Herbert Spencer. Da divergência ao evolucionismo

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1 UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS Herbert Spencer Da Divergência ao Evolucionismo. Uma Educação para a Modernidade Ana Paula de Sousa Gonçalves Rocha ESTUDOS ANGLO-PORTUGUESES Lisboa, 2000

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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

Herbert Spencer

Da Divergência ao Evolucionismo.

Uma Educação para a Modernidade

Ana Paula de Sousa Gonçalves Rocha

ESTUDOS ANGLO-PORTUGUESES

Lisboa, 2000

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Conteúdo

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 4

CAPÍTULO I .................................................................................................................. 11

Rumo a um projecto educativo nacional ........................................................... 11

CAPÍTULO II ................................................................................................................ 37

O inconformismo intelectual de Spencer ........................................................... 37

CAPÍTULO III ............................................................................................................... 69

A formação da individualidade vitoriana ........................................................... 69

CAPÍTULO IV .............................................................................................................. 94

A (falta de) originalidade da teoria pedagógica de Spencer ....................... 120

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 139

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 143

BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA ...................................................................................... 144

BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA ................................................................................ 147

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INTRODUÇÃO

Numa época em que se antecipava a entrada num dos períodos mais férteis da

história inglesa, durante o qual a Grã-Bretanha ascenderia à posição de primeira

potência mundial, os pais daqueles mais tarde identificados como vitorianos

confrontavam-se com a crescente industrialização e o desenvolvimento de novas

técnicas. Esta rápida escalada do progresso, acompanhada pelo desenvolvimento

das ciências, conduziu ao gradual avolumar de questões relacionadas com ética,

valores, tradições, ideais e crenças, resultando numa crescente preocupação com o

ensino e as suas orientações premonitória das reformas que se seguiram.

Em 1809 ano da publicação de Philosophie Zoologique de Jean-Baptiste

Lamarck surgiu em Inglaterra, no Edinburgh Review, um ensaio sobre a educação

inglesa da autoria do reverendo Sydney Smith (figura de destaque no âmbito da

educação), legando o seguinte testemunho:

...That vast advantages ... may be derived from classical learning, there can be no doubt. The advantages which are derived from classical learning by the English manner of teaching, involve another and a very different question; and we will venture to say, that there never was a more complete instance in any country of such extravagant and overacted attachment to any branch of knowledge, as that which obtains in this country with regard to classical

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knowledge. A young Englishman goes to school at six or seven years old; and he remains in a course of education till 23 or 24 years of age. In all that time,

his sole and exclusive occupation is learning Latin and Greek. Now, this long career of classical learning, we may, if we please, denominate a foundation; but it is a foundation so far above ground, that there is absolutely no room to put any thing upon it.1

O excerto aqui reproduzido apresenta uma violenta denúncia da vertente

excessivamente classicista dos planos educativos e matérias curriculares, surgindo,

por conseguinte, numa época de transição, ao longo da qual os sistemas

representativos do conservantismo instalado começaram gradualmente a dar lugar a

uma nova ordem. Herbert Spencer, filósofo evolucionista da era vitoriana, nascido

onze anos depois da publicação deste texto, distanciou-se de opiniões semelhantes

às nele reproduzidas, partilhadas por muitos dos seus contemporâneos, devido a uma

circunstância primacial: a importância reconhecida por Smith ao ensino dos clássicos,

a qual, no caso do filósofo inglês, devia ser exclusivamente atribuída às ciências.

Porém, o sentimento expresso por aquele membro do clero inglês, quatro décadas

antes das propostas spencerianas de reforma educativa (surgidas em “The Art of

Education”, 1854), era sintomático do crescente fervilhar de ideias no respeitante às

metodologias e aos conteúdos programáticos educacionais. A orientação destas, já

no início do século XIX, começava a suscitar dúvidas a pedagogos e políticos, que os

encaravam como desviados dos ensinamentos mais úteis aos cidadãos. O debate

sobre os currículos já se instalara, por conseguinte e como revela o depoimento

acima transcrito, quando Herbert Spencer começou a despertar para as questões

políticas, éticas, sociais e pedagógicas agitadoras dos meios culturais vitorianos, as

quais vinham, desde o início do século, beneficiando de uma estimulante disposição

intelectual para a reorganização do sistema de ensino.

No entanto, os quatro ensaios sobre educação de Spencer, elaborados entre

1854 e 1859, destacaram-se de outras obras precedentes naquele âmbito pela

enorme receptividade de que foram alvo, largamente documentada pelo testemunho

de importantes personalidades suas contemporâneas e exemplificativa da

repercussão produzida pelas ideias spencerianas na sociedade que as acolheu.

Consequentemente, poderia resultar da afirmação atrás proferida a ideia de já tudo

1 Sydney Smith in David C. Douglas (ed.), s.d.: 694.

6

ter sido escrito até aos nossos dias sobre um autor da envergadura deste filósofo, a

quem as cartas, no auge da popularidade, chegavam endereçadas a partir dos locais

mais distantes do mundo com a simples designação: Herbert Spencer, England.

Porém, a presente dissertação sobre o tema em epígrafe justifica-se tanto pelo

estigma que perseguiu Spencer praticamente logo após a sua morte, contribuindo

para o não reconhecimento da paternidade das ideias por ele professadas nas

quais radicam muitas das opções pedagógicas, actualmente professadas como pela

relevância das matérias educativas em geral. Em Spencer, estas seriam,

efectivamente, tratadas com um cuidado muito particular, visando preparar os

homens para a vida completa por via de uma cultura harmónica e metódica aplicada

ao desenvolvimento das faculdades naturais. A sua fórmula, através de normas de

acção adequadas, permitiria enriquecer o espírito, robustecer o corpo e formar o

carácter.

A elevada consideração que os assuntos pedagógicos têm merecido ao longo

de todos os tempos surge particularmente bem assinalada num texto de Ricardo

D‟Almeida Jorge, na altura lente da Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Com efeito,

escrevendo, no prefácio da segunda edição de Educação: Intellectual, Moral e

Physica (1888) (a tradução para português de Essays on Education and Kindred

Subjects (1861) de Spencer), aquele higienista e escritor conseguiu exprimir, de modo

especialmente eloquente, a soberania da função educativa. Atente-se nas suas

palavras:

O animal tem a sua direcção no instincto, d‟um modo fatal e predeterminado; o homem esse tem de crear para si mesmo uma linha de proceder. Por isso Kant, o Copernico da philosophia moderna, dizia que a educação converte a animalidade em humanidade; e, d‟accordo com o eminente organisador do criticismo, Siciliani assigna á sciencia pedagogica, como seu objecto especifico, estatuir os principios e indagar dos meios pelos quaes o ser humano d‟animal se eleve a homem, de homem in posse se torne homem in actu. Esta passagem da creança ao homem seja-me permittido mecanicamente exprimil-a, olhando-a como uma transformação de forças potenciaes em forças vivas, que a educação regularisa e subordina d‟acordo com a maxima utilisação

individual e collectiva. É ao problema educativo que intimamente se prendem as mais graves e as mais imperiosas das questões do dia. É á arena pedagogica que se acolhe a lucta suprema da civilisação. O grande campo de batalha, disse-o Littré, é o da educação e da eschola.2

2 Ricardo Jorge in Herbert Spencer,1888a (1884): xii, xiii.

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O tributo do testemunho acima transcrito não deixa, de facto, margem para

dúvidas quanto à importância que um projecto cultural bem delineado assume no

progresso e na vida dos indivíduos. Herbert Spencer demonstrou ter plena noção

deste facto. Por conseguinte, embora a temática pedagógica não tenha,

aparentemente, sido o eixo fulcral do sistema filosófico arquitectado por Spencer,

ocupou um lugar de relevo no seu pensamento, constatável pela forma recorrente

como essa temática é abordada em muitos dos seus textos dedicados a outras

matérias. Deste modo, a escolha de Spencer e da sua obra educativa como objecto

de estudo da presente dissertação procedeu do desejo não só de conferir renovada

atenção ao seu pensamento racional, progressista e insubmisso, mas, também, de

observar como o manifestou através de um conjunto de ensaios que, de tão actuais,

poderiam ter sido escritos nos nossos dias. O prazer retirado da leitura desses textos,

seleccionados de entre um alargado leque de possibilidades que a vasta obra

spenceriana oferece, foi, igualmente, determinante na eleição de Essays on

Education and Kindred Subjects (1861) como alvo deste trabalho. A isto se veio juntar

o interesse igualmente suscitado pela leitura das suas autobiografia e biografia,

donde se depreende a influência exercida pelas experiências pessoais acumuladas

desde a infância nos princípios filosóficos e educativos concebidos por Spencer,

circunstância, só muito pontualmente, referida na maioria das obras sobre ele

publicadas.

Assim, tanto a riqueza ideológica transmitida através dos seus ensaios por

uma retórica agregadora de energias, inspiradora de mudança e conciliadora do

raciocínio com a sensibilidade , como a quase inexistência de trabalhos sobre

Herbert Spencer em Portugal, legitimam o revitalizar das opiniões daquele filósofo

acerca da reforma de um sistema educativo que evidenciava a necessidade vital de

formar seres autónomos naquela sociedade emergente marcada pelo progresso de

novas tecnologias.

Através do presente trabalho não se visa esgotar todas as possibilidades de

análise da doutrina pedagógica de Spencer. Tal não se tornaria possível quando se

pretende submeter esse objectivo a cerca de centena e meia de páginas. Desse

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modo, por uma questão de economia textual, o corpus seleccionado concentrou-se

nos principais ensaios por ele escritos sobre educação: “Intellectual Education”

(1854), “Moral Education” (1858), “Physical Education” (Abril, 1859) e “What

Knowledge is of Most Worth” (Julho, 1859). Através destes textos poder-se-á proceder

à apreciação de como Spencer preconizava o escopo da educação do homem

moderno e, de igual modo, veiculou a sua defesa do evolucionismo no domínio da

instrução, ou, até que ponto, as suas teorias resultaram originais e reformadoras. Não

se pretende, igualmente, submeter todos os princípios educativos por ele defendidos

a uma crítica exaustiva. Porém, alguns dos aspectos mais determinantes e

veiculativos da sua mensagem doutrinária que se inserem no âmbito da opção de

análise deste trabalho irão ser fruto de uma atenção particular.

No intuito de delinear os contornos epocais e o edifício intelectual vigente, no

seio do qual Spencer iria despertar para a dissensão esboçando as suas propostas

para um projecto educativo, justifica-se o teor do primeiro capítulo. Nele se visou

caracterizar o sistema educacional vitoriano no interior do qual despontaram os traços

marcantes de uma mentalidade crescentemente acolhedora do neoterismo e, por

conseguinte, do pensamento spenceriano. Esse capítulo inicial constitui, por isso,

uma leitura dos sinais mais emblemáticos do universo educacional, no seio do qual se

enfrentavam os interlocutores dos vários conflitos opondo o conservantismo ao

progresso, a tradição à ciência, uma instrução obrigatória controlada pelo Estado a

um sistema dependente do empenho individual, ou as velhas orientações curriculares

às reformas para os planos de estudo.

O segundo capítulo visa definir as linhas directrizes do pensamento de

Spencer, revelando-se indispensável traçar a biografia intelectual deste filósofo, na

qual poderá ser encontrada a génese da ideologia por ele professada. Este capítulo

pretende ser um percurso detalhado na identificação da procedência e relevância da

filosofia evolucionista, bem como do alcance e repercussão da doutrina pedagógica

no pensamento finissecular. O seu idealismo racional, bem intencionado, revelar-se-

-ia, contudo, um atenuante insuficiente na posterior repulsa causada pelo ideário

spenceriano excessivamente individualista, justificando igualmente o esquecimento ao

qual foi votado.

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O terceiro capítulo abordará o núcleo central deste estudo através da análise

dos ensaios sobre educação de Spencer, nos quais ele traçou as linhas de uma

metodologia educativa pretensamente coerente e frutífera. Por conseguinte, no intuito

de determinar o entendimento de Spencer quanto à formação do indivíduo

oitocentista, ir-se-á proceder à análise de como defendeu o papel das ciências em

planos educativos úteis ao progresso; exaltou o papel dos educadores e as vantagens

da auto-instrução como determinantes no processo de aprendizagem; e deixou

transparecer alguns paradoxos na apresentação das suas teorias educacionais,

fragilizando, assim, as suas propostas, em regra consideradas demasiado teorizantes.

No quarto capítulo, aprofunda-se aquela que foi a vertente fulcral do trabalho

de Spencer em todas as áreas do saber: o evolucionismo. Serão, assim, evocadas as

teorias evolucionistas precedentes às de Spencer, para, seguidamente, uma vez

analisada a variante do evolucionismo por si arquitectada, determinar os princípios

norteadores da ideologia spenceriana e a sua aplicação ao âmbito do ensino através

dos ensaios “Intellectual Education” (1854), “Moral Education” (1858) e “Physical

Education” (1859). Dado o teor controverso de alguns axiomas enunciados por

Spencer, a reflexão crítica por eles suscitada surge como oportuna, no intuito de lhes

identificar o alcance e a ousadia doutrinária.

Contudo, como lhe foi sempre apontada uma certa falta de originalidade, o

quinto capítulo dispõe-se a traçar a origem das suas principais concepções

educativas e as influências mais frequentemente associadas a Spencer. Visa, ainda,

determinar as ideias axiomáticas no domínio da educação, de cuja paternidade podia

arrogar-se e identificar o contributo específico da sua construção intelectual para o

ideário educacional dos nossos dias. Revela-se, por conseguinte, necessário

estabelecer um paralelismo entre as ideias professadas por Spencer e as de Johann

Heinrich Pestalozzi, Jean-Jacques Rousseau, Francis Bacon, John Locke e Auguste

Comte. Primeiramente, pelo ascendente que, sem dúvida, essas figuras

emblemáticas, mesmo a grande distância temporal, exerceram sobre a época

vitoriana e, seguidamente, pela circunstância de constituírem as fontes mais

prováveis do pensamento de Spencer no domínio da pedagogia. Porém, como os

traços do seu carácter foram inegavelmente determinantes nas opções pelas quais a

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sua carreira de teórico enveredou, eles serão, também, objecto de abordagem neste

último capítulo.

Dada a circunstância de os problemas educativos então sentidos dos quais

Spencer foi um crítico sobejamente enfático haverem mudado nos nossos dias em

premência e em índole, poderia ter-se perdido no tempo o interesse por eles

suscitado nos pedagogos de outras eras. Porém, a sedução e a frescura das ideias

spencerianas ultrapassou a barreira temporal que as separa deste final do século XX

em mais de cem anos. Nelas se reflectem preocupações tão curiosamente familiares

às correntes pedagógicas contemporâneas que, sem dúvida, continuam a projectar-se

pelo seu efectivo neoterismo. De tal modo assim é, que, Charles W. Eliot, nas páginas

introdutórias à edição de 1976 de Essays on Education and Kindred Subjects (1861),

evocando as mudanças conjunturais e históricas verificadas ao longo do tempo, se

referiu à gradual adopção das teorias educativas do teórico inglês. A propósito,

considere-se o seguinte parágrafo:

The wide adoption of Spencer‟s educational ideas has had to await the advent of the new educational administration and the new public interest therein. It awaited the coming of the state university in the United States and of the city university in England, the establishment of numerous technical schools, the profound modifications made in grammar schools and academies, the multiplication in both countries of the secondary schools called high schools. In other words, his ideas gradually gained admission to a vast number of new institutions of education which were created and maintained because both the government and the nations felt a new sense of responsibility for the training of

the future generations.3 Spencer‟s doctrine of natural consequences in place of artificial penalties, his view that all young people should be taught how to be wise parents and good citizens, and his advocacy of instruction in public and private hygiene, lie at the roots of many of the philanthropic and reformatory movements of the day.4

Justifica-se, assim, a exequibilidade da presente dissertação, a qual, se

favorecer um renovado olhar sobre o pensamento de Herbert Spencer e estimular o

estudo da sua obra, poderá dar como alcançado o seu objectivo.

3 Charles W. Eliot in Herbert Spencer, 1976 (1861): xv.

4 Idem.: xvii.

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CAPÍTULO I

Rumo a um projecto educativo nacional

There is a certain piece of poetry to be said or sung by children, beginning Twinkle, twinkle, little star, How I wonder what you are! It is a pity National School children are not helped out of this state of

wonderment and shown what a star is. A National School! The time is coming when we shall begin to feel the sarcasm and reproach conveyed in that association of words, and our experience, past and present, of the National ignorance. Charles Dickens, in “Ignorance and Its Victims” (1848)

O alvorecer do século XIX trouxe consigo o acentuar de um progresso

assinalável nas ciências naturais e exactas, conducente, na Europa, à alteração do

pensamento e da cultura. Naquela que seria uma onda de prosperidade seguida de

reformas no domínio sociopolítico, económico e religioso, a vida do homem

oitocentista encontrava-se sob a influência de ideais em conflito (os antigos e os

emergentes) e de forças tendencialmente oponíveis em choque entre si: a sociedade

e o indivíduo, a aristocracia e a democracia, as Igrejas e o Estado, a religião e a

ciência. Este confronto entre conceitos divergentes travar-se-ia com grande eco no

campo educacional, pelo que a urgência de reformas teve ressonância nas escolas

ou não fosse o sistema educativo de um país o microcosmo representativo do sistema

social, cujas ideias dominantes nele se repercutem.

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Na maioria dos países da Europa concordava-se que, para o benefício das

nações e do bem-estar dos indivíduos, era urgente reformular o ensino a fim de o

tornar mais adequado às necessidades das novas sociedades dominadas por

inventos e avanços tecnológicos. Esta renovada predisposição para reformular o tipo

de conhecimento útil a transmitir aos indivíduos conheceria, particularmente na

França e na Alemanha, um acentuado interesse por parte das entidades

governamentais, as quais perspectivavam o Estado, e não as igrejas, como

autoridade suprema no campo da tarefa educativa. Contudo, esta posição seria

suavizada pelo princípio, amplamente aceite, de a educação moral constituir a

vertente fundamental do ensino, o que deixava em aberto a possibilidade de

cooperação entre o clero e o Estado.

Na tentativa de acompanhar as mudanças em curso na Europa e fornecer aos

súbditos a educação necessária para bem servir o país, tornando-os uma força de

trabalho apta a enfrentar os desafios do progresso tecnológico e dos recentes

desenvolvimentos da Revolução Industrial, o governo inglês deu também início às

reformas do sistema educativo, sensivelmente, entre 1815 e 1870.5 No entanto, ao

invés do sucedido na França e na Alemanha, onde cedo se encetaram alterações de

vulto nas escolas e a educação passou a ser um assunto do Estado, os

estabelecimentos de ensino britânicos, no início do século XIX, ainda existiam em

regime de voluntariado, sendo apenas assinaláveis, mas de pouco significado, os

melhoramentos alcançados pela iniciativa de Joseph Lancaster e Andrew Bell.6 De

facto, por altura do ano de 1815, o método pedagógico mais comum na Grã-Bretanha

advinha do plano Lancaster e Bell, designado “monitorial” system, cujo objectivo

principal era a preparação dos alunos mais velhos para ensinarem, por sua vez, os

mais novos. Até 1846, poder-se-á dizer, aquela metodologia constituiu o meio mais

usual de recrutar professores, pois, ao tornar-se o tipo de ensino menos dispendioso,

colmatava, de igual modo, a falta generalizada de formadores devidamente

preparados para a tarefa de ensinar.

5 Em 1807, Samuel Whitbread foi mentor da tentativa de aprovação de uma lei (Parochial Schools‟ Bill)

que permitisse a magistrados e a “vestries” angariarem dinheiro para a implementação ou apoio de escolas paroquiais. Essa iniciativa revelou-se, porém, prematura, pois, naquela altura, o financiamento estatal da educação do povo era ainda um assunto sem defensores ao nível parlamentar.

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Porém, não seria pela ausência de vontade e de iniciativas que as reformas

educacionais tardaram em concretizar-se. Na mira de mudanças no sistema, muitos

radicais, especialmente originários das classes trabalhadoras e defensores da

intervenção do Estado, ansiavam pela extensão dos privilégios educativos às classes

mais desfavorecidas. No entanto, o conservantismo influente da aristocracia inglesa,

ao encarar a educação do povo como possível fonte de instabilidade social, iria travar

a introdução das alterações desejadas.

Apesar dos efeitos da Revolução Industrial terem modificado o mapa

demográfico e socioeconómico do país por via das recentes fábricas edificadas e

das linhas ferroviárias em expansão favorecedoras do dinamismo dos mercados nas

novas cidades industriais, onde o aumento populacional conduziu ao agravamento

das já intensas assimetrias sociais , os preconceitos enraizados e a indiferença

instalada coibiram a reforma educacional e a tomada de medidas governamentais

urgentes. Esta inércia do Estado prender-se-ia com diversos factores desfavoráveis à

mudança. Seriam eles, nomeadamente, os custos calculados para a remodelação do

sistema educativo e a consciência de que os resultados de uma reorganização

pedagógica não produziriam efeitos imediatos, desmotivando as iniciativas encaradas

como não atraentes para a economia de mercado, principal motor das sociedades

modernas. Por outro lado, os recentes e bem-aventurados donos da indústria, self-

made men pertencentes a uma próspera classe média representavam uma outra

força adversa à introdução de reformas. Estes homens, perspicazes quanto às

vantagens dos novos inventos e à importância das novas máquinas, tornar-se-iam

agentes de resistência ao encarar como indesejável uma classe trabalhadora

instruída, possível fonte de conflitos laborais. Por sua vez, a classe aristocrática

inglesa ainda recordada das convulsões sociais geradas pela Revolução Francesa

estava longe de desejar a desestabilização e o contestar dos privilégios seculares

(perspectiva com a qual se identificava, in integrum, a Igreja Anglicana). Por fim, a

escassez de estudos aprofundados sobre a temática da “educação” e os resultados

práticos pouco marcantes produzidos pelos diferentes níveis e tipos de ensino na

senda de uma aprendizagem proveitosa para as exigências das recentes empresas

6 Este não se tratou de um método inovador, uma vez ter sido alvo de debate em França muito antes da

sua introdução na Grã-Bretanha, onde, todavia, Bell e Lancaster se revelaram pioneiros e reclamaram

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industriais, contribuíram, igualmente, para as condições conversoras da Grã-Bretanha

na nação do self-help, do laissez-faire e dos workshops, onde os artesãos, os

engenheiros e os inventores aprendiam e desempenhavam o trabalho, para

conseguir, assim, melhorar as suas condições de vida face à acima referida carência

de iniciativas estatais.

Neste contexto, o “monitorial” system de Bell e Lancaster revelar-se-ia

vantajoso, acabando por se prolongar durante algumas décadas. Não sendo

dispendioso, tinha o mérito de desenvolver a disciplina, a responsabilidade, a ajuda

mútua entre os menos favorecidos e de diminuir as diferenças e os obstáculos ditados

pelo inevitável fosso etário entre professores e alunos, vindo, por isso, a sofrer poucas

alterações. Com efeito, ao não terem surgido outras propostas relevantes no período

de tempo, durante o qual vigorou essa técnica de ensino, e na aprendizagem apenas

se exigir o treino básico da memória, considerar-se-ia esse processo pedagógico, em

consequência, globalmente satisfatório. O êxito resultante da perfilhação de tal

método manifestar-se-ia através das medidas encetadas por Robert Owen, um dos

protagonistas da educação popular, que o adoptou na escola em New Lanark. Owen

associá-lo-ia às suas próprias teorias propostas e divulgadas através de diversos

panfletos sob o título: A New View of Society, or Essays on the Formation of Human

Character (1813-1816).

Embora esse sistema de ensino apresentasse vantagens oportunas e

atraentes, como já se mencionou, não passou sem ser objecto de algumas críticas.

Sir James Kay-Shuttleworth viria a apelidá-lo de “monitorial humbug” na sequência de

um estudo por ele efectuado aos métodos educacionais empregues na Escócia e no

continente como comissário assistente, cargo obtido a partir da lei de reformas para

os pobres (Poor Law Reform Act) de 1834. Ao considerar esse plano um total

insucesso, acabou por propor, em alternativa, o sistema de assistentes, também

designados pupil-teachers. Tratava-se de alunos, em média mais velhos, reputados já

como aprendizes da arte de ensinar, comparativamente aos monitores do sistema de

Bell e Lancaster. A experiência seria aplicada na escola Norwood Workhouse e

revelar-se-ia um foco de interesse para muitos teóricos da época.

cada um para si a invenção do designado “monitorial” system.

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Em paralelo com estes métodos de ensino coexistiam os praticados noutras

instituições designadas Charity Schools e Voluntary Schools, bem como nas

sociedades National Society For Promoting the Education of the Poor in the Principles

of the Established Church, fundada em 1811, e British and Foreign School Society,

fundada em 1814, duas organizações religiosas, cujo objectivo consistia em minorar

os perigos inerentes a uma população urbana iletrada em franco crescimento. O

ensino nestes organismos, longe de ser obrigatório, garantia, como tinham

assegurado até aí as escolas religiosas aos domingos (Sunday Schools), a educação

básica dos mais desfavorecidos da população inglesa, numa tentativa de transmitir

aos filhos dos pobres uma instrução religiosa. Numa Inglaterra, onde o clero se

responsabilizava pela tarefa educativa de modo tão organizado e difundido, a

intervenção do Estado seria, assim, adiada e afastada do ensino inglês ao arrepio da

tendência manifestada na maior parte dos países do continente. Muito tempo se

passaria até que os princípios da universalidade, da obrigatoriedade, da gratuidade e

da secularidade do ensino, se instalassem numa sociedade, onde a educação

continuou a ser, por muito tempo ainda, marcadamente elitista.

Mas, a escola básica e o sistema educativo inglês em geral não deixavam de

preocupar os espíritos mais atentos às situações de grande contraste vividas na

esfera educativa durante o início do século. As críticas visavam dois aspectos: o

treino intelectual fornecido nas escolas e o seu efeito moral produzido nos alunos. Os

ataques surgiram da ala mais radical e liberal dos intelectuais ingleses, ao apelarem à

reflexão sobre as restrições resultantes de um currículo predominantemente clássico.

Tratar-se-ia do caso de Richard Lovell Edgeworth e da filha Maria Edgeworth, os

quais defenderam, em Practical Education (editado em 1798 pela primeira vez e, mais

tarde, em 1822), que, mesmo sendo o ensino tradicional eficiente, teria de considerar-

se redutor. Jeremy Bentham criticaria, também, o tempo conferido ao ensino do Latim

e o modo como era leccionado considerando útil a sua substituição pelo estudo da

política, do direito e da ciência. William Cobbett, ao assinalar o carácter irrealista da

educação ministrada nas escolas, por ele apelidado de “bookish”, procederia de modo

a assegurar os estudos dos filhos em casa. Sydney Smith acabou por atacar, em

1810, o conservantismo de Winchester, onde era professor, assim como de Eton e de

Charterhouse. Em 1830, o periódico Edinburgh Review que, juntamente com o

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Westminster Review, encabeçava a análise política mais arrojada ao sistema

educacional britânico referir-se-ia a Eton (a escola pública mais reputada do país),

como sendo o estabelecimento de ensino onde o estudo dos clássicos dominava o

plano de estudos, completando uma formação deficiente do ensino da matemática,

ciência, línguas modernas e história através de manuais de má qualidade. Por seu

turno, o Quarterly Journal of Education compararia o ambiente de Eton à corrupção

moral vivida nas cortes de Charles II e Louis XV. O descontentamento dominava de

tal forma os representantes do pensamento liberal (Whigs), que a solução, segundo

diz S. J. Curtis, seria só uma:

The general conclusions of the oponents of the public schools were that these institutions were so hopelessly bad that it was not possible to reform them and

suggested that experiments should be tried out in other types of schools.7

A estes ataques reagiram os defensores das escolas em exercício e dos

currículos ministrados, ideologicamente próximos dos Tories e representativos da ala

conservadora do pensamento político. Seria o caso de Vicesimus Knox, que, desde

1771, ano da publicação da sua obra Liberal Education, vinha argumentando a favor

da adopção pelos restantes estabelecimentos de ensino de um currículo semelhante

ao das public schools, por ele considerado exemplar da qualidade ambicionada e

resultante da experiência de muitas gerações. Mais tarde, em 1821, ao oferecer

resistência cerrada às medidas então delineadas para alterar o sistema, Knox

acabaria por contribuir para a não aprovação de uma proposta de lei, segundo ele,

degradante para as grammar schools. George Canning, por seu turno, relacionaria o

prestígio alcançado pela Inglaterra com essas public schools, através das quais

eminentes nomes do passado tinham obtido o treino conducente a posições de

destaque na Igreja e no Estado. Face a este tradicionalismo tão profusamente

disseminado, o periódico Westminster Review acabaria por apelidar os aristocratas da

sociedade inglesa de escravos das instituições que os instruíam.

Apesar do papel importante que o cerrado debate de ideias em curso na

sociedade vitoriana desempenhava, a execução da grande reforma do ensino

7 S. J. Curtis, 1971 (3ª ed. 1953): 141.

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tardava. Em 1820, ano do nascimento de Herbert Spencer, H.P. Brougham conseguiu

fazer aprovar uma lei educacional, na qual era decretada a substituição dos

professores por membros da Igreja de Inglaterra e se entregava ao clero a orientação

do plano de estudos nas escolas. Esta decisão legislativa não vingaria para além de

1833, contudo, durante os anos seguintes, mantiveram-se acesas as contendas entre

a Igreja e o Estado (este com uma acção ainda limitada), a fim de estabelecer uma

fronteira clara entre o ensino religioso e o não confessional. Por outro lado, o

antagonismo entre os dissidentes (Nonconformists) e a Igreja agudizou-se, num

momento em que o apelo para uma educação nacional continuava a fazer-se ouvir.

As desvantagens de mais este revivescer do sentimento religioso, representado, a

partir de 1833, pelo Oxford Movement, seriam evidentes para as reformas

educacionais. Enquanto os Nonconformists, embora considerando o ensino religioso

uma componente essencial da aprendizagem, se opunham à exigência anglicana de

controlar a educação, o movimento de Oxford, através de J. H. Newman e de John

Keeble, entre outros, insistia na frequência de uma instrução religiosa como requisito

essencial para os alunos serem aceites nas escolas. Com os sermões designados

Tracts for the Times a circular entre o clero, depressa a opinião pública sofreu a

influência das tomadas de posição daqueles que se colocavam contra os tractarians,

ou a favor deles, nomeadamente quanto ao controlo da educação pela Igreja. Com

algumas excepções, cedo os agrupamentos políticos da época começaram a revelar

os efeitos dos conflitos religiosos. Enquanto os Tories partiram em defesa da Igreja,

os Whigs posicionaram-se a favor dos Nonconformists.

Embora, em 1802, surgisse a primeira lei sobre a saúde e os aprendizes

(Health and Moral of Apprentices Act) limitando para doze, as horas de trabalho dos

jovens operários nas fábricas de algodão e de lã e introduzindo a obrigatoriedade de

uma aprendizagem diária no domínio da escrita, da leitura e da aritmética, a falta de

uma inspecção eficiente não tornou significativo o aumento do número de alunos. Só,

em 1833, se deu um aumento considerável do número de jovens assíduos na escola,

com a lei da proibição do emprego a menores de nove anos de idade decretando a

interrupção laboral obrigatória para aprendizagem, durante duas horas por dia, das

crianças entre os nove e os treze anos (Factory Act).

18

Os estudantes a frequentar as aulas iriam duplicar até 1834, o que conduziu o

Estado à construção de novos estabelecimentos de ensino nas grandes cidades. Ao

ser criado, em 1839, o Committee of Council for Education, encarregue, a partir daí,

de todos os problemas ligados ao processo educativo, iniciaram-se os primeiros

passos rumo a um sistema nacional de educação, cujas normas, só após 1870,

levariam todas as crianças a frequentar a escola. Aquele comité foi, porém,

substituído, em 1856, pelo Education Department, o qual, daí em diante, assumiu

funções equivalentes às de um ministério para o ensino. Tendo-se tratado de uma

medida administrativa, novamente provocou no meio político a discussão afervorada

sobre os deveres do Estado.

Por esta altura, e tendo, até aí, escrito alguns artigos ligados à actividade

profissional que o ocupou até 1846 na engenharia civil, Herbert Spencer publica, de

Junho a Dezembro de 1842, no periódico Nonconformist, os textos que constituíram

a sua entrada na cena política vitoriana: “Letters «On the Proper Sphere of

Government»”. O ainda jovem topógrafo, de vinte e seis anos, participava assim, pela

primeira vez, na controvérsia em voga sobre os limites da intervenção do Estado:

What, then, do they men in society want a government for? Not to regulate commerce; not to educate the people; not to teach religion; not to administer charity; not to make roads and railways; but simply to defend the natural rights

of man to protect person and property to prevent the aggressions of the

powerful upon the weak in a word, to administer justice. This is the natural, the original, office of a government. It was not intended to do less: it ought not

to be allowed to do more.8

Mas, porque a tomada de medidas na esfera educativa se tornava urgente,

dado, nos anos 50, ter-se começado a disseminar a ideia de que a despesa, até aí

contraída com a educação popular, não estava a ser utilizada para os melhores fins,

1858 tornou-se um marco importante. Na demanda de soluções, foi criada nesse ano

8 Herbert Spencer, 1994 (1842): 6-7. As convicções de Spencer quanto ao papel do Estado não ficaram

naturalmente sem resposta. Nassau Senior, considerado ele próprio um extremista no que concerne ao livre empreendimento, opôs-se a Spencer criticando-lhe o radicalismo. Veja-se como, citado em 1937 por M. Bowley, se distanciou da opinião do teórico inglês: «Many political thinkers ... have declared that the business of government is simply to afford protection, to repel or punish internal or external violence or fraud, and that to do more is usurpation. This proposition I cannot admit. The only rational foundation

of government is expendiency the general benefit of the community. It is the duty of a government to do whatever is conducive to the welfare of the governed.» (in David Wiltshire, 1978: 174).

19

uma comissão parlamentar, sob a presidência do duque de Newcastle, para averiguar

o estado da pedagogia popular na Inglaterra e apontar as intervenções consideradas

necessárias a fim de permitir a extensão do ensino básico a todas as classes sociais.

Entre os comissários encontrava-se Matthew Arnold incumbido de recolher dados

sobre os sistemas educativos de outras nações europeias, nomeadamente da França,

da Alemanha e da Suíça, para onde se deslocou. Consequentemente, o resultado do

trabalho desenvolvido pela Newcastle Commission originou, em 1862, o Revised

Code da autoria de Robert Lowe no intuito de implantar o denominado payment by

results. O novo sistema, que atribuía subsídios às escolas mediante os resultados

obtidos, visava estabelecer uma forma de incentivar a eficiência dos professores e

garantir a eficácia do ensino dos três “Rs” (reading, writing and arithmetic). Este

método de avaliação (não aplicado na Escócia) manter-se-ia em vigor durante duas

décadas, porém, apesar de ter melhorado os resultados nas escolas consideradas,

até aí, como as menos eficientes, converteu o ensino das matérias ao nível mais

elementar e conduziu ao descurar de outro tipo de estudos. Todavia, as suas

vantagens revelaram-se através de um aumento da assiduidade dos alunos, na sua

permanência por mais tempo na escola e num interesse dos professores pelos

discentes com piores resultados, em detrimento dos mais inteligentes que sofreriam

um desinvestimento.

Foi Matthew Arnold quem chamou a atenção para os defeitos da nova

metodologia, ao assinalar a influência negativa do sistema payment by results infligida

nas crianças embora, como se compreende, tanto os professores, como os

directores escolares, tivessem acabado por ser também eles vítimas das novas

exigências daquela avaliação. 1897 foi o último ano para o exercício do Código de

Lowe, o qual deixou um legado de relações negativas entre o pessoal escolar e os

inspectores, perpetuado por muito tempo.

No final da década de 60 e durante os anos 70, verificou-se na Grã-Bretanha

um renovado interesse pela instrução do povo, trazendo este período melhoramentos

substanciais. Em 1867, uma nova lei de reforma parlamentar (Reform Act) veio alertar

para a urgência do ensino das massas, ao evidenciar a ideia de que uma população

instruída podia fornecer indivíduos mais capacitados para o serviço à nação. A partir

de 1868, com W. E. Forster no departamento educativo do governo liberal chefiado

20

pelo primeiro ministro W. E. Gladstone ressuscitadas as questiúnculas religiosas,

assim como a controvérsia entre os defensores de uma educação confessional e os

seus opositores surgiram então duas novas organizações. Uma delas, denominada

Birmingham Education League, fundada em 1869 por George Dixon, Joseph

Chamberlain, Jesse Collings e R.W. Dale, entre outros, era favorável ao ensino não

religioso, detendo o apoio dos mais liberais e radicais defensores de uma educação

gratuita, obrigatória e não sectária. A outra, National Education Union (1869), nascida

do receio da ameaça que a liga de Birmingham representava, defendia o princípio

religioso do ensino. Este confronto ideológico levaria a uma investigação parlamentar

sobre as circunstâncias educativas em Leeds, Liverpool, Birmingham e Manchester, a

qual revelou um estado de total desordem no sistema. Concluiu-se, entre outros

factos, que as escolas privadas não tinham sofrido qualquer modernização ou

aperfeiçoamento desde a pesquisa da Newcastle Commission e que as instalações,

nas quais se ministrava o ensino básico, se encontravam desajustadas das

exigências impostas pelo desenvolvimento, bem como incapazes de oferecer uma

instrução devidamente organizada a uma elevada percentagem da população em

idade escolar.

W.E. Forster, casado com a filha de Thomas Arnold, e sempre um homem

interessado pelos assuntos sociais e educativos, era o político de quem se esperava a

execução da grande reforma do sistema educativo. Pressionado, tanto pela liga de

Birmingham, como pela National Education Union, acabaria por efectivar uma ideia de

Robert Lowe posta em prática em New South Wales. Assim, se deu início a um

estudo para apurar as necessidades pedagógicas de cada distrito, tendo sido

concedido o prazo de um ano (em breve reduzido para seis meses) para as

instituições voluntárias melhorarem as deficiências encontradas nas escolas a seu

cargo. Cumprido o prazo temporal, nos locais onde não fossem atingidos os

objectivos, a obrigatoriedade do ensino seria então instituída, bem como a sua

gratuidade para os pais incapazes de suportar o pagamento semanal das propinas.

A nove de Agosto de 1870 era aprovada, finalmente, a lei de Forster

(Elementary Education Act), a qual deu o passo definitivo a caminho da reforma

qualitativa do ensino. Esta lei reconhecia o Estado como primeiro responsável na

instrução de todas as crianças com menos de treze anos de idade. Não tendo, na

21

realidade, estabelecido o carácter gratuito nem o obrigatório do ensino, viria a pôr em

prática o designado dual system, porque deixava coexistir as escolas comunais

(Board Schools), não religiosas e sustentadas por subsídios governamentais,

impostos e propinas, com as escolas confessionais (denominational schools). Estas

últimas, dependentes apenas de subsídios estatais, propinas e doações de privados,

após um período inicial de relativo desenvolvimento, acabaram por entrar em ruptura

devido às dificuldades causadas pelo aumento dos custos da educação. Até ao final

do século, as escolas voluntárias iriam largamente decrescer em número.

Em 1876, com a lei de Lord Sandon, foram aumentados os subsídios a

entregar aos estabelecimentos mantidos por contribuições voluntárias e criadas

normas penalizantes para os pais cujas crianças não obtivessem, por falta de

assiduidade, a devida instrução dos three R‟s. A lei Mundella, de 1880, tornaria,

finalmente, obrigatória a frequência da escola, ao estabelecer, em 1893, os onze anos

e, em 1899, os doze, como a idade mínima de abandono da escola. No ano de 1891

instituiu-se definitivamente a gratuidade da aprendizagem.

Mas se, no ensino básico, o grande objectivo tinha sido a construção de

escolas, o treino dos professores e ensinar às pessoas de menos recursos como

conduzirem uma vida cristã, o ensino secundário, cuja frequência estava reservada às

classes média e alta inglesas, gerava celeumas, tendo como alvo principal o conteúdo

das matérias leccionadas e a sua pertinência para a sociedade industrial oitocentista.

Enquanto, por um lado, as escolas secundárias assistiam à diminuição do número de

alunos, por via de uma crescente e acentuada distinção entre os grupos sociais, por

outro, as escolas públicas e privadas foram adquirindo mais frequentadores oriundos

de estratos sociais abastados, cuja escolha era determinada pelo ambiente

requintado e pela supervisão oferecida nestes estabelecimentos. Mostrando-se mais

permeáveis à introdução de disciplinas não tradicionais, as private schools tornaram-

se o lugar de selecção dos filhos de prósperos agricultores, comerciantes e classe

média, permanecendo as public schools a opção da aristocracia, mais interessada

num currículo clássico.

Se outras instituições educativas viram, por largos anos ainda, a sua

metodologia subjugada à tradição, as grammar schools puderam modernizar os seus

programas curriculares após a lei (Grammar School Act), que, em 1840, lhes retirou

22

as restrições determinadas pelo regulamento e a orientação imprimida pelo

fundador de cada escola limitativas do plano de estudos (até aí confinado ao ensino

da literatura e das línguas clássicas). Com esta medida, podiam, a partir daquela

data, ser introduzidas disciplinas como a língua e a literatura inglesa, a história

contemporânea, a matemática, a geografia e as línguas modernas. Adoptada esta

iniciativa pelas escolas menos conservadoras, outras, mais preocupadas em

obedecer a uma linha clássica, continuaram a ministrar um ensino de nível básico e

inferior.

A análise e a melhoria da condição das escolas públicas, estabelecimentos

tradicionalmente alvo dos ataques dos Whigs e da defesa dos Tories, seriam o

objectivo de trabalho de proeminentes vitorianos visando a reforma e a dignificação

do ensino nelas prestado. Samuel Butler, Edward Thring e Thomas Arnold

destacaram-se dentro do grupo de reformadores, embora o último visse as suas

iniciativas serem mais divulgadas, nomeadamente através da obra de Thomas

Hughes: Tom Brown‟s Schooldays (1857).

A partir da experiência obtida como aluno em Winchester, Thomas Arnold iria

aplicar todo o saber adquirido em Rugby, uma escola fundada como grammar school,

em 1567, posteriormente transformada num internato. Porém, não terá sido como

professor (pois, não se tratando de um pedagogo inovador, até defendia o reavivar do

currículo tradicional clássico como meio para fornecer uma educação liberal), mas

como administrador e gentleman que a sua influência perduraria nas mudanças

atravessadas pelas escolas públicas. Tradicionalmente, estas instituições tinham

permanecido lugares onde se desenvolvera o hábito dos alunos mais jovens

trabalharem para os mais velhos, de forma exigente e extenuante, daí resultando

como principal óbice a manutenção da ordem e disciplina. Numa atmosfera de

hostilidade e agressividade latente, onde escasseava pessoal, o terror imperava e as

relações entre os alunos e os professores eram de desconfiança. A situação

constituía um problema tão grave que, crê-se hoje em dia, as probabilidades de esses

estabelecimentos sobreviverem seriam muito reduzidas, caso não tivessem surgido

as remodelações, então iniciadas por Thomas Arnold. Segundo Llewellyn Woodward:

«When the duke of Wellington talked about the playing-fields of Eton he had in mind

23

not games but fighting».9 De facto, em 1818, uma rebelião interna de alunos de

Winchester só seria interrompida com a intervenção armada de duas companhias de

soldados.

Thomas Arnold, ao pautar a vida pelos ditames cristãos, surgiria como um

liberal moderado, cujo pensamento despontara com as reformas entretanto operadas

no ensino universitário. Se tivesse ousado introduzir métodos revolucionários na

mudança dos hábitos enraizados da escola, talvez o alcance do seu trabalho tivesse

sido reduzido. Ele optou, no entanto, por desenvolver os aspectos positivos do

sistema existente, numa tentativa de civilizar a vida interna escolar. Não se podendo

considerar inovador ao instituir o prefect system, no qual os alunos do sexto ano

assumiam uma função disciplinar dentro da escola lugar este considerado por

Arnold como uma comunidade de cristãos e de gentlemen seria, essencialmente, a

postura do reitor o principal agente causador dos efeitos positivos da adopção

daquele método. Ao depositar total confiança na palavra dos prefeitos, ele soube

melhorar a disciplina e a moral da escola por via do respeito adquirido. Tal

compromisso de honra tornar-se-ia conhecido, segundo afirmam S.J. Curtis e M.E.A.

Boultwood: «It was by putting boys on their honour to tell the truth that the tradition

arose that it was a shame to tell Arnold a lie because he always believed it».10

A divulgação do bom resultado obtido pelo director de Rugby difundiu-se

através dos alunos e do pessoal que, mais tarde, assumiram funções em outras

escolas públicas, seguindo-lhe o modelo e fazendo perdurar a influência daquele

método, tanto nas instituições mais antigas, como nas mais recentes. O trabalho de T.

Arnold não se desenvolveria, exclusivamente, no sentido de melhorar o ensino

praticado em public schools. Como intelectual interessado na instrução dos indivíduos

do país, assumiu, também, uma postura reflexiva sobre o modo de alterar as

condições educativas da classe média, questão por ele considerada como de

primordial importância. Através de algumas cartas publicadas no jornal Sheffield

Courant e, em 1832, com o texto “The Education of the Middle Classes”, Arnold iria

influenciar o debate da época sobre a pedagogia em Inglaterra. As suas ideias

chegaram a servir de exemplo às medidas posteriormente executadas na sequência

9 Llewellyn Woodward, 1992 (1938): 485.

10 S.J. Curtis e M.E.A. Boultwood, 1964 (1960): 82.

24

do trabalho das comissões encarregues de estudar em pormenor o sistema educativo

do país.

Para investigar o estado do ensino secundário, à semelhança do que havia

sido feito no ensino básico popular pela Newcastle Commission, foi nomeada, em

1861, a Clarendon Commission (a qual visava analisar as mais reputadas public

schools), e, em 1864, a School‟s Inquiry Commission (ou Taunton Commission), com

o objectivo de recolher dados sobre todas as escolas não contempladas pelas duas

comissões anteriores.

Lord Clarendon iria coordenar os comissários na averiguação de Winchester,

Westminster, Shrewsbury, Eton, Charterhouse, Rugby, Harrow e de dois internatos:

St. Paul‟s e Merchant Taylor‟s. Não surpreendentemente, a comissão, constituída por

antigos funcionários de public schools, considerou-se satisfeita com o trabalho

realizado nessas escolas. Recomendou, porém, a introdução no currículo

tradicionalmente clássico e tido por veículo muito positivo para o ensino da língua

materna de disciplinas como a matemática, a língua inglesa, as línguas modernas e

a ciência. Na sequência deste trabalho, em 1868, foi aprovada a Public Schools Act, a

qual veio, tão somente, redefinir os corpos dirigentes das escolas sem interferir no

plano de estudos, deixado à iniciativa dos directores escolares. Estes, em muitos dos

casos, aproveitando tal oportunidade, acabaram por seguir o recomendado pela

comissão, de modo a tornar a oferta disciplinar das suas escolas mais flexível e

variada. Isto sucedeu em Eton, onde foi introduzido o estudo da física, da química, da

biologia, da história, do francês e do alemão, e em Harrow, que, ao passar a oferecer

um plano de estudos mais variado e moderno, designado Modern Side, influenciou

muitos outros estabelecimentos de ensino.

Lord Taunton, o presidente da outra comissão de trabalho (acima referida)

nomeada em 1864, ocupar-se-ia de todas as escolas restantes, tanto femininas como

masculinas. Integraram aquela investigação individualidades como James Bryce, J.C.

Fitch ou Matthew Arnold, tendo este último partido para a Europa a fim de analisar a

metodologia utilizada no ensino secundário da Itália, Suíça, Alemanha e França. Da

averiguação efectuada, visando uma população escolar heterogénea devido às

características dissemelhantes das escolas (fruto das novas exigências da sociedade

e da economia industriais), concluiu-se que os currículos clássicos tradicionais se

25

encontravam, na generalidade, desajustados das preferências e necessidades de um

grande número de pais. Para dar resposta às lacunas detectadas, a comissão

recomendou um plano de estudos organizado em três níveis. O primeiro nível

destinava-se aos encarregados de educação interessados numa educação clássica,

cujo estatuto social os aproximava de outros com os filhos a frequentar public schools.

O segundo nível teria duas secções, uma das quais para atender ao tipo de pais que

esperava dos educandos, após o final da formação escolar, o exercício futuro de uma

profissão e, para quem, a aprendizagem do latim, do grego, da matemática, da

ciência e das línguas modernas era importante. A outra secção dirigia-se àqueles

estudantes de quem se previa, uma vez concluída a aprendizagem escolar, a

participação no rendimento familiar e, para os quais, a preparação nas línguas

clássicas era considerada inútil. Havia ainda a classe média inferior, para a qual se

propunha uma educação do tipo «funcionário de escritório», com um bom ensino da

aritmética, da língua inglesa, das ciências naturais e da matemática elementar. A eles

se destinaria o terceiro nível.

Na sequência dos resultados e das propostas da comissão Taunton, o governo

decretou, em 1869, uma lei, designada Endowed Schools Act, destinada às escolas

sustentadas por fundações, que, ao contrário de se traduzir em medidas enérgicas,

se limitou a designar novos esquemas de administração escolar. A alegada

incapacidade de actuação atribuída ao governo liberal encabeçado por Gladstone,

terá decorrido, em grande parte, do relevante investimento material levado a cabo na

educação básica, mas, também, da apatia geral do público pelo valor do ensino

secundário, a que se associava o tradicional desinteresse pela intervenção estatal.

Desta protelação para reformar e organizar o ensino, no sentido de

estabelecer, tanto um modelo administrativo, como um plano curricular para a

educação inglesa, não estava dissociado o tradicional controlo e a supremacia política

da aristocracia. Segundo David Ian Allsobrook, esse poder exercido pela nobreza,

prolongado até aos anos oitenta, manteve-se graças a uma forma hábil de lidar com

as outras classes sociais: «This control was guaranteed by a series of discreet

withdrawals from direct confrontation with middle class interests».11

No entanto, a

herança do pensamento de Thomas Arnold constituiria, também, causa próxima do

11

David Ian Allsobrook, 1986:11.

26

insucesso nos resultados finais da comissão, devido às ideias por ele defendidas para

a educação da classe média, igualmente partilhadas por muitos dos seus leitores e

precursores no debate educativo. Essa influência verificou-se através de pessoas que

incorporaram, nalguns casos, o trabalho das comissões de investigação,

nomeadamente o filho Matthew Arnold, na Taunton Commission (como já se

mencionou). Se, para Thomas Arnold, a Inglaterra Industrial era, essencialmente,

terra incognita (e sem dúvida o seria, de igual modo, para muitos outros

reformadores), segundo Allsobrook isso devia-se a uma visão conservadora da

realidade inglesa:

His experience in this respect was shared by the men who were

themselves to carry the debate to its interim conclusion in 1867. . The S.I.C.

Taunton Commission were rooted in the countryside, rather than in the urban

industrial centres where the numerical bulk of the middle class flourished.12

O culto do gentleman terá sido, igualmente, determinante para a derrota e o

adiamento de muitos projectos de reforma ambicionados por educadores

progressistas, políticos mais radicais e outras figuras do meio intelectual insatisfeitas

com os resultados práticos do sistema escolar. O culto do cavalheiro, alimentado pela

aristocracia e disseminado pelas instituições educativas da sua eleição (as public

schools), assim como pelos apologistas e defensores da imagem do homem de

elevado carácter (de que Thomas Arnold foi exemplo), também cativava quem

almejava uma educação aristocrática para os filhos, particularmente as classes

abastadas emergentes do comércio e da indústria. As qualidades associadas à moral,

ao estilo e a um estatuto social elevado simbolizadas pelo gentleman, representavam

os requisitos para o exercício de cargos governamentais e militares de maior prestígio

na sociedade inglesa, tornando-se, por isso, alvo das aspirações da burguesia e da

classe média alta. Em “The Education of an Englishman”, Alfred North Whitehead

refere o seguinte:

Decidedly, half a century ago a classical education had a very real relevance to

the future lives of these English boys. Among the boys were a future commander-in-chief in India, a future general commanding the Madras

12

Idem: 15.

27

Presidency, a future bishop of all southern India. “To serve God in Church and

State” was no idle form of words to set before them.13

Não surpreendentemente, uma espécie de romantismo educacional, apelando aos

valores consagrados pela tradição, continuava, deste modo, a condicionar as opções

no respeitante aos currículos e aos métodos educativos, adiando a introdução de

matérias mais condicentes com o espírito da nova Inglaterra industrial.

Todavia, as universidades, alvo de muitas críticas, controvérsias políticas e

religiosas, também iriam acabar por ceder à urgência reformista. O movimento a favor

da mudança estava, no entanto, bastante mais interessado no ataque à Igreja

Anglicana e aos seus privilégios seculares, ou na censura de instituições como Oxford

e Cambridge, do que na alteração profunda do plano de estudos. O trabalho das duas

comissões reais nomeadas para a apreciação da qualidade do ensino nas

universidades resultaria através da lei sobre os exames do ensino superior

(Universities Test Act) na abolição dos testes religiosos, premissa essencial, até

então, para a candidatura a Oxford ou para a admissão a graus universitários, em

qualquer dos principais estabelecimentos. A partir de 1863 e até 1871, essa forma de

avaliação foi sendo abolida, de forma gradual e definitiva, através de propostas de lei

anualmente aprovadas, passando, então, a facultar-se o acesso a todos os

candidatos, sem olhar às respectivas crenças religiosas, à excepção do curso de

Teologia que não foi modificado. Esta reforma revelou-se crucial para os homens da

ciência e para os dissidentes, até aí afastados do círculo académico.

Na decorrência do crescente confronto ideológico entre o clero e jovens

intelectuais e cientistas, os currículos acabariam por sofrer alterações. Estas

iniciaram-se no ano de 1850 em Oxford e, em Cambridge, a partir de 1851, com a

introdução do estudo das ciências naturais. Novos edifícios foram construídos para

acolher os laboratórios necessários, primeiro em Oxford (1855) e, mais tarde, em

Cambridge (1871). Contudo, nestes estabelecimentos as alterações sofreram sempre

o obstáculo e a interferência das tradições enraizadas. Em 1825, insatisfeitos com o

sectarismo das universidades, H.P. Brougham, Lord John Russell e Thomas

Campbell, entre outros, apoiados por James Mill, G. Grote e T.B. Macaulay,

organizaram o movimento que fundaria, em 1828, a Universidade de Londres. Ao

13

Alfred North Whitehead, 1947: 36

28

longo dos anos seguintes, outras universidades iriam surgir, mas foi a University of

London, no ano de 1836, a primeira a instituir o ensino universitário secular.

As reformas das escolas, lentamente modeladoras do sistema educativo da

Inglaterra cujo esplendor industrial foi ostentado na Great Exhibition de 1851

poder-se-iam considerar como decorrentes de uma nova concepção de cultura,

influenciada pelo enorme desenvolvimento da ciência ao longo do século XIX. Muitas

das críticas dirigidas ao ensino prendiam-se com uma instrução inadaptada às novas

realidades trazidas pelo progresso na área das ciências puras e aplicadas. Ao terem

todas as descobertas e invenções científicas ocorrido fora do universo escolar e

universitário, sem resultarem de um trabalho académico, como seria de esperar, mais

se agudizou a censura àquelas instituições obstinadamente alheias às mudanças

sociais e exigências intelectuais dos cidadãos que deviam servir.

Não provocará estranheza, por isso, a elevada importância alcançada pelas

sociedades voluntárias prestadoras da educação a adultos, como as intituladas Poor

People‟s Corresponding Societies, Mechanics‟ Institutes ou Co-operative Movements.

Com capacidade de resposta para as solicitações das classes desfavorecidas, estas

organizações começaram a estabelecer-se desde 1815, com o objectivo de satisfazer

o desejo de aprendizagem do operariado da indústria que, deste modo, tentava

melhorar as degradantes condições de vida através de um self-help caracterizador da

sociedade vitoriana. H.P. Brougham destacou-se ao impulsionar esta forma de

aprendizagem para adultos. Em 1827 fundou uma sociedade para a divulgação do

conhecimento (Society for the Diffusion of Useful Knowledge), publicando, a preços

apelativos, diversa literatura informativa de cariz não teológico, nomeadamente um

jornal sobre educação. Através de tais publicações relatava as experiências de outros

países, como a Suíça, e colmatava a inacessibilidade às bibliotecas por parte da

classe trabalhadora.14

Outras iniciativas, dirigidas à instrução de adultos de poucos

recursos, surgiram tanto através da publicação da Penny Encyclopaedia, a qual daria

enorme contributo ao ensino técnico, como, em 1852, por meio das obras de John

Cassell vendidas sob o nome Popular Educator.

14

A primeira lei sobre bibliotecas públicas só surgiu em 1850, porém, não obstante ter surgido tão tardiamente, iria condicionar a existência de cada biblioteca ao número de habitantes por localidade.

29

Institutos para a formação de mecânicos, como o London Institute, o primeiro a

surgir no ano de 1824, estabeleceram-se por todo o país, até que, em 1860, já

existiam 610 com 102.050 membros.15

Porém, o recurso a técnicas de ensino e a

métodos pouco apelativos e nada motivadores para uma população escolar

constituída, essencialmente, por operários exaustos no final de um longo dia de

trabalho, acabou por fazer decrescer o número de frequentadores e transformou

esses lugares em centros de lazer, com o seu propósito educativo diluído e limitado a

algumas aulas populares. Outros homens tentaram dar resposta ao interesse da

classe trabalhadora pela aprendizagem, como foi o caso de J.F.D. Maurice e Thomas

Hughes, entre outros amigos, ao abrirem, em 1854, o Working Men‟s College, através

do qual visavam educar e informar os estudantes.

O sucesso destas iniciativas resultou, particularmente, do tipo de ensino

ministrado, já que ia ao encontro das necessidades profissionais dos indivíduos. Esta

preocupação de atender às necessidades reais dos ingleses, não deixou de

acompanhar o debate sobre as instituições educativas e os currículos ao longo dos

anos. Tanto os elementos da Taunton Commission, como os da Clarendon, tinham

revelado, nos relatórios apresentados, um certo embaraço e constrangimento quanto

ao abandono a que se votara o estudo da ciência e às restrições que poderiam

resultar de um ensino exclusivamente clássico. Todavia, a introdução de matérias de

cariz científico nas escolas, sob a forma de disciplinas com relevância para as

necessidades da sociedade moderna, sofreu o ónus das tradições e do

conservantismo das universidades mais antigas, nas quais se formavam, afinal, os

educadores.

Para alterar este estado do pensamento no ensino, muito contribuíram as

publicações de cientistas e defensores do utilitarismo como Herbert Spencer, Thomas

Henry Huxley ou John Stuart Mill, ao despertarem a sociedade para o valor do estudo

das ciências, sensivelmente a partir da segunda metade do século XIX. Fazendo uso

do ensaio, como veículo primordial na divulgação das ideias que enfatizavam a

defesa de um ensino liberal alicerçado em premissas utilitaristas, John Stuart Mill

protagonizou a ala moderada dos apologistas de uma aprendizagem escolar à qual se

introduziria o estudo das ciências exactas e da natureza. Em Essay on Liberty (1869),

15

Vide R. L. Archer, 1966 (1921): 138.

30

além de expressar a visão sobre as vantagens e desvantagens da intervenção estatal

no processo educativo, advogava, também, o acesso à escola para todas as classes

sociais, nomeadamente para as mais desfavorecidas. Todavia, ao invés de radicalizar

o seu ponto de vista, no respeitante à substituição das disciplinas de teor clássico

pelas mais modernas e consonantes com o progresso material da sociedade,

continuou a defender um currículo no qual o estudo da literatura não excluísse o da

ciência e vice versa. Os seus princípios utilitaristas aplicados às orientações éticas e

normativas apresentavam algumas divergências dos defendidos pelo pai, James Mill,

e por Jeremy Bentham, tornando-se, por isso, melhor aceites no meio académico,

apesar de ele próprio não ter sido um intelectual formado nas universidades. O valor

por ele atribuído ao conhecimento transmitido através das artes e da poesia,

demarcavam-no dos benthamistas e aproximavam-no das opiniões dos menos

radicais. J. S. Mill tornou-se, assim, mais uma figura de vulto no universo vitoriano

que, ao gerar algumas reacções menos positivas às teorias defendidas, também não

deixou de provocar consensos derivantes da sua temperança na defesa do empirismo

e da utilidade da ciência.

T. H. Huxley, revelador de uma atitude mais determinada quanto ao interesse

dos estudos científicos e à sua inclusão nas escolas e partilhando a linha de

pensamento de J. S. Mill na defesa do utilitarismo embora usufruindo da experiência

prática no âmbito educativo como reitor da universidade de Aberdeen e membro do

London School Board, que Mill não possuía participou vivamente no debate sobre o

processo e os métodos educativos. Posicionou-se, porém, num meio termo entre J. S.

Mill e Herbert Spencer ao aceitar o ensino dos clássicos na defesa de uma educação

liberal, à qual devia ser acrescido o conhecimento científico. Por seu turno, Herbert

Spencer, ao depreciar o currículo classicista professado até então, apresentou-se

como o mais radical na apologia de uma educação científica. Ao considerar o

processo educativo um assunto que cabia essencialmente à iniciativa de cada

indivíduo (nunca ao Estado), alertou para a elevada importância da ciência na

preparação da vida dos homens.

As doutrinas dos intelectuais atrás mencionados não se encontravam, de modo

algum, isoladas na sociedade. As suas concepções surgiram na sequência da

disseminação das ideias científicas levada a cabo pelo organismo British Association

31

for the Advancement of Science, desde a sua fundação em 1831. Quando Huxley,

Spencer e Mill começaram a divulgar as suas convicções, algumas iniciativas de

relevo já se tinham iniciado na Grã-Bretanha, prenunciando as alterações de vulto

mais tarde ocorridas. Se Oxford e Cambridge instituíram o estudo das ciências

naturais somente ao longo dos anos cinquenta, a Royal Institution tinha criado, a partir

de 1833, as disciplinas de química e fisiologia, em resposta ao criticado torpor

aristocrático da Royal Society (1660). Contudo, esta seria uma iniciativa sem grande

eco, pois, quando, em 1851, se verificou, através de um inquérito a nível nacional, a

existência de apenas trinta e oito classes formais de ciência frequentadas por um total

de 1300 alunos16

, se percebeu o muito trabalho ainda por realizar. Estes números

eram, afinal, francamente indiciadores do conflito de interesses em debate na

sociedade inglesa.

Todavia, um grupo defensor das ciências e emergente da classe média, não

educado em Ox-bridge mas em escolas médicas londrinas ao qual se juntaram

individualidades self-taught, como seria o caso de Spencer far-se-ia gradualmente

notar a partir da segunda metade do século XIX. Se, nos anos cinquenta, esse grupo

entusiasta pelo estudo científico ainda se resumia a uma centena, nos anos setenta já

reunia uns milhares, para gerar, a partir de 1860, um movimento em apoio das

ciências. O apelo destes homens, muitos dos quais membros do reputado X-Club, ao

qual Spencer igualmente pertencia, como Lyon Playfair, John Lubbock, Edward

Frankland, Norman Lockyer, John Tyndall e T. H. Huxley,17 reflectia uma crescente

valorização do mérito, da utilidade e do prestígio crescente da ciência. Este manifesto

de ideias tornou-se crucial. Ao persuadir a nação quanto à importância da pesquisa

científica na prosperidade material da Grã-Bretanha, e da necessidade do apoio de

instituições privadas (não se pretendia a interferência estatal) à recente classe de

pesquisadores, iria contribuir para a nova vaga de reformas nas universidades, assim

como para a introdução do estudo das ciências nos currículos escolares.

Captando a atenção dos críticos e partidários do conservantismo, o movimento

pró-ciência acabaria também por contribuir para a confissão pública de desagrado

dos que se preocupavam com a indiferença do sistema educativo britânico pelo

16

Vide R. L. Archer, op. cit.: 138. 17

Vide nota 37 da presente dissertação.

32

ensino de novas matérias. Um exemplo desta tomada de posição partiu de Mark

Pattison, reitor do Lincoln College em Oxford, através da obra Suggestions on

Academical Organization publicada em 1868. Este livro atingiria profundamente os

tradicionais opositores à reforma universitária. Segundo crê Roy M. MacLeod, a

experiência, adquirida pelo Reitor em Oxford, tê-lo-ia conduzido ao reconhecimento

de que o “Collegiate Ideal” estava definitivamente ultrapassado pela urgente

necessidade de um novo tipo de aprendizagem: «Pattison argued carefully that

research was vital if the university wished to ensure properly balanced scholarship».18

Senão, veja-se como Pattison, citado ainda por MacLeod, expressa o ponto de vista

em Suggestions on Academical Organization:

In order to make Oxford a seat of education, it must first be made a seat of science and learning. All attempts to stimulate its teaching activity, without adding to its solid possession of the field of science, will only feed the unwholesome system of examination which is now undermining the educational

value of the work we do.19

Ainda no ano de 1868, a British Association nomearia um comité de doze

individualidades, no qual o X-Club estava largamente representado através da

participação de Tyndall, Thomas Hirst, Huxley, Frankland, Lockyer e Playfair, a fim de

averiguar se o ensino das ciências estava devidamente assegurado na Grã-Bretanha.

Os resultados desse trabalho, em nada surpreendentes, vieram demonstrar o

diminuto lugar ocupado pelas áreas científicas nas escolas, acabando aquela

comissão por recomendar o aumento substancial do apoio monetário aos indivíduos

profissionalmente dedicados à pesquisa científica.

Um outro grupo de trabalho designado Devonshire Commission, criado em

1871 pela administração de Gladstone, do qual se destacavam William Cavendish e

Norman Lockyer, de entre os seus diversos colaboradores, destinou-se a analisar a

qualidade do ensino em todos os tipos de estabelecimentos, nos museus e nas

universidades, assim como o estado do avanço científico, encetado até aquela data.

Esta comissão acabaria por suscitar questões relevantes sobre as circunstâncias que

18

Roy M. MacLeod, “Resources of Science in Victorian England: The Endowment of Science Movement, 1868-1900” in Peter Mathias (ed.), 1972: 120. 19

Id., ibid.

33

rodeavam a condição da ciência e da pesquisa a nível nacional. Embora

reconhecendo ter havido, desde 1850, um aumento das despesas do governo com

actividades ligadas à investigação científica, os comissários também consideraram

que o país caminhava sem uma orientação estratégica neste domínio, daí resultando

um autêntico desperdício de meios materiais e de recursos humanos. Nos anos

seguintes, a ajuda do Governo revelou-se fundamental, nomeadamente através do

aumento de subsídios parlamentares à Royal Society e de outros auxílios individuais

a pesquisadores.

Enquanto o movimento a favor da ciência prosseguia e sulcava caminho por

entre a resistência das igrejas, ou o entrave, domínio e conservadorismo da

aristocracia, muitos intelectuais da sociedade britânica, apologistas do conhecimento

científico, se projectariam no ideário oitocentista. Herbert Spencer, ao ter formado o

carácter e o pensamento fora do meio universitário, viria, porém, a revelar através das

suas obras, notável projecção no meio intelectual. A publicação dos seus ensaios

sobre educação, entre 1854 e 1861, iria produzir assinalável impacte no seio do

público inglês e americano quando, em Inglaterra, se criavam comissões para o

estudo da conjuntura dos ensinos básico e secundário e das public schools.

O contributo de Spencer para a melhoria educacional surgiu, particularmente,

com o ensaio “What Knowledge is of Most Worth”, publicado em 1859. Através de

uma linguagem considerada simples e apelativa, o texto suscitou, entre os leitores, a

reflexão sobre o propósito educativo. Muitos estudiosos reconhecem, hoje em dia,

não ser exagero considerarem-se as teorias por ele defendidas como impulsionadoras

na introdução de novas disciplinas no designado Modern Side dos currículos do

ensino secundário inglês.

Em oposição aos métodos educacionais praticados nas escolas, Spencer

tentaria demonstrar o papel e o valor superior do conhecimento científico na vida e na

rotina diária do indivíduo. A elevada confiança, por ele depositada, numa educação

onde as ciências naturais fossem a principal vertente do curriculum consideradas

como as mais capazes de oferecer aos indivíduos os conhecimentos essenciais à

vida prática (ao invés das disciplinas tradicionais, através das quais os jovens se

preparavam para uma vida de lazer e sem utilidade efectiva) acabou por conquistar

34

a atenção de muitos intelectuais e do público em geral para os ensaios reunidos no

livro Education, Intellectual, Moral and Physical (1861).

O entusiasmo e a capacidade argumentativa utilizada na expressão das suas

opiniões foram, indubitavelmente, reconhecidos como superiores aos de muitos

predecessores e contemporâneos, tornando-se uma das primaciais fórmulas

conducentes à proeminência intelectual de Spencer. S.J. Curtis e M.E.A. Boultwood

crêem que a contenda educacional ocorrida na Inglaterra vitoriana não teria sido a

mesma sem a participação de muitos notáveis pensadores, e, em particular, de dois:

Today we do not need to be made aware of the demands of science. In Victorian days, however, the smooth, patronising, almost impartial, comments of Farrar‟s essayists were not forceful enough to change the old order. Only the drive of a Huxley and the sting of a Spencer could make Britain science-

conscious.20

Thomas Henry Huxley, constitui, com efeito, outra das figuras mais influentes e

marcantes da cena educativa inglesa, embora reconhecidamente menos radical do

que Spencer, como acima se mencionou. Considerado pouco original nos pontos de

vista, teria elevada influência, a par de outros reformadores educacionais, na

aceitação da ciência como um ramo essencial nos objectivos do ensino. Defendendo,

tal como John Stuart Mill e Robert Lowe, o prosseguimento do estudo das

humanidades nas escolas na condição porém, de ser ministrado de modo eficiente

Huxley advogou a educação liberal como um fim em si mesmo, num período (o final

dos anos 60) em que esta se tornara tema preferencial de discussão. Contrariamente

a Spencer (o qual não chegou a delinear um currículo dirigido aos diferentes níveis de

ensino como adiante se verá), Huxley propôs a inclusão, no plano de estudos das

escolas, de disciplinas como a biologia, a língua inglesa, a literatura, a história

moderna, a geografia (em particular a da Grã-Bretanha), a sociologia, a política e a

moral, bem como o estudo das obras mais respeitadas da literatura mundial.

Activamente envolvido na melhoria do sistema educativo britânico, as suas iniciativas

seriam cruciais para as reformas em curso, todavia, as leis, que iriam passar à prática

20

S.J. Curtis e M.E.A. Boultwood, 1964 (1960): 152.

35

algumas das propostas por ele defendidas, só foram aprovadas, após ter morrido, em

1895.

Com o contributo fértil de muitos pensadores, cientistas e pedagogos

vitorianos, o mundo oitocentista inglês iria, inevitavelmente, progredir no sentido de

uma crescente apreciação da ciência. Numerosos acontecimentos que tiveram lugar

ao longo do século tornaram irreversível o cada vez maior respeito pelas descobertas

e pesquisas científicas. Afinal, depois da publicação da obra The Origin of Species

(1859), de Charles Darwin, surgida após um período de importantes avanços na

pesquisa geológica, já nada voltaria a ser como antes. A gradual aceitação, por parte

de cada vez maior número de leigos e respeitáveis intelectuais da conservadora

sociedade inglesa, dos princípios evolucionistas enunciados por Jean-Baptiste

Lamarck e, mais tarde, por Spencer, Alfred Russel Wallace, Darwin, e John Tyndall

iria acelerar as reformas transformadoras da cultura e do pensamento

finisseculares.

No seguimento da influência ideológica dos intelectuais e pedagogos vitorianos

mais activos, entre os quais se incluiu Spencer, a segunda metade do século XIX

cedo assistiu a um intenso debate educativo, através do qual se visava encontrar

respostas para as questões então dominantes do discurso pedagógico,

nomeadamente, quais os conhecimentos considerados mais úteis. E, uma vez aceite

o pressuposto de que a ciência devia ter, de modo indubitável, um lugar de destaque

a ocupar no saber, surgiu então a necessidade de determinar quais as áreas

científicas prioritárias a ensinar. O relatório da Taunton Commission (1867-1868)

deixaria transparecer de forma clara esta preocupação, ao referir o seguinte:

If science has an unpractical character at the Universities, it will be very difficult for the schools to give it a practical turn. If the Universities cut themselves off from the needs of the country, they make it much more difficult for the school to supply those needs. We cannot but consider it the duty of the Universities, placed as they are at the head of English education, to study carefully the

requirements of the country, and to take their part in supplying them.21

21

Taunton Report on Endowed Schools (1867-1868): “Parliamentary papers”, in David C. Douglas (ed.), s.d.: 698.

36

Ao ter-se já evidenciado o proeminente lugar ocupado por Spencer nas

polémicas conducentes às principais reformas do sistema educativo britânico, ir-se-á,

nas páginas sequentes, delinear o perfil intelectual daquele que, entre outros vultos

de nomeada, marcou o pensamento na Inglaterra da Revolução Industrial, mas

também na América do pós-guerra Civil, onde as suas teorias se consideraram

perfeitamente ajustadas às circunstâncias socioeconómicas da população americana.

Assim pensa Lawrence A. Cremin, ao referir: « His theories seemed admirably

suited to a generation uncertain of its religious convictions and desperately seeking

solace in the revelations of science».22

Propondo a inversão dos percursos educacionais a supremacia da ciência ao

invés do domínio das humanidades Spencer suscitou, sem dúvida, o despeito, a

crítica e o antagonismo de alguns, mas, igualmente, o respeito e a veneração de

muitos outros, conquistando para si um lugar de destaque na filosofia do século XIX.

22

Lawrence A. Cremin, 1961: 91.

37

CAPÍTULO II O inconformismo intelectual de Spencer

Para um escriptor estrangeiro, por mais obscuro e por mais humilde que

elle seja, a Inglaterra apparece-lhe primeiro que tudo como o berço dos primeiros educadores da alma humana no decurso do presente século.

Foi debaixo d‟este céo, foi n‟este chão, em que eu bato com a ponteira do meu bordão, que nasceu Darwin, o reformador de toda a mentalidade moderna, que nasceu Herbert Spencer, o Aristoteles do nosso tempo, e que nasceu Charles Dickens, o que fez verter da piedade e da ternura humana uma lagrima nova.

Ramalho Ortigão, in John Bull (1887)

Filósofo e sociólogo, assim é principalmente conhecido Herbert Spencer

nascido em Derby, a vinte e sete de Abril de 1820, no seio da era industrial britânica e

da apologia do progresso. O vasto trabalho, ao qual dedicou cinquenta anos de vida,

divulgado através da publicação de inúmeros artigos em jornais e revistas compilados

em quase oitenta volumes, abrangeu áreas tão diversas como a ética, a teoria

política, a psicologia, a sociologia, as ciências naturais e exactas, a filosofia ou a

educação e projectá-lo-ia para um lugar de destaque na História Ocidental.

Juntamente com os intelectuais vitorianos mais prestigiados e influentes da ideologia

do século XIX, Spencer alcançou, em vida, a glória e o reconhecimento internacional

38

do seu esforço e brilhantismo intelectual, vindo, porém, a destacar-se dos demais, ao

revelar-se um filósofo singular.

Criado no seio de uma família ligada à dissidência religiosa, recebeu uma

educação liberta de dogmas e de uma disciplina convencional, as quais, ao terem

sido provavelmente determinadas pela saúde débil, lhe serviram também de estímulo

a uma faceta inconformista e a uma mente crítica e analítica. Vários membros da

família foram professores ao longo de duas gerações o que lhe proporcionou um

ambiente favorável à reflexão sobre questões pedagógicas. O jovem Spencer

cresceu, assim, num meio intelectualmente insubmisso marcado pela controvérsia,

pela liberdade de espírito e pela discussão sobre questões sociais, políticas, éticas e

educacionais. A circunstância de ter sido o único sobrevivente de entre nove irmãos

levá-lo-ia a receber atenções redobradas dos pais e dos tios e a desenvolver,

consequentemente, ao manter-se solteiro, uma personalidade individualista e rebelde

face à autoridade estabelecida.

Nada deveu ao ensino clássico, o qual não lhe foi ministrado, nem ao ensino

universitário, que não frequentou. A instrução, por influência do pai e de um tio

(ambos docentes) pautou-se por uma acentuada vertente técnica e científica, mas

manifestamente deficitária (mais tarde por opção própria) na aprendizagem do grego

e do latim, da história, dos estudos linguísticos e até da filosofia. A curiosidade,

estimulada pelo interesse pessoal, levou-o a dedicar-se às ciências exactas e a

múltiplos domínios científicos como a botânica, a mecânica, a geologia, ou a

astronomia, depreciando o tipo de cultura instituída, por a encarar como uma

limitação à liberdade intelectual.

Spencer foi, na realidade, um autodidacta genuíno, ao cultivar o saber

enciclopédico e ao defender a independência ideológica. Uma elevada autoconfiança

nas capacidades intelectuais e no engenho para julgar sobre os mais diversos

assuntos faziam-no crer ser fácil atingir a compreensão necessária de todas as

matérias às quais se aplicava. A resposta do pai a uma carta por si enviada,23

após as

suas aulas de trigonometria e reproduzida por David Duncan (antigo secretário

encarregue de lhe elaborar a biografia), não podia ser mais esclarecedora de uma

23

Entre pai e filho manter-se-ia sempre uma correspondência assídua, cujo conteúdo abrangeu a mais diversa temática revelando uma relação de total empatia intelectual e de admiração mútua.

39

certa imodéstia intelectual do filósofo: «"Your faults arise from too high an opinion of

your own attainments”».24

Contudo, Duncan acrescenta: «This self-confidence was

the natural accompaniment of a powerful intellect working freely.»25

Não satisfeito com o estudo aprofundado das questões, Spencer partiu para a

construção de uma teoria unificadora do conhecimento, por acreditar na possibilidade

de todos os aspectos do pensamento poderem ser conjugados num sistema coerente

e interligado. Ao arquitectar esse plano filosófico coligativo do saber, a partir do

conceito de «evolução», conquistou a respeitabilidade dos pares. Todavia, não se

revelando um intelectual de cariz inovador em muitas das matérias em que se

debruçou, imprimiu, apesar de tudo, um cunho pessoal, muito apreciado pelos

leitores, na defesa dos seus ideais que oportunamente captaram e veicularam o

espírito da era vitoriana, então permeável às inovações do progresso sentidas como

benéficas. Thomas Henry Huxley, outro proeminente defensor do estudo científico,

como já se referiu, e com quem tinha relações estreitas, considerá-lo-ia um pensador

singular pela determinação empregue na conjectura e na defesa de ligações entre

todas as formas do conhecimento. Inegável seria também a magnitude de Spencer

como divulgador da ciência, apesar de não ter sido, stricto sensu, um cientista, mas

antes um panegirista e pensador sobre os meandros da ciência.

Ainda que, com frequência, os críticos lhe apontassem a falta de originalidade,

Spencer conquistou a notoriedade e o reconhecimento do meio intelectual vitoriano

nos campos aos quais se dedicou, em virtude de revelar uma riqueza doutrinária e

conceptual considerada exclusiva. A sua relevância resultou, assim, tanto da

amplitude da filosofia por ele edificada, como do contributo facultado a áreas como a

biologia, a sociologia, a psicologia ou a antropologia finisseculares. Classificado por

muitos como um segundo Newton, teve várias obras editadas e vendidas em

inúmeras línguas,26

com excepcional resposta por parte do público, em países dos

cinco continentes.

24

David Duncan, 1908: 17. 25

Id., ibid. 26

Com efeito, as obras de Spencer foram traduzidas para todas as línguas europeias e, alguns dos trabalhos, surgiram primeiro em russo, como é o caso de Facts and Comments (1902). Além de traduções para o francês, o alemão ou o italiano, as obras vieram ainda a lume em sânscrito, japonês ou chinês e em vários dialectos indianos. Education, Intellectual, Moral and Physical (1861) surgiu até em árabe e mohawk.

40

Apesar de ter desenvolvido o trabalho fora das academias e de se encontrar

amiúde em confronto com o espírito académico, muitas honras lhe foram concedidas

por entidades universitárias, científicas27

e governamentais, porém, o espírito

independente levou-o a declinar a maior parte. Grande número dos modelos, ideias,

conceitos e teorias por ele defendidos e propostos, como reformas essenciais ao

acompanhamento da mudança dos tempos e a bem da prosperidade e do progresso,

fazem actualmente parte integrante da sociologia e da filosofia modernas, embora

não tenha havido, até aos nossos dias, preocupação em lhe atribuir a respectiva

paternidade por parte de muitos autores de obras sobre a cultura dos séculos XIX e

XX. Todavia, algum interesse pelo pensamento de Spencer tem vindo a ressurgir nas

últimas duas ou três décadas.28

Nos Estados Unidos, as propostas evolucionistas spencerianas foram

recebidas e consagradas como o próprio pôde confirmar aquando da visita

efectuada entre 1881 e 1882 no auge da popularidade embora, mais tarde,

distorcidas e levadas ao exagero para desagrado de Spencer. Com efeito, o seu

conceito de evolucionismo dominaria as discussões científicas nas Universidades

americanas, principalmente entre 1860 e 1890, surgindo a partir dele a noção de

27

Em 1883 a Academia de Ciências de França nomeou Spencer como seu membro, quando treze anos antes votara contra o ingresso de Charles Darwin. Spencer recusou mais esta nomeação fundamentando os seus motivos na crença de que esses títulos, ao invés de servirem de incentivo à actividade intelectual, funcionavam no sentido oposto, como desincentivo, por via de influências indirectas. A fim de expor as razões pelas quais pautava a sua atitude determinada escreveu nesse mesmo ano uma outra carta dirigida a Jules Simon, desta vez para recusar tornar-se correspondente de filosofia para a Académie des Sciences Morales et Politiques: «The mass of men accept their beliefs on authority; and beliefs which bear the endorsement of a University or an Academy appear to them more acceptable than those which are avowedly or tacitly rejected by it. Hence, during each transition period, occupied in the conquest of old ideas by new, honorary titles accorded by such a body to the defenders of the old, and long whithheld from the propagators of the new, necessarily retard the change.» (in David Duncan, 1908: 235). 28

Com efeito, o trabalho de Spencer deixou de ser objecto de simpatia durante largos anos, circunstância que se prolongou até há pouco tempo atrás. Este facto é constatável através da escassez de ensaios publicados sobre o filósofo, ou respectivas teorias, em particular desde os anos vinte. O manifesto desinteresse pelas doutrinas de Spencer conduziu à não reedição das suas obras sensivelmente durante esse período, tornando a leitura dos seus textos uma inevitável viagem no tempo através de publicações de há mais de oitenta, ou cem anos. Em 1938, decorridos trinta e cinco anos sobre a sua morte, E. C. Batho e Bonamy Dobrée afirmavam: «Today he looms much less large, but he

remains an important figure, impressive for the breadth of his intellectual survey » (in E. C. Batho e Bonamy Dobrée, 1938: 213). Contudo, a partir dos anos oitenta começou a dar-se um renascido interesse pela obra do filósofo por parte de intelectuais do meio académico, o qual conduziu à edição de alguns textos representantes da receptividade das teorias por ele defendidas no seu tempo.

41

darwinismo social, o qual, na realidade, deveria designar-se spencerismo social.29

Ao

assentar na essência da expressão «survival of the fittest» por ele enunciada, a

primeira vez, em Principles of Biology, no ano de 1864 a sua ideologia seria

abusivamente aproveitada para justificar acções socioeconómicas e políticas, das

quais ele sentiu viva necessidade de se demarcar. De facto, tais teorias tornaram-se

muito atraentes para as camadas dominantes da sociedade norte-americana, as

quais buscavam a justificação ex post do regime esclavagista sulista, bem como do

estatuto dos grandes empresários e do capitalismo selvagem (robber barons).30

Não

surpreendentemente, esses conceitos difundir-se-iam de modo a fazer de Herbert

Spencer o filósofo do século, enaltecido na América do Norte por homens como

Andrew Carnegie, John D. Rockefeller,31

William James, William Graham Sumner,

Benjamin Kidd ou E. L. Youmans, cujas auto-apologias seriam delineadas a partir das

doutrinas de Spencer.

O esquecimento ao qual foi votado, mais adiante alvo de análise, ocorreu, por

isso, após um longo período de aplauso conferido à obra, tanto na Grã-Bretanha

como na esfera internacional. De tal forma lhe foi reconhecida a projecção intelectual

29

O apelidado darwinismo social arquitectado a partir da teoria da evolução advogada por Spencer poderá, de modo sintético, resumir-se na crença segundo a qual as pessoas, tal como os animais e as plantas, competem pela sobrevivência e, por analogia, pelo sucesso possível de atingir. Os indivíduos mais ricos e poderosos eram os mais capazes, enquanto as classes socioeconómicas inferiores eram as menos aptas. O progresso, para o qual contribuiria uma sociedade livre da intervenção estatal (impeditiva do progresso natural) pautada por um grande individualismo, estava, segundo esta perspectiva, dependente da competição entre os homens. Os mais individualistas e fortes seriam os bons competidores e merecedores do sucesso alcançado nessa luta, na qual os mais fracos, por oposição, seriam os vencidos e os socialmente inferiores. A hierarquia social reflectiria, deste modo, as leis universais da natureza. Se no meio natural só os mais fortes sobrevivem, do mesmo modo, nas estruturas sociais e económicas, só os melhores teriam sucesso. Os pobres e as classes menos favorecidas representavam, assim, um grupo de indivíduos biológicamente inferiores porque haviam perdido a luta pela sobrevivência. Uma vez a pertencerem ao grupo dos desfavorecidos e caso não fossem capazes de melhorar, mereceriam o destino. 30

Como se referiu, os apelidados robber barons visavam a existência e manutenção de uma sociedade, na qual os indivíduos socialmente inferiores (as classes sociais desfavorecidas e os indigentes), por serem incapazes de se afirmar com sucesso na luta pela sobrevivência, deviam submeter-se aos vencedores dessa luta. Daqui originava o interesse numa sociedade livre de interferências estatais (tal como Spencer advogava) por estas serem consideradas indesejáveis e adulteradoras tanto da lei da supremacia dos mais fortes sobre os mais fracos, como do curso da evolução social, ao apoiar os menos favorecidos. 31

Em “The new Social Darwinism: Deserving your Destitution”, Stephen T. Asma lembra como os seguidores do filósofo nos Estados Unidos legitimizaram a teoria da sobrevivência dos mais fortes: «Andrew Carnegie, who practically worshipped Spencer, replaced his disenchanted Christian theology with the laissez faire motto “All is well since all grows better.” And John D. Rockefeller pronounced: “The growth of a large business is merely a survival of the fittest. ... this is not an evil tendency in business. It is merely the working out of a law of nature”» (in Stephen T. Asma, 1933: 12).

42

que, na Universidade de Oxford, The Principles of Biology (1864-67) seria utilizado

como texto didáctico. O mesmo sucedeu na Universidade de Harvard com The

Principles of Psychology (1855) e na Universidade de Yale com The Principles of

Sociology (1876-96), a obra considerada impulsionadora da criação do primeiro curso

de sociologia leccionado nos Estados Unidos.

Em Portugal, as teorias spencerianas também despertaram muito interesse.

No seio dos positivistas seriam bem acolhidos os trabalhos na área do organicismo e

da evolução, destacando-se alguns nomes como Emídio Garcia, Horácio Ferrari, Júlio

de Mattos (o psiquiatra e fundador da revista O Positivismo), Alexandre da Conceição,

bem como o etnógrafo e presidente da Sociedade de Geografia Consiglieri Pedroso.

No campo pedagógico, ainda em vida do autor, Education, Intellectual, Moral, and

Physical (1861) surge traduzido para a língua portuguesa sob diferentes títulos e em

diversas edições. Intelectuais como o escritor Emygdio de Oliveira, José Augusto

Coelho, ou o médico e ensaísta Ricardo Jorge, entre muitos outros, mostraram-se

seduzidos pela obra do teórico inglês. No prefácio de Da Educação Moral, Intellectual

e Physica, redigido, em 1887, por José Carrilho Videira, esta tradução da obra

spenceriana é considerada como orientadora dos mestres e das mães na missão

educativa, já que ninguém, além do eminente filósofo inglês, teria conseguido criticar

melhor os vícios da educação e chamar a atenção dos pedagogos.32

Por sua vez

Ricardo Jorge, num longo prefácio a uma edição datada de 1884, intitulada Educação

Intellectual, Moral e Physica, insurge-se contra o tipo de ensino oficial ministrado em

Portugal, rico em preconceitos e insuficiências, apenas instruindo os indivíduos para a

obediência aos ditames dos representantes do direito divino. O médico considera

ainda a obra do pedagogo inglês como um marco importante no mercado literário

português, ao servir para vulgarizar a educação moderna e combater o ensino oral

atrofiante das nossas escolas públicas. Para ele, o pensamento de Spencer deveria

desejavelmente difundir-se por todos os estratos sociais, a fim de sanar o declínio

intelectual, moral e físico da sociedade portuguesa.33

32

Vide José Carrilho Videira, “Prefácio” in Herbert Spencer, 1887: vii-ss. 33

Vide Ricardo Jorge, “Prefácio” in Herbert Spencer, 1888 (1884): vii-xxii.

43

Em França, todos os trabalhos de Spencer foram sujeitos a tradução34

e várias

edições foram necessárias para satisfazer os leitores. Na esfera educacional, desde

1878 que as teorias de Spencer vinham a ser alvo de estudo por parte do magistério

francês, tendo a obra educativa sido oficialmente recomendada, em 1884, para

integrar as bibliotecas pedagógicas em benefício da formação dos professores. No

ano de 1879, o filósofo francês Théodule-Armand Ribot, tradutor em 1898 de

Principles of Psychology (1855), deu-lhe conhecimento, através de carta, do

despacho do ministro da Instrução Pública francês, na sequência do qual se passaria

a fornecer gratuitamente o trabalho do teorizador aos alunos de liceus e colégios.

Contudo, excepção seria feita a Education Intellectual, Moral and Physical (1861), em

virtude de poder estimular nos jovens a aversão pelos estudo dos clássicos.35

A retórica cuidada e imbuída de convicções, revelava um apóstolo genuíno da

ciência, enunciado através de um estilo persuasor, acutilante, eloquente. Como

escritor, Spencer procurou esboçar o pensamento, principalmente através do brilho da

palavra ou da simplicidade matemática da expressão. Diz Robert G. Perrin: «One

reviewer remarked, “No modern writer employs the English tongue with greater

precision and logical accuracy than Mr. Spencer”».36

Não causará estranheza, por

isso, a sua nomeação, em 1903, como candidato ao Prémio Nobel da Literatura, ano

no qual viria a falecer a oito de Dezembro.

O estilo de transparência lapidar e dialéctica clara e isenta, captou as atenções

e o respeito de muitos intelectuais. Em Inglaterra, teve como amizades e admiradores

de uma vida inteira, Marian Evans (George Eliott), John Stuart Mill, George Henry

Lewes, Henry Thomas Buckle, Alexander Bain, Sir John Lubbock, John Tyndall ou

Thomas Henry Huxley,37

mas, também se relacionaria, de entre muitas outras figuras

34

Ao examinarem-se as principais bibliotecas portuguesas em busca das obras de Spencer pode constatar-se a existência, em maior número, de edições francesas e, em bem menor, dos originais em inglês ou das traduções em português. Em Inglaterra, todavia, nomeadamente em Cambridge, todos os exemplares dos trabalhos dele podem ser consultados nas primeiras edições, ou quaisquer outras posteriormente publicadas, encontrando-se à venda nas livrarias a obra Political Writings, 1994 (1842), facto que denuncia a renovada procura, entretanto suscitada, pelos seus ensaios. 35

Spencer acabou mais tarde por consentir que se retirasse daquela sua obra o controverso primeiro capítulo, “What Knowledge is of Most Worth?”, de forma a levantar a referida interdição ministerial. 36

Robert G. Perrin, 1993: 27. 37

Oito dos amigos de Spencer (todos reputados cientistas vitorianos) constituíram, juntamente com ele, o X-Club, fundado em 1864. Aos membros seria atribuída uma alcunha reveladora da personalidade de cada um, como por exemplo: Xalted Huxley, Xquisite Lubbock, Xcentric Tyndall ou Xhaustive Spencer.

44

proeminentes da sociedade vitoriana, com o escritor Francis William Newman, o

historiador James Anthony Froude ou o editor do influente New York Tribune, Horace

Greely. Porém, Spencer não despertou apenas amizades e elogios. Muitos críticos

não lhe perdoaram o pensamento essencialmente teórico e reticente em se submeter

a factos que o contradissessem. T. H. Huxley, intelectual de elevada craveira e capaz

de rasgos de espírito humorístico, considerava que, para Spencer, uma tragédia

equivalia a uma dedução sua ser anulada por um facto. Esta observação marcou

notoriamente Spencer, o qual a reproduziu na autobiografia, onde reconhece jamais a

ter esquecido.38

Todavia, a opinião de Huxley não parece, apesar da expressão de

mágoa do amigo, enfermar de tão grande ilegitimidade. E. C. Batho e Bonamy Dobrée

também lhe atribuem aquilo que denominam de « Strong prejudices and a sort of

mental deafness that made him unwilling to correct them ».39

Robert M. Young,

por sua vez, alude a uma personalidade instável e debilitada por sintomas neuróticos,

e, partilhando da opinião de outros, afirma: «Spencer was monotonous, petty, small-

minded, hypochondriacal and self-pitying».40

David Duncan manifesta ainda o

seguinte parecer: «Spencer‟s habit of throwing down a book when he disagreed

with any of its cardinal prepositions, afforded some justification for the suggestion that

he was unwilling to deal with arguments and facts opposed to his own views».41

George Eliot, a qual se chegou a apaixonar por ele,42

é considerada por Diana

Postlethwaite como uma das pessoas que melhor o conhecia:

On her part George Eliot was always slightly amused by Spencer‟s furious

system-making: “I Eliot went to Kew yesterday on a scientific expedition with

Herbert Spencer, who has all sorts of theories about plants I should have said a proof-hunting expedition. Of course, if the flowers didn‟t correspond to the

theories, we said, „tant pis pour les fleurs!”43

Pertenciam ainda ao clube Sir Joseph Dalton Hooker, Sir Edward Frankland, Dr. George Busk, Dr. George Hirst e William Spottiswoode. 38

Vide Herbert Spencer, 1907: 193. 39

E.C. Batho e Bonamy Dobrée, 1938: 213. 40

Robert M. Young, “Herbert Spencer and „Inevitable‟ Progress”, in Gordon Marsden (ed.), 1992 (1990): 153. 41

David Duncan, 1908: 510-511. 42

Este facto seria revelado através de três cartas que Eliot dirigiu a uma amiga, por volta de 1852, mas só recentemente publicadas na década de oitenta, após longos anos à guarda do British Council. 43

Diana Postlethwaite, 1984: 182.

45

Todavia, duas semanas apenas, antes de morrer, George Eliot, ainda citada por

Postlethwaite, escreveu: «He has so much teaching which the world needs».44

Mas, a relevância intelectual do teórico repousa, indubitavelmente, na

independência de pensamento, a qual se revelou através do raciocínio isento de

grilhões religiosos ou de recurso ao transcendente na elaboração das suas teorias. O

trabalho, logo a partir dos dezassete anos de idade, numa empresa de engenharia

ferroviária em Worcester,45

cuja actividade exigia escavações em profundidade,

proporcionou-lhe a ocasião de encetar estudos geológicos que se tornariam

particularmente interessantes através da leitura de Principles of Geology (1830-1833)

de Charles Lyell, por volta de 1840, mas também de William Harvey ou de Karl Ernst

von Baer, cujas ideias lhe despertaram a curiosidade para a biologia e a evolução. A

partir desta fase do seu percurso, o jovem Spencer entende que a origem da vida não

poderia ser percepcionada como surgindo por mero acaso, nem como estando

submetida à vontade divina ou humana. Na busca de uma explicação racional para o

funcionamento do Universo e dos mecanismos a ele intrínsecos, cedo divisou a ideia

de uma evolução cósmica, responsável pelo estado actual do Mundo e explicatória do

ponto primordial de onde tudo havia derivado. Assim se começou a sentir atraído

pelas hipóteses evolucionistas, antecipando-se a Charles Darwin ou a Alfred Russel

Wallace (cujas publicações surgiram posteriormente), na concepção de uma teoria

44

George Eliot ap. Diana Postlethwaite, ibid. 45

Spencer desempenhou funções na engenharia civil entre 1837 e 1846, com um período de interrupção durante o qual surgiram os primeiros trabalhos versando a actividade a que estava ligado. Estes vieram a público, de 1839 a 1842, no Civil Engineer and Architect‟s Journal. Em 1842 passou a ensaísta para publicar, em The Nonconformist, uma série de cartas sobre “The Proper Sphere of Government”. A sua colaboração com aquele jornal e algumas incursões na política activa resultaram na convivência com personalidades influentes e um convite, em 1844, para assumir o cargo de subeditor do Birmingham Pilot, onde escreveu sobre política e comércio. Começando a intervir de novo em empresas de caminho de ferro, abandonou-as definitivamente em 1846, para, após um curto espaço de tempo repartido por diversas actividades, se mudar para Londres, a fim de assumir, em 1848, o lugar de subeditor no Economist. Esta mudança conduziu à sua entrada no meio intelectual da capital britânica. Conheceu então John Chapman, G.H. Lewes, George Eliot (ainda Mary Ann Evans) e, em breve, se fez amigo de T.H. Huxley e John Tyndall. Depois da publicação de Social Statics em 1851, iniciou uma actividade regular de ensaísta para diversos periódicos como o Westminster Review, ou o Edinburgh Review. Para o Economist, Spencer escreveu muitas críticas sobre alguns dos trabalhos filosóficos e científicos de maior projecção na época, tendo adquirido, a pouco e pouco, um considerável conhecimento das questões fundamentais. São destes anos alguns ensaios famosos como “The Development Hypothesis”, ou “A Theory of Population, Deduced from the General Law of Animal Fertility”, onde mostrava processar-se já no espírito o conceito de evolução que o levou a concretizar as obras surgidas na segunda metade da vida. Com uma herança recebida, por morte de um tio, Spencer ganha o fôlego financeiro através do qual consegue largar as amarras profissionais para se consagrar, somente, aos trabalhos de escritor até ao final da vida.

46

evolucionista, indissociável do conceito de progresso, a qual viria a dominar toda a

sua obra, orientada essencialmente para o domínio social e não tanto para o mundo

orgânico.

Ao tomar conhecimento, como o próprio reconheceu, no ano de 1851, da teoria

designada “von Baer” (enunciada em 1829 pelo naturalista e embriologista estónio

Karl Ernst von Baer) a qual considera o desenvolvimento biológico como partindo do

ovo homogéneo para o organismo heterogéneo Spencer iria aplicar esta ideia da

evolução do simples para o complexo, a todos os domínios do desenvolvimento: do

sistema solar, das espécies, da sociedade humana e de todas as formas da

expressão social (a linguagem, a arte, ou a indústria, entre outras).

Prontamente recolheu o apoio e o apreço de muitos intelectuais vitorianos.

Charles Darwin considerou-o o grande filósofo da Inglaterra e o grande intérprete do

princípio da evolução.46 George Lewes em Biographical History of Philosophy (1845-6)

reconheceu ter sido ele, de entre todos os pensadores ingleses, o único a dar corpo a

um sistema de filosofia. Thomas Henry Buckle diria só muito excepcionalmente ter

lido um trabalho cujo conteúdo retinha um pensamento tão aprofundado. John Stuart

Mill equiparou-o a Auguste Comte pelo poder de encadeamento e coordenação do

saber, e classificou-o como um dos poucos espíritos criadores e mestres orientadores

de uma geração no grandioso rumo para o progresso. Para T. H. Huxley, por sua vez,

o sistema filosófico de Spencer era a única exposição completa e metódica do

evolucionismo encontrando-se, ao invés de Comte, sujeito ao rigor científico em falta

no trabalho do filósofo francês. Diz ele em Method and Results Essays by Thomas

H. Huxley (1894):

Evolution, as a philosophical doctrine applicable to all phenomena, whether physical or mental, whether manifested by material atoms or by men in society, has been dealt with systematically in the “Synthetic Philosophy” of Mr. Herbert

Spencer. I mention it because, so far as I know, it is the first attempt to deal, on scientific principles, with modern scientific facts and speculations. For the “Philosophie Positive” of M. Comte, with which Mr. Spencer‟s system of philosophy is sometimes compared, though it professes a similar object, is

unfortunately permeated by a thoroughly unscientific spirit .47

46

Cf. Charles Darwin “The Expression of the Emotions in Animals and Man” (1872). 47

T. H. Huxley, 1894: 102-103.

47

A primeira exposição de Spencer das suas ideias evolucionistas, indiciadoras

da influência do princípio lamarckiano da herança dos caracteres adquiridos, surge

num artigo escrito para o Leader, a vinte de Março de 1852, sob o título “The

Development Hypothesis”,48

seis anos antes de Alfred Russel Wallace e Charles

Darwin, separadamente, terem apresentado uma teoria da evolução à sociedade

Linnaean Society of London (1858), e sete anos antes da publicação de Origin of

Species (1859) de Darwin, obra calorosamente recebida por Spencer. Mas se Darwin

tinha limitado o princípio da evolução aos seres vivos, Spencer elaborara uma lei

extensiva a todas as formas da vida, da sociedade, da cultura e do Universo,

inspirando-se no processo evolutivo dos seres biológicos para lavrar esses princípios.

Darwin escreveu-lhe logo após ter tomado conhecimento das ideias evolucionistas

spencerianas:

Your remarks on the general argument of the so-called Development Theory seem to me admirable. I am at present preparing an abstract of a larger work on the changes of species; but I treat the subject simply as a naturalist, and not from a general point of view; otherwise, in my opinion, your argument could not have been improved on, and might have been quoted by me with great

advantage.49

É através da lei da evolução que Spencer vai explicar todos os fenómenos e

sectores da realidade, edificando, a partir de 1862, um sistema filosófico amplamente

estruturado e unificador do conhecimento, designado A System of Synthetic

48

Não data, porém, deste artigo a primeira vez onde Spencer adoptou o termo “evolução”, tendo-o popularizado ainda antes de Darwin ao fazê-lo entrar nas conversas sociais por o aplicar a todos os tipos de fenómenos. Utilizou-o por escrito, de início, numa carta ao amigo Edward Lott, a vinte e três de Abril de 1852, bem como mais tarde em “Manners and Fashion” (1854) e não em “The Development Hyphothesis” (1852), como afirmam alguns escritores, já que neste ensaio Spencer se limitou a recorrer ao uso de «modification», «change», ou «development». A palavra “progresso” era por ele empregue com um sentido equivalente ao de evolução em alguns dos seus trabalhos, mas, por altura de “The Ultimate Laws of Physiology” (1857), o termo “evolução” substituiu-a quase definitivamente. Diz Robert G. Perrin: «Spencer explained that “progress” has an “anthropocentric meaning” and thus was unsatisfactory for his purposes» (in Robert G. Perrin, 1993: 35). Por outro lado, “involução” era o vocábulo deveras preferido por Spencer, já que “evolução”, ao sugerir a ideia de expansibilidade, de abertura ou do desdobrar do potencial existente em algo, não servia o seu propósito de acentuar a crescente convergência da matéria constituinte de um agregado. Spencer acabou, no entanto, por eleger o uso do termo “evolução” ao suspeitar poder tornar-se confuso o uso de qualquer outro. 49

David Duncan, 1908: 87.

48

Philosophy.50

Tratava-se de uma filosofia «Sintética» porque consistia numa forma de

organizar o conhecimento com o contributo das ciências, que consistiriam elas

próprias num saber parcialmente coordenado. Neste seu sistema, tudo teria um lugar

determinado e resultaria de um único princípio. Ao chegar a esta conclusão, Spencer

deu início a uma etapa da vida, ocupada, a partir desse período e durante extensos

anos, por uma vasta obra, a qual o projectou para o reconhecimento público.

A elaboração do sistema filosófico sintético, intencionalmente abarcador de

todas as formas do saber, tornou-o, também, o pensador a quem foi reconhecido ter

chegado mais longe. Diz Diana Postlethwaite ser esse o ponto de vista de George

Henry Lewes, citando-o a partir de Problems of Life and Mind, Foundations of a

Creed:

Locke, Hobbes, Berkeley, and Hume “have produced essays, not systems. There has been no noteworthy attempt to give a conception of the World, of Man, and of Society, wrought out with systematic harmonizing of principles. ... Mr. Herbert Spencer is now for the first time deliberatly making attempt to found

a Philosophy.”51

Spencer projectava, de facto, fazer prova da existência da evolução como uma

realidade irrefutável. Defendia, assim, o natural evoluir do Universo, sendo o

progresso determinado pelo desenvolvimento em todos os domínios, fossem eles o

geológico, o astronómico, o orgânico, o social ou o económico. Por conseguinte, em

traços muito sumários e segundo o seu raciocínio, devia entender-se por evolução a

passagem do homogéneo, indefinido e incoerente ao heterogéneo, definido e

coerente. Depois de decorridos dez anos de maturação reflexiva, foi em First

Principles of a New System of Philosophy (1862) título mais tarde encurtado para

First Principles que Spencer largamente explanou aquele conceito. A conservação

50

A System of Synthetic Philosophy seria constituído por vários manuscritos. Principles of Psychology surgiu numa primeira edição de dois volumes, em 1855, reeditada quatro vezes até 1899. “On Laws in General and the Order of their Discovery” foi o primeiro artigo publicado em Essays (1862) que constituiu parte do original First Principles, editado sete vezes até 1904. Em 1864 saiu o primeiro tomo de Principles of Biology e, em 1867, o segundo, ambos sujeitos a revisões e aditamentos em outras edições posteriores que se prolongaram até 1899. O primeiro livro Principles of Sociology foi publicado em 1876, o segundo em 1879 e o terceiro em 1885, todos sucessivamente revistos e aumentados até 1896. Principles of Ethics encerra a filosofia sintética de Spencer. Apareceu num volume inicial em 1879, e num segundo em 1891, reeditados e aumentados até 1893. 51

George Henry Lewes, ap. Diana Postlethwaite, 1984: 203.

49

da energia, por ele designada como the persistence of force, constituía, como

facilmente será reconhecível, a alavanca de arranque do sistema dedutivo

spenceriano. A partir da persistência de forças, manifestadas através da integração

da matéria e do concomitante dissipar do movimento, Spencer deduziu que tudo o

que é homogéneo e instável, devido ao efeito causado por essas forças relativamente

às suas várias partes, deveria provocar alterações no seu desenvolvimento futuro.

Deste modo, o homogéneo acabaria por atingir formas heterogéneas, residindo aqui a

chave da evolução universal. O processo evolutivo seria, então, um fenómeno

essencial do Universo processando-se unitária e continuamente através de todas as

formas da existência, não podendo haver nenhuma solução de continuidade, nem

operar-se qualquer metamorfose de um grupo de fenómenos concretos em outro,

sem a existência de uma ponte de fenómenos intermédios.

A manifestação do progredir da homogeneidade para a heterogeneidade

estava presente em todos os domínios permitindo resolver múltiplos mistérios.

Spencer tentou, assim, interpretar e decifrar enigmas como o da formação do sistema

solar e da Terra a partir da massa inconsistente da nebulosa; a evolução das

espécies superiores e mais complexas apuradas das inferiores e mais simples; o

desenvolvimento embrionário do indivíduo desde um grupo inicial de células; o

engrandecer do pensamento humano pela acumulação dos conhecimentos ao longo

das eras; ou, ainda, o aperfeiçoamento das sociedades principiado nos agrupamentos

de homens primitivos.52

Para ele o resultado final deste processo seria o atingir de um

estado de perfeito equilíbrio, quer no domínio dos organismos animais, quer no seio

da sociedade. Num organismo, o equilíbrio alcançava-se através do progressivo

enfraquecer do ser, terminando o seu desenvolvimento com a morte. Na sociedade, o

processo evolutivo estaria concluído somente com a obtenção e o estabelecimento da

perfeição e felicidade máximas.

52

Analisar o progredir da homogeneidade para a heterogeneidade nas sociedades humanas implicava, naturalmente, uma recolha minuciosa de dados em termos comparativos. Para esse propósito, Spencer estruturou a obra Descriptive Sociology, uma série de álbuns, os quais apresentavam, em termos resumidos, as características mais relevantes das diversas sociedades e cuja publicação se iniciou em 1873. Apoiado nestas informações, mostrou, em Principles of Sociology (1876-1896), como na vida das sociedades, tal como acontece com os organismos, se verifica a lei geral da evolução. Contudo, embora muitos interpretassem a insistência dele nas analogias orgânicas, como se de uma tese geral se tratasse e na qual a sociedade é um tipo particular de organismo, teve o cuidado de repudiar tal interpretação.

50

Deverá reconhecer-se, contudo, o facto do evolucionismo, tal qual Spencer o

concebeu, não se mostrar rígido e, pelo contrário, revelar considerável prudência no

enunciar das leis da evolução. Segundo ele, elas apenas descrevem tendências, pois

a conjectura e as circunstâncias, nomeadamente históricas, poderiam influenciá-las

noutro sentido e, até certo ponto, contradizê-las. Era por isso axiomático que, todos

os aspectos do Universo, quer fossem orgânicos ou inorgânicos, sociais ou não,

estavam sujeitos à lei da evolução. Para este filósofo, tanto o progresso das

sociedades como o dos organismos biológicos era idêntico e sujeito às mesmas

forças. A partir das ideias atrás expostas, facilmente se percebe onde residiam as

circunstâncias que o conduziram à rejeição do conceito criacionista do Universo,

posterior abandono da fé cristã e, por fim, a uma tomada de posição agnóstica.

Spencer não foi, todavia, o único precursor do pensamento evolucionista.

Antes dele, personalidades notáveis que conquistaram um lugar na história das Ideias

contribuíram para iluminar os meandros da ciência ao elaborar as primeiras noções

de evolucionismo. Estas podem reportar-se a pensadores de outras épocas bem

distantes, se for levado em linha de conta o pensamento de Platão e Aristóteles, que,

na Grécia Clássica, cerca do século IV antes de Cristo, já tinham atentado nas

mudanças sociais. Exemplos mais recentes podem encontrar-se no século XVII, como

são os casos de Thomas Hobbes em Leviathan (1651); de John Locke no segundo

Two Treatises Of Government (1690); ou de Jacques Bénigne Bossuet em Discours

sur l‟Histoire Universelle (1681). Um século depois, Chavannes em Essai sur

l‟Éducation Intellectuelle avec le Projet d‟une Science Nouvelle (1787) e David Hume

em Of the Rise and Progress of the Arts and Sciences (1793), salientaram-se,

também, pelo contributo oferecido às ideias evolucionistas. Ainda no século XVIII,

George-Louis Leclerc Buffon, não elaborando propriamente uma teoria, tratava do

tema da transformação das espécies na obra, em trinta e dois volumes, Histoire

Naturelle, Générale et Particulière (1749-89). Do mesmo modo, James Hutton em

Theory of the Earth with Proofs and Illustrations (1795) e Erasmus Darwin, o qual

escreveria em verso Zoonomia or the Laws of Organic Life (1794-1796), já

51

assinalavam a evolução do mundo orgânico, antecipando aspectos constitutivos de

algumas das teorias evolucionistas do naturalista francês Jean Baptiste Lamarck.53

Seriam, contudo, determinantes para o caminho percorrido por Spencer no

elaborar de uma concepção evolucionista, Jean-Baptiste Lamarck, Karl Ernst von

Baer, Charles Lyell, Robert Chambers e Auguste Comte. No domínio da evolução

biológica, Jean-Baptiste Lamarck (o qual concebeu, em 1796, uma teoria evolutiva do

sistema solar), foi o primeiro naturalista a pensar em termos do desenvolvimento das

espécies. Ao defender que as mudanças operadas nas espécies, se deviam às

relações dos seres vivos com o meio ambiente, este intelectual acabaria por concluir

operar-se, com o tempo e pela influência do hábito, uma evolução de todas as formas

vivas para formas mais complexas, lançando, em Philosophie Zoologique (1809), a

teoria tornada a pedra basilar da mudança progressiva das espécies. Segundo ele,

todas as metamorfoses estruturais e funcionais dos órgãos e dos membros do ser

vivo estavam condicionadas pelo uso ou desuso dos ditos membros, sendo tais

adaptações funcionais hereditárias.

As ideias evolucionistas captaram, alguns anos mais tarde, o interesse do

russo Karl Ernst von Baer, de Koenigsberg, notabilizado pelos trabalhos de

embriologia. Escrevendo, entre 1828 e 1837, Entwicklungsgeschichte der Tiere, expôs

nessa obra o conceito de que a evolução se dá como se tivesse por objectivo

transformar em acto o existente em potência no ser orgânico.

Avançando ainda mais longe, surge Charles Lyell, um dos fundadores da

geologia moderna e conhecido de Spencer. Ao publicar Principles of Geology (1830-

33), apontava já para uma teoria evolucionista capaz de demolir o conservadorismo

científico e as posições catastrofistas, pois demonstrou a existência de uma evolução

53

Na primeira metade do século XIX e na sequência da importância adquirida pelos trabalhos

estratigráficos e geológicos por via de escavações em profundidade nas minas essenciais à

Revolução Industrial que permitiram o achado de inúmeros fósseis de animais, até aí desconhecidos foram aparecendo diversos trabalhos de investigação, os quais visavam divulgar as recentes descobertas. Muitos desses textos tentavam confirmar a teologia natural, outros (essencialmente originários na França e na Alemanha) apresentavam teorias científicas mais secularistas. Contudo, só através da efervescência do ideário oitocentista provocado por Charles Darwin, neto de Erasmus Darwin, ao fazer penetrar o evolucionismo nas ciências da natureza, se verificou o derradeiro desabar das crenças mais conservadoras características do pensamento vitoriano,.

52

biológica, a qual era comprovada pela sucessão de estratos geológicos reveladores

do evoluir sucessivo das formas dos animais.54

Outra figura marcante foi Robert Chambers. Embora não demonstrasse o

«como» ou o «porquê» de as várias espécies adquirirem os seus caracteres

peculiares argumentando meramente a favor do desenvolvimento progressivo de

uma espécie para outra foi (sem esquecer Comte) outro dos ensaístas, cujas ideias

muito se assemelhara às de Spencer. Isto, porque acreditava na progressão contínua

das formas de vida inferiores para outras superiores, em resultado de um impulso que

fora comunicado a essas formas de vida e perpetuado de geração em geração, como

expôs em Vestiges of the Natural History of Creation (1844).

Por seu turno, Auguste Comte destacar-se-ia pela relevância das suas ideias

no âmbito das concepções evolucionistas. Em Cours de Philosophie Positive (1830-

42) dedicou-se ao estudo da sociedade, aplicou-lhe as leis evolutivas55

e defendeu

ser possível observar nos povos primitivos contemporâneos os primeiros estádios dos

grupos civilizados. Considerando que as mudanças culturais eram lentas, graduais e

contínuas seguindo uma ordem fixa e determinada Comte atribuiu as diferenças

de cultura à rapidez com que cada grupo social passava a estádios sucessivos, os

quais, no seu entender, eram três: o estado teológico ou fictício, o metafísico ou

abstracto e o estádio científico ou positivo, onde a busca das causas metafísicas era

abandonada em favor das leis científicas. Assim sendo, ao aplicar uma teoria da

evolução à estrutura da sociedade, Comte converteu-se numa referência

incontornável para pensadores e sociólogos, seus precursores. Por outro lado, ao ser

considerado o primeiro a ter exposto nitidamente a dependência existente entre a

biologia e a sociologia, tornou-se indissociável do pensamento de Spencer.

54

Na mesma década em que surgiu a obra considerada como uma das principais de Charles Lyell, as investigações arqueológicas de Schmerling na Bélgica e de Boucher de Perthes em Abbeville levaram à descoberta de fósseis humanos pré-históricos, os quais, embora não fossem os primeiros, tornaram aqueles investigadores protagonistas de um acontecimento antes adiado e rejeitado pelos conservadores devido ao receio das suas implicações e de consequências indesejadas para a sociedade contemporânea. 55

Na primeira metade do século XIX, Marx e Engels avançaram também com teorias da evolução social, mas os seus escritos não seriam considerados, na época, como detentores de solidez aceitável, sob o argumento de não proporcionarem as bases científicas para o estudo da sociedade humana. Tais teorias no domínio da evolução social, só encontraram terreno mais favorável a partir da segunda metade do século.

53

A influência produzida pelas ideias dos intelectuais acima referidos nas

doutrinas de Spencer parece resultar numa constatação indiscutível, apesar de o

teórico inglês não se ter considerado um leitor notável quando afirmou só se submeter

à leitura de trabalhos de outros autores conforme o interesse momentâneo num

determinado tema (assunto que se retomará mais tarde na presente dissertação).

Porém, o raciocínio indutivo de Spencer, percorrendo trilhos já embrionariamente

experimentados, viria a aprofundar conteúdos por via da enunciação de teses que o

destacaram dos contemporâneos. Depois de formular alguns pressupostos quanto à

teoria da evolução do cosmos e dos organismos vivos, revolucionou o conhecimento

da sua era e da precedente, ao concluir, de forma inequívoca, serem os pressupostos

aplicáveis à Natureza de igual modo adequados à história da cultura humana. Este

será um aspecto fundamental em Spencer, uma vez que desenvolveu o seu trabalho

notoriamente mais inclinado para o evolucionismo social, do que para o evolucionismo

biológico, ao qual se dedicou muito menos.56 Isto é facilmente constatável através da

extensão da obra, pois nela é possível encontrar um número superior de trabalhos

orientados para o estudo das sociedades. Não obstante esta circunstância, a

capacidade de abrangência do intelecto de Spencer, ao abordar todas as esferas do

saber, levou-o a autodenominar-se um generalista e um sintetizador. Acreditava ter

trazido ordem às várias disciplinas da cultura através de princípios gerais, delas

unificadores. Mas, se houve um campo, no qual poderá ser apelidado de especialista,

será na área da sociologia. Segundo Charles Horton Cooley o insuficiente

aprofundamento e dedicação ao estudo das ciências exactas por Spencer,

opostamente a Darwin, tinha raízes na sua personalidade:

So far as I am able to judge, Spencer had great gifts as an observer of inanimate nature, and only his exorbitant speculative trend prevented his achieving more important results than he did. His questioning of accepted ideas, his persistency, his ingenuity and manual skill (much greater than that of Darwin) were all valuable traits. What he mainly lacked as a natural scientist, I

56

As teses de Spencer no âmbito das ciências exactas revelaram, também neste campo, o esforço e o rigor a que sujeitava todo o seu trabalho. Contudo, algumas das suas teorias não passaram de puros exercícios de especulação cuja inconsistência só o avanço da tecnologia e da ciência permitiram desmistificar. Que mais nos nossos dias, senão um sorriso, poderá suscitar a crença de Spencer,

quando em The Principles of Biology (1864-67) afirma em conformidade com a sua teoria da

agregação para a complexidade que eram as primeiras palpitações do coração do feto que favoreciam o desenvolvimento dos membros? Ou que o coração surgia da complicação de um vaso sanguíneo?

54

imagine, was again humility. He was inclined to domineer over his facts, instead of listening with open mind to what they had to say. Spencer claimed that he had “equal proclivities towards analysis and synthesis.” This is true, in the sense that he had an equal need to see his conceptions in large and in detail, but I think that both his analysis and his synthesis were a priori, that in both the disposition to work out preconceived ideas is far more active than desinterested curiosity. Indeed, when he once gets to work, especially upon social material, the latter is hardly discernible. He himself regrets that he was apt “to be

enslaved by a plan once formed” and to slur over difficulties.57

Como se pode depreender do acima citado, contrariamente ao que seria de

esperar num pesquisador do campo das ciências exactas, Spencer construía as

teorias a partir da enunciação teórica e não da reunião dos factos, buscando

posteriormente ilustrá-las ao recolher os elementos comprovantes das suas ideias

preconcebidas. Para levar a bom termo esta metodologia contou com a ajuda de

secretários e colaboradores, cada vez mais imprescindíveis já no final da vida,

porquanto os problemas do foro neurológico que o atingiram não lhe permitissem

concentrar-se além de duas horas por dia. Todavia, este método de trabalho

adoptado por Spencer nada teria de impróprio, não fosse o pensamento desprovido

de humildade científica, como Cooley atrás denuncia.

Estas constatações não invalidam, porém, as características positivas do

raciocínio de Spencer, o qual examinava os dados sociológicos, pedagógicos, morais,

éticos, políticos ou psicológicos, de forma idónea e à luz de um espírito observador e

racional, de cariz científico, doutrinariamente independente e insubmisso. O seu modo

de trabalho baseava-se, com efeito, numa investigação58

assente na observância dos

factos submetidos a um exame rigoroso das hipóteses enunciadas, as quais, por sua

vez, firmava em estatísticas ou no reconhecimento do processo dinâmico que afecta

todos os fenómenos. O contributo dos estudos encetados antes, ou em simultâneo,

57

Charles Horton Cooley, “Reflections upon the sociology of Herbert Spencer”, 1920: 135-136. 58

Foi em Principles of Sociology (1876-1896), manuscrito constituído por mais de 2.200 páginas, no qual Spencer incluiu milhares de referências, que aplicou os princípios da evolução às sociedades humanas. Para reunir as informações utilizadas naquela obra empregou, como secretários, David Duncan, de 1867 a 1870, James Collier, de 1870 a 1881, e Richard Scheppig, de 1872 a 1877, para que estes realizassem uma resenha de extensas obras de história, etnografia e viagens, sobre todas as populações conhecidas; citassem, metódica e sistematicamente, todos os factos e passagens sociológicas significantes; e, por fim, organizassem esses elementos de acordo com um complexo esquema divisado por ele próprio. Os resultados foram, mais tarde, publicados em Descriptive Sociology (1873-1881). Vide nota 52.

55

por outros historiadores, exploradores, ou biólogos, enriqueceriam, indubitavelmente,

as comprovações e teorias spencerianas.

Spencer deverá, assim, ser reconhecido como um dos filósofos da sua época

que faziam depender todo o conhecimento de um trabalho experimental, na linha do

pensamento do francês Auguste Comte, para quem o único saber importante e

legítimo era obtido através das ciências empíricas. Segundo M. E. Cazelles, tradutor

da versão francesa de First Principles (1862), ao conquistar um lugar proeminente

entre os positivistas do século XIX, Spencer aproximou-se, afinal, de uma outra

orientação devido ao método de trabalho por ele adoptado:

Il emploie volontiers un language qui pourrait le faire prendre pour un adhérent d‟une autre école: il parle de principes à priori, de vérités nécessaires; il reproche aux empiriques de prétendre expliquer celles de nos croyances qu‟on apelle nécessaires comme ils expliquent toutes les autres, sans supposer la

nécessité d‟aucune croyance.59

A considerar-se, então, Spencer como um filósofo de pensamento empírico,

esta asserção resulta da forma como, na defesa do conhecimento científico e

consequente ânsia de rigor, recorreu à experimentação. Para ele, a ciência era, afinal,

a descrição objectiva de grande número de experiências. Admitia, no entanto, a

existência do incognoscível (em First Principles (1862) reconheceu uma realidade

designada por unknowable), a qual originava o mundo fenoménico. Mas esta seria

outra área controversa que suscitou as críticas dos observadores atentos ao seu

trabalho.

Se o despertar do pensamento dos demais é o principal dom dos pensadores,

Spencer pertencerá, inegavelmente, ao número dos que o conseguiram, como a

seguir se demonstrará. Em abono da verdade terá de reconhecer-se o alcance

intelectual da sua obra, cujas mensagens doutrinárias conquistaram um lugar de

relevo na cultura dos séculos XIX e XX, absolvendo-o assim, de algum modo, dos

defeitos apontados pelos opositores. O conceito de Spencer, segundo o qual a

sociedade é um organismo e algo mais do que os indivíduos que a compõem,

constituindo uma unidade coesa de partes interdependentes, resultou em outras

doutrinas que o exprimiram em termos biológicos, sendo a mais controversa delas o

59

M.E. Cazelles, “Introduction du Traducteur” in Herbert Spencer, 1890: xv.

56

organicismo. Esta corrente de ideias foi incrementada por numerosas publicações de

alguns intelectuais de diversos países da Europa surgidas no último quartel do século

XIX e nos primeiros anos do século XX.

Por outro lado, precursores de Spencer e do seu darwinismo social cuja

aceitação nos Estados Unidos excedeu todas as expectativas do teórico surgiram,

também, através das obras de autores da Europa Central, principalmente originários

do Império Austríaco, defensores da existência de raças dominantes que organizavam

o Estado sob a sua égide. Em França, Joseph Arthur Gobineau, em Essai sur

l‟Inegalité des Races Humaines (1853-1855), expressaria um pensamento de cariz

racista ao advogar a legitimidade de classes superiores, as quais acabaram por vir a

influenciar o nacional-socialismo. Ao longo da segunda metade do século XIX,

diversos intelectuais ingleses e, particularmente, americanos como já se referiu,

abraçaram a teoria do evolucionismo social para justificar as desigualdades na

sociedade.60 Foi este o caso de Walter Bagehot ao desenvolver a teoria da evolução

dos grupos humanos assente na luta entre eles travada pela sobrevivência, ou de

William Graham Sumner, professor da Universidade de Yale,61

e um dos discípulos de

Spencer nos Estados Unidos que considerava firmar-se o progresso dos povos na

concorrência livre, da qual deveria resultar a vitória dos mais capazes.

Spencer sentiu necessidade de se distanciar de todas estas correntes

originadas, erigidas e difundidas, a partir da interpretação do seu pensamento, que de

alguma forma deturparam. Assim fez quanto aos princípios organicistas quando

escreveu a seguinte passagem no ensaio “The Organism Analogy: Inductions of

Sociology” (1864):

Here let it once more be distinctly asserted that there exist no analogies between the body politic and a living body, save those necessitated by that mutual dependence of parts which they display in common. Though, in foregoing chapters, sundry comparisons of social structures and functions to structures and functions in the human body, have been made only because

60

No conceito spenceriano da sociedade como um organismo vivo, a existência de uns indivíduos mais desenvolvidos do que outros devia-se ao processo evolutivo e à selecção natural, a qual conduzia a um combate útil (por produzir seres superiores) entre os membros de uma mesma sociedade, entre as classes dessa sociedade e entre as nações e as raças. Assim, no topo da pirâmide racial encontravam-se os europeus seguidos dos asiáticos e dos africanos. 61

Seria, aliás, Sumner, quem, em Yale, leccionou o primeiro curso de sociologia nos Estados Unidos utilizando, para o efeito, The Principles of Sociology (1876-96) como texto didáctico.

57

structures and functions in the human body furnish familiar illustrations of

structures and functions in general.62

Mas a vasta obra de Spencer não recolheu unicamente admiradores e

precursores das suas teorias, como já se descortinou. Muita controvérsia se

levantaria, na tradição, aliás, dos intelectuais vitorianos deliberadamente envolvidos

em polémicas decorrentes da defesa das opiniões. Os confrontos entre Matthew

Arnold e T.H. Huxley seriam disso exemplo, assim como entre John Henry Newman e

Charles Kingsley, F.R. Leavis e Sir Charles Snow, Samuel Wilberforce e John Tyndall

ou William Wheweel e John Stuart Mill, entre muitos outros casos. Em 1880, Spencer

entrou em grande controvérsia com Peter G. Tait sobre o significado conceptual do

termo spenceriano “evolução”. Entre 1884 e 1885 debateu o conceito de “the

unknowable”, considerado por Frederic Harrison a religião fantasma de Spencer. Em

1885, contestou, também contra Harrison, o facto de este considerar A System of

Synthetic Philosophy (1855-96) uma imitação de Cours de Philosophie Positive (1830-

42) de Comte. Ainda nesse ano, voltaram a debater-se sobre as circunstâncias da

publicação de The Nature and Reality of Religion (1885). Com o biólogo alemão

August Weisman, Spencer teve, entre 1893 e 1895, uma longa controvérsia, pois

aquele refutara a hereditariedade dos caracteres adquiridos constitutivos do

pressuposto fulcral da variante do evolucionismo arquitectado por Spencer. Outros

proeminentes intelectuais cruzaram também o seu caminho (Thomas Hill Green em

1881, Goldwin Smith em 1882, Émile de Laveleye em 1885, o Duke of Argyll em

1888), ao interpor-se-lhe, rebatendo as teorias ou criticando-as, por vezes de modo

sério, outras de forma jocosa. E. B. Tylor e Thomas Carlyle colocaram-se entre

aqueles que deixaram claro não gostar dele, como refere Robert G. Perrin: «Thomas

Carlyle, whose “great man theory of history” Spencer demolished , once described

him as “the most immeasurable ass sic in Christendom”».63

Por seu turno, a amizade

de quase quarenta anos com Huxley não resistiria quando, entre 1889 e 1894, este

resolveu atacar o conceito de ética política defendida por Spencer e a sua filosofia de

extremo individualismo, ao basear-se para tal, em passagens de The Man “Versus”

the State (1884).

62

Herbert Spencer, 1968 (1864): 73. 63

Robert G. Perrin, 1993: 86.

58

Apesar de se mostrar um crítico implacável dos outros, Spencer respondia,

invariavelmente, às críticas apontadas refugiando-se na afirmação de que as suas

declarações tinham sido incompreendidas, ou deturpadas, porém, estabelecia, uma

fronteira categórica entre os juízos de carácter pessoal e os de ordem impessoal. Os

últimos não lhe perturbavam a serenidade de espírito, mas os primeiros, quando

dirigidos ao carácter, já o deixavam mais susceptível e de humor alterado.

Se algumas dessas análises menos elogiosas atentavam na falta de

originalidade (a qual continua, ainda nos nossos dias, a pender sobre a obra), a

essência das ideias também era acusada de enfermar os excessos do utilitarismo,

positivismo, liberalismo ou monismo. Spencer era de facto um intelectual

inconformista e, poder-se-á agora acrescentar, controverso, ao sentir a autoridade e a

intervenção estatal como um empecilho à iniciativa individual, por ele,

incondicionalmente, valorizada. De tal forma defendia a independência de

pensamento, que, em 1884, ao receber um pedido de autorização para ser nomeado

candidato ao Parlamento, logo respondeu ao Reverendo J. Page Hopps prenderem-

se as razões da recusa com o facto de os conceitos políticos, por ele professados,

divergirem dos da totalidade dos partidos políticos existentes. Segundo ele, a

anuência para exercer tal cargo estava completamente fora de questão:

I should be in continual antagonism with my constituents; most of whom, Liberal as well as Conservative, hold opinions from which I dissent and who would wish

me to support measures which I entirely disapproved of .64

Contudo, apesar de se mostrar determinado em isolar-se das correntes

políticas vigentes, a sua doutrina facilmente demonstrou o pendor liberal. Em Letters

“On the Proper Sphere of Government” (1842) e, alguns anos depois, em Social

Statics (1850), ao exprimir o modelo ideal de sociedade, e o lugar nela ocupado pelos

indivíduos, bem como os direitos e relações a estabelecer entre os homens e o

Estado, enuncia, por essa altura, os ditames políticos que lhe tinham norteado a

existência e a conduta até esse momento da vida e os quais jamais abandonou.

Estava convicto que a sociedade civilizada seria como um organismo superior, dentro

do qual a harmonia se atingia através da subordinação de umas partes às outras e

64

Herbert Spencer in David Duncan, 1908: 241.

59

onde a vivência perfeita dependia do individualismo do ser humano. Estes conceitos

perpassam toda a obra, sendo até reforçados ao longo dos anos, como em Justice

(1891), obra na qual retoma a defesa dos limites do exercício do Estado, ou em Facts

and Comments (1902), onde, entre outros temas, aborda a educação estatal para

dela discordar. Em The Man “Versus” the State (1884), Spencer reafirma as

convicções e expõe a defesa do verdadeiro liberalismo. Se este, no passado, tinha

estabelecido limites aos poderes dos reis, no futuro deveria limitar os poderes

parlamentares e garantir a liberdade dos indivíduos agirem sob a iniciativa própria.

Foi, por esta altura, que Spencer adoptou atitudes mais radicais no âmbito da política

quando aderiu ao Movimento pelo Sufrágio completo (Complete Suffrage Movement)

e deu início, nos anos imediatos, à redacção de panfletos em defesa da reforma

eleitoral.

O discurso convicto e persuasor nesta matéria do liberalismo político e

económico gerou polémica. Em “Evolution and Ethics”, publicado no nono volume de

Collected Essays (1894), Huxley denunciou o seu individualismo fanático, não sendo

a única voz a erguer-se contra a excessiva valorização de Spencer da iniciativa

privada, especialmente quando se insurgia contra os apoios do Estado e defendia a

economia do total laissez faire.65

Estas acusações, que mais tarde adquiriram renovada importância, constituir-

se-iam, em grande parte (embora não em exclusivo), a partir das causas que

conduziram o teórico ao esquecimento. Com efeito, decorridos alguns anos, a sua

reputação nos círculos intelectuais e no seio dos estudiosos em ciências sociais, foi

irremediavelmente abalada por entrar em absoluta discordância com as novas teorias

colectivistas (tornadas entretanto uma moda novecentista), que se propunham

solucionar os velhos problemas do homem e da sociedade. Diz Jonathan H. Turner

que a sociologia contemporânea tem sido apelidada do seguinte modo: «

Decidedly liberal, radical, and collectivist».66

Por contraste, Spencer foi

acentuadamente não intervencionista e anticolectivista, em particular em The Man

65

Para Spencer, esta não era simplesmente a expressão de um princípio político-económico, mas antes o termo a aplicar a um princípio mais geral, o qual devia permitir aos cidadãos recolher os benefícios ou os males decorrentes dos próprios actos. Laissez faire seria, assim, uma regra de conduta, um código individual de responsabilidade ao reconhecer cada pessoa como responsável pelo seu comportamento e, por consequência, pelos resultados positivos, ou negativos, resultantes das acções praticadas. 66

Jonathan H. Turner, 1985: 13.

60

“Versus” the State (1884), obra que, ao contrário de revelar o protesto isolado de um

pensador liberal, constituía a manifestação liderante de toda uma corrente da opinião

política, sua contemporânea, conhecida através dos autodenominados individualists.

Sobre estes refere Michael Taylor:

Theirs was a defensive, conservative creed which aimed to resist any further extension of the state‟s activities and, if possible, to curtail them still further. At the core of Individualism was Spencer‟s law of equal freedom, namely that “every man may claim the fullest liberty to exercise his faculties compatible with

the possession of like liberty by every other man.67

De todo o modo, a postura de Spencer projectá-lo-ia como um dos raros

sociólogos liberais e prestigiados teóricos do liberalismo, convencido como estava, de

que se o Estado fosse demasiado interveniente e não coexistisse em atitude passiva

e harmoniosa com o individualismo, a sociedade industrial não poderia desabrochar.

Por esta razão, o bem dos cidadãos não estaria subordinado às conveniências do

Estado, mas antes devia obrigar-se o Estado a servir os interesses dos cidadãos.

Spencer não se excluía, por conseguinte, do espírito vitoriano, cuja estabilidade e

optimismo no âmbito social, político e económico, dominaram a partir da segunda

metade do século XIX. Nessa era de prosperidade, durante a qual as ideias liberais

medraram e adquiriram cada vez mais aderentes, Spencer destacou-se como um

mirífico veiculador das teorias favoráveis ao desenvolvimento industrial.

Por outro lado, a apologia da observação experimental como primeiro critério

da verdade inseriu-o na doutrina filosófica disseminada por Auguste Comte designada

de positivismo. Ao defender a ciência como a única via de aquisição do conhecimento

genuíno, o qual provinha, por sua vez, da experiência senhorial obtida através da

observância e da pesquisa, Spencer (que muito fez para se demarcar de Comte e da

sua perspectiva da ciência como se de uma religião se tratasse 68

) assumiu uma

67

Michael Taylor (ed.), 1996: x. 68

Num interessante artigo sobre Comte, de título “O diácono do Progresso” e publicado no Diário de Notícias de 18 de Janeiro de 1998, o seu autor, Miguel Gaspar referia o seguinte: «Auguste Comte partilhava o gosto imoderado pela criação de paraísos com certificado de garantia científica com o seu contemporâneo Karl Marx. Porém, o filósofo francês entendeu por bem, na derradeira fase da sua vida, dar à sua profissão de fé no progresso a forma de uma “religião da humanidade”. Isto porque o estudo da sociedade mostrava a importância da religião como cimento social. Comte entendeu que uma religião sem Deus poderia funcionar como qualquer outra, num mundo governado através das leis

61

atitude incontestavelmente positivista, juntando-se, assim, a outras proeminentes

figuras como o sociólogo francês Emile Durkheim, o italiano Vilfredo Pareto, o

sociólogo norte-americano Talcott Parsons, ou o filósofo e sociólogo alemão Hans

Albert. Na Grã-Bretanha vitoriana, muitos outros pensadores das suas relações

também se avocaram positivistas. Seria o caso de John Stuart Mill, T.H. Huxley,

George Eliot ou de George Henry Lewes que, ao darem um contributo significativo na

defesa da introdução de disciplinas científicas nos currículos do ensino britânico,

consideraram só através delas ser possível proporcionar aos indivíduos o

conhecimento positivo e verdadeiro.

Na origem da sua defesa do liberalismo e indissociável das ideias positivistas,

por ele adoptadas, encontrava-se uma visão utilitarista, manifestada em várias teorias

do âmbito educacional, político, económico e sociológico. Spencer aferia o valor dos

conhecimentos pela utilidade que revelassem para a felicidade humana. Ao sustentar

o império absoluto da ciência e o abandono do estudo das humanidades iria

metodicamente demonstrar a vantagem e a capital importância do saber científico

para o bem-estar individual. Em Data of Ethics (1879) sintetiza a teoria utilitarista,

embora, duas décadas antes em Social Statics (1850), tivesse alegado a

independência daquela corrente de pensamento. Contudo, as ideias expostas nas

obras anteriores e nas posteriores a 1850, particularmente as relacionadas com a

ética ou a moral, demonstraram a nítida influência sofrida a partir da divulgação dos

conceitos dos mais conhecidos utilitaristas ingleses como Jeremy Bentham, James

Mill ou John Stuart Mill.

Tal como a imensa maioria dos positivistas, liberais e utilitaristas, Spencer

também revelou ideias de cariz monista. Neste campo, enquadrou-se numa

perspectiva monista materialista, ao considerar a matéria como a única realidade

aceitável e o espírito como o seu epifenómeno. Contudo, admitia a pluralidade de

substâncias materiais e de seres, assim como T.H. Huxley na filosofia biológica. Na

qualidade de homem das ciências, não reservava lugar no pensamento para noções

de espírito e até o posicionamento face à religião era a de um estudioso. Ao monismo

científicas do funcionamento da sociedade» (in Diário de Notícias, 18 de Janeiro de 1998: 33). Spencer não partilhou esta perspectiva da ciência como uma religião sem Deus, embora, na defesa do domínio do saber científico sobre o conhecimento, as suas ideias se possam equiparar aos ideais comtianos, já

62

de Spencer, E. De Roberty dedica um longo capítulo da obra Auguste Comte et

Herbert Spencer (1895), com o intuito de desmontar em cinco partes as teses

principais orientadoras da ontologia do sistema spenceriano, para concluir que, na

visão do filósofo, o realismo seria sempre a única tese racional tanto do ponto de vista

da lógica, como do senso comum, visto todas as outras não terem consistência.69

Spencer foi, incontestavelmente, uma das principais celebridades vitorianas.

Arauto do progresso e da evolução, inexcedível defensor do livre arbítrio e da

iniciativa pessoal em prol da sociedade industrializada, integrou e captou de modo

perspicaz o espírito da época na qual viveu. Para o sucesso da sua obra, muito

contribuiu, também, a expressão e o brilhantismo intelectual daqueles com quem

privava, para, numa interacção de saberes, enriquecerem o conhecimento dos nossos

tempos.

O vanguardismo e a abrangência das suas teses, controversos e

questionáveis, embora, também eram coerentes com as reformas que se anunciavam

inevitáveis e das quais o nome de Spencer não poderá apartar-se. Neste contexto de

urgência reformista se enquadra, igualmente, a pedagogia, fruto de um pensamento

teórico, mais do que prático, uma vez ter sido professor por curto espaço de tempo.70

Este facto não desmotivou, porém, o trabalho nesta área, já que as teorias

educacionais acabariam por se revelar tão engenhosas quanto sedutoras, devido à

eloquência de um discurso e de um estilo não elitista, o qual atraiu leitores de todos

os estratos sociais. Apesar de todas as resistências oferecidas pelo sistema educativo

vitoriano, pelas instituições e pelos próprios reformadores políticos encarregues de

dar rumo às mudanças a operar no ensino britânico (como se deixou claro no primeiro

capítulo da presente dissertação), torna-se interessante constatar como a doutrina

spenceriana pelo valor supremo da ciência, devidamente enquadrada na sua lei geral

da evolução como orientadora da vida natural e social, foi sulcando caminho nos

meios educativos, embora não por via da aceitação directa.

que ambos reconheciam só ser possível alcançar a sociedade perfeita através do progresso propiciado pelas leis da ciência. 69

Vide E. De Roberty, 1895: 154. 70

Spencer exerceu a actividade de professor durante apenas três meses, em 1837, numa escola em Derby, onde ele próprio tinha sido aluno entre os sete e os dez anos de idade. Em Novembro daquele ano partiu para Londres onde começou a trabalhar na engenharia civil a convite do tio William Spencer, interrompendo uma experiência no ensino considerada gratificante, mas que não voltaria a repetir.

63

A investida de Spencer no campo da pedagogia, em simultâneo com a

elaboração de A System of Synthetic Philosophy (1855-96) surgiu, assim,

naturalmente, como um meio estratégico para atingir os seus fins, ou seja, fazer a

apologia do saber científico e explicar a dependência de todos os fenómenos

orgânicos e inorgânicos da lei da evolução. A sua doutrina para o ensino tratava-se,

efectivamente, do veículo mais eficaz ao qual Spencer poderia recorrer para a

introdução dos conceitos e teorias defendidos em todos os outros trabalhos. Deverá

pois ter existido uma atitude intencional e premeditada ao pretender mudar o

conservadorismo cultural instalado, recorrendo, para tal, ao enorme poder que a

missão educativa pode atingir através da função social que desempenha. Foi,

consequentemente, através da sua acção pedagógica, que procurou transformar as

crenças e as mentalidades, a fim de conduzir a esfera social, política e económica ao

consenso na introdução de um plano educativo científico. De todo o modo, os

progressos industriais e sociopolíticos ocorridos ao longo da primeira metade do

século fragilizaram, seguramente, os conceitos e as tradições enraizados no sistema

educacional britânico e, ao criarem a abertura essencial às mudanças visadas para os

currículos, também facilitaram os intentos de Spencer. Na opinião de Charles W. Eliot

ele terá sido um homem de sorte:

On the whole Herbert Spencer has been fortunate among educational philosophers. He has not had to wait so long for the acceptance of his teachings as Comenius, Montaigne, or Rousseau waited. His ideas have been floated on a prodigious tide of industrial and social change, which necessarily

involved widespread and profound educational reforms.71

De facto, este intelectual teve êxito em todas as áreas às quais se dedicou e,

como pedagogo, não surgiu a excepção. Isso deveu-se ao ambiente intelectualmente

favorável no seio do qual conviveu com as mentes mais educadas e proeminentes da

Inglaterra do século XIX, mas, de igual forma, ao período abrangido pela sua vivência.

A vida de Spencer (1820-1903) coincidiu com a da rainha Victoria (1819-1901) e com

o reinado desta (1837-1901), durante o qual os acontecimentos mais marcantes

foram determinados por uma conjuntura favorável tanto às reformas políticas, como

às descobertas científicas, às invenções mecânicas e ao progresso industrial. Por

71

Charles W. Eliot, “Introduction” in Herbert Spencer, 1976 (1861): 16-17.

64

outro lado, se a sociedade na qual se integrou se encontrava subjugada por valores

puritanos, os quais, sobretudo no seio da classe média, correspondiam a uma

herança de dois séculos,72 também se tratava de uma sociedade constituída por

indivíduos sequiosos de progresso e reveladores de um elevado entusiasmo por

todas as inovações técnicas. A sede do saber e da novidade, manifestada pelos

homens daquela época de ambivalências foi determinante para as mudanças

verificadas e constituiu o terreno favorável às ideias e reformas propostas por

Spencer, bem como pelos seus contemporâneos. Com circunstâncias tão

auspiciosas, não é surpreendente que se tenha revelado mentor de muitas das

teorias em que se fundamentaram alguns dos currículos de épocas posteriores. A sua

visão liberal e utilitária, bem como a análise do ponto de vista psicológico e biológico

do comportamento humano, marcaram as propostas educacionais de Spencer.

Entre 1854 e 1859 escreveu para os jornais os ensaios fulcrais sobre

educação, reunidos, em 1861, num só volume designado Education, Intellectual,

Moral, and Physical. Neles sobressai a defesa do saber científico como resposta à

dúvida colocada “Que conhecimento é mais valioso?”. Segundo Spencer, porque o

conceito de evolução e, consequentemente, o de progresso individual, nacional ou

global, eram determinados pelas leis da ciência, os indivíduos na procura do bem-

estar deviam ser preparados de forma conveniente em termos profissionais e, para

tal, ser-lhes proporcionado o acesso ao conhecimento predominantemente científico

proporcionador da autopreservação (fim a defender em primeiro lugar). Nada parece

ter sido esquecido na proposta educativa spenceriana. O aperfeiçoamento

educacional dos homens devia executar-se através de um processo instrutivo ao nível

intelectual, físico e moral, sob a orientação dos novos conhecimentos, os quais só

seriam úteis se promovessem a conservação, o poder da adaptação e a capacidade

de previsão dos jovens.

Também na pedagogia aplicou o conceito de evolução como um processo,

segundo o qual se deve passar do homogéneo ao heterogéneo. Assim, a seguir-se

este preceito, o sistema educativo teria de proceder do simples para o complexo, do

indefinido para o definido, do concreto para o abstracto e do empírico para o racional.

72

De entre os valores puritanos mais prezados na época vitoriana podiam salientar-se o espírito de economia, a dedicação ao trabalho, a importância exacerbada da moralidade e dos deveres da fé e o respeito escrupuloso pelas leis religiosas.

65

Deveria ter, como veículo, um método capaz de provocar o prazer e o interesse e,

como objectivo, a preparação para a vida completa, de modo a formar indivíduos

aptos a governarem-se a si mesmos naturalmente, sem a intervenção

governamental. Na linha daquela que havia sido a sua própria educação liberal,

propôs que se processasse a aprendizagem das crianças através de experiências

sensoriais, as quais tanto permitiriam aos alunos interagirem com o meio ambiente

através de um processo lento, gradual e indutivo, como os encorajaria a explorar e a

adquirir o conhecimento de forma natural. Neste método educativo, para cujo

cumprimento podia tornar-se útil uma disciplina firme, não fazia qualquer sentido o

recurso à memorização, ao inadequado recitar, nem à aprendizagem desnecessária

do latim, do grego, ou da religião. No seu agnosticismo, convencido como estava de a

via científica ser a principal forma de adquirir o saber, a religião resultava,

unicamente, no estudo inútil do desconhecido.

Inevitavelmente, também no domínio da educação, Spencer seria acusado de

falta de originalidade. As doutrinas de John Locke, Francis Bacon, Jean-Jacques

Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi ou Auguste Comte, não poderiam deixar de

ser associadas à sua ideologia pedagógica, embora não tenham que se entender

essas influências (nem as originárias das reflexões do círculo de amigos e de notáveis

escritores, cientistas e intelectuais com os quais se relacionou) como negativas. Com

efeito, não obstante ter reconhecido raros contributos para o aperfeiçoamento do seu

pensamento, certamente o número daqueles que lhe formaram os princípios

doutrinários terá sido bem superior. No grupo influente de personalidades formadoras

do seu carácter e modeladoras das convicções, encontravam-se os Spencers,

nomeadamente os tios (Henry, John e particularmente Thomas) e o pai, ex-professor,

William George Spencer73

. Nos momentos durante os quais a família se reunia para

discutir os assuntos mais diversos, o jovem filósofo marcava presença assídua,

interessada, participativa e crítica. Disto está convicta Elsa Peverly Kimball:

73

O pai de Spencer foi, de facto, uma figura marcante na sua vida. O exemplo da figura parental traçar-lhe-ia os gostos e interesses dando-lhes forma, primeiro, libertando-os, depois, sob uma visão crítica. Em 1814, seis anos antes do nascimento de Herbert Spencer, William Spencer (o pai) tornou-se secretário e entomólogo de uma sociedade de amigos organizada por Erasmus Darwin, o avô do naturalista. Mais tarde o gosto do jovem Herbert pela recolha e colecção de insectos recebeu toda a aprovação no seio familiar.

66

All of them indulged an “unrestrained display of their sentiments and opinions; more especially in respect to political, social, religious and ethical matters.” Spencer was thus from tender years consorting with grownups of marked

individuality .74

O valor pedagógico das teorias spencerianas será indissociável da nova forma

de abordagem do ensino por ele proposta, segundo a qual todos (instituições,

governantes, professores, pais e alunos) teriam um papel determinante a

desempenhar, a fim de garantir que as novas actividades curriculares servissem as

verdadeiras exigências humanas. Ricardo Jorge, à época lente na Escola Médico-

Cirúrgica do Porto, admirador e defensor das teorias evolucionistas e positivistas do

filósofo inglês, escreveria dele:

Spencer é a individualidade philosophica mais portentosa da epocha. Espirito original, independente, e creador, encyclopedico, como nenhum outro, pela variedade e solidez dos seus conhecimentos, figura no limitado numero dos

eleitos . As suas obras monumentaes, que hão de marcar o período actual na evolução do pensamento, teem, como diz Siciliani, alguma coisa de miraculoso. Também nos tempos modernos ninguem exerceu nem exerce influencia mais poderosa na alta orientação dos espíritos, ninguém tem conquistado nem disciplinado mais intelligencias; é que o evolucionismo, alma das concepções spencerianas, é na phrase expressiva de Schaeffle, uma

grandiosa pedagogia.75

Apesar dos elogios proferidos por muitos contemporâneos de Spencer, as suas

doutrinas foram, logo após a sua morte, alvo de um descrédito conducente ao

esquecimento que se prolongou até há pouco mais de vinte anos. No final dos anos

sessenta, ainda era grande o número de estudiosos a partilhar a opinião do

historiador R. K. Webb: « His impact is insufficiently appreciated today because

we are repelled by his naive deductiveness and by the individualistic prejudices he

stated as conclusions».76

Embora tenha trazido a lume ideias agora cada vez mais

consideradas úteis e relevantes, as razões para a estigmatização do outrora

prestigiado pensador vitoriano residem em vários factores, os quais não se

relacionam, meramente, com a defesa do individualismo (associado ao modelo liberal

74

Elsa Peverly Kimball, 1932: 24. 75

Ricardo Jorge, “Prefácio” in Herbert Spencer, 1888a (1884): xxi. 76

R. K. Webb, 1978 (1969): 415.

67

por ele advogado, como acima se abordou), ou com os criticados preconceitos de

raciocínio.

Numa análise mais aprofundada, facilmente se constata prenderem-se

algumas das justificações para esse esquecimento com uma certa excentricidade

intelectual. Ao não ter possuído um grau académico, nem desempenhado qualquer

cargo no meio universitário, não ensinou estudantes que poderiam ter defendido e

continuado os projectos por ele desenvolvidos. Por não ter seguido uma vida

académica clássica, também não foi um escolástico e, a acrescer a este facto, não lia

muito nem se confessava atento aos trabalhos de outros ilustres contemporâneos.

Por esta razão, no seio dos intelectuais universitários mais tradicionalistas, as suas

ideias não foram devidamente apreciadas, ou transmitidas aos alunos. A

personalidade recatada, por via da qual dificilmente se relacionava com outras

pessoas além do restrito grupo de amigos, tornou-o um homem distante, conhecido

pessoalmente por poucos, uma vez que por norma não acedia participar em

conferências. Deste modo, era reduzido o número de personalidades defensoras das

suas doutrinas quando estas eram sujeitas a ataques.

Resultou, igualmente, numa circunstância negativa a caracterização de

Spencer como um pensador generalista, soando imprecisos e demasiado

abrangentes os conceitos por ele defendidos na área da filosofia, da psicologia, da

biologia, da sociologia e da pedagogia. Esta particularidade que o distinguiu dos

demais acabou por provocar, de igual forma, a desconfiança de um mundo intelectual

com tendência à especialização.77

Mais tarde, já no nosso século, começou a ser

considerado um político de pensamento acentuadamente conservador, apesar de,

antes, lhe ter sido reconhecido o radicalismo liberal inconformista.

Os ataques desferidos às suas ideias sobre evolução encontraram, também,

reduzido consenso entre os críticos, tendo o evolucionismo, tal como o concebeu,

acabado por servir para o apelidarem depreciativamente. Segundo afirma Jonathan

H. Turner, Spencer tem sido considerado: « Naive, ethnocentric, unilineal

77

Charles Darwin mostrou-se pouco confiante face à tendência de Spencer para generalizar e

interpretar demasiado depressa. Na autobiografia pode ler-se o seguinte: «Spencer‟s deductive

manner of treating every subject is wholly opposed to my frame of mind ... His conclusions never

convince me .... Over and over again I have said to myself, after reading one of his discussions, “Here would be a fine subject for half-a-dozen year‟s work.”» in Charles Darwin, 1958, The

68

evolutionist who saw societies as marching toward the Anglo-Saxon ideal».78

Muitos

autores manifestaram ainda um verdadeiro preconceito face ao argumento

spenceriano «survival of the fittest», pelo que o trabalho científico de Spencer acabou

consideravelmente prejudicado pela avaliação feita à sua filosofia moral que ele

articulou com a defesa extrema do laissez faire. Esses juízos depreciativos acentuar-

se-iam por ter manifestado essas ideias tanto na retórica imatura utilizada na distante

obra Social Statics (1850), como na maturidade do pensamento exposto em

Principles of Ethics (1879-93).

Outro dos factores negativos conducentes a uma das mais fortes razões para o

repúdio votado às teorias do filósofo surgiu como consequência da diversidade de

políticas morais algumas das quais amplamente condenadas nascidas a partir do

darwinismo social (originário na política económica spenceriana). Para esta rejeição

contribuíram, sem dúvida, as doutrinas divulgadas nos anos trinta na Alemanha por

Adolf Hitler, cuja génese foi atribuída ao conceito do triunfo dos mais aptos de

Spencer. Porém, como se não bastassem as apreciações negativas atrás referidas,

algumas das acusações que podem, igualmente, justificar o estigma que sobre ele se

abateu referem-se à apropriação de ideias alheias. Contudo, se se apropriou das

ideias de outros fê-lo habilmente ao mostrar-se um escritor de mensagem eficaz e um

pensador com sobeja coragem para enfrentar os preconceitos de gerações

mostrando caminhos novos, ainda hoje, na grande maioria e sem dificuldade,

perfeitamente exequíveis.

Assim sendo, se o mundo no qual viveu foi propício à recepção do seu

pensamento, o século XX rejeitá-lo-ia, a ponto de não apreciar os conceitos arrojados

e inconformistas, os quais abarcaram conteúdos com suficiente interesse e relevo

para serem ignorados. Por isso, seja qual for o ponto de vista à luz do qual se analise

o trabalho desenvolvido por Herbert Spencer ao longo de setenta e três anos de vida,

todas as vertentes podem proporcionar terreno suficientemente fértil em exercício

analítico e prospectivo, passível de aumentar, em qualquer leitor, o interesse pela

riqueza conceptual empregue. Se a este facto se juntar o carácter missionário, quase

quixotesco, caracterizador da sua demanda enquanto arauto e defensor da ciência,

Autobiography of Charles Darwin, 1809-1882, Nora Barlow (ed.), W.W. Norton, New York: 108-109, ap. Linda H. Peterson, 1986: 217.

69

encontram-se então reunidas as condições que tornam o seu esquema doutrinário

merecedor de estudo.

CAPÍTULO III

A formação da individualidade vitoriana

Le livre de l‟Éducation nous apparaît comme un hommage, volontaire ou involontaire, que le philosophe de l‟évolution et de ses lois a rendu,

au prix d‟une contradiction peut-être, à la puissance de la liberté humaine.

M. Gabriel Compayré, s.d.

78

Jonathan H. Turner, 1985: 14.

70

Após uma viagem à Suíça na companhia de George Henry Lewes e Edward

Lott em Novembro de 1853, Spencer escreveu, na sua casa de Derby, “Method in

Education”, texto prometido a A. Campbell Fraser para publicação, em Maio de1854,

no periódico North British Review. O artigo, surgido nesta data, intitulado “The Art of

Education”, foi, posteriormente, integrado no segundo capítulo da obra Education:

Intellectual, Moral and Physical (1861) sob a designação “Intellectual Education”

resultando da vontade de expor a teoria pedagógica sob o ponto de vista da

psicologia (tema do seu interesse naquela altura), bem como de apelar a uma auto-

educação causadora de prazer, à imagem da experiência educativa dele próprio.

Aquando da edição de “What knowledge is of Most Worth” (1859) o último

trabalho adicionado à colectânea dos textos sobre doutrina para o ensino Spencer

tinha trinta e nove anos, uma carreira eminente como escritor e tornara-se conhecido

nos meios políticos, científicos e educacionais. A maturação reflexiva atingira a

firmeza caracterizadora de uma postura convicta, através da qual se dera a conhecer.

Muitas das ideias por ele concebidas em torno do evolucionismo tinham, entretanto,

surgido em diversos trabalhos, nomeadamente: Social Statics (1850), “The

Development Hypothesis” (1852), Principles of Psychology (1855), ou “Progress: Its

Law and Cause” (1857).79

De facto, a temática educativa surgiu numa etapa da vida,

onde já havia exposto as linhas fundamentais do seu pensamento evolucionista,

embora com muito para conceber ainda. Foram essas considerações evolucionistas

gradualmente formuladas com mais firmeza até culminarem no enunciado das leis da

evolução, por ele consideradas universais que Spencer veio a aplicar ao âmbito

educativo.

De facto, ao acreditar ser o evolucionismo em todos os domínios a transição

lenta da homogeneidade para a heterogeneidade teoria entretanto consolidada

através do processo meditativo resultante da leitura de Principles of Geology (1830-

79

De facto, Spencer tinha captado o interesse dos leitores através da publicação de inúmeros trabalhos. Entre o primeiro, surgido em Janeiro de 1836, “Crystallization”, quando ainda só contava dezasseis anos e, o antecedente a “What Knowledge is of Most Worth” designado “Physical Training”, em Abril de 1959 (texto integrado, também, na obra pedagógica), seriam editados, na totalidade, mais de cinquenta artigos.

71

1833) de Lyell Spencer desenvolveu esse ponto de vista no respeitante à educação

e, em particular, quanto ao desenvolvimento da mente. Ao ter já manifestado a

crença, segundo a qual o universo e tudo o que o constitui se encontrava em

permanente evolução, o passo seguinte foi comprovar como tal circunstância

influenciava e era verificável no domínio da formação intelectual, moral e física dos

homens.80 Esse objectivo ocupou-o ao longo de toda a vida e materializou-se através

da publicação dos dez volumes da filosofia sintética, inicialmente publicada em 1855

e só concluída em 1896. Não obstante a incredulidade com que foram recebidos os

princípios evolucionistas por ele defendidos aos quais, em breve, se juntaram os de

Darwin, Wallace, Lewes ou Huxley tiveram, no entanto, o mérito de fazer incidir as

atenções sobre esta matéria tão controversa.

Convicto da evidente sujeição do desenvolvimento mental e físico às leis

evolucionistas as quais se contrariadas travavam o curso do progresso dá início à

redacção daquela que se converteu na doutrina pedagógica spenceriana. No seu

entender, a exposição das ideias pedagógicas tornar-se-ia um contributo activo no

necessário demolir das teorias educativas então praticadas e a precisar de reforma

urgente.

Como tal, os reparos mais acutilantes recaíram sobre os currículos. Para

Spencer, o processo educativo dos homens modernos tinha-se, até aí circunscrito ao

estudo dos clássicos, considerado como o saber mais apropriado para a formação do

gentleman, fundamentalmente pelo desejo de conformidade com o ponto de vista da

maioria. Assim refere em “What knowledge is of Most Worth”:

Not only in times past, but almost as much as in our era, that knowledge which conduces to personal well-being has been postponed to that which brings applause.

81

80

Não obstante reconhecer que os factos passíveis de corroborar a teoria da evolução ainda eram

escassos muitos seriam mais tarde fornecidos por Darwin Spencer afirmou, contudo, a sua inequívoca crença na mudança do homogéneo para o heterogéneo, nomeadamente, em “Progress: Its Law and Cause” (1857): «It is settled beyond dispute that organic progress consists in a change from the homogeneous to the heterogeneous. Now we propose in the first place to show, that this law of organic progress is the law of all progress. Whether it be in the development of the Earth, in the development of Life upon its surface, in the development of Society, of Government, of Manufactures, of Commerce, of Language, Literature, Science, Art, this same evolution of the simple to the complex, through successive differentiations, holds throughout» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 154). 81

Herbert Spencer, 1976 (1861): 1-2.

72

Constatava ele que o conhecimento deveras válido na educação dos indivíduos

estava longe de ser o efectivamente divulgado, verificando-se uma subjugação da

aprendizagem à cultura tradicionalmente considerada a veiculadora de prestígio social

designadamente, o estudo do latim e do grego:

A boy‟s drilling in Latin and Greek is insisted on, not because of their

intrinsic value, but that he may not be disgraced by being found ignorant of

them .82

Manifestamente avesso a este modo de encarar o ensino, por não se tratar do

que seria útil e conducente à felicidade humana, ou próprio para suprir as carências

da nova sociedade industrializada dependente do progresso tecnológico, Spencer

empenhou-se na crítica dos métodos didácticos e na defesa do tipo de conhecimento

necessário aos cidadãos. Na verdade, o saber profícuo estava longe de ser o obtido,

até aí, nos estabelecimentos escolares: «Of the knowledge commonly imparted in

educational courses, very little is of service for guiding a man in his conduct as a

citizen».83

A opinião de Spencer encontrava partidários entre alguns dos seus

contemporâneos. John Stuart Mill, na tentativa de definir o Zeitgeist inglês, tal como o

perspectivava, já tinha veiculado, em “The Spirit of the Age” (1831), o seguinte

parecer sobre a instrução:

A large portion of talking and writing common in the present day, respecting the instruction of the people, and the diffusion of knowledge, appears to me to conceal, under loose and vague generalities, notions at bottom altogether fallacious and visionary. 84

Ao revelar-se defensor de princípios utilitaristas no tocante ao objectivo

pedagógico, Spencer também se projectou junto dos intelectuais sectários do

radicalismo que demonstravam total discordância da metodologia em vigência nas

82

Idem.: 2. 83

Idem.: 30. 84

John Stuart Mill, “The Spirit of the Age” (1831) in George Levine (ed.), 1967: 81.

73

Universidades, nas escolas do ensino primário e secundário, bem como nos

estabelecimentos de elite (public schools). Através de uma retórica e de um juízo por

vezes irónico, como se pode verificar na passagem seguinte, explica assim a grande

deficiência dos planos educacionais:

The vital knowledge that by which we have grown as a nation to what we are,

and which now underlies our whole existence, is a knowledge that has got itself taught in nooks and corners; while the ordained agencies for teaching have been mumbling little else but dead formulas.

85

Para ele tal como para a nova geração de reformadores e cientistas

interessados no triunfo da aprendizagem das ciências, consideradas como

possuidoras de capacidade filantrópica havia que alterar as normas e os currículos

no tocante ao ensino conservador e de cariz religioso. Esta renovada preocupação

pela necessidade de reformas, gerou intensas querelas entre os defensores das

letras e os apóstolos da modernidade, as quais se prolongaram com grande impacto

na vida intelectual vitoriana, por cerca de cinco décadas. Toda uma sucessão de

descobertas e avanços científicos propiciou os confrontos ideológicos e a urgência de

determinar um ensino adequado, segundo esclarece R. L. Archer:

From 1830 to 1870 the cause of science was represented by a number of distinct armies whose leaders were in no agreement as to the reasons why they thought science should be taught, what should be included under the term, to whom it should be taught, or what were the right methods of teaching it.86

Contudo, apesar dos inúmeros discursos, artigos e cartas a circular no meio

cultural, ainda não tinha sido publicada uma obra onde se traçassem as linhas de

uma nova metodologia educativa, também por definir. Caberia a Spencer assumir tal

responsabilidade. Indiferente aos debates mais persistentes entre as diferentes

facções defensoras de um ou de outro tipo de ensino (nomeadamente, aquele que

envolveu T. H. Huxley e o bispo de Oxford), prosseguiu o trabalho pedagógico certo

da carência de mudanças no sistema, tais as desvirtudes e os vícios verificados: «The

85

Herbert Spencer, 1976 (1861): 20. 86

R. L. Archer, 1966 (1921): 112-113.

74

established system is grievously at fault alike in matter and in manner».87

Afinal, o teor

excessivamente repetitivo da aprendizagem prejudicava o desenvolvimento das

faculdades dos alunos:

Making the pupil a mere passive recipient of other‟s ideas what

remains is mostly inert the art of applying knowledge not having been

cultivated .88

Efectivamente, os principais erros do sistema residiam na qualidade daquilo que era

ensinado: « Much of the information gained is of relatively small value, an

immense mass of information of transcendent value is entirely passed over».89

A

grande desvantagem da educação ministrada residia, por conseguinte, na

inadequação e pouco aprofundamento dos conteúdos dos planos educacionais. Esta

circunstância preocupava também outros reformadores educativos, todavia, em sua

opinião, tratava-se de uma problemática que não estava a equacionar-se de modo

racional, pois, as questões de fundo continuavam sem solução. Urgia, portanto,

enunciar os conhecimentos demonstrativos da sua utilidade face às necessidades do

ser humano. Spencer propôs-se, por isso, determinar o valor “relativo” dos mesmos, 90

a fim de ser possível definir o quanto as escolas desempenhavam bem, ou mal, a

função de os divulgar. E, ao questionar-se sobre o propósito desses conhecimentos,

nomeadamente para que serviam, a resposta apontava para um único objectivo: «To

prepare us for complete living is the function which education has to discharge».91 As

actividades proporcionadoras de um ensino eficaz não poderiam certamente divergir

do propósito de preparar os jovens para a vida completa.

No entanto, a crença spenceriana segundo a qual o ensino devia ter como

principal alvo, tanto a preparação do indivíduo, como o harmónico desenvolvimento

de todas as capacidades humanas através de diferentes actividades longe de ser

original, resultava, essencialmente, da influência nele exercida pela leitura do

87

Herbert Spencer, 1976 (1861): 23. 88

Idem.: 25. 89

Idem.: 25. 90

«The relative values of Knowledges». Esta era a expressão utilizada por Francis Bacon que foi adoptada por Spencer, o qual lamenta ter aquela caído em desuso dado a sua eterna pertinência. 91

Herbert Spencer, 1976 (1861): 6.

75

pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi,92 cujo pensamento, amplamente

divulgado na Grã-Bretanha oitocentista, se tornou preponderante nas principais

correntes pedagógicas. Foi à tomada de conhecimento dos trabalhos daquele

pedagogo que Spencer ficou a dever muitos dos conceitos expostos na sua própria

doutrina, nomeadamente a definição das actividades propiciadoras de uma vida

harmónica e, consequentemente, prioritárias na determinação de um plano de

estudos.

Mas, a fim de definir as actividades mais importantes da vida, Spencer

necessitou de as ordenar segundo a sua respectiva importância para o ser humano.

Assim, destacava, em primeiro lugar, as acções directamente conducentes à

conservação da existência; em seguida, aquelas que, necessárias para se sobreviver,

indirectamente providenciam a mesma finalidade; em terceiro lugar, as que têm por

objectivo educar e disciplinar os descendentes; em quarto lugar, as relacionadas com

a manutenção das relações sociais e políticas adequadas; e, por último, todas as

referentes aos momentos de lazer, aos prazeres e aos sentimentos. Para Spencer,

este ordenamento era fundamental, dado o ideal educativo dever ser a preparação

completa em todas aquelas actividades, embora atribuindo-se, a cada uma, o devido

peso mediante o seu valor intrínseco para a vivência total.

Na concepção de Spencer, as ideias gerais a ter em conta na delineação de

um plano educativo coerente e frutífero decorreriam, por conseguinte, de vários tipos

de actividade de importância sucessivamente descendente; do valor de cada ordem

de factos como regulador das espécies de actividade, intrinsecamente, quase

intrinsecamente e de forma convencional; e, ainda, das suas influências

determinantes do equilíbrio no modo de agir, tanto na qualidade de disciplina

(«discipline») como na de conhecimento («knowledge»). A juntar a este processo de

como avaliar a instrução de facto útil, os educadores deveriam, por experiência,

conhecer a vida em todos os seus aspectos fenoménicos, bem como saber classificá-

los.

92

Efectivamente, em Spencer pode ser detectada nos seus textos muita da influência neles produzida por Pestalozzi. Apesar disso, o teórico inglês não teve qualquer pejo em apontar as desvirtudes detectadas no sistema educativo daquele suíço ao considerar, por exemplo, que ele não tinha satisfeito muitas das promessas das suas teorias. Em “Intellectual Education” (1854) foi esta a opinião formulada:«Let it be constantly borne in mind that while right in his fundamental ideas, Pestalozzi was not therefore right in all his applications of them» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 56).

76

Uma vez assim encontradas e definidas as linhas directrizes para a elaboração

dos currículos, tornava-se mais simples para os educadores orientarem tanto o

aperfeiçoamento da sua própria formação, como o ensino dos jovens. Neste

processo, o domínio das ciências e das leis da vida assumia uma utilidade e uma

importância capital. Para a questão que se tornara o título do seu texto mais

conhecido daqueles dedicados à pedagogia, “Quais os conhecimentos de maior valor”

(“What Knowledge is of Most Worth?”, 1859), a resposta convergia para uma única

asserção:

This is the verdict on all the counts. For direct self-preservation, or the

maintenance of life and health, the all-important knowledge is Science. For that indirect self-preservation which we can call gaining a livelihood, the

knowledge of greatest value is Science. For the due discharge of parental

functions, the proper guidance is to be found only in Science. For that interpretation of national life, past and present, without which the citizen can not

rightly regulate his conduct, the indispensable key is Science. Alike for the most perfect production and highest enjoyment of art in all its forms, the needful

preparation is still Science. And for purposes of discipline intellectual, moral,

religious the most efficient study is, once more Science.93

Ao estudo da ciência era, por conseguinte, atribuído um valor intelectual não

proporcionado pelo estudo de quaisquer outras matérias, circunstância que lhe valeu

a acusação de ser excessivamente positivista. Se Stuart Mill, reconhecido como o

expoente máximo do empirismo britânico oitocentista e, também, adepto do

conhecimento positivo, se surpreendia com a atitude de quem incentivava o duelo

entre as letras e as ciências (pois, para ele, como para T. H. Huxley ou John Tyndall,

o espírito humano carecia de umas e de outras), Spencer, por seu turno, tal como Sir

John Lubbock, enquadrava-se na categoria dos mais radicais oponentes ao ensino

clássico ao perseguir um ideal excessivamente pragmático. Enquanto, por um lado,

sublinhava o valor das ciências, por outro, repelia o papel das letras por não lhe

reconhecer as vantagens, aviltando, sobretudo, o ensino da história enquanto fosse

uma disciplina escolar meramente votada à memorização de relatos do passado.

Uma tal instrução, ao invés da sociologia descritiva, não oferecia qualquer benefício

93

Herbert Spencer, 1976 (1861): 42-43.

77

aos cidadãos.94 O ensino da história factual, por ele considerada um amontoado de

informações inúteis, devia, por isso, ser excluída do plano curricular por não lhe

encontrar emprego válido:

They are facts from which no conclusions can be drawn unorganisable facts; and therefore facts of no service in establishing principles of conduct, which is the chief use of facts. Read them, if you like, for amusement; but do not flatter

yourself they are instructive. While only now, when the welfare of nations rather than of rulers is becoming the dominant idea, are historians beginning to occupy themselves with the phenomena of social progress. The thing it really concerns us to know is the natural history of society.95

Assim sendo, na sociedade da era industrial por ele visionada, se uma disciplina

como a história não oferecia qualquer mais valia na preparação para a vida completa,

isso já não sucedia com o ensino das ciências. Afinal, o estudo das matérias

científicas era legitimizado pela sua utilidade, pois tinha-se tornado imprescindível ao

progresso. Repare-se como tal é defendido:

And if already the loss from want of science is so frequent and so great, still greater and more frequent will it be to those who hereafter lack science. Just as fast as productive processes become more scientific which competition will inevitably make them do; and just as fast as joint-stock undertakings spread, which they certainly will; so fast must scientific knowledge grow necessary to every one.96

Ao considerar ter assim provado o elevado valor das ciências, não deixava,

todavia, de sentir necessidade de combater a pretensão dos mais conservadores os

quais defendiam o estudo dos clássicos como o ensino verdadeiramente capaz de

desenvolver as capacidades mentais. Convicto de tal não suceder, apontou as

matérias científicas como as mais eficientes no treino, não só da memória, como

igualmente do tipo de memória exercitada; dado, no raciocínio científico, a

94

Convicto da necessidade de se alterarem os conteúdos curriculares quanto ao ensino da história, foi do seguinte modo que expressou o papel futuro daquela disciplina: «The only history that is of practical value is what may be called Descriptive Sociology. And the highest office which the historian can discharge, is that of so narrating the lives of nations, as to furnish materials for a Comparative Sociology; and for the subsequent determination of the ultimate laws to which social phenomena conform» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 29). 95

Idem.: 27-28. 96

Idem.: 20.

78

compreensão se tornar uma componente activa, o que não sucederia com o estudo

das línguas.

Spencer baseia, portanto, todo o processo educativo nos pressupostos de uma

era dominada pelas tecnologias da indústria e pela competitividade inerente à

actividade económica, na qual só se vislumbram homens práticos que satisfariam

todas as necessidades através do saber científico. Paradoxalmente, ao fazer

depender da ciência o sucesso de qualquer empreendimento profissional ou humano,

não esclarece como seriam, porventura, ministradas as noções científicas às

diferentes faixas etárias. Ainda assim, não se cansa de escarnecer dos métodos

instrutivos praticados nas escolas, os quais, no seu entender, nada tinham de

racional:

So overwhelming is the influence of the established routine! So terribly in our

education does the ornamental over-ride the useful! While the great bulk of what else is acquired has no bearing on the industrial activities, an immensity of information that has a direct bearing on the industrial activities is entirely passed over.97

Se a qualidade dos conteúdos curriculares constituiu a pedra angular do seu

discurso em “What Knowledge is of Most Worth” (Julho, 1859); o papel dos diferentes

intervenientes educativos professores, pais e alunos tinha, no entanto, sido alvo

de dissertação em textos elaborados anteriormente àquele. Esse interesse pela

orientação dos educadores e dos educandos tinha surgido em “Intellectual Education”

(Maio, 1854), bem como, mais tarde, em “Moral Education” (Abril, 1858) e em

“Physical Education” (Abril, 1959). Com efeito, este assunto fora inicialmente

abordado quando enveredou pela temática educativa, mas, só posteriormente, se lhe

afigurou necessário proceder ao esclarecimento do escopo dos planos de estudo.

Pelos anos que medeiam entre a data do primeiro ensaio e do último se pode aferir

como Spencer devotou considerável percentagem da sua actividade intelectual às

matérias pedagógicas. O empenho nestas questões terá resultado, se não

exclusivamente da consideração que estes assuntos lhe mereciam, muito

naturalmente, também, das controvérsias e querelas geradas em torno do sistema

97

Herbert Spencer, 1976 (1861): 14.

79

escolar. Nesse confronto envolver-se-iam cientistas, professores, políticos e muitos

teóricos convictos da relevância e urgência de reformas. Fiel à crítica mordaz, à qual

recorrera igualmente em outros textos, foi do seguinte modo que alertou os leitores

para a indiscutível premência de formar os educadores na arte de ensinar:

If by some strange chance not a vestige of us descended to the remote future save a pile of our school-books or some college examination papers, we may imagine how puzzled an antiquary of the period would be on finding in them no sign that the learners were ever likely to be parents. “This must have been the curriculum for their celibates,” we may fancy him concluding. “I perceive here an elaborate preparation for many things; especially for reading the books of extinct nations and of co-existing nations (from which indeed it seems clear that these people had very little worth reading in their own tongue); but I find no reference whatever to the bringing up of children. They could not have been so absurd as to omit all training for this gravest of responsibilities. Evidently then, this was the school-course of one of their monastic orders.”98

O treino físico, moral e intelectual das crianças era, como se pode avaliar pelas

suas palavras, considerado muito improficiente, em virtude de os mestres e os pais

não dominarem os conhecimentos através dos quais a preparação dos educandos

podia ser orientada de modo adequado. A arte de educar («The Art of Education»),

sob o formato de uma disciplina por ele proposta e designada Theory and Practice of

Education, constituía a principal lacuna dos currículos ministrados aos formadores:

«The subject which involves all other subjects, and therefore the subject in which

education should culminate».99

Os educadores careciam do domínio mais aprofundado possível de todas as

matérias vitais para o exercício do processo educativo, devendo o seu próprio

desenvolvimento mental acompanhar, em simultâneo, a formação dos jovens.

Intelectualmente havia que cultivar a essência humana e as suas leis. No campo da

moral, cabia-lhes a responsabilidade de exercitar os sentimentos mais dignos e de

refrear os menos aceitáveis, bem como de preservar os melhores atributos da

natureza humana para se atingir um sistema educacional virtuoso, granjeador da

felicidade das partes envolvidas. Em virtude de formar o carácter dos homens, o

método proposto por Spencer tornava-se do interesse, não só de cada indivíduo, mas

98

Idem.: 20-21. 99

Herbert Spencer in “Moral Education”, ibid.: 85.

80

da própria Humanidade e poderia acelerar ou travar o curso do progresso, o qual se

tornava dependente da eficácia dos educadores. Era deste modo que Spencer

conseguia demonstrar como um sistema educacional adequado era de importância

vital.

Pais e professores, as pedras basilares da pedagogia nos moldes em que o

teórico a divisava assumiam, assim, um desempenho fundamental no treino do

espírito humano. Com efeito, por esta problemática do exercício pedagógico dos

educadores constituir uma preocupação legítima, cuja actualidade se projectou até

aos nossos dias, ocupou-se dela ao longo de diversos momentos da obra como se

descreve a seguir. O conhecimento necessário ao professor seria abordado, sob os

diferentes ângulos do seu interesse em trabalhos e fases distintas da vida. Tal

sucedeu em “On the Proper Sphere of Government” (“Letter VII”, 1843), Social Statics

(“National Education”, 1850), The Study of Sociology (“The Educational Bias”, 1873),

The Principles of Sociology (“Teacher”, 1877), ou em Facts and Comments (“State

Education” e “Feeling versus Intellect”, 1902). Em particular no capítulo intitulado

“Teacher”, incluído no terceiro volume de The Principles of Sociology (1876-96),

Spencer traçou a origem histórica do educador no processo evolutivo social

remetendo a génese do ensino para a instrução religiosa, a qual visava formar padres

e não especificamente professores. Não obstante as mudanças entretanto operadas,

ainda se verificava um domínio acentuado da herança das escolas clericais sobre o

sistema educativo secular, pelo que era premente modificar essa conjuntura.

Uma vez entendida a acção das igrejas como negativa, o quesito do não

intervencionismo estatal deveria conduzir o processo educacional daí em diante. Este

foi o ponto de vista que Spencer jamais abandonou até à sua morte em 1903. De

facto, a gestão dos assuntos educativos pelo Estado tornava-se desaconselhada em

virtude de poder impedir o progresso da sociedade e alterar a evolução social, que,

segundo ele, tinha origem nos indivíduos e no seu carácter. Em Letters “On the

Proper Sphere of Government” (1842) já demonstrava um posicionamento liberal, o

qual estendeu a todos os outros assuntos alvo da sua reflexão, nomeadamente aos

temas ligados ao ensino:

81

In education as in everything else, the principle of honourable competition, is the only one that can give present satisfaction, or hold out promise of future perfection.100

Segundo Spencer no caso de se adoptar um sistema educativo nacional,

certamente a independência e a capacidade de raciocínio, ambicionada para o

aperfeiçoamento moral e intelectual dos homens, se perderia na perniciosa

uniformidade das mentes. Por conseguinte, defendia que os educadores fossem

levados a individualizar o ensino, de acordo com as circunstâncias particulares do

carácter dos alunos. Ao tornar os métodos, por essa via, mais eficientes, também era

possível preservar a liberdade intelectual. As expectativas do ainda jovem Spencer

eram expressas deste modo:

It is to be hoped that the time will come, when the wisdom of the teacher will be

shown, in adapting his instructions, to the peculiarities of each of his pupils. Ever investigating the principles of his profession, and daily applying the results of those investigations to practice. But no one would ever expect the salaried state-teacher, answerable only to some superior officer, and having no public

reputation at stake to stimulate him .101

A autonomia e a quebra da rotina nos métodos de ensino e na orientação da

aprendizagem eram dois dos principais desígnios pedagógicos, a fim de evitar uma

característica em nada desejável: « One-sidedness and similarity of character».102

Naturalmente, sabia bem do que falava; não como pedagogo ou executor das linhas

mestras do pensamento, mas na qualidade de educando (que no passado tinha sido

ensinado segundo normas idênticas às professadas) e de membro de uma família

com longa tradição no ensino (o pai e o tio tinham-lhe servido de modelos). Mas, se

estas se revelaram as suas fontes de inspiração, também resultaram na génese de

parte do criticismo que lhe seria visado.

Revelador de um acentuado idealismo, o pensamento de Spencer no campo

da pedagogia foi, fundamentalmente, criticado pela excessiva vertente teórica, a qual

carecia da experiência e da prática como professor. Contudo, ao não se inibir com o

que lhe seria apontado como uma séria lacuna de formação, ele estabeleceu como

100

Herbert Spencer, 1994 (1842): 36-37. 101

Herbert Spencer, 1976 (1861): 36.

82

principal arma defensiva o seu carismático poder argumentativo. Reconhecendo a

vertente teórica da sua intelectualidade, embora favorecida pela característica

enciclopédica e inconformista do seu pensamento, transformou em virtude a fraqueza

que nunca entendeu como limitativa. Fez, assim, uso de uma retórica reconhecida

como hábil na palavra e firme no enunciado das ideias, para se assumir como o

pedagogo apologista do progresso e da ciência numa era, ao longo da qual esta

adquiriu o prestígio e a credibilidade até aí não reconhecidos.103

Não obstante entender a era vitoriana como um período de enorme

prosperidade material, para ele, este ainda não correspondia à ambicionada idade de

ouro. Essa atingir-se-ia no futuro, após um trabalho profundo e gradual dos indivíduos

em busca da felicidade máxima e da perfeição, por via do triunfo de um novo sistema

educacional. Seria, com efeito, o processo evolutivo (transposta a fase de esforço,

empenho e sacrifício) a levar o homem contemporâneo104 a escalar os patamares da

evolução. A incumbência formativa dos educadores tornava-se, por isso, uma peça

fundamental na procura da ventura humana, pois dela dependia a possibilidade de se

encurtarem etapas intermédias do processo evolutivo, após as quais se alcançava o

objectivo do destino dos homens: a prosperidade, a realização pessoal e,

naturalmente, o bom êxito vivencial.

Chegava-se então a um pressuposto essencial, segundo o qual a vastidão dos

conhecimentos a granjear constituía um factor determinante no intuito de se encontrar

a vida completa, perfeita e definitiva. A fim de conquistar esse propósito e de clarificar

qual o saber útil, Spencer propõe-se classificar as ciências que constituiriam as

disciplinas integrantes dos planos curriculares em três grupos.105 Aquelas dividiam-

102

Idem.: 36. 103

Com efeito, o filósofo surgiu no pensamento da sua época como um homem com destreza intelectual suficiente para estimular o raciocínio dos pares. Esta sua capacidade tornou-se possível por via das mudanças até aí operadas na dinâmica cultural, segundo crê Hector Macpherson citado por David Duncan em Life and Letters of Herbert Spencer: «The early years of the nineteenth century were years of great fermentation. The practical energies of the nation freed from the great strain of the Continental wars found new outlets in commerce and industry. Scientific study of Nature, no longer tabooed by theology, demonstrated its validity by an imposing record of inventions and discoveries, whose influence on the national prosperity was at once dramatic and all embracing. Science became the idol of the hour» (in David Duncan, 1908: 515). 104

Para Spencer, o homem vitoriano não era nem perfeito nem definitivo. Os indivíduos atingiriam o estado ideal através do laborioso poder da evolução e das características hereditárias acumuladas, pelo que se encontravam, ainda, numa fase intermédia do percurso evolutivo. 105

A necessidade de ordenar as ciências segundo uma sequência hierárquica, já tinha antecedentes em Auguste Comte e, no século XVIII, em Denis Diderot. Este último visou classificá-las segundo o seu

83

se, nomeadamente, nas abstractas (a lógica e a matemática); nas abstractas-

concretas (a mecânica, a química e a física); e nas concretas (a astronomia, a

geologia, a psicologia, a biologia e a sociologia). As áreas de estudo enunciadas, das

quais excluiu a história factual (enquanto mero relatório acrítico do passado),

constituíam as áreas fundamentais a levar em conta no processo educativo. Uma vez

difundidas as disciplinas determinantes para o treino das principais actividades

humanas e conseguido o progresso material e social ambicionado, só ulteriormente

as letras e as artes ocupariam o tempo livre dos homens:

After considering what training best fits for self-preservation, for the obtainment of sustenance, for the discharge of parental duties, and for the regulation of social and political conduct; we have now to consider what training best fits for

the miscellaneous ends not included in these when education has been

so systematised that a preparation for the more essential activities may be

made with comparative rapidity and when, consequently, there is a great increase of spare time; then will the beautiful, both in Art and Nature, rightly fill a large space in the minds of all.106

Projectando as artes para um derradeiro último lugar na escala das actividades

mais importantes do treino educacional, Spencer atribuiu à ciência o elevado mérito

de congregar os conhecimentos deveras válidos para a vida humana. Assim, em

virtude de, na concepção spenceriana, a vida à qual se aspirava ser a civilizada,

verifica-se que, para ele, a ciência assumia um papel de primus inter pares, ou, numa

análise mais detalhada a qual poderá causar alguma perplexidade Spencer lhe

reservava uma autêntica hegemonia intelectual porque a visava abarcadora de todos

os domínios. Ao professar tais princípios os quais foram qualificados como

demasiado radicais pelos seus opositores causou diferentes reacções. Para uns,

assim fragilizava a doutrina pedagógica, para outros, pelo contrário, engrandecia-a.

De tal modo se revelou fiel a este padrão do saber positivo, que se tornaria inevitável

demonstrar como as normas das ciências estendiam a influência a todas as outras

áreas do saber. Por conseguinte, todas as formas de arte se encontravam,

grau de utilidade e adequação às necessidades universais, para, depois, as introduzir no plano de estudos, do qual acabaria, assim como Spencer, por afastar as letras. 106

Herbert Spencer, 1976 (1861): 30-31.

84

indubitavelmente, subordinadas às leis científicas. Foi essa a opinião que deixou

transparecer na seguinte passagem:

We find that aesthetics in general are necessarily based upon scientific principles; and can be pursued with complete success only through an acquaintance with these principles.107

Convicto do contributo excepcional da informação veiculada pelo conhecimento

científico a áreas tão diversas como a música, a pintura, a escultura ou a poesia, um

tal saber seria igualmente útil tanto para se atingir uma produção estética com êxito,

como para permitir uma total apreciação do objecto artístico. Nos currículos vigentes,

ao invés do que era desejado por Spencer, os valores encontravam-se invertidos (a

atender-se à ordem spenceriana das actividades mais benéficas para se atingir a vida

completa) pois, as artes detinham um papel demasiado relevante nos planos de

estudo, sendo antecipadas aos conhecimentos por ele reconhecidos como prioritários

na formação intelectual, moral e física dos homens. Este facto foi, naturalmente, alvo

da sua crítica por considerar o sistema educacional perito em transmitir e em dar

ênfase aos conceitos de inferior importância para a preparação humana: « It is

diligent in teaching whatever adds to refinement, polish, éclat.».108

Se o sistema educativo não sofresse alterações tornar-se-ia impossível

transformar o indivíduo num cidadão completo. Tal como Spencer o encarava, este

homem social devia ser materialista e reger a sua vida profissional, bem como o

comportamento ético, pelas regras do mais puro liberalismo. Por sua vez, a sociedade

deveria permitir que os interesses do indivíduo se sobrepusessem aos do grupo (o

Estado). Porém, nesse seu esquema surge como particularmente censurável a

circunstância de não se criarem oportunidades suficientes para o espírito lúdico ou

para a liberdade criativa aplicada às artes, divisando-se o homem como um ser

prático, conhecedor das leis da vida e da ciência, a fim de se tornar, primeiro, um

instruendo útil à sociedade e, mais tarde, um instrutor perfeito enquanto encarregado

de educação ou professor. Com efeito, apesar de Spencer considerar inadmissível o

domínio estatal sobre os homens e, por isso, criticar os regimes militarizados e

107

Idem.: 37. 108

Idem.: 31.

85

despóticos, o sistema alternativo da sua preferência acabou por, paradoxalmente e

através da doutrina educativa, enveredar pela defesa de uma outra tirania, desta vez

do tipo científico-cultural; em virtude de o saber das ciências prevalecer sobre todas

as actividades e de nelas não se dar suficiente relevo ao sentimento, ou à inspiração

literária e artística.109 Segundo os ditames da sua teoria e embora Spencer tivesse

admitido não ser a cultura científica a conceptora, per se, de um artista, este

certamente lucrava das matérias por ela difundidas. Consequentemente, segundo

esta visão, a sapiência humana era totalmente sujeita ao espartilho da dominância

exclusiva da ciência. Não estranhamente, um tal modo de teorizar valeu-lhe o repúdio

de muitos pedagogos, como foi o caso dos franceses Gabriel Compairé e A. Burdeau,

ou, já após da morte do autor, dos americanos Elsa Peverly Kimball e Stephen

Duggan.

Embora se tenha tornado alvo de tanto criticismo, continuou absolutamente

certo dos seus pontos de vista. Por isso se lhe afiguravam tão evidentes, variadas e

urgentes as modificações a operar nos planos de estudo. Apesar de Spencer

acreditar haver já uma corrente de mestres que, cada vez em maior número,

condenavam o antigo método mecanizado do ensino baseado em regras pré-

determinadas, no qual a compreensão se encontrava dissociada da realidade; a

prática ainda demonstrava haver um exagerado recurso à memorização dos assuntos

e um deficiente esquema organizativo dos conhecimentos. Para inverter esta situação

e atingir as metas estabelecidas seria necessário dar liberdade reflexiva aos alunos, a

qual lhes permitiria reunir os factos e, seguidamente, partir para as generalizações.

Só de tal forma se ordenava o raciocínio, quer fosse este considerado um fenómeno

objectivo ou subjectivo. Contudo, a aquisição do saber teria, necessariamente, de ser

interessante e de provocar o prazer, permitindo aos alunos ensinarem-se a si próprios

através de um processo de auto-aprendizagem salutar e desejável, bem como por via

do respeito pela ordem evolutiva e modo de funcionamento das faculdades

109

A ideia de um domínio científico-cultural não era completamente repugnante para o filósofo. No livro sobre pedagogia chegou mesmo a considerar o despotismo científico como o governo ideal, em virtude de um regime dessa natureza poder ser perfeito na medida em que, o déspota em causa, era por ele avaliado como benéfico para os homens.

86

humanas.110 Estas eram algumas das regras educativas essenciais, de entre outras,

que sentiu a necessidade de enunciar.

Por conseguinte, os currículos deviam observar determinados princípios, cuja

ordem lógica assim ditava: primeiro, proceder do simples para o complexo, do

homogéneo para o heterogéneo, ensinando de início poucos ramos do conhecimento

para, progressivamente, aumentar o seu número até todos abranger; em seguida,

respeitar o desenvolvimento da mente e partir, numa fase inicial, do indefinido para o

definido, assim como dos conceitos, das acções e dos objectos mais rudes e óbvios,

para, de modo gradual, num estado de maior maturidade intelectual, chegar a todos

os outros; em terceiro lugar, partir de lições sobre o concreto até alcançar as noções

sobre o abstracto; em quarto lugar, fazer com que a génese do conhecimento do

indivíduo seguisse o curso evolutivo da génese do conhecimento da raça para, entre

ambas, se estabelecer um paralelismo; em quinto lugar, proceder do empírico para o

racional em cada ramo do ensino; depois, através da tomada de iniciativas no âmbito

da investigação, encorajar o processo de auto-desenvolvimento até ao seu máximo

potencial, de forma a inferir após a assimilação, para produzir a mais elevada

capacidade e actividade intelectual; por fim, o processo educativo deveria causar

prazer e interesse aos alunos.

Um dos princípios acima apresentados e, assumidamente perfilhados por

Spencer a partir de Comte, tornou-se particularmente controverso. Relacionava-se

essa máxima educativa com o facto de o método de aprendizagem infantil dever

proceder, quer no modo, quer na ordem e no respeitante ao seu desenvolvimento, de

forma análoga à educação do ser humano em termos civilizacionais. Este conceito

resultava da crença, segundo a qual a génese da inteligência do indivíduo devia

seguir o mesmo curso da génese da inteligência da raça no tocante ao processo

aquisitivo do saber, devendo o espírito individual seguir através dos mesmos

caminhos percorridos pelo espírito geral. Spencer acreditava que se havia uma

ordem, segundo a qual a raça humana adquiriu os diferentes tipos de conhecimentos,

deveria haver em cada criança uma aptidão inata para adquirir esses conhecimentos

110

Nesta matéria Spencer subscreve a teoria de Pestalozzi para com ela concordar, o que nem sempre sucedeu: «Thus, then, we are on the highway towards the doctrine long ago enunciated by Pestalozzi, that alike its order and its methods, education must conform to the natural process of mental evolution

» (in Herbert Spencer, “Intellectual Education” (1854), 1976 (1861): 52).

87

na mesma ordem. Com efeito, tratavam-se de dois processos de evolução, os quais

deviam conformar-se às mesmas leis gerais e concordar um com o outro.

No intuito de esclarecer as ideias subjacentes à teoria atrás descrita a qual

suscitava, a outros pedagogos, a questão de se estar a submeter a aprendizagem a

princípios que não se lhe aplicavam Spencer ver-se-ia na necessidade de exprimir o

tipo de vantagens proporcionadas a um sistema de ensino gerido pelas suas máximas

educativas. Parecia-lhe, por exemplo, que a adopção da doutrina por ele defendida

libertaria o ensino de normas opressoras e proporcionaria aos educadores uma maior

liberdade para projectarem e executarem a sua tarefa (inexistente nos cursos em

vigor). De facto, a atentar-se na argumentação de Spencer e ao contrário das críticas

que lhe eram formuladas, não parecem advir quaisquer aspectos restritivos para a

aprendizagem ao sujeitar-se a educação aos padrões pelos quais se rege o processo

evolutivo de uma civilização, tal como ele determinara no ditame anteriormente

mencionado. Segundo o seu ponto de vista, o que se propunha com o seguinte

princípio: « The genesis of knowledge in the individual must follow the same

course as the genesis of knowledge in the race»111 era, com efeito, cingir o sistema

educacional a um método auto-evolutivo, livre de comportamentos contra naturam,

causador de prazer (quando transmitido de modo espontâneo) e sujeito aos

interesses dos indivíduos; assim como ele considerava sempre ter ocorrido com as

raças. A Spencer parecia-lhe até bastante óbvia a seguinte ilação:

Is it probable, then, that while the process displayed in the evolution of humanity at large is repeated alike by the infant and the man, a reverse process must be

followed during the period between infancy and manhood? .112

Se o método da natureza e, por conseguinte, da evolução, era indubitavelmente

adoptado pelos homens desde a sua infância (caso não existisse algo que

contrariasse essa tendência espontânea no ser humano), não se lhe afigurava

vantajoso seguir-se um sistema de ensino que entrasse em divergência com as

circunstâncias naturais, também presentes no decurso do processo evolutivo da

civilização.

111

Herbert Spencer, 1976 (1861): 60. 112

Idem.: 67.

88

Outra das questões levantadas pelos mais cépticos prendia-se com a

possibilidade de um tal esquema pedagógico conduzir à completa isenção de normas

disciplinares. Spencer responderia que, embora fosse fundamental respeitar as regras

da natureza e um predeterminado curso evolutivo inerente à desenvolução dos seres

vivos, a sua metodologia não implicava a total inexistência de um código de

comportamento, ou mesmo o completo «laissez-faire». Tal pressuposto era mesmo

uma «reductio ad absurdum»113 por ele repudiada.

Embora esta hipótese da prática educativa submetida a um esquema análogo

ao processo evolutivo da civilização se encontrasse em conformidade com a teoria

spenceriana do equilíbrio das forças114 e acabasse por tornar-se uma fonte de

interesse para os pedagogos, nunca mereceu a simpatia de nenhum, jamais sendo

levada à prática. Efectivamente, acabou por ser designada utilitária ou de bread and

butter theory, talvez numa alusão ao facto de ter sido ditada por um teórico sem

conhecimentos práticos, não obstante este ter considerado fácil o seu emprego. Para

Spencer, no entanto, não residiam dúvidas quanto ao futuro e à aplicabilidade das

máximas proferidas. Em tom profético, garante:

The fulfilment of all these conditions by one type of method, tends alike to verify the conditions and to prove that type of method the right one. Mark too, that this method is the logical outcome of the tendency characterising all modern improvements in tuition .

115

Por conseguinte, no futuro, todas as reformas a encetar no ensino provariam

ser a teoria spenceriana (através dos objectivos traçados como preparação para a

113

Idem.: 54. 114

“Equilibration” foi o título do vigésimo segundo capítulo de “The Knowable” em First Principles (1862). No ensaio “The Equilibration of Force” (1858) Spencer desenvolvera a teoria da equilibração das forças. Porém, ao ser uma teoria por ele considerada de muita importância, já pairava na mente (quanto à sua aplicabilidade no plano social) desde uns rascunhos escritos para a segunda edição de Social Statics (1850). Numa carta, não datada e dirigida ao Professor Tyndall, refere o seguinte: «Indeed, of the

general views which I have of late years been working out, this was oddly enough the first reached.

Thus, you see, that my views commit me most fully to the doctrine of ultimate equilibration. Regarding, as I had done, equilibration as the ultimate and highest state of society, I had assumed it to be not only the ultimate but also the highest state of the universe.» (in David Duncan,1908: 104). Com efeito, a equilibração das forças faria parte de três das ideias cardinais do processo evolutivo na teoria geral de Spencer, quando, após muito reflectir, sentiu a necessidade de definir qual o estágio que completava o ciclo da evolução. Esse ciclo iniciava-se com a segregação (segregation), até atingir a

equilibração (equilibration) entendida como o estado máximo da sociedade e do universo e, por fim, a dissolução (dissolution). A história do universo compreenderia uma sucessão de ciclos alternando épocas de evolução com outras de dissolução.

89

vida) a mais conveniente na formação da individualidade vitoriana. Porém, não deverá

esquecer-se que essa doutrina constituiu um verdadeiro espelho do processo

educativo de Spencer, podendo considerar-se ajustada à personalidade de alguns

indivíduos, mas totalmente inadequada à de outros. A circunstância de a educação

recebida por Spencer ter sido um êxito e um método consideravelmente satisfatório a

título pessoal, como ele gostava de mencionar, acabou, também, por

paradigmaticamente interferir na sua visão pedagógica e a limitar ao elegê-la em

exclusivo. Ao crescer como uma criança só, frequentes vezes preferindo a companhia

de adultos, em cujas conversas intervinha com empenho, acabou por se tornar um

homem introvertido, cuja solidão compartilharia com um grupo de fiéis amigos a que

se associou intelectualmente. Não estranhamente, na pedagogia, o aluno surge

isolado enquanto ser social, pois obtém todas as vantagens por meio da auto-

educação, assim como através de um raciocínio arquitectado a partir da capacidade

de observar, de experimentar e de verificar. Spencer defendeu, por isso, que primeiro

se procedesse à análise dos factos e, só depois, se passasse à aprendizagem dos

princípios e à utilização dos manuais. Esta auto-suficiência aplicada à aprendizagem,

embora não possa considerar-se um aspecto, de todo, negativo, pecava ao desinserir

a criança do grupo e não a treinar para a cooperação intelectual através de

actividades colectivas, essenciais ao desenvolvimento completo dos seres humanos.

O afastamento dos indivíduos da partilha de experiências educativas ou,

segundo um outro ponto de vista: a omissão dessas experiências da categoria das

actividades indispensáveis à vida completa acabou por tornar as teorias de Spencer

deficitárias no âmbito da sociabilidade, em virtude de não se levar em conta o treino

dos sentimentos e desejos. Isto sucedeu por o autor (defensor dos princípios nos

quais assentavam a noção de self-help) encarar o indivíduo como um self-made man

a quem os pais e os educadores deveriam oferecer as armas, para se tornar um ser

independente e autónomo.116 Por outro lado, ao não demonstrar como a educação

das emoções podia ser conduzida, ou os afectos e as diferenças entre os seres

115

Herbert Spencer, 1976 (1861): 79. 116

A doutrina do self-help representava o espírito subjacente à ideia de progresso e de prosperidade na Inglaterra da Revolução Industrial. O conceito de que os indivíduos ao ajudarem-se a si próprios contribuíam para o desenvolvimento da nação, foi muito valorizado pela sociedade vitoriana e teve em Samuel Smiles o seu principal apóstolo. Spencer, na qualidade de liberal e defensor do laissez-faire, ao encarar o ser humano como o principal agente do seu bem-estar se tivesse iniciativa própria, advogava

90

humanos deviam ser geridos, o esquema de Spencer revelou, também aí, uma

fragilidade imperdoável, face ao modo de ver de doutrinas ulteriores. Estas saberiam

aplaudir-lhe as vantagens e as virtudes, mas, de igual modo, acabaram por votar o

plano educativo de Spencer ao esquecimento, por o considerarem insatisfatório e

inadequado ao preparar o homem para a vida, exclusivamente, no campo das

aptidões físicas e intelectuais.

Se, no domínio da afectividade e do modo de viver em sociedade, a teoria

spenceriana tem sido motivo de depreciação, outro aspecto que lhe seria apontado

como negativo relaciona-se com o ensino das artes. Com efeito apesar do valor que

Spencer lhes atribuía, manifestado na autobiografia através da sua relativa apetência

pelo desenho e a música no seu plano de estudos aquelas eram ministradas por

meio de um método que, efectivamente terá de reconhecer-se, seria muito pouco

atraente para uma criança com acentuado pendor literário ou artístico. Ao considerar

as actividades ligadas aos prazeres da vida como as últimas a satisfazer na formação

do indivíduo, Spencer tornaria as normas didácticas inadequadas àquele tipo de

alunos e acabaria, igualmente, aos olhos dos pedagogos que o analisaram, por

inviabilizar o sistema de ensino tal como o propôs. Na sua concepção de vida a qual

parece dirigir-se, em exclusivo, a um povo de industriais e comerciantes para quem a

cultura artística constituía um mero complemento na formação humana o valor

educativo das artes era diminuto face às necessidades básicas a satisfazer em

primeiro lugar. Assim crêem muitos críticos e, nomeadamente, Charles Horton

Cooley:

I do not mean that Spencer had a mind wholly insensible to the fine arts. He enjoyed and even practised music, for example, had considerable skill in drawing, and liked to read the poetry of Shelley. I mean that he seems to have no feeling for the traditional, social and personal elements that enter so largely into art and literature and therefore no sense of the need of culture and sympathy in passing judgement upon them.117

Não se terá tratado de insensibilidade o que levou Spencer a encarar as artes

quando consideradas face ao conjunto das restantes actividades mais importantes

ideais plenamente concordantes com a visão da maioria. 117

Charles Horton Cooley, 1920: 135.

91

para a vida dos homens como uma actividade humana à qual atribuiu um valor

extrínseco. Numa análise mais atenta, este parece tratar-se de um ponto de vista ao

qual terá chegado; primeiramente, como consequência do tipo de formação obtido

que o levou a ter um percurso intelectual algo sui generis; e, em segundo lugar, como

resultado de um processo reflexivo que, ao encontrar-se condicionado pela primeira

circunstância antes mencionada, o terá influenciado a estudar as questões sociais por

um prisma essencialmente biológico. Com efeito, na sociologia de Spencer, o

indivíduo é visto de uma perspectiva, segundo a qual o desenvolvimento da

personalidade humana e do ser social atravessava um processo essencialmente

biológico, mais do que social. A sociedade, por exemplo, era por ele entendida como

um organismo cujos aspectos distintivos eram determinados pelas raízes biológicas,

as quais se sobrepunham às influências históricas. Este tipo de raciocínio provinha da

elevada importância por ele atribuída aos caracteres herdados; o princípio

lamarckiano considerado como o interveniente mais preponderante na evolução dos

seres vivos. Por conseguinte, o facto de ter ajuizado a acção do homem em

sociedade com base numa apreciação essencialmente derivada das leis da biologia,

tornou a sua sociologia uma doutrina do tipo individualista-biológico, segundo observa

Cooley:

And this is true of all Spencer‟s sociology. It is biological - individualistic, the biology being of a type involving use-inheritance, and the individualism of a mechanical sort quite inadequate to embrace human personality.118

Na concepção spenceriana da vida, a qual era essencialmente prática, utilitária e

materialista (como já se demonstrou), não obstante o ser individual ter sido enfatizado

em detrimento do ser social, Spencer não conferiu à personalidade dos indivíduos a

mesma análise rigorosa que reservou à faceta física e biológica do ser humano. O

estudo da mente, por sua vez, era efectuado à luz de princípios recolhidos da

fisiologia, circunstância da qual discordavam outros intelectuais. Foi o caso de George

Henry Lewes, o qual escreveu as seguintes palavras, em 1855, para o periódico

118

Idem.: 139-140.

92

Leader: «He makes Psychology one of the great divisions of Biology»;119 mas,

também, de R. H. Hutton quando escreveu, em 1856, para o National Review:

We find philosophers like Mr. Spencer, instead of examining the moral realities of human life, actually dissipating them, in the hope of deducing them from physiological assumptions.

120

Apesar dos aspectos menos felizes detectáveis ao longo da exposição dos

princípios pedagógicos de Spencer, seria absurdo desmerecê-los por inteiro. Afinal,

as máximas proferidas representavam a essência do que designava como a sua

proposta de uma “arte educativa”121 e repousavam numa metodologia regida por

fundamentos muito semelhantes aos aceites hoje em dia. Seria, essencialmente,

através desses ditames, alicerçados numa psicologia orientada para a problemática

educativa, que tinha tentado responder às questões prementes suscitadas pelos

reformistas da educação vitoriana. O interesse de Spencer pelos fenómenos mentais

era de tal modo acentuado que determinou a publicação de Principles of Psychology

no ano de 1855, em simultâneo com a redacção de vários dos seus textos sobre

educação. George Eliot reconheceu-lhe o alcance do pensamento nesta área ao

afirmar o seguinte, numa carta escrita em 1854:

Herbert Spencer ...... will stand in the Biographical Dictionaries of 1954 as “Spencer, Herbert, an original and profound philosophical writer, especially

known by his great work XXX sic which gave a new impulse to psychology and has mainly contributed to the present advanced position of that science, compared with that which it had attained in the middle of the last century.”122

Embora estas palavras de Eliot se revelem suspeitas em virtude da existência de uma

grande amizade e admiração mútuas, não deixam, todavia, de demonstrar o apreço

de Spencer pelo estudo da psicologia. Apesar do relevante contributo do filósofo para

119

George Henry Lewes, “Life and Mind” (1855), ap. Diana Postlethwaite, 1984: 202. 120

R. H. Hutton, “Atheism” (1856), ap. Diana Postlethwaite, ibid.: 202. 121

“The Art of Education” (1854) foi o primeiro título atribuído ao texto “Intellectual Education” posteriormente integrado no livro Education: Intellectual, Moral and Physical (1861), porém, essa designação representava, também, o conjunto de conteúdos de uma disciplina curricular considerada como fulcral num plano de estudos: “Theory and Practice of Education”. 122

George Eliot, George Eliot Letters, ap. Diana Postlethwaite, 1984: 201.

93

o estudo das matérias educacionais, a impraticabilidade de algumas das propostas

pedagógicas, mas também os aspectos omissos, determinaram o desencanto

causado no seus leitores mais críticos. Todavia, os textos sobre educação destacam-

se de entre as outras obras do sistema filosófico spenceriano, pelo tributo prestado

aos educadores, cuja procura de caminhos proporcionadores de um ensino mais

justo, digno e profícuo, neles encontraram muitas respostas.

De facto, ao visar a reorganização do sistema educativo do qual se propunha

eliminar a discrepância existente entre a formação de uma minoria de indivíduos, cujo

treino era orientado para uma existência de puro lazer; e a da grande maioria, a quem

o futuro rotineiro e submetido à luta pela subsistência retirava o gosto pela vida

Spencer contribuiu para a democratização do ensino. Por outro lado, através do texto

“Physical Education” (1859) no qual indicia perfilhar a teoria de Rousseau da

disciplina das consequências naturais, como mais adiante se aprofundará 123 propôs

uma metodologia, através da qual as crianças eram levadas a corrigir os erros

cometidos a partir das consequências negativas e desagradáveis que aqueles

tivessem originado. Defendia, assim, um método educativo não autoritário (diferente

do praticado nas escolas), causador de prazer e tendente a valorizar a actividade

independente, por oposição à receptividade submissa. Ao pretender a supressão do

regime austero e opressivo, tradicionalmente característico dos regulamentos

escolares e das relações familiares vitorianas, criou as condições favoráveis a uma

aprendizagem causadora de prazer; só atingível caso se quebrassem as reservas

constrangedoras vulgarmente manifestadas no relacionamento entre professores e

alunos, pais e filhos. Mas, o seu apelo a um maior investimento na educação das

raparigas, resultou, também, noutro dos aspectos positivos da sua ideologia

educacional. Ao propor um tipo de ensino, em tudo semelhante para ambos os

sexos, acabou por contribuir para que se deixasse de reservar às jovens o tipo de

aprendizagem favorecedor de uma existência meramente contemplativa.

Embora a sua pedagogia tivesse falhado no campo da sociabilidade e dos

afectos entre os indivíduos, sem dúvida tal não sucedeu na área do relacionamento

123

De algum modo, certamente, a obra Émile (1762) de Rousseau lhe terá chegado ao conhecimento, pois a sua ideologia assemelha-se, em muitos aspectos, à do pedagogo francês. Contudo, Spencer fez questão de afirmar jamais ter lido aquele trabalho e nada lhe dever no campo da temática educativa. Vide este assunto retomado no quinto capítulo da presente dissertação no âmbito da (falta de)

94

entre educadores e educandos, pois a ele se deveu, numa era de reserva emotiva, a

defesa de uma relação parental e pedagógica próxima, amigável e carinhosa. Este

contributo para a melhoria do modo de tratamento na convivência familiar e escolar

surge, obviamente, também em abono da doutrina pedagógica, tanto por a colocar

nos antípodas da tradição praticada, como por representar rasgos de progressismo,

os quais conferem, por isso, enorme dignidade aos princípios educativos por ele

defendidos.

Poderá a obra Essays on Education and Kindred Subjects (1861) não ter

constituído um guia prático para alguns teóricos (não obstante o tivesse sido até em

Portugal para muitos educadores, como ficou demonstrado no segundo capítulo),

certamente despertou as consciências e a reflexão crítica dos leitores quanto aos

modelos educativos em vigor. Ao proceder assim, o seu autor conquistou um lugar

eminente na ruptura das mentalidades com o pensamento de cariz imobilista

paradigma da época vitoriana. Se outro mérito não teve, certamente alcançou, no

mínimo, o de haver introduzido no debate sobre educação, um nível de racionalidade

pulverizador de preconceitos e revelador de como o conhecimento científico (em vez

da conformidade), ou a reflexão equilibrada (em vez do panegírico), se podem traduzir

na produção de uma obra de grande riqueza doutrinária e conceptual.

CAPÍTULO IV

Evolucionismo educacional

The danger now is not that people should obstinately refuse to allow anything but their old routine to pass for reason and the will of God, but either that they should allow some novelty or other to pass for these too easily, or else that they should underrate the importance of them altogether, and think it enough to follow action for its own sake, without troubling themselves to make reason and the will of God prevail therein. Matthew Arnold, in Culture and Anarchy (1869)

originalidade do pensamento spenceriano.

95

Quando, a partir dos finais do século XVIII, se começou a questionar a génese

da terra no campo da Geologia e a origem, bem como o desenvolvimento, dos

seres vivos no âmbito da Biologia surgiram, então, diferentes tentativas para

conceber teorias da evolução, as quais iriam produzir considerável impacte no

pensamento da era sequente. As concepções, razoavelmente completas, do Conde

de Buffon enunciadas em Les Époques de la Nature (1778), assim como as de

Erasmus Darwin expostas em Zoonomia (1794), ou de James Hutton em Theory of

the Earth (1795), tornar-se-iam contributo valioso e fonte de inspiração para outros

pesquisadores na tentativa de solucionar dúvidas entretanto suscitadas pelas

descobertas de fósseis. Seria esse o caso de Jean-Baptiste Lamarck, o qual chegou à

conclusão de que, no tempo, todas as formas vivas evoluem na sua complexidade,

princípio a partir do qual propôs, em 1809, a primeira teoria da evolução

fundamentada na herança de caracteres adquiridos.

Mas, não seria só o processo evolutivo da terra, das plantas ou dos animais a

provocar uma atitude reflexiva nos pensadores. Enquanto Pierre Simon Laplace

concebeu, em 1796, uma teoria do sistema solar, a qual constituiu a base das

modernas teorias cosmogónicas, Immanuel Kant e Pierre Cabanis, também nos finais

do século XVIII, orientaram as atenções para as faculdades mentais do homem a fim

de as perspectivarem como um produto da sua história evolutiva. Todavia, apesar de

determinantes, não foram estas as principais doutrinas perturbadoras do resistente

conservantismo político e religioso. Quando, em 1819, foi publicada a obra Natural

History of Man, na qual William Lawrence apresentou uma teoria da evolução humana

pela selecção natural vagamente semelhante àquela mais tarde avançada por

Charles Darwin, a sociedade inglesa ainda não estava preparada para aceitar as

implicações resultantes de tais ideias. Nem nos anos trinta, no período do

96

aparecimento de Principles of Geology (1830-1833), trabalho cuja importância

projectaria Charles Lyell como o fundador da Geologia moderna, tais princípios seriam

vistos com muito maior tolerância. O próprio Darwin, já nos anos sessenta, receoso

do ostracismo social ao qual poderia ser votado, sentiu a necessidade de abordar a

evolução biológica do ser humano com relativa cautela e ambiguidade. Em Inglaterra,

as circunstâncias ideológicas criadas pela forte influência das igrejas sobre as

mentalidades determinaram o elevado número de cientistas a menosprezar o

processo de desenvolvimento das espécies pela selecção natural. Por influência de

um positivismo associado a uma tradição cuvierista,124 até em França, onde o

pensamento se tinha tornado tradicionalmente menos conservador, algumas

correntes favoráveis à teoria da evolução preferiam o termo «transformar» em

detrimento de «evoluir».

Nos nossos dias, porém, não se poderá afirmar ser este um assunto de todo já

encerrado. Com efeito, o darwinismo, entendido omnium consensu como a teoria, por

excelência, da evolução das espécies, ainda hoje faz surgir muitas questões, as quais

não se prendem apenas com a biologia, o teísmo ou o deísmo, estendendo-se,

também, ao âmbito da política, da economia e da ética, bem como à globalidade das

ciências humanas.125

124

Georges Cuvier (1769-1832) foi um naturalista e anatomista francês, cujo contributo para a anatomia e a paleontologia, através de trabalhos como Leçons d‟Anatomie Comparée (1800-1805), Recherches sur les Ossements Fossiles (1812), Le Règne Ánimal (1817; rev. 1829-1830), ou Histoire Naturelle des Poissons (1828-1849), é considerado muito relevante. Paradoxalmente, apesar de se ter revelado um anti-evolucionista convencido da criação de todas as espécies por uma entidade divina e de o seu pensamento ter causado alguma influência nos meios culturais franceses, as suas descobertas no campo da anatomia e da paleontologia foram mais tarde utilizadas para justificar a teoria da evolução. 125

Com vista à divulgação de um dossier sobre Darwin publicado na Magazine Littéraire e considerado por esta como sendo um trabalho notável do final dos anos noventa do século XX para quem quiser

fazer o balanço do darwinismo na alvorada do século XXI António Rego Chaves escreve o seguinte parágrafo num artigo publicado, em Março de 1999, no Diário de Notícias: «Estamos, aparentemente, muito longe de 1860, data em que o bispo de Oxford se dirigiu na Associação Inglesa para o Progresso das Ciências a Thomas Henry Huxley nos seguintes termos: “Gostaria de perguntar ao professor Huxley, que julga descender do macaco, donde lhe vêm as suas origens simiescas, se do lado do seu avô ou da sua avó?” Invocando toda a autoridade das Escrituras o insolente dignatário cristão tentava, assim pôr a ridículo as concepções de Charles Darwin expostas em a Origem das Espécies. O eminente cientista foi pronto na resposta: “Não tenho qualquer vergonha de ter essas origens; mas acharia vergonhoso descender de alguém que está pronto a pôr a sua eloquência e toda a sua cultura ao serviço de preconceitos e de mentiras”. Quase um século e meio passado, estaremos assim tão longe de mentalidades que, em nome da religião contestam a ciência?» (António Rego Chaves “Ponto (ainda não final) acerca do Darwinismo”, (in Diário de Notícias, 20 de Março de 1999: 50). De facto, se nos finais do século XX o confronto sobre o evolucionismo ainda não se pode dar como terminado, não é por isso difícil entender as motivações mais conservadoras dos opositores vitorianos à teoria da evolução das espécies (leia-se o parágrafo em epígrafe assinado por Matthew Arnold e transcrito no

97

Embora, na segunda metade do século XIX, a ideia de evolução não fosse um

conceito totalmente novo Sir Charles Lyell, em Principles of Geology (1830-33), já

tinha alertado para as mudanças constantes e irreversíveis operadas, dia após dia, na

crosta terrestre seriam, contudo, os trabalhos de Spencer, de Darwin e de Wallace

que, a partir dos anos cinquenta, projectaram um quadro da natureza radicalmente

inédito, bem como uma dimensão temporal exonerada do acaso ou do desígnio. De

facto, não obstante o grande desconforto causado pela nova dinâmica evolutiva

(acusada de ofender a dignidade do homem em relação ao universo atribuindo-lhe

uma posição ignobilmente humilde no enquadramento cósmico), o movimento

favorável ao saber científico continuava em crescente afirmação e a prestar relevante

auxílio na investida do pensamento evolucionista, tanto nas ciências naturais, por

particular influência de Darwin, como nas sociais, através do contributo de Herbert

Spencer.

Em 1852, Spencer publicou, anonimamente, o ensaio já antes referido “The

Development Hypothesis” onde revelou, pela primeira vez, o pensamento

evolucionista, mais tarde, utilizado como base do seu sistema filosófico sintético. As

premissas dessa doutrina evolucionista iriam, posteriormente, culminar na teoria,

segundo a qual a evolução é um fenómeno do universo, processado unitária e

continuamente através de todas as formas da existência. As modificações daí

resultantes conduziam à impossibilidade de existir uma solução de continuidade ou

uma transformação de fenómenos concretos em outros, sem uma ponte de

fenómenos intermédios. Segundo Jack Kaminsky, o qual assina as páginas de The

Encyclopaedia of Philosophy sobre Herbert Spencer, a prestação do filósofo no

domínio das ciências seria valiosa:

The law of evolution, Spencer proclaimed, would be the first philosophical world view that would incorporate scientific data and would be substantiated by purely inductive procedures.

126

Com efeito, o método indutivo por ele utilizado ajudá-lo-ia a estabelecer um

presente capítulo, p.94), nem o vanguardismo representado pelas ideias dos defensores evolucionistas. 126

Jack Kaminsky, s.v. «Spencer, Herbert», (s.d.), in The Encyclopaedia of Philosophy, Macmillan, New York: 525.

98

estilo próprio, mas, também, a definir o seu conceito de evolução. Por conseguinte, o

acto de evoluir, ao concretizar-se através da mudança de um estado relativamente

indefinido, incoerente e homogéneo, para um outro mais definido, coerente e

heterogéneo, consistia num processo universal capaz de explicar tanto as mudanças

mais primitivas, pelas quais se supõe ter passado o universo, como as mais recentes,

detectadas nas sociedades e nas relações sociais.127 Tratava-se, segundo ele, de

uma nova doutrina, a qual, relativamente às velhas crenças criacionistas, seria a

única cujos argumentos idóneos podiam fundamentar a sua defesa. Repare-se como

conjecturava a favor das convicções evolucionistas aquando da publicação de “The

Development Hypothesis”, a vinte de Março de 1852, no periódico The Leader :

They the supporters of the Development Hypothesis can show that the process of modification has effected, and is effecting, decided changes in all

organisms subject to modifying influences they can show that any existing

species animal or vegetable when placed under conditions different from its previous ones, immediately begins to undergo certain changes fitting it for the new conditions. They can show that in successive generations these changes continue; until, ultimately, the new conditions become the natural ones.

128

Encontrada, assim, a solução para os mistérios orgânicos ou inorgânicos, sociais e

não sociais, de influência nitidamente lamarckiana,129 tornava-se evidente a sujeição

de qualquer estado de existência, mental ou físico, ao princípio evolutivo. Tudo, desde

entidades simples a grupos de seres, se desenvolvia a partir de um estágio elementar

(no qual só as funções mais básicas eram desempenhadas), para outros estágios

superiores onde as funções mais elaboradas ocorriam progressivamente. Por

conseguinte, tanto o crescimento como as mudanças descritas pela Biologia ou a

Antropologia, poderiam ser encontradas em todos os domínios.

Uma vez formulada a teoria da evolução, Spencer iria dedicar o resto da vida a

127

A redacção final da teoria da evolução de Spencer surgiu em First Principles (1862) com o seguinte texto: «Evolution is an integration of matter and concomitant dissipation of motion; during which the matter passes from an indefinite, incoherent homogeneity to a definite, coherent heterogeneity; and during which the retained motion undergoes a parallel transformation.» (in Herbert Spencer, 1862: 321). 128

Herbert Spencer, 1891a (1852): 2. 129

A influência do naturalista Jean-Baptiste Lamarck no pensamento spenceriano foi de tal modo marcante que acabou por tornar-se uma das principais características distintivas das ideias de Spencer face às de outros evolucionistas. Com efeito, ao adoptar a crença lamarckiana do desenvolvimento das espécies por via das mudanças nelas operadas, devido às relações entre os indivíduos dessas espécies

99

demonstrar a sua aplicabilidade a todos os campos de estudo. Esse objectivo

concretizou-se, nomeadamente, quanto às suas propostas para a reforma do ensino

surgindo ao longo de diferentes trabalhos integrados em Essays on Education and

Kindred Subjects (1861). Deste modo, na doutrina educativa, todas as máximas

enunciadas se encontram subordinadas às leis universais da evolução, como é o caso

das relacionadas com o intelecto. Ao expor o pensamento, Spencer iria firmá-lo em

variadas premissas, as quais deviam ser respeitadas na elaboração dos currículos.

Tal era a importância atribuída a esta matéria que se torna premente explicitar,

embora em termos sumários, as condições fundamentais por ele advogadas para um

bom plano de aprendizagem, bem como os princípios fundamentais a levar em conta

na reorganização dos métodos de ensinar.

Por o conhecimento consistir em parte numa acumulação de ideias e de

saberes, o processo educativo deveria partir do ensino do indefinido para o definido,

assim como do simples para o complexo. Depois, ao admitir-se o elevado valor e a

importância atribuível à experiência e à prática de exercícios para o desenvolvimento

das faculdades intelectuais, então, a instrução por iniciativa própria (self-help) deveria

proceder do concreto para o abstracto, de acordo com o desenvolvimento natural da

mente. Por sua vez, tanto os professores como os pais eram agentes educativos

fundamentais. Ao saber-se que os indivíduos e as sociedades visavam a felicidade

como fim último, tornava-se determinante sujeitar o treino das crianças à ordem

biológica, psicológica e evolutiva, de modo a permitir a adaptação da sua conduta às

leis da existência, assim se afastando os malefícios resultantes de uma má adaptação

àquelas leis. As regras da natureza deveriam, igualmente, ser observadas,

respeitadas e seguidas no tocante à alimentação, à indumentária ou ao exercício

físico e mental dos jovens, no intuito de proporcionar aos alunos um ensino atractivo e

causador de prazer. Este agrado pela aprendizagem poderia, também, ser estimulado

pelo recurso à utilização de espaços abertos para a prática de jogos ou brincadeiras,

os quais serviriam como um treino físico mais eficaz se comparado com o adquirido

através da ginástica , em virtude de respeitar a condição animal do ser humano bem

como, consequentemente, a relação directa existente entre a saúde do corpo e da

mente. Porém, seria importante reconhecer-se a origem biológica do desejo de

e o meio ambiente, Spencer aplicou-a, também, a todas as outras realidades não biológicas.

100

brincar, pois este, ao possibilitar o consumo das energias não despendidas com

outras actividades, deveria ser estimulado. Também as faculdades morais

necessitavam de exercício para o seu desenvolvimento. A fim de se atingir este

propósito, seria essencial deixar as crianças percepcionarem a relação entre causa /

efeito por via da experiência e das consequências da sua conduta. Afinal, se o

objectivo da educação é o de preparar os indivíduos para a vida, a metodologia

pedagógica não deveria desviar-se desse intuito. Existia, ainda, a necessidade de se

estabelecer um paralelismo entre a didáctica e o processo evolutivo da civilização, de

modo que a génese do conhecimento do indivíduo estivesse em concordância com a

génese do conhecimento da raça.130 Por sua vez, o Estado, ao ser encarado como um

órgão dum organismo designado sociedade, tinha a sua função limitada a uma única

tarefa: administrar a justiça, excluindo-se-lhe, consequentemente, o controlo da

educação. Esta tarefa, inteiramente entregue à responsabilidade dos pais, dependia

do próprio instinto paternal, bem como das leis da oferta e da procura. Quanto às

ciências, que constituíam o conhecimento mais adequado na preparação para as

actividades da vida (dos educadores ou das crianças), ocupavam, assim, um lugar

determinante no plano curricular, pela disciplina e simultâneo treino da memória e da

moral proporcionados ao desenvolvimento dos indivíduos. Todavia, o

aperfeiçoamento social não era dependente da pedagogia nem por ela determinado,

pois só o lento processo geral da evolução se podia considerar um factor dinâmico no

progresso das sociedades e na melhoria do carácter dos indivíduos.

São estes, per summa capita, os princípios orientadores, segundo os quais a

ideologia evolucionista spenceriana se aplicava ao âmbito do ensino. Na elaboração

dos quatro trabalhos publicados em Essays on Education, Spencer não os perdeu de

vista e todo o seu raciocínio se revela norteado pelas premissas atrás descritas. No

artigo designado “Intellectual Education”, o primeiro divulgado ao público pelo

periódico Westminster Review, em Julho de 1854, surgiu-lhe a oportunidade de

manifestar a defesa de tais conceitos com a habitual eloquência de discurso. Nas

primeiras linhas daquele texto começou por fundamentar as suas críticas,

inteiramente dirigidas à metodologia educativa praticada até aos anos cinquenta,

reconhecendo, contudo, o iniciar de mudanças. Felizmente, um novo conceito das

130

Vide pp.85-86 da presente dissertação.

101

ferramentas do ensino estava a entrar, gradualmente, em convergência com a atitude

correcta face à aprendizagem. Esta residia, por sua vez, na seguinte convicção: «

Body and mind must both be cared for, and the whole thing being unfolded».131 No

entanto, o leitor era alertado para a conveniência de se estabelecer, com exactidão, o

modo de processar o desenvolvimento das faculdades humanas antes dos métodos

educativos serem delineados, pois, qualquer que fosse o sistema educacional

encontrado, este teria de estar em harmonia com o tipo (mas também com o modo ou

a ordem) de acordo com o qual essas faculdades se revelavam nos indivíduos.

Contudo, para se encontrar um esquema exemplar de ensino, existiam, ainda,

outras normas a estabelecer. Tais directrizes, associadas a uma psicologia racional,

permitiriam orientar os planos de aprendizagem de modo a estes proporcionarem aos

estudantes o maior rendimento intelectual possível. Por conseguinte, em primeiro

lugar, a educação devia proceder do simples para o complexo, tal como a mente se

desenvolvia do homogéneo para o heterogéneo: «Not only in its details should

education proceed from the simple to the complex, but in its ensemble also».132 Assim

se passaria de um ensino com pouca diversidade disciplinar, para um progressivo

aumento da multidisciplinaridade. Esta noção advinha, obviamente, da teoria de Von

Baer, cujos ditames, como atrás se referiu, tinham chegado ao seu conhecimento em

1851. Dela retirou o conceito então expresso em termos meramente biológicos de

que o desenvolvimento de todos os organismos se processava da homogeneidade

para a heterogeneidade, transpondo-o, mais tarde, para todos os domínios tornados

objecto de estudo. Isso sucedeu, para além do âmbito da educação, nomeadamente

em “The Philosophy of Style” (1852, ensaio no qual expõe as ideias sobre os desafios

de uma comunicação eficiente), em “Manners and Fashion” (1854, texto onde

antecipa os princípios da sua doutrina sociológica mais amadurecida), ou em “The

Genesis of Science” (1854, ao longo do qual contesta a classificação racional das

ciências de Comte).

Em segundo lugar, outra máxima spenceriana ditava que o desenvolvimento da

mente se efectuasse do indefinido para o definido:

131

Herbert Spencer, 1976 (1861): 48. 132

Idem.: 59.

102

The intellect as a whole and in each faculty, beginning with the rudest discriminations among objects and actions, advances towards discriminations of increasing nicety and distinctness.133

Deste modo, só a riqueza e a variedade de experiências poderiam fornecer materiais

adequados, tanto à emissão de juízos de valor, como à elaboração de conceitos

concludentes, os quais, no entanto, apenas os possuidores de alguma maturidade

intelectual seriam capazes de formular. Às mentes menos desenvolvidas prestar-se-

iam noções básicas dos conhecimentos, até que, com o decorrer do tempo e o

acumular de experiências, se atingisse um grau mais elevado de definição dos

mesmos. Na segunda parte de Principles of Psychology (1855), Spencer expôs, mais

detalhadamente, a sua definição de mente e considerou, entre diversas reflexões,

existir uma autêntica analogia entre o aperfeiçoamento das capacidades intelectuais

(através das progressivas etapas pelas quais devia passar) e as leis gerais da

evolução. O reconhecimento desta circunstância impunha-se como um facto a ser

levado em conta pelos educadores, pela importância revelada. No entanto, a ideia

expressa por Spencer (já anteriormente enunciada por Rousseau e Pestalozzi),

segundo a qual não era possível, nem desejável, levar as crianças a apreender

noções com elevado grau de precisão, não estaria livre de censuras. Muitos outros

pedagogos se opuseram a este ditame por considerarem não existir qualquer factor

impeditivo na aprendizagem precoce de informações complexas. Seria o caso de

Gabriel Compairé, cuja admiração pelo trabalho do filósofo inglês ao considerá-lo o

mais autêntico discípulo de Rousseau não o coibiu de manifestar a sua oposição,

nomeadamente, quanto a esta matéria, ao referir:

Il n‟est jamais trop tôt, au contraire, pour inculquer des notions nettes et exactes, et cela n‟est pas impossible, si l‟on a soin de retenir l‟attention de l‟enfant sur des sujets qui soient à sa portée.

134

Com efeito, Compayré considerava aquela máxima, apenas um dos erros de

interpretação de Spencer. Ao acreditar ser possível o ensino de noções complexas a

133

Id., Ibid.

103

níveis etários não recomendados por Spencer, a opinião deste pedagogo francês

contradizia, assim, o necessário respeito pela máxima spenceriana, segundo a qual o

ensino do definido ocorreria só após o do indefinido. Tal como nos nossos dias as

orientações pedagógicas revelam algumas contradições quanto a esta matéria,

também Spencer encontrou a resistência de alguns dos seus contemporâneos, como

se verificou.

Quanto ao terceiro princípio enunciado em “Intellectual Education”, embora

considerado por ele repetitivo, relativamente aos antes mencionados, ditava o

procedimento do ensino do concreto para o abstracto:

The mind should be introduced to principles through the medium of examples,

and so should be led from the particular to the general from the concrete to the abstract.

135

Tratava-se de mais um axioma inteiramente em consonância com as leis da evolução,

mas, também face a uma análise introspectiva do pensamento de Spencer com o

conceito, devidamente explicitado em outras obras, segundo o qual as ideias

constituíam partes do conhecimento. Se este, por sua vez, formava um agregado de

ideias, então, quanto maior fosse o conhecimento, maior seria o agregado de ideias

gerado através de processos de associação. Assim sendo, os professores deveriam

levar em conta as leis de associação de ideias, de modo a fornecer aos alunos factos

relevantes susceptíveis de integrarem o conhecimento; isto é, proporcionar-lhes as

experiências que podiam ser convertidas em conhecimentos. Este raciocínio, por sua

vez também agregado ao princípio do desenvolvimento da mente do simples para o

complexo, seria exposto do seguinte modo, em The Principles of Psychology (1855):

In the progress of life at large, as in the progress of the individual, the adjustment of inner tendencies to outer persistences, must begin with the simple and advance to the complex; seeing that both within and without, complex relations, being made up of the simple ones, cannot be established before simple ones have been established.

136

134

Gabriel Compayré, s.d.: 59-60. 135

Herbert Spencer, 1976 (1861): 60. 136

Herbert Spencer, 1899 (1855): 426.

104

Em quarto lugar, surgia a máxima que estabelecia uma conformidade entre a

educação da criança, o desenvolvimento histórico da humanidade e o percurso da

civilização:

It follows that if there be an order in which the human race has mastered its various kinds of knowledge, there will arise in every child an aptitude to acquire these kinds of knowledge in the same order.

137

De acordo com este ponto de vista, devia estabelecer-se uma concordância entre o

processo aquisitivo de conhecimentos da criança e aquele, segundo o qual a raça

humana obteve o domínio dos vários tipos de saberes, pois, ambos se encontravam

sujeitos aos princípios gerais da evolução. Spencer reconheceu ter sido Comte o

primeiro a enunciar este conceito. De modo que, ao considerar tratar-se de um

axioma perfeitamente válido, para além de o ter adoptado, fundamentou a sua defesa

nas leis da hereditariedade. Originou, assim, um dos aspectos controversos da

argumentação spenceriana. Ao exemplificar o modo como existe uma predisposição

nos jovens para repetir a história da humanidade uma criança de nacionalidade

francesa tornar-se-ia, certamente, um adulto francês, independentemente do

ambiente onde crescesse Spencer iria ignorar a importância exercida pela acção do

meio sobre os indivíduos, aceite nemine contradicente. Com efeito, a sua teoria

parecia não atribuir qualquer importância à actuação dos factores naturais e sociais

sobre os seres humanos, cuja persistência faria, seguramente, desvanecer as

tendências hereditárias das raças. Neste âmbito, uma vez mais, se podia constatar a

acentuada influência exercida sobre este filósofo pela teoria lamarckiana facto nada

abonatório, pois ser-lhe-ia frequentemente apontado o exagero da sujeição das suas

concepções à influência da hereditariedade.

O quinto princípio enunciado, sendo uma das directrizes necessárias na

orientação do plano de estudos, determinava que, em cada ramo do ensino, se

procedesse do empírico ao racional:

Every study, therefore, should have a purely experimental introduction; and only after an ample fund of observations has been accumulated, should reasoning

137

Herbert Spencer, 1976 (1861): 61.

105

begin.138

Era, na verdade, necessário, permitir aos jovens o progresso mental proporcionado

pelas experiências vivenciais. Manifestando algum agrado, Spencer notava estar-se a

verificar uma orientação doutrinária recente nesse sentido. Efectivamente, as velhas

pedagogias defensoras de um ensino prematuro das regras estavam a perder terreno

para uma nova didáctica. Os alunos, agora ensinados de acordo com esta

metodologia defendida por ele, aprendiam tanto através do poder da observação ou

da comparação dos factos (obtidos pelo estímulo da prática experimental), como

através da sujeição aos processos da natureza. A título de exemplo, apontava o

ensino da gramática, onde, no modo por ele advogado, as normas gramaticais eram

introduzidas só após a aprendizagem da língua e não ao invés, como era comum

verificar-se.

No sexto princípio, corolário do tipo de ensino por ele recebido, o auto-

desenvolvimento era encorajado muito substancialmente: «Children should be led to

make their own investigations, and to draw their own inferences».139 Nesta máxima

residia, afinal, a génese do sucesso pessoal de Spencer obtido por via do seu próprio

modo de auto-instrução liberto dos cânones instituídos. Por estar convicto dos

benefícios provenientes dos moldes educacionais por ele experimentados,

aconselhava a adopção de uma disciplina ditada pela natureza. No seu entender, só

assim se tirava o máximo rendimento das actividades intelectuais promovendo o

aperfeiçoamento da mente em fases tardias da maturidade, tal como era possível

conseguir-se nos primeiros estágios do crescimento. Seria, todavia, o conceito

subjacente à afirmação: «They should be told as little as possible, and induced to

discover as much as possible»,140 a causa das maiores críticas sobre esta matéria; as

quais, aliás, já tinham tido Pestalozzi como alvo. Os opositores a alguns dos seus

ditames doutrinários questionavam-se quanto à exequibilidade das propostas

spencerianas do auto-desenvolvimento sujeito à regra das aprendizagens ditadas

pela natureza. A instrução da Geometria era, por exemplo, a mais apontada como

comprovativa da impraticabilidade do ponto de vista de Spencer. Afinal, não se

138

Idem.: 62. 139

Id., ibid. 140

Id., ibid.

106

afigurava, nem razoável, nem possível, induzir os alunos a instruírem-se a si próprios

num assunto tão complexo como aquela área do conhecimento. Porém, ao defender

a iniciativa pessoal na condução da própria aprendizagem, Spencer não estava,

necessariamente, a defender um plano de aprendizagem legitimizado em exclusivo

pelo processo do auto-estímulo,141 mas sim a promover a defesa daquela que seria a

sétima e a última máxima pedagógica por ele enunciada: prestar aos estudantes uma

instrução atraente. Por conseguinte, a concretização deste princípio (associado ao

incentivo do auto-desenvolvimento) granjearia o máximo rendimento por parte dos

alunos, pelo atractivo proporcionado através da aprendizagem adquirida por essa via.

Com efeito, face à possibilidade de ocorrerem sentimentos de desagrado, Spencer

estava convicto de que factos demasiado complexos não deviam ser fornecidos às

crianças, em virtude de elas, por si próprias, não os procurarem. Ao gerar-se uma

possível atitude de repugnância por parte do estudante, podia provocar-se essa

postura para com os conhecimentos em geral:

In respect to the Knowing-faculties, we may confidently trust in the general law, that under normal conditions, healthful action is pleasurable, while action which gives pain is not healthful.

142

O ensino da Geometria de tipo empírico seria estimulado através dos métodos assim

descritos, de modo a tornar-se satisfatório e despertar nas crianças a vontade de

141

A apologia da máxima: « In education the process of self-development should be encouraged to the uttermost» (Herbert Spencer, 1976, (1861): 62) estimulou inúmeras críticas que tiveram como alvo o seu autor. Assinalavam, essencialmente, o radicalismo do seu pensamento, pois, como já se verificou, ao não defenderem o mesmo ponto de vista de Spencer, consideravam até inverosímil submeter a instrução dos indivíduos aos gostos pessoais de cada um. Neste sentido é Gabriel Compayré quem, através do seguinte parágrafo, demonstra o seu desagrado por aquela opção doutrinária de Spencer: «Ces conseils sont excellents, à condition pourtant qu‟on n‟en exagère pas la portée. N‟espérons pas, par exemple, comme M. Spencer le suggère, et comme Pestalozzi le voulait aussi, qu‟on puisse demander à l‟enfant d‟ “inventer la géométrie”. Les Pascal sont rares, et il n‟est pas donné à tout le monde de pouvoir retrouver Euclide» (in Gabriel Compayré, s.d.: 61). Não obstante reparos como este, os quais se revelaram frequentemente injustos (como parece ser o caso), não é de todo claro que Spencer tivesse uma opinião intransigente nesta matéria. Afinal, ele não defendia este método de educação para todas as circunstâncias de aprendizagem dos homens. Por exemplo, no tocante ao treino dos educadores, Spencer considerava não ser possível conseguir-se um bom desempenho da tarefa de se ser pai ou mãe unicamente através da instrução independente. Assim refere em “Moral Education” (1858): «Is it that each may be trusted by self-instruction to fit himself, or herself, for the office of parent? No: not only is the need for such self-instruction unrecognised, but the complexity of the subject renders it the one of all others in which self-instruction is least likely to succeed» (in Herbert Spencer, 1976 (1861): 84).

107

prolongar a sua auto-instrução para além do término da vida escolar. Segundo

Spencer, o prazer causado pelo treino educativo serviria, igualmente, como medida

de avaliação, permitindo verificar o ordenamento adequado de um plano de estudos.

Por isso, a repulsa causada por uma determinada ciência consistia a prova de ter sido

facultada muito cedo, ou ministrada através de um plano inadequado.

Embora as boas intenções didácticas de Spencer se mostrassem

interessantes, bem como susceptíveis de congregar muitos entusiastas, revelaram,

porém, escassas probabilidades de constituir medidas práticas. Se o estímulo

intelectual de um jovem dependesse, exclusivamente, das suas inclinações espirituais

e prazeres produzidos pela aquisição de certo tipo de conhecimentos, podia estar-se,

de facto, a colocar em risco toda a aprendizagem. Esta matéria suscita, por isso, duas

questões. Sendo tal princípio eventualmente aplicável a um nível de ensino primário,

não se vislumbra como, em outros graus de ensino (com vista à formação de bons

profissionais), se poderiam omitir conteúdos menos susceptíveis de gerar o interesse.

E ainda: como se elaborariam currículos, cujos agentes educativos seriam levados a

submeter as matérias àquilo que, supostamente, todos os aprendizes possuíam, por

Spencer designado «intellectual instincts»?143 Com efeito, se tal metodologia através

da qual se visava estimular o ensino e torná-lo atraente por via do auto-

desenvolvimento era adaptável a circunstâncias familiares (entre mãe e filhos, por

exemplo), ou em situação de ensino individual (como no caso dos tutores contratados

para ensinar os filhos das famílias abastadas), não se vislumbra o seu modo de

execução numa sala repleta de alunos. Com um número elevado de crianças numa

aula, se cada discente revelasse diferentes exigências culturais, ou, no pior dos

casos, uma elevada percentagem delas manifestasse a falta dos denominados

instintos intelectuais,144 como iria Spencer divulgar com segurança as noções das

matérias consideradas essenciais à vida completa?

Ao revelar-se este assunto fértil na capacidade de despertar o sentido crítico

nos leitores de Spencer, torna-se indispensável assinalar outro aspecto determinante.

142

Idem.: 63. 143

Idem.: 67. 144

Embora esta designação «intellectual instincts» surja envolta em atributos, deixando entrever a importância que detém para Spencer, este não define essa expressão, passando antes a ideia de se tratar de uma espécie de “apetites intelectuais”, ou seja, do desejo de aprender determinado tipo de assuntos do interesse de um indivíduo.

108

Caso o autor tivesse estabelecido os níveis etários aos quais visava aplicar os

diferentes aspectos da doutrina, talvez ela não tivesse surtido tanta celeuma. Como

se constatou, algumas das propostas revelar-se-iam perfeitamente exequíveis,

embora, dado o teor das mesmas, a sua aplicação devesse ser restringida a alunos

do ensino básico. No entanto, ao ter generalizado as máximas educacionais sem

determinar os alunos a que se dirigiam, suscitou grande número de interrogações, as

quais acabaram por atenuar, em grande medida, o mérito e o alcance argumentativo

do pensamento do filósofo.

Se, no âmbito do ensino, a educação intelectual foi uma das preocupações de

Spencer, o treino do comportamento ético não se revelou matéria de menor interesse.

De facto, a sua elevada importância na formação dos indivíduos levá-lo-ia à redacção

do texto “Moral Discipline of Children”, o qual foi publicado em Abril de 1858 no British

Quarterly Review, sob a designação ”Moral Education”. Ciente do declínio das

crenças religiosas, bem como do progressivo desvanecer do peso do sobrenatural

sobre as consciências, procedeu, naquele ensaio, à análise do comportamento ético

dos jovens, concluindo ser urgente levar a efeito a instrução moral das crianças.

Embora se tratasse, no seu entender, de um empreendimento indubitavelmente

complexo, só assim seria possível aperfeiçoar o carácter dos indivíduos, bem como

os comportamentos socialmente ideais e moralmente desejados. Ao submeter o

desenvolvimento espiritual humano aos princípios gerais da evolução e, por

conseguinte, à influência de factores hereditários afigurava-se-lhe óbvio o seguinte

raciocínio: se os homens recebem de geração para geração, um legado de vícios e

defeitos com a sua herança genética, então, seguramente, também lhe são

transmitidos os caracteres morais aperfeiçoados dos seus ascendentes.

O poder das características herdadas revelava-se, para Spencer, um assunto

de magnitude irrevogável pelos efeitos exercidos na educação dos jovens. Logo,

devia tornar-se a moral numa disciplina do foro científico, de modo a substituírem-se

as normas éticas assentes em métodos artificiais, por outras sujeitas às leis da

natureza. Estas últimas, susceptíveis de perdurar e melhorar as regras de

procedimento dos homens, contribuiriam para a constituição de sociedades melhores.

Com efeito, na doutrina spenceriana, a instrução moral, além de ter como finalidade a

excelência da conduta das pessoas, também procurava transmitir-lhes um prazer e

109

uma satisfação radicáveis no carácter aperfeiçoado por persistência, através dos

diferentes patamares da evolução. Em todo este processo, a submissão da disciplina

ao princípio das reacções naturais seria basilar. Esta ilação equivalia a afirmar que a

valorização da disciplina dos resultados e consequências proporcionados pela

natureza, designados «the system of discipline of natural reactions», ou «the method

of moral culture by experience of the normal reactions»,145 era condição necessária

para se atingirem os objectivos pedagógicos. Spencer propunha, por conseguinte, um

sistema que consistia em deixar os indivíduos sofrer as consequências naturais das

suas acções, de modo a, ao lhes ser diminuído o bem-estar, tal proporcionar o castigo

adequado, oportuno e não artificial. Ele encontrava assim o método mais justo e

eficaz de conduzir a procedimentos exemplares, para os quais contribuía a lei da

associação de ideias.146

Por Spencer considerar esta matéria um problema cósmico, no último degrau

da escalada do processo evolutivo universal, atingir-se-ia o comportamento moral

ambicionado, espontâneo e permanente. A conseguir-se, esse objectivo resultaria,

tanto do contributo da educação moral enquanto ramo da ciência como da

herança das acções dos antepassados dos homens, as quais tinham progredido

através dos diferentes estágios do aperfeiçoamento humano. Uma vez alcançado o

último patamar deste percurso da humanidade, os indivíduos estariam, então,

adaptados às regras da natureza, bem como a reger, voluntariamente, as suas

atitudes de acordo com essas normas, usando os seus instintos. Segundo Spencer,

os seres humanos atingiriam a idade de ouro quando o seu egoísmo tivesse evoluído

para um estado de altruísmo.147

145

Herbert Spencer, 1971 (1861): 100. 146

Contudo, para Spencer a educação moral dos homens não constituía, unicamente, um objectivo filosófico abstracto. Crente na frenologia encarava-a como a ciência da mente, de modo que a consciência moral era, no seu entender, um órgão frenológico. Por isso, a aptidão dos homens para possuir um sentido ético devia considerar-se uma tendência inata, sujeita às leis universais da causalidade. 147

Segundo o ponto de vista alegadamente científico à luz do qual Spencer examinava o desenvolvimento do carácter humano, este era determinantemente influenciado pelas qualidades morais. Na sua opinião, os atributos morais formadores do carácter humano eram semelhantes a um certo poder físico pela necessidade de serem exercitados para se desenvolverem. Se aos homens fosse dada plena liberdade para colocarem em prática as qualidades éticas do seu carácter, elas seriam reforçadas, passando, consequentemente, de geração para geração, de acordo com o mecanismo lamarckiano da herança de características. As qualidades humanas, ao serem, assim, robustecidas, tornar-se-iam orgânicas quanto à raça, constituindo comportamentos moralmente exemplares e espontâneos em etapas posteriores da evolução.

110

Tais conjecturas revelam, afinal, elevado optimismo pela expectativa de tudo vir

a acontecer como ditava a doutrina por ele arquitectada. Não obstante esta

disposição spenceriana para encarar como positivo o processo evolucional do

carácter humano (consequente de uma formação moral adequada), para ele, os

homens não nasciam puros e bons. Ao manifestar opinião totalmente contrária à de

Jean-Jacques Rousseau para quem as crianças eram originalmente bondosas e

inocentes demarcou-se desta corrente de pensamento, apologista do «bom

selvagem», para assumir a crença exclusiva nos benefícios resultantes da evolução e

do progresso da humanidade. Com efeito, de tal modo prevalecia o antagonismo

entre Rousseau e Spencer que, se pode afirmar quanto ao último, ter defendido o

conceito do «mau selvagem». Senão, repare-se como via o comportamento moral da

criança:

Do not expect from a child any great amount of moral goodness The popular idea that children are “innocent”, while it is true with respect to evil knowledge, is totally false with respect to evil impulses; as half an hour‟s observation in the nursery will prove to anyone. Boys when left to themselves, as at public schools, treat each other more brutally than men do; and were they left to themselves at an earlier age their brutality would be still more conspicuous.

148

A tendência infantil para a crueldade era, portanto, algo de inato, mas, emergia

também da acção das características herdadas sob a forma de instintos: «During

early years every civilised man passes through that phase of character exhibited by

the barbarous race from which he is descended».149 Nestas palavras se subentende,

quão árdua e difícil (mas não impossível) seria a tarefa de educar os mais jovens.

Porém, a doutrina, através da qual Spencer visava formar as mentes, era, mal-grado,

entendida pelos críticos como uma ética de acentuada vertente hedonista, pelo prazer

último que, através dela, pretendia proporcionar aos indivíduos.

Todavia, para se atingir o propósito de instruir moralmente os jovens, era

necessário conduzir o processo pedagógico o mais eficazmente possível. Spencer

escolheu, por isso, os pais como principais destinatários do ensaio sobre a disciplina

moral. No entanto, contrariamente ao sucedido com “Intellectual Education” (1854),

148

Herbert Spencer, 1976 (1861): 108-109. 149

Idem.: 108.

111

não deixaria suscitar dúvidas sobre o tipo de alunos aos quais se referia: a orientação

e o treino de crianças em idade pré-escolar.

Convicto de o exercício da paternidade constituir a tarefa mais complexa de

todas, era absolutamente inadiável a introdução de uma disciplina curricular capaz de

contribuir para o bom empreendimento do exercício do educador. Propunha ele, por

conseguinte, a inclusão de Theory and Practice of Education no plano de estudos.

Porém, esta sua iniciativa transcendia o mero objectivo de domar os instintos das

crianças. Com efeito, o propósito de Spencer revelava-se bastante mais abrangente

como se pode ler nesta frase: « Amelioration of the average character leads to an

amelioration of system ».150 Não obstante o ponto de vista nela revelado,

demonstrador da amplitude e alcance da necessidade de melhorar o carácter dos

indivíduos, havia ainda a considerar a verdadeira finalidade da instrução escolar, a

qual era a seguinte: « Prepare a child for the business of life ».151 Ao educar

melhor os cidadãos estar-se-ia, simultaneamente, a prepará-los para uma vida

completa desenvolvendo um sistema social mais aperfeiçoado, bem como a estimular

o progresso. Manifestou-se, assim, um crítico feroz da disciplina praticada pelas

escolas mais elitistas (public schools) inglesas, insurgindo-se, numa nota de rodapé

incluída no ensaio sobre educação moral, contra o culto da violência naqueles

estabelecimentos de ensino:

Instead of being an aid to human progress which all culture should be, the culture of our public schools, by accustoming boys to a despotic form of government and an intercourse regulated by brute force, tends to fit them for a lower state of society than that which exists. And chiefly recruited as our legislature is from among those who are brought up at such schools, this barbarising influence becomes a hindrance to national progress.

152

A opinião de Spencer poderia resumir-se do seguinte modo: a formação moral

deficiente dos indivíduos retardaria, indubitavelmente, o curso do desenvolvimento

material e social da nação. Consequentemente, tudo leva a crer, o bem-estar da

sociedade colocava-se em risco através da promoção de relações tirânicas e

150

Idem.: 89. 151

Idem.: 88. 152

Idem.: 89.

112

autoritárias entre os homens: « A harsh despotism itself generates a great part of

the crimes it has to repress ».153 Por conseguinte, as grandes reformas só se

podiam operar pari passu com outras reformas, nomeadamente a dos métodos

disciplinares.

Para executar o ensino dos princípios éticos de modo correcto, os educadores

deviam proceder de acordo com algumas regras, a fim de desempenharem a sublime

tarefa de converter os filhos em bons cidadãos, socialmente úteis. Uma dessas

máximas evidencia-se como primordial, pois, parece ser face a ela que tudo o mais se

equaciona. Refere-se à necessidade tanto de compreender o processo natural do

desenvolvimento das faculdades morais, como de actuar, na sua instrução, de acordo

com a metodologia por ele defendida em “Intellectual Education”: do simples para o

complexo; do homogéneo para o heterogéneo; do indefinido para o definido, do

concreto para o abstracto. Assim, deixa entender quando alega o seguinte: «Our

higher moral faculties, like our higher intellectual ones, are comparatively complex. By

consequence, both are comparatively late in their evolution».154

Não demonstrando, com a defesa destes aforismos, quaisquer divergências

doutrinárias relativamente às orientações anteriormente expostas para a educação

intelectual, um dos parágrafos do seu ensaio sobre a disciplina ética destaca-se como

aparente epílogo da proposta spenceriana. Naturalmente, dirigia-se aos pais:

Let the history of your domestic rule typify, in little, the history of our political rule: at the outset, autocratic control, where control is really needful; by and by an incipient constitutionalism, in which the liberty of the subject gains some express recognition; successive extensions of this liberty of the subject; gradually ending in parental abdication.

155

Através do procedimento antes descrito e metaforicamente exposto, se conseguia

era a convicção de Spencer um ser capaz de se governar a si próprio: independente

e autónomo.

Mais uma vez, estas propostas educativas eram resultado da sua experiência

juvenil e da opção metodológica do pai como educador, um exemplo do qual se

153

Idem: 108. 154

Idem.: 109. 155

Idem.: 113.

113

orgulhava. Os atractivos, bem como as vantagens deste plano educacional, não

seriam, porém, suficientes para suplantar a elevada componente hedonista apontada

pelos críticos às opções doutrinárias spencerianas no âmbito da moral. O estigma de

um exacerbado utilitarismo acabaria por assombrar as ideias expressas por ele neste

domínio. Porém, nem todas as censuras dirigidas ao seu pensamento se revestiram

da legitimidade de que se anunciavam detentoras, nomeadamente no tocante às

propostas de Spencer quanto ao método da cultura moral pela experiência das

reacções naturais (the system of discipline by natural reactions). Ao longo de extensos

parágrafos do ensaio “Moral Education”, Spencer teria a preocupação de argumentar

a favor das vantagens trazidas pela adopção desse sistema disciplinar, mas, também,

de antever questões susceptíveis de surgir após a divulgação do texto. Ao antecipar-

se, conseguiu acautelar a defesa das ideias mais controversas, bem como alertar,

simultaneamente, para a racionalidade dos aspectos por ele considerados mais

polémicos. Não obstante, as vozes dissonantes que previra não tardaram a

manifestar-se. Seria o caso de Gabriel Compayré ao afirmar:

La nature, moins intelligente et moins douce que ne le croit M. Spencer, ne tient nullement compte, dans ses réactions impitoyables, de ce qu‟il y a d‟infiniment divers et varié dans les tempéraments humains. Elle ne pèse point dans ses balances l‟âge, la délicatesse ou la vigueur physique de ses justiciables. Et, de nouveau, nous pouvons conclure que la discipline des réactions naturelles est mauvaise, puisqu‟elle est injuste et dure, cruelle pour les faibles.

156

Compayré contestava, deste modo, a disciplina das reacções naturais por

considerá-la impiedosa. Contudo, não avançou com uma proposta alternativa.

Spencer, pelo contrário, analisou as desvantagens, tanto das recompensas, como das

punições artificiais, nomeadamente aquelas com maior frequência utilizadas pelos

pais, para concluir que produziam um padrão moral errado. Nos antípodas desta

metodologia, assim reprovada, encontrava-se o sistema spenceriano, cujos benefícios

se sobrepunham às consequências contraproducentes dele resultantes.

Consequentemente, para os críticos desta disciplina das reacções naturais, avaliada

como uma proposta cruel e injusta, adiantava o seguinte argumento:

156

Gabriel Compayré, s.d.: 96.

114

The system pursued should be not that of guarding a child from the small risks which it daily runs, but that of advising and warning it against them. And by pursuing this course, a much stronger filial affection will be generated than commonly exists.

157

Aos mais incrédulos, Spencer acenava com a divisa do relacionamento pautado por

elevada simpatia, amizade e respeito no seio dos intervenientes do processo

educativo a qual surge, de forma positiva, como emblemática do seu pensamento

para a educação. Esse propósito seria conseguido substituindo-se a acção “pessoal”

dos educadores por uma acção “impessoal” da natureza.

Apesar da alegada relevância das provas apresentadas, Spencer na tentativa

de demonstrar como a doutrina para a formação ética dos indivíduos era apropriada

estava consciente de não ter alcançado apoio generalizado para as suas ideias.

Foram nas últimas linhas de “Moral Education” deixadas as marcas finais de um

criticismo acutilante e mordaz:

While some will regard this conception of education as it should be with doubt and discouragement, others will, we think, perceive in the exalted ideal which it involves, evidence of its truth. That it cannot be realised by the impulsive, the unsympathetic, and the short-sighted, but demands the higher attributes of human nature, they will see to be evidence of its fitness for the more advanced states of humanity.

158

Em “Physical Education”, terceiro ensaio sobre o ensino, publicado em Abril de

1859, a temática incidiu sobre um assunto tradicionalmente de interesse para alguns

cidadãos ingleses. Com efeito, a tipicidade paisagística da Grã-Bretanha com os seus

espaços verdes convidava ao entretenimento, bem como à actividade física

(masculina), embora, essa fosse um privilégio de burgueses e nobres. Todavia, a

perspectiva pela qual Spencer abordou esta temática conferiu-lhe uma faceta de

modernidade que, progressivamente, foi influenciando a atitude dos pedagogos face à

gradual tomada de consciência dos benefícios proporcionados pela prática de

exercício físico.

Em Inglaterra, no final da primeira metade do século XIX, assistiu-se ao

desenvolvimento dos desportos organizados. Porém, até aos anos setenta, a diversão

157

Herbert Spencer, 1976 (1861): 105.

115

preferida da aristocracia rural envolvia, essencialmente, o tiro (com armas de fogo), as

pescarias, a caça, a jardinagem ou as corridas de cavalos. O futebol, assim como o

râguebi, eram actividades ainda restritas aos recintos escolares, com pouca projecção

a nível nacional.159 Sendo o tiro (com setas e arco) das poucas actividades

desenvolvidas a nível competitivo, tanto o ténis como o golfe (esta, uma diversão

tipicamente escocesa) eram raros. O críquete, praticado pelas classes abastadas, foi,

com efeito, o primeiro jogo a suscitar interesse a nível nacional. No entanto, por via do

entusiasmo despertado pelas apostas, proporcionava a concentração de multidões e

rodeava-se de alguma violência. Quando Spencer escreveu o artigo sobre a instrução

física (1859), o desporto encontrava-se, ainda, arredado da participação popular,

sendo do principal agrado da classe trabalhadora os jogos de sangue como as lutas

de galos, ou cães. Só após 1871, com a promulgação da lei dos feriados (Bank

Holiday Act), se observou uma maior predisposição para as actividades desportivas

ou de lazer por parte da classe operária.

Ao criticar, no ensaio “Physical Education”, os hábitos de educação física dos

indivíduos, Spencer estava, precisamente, a referir-se às classes abastadas. Neste

sentido, pode afirmar-se ser a reforma dos planos educativos por ele proposta um

projecto educacional aristocrático, o qual passava pela melhoria, tanto da cultura

intelectual e ética, como física. Por conseguinte, mais uma vez era proposto o

contributo da ciência para o desenvolvimento das capacidades físicas dos cidadãos,

sendo simultaneamente veiculado, ao longo de todo o texto, a defesa da sujeição de

todo o processo às regras gerais da evolução.

Assim sendo, para o benefício do desenvolvimento e preservação das aptidões

físicas haveria ainda muito a ser modificado no âmbito dos planos curriculares, pois,

segundo ele, verificava-se um excessivo investimento na educação intelectual. Na

tentativa de demonstrar os erros dos modelos educativos em vigor, Spencer ver-se-ia

na necessidade de esclarecer quais as orientações correctas a oferecer aos mesmos.

Por este motivo, talvez não fosse despropositado afirmar-se que toda a sua doutrina

relativamente a esta matéria se firmava no seguinte raciocínio:

158

Idem.: 114-115. 159

Efectivamente, o râguebi, pouco conhecido ainda na primeira metade do século XIX, era o tipo de futebol praticado na escola de Rugby. Foi a publicação da obra de Thomas Hughes, Tom Brown‟s Schooldays (1857), a geradora de uma onda de interesse pela escola, bem como por esse desporto.

116

When we remember that one of Nature‟s ends, or rather her supreme end, is the welfare of posterity; further that, in so far as posterity is concerned, a cultivated intelligence based on a bad physique is of little worth, since its descendants will die out in a generation or two; and conversely that a good physique, however poor the accompanying mental endowments, is worth preserving, because, throughout future generations, the mental endowments

may be indefinitely developed .160

Constatando Spencer o escasso empenho pedagógico aplicado à temática da

disciplina física das crianças não obstante a importância de que se revestia para a

vida dos homens e o progresso da nação a sua tarefa anunciava-se árdua. Propôs-

se, assim, demonstrar o modo como a instrução física dos jovens revelava sérias

deficiências ao nível da alimentação, da indumentária, ou do exercício físico (em

especial para as raparigas), além de uma excessiva aplicação mental. Esta não

constituiu, porém, uma matéria do interesse exclusivo de Spencer. Rousseau, tal

como ele, também já tinha dedicado atenção particular às questões da higiene e dieta

alimentar das crianças. Contudo, Spencer transformou as ideias do filósofo francês

em argumentos fundamentados sobre o rigor e a prescrição da ciência moderna. Esta

circunstância contribuiu, certamente, para a projecção do seu pensamento

pedagógico, carente, em tantos aspectos, como já se verificou, de originalidade, mas

não de ousadia doutrinária.

No domínio da nutrição, tal como em todos os outros, Spencer aplicaria, uma

vez mais, a sua máxima de submissão às regras ditadas pela natureza. Deste modo,

as crianças alimentar-se-iam à medida das necessidades físicas manifestadas.

Tornava-se, por isso, essencial, em condições normais, não ingerir demasiados

alimentos, tal como era importante ingeri-los em maior quantidade, face a gastos

energéticos acrescidos ou perante adversidades climáticas. Na sua opinião, alimentos

nutritivos como a carne não eram indispensáveis a uma dieta alimentar. Porém,

considerava o regime vegetariano insuficiente. Essa conclusão advinha da redução do

vigor físico e mental por ele experimentado após seis meses sob aquele regime.

Consequentemente, defendia a variedade alimentar, bem como contrariamente à

Daí, até à fundação do “English Rugby Union” em 1871, só mediaram catorze anos. 160

Herbert Spencer, 1976 (1861): 151.

117

convicção corrente dos nutricionistas a liberdade de escolha dos indivíduos no

respeitante à ingestão de açúcar pelo qual o organismo reclamaria a fim de se

desenvolver harmoniosamente. A plena forma física seria atingida ao agir-se em

conformidade com os princípios fundamentais orientadores do desenvolvimento de

todos os organismos, incluindo o humano. Admitir este facto como um dado adquirido

permitiria o sucesso da tarefa educativa.

Era, por conseguinte, relevante conhecer a fisiologia dos seres humanos, de

modo a não intervir restritivamente nas necessidades intrínsecas do organismo: «

The first requisite to success in life is “to be a good animal”; and to be a nation of good

animals is the first condition to national prosperity».161 O progresso de uma nação

seria determinado pelo grau de vigor físico manifestado pelos cidadãos, mas (atente-

se também), pela lei por ele enunciada: «survival of the fittest», tal como deixa

transparecer através da seguinte afirmação: « The history of the world shows that

the well-fed races have been the energetic and dominant races».162

Seria, de igual modo, importante o contributo de Spencer para o uso de trajes

mais informais e libertos dos rigores vitorianos quando as situações não requeriam

formalidades. Fundamentalmente, tratava-se de submeter esta questão à designada

“consciência física”, a qual, juntamente com as condições do meio ambiente,

determinaria a necessidade de agasalho. Tratava-se, indubitavelmente, de uma

medida a recolher partidários entre os jovens e as mulheres. Mas, para estas, foi

reservada uma iniciativa, por certo, do agrado das feministas. No domínio da

instrução, elas encontrariam nele um partidário entusiasta do abrandamento das

pressões de uma cultura excessivamente intelectual, à qual eram sujeitas. Segundo

pensava, tal como sucedia com o sexo masculino, às estudantes também devia ser

proporcionada a actividade física em espaços amplos com estreito contacto da

natureza, a fim de se lhes garantir saúde física e intelectual. Neste sentido, desferiu

duras críticas contra os estabelecimentos de ensino femininos lugares onde, o culto

da dama frágil revelava incompatibilidades com o desenvolvimento das aptidões

físicas, consideradas masculinizantes. Para ele, este era um preconceito injustificável

que não podia ser defendido face às leis universais evolucionistas, como se entende

161

Idem.: 117-118. 162

Idem.: 127.

118

através deste raciocínio:

For if the sportive activity allowed to boys does not prevent them from growing up into gentlemen; why should a like sportive activity prevent girls from growing up into ladies?

163

Adepto do exercício físico proporcionado por actividades ao ar livre não sujeitas

a restrições artificiais, era-lhe, por isso, difícil determinar os benefícios vulgarmente

atribuídos à prática da ginástica, a qual considerava negativamente condicionada por

regras. Ao proporcionar movimentos monótonos originava um desenvolvimento

muscular irregular, carente do estímulo alcançado pelo prazer, o qual, contrariamente,

se podia obter através de jogos ou brincadeiras. Este ponto de vista seria retomado

quando, em Facts and Comments (1902), publicou “Gymnastics”. Neste texto

reafirmou as inconveniências de um esforço extenuante susceptível de conduzir a

uma indesejada desmotivação para o exercício físico em geral. Apologista da prática

de jogos envolvendo energia física moderada, manifestou-se contra o futebol, como

forma de desporto capaz de gerar violência. A impetuosidade excessiva de certos

jogos resultaria, por sua vez, na adopção desse género de actividades em sociedades

do tipo militante, como refere em “Gymnastics”:

Alike among early civilized races and among barbarians, war originated gymnastics and the theory and practise of gymnastics have all along remained congruous with the militant type of society: witness the present state of

Germany. But with the advance towards a peaceful state of society, the need for making strength of limb a chief qualification in the citizen diminishes, and along with its diminution, coercive and ascetic culture loses its fitness. In place of artificial appliances for bodily development come the natural appliances furnished by games and spontaneous exercises.

164

O exercício físico espontâneo era, portanto, aquele que se esperava fosse mais

incentivado nas escolas, em simultâneo com o estímulo moderado da vertente

intelectual da aprendizagem. Com efeito, a actividade intelectual surgiu como outra

das preocupações, à qual Spencer dedicou uma percentagem considerável do ensaio

163

Idem.: 137. 164

Herbert Spencer, 1902: 161.

119

“Physical Education”. A abordagem deste assunto justificava-se, afinal, plenamente

caso fosse levada em consideração a sua crença, segundo a qual existia uma relação

de causa / efeito entre o excesso de actividade mental e a quebra do

desenvolvimento do corpo. Este facto, por ele detalhadamente justificado através de

processos biológicos ocorridos nessas circunstâncias, poderiam ocasionar distúrbios

físicos irreversíveis. A fim de exemplificar esta convicção, Spencer evocaria a lei

fisiológica demonstrada por M. Isidore St. Hilaire. Segundo os princípios de St. Hilaire,

partilhados por Spencer, existia um antagonismo entre o crescimento (aumento de

estatura) e o desenvolvimento (aumento de estrutura). O desenvolvimento anormal de

qualquer órgão, relativamente à estrutura corporal, envolvia uma pausa prematura do

processo de crescimento, bem como, consequentemente, uma redução da qualidade

de vida ao nível da saúde física. Estas circunstâncias sucediam com o órgão da

mente, como com qualquer outro. Assim demonstrava ele os resultados perniciosos

de uma educação espiritualmente excessiva. A metodologia ideal residia no equilíbrio

curricular entre as duas actividades recomendadas: a física e a intelectual.

Após a análise atenta dos três ensaios integrados na obra Essays on

Education and Kindred Subjects (1861), nos quais Spencer aborda os diferentes alvos

de qualquer sistema educativo (o intelecto, a moral e o desenvolvimento físico),

certamente o leitor se sente assaltado por inúmeras dúvidas. Todavia, o recurso do

filósofo ao vigor argumentativo, empregue na exposição do seu pensamento, deixa,

indubitavelmente, entrever como este projecto para o ensino constituiu a ambição de

obter algo mais, além da erudição decorrente das ciências, entendidas stricto sensu.

A defesa do seu evolucionismo educacional, bem como o domínio do conhecimento

de diferentes disciplinas do foro científico por parte dos indivíduos revelar-se-ia

apologética de uma filosofia do saber unificado, propícia à formação completa dos

homens. Seria, efectivamente, à luz deste sistema filosófico abarcador de todo o

conhecimento que ele concebeu uma educação para a modernidade, promotora do

desenvolvimento harmónico do ser humano.

120

CAPÍTULO V A (falta de) originalidade da teoria pedagógica de Spencer

The two strongest impressions I receive on re-reading parts of Spencer are that of the fixity of his limitations and that of the abundance of his mind within those

limitations. Never timid or half-hearted, he stained with his life-blood every detail of his vast scheme and defended it as a mother defends her child. He spent his whole life in the elucidation and propagation of truth as he saw it devoting without question his spirit and its instruments to this supreme object. Some of his chief defects were virtues in excess; as he might have been more a man of science had he been less ardent as a philosopher and moralist.

Charles Horton Cooley, in “Reflections Upon the Sociology of Herbert Spencer” (1920)

121

A popularidade alcançada por Herbert Spencer, cujo apogeu se verificou entre

os anos setenta e oitenta do século XIX, deveu-se à audácia intelectual e ao arrojo

das suas generalizações, consideradas entre as mais integrais e abalizadas na

história do conhecimento até àquela época. Com efeito, tanto a aspereza de modos,

manifestada através de um temperamento irritável, propenso à irascibilidade, como

uma personalidade distante e circunspecta, não foram fundamento para lhe ofuscar a

nobreza do pensamento, amplamente reconhecida até aos nossos dias como tal.

Uma das principais determinantes na reputação alcançada pelo sistema

filosófico concebido por Spencer residiu no oportuno enlace entre a sua doutrina da

evolução e a conjuntura proporcionada pelas inovações introduzidas em gerações

anteriores, tanto na esfera das ciências naturais como na das humanas. Ao utilizar um

discurso científico em prol dos princípios constitutivos do seu sistema filosófico

granjeou algum do prestígio que, crescentemente, era atribuído à erudição decorrente

das ciências, sendo considerado uma figura fundamental da comunidade científica. A

abrangência, consensualmente aceite, do sistema filosófico por ele divisado

encontrava consonância na disposição vitoriana para a grandiosidade, da qual tanto a

Grande Exposição de 1851 como os jubileus da rainha, em 1887 e 1897 foram

expoentes máximos.

A Spencer se deve o mérito da concepção de uma das mais intrépidas

sistematizações filosóficas, constituída a partir do conceito de “evolução”, na qual

visou a unificação de todos os conhecimentos. Sob a égide desse sistema sintético

notabilizou-se como um dos pioneiros da sociologia evolucionista, a qual,

prudentemente fundamentada na observação e no tratamento de uma larga colecta

de informações, foi estimada, face à de Comte, como incontestavelmente mais

complexa e subtil embora mais orientada para o individualismo e para a apologia

das liberdades individuais. À luz dessa filosofia conjecturou, também, um plano

educacional moderno, arredado das limitações da instrução inglesa, reservando à

psicologia um lugar proeminente, contrariamente a Comte que não a integrou na

categoria das ciências. Na sua obra Essays on Education and kindred Subjects

(1861), revelar-se-ia herdeiro talvez involuntário dos princípios pedagógicos de

Rousseau, transformando em normas práticas as generalidades de Émile (1762).

Todavia, a atitude excessivamente crítica de Spencer face a doutrinas de

122

outros pensadores denunciou um carácter imodesto e carente de magnanimidade,

pela evidência de que terá fruído das ideias expressas por mentes alheias, embora

raramente mencionasse essa circunstância nas obras. Sendo assim, não obstante

reconhecesse a génese de alguns dos conceitos por si defendidos, não o fez quanto

a inúmeros outros, de tal modo que, apesar de se ter declarado interessado por

alguns aspectos dos princípios pedagógicos de Johann Heinrich Pestalozzi, negou

sempre a leitura de Émile de Rousseau. Este facto gera, naturalmente, alguma

incredulidade face à coincidência de pontos de vista entre aquela obra e Essays on

Education.

A origem das concepções educativas de Spencer é facilmente remontável a

doutrinas defendidas por George Spencer e William Spencer, respectivamente, seu

pai e tio, ambos professores. Porém, a procedência dessas influências não poderá

dar-se por encerrada neste contexto familiar, enquadrando-se num vasto leque de

referências. Na sua autobiografia admitiu ter lido alguns trabalhos de Bacon e Locke.

Com efeito, David Duncan, na obra The Life and Letters of Herbert Spencer (1908),

transcreve uma carta de Spencer dirigida a Leslie Stephen, em 1899. Nesta ao

contrariar Stephen quanto ao pressuposto de que, desde jovem, já detinha uma

sapiência muito acima do comum mencionou só ter lido algumas das obras

emblemáticas do pensamento filosófico a partir de determinada etapa da sua vida,165

nomeadamente, alguns trabalhos de John Locke e Thomas Hobbes depois de 1860;

William Paley e Jeremy Bentham posteriormente a 1855; John Stuart Mill, após cerca

dos vinte e três anos de idade, ou Immanuel Kant, de quem só leu, aos vinte e quatro

anos, algumas páginas traduzidas. Assegurando nada mais ter conhecido, além de

simples referências a trabalhos cuja temática o interessava num dado momento,

remata assim aquela carta a Leslie Stephen:

Since those days 1852 I have done nothing worth mentioning to fill up the implied deficiencies. Twice or thrice I have taken up Plato‟s Dialogues and have quickly put them down with more or less irritation. And of Aristotle I know even

165

Esta afirmação pode ser confirmada a partir do testemunho de um dos seus secretários W. H. Hudson. Veja-se o que ele disse sobre as leituras de Spencer: «Reading could hardly be called one of

his pastimes Of the constant succession of books which reached him mostly of a grave character

a glance usually sufficed, and many of them were put away on the shelves without even that. Fiction he had little taste for, and only at very long intervals read any.» (in David Duncan, 1908: 504-505).

123

less than of Plato.166

A sua obstinação em afirmar-se distanciado das leituras de outros pensadores no

intuito de se demarcar dos seus pares como intelectualmente dissidente revestir-se-

ia até de aspectos caricatos, como transparece do seguinte extracto de uma carta

escrita a F. Howard Collins nos finais de 1895:

I am desirous in all cases to exclude superfluities from my environment. Multiplication of books and magazines and papers which I do not need continually annoys me. As you may perhaps remember, I shut out the presence of books by curtains, that I may be free from the sense of complexity which they yield.

167

Mas, de algum modo quer através de leituras diversas,168

quer por via dos debates

em que se envolvia entre amigos ou no círculo familiar terá ficado a par do

pensamento de inúmeras individualidades, nomeadamente, de Rousseau, apesar de

sempre ter afiançado não atribuir qualquer importância a leituras pontuais, ou a

conversas encetadas sobre os mais diversos temas. Contudo, se, por um lado, não

admitiu a interferência intelectual dos nomes que lhe são associados como os mais

prováveis inspiradores das suas concepções, pelo outro, também não reivindicou a

paternidade das suas ideias sobre a formação intelectual, moral e física dos homens.

De todo o modo, a carência de originalidade não lhe subtraiu a aptidão e a eficácia

enquanto teorizador, domínio no qual se revelou um singular privilegiado. Este facto

manifestar-se-ia, tanto pelo hábil manejo das palavras na defesa dos seus

argumentos, como pela capacidade manifestada para expor velhas ideias filtradas

pela sua mente enciclopédica rendida às leis evolucionistas e à objectividade

científica.169

166

Herbert Spencer in David Duncan, ibid.: 418. 167

Id., ibid.: 396. 168

Spencer era um consumidor assíduo de jornais procedendo à sua leitura diária, ou à sua audição, da qual encarregava os secretários. Ao início do dia lia os matutinos e, ao fim da tarde, os vespertinos. O Times era o seu preferido, mas, também não passava sem a leitura de vários dos semanários ingleses, cujos artigos lhe proporcionavam matéria de reflexão para os domingos. As notícias, bem como as colunas de opinião, eram sempre alvo dos comentários de Spencer, o qual também dedicava uma leitura cuidada às críticas sobre os seus trabalhos. 169

Para George Henry Lewes, cuja opinião era conceituada nos meios culturais vitorianos, Spencer representava o Spinoza inglês. Este ponto de vista teria particular interesse pela circunstância de jamais ter sido refutado. Repare-se como, segundo Diana Postlethwaite, ele defendia essa crença: «Herbert Spencer was George Henry Lewe‟s Victorian Spinoza for many reasons: the sheer audacity of an all-

124

Com mestria, Spencer conquistou as atenções para as propostas dos seus

antecessores, às quais, contudo, soube adicionar uma visão analítica e acutilante. Tal

sucedeu, por exemplo, no âmbito da psicologia. Se Pestalozzi tinha proposto tratar a

educação à luz daquela ciência, embora dispondo na época de metodologias ainda

primárias, Spencer, por sua vez, atribuiu-lhe uma importância inédita ao enquadrá-la

na evolução cósmica da Humanidade, associando-a à teoria lamarckiana do

desenvolvimento embora reconhecesse a necessidade de se aprofundar a

investigação neste campo.170

Hector Macpherson descreveu com particular

eloquência o legado de Spencer nesta área do conhecimento:

In psychology Spencer‟s work was also epoch-making. His book proved to be the forerunner of a new method in the study of brain and nerve evolution and dissolution. No greater evidence of the value of Spencer‟s work in this department can be had than the testimony of distinguished medical specialists in brain and nerve disorders. It is claimed for Spencer that in neurology, psychology, and pathology, he has discovered the fundamental principles, and that whatever systems are erected in these sciences must be erected on the foundations he has laid. In Spencer‟s hands psychology, from being a sterile science confined to the academic circles, has been converted into a valuable instrument of scientific research.

171

O seu contributo para a pedagogia não se resumiu, contudo, ao ónus positivo

atribuído aos currículos orientados pela psicologia moderna. No tipo de ensino por ele

professado, a prática didáctica devia ser executada com os meios fornecidos pela

natureza, por só essa representar a norma correcta. Nesta opção revelar-se-ia

discípulo de Rousseau e Pestalozzi. No entanto, o seu pai tinha acrescentado a esse

princípio um outro, segundo o qual o método experimental era desenvolvido em

simultâneo com a capacidade de raciocínio estimulada por via da permanente

embracing system; the highly abstract, reasoned deification of passionate emotion; the belief in a

scientific psychology that would treat mind and body as one substance. As the Victorian Spinoza, Spencer would combine “German” philosophy with “Baconian” science by way of evolutionary biology providing a ground for the Absolute that transcended the limitations of the individual mind.» (in Diana Postlethwaite, 1984: 189-190). 170

Em “Intellectual Education” (1854), Spencer revelou-se bastante crítico dos princípios de Pestalozzi por considerar terem sido postos em prática através de metodologias inadequadas, cujo domínio da psicologia se revelava bastante deficitário: «True education is practicable only by a true philosopher. Judge, then, what prospect a philosophical method now has of being acted out! Knowing so little as we yet do of psychology, and ignorant as our teachers are of that little, what chance has a system which requires psychology for its basis?» (Herbert Spencer, 1976 (1861): 56). 171

David Duncan, 1908: 519.

125

indagação da causa das coisas. O método da “causação”, professado pelo pai e

experimentado por Spencer em criança, era, portanto, o aspecto inovador por ele

proposto mais tarde para a educação básica.172

A disciplina das reacções naturais

defendida por Rousseau era, assim, enriquecida pelo sistema spenceriano que

defendia um plano de estudos acrescido do princípio da causação. Por conseguinte,

no seu esquema educativo, tal como Rousseau defendia, antes das regras e dos

livros, os professores facultavam aos alunos as experiências proporcionadas pelos

objectos. Contudo, no sistema de Spencer, face aos efeitos produzidos, os

estudantes eram inquiridos sobre as suas causas.

Ainda na linha de alguma simbiose ideológica com Rousseau, para o filósofo

inglês, a auto-instrução constituía, também, uma das parcelas mais importantes da

formação dos indivíduos, procedendo do simples para o composto, do homogéneo

para o heterogéneo. Porém, na obra pedagógica spenceriana, a aprendizagem das

ciências era exaltada e, à imagem da sua própria educação enquanto jovem, o autor

não atribuía utilidade ao estudo das línguas ou das literaturas, opondo-se, neste

domínio, ao ponto de vista de Rousseau. Efectivamente, este tinha proferido um forte

ataque à ciência em “Discours sur les Sciences et les Arts” (1750), demarcando-se

por inteiro das correntes de pensamento para as quais a ciência era a depositária

exclusiva do conhecimento humano. Nesta área, as divergências revelam-se,

portanto, incontornáveis. Afinal, se, para Spencer, a evolução social e humana

dependia do progresso que as nações atingissem, para Rousseau os avanços

científicos e tecnológicos jamais iriam contribuir, por si sós, para o aperfeiçoamento

dos homens.

Os aspectos discordantes entre Rousseau e Spencer não se resumiram,

todavia, ao valor que a ciência assumiu para cada um. As divergências residiram,

igualmente, no conceito de natureza. Se o filósofo francês apontava aos homens a

consulta dos factos em detrimento da autoridade escrita representada pelos livros, o

seu objectivo era o recurso à natureza enquanto fonte de consulta do universo interior

172

O entusiasmo de Spencer pela metodologia do pai foi diversas vezes manifestado em diferentes textos, nomeadamente em “The Filiation of Ideas” (1899) incluído em The Life and Letters of Herbert Spencer: «The nature thus displayed was rather strengthened than otherwise by my father‟s habit of speculating about causes, and appealing to my judgement with the view of exercising my powers of

thinking. Meanwhile he cultivated a consciousness of Cause made the thought of Cause a familiar one.» (in David Duncan, ibid.: 534).

126

do ser humano. Com efeito, segundo ele, essa introspecção resultante de uma atitude

reflexiva só seria viável no seio da natureza, a qual, porém, não dispunha de cariz

científico, não se enquadrando, por isso, na perspectiva de Spencer.173

Através de

Émile, a jovem personagem de Émile ou de l‟Éducation (1762), em torno do qual

arquitectou a sua famosa obra didáctica, Rousseau tentava aconselhar a submissão

do indivíduo ao isolamento entre as árvores e o campo, vivendo naturalmente, em

resposta às solicitações da consciência, a fim de permanecer um homem bom. A

concepção da natureza de Rousseau, diferente da encarada pelo cientista, era uma

natureza selvagem, exótica, privilegiadora das emoções humanas e estimulante do

desenvolvimento dos homens. Neste sentido encontrava-se em perfeita harmonia

com o ambiente no qual se enquadrava o enredo do único livro permitido a Émile,

Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe. Spencer não estaria, todavia, tão

distanciado do ponto de vista de Rousseau como, aparentemente se poderia

pressupor. Na realidade, a similitude poder-se-à dizer quase total atendendo-se à

expressão do seu pensamento quando descreveu, em 1899, numa carta dirigida a

Leslie Stephen, o modo como tinha desenvolvido os seus conhecimentos:

All along I have looked at things through my own eyes and not the eyes of others. I believe that it is in some measure because I have gone direct to Nature, and have escaped the warping influences of traditional beliefs, that I

have reached the views I have reached. ... My own course not intentionally

pursued, but spontaneously pursued may be characterised as little reading and much thinking, and thinking about facts learned at first hand.

174

Por conseguinte, Spencer trilhou caminhos semelhantes aos de Rousseau

projectando mais além os princípios que constituiriam uma educação moderna e

experimental. O seu plano pedagógico não ditava unicamente as técnicas da

instrução a fim de se garantir o sucesso dos métodos. O êxito da sua pedagogia

dependia do domínio do maior número possível de disciplinas científicas, por parte

dos educadores (professores e pais). A formação destes era, afinal, outra das

vertentes essenciais para os bons resultados a que se aspirava e de que dependia

um conhecimento aprofundado das ciências. Através desta crença e afastando-se de

173

Efectivamente, em Rousseau a noção de natureza implicava uma vida retirada e solitária, despojada de bens materiais, propicia à introspecção e à procura interior da alma humana.

127

Rousseau, Spencer aproximou-se, indubitavelmente, de Sir Francis Bacon, pelo

privilégio atribuído à formação científica, na qual os conhecimentos mais úteis para os

indivíduos eram os promotores da conservação, adaptação e capacidade de previsão.

Com efeito, Herbert Spencer iria aplicar ao ensino a metodologia da observação da

natureza professada por Bacon, tornando o indivíduo um intérprete dos fenómenos e

das suas causas naturais (como, aliás, deixou entrever nas linhas acima citadas que

tinha adoptado para si próprio). Tratava-se do método indutivo auxiliado por

momentos de dedução, do qual se visava excluir qualquer intuito de autoridade por

parte de quem aprende ou de quem ensina. Spencer chegaria, mesmo, em

“Intellectual Education” (1854), a demonstrar a sua concordância com o essencial da

doutrina de Bacon, designadamente, quanto ao valor por ele atribuído à Física.

Repare-se como expôs essa anuência para com as teorias do pai do empirismo:

The saying of Bacon, that physics is the mother of the sciences, has come to have a meaning in education. Without an accurate acquaintance with the visible and tangible properties of things, our conceptions must be erroneous, our inferences fallacious, and our operations unsuccessful.

175

Por conseguinte, se a leitura de alguns dos ensaios de Bacon resultou na

influência que as suas ideias exerceram sobre o pensamento de Spencer, o mesmo

não ocorreu relativamente a John Locke, de quem ele possuía um livro na casa do

pai, George Spencer, jamais consultado, segundo reiterou. Porém, as analogias entre

as ideias expressas por ambos perpassam a obra Essays on Education and Kindred

Subjects (1861) e são suficientes para se deduzir quanto à tomada de conhecimento,

por parte de Spencer, de pelo menos alguns aspectos de Some Thoughts Concerning

Education (1693) de John Locke, já que chegaria a citá-lo em “Moral Education”

(1858). Por conseguinte, ambos se interessaram, fundamentalmente, pelo gentleman,

considerando os benefícios decorrentes do exercício físico como primordiais para o

desenvolvimento humano completo (tal como Rousseau, aliás). A concordância de

174

David Duncan, 1908: 418-419. 175

Herbert Spencer, 1976 (1861): 50. Ainda nesta passagem e nas linhas imediatamente a seguir, Spencer iria mesmo citar Bacon a fim de demonstrar como os seus pensamentos convergiam nesta

matéria: «"The education of the senses neglected, all after education partakes of a drowsiness, a haziness, an insufficiency, which it is impossible to cure.” Indeed, if we consider it, we shall find that exhaustive observation is an element in all great success.» Id., ibid.

128

pontos de vista verificar-se-ia mesmo no tocante ao estilo da actividade física, pois

nenhum destes intelectuais a pretendia austera ou agressiva:

As John Locke long since remarked, “Great severity of punishment does but very little good, nay, great harm, in education; and I believe it will be found that,

cteris paribus, those children who have been most chastised seldom make

the best men.”176

Para Locke, o modo como os indivíduos eram educados e instruídos tinha

grande importância, pois, os livros só contribuíam parcialmente para esse propósito.

Segundo ele, a vivência proporcionada nas viagens ou no processo meditativo e

reflexivo revelava-se indispensável. E, efectivamente, a experiência de Spencer era a

prova prática dessa teoria, pois, a forma como se havia desenvolvido mentalmente

(inúmeras vezes elogiada pelo próprio) tinha demonstrado ser viável e aprazível para

ensinar outros indivíduos.

Spencer revelava, ainda, consonância com o pensamento lockiano ao defender

o predomínio do treino dos sentidos na educação básica por via da experiência e do

estímulo da curiosidade infantil. Apelando ao prazer e opondo-se à crueldade no

relacionamento dos intervenientes no processo educacional, também neste campo,

estaria a espelhar os princípios defendidos por Locke. O mesmo sucede quanto à

apologia da experiência resultante das consequências naturais dos actos dos

indivíduos. Porém, no domínio dos conteúdos programáticos e no tocante ao estudo

dos clássicos, Locke não terá extremado o seu ponto de vista como Spencer, tendo-

se limitado a ser desfavorável aos métodos em uso, mas não quanto ao teor desses

estudos. Para Spencer, contudo, esta tornou-se uma matéria muito valorizada. Assim

refere num texto incluído na sua biografia:

The absence of those studies, linguistic and historical, which form so large a part of the ordinary education, left me free from the bias given by the plexus of the traditional ideas and sentiments. This detachment had the same kind of effect as the detachment from surrounding authorities. All influences thus conspired to make me entirely open to receive those impressions and ideas produced by direct converse with things.

177

176

Herbert Spencer, ibid.: 108. 177

Herbert Spencer “The Filiation of Ideas” (1899) in David Duncan, 1908: 535.

129

Ao considerar que a formação educativa devia proceder do concreto para o

abstracto e do simples para o complexo, Spencer aproximou-se de Locke, mas,

igualmente, de Rousseau, para quem a aprendizagem era um processo natural

através do qual a mente se desenvolve. Porém, no entender de Spencer, a instrução

desencadeava não só o desenvolvimento da mente, como o processo da evolução do

indivíduo enquanto unidade social, levando, assim, ao evoluir das sociedades (os

organismos nos quais os homens se agregavam). Tanto Rousseau como Spencer

defenderam o individualismo como base de uma sociedade mais satisfatória obtida

pelo contributo do processo educativo para o estímulo das capacidades de cada um

ou, segundo Spencer, como preparação da própria vida. Para ele, a educação

deveria, ainda, tal como para Rousseau e Bacon, proceder da natureza e das suas

leis, executando-se com a ajuda dos objectos observados no seu ambiente original.

Só, mais tarde, os livros desempenhavam a sua função instrutiva. A mente seria,

assim, alimentada pela experiência, pelo raciocínio e estimulada pela prática do

exercício físico, revelando-se este primordial para a saúde dos homens, tanto na

doutrina de Spencer, como na de Rousseau.

No entanto, contrariamente a Rousseau, Spencer não compartimentou a

aprendizagem de diferentes conteúdos pedagógicos por idades distintas, não

estabelecendo uma fronteira entre o homem e o cidadão, como Rousseau, para quem

a instrução socializante seria posterior à formação intelectual do homem. Afinal, a

doutrina de Spencer estava entregue, por inteiro, ao processo evolutivo, sendo

inconcebível, para um filósofo evolucionista, admitir fases da vida humana como

partes estanques relativamente ao seu todo. Comparativamente à doutrina de

Rousseau, a pedagogia spenceriana resultaria, por isso, mais abrangente,

beneficiando indubitavelmente da vantagem de ter sido arquitectada após um século

de mudanças no pensamento.

A pedagogia de Johann Heinrich Pestalozzi, terá sido outra das fontes

próximas de Spencer, embora, não raras vezes, sujeita à sua crítica: « Agreement

with Pestalozzi‟s theory does not involve agreement with his practice ».178

Com

efeito, os princípios de Pestalozzi foram, talvez, aqueles com os quais mais

178

Herbert Spencer, 1976 (1861): 64-65.

130

abertamente se identificou. Esta circunstância levou-o a projectar, juntamente com o

pai, a criação de um instituto onde poriam em prática a metodologia do reformador

suíço moldada pelas suas próprias ideias. Apesar das expectativas, este intento

nunca foi, porém, concretizado. Não restam dúvidas, no entanto, quanto à

circunstância de Spencer ter lido Mother‟s Manual de Pestalozzi, até porque cita essa

obra em Essays on Education, nomeadamente, em “Intellectual Education” (1854). O

valor atribuído à psicologia uniu os pensamentos destes dois pedagogos, mas,

Spencer acabaria por conferir às ideias perfilhadas por ambos uma dinâmica moderna

e evolucionista. Ambos acreditavam na auto-instrução causadora de prazer e no

treino dos sentidos por via dos objectos e da natureza. O exercício físico era,

igualmente, determinante para ambos. Porém, alguns aspectos revelar-se-iam

factores de divergência. A teoria pestalozziana de que a educação consiste no

desenvolvimento harmonioso das capacidades do indivíduo e dos poderes inatos

fornecidos pela natureza, estaria de acordo com o pensamento de Spencer,179

embora, para este, tais poderes fossem estimulados basicamente pela interacção da

natureza.

O factor que colocou Spencer em desvantagem face ao pedagogo suíço

constituiu-se a partir da inexperiência do teorizador inglês. Afinal, Spencer nunca teve

oportunidade de mostrar como executaria os princípios por ele sustentados e quais os

caminhos que adoptaria na sua observância, contrariamente aos métodos de

Pestalozzi que foram aplicados pelo próprio a diferentes níveis etários, formando

alunos e professores de acordo com eles. As modificações introduzidas por Pestalozzi

mediante os resultados recolhidos da experiência permitiram-lhe adequar a didáctica

face aos objectivos traçados. Como tal, a sua técnica implicava um ajuste permanente

entre a teoria e a execução prática, aspecto do qual Spencer não podia vangloriar-se.

Porém, se o filósofo inglês tivesse tido oportunidade, não lhe teria, certamente, sido

fácil essa tarefa, não obstante o poder analítico e a mente sintética serem

susceptíveis de enriquecer as suas teorias pedagógicas. A personalidade de Spencer

foi, indubitavelmente, um dos maiores obstáculos na vida do filósofo, pois demarcou-o

179

Concordar com Pestalozzi nesta matéria era, aliás, a atitude mais comum entre os intelectuais vitorianos como afirma R. L. Archer: «All writers of that period repeated Pestalozzi‟s dictum that

education consisted in the “harmonious development of all the faculties” » (R. L. Archer, 1966 (1921): 118).

131

pela negativa dos outros teorizadores com os quais a sua ideologia foi associada. O

seu secretário David Duncan, não aparenta ter dúvidas em afirmar o seguinte:

If he had taken to teaching, one may say with confidence that as far as high aims, sound methods, and single-minded devotion could command success, he would have made his mark. But it is questionable whether he would have been successful in the administrative side of school-work. His want of tact, bluntness of speech, lack of quick and true perception of character, and impatience with the weakness of average human nature, would have stood in the way of smooth working with subordinates, colleagues, educational authorities, and, perhaps most important of all, with parents.

180

Efectivamente, as diferenças mais contundentes entre o pedagogo suíço e o

teórico inglês consistiam na genuína essência dos seus carácteres. Ao invés de

Spencer, Pestalozzi era conhecido por possuir um espírito compreensivo, uma

personalidade afável e simples, o que lhe permitiu estabelecer relações humanas

dóceis e afectuosas, nomeadamente, na interacção com os alunos.181

Contudo,

Spencer foi um homem marcado pelo individualismo, reservado nos relacionamentos

e impenetrável, particularmente, nas fases da vida ao longo das quais sofreu

problemas de saúde. É ainda David Duncan quem diz: «The social intercourse he

considered good for him was not easy to get or to keep».182

O seguinte testemunho é

igualmente bastante esclarecedor desta circunstância:

He could not readily adapt himself to other people‟s ways, had very decided views as to how things should be made or done, and was fidgety and irritable when they were not made or done as he thought they should be.

183

Não obstante a sua índole sentenciosa, ou o comportamento introspectivo,

Spencer teve também inúmeras oportunidades de convívio com jovens, circunstância

que lhe seria facultada, pontualmente, pelas filhas dos Potter e dos Cripps. Estes

confiavam plenamente no seu desempenho para educar as crianças, as quais, ao

180

David Duncan, 1908: 508. 181

A escola fundada em Neuhof, em 1773, na Suíça, tornou Pestalozzi conhecido pela sua dedicação às crianças mais necessitadas, pois, durante os sete anos que funcionou aquele estabelecimento, acolheu inúmeros filhos de indigentes e pessoas de baixos rendimentos. 182

David Duncan, 1908: 285.

132

serem-lhe «emprestadas» algumas vezes, resultaram numa fonte fértil para colocar

em prática os ditames do seu Essays on Education. Dessas experiências ocasionais o

autor retirava, igualmente, muito prazer pessoal.184

Spencer estava, contudo, convicto de poder ser mais prestável enquanto

pedagogo, comparativamente ao mestre suíço. Em Intellectual Education (1854) já

tinha afirmado «True education is practicable only by a true philosopher»,185

de modo

que as suas críticas, tanto relativamente à personalidade do seu homólogo suíço

como aos programas e metodologias pestalozzianas, seriam implacáveis:

As described even by his admirers, Pestalozzi was a man of partial intuitions a man who had occasional flashes of insight rather than a man of systematic

thought. His nursery-method, described in The Mother‟s Manual beginning as it does with a nomenclature of the different parts of the body, and proceeding next to specify their relative positions, and next their connections, may be proved not at all in accordance with the initial stages of mental evolution. His process of teaching the mother-tongue by formal exercises in the meanings of words and in the construction of sentences, is quite needless, and must entail on the pupil loss of time, labour, and happiness. His proposed lessons in geography are utterly unpestalozzian. And often where his plans are essentially sound, they are either incomplete or vitiated by some remnant of the old régime.»

186

Faltava a Pestalozzi, portanto, o espírito científico e a submissão dos princípios às leis

da evolução. Segundo o ponto de vista de Spencer, o plano fundamental do

pedagogo suíço não devia ser aceite sem as devidas reservas quanto às suas

aplicações. Spencer defendia a doutrina geral de Pestalozzi, mas, opunha-se,

inteiramente aos expedientes arquitectados para a sua prática. No seu entender,

aquelas noções gerais precisavam de ser desenvolvidas nos seus casos especiais e

183

Idem.: 507. 184

Em Dezembro de 1888, após uma quinzena durante a qual as filhas dos Cripps tinham ficado ao seu cuidado, Spencer escreveu uma carta a Mrs. Cripps relatando a metodologia utilizada no relacionamento com as crianças durante aquela temporada. Este texto revela-se elucidativo de como valorizava esse convívio com as crianças, até pelos benefícios decorrentes para as suas ideias pedagógicas: «I was glad to get your letter saying that the children had arrived safely. I am glad that you

found them so much better. Do not put down the improvement to Dorking as a place. The difference in their state is almost exclusively due to difference of regimen.» Frisando a sua crença nos princípios defendidos e, portanto, oportunamente aplicados naquela circunstância, terminaria essa carta do seguinte modo: «Pray do not regard my advice as that of a theorist. I think you will see the results of my regimen have proved to be eminently practical.» (Herbert Spencer in David Duncan, ibid.: 286). 185

Herbert Spencer, 1976 (1861): 56. 186

Idem.: 56-57.

133

em múltiplas proposições específicas, antes que se pudesse considerar estar-se na

posse dos dados em que a arte da educação se baseia. Spencer propunha-se

contribuir para a concepção de um sistema mais aperfeiçoado do que o de Pestalozzi.

Esse objectivo atingia-se, tanto por via de uma psicologia racional, como através dos

princípios por ele avançados (e, antes dele, também apregoados por Rousseau).

Eram eles proceder, na educação, do simples para o composto, do indefinido para o

definido, et cetera (como se enunciou no quarto capítulo da presente dissertação). Em

suma, Spencer visava abordar o ensino pelos olhos do homem das ciências

evolucionista e foi, através desta característica, que o seu trabalho mais se aproximou

de Auguste Comte.187

À atitude comum dos seus contemporâneos, que lhe apontaram as doutrinas

como ideias positivistas, discípulas das de Comte, Spencer reagiu com desagrado,

rejeitando, em “On the Genesis of Science” (1854), a classificação comtiana das

ciências (tal como fez quanto às de Hegel e Oken), não sem, no entanto, fazer justiça

à proeminência do pensamento daquele intelectual francês:

As all his readers must admit, M. Comte presents us with a scheme of the sciences which, unlike the foregoing ones, demands respectful consideration. Widely as we differ from him, we cheerfully bear witness to the largeness of his views, the clearness of his reasoning, and the value of his speculations as contributing to intellectual progress. Did we believe a serial arrangement of the sciences to be possible, that of M. Comte would certainly be the one we should adopt.

188

Apesar de lhe reconhecer a importância e o alcance das ideias, Spencer não se

considerava partidário das mesmas, chegando mesmo a publicar um panfleto em

1864 no qual participaram eminentes cientistas como John Tyndall, Sir Charles

Lyell, T. H. Huxley, Sir John Herschel, Charles Babbage e Michael Faraday em que

visava demonstrar como a influência dos princípios comtianos tinha falhado em impor-

se no seio do pensamento científico inglês.

No intuito de se demarcar da escola comtiana «I find the impression that I

187

Spencer e Comte conheceram-se no Outono de 1856 quando o filósofo inglês visitou Paris, numa altura em que revelou estar a sofrer de alguns problemas de saúde. Como padecia, já nessa altura, de desordens do foro nervoso, Comte recomendar-lhe-ia o casamento como terapia. 188

Herbert Spencer, 1976 (1861): 250.

134

belong to the school of Comte is so general That I am about to write a full denial

on all points» 189

redigiu, naquele ano ainda, o artigo “Reasons for Dissenting from

the Philosophy of M. Comte” (1864), onde afirmou a sua total discordância daqueles

que apontavam afinidades entre a sua doutrina e a de Comte:

That M. Comte has given a general exposition of the doctrine and method elaborated by Science is true. But it is not true that the holders of this doctrine and followers of this method, are disciples of M. Comte.

190

Numa atitude avaliadora daquela posição tomada nos anos sessenta, emitida três

anos após a primeira edição da sua obra Essays on Education and Kindred Subjects

(1861), foi em “The Filiation of Ideas” (1899) que reafirmou a sua linha de

pensamento:

I have said elsewhere that I owe much to Comte not in the sense assumed by his disciples, but in an opposite sense. I owe to him the benefits of an antagonism which cleared and developed my own views, while assigning reasons for dissenting from his.

191

Efectivamente, as divergências entre estes dois pensadores revelar-se-iam

mais numerosas do que os aspectos concertantes, embora houvesse pontos com os

quais o filósofo inglês concordava em absoluto. Era, nomeadamente, o caso do

processo educativo, o qual devia seguir o modo evolutivo da Humanidade, a fim de

não existirem discrepâncias entre o método a partir do qual, as crianças, ou os

homens, aprendem a desenvolver-se e aquele que contribuiu para o desenvolvimento

da civilização. Assim defendeu em “Intellectual Education” (1854):

Is it not obvious, on the contrary, that one method must be pursued throughout? And is not Nature perpetually thrusting this method upon us, if we had but the wit to see it, and the humility to adopt it?

192

Noutro âmbito, ainda, tanto Spencer, como Comte, consideravam derivar todo

189

Herbert Spencer in David Duncan, 1908: 113. 190

Herbert Spencer, 1968 (1864): 3. 191

Herbert Spencer “The Filiation of Ideas” (1899) in David Duncan, 1908: 545. 192

Herbert Spencer, 1976 (1861): 67.

135

o conhecimento da experiência, mas Spencer foi mais longe. Para ele, tanto o saber

como as faculdades através das quais este é obtido resultam de experiências

organizadas, acumuladas e transmitidas aos indivíduos pelos seus antepassados.

Mas, o conceito de Comte, segundo o qual a mente humana recorre a três métodos

de raciocínio distintos (o teológico, o metafísico e, por fim, o positivo) encontraria total

discordância em Spencer. Para ele, esses três métodos radicalmente opostos não

existiam, porque, na sua essência, Spencer perspectivava o processo de filosofar

como um só.

Spencer teria, também, dificuldade em aceitar o anti-individualismo de Comte,

pois todo o seu pensamento fora concebido a partir de ideias individualistas e

utilitaristas. Nesse sentido, para ele, as qualidades ou defeitos revelados pelo

conjunto de uma sociedade eram resultado das aptidões ou desajustes particulares,

desenvolvidos pelos indivíduos agregados nesse enorme organismo social. Por outro

lado, enquanto na visão de Comte, os homens se encontravam intrinsecamente

subordinados à vida social, na perspectiva de Spencer esta existia para servir os

indivíduos e não vice versa.

As fontes do pensamento educativo de Spencer dadas como mais prováveis

seriam diversas, apesar de ele próprio ter subestimado essas influências. Contudo,

nos últimos anos da sua vida, manifestou uma excepcional capacidade para se auto-

avaliar, quando decidiu escrever sobre a génese da sua formação intelectual. Assim,

foi capaz de traçar, no passado vivencial, as origens subjacentes aos princípios

defendidos e, igualmente, determinar as causas das suas limitações.

Deste modo, Spencer caracterizou as suas capacidades intelectuais como

detentoras de inúmeras qualidades e de alguns defeitos. Um dos aspectos por ele

considerado como dos mais positivos no respeitante à sua postura perante os

ensinamentos da natureza referia-se à permanente inquirição quanto à causa dos

acontecimentos. A consciência da “causação” era, para Spencer, uma forma de estar

na vida, pois a causa suscitada pelos fenómenos surgia-lhe como algo natural, de que

não abdicava. Esta característica do seu raciocínio não era, porém, a única apreciada

pelo próprio. Spencer reconhecia a sua tendência para sintetizar e generalizar, bem

como a disposição analítica, da qual dependia o trabalho por ele desenvolvido. Todos

estes factos eram atribuídos à educação ministrada pelo pai e encarados como

136

faculdades determinantes da abrangência da sua obra.

Spencer considerava ainda relevante o seu hábito visionário («castle-building»),

por o encarar como um exercício construtivo de imaginação. Estava igualmente

consciente do estilo adoptado na redacção dos seus textos que lhe granjeava elogios

quanto à clareza de raciocínio. Esta era uma capacidade que assegurava dever tanto

à circunstância de o pai e o avô terem sido professores, como ao exercício constante

das qualidades intelectuais acima referidas.

A independência no pensamento, assim como o hábito de deduzir a partir de

generalizações e de princípios abstractos, foi por ele atribuída à instrução que lhe

tinha sido proporcionada: omissa no estudo das línguas e da História (isto é, livre de

ideias ou sentimentos tradicionais que considerava atrofiantes) por ele designada

«positive mental equipment».193

Contudo, não se esqueceu de admitir a falta de

formação cultural no estudo das humanidades como negativa, correspondendo esta

ao «negative equipment».194

Tal circunstância, bem como a indiferença pela

autoridade instituída, foram encaradas como limitações. A sua consciência deste

facto, embora surpreendente, não deixa de revelar alguma humildade de espírito. No

desdém pelos dogmas, pelo poder e pelas entidades máximas da sociedade, Spencer

radicou a origem do seu processo reflexivo independente de quaisquer coerções ou

condicionamentos. Nesse repúdio residia, porém e de igual modo, o menosprezo pela

História factual, bem como uma atitude excessivamente crítica e demasiado desperta

para as imperfeições e inferioridades dos outros, conducente a um escasso tacto para

gerir emoções e relacionar-se socialmente. Este handicap expressar-se-ia através das

suas teorias no domínio da pedagogia, as quais, ao demonstrarem-se carentes de

propostas socializantes para os indivíduos, acabavam por evidenciar uma acentuada

fragilidade.

Outros traços da sua natureza prenderam-se, simultaneamente, com a

apetência pela reflexão e a antipatia sempre sentida pela prática de actividades

físicas. Enquanto da primeira colhia um prazer retemperador e estimulante, à segunda

votava uma relutância espontânea. Ao pai atribuiu, ainda, em textos mais tardios, o

seu pendor idealista, bem como a procura incessante do perfeccionismo. Esta feição

193

Herbert Spencer “The Filiation of Ideas” (1899) in David Duncan, 1908: 535. 194

Id., ibid.

137

do seu carácter torná-lo-ia insatisfeito face a algo passível de ser melhorado.

Acima de tudo, Spencer tinha a noção, jamais contrariada pelos seus críticos,

de ter trazido a ordem às várias disciplinas intelectuais, por via de princípios gerais

unificadores das mesmas. E, seria, essencialmente, a sapiência manifestada pelo seu

A System of Synthetic Philosophy, iniciado em 1855 e terminado em 1896, que lhe

conferiu o reconhecimento da comunidade intelectual.195

A manifestação desse reconhecimento foi de tal ordem significativa que

conduziu à constituição de um grupo de oitenta e duas altas individualidades com o

intuito de o convencer a deixar-se retratar para a posteridade. O quadro, terminado

em 1898, da autoria do artista Hubert von Herkomer, encontra-se, actualmente, em

Londres na posse da National Gallery.

Um ano após a sua morte, em 1904, surgiria, ainda, um movimento em defesa

da edificação de um memorial em sua honra em Westminster Abbey. Porém, o

estigma que perseguiu Spencer praticamente até aos nossos dias começou logo

nesse ano, quando o deão de Westminster recusou aquela proposta de homenagem

subscrita por cinquenta e oito figuras distintas da cultura britânica por considerar o

seu pensamento demasiado controverso.196

Se a obra educacional de Spencer tem sido vulgarmente apontada como pouco

original, foi, contudo, o modo como expôs e divulgou as ideias aquilo que mais o

prestigiou entre os seus admiradores e o demarcou dos seus pares. Para Francis

Galton, o estilo de Spencer seria algo de inconfundível, pois, nunca visando alcançar

a mera vitória argumentativa, era antes pela comprovação de princípios que se

195

Lord Courtney of Penwith escreveu, aquando do funeral de Spencer, em 1903, um discurso enlutado, do qual se transcreve a seguinte passagem: «All history, all science, all the varying forms of thought and belief, all the institutions of all the stages of man‟s progress were brought together, and out of this innumerable multitude of data emerged one coherent, luminous, and vitalising conception of the evolution of the world. It is this harmony issuing out of many apparent discords, this oneness of movement flowing through and absorbing endless eddies and counterstreams and back currents, that constitutes Spencer‟s greatest glory and caused the multiplying army of readers of Spencer‟s successive volumes to feel the joy of discovering a great and ennobling vision of progress hitherto unrealised.» (in David Duncan, 1908: 479). 196

O deão de Westminster não revelou, porém, encontrar-se em desacordo quanto à influência das obras spencerianas: «The letter which has now reached me refers to Mr. Herbert Spencer‟s “lifelong devotion to philosophical studies and his influence upon contemporary thought throughout the whole world”, and proceeds to base the request upon the stimulating effect of Mr. Spencer‟s writings in the domains of Philosophy, Science and Education. With these expressions of appreciation of Mr. Spencer‟s work I think that there would be a very general agreement, especially in view of the service which he rendered in familiarising the public mind with the general conception of Evolution, and in applying that conception with great courage to various departments of human thought and activity.» (in David Duncan,

138

envolvia em disputas verbais:

The power of Spencer‟s mind that I most admired was that of widely founded generalisations. Whenever doubt was hinted as to the sufficiency of his grounds for making them, he was always ready to pour out a string of examples that seemed to have been if not in his theatre of consciousness when he spoke, at all events in an ante-chamber of it, whence they could be summoned at will.

197

Porém, a natureza do seu modo de expressão também foi objecto de

controvérsia. Os mais críticos apontaram-no como obscuro, demasiado ilustrado e

denso em exemplificações. Considerando este ponto de vista injusto, David Duncan,

que lhe serviu de secretário particular durante anos, partilhava da seguinte opinião

sobre a sua obra: «Its massiveness corresponds with the massiveness of his

thought».198

Ainda segundo ele: «Though condemned for its “barbarous terminology,”

it has also been praised for its “wonderful simplicity”, its “terseness, lucidity, and

precision”».199

Metódico e capaz de um poder de concentração considerado

inigualável, Herbert Spencer tinha, de igual modo, uma estrutura mental que lhe

permitia organizar ideias de modo a produzir uma redacção com um grau de

aperfeiçoamento bastante satisfatório, pois, ao rever um manuscrito, este era,

essencialmente, sujeito a mudanças na expressão e, raras vezes, nos argumentos.

Neste domínio, Spencer era reconhecidamente diferente de G. H. Lewes e T. H.

Huxley, os quais, contrariamente a ele, procediam a sucessivas alterações na matriz

das suas ideias até considerarem terem chegado à respectiva composição final.

Por todas as razões acima apresentadas, tem de considerar-se o contributo de

Spencer como incontornável na história do pensamento. A educação conheceu,

através de Spencer, um relevo ímpar no quadro das correntes pedagógicas das quais

foi herdeiro ou contemporâneo, cuja quota parte para a formação do homem moderno

é inegável. Na sua doutrina, a didáctica, por ele habilmente manejada enquanto

instrumento de cooperação com as novas realidades, revela-se um veículo eficaz. Por

meio dela, Spencer evocou as dúvidas emergentes do contexto epocal, promoveu a

reflexão sobre as mudanças trazidas pelo desenvolvimento científico e técnico,

1908: 486-487). 197

Francis Galton in David Duncan, 1908: 502. 198

David Duncan, ibid.: 503.

139

avançou soluções para a adaptação do ser humano aos novos tempos e forneceu aos

indivíduos o tipo de conhecimentos mais favorável à sua sobrevivência e sucesso

individual na observância das leis da evolução.

No seu projecto educacional, os indivíduos encontraram de certo modo a

integração no esquema universal, o que lhes permitiria aplacar as inquietações

existenciais decorrentes da vida moderna e das dúvidas teológicas, assim como

encontrar sentido para a vida humana. A pedagogia, em Spencer, é, na realidade, o

ponto de encontro para onde convergem todos os seus ideais enunciados em

trabalhos diversos, no âmbito da Biologia, da Sociologia, da Ética e da Filosofia, entre

tantas outras temáticas. Foi através da educação dos homens enquanto elo

agregador de modos e objectivos discursivos, aparentemente distanciados entre si,

que Spencer visou transmitir a sua doutrinação de outras áreas do saber.

CONCLUSÃO

As with man physically, so with man spiritually. Mind has its laws as well as matter. The mental faculties have their individual spheres of action in the great business of life; and upon their proper development, and the due performance of their duties, depend the moral integrity, and the intellectual health, of the individual. Psychical laws must be obeyed as well as physical ones; and disobedience as surely brings its punishment in the one case, as in the other.

Herbert Spencer in “The Proper Sphere of Government” (1842)

199

Idem.: 503.

140

Quando Spencer, com apenas vinte e três anos, redigiu a passagem em

epígrafe, estava a apresentar um dos principais matizes educativos, prefiguradores do

rumo que o seu pensamento de teorizador seguiria ao longo de cerca de seis décadas

de carreira. O modo como forneceu orientação aos indivíduos, produzindo princípios e

padrões de comportamento, ultrapassaria o mero ideal de fazer entender e aceitar as

ideias por ele professadas. Todos os seus textos sobre educação, além de deixarem

transparecer a excelência discursiva característica do seu estilo, pretenderam formar

e moralizar as mentalidades tal como é perceptível nas palavras acima citadas. Esse

objectivo concretizar-se-ia através da construção de um plano filosófico unificador do

saber a partir do conceito de evolução, designado A System of Synthetic Philosophy

(1855-1896) e constituído por diferentes Principles. A obra Essays on Education and

Kindred Subjects (1861), iniciada em 1854 e elaborada independentemente, poderá

ser considerada um apêndice daqueles princípios, graças ao modo como foi

defendida pelo seu autor a existência de ligações estreitas entre todas as formas do

conhecimento e pela relevância que, a formação do indivíduo vitoriano como

representante do homem moderno ocupou na sua obra.

Quanto às matérias pedagógicas, a intervenção doutrinária de Spencer, situar-

se-ia, inicialmente, no âmbito do debate sobre o coeficiente de actuação do Estado no

sistema educativo vigente. Assumindo, nessa matéria, uma posição de niilismo

administrativo radical endurecida com o passar dos anos Spencer cedo percebeu

a urgência de se orientarem as questões do ensino no sentido de estabelecer novas

metodologias para os planos educacionais. Essays on Education and Kindred

Subjects (1861) surgiu como resultado natural de uma reflexão iniciada com a

publicação de “The Art of Education”, em 1854.

Nos ensaios sobre educação, Spencer pôde amplamente explicitar como o

desenvolvimento da mente, tal como a formação intelectual, moral e física dos

indivíduos se encontrava sob a influência das mesmas forças geradas pelas leis da

evolução e causadoras de mutações permanentes no Universo. Crente, como cedo

141

manifestara no parágrafo acima citado em epígrafe, de que contrariar as leis da

evolução às quais se devia submeter o desenvolvimento completo dos homens

travava o curso do progresso, os seus textos constituíram um manual didáctico, cujas

directrizes para a elaboração dos currículos proporcionavam orientação a educadores

e educandos no respeito pelas máximas da evolução.

Na qualidade de apologista convicto das ciências, Spencer atribuiu ao

conhecimento científico a primazia do saber que avançaria soluções para a adaptação

do ser humano ao tempo presente. O domínio daquele conhecimento, ao invés da

aprendizagem das Letras e dos Antigos, alargaria ao homem o espectro da

compreensão dos fenómenos naturais. A estes o indivíduo devia sujeitar a existência

para se tornar mais aperfeiçoado e, por conseguinte, contribuir para a evolução das

sociedades e, em última instância, da Humanidade. O primado da cultura científica

dominaria também as actividades prioritárias, por ele enunciadas segundo uma certa

ordem de valência, na elaboração de um plano de estudos propiciador de uma vida

harmoniosa.

A esta postura positivista de como os currículos deviam ser orientados,

Spencer juntaria uma visão utilitarista, legitimadora, no seu entender, do estudo das

matérias científicas como primaciais na preparação para a vida completa. Para ele, o

sucesso do treino educacional estava dependente, tanto da escolha selectiva das

disciplinas que seriam proporcionadas aos formadores e seus alunos, como da busca

voluntária do conhecimento. Segundo este plano educativo avançado por Spencer,

para trás ficaria uma concepção de pedagogia preconizadora da interferência

prepotente e autoritária dos educadores, com prejuízo da interacção directa entre a

criança e a natureza, fulcral para o crescimento intelectual do educando.

Seria, com efeito, a sua concepção de vida materialista, prática e utilitária, a

determinar uma orientação doutrinária essencialmente traçada para o homem

individualista, cujo comportamento profissional e ético se regia pelas regras do mais

puro liberalismo. Porém, a metodologia por ele proposta, enriquecida pelos

ensinamentos recolhidos na psicologia, permitiu-lhe responder às questões

prementes que se colocavam aos reformadores da educação vitoriana e delinear um

plano pedagógico cujo balanço se revelaria bastante mais digno, justo e profícuo, do

142

que o daqueles com os quais concorreu ou que visou contrariar não obstante a

impraticabilidade de alguns dos seus ditames.

Por via do sistema educativo idealizado por Spencer, seria exequível criar

modelos de comportamento exemplar, infundir o gosto pela auto-reflexão e

aprendizagem, exercitando o espírito de modo a erradicar definitivamente os efeitos

nefastos produzidos pelas orientações existentes. Estas, pouco inspiradas ou

motivantes para o progresso, perpetuavam uma tradição contrária às necessidades

epocais. Através da relação estreita que Spencer pretendia estabelecer na sua

doutrina entre educadores e educandos, cabia a pais e professores orientar as

vontades e motivações das mentes aprendizes. Criar-se-iam, assim, as circunstâncias

favoráveis à imaginação reflexiva estimulada pela natureza, o húmus do qual o aluno

(sujeito activo do saber e não receptor passivo) recolheria os nutrientes essenciais ao

seu desenvolvimento integral.

A doutrina pedagógica spenceriana encontrou-se, por conseguinte, norteada in

limine por dois princípios determinantes que constituíam as forças capitais para forjar

um ser humano propulsor do avanço da espécie. Um deles tratava-se da escola, na

interacção com o meio ambiente e em obediência às normas da natureza e o outro

das leis da evolução, das quais a hereditariedade era a face mais perceptível. Neste

sentido, pode inferir-se constituir a educação um elemento absolutamente fulcral no

crescimento da estrutura das sociedades. Fornece aos indivíduos as armas para se

adaptarem a novas condições e, consequentemente, preservarem a sua vida e a da

sua descendência através da edificação de um espírito esclarecido e crítico (porque

capaz de recusar as versões estereotipadas do saber dogmático).

Para Spencer, educar os cidadãos revelou-se tarefa da máxima importância, a

qual não deve ser encarada como um objectivo diverso daquele que levou à

publicação dos seus diferentes Principles constitutivos do A System of Synthetic

Philosophy (1855-1896). À imagem do seu próprio conhecimento, visava para os

homens o domínio enciclopédico do saber, o qual se propagaria sem ser imposto e

seria orientado sem tirania. Segundo o postulado da auto-educação e a

multidisciplinaridade assente na variedade de experiências vivenciais e na disciplina

das consequências naturais, o potencial moralizante de uma instrução escolar

devidamente coordenada, tal como era por ele prescrita, seria, de igual modo,

143

determinante na evolução da humanidade e na felicidade individual dos cidadãos.

Afinal, Spencer acreditava que uma deficiente formação moral dos homens tal como

um insuficiente vigor físico perturbava o desenvolvimento material e social das

nações.

Contudo, longe de se pretender o único detentor da verdade, Spencer saberia

apresentar-se envolto de uma dignificante humildade intelectual. Nesse sentido, à

obra Essays on Education and Kindred Subjects (1861) poderia ter sido atribuída a

seguinte afirmação, proferida em 1857, nas últimas linhas de “Progress: Its Law and

Cause”: «He the sincere man of science alone truly sees that absolute knowledge is

impossible. He alone knows that under all things there lies an impenetrable mystery».

Na verdade, Spencer não se arrogou como um pedagogo magistral ou um

intransigente defensor das suas ideias. A sua postura pautou-se pelo incitamento à

reflexão, evitando o recurso a afirmações categóricas. A obra educativa de Herbert

Spencer, não visando ser um tratado de pedagogia, pois emergiu da reunião de

quatro textos publicados separadamente, resultou, porém, numa filosofia da

educação, ou até (porque não?), naquele que poderia ter sido um outro volume

equiparável a Principles of Education, designação que não se lhe conhece, mas, cujas

ideias unificadoras se encontram naqueles quatro fragmentos ensaísticos.

BIBLIOGRAFIA Por uma questão organizativa, na bibliografia primária optou-se por agrupar os textos de Herbert Spencer que, não representando a totalidade de ensaios produzidos pelo autor, são o conjunto de obras consultadas e referidas ao longo da presente dissertação. Por sua vez, os livros reunidos na bibliografia secundária não constituem uma enumeração exaustiva dos volumes existentes sobre Spencer, ou o seu trabalho, porém, são representativos daqueles que podem dar um contributo para a temática em análise.

144

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