Em debate, os debates: apontamentos sobre os encontros televisivos entre os candidatos à Prefeitura...

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XIII POLITICOM São Paulo (SP) - 05 a 07 de Novembro de 2014 1 Em debate, os debates: apontamentos sobre os encontros televisivos entre os candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte em 2012 1 Jonathan Goudinho 2 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais RESUMO O artigo foi escrito a partir da análise dos debates eleitorais de televisão realizados durante a campanha à prefeitura de Belo Horizonte em 2012. A escolha do objeto foi feita a partir da compreensão de que há carência de estudos que se debrucem na análise do debate eleitoral em relação com a comunicação. Em geral, os estudos empreendidos na temática se ocupam mais em analisar a abrangência e/ou recepção do acontecimento midiático configurado pelo debate. A proposta deste trabalho, porém, é estudar o debate enquanto produto e, por ora, gênero do jornalismo, da política e da televisão. Foram considerados os debates eleitorais feitos pelas emissoras Band Minas, Rede TV! e Globo Minas, com a participação de quatro dos sete candidatos. Como critérios de análise, foram escolhidos aspectos como formato, limites temporais e pluralidade temática. Desta maneira, é possível empreender discussão sobre o papel do debate televisivo no processo eleitoral contemporâneo, no sentido de compreender se este produto/gênero, de fato, promove debate. PALAVRAS-CHAVE: debates; televisão; comunicação política; jornalismo político; eleições. Introdução Em uma sociedade fortemente midiatizada, as relações entre as pessoas se dão de duas maneiras: face a face ou mediadas por veículos de comunicação. Um dos setores sociais que se readequou às novas ordenações sociais e midiáticas foi a política estudada aqui em seu viés eleitoral. Buscando novos instrumentos e ferramentas que aprimorem o processo de busca e de conquista do voto, os políticos e os partidos perceberam na televisão um importante meio de comunicação para fortalecer e disseminar seu discurso. Sabe-se que com o advento da sociedade do espetáculo, a televisão ocupou espaço fundamental nas discussões e debates públicos além, é claro, no próprio entretenimento. Thompson (2005) defende que a televisão alterou o modo de interação dos indivíduos, a partir do momento em que dispensou a partilha de um lugar comum e a comunicação dialógica das 1 Trabalho apresentado ao GT 3 Jornalismo Político e Eleitoral do XIII Congresso Brasileiro de Comunicação Política e Marketing Eleitoral São Paulo (SP) 2 Jornalista pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens do CEFET-MG, e-mail: [email protected]

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Em debate, os debates: apontamentos sobre os encontros televisivos entre os

candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte em 20121

Jonathan Goudinho2

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais

RESUMO

O artigo foi escrito a partir da análise dos debates eleitorais de televisão realizados durante a

campanha à prefeitura de Belo Horizonte em 2012. A escolha do objeto foi feita a partir da

compreensão de que há carência de estudos que se debrucem na análise do debate eleitoral em

relação com a comunicação. Em geral, os estudos empreendidos na temática se ocupam mais em

analisar a abrangência e/ou recepção do acontecimento midiático configurado pelo debate. A

proposta deste trabalho, porém, é estudar o debate enquanto produto – e, por ora, gênero – do

jornalismo, da política e da televisão. Foram considerados os debates eleitorais feitos pelas

emissoras Band Minas, Rede TV! e Globo Minas, com a participação de quatro dos sete

candidatos. Como critérios de análise, foram escolhidos aspectos como formato, limites

temporais e pluralidade temática. Desta maneira, é possível empreender discussão sobre o papel

do debate televisivo no processo eleitoral contemporâneo, no sentido de compreender se este

produto/gênero, de fato, promove debate.

PALAVRAS-CHAVE: debates; televisão; comunicação política; jornalismo político; eleições.

Introdução

Em uma sociedade fortemente midiatizada, as relações entre as pessoas se dão de duas

maneiras: face a face ou mediadas por veículos de comunicação. Um dos setores sociais que se

readequou às novas ordenações sociais e midiáticas foi a política – estudada aqui em seu viés

eleitoral. Buscando novos instrumentos e ferramentas que aprimorem o processo de busca e de

conquista do voto, os políticos e os partidos perceberam na televisão um importante meio de

comunicação para fortalecer e disseminar seu discurso.

Sabe-se que com o advento da sociedade do espetáculo, a televisão ocupou espaço

fundamental nas discussões e debates públicos – além, é claro, no próprio entretenimento.

Thompson (2005) defende que a televisão alterou o modo de interação dos indivíduos, a partir do

momento em que dispensou a partilha de um lugar comum e a comunicação dialógica das

1 Trabalho apresentado ao GT 3 – Jornalismo Político e Eleitoral do XIII Congresso Brasileiro de Comunicação Política e

Marketing Eleitoral – São Paulo (SP) 2 Jornalista pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de

Linguagens do CEFET-MG, e-mail: [email protected]

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interações face a face. Outra característica importante da televisão é que ela possui, como

diferença em relação às outras mídias, uma riqueza visual capaz de permitir às pessoas o

recebimento de imagens com som e movimento.

A televisão é uma mídia de escala global. E como se sabe, é responsável por atribuir a

muitos eventos políticos um caráter espetacular, criando um campo visual diferente do que os

indivíduos têm em seus encontros físicos com outras pessoas. Por todo o exposto, a política, cada

vez mais midiatizada, encontrou na televisão um instrumento para fortalecer e legitimar seu

discurso. Para tanto, porém, precisa se apropriar das ferramentas que a mídia apresenta com o

intuito de alcançar seus objetivos – neste caso, eleitorais.

Comunicação e política: quando os meios de comunicação não são apenas “meios”

Guareschi (2006) aponta que a mídia assumiu três importantes papéis na sociedade

contemporânea. O primeiro deles é o de construtor da realidade3. Isto quer dizer que algo passa a

existir, ou deixa de existir, hoje, se é, ou não, midiatizado. A mídia tem o poder de instituir o que

é e o que não é real e existente na contemporaneidade. A segunda afirmativa relaciona-se à

primeira: a mídia, além de dizer que o existe, ou não existe, também dá condição valorativa à

realidade. O que é veiculado na mídia é bom e verdadeiro, a não ser que ela própria diga

exatamente o contrário. “Numa sociedade massificada como a nossa, onde nove famílias detêm

90% da mídia [...], quem está nos meios é gente, e gente boa.” (GUARESCHI, 2006, p.31). O

terceiro papel é o de pautador. A mídia é que coloca a agenda de discussão social. O autor

menciona pesquisas que mostram que 82% dos temas e assuntos falados no trânsito, no trabalho,

em casa e nos encontros sociais são pautados pela mídia. É ela que determina, em certa medida, o

que deve ser falado e discutido.

O problema das afirmações de Guareschi (2006) é que ele parece não refletir sobre a

maneira como a mídia desempenha esses papéis, sempre de maneira representativa e

fragmentada. Sobre isso, Miguel (2002) argumenta que

A mídia é, nas sociedades contemporâneas, o principal instrumento de difusão das visões de

mundo e dos projetos políticos; dito de outra forma, é o local em que estão expostas as diversas

representações do mundo social, associadas aos diversos grupos e interesses presentes na

sociedade. O problema é que os discursos que ela veicula não esgotam a pluralidade de

3 Guareschi (2006) reconhece a dificuldade em definir o que é realidade, e por isso cuida de delimitar o conceito. Diz-se por

realidade “o que existe, o que tem valor, o que traz as respostas, o que legitima e traz as respostas, o que legitima e dá densidade

significativa a nosso cotidiano.” (GUARESCHI, 2006, p.30)

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perspectivas e interesses presente (sic) na sociedade. As vozes que se fazem ouvir na mídia são

representantes das vozes da sociedade, mas esta representação possui um viés. O resultado é

que os meios de comunicação reproduzem mal a diversidade social, o que acarreta

conseqüências (sic) significativas para o exercício da democracia. (MIGUEL, 2002, p.163,

grifos do autor)

Observa-se, portanto, que a mídia, em quaisquer dos modelos supracitados, está

relacionada a interesses de alguém – ou “alguéns”. E esse interesse pode estar vinculado aos

campos político, econômico, cultural e informacional. Disso assimila-se que, desde os tempos de

sua formação, a mídia nunca foi apenas meio, no sentido de uma função única de transmissão.

Quando em confronto com outras instituições, como a política, ela se empenha para controlar o

discurso, pautando-o e traçando quais caminhos ele deve seguir. “Ou seja, num ambiente de

acerbo conflito de interesses, é inimaginável que os meios de comunicação sejam os porta-vozes

imparciais do debate político.” (MIGUEL, 2002, p.161). E com as complexidades da

contemporaneidade, essa constatação foi ainda mais asseverada, além de ganhar novas

configurações, como observa Gomes (2007).

Quando a comunicação e cultura de massa foram deixando de ser meios para se transformar em

ambientes fundamentais para a política contemporânea, a coisa chega mesmo a inverter-se, pelo

menos para os mais atilados, que pretendem ver a política como um dos meios de que se servem

os agentes institucionais da comunicação de massa para a obtenção do poder. A idéia (sic) de

quarto poder pode ser convocada para explicar esse fato. De qualquer forma, passa-se a creditar

um valor extremamente grande à comunicação de massa (embora continue a se falar,

equivocadamente, de “meios”) e as coisas se tornaram muito confusas nessa interface, pois nem

sempre é possível decidir sobre quem seria, de fato, o meio e quem seria, então, o seu operador.

(GOMES, 2007, p.60, grifos do autor)

A espetacularização da política na sociedade do espetáculo

No clássico manifesto em que cunhou a expressão sociedade do espetáculo, Debord

(1997) apresenta a sociedade moderna como um conjunto de espetáculos em que as situações

cotidianas formam uma realidade paralela; um simulacro, por conseguinte. Tudo o que era vivido

presencialmente se transformou numa representação. E isso é mais que um conjunto de imagens;

é uma relação social entre pessoas, mediada virtual e iconograficamente.

O espetáculo consiste na manipulação de ícones e imagens, principalmente através dos meios

de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo,

de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos,

personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente

aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere

integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma

sociedade que desenvolveu ao extremo o „fetichismo da mercadoria‟ (felicidade identifica-se a

consumo). Os meios de comunicação de massa são apenas a „manifestação superficial mais

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esmagadora da sociedade do espetáculo‟, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e

solitário em meio à massa de consumidores. (DEBORD, 1997, p.73)

Em função da espetacularização da política, torna-se fundamental remeter à discussão

sobre a relação espetáculo, mídia e política. Gomes (1996) afirma que a política tradicional

fundamentada no discurso, deslocou-se para um campo sem saída em virtude da nova forma de

comunicação usada pelos atores políticos: a política da encenação – ou show. Na sociedade

democrática de massa, para que uma pessoa tenha a possibilidade de se eleger a um cargo

público, ela deve passar por um processo de aprovação e ser legitimada pelos cidadãos. Por conta

disso, mais do que nunca, argumenta Gomes (1996), o político precisa ficar atento ao exercício

do poder e na possibilidade de ser reconhecido. Em função dessa visibilidade – pela qual a

delegação de poderes pode ser mantida ou retirada nas consultas eleitorais formais e regulares –,

a representação na forma de espetáculo é útil para a política. Vale destacar que a política sempre

encontrou maneiras de resolver suas necessidades de percepção, e a propaganda foi uma dessas

soluções. Portanto, política e meios de comunicação se confrontam – e se harmonizam – desde o

início das sociedades de massa.

[...] a natureza da atividade política democrática faz com que a política necessite essencialmente

dos meios de comunicação: a natureza dos meios de comunicação, enquanto meios de exibição

de produtos e promoção de mercados e, por consequência, enquanto meios de entretenimento,

faz com que rejeitem a política como conteúdo preferencial. Como todo mundo sabe, o

comércio é a arte de agradar, a política, de disputar. (GOMES, 1996, p.33)

É possível perceber, por meio dessa breve revisão, a relação mídia-espetáculo nos

meandros políticos. Há, atualmente, crescente homogeneização dos candidatos, dos partidos e dos

discursos, por obra e força dos meios de comunicação de massa. Nessa política do espetáculo, em

que há um intenso embate entre a lógica informacional4 e a lógica espetacular, os candidatos e os

partidos são vistos e tratados como produtos. Não por acaso, os grandes estrategistas nesse

contexto, por consequência, são os profissionais de marketing.

Televisão e política: debate eleitoral como gênero e produto

A televisão consolidou-se como o meio hegemônico por excelência da segunda metade do

século XX, chamando tanta atenção que tem influenciado teorias inteiras sobre o modo de

funcionamento das sociedades modernas. As teorias são construídas com base na inserção desse

4 Entende-se por lógica informacional aquela que deveria predominar nos meios de comunicação de massa. Considerando que a

premissa fundamental e pétrea do jornalismo é a disponibilização da informação ao seu interlocutor, a lógica informacional é

aquela, portanto, que prioriza a informação em quaisquer circunstâncias.

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meio nos sistemas político e econômico e na formatação que ele produz nas concepções sociais

ou nos modos de subjetivação.

Esse meio alterou o modo de interação dos indivíduos, uma vez que dispensa a partilha de

um lugar comum e a comunicação dialógica das interações face a face, conforme avaliação de

Thompson (2005). A televisão cria um campo visual diferente do que os indivíduos têm em seus

encontros físicos com outras pessoas. Dada à importância adquirida no decorrer do tempo, a

mídia – e a televisão, de maneira específica – tornou-se presente na vida dos políticos não apenas

em períodos de intensas campanhas políticas, mas também na própria arte de governar.

Um dos gêneros televisuais é o debate, que, na visão de Charaudeau (2006), é central nos

estudos de televisão. Nesse gênero, reúne-se uma série de convidados em torno de um animador

para tratar de um determinado tema. O debate é completamente organizado e gerenciado pela

instância midiática. O autor considera que a intervenção das imagens faz com que os

participantes debatam entre si sabendo que são ouvidos e assistidos também pelo telespectador.

Depreende-se disso, ainda segundo Charaudeau (2006), que é possível distinguir diferentes tipos

de debates, mostrando, ao mesmo tempo, que o debate é “mais uma máquina de fabricar

espetáculo do que de informar o cidadão.” (CHARAUDEAU, 2006, p. 220-221).

Classificando o debate como uma forma fundada no diálogo, a tese defendida por

Machado (2005) opõe-se ao argumentado por Charaudeau (2006). Para ele, a televisão é um meio

pouco visual. Como herdeira do rádio, continua oral. Por isso, boa parte da sua programação se

funda no diálogo: depoimentos, entrevistas, talk shows, discursos de âncora, debates políticos,

dentre outros. Embora sejam formas baratas de se fazer televisão – e talvez isso explique a

frequência desse gênero nos programas –, esse modelo abre novos espaços para o ressurgimento

do diálogo em condições muito próximas ao modelo socrático5. Bourdieu (1997) também reforça

a tese de que a televisão não é dominada pela imagem, como pareceria óbvio, mas pela palavra.

Ele argumenta que é a palavra que dá sentido, criação e existência. Afinal de contas, diz o autor,

“a foto não é nada sem a legenda que diz o que é preciso ler” (p. 26).

5 O modelo socrático de diálogo consiste na técnica em que o professor conduz o aluno a um processo de reflexão e descobertas

por meio de perguntas aparentemente simples que têm o objetivo, em primeiro lugar, de revelar as contradições na forma de

pensar do aluno. A partir disso, o professor pode auxiliar na redefinição dos valores contraditórios do aluno, conduzindo-o a

pensar sobre si mesmo. Dentre os vários procedimentos usados no diálogo socrático, destacam-se a síncrise e a anácrise. Segundo

Machado (2005), “entendia-se por síncrise a confrontação de dois ou mais pontos de vista sobre um mesmo assunto. [...] Anácrise,

por sua vez, era o nome que se dava aos métodos de provocar a palavra do interlocutor, forçando-o a colocar-se e externar

claramente a sua opinião.” (p.73)

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Uma das facetas que o gênero debate pode assumir é a eleitoral. Assim como os eventos

desportivos, os debates televisivos podem ser considerados combates regulamentados, precedidos

de longas deliberações a respeito das regras do jogo. Sua periodicidade é fixa e sua credibilidade

firma-se no fato de que se consideram iguais as chances de vitória dos oponentes. Ao final do

encontro, a pergunta a ser respondida é sempre: “quem ganhou o debate?”, e o juiz do confronto é

a audiência, que exerce também o papel de torcida.

Para Leite (2003), a história dos debates eleitorais majoritários televisivos está ligada a

dois pontos principais:

a) tecnologia e b) evolução e amadurecimento do contexto político. Em primeiro lugar, e é

óbvio que assim seja, está a invenção da televisão e sua disseminação enquanto meio de

comunicação de massa. Em segundo lugar, o estabelecimento de regimes democráticos e

participativos, em que a eleição do cargo máximo da nação se dá por meio do voto popular.

(LEITE, 2003, p.3)

Manifestação político-midiática contemporânea, os debates televisivos estão sujeitos a

mutações pelas quais passam tanto a política quanto a mídia. Uma das mais perceptíveis é aquilo

que Leite (2003) denomina de “profissionalização dos debates”. A preocupação dos candidatos e

das assessorias em diminuir o risco que correm, e a tentativa da televisão de criar um roteiro com

pouco espaço para improvisação, acaba por “engessar” os teledebates.

Em campanhas eleitorais majoritárias, a política é comumente representada na televisão

de quatro formas, como apontou Gomes (2012): a cobertura jornalística da campanha, a

propaganda eleitoral, os debates e o recente fenômeno das entrevistas ao vivo com os candidatos

em telejornais. De todas essas formas de representação, apenas na propaganda eleitoral (Horário

Gratuito de Propaganda Eleitoral – HGPE) o jornalismo não tem participação direta. Há, é

inegável, uma apropriação de recursos jornalísticos (formato e linguagem) para a sua produção,

mas sem a efetiva participação da instituição jornalismo na produção da propaganda eleitoral; é

um produto controlado pela instituição política. Nas três formas restantes, ainda conforme Gomes

(2013), o jornalismo é quem “convida” a política para entrar em seu mundo – nesse caso, por

meio da televisão. Logo, já se sabe quem deve dominar o discurso e a argumentação. Em tese.

Definições metodológicas

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Optou-se pelos debates da TV Band Minas, da RedeTV! e da TV Globo Minas6. O

primeiro critério foi o temporal. Os três debates foram realizados no início, meio e fim da

campanha, respectivamente. Além, disso, há que se ressaltar características peculiares de cada

um. O debate da Band Minas, transmitido em 2 de agosto de 2012, foi o primeiro da disputa

eleitoral. Essa característica, diga-se, está relacionada à importância da emissora na história

política no Brasil. A Band foi responsável pelo primeiro debate eleitoral no país, ainda em 1982,

mantendo a tradição de dois em dois anos até a atualidade. O debate da RedeTV!, transmitido em

7 de setembro de 2012, foi realizado em parceria com o jornal Folha de S. Paulo, que colaborou

na produção. O último debate escolhido, da Globo Minas, veiculado em 4 de outubro de 2012, foi

o último da disputa eleitoral. Mais que isso, foi a última ação da campanha, já que a propaganda

eleitoral havia se encerrado e as eleições foram realizadas três dias depois.

Para a devida compreensão do contexto político em que se desenvolveu o pleito

majoritário de Belo Horizonte em 2012, faz-se necessário destacar que, às vésperas do prazo final

para a homologação das candidaturas, PSB e PT romperam a aliança para as eleições municipais.

Até então, estava acertada a candidatura à reeleição de Marcio Lacerda (PSB) com o deputado

federal Miguel Corrêa Júnior (PT) como vice. No entanto, por conta de uma dissensão quanto à

coligação proporcional – referente à composição para a Câmara Municipal –, o PT lançou a pré-

candidatura de Roberto Carvalho, então vice-prefeito da capital. O nome de Carvalho não

emplacou, mas a candidatura petista, sim. Patrus Ananias, ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-

ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, foi escolhido para pleitear o cargo em

oposição a Lacerda. Outros cinco candidatos concorreram: Maria da Consolação (PSOL), Alfredo

Flister (PHS), Tadeu Martins (PPL), Vanessa Portugal (PSTU) e Pepê (PCO). Participaram dos

debates apenas os candidatos Alfredo Flister, Maria da Consolação, Marcio Lacerda e Patrus

Ananias. Apesar da multiplicidade de candidatos, a eleição se polarizou, como historicamente,

nas candidaturas do PSB e do PT. Houve algum destaque para Maria da Consolação e Alfredo

Flister, mas nenhum deles tinha capilaridade eleitoral para enfrentar os dois principais

candidatos7.

6 Neste artigo não se avaliou a relação entre emissora e produto televisivo apresentado por ela. É importante destacar, no entanto,

que essa questão não passou despercebida ao autor. A opção por não usar esta relação como um dos critérios de análise foi

proposital, para mostrar que, apesar das diferenças editoriais entre as emissoras, o debate eleitoral televisivo segue a mesma

padronização. 7 Em todas as pesquisas eleitorais realizadas pelos institutos de pesquisa no decorrer da campanha, Alfredo Flister e Maria da

Consolação somavam, juntos, cerca de 1% das intenções de voto.

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Os resultados

Quanto ao formato, os debates da TV Band Minas, da RedeTV! e da TV Globo Minas

têm mais semelhanças que diferenças. Em todos os três debates, as regras foram apresentadas

logo após a apresentação dos mediadores – e reiteradas a cada bloco. Essas regras, pré-

estabelecidas e articuladas com as assessorias dos candidatos, são sempre usadas para a garantia

da premissa básica do jornalismo: o acesso à informação. Elas também são empregadas para dar,

segundo as próprias emissoras, fluidez ao debate – por meio do controle. A única emissora,

contudo, que assumiu esse caráter de pré-acordo foi a Globo Minas. Na fala de abertura da

mediadora, a jornalista Isabela Scalabrini, num tom editorial, a tevê deixou claro que as regras do

debate haviam sido aprovadas por todos os candidatos participantes. Como descreveu Gomes

(2013), jornalismo, televisão e política se unem para a promoção do debate: o jornalismo realiza a

mediação, a televisão estabelece a estrutura (regras de formato e limites temporais) e a política,

convidada especial, argumenta.

As regras estabelecidas nos debates analisados garantiram, como se supõe, o maior tempo

dos programas para a apresentação das propostas dos quatro candidatos participantes. Caso a

caso, vamos ver como se deu a partilha das falas por duração em porcentagem.

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80

Mediador Candidatos Jornalistas

Convidados

Sociedade

Civil

Band Minas

RedeTV!

Globo Minas

Gráfico 1 – Partilha das falas por duração (em %)

No debate da Band Minas, que teve 112 minutos de duração, 64 deles foram ocupados

pela fala dos candidatos, em reposta ao mediador, aos jornalistas convidados, aos representantes

da sociedade civil e aos seus adversários. Isso corresponde a 57,14% do tempo total. O mediador

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Paulo Leite, com suas intervenções e interrupções, obteve 36 minutos do tempo, isto é 32,14%. O

tempo de fala ocupado pelos representantes das entidades de classe e pelos jornalistas do Grupo

Bandeirantes representou, respectivamente, 7,14% e 3,57% da duração total do debate.

A partilha das falas foi similar no debate da RedeTV!. Dos 92 minutos de programa, 52

(56%) foram destinados às falas dos candidatos, que além de responderem às perguntas feitas

entre si, também foram questionados por jornalistas da emissora e do jornal Folha de S. Paulo.

Ao mediador Kennedy Alencar, coube 31 minutos do tempo total, o que equivale a 36% do

debate. Os jornalistas convidados ficaram com a menor fatia, oito minutos (8%).

Proporcionalmente, considerando a diferença de 10 minutos de duração entre os debates da Band

e RedeTV! e a ausência de perguntas da sociedade civil, a partilha do tempo foi praticamente a

mesma.

As diferenças aparecem mesmo no debate promovido pela Globo Minas. Com duração de

93 minutos – praticamente igual ao da Band Minas –, o programa não contou com a participação

da sociedade civil nem de jornalistas convidados. Todas as perguntas foram elaboradas entre os

candidatos, por isso eles dominaram 68 minutos do debate, que correspondem a 73,11% do

tempo total. À mediadora Isabela Scalabrini foram destinados 25 minutos ou 26,88% do total, o

que assinala a pontualidade de suas intervenções no debate.

Considerando que um debate eleitoral tem a intenção de ser uma arena para a disputa de

posições políticas em confronto, os três alcançaram sua intenção informativa, atribuindo o maior

tempo à fala dos candidatos. No entanto, não se pode desconsiderar que as intervenções feitas

pelos mediadores, principalmente nos casos da Band Minas e da RedeTV!, embora de acordo

com os princípios normativos pré-estabelecidos, indicam que a política está no centro da arena,

mas é o jornalismo quem controla a gramática do debate. No programa da Globo Minas, não

houve nenhuma interrupção na fala dos candidatos.

O debate da RedeTV! foi o mais contundente neste sentido. O jornalista Kennedy Alencar

não negociou sequer uma vez o respeito ao tempo destinado a cada candidato. Em sua fala inicial,

já havia deixado isso claro, quando pediu aos candidatos que não ultrapassassem o tempo

estabelecido pelas regras. Por uma vez, no segundo bloco, o mediador precisou interromper

Alfredo Flister (PHS) na sua resposta à jornalista Vera Magalhães, da Folha de S. Paulo. Por

quatro vezes ele precisou interromper o candidato Patrus Ananaias (PT), duas vezes no terceiro

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bloco e duas vezes no quarto bloco. No último caso, o petista foi interrompido antes mesmo de

fazer sua pergunta ao candidato Alfredo Flister (PHS). E, depois, na sua réplica ao candidato.

Patrus Ananias [na pergunta]: Candidato Flister, eu vou insistir no tema da saúde, porque a

saúde é vida. Nós precisamos criar em Belo Horizonte um sistema de saúde de qualidade tal

que, inclusive, dispense os planos de saúde e que atenda também à classe média. O candidato

do PSB prometeu que faria sete UPAs [Unidades de Pronto Atendimento]. Não fez nenhuma.

Prometeu que vai fazer 73... [microfone cortado]

Kennedy Alencar: Candidato, seu tempo acabou. Candidato Alfredo Flister, o senhor tem um

minuto e meio.

Patrus Ananias [na réplica]: Belo Horizonte tem 145 centros de saúde. Foram construídos dois

novos centros nos últimos quatro anos, lembrando que a gestão da saúde em Belo Horizonte

esteve vinculada ao PSDB neste mandato. Belo Horizonte tem três UPAs, implantadas na

minha gestão, Célio de Castro, Fernando Pimentel. O candidato promete fazer sete, não fez

nenhuma. Nós sabemos que a questão da saúde é delicada. Nós sabemos que a saúde pressupõe

alimentação, que é um desafio que nós enfrentamos em Belo Horizonte e no Brasil. [Sabemos]

que a saúde tem a ver com moradia, que é outro desafio a ser enfrentado, a questão do

saneamento básico, o combate às drogas. Mas é fundamental que a pessoa tenha a segurança,

em caso de doença, de saber que vai ser atendida, e bem atendida. Nós vamos mobilizar todos

os recursos para atender bem... [microfone cortado].

Kennedy Alencar: Obrigado, candidato Patrus.

No decorrer do debate da Band Minas, Paulo Leite, com sua imponente voz de radialista,

sempre rememorava aos candidatos o tempo de fala que lhes era de direito – deixando implícito

que os interromperia se necessário. E essa interrupção foi feita por algumas vezes. Dois

candidatos foram interrompidos pelo mediador por desrespeitarem as regras do debate. O

primeiro deles foi o candidato Alfredo Flister, no terceiro bloco. Flister perguntou a Marcio

Lacerda (PSB) quais as suas propostas para melhorar a saúde em Belo Horizonte. Lacerda

respondeu em dois minutos, Flister replicou em mais dois e o candidato socialista teve um minuto

de tréplica. O jornalista Paulo Leite já passava à próxima pergunta quando surgiu o impasse.

Paulo Leite: Vamos então ao sorteio do próximo tema...

Alfredo Flister: [com microfone off, pede para falar]

Paulo Leite: Não, o senhor já usou o tempo. São um minuto de pergunta, dois de respostas,

dois de réplica e um de tréplica, de acordo com as regras estabelecidas.

Do pequeno número de advertências, depreende-se o controle das regras. Mas esse

controle é exercido em detrimento do conteúdo. E aqui se mostra a faceta negativa das restrições

temporais. Embora elas garantam a equidade na condução da discussão e no direito de fala dos

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candidatos, ela também prejudica o desenvolvimento de uma argumentação consistente. Vejamos

o exemplo do primeiro bloco do debate da Band Minas. Nele, os candidatos deveriam responder a

questões formuladas por representantes de entidades de classe, escolas e universidades gravadas

previamente em ambientes externos. Cada candidato tinha um minuto para a resposta. No

entanto, é absolutamente inviável responder, em um minuto, questões complexas como as

apresentadas no bloco e abaixo descritas.

Robson Sávio (Fórum Brasileiro de Segurança Pública): Segundo a última pesquisa

nacional de vitimização, Belo Horizonte é a segunda capital brasileira com o maior número de

residências com alarmes. Esse é um dos dados que corrobora para o sentimento de insegurança

vivida pela população belo-horizontina, que tem taxas de crimes violentos maiores do que

cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo. Durante muito tempo, os prefeitos

disseram que não iriam cuidar da segurança pública porque essa seria uma função dos estados.

Mas nós sabemos que esse tipo de visão é uma visão ultrapassada, porque essas ações de

segurança pública vão muito além de atividades policiais. Os municípios têm uma série de

atividades de prevenção aos crimes, tratamento dos usuários de drogas, políticas voltadas para a

juventude que poderão incidir na redução dos crimes. Portanto, quais são as suas propostas para

que Belo Horizonte possa liderar ações de combate e de prevenção aos crimes na nossa cidade?

Luís Cláudio Chaves (presidente da OAB-MG): Para se tornar uma grande nação, um grande

estado ou um grande município, é necessária uma educação de qualidade. Educação essa que

envolve, além do conhecimento técnico, questões fundamentais como a socioambiental, as

questões relativas às relações humanas, evitando o bullying e as discriminações e, também, a

prática do desporto. Eu pergunto aos candidatos quais planos e projetos eles têm para a

educação municipal de Belo Horizonte.

Esse é um dos grandes impasses na relação jornalismo, televisão e política nos debates

eleitorais. Os limites temporais são fundamentais para garantir a isonomia do programa,

característica da qual o jornalismo não abre mão. Entretanto, considerando que o debate é, em

tese, controlado pelo jornalismo e este, supostamente, tem o acesso à informação como sua

cláusula pétrea, as restrições temporais não favorecem a realização de um debate eleitoral

completo. E, aqui, “completo” quer dizer a possibilidade de explanação total dos argumentos do

candidato.

Como costumeiramente acontece em debates eleitorais, houve uma série de assuntos

abordados nos três programas analisados: apoios políticos, trânsito e transporte público,

segurança, saúde e educação foram algumas das principais temáticas dos enfrentamentos. No

primeiro debate, o da Band Minas, os dois principais candidatos foram bastante cordatos na

abordagem das questões, enquanto Alfredo Flister e Maria da Consolação assumiram o papel de

críticos. Marcio Lacerda e Patrus Ananias, à época com 44% e 27% das intenções de votos,

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respectivamente, na pesquisa do Datafolha8, priorizaram a listagem de ações administrativas de

suas gestões e enumeraram planos de gestão para colocar em prática caso fossem eleitos.

O tom foi se alterando no decurso da campanha e isso foi evidenciado nos debates da

RedeTV! e da Globo Minas, quando houve mais críticas, mais enfrentamento, mais contra-

argumentação. Alfredo Flister e Maria da Consolação mantiveram suas posturas em todos os três

casos. Considerando os três debates, chega-se à seguinte tabela de temas abordados.

Band Minas RedeTV! Globo Minas

Educação 15% 10% 12,5%

Saúde 10% 20% 25%

Economia 5% 5% 18,75%

Política 15% 40% 6,25%

Segurança 10% - 6,25%

Habitação - 10% 6,25%

Infraestrutura 30% 10% 12,5%

Cultura 5% - -

Emprego - 5% 6,25%

Meio Ambiente 10% - 6,25%

Tabela 1 – Temas abordados no debate (em %)

A tabela acima mostra o percentual de temas abordados nos três debates, a partir da

quantidade de vezes em que perguntas sobre a temática foram feitas. Destacou-se o percentual – e

não o número de perguntas – por causa da diferença de quantidade de questões nos programas: os

da Band Minas e RedeTV! tiveram 20 perguntas, enquanto o da Globo Minas, 16 (e um bloco a

menos). Percebe-se que, em média, dez grandes temas foram abordados. E, curiosamente, em

cada um dos debates, um diferente predominou. No debate da Band Minas, questões sobre

infraestrutura e obras viárias foram as mais recorrentes. O percentual de 30% representa as seis

perguntas feitas sobre a temática. Assuntos políticos e sobre educação seguem a lista dos mais

abordados, com 15% (três questões) do total de perguntas cada.

8 A pesquisa foi realizada entre os dias 19 e 20 de julho de 2012. Foram ouvidas 827 pessoas em Belo Horizonte. A margem de

erro máxima é de três pontos percentuais, para mais ou para menos. Primeira da disputa eleitoral, a pesquisa está registrada no

Tribunal Regional Eleitoral (TRE), sob o número MG-00150/2012.

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No debate da RedeTV!, o destaque foi para assuntos políticos. Oito das vinte perguntas

feitas no programa estavam relacionadas a esse universo, o que corresponde a 40% do total de

questões. Foram indagações referentes aos programas de governo dos candidatos, a decisões em

gestões passadas e até questões sobre o “mensalão”9. A supremacia dessa temática se deveu à

participação dos jornalistas Vera Magalhães, da Folha de S. Paulo, e Rodrigo Cabral, da

RedeTV!, convidados para indagar aos candidatos. Eles não os pouparam de perguntas mais

incômodas, como as questões sobre o “mensalão”.

O debate da Globo Minas, por sua vez, foi predominantemente conduzido por questões

voltadas à saúde (quatro perguntas). Considerando o contexto da cidade à época, foi o debate que

mais priorizou o tema de maior preocupação para os eleitores10

. Os outros temas mais abordados

foram economia, com 18,75% (três questões), e educação e infraestrutura, com 12,5% (duas

questões) cada.

Neste aspecto, revela-se outro conflito. A quantidade numerosa de temáticas (foram dez,

com poucas variações) aponta para duas apreciações. A primeira delas diz respeito ao caráter

plural que o debate quer oferecer. Sendo o fórum na tela, tal como conceituou Marques et al.

(2009), um debate midiático de valor deliberativo, quanto mais temas forem abordados, mais a

sociedade terá a possibilidade de conhecer as plataformas dos candidatos. A verdade, no entanto,

é que nenhum deles dá conta de apresentar suas plataformas, então fornecem apenas fragmentos

delas. Nesse sentido, o debate cumpriu sua função, oferecendo eixos temáticos para que os

políticos discorressem. Em contrapartida – e essa é a segunda apreciação –, a quantidade

exacerbada de temas aponta para o tratamento superficial de tais temáticas. Questões sobre a

educação, por exemplo, assunto considerado um dos mais importante em qualquer discussão

política e de governo, só ocupou, nos três debates, a média de 12,5% da quantidade total de

perguntas.

Considerações

9 “Mensalão” é o nome atribuído a um escândalo de corrupção política por meio de compra de votos de parlamentares no

Congresso Nacional para a aprovação de pautas favoráveis ao governo federal. O caso aconteceu entre os anos de 2005 e 2006,

período do primeiro mandato do presidente Lula. 10

Segundo pesquisa encomendada pela própria Rede Globo ao Ibope, divulgada em setembro, 49% dos eleitores considerava a

saúde como o principal problema de Belo Horizonte. A segurança pública foi o segundo tema de maior preocupação, com 20%,

seguido de educação e trânsito, empatados com 7% cada. A pesquisa foi realizada entre os dias 31 de julho e 2 de agosto de 2012.

Foram ouvidas 805 pessoas em Belo Horizonte. A margem de erro máxima é de três pontos percentuais, para mais ou para menos.

Primeira da disputa eleitoral, a pesquisa está registrada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), sob o número MG-00173/2012.

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Fica claro que na organização de um debate estão envolvidas três instituições distintas: o

jornalismo, a televisão e a política. O jornalismo é quem medeia, quem orienta as discussões,

quem busca estabelecer a direção pela qual o debate irá. No entanto, isso só é possível por conta

de outra instituição, a televisão, que fornece as condições técnicas para que o debate se realize. É

por isso que se compreende que a televisão é quem dita a “gramática” do programa, isto é, as

regras que o compõem. A terceira instituição envolvida, a política, tem o centro da arena à sua

disposição para apresentar-se a quem vê. Dessa relação, pode-se dizer, categoricamente, que há

considerável nível de complexidade e tensão.

É pertinente destacar, também, a uniformidade do produto debate eleitoral televisivo. Não

foi considerada na análise a relação entre as emissoras e os debates que elas produziram.

Entretanto, como assinalado anteriormente, essa relação não passou despercebida ao autor. A

escolha em não avaliar essa relação foi proposital. Ficou evidente, ao destrinchar os três debates

eleitorais estudados, que todos eles têm formatos muito parecidos, igualmente engessados. Os

formatos são similares, as trilhas sonoras são similares, os cenários de fundo azul são similares –

embora sejam essas características para outra análise. O tempo destinado a perguntas e resposta é

similar. A quantidade de blocos, também. A postura dos mediadores, idem. Apesar de terem sido

realizados por emissoras diferentes, com princípios editoriais diferentes e até com níveis de

credibilidade e audiência diferentes, os três programas são muito parecidos, tanto em aspectos

estéticos quanto no que diz respeito ao conteúdo.

Os limites temporais estabelecidos nos debates também merecem uma consideração

especial. Talvez esse critério, por menos importante que pareça ser, revele o maior contrassenso

na relação entre jornalismo, televisão e política. A instituição de restrições de tempo aos

candidatos na exposição de suas falas demonstra a importância que o jornalismo dá à equidade e

isonomia. Afinal de contas, um dos maiores paradigmas jornalísticos é a tal objetividade que, se

não existe na sua apreensão pragmática, é veementemente discutida no seu aspecto filosófico. E

dar limite aos candidatos é um exemplo bem prático dessa busca por objetividade. No entanto,

esse pragmatismo para alcançar a equidade resvala em outro princípio elementar do jornalismo: o

acesso à informação. Quando um jornalista pede a um candidato que explicite a sua plataforma

para a educação e lhe dá apenas dois minutos para fazê-lo, certamente a informação não será

plenamente transmitida. O candidato não conseguirá expor tudo o que precisa – até por conta do

cronômetro digital que lhe informa segundo a segundo que seu tempo está acabando. E logo em

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seguida, como se a folha de um caderno fosse passada, outro assunto entra em cena e o anterior é

deixado para trás. Ele pode até ser revisitado depois, é verdade, mas essa é apenas uma

possibilidade.

REFERÊNCIAS

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Janeiro: Contraponto, 1997.

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Fausto; PINTO, José Milton. O indivíduo e as mídias. Rio de Janeiro: Editora Diadorim, 1996 –

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GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. 2. ed. São

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Sul, v.5, n.9, p.27-40, jan./jun. 2006.

LEITE, Janaína Frechiani Lara. Os presidenciáveis no ringue eletrônico: apontamentos sobre a

história dos debates presidenciais televisivos. In: XXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE

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THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 7 ed. Tradução de

Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.