A Ayahuasca e o tratamento da dependência

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Revista Mana

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  • MANA 19(3): 529-558, 2013

    *A AYAHUASCA E O TRATAMENTO

    DA DEPENDNCIA

    Marcelo S. Mercante

    Introduo

    Este texto resultado da coleta de dados feita para o projeto de pesquisa de ps-doutorado que teve por objetivo o estudo de trs comunidades no Brasil e uma no Peru que utilizam a ayahuasca para tratar dependncia.1 Vale dizer que, inicialmente, havia sido feita a opo de colocar no ttulo deste projeto as categorias dependncia qumica e alcoolismo. Contudo, percebi ser esta uma redundncia, pois o alcoolismo uma modalidade de dependncia qumica.2Alm disso, outras modalidades de dependncia que no a qumica estavam sendo tratadas nos centros visitados.3

    A bebida psicoativa conhecida com vrios nomes, entre eles ayahuasca, tem como princpios ativos mais importantes as betacarbolinas, oriundas do cip Banisteriopsiscaapi, e a dimetiltriptamina (DMT), oriunda das folhas de Psychotriaviridis. Ambas as substncias atuam no nvel de serotonina no crebro (McKenna 2004, Winkelman 1996).

    A partir de 1930, o uso da ayahuasca influenciou o surgimento de trs sistemas religiosos brasileiros: a Barquinha, o Santo Daime, e a Unio do Vegetal.4A ayahuasca tambm vem sendo utilizada de diversas outras formas, inclusive terapeuticamente (Labate 2004). Uma das caractersticas mais marcantes do efeito do uso desta bebida a presena de vises ou imagens mentais espontneas, denominadas miraes (ver Mercante 2002, 2004, 2006a, 2006b, 2006c, 2010; Shanon2002).

    Um dos fatos que devem ser levados em considerao sobre o atual trabalho que as instituies brasileiras estudadas esto em uma situao legal ambgua. A ayahuasca foi regulamentada em 2010 apenas para o uso religioso, desvinculando a prtica teraputica dos efeitos do ch, baseando eventuais curas em atos de f (GMT 2006:10).5 Assim, o GMT recomen-dou que o uso teraputico do ch ficasse em suspenso at que experimen-taes humanas pudessem ser realizadas para avaliar se este uso seguro. As instituies pesquisadas alegam s empreg-la em suas prticas religiosas.

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    Contudo, tais prticas possuem um efeito teraputico, ainda que este seja atribudo ao ritual.

    Curiosamente, um dos centros pesquisados possui ttulo de Utilidade Pblica conferido pela Cmara Municipal local, e outro est ligado s Se-cretarias de Sade e da Justia de seu estado. Takiwasi uma das poucas comunidades teraputicas no Peru que possuem um reconhecimento legal, expedido pela Direccin Regional de Salud de San Martin (Saldaa & Guirrimn 2008).

    Ao longo do trabalho de campo foram feitas 50 entrevistas, sendo 25 com pacientes e 25 com cuidadores.6 No contexto desta pesquisa, conceitos como terapia e terapeuta, podem ser ampliados. Na Caminho de Luz, nenhum dos cuidadores passou por um treinamento formal. Em Takiwasi, os curanderos ou maestros responsveis por dirigir no apenas os rituais com ayahuasca, mas as outras sesses que envolvem o uso de plantas (ver descrio abaixo) podem ser psiclogos ou no, pois curandeiros, indgenas ou vegetalistas em formao profissional tambm ocupam esta funo. No Cu da Nova Vida e no Cu Sagrado os responsveis por administrar a ayahuasca no possuem formao na rea de sade. Como coloca Calabrese (1997:244):

    o termo terapia [pode ser utilizado] de forma ampla para referir a um tipo

    onipresente de atividade humana, cujas diversas manifestaes do suporte ao

    que chamamos de sade mental. A construo de um significado teraputico

    no derivada somente a partir da interveno consciente de um curandeiro

    especialista. Ela pode ser construda dentro de um modelo cultural ou surgir

    espontaneamente na pessoa.

    Ritual, espiritualidade, religio e religiosidade

    Creio ser importante deixar claro o que quero dizer com religiosidade e espiritualidade. Utilizo o termo ritual como um sinnimo de cerimnia, como um evento ordenado que busca criar um espao para um contato com um universo transcendente identificado por meus informantes como espi-ritual. Segundo Magnani (1999:51):

    pode-se dizer que numa ponta est a religio, sistema institucionalizado de

    crenas e rituais a cargo de um corpo de especialistas; a religiosidade pode ser

    entendida como um estilo peculiar e coletivo de expressar o sentimento reli-

    gioso; enquanto espiritualidade refere-se a uma experincia pessoal expressa

    em formas idiossincrticas individualizadas.

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    Csordas (1994) coloca a origem da religio, sua fonte experiencial, seu cerne fenomenolgico (:164), na tese de que a religio baseada em e elaborada a partir de um senso primordial de alteridade (:164). Assim, na medida em que, para Csordas, a alteridade parte da estrutura de estar- -no-mundo, a religio seria inevitvel, talvez at necessria (:164). Desta forma, haveria um impulso religioso que inevitavelmente se tornaria cul-turalmente elaborado em uma mirade de formas simblicas, institucionais e experienciais (:173).

    Seguindo esta linha de pensamento, no basta fazer uma diferenciao entre espiritualidade, religiosidade e religio. Haveria, talvez, este cerne experiencial de que fala Csordas correndo por baixo destas trs noes. A diferenciao conceitual nestas trs instncias remete, em outro nvel, antiga discusso sobre as diferenas entre magia e religio, entre pblico e privado, entre individual e social. Conceitualmente h sim uma diferena, mas ser que nas experincias com ayahuasca ela existe? Haver, de forma estan-que, tal separao entre o ritual e o foro ntimo da experincia privada?

    Simmel (2010a) coloca que at agora, a religio sobreviveu s religies, tal como uma rvore sobrevive colheita peridica de seus frutos (:11), sendo uma atitude ntima da alma (:11). Simmel (2010b) questiona se as relaes sociais dariam origem religiosidade. Para ele:

    a religiosidade no cria uma esfera transcendente mediante a destilao do esp-

    rito a partir de formas sociais empiricamente existentes, mas ela mesma produz

    uma esfera sociolgica que se reflete de volta sobre a constituio psquica do

    estado religioso ntimo. [...] Neste caso, a relao do estado religioso interior com

    as formaes sociolgicas permeadas por esse estado pois essas formaes

    j pertencem igreja no mais eleva at a esfera transcendente, mas conduz

    para trs e para o interior, para plenas formas psquicas da religio (:70).

    Simmel consegue ento delinear a relao entre a instituio religiosa e a experincia da religio. A experincia leva ao transcendente, enquanto a vivncia da instituio conduz a uma reformulao da psique individual atravs da assimilao dos ditames morais e de conduta apregoados por tal instituio. O tratamento feito com o uso da ayahuasca se coloca ento sobre estes dois pilares: a experincia espiritual como processo vital, proporcionada pelo uso do ch durante os rituais, e a vivncia ntima dos ditames morais e de conduta apregoados pela instituio, mesmo quando esta instituio no religiosa (como em Takiwasi).

    O dependente vive em um universo conflituoso, onde bem e mal se combatem e tentam se anular, onde o prazer buscado de forma contnua,

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    mas se vivencia o mal absoluto que h no mundo. Simmel (2011) coloca que a religiosidade, longe de acabar com essa dualidade, cria uma forma de convivncia entre tais pares de opostos. Assim, o dependente alcana a paz que tanto deseja, no por ter eliminado os opostos. Segundo Simmel:

    toda religiosidade incompleta e dependente das contingncias do destino

    individual se ela se baseia num nico dos seguintes sentimentos: submisso ou

    elevao; esperana ou amargura; desespero ou amor; paixo ou calma. Mesmo

    que um desses sentimentos por fim venha a dominar, a natureza da religiosidade

    dar espao igual a todos esses pares de opostos. Isso no quer dizer que a

    religiosidade, j existente em ns, desencadeie ou acolha esses sentimentos; ao

    contrrio, a religiosidade que faz com que eles normalmente provocados

    pelos contrastes do mundo e de nosso destino agora fluam juntos, como as

    ondas de um rio. Graas religiosidade, essas foras conflitantes apontam para

    a unidade secreta de um sentido mais profundo (2011:32).

    A dualidade original, da qual o dependente no conseguiria escapar e que o empurraria ao consumo desenfreado, vista por Simmel (2011) como o vazio e a indiferena situados entre o reino da claridade e do ideal e o rei-no do pesado e tosco, como uma barreira intransponvel que impossibilita o embate direto entre ambos (:35). O dependente, de acordo com a viso das instituies pesquisadas, estaria preso nesse vazio. L no existe a possi-bilidade de que o que h de melhor em ns encontre apoio e instrumentos para erradicar o mal esse mal est l, simplesmente, e no luta de modo efetivo (:35). A sada que Simmel (2011) indica, ento, a transcendncia atravs da reconciliao com Deus. Curiosamente, esta a experincia que direcionar a adeso ao tratamento de vrios dos pacientes entrevistados.

    Dependncia e seus tratamentos

    Berridge (1994) indica que as noes de adico e dependncia foram descobertas no sculo XIX, ainda que as ideias de embriaguez crnica e habituao s drogas j fossem conhecidas desde o sculo anterior. No sculo XVIII, ainda no era feita uma diferenciao entre o desejo e a vontade de consumir uma substncia psicoativa e, para Berridge, tal distino foi central para a elaborao do conceito de adico. No sculo XIX havia uma conjuno de foras polticas, culturais e sociais que deu hegemonia a esses conceitos (Berridge 1994:17), aliada reivindicao da classe mdica pelo reconhecimento de sua autoridade cientfica.

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    A descoberta da adico, no caso do lcool, se deve a Thomas Trotter (Berridge 1994), com o livro Essay medical, philosophical, and chemical on drunkness, de 1804, no qual dizia que a adico era uma doena que devia ser tratada por mdicos.7 Em relao s drogas, Edward Levinstein (1878), em Morbid craving for morphine, considerava que o morfinismo era uma doena similar dipsomania. George Harley, em Contribution to discussion. Proceedings of the Society for Study the Cure of Inebriety (1884:38), coloca ento que a embriaguez era algo hereditrio, assim como a loucura (Harley apud Berridge 1994).

    Em 1964, a expresso dependncia de drogas passa a ser utilizada, e ela definida como um estado resultante da administrao repetida de uma droga, de modo contnuo ou peridico [...] ela pode ser qumica e, algumas vezes, fsica, sendo a base bioqumica a verdadeira fora propulsora (Berridge 1994:24). Em 1977, a Organizao Mundial da Sade passa a utilizar a ideia de sndrome de dependncia do lcool e de deficincias relacionadas ao lcool (:24). Berridge coloca que tais definies da OMS tinham motivos polticos, visando manter o poder da classe mdica sobre o assunto. Em resposta surgiu a ideia dos problemas relacionados ao lcool (p. 25), tendo como objetivo, de certa forma, abrir espao para tratamentos outros que no os baseados na biomedicina, e o desejo de se encontrarem alternativas de baixo custo para o tratamento mdico hospitalar; o problema implica uma soluo rpida, ao passo que a doena pode ser uma condio permanente (:25).

    Babor faz uma relao de diferentes modelos de estudo da dependncia, que resultam, por sua vez, em distintas prticas de tratamento. O modelo mdico trabalha com a noo de que a dependncia tem uma origem fsica, sendo uma doena, portanto, necessita de tratamento mdico apropriado para que seja controlada. Esta perspectiva h bastante tempo foi popula-rizada por E. M. Jellinek, em The disease concept of alcoholism, de 1960, citado por Heath (1987). Em 1966, a American Medical Association passa a considerar o alcoolismo como uma doena e, em 1988, a adico em dro-gas. Este modelo visa, segundo Babor, chamar a ateno da classe mdica para o problema e influenciar os planos de sade a inclurem este tipo de tratamento nos seus programas.

    Heath (1987) indica ainda que o livro de W. Madsen, The american al-coholic: the narure-nurture controversy in alcoholic research and therapy, de 1973, baseado em uma anlise sociocultural entre os Alcolatras Annimos, teve forte influncia na viso do alcoolismo como uma doena biopsicossocial (ver tambm Campos 2005).

    Os modelos psiquitricos e psicolgicos trabalham com a ideia de que a dependncia uma doena mental, podendo ser o sintoma de

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    algum conflito psicolgico anterior ou um transtorno do comportamento (Babor 1994:42), com nfase no ambiente onde se iniciaria e se manteria a dependncia.

    interessante notar que as instituies que fizeram parte da minha pesquisa possuem estas noes como uma base de seus tratamentos, ainda que haja algumas peculiaridades: Takiwasi, por exemplo, segue de perto a abordagem psicolgica e comportamental, enquanto o Caminho de Luz co-loca a dependncia como o sintoma de um problema de ordem espiritual.

    H ainda as definies cientficas buscando uma abordagem mais operacional, a fim de facilitar a pesquisa experimental e o discurso acad-mico (Babor 1994:47). Segundo Babor, as principais definies deste tipo so aquelas que tm origem na psicologia cognitivo-comportamental e na farmacologia comportamental, sendo uma alternativa aos modelos mdicos, pois evitam traar pressupostos baseados nas bases biolgicas ou psicol-gicas da dependncia. Busca-se aqui focar a ateno no comportamento observvel do dependente (Babor 1994).

    Finalmente, Babor coloca que, por no haver uma nica viso sobre o que dependncia, no h uma nica forma para avaliar as diversas definies que existem neste universo. Assim, segundo este autor, o que existe [...] so perspectivas culturais especficas associadas a teorias sociais de dependncia, cada uma das quais predizendo diferentes tipos de signi-ficado (:52).

    Antes de seguir adiante, porm, vlido indicar que o uso de psicoativos para o tratamento de dependncia no uma prtica recente. Os editores da extinta Psychedelic Review (Editors 1963) apresentam uma reviso de alguns trabalhos sobre o uso de psicoativos para o tratamento de alcoolismo.8 O LSD foi utilizado nestes estudos, feitos segundo uma perspectiva mdica e/ou cientfica.9 O tratamento com LSD seguia basicamente dois sistemas: o psiquedlico, quando eram administradas grandes doses de psicoativos em poucas sesses; e o psicoltico, quando eram fornecidas pequenas doses por um longo perodo de tempo, sendo acompanhado ou no de psicoterapia (Halpern 2007).

    Uma breve reviso da literatura at o momento indicou que diferentes psicoativos vm sendo utilizados como ferramenta para a superao de de-pendncia: a ayahuasca (Cemin et al. 2000; Labate et at. 2010; Labigalini Jr. 1998; McKenna 2004; Moir 1998; Ricciardi 2008; Santos et at. 2006); a maconha Cannabis sativa (Labigalini Jr. & Rodrigues 1997; Labate et al. 2010); o peyote Lophophorawilliansii, cactus mexicano rico em mescalina (Halpern et al. 2005); a iboga Tabernantheiboga, arbusto africano cuja raiz contm ibogaina (Alpert et al. 2007); o LSD (Yensen & Dryer 1999).10

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    Com exceo do LSD, h uma tentativa de mesclar os modelos mdicos/cientficos com um novo modelo, que teria origem fora do contexto ocidental, ainda que a ayahuasca, o peiote e a iboga sejam utilizados por diversos povos originrios para resolver distintos problemas, mas no a dependncia.

    Takiwasi faz uma mescla do modelo psicolgico com a medicina tradicio-nal peruana. Ambos os modelos se confundem, se misturam, gerando prticas e explicaes diferenciadas e nicas. Foi bastante frequente nas entrevistas realizadas em Takiwasi a ideia de que a dependncia um problema menor, fruto de um distrbio de comportamento anterior. Mas tambm so levados em considerao problemas de ordem espiritual explicao que teria origem na medicina tradicional peruana, dando origem a um tratamento que inclui dietas, purgas, saunas, sesses de ayahuasca, em que se visa limpar descarregar os pacientes. Sem tal descarrego espiritual no existe a possibilidade de serem trabalhados os problemas psicolgicos.

    Em outro extremo desta mistura de modelos, temos o Caminho de Luz. Nele o que acontece uma apropriao popular do conhecimento baseado nos modelos mdicos ou psicolgicos. Tal conhecimento ento encaixado e ressignificado dentro de prticas nicas. No Caminho de Luz se entende a dependncia como uma doena espiritual, cuja cura se d atravs do uso do Vegetal.

    Esta nova modalidade de tratamento poderia ser chamada de modelo da ayahuasca, um modelo que faz uma mistura entre os sistemas psique-dlico e psicoltico, pois grandes doses de psicoativos so ministradas por longos perodos de tempo.

    Os Centros de Tratamento pesquisados

    Takiwasi

    Takiwasi foi fundada pelo mdico francs Jacques Mabit, em 1992, em Tarapoto, na Amaznia peruana (ver Bustos 2008; Giove 2000; Mabit 2002, 2006, 2007; Mabit et al. 1996; Moure 2005; Saldaa & Guirrimn 2008; Sieber 2007). Alm da ayahuasca, h o emprego de diversas tcnicas, como as dietas e as purgas (uso de plantas para provocar vmitos, entendidos como purificatrios e teraputicos), juntamente com acompanhamento psico-lgico (para outros exemplos de uso de medicina tradicional em tratamento de dependentes em outros pases, ver Heggenhougen [1984]).

    Um momento bastante importante o do processo de entrada em Takiwasi. O paciente recm-admitido no colocado diretamente no grupo,

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    que j est com o tratamento em andamento. O novato submetido a um perodo de isolamento de 15 dias. Durante esse tempo ele far, alm de um exame mdico inicial, varias sesses de purga e um enema. A purificao inicial ajudaria o paciente a passar pela fase mais intensa da interrupo do uso de drogas, que pode envolver crise de privao e craving. Procu-ra-se tambm atenuar o choque que a entrada deste paciente no grupo pode causar, pois o novato traria com ele, de maneira muito viva e intensa, a energia da rua, das drogas. Isto causa problemas para os que esto no tratamento, que percebem a si mesmos mais limpos e purificados.

    O tratamento estruturado em trs eixos: uso de plantas, psicoterapia e convivncia. As plantas so personagens (uma vez que so dotadas de agncia) centrais nas dietas e nas purgas, sendo tambm tomadas como plantas de contencin. Elas so vistas como seres espirituais encarnadas em um corpo vegetal, atuando alm da sua ao qumica, sendo um ser inteligente que introduzido no corpo do paciente para auxili-lo no tra-tamento (ver Henman 2008; Lenaerts 2006 sobre o uso de plantas entre os Ashaninkas em que h o mesmo tipo de entendimento). Harrington (2008:11) coloca que as plantas so vistas pelos pacientes e pelos psiclogos como capazes de deixar clara a severidade de seu problema com as drogas, iluminar as razes emocionais deste problema, limpar energeticamente o corpo, clarear o sentido de valor dos pacientes e reconectar os pacientes com seus corpos.

    As purgas so rituais que antecedem o ritual com a ayahuasca, realiza-das na tarde do dia anterior a uma sesso de ayahuasca. Os participantes se dirigem a uma maloca especfica (distinta da maloca onde se bebe ayahuas-ca) por volta das 15h. L encontram vrios bancos baixos e baldes, dispostos em roda. O curandeiro que dirigir a cerimnia se senta em uma cadeira no centro da maloca. Ele serve s pessoas as doses de plantas purgativas, sopran-do-as com tabaco, o mesmo fazendo com as pessoas presentes (o curandeiro sopra sobre a cabea, o peito e as mos de cada paciente a fumaa de um mapacho cigarro de tabaco forte). Em seguida, ele comea a cantar os caros canes utilizadas no vegetalismo peruano (ver Luna 1986) e, aos poucos, as pessoas comeam a vomitar. Diversas plantas so utilizadas, e cada uma possui caractersticas prprias, sendo administradas de acordo com o momento em que cada paciente se encontra no processo teraputico. Por volta das 17h30 a sesso encerrada, e recomendado que as pessoas fiquem em jejum at a manh seguinte. As purgas podem ser tomadas fora deste ritual, sempre que um paciente sente necessidade desta interveno. bastante comum pacientes pedirem purgas quando se sentem agitados, ansiosos ou carregando energias negativas.11

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    As dietas so perodos de isolamento, acompanhados da utilizao de plantas. As pessoas ficam em um pequeno tambo casa simples, de madeira, aberta em uma das paredes, onde se encontra apenas uma cama e um mosquiteiro por oito dias. A dieta se inicia sempre em um sbado. H a ingesto de plantas, cada uma com suas propriedades teraputicas especficas (cada pessoa toma uma planta durante a dieta). As dietas acon-tecem na chcara de Takiwasi (a 4 km do centro de tratamento, no meio da mata) na sexta-feira. Nesta noite, as pessoas participam de uma sesso de ayahuasca e, quando esta termina, j na madrugada de sbado, a dieta tem incio. permitido que cada participante coma uma poro de arroz por dia, acompanhada de duas bananas verdes, sendo vedado o consumo de sal e acar. A restrio de acar se estende ainda por mais 15 dias aps o pero-do de isolamento. A dieta termina no sbado subsequente, com a ingesto de uma combinao de cebolas, limo, salsa e sal. A dieta um perodo de purificao profunda, quando os sonhos se tornam extremamente intensos. Tais sonhos so trabalhados posteriormente em sesses de psicoterapia.

    A psicoterapia faz a catalisao do entendimento adquirido, seja nas sesses de ayahuasca, seja em outros momentos do tratamento. H tambm os talleres: yoga, arteterapia, psicodrama etc. Os sonhos so muito im-portantes, e toda segunda-feira, s 20h h um taller de interpretao de sonhos. s sextas h a convivncia, que junto com as reunies de ps- -ayahuasca (realizadas alguns dias depois das sesses com o ch) formam um espao de terapia em grupo, alm de ajudarem na organizao da vida comunitria dos pacientes.

    Na chamada ergoterapia, que vai das 8h30 s 12h30, todos os dias (exceto aos domingos), so realizados trabalhos fsicos, como consertos, limpeza e arrumao de Takiwasi, o que fora os pacientes a trabalharem fisicamente e em grupo.

    Centro de Recuperao Caminho de Luz

    O Centro de Recuperao Caminho de Luz est localizado em Rio Branco, Acre. liderado pelo Mestre Muniz, que em 1993 comeou a tratar dependentes. Seu irmo foi seu primeiro paciente. Este centro segue a ritualstica utilizada na Unio do Vegetal.

    Era cobrado na poca do trabalho de campo (2009 e 2010) um auxlio no valor de R$ 150, uma vez que no obrigatrio o pagamento. A maioria das pessoas ali internadas vem das camadas mais pobres da sociedade, ainda que pessoas de mdio e alto poder aquisitivo tambm busquem o centro.

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    Em 17 de novembro de 2009 havia 98 internos nas trs unidades de Caminho de Luz, sendo 73 homens e 25 mulheres. Estas trs unidades esto na Vila Acre, bairro perifrico de Rio Branco (onde est a grande maioria dos internos), na cidade de Bujari, e no Amazonas, na margem do Purus.

    Este centro de recuperao ligado Sesacre (Secretaria de Sade do Estado do Acre), via Cades (Central de Articulao das Entidades de Sade do Acre). A Cades d um auxlio para manter 20 pessoas em regime de internato, alm de pagar o valor de um salrio mnimo para manter dois monitores, mas que acaba sendo dividido por quatro pessoas que ocupam esta posio.

    Na Vila Acre funcionam duas instituies distintas: o internato propria-mente dito, onde ficam as pessoas em tratamento, e a comunidade, onde moram pessoas que no tiveram condies de retornar a um lar depois que seus tratamentos terminaram, como ex-moradores de rua. Algumas pessoas da comunidade trabalham na marcenaria (juntamente com alguns internos em final de tratamento), outros trabalham fora, e outros ainda buscam doa-es para o funcionamento de Caminho de Luz.

    Cada dupla de internos dorme em uma casa de apenas um cmodo. Alm da horta e do local onde so feitas as sesses, existem duas cacimbas para banho. O lugar onde so realizadas as sesses denominado Salo, um espao retangular, sem paredes, sem piso, com teto de palha, bancos toscos de madeira e algumas cadeiras. Em uma das suas extremidades est uma mesa coberta com um pano branco onde fica o Vegetal e uma vela. De l o mestre dirige a sesso.

    O tratamento est totalmente baseado no Vegetal, denominao local da ayahuasca. Assim que chega ao centro, o interno passa a tomar trs doses di-rias do ch: de manh, depois do almoo e ao anoitecer. Este o momento de desintoxicao e de controle, segundo Mestre Muniz, da crise de privao. Na medida em que o interno se acalma, ele passa a beber o Vegetal apenas uma vez por dia, nas reunies noturnas. Nas quartas-feiras so realizadas as Sesses de Acerto e, nos sbados, as Sesses de Escala.12

    Nas reunies, h um aparelho de som onde so colocados CDs diversos, e a msica cria um fundo sobre o qual a burracheira (a forma como o efeito do ch denominado) acontece. Por outro lado, as sesses de Acerto e as de Escala seguem o estilo da Unio do Vegetal (ver Brissac 1999): depois da distribuio do Vegetal, rezado um Pai Nosso, e todos bebem o ch juntos. Em seguida, so feitas diversas chamadas, com canes entoadas por uma nica pessoa (neste momento apenas o dirigente da sesso canta, mas durante a sesso outras pessoas podem realizar as chamadas), que servem para fazer a abertura da sesso e chamar a fora e a proteo para

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    ela. So tambm tocadas msicas de CDs, que so escolhidas em funo da mensagem que trazem, ou seja, a capacidade de evocar temas conside-rados importantes, como famlia, liberdade, oraes a Deus pedindo fora, proteo, perdo, o perigo das drogas e da bebida etc.

    A diferena bsica entre os dois tipos de sesses que a de Escala para a elevao espiritual, ao contrrio das Sesses de Acerto, nas quais as dificuldades do convvio em grupo so colocadas abertamente para que o dirigente aconselhe as partes envolvidas nas vrias contendas.

    Em uma das Sesses de Acerto, depois de algumas chamadas e msi-cas, o Mestre abriu um espao para que todos pudessem falar. Um interno veio frente e, aos prantos, pediu: Mestre, eu quero uma chance de ser uma boa pessoa, limpinha, do fundo do meu corao. Esta pessoa estava em fase final de recuperao. No estava mais vivendo entre os internos, e havia passado a dormir em uma rede ao lado da casa do Mestre, enquanto esperava condies para construir sua casa na comunidade. Mais tarde, ele me disse que havia sido o motorista do Mestre (pois j fora motorista de caminho), mas que havia recado, e que agora estava se recuperando. Ele tambm me disse que sua esposa estava chamando-o para ir de volta para casa. Ele me pareceu temeroso de dar esse passo fora da comunidade.

    Durante esta sesso, o Conselheiro Antnio disse algumas frases que servem para motivar e direcionar o tratamento dos internos: Deus tudo na nossa vida, tudo que temos para buscar. Temos que nos ajoelhar pe-rante Deus. A luta contra a dependncia um posicionamento motivador e acontece o tempo todo: Para seguirmos nesta caminhada, temos que lu-tar; Cada um tem que procurar nascer de novo; ou ainda, Voc s tem uma meta: vencer. Ou voc vence ou voc ser vencido. O Vegetal um instrumento poderoso, para voc lutar. Voc tem que se dar a oportunidade de adquirir o conhecimento.

    O Conselheiro Antnio procurou tambm enfatizar que o trabalho de recuperao de cada um ali presente, e no apenas do Vegetal: O Ve-getal faz uma parte do trabalho, a parte mais difcil, limpa, no mais ntimo do ser. Mas cada pessoa tem que buscar dentro de si, procurar limpar, sem mgoa, dio, rancor, pois essas so foras que no evoluem. Trabalha-se muito a questo da disciplina: Aqui um lugar para obedecer. Aqui vamos lutar juntos e vamos conseguir. A obedincia o caminho para todos ns. A obedincia comea na prtica, dentro do Salo do Vegetal.

    Tanto as reunies quanto as sesses so espaos para testemunhos: de cura, de doena, de fora, de fraqueza. So confisses, arrependimentos pblicos, desabafos. As reunies so momentos nos quais as diretrizes de comportamento e conduta so ditadas, no por um manual com regras,

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    mas por depoimentos de pessoas que passaram (ou mesmo ainda passam) por problemas iguais aos que a maioria dos internos ali est passando. So palavras de ex-dependentes (ou de pessoas que tambm esto em trata-mento), com larga experincia no assunto, e que exatamente por isso tm sua opinio respeitada.

    A reunio uma preparao para a gente amanhecer o dia bem, com paz, har-

    monia. A pessoa que falta reunio vai enfraquecendo na sua caminhada. Uma

    preparao para todos aprenderem a se comportar no dia a dia, aprenderem

    a se concentrar quando bebem o Vegetal. A Unio do Vegetal de concentra-

    o mental, a pessoa tem que se aquietar, se acalmar, para receber o que t

    precisando Aqui o caminho de Deus que mostra a realidade para a pessoa.

    a pessoa zelar, se dedicando ao mximo e obedecendo s ordens da direo.

    Ns estamos aqui para caminhar no caminho certo de Deus. Aqui, nesse local,

    a pessoa vem se preparando para passar pelas dificuldades na vida. Esse Ve-

    getal vai mexer no nosso sentimento (Conselheiro Pedro Reunio dia 01 de

    dezembro de 2009).

    O querer se tratar bastante evidenciado durante tais falas. Por exemplo, na reunio do dia 26 de novembro de 2009 a Conselheira Paula, esposa de outro conselheiro, monitor e ex-dependente, disse: A pessoa que vem se tratar aqui tem que ter o querer. Aqui a gente tem esse ch milagroso, o Vegetal, que transforma vidas. Este querer, no entanto, s o primeiro passo. O Vegetal o suporte para que tal vontade se concretize.

    Mas a famlia tambm outro pilar importante no processo de trata-mento. Muitos dos relatos que coletei sobre as experincias durante a(s) primeira(s) vez(es) em que se usou o ch contam de um arrependimento profundo, de uma tomada de conscincia do mal que o dependente causava sua famlia, que acabou,muitas vezes, por se afastar do dependente, aban-donando-o sua prpria sorte. Surge a vontade de reatar os laos de contato com a famlia, o que se daria pela adoo de um comportamento correto. Como disse o Conselheiro Gustavo: A gente fazendo as coisas direito o Mestre toca no corao da famlia da gente, e eles passam a ajudar.

    Outro foco de motivao e manuteno da comunidade vem da nfase que dada ao fato de que, aps ter se curado, a pessoa deve buscar curar os outros que esto passando pela mesma dificuldade: No internato vocs tm a chance de cuidar de si mesmos, para depois poderem dar a mo aos outros que precisam (Conselheira Paula).

    A dependncia no encarada como uma doena fsica, mas espi-ritual, sendo, na verdade, um reflexo deste problema espiritual. Segundo o

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA 541

    Conselheiro Gustavo, Muitas vezes a pessoa chega aqui e ela no doente [por causa] da qumica, mas espiritualmente.

    Centro Espiritual Cu Sagrado

    O Cu Sagrado est em Sorocaba, So Paulo. Alm do tratamento de dependentes, este centro distribui, desde 2003, marmitas para a populao carente. O centro possui o ttulo de Utilidade Pblica da Cmara Muni-cipal (ver Labate et al. 2010).

    No incio, os atendimentos no Cu Sagrado eram feitos durante um ritual semanal de cura. Com o passar do tempo, Fernando Dini e seu irmo Luciano, lderes desta Igreja do Santo Daime, resolveram montar um pronto-socorro na empresa de reciclagem de lixo que possuem em Sorocaba.

    O pronto-socorro composto de duas salas e dois banheiros. Lembra muito uma pequena enfermaria, com suas paredes de azulejos brancos, cho e teto tambm brancos. Na sala de entrada fica uma mesa (igualmen-te branca), atrs da qual se senta Jardel, responsvel pelos atendimentos. Um balco onde fica o Daime e os copos, um galo de gua, foto do Mestre Irineu e a placa com o CNPJ do Pronto-Socorro completam a decorao do ambiente.

    Na sala onde os atendimentos propriamente ditos ocorrem h algumas cadeiras que parecem antigas cadeiras de dentista, acolchoadas e um tanto reclinadas. Jardel, ao servir 600 ml de Daime, diz sorrindo ao paciente: Receba a sua cura. O paciente dirige-se para as cadeiras e permanece em silncio. O prprio Jardel no bebe o Daime.

    Muitos pacientes tm vmitos e diarreias. Isto encarado como uma limpeza (assim como em Takiwasi e no Caminho de Luz), pois as toxinas acumuladas no corpo devido ao uso de drogas so eliminadas.

    Aps mais ou menos uma hora e meia, dependendo da intensidade da experincia da pessoa, Jardel pode administrar mais uma dose de Daime, desta vez em menor quantidade. Ao final da experincia, Jardel comenta sobre a cura que a pessoa est recebendo, sobre os milagres que o Daime proporciona, e sempre faz um convite para que a pessoa v visitar a Igreja na prxima cerimnia.

    Desta forma, os que conseguem dar continuidade ao seu tratamento o fazem na Igreja. Outros retornam para um atendimento no Pronto-Socorro, caso sintam necessidade de faz-lo ( recomendado a eles que, a partir daquele dia, sempre que sentirem vontade de usar droga, que venham ao Pronto-Socorro, quando lhes ser administrada uma dose de Daime). Muitas

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA542

    pessoas no retornam nem ao Pronto-Socorro nem vo Igreja. Vrios dos fardados do Cu Sagrado j passaram pelo Pronto-Socorro.

    Uma vez na Igreja, passam a participar dos trabalhos do calendrio ritual do Santo Daime. Na verdade, os trabalhos do Cu Sagrado, mesmo sem serem necessariamente voltados para o atendimento dos dependentes, acabam por ter uma grande nfase na cura deste problema, nfase esta que aparece com bastante frequncia nos discursos de Luciano e Fernando dentro da Igreja.

    Centro Espiritual Cu da Nova Vida

    O Cu da Nova Vida est localizado em So Jos dos Pinhais, na grande Curitiba, Paran. dirigido pelo Padrinho Andr Volpi Neto, 42 anos (em 2010), curitibano, formado em administrao de empresas, e que possui h 17 anos uma empresa de propaganda de plsticos. Andr um ex-paciente do Cu Sagrado. Comeou a utilizar drogas aos 18 anos de idade. Foi de-pendente de cocana por 13 anos, tendo tentado diversas formas de terapia, inclusive religiosas. Seu pai soube do trabalho realizado no Cu Sagrado (importante frisar que Andr nunca havia ouvido falar da ayahuasca antes). No dia 26 de junho de 1999 participou de um ritual de cura no Cu Sagra-do e, desde ento, interrompeu o uso de drogas. No ano seguinte recebeu, durante um ritual no Cu Sagrado, a inspirao de iniciar o atendimento aos dependentes em Curitiba. Finalmente, em 2001, deu incio ao Centro Espiritual Cu da Nova Vida.

    At maio de 2010 o atendimento aos dependentes era realizado sema-nalmente em um ritual de cura especialmente montado para este fim (ver Schneider 2010). Contudo, Andr percebeu que este sistema era falho, pois fazer um dependente esperar por at uma semana para participar de um ritual era bastante difcil. Assim, depois de conversar com os dirigentes do Cu Sagrado, passou a adotar um sistema de atendimento similar ao deste centro, ou seja, dirio, passando ento a ser feito na Igreja do Cu da Nova Vida por dois ex-pacientes, fardados, Felipe e Marcos, contratados pela Igreja para cumprir tal funo.

    O salo da Igreja amplo, medindo 25 x 25 m. O teto branco, e nele h uma grande estrela de seis pontas em baixo relevo, ao centro. Esta estrela, durante os trabalhos, tem as luzes ao seu redor acesas. As paredes do salo tambm so brancas, assim como o piso.

    A decorao consiste em um quadro com o busto de Mestre Irineu, entrada, junto com outro quadro onde h um beija-flor. Na parede direita

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA 543

    de quem entra h um quadro retratando Jesus Cristo, demarcando assim o lado dos homens (homens e mulheres ficam separados na Igreja). esquerda temos um quadro de Nossa Senhora, indicando o lado feminino. Ao fundo h um painel de vidro, onde est desenhada uma estrela de seis pontas, dentro da qual h uma guia, sobre ela uma cruz de Caravaca, uma lua crescente direita, e um sol esquerda. Ao redor da estrela se l: Centro Espiritual Cu da Nova Vida Santo Daime.

    Uma mesa em forma de estrela de seis pontas fica em posio central na Igreja, um tanto deslocada para o fundo. Durante os rituais (mas no durante os atendimentos), o centro da Igreja ocupado pelos msicos. Esta uma inovao em relao quilo que normalmente acontece nas Igrejas do Santo Daime, onde em geral a mesa est no centro da Igreja, e ao redor dela se posicionam os msicos.

    Embaixo do retrato de Jesus h um pequeno balco uma superfcie de vidro apoiada sobre duas pilastras brancas lugar em que se serve o Daime para os homens. Sobre este balco h uma vela acesa. O mesmo se d do lado das mulheres.

    As pessoas, para participarem dos atendimentos na parte da manh, devem chegar at as 9h, e tarde, at as 14h. O atendimento feito em total silncio. Ocasionalmente, pode ser cantado um hino do Santo Daime. A abertura do atendimento feita com um Pai Nosso e uma Ave Maria. So servidos em torno de 600 ml de Daime para quem est sendo atendido. O encerramento feito com os dois ltimos hinos do Cruzeirinho do Mes-tre Irineu (os hinos so arrumados em hinrios, e so recebidos por seus donos). Depois disso, so rezados um Pai Nosso, uma Ave Maria e a Prece de Critas.

    Algumas consideraes

    A onda da droga e a onda da Ayahuasca: qual a diferena?Uma das perguntas que fiz durante as muitas entrevistas conduzidas ao

    longo da pesquisa foi: qual a diferena entre a onda (ou o efeito subjetivo) da droga e a onda da ayahuasca?. Para minha surpresa, vrias pessoas atestaram que, inicialmente, no havia grande diferena. Muitos dos en-trevistados relataram experincias de perseguio muito similares s que eles experimentavam quando, por exemplo, fumavam crack.13 Eu j havia colhido este tipo de relato quando da pesquisa sobre a Ablusa, em 2007 (ver Mercante 2009), instituio que utilizava o Vegetal na recuperao de moradores de rua em So Paulo.

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA544

    Contudo, a ayahuasca proporcionava outro tipo de experincia: o ar-rependimento, a crise de conscincia. A frase pude ver o mal que estava fazendo minha famlia foi repetida em muitas entrevistas.

    O ambiente onde se est utilizando o crack ou a mela14 no ameniza em nada o sentimento de paranoia, muito pelo contrrio, estimula-o e provavelmente o amplia. Quando o dependente bebe o ch e este comea a fazer efeito, o medo retorna para este dependente. Contudo, h no uso do ch um ambiente ordenado, e h, acima de tudo, outras pessoas presentes que j passaram por esse processo e que vm reconstruindo suas vidas com o apoio do ch. Assim, este sentimento inicial superado, passa-se crise de conscincia, e depois esperana de reconstruo de uma vida nova, de perdo, de amparo.

    Este modelo aponta, mais uma vez, para uma profunda interao entre qumica e sociedade, ritual e experincia, neurofisiologia e cultura (ver Lende 2005). No seria a droga per se que causaria a experincia do indivduo, mas um processo muito mais complexo. No o crack ou a mela que causa a paranoia, mas o contexto do uso desta substncia. Como coloca Becker, de forma irnica (1967:163), se a droga de fato provar ser a causa de uma psicose bonafide, este ser o nico caso no qual uma pessoa pode afirmar com autoridade que encontrou a nica causa deste fenmeno.

    No estou aqui querendo afirmar que o uso ritual de crack ou de mela possa ser a sada para a dependncia. Se isso fosse possvel, j teria ocorrido. Nem estou dizendo que a qumica no tem relao alguma com a paranoia, mas sim que tal base bioqumica no a nica causa. Afinal, como coloca Simes (2008:16): Sem dvida importante conhecer os produtos e suas propriedades, mas este apenas um dos eixos da questo. preciso levar em conta tambm a relao humana com tais produtos, as motivaes e os sentidos ligados produo e ao uso de substncias especficas. Continu-ando com Becker (1967:166),

    ns tomamos como dado que o usurio inexperiente de drogas, ainda que

    ele queira ficar chapado [high, no original em ingls], no espera uma

    experincia to radical que coloque em jogo o senso comum sobre uma srie

    de pressupostos. Em qualquer sociedade em que a cultura contenha noes

    de sanidade e insanidade, a pessoa que percebe seu estado subjetivo alterado

    pode pensar que ficou louco.

    Assim, se a pessoa fica higher mais chapado do que espera, ela pode ter uma amostra do que a insanidade, capaz de ser muito bem ser representada pela sensao de perseguio (a noia) durante o efeito

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA 545

    da droga. Este o reino do caos, da no cultura, da no sociabilidade, sem regras. E, sem regras, a mente perderia seu suporte. aqui que cessa o processo do uso de substncias como o crack e a mela.

    A diferena ento se constri no uso da ayahuasca. Aqui tambm h um momento de ruptura, de caos. Mas construdo um meio para que ideias sobre modos de sociabilidade, de vida, de prazer, de punio etc. venham a ser modificadas. Assim, durante esse perodo de transio entre ideias, o indivduo pode se encontrar no mesmo reino de caos em que se encontrava antes. Contudo, esse caos visto ento como um sinal de mudana, de cura, pois se reconhece que se est exatamente nessa fase de transio.

    Na verdade, a estruturao do caos viria de forma mais contunden-te no dia a dia do tratamento, no convvio com outras pessoas que tentam superar o mesmo problema. No caso de Takiwasi, h a psicoterapia seja em grupo, seja individual e h a convivncia diria dos pacientes. Em Caminho de Luz, boa parte desse reordenamento se d nas sesses e nas reunies, como os momentos de perguntas e respostas feitas na luz do Vegetal, mas tambm nas conversas informais. E, no Cu Sagrado e no Cu da Nova Vida, h a imerso na vida da Igreja. Como coloca Carneiro (2008:72), a prevalncia de um fluxo coletivo irrompe sempre que o edifcio da subjetividade abalado. O fluxo coletivo que irrompe durante o uso do crack ou da mela seria o fluxo do pnico, da tenso, da suspeita, da satisfa-o de uma necessidade bsica (a fissura) individual. J durante o uso da ayahuasca o fluxo coletivo estaria baseado na irmandade, em verdade, amor e justia, na luz, na reconstruo da prpria vida.

    Vargas (2008) faz consideraes nesta mesma direo. O efeito das drogas estaria, para este autor, sempre articulado com diferentes modos de engajamento com o mundo (:56). Vargas indica que haveria ento dois tipos de drogas: as que permitem viver a vida em extenso, ou seja, ter uma vida mais longa; e as que, no caso de um uso no medicamentoso, atualizariam outros modos de engajamento com o mundo, modos estes que se pautariam por considerar a vida no mais em extenso, mas em intensidade (:56).

    E na manuteno de tal intensidade que modelos como os dos cen-tros que utilizam a ayahuasca no tratamento da dependncia se apoiariam, uma vez que no se propem a trocar a droga ilcita por um modelo de vida sbrio, mas sim que se passe a ter outro tipo de contato com a intensida-de. No se nega o acesso ao xtase, mas se cria um veculo estruturado e formal (no sentido de que se tem e se fornece uma forma, um molde, um modelo) para tal acesso.

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA546

    Terapia de substituio

    Outra questo que surgiu ao longo desta pesquisa foi se o uso da ayahuasca no seria simplesmente um processo de substituio de uma droga por ou-tra. O uso da ayahuasca (assim como o AA ver Antze 1991, e o peiote ver Halpern et al. 2005; Garrity 2000) est voltado para um processo de reconstruo da vida do dependente.

    Um exemplo claro de terapia de substituio pode ser encontrado no uso (legal) de metadona para tratar heroinmanos (ver Bourgois 2000). Aqui no h tal preocupao a de reconstruo da vida do dependente mas apenas o desejo de se manter o dependente em um estado socialmente produtivo. Burgois (2000) coloca que o uso de metadona uma ferramenta de controle deste dependente. Tal suposio que a ayahuasca seria uma terapia de substituio estaria pautada exatamente na tendncia de nos-sa sociedade de coibir os estados no ordinrios de conscientizao (ver Mercante 2010, 2012).

    Marras (2008) coloca, por exemplo, que os efeitos das substncias psi-coativas no estariam na substncia em si, nem na sociedade, mas na agncia de uma sobre a outra, na rede entre ambas, e que nossa sociedade veria nas experincias com psicoativos um excesso de subjetivao (:175), excesso este que colocaria em risco a manuteno da vida em sociedade, tida como a contraparte objetiva da existncia:

    como se a vida social, que se realiza como uma espcie de outro eu internali-

    zado no indivduo (o eu social), estivesse ameaada de se desfazer pela ao da

    vida excessivamente subjetiva do mesmo indivduo, que ento precisa manter

    o equilbrio, que o social, a estabilidade. Manter a conscincia manter a

    estabilidade e manter a sociedade eis a ordem (Marras 2008:175).

    [Dessa forma,] alterar a conscincia seria uma grave ameaa de rompimento

    com essas redes amplas e contratuais que do origem a esse constructo alta-

    mente valorizado do par indivduo/sociedade. Por isso o uso de psicoativos,

    nessa mesma sociedade, deve ser controlado (como as bebidas alcolicas e

    como todas as outras substncias indexadas). O esforo por manter estvel a

    subjetividade individual, isto , a identidade fsica e consciente, civil e poltica

    da pessoa individual ou desta noo individual de pessoa (...) Simetricamente,

    prevalece o desinteresse em se investigar e criar terapias a partir dessas subs-

    tncias, a despeito do comprovado sucesso, historicamente relatado, alcanado

    em pesquisas com psicodlicos (:179).

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA 547

    Raiol Marcelo, tcnico em dependncia qumica que estava trabalhando na Caminho de Luz e que no bebia o Vegetal, colocou que

    nesse ms em que fiquei observando, no perodo inicial, entre 10 e 15 dias, existe

    uma forma de substituio da droga. Parece que quando ele [o dependente]

    chega, ele vai atrs, a todo instante, do Conselheiro que serve o Vegetal, como

    se aquilo fosse uma espcie de onda, de ele estar substituindo aquela sensao

    de relaxamento que a droga d pra ele pela borracheira que o Vegetal d pra

    ele, e este seria um uso inadequado do Vegetal. Mas a gente v que isso no

    incio, quando ele no tem ainda conhecimento dos ensinamentos da prpria

    Unio do Vegetal, da religio. Mas isso ajuda a desintoxicar de forma natural,

    trabalhando na ansiedade que o uso de drogas d, devido abstinncia.

    Oscar, paciente em Takiwasi, oriundo da Espanha, contou que na Espanha se d muito antidepressivo para tratar o uso de cocana. Mas isto como ter um doente para o resto da vida. Essa uma pessoa que no pode se reinserir completamente na sociedade. Perguntei a ele ento sobre a diferena entre o uso de metadona (no caso do tratamento da dependncia de herona) ou antidepressivos (para cocana) e a ayahuasca, e ele disse que havia sim uma diferena, pois a ayahuasca no causa dependncia, e a metadona e os antidepressivos, sim. Aqui [em Takiwasi], tomas ayahuasca, mas no dia seguinte voc no quer tomar. No meu caso, me sinto saturado de ayahuasca. Ela me mostra algumas coisas, mas depois quero coloc-las em prtica. No quero mais revelaes, mas quero praticar.

    Gabriel, tambm paciente em Takiwasi, francs, passou pela terapia de substituio de herona por metadona:

    quando eu tive essa adico metadona, aos psicotrpicos, que so drogas

    legais, quando estive em um tratamento dado pelo Estado, me pareceu que

    era apenas para que eles [as outras pessoas] pudessem dormir mais tranquilos.

    Com o consumo de herona, eu roubava, fazia coisas ms para a sociedade, e

    dar metadona para os toxicmanos dizer mais ou menos que se droguem,

    mas no nos molestem mais. S serve para que a sociedade tenha uma boa

    conscincia de que est ajudando.

    Concluso

    O trabalho com os grupos pesquisados se mostrou bastante rico. Mas, como se tratou de uma pesquisa pioneira, foram levantadas muito mais dvidas

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA548

    do que respostas. E, exatamente porque se trata de um estudo pioneiro, sua funo foi exatamente esta: avaliar a complexidade deste campo (ou campos, na medida em que se trabalhou com vrias instituies) e apontar direes para que novas pesquisas sejam feitas no futuro, tanto com uma perspectiva geral (ou seja, quando o tema ayahuasca e dependncia), quanto particular (questes especficas e inerentes a cada instituio avaliada).

    O que quero enfatizar aqui que existe o que chamei de modelo da ayahuasca. Neste modelo se trabalham, atravs do ch, as questes neu-robioqumicas da dependncia e as questes sociais. Modifica-se a qumica do crebro/sistema nervoso e trabalha-se sobre questes psicolgicas e de convivncia, pois se entende que as modificaes neurobioqumicas no se sustentam caso no seja modificado o ambiente (tanto interno/psicolgico quanto externo/de convivncia) onde este sujeito est inserido. A ideia que o uso da ayahuasca traria tona uma srie de emoes que so gatilhos para o uso de drogas, permitindo que o paciente atue sobre estas emoes durante o efeito do ch. Caso o paciente no reconstrua seu mundo interno/ psicolgico a partir de uma nova perspectiva e com isso modifique sua maneira de se relacionar com os outros (o que inclui participar de novos grupos sociais), a recada inevitvel. Este um dos pontos de apoio para se afirmar que o uso de ayahuasca para tratar dependncia no meramente uma terapia de substituio.

    O que vemos ao longo do tratamento alm da limpeza fsica, psi-colgica e espiritual um processo de limpeza moral. Mais uma vez, o modelo da ayahuasca alinha distintos modelos de tratamento. As diferentes instituies tentam convencer seus pacientes de que h um modo correto de estar no mundo, e que se tal modo for seguido, a chance de recada menor ou mesmo inexistente. H uma nfase muito grande em colocar a droga na esfera do mal, do erro. A ayahuasca, por sua vez, pertence luz, ordem, limpeza, ao que correto. Com esta operao, mais uma vez, o tratamento com ayahuasca afasta-se de uma terapia de substituio.

    H ainda outro contraste contundente: as drogas proporcionavam mo-mentos de prazer intenso, resultando, contudo, na desestruturao da vida do dependente. Por outro lado, as experincias com ayahuasca (assim como com as plantas purgativas) podem ser extremamente desagradveis, mas possuem um efeito estruturante na vida do paciente. Tal efeito construdo principalmente pela convivncia com o grupo. No apenas a sensao de bem-estar fsico que acontece no dia seguinte a uma sesso de ayahuasca, como foi descrito pelos pacientes que entrevistei, mas mesmo quando esta sesso desagradvel, ela proporcional a uma limpeza moral. Este bem-estar reforado pela ao do grupo, e no s pela da instituio e de suas

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA 549

    normas de conduta, e advm do convvio entre os pacientes, o que refora os parmetros do que bom e do que ruim. A cura viria por uma adeso cada vez mais irrestrita ao lado bom.

    A transformao pessoal e social alvo de diversos tratamentos. O AA faz disso o centro de seu processo. Como coloca Antze (1991), Na verdade o AA faz mais do que ajudar o bebedor compulsivo a se livrar de um hbito problemtico. O AA o coloca dentro de uma comunidade que, de forma global, reordena sua vida. O AA lhe fornece um novo entendimento de si mesmo e novas motivaes para agir de fato, uma nova identidade (:149). Antze diz ainda que o grupo acaba por dar suporte social e psicolgico aos dependentes: o grupo fornece uma identidade e um senso de propsito aos membros, ele os educa em como ter uma conduta geral de vida, e os liga a uma comunidade (:151). Este sentido de pertencimento a uma comunidade o que os auxilia a vencer o egosmo, indicado por Antze como a raiz do problema do alcolatra, exatamente porque, ao no conseguir do mundo o que deseja, o alcolatra se v imerso em sentimentos de raiva, ressenti-mento, depresso, medo e autopiedade, sentimentos estes que o induzem a beber. Laudet et al. (2002) corroboram este entendimento da importncia do grupo no processo de recuperao, mas a partir de uma outra perspectiva. Segundo estes autores, o suporte da famlia e dos amigos fundamental para a manuteno da abstinncia.

    Como coloca claramente o Escritrio das Naes Unidas para a Dro-ga e o Crime (em conjunto com a Organizao Mundial da Sade ver UNODC/WHO 2008):

    a dependncia de drogas considerada uma desordem da sade de ordem

    multifatorial [...] Recentemente, o modelo biopsicossocial tem reconhecido

    a dependncia de drogas como um problema multifacetado, requerendo a

    experincia de vrias disciplinas. Uma aproximao multidisciplinar a partir

    das cincias da sade pode ser aplicada pesquisa, preveno e tratamento.

    Durante as ltimas dcadas, a dependncia de drogas tem sido considerada, de

    acordo com as diferentes crenas ou pontos de vista ideolgicos, como: somente

    um problema social, somente uma questo educacional ou espiritual, somente

    um comportamento culposo a ser punido, somente como um problema farma-

    colgico. A noo de que a dependncia pudesse ser considerada uma doena

    autoadquirida, baseada na escolha livre e pessoal da primeira experimentao

    com drogas ilcitas, tem contribudo para o estigma e a discriminao associada

    com a dependncia de drogas. Contudo, evidncias cientficas indicam que o de-

    senvolvimento da doena o resultado de uma interao complexa e multifatorial

    entre a exposio repetida s drogas e fatores biolgicos e ambientais (:1).

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA550

    Esta perspectiva demonstra que a dependncia deve ser entendida no apenas como um problema qumico, psicolgico ou moral, mas sim como um problema essencialmente social e cultural algo que j foi apontado por diversos autores, como, por exemplo, Alexander (2008), Langdon (2004) e Room (1985) mas ela assume tambm, de acordo com a perspectiva dos centros pesquisados, um aspecto espiritual. A questo que se coloca ento : ser que este aspecto espiritual serve simplesmente como mais uma fer-ramenta (aparentemente adequada) para uma ressocializao do dependente (ver Sanchez & Nappo 2007; Panzini & Bandeira 2007; Heath 1987)? Ou ser que, alm disso, haveria um algo mais proporcionado pela experincia de transcendncia que reorientaria toda a vida do dependente?

    Schneider (2010), por exemplo, coloca que exatamente tal vivncia da espiritualidade promovida pelo ch que leva transformao do depen-dente, trazendo-o de volta a uma vida social que estava sendo negligenciada. Alpert & Lostof (2007) tambm indicam que a recuperao da dependncia entendida como um acontecimento espiritual, segundo a viso de pessoas que passaram por um tratamento com iboga.

    Alm disso, se a adico e a dependncia foram descobertas no sculo XIX, estes so problemas relativamente recentes, provavelmente resultantes do estilo de vida que temos em nossa sociedade. Ser ento que a dependncia, mais que um problema, no seria um sinal, um efeito (colateral) de nosso estilo de vida?15 importante frisar que o sinal seria a dependncia, e no a busca de estados especiais de percepo esta busca to antiga quanto o ser humano (ver Winkelman 2000). Vivemos em uma sociedade fortemente monofsica (Lauglhin et al. 1992) ou enteofbica (no sentido de que tem fobia aos chamados entegenos ou substncias psicoativas ver Blainey, 2010), onde a nica realidade vlida aquela com que se tem contato quando se est acordado, sem que se tenha inge-rido nada que altere o modo como percebemos o mundo. A dependncia seria ento uma reao de alguns (ou muitos) indivduos enteoflicos e que no tm o devido espao para dar vazo sua afinidade. Os psicoati-vos so uma fonte de acesso a tais estados multifsicos, uma porta para a transcendncia, transcendncia esta que foi indicada por vrios de meus informantes como tendo sido buscada, de forma equivocada, atravs do uso de drogas e do lcool.

    Estas so questes complexas que no podem ser respondidas em um nico texto ou mesmo no decorrer de uma pesquisa. Mas que devem ser levantadas, expandindo os horizontes da pesquisa em andamento e justi-ficando a realizao de uma reviso bibliogrfica mais ampla envolvendo este tema.

  • A AYAHUASCA E O TRATAMENTO DA DEPENDNCIA 551

    Recebido em 05 de outubro de 2012

    Aprovado em 20 de abril de 2013

    Marcelo S. Mercante professor visitante. Departamento de Antropologia, UFMG. E-mail:

    Notas

    * Agradeo Fapesp pela bolsa que permitiu a pesquisa que resultou neste artigo e ao prof. Jos Guilherme Magnani pela orientao durante o ps-doutorado. Agradeo ainda a Eduardo Schemberg e Bia Labate pela leitura atenta e os comentrios.

    1 Este projeto de pesquisa foi desenvolvido ao longo de trs anos de ps-doutoramen-to no Departamento de Antropologia da Universidade de So Paulo, com bolsa da Fapesp, entre os anos de 2009 e 2012, sob o ttulo O Uso Teraputico e Ritualstico da Ayahuasca no Tratamento de Dependncia Qumica e Alcoolismo. O objetivo principal foi saber como trabalhavam estes centros e o papel das experincias com ayahuasca no processo de recuperao. Importante notar que recuperao, neste texto, assume a perspectiva que os centros de tratamento pesquisados do, ou seja, est recuperado um paciente que no faz uso de nenhuma substncia psicoativa exceto, claro, a ayahuasca.

    2 Ver por exemplo a definio do American College of Physicians (1985:405): dependncia qumica se refere necessidade fsica ou psquica de uma substncia qumica e envolve o alcoolismo e a dependncia de drogas. Para uma reviso bas-tante ampla do termo dependency, ver Alexander (2008).

    3 Este artigo, contudo, est centrado na questo da dependncia qumica.

    4 Ver Labate e Arajo (2002) para mais detalhes sobre cada uma destas religies. De forma sucinta, em 1930 o seringueiro Raimundo Irineu Serra, negro oriundo do Maranho, aps uma viso da Virgem da Conceio inicia a formao de um grupo do qual surgir o Santo Daime; em 1945 fundada a Barquinha (ver Mercante 2012), com Daniel Pereira de Mattos. Tanto Barquinha quanto Santo Daime tiveram seu comeo em Rio Branco, Acre. Em 1960 surge a Unio do Vegetal, com Jos Gabriel da Costa, em Porto Velho. As trs religies esto baseadas em um sincretismo bastante prprio do cristianismo, so religies de origem afro-brasileira e prticas indgenas.

    5 O GMT foi um Grupo Multidisciplinar de Trabalho institudo pelo Conad (Conselho Nacional de Polticas sobre Drogas) em 2004, formado por profissionais de diversas reas (mdicos, psiclogos, antroplogos) e representantes das igrejas ayahuasqueiras, para

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    elaborar um documento que fornecesse diretrizes normativas para o uso da ayahuasca no Brasil. Tal documento ficou pronto em 2006, e foi publicado, atravs da Resoluo 01 de 25 de janeiro de 2010, pelo Gabinete de Segurana Institucional do Conad.

    6 Pacientes e cuidadores so termos ticos. Devido ao carter multilocal da pesquisa, sinto-me impossibilitado de utilizar um termo mico. Em Takiwasi h os te-rapeutas e os pacientes. No Caminho de Luz temos os monitores e o Mestre, de um lado, e os internos, de outro. No Cu Sagrado h apenas os dependentes, assim como no Cu da Nova Vida. Da mesma forma, muitos cuidadores j foram pacientes e as entrevistas com eles revelaram esta condio, mais at do que a de cuidador.

    7 Nos Estados Unidos, j em 1791, Benjamim Rush (An enquiry into the effects of spiritous liquors upon the human body and their influences upon the happines of society) dizia que a embriaguez crnica era tanto uma doena quanto um transtorno da vontade. Em 1891, Carl Von Bruhl-Cramer colocou que a embriaguez resultava de uma doena do sistema nervoso, que produzia um desejo irresistvel pelo lcool (Berridge 1994:17), e chamou tal doena de dipsomania.

    8 Chwelos et al. 1959; Jensen 1962; Ross MacLean et al. 1961; Smith 1958.

    9 Ver Halpern (2007) para uma boa reviso da literatura sobre a posterior proi-bio do uso do LSD neste tipo de tratamento.

    10 Ver tambm Dobkin de Rios et al. (2002), Fernandez (2003), Halpern (1996, 2007), Winkelman (2001) para uma reviso geral. Labate et al. (2010) trata de uma revi-so bibliogrfica do uso da ayahuasca como instrumento teraputico. O livro Psychelic medicine (Wilkelman & Roberts 2007), com dois volumes, cobre de forma ampla o uso de psicoativos no tratamento de diversos problemas, incluindo dependncia.

    11 Curiosamente, uma mistura de sementes de aniz, nabo, sal e mel em gua morna era utilizada h mil anos atrs pelos persas para induzir vmito e diminuir a toxidade do pio (Heggenhougen 1984). Heggenhougen tambm indica que em um mosteiro budista na Tailndia a mesma tcnica utilizada hoje em dia. Gomes (2011) fez um relato sobre o trabalho da Unidade de Resgate Flor das guas Padrinho Sebastio, liderada por Walter De Lucca, onde se utilizava ayahuasca para auxiliar moradores de rua. No processo teraputico adotado, tambm se faziam purgas com Yawar Panga, uma vez que Walter havia passado por Takiwasi. Mas o interessante que os dependentes auxiliados por De Lucca tambm pediam, com frequncia, para fazer purgas.

    12 Esta prtica foi modificada. Atualmente, o paciente bebe o ch apenas uma vez por dia, nas reunies, e somente se assim o desejar.

    13 Mistura de pasta base de cocana com bicarbonato de sdio, sendo esta a forma mais barata de uso da cocana que existe no mercado. O crack se encontra na forma de pedras, que so fumadas pelos usurios.

    14 Pasta base de cocana. No Acre, o uso mais intenso da mela, e no do crack.

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    15 Heath (1987), citando Bales (1946), diz que havia menos problemas no uso de lcool entre judeus, nos Estados Unidos que possuem um estilo de vida no qual a coeso do grupo muito importante, havendo um aprendizado caseiro de consumo de bebidas em um contexto ritual do que entre descendentes de irlandeses (estes sim, com significativo ndice de problemas no consumo de lcool), aliado a um alto ndice de frustrao econmica.

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    Resumo

    A ayahuasca uma bebida psicoativa uti-lizada por diversos grupos indgenas por toda a Amaznia, assim como por xams mestios (chamados vegetalistas) e por religies e grupos independentes no Bra-sil. Desde a dcada de 1990 esta bebida vem sendo empregada no tratamento da dependncia. Existem atualmente alguns centros espalhados pela Amrica do Sul que realizam este tipo de tratamento. Re-alizei trabalho de campo em quatro deles, um no Peru e trs no Brasil. Neste artigo fao uma pequena descrio etnogrfica destes centros e teo algumas considera-es sobre o papel da experincia durante o efeito do ch no processo de recuperao da dependncia e tambm da possibilidade deste tipo de tratamento no ser uma mera terapia de substituio. Palavras-chave Dependncia, Drogas, Ayahuasca, Imaginao, Experincia.

    Abstract

    Ayahuasca is a psychoactive drink used by many Indigenous groups throughout Amazonia, as well as by mestizo sha-mans (known as vegetalistas), reli-gions and independent groups in Brazil. Since the 1990s the drink has been used to treat dependency. At present, there are a few centres in South America that carry out this type of treatment. I carried out fieldwork in four of them, one in Peru and three in Brazil. In this article I present a short ethnographic description of these centres and offer some considerations about the role of experience during the effects of the tea in the process of recovery from depen-dency. I also consider the possibility that this type of treatment is not merely a substitution therapy.Key words Dependency, Drugs, Aya-huasca, Imagination, Experience.