objectivos discursivos, aparentemente distanciados entre si,
que Spencer visou transmitir a sua doutrinação de outras áreas do saber.
CONCLUSÃO
As with man physically, so with man spiritually. Mind has its laws as well as matter. The mental faculties have their individual spheres of action in the great business of life; and upon their proper development, and the due performance of their duties, depend the moral integrity, and the intellectual health, of the individual. Psychical laws must be obeyed as well as physical ones; and disobedience as surely brings its punishment in the one case, as in the other.
Herbert Spencer in “The Proper Sphere of Government” (1842)
199
Idem.: 503.
140
Quando Spencer, com apenas vinte e três anos, redigiu a passagem em
epígrafe, estava a apresentar um dos principais matizes educativos, prefiguradores do
rumo que o seu pensamento de teorizador seguiria ao longo de cerca de seis décadas
de carreira. O modo como forneceu orientação aos indivíduos, produzindo princípios e
padrões de comportamento, ultrapassaria o mero ideal de fazer entender e aceitar as
ideias por ele professadas. Todos os seus textos sobre educação, além de deixarem
transparecer a excelência discursiva característica do seu estilo, pretenderam formar
e moralizar as mentalidades tal como é perceptível nas palavras acima citadas. Esse
objectivo concretizar-se-ia através da construção de um plano filosófico unificador do
saber a partir do conceito de evolução, designado A System of Synthetic Philosophy
(1855-1896) e constituído por diferentes Principles. A obra Essays on Education and
Kindred Subjects (1861), iniciada em 1854 e elaborada independentemente, poderá
ser considerada um apêndice daqueles princípios, graças ao modo como foi
defendida pelo seu autor a existência de ligações estreitas entre todas as formas do
conhecimento e pela relevância que, a formação do indivíduo vitoriano como
representante do homem moderno ocupou na sua obra.
Quanto às matérias pedagógicas, a intervenção doutrinária de Spencer, situar-
se-ia, inicialmente, no âmbito do debate sobre o coeficiente de actuação do Estado no
sistema educativo vigente. Assumindo, nessa matéria, uma posição de niilismo
administrativo radical endurecida com o passar dos anos Spencer cedo percebeu
a urgência de se orientarem as questões do ensino no sentido de estabelecer novas
metodologias para os planos educacionais. Essays on Education and Kindred
Subjects (1861) surgiu como resultado natural de uma reflexão iniciada com a
publicação de “The Art of Education”, em 1854.
Nos ensaios sobre educação, Spencer pôde amplamente explicitar como o
desenvolvimento da mente, tal como a formação intelectual, moral e física dos
indivíduos se encontrava sob a influência das mesmas forças geradas pelas leis da
evolução e causadoras de mutações permanentes no Universo. Crente, como cedo
141
manifestara no parágrafo acima citado em epígrafe, de que contrariar as leis da
evolução às quais se devia submeter o desenvolvimento completo dos homens
travava o curso do progresso, os seus textos constituíram um manual didáctico, cujas
directrizes para a elaboração dos currículos proporcionavam orientação a educadores
e educandos no respeito pelas máximas da evolução.
Na qualidade de apologista convicto das ciências, Spencer atribuiu ao
conhecimento científico a primazia do saber que avançaria soluções para a adaptação
do ser humano ao tempo presente. O domínio daquele conhecimento, ao invés da
aprendizagem das Letras e dos Antigos, alargaria ao homem o espectro da
compreensão dos fenómenos naturais. A estes o indivíduo devia sujeitar a existência
para se tornar mais aperfeiçoado e, por conseguinte, contribuir para a evolução das
sociedades e, em última instância, da Humanidade. O primado da cultura científica
dominaria também as actividades prioritárias, por ele enunciadas segundo uma certa
ordem de valência, na elaboração de um plano de estudos propiciador de uma vida
harmoniosa.
A esta postura positivista de como os currículos deviam ser orientados,
Spencer juntaria uma visão utilitarista, legitimadora, no seu entender, do estudo das
matérias científicas como primaciais na preparação para a vida completa. Para ele, o
sucesso do treino educacional estava dependente, tanto da escolha selectiva das
disciplinas que seriam proporcionadas aos formadores e seus alunos, como da busca
voluntária do conhecimento. Segundo este plano educativo avançado por Spencer,
para trás ficaria uma concepção de pedagogia preconizadora da interferência
prepotente e autoritária dos educadores, com prejuízo da interacção directa entre a
criança e a natureza, fulcral para o crescimento intelectual do educando.
Seria, com efeito, a sua concepção de vida materialista, prática e utilitária, a
determinar uma orientação doutrinária essencialmente traçada para o homem
individualista, cujo comportamento profissional e ético se regia pelas regras do mais
puro liberalismo. Porém, a metodologia por ele proposta, enriquecida pelos
ensinamentos recolhidos na psicologia, permitiu-lhe responder às questões
prementes que se colocavam aos reformadores da educação vitoriana e delinear um
plano pedagógico cujo balanço se revelaria bastante mais digno, justo e profícuo, do
142
que o daqueles com os quais concorreu ou que visou contrariar não obstante a
impraticabilidade de alguns dos seus ditames.
Por via do sistema educativo idealizado por Spencer, seria exequível criar
modelos de comportamento exemplar, infundir o gosto pela auto-reflexão e
aprendizagem, exercitando o espírito de modo a erradicar definitivamente os efeitos
nefastos produzidos pelas orientações existentes. Estas, pouco inspiradas ou
motivantes para o progresso, perpetuavam uma tradição contrária às necessidades
epocais. Através da relação estreita que Spencer pretendia estabelecer na sua
doutrina entre educadores e educandos, cabia a pais e professores orientar as
vontades e motivações das mentes aprendizes. Criar-se-iam, assim, as circunstâncias
favoráveis à imaginação reflexiva estimulada pela natureza, o húmus do qual o aluno
(sujeito activo do saber e não receptor passivo) recolheria os nutrientes essenciais ao
seu desenvolvimento integral.
A doutrina pedagógica spenceriana encontrou-se, por conseguinte, norteada in
limine por dois princípios determinantes que constituíam as forças capitais para forjar
um ser humano propulsor do avanço da espécie. Um deles tratava-se da escola, na
interacção com o meio ambiente e em obediência às normas da natureza e o outro
das leis da evolução, das quais a hereditariedade era a face mais perceptível. Neste
sentido, pode inferir-se constituir a educação um elemento absolutamente fulcral no
crescimento da estrutura das sociedades. Fornece aos indivíduos as armas para se
adaptarem a novas condições e, consequentemente, preservarem a sua vida e a da
sua descendência através da edificação de um espírito esclarecido e crítico (porque
capaz de recusar as versões estereotipadas do saber dogmático).
Para Spencer, educar os cidadãos revelou-se tarefa da máxima importância, a
qual não deve ser encarada como um objectivo diverso daquele que levou à
publicação dos seus diferentes Principles constitutivos do A System of Synthetic
Philosophy (1855-1896). À imagem do seu próprio conhecimento, visava para os
homens o domínio enciclopédico do saber, o qual se propagaria sem ser imposto e
seria orientado sem tirania. Segundo o postulado da auto-educação e a
multidisciplinaridade assente na variedade de experiências vivenciais e na disciplina
das consequências naturais, o potencial moralizante de uma instrução escolar
devidamente coordenada, tal como era por ele prescrita, seria, de igual modo,
143
determinante na evolução da humanidade e na felicidade individual dos cidadãos.
Afinal, Spencer acreditava que uma deficiente formação moral dos homens tal como
um insuficiente vigor físico perturbava o desenvolvimento material e social das
nações.
Contudo, longe de se pretender o único detentor da verdade, Spencer saberia
apresentar-se envolto de uma dignificante humildade intelectual. Nesse sentido, à
obra Essays on Education and Kindred Subjects (1861) poderia ter sido atribuída a
seguinte afirmação, proferida em 1857, nas últimas linhas de “Progress: Its Law and
Cause”: «He the sincere man of science alone truly sees that absolute knowledge is
impossible. He alone knows that under all things there lies an impenetrable mystery».
Na verdade, Spencer não se arrogou como um pedagogo magistral ou um
intransigente defensor das suas ideias. A sua postura pautou-se pelo incitamento à
reflexão, evitando o recurso a afirmações categóricas. A obra educativa de Herbert
Spencer, não visando ser um tratado de pedagogia, pois emergiu da reunião de
quatro textos publicados separadamente, resultou, porém, numa filosofia da
educação, ou até (porque não?), naquele que poderia ter sido um outro volume
equiparável a Principles of Education, designação que não se lhe conhece, mas, cujas
ideias unificadoras se encontram naqueles quatro fragmentos ensaísticos.
BIBLIOGRAFIA Por uma questão organizativa, na bibliografia primária optou-se por agrupar os textos de Herbert Spencer que, não representando a totalidade de ensaios produzidos pelo autor, são o conjunto de obras consultadas e referidas ao longo da presente dissertação. Por sua vez, os livros reunidos na bibliografia secundária não constituem uma enumeração exaustiva dos volumes existentes sobre Spencer, ou o seu trabalho, porém, são representativos daqueles que podem dar um contributo para a temática em análise.
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