A reforma psiquiátrica e a inclusão social Orientação

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“O DIREITO NOS ÂMBITOS ECONÔMICOS, POLÍTICO E SOCIAL” “O DIREITO NOS ÂMBITOS ECONÔMICOS, POLÍTICO E SOCIAL” Juscelino S. Diniz Jr. Juscelino S. Diniz Jr. Kízie Viviane Rios Kízie Viviane Rios Pietrus Arthur Rios Pietrus Arthur Rios Priscila Auxiliadora Rios Priscila Auxiliadora Rios Belo Horizonte Belo Horizonte maio/ 2008 maio/ 2008

Transcript of A reforma psiquiátrica e a inclusão social Orientação

“O DIREITO NOS ÂMBITOS ECONÔMICOS, POLÍTICO E SOCIAL” “O DIREITO NOS ÂMBITOS ECONÔMICOS, POLÍTICO E SOCIAL”

Juscelino S. Diniz Jr.Juscelino S. Diniz Jr.

Kízie Viviane RiosKízie Viviane Rios

Pietrus Arthur RiosPietrus Arthur Rios

Priscila Auxiliadora RiosPriscila Auxiliadora Rios

Belo HorizonteBelo Horizontemaio/ 2008maio/ 2008

FACULDADE NOVOS HORIZONTESFACULDADE NOVOS HORIZONTES

A REFORMA PSIQUIÁTRICA E A INCLUSÃO SOCIAL ATRÁVES DOA REFORMA PSIQUIÁTRICA E A INCLUSÃO SOCIAL ATRÁVES DO

DIREITO DIREITO

Trabalho Interdisciplinar apresentado ao curso deTrabalho Interdisciplinar apresentado ao curso de Direito da Faculdade Novos HorizontesDireito da Faculdade Novos Horizontes.

Orientador: Profª. Maria Fernanda Salcedo Repolês

Belo HorizonteBelo Horizontemaio/ 2008maio/ 2008

AGRADECIMENTO

Agradecemos a colaboração e acolhimento de todos que contribuíram para o

trabalho.

A Professora Doutora Maria Stella Brandão Goulart, que é Coordenadora de

Pesquisa do Curso de Psicologia PUC MINAS - Coração Eucarístico, Coordenadora

do Laboratório de Psicologia e Direitos Humanos, por toda sua atenção e pronto

atendimento em nos ajudar, sempre disponibilizando material de suas pesquisas.

A Dra. Martha Elizabeth, Sr. Paulo José de Azevedo, Sra. Ângela Olívia Pereira de

Loreto, Sr. Rosário Américo de Rezende, pela confiança, pelos depoimentos, pela

transmissão do conhecimento, pelo tempo e pela atenção.

A todos do Fórum Mineiro de Saúde Mental que se prontificaram a colaboraram com

nosso feito e nos permitiram participar da reunião mensal, como se daquele grupo já

fizéssemos parte há anos!

Ao Professor colaborador Roberto E. Righi Júnior, que nos orientou nos primeiros

passos com suas sábias palavras e grande conhecimento do assunto.

Especialmente a nossa Professora e Orientadora Maria Fernanda Salcedo Repolês,

que nos deu o caminho das pedras tornando mais fácil o encontro com todas estas

pessoas e com o sucesso do trabalho.

“O buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar aqui com um olho aberto, outro acordado no lado de lá onde eu caí. Pro lado de cá não tem acesso mesmo que me chamem pelo nome mesmo que admitam meu regresso toda vez que eu vou a porta some. A janela some na parede a palavra de água se dissolve na palavra sede, a boca cede antes de falar, e não se ouve. Já tentei dormir a noite inteira quatro, cinco, seis da madrugada vou ficar ali nessa cadeira uma orelha alerta, outra ligada. O buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar agora fui pelo abandono abandonado aqui dentro do lado de fora.”

Arnaldo Antunes

RESUMO

Este estudo abordou a Reforma Psiquiátrica e a inclusão social através do

Direito. Buscou conhecer os impactos da Reforma Psiquiátrica nos aspectos

econômicos, político e social. Conhecemos a chamada Luta Antimanicomial, alguns

de seus militantes, seus objetivos e sua abrangência. Procuramos identificar o

Direito como um instrumento facilitador da humanização para o atendimento das

necessidades do portador de sofrimento mental.

Palavras-chaves: Reforma Psiquiátrica, Luta Antimanicomial, Direito.

LISTA DE ABREVIATURASLISTA DE ABREVIATURAS

ASSUSSAM - Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental do Estado de

Minas Gerais

CAPS - Centro de Atenção Psicossocial

CERSAM - Centro de Referencia em Saúde Mental

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NAPS - Núcleos de Atenção Psicossocial

ONG - Organização Não Governamental

PNASH - Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SUS - Sistema Único de Saúde

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 5 1.1 Objetivo Geral ....................................................................................................................... 5 1.2 Objetivos específicos ............................................................................................................ 6 1.3 Metodologia .......................................................................................................................... 6 2 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................ 7 2.1 História da Loucura e Psiquiatria – Evolução Histórica ....................................................... 7 2.2 O Direito como um dos Instrumentos de Humanização ....................................................... 8 2.3 Luta Antimanicomial ............................................................................................................ 9 2.4 Impactos Econômicos, Políticos e Social ........................................................................... 12

2.4.1 A Desinstitucionalização .......................................................................................... 12 3 ANÁLISE DE DADOS .............................................................................................. 14 3.1 Discussão dos dados ........................................................................................................... 14 4 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 18 APÊNDICE E – VISITA NA PASTORAL, LOCAL EM QUE OCORREU A REUNIÃO MENSAL DO FÓRUM MINEIRO DE SAÚDE MENTAL, DA QUAL FOMOS CONVIDADOS A PARTICIPAR.................................................................................35

1 INTRODUÇÃO

A partir de 1970, percebe-se no Brasil alguns movimentos de crítica ao

modelo hospitalocêntrico1 no que se refere à assistência psiquiátrica. O tratamento

violento nos manicômios e a exclusão social já eram pautas de discussões que

reivindicavam os direitos do doente mental. Os principais questionamentos se

relacionavam à natureza do modelo privatista e à sua incapacidade de produzir um

atendimento que contemplasse as necessidades reais de seus usuários. Entretanto,

ainda não havia um modelo que apresentasse uma proposta estruturada de

intervenção clínica.

A influência da psiquiatria italiana, a partir de meados de 1980, ganhou força

no país. Este movimento propunha o questionamento da suposta universalidade do

racionalismo científico das psiquiatrias, desvelando sua pretensa neutralidade e a

abertura de outras possibilidades de atenção. Era necessária a construção de um

novo espaço social revelador da cidadania e do saber psiquiátrico a fim de

estabelecer um novo conceito de humanismo.

Nessa trajetória de pensamento, o movimento pela Reforma Psiquiátrica no

Brasil ganhou importância tanto política como social. Tal período, marcado pelo final

da ditadura, abriu a possibilidade de mudanças no setor da saúde e permitiu a

participação de outros setores, que não somente os médicos.2

A Reforma Psiquiátrica no Brasil é um movimento histórico de caráter político,

social e econômico influenciado pela ideologia de grupos dominantes, e é neste

contexto que se baseia o trabalho, valendo-se de pesquisas de campo, teorias,

estudo de leis; para identificar o papel do Direito nas relações privadas e estatais,

atendendo a uma demanda social causando também reflexos políticos e

econômicos.

Analisados os dados colhidos na pesquisa de campo e relacionados a teoria

presente no trabalho, o Direito foi identificado como o principal instrumento propulsor

de resgate, manutenção e recolocação do portador de sofrimento mental, dentro de

uma sociedade que um dia fora excluído.

1.1 Objetivo Geral1 Tratamento em regime de internação constante2 Informações extraídas do artigo de SANTOS (2000).

5

Conhecer a Reforma Psiquiátrica e seus impactos Econômico, Político e

Social.

1.2 Objetivos específicos

- Evidenciar o Direito como instrumento na busca da humanização;

- Conceituar e conhecer o que chamada a “Luta Antimanicomial”;

- Apresentar a Lei reguladora da Reforma Psiquiátrica;

1.3 Metodologia

A metodologia utilizada nessa pesquisa envolveu estudos bibliográficos e

pesquisa de campo, levantamento de informações em publicações especializadas,

tais como: livros, revistas, relatórios, artigos científicos e jornais, além de sites da

internet e quaisquer materiais de cunho informacional relacionados com o tema

proposto.

Quanto ao trabalho de campo, foram entrevistados: militantes da Luta

Antimanicomial, a Coordenadora da Saúde Mental do Estado de Minas Gerais, o

Coordenador do Fórum Mineiro de Saúde Mental; a Presidente da Associação dos

Usuários de Serviços de Saúde Mental do Estado de Minas Gerais – ASSUSSAM.

6

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 História da Loucura e Psiquiatria – Evolução Histórica

A partir da era Modernidade, a loucura passou a ser vista de um modo

diferente, o que não acontecia na Idade Média.

MINAS GERAIS (2006, p. 23) demonstra que na Antiguidade e na Idade

Média, os chamados loucos gozavam de certo grau de liberdade, muitas vezes

circulando e fazendo parte do cenário e das linguagens sociais. Sempre existiram

formas de encarceramento de loucos, a medicina sempre cuidou deles e também

eram abordados por práticas mágicas e religiosas.

A partir do século XVIII, na sociedade ocidental, surge as instituições

psiquiátricas. Neste período de nova reestruturação do espaço social, simbolizada

na Europa pela Revolução Francesa, não era admitido o encarceramento arbitrário

de nenhum cidadão, com exceção dos loucos. Nasce então o manicômio.

MINAS GERAIS (2006, p. 24) descreve, que nas primeiras décadas do século

XX, os manicômios não apenas cresceram enormemente em número, com se

tornaram cada vez mais repressivos. Ao final da II Guerra Mundial, era dramática a

situação dos hospitais psiquiátricos. Surgiram então, os primeiros movimentos de

Reforma Psiquiátrica.

Existiram três processos que foram os principais marcos da Reforma

Psiquiátrica:

As reformas restritas ao âmbito dos hospitais psiquiátricos: a psicoterapia institucional e as comunidades terapêuticas. As reformas que buscam acoplar serviços exra-hospitalares ao hospital: a psiquiatria de setor e a psiquiatria preventiva. As reformas que instauraram uma ruptura com as anteriores, questionando o conjunto de saberes e de práticas da psiquiatria vigente: a antipsiquiatria e a psiquiatria democrática. (MINAS GERAIS, 2006, p. 24)

A partir deste momento, é instalado um repensar, um questionamento da

segregação dos portadores de sofrimento mental. Então ao final da Segunda Guerra

Mundial, somado a movimentos de 1960 e 1970, abriu espaço para Reforma

Psiquiátrica.

7

MINAS GERAIS (2006, p. 29), o marco institucional da assistência psiquiátrica

brasileira foi a criação do Hospital Psiquiátrico Pedro II, em 1852, no Rio de Janeiro.

Nos anos seguintes outras instituições públicas semelhantes foram construídas em

outros estados. Já no século XX, na década de 50, a situação dos hospitais era

grave: superlotação; deficiência de pessoal; maus tratos; falta de vestuário e

alimentação, dentre outros.

A partir de 1970 surgem denúncias e críticas. O Movimento dos

Trabalhadores em Saúde Mental3 começou a se firmar e começou a estabelecer

intercâmbio com movimentos de outros países.

Em 1979 aconteceu o Congresso Mineiro de Psiquiatria em Belo Horizonte,

uma das presenças mais importantes e decisivas foram de Franco Baságlia e Robert

Castel. Eles já acreditavam que os manicômios matavam a pessoa em vida.

BASÁGLIA (1985, p. 107), analisando a situação do paciente internado num

hospital psiquiátrico, podemos afirmar desde já que ele é, antes de mais nada, um

homem sem direitos, submetido ao poder da instituição, à mercê, portanto, dos

delegados da sociedade (os médicos) que o afastou e excluiu.

O doente mental é um excluído que, nos termos da sociedade atual, jamais poderá opor-se àqueles que o excluem, pois cada um de seus atos passa a ser limitado e definido pela doença. Por isso só a psiquiatria, com sua dupla função médica e social, tem condições de mostrar ao doente o que é a doença e como o tratou a sociedade, que o excluiu. Somente através da tomada de consciência do fato de ter sido excluído e rejeitado o doente mental terá condições de se reabilitar do estado de institucionalização a que foi forçado...Pois é aqui, por trás dos muros dos manicômios, que a psiquiatria clássica demonstrou sua falência, no sentido em que resolveu negativamente o problema do doente mental, expulsando-o de seu contexto social e excluindo-o, portanto, de sua própria humanidade... BASÁGLIA (1985, p.120)

2.2 O Direito como um dos Instrumentos de Humanização

Em 2001, a imprensa divulgou que o Congresso aprovara em 27 de março o

projeto de lei nº 3657/89 do Deputado Paulo Delgado, que propunha a extinção de

manicômios, tendo sido sancionado pelo executivo em 6 de abril, dando origem a Lei

3 Este movimento nasceu no Rio de Janeiro, deflagrado por uma crise na DINSAM, Divisão Nacional de Saúde Mental, provocada pelas denúncias de médicos do Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII). Tem inicialmente um caráter trabalhista, com reivindicações mais sintonizadas com conquista de condições de trabalho, para depois tomar um formato mais amplo e de impacto político.

8

10.2164, que ficou conhecida como Lei Paulo Delgado. 5

O Direito como um instrumento de humanização na Reforma Psiquiátrica visa

atender as necessidades do portador de sofrimento mental. A dignidade humana

deve prevalecer diante das relações sociais, tratando os seus anseios e dos seus

familiares, e neste aspecto revela uma conquista histórica.

2.3 Luta Antimanicomial

De acordo com BASÁGLIA (1985, p. 307), qualquer acidente que se verifique

na instituição psiquiatra é habitualmente imputado á doença, invocada como única

responsável pelo comportamento imprevisível do doente. Assim a psiquiatria tem

usado, até hoje, esse instrumento como o único capaz de aliviá-lo da

responsabilidade que sua tarefa comporta. Responsável diante da sociedade, que

lhe delega o controle dos comportamentos anormais e desviados (para os quais não

se admitem, como nas outras especialidades, riscos ou fracassos), o psiquiatra não

fez mais do que transferir responsabilidade de tais comportamentos para a doença,

limitando-se a reduzir a um mínimo de possibilidade de ações subjetivas pelo

doente.

GOULART (2006, p. 06) relata que no final dos anos setenta e ao longo dos

anos oitenta, a crítica ao modelo assistencial tradicional vigente explodiu no Brasil,

particularmente em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. O ano de 1979 é um

marco importante neste período. O psiquiatra italiano Franco Baságlia realizou, em

Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, uma série de seminários a convite de

associações profissionais de psiquiatras e psicólogos que se converteram em fóruns

de discussão das instituições psiquiátricas. Ele divulgou o trabalho de desmontagem

do aparato hospitalar público que realizara em Trieste, localidade do norte da Itália,

e a então recém aprovada legislação italiana (Lei 180, de 13 de maio de 1978) que

previa o resgate de cidadania do doente mental, regulamentava a internação

compulsória e estabelecia a progressiva extinção dos manicômios. O trabalho de

Baságlia e de sua equipe influenciou fortemente nos rumos da discussão no Brasil,

que até então se inspirava na psiquiatria comunitária norte-americana e na

4 Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. A Lei 10.216/2001 na integra está no Anexo A.5 Informações extraídas do artigo de CHAVES (2001).

9

psiquiatria de setor francesa (Apud Amarante, 1978; Goulart, 2004).

A realidade da assistência psiquiátrica hospitalar brasileira que veio a público

converteu-se em crônica de horrores, dadas as condições indignas que eram

ofertadas aos usuários. Seu realismo foi registrado e comentado pela mídia. E foram

as denúncias realizadas por diversas associações profissionais de psiquiatria e

psicologia que desencadearam este processo: Centro Brasileiro de Estudos de

Saúde - CEBES, Associação Brasileira de Psiquiatria, Ordem dos Advogados do

Brasil - OAB, entre outras. É quando se esboça o que seria, alguns anos mais tarde,

o Movimento de Luta Antimanicomial Brasileiro. (GOULART, 2006, p. 7)

GOULART (2006, p. 9) relata que em 1987 o início do forte movimento de

crítica que tomou a forma do Movimento de Luta Antimanicomial, nascido do

Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental e das lutas por redemocratização

que já colhiam resultados na vitória da esquerda em alguns importantes governos

estaduais. É interessante registrar a importância que os encontros de profissionais,

de caráter científico, tiveram neste período. Congressos, seminários nacionais e

estaduais se convertiam em fóruns de discussão política, de denúncias, sendo

inclusive muitas vezes permeáveis à participação de públicos leigos e entidades que

não pertenciam à área técnica. Dois exemplos paradigmáticos foram o Congresso

Brasileiro de Psiquiatria e o Encontro da Rede de Alternativas à Psiquiatria, ambos

ocorridos em Belo Horizonte, no início dos anos 80. Neles, ocorria a participação e

articulação das várias profissões envolvidas com a crítica ao modelo assistencial

tradicional.

A reforma ocorre, então, paralelamente à transição política brasileira desde o regime ditatorial militar dos anos setenta, à consolidação de democracia representativa com a retomada das eleições diretas em 1989. O sistema assistencial tradicional é confrontado e um modelo alternativo em saúde mental começa a ser construído, problematizando as relações entre as esferas pública e privada, ampliando o acesso, na forma de direito social à saúde (SUS), e a participação na elaboração de propostas. As questões relativas à igualdade e liberdade se colocam como fundamentais na construção de respostas ao sofrimento mental dos cidadãos, mesmo considerados os escassos recursos disponibilizados para a reforma. (GOULART, 2006, p. 10)

Ainda nas palavras de GOULART (2006, p. 11), o Movimento de Luta

Antimanicomial passou a ser, desde o final da década de oitenta, um dos mais

relevantes atores da sociedade civil brasileira no processo de mudança no campo da

saúde mental. Trata-se de um fenômeno associativo de caráter mobilizador e

10

reivindicador que congregou profissionais de saúde mental (particularmente

psiquiatras e psicólogos que trabalham no setor público como técnicos e como

gestores); os portadores de sofrimento mental, em especial os usuários ou ex-

usuários dos serviços de saúde mental6; e familiares dos portadores de sofrimento

psíquico.

O Movimento de Luta Antimanicomial é uma luta recente, se consideramos

sua estrutura organizativa e as referências históricas indicadas por aqueles que dele

participam que se remetem, ao ano de 1987. No entanto, ao longo destes anos de

estrada, produziu-se um significativo impacto e visibilidade. O movimento conquistou

espaço, na qualidade de interlocutores, na gestão da reforma da política de

assistência em saúde mental, em diversos níveis, como por exemplo, na Comissão

Nacional de Reforma Psiquiátrica do Ministério da Saúde e fundamentalmente

através da participação nas Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais de

Saúde Mental, que são um importante instrumento de avaliação e controle social do

panorama assistência e na construção de diretrizes para elaboração da política na

área.O movimento da Luta Antimanicomial tem como palavra de ordem o fim dos manicômios, entendidos aqui como metáfora a todas as práticas de discriminação e segregação daqueles que venham a ser identificados como doentes mentais e todas as pessoas que sejam vítimas de exclusão e violência. Trata-se de uma clara referência à luta Antimanicomial italiana, que, como veremos, preconizou o fechamento de manicômios (hospitais psiquiátricos) desde o final dos anos sessenta e que ganhou forma de lei em 1978, num tipo de iniciativa sem precedentes do ponto de vista histórico. GOULART (2006, p. 12).

Em 1995 foi aprovada em Minas a Lei 11.802/957, lei estadual, conhecida

como Lei Carlão que dispõe sobre a promoção da saúde e da reintegração social do

portador de sofrimento mental; determina a implantação de ações e serviços de

saúde mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção progressiva

destes; regulamenta as internações, especialmente a involuntária, e dá outras

providências. Com a Lei Federal 10.216/2001, a Lei Estadual 11.802/95, adequou-se

a lei federal, para que não existissem conflitos.

Como toda a legislação pertinente ao assunto traz a fiscalização intensiva das

práticas e dos estabelecimentos, caminhamos rumo à erradicação das práticas

desumanas e ilícitas.

6 Goulart, destaca a criação de associações de usuários e seus familiares como a ASSUSAM.7 A Lei 11.802/95 na integra está no Anexo B.

11

2.4 Impactos Econômicos, Políticos e Social

A Lei 10.216/2001 impactou três vertentes: a primeira política, pois nossos

representantes estão legitimados a fazer políticas, elaborar projetos de lei, dentre

outros, para atender aos anseios e necessidades da sociedade.

A segunda vertente é econômica, pois a lei determina a extinção de

manicômios e uma reestruturação nos hospitais da rede do Governo, e foi mais

fundo também a rede privada. Na rede privada as internações duradouras eram

mais constantes e a Lei vinha por um fim nesta prática, o que implica diretamente na

receita arrecadada destas instituições.

MINAS GERAIS (2006, p. 30), descreve que a má fama dos grandes

hospícios públicos possibilitou a entrada da iniciativa privada nessa área. A partir do

golpe militar de 1964, até os anos de 1970, proliferaram amplamente clínicas

psiquiátricas privadas conveniadas com o poder público, obtendo lucro fácil por meio

de “psiquiatrização” dos problemas sociais de uma ampla camada da população

brasileira. Criou-se assim a chamada “indústria da loucura”.

A terceira vertente observada é a social. Para os autores de Cidadania e

Loucura, Silvério Almeida Tundis e Nilson do Rosário Costa (2001),

...as práticas e representações que as sociedades elaboram em torno do doente mental é de fato um campo delicado de atuação. A sociedade passou a conviver mais de perto com as pessoas portadoras de sofrimento mental e não mais loucos passivos de segregação.

Esta convivência saiu da tolerância para o respeito tendo como ponto mais

eloqüente desta vertente, o reconhecimento para com o portador de sofrimento

mental como ser humano e cidadão.

2.4.1 A Desinstitucionalização

MINAS GERAIS (2006, p. 31), enfatiza a importância da Reforma

Sanitária Brasileira8, com as conquistas da Constituição Federal de 1988 (por

8 A Reforma Sanitária brasileira nasceu na luta contra a ditadura, com o tema Saúde e Democracia, e estruturou-se nas universidades, no movimento sindical, em experiências regionais de organização de serviços. Consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. O resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.

12

exemplo, a definição ampliada da Saúde, afirmada como direito e dever do Estado),

a criação e a consolidação do Sistema Único de Saúde, a valorização de conceitos

como descentralização, municipalização, território, vínculo, responsabilização de

cuidados, controle social, etc.

Atuando simultaneamente, a legislação, o SUS, as políticas, as perspectivas da Reforma psiquiátrica e a Luta Antimanicomial, entramos no processo da desinstitucionalização. Várias foram as políticas para instrumentalização da desinstitucionalização, dentre elas podemos destacar a criação dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, que em Minas Gerais, são também chamados de CERSAMs, os Centros de Convivência, as Moradias (protegidas ou não), os Núcleos de Produção Solidária, as unidades básicas de Saúde, etc. (MINAS GERAIS, 2006, p. 34)

GOULART (2008, p. 7), em sua pesquisa destaca que a Reforma Psiquiátrica

gerou serviços e normalizações de modo a garantir os direitos dos portadores de

sofrimento mental e otimizar a assistência psicoterapêutica, evitando internações

desnecessárias e gerando atenção local (Caps, Naps, Cersams, dentre outros).

Paralelamente, as coordenadorias de saúde mental fiscalizam os hospitais públicos

e privados, e tem como política o seu paulatino fechamento. Entende-se que o

hospital psiquiátrico, como instituição, seria o ponto nevrálgico do sistema

psiquiátrico tradicional que se pretende desinstitucionalizar. O objetivo da Reforma é

a reinserção social, e o não afastamento dos portadores de sofrimento mental do

convívio comunitário, social e familiar.

No processo da desinstitucionalização, o que se propõe é a superação do

hospital psiquiátrico. Não se trata simplesmente de uma desospitalização, mas de

uma desinstitucionalização. Ou seja, busca-se intervir nas relações de poder que

segregaram a loucura, estando em jogo uma questão de conquista de cidadania.

Quando se trabalha nessa perspectiva, o hospital psiquiátrico mostra-se tão nefasto

quanto desnecessário. Tratados como cidadãos, os portadores de sofrimento mental

consideram humilhante e arbitrária a sua permanência mesmo passageira, num

serviço isolado do espaço social; passam a conhecer e a apreciar outras formas de

cuidado, cuja lógica é incompatível com aquela dos hospitais. (MINAS GERAIS,

2006. p. 28).

13

3 ANÁLISE DE DADOS

O grupo realizou a pesquisa de campo munido de carta de apresentação,

expedida pela Faculdade Novos Horizontes9, para que acesso a instituições e

pessoas ligadas ao assunto fosse facilitado e documentado.

A análise dos dados procura transmitir a necessidade das informações com o

objetivo acadêmico e fim específico para o mesmo, colhendo informações que

revelem a transição e consolidação da Reforma Psiquiátrica e sua efetividade. As

informações foram extraídas das entrevistas10 dos profissionais de saúde, usuários

do sistema de saúde e militantes da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial.

Contamos ainda com os relatos que tivemos oportunidade de obter na reunião

mensal do Fórum Mineiro de Saúde Mental.11

3.1 Discussão dos dados

O trabalho de campo contou com pessoas que realmente participaram

da Reforma Psiquiátrica, militantes da Luta Antimanicomial e usuários do sistema de

saúde, sendo: Dra. Marta Elizabeth de Souza Coordenadora da Saúde Mental do

Estado de Minas Gerais, militante da Luta; o Sr. Paulo José Azevedo de Oliveira,

usuário do sistema, militante da Luta e Coordenador do Fórum Mineiro de Saúde

Mental; e Sra. Ângela Olivia de Pereira Loreto, usuária do sistema, militante da Luta

e Presidente da ASSUSSAN.

Todos os entrevistados têm uma ampla visão do que foi a Reforma

Psiquiátrica e o que representa a Luta Antimanicomial. Todos criticam os Hospitais

Psiquiátricos e os classificam como desumanos. Trazem notícias de maus tratos

como banho de água fria, agressões, amarras, masmorras, eletrochoque12 e

psicocirurgia13. Relatam que no Hospital Psiquiátrico, não se tem condições de

produzir conhecimento para a vida, o tempo passa, o silêncio é compulsório e torna-

se iminente a morte em vida.

9 Integra no Apêndice A.10 As entrevistas estão na íntegra no Apêndice B a E.11 A pauta da reunião está no Anexo C.12 É um tratamento psiquiátrico no qual são provocadas alterações na atividade elétrica do cérebro induzidas por meio de eletrochoques nas têmporas, sob condição de anestesia.13 Trata-se de uma cirurgia como a ''implantação de eletrodos, destruição ou estimulação direta do cérebro por qualquer meio'', tendo como propósito primário ''controlar, mudar ou afetar qualquer distúrbio emocional ou comportamental''.

14

Os entrevistados não são contra medicamentos, pois segundo eles, os

medicamentos ajudam e minimizam um pouco, ou seja, o efeito é apenas que se

fique menos agitado, mas todos são contra a indústria geradora de riquezas dos

psicofármacos14.

O início da Luta Antimanicomial foi a partir do momento em que os

trabalhadores de hospitais psiquiátricos, alguns médicos ficaram chocados com a

atenção e atendimento dos doentes, os hospitais eram lugares que se jogavam o

doente e deixavam-no ali sem critério de medicação, excluídos e esperando sua

morte.

Dra. Marta Elizabeth e a Sra. Ângela Pereira nos apresentou a importante

contribuição que Franco Baságlia nos deu, pois no final dos anos de 1970 houve o

Congresso da Associação de Psiquiatria de Minas Gerais, com a presença de

Franco Baságlia, então o levaram até Barbacena, que após esta visita ele se

encontrou com o Governador Francelino Pereira e reportou que os hospitais em

Minas Gerais eram campos de concentração.

Em julho de 1978 militantes da Luta Antimanicomial pressionaram o Governo

a humanizar os hospitais psiquiátricos e a partir de 1980, com a abertura política do

Presidente Figueiredo, criam-se ações integradas de saúde caminhando para a

criação do SUS.

Os entrevistados relatam que, não adianta só humanizar os hospitais, mas

era preciso superá-los, e então foi criado o movimento da Luta Antimanicomial e o

dia 18 de maio foi escolhido como data comemorativa da Luta.

Com a promulgação Constituição Federal de 1988, conseguiram que o

Deputado Paulo Delgado, irmão do militante e psiquiatra Pedro Gabriel Delgado

(hoje coordenador Nacional da Saúde Mental no Brasil), assinasse o projeto de lei

3.657 (o projeto encontrava-se pronto, foi todo realizado pelos militantes e entregue

ao Deputado Paulo Delgado) que tramitou no congresso. Foram 11 anos de luta que

originou a Lei 10.216 de 06 de abril de 2001.

Na opinião dos entrevistados, os portadores de sofrimento mental devem ser

enviados aos CAPS que são centros de atenção psicossocial, com funcionamento

24 horas e se precisarem de internação, serão internados, mas em local próprio.

Para Paulo Azevedo, o CERSAM ou CAPS, é multidisciplinar (tem psicólogos,

psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistente social, etc..).

14 Drogas controladas pela indústria farmacêutica.

15

Com a liberdade, a pessoa desenvolve sua identidade; isto pode levar 01 ano,

10 anos, 20 anos e pode ser que a pessoa não consiga, então ao invés dela ficar

trancada, terá a sua liberdade.

Paulo Azevedo e Ângela Pereira acreditam que a recuperação somente é

possível com a “liberdade”. Todos os entrevistados acreditam que o movimento tem

um diferencial de outros movimentos, fazem uma comparação com o MST, porque o

Movimento Antimanicomial busca o tempo todo a preservação e expansão dos

direitos humanos. Acreditam ainda que, o Governo precisa prover mais políticas

públicas, os hospitais precisam obter mais parcerias com o SUS, relações de saúde

com o Judiciário e com a defesa social. É necessário criar frentes de sobrevivência

para a inclusão do paciente, uma maior rede com assistência social e educação,

trabalhar com equipes multiprofissionais, com o Ministério Público e

conseqüentemente pelo usuário da saúde mental, moradores de rua em parceria

com assistência social e órgãos responsáveis, provendo a vida e a inclusão.

As opiniões dos entrevistados, quanto à questão social é a mesma, a

sociedade está se flexibilizando na tolerância com a diferença, mas ainda existem

muitos focos de resistência.

De acordo com a Sra. Ângela Pereira, o Hospital Raul Soares é a favor da

psicocirurgia e eletrochoque, existe o assédio sexual com os portadores; internação

de dependentes químicos que se utilizam dos portadores de doença mental para

pular o muro, comprar droga para utilizar dentro do hospital. O hospital também está

abrindo mais leitos para aumentar o repasse de verbas do governo.

Na oportunidade da visita a reunião do Fórum Mineiro de Saúde Mental,

identificamos no Fórum, pessoas das mais variadas idades, portadores de

sofrimento mental acompanhados de seus familiares ou sozinhos – a maioria. Dois

assuntos ganharam grande destaque e atenção na reunião; o primeiro foi com

relação ao fechamento do hospital Nossa Senhora de Lourdes que é desumano e

não passou pela avaliação do PNASH, porque várias irregularidades foram

identificadas, tais como: quem paga é tratado de uma forma e quem não paga é

tratado de outra; pessoas nuas; mal alimentadas, banheiro único e sem porta.

O outro ponto abordado na reunião do Fórum foi a oposição por parte da

comunidade do bairro Cidade Nova quanto à criação de um CERSAM naquela

região. Alegam risco para a moradores da região, difícil convívio com os usuários no

mesmo espaço físico, enfim a sustentação da oposição é preconceituosa. Mas o

16

local já está garantido pelo governo e o que o Fórum deseja é que haja uma

conscientização por parte dos moradores, para um bom relacionamento.

17

4 CONCLUSÃO

A Reforma Psiquiátrica foi de grande importância, pois ela atingiu um nível

mundial. Realizando este trabalho, percebemos que o Direito foi o principal veículo

de afirmação e proteção a quem o buscou.

Observamos que a Luta Antimanicomial vem se tornando forte a cada dia,

visto que os militantes, em maioria, têm vivência passada do sistema de

institucionalização hospitalar e buscam uma humanização e conscientização maior

para um tratamento mais justo e eficaz, que não o de anulação do homem portador

de sofrimento mental.

Identificamos que a busca pela liberdade foi o maior fator evolutivo da luta,

pois a privação da liberdade conflita com direito fundamental, protegido pelo

Constituição Federal/88.

A Luta Antimanicomial é política de estado, várias ONGS e movimentos

sociais organizados, todos engajados no processo contínuo de proteção, ampliação,

divulgação dos direitos e novas conquistas. Observamos que o grande marco para

avanços no campo legislativo foi a promulgação da Constituição Federal/88.

A conquista, resultante da Luta Antimanicomial, tornou possível que o

portador de sofrimento mental venha ser tratado com respeito, acolhido com

dignidade e cuidados médicos e hospitalares adequados à sua doença. A justiça

vem lhe proporcionando uma maior segurança e tratando as questões pertinentes a

sua qualidade de vida. Os valores humanos estão mais próximos da razão e da

realidade.

A desinstitucionalização expressa em Lei proporcionou aos portadores de

sofrimento mental o seu regresso a uma vida “normal”, com afeto, trabalho,

dignidade, saúde, liberdade e respeito.

18

5 REFERÊNCIAS

BASÁGLIA, Franco As instituições da violência. In: BASÁGLIA, Franco (coord.) A instituição negada. Relato de um hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Edições

Graal, 1985.

BICHO de Sete Cabeças. Direção: Laíz Bodanzky. Produção: Luiz Bolognesi, Caio

Gullane, Fabiano Gullane, Maria Ionescu, Marco Muller e Sara Silveira. Brasil, 2001.

1 DVD (74 min.), son., color.

CHAVES, Victor Leonardo da Silva. Antipsiquiatria. Disponível em:

<http://www.olavodecarvalho.org/convidados/victor.htm> Acesso em 26/02/2008

DELGADO, Paulo. Aprovada extinção progressiva dos manicômios. Disponível

em: <http://www.paulodelgado.com.br/clipping/materias/ext_manicomio.htm>.

Acesso em 26/02/2008

FOUCAULT, Michel, 1926-1984. História da Loucura: na Idade clássica/ Michel

Foucault; [tradução José Teixeira Coelho Neto]. – 8. ed. – São Paulo: Perspectiva,

2005. – (Estudos; 61/ dirigida por J. Guinsburg)

FOUCAULT, Michel, 1926-1984. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975)/ Michel Foucault; tradução Eduardo Brandão. – São Paulo: Martins

Fontes, 2001.- (Coleção tópicos)

GOULART, Maria Stella B. Relatório final da pesquisa: “Instituto Raul Soares: o

hospital psiquiátrico na Reforma” nº 1354 (FIP). 2008 – Pontifica Universidade

Católica de Minas Gerais.

GOULART, Maria Stella B. A construção da mudança nas instituições sociais: a

reforma psiquiátrica. Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 1, n.1, São João Del

Rei, jun. 2006.

IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret, 2006.

19

MINAS GERAIS. Secretária de Estado de Saúde. Atenção em Saúde Mental. Marta

Elizabeth de Souza. Belo Horizonte, 2006. 238p.

OLIVEIRA, Paulo José de Azevedo. Disponível em:

www.simplesmentepaulinhomalucoelegal.com.br Acesso em: 20/03/2008.

PEREIRA, Carlos. 10 anos da Lei Carlão. Disponível em:

http://www.vereadorcarlao.com.br/trajetoria-detalhe.php?

CodTrajetoria=75&CodTrajetoria_Detalhe=220> Acesso em 24/02/2008.

RESENDE, Rosário Américo de. Disponível em:

http://www.fardesign.com.br/pazplena. Acesso em: 06/04/2008.

SANTOS, Núbia Schaper, ALMEIDA, Patty Fidelis de, VENANCIO, Ana Teresa et al.

A autonomia do sujeito psicótico no contexto da reforma psiquiátrica brasileira. Psicol. cienc. prof. [online]. dez. 2000, vol.20, no.4, p.46-53. Disponível

na World Wide Web: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?

script=sci_arttext&pid=S1414-98932000000400006&lng=pt&nrm=iso>. ISSN

1414-9893. Acesso em: 25/02/2008.

SHINE – Brilhante. Direção: Scott Hicks. Produção: Jane Scott. Austrália, 1996. 1

DVD. (130 min.), son., color.

TUNDIS, Silvério Almeida; Costa, Nilson do Rosário. Cidadania e Loucura. Políticas de saúde mental no Brasil. – 7ª. Ed. – Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

UMA Mente Brilhante. Direção: Ron Howard. Produção: Brian Grazer, Todd

Hallowell, Ron Howard, Karen Kehela, Kathleen McGill, Maureen Peyrot, Aldric

La'Auli Porter e Louisa Velis. Estados Unidos, 2001. 1 DVD (135 min.), son., color.

20

6 APÊNDICES

APÊNDICE A – CARTAS DE APRESENTAÇÃO DA FACULDADE NOVOS HORIZONTES.

21

22

APÊNDICE B – ENTREVISTA NA ÍNTEGRA COM A COORDENADORA DE SAÚDE MENTAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, DRA. MARTA ELIZABETH DE SOUZA

A Dra. Marta Elizabeth de Souza é formada em Psicologia, é Mestre em

Saúde Pública e tem duas especializações, sendo Saúde Mental e Ciências Sociais

respectivamente, formação acadêmica pela UFMG.

“A sociedade não entendia o fenômeno da loucura (as pessoas achavam que

eram Jesus, Nossa Senhora, São Francisco...) e excluía os pacientes.

Entendendo a questão social: as cidades eram menores, com poucos

habitantes, quando há o crescimento das cidades, passamos pelo período da

Revolução Burguesa Comercial, quando saímos do Renascimento, os Senhores

Feudais criam os aglomerados, e os loucos começam a perturbar a ordem. Pinel

tenta resolver a questão da loucura com a ciência e a medicina, cria-se então os

Hospitais Psiquiátricos, Manicômios e Sanatórios. Isto acontece de maneira mais

organizada e sistemática a partir do ano de 1800, o primeiro hospício no mundo foi

construído na Turquia.

No Brasil, o primeiro Hospital Psiquiátrico foi fundado por Dom Pedro II, em

1852, enviando médicos para a França para aprenderem o que de mais avançado

existia para o tratamento psiquiátrico. Depois foi o Juqueri em 1900, a colônia

Juliana, nas zonas rurais em Franco da Rocha, depois na zona urbana o Raul

Soares em 1909. A família ficava muito longe. Naquele tempo havia maus tratos,

porque como não se entendia a loucura, só porque o louco ria, eles mostravam que

estava errado e tentavam de todas as formas consertar o comportamento, aplicando

tratamentos com banho de água fria, coro, amarravam, masmorras etc., Ás vezes o

louco tirava a roupa e aí então que apanhavam mais, pois, eles achavam que eram

um desvio de comportamento, imoralidade, então se eu te punir você vai consertar o

seu comportamento, como se ser louco era uma questão de uma ordem da vontade

da pessoa. Tratamento de choque e os medicamentos psicofármacos vieram após a

2ª grande guerra.

Medicamentos ajudam e minimizam um pouco o excesso do louco, mas não

acaba, a pessoa não deixa de achar que ela é Nossa Senhora, Deus, o que

acontece é que ela fica menos agitada.

23

O decreto de Getúlio Vargas de 1934, dizia que o hospital era para todo tipo

de louco, de todo gênero. Os hospitais funcionavam de maneira extremamente

precária, todos eram da rede pública, mas após a ditadura militar houve uma

inversão, a saúde foi privatizada, continuava a ser rede pública, mas alguns serviços

foram credenciados na rede particular. O governo dava dinheiro para a montagem

do hospital e depois ainda te pagava para atender a população. Achava-se que o

serviço de INPS era de ótima qualidade, mas o povo pobre, que era da zona rural,

que não tinha carteira assinada, pois, o INPS era para todos com carteira assinada,

morriam em hospitais públicos. Mas isso só veio a mudar com a implantação do

Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas mesmo assim não adiantou muito, a saúde é muito cara, se eu monto um

negócio ele tem que dar lucro, então se o governo me repassa uma verba destinada

à saúde, para que se tenha lucro, tenho que prestar um atendimento de péssima

qualidade.

A Luta Antimanicomial iniciou-se a partir dos trabalhadores de hospitais

psiquiátricos, alguns médicos ficaram chocados com a atenção e atendimento dos

doentes, os hospitais eram lugares que se jogavam o doente e deixavam-no ali sem

critério de medicação, excluídos esperando sua morte. No final dos anos 1970

houve o Congresso da Associação de Psiquiatria de Minas Gerais, com a presença

de Franco Baságlia, o levaram até Barbacena, (mas aqui já existia o Raul Soares e

Galba Veloso que surgiu em 1960 quando ploriferou os hospitais psiquiátricos, o

Galba foi criado na época da ditadura) que após visita aos hospitais psiquiátricos de

Belo Horizonte, se encontrou com o Governador Francelino Pereira e reportou que

os hospitais em Minas Gerais eram campos de concentração.

Franco disse o seguinte: “Governador, como você ousa a chamar aquele

Campo de Concentração Nazista de hospital?”

Em julho de 1978 militantes da Luta Antimanicomial pressionaram o Governo

a humanizar os hospitais psiquiátricos e a partir de 1980, com a abertura política do

presidente Figueiredo, surge o Partido Nacional dos Trabalhadores (PT), o ABC

Paulista etc... Criam-se ações integradas de saúde caminhando para a criação do

Sistema Único de Saúde (SUS).

Em 1987 houve o Congresso de Trabalhadores da Rede Psiquiátrica, em

Bauru, neste eu já estava, pois tem 21 anos que estou nesta Luta, que tratava da

criação de um movimento social para a solução dos problemas dos hospitais

24

psiquiátricos e da saúde mental, pois não adianta só humanizá-los, é preciso

superá-los, foi criado o movimento da Luta Antimanicomial e o dia 18 de maio foi

escolhido como data comemorativa da luta.

Os médicos, não acreditavam que o movimento ia dar certo, achavam que

eram um bando de porras loucas, que não ia dar em nada, e ficavam rindo, achavam

que eram todos maconheiros e idealistas. Mas como somos inteligentes, pensamos

que para enfrentar esta gente, eles precisávamos de uma lei, aí eles tinham

acabado de aprovar a Constituição, que garante os Direitos Fundamentais.

Em 1988 na aprovação da nova Constituição Brasileira, o deputado Paulo

Delgado irmão do militante e psiquiatra Pedro Gabriel Delgado (hoje coordenador

nacional da saúde mental no Brasil), foi convidado a assinar o projeto de lei 3.657,

(na verdade o projeto estava prontinho, e foi entregue ao Paulo Delgado e tiveram

que convencê-lo) que tramitou no congresso, eles ficaram 11 anos lutando, fazendo

lob, dando origem ao projeto de lei 10.216 de 06 de abril de 2001.

Os hospitais psiquiátricos devem ser banidos, nos hospitais todo

comportamento do portador de sofrimento mental é visto como um ato de loucura, os

próprios funcionários já olham com olhos de reprovação, então os portadores de

sofrimento mental devem ser enviados aos CAPS que são centros de atenção

psicossocial, com funcionamento 24 horas e se precisarem de internação, serão

internados, mas em local próprio.

Neste tramite, antes da lei Paulo Delgado que começou a tramitar em 1989,

teve também a Lei Carlão que foi um projeto muito trabalhoso, que realmente se iam

a campo, seja até sem ajuda de custo, com dinheiro do bolso para que fosse

realizado este lob, em faculdades, seminários e cidades próximas. A Lei Carlão foi

impactante, pois ela não vai contra a Lei Federal.

Após a adesão a Lei Paulo Delgado, o impacto econômico para os hospitais

foi muito ruim, pois os hospitais começaram a perder dinheiro (os particulares),

porque diminuíram os pacientes, começou a fiscalização. Mas por outro lado, para

os trabalhadores melhoraram, pois abriu oportunidades de emprego através de

concursos públicos.

A visão manicomial é muito ampla, complexa e sutil, precisando ser

melhorada. O Governo precisa prover mais políticas públicas, os hospitais precisam

obter mais parcerias com o SUS, relações de saúde com o Judiciário, com a defesa

social. Criar frentes de sobrevivência para a inclusão do paciente, uma maior rede

25

com assistência social e educação, trabalhar com equipe multiprofissional, com o

Ministério Público e conseqüentemente pelo usuário da saúde mental, moradores de

rua em parceria com assistencial social e órgãos responsáveis, provendo a vida e a

inclusão.

As entidades que se tornaram referência no tratamento mental foram o

Conselho Federal e Regional de Psicologia, os Direitos Humanos, e no caso dos

hospitais seriam, o PHPB e o Galba Veloso, pois estão mais engajados nesta Luta.

Temos também os Hospitais da Fhemig, que estão mais integrados e adequados

para esse tipo de tratamento. A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte

tem dado um bom exemplo de construção de política pública, a favor do portador de

sofrimento mental, vários municípios também estão engajados nesta luta, como

Santa Rita do Sapucaí, Ribeirão das Neves, Betim, Itabirito, Ouro Preto etc., todos

eles tem deficiência, pois o SUS ainda não tem recurso total, mas estão se

esforçando.

O que me chama a atenção é a ferocidade com que certo setor da psiquiatria,

defende os hospitais psiquiátricos e a maneira perversa de lidar com o portador de

sofrimento mental. O louco ainda sofre muito preconceito e é excluído do afeto, da

sexualidade, do trabalho e da relação familiar.

Impacto Social – A sociedade está de flexibilizando na tolerância com a

diferença, ainda existem muitos focos de resistência (pois existem pessoas que se

opõe a construção de CAPS próximos as suas residências). Aqui em Minas, pelo

trabalho que realizamos, somos muito acolhidos.”

26

APÊNDICE C – ENTREVISTA NA ÍNTEGRA COM SR. PAULO JOSÉ AZEVEDO DE OLIVEIRA, MILITANTE NA LUTA ANTIMANICOMIAL E COORDENADOR DO FÓRUM MINEIRO DE SAÚDE MENTAL

“A reforma psiquiátrica acreditava que o manicômio deveria ser mais humano,

aí depois chegaram a conclusão de que não tinha mais jeito do manicômio ser

humano aí veio a Luta Antimanicomial, direito a liberdade com cidadania.

Porque que a Luta Antimanicomial é importante: Porque o manicômio não

atende o paciente, ele atende a família e a sociedade, então não há uma escuta do

paciente, ele fica estigmatizado, tudo que ele fizer é internado e então ele se anula

cada vez mais... a psiquiatria normativa, quer ter o paciente ideal, mas dócil, querem

normatizar com drogas (apesar de eu não ser contra remédios), e com

constitucionalização.

A Luta Antimanicomial, acha que a pessoa vai ter crise, que não se recupera

nunca, mas ele vai ter liberdade, ela mesma sabe os momentos em que está ruim e

então ela mesmo se interna. Então tem o CERSAM (o centro de referencia de saúde

mental) que seria o CAPS. No manicômio se fica até morrer, mas no CERSAM não,

quando de melhora, pode ir para a casa. O CERSAM é multidisciplinar (psicólogos,

psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistente social...).

Com a liberdade, a pessoa desenvolve sua identidade. Isto pode levar 01 ano,

10 anos, 20 anos e pode ser que a pessoa não consiga, então ao invés dela ficar

trancada, terá a sua liberdade. Tanto pelo sofrimento, como pela exclusão, pois, a

pessoa não recebe mais afeto, então ela fica em um vazio e o que resta a ela é

delirar mesmo.

Minha história é a seguinte: Meu problema começou com 17 anos, eu tinha a

idéia fixa de suicídio, não vou falar que não tive momentos felizes não porque tive,

mas depois de alguns julgamentos que fiz, eu decidi que queria morrer. Então dos

17 aos 25 mesmo querendo morrer eu levei a vida, entrei na faculdade, tive vários

empregos que ficava um ano em cada um.. Fui levando a vida sem amor pela vida...

Tive minhas internações e nunca tomei eletrochoque graças a Deus. Minhas

internações não levaram a nada, porque eu ficava internado um mês à toa, trancado

e tinha um corredor cheio de quartos, tomando remédio e depois voltava para casa.

Depois de uma tentativa de suicídio, que tomei vários remédios, fui levado ao

CERSAM, mas a minha vida estava parada aos 17, eu era uma pessoa muito

27

amarga. A sorte minha, é que o redor, eu vi que estava acontecendo muitos

movimentos em favor do paciente, e no CERSAM, eu fui tratado de um jeito que

nunca eu tinha sido tratado. Por alguns momentos eu melhorava, por medo de se

internado. Eu ia ao CERSAM duas vezes por semana.

Neste intervalo minha mãe pagou aulas de teatro para mim, minha tia pagou

08 anos de inglês, depois fiquei um tempo estudando música.

Quando a pessoa está isolada no mundo, quando se perde a afetividade das

pessoas, aquela pessoa que tem o desejo de se recuperar, a única saída que existe

é o delírio, não tem outra saída, porque nos hospitais psiquiátricos eles querem que

você pare de delirar a qualquer custo. Delírio é um pensamento muito intenso, mas

há possibilidade de ter julgamento. E nesta época comecei a fazer um tanto de

coisa, fui ser espírita, fui me criando, me inventando.

E aprendi várias coisas no CERSAM que me capacitaram a desenvolver a

minha personalidade. Desenvolvi o Paulinho que eu queria ser, mas não tirei a idéia

de suicídio da cabeça não, mas passou uma época que minha mãe me tirou do

CERSAM, porque lá não internava e me colocou em uma clínica psiquiátrica, lá era

ruim, era uma gaiola de ouro (bonita, chick, para a pessoal que tem grana para

pagar e tudo) mas por qualquer coisa, você chegava lá e ficava internado. Lá eu não

tive um processo terapêutico, foi um processo do temor, quando eu estava lá, tinha

que fingir que estava bem para sair aí cansei daquilo e parei de tomar remédio,

decisão minha.

No hospital psiquiátrico você não tem condições de produzir conhecimento

para a vida, veja um exemplo: Se você prende um leão em uma jaula ele vai ficar

furioso com raiva e começará a rugir, mas depois de uma semana ele rugindo e não

conseguindo sair ele vai rugir mais fraco na próxima semana, passou um mês ele

fica mudo, assim é um hospital psiquiátrico. Vai passando um tempo, agente nunca

tem razão, assim se mata o sujeito e aí foi passando o tempo.

Fui estudando para o vestibular e então tive a oportunidade de trabalhar em

uma rádio comunitária, depois conheci o pessoal do Fórum, comecei a freqüentar,

foi até a época que eu tinha parado de tomar remédio um tempo, fiquei três anos

sem tomar remédio, mas a tensão é grande de provar para gente mesmo que somos

normais que agente surta, mas também acho que não existem pessoas 100%, o

esforço que agente faz para tentar ser normal é muito estressante, então meu avô

morreu, briguei com um amigo meu aí surtei e fiquei muito doido, achei que eu era o

28

presidente do Brasil, demorei uns dois meses para voltar ao normal, mas mesmo

surtado eu passei no vestibular, aí eu fui para o CERSAM e lá eles deixavam eu

programar a minha saída, mas eu fiquei dois meses porque eu já estava

acostumado com esta rotina.

Hoje tenho 35 anos, mas dos 25 aos 33 a gente fica realmente acostumado

com este tipo de vida, nesta época já tinha CERSAM 24 Horas, mas antes não,

então a ameaça de internação acabou, então eu desfiz o vínculo com a clínica

psiquiátrica, que inclusive toda vez que eu ia para lá, eles me amarravam, a

sensação que eu tinha é que eles tinham que me castigar por algo que fiz. Faziam

isso porque minha mãe enchia a cabeça deles, mas existem médicos que o prazer

da vida deles é exercer o poder, aquela cara de bonzinho, aquele sorriso, mas no

fundo é o poder que manda.

Eu, sinceramente, se eu não tivesse consciência eu pegava uma

metralhadora e metralhava a clínica, para matar mesmo, para matar, eu juro por

Deus que eu faria isso. Porque o ódio que provoca em você é muito grande. A

vontade de você assassinar um psiquiatra é grande porque eles exercem um poder

imenso sobre você, contra a sua fala, sua fala não tem sentido nenhum para eles,

contra o seu discurso a família, o sistema.

Imagine o seguinte, você chega, eles te internam, então o médico chega para

a família e diz, seu filho é doente e nunca mais vai melhorar, o médico dizendo isso

acabou com a sua vida, você fica desqualificado o resto da vida, pois é a posição de

um profissional. Ser tratado como retardado é muito ruim. Eu sou universitário,

ganhei o prêmio Carlos Drummond de Andrade.

Hoje eu tenho amigos, sou universitário, a oportunidade de ser tratado como

humano pelo CERSAM, tudo isso me ajudou muito... pois a 50 anos atrás.. qual

seria a minha sina? Iria simplesmente anular todas as minhas chances de estudar,

de trabalhar.

Na minha estrutura familiar sistêmica, ninguém nunca acredita em mim, mas

hoje mudou um pouco porque, teve um aval de outro médico com outro ponto de

vista. Os tratamentos mais humanos que tive foi no SUS, isso que me faz ter

vontade de viver algumas vezes.

Em uma clínica particular, é igual um hotel. Primeiro eles tem que ganhar

dinheiro na hotelaria, existe uma administração para a clínica ficar cheia. Você sai

de lá enganado, eles ganham muito dinheiro, não existe uma preocupação de sair

29

de lá bem mesmo. É o exercício do poder. Se por exemplo eu não aceitar tomar

remédio, eles te agarram e te metem uma injeção, é na base do autoritarismo. Já no

SUS existe uma coisa que se chama abordagem, sem utilização do poder, utilizando

afetividade, ás vezes a pessoa nem toma o remédio, mas tem um momento que cai

a ficha, por isso que não causa revolta. O remédio ajuda, ou seja, a pessoa fica sem

delirar, porém se tomar muito ela fica deitada na cama 24 horas.

Eu particularmente odeio terapia ocupacional, mas vou fazê-la para

conversar, quero é conversar.

Mas foi assim, fui construindo uma saída e em um momento na minha vida

parei de delirar, mas produzi muita coisa na minha vida delirando, escrevi um livro

Chamado “Doideira Pouca é Bobagem” e escrevi artigos. Mas quando busquei e

achei esta normalidade, me deu uma tristeza, eu queria saber o que é ser

socialmente aceito. Mas a minha recuperação se deu com a minha liberdade.

Com a vida aprendi que o benefício da dúvida é melhor que o da certeza, eu

era muito religioso e bonzinho e leva ferro... e fui então aprendendo várias coisas,

viajei, procurei fazer amizades com psicólogos, tudo baseando-se em

conhecimentos, mas até eu entender outra realidade foi difícil.

Eu entrei nesta Luta porque tinha ligação com o CERSAM, fui parar no Fórum

Mineiro de Saúde Mental, porque lá eu era alguém, já que de repente eu não era

ninguém na sociedade, e de repente eu virei coordenador de um Fórum Mineiro de

Saúde Mental, eu queira conviver com as pessoas ter amigos.

Mas eu fico triste, triste demais, por saber que se não existisse isto eu ia ser

outra pessoa, seria uma história de anulamento total e então foi bom que eu assumi

que sou doido. É muito importante para você mesmo assumir isso, porque dói o ego.

Eu queria ter conhecido tudo isso no começo da minha carreira da loucura, pois

assim eu teria menos trauma, menos vivência negativa talvez. Já tem uma geração

que nunca vai pegar hospício, mas as pessoas que passaram por isso e que mudou,

para alguns será bom, mas outros não vão conseguir recuperar. É tanta opressão

que duvido que elas consigam se recuperarem. É difícil dizer, mas tudo que

consegui na minha vida foi com a loucura, o meu vínculo com mundo normal é

através da loucura, porque não existisse o que tem aqui em Belo Horizonte o meu

vínculo com o mundo seria nenhum.

30

Através do movimento da Luta Antimanicomial, conheci vários movimentos

sociais, o pessoal começou a me chamar para fazer palestras. Hoje sou um doido

importante.

Sinto-me amado na faculdade, saio com uma gatinha lá... Sou um crianção.

Consegui meu código de ética moral assim: Sou uma mistura de cristianismo espírita

e com política, eu tinha admiração pessoal pela Luta Antimanicomial.

O movimento social da Luta Antimanicomial só deu mais certo que o

movimento MST porque ela está mais voltada para os direitos humanos.

Eu tinha tanta vergonha de falar para as pessoas que eu era doido, que eu

dizia para todos que eu era viciado. No meu ambiente familiar, para meu pai e minha

mãe aceitar era difícil, e por outro lado a família entender isso, meus irmão achava

que eu estava mentindo.

Hoje acredito muito em evolução e pelo que eu vejo, as pessoas estão

tolerando por causa de uma lei, pois se elas não tolerarem, elas vão pagar por isso.

Outros casos são pessoas com o coração mais generoso, elas se preocupam em

ser boas, então tem pessoas que estão tolerando por causa da lei, se não tolerar a

lei ferra ela, porque hoje eu tenho direito, mas antes tinha que matar. Violência

começa assim, quando não te escutam. Eu sou favor da violência, pois quando não

existe lei para o mais fraco, pois quando você não tem como se defender as

pessoas abusam de você, por isso tem que ter a lei para proteger os mais fracos,

porque a lei não é justa, tanto não é que precisou de outra lei para dar direito a

aquele que não tinha direito.

Hoje existem muitas pessoas voltadas para o lado espiritual. Então tem muita

gente que respeita, mas eu acho que a maioria tolera. No meu meio mais pessoas

respeitam mas por aí mais toleram.

Na minha carreira de loucura, passei por vários hospitais, Galba Veloso,

Psicominas (muito desumano que foi até fechado), Santa Maria, Central Psíquica,

CERSAM, em hospitais eu nunca melhorei, mas eu tentava melhorar para ir embora,

senão eles não deixavam ir embora também não.

Pessoas que ficam muito tempo no manicômio não tentam sair mais não, só

morrem mesmo, morrem em vida. Para mim, manicômio é um depósito de lixo

humano com fins lucrativos.

A pessoas precisam de uma verdade absoluta. São poucas coisas que

orientam a minha vida, uma delas é que eu acredito em Jesus. Então o que você

31

precisa para reerguer sua vida é o seguinte: Não existe verdade, acreditar no bem e

no amor... Estas três coisas levo para qualquer lugar e são as minhas únicas

verdades. Temos a necessidade da verdade absoluta, mas o que enriquece o

mundo é a diferença mesmo.

Tudo isso que estou dizendo aprendi em oficinas e com leituras. Hoje não

dependo do dinheiro do Governo, ganho uma mesada da minha mãe, mas se eu

quiser eu posso conseguir do Governo.

Qual a contribuição maior que o Fórum tem? Aqui em Belo Horizonte a Luta

Antimanicomial está de parabéns e eu tive muita sorte. Em São Paulo não tem nada

disso, ser você pirar lá, se ferrou... Tem muita cidade do interior que conquistou este

serviço, aí muda o prefeito e então acaba. A Luta tem que ser permanente, então,

tendo um Fórum, que é um espaço que se propicie para uma discussão de pessoas

que entendem mais de doença mental, que sempre tem alguém para escutar. Existe

um lugar, em que são realizadas reuniões mensais e se discute estratégias de

aperfeiçoamento, de avanço, porque temos os opositores a nós que são

deterministas. Temos que está sempre lutando. Hoje a Luta Antimanicomial já é

política de Estado.

Hoje eu sou uma pessoa em construção, que conheço os meus limites, sou

um crianção e acreditei muito em espiritualidade. Construí uma teoria sobre mim,

construí toda a minha história e refleti sobre ela. Aprendi a ser feliz. Aprendi a me

relacionar, o teatro me ajudou muito. Eu interpreto a minha vida, não sou falso... eu

tenho muitos personagens dentro de mim. Tenho 28 personalidades. Ver no blog o

texto chamado exclusão social.

32

APÊNDICE D – ENTREVISTA, NA ÍNTEGRA, COM SRA. SRA. ÂNGELA OLIVIA PEREIRA DE LORETO, USUÁRIA DO SISTEMA, MILITANTE DA LUTA ANTIMANICOMIAL E PRESIDENTE DA ASSUSSAN – ASSOCIAÇÃO DOS USUÁRIOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL DO ESTADO DE MG.

Meu nome é Ângela Olivia Pereira de Loreto, sou usuária do sistema de

saúde mental de Minas gerais e presidente da ASSUSSAN, o nosso objetivo, é

preservar o usuário então nós fazemos reuniões itinerantes em centros de

convivências. Já fui internada várias vezes em hospitais psiquiatras, tomei vários

choques na cabeça. Sou da Luta Antimanicomial, contra o choque elétrico e contra a

psicocirurgia, que só serve para rico, porque se faz a cirurgia e deixa a pessoa que

tem transtorno mental em estado vegetativo, pois ela é feita para deixar a pessoa

boba.

Quanto ao Nossa Senhora de Lourdes, eu estive PNASH - Programa

Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar (é uma avaliação que a secretaria

saúde de Minas Gerais, junto com o Sanitarismo, junto com a secretaria municipal e

junto com o usuário, porque nós temos poder de fala), e este hospital não passou.

Uma das enfermeiras disse para mim: Você não entra na ala das mulheres, porque

senão elas vão quebrar seus óculos, eu disse ok, aí quando ela vacilou, eu entrei lá

dentro, e vi as mulheres todas sujas, menstruadas, cheio de mosquitos, nelas e na

comida, aí tem um buraco lá que é uma caverna... eles ficam igual bicho, igual

primata. Então a dona deste hospital não é médica, então em uma vacilada da

enfermeira entrei em uma sala e vi vários prontuários, tudo com a mesma letra, com

o mesmo diagnóstico, não havia nenhuma mudança de diagnóstico, quer dizer se

uma pessoa tem transtorno mental, ela tem uma mudança de diagnóstico, porque eu

tô fora.. estou em uma associação... será que só eu que melhorei? Isso é

inadmissível.

Outra coisa , as pessoas que a família paga para ficar lá, as enfermeiras

chamam para comer, as outras é uma bacia que se coloca no terraço e elas comem

com mosquito, sem mosquito e quando comem. Abusos sexuais freqüentemente

ocorrem. Tem pessoas que ficam peladas. Este PNASH, foi realizado no ano de

2007 e é por isso que estamos nesta luta.

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Em 2007 um doente sofreu queimaduras de 2º grau, porque eles deitam em

plásticos, pois nem colchão tem, e ele deve ter dormido com o cigarro aceso, está

hospitalizado ainda.

No Raul soares, em 2007, teve um usuário que foi ameaçado de morte e eles

não tomaram providência, dois dias depois ele estava morto (enforcado) e quanto a

isso estamos correndo atrás para que o Raul Soares nos apresente satisfação, já

que ele foi ameaçado, eles tinham que ter tirado ele de um lugar e colocar em outro.

O Raul soares é a favor do psicocirurgia e choque elétrico. Lá existe o

assédio sexual com os portadores e lá aceitam também drogados e os drogados

usam os portadores de doença mental para pular o muro, comprar droga e colocar lá

dentro, aí a droga rola solto.

O hospital está abrindo mais leitos para aumentar o repasse de verbas do

governo. Isto é uma associação capitalista, imunda e podre que existe. Existe

também a feira da farmácia, que a farmácia entope também um pouco os hospitais

manicomiais, deve dar dinheiro.

Tivemos em uma discussão em um programa da Rede Minas, com um dos

donos de farmácia, e ele não agüentou o que três usuários falaram e aí a moça

perguntou: O que você é? Bipolar? Esquizofrênica?... e então eu disse que sou

qualquer coisa que ela quisesse, só que estão vendo o meu falar. Diagnóstico é uma

coisa muito relativa, você hoje está estressado e pode ter uma recaída, ninguém é

livre de ter uma recaída, isso não quer dizer que a pessoa seja louca.

Em 1999 entrei em uma crise, aí me aposentaram por invalidez, fui uma

pessoa que trabalhava muito desde os 10 anos de idade aí eu caí. Sempre estudei

muito, eu tenho 2º grau completo, fiz 8 cursos no SENAC, sou taquígrafa,

datilógrafa, tenho curso de computação, curso de etiqueta e falo Francês.

No Nossa Senhora de Lourdes, entrei arrepiada e saí arrepiada.

Sou muito espiritual, o espiritismo me ajudou a vencer. Tem muita gente que

é internada e não tem transtornos mentais, porém a própria família os trata como

loucos, o ser humano está muito desacreditado em Deus.

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APÊNDICE E – VISITA NA PASTORAL, LOCAL EM QUE OCORREU A REUNIÃO

MENSAL DO FÓRUM MINEIRO DE SAÚDE MENTAL, DA QUAL FOMOS

CONVIDADOS A PARTICIPAR.

Identificamos no Fórum, pessoas das mais variadas idades, portadores de

sofrimento mental acompanhados de seus familiares ou sozinhos – a maioria.

Tivemos oportunidade de encontrar com a Sra. Maria Luiza que é Assistente Social

do Pai/PJ15, o Paulinho da Suricato16 e o Sr. Rosário Américo de Rezende da Paz

Plena.

Conhecemos da história da Sidnéia Narcisio da Silva, que foi internada no

Raul Soares porque queria separar do marido e ele a internou dizendo que ela era

louca; ela foi internada contra sua vontade e o hospital aceitou.

Dois assuntos ganharam grande destaque e atenção na reunião; o primeiro

foi com relação ao fechamento do hospital Nossa Senhora de Lourdes que é

desumano e não passou pela avaliação do PNASH. O segundo foi o grande impasse

que está entre a comunidade do Bairro Cidade Nova e os responsáveis pela

implantação de um CERSAM funcionando naquela região.

15 PAI/PJ - Projeto de Atenção Interdisciplinar ao Paciente Judiciário16 Suricato - Associação em Minas Gerais, que trabalha com o projeto Governamental “Geração de Renda e Trabalho em Saúde Mental”, projeto conduzido pela Coordenação de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, e pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego.

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7 ANEXOS

ANEXO A – LEI 10.216/2001 - DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO E OS DIREITOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNOS MENTAIS E REDIRECIONA O MODELO ASSISTENCIAL EM SAÚDE MENTAL.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos

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mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.

Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

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§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.

Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de abril de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSOJose Gregori, José Serra, Roberto Brant

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ANEXO B - Lei 11.802/1995 - DISPÕE SOBRE A PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA REINTEGRAÇÃO SOCIAL DO PORTADOR DE SOFRIMENTO MENTAL; DETERMINA A IMPLANTAÇÃO DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL SUBSTITUTIVOS AOS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS E A EXTINÇÃO PROGRESSIVA DESTES; REGULAMENTA AS INTERNAÇÕES, ESPECIALMENTE A INVOLUNTÁRIA, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu, em seu nome, sanciono a seguinte Lei:

Art.1º - Toda pessoa portadora de sofrimento mental terá direito a tratamento constante de procedimentos terapêuticos, com o objetivo de manter e recuperar a integridade física e mental, a identidade e a dignidade, a vida familiar, comunitária e profissional. (Vide art. 2º da Lei nº 16279, de 20/7/2006.) Art. 2º - Os poderes públicos estadual e municipais, de acordo com os princípios constitucionais que regem os direitos individuais, coletivos e sociais, garantirão e implementarão a prevenção, o tratamento, a reabilitação e a inserção social plena de pessoas portadoras de sofrimento mental, sem discriminação de qualquer tipo que impeça ou dificulte o usufruto desses direitos. Art. 3º - Os poderes públicos estadual e municipais, em seus níveis de atribuição, estabelecerão a planificação necessária para a instalação e o funcionamento de recursos alternativos aos hospitais psiquiátricos, os quais garantam a manutenção da pessoa portadora de sofrimento mental no tratamento e sua inserção na família, no trabalho e na comunidade, tais como: I - ambulatórios; II - serviços de emergência psiquiátrica em prontos-socorros gerais e centros de referência; III - leitos ou unidades de internação psiquiátrica em hospitais gerais; IV - serviços especializados em regime de hospital-dia e hospital-noite; V - centros de referência em saúde mental; VI - centros de convivência; VII - lares e pensões protegidas. § 1º - Para os fins desta lei, entende-se como centro de referência em saúde mental a unidade regional de funcionamento permanente de atendimento ao paciente em crise. (Parágrafo renumerado pelo art. 1º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

§ 2º - Ficam vedadas a instalação e a ampliação de unidade de tratamento psiquiátrico, pública ou privada, que não se enquadre na tipificação descrita neste artigo. (Parágrafo acrescentado pelo art. 1º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

§ 3º - Ficam vedadas novas contratações, pelo setor público, de leitos psiquiátricos em unidade de tratamento que não se enquadre na tipificação descrita neste artigo.(Parágrafo acrescentado pelo art. 1º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

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Art. 4º - A medicação para tratamento psiquiátrico em estabelecimento de saúde mental deverá observar: I - as necessidades do paciente, no que refere à sua saúde; II - a finalidade exclusivamente terapêutica ou diagnóstica da medicação; III - a eficácia reconhecida e demonstrada da medicação.

§ 1º - A eletroconvulsoterapia será realizada exclusivamente em unidade de internação devidamente aparelhada, por profissional legalmente habilitado, observadas as seguintes condições: I - indicação absoluta do tratamento, esgotadas as demais possibilidades terapêuticas; II - consentimento informado do paciente ou, caso seu quadro clínico não o permita, autorização de sua família ou representante legal, após o conhecimento do prognóstico e dos possíveis efeitos colaterais decorrentes da administração do tratamento; III - autorização do supervisor hospitalar e, na falta deste, da autoridade sanitária local, emitida com base em parecer escrito dos profissionais de nível superior envolvidos no tratamento do paciente.

§ 2º - Inexistindo ou não sendo encontrada a família ou o representante legal de paciente clinicamente impossibilitado de dar seu consentimento informado, a autorização de que trata o inciso II do § 1º será substituída por autorização fundamentada do diretor clínico do estabelecimento, sem prejuízo dos demais requisitos estabelecidos neste artigo. (Artigo com redação dada pelo art. 2º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

Art. 5º - Fica vedado o uso de celas-fortes, camisas-de-força e outros procedimentos violentos e desumanos em qualquer estabelecimento de saúde, público ou privado.

Parágrafo único - Os procedimentos de restrição física não vedados neste artigo serão utilizados, obedecendo-se às seguintes condições: I - constituírem o meio disponível de prevenir dano imediato ou iminente a si próprio ou a outrem; II - restringirem-se ao período estritamente necessário; III - serem registradas, no prontuário médico do paciente, as razões da restrição, sua natureza e extensão; IV - realizarem-se em condições técnicas adequadas, sob cuidados e supervisão permanentes dos profissionais envolvidos no atendimento. (Parágrafo acrescentado pelo art. 3º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

Art. 6º - (Revogado pelo art. 4º da Lei nº 12684, de 1/2/1997.)

Dispositivo revogado:

“Art. 6º - Ficam proibidas as psicocirurgias, assim como quaisquer procedimentos que produzam efeitos orgânicos irreversíveis, a título de tratamento de enfermidade mental.”

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Art. 7º - Será permitida a construção de unidade psiquiátrica em hospital geral, de acordo com a demanda local e regional.

Parágrafo único - O projeto de construção de unidade psiquiátrica deverá ser avaliado e autorizado pelas secretarias, administrações e conselhos municipais de saúde, seguido de parecer final da Secretaria de Estado da Saúde e do Conselho Estadual de Saúde.

Art. 8º - As unidades psiquiátricas de que trata o artigo anterior terão pessoal e estrutura física adequados ao tratamento de portadores de sofrimento mental e utilizarão as áreas e os equipamentos de serviços básicos do hospital geral.

Parágrafo único - As instalações referidas no "caput" deste artigo não poderão ultrapassar 10% (dez por cento) da capacidade instalada do hospital geral, até o limite de 30 (trinta) leitos por unidade operacional.

Art. 9º - A internação psiquiátrica será utilizada após a exclusão das demais possibilidades terapêuticas, e sua duração máxima corresponderá ao período necessário para que possa ser iniciado, em ambiente extra-hospitalar, o processo de reinserção social da pessoa portadora de transtorno mental. (Caput com redação dada pelo art. 5º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

§ 1º - A internação em leitos públicos ou conveniados com o poder público terá encaminhamento exclusivo dos centros de referência de saúde mental públicos ou dos serviços públicos de emergência psiquiátrica e ocorrerá, preferencialmente, em estabelecimento escolhido pelo paciente. (Parágrafo com redação dada pelo art. 5º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

§ 2º - Inexistindo serviço psiquiátrico na localidade onde foi atendido, o paciente será encaminhado pelo médico responsável pelo atendimento para o centro de referência de saúde mental ou para o serviço de urgência psiquiátrica mais próximo, a expensas do Sistema Único de Saúde - SUS. (Parágrafo acrescentado pelo art. 5º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

§ 3º - A internação de pessoas com diagnóstico principal de síndrome de dependência alcólica dar-se-á em leito de clínica médica em hospitais e prontos-socorros gerais. (Parágrafo renumerado pelo art. 5º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.) (Vide art. 2º da Lei nº 16279, de 20/7/2006.)

Art. 10 - A internação psiquiátrica exigirá laudo de médico especializado pertencente ao quadro de funcionários dos estabelecimentos citados no § 1º do art. 9º.

§ 1º - O laudo mencionado neste artigo deverá conter: (Parágrafo renumerado pelo art. 6º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.) I - descrição minuciosa das condições do paciente que ensejem a sua internação; II - consentimento expresso do paciente ou de sua família; III - previsão aproximada de duração da internação. (Inciso com redação dada pelo art. 6º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

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§ 2º - Inexistindo ou não sendo encontrada a família ou o representante legal de paciente clinicamente impossibilitado de dar seu consentimento informado, a autorização de que trata o inciso II deste artigo obedecerá ao disposto no § 2º do art. 4º. (Parágrafo acrescentado pelo art. 6º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.) (Vide art. 2º da Lei nº 16279, de 20/7/2006.)

Art. 11 - A internação psiquiátrica de menores de idade e aquela que não obtiver o consentimento expresso do internado será caracterizada pelo médico autor do laudo como internação involuntária. (Vide art. 2º da Lei nº 16279, de 20/7/2006.)

Art. 12 - O laudo das internações de que trata o art. 11 será remetido, pelo estabelecimento onde forem realizadas, aos representantes locais da autoridade sanitária e do Ministério Público, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas a contar da data da internação. (Artigo com redação dada pelo art. 7º da Lei nº 12684, de1/12/1997.) (Vide art. 2º da Lei nº 16279, de 20/7/2006.)

Art. 13 - Em qualquer caso, a autoridade sanitária local e o Ministério Público poderão requisitar complementos e informações do autor do laudo e da direção do estabelecimento, ouvir o internado, seus familiares e quem mais julgarem conveniente, incluídos outros especialistas autorizados a examinar o internado, com vistas a oferecerem parecer escrito.

§ 1º - Junta técnica revisora, criada pela autoridade sanitária local ou, supletivamente, pela regional e composta por 1(um) psiquiatra, 1 (um) clínico geral e 1 (um) profissional de nível superior da área de saúde mental, não pertencentes ao corpo clínico do estabelecimento em que o paciente esteja internado, procederá à confirmação ou à suspensão da internação psiquiátrica involuntária no prazo de até 72 (setenta e duas) horas após a comunicação obrigatória da internação. (Parágrafo com redação dada pelo art. 8º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.) § 2º - A junta técnica revisional mencionada no parágrafo anterior efetuará, a partir do 15º (décimo quinto) dia de internação, a revisão técnica de cada internação psiquiátrica, emitindo, em 24 (vinte e quatro) horas, laudo de confirmação ou suspensão do regime de tratamento adotado, remetendo cópiaao Ministério Público no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

§ 3º - Caso não haja, na localidade, psiquiatra nas condições referidas no § 1º deste artigo, integrará a junta técnica revisora, em seu lugar, um clínico geral. (Parágrafo acrescentado pelo art. 8º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

Art. 14 - No prazo de 30 (trinta) dias a contar da regulamentação desta lei, os hospitais gerais e psiquiátricos que mantiverem pessoas internadas desde a data anterior a sua vigência encaminharão à Secretaria de Estado da Saúde a relaçãodos pacientes, juntamente com cópia de toda a documentação de cada um, informando se a internação foi voluntária ou involuntária.

Art. 15 - (Vetado).

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Art. 16 - Ficam vedados a criação de espaço físico e o funcionamento de serviços especializados em qualquer estabelecimento educacional, público ou privado, que sejam destinados a pessoas portadoras de sofrimento mental e que impliquem segregação. Parágrafo único - Deve-se garantir, prioritariamente, o acesso das pessoas portadoras de sofrimento mental à educação em classes comuns, em qualquer faixa etária, com a assistência e o apoio integrados dos serviços de saúde e de educação. Art. 17 - Os hospitais psiquiátricos e similares, no prazo de 5 (cinco) anos contados da publicação desta lei, serão reavaliados, para se aferir sua adequação ao modelo de assistência instituído por esta lei, como requisito para a renovação do alrá de funcionamento, sem prejuízo de vistorias e outros procedimentos legais de rotina.

Art. 18 - Os conselhos estadual e municipais de saúde bem como as instâncias de fiscalização, controle e execução dos serviços públicos de saúde deverão atuar solidariamente pela reinserção social das pessoas portadoras de sofrimento mental internadas em estabelecimentos psiquiátricos ou delesdesinternadas, tomando as providências cabíveis nas hipóteses de abandono, isolamento ou marginalização.

Art. 19 - Aos pacientes que perderam o vínculo com o grupo familiar e se encontram em situação de desamparo social, o poder público providenciará a atenção integral de suas necessidades, visando, por meio de políticas sociais intersetoriais, à sua integração social.

§ 1º - As políticas sociais intersetoriais a serem adotadas deverão propiciar a desinstitucionalização de todos os pacientes referidos no "caput" deste artigo no prazo de 3 (três) anos após a publicação desta lei, por meio, especialmente, de: I - criação de lares abrigados ou similares, fora dos limites físicos do hospital psiquiátrico; II - reinserção na família de origem pelo restabelecimento dos vínculos familiares; III - adoção por famílias que demonstrem interesse e tenham condições econômicas e afetivas de se tornarem famílias substititutas. § 2º - As políticas sociais intersetoriais adotadas deverão criar condições para a autonomia social e econômica dos pacientes referidos no "caput" deste artigo, por meio, especialmente, de: I - regularização da sua situação previdenciária, assessorando-os na administração de seus bens; II - Vetado. III - facilitação de sua inserção no processo produtivo formal ou cooperativo, proibindo-se qualquer forma de discriminação ou desvalorização do trabalho; IV - inserção no processo educacional do sistema de ensino; V - atenção integral à saúde .

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Art. 20 - Compete às instâncias de fiscalização, controle e avaliação dos serviços públicos de saúde proceder a vistoria, no mínimo, anual dos estabelecimentos de saúde mental, tomando as providências cabíveis nos casos de irregularidades apuradas.

Art. 21 - Os conselhos estadual e municipais de saúde constituirão comissões de reforma psiquiátrica no âmbito das secretarias estadual e municipais de saúde, com vistas ao acompanhamento das medidas de implantação do modelo de atenção à saúde mental previsto nesta lei, bem como do processo de desativação gradual dos atuais hospitais psiquiátricos existentes no Estado.

Parágrafo único - As comissões de reforma psiquiátrica serão compostas por representantes dos trabalhadores da área de saúde mental, autoridades sanitárias, prestadores e usuários dos serviços, familiares de pacientes, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais - e da comunidade científica.

Art. 22 - Os poderes públicos estadual e municipais, em sua esfera de atuação, disporão de 1 (um) ano contado a partir da publicação desta lei, para passar a executar o planejamento e o cronograma de implantação dos novos recursos técnicos de atendimento apresentados pelas comissões de reforma psiquiátricae aprovados pelos respectivos conselhos de saúde.

Art. 23 - A implantação do modelo alternativo de atenção à saúde mental de que trata esta lei dar-se-á por meio da reorientação progressiva dos investimentos financeiros, orçamentários e programáticos utilizados para a manutenção da assistência psiquiátrica centrada em leitos psiquiátricos e instituições fechadas.

Art. 24 - O poder público destinará verba orçamentária para campanhas de divulgação e de informação periódica de esclarecimento dos pressupostos da reforma psiquiátrica de que trata esta lei, em todos os meios de comunicação. Art. 25 - Os serviços públicos de saúde deverão identificar e controlar as condições ambientais e organizacionais relacionadas com a ocorrência de sofrimento mental nos locais de trabalho, especialmente mediante ações referentes à vigilância sanitária e epidemiológica.

Art. 26 - O estabelecimento de saúde responsável pelo atendimento a portador de sofrimento mental afixará cópia desta lei em local de destaque, visível aos usuários dos serviços. (Artigo com redação dada pelo art. 9º da Lei nº 12684, de 1/12/1997.)

Art. 27 - O cumprimento desta lei cabe a todos os estabelecimentos públicos ou privados, bem como aos profissionais que exerçam atividade autônoma que se caracterize pelo tratamento de pessoas portadoras de sofrimento mental, ou àqueles que, de alguma forma, estejam ligados à sua prevenção e ao tratamento ou à reabilitação dessas pessoas.

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Art. 28 - O descumprimento desta lei, consideradas a gravidade da infração e a natureza jurídica do infrator, sujeitará os profissionais e os estabelecimentos de saúde às seguintes penalidades, sem prejuízo das demais sanções previstas na Lei Federal nº 6.437, de 20 de agosto de 1977: I - advertência; II - inquérito administrativo; III - suspensão do pagamento dos serviços prestados; IV - aplicação de multas no valor de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos; V - cassação da licença e do alvará de funcionamento.

Art. 29 - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 120 (cento e vinte) dias.

Art. 30 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 31 - Revogam-se as disposições em contrário.

Dada no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 18 de janeiro de 1995.

Eduardo Azeredo - Governador do Estado

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ANEXO C – PAUTA DA REUNIÃO DO FÓRUM MINEIRO DE SAÚDE MENTAL

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