Marx Karl Para a Critica Da Filosofia Do Direito de Hegel

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    PARA A CRTICA DA

    FILOSOFIA DO DIREITODE HEGEL

    Karl MARX

    Tradutor:Artur Moro

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    Apresentao

    Escrito entre o Outono de 1843 e Janeiro de 1844, o ensaio Zur

    Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie[Para a crtica da filosofiado direito de Hegel] foi publicado neste mesmo ano nos Deutsch-Franzsische Jahrbcher[Anais franco-alemes], editados por KarlMarx e Arnold Ruge em Paris.

    De certo modo, o grmen da filosofia marxiana est j presentenestas fulminantes pginas do jovem filsofo; mas sente-se ainda aausncia de uma anlise factual das situaes concretas; em com-pensao surge j bem delineado o conceito de alienao, aquiaplicado compreenso da religio que Marx foi buscar a L. Feu-erbach, e que entretanto tambm j aplicara ao mundo do trabalhonos Manuscritos econmico-filosficos.

    Assomam igualmente alguns rasgos tpicos do seu estilo: o usode metforas fortes, o gosto da retoro das frases para realar ocontraste das ideias, a anttese iluminadora, o recurso anforapara fazer repercutir a premncia do argumento, o discurso em ca-tadupa para acentuar a denncia das contradies, o expediente dosparalelismos para fornecer um recorte mais incisivo dos contrastesentre posies antagnicas. Acima de tudo, o fogo interior, a pai-xo quase proftica e, por vezes, o tom oracular, que nunca desa-parecer de todo da escrita de Marx e se manifestar tambm no

    Manifesto do partido comunista.

    Da religio no se falar muito mais na sua obra restante, poisele considera que a crtica relativa mesma j est realizada comose afirma logo no incio deste ensaio. Mas frisa-se a sua funocomo expresso da misria social, como protesto, como consola-o embora ilusria, como uma inverso do comprometimento realna vida concreta. Curioso que, no final deste to interessante

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    escrito, de modo contraditrio e algo fantasmtico, Marx aplique(sem o nomear) classe trabalhadora o esquema isaiano do Servosofredor (Is 53). Jamais bastante a lucidez intelectual, porqueMarx tambm , em parte, responsvel por um dos grandes mitosda ltima modernidade: a omnipotncia do poltico uma espe-rana que jaz hoje desfeita em cacos, aps as experincias tenebro-sas do sculo XX.

    Mais importante o tema da prxis, que aqui comea a apare-

    cer. Expressa-se na doutrina que reala o vnculo essencial e indi-rimvel entre a teoria e as outras prticas e funes sociais, entrea postura crente ou filosfica e a poltica; e que leva igualmente profunda sugesto de que todo o pensamento (mesmo o mais n-timo) tem algo de poltico, devido s suas consequncias e ao seupoder configurador da existncia humana, na qual se no pode nemdeve admitir uma cesura plena entre theoria e prxis. Na esteira deFeuerbach, sublinha-se aqui o ncleo antropolgico da teologia eda f religiosa; por isso, ao jeito marxiano e devido a uma certaironia que habita todo o pensamento poderia talvez retorcer-seo discurso e afirmar que, no fundo do praticismo ocidental e dosmarxismos que partiram de Marx, decididamente profanos, deam-bulam ainda espectros teolgicos!

    Concluso: o texto presente para todos, crentes, ateus ou ag-nsticos! Antema imitemos o tom do filsofo! para quem,displicentemente, o tente ou pretenda ignorar!

    Artur Moro

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    Para a Crtica daFilosofia do Direito de Hegel

    Karl MARX

    I N T R O D U O

    No caso da Alemanha, a crtica da religio foi em grande partecompletada; e a crtica da religio o pressuposto de toda a crtica.

    A existncia profana do erro est comprometida, depois que asua celestial oratio pro aris et focis foi refutada. O homem, que na

    realidade fantstica do cu, onde procurara um ser sobre-humano,encontrou apenas o seu prprio reflexo, j no ser tentado a encon-trar a aparncia de si mesmo um ser no humano onde procurae deve buscar a sua autntica realidade.

    este o fundamento da crtica irreligiosa: o homem faz a reli-gio; a religio no faz o homem. E a religio , de facto, a auto-conscincia e o sentimento de si do homem, que ou ainda no seconquistou ou voltou a perder-se. Mas o homem no um ser abs-tracto, acocorado fora do mundo. O homem o mundo do homem,o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a

    religio, uma conscincia invertida do mundo, porque eles so ummundo invertido. A religio a teoria geral deste mundo, o seuresumo enciclopdico, a sua lgica em forma popular, o seu pointdhonneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sano moral, oseu complemento solene, a sua base geral de consolao e de jus-tificao. a realizao fantasmal da essncia humana, porque a

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    essncia humana no possui verdadeira realidade. Por conseguinte,a luta contra a religio indirectamente a luta contra aquele mundocujo aroma espiritual a religio.

    A misria religiosa , ao mesmo tempo, a expresso da misriareal e o protesto contra a misria real. A religio o suspiro dacriatura oprimida, o mago de um mundo sem corao e a alma desituaes sem alma. o pio do povo.

    A abolio da religio enquanto felicidade ilusria dos homens

    a exigncia da sua felicidade real. O apelo para que eles deixemas iluses a respeito da sua situao o apelo para abandonaremuma situao que precisa de iluses. A crtica da religio , pois,em germe a crtica do vale de lgrimas de que a religio a au-rola. A crtica colheu nas cadeias as flores imaginrias, no paraque o homem suporte as cadeias sem fantasia ou sem consolao,mas para que lance fora as cadeias e colha a flor viva. A crtica dareligio liberta o homem da iluso, de modo que ele pense, actue econfigure a sua realidade como homem que perdeu as iluses e re-cuperou o entendimento, a fim de que ele gire volta de si mesmoe, assim, volta do seu verdadeiro sol. A religio apenas o solilusrio que gira volta do homem enquanto ele no gira voltade si mesmo.

    Por isso, a tarefa da histria, depois que o alm da verdade sedesvaneceu, estabelecer a verdade do aqum1. A imediata tarefada filosofia, que est ao servio da histria, desmascarar a auto-alienao humana nas suas formas no sagradas, agora que ela foidesmascarada na sua forma sagrada. A crtica do cu transforma-se deste modo em crtica da terra, a crtica da religio em crticado direito, a crtica da teologia em crtica da poltica.

    A seguinte exposio2 um contributo para semelhante empre-

    endimento no se ocupa directamente do original, mas de uma1A contraposio aqui entre alm aqum, isto , entre o outro mundo

    e este mundo, como pressuposto na viso religiosa, sobretudo judeocrist objecto da crtica marxiana.

    2Aluso de Marx ao seu projecto de um escrito crtico da Filosofia do Direitode Hegel, a que estas pginas serviriam de introduo.

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    cpia, a filosofia alem do Estado e do direito, pela simples razode versar sobre a Alemanha.

    Se se pretendesse comear pelo prprio status quo na Alema-nha, mesmo da maneira mais adequada, isto , negativamente, oresultado seria ainda um anacronismo. A prpria negao do nossopresente poltico j um facto poeirento na arrecadao histricados povos modernos. Posso negar as perucas empoadas, mas ficoainda com perucas desempoadas. Se nego a situao alem de 1843

    dificilmente chego, segundo a cronologia francesa, ao ano de 1789,e ainda menos ao centro vital do perodo actual.A histria alem orgulha-se, de facto, de um movimento que

    nenhuma outra nao antes realizou ou vir alguma vez a imitar nofirmamento histrico. Participmos nas restauraes de povos mo-dernos, sem termos tomado parte nas suas revolues. Fomos res-taurados, primeiro, porque houve naes que ousaram fazer revo-lues e, em segundo lugar, porque outras naes sofreram contra-revolues; no primeiro caso, porque os nossos governantes tive-ram medo e, no segundo, porque nada recearam. Ns, com osnossos pastores frente, s uma vez nos encontrmos na sociedadeda liberdade, no dia do seu enterro.

    Uma escola que legitima a infmia de hoje pela infmia de on-tem, uma escola que considera todo o grito do servo sob o ltegocomo grito de rebelio, desde que o ltego se tornou um ltegovenervel pela idade, ancestral e histrico, uma escola qual a his-tria, como o Deus de Israel ao seu servo Moiss, s mostra o seua posteriori, a Escola histrica do direito3, teria, pois, inventado ahistria alem, se ela no fosse realmente uma inveno da histria

    3O corifeu da Escola histrica foi F. K. von Savigny (1719-1861), sobretudocom o seu programa expresso no livro Vom Beruf unserer Zeit fr Gesetzgebungund Rechtswissenschaft(Da vocao da nossa poca para a legislao e a juris-prudncia), Heidelberg, 1814. Marx assistiu s suas lies na Universidade deBerlim em 1836-7; atraram-no mais, porm, as lies de Eduard Gans (1798-1839), hegeliano liberal influenciado por Saint-Simon que, no seu ensino e nosseus escritos, realava o papel da razo na evoluo do direito, alm de ser oprincipal opositor de Savigny em Berlim.

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    alem. Um Shylock, mas um Shylock servil, que jura por cada li-bra de carne cortada do corao do povo, pela sua cauo, pela suacauo histrica, pela sua cauo germano-crist.

    Em contrapartida, entusiastas bonacheires, chauvinistas ale-mes pelo sangue e liberais esclarecidos por reflexo, buscam anossa histria de liberdade para l da nossa histria, nas primitivasflorestas teutnicas. Mas qual a diferena da histria da nossa li-berdade em relao histria da liberdade do javali selvagem, se

    apenas se encontrar nas florestas? Alm disso, como sabido: oque na floresta se grita, a floresta o ecoa. Por isso, paz s primitivasflorestas teutnicas!

    Guerra situao na Alemanha! Sem dvida! Semelhante si-tuao est abaixo do nvel da histria, abaixo de toda a crtica;mas continua a ser um objecto da crtica, tal como o cristianismo,que est abaixo do nvel da humanidade, continua a ser objecto docarrasco. Na luta contra esta situao, a crtica no uma paixoda cabea, mas a cabea da paixo. No um bisturi anatmico,mas uma arma. O seu alvo no um inimigo que ela procura re-futar, mas destruir. Pois o esprito de tal situao j foi refutado.No em si e por si um objecto digno do nosso pensamento; uma existncia to desprezvel como desprezada. A crtica j nonecessita da ulterior elucidao do seu objecto, porque j chegoua um acordo. A crtica j no fim em si, mas apenas um meio; aindignao o seu pathos essencial, e a denncia a sua principaltarefa. Trata-se de descrever a presso sufocante que as diferentesesferas sociais exercem umas sobre as outras, o mau humor univer-sal, mas passivo, a estreiteza de esprito complacente, mas que seilude a si prpria; incorporada num sistema de governo que vivepela conservao da indigncia e que a prpria indigncia no go-

    verno.Que espectculo! A sociedade encontra-se infinitamente di-

    vidida nas mais diversas raas, que se defrontam umas s outrascom suas mesquinhas antipatias, m conscincia e grosseira medi-ocridade; e que precisamente por causa da sua situao ambgua e

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    suspeitosa, so tratadas sem distino, embora de modos diferen-tes, como existncias apenas toleradas pelos senhores. E vem-seforadas a reconhecer e a admitir o facto de serem dominadas, go-vernadas e possudas como uma concesso do cu! Do outro ladoencontram-se os prprios governantes, cuja grandeza est numa re-lao inversa ao seu nmero!

    A crtica que se ocupa deste assunto a crtica num combatecorpo a corpo; e semelhante combate no oferece vantagem para

    saber se o adversrio da mesma categoria, se nobre ou interes-sante o que conta atingi-lo. Trata-se de recusar aos Alemesum instante sequer de iluso e de resignao. A presso deve aindatornar-se mais urgente pelo facto de se despertar a conscincia dela,e a ignomnia tem ainda de se tornar mais ignominiosa pelo factode se trazer luz pblica. Cada esfera da sociedade alem devedescrever-se como a partie honteuse da sociedade alem; e es-tas condies sociais petrificadas tm de ser compelidas dana,fazendo-lhes ouvir o canto da sua prpria melodia! O povo deveaprender a aterrar-se de si mesmo, de modo a ganhar coragem.Satisfazer-se- assim uma imperiosa necessidade da nao alem,e as necessidades dos povos so justamente as causas finais da suasatisfao.

    Mesmo a respeito das naes modernas, a luta contra o teorlimitado do status quo alemo no carece de interesse; para o ale-mo, o status quo constitui a evidente consumao do ancien r-gime e o ancien rgime a imperfeio oculta do Estado moderno.A luta contra o presente poltico dos Alemes a luta contra opassado dos povos modernos, que ainda se vem continuamenteimportunados pelas reminiscncias do seu passado. Para as na-es modernas, instrutivo ver o ancien rgime, que na sua hist-

    ria representou uma tragdia, desempenhar um papel cmico comoespectro alemo. A sua histria foi trgica, porque era o poderpreexistente do mundo, ao passo que a liberdade era uma fantasiapessoal; numa palavra, enquanto acreditou e tinha de acreditar nasua prpria legitimidade. Enquanto o ancien rgime, como ordem

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    do mundo existente, lutou contra um mundo que estava precisa-mente a emergir, houve da sua parte um erro histrico, mas no umerro pessoal. O seu declnio, portanto, foi trgico.

    Em contrapartida, o actual regime alemo, que um anacro-nismo, uma flagrante contradio em face de axiomas universal-mente aceites a nulidade do ancien rgime revelada a todo omundo -, supe apenas que acredita em si e pede a todo o mundopara compartilhar a sua iluso. Se acreditasse na sua prpria natu-

    reza, tentaria ele ocult-la sob a aparncia de uma natureza estra-nha e buscar a salvao na hipocrisia e num sofisma? O modernoancien rgime apenas o comediante de uma ordem do mundo cu-jos heris reais j esto mortos. A histria slida e passa pormuitas fases, ao levar uma formao antiga ao sepulcro. A ltimafase de uma formao histrico-mundana a comdia. Os deusesgregos, j mortalmente feridos na tragdia de squilo, Prometeu

    Agrilhoado, tiveram de suportar uma segunda morte, uma mortecmica, nos dilogos de Luciano. Porque tem a histria este curso?Para que a humanidade se separe alegremente do seu passado. Rei-vindicamos este rejubilante destino histrico aos poderes polticosda Alemanha.

    Mas logo que a crtica se ocupa da moderna realidade social epoltica, logo que a crtica se eleva assim aos autnticos problemashumanos, tem ou de sair do status quo alemo ou de apreendero seu objecto sob o seu objecto. Um exemplo! A relao da in-dstria, do mundo da riqueza em geral, ao mundo poltico, umdos problemas fundamentais da idade moderna. De que maneiracomea este problema a preocupar os Alemes? Sob a forma detarifas proteccionistas, do sistema de proibio, da economia po-ltica. O chauvinismo alemo passou dos homens para a matria,

    de modo que um belo dia os nossos cavaleiros do algodo e herisdo ferro se viram metamorfoseados em patriotas. A soberania domonoplio na Alemanha comeou a ser reconhecida desde que secomeou a atribuir-lhe a soberania em relao ao exterior. Porconseguinte, na Alemanha, comea-se por aquilo que na Frana e

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    na Inglaterra j chegou ao fim. A ordem antiga e podre, contra aqual estas naes se revoltam teoricamente e que apenas suportamcomo cadeias, saudada na Alemanha como a aurora de um futuroglorioso que, at agora, a custo ousa mover-se de uma teoria as-tuta4para uma prtica implacvel. Enquanto na Frana e na Ingla-terra o problema se pe assim: economia poltica ou o domnio dasociedade sobre a riqueza, na Alemanha apresenta-se deste modo:economia nacional ou domnio da propriedade privada sobre a na-

    cionalidade. Portanto, na Inglaterra e na Frana trata-se de aboliro monoplio, que se desenvolveu at s ltimas consequncias, aopasso que na Alemanha se trata de caminhar para as consequnciasfinais do monoplio. Alm, trata-se de uma soluo; aqui, trata-seapenas de uma coliso. um exemplo suficiente da forma alemdos problemas modernos, um exemplo de como a nossa histria,tal como um recruta principiante, s teve, at agora, de fazer exer-ccios adicionais em assuntos histricos velhos e banais.

    Se a totalidade do desenvolvimento alemo no fosse alm daevoluo poltica alem, seria impossvel que um alemo tivessemais interesse nos problemas contemporneos do que um russo. Seo indivduo singular no coarctado pelas barreiras da nao, aindamenos a nao ser libertada atravs da libertao de um indivduo.O facto de um cita ter sido um dos filsofos gregos 5 no capacitouos Citas para dar sequer um passo em direco cultura grega.

    Felizmente, ns, Alemes, no somos citas.Assim como os povos do mundo antigo viveram a sua pr-

    histria na imaginao, na mitologia, assim ns, Alemes, vivemos

    4Em alemo, listigen; Marx faz aqui um trocadilho com o nome de FriedrichList (1789-1846), o apstolo do capitalismo industrial numa forma nacionalistae proteccionista, que em 1840 publicou o influente livro Das nationale System

    der politischen konomie.5Ancarsis, cita do sc. VI a. C., que viajou muito e ter sido embaixa-

    dor do seu povo. Este, depois, livrou-se dele, assassinando-o, talvez por causada sua adeso aos costumes gregos. Ter tido contactos com Slon e so-lheatribudos vrios aforismos. Os Cnicos viram nele um nobre selvagem, quecontrapunham aos cultos e degenerados Helnicos.

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    a nossa ps-histria no pensamento, na filosofia. Somos os con-temporneos filosficos da actualidade, sem sermos os seus con-temporneos histricos. A filosofia alem constitui o prolonga-mento ideal da histria alem. Por isso, ao criticarmos, em vez dasoeuvres incompltes da nossa histria real, as oeuvres posthumesda nossa histria ideal, a filosofia, a nossa crtica est no centrodos problemas acerca dos quais a poca actual afirma: that is thequestion. O que nos povos mais avanados constitui uma ruptura

    prtica com as modernas condies polticas , na Alemanha, ondeestas condies ainda no existem, um corte crtico com o reflexofilosfico destas condies.

    A filosofia alem do direito e do Estado a nica histria alemque est al pari com a poca moderna oficial. O povo alemo v-se, pois, obrigado a ligar a sua histria onrica com as condiesexistentes e a sujeitar crtica no s estas condies existentes,mas tambm a sua continuao abstracta. O seu futuro no poderestringir-se, nem negao directa das suas circunstncias jurdi-cas e polticas reais, nem imediata realizao das suas circunstn-cias jurdicas e polticas ideais, pois que a negao directa das suascircunstncias reais j existe nas circunstncias ideais, enquantoela quase sobreviveu realizao das suas circunstncias ideais nacontemplao dos povos vizinhos. com razo, pois, que o par-tido poltico prtico na Alemanha exige a negao da filosofia. Oseu erro no consiste em formular tal exigncia, mas em limitar-sea uma exigncia que ele no leva, nem pode levar a cabo. Cr que capaz de realizar esta negao voltando as costas filosofia, decabea virada par outro lado murmurando umas quantas frasestriviais e mal-humoradas. Devido sua tacanha maneira de ver,no considera a filosofia como parte da realidade alem e consi-

    dera at a filosofia como abaixo do nvel da vida prtica alem edas teorias que a servem. Como ponto de partida exige-se o realgerme de vida, mas esquece-se de que o real germe de vida do povoalemo s nasceu, at agora, no seu crnio. Em suma, impossvelabolir a filosofia sem a realizar.

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    O mesmo erro foi cometido, mas em sentido oposto, pela fac-o terica que se originou na filosofia. Na presente luta, estafaco viu apenas o combate crtico da filosofia contra o mundoalemo; no considerou que tambm a anterior filosofia pertencea este mundo e constitui o seu complemento, embora seja apenasum complemento ideal. Crtica no que respeita sua contraparte, acrtica em relao a si prpria. Tomou como ponto de partidaos pressupostos da filosofia; e ou aceitou as concluses a que a

    filosofia chegara, ou apresentou como exigncias e concluses fi-losficas imediatas exigncias e concluses que derivou de qual-quer outro campo. Mas estas supondo que so legtimas spodem obter-se mediante a negao da filosofia anterior, isto , dafilosofa enquanto filosofia. Fornecemos, frente, uma descriomais pormenorizada desta faco. O seu principal defeito poderesumir-se assim: pensou que poderia realizar a filosofia, sem aabolir. A crtica da filosofia alem do direito e do Estado, queteve a mais lgica, profunda e completa expresso em Hegel, surgeao mesmo tempo como a anlise crtica do Estado moderno e darealidade a ele associada e como a negao definitiva de todas asanteriores formas de conscincia na jurisprudncia e na polticaalem, cuja expresso mais distinta e mais geral, elevada a cincia, precisamente a filosofia especulativa do direito. S na Alema-nha era possvel a filosofa especulativa do direito, este pensamentoextravagante e abstracto acerca do Estado moderno, cuja realidadepermanece no alm, mesmo se este alm fica apenas no outro ladodo Reno; o representante alemo do Estado moderno, pelo contr-rio, que no toma em linha de conta o homem real, s foi possvelporque e na medida em que o prprio Estado moderno abstrai dohomem real ou unicamente satisfaz o homem total de maneira ilu-

    sria. Em poltica, os Alemes pensaram o que os outros povosfizeram. A Alemanha foi a sua conscincia terica. A abstracoe a presuno do seu pensamento ia a passo com o carcter unila-teral e atrofiado da sua realidade. Se, pois, o status quo do sistema

    poltico alemo exprime a consumao do ancien rgime, o cum-

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    primento do espinho na carne do Estado moderno, o status quo dacincia poltica alem exprime a imperfeio do Estado modernoem si, a degenerescncia da sua carne.

    J como adversrio decidido da anterior forma de conscinciapoltica alem, a crtica da filosofia especulativa do direito se noperde em si mesma, mas mergulha em tarefas que s podem serresolvidas por um nico meio: a prxis.

    Surge ento a questo: pode a Alemanha chegar a uma prxis

    la hauteur des principes, quer dizer, uma revoluo que a elevarno s ao nvel oficial dos povos modernos, mas ao nvel humano,que ser o futuro imediato destes povos?

    A arma da crtica no pode decerto substituir a crtica das ar-mas; a fora material s ser derrubada pela fora material; mas ateoria em si torna-se tambm uma fora material quando se apo-dera das massas. A teoria capaz de se apossar das massas aodemonstrar-se ad hominem, e demonstra-se ad hominem logo quese torna radical. Ser radical agarrar as coisas pela raiz. Mas, parao homem, a raz o prprio homem. O que demonstra, fora de todaa dvida, o radicalismo da teoria alem, e deste modo a sua ener-ga prtica, o facto de comear pela decidida abolio positivada religio. A crtica da religio termina com a doutrina de que ohomem para o homem o ser supremo. Termina, por conseguinte,com o imperativo categrico de derrubar todas as condies emque o homem surge como um ser humilhado, escravizado, abando-nado, desprezvel condies que dificilmente se exprimiro me-lhor do que na exclamao de um francs, por altura da propostade imposto sobre ces: Pobres ces! J vos querem tratar comohomens!

    Mesmo do ponto de vista histrico, a emancipao terica pos-

    sui uma importncia especificamente prtica para a Alemanha. Defacto, o passado revolucionrio da Alemanha terico a Re-

    forma. Assim como a revoluo surgiu ento no crebro de ummonge, assim comea hoje no crebro do filsofo. Lutero venceu,sem dvida, a servido pela devoo, mas porque ps no seu lu-

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    gar a escravido mediante a convico. Abalou a f na autoridade,porque restaurou a autoridade da f. Transformou os padres emleigos, mudando os leigos em padres. Libertou o homem da reli-giosidade exterior, fazendo da religiosidade a essncia mais ntimado homem. Libertou o corpo das suas cadeias, porque com cadeiasacorrentou o corao.

    Mas, embora o protestantismo no fosse a verdadeira soluo,ps pelo menos o problema de modo correcto. J no se tratava,

    pois, da luta do leigo com o padre fora dele, mas da luta contrao seu prprio padre interior, contra a sua natureza sacerdotal. Ese a metamorfose protestante dos leigos alemes em padres eman-cipou os papas-leigos os prncipes, juntamente com o clero, osprivilegiados e os filisteus -, a metamorfose filosfica dos alemeseclesisticos em homens emancipar o povo. Mas, assim como aemancipao se no confinar aos prncipes, tambm a seculariza-o dos bens se no restringir confiscao da propriedade da

    Igreja, que foi sobretudo praticada pela hipcrita Prssa. Nessetempo, a Guerra dos Camponeses, o mais radical acontecimentona histria alem, malogrou-se por causa da teologia. Hoje, quea teologia sofreu um desastre, o fenmeno menos independente nahistria alem o nosso status quo ser abalado pela filosofia. Navspera da Reforma, a Alemanha oficial era a mais incondicionalservidora de Roma. Na vspera da sua revoluo, a Alemanha incondicional servidora dos que so inferiores a Roma: da Prssiae da ustria, de fidalgos mesquinhos e de filisteus. Parece, porm,que uma revoluo radical na Alemanha ir embater numa grandedificuldade.

    As revolues precisam de um elemento passivo, de uma basematerial. A teoria s se realiza num povo na medida em que for a

    realizao das suas necessidades. Corresponder monstruosa dis-crepncia entre as exigncias do pensamento alemo e as respostasda realidade alem uma discrepncia semelhante entre a sociedadecivil e o Estado, no interior da prpria sociedade civil? Sero as ne-cessidades tericas directamente necessidades prticas? No basta

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    que o pensamento instigue a realizar-se; a realidade deve igual-mente compelir ao pensamento.

    Mas a Alemanha no atravessou ao mesmo tempo que os po-vos modernos o estdio intermdio da emancipao poltica. Noatingiu ainda na prtica os estdios que j ultrapassou na teoria.Como poderia a Alemanha, em salto mortale, superar no s assuas prprias barreiras, mas tambm as dos povos modernos, isto, as barreiras que na realidade tem de experimentar e atingir como

    uma emancipao das suas prprias barreiras reais? Uma revolu-o radical s pode ser a revoluo de necessidades reais, para aqual parecem faltar os pressupostos e o campo de cultivo.

    Mas se a Alemanha acompanhou a evoluo dos povos moder-nos apenas atravs da actividade abstracta do pensamento, sem to-mar parte activa nas lutas reais desta evoluo, experimentou tam-bm as dores deste desenvolvimento sem participar nos seus pra-zeres e nas suas parciais satisfaes. A actividade abstracta, porum lado, tem a sua contrapartida no sofrimento abstracto, por ou-tro. E um belo dia, o alemo encontrar-se- ao nvel da decadnciaeuropeia, antes de alguma vez ter atingido o nvel da emancipaoeuropeia. Ser comparvel a um feiticista que sofre das doenas docristianismo.

    Se, antes de mais, se examinarem os governos alemes, descobrir-se- que as condies do tempo, a situao da Alemanha, o pontode vista da cultura alem e, por ltimo, o seu prprio instinto afor-tunado, tudo os impele a combinar as deficincias civilizadas domundo poltico moderno, de cujas vantagens no desfrutamos, comas deficincias brbaras do ancien regime, de que frumos na quan-tidade devida; assim a Alemanha tem de participar cada vez mais,se no na sensatez, pelo menos na insensatez dos sistemas polticos

    que ultrapassam o seu status quo. Haver, por exemplo, algum pasem todo o mundo que, como a chamada Alemanha constitucional,participe de todas as iluses do regime constitucional, sem ter partenas suas realidades? E no ter sido, por necessidade, um governoalemo que teve a ideia de combinar os tormentos franceses de Se-

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    tembro 6, que pressupem a liberdade de Imprensa? Assim comoos deuses de todas as naes se encontravam no Panteo romano,tambm os pecados de todas as formas de Estado se encontrarono Sacro Imprio Romano Germnico. Que semelhante eclectismoatingir um grau sem precedentes garantido sobretudo pela gluto-naria poltico-esttica de um rei alemo, que decide desempenhartodas as funes da realeza feudal ou burocrtica, absoluta ouconstitucional, autocrtica ou democrtica -, se no na pessoa do

    povo, pelo menos na sua prpria pessoa, e se no para o povo,ao menos para si mesmo 7. A Alemanha, como deficincia da ac-tual poltica constituda em sistema, no ser capaz de demolir asbarreiras alems especficas, sem demolir as barreiras gerais da po-ltica actual.

    O sonho utpico da Alemanha no a revoluo radical, aemancipao humana universal, mas a revoluo parcial, mera-mente poltica, que deixa de p os pilares do edifcio. Qual a basede uma revoluo parcial, meramente poltica? Apenas esta: umaseco da sociedade civil emancipa-se e alcana o domnio univer-sal: uma determinada classe empreende, a partir da sua situao

    particular, uma emancipao geral da situao. Tal classe eman-cipa a sociedade como um todo, mas s no caso de a totalidadeda sociedade se encontrar na mesma situao que esta classe; porexemplo, se possuir ou facilmente puder adquirir dinheiro ou cul-tura. Nenhuma classe da sociedade civil pode desempenhar estepapel a no ser que consiga despertar, em si e nas massas, um mo-mento de entusiasmo em que se associe e misture com a sociedadeem liberdade, se identifique com ela e seja sentida e reconhecidacomo o representante geral da referida sociedade; os seus objec-tivos e interesses devem verdadeiramente ser os objectivos e os

    interesses da prpria sociedade, da qual se torna de facto a cabea6As leis de Setembro de 1835, que aumentaram as garantias financeiras exi-

    gidas pelos editores de jornais e introduziram sanes mais pesadas para as pu-blicaes subversivas.

    7Aluso a Frederico Guilherme IV.

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    e o corao social. S em nome dos interesses gerais da sociedade que uma classe particular pode reivindicar a supremacia geral.Para alcanar esta posio libertadora e a direco poltica de to-das as esferas da sociedade, no bastam a energia e a conscinciarevolucionrias. Para que a revoluo de um povo e a emancipa-o de uma classe particular da sociedade civil coincidam, paraque uma classe represente o todo da sociedade, outra classe temde concentrar em si todos os males da sociedade, uma classe par-

    ticular deve encarnar e representar um obstculo e uma limitaogeral. Uma esfera social particular ter de surgir como o crimenotrio de toda a sociedade, a fim de que a emancipao de seme-lhante esfera surja como uma emancipao geral. Para que umaclasse seja classe libertadora par excellence, necessrio que outraclasse se revele abertamente como a classe opressora. O signifi-cado negativo e universal da nobreza e do clero francs suscitou osignificado positivo e geral da burguesia, a classe que junto delesse encontrava e que a eles se ops.

    Mas, na Alemanha, todas as classes carecem da lgica, do ri-gor, da coragem e da inconsiderao que delas fariam o represen-tante negativo da sociedade. Mais: falta ainda em todas as classesa grandeza de alma que, por um momento apenas, as identificariacom a alma popular; a genialidade que instiga a fora material aopoder poltico, a audcia revolucionria que arremessa ao adver-srio a frase provocadora: Nada sou e tudo serei. A essncia damoralidade e da honra alems, tanto dos indivduos como das clas-ses, um egosmo modesto que ostenta e deixa imperar contra sia sua prpria mesquinhez. A relao entre as diferentes esferas dasociedade alem no , portanto, dramtica, mas pica. Cada umadestas esferas comea por saber de si e por se estabelecer ao lado

    das outras, no a partir do momento em que oprimida, mas desdeo momento em que as condies da poca, sem qualquer acoda sua parte, originam uma nova esfera que ela, por sua vez, podeoprimir. Mesmo o sentimento de si moral da classe mdia alem stem por base a conscincia de ser o representante da mediocridade

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    mesquinha e limitada de toda as outras classes. Por conseguinte,no so apenas os reis alemes que sobem ao trono mal propos.Cada esfera da sociedade civil sofre uma derrota antes de alcan-ar a vitria; levanta a sua prpria barreira, antes de ter destrudoa barreira que se lhe ope; exige a estreiteza das suas vistas, antesde ostentar a sua generosidade; assim, todas as oportunidades dedesempenhar um papel importante desapareceram antes de propri-amente terem existido, e cada classe, no preciso momento em que

    inicia a luta contra a classe superior, fica envolvida numa luta con-tra a classe inferior. Por esta razo, os prncipes encontram-se emconflito com o monarca, a burocracia com a nobreza, a burguesiacom todos eles, enquanto o proletariado j est a encetar a luta coma burguesia. A classe mdia dificilmente ousa conceber a ideia daemancipao a partir do seu ponto de vista, antes da evoluo dascondies sociais, e o progresso da teora poltica mostra que esteponto de vista j se encontra antiquado ou , pelo menos, proble-mtico.

    Na Frana, basta ser qualquer coisa para desejar ser tudo. NaAlemanha, ningum tem o direito de ser qualquer coisa, sem a tudorenunciar. Na Frana, a emancipao parcial o fundamento paraa emancipao total. Na Alemanha, a emancipao total consti-tui uma conditio sine qua non para qualquer emancipao parcial.Na Frana, a realidade, na Alemanha a impossibilidade de umaemancipao progressiva, que deve dar origem completa liber-dade. Na Frana, toda a classe do povo politicamente idealista ese considera, antes de mais, no como classe particular, mas comorepresentante das necessidades gerais da sociedade. Por conse-guinte, o papel de libertadorpode passar sucessivamente num mo-vimento dramtico para as diferentes classes do povo francs at

    que, por fim, alcana a classe que realiza a liberdade social; noj pressupondo certas condies externas ao homem, criadas toda-via pela sociedade humana, mas organizando todas as condies daexistncia humana sob o pressuposto da liberdade social. Na Ale-manha, pelo contrrio, onde a vida prtica to pouco intelectual

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    quanto a vida intelectual prtica, nenhuma classe da sociedadecivil sente a necessidade, ou tem a capacidade, de conseguir umaemancipao geral, at que a isso forada pela situao imediata,pela necessidade material e pelas prprias cadeias. Onde existeento, na Alemanha, a possibilidade positiva de emancipao?

    Resposta: Na formao de uma classe que tenha cadeias ra-dicais, de uma classe na sociedade civil que no seja uma classeda sociedade civil, de uma classe que seja a dissoluo de todas

    as classes, de uma esfera que possua carcter universal porque osseus sofrimentos so universais, e que no exige uma reparaoparticularporque o mal que lhe feito no um mal particular,mas o mal em geral, que j no possa exigir um ttulo histrico,mas apenas o ttulo humano; de uma esfera que no se oponhaa consequncias particulares, mas que se oponha totalmente aospressupostos do sistema poltico alemo; por fim, de uma esferaque no se pode emancipar a si mesma nem emancipar-se de todasas outras esferas da sociedade sem as emancipar a todas o que ,em suma, a perda total do homem, portanto, s pode redimir-se asi mesma mediante uma redeno total do homem. A dissoluoda sociedade, como classe particular, o proletariado.

    Na Alemanha, o proletariado est ainda s a comear a formar-se, como resultado do movimento industrial; pois o que constitui oproletariado no a pobreza naturalmente existente, mas a pobrezaartificialmente produzida, no a massa do povo mecanicamenteoprimida pelo peso da sociedade, mas a massa que provm da de-sintegrao aguda da sociedade e, acima de tudo, da desintegraoda classe mdia. Desnecessrio se torna dizer, porm, que os n-meros do proletariado foram tambm engrossados pelas vtimas dapobreza natural e da servido germano-crist. Quando o proletari-

    ado anuncia a dissoluo da ordem social existente apenas declarao mistrio da sua prpria existncia, porque a efectiva dissoluodesta ordem. Quando o proletariado exige a negao da proprie-dade privada, apenas estabelece como princpio da sociedade oque a sociedade j elevara a princpio do proletariado e o que este

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    j involuntariamente encarna enquanto resultado negativo da soci-edade. O proletrio encontra-se assim, em relao ao mundo queest ainda a surgir, no mesmo direito em que o rei alemo est re-lativamente ao mundo j existente, quando chama ao povo o seupovo ou a um cavalo o seu cavalo. Ao declarar o povo como suapropriedade privada, o rei afirma simplesmente que quem detm apropriedade privada rei.

    Assim como a filosofia encontra as armas materiais no pro-

    letariado, assim o proletariado tem as suas armas intelectuais nafilosofia. E logo que o relmpago do pensamento tenha penetradoprofundamente no solo virgem do povo, os Alemes emancipar-se-o e tomar-se-o homens.

    Faamos agora a sntese dos resultados: A emancipao dosAlemes s possvel na prtica, se se adoptar o ponto de vista dateoria, segundo a qual o homem para o homem o ser supremo.Na Alemanha, a emancipao em relao Idade Mdia s pos-svel enquanto emancipao ao mesmo tempo das vitrias parciaissobre a Idade Mdia. Na Alemanha, nenhum tipo de servido serabolido, se toda a servido no for destruda. A Alemanha, que profunda, no pode fazer uma revoluo, sem se revolucionara partir do fundamento. A emancipao do alemo a emanci-

    pao do homem. A filosofia a cabea desta emancipao e oproletariado o seu corao. A filosofia no se pode realizar sem aabrogao do proletariado, o proletariado no se pode abrogar sema realizao da filosofia.

    Quanto se tiverem satisfeito todas as condies internas, anunciar-se- o dia da ressurreio alem com o cantar do galo gauls.

    * * *O texto alemo original est disponvel, entre outros, nos se-

    guintes electro-stios:

    Zur Kritik der Hegelschen RechtsphilosophieKlassikerbibliothek der KPP

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    http://www.mlwerke.de/me/me01/me01_378.htmhttp://kpp.aksios.de/klassiker/marx/mo0014.htmhttp://kpp.aksios.de/klassiker/marx/mo0014.htmhttp://www.mlwerke.de/me/me01/me01_378.htm