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RELAÇÕES INTRACOLONIAIS BAHIA E GOA NO IMPÉRIO PORTUGUÊS – SÉCULO XVII:
CIRCULARIDADES E SOCIABILIDADES.
Jorge Lúzio Matos Silva1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / PUC-SP
Mestrado em História Social
jorgeluzio@hotmail.com
1 Artigo apresentado no Seminário Temático "Religiões e religiosidades no Mundo Atlântico: especificidades,
aproximações, intolerâncias, rotinas e estudos de caso", no III Encontro Internacional de História Colonial – EIHC 2010, em 06.09.2010, na Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE.
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Introdução
Sede do Império na América portuguesa, a cidade de Salvador esteve, estrategicamente, muito
bem posicionada na movimentação comercial com a Coroa num intenso fluxo social e mercantil. Cenário
artisticamente preenchido pelo barroco, plástica peculiar ao período colonial, as atividades marítimas,
enquanto elos de interesses políticos e práticas comerciais, tem na Carreira da Índia a mais importante via
das grandes navegações, viabilizadora de tais vínculos. O seu percurso compreendia a viagem de Lisboa a
Goa, e vice-versa, passando pela Bahia e por parte das possessões africanas, evidenciando no
multiculturalismo as sociabilidades do Império Português, um campo aberto aos estudos das circularidades.
Com as naus abastecidas na Índia, de volta a Portugal, mercadorias diversas, em larga escala, chegam a
Salvador – posteriormente também no Recife e no Rio de Janeiro, inserindo no Brasil produtos orientais,
costumes e práticas do Oriente, na interação da colônia com a cultura indo-portuguesa; uma fusão de
civilizações que se encontram em aspectos culturais em meio a transações econômicas, através do
intercâmbio dos portugueses com os povos da Ásia – neste caso, região sul e sudoeste do subcontinente
indiano, a Índia portuguesa, propriamente dita. É possível identificar na imaginária barroca em marfim, na
gastronomia da culinária baiana, em elementos residuais das feiras livres e no uso de embarcações
populares por pescadores do mar do recôncavo, a resignificação da presença indo-portuguesa na gênese
cultural do Brasil colonial. Especiarias, têxteis, obras de arte, técnicas agrícolas e tecnologias de transportes
passam a compor o quadro social na Bahia setecentista e nos instiga a compreendê-lo neste contexto de
ampla circulação de pessoas, idéias e comportamentos. Destacamos aqui, o acervo do estatuário religioso
em marfim do Museu de Arte-Sacra da Bahia, além da literatura colonial referente à atuação e
revezamento dos missionários jesuítas no sul da Índia e no solo baiano, propondo, desta forma, um outro
olhar para o passado colonial do Brasil e suas aproximações contínuas com os povos do oriente.
As circularidades e a iconografia barroca em marfim
No barroco brasileiro a iconografia em marfim indica elementos da cultura indo-portuguesa e a
circulação de produtos indianos na América portuguesa nos séculos XVI a XVIII.
Quase todos os museus da Bahia dedicam uma seção dos “marfins goaneses”, que aportam em
quantidade nos séculos XVII e XVIII – com ou sem policromia, mesclados ou não com detalhes em
madeira, com ou sem realce de pormenores em dourado. Copiadas de modelos europeus, mas de
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inspiração e espírito decorativo essencialmente indianos, estas imagens de pequeno vulto se
destinavam, sobretudo às capelas e oratórios particulares, atendendo ao culto familiar. 2
Esta iconografia reproduz a religiosidade católica nas imagens do Cristo em várias representações, e dos
santos de um modo especial Nossa Senhora apresentada em seus principais cultos, Nossa Senhora da
Conceição e Nossa Senhora do Rosário, além dos santos Antônio, Francisco de Assis, José, João Batista,
João Evangelista, Inácio de Loyola, Francisco Xavier, Madalena e Ana. Em todos os casos, a estética barroca
do marfim revela os seus criadores, artesãos indianos ou artistas que criaram um novo padrão de
representação das figuras religiosas, com traços étnicos não europeus. A imagem do Menino Jesus sentado
em lótus (figura 1), as vestes femininas das santas com barrados e bordados a lembrar os sáris – veste
típica das mulheres da Índia (figuras 2 e 3), os olhos fortemente amendoados e os cabelos mais ondulados
que os normalmente vistos nas imagens produzidas na Europa, apontam para uma outra origem de criação,
certamente oriental. Junto a eles muito mais se vê ao constatarmos o uso intenso dos pimentos, das
especiarias na gastronomia, da oferta dos produtos têxteis, entre outros, fluindo naturalmente nas
residências da cidade de São Salvador da Bahia, no século XVII. A colônia do Brasil visivelmente absorvia os
desejados produtos das índias, ainda que estes fossem quase todos ilícitos, haja vista a proibição das
negociações e comércio entre as colônias, pois só era permitida a relação direta com a Coroa portuguesa,
que então comercializava as mercadorias entre as suas possessões, numa ação de controle do comércio
ultramarino. Mesmo assim a cultura indo-portuguesa se introduzia no Brasil.
As naus da Índia, de volta de Macau e Goa, é que enchiam a Bahia de colchas de preciosa tela (...). A
bordo dos barcos vendiam os tripulantes, por preços ínfimos, esses pequenos tesouros do oriente,
que não havia marinheiro que não carregasse de Ormuz e Calicut, adquiridos ninguém sabe como.
Graças à humildade dos preços é que toda a gente ali se cobria com as colchas indianas, que
também serviam, nos dias festivos, assim no de Corpus Christi como no da Senhora da Conceição,
para engalanarem as janelas, derramadas para fora, a revestirem as paredes negras.3
Este quadro durou mais de dois séculos até que a falência da carreira da Índia - o elo entre as colônias,
resultada pelos custos dispendiosos e pelo alto número de naufrágios além da ação do imperialismo
britânico na Índia -, inviabilizaram no Brasil a continuação daquele intercâmbio comercial, pois as mesmas
naus, quando da viagem de ida para Goa, levavam do Brasil itens que foram introduzidos em Goa, Diu ou
Cochim, sendo o tabaco e o açúcar os mais comercializados. As ligações entre as duas colônias deixaram
um saldo significativo na história do Brasil colonial que oferece aos pesquisadores, cientistas sociais e
economistas argumentos que reforçam as afinidades de um momento histórico comum, que hoje
enriquece e fortalece a relação mútua que se dá entre as duas nações, Brasil e Índia, no campo das relações
2 MUHANA, A. Brasil: Índia Ocidental. São Paulo: Revista USP, n. 57, março/maio 2003. p. 46
3 idem, p. 42.
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internacionais regidas sobretudo pelo BRIC, bloco das principais nações emergentes, Brasil, Rússia, Índia e
China, e pelas aproximações que na contemporaneidade vem crescendo entre seus povos.
Toda a discussão, permeada pelo princípio da alteridade, desconstrói o etnocentrismo europeu e promove
uma reflexão sobre a diversidade cultural e as sociabilidades, numa dimensão interdisciplinar, sendo a
recente produção historiográfica delineadora desta reflexão.
A carreira da Índia e as relações intracolonias
Nos primórdios da formação da sociedade brasileira, entre os séculos XVI e XVII, a cidade de
Salvador, localizada no entorno geográfico da Baía de Todos os Santos, denominado recôncavo baiano,
assume papel estratégico como capital do Brasil, então colônia portuguesa; sede administrativa
responsável pelo desenvolvimento econômico das novas terras incorporadas.
A cidade era a cabeça política e administrativa da colônia americana; possuía bom ancoradouro,
relativamente abrigado; ficava aproximadamente no meio da extensa orla litorânea; estava mais
perto do reino que os portos do sul; oferecia facilidade de contato com as colônias da África
ocidental portuguesa, estimulado pelo tráfico de escravos; exportava entre outros produtos tabaco,
açúcar, madeiras, especiarias e fibras tropicais; era de fácil acesso para abastecimento e refresco
dos navios; apresentava recursos em matérias primas e proporcionava eventuais socorros de sua
praça de guerra. 4
Assim como no atlântico sul, Portugal também empreendia a mesma função de metrópole na costa oeste
do subcontinente indiano, especificamente em Goa, conquistada em 1510. Do Ceilão, passando por Cochim
na costa do Malabar, região sul da península, atual estado do Kerala, a Diu, no Golfo de Kambhat próximo
ao Mar da Arábia, estado de Gujarate, o Império Português possuiu mais de vinte territórios ocupados,
sendo Panjin conhecida como Velha Goa, capital do Vice-Reino, o principal elo comercial da Coroa,
conhecida como Goa Dourada ou a Roma do oriente, numa alusão ao esplendor dos reinos da Índia.
Posteriormente, outras partes do território, na costa leste, baía de Bengala, também foram áreas de
ocupação portuguesa com a instalação de entrepostos. É neste contexto que identificamos a “Carreira da
Índia”, rota marítima que unia Lisboa à Goa - incluindo em seu percurso o arquipélago dos Açores, a cidade
de Salvador e a Ilha de Moçambique – cidade insular na costa leste africana, ponto estratégico entre os
oceanos Atlântico e Índico.
4 LAPA, J. R. do A. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, Unicamp, 2000. p. 2
5
A designação de Carreira da Índia (...) compreende o roteiro e os navios portugueses, oficiais ou
particulares, que dele se serviram no desenvolvimento que Portugal manteve com o Oriente
durante determinado período. É, portanto, a rota marítima de Lisboa a Goa e vice-versa, através do
Atlântico e do Índico. Não é outro o significado que a designação toma no documentário da época.5
A carreira foi o evento histórico responsável pela integração comercial que descentralizou a movimentação
econômica do mediterrâneo e inaugurou vínculos em cultura e mercantilização entre novos povos, haja
vista o intercâmbio das dezenas de produtos de origem indiana que como mercadorias de forte apelo
comercial encontraram em Salvador um importante porto de escala, consumo e comercialização. Além da
pimenta, alvo principal da demanda européia, dezenas de outros itens tornaram-se demasiadamente
valiosos gerando negócios altamente lucrativos. O recôncavo baiano, partícipe deste contexto, recebeu
uma ampla gama de produtos e elementos da cultura da Índia portuguesa, no momento em que interagia
com os missionários jesuítas que se revezavam nas missões catequéticas e os navegantes, oficiais,
marinheiros e grumetes que atuavam na manutenção das naus e embarcações no estaleiro do porto de
Salvador, incluído para reabastecimento nas viagens da Carreira da Índia.
Ilhéus foi outro grande centro fornecedor de madeira para a construção naval, tanto da colônia
quanto do reino. Atendia os pedidos que iam de Salvador, com a finalidade de reparar embarcações
da carreira (...) o que indica claramente a existência de uma carpintaria naval adiantada no local,
que possivelmente se colocava como subsidiária do estaleiro do Salvador. 6
Especiarias e produtos têxteis, utensílios e objetos de cobre, louça ou marfim, incensos, salitre, mudas de
árvores frutíferas e até mesmo material para a construção de pequenos barcos conhecidos como “saveiros”
– que ainda hoje podem ser admirados no mar do recôncavo -, demonstram a influência e o importante
papel daqueles acontecimentos, repercutindo na sociedade baiana e, num segundo momento, nas
principais localidades brasileiras de então, como Recife e Rio de Janeiro.
Com base nos mapas de cargas dos navios, Lapa comprova que
mercadorias vindas diretamente do Oriente tinham entrada no Brasil, sobretudo pelo porto de
Salvador: drogas, especiarias, tecidos, porcelanas, móveis, adornos, utensílios domésticos, pedras
preciosas, frutas, manufaturas diversas. Embora incompletos, os dados desse comércio
surpreendem pelo vulto: as mercadorias orientais correspondem a um terço das que chegam ao Rio
e Pernambuco, e bem mais que a metade na Bahia. Citando estatísticas que mostra ter sido comum
o uso dos produtos orientais em todo o Brasil colônia, conclui que, devido à sua variedade,
quantidade e qualidade, “os produtos importados no Brasil provenientes da África e do Oriente não
5 Idem. p. 14-15. 6 Idem, p. 29.
6
deviam se restringir apenas à camada social superior dos colonos, havendo de atingir camadas da
população bem mais amplas”.7
Enfim, a evidência de alguns aspectos da Índia e demais culturas orientais no cotidiano do recôncavo
baiano e das principais áreas urbanas do Brasil colonial.
Embora esteja claro o vínculo comercial estabelecido entre as colônias portuguesas, notamos o papel
fundamental dos religiosos jesuítas nesse panorama multifacetado, cujos membros compunham as
tripulações das viagens da carreira, que tinha em seus padres muito mais que missionários catequizadores,
condutores de um diálogo de cultura e de investimentos econômicos que se estruturavam crescentemente
por fins comerciais e interesses religiosos.
O papel da Companhia de Jesus
A Cia. de Jesus, fundada por Inácio de Loyola, foi aprovada pela bula papal Regimini Militantis
Ecclesiae, de Paulo III, datada a 27 de setembro de 1540. Em 1549 chegam ao Brasil em caráter de missão,
liderados pelo Pe. Manuel da Nóbrega, integrando a expedição de Tomé de Souza, nomeado por Dom João
III, Governador-geral do Brasil que determina a fundação da cidade de Salvador, criada pela expansão da
pequena vila que surgira da instalação dos primeiros colonos portugueses. Os missionários jesuítas, embora
viessem para a catequese da população autóctone, outrora identificada como indígenas, tornaram-se em
todo o período colonial os responsáveis pela difusão da cultura cristã, com a pregação da fé católica e do
trabalho educativo. Edificam escolas e igrejas ampliando o domínio português. Fortalecem-se a partir do
momento em que desbravam as terras dos nativos no intenso trabalho de evangelização dos tupinambás.
Da mesma maneira isso ocorre na Índia portuguesa quando do uso da mão de obra dos “canarins”, indianos
convertidos ao cristianismo oriundos da Costa de Canará, litoral sul indiano, que atuavam no cultivo das
especiarias das propriedades jesuíticas. Detentora de terras, também em Salvador haverá de investir na
Quinta do Tanque, área para cultivo agrícola. É daí que se explica a sedimentação das culturas da pimenta,
cravo, canela, gengibre, noz-moscada, amora, coco, jaca e manga em solo baiano. O cristianismo católico se
estabelece como supremacia e se projeta em todas as dimensões sociais. O etnocentrismo europeu
instaura o seu status quo, a ordem estabelecida pelo Império Português. Este padrão estará presente na
mentalidade e no comportamento religioso. Desde os objetos de uso doméstico a outros de finalidades
diversas, os símbolos da cultura cristã predominam no modus vivendi brasileiro, imprimindo a cosmovisão
7 MUHANA, A. Idem, p. 42.
7
católica como matriz religiosa do Brasil. A iconografia dos santos católicos esculpidos em marfim,
provenientes da África ou da Índia, e delicadamente esculpidos por artesãos indianos, é um testemunho da
soberania cristã, mérito dos missionários da Cia. de Jesus, mas ao mesmo tempo retrata as operações
comerciais e políticas, a práxis cultural vigente, os valores impostos e a expressão anímica de povos
interligados por ideais e desafios comuns, por ações mercantilistas e métodos de exploração.
Nascidos do encontro de duas civilizações, copiados de modelos europeus importados, revelando no
delicado artesanato toda uma simbologia ainda presa a cânones orientais de representação, esses
marfins goaneses inundaram o Brasil nos séculos XVII e XVIII. Mas a riqueza e o valor dessas
pequenas peças residem justamente na sua humildade. São anônimas como os longíquos e
desconhecidos artesãos que as criaram e parecem guardar na sua cremosa e acetinada claridade, a
luz de uma humanidade sofrida, e operosa, toda a cálida suavidade das mãos que as esculpiram
com paciência e amor.8
Enquanto arte esta imaginária é uma das preciosidades de então, uma sofisticação do barroco, que retrata
a opulência do Império Português. Das inúmeras personificações do Cristo, os acervos sugerem ser o
Menino Jesus do Monte ou Bom Pastor (anexo – figura 1), uma das imagens mais difundidas. Detalhes e
formas peculiares são nele encontrados, indagando o passado sobre os limites entre o simbólico e o real, o
mítico e o político. Síntese da fé cristã, Jesus é propagado simultaneamente entre povos antagônicos.
Haverá um eixo que alinhará o pensamento do colonizador em seus colonizados. O sistema econômico
colonialista parece ter este papel. No comércio e na religião notamos a unidade colonial portuguesa.
Contudo é na dialética de gentios e cristãos que assimilamos a complexidade destas relações. Na economia
ultramarina há uma chave para compreendermos o contexto histórico, mas é na arte barroca, como um
dos mais expressivos aspectos da cultura indo-portuguesa que encontraremos as respostas que explicam
quem eram, como viviam, o que sentiam, como pensavam e no que acreditavam as populações das
sociedades lusitanas.
Se a Bahia, como sabemos, é predominantemente africana em sua identidade, notório se faz
reconhecer nesta hegemonia os elementos culturais indianos partícipes desse processo de aculturação,
circulação e sociabilidades, pois em todo o recôncavo é possível encontrar vestígios indo-portugueses na
sua formação histórico-cultural, assim como também o é localizar em outros centros. Dentro desse quadro
buscamos refletir sobre quais as raízes daquilo que sutilmente há em comum entre a Índia e a Bahia,
enquanto paisagem social tropical e saber como os componentes culturais indianos foram adaptados e
inseridos no território brasileiro. No barroco, além das chinesices, a imaginária nos leva a centenas de peças
em marfim que se espalharam como objetos preciosos nas sociedades lusitanas do período moderno. Por
8 FRAGA, M. Folder exposição – marfins – coleção Orlando de Castro Lima. Museu de Arte Sacra da Bahia. Salvador: Universidade
Federal da Bahia. 2001
8
isso identificamos uma das funções da religião como a liga que fará, entre as terras portuguesas separadas
pelo mar, uma unidade em seu mosaico que mescla o mercantilismo e a religiosidade como características
principais de uma das mais importantes culturas do séc. XVII. Portugal, no Brasil pretende colonizar e
expandir, na Índia explorar e comercializar seus recursos, mas observamos outro fator, o controle do
avanço islâmico, que em Malabar, reproduzia o que já houvera na península ibérica, a supremacia dos
árabes no setor financeiro. A engenharia do colonialismo, eficiente e cruel, nos leva a um criticismo político
e econômico. O papel da Igreja nos ajuda a desconstruir a soberania dos reis de Portugal. A burguesia
portuguesa voltada para os lucros com o Brasil, mais rentáveis que os da Índia dados os altíssimos custos
que a empreitada da carreira impunha, indica os rumos históricos seguintes. A arte barroca silente ante a
polissemia das grandes navegações é, paradoxalmente, o reflexo a nos falar, na contemporaneidade,
daquele momento sui generis da nossa história. No barroco brasileiro o testemunho da cultura indo-
portuguesa inserida no mosaico cultural do país.
Considerações finais
A interação comercial e a integração pluricultural no império português proporcionaram o
fortalecimento da presença indo-portuguesa no Brasil colonial, que têm suas origens históricas no
colonialismo, na Carreira da Índia e na atuação da Cia. de Jesus, cujos missionários exerceram ação
fundamental nas relações multilaterais dos territórios portugueses. Daí aprofundarmos a reflexão sobre o
fenômeno dessa aculturação e observar na imaginária barroca um panorama de todo o contexto. Questões
estéticas e políticas constroem um paralelismo cujas interpretações ilustram e esclarecem um período
histórico que antecipa conceitos e padrões encontrados na contemporaneidade. A suposta “fronteira” que
separa ocidente e oriente é a capacidade restrita de convívio com a diversidade. Ao passo que, se os
avanços tecnológicos agregam desenvolvimento lançando um olhar para o futuro, rememorar o passado e
seus desdobramentos é promover e valorizar a identidade no combate aos preconceitos e no
reconhecimento do papel das minorias que perpassam o poder hegemônico, a cultura e a sociedade. A
arte, na contextualização política, pode apontar respostas, caminhos para novas interpretações das
conjunturas sociais, mas deverá estar isenta do anacronismo perverso justificado pelas ideologias
dominantes. Portadora do conhecimento e dos princípios universais, não lhe caberá aqui analisar valores,
crenças ou mecanismos sociais, mas permitir a livre manifestação da criação enquanto expressão pura dos
anseios humanos em seus espaços e temporalidades. O barroco brasileiro é a mais rica fonte de
informações sobre o período colonial em qualquer das suas expressões artísticas. Sua imaginária é um
terreno inesgotável de hipóteses e reflexões, e em seu conjunto o resultado de um Brasil genuinamente
mestiço. A partir destas constatações a investigação sobre as circularidades e sociabilidades na formação
9
cultural do Brasil oferece novos parâmetros para uma leitura que busca comparar e redimensionar as
relações multiculturais e internacionais vigentes às dinâmicas do processo histórico das aproximações
intracoloniais.
10
Seleção de alguns exemplares (figuras 2 e 3) do acervo do MHN (Museu Histórico Nacional), coleção Souza
Lima, recolhidos do seu site oficial. As imagens ilustram o mesmo estilo e técnica das peças encontradas
(ex.: figura 1) no MAS (Museu de Arte Sacra da Bahia). A escolha na exibição desse acervo do MHN
intencionalmente informa sobre a ampla circulação dessas estatuetas na Bahia e na maior parte das
grandes cidades do Brasil colonial. (acesso em 26.06.2010, às 15.37hs)
figura 1
Menino Jesus Bom Pastor – séc. XVIII. Museu de Arte Sacra / UFBA, Salvador – BA
MAIA, Pedro M. O Museu de Arte-Sacra da Universidade Federal da Bahia. São Paulo: Banco Safra, 1987 p. 123.
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NOTA DE FIM
MUHANA, Adma. Brasil: Índia Ocidental. São Paulo: Revista USP, n. 57, março/maio 2003.
FRAGA, Myrian. Folder exposição – marfins – coleção Orlando de Castro Lima. Museu de Arte Sacra da Bahia. Salvador:
Universidade Federal da Bahia. 2001.
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, Unicamp, 2000.
Este trabalho é fruto de pesquisa com financiamento da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, cujo projeto “ Brasil e Índia no Império Colonial Português, século XVII: aproximações e circularidades”
vem sendo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação/ Mestrado em História Social, na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUC/SP.